362 - Povos Originários 9
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362 - Povos Originários 9
COMITÊ TÉCNICO
Volume 9
Organizadores
Carlos Alberto Sarmento do Nascimento
Alexandre de Castro Campos
Fernando da Cruz Souza
Ariadne Dall’Acqua Ayres
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Carole Kümmecke - https://www.conceptualeditora.com/
Povos Originários e Comunidades Tradicionais: trabalhos de pesquisa e de extensão universitária – Volume 9 [recurso
eletrônico] / Carlos Alberto Sarmento do Nascimento; Alexandre de Castro Campos; Fernando da Cruz Souza; Ariadne
Dall’Acqua Ayres (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021.
329 p.
ISBN - 978-65-5917-362-4
DOI - 10.22350/9786559173624
CDD: 177
Índices para catálogo sistemático:
1. Comunidade e sociedade 177
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA – UFRR
REITOR EDITORA DA UFRR
José Geraldo Ticianeli Diretor da EDUFRR
Fábio Almeida de Carvalho
VICE-REITOR
Silvestre Lopes da Nóbrega CONSELHO EDITORIAL
Alcir Gursen de Miranda
Anderson dos Santos Paiva
Bianca Jorge Sequeira Costa
Fabio Luiz de Arruda Herrig
Georgia Patrícia Ferko da Silva
Guido Nunes Lopes
José Ivanildo de Lima
José Manuel Flores Lopes
Luiza Câmara Beserra Neta
Núbia Abrantes Gomes
Rafael Assumpção Rocha
Rickson Rios Figueira
Rileuda de Sena Rebouças
Prefácio 13
Patrick Maurice Maury
Capítulo 1 17
A comunidade de remanescentes do quilombo da Ilha da Marambaia: um breve
histórico do seu território e de sua luta pelo autorreconhecimento
The Quilombo Remaining Community of the Island of Marambaia: a brief history of its territory
and its struggle for self-knowledge
Cristiano Gomes de Oliveira
Márcio de Albuquerque Vianna
Palavras-chave: Quilombo da Ilha de Marambaia. Remanescentes. Ilha de Marambaia (RJ).
Keywords: Marambaia’s Island Quilombo. Remaining. Marambaia Island (RJ).
Capítulo 2 43
Narrativas caiçaras: resistências, permanências e pertencimento ao lugar
Caiçara narratives: resistance, permanence and belonging to the place
Larissa Gândara Simão
Luciene Cristina Risso
Palavras-chave: Povos Tradicionais. Território. Experiências. Unidades de Conservação. Reserva
Ecológica Estadual da Juatinga.
Keywords: Traditional peoples. Territory. Experiences. Preservation Units. State Ecological Reserve of
Juatinga.
Capítulo 3 75
O valor sociocultural da terra e do território para os povos indígenas afetados pela
usina hidrelétrica de belo monte: uma reflexão necessária
The socio-cultural value of land and territory for indigenous peoples affected by the Belo Monte
Hydroelectric Plant: a necessary reflection
Auristela Correa Castro
Martha Luiza Costa Vieira
André Cutrim Carvalho
Palavras-chave: Indígenas; Sociocultural. Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Território.
Keywords: Indigenous; Sociocultural. Belo Monte Hydroelectric Power Plant. Territory.
Capítulo 4 99
Resgatando a caça histórica de peixes-bois na Amazônia durante e após a ‘época da
fantasia’
Rescuing the historic hunting of manatees in the Amazon during and after the ‘fantasy time’
Salvatore Siciliano Renata Emin-Lima
Alexandra Fernandes Costa Marcelo Derzi Vidal
Palavras-chave: Conservação. Fauna silvestre. Espécie ameaçada. Populações tradicionais.
Keywords: Conservation. Wild fauna. Endangered species. Traditional populations.
Capítulo 5 126
Territórios quilombolas sobrepostos a UCS de proteção integral em Minas Gerais:
aspectos legais e conservação da natureza
Territories of quilombolas communities overlaps to protected areas of indirect use in minas
gerais: legal aspects and nature conservation
Raquel Faria Scalco
Bernardo Machado Gontijo
Palavras-chave: Unidades de Conservação. Comunidades Quilombolas. Minas Gerais. Sobreposição
Territorial. Conflitos Socioambientais.
Keywords: Protected Areas. Quilombolas Communities. Minas Gerais. Territorial Overlap. Socio-
environmental Conflicts.
Capítulo 6 162
Cartografia social no contexto de tragédias-crime ambientais: encontro entre
saberes para a construção de territorialidades em uma Aldeia Pataxó
Social cartography in the context of environmental tragedy-crime: encounter between
knowledge for the construction of territorialities in a Pataxó Village
Amanda Ribeiro Carolino Juliana de Lima Passos Rezende
Bernardo Carrusca Camilo de Oliveira Virgínia Simão Abuhid Burkhardt
Henrique Martins Cardiel Armindo dos Santos de Sousa Teodósio
Juliana de Lima Caputo
Palavras-Chave: Cartografia Social; Povos Indígenas; Tragédias; Conflitos Ambientais; Extensão
Universitária; Pataxó.
Keywords: Social Cartography; Indian People; Tragedy; Environmental Conflitcts; University-
Community Projects; Pataxó.
Capítulo 7 184
Conflitos territoriais no quilombo de Santa Rita do Bracuí (RJ): entre lutas e
resistências pela manutenção do bem viver
Territorial conflicts in the Quilombo of Santa Rita do Bracuí (RJ): between struggles and
resistance for the maintenance of good viver
Daniel Neto Francisco
Lucimar Ferraz de Andrade Macedo
Lamounier Erthal Villela
Palavras-chave: Especulação Imobiliária. Rio Bracuí. Territorialidade.
Keywords: Real estate speculation. Bracuí River. Territoriality.
