PRISTA Revolucao Turismo e Antropologia
PRISTA Revolucao Turismo e Antropologia
PRISTA Revolucao Turismo e Antropologia
Edição electrónica
URL: https://journals.openedition.org/etnografica/16100
DOI: 10.4000/etnografica.16100
ISSN: 2182-2891
Editora
Centro em Rede de Investigação em Antropologia
Edição impressa
Paginação: 279-288
ISSN: 0873-6561
Refêrencia eletrónica
Marta Prista, «Revolução, turismo e antropologia», Etnográfica [Online], número especial | 2024, posto
online no dia 23 abril 2024, consultado o 25 abril 2024. URL: http://journals.openedition.org/
etnografica/16100 ; DOI: https://doi.org/10.4000/etnografica.16100
Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos
importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.
etnográfica número especial 50 anos 25 abril 2024: 279-288
1 Nasci depois de abril, depois do PREC, e assim me cantarolavam entre a provocação e o carinho
quando expressava nostalgia do que não vivi, adaptando O Sonho Acabou (Gilberto Gil 1972).
2 RTP Arquivos, “Dia do Turista em Lisboa”, 20/04/1968.
3 Susana Salvador, “Ramon Font: o homem da Catalunha em Lisboa”, Diário de Notícias, 11/09/2016.
4 Tanto Mar (Chico Buarque 1974).
5 Liberdade (Sérgio Godinho 1974).
REVOLUÇÃO, TURISMO E ANTROPOLOGIA 281
família, Patrick Weil até guia uma excursão em autogestão no governo do alo-
jamento e itinerário.8 Voluntários juntam-se a movimentos organizados, como
os Companheiros Construtores, de inspiração católica, para trabalhar e conhe-
cer o país através das famílias que os hospedam e com quem convivem (Baía
2012). Na Cidade Universitária, instala-se um campo de juventude interna-
cional para fazer “política prática” na troca cultural entre revolucionários de
diferentes nacionalidades.9 E os estudantes lançam o turismo estudantil para
trazer jovens da província à cidade em atividades educativas, para levar jovens
à província a estabelecer “contacto profundo” com realidade e gente do país.10
De outros turistas no exterior do aparato que lhes dá rastro sabe-se pouco.
Da Europa chegam atraídos pelo sol e pela festa, pelo baixo custo de vida e
pela ausência de turistas. A esquerda francesa viaja para Portugal como des-
tino revolucionário quase exótico no atraso que promete a experiência de si e
do outro (Pereira 2010). De Espanha, vêm também em busca de “souvenirs de
liberdade”, práticas que proibidas em casa tornam Portugal em experiência de
emancipação e consumo cultural (Luís 2019). Nas estradas, veem-se mochilei-
ros alemães a caminho do Algarve para beber cerveja na praia e falar com os
pescadores na lota.11 Depois da FNAT, o INATEL conduz o direito ao repouso,
lazer, cultura e desporto na oferta de turismo social e animação cultural. Como
o exercem operários e pescadores, camponeses do norte e trabalhadores do sul
é questão que fica. Mas, organizados e não, não são “hordas de turistas” que
compensem a perda da “clientela habitual” afugentada pela “imprensa alar-
mista” (Colombani 1976: 139).
Diz a história, “para a luta política em curso, o turismo é irrelevante” (Brito
2003: 835), um hiato entre a década de ouro de 1960 e a política de desenvol-
vimento regional de 1980. Talvez. Mas Abril tornou-se sinónimo de liberdade
– liberdade de movimento e de associação, de expressão política e ético-
-moral, de experiências e sociabilidades, lazer e consumo, liberdades que fazem
o sortido de práticas que fazem o país em movimento. Desenhado na viagem
e no encontro com o outro, o turismo é expressão desta liberdade, e da disci-
plinação das suas possibilidades. Claro que a recessão económica internacional
se reflete no setor, nacionalizações e intento contra o sistema produtivo oli-
gárquico geram quebras de produtividade e inflação, a descolonização encerra
o mercado colonial e traz milhares de cidadãos sem habitação nem trabalho,
enquanto novas condições laborais e correções salariais combatem a explora-
ção e retraem o investimento privado. De atividade em ascensão, o turismo
quebra em metade. A revolução tem de o pensar.
14 Marvine Howe, “Political tourists flock to see Portugal’s revolution”, The New York Times, 07/09/1975.
15 Destaca-se o trabalho de Maureen Moynagh, Paul Hollander, Florence Babb, Bing Zuo, John
Hutnyk.