Capítulo 8 207
Terras indígenas e mineração em rondônia: perspectivas para uma avaliação jurídica
Indigenous lands and mining in Rondônia: prospects for a legal evaluation
Karen Roberta Miranda João Vitor Carneiro da Silva
Amanda Pereira Serafim Neiva Araujo
Daniel Ferro Nobre de Lima
Palavras-chave: Amazônia; Demarcação; Extrativismo; Recursos naturais; Território.
Keywords: Amazon; Demarcation; Extractivism ; Natural resources; Territory.
Capítulo 9 242
Imagens e sobrevivências decoloniais: conhecimentos da terra
Images and decolonial survival: knowledge of the earth
Marisangela Lins de Almeida
Palavras-chave: Faxinais. Quintais domésticos. Conhecimentos. Mulheres. Imagens.
Keywords: Faxinais. Home Gardens. Knowledge. Women. Images.
Capítulo 10 262
Quelônios e ribeirinhos na Floresta Nacional de Caxiuanã, Pará
Turtles and riverine people in the National Forest of Caxiuanã, Pará
Daniely Félix-Silva José Benedito Alvarez Júnior
Juarez Carlos Brito Pezzuti Marcelo Derzi Vidal
Rosyvaldo Miranda dos Santos
Palavras-chave: Amazônia. Etnobiologia. Conservação. Quelônios. Reprodução.
Keywords: Amazon. Ethnobiology. Conservation. Chelonians. Reproduction.
Capítulo 11 297
“A cidade é nossa roça, nossa luta é na carroça”: a comunidade tradicional carroceira
de Belo Horizonte e região metropolitana
“The city is our road, our fight is in the cart”: the Traditional Carroceira Community of Belo
Horizonte and the metropolitan region
Emmanuel Duarte Almada
Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira
Palavras-chave: Estudos Multiespécies. Racismo Ambiental. Ruralidades.
Keywords: Multispecies Studies. Environmental racism. Rurality.
1
Professor visitante. PEPEDT/UFRRJ
2
Conceito emblemático do pensamento de Eduardo Viveiro de Castro para falar da alteridade no diálogo entre
ameríndios e outros entes naturais como montanhas, bacias hidrográficas, florestas e animais...
14 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
3
Dar, Receber a dádiva, Retribuir a dádiva.
4
Demostra objetivamente um grau de complexidade do pensamento aborígene análogo à inteligência artificial-AI
5
Glowczewski, Barbara. Devires totêmicos, Cosmopolítica do Sonho. São Paulo, n-1 edições 2015, p.109-113
6
Davi Kopenawa, Albert Bruce. A Queda do Céu, Palavras de um xamã yanomami, São Paulo, Companhia das Letras,
2015, 720p. (com tradução para o francês, reeditada em livro de bolso).
7
PEPEDT/UFRRJ – Programa de Ensino Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da
UFRRJ.
8
CANÇADO, Airton. Gestão Social e Economia Solidária – para além do mimetismo: outra gestão é possível?
REVISTA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA 10.1 (2016) 19-43.
16 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e de uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGEduCIMAT/UFRRJ).
Professor Efetivo da Prefeitura Municipal de Mangaratiba – RJ. Endereço: Rua Um, Qd: 71, Nova Sepetiba – Rio de
Janeiro – RJ. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/2274201811970613 E-mail: [email protected]
3
Doutor em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária (PPGCTIA/UFRRJ - Universidade Nacional de Rio
Cuarto - Argentina). Professor Adjunto do Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino (DTPE/UFRRJ).
Docente Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGEduCIMAT/UFRRJ). Link para o
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1194444335975667 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6751-7926 E-mail:
[email protected]
18 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Figura 2 - Ponte Velha, desativada pelo exército, mais ao fundo a ponte Nova,
com acesso restrito a militares.
Figura 5 - Comitiva do presidente Getúlio Vargas chegando à Ilha da Marambaia, em bonde puxado por me-
ninos uniformizados, sendo recebida pela população, em 1940 (Agência Nacional, 23 jun. 1940)
Figura 7 - Alunos da EPDV aprendendo a construir barcos e consertar peças das embarcações
nos estaleiros da Escola (Agência Nacional, 2 jan. 1944).
Figura 8 - Instalação central do CADIM e uma das antigas instalações da Escola de Pesca.
Considerações finais
Referências
CAMINHA, Mônica Cruz. A Escola de Pesca do Abrigo Cristo Redentor do Rio de Janeiro e
a formação profissional do pescador brasileiro no Estado Novo, 1937-1945. História,
Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 26, p. 215-233, 2019.
CASTRO, Marcela Baudel de. A natureza jurídica da propriedade quilombola. Revista Jus
Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3730, 17 set. 2013. Disponível em
<https://jus.com.br/artigos/25324>. Acesso em abril 2021.
MOTTA, Márcia. Ilha da Marambaia: história e memória de um lugar. In: Elione Silva
Guimarães & Márcia Maria Menendes Motta. (Org.). Campos em disputa. História
Agrária e companhia. 1ed. São Paulo: Annablume, 2007, v. 1, p. 295-317.
NOBREGA, L. A.. A dificil vida num paraíso: Ilha da Marambaia/RJ. In: XXIII Simposio
Nacional de História, 2005, Londrina/PR. Anais do XIII Simpósio Nacional de
História, 2005.
________. Projeto: Quilombos do Sul Fluminense - História, Memória e Direito na luta pela
titulação de seus territórios. In: 7º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil
Meridional, 2015, Curitiba. 7º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil
Meridional, 2015.
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e de uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas). Este capítulo é parte da dissertação de mestrado de SIMÃO, L.G., 2021.
2
Mestre em Geografia (UNESP). Endereço: Rua Doutor José da Silva Carvalho, 275. Jardim Lagoinha. Santa Rita do
Passa Quatro – SP. Endereço do currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1856725839362669
Endereço do ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7998-0931 E-mail: [email protected]
3
Doutora em Geografia (UNESP). Mestra em Conservação e Manejo de Recursos (UNESP). Graduada em Geografia
(UNESP). Professora Assistente Doutora da UNESP (Ourinhos/SP). Docente do Programa de Pós-Graduação em
Geeografia (UNESP/Rio Claro). Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/1644614435495857 ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-6238-356X E-mail: [email protected]
44 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Calvente (1993, p. 20) afirma que no litoral a cultura caiçara está viva
há séculos e “não se extinguiu e nem se contrapôs em bloco à cultura do-
minante no processo de urbanização; vão coexistir, de forma simultânea,
práticas que recusam, aceitam ou apenas se conformam à nova lógica de
produção do espaço”.
Ainda segundo a autora (1993, p. 88), “assim como a cultura, o terri-
tório carrega uma grande carga de subjetividade: é como as pessoas veem
o espaço ao qual pertencem, no qual têm a familiaridade do cotidiano e de
densas relações sociais formadas por parentesco e vizinhança” e aponta
que a cultura está em pleno movimento, é dinâmica “e se transforma a si
própria sempre que necessário”.
[...] se caracterizam pelo controle e pelo domínio, pela apropriação e pela re-
ferência, pela circulação e pela comunicação, ou seja, por estratégias sociais
que envolvem as relações de poder, materiais e imateriais, historicamente
constituídas. Os homens têm centralidade na formação de cada território: cris-
talizando relações de influência, afetivas, simbólicas, conflitos, identidades etc
(SAQUET, 2009, p. 85).
Desta forma, a partir das últimas décadas do século XX, fica evidente
a mudança de enfoque nos estudos sobre território com a incorporação da
dimensão cultural em sua análise. Nota-se a presença tanto da materiali-
dade quanto da imaterialidade nas suas concepções, fortalecendo a visão
simbólica do mesmo. Portanto, território é constituído de simbolismos,
identidades e memórias pela comunidade que o habita.
Porque tem lugar que a gente não pode mais nem pisar no mar, [mas aqui] é
o pessoal trazendo os peixes, a gente vendo o peixe na canoa, puxando a rede
na praia. Já buscamo muita lenha, já buscamo muita mandioca plantada aí
nesses morro tudo no tempo dos meus avós, do meu pai, hoje em dia é tu-
rismo, ninguém mais quer saber de roça, de plantar. Fala hoje em roça perto
dos meus netos, até dos meus filhos mesmo, ninguém qué, tudo é o mais fácil
né. Nós fomo criado com peixe, caldeirada, pirão, hoje meus netos não come
peixe, já é outra geração né, só qué o mais fácil (ELIZABETH ARAÚJO ALBINO,
2020).
Aqui já teve um grileiro que queria toma isso aqui nosso, com descendência
de turco. Eu que fiz a ocorrência, eu que chamei o repórter pra nos socorrer,
eu que fiz a ligação toda. Nóis foi ameaçado com polícia armada, tinha búfalo
também. Os búfalos chegavam até aqui, vamo dize as parede de barro, agora
não é mais né, mas antes era de barro e os búfalo chegava até aqui, passava
aqui, a praia toda tinha cocô de búfalo, comia a roça toda, a parede da casa. Na
nossa época nóis bebia água da cachoeira, bebia água com cocô de boi, ele to-
mava banho aquele danado, adora uma água, adora uma lama, então nóis
fomo chocado com esse bicho aí, ele botou esse boi solto pra tirá nóis, nóis
comemo folha de banana, mas não saimo daqui. Teve gente que saiu sim, fico
só treze famílias, tinha duzentas e poucas e fico só treze e eu fui uma delas. Eu
tive no Rio, tive no Ministério da Fazenda, eu tive em reunião lá no Rio, Tri-
bunal de Justiça, tive em Paraty, acompanhei essa luta toda aí, tudo nas minhas
costas, carreguei essa luta toda nas costas. Os advogados, o juiz que nóis ti-
vemo as conversas falaram ó gente por dinheiro nenhum vocês vendem aquela
terra de vocês, não dão a terra de graça, não deixa ninguém entrar na terra.
Hoje vende por diz mil, cinco mil, três mil reais, tão dando terra ai. Sendo que
nóis, cabelo branco, 75 anos, eu não vendo um palmo de terra, porque é meu
e dos meus filhos, mas esses novinhos aí tão vendendo, tão botando gente de
fora pra caramba (ARGEO DE CASTRO, 2020).
Seu Argeo não deixou o seu território após as várias investidas por
parte do grileiro, que tentou tomar aquelas terras para si. Dona Elizabeth
também relembra da maior disputa pela qual seus familiares e amigos da
comunidade do Sono já passaram e conta que, na época, saiu da praia e foi
morar em Paraty, voltando algum tempo depois. Mas, na verdade, isso não
Volume 9 | 61
aconteceu com todas as famílias que deixaram o Sono, muitas delas aca-
baram não conseguindo voltar e a maioria foi morar em Paraty ou em
Ubatuba.
O medo que a gente tinha aqui era do doutor Gibrail, era um homem muito
rico né e disse que era o dono disso aqui tudo, era dono de muita terra, só que
ele lutava mais por isso aqui, ele tinha assim uma resinga sei lá, uma raiva do
pessoal aqui que dizia que era deles então a briga toda era aqui, com o pessoal,
então muita gente saiu por causa disso, nessa época. Ele levou alguma família
pra morar em São Paulo, deu emprego lá, mas a gente tinha esse medo,
quando ele chegava aqui com polícia, a gente era tudo pequeninho, não acos-
tumava com esse negócio de polícia na porta e a gente tinha esse receio, ele
intimidava. Meu sogro ficou, minha sogra, a gente foi morar em Paraty.
Quando eu sai eu tinha uns dezessete anos, fomo morar na Praia do Sobrado,
no Mamanguá, meu pai tinha terra lá, casa, depois eu voltei pra casar aqui,
com dezoito anos (ELIZABETH ARAÚJO ALBINO, 2020).
O Sono tá como local indefinido ainda de dono, tão numa briga lá em Brasília,
então a gente tá lutando pra ganhar nosso território, porque todo mundo tem
medo. Então nós tamo ainda na luta, o negócio não acabou, só que eles tem
que entender que nós tamo aqui há muitos anos, mas quem toma as decisões
nunca vieram no nosso lugar, quem fala que nós não somos caiçaras nunca
vieram ver o dia com a gente, quem toma a decisão se a pesca da cavala é em
tal época, o cara nunca pescou cavala na vida, então, tipo, se um cara lá em
cima chega um papel pra ele falando que não somos mais caiçara ele assina, aí
vem polícia cumprir sua tarefa e tira nós. Como era antigamente na época do
Gibrail, ele fazia um papelzinho pro povo ingênuo, trazia os jagunços armados
e tá aqui o papel, o pessoal na época via o papel e tinha medo. Hoje não, hoje
somos cabeça, só que se um cara lá de cima fizer um trato aí lascou, tira nós
62 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
daqui. Então nós ainda tá lutando pra conseguir nosso direito de terra. Eles
entra com muito dinheiro mesmo e nós somos carente, tamo brigando com os
mais fortes do Brasil, tem até agência de turismo que quer entrar aqui, então
é uma briga constante, cada dia que você acorda, você sendo liderança [na
época da entrevista, Sérgio era presidente da Associação dos Barqueiros e
membro da Associação de Moradores], todo dia você acorda com uma briga
pra briga. E tem muito morador que ainda não sabe disso, acham que a terra
é nossa, é nossa mesmo, só que os caras podem tá tomando da gente. É muito
triste isso, a gente perde várias coisas pra gente que não sabe da nossa reali-
dade. Eles julgam a gente (SÉRGIO DOS REIS CONCEIÇÃO, 2019).
Pra isso dar uma amenizada [especulação imobiliária], o sindicato rural, junto
com a comunidade acionaram o Minc, que na época era o Secretário de Meio
Ambiente ou o governador, não sei quem era na época e aí, rolou a proposta
de fazer uma área de proteção ambiental pra proteger a gente, caiçaras, e foi
criada a Reserva Ecológica da Juatinga em 90. Só que a ideia de criar essa re-
serva era de proteger os caiçaras dos grileiros e a gente ficar em paz, só que
quando foi fazer, eles colocaram no documento que era non edificandi e aí
começou outra briga, pra recategorizar e regularizar. Então essa unidade que
se criou não faz parte do SNUC, não existe, mas tem as leis que tem que ser
cumpridas, só que também tem uma APA, a reserva foi feita dentro da APA,
então a gente segue um pouco a lei da APA (LEILA DA CONCEIÇÃO, 2019).
Aqui no Sono, o Meio Ambiente queria mudar a reserva do Sono pra Parque
Nacional, só que os caiçara não aceitaram e nós não vamo aceitar ser Parque
Nacional porque aqui não podemo construí nada, não podemo desmancha
uma coisinha, não vamo poder melhorar nossa casa, porque se virar Parque
Nacional não vai poder mexer em nada, então nós não aceitemo, eles vieram
aqui querer mudar essa história aqui. Outra coisa é que eles proibiro nós de
plantar alguma coisa aqui, que nóis queria plantar um feijão, mas eles proi-
biro. Lá em cima, perto do poço do jacaré são uma baixada imensa que vai
embora, dá pra construir muita casa, inclusive o pessoal daqui pegou um pe-
daço, pra plantar, criar galinha, limpemo tudo, rocemo tudo, só que daí o meio
ambiente veio e embargaro tudo. O INEA que fala onde a gente pode fazer a
cozinha, os banheiros do camping, pra não sujar o riozinho, então eles anda-
ram proibindo, pra não fazer nada em beira de córrego, nem fossa, nem caixa
d’água. O pessoal do meio ambiente vem aqui, uma vez no mês eles vem ai
fazer reunião com o pessoal, chama o presidente da associação pra passar os
detalhe aqui do lugar, o que que tá acontecendo, o modo de construir, a ma-
neira de trabalhar na praia, sobre o lixo, tem que manter a ordem do barco vi
pegar, o dia certo, quem tem bar na beira da praia, restaurante tem que ter o
latão de lixo certinho, ó é uma série de regras que eles passa aí, tudo isso é
feito na associação, as reunião é tudo ali (EUZÉBIO JOSÉ ALBINO, 2019).
Já teve esse negócio de parque nacional, já teve essas coisas aqui já, mas a
turma não aceitaram muito não, depois veio várias proposta pra cá, veio várias
coisa de INEA, mas não conseguiu não. Hoje eles faz o que, eles vem aqui pra
dar uma segurada, tipo assim, pra não dá muito movimento, quando vem au-
toridade a noite pra segurar porque é muito movimento, porque é perigoso
né, muito turista que vem, tem balada, então eles dão uma segurada, mas não
incomoda muito não. De vez em quando eles faz umas reunião aí, e alguns da
comunidade participa, alguns não, tem essa desvantagem também que a co-
munidade não se une muito pra ir na reunião. Eu aviso aqui na rádio da
reunião, mas não participam muito não, mas alguns participam, bem pouco.
66 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Há uns anos atrás, uns cinco, seis anos atrás eu acho, a gente começou a tra-
balhar na recategorização da REEJ, que era pra ser recategorizada em 92, mas
isso nunca foi feito e aí a gente começou a brigar por uma RDS que é uma
Reserva de Desenvolvimento Sustentável e isso tá lá até hoje, teve uma audi-
ência pública que deu uma briga danada, porque do jeito que eles queriam a
gente não queria e aí teve a proposta também de se criar parques ao redor,
tipo fazer um miolo da RDS e parques em volta, só que eu não sou contra
parques não, eu acho que Antigos [praia vizinha do Sono, totalmente desabi-
tada] tinha que ser um parque, até pra proteger ele do jeito que tá. Pra mim
proteção é tudo que a gente quer. Porque se tivesse uma área de parque inibe
muito as pessoas, quem tem direito tem, e tem que respeitar, aqui não pode
construir gente de fora, não pode vender e pronto. Então tá nessa história de
recategorização ainda, o INEA quer fazer uma outra unidade que eu nem sei
que unidade é ainda, porque eles não apresentaram pra gente ainda, só que eu
tô com uma proposta, junto com o pessoal de Trindade da gente criar uma
RESEX, criar de Trindade pra cá, porque lá também tem área de parque e eles
passam por esses problemas e essa questão da RESEX dá muita visibilidade
Volume 9 | 67
pro tradicional, ela te dá o direito de pescar seu peixe, tira esses barcos gran-
des, aí você pode abranger o mar e a terra, então a gente tá com essa proposta
nova. Mais pra frente, quando o INEA vim com a proposta a gente quer ir com
outra. Porque antes, quando a gente quis a RDS a gente não tinha essa visão
da RESEX, só que de um tempo pra cá eu fui representante do caiçara do Brasil
em Brasília, da Comissão nacional, onde se junta todos os povos e comunida-
des do Brasil e eu sou fundadora do Fórum de Comunidades Tradicionais junto
com o pessoal do quilombo [o quilombo do Campinho fica próximo ao Sono],
então a gente precisa fazer com que o nosso povo entenda essa proposta nova,
porque na época falaram pra gente que era inviável fazer uma RESEX e era
melhor uma RDS, então a gente achou que fosse melhor fazer uma RDS, mas
já que a gente pode mudar pra outra então a gente quer uma RESEX, mas
ainda tem que amadurecer primeiro na cabeça das lideranças, porque dá um
trabalho, fazer que a comunidade entenda (LEILA DA CONCEIÇÃO, 2019,
[...]).
O INEA sempre tá vindo aqui, parece que hoje tão ai, eles vem fiscalizar, vem
olhar se tem alguma coisa errada, se tem alguma casa irregular, então é essas
coisas né. Às vezes assim a gente nem entende, acha ruim, mas é a lei né, tem
que ser tudo certinho. Têm uns quatro anos que teve uma lei pra demolir esses
quiosques na beira da praia, na Trindade demoliro, aqui no Sono eles passava
ai, olhava, não mexia com o pessoal, porque eles achava que aqui no Sono já é
um lugar tão difícil pra se ganhar dinheiro, então um quiosquezinho ali na
beira da praia, com a entrada do turismo agora é bom pro pessoal ganhar
dinheiro, porque a pesca agora tá cada vez tá fracassando mais na Praia do
Sono, aquela fartura de peixe que dava aqui já não dá mais. De antigos, mais
de idade ainda tem mais ou menos umas quinze pessoas que pesca, agora esses
Volume 9 | 69
novato aí tudo tem rede, só não trabalha na época do turismo, depois do car-
naval que caba o turismo aqui, já é difícil chega, aí eles vão trabalha tudo com
rede, esses bote que se vê aí na praia tudo tem rede, rede de tudo qualidade de
peixe.
Considerações finais
Adentrar no lugar desse povo simples, nas suas casas, nas suas vidas,
não como turista, mas vestida com as lentes de quem contaria essas histó-
rias posteriormente é de uma enorme responsabilidade, visto que foram
confiadas à pesquisadora narrativas de suas vidas, histórias que marcaram
e marcam profundamente o viver dessa gente. Acontecimentos passados
que preocupam muitos, devido à terra ainda não estar regularizada.
A vida no Sono gira em torno de um tempo que já foi apenas cíclico,
marcado pelos próprios ciclos naturais, acompanhando as estações do ano
e suas sazonalidades. Hoje, esses ciclos ainda não se desmancharam, mas
estão se esfarelando em troca de uma dualidade - verão x inverno - carac-
terizada pela principal fonte de renda, o turismo, presente no cotidiano
dos moradores dali.
Passar alguns dias no Sono pesquisando e ouvindo histórias é ser in-
serida nesse tempo que está se findando, o cíclico, é sentir-se acolhida por
70 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Referências
BRASIL. Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II,
III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília: Senado Federal, 2000.
DIEGUES, A.C.S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1996.
MARANDOLA JR., E. Lugar enquanto circunstancialidade. In: Marandola Jr, E.; Holzer, W.;
Oliveira, L. Qual o espaço do lugar? São Paulo: Perspectiva, 2012. p.227-248.
Volume 9 | 73
MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo:
Contexto, 2007.
SIQUEIRA, P. Genocídio dos caiçaras. Massao Ohno- São Paulo: Ismael Guarnelli Editores.
1984.
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Mestra em Cidade, Territórios e Identidades (UFPA). Doutoranda em Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-
graduação em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento (PPGSND/UFOPA em parceria com o Programa de Pós-
Graduação em Ciências Ambientais – PPGCIAMB/UFG). Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/7429395441168502
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3979-929X E-mail: [email protected]
3
Mestre em História Social da Amazônia do Programa de Pós-graduação em História (UFPA). Assistente Social da
Universidade Federal do Pará (UFPA). Endereço: Rua Cândido Portinari, 1200, Brisa Sul Residence, Bloco Sírico,
Apartamento 303, Bairro Lourival Parente, Teresina-PI. Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/8495928749825169
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0452-1762 E-mail: [email protected]
4
Doutor em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP) com pesquisa de pós-doutorado em Economia (UNICAMP).
Professor Associado da Faculdade de Ciências Econômicas (FACECON) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão
de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM/NUMA/UFPA). Link do Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1089731342748216
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0936-9424 E-mail: [email protected]
76 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
A revolução social dos cabanos que explodiu em Belém do Pará, em 1835, dei-
xou mais de 30 mil mortos e uma população local que só voltou a crescer
significativamente em 1860. Este movimento matou mestiços, índios e africa-
nos pobres ou escravos, mas também dizimou boa parte da elite da Amazônia.
78 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Kararaô (com 11 mil Megawatts) – esta última, por sinal, deu origem à
UHE de Belo Monte. Segundo o estudo daquele período, todas as usinas
exigiriam o deslocamento de, aproximadamente, sete mil índios de, pelo
menos, doze terras indígenas.
No mesmo período, houve a conclusão dos primeiros estudos de via-
bilidade da UHE de Belo Monte, surgindo assim as primeiras divergências
acerca do impacto socioambiental que levariam, posteriormente, à suspen-
são do financiamento da obra. Com a suspensão da obra naquela época,
foi feito uma ampla revisão dos estudos de viabilidade com diminuição da
área inundada e a garantia de não inundação das terras indígenas.
O projeto sofreu, entretanto, grande resistência de grupos e movi-
mentos sociais, entre eles dos povos indígenas, ribeirinhos e dos próprios
ambientalistas, resultando no evento, intitulado: “Encontro dos Povos In-
dígenas”, realizado na cidade de Altamira em fevereiro de 1989, que como
assevera Sevá Filho (2005) “enterrou” por um tempo o projeto.
Não é intenção desta pesquisa fazer um levantamento histórico deta-
lhado e extenso em torno da implementação da UHE de Belo Monte, mas
sim de apresentar os pontos mais importantes na implementação deste
grande projeto de empreendimento na região da Amazônia brasileira. A
representação visual da UHE de Belo Monte pode ser acompanhada pelo
mapa de localização contido na Figura 1.
Volume 9 | 81
Souza (2016, p. 01-02) define a UHE de Belo como uma “grande obra
de engenharia nacional”:
cultura e lazer. São, desta forma, demandas que influenciam a sua consti-
tuição como sujeitos de direitos.
As ações mitigatórias em torno da construção de uma barragem de-
veriam, senão melhorar as condições de vida dos atingidos, ao menos
deveria manter igual ao padrão de vida anterior à implementação do pro-
jeto, visto que, estes não possuem condições de fazer frente aos impactos
acarretados. Tais implementações se transformam em execução de ativi-
dades etnocidas, que até o advento da Constituição Federal de 88,
justificaram o aniquilamento dos povos indígenas e a sua inclusão forçada
à cultura dominante do processo de produção capitalista pautada na busca
do lucro.
Como amplamente citado, os índios parecem ter sido apagados da
história de ocupação das terras em litígio. O motivo disso, além dos escu-
sos interesses do mercado em regiões estratégicas, ocorre pela própria
necessidade de imposição do capital. Nos dizeres de Carvalho (2017, p.
132):
[...] vários impactos biológicos e sociais são previstos com a redução dos níveis
da água do rio Xingu no trecho abaixo da barragem principal, como problemas
para a navegação e os efeitos sobre a floresta aluvial em toda a área afetada
pelo rebaixamento do lençol freático, extinção local de espécies, escassez da
Volume 9 | 91
Considerações finais
Referências
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Volume 9 | 97
LACERDA, L. “Vocês fazem isso porque tem medo de nos ouvir”: análise dos discursos
do estado quanto aos direitos indígenas diante da Usina Belo Monte. Dissertação
(mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-graduação em
Antropologia Social, Goiânia, 2017.
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Doutor em Zoologia pelo Museu Nacional/UFRJ (MN/UFRJ). Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Atua na pesquisa em saúde silvestre, etnobiologia e conservação de recursos naturais. Endereço: Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Av. Brasil, 4.365, Manguinhos. Rio de Janeiro – RJ, Brasil. Link para o Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2471615656999141 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0124-8070 E-mail:
[email protected]
3
Doutora em Ecologia Aquática e Pesca pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Pesquisadora colaboradora do
Instituto Bicho D’água: Conservação Socioambiental. Atua na pesquisa, manejo e monitoramento de mamíferos
aquáticos no Nordeste e região Amazônica do Brasil. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8521868092891043
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7560-0113 E-mail: [email protected]
4
Doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). Pesquisadora do Museu Paraense
Emílio Goeldi, Setor de Mastozoologia. Atua na biologia e conservação de mamíferos aquáticos do Brasil. Link para
o Lattes: http://lattes.cnpq.br/9249838863447997 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5593-1449 E-mail:
[email protected]
5
Doutor em Biodiversidade e Conservação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Pesquisador do Centro
Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais
(CNPT/ICMBio). Atua na pesquisa e manejo de recursos naturais, turismo com fauna silvestre e conflitos envolvendo
populações tradicionais-fauna silvestre. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/0861725321644797 ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-9434-7333 E-mail: [email protected]
100 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
ROBINSON, 1991). Este período, que foi dos anos 1900 a 1960, aproxima-
damente, ficou conhecido como “Época da Fantasia”, nome dado em
referência às peles e couros exportados para os mercados da moda norte-
americano e europeu, especialmente.
Em uma Amazônia aparentemente prístina, onde o homem se esta-
beleceu preponderantemente ao longo dos cursos d’água, a forte pressão
de caça para abastecer o mercado internacional levou à depleção dos esto-
ques de diversos animais aquáticos e semiaquáticos, como jacarés
(Melanosuchus niger, Caiman crocodilus), capivaras (Hydrochoerus
hydrochaeris), ariranhas (Pteronura brasiliensis), lontras (Lutra longicau-
dis) e peixes-bois (Trichechus spp.) (ANTUNES; SHEPARD;
VENTICINQUE, 2014; ANTUNES et al., 2016). Somente nas décadas de
1930 e 1940, aproximadamente 19 mil peixes-bois foram abatidos e seus
couros contribuíram para abastecer o mercado internacional de peles de
animais silvestres (NUNES-PEREIRA, 1944; DOMNING, 1982). Neste
mesmo período, estimulado pela expressiva demanda, ocorreu uma gigan-
tesca comercialização de jacarés jovens e adultos, vendidos inteiros ou
somente seus ventres, flancos e caudas (ANTUNES; SHEPARD;
VENTICINQUE, 2014). Por um longo período, os principais mercados im-
portadores foram os Estados Unidos, a Argentina e países da Europa, como
Inglaterra, Escócia e Alemanha (ANTUNES; SHEPARD; VENTICINQUE,
2014).
As peles e couros dos mamíferos silvestres amazônicos eram utiliza-
dos para a fabricação dos mais diversos itens, como calçados, coldres,
luvas, capas de armas, coletes, cintos, assentos de cadeira, vestimentas,
bolsas, pulseiras de relógio, dentre outros (FERREIRA, 1972; MEDEIROS,
1972; BENCHIMOL, 1977; DANIEL, 2004; ANTUNES; SHEPARD;
VENTICINQUE, 2014). As peles mais cobiçadas e caras, também chamadas
de “peles de luxo” ou “fantasias” eram aquelas extraídas do maracajá-açu
102 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
familiar, afora outros usos. Nosso propósito é traçar uma ponte entre a
pujante fase da caça comercial e os tempos de preservação de espécies
ameaçadas, que tiveram início nos anos 1980 e se consolidaram em im-
portantes iniciativas de proteção aos peixes-bois.
O valioso acervo de dados aqui apresentado mostra uma nítida apro-
ximação entre os depoimentos de antigos caçadores de peixes-bois e a
validação pelos métodos de pesquisas acadêmicas sobre ecologia e hábitos
de vida destes animais, que até os dias presentes carecem de maiores e
mais qualificados estudos.
2 Métodos de pesquisa
Figura 1 – Mapa indicando as localidades na Amazônia mencionadas nas entrevistas com antigos caçadores
e pescadores de peixes-bois: Alcântara (Maranhão), Algodoal (leste do Pará), Abaetetuba (Baixo rio Tocan-
tins, Pará), Soure e Salvaterra, Costa leste da Ilha do Marajó (Pará), e Coari (Amazonas).
Elaboração: Moreira-Junior, R. H.
Volume 9 | 105
Crédito: Baleia, R.
3 Desenvolvimento
Um dos fatos mais notáveis que surgiram nas entrevistas foi a afir-
mação de que peixes-bois-marinhos são avistados com certa regularidade
em regiões que se assumiam como exterminados pela caça. Algumas des-
sas áreas foram visitadas por renomados zoólogos nos anos 70 e 80 do
século passado, os quais constataram a provável extinção local desses ma-
míferos aquáticos.
Os relatos mais significativos são o de Domning (1981), que ao visitar
a Costa Leste do Marajó, no Pará, e a região do Baixo Rio Mearim, no Ma-
ranhão, falhou em apontar a presença de sirênios na maior parte das áreas
visitadas, e, portanto, assumiu que haviam desaparecido localmente.
Dessa forma, as entrevistas realizadas desde os anos 2000 já indicavam
uma tênue, mas possível reocupação dessas áreas tradicionais (ou históri-
cas) da presença de peixes-bois onde, de tão comuns e ‘lentos’, chegam a
ser assinalados como ‘abestados’ (entrevistado de Viseu, Pará). Para os
Volume 9 | 107
Crédito: Siciliano, S.
‘muitos anos’ e assim ele desejava que sua mãe vivesse ainda muitos anos,
tal qual o peixe-boi. Importante frisar que a doação deste crânio para a
ciência (SICILIANO et al., 2007), foi a comprovação de que T. manatus não
estava desaparecido daquela região como havia considerado Domning na
década de 1980.
Interessante ainda notar que parece haver uma relação explícita en-
tre a presença de peixes-bois e os meses de chuva, ou seja, maior aporte
de água pluvial aos ambientes aquáticos, o que pode ser crítico em comu-
nidades marinho-costeiras do Pará e Maranhão. “Aqui é mais fácil avistar
peixes-bois na época das chuvas, no inverno, por causa da 'baixa' tempe-
ratura da água, que os faz boiar mais fácil para se esquentar; mas eles
estão presentes na área o ano todo [...]” (entrevistado de Alcântara, Mara-
nhão). Essa maior probabilidade de visualizar os peixes-bois nos períodos
chuvosos foi corroborada em estudo que acessou o Conhecimento Ecoló-
gico Local (CEL) em comunidades da Costa Leste da Ilha de Marajó, no
qual um dos entrevistados afirmou que "tem peixe-boi no verão e no in-
verno, sendo mais no inverno, nas águas grandes de março", indicando
que os ribeirinhos têm conhecimento sobre a sazonalidade de ocorrência
naquela região (SOUSA; MARTINS; FERNANDES, 2013).
Em relação à caça mais tradicional, o informante mais longevo, com
90 anos (em dezembro de 2020), morador de Novo Airão, Amazonas,
mencionou que o couro dos peixes-bois “era levado para Manaus para pro-
duzir sapatos e bolsas [...]”. Segundo Domning (1982) e Nunes-Pereira
(1944) os couros do peixe-boi e da anta eram salgados e vendidos por qui-
lograma, e tinham aplicações industriais, tais como em mangueiras,
correias de transmissão, polias e peças de teares. De acordo com Antunes
et al. (2014), as peles de jiboia (Boa constrictor), sucuriju (Eunectes muri-
nus), iguana ou camaleão (Iguana iguana), jacuraru ou tejuaçu
Volume 9 | 113
Crédito: Siciliano, S.
Crédito: Siciliano, S.
Considerações finais
suavidade em suas canoas pelos lagos, rios e boiadouros em busca dos pei-
xes-bois.
São ricas também as descrições de usos dos peixes-bois além da ali-
mentação convencional. A confecção de remédios e emplastros surge em
diferentes cenários, com funções variadas. Ainda mais curiosa seria a ana-
logia clara entre a presença de peixes-bois e a época de chuvas, ou de água
doce mais abundante, o que remete ao uso de partes do corpo dos peixes-
bois com a finalidade de garantir a perenidade dos poços d’água. E mais
notável é a associação entre a longevidade conhecida dos sirênios com o
uso de ossos e outras partes como amuletos, normalmente ligados ao de-
sejo de um ente querido viver com longevidade.
E por fim, foi a partir das entrevistas com os antigos caçadores e pes-
cadores em distintas partes do litoral amazônico, com destaque para a Ilha
do Marajó, no Pará, e Alcântara, no Maranhão, que se demonstra a reco-
lonização desses ambientes pelos peixes-bois, onde foram abundantes até
o século passado. Os dados recentes obtidos por programas regulares de
pesquisa, como o Projeto Peixe-boi, do ICMBio, e o Grupo de Estudos de
Mamíferos Aquáticos da Amazônia, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que
registram encalhes e avistagens, apontam para uma ampla concordância
com essas áreas de ocorrência recente e uso regular pelos sirênios em toda
a costa amazônica. As informações obtidas junto a pescadores e caçadores
de áreas interiores e costeiras da Amazônia muito têm contribuído para o
sucesso dos programas de pesquisa em localizar e estudar as populações
remanescentes de peixes-bois, direcionar esforços de sensibilização para
sua conservação e implantar programas de reabilitação e manejo dos sirê-
nios.
Volume 9 | 119
Agradecimentos
Referências
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1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Doutora em Geografia (UFMG). Professora Adjunta do Curso de Turismo da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM - Câmpus Diamantina). Endereço: Av. João Antunes de Oliveira n° 1945. Taj Mahal.
Diamantina/MG. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/1858387591943845 ORCID: https://orcid.org/0000-
0003-2042-783X E-mail: [email protected]
3
Doutor em Desenvolvimento Sustentável (UNB). Professor Associado do Instituto de Geociências da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/0882015654292509 ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5012-9652 E-mail: [email protected]
Volume 9 | 127
2 Metodologia
3 Desenvolvimento
reprodução de suas práticas sociais, sendo a sua remoção das terras tradi-
cionalmente ocupadas permitas somente excepcionalmente e seu retorno
deve ocorrer assim que cessarem as causas que motivaram a remoção.
Além disso, esta Convenção prevê o direito de participação, informação e
decisão sobre questões que os afetem direta ou indiretamente.
No que se refere à criação de UCs, a Lei n° 9.985/2000, que institui
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), foi criada com o
objetivo de regulamentar o artigo n° 225 da Constituição Federal de 1988,
que preconiza a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equili-
brado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá-lo para a presente e para as futuras gerações. Para assegurar
esse direito, uma das obrigações do Poder Público é a criação, em todas as
unidades da federação, de espaços territoriais especialmente protegidos,
ou seja, as UCs (BRASIL, Constituição Federal Brasileira, 1988).
Essa lei classifica as UCs em dois grandes grupos: as UCs de Proteção
Integral e as UCs de Uso Sustentável. Essas últimas, foco desta pesquisa,
são criadas com o objetivo de “preservar a natureza, sendo admitido ape-
nas o uso indireto dos seus recursos naturais” (BRASIL, Lei n° 9985, 2000,
art. 7°, § 1o.). Nesse grupo de UCs, a presença humana no interior das mes-
mas não é permitida, mas as populações tradicionais podem permanecer
em seu interior indefinidamente enquanto não forem feitos a indenização
e o reassentamento das mesmas, mediante o estabelecimento de normas
e ações destinadas à compatibilização de sua presença com os objetivos da
UC (BRASIL, Lei n° 9.985, 2000, Art. 42°).
O Decreto n° 4.340/2002, que regulamenta a lei do SNUC, estabelece
em seu Capítulo IX os critérios para o reassentamento das populações tra-
dicionais, enfatizando que serão respeitados o modo de vida e as fontes de
subsistência destas populações. Estabelece, ainda, que as condições de per-
manência das populações tradicionais em UCs de Proteção Integral serão
134 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Vai roçar ali, porque ali é tudo manual. Lá ninguém tem nada se não for ma-
nual. Se for roçar uma rocinha, é braçal. Só para você ver, como que o IEF vai
pensar que uma pessoa dessas vai destruir a natureza, se ele roça uma rocinha
braçal, com uma foice, derruba com um machado. Nem uma motosserra não
tem. Para derrubar é com o machado. Para limpar aquele mantimento, é com
inchada. Então, não tem como ele destruir a natureza. Ele vai cultivar é um
quintal, o que ele dá conta de cuidar. Mas se eu tivesse maquinário, motos-
serra, aí tudo bem, eu podia até concordar com o IEF, ia ser ruim até para nós
no dia de amanhã. Mas o que o pessoal faz lá não dá prejuízo (entrevista com
membro de comunidade quilombola, 2018).
Se lá tem uma unidade de conservação hoje, essas pessoas que moram lá até
hoje, eles cuidaram (...). Então, hoje, lá onde eu vivo e essas famílias, lá tem
córrego preservado, tem matas, por quê? As pessoas que moram lá dentro
respeitaram, eles fazem é plantar um pé de feijão, uma mandioquinha, para
sobreviver, para eles mesmos (entrevista com membro de comunidade qui-
lombola, 2018).
Este conhecimento tradicional que eles possuem não pode ser igno-
rado pela gestão das UCs, já que estas comunidades estão ali há várias
gerações e a presença delas não degradou a natureza. Então, é preciso que
haja um diálogo entre este conhecimento tradicional, baseado na ação prá-
tica e cotidiana e o conhecimento teórico produzido pela academia e pelos
órgãos de pesquisa. Neste