REVOLUÇÃO, TURISMO E ANTROPOLOGIA 285
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Sónia Vespeira de, 2007, “Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica
do MFA: uma etnografia restropectiva”, Arquivos da Memória, 2: 47-65.
ALMEIDA, Sónia Vespeira de, 2009, Camponeses, Cultura e Revolução: Campanhas de Dinami-
zação Cultural e Acção Cívica do MFA (1974-1975). Lisboa: Edições Colibri.
ARAÚJO, António, 2019, “Morte à PIDE!”: A Queda da Polícia Política do Estado Novo. Lisboa:
Tinta da China.
BAÍA, João, 2012, SAAL e Autoconstrução em Coimbra: Memória dos Moradores do Bairro da Rel-
vinha 1954-1976. Lisboa: 100 Luz.
BARROS, Afonso, 1981, A Reforma Agrária em Portugal: Das Ocupações de Terras à Formação das
Novas Unidades de Produção. Oeiras: Instituto Gulbenkian Ciência.
BRANCO, Jorge Freitas, e Luísa Tiago de OLIVEIRA, 1993, Ao Encontro do Povo – I: A Missão.
Oeiras: Celta.
BRITO, Sérgio Palma, 2003, Notas sobre a Evolução do Viajar e a Formação do Turismo. Lisboa:
Medialivros.
COLOMBANI, Christian, 1976, “O incómodo legado do salazarismo”, Portugal na Imprensa
Estrangeira. Lisboa: Secretaria de Estado da Comunicação Social, 137-142.
EDENSOR, Tim, 2001, “Performing tourism, staging tourism”, Tourist Studies, 1: 59-81.
GRABURN, Nelson, 1978, “Tourism: the sacred journey”, in Valene Smith (org.), Hosts
and Guests: The Anthropology of Tourism. Filadélfia, PA: University of Pennsylvania Press,
21-36.
LUÍS, Rita, 2019, “Espanhóis em Portugal: ócio, militância e exílio no contexto do processo
revolucionário (1974-1975)”, in Núria Codina Solà e Teresa Pinheiro (orgs.), Iberian
Studies: Reflections Across Borders and Disciplines. Berlim: Peter Land, 115-137.
MACCANNELL, Dean, 1976, The Tourist: A New Theory of the Leisure Class. Nova Iorque:
Schocken.
OLIVEIRA, Luísa Tiago, 2004, Estudantes e Povo na Revolução, O Serviço Cívico Estudantil
(1974-1977). Oeiras: Celta.
PEREIRA, Victor, 2010, “ ‘Será que verei Lisboa?’ Peregrinações de franceses no Processo
Revolucionário em Curso”, Relações Internacionais, 25: 91-105.
PEZZONIA, Rodrigo, 2016, Exílio em Português: Política e Vivências de Brasileiros em Portugal
(1974-1982). São Paulo, Universidade de São Paulo, tese de doutoramento em História
Social.
PINA, Paulo, 1988, Portugal: O Turismo no Século XX. Lisboa: Lucidus.
PIRES, José Cardoso, 1999, “Literatura e Revolução dos Cravos”, E Agora, José? Lisboa:
Publicações D. Quixote, 223-230.
POUCHIN, Dominique, 1994, “O último teatro leninista”, Mário Mesquita e José Rebelo
(orgs.), O 25 de Abril nos Media Internacionais. Porto: Afrontamento, 179-183.
SALAZAR, Noel e Nelson GRABURN (orgs.), 2014, Tourism Imaginaries: Anthropological
Approaches. Nova Iorque: Berghahn Books.
SANCHEZ, Peter, e Kathleen ADAMS, 2008 “The Janus-faced character of tourism in Cuba”,
Annals of Tourism Research, 35 (1): 27-46.
SANTOS, Boaventura de Sousa, 1984, “A crise do Estado e a Aliança Povo/MFA em 1974-
-1975”, Seminário 25 de Abril: 10 Anos Depois. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
45-48.
288 MARTA PRISTA etnográfica número especial 50 anos 25 abril 2024: 279-288
SILVA, Maria Cardeira da (org.), 2004, Outros Trópicos: Novos Destinos Turísticos, Novos Terre-
nos da Antropologia. Lisboa: Livros Horizonte.
URRY, John, 1990, The Tourist Gaze. Londres: Sage.
ZUO, Bing, Songshan HUANG, e Luhu LIU, 2015, “Tourism as an agent of political sociali-
sation”, International Journal of Tourism Research, 18 (2): 176-185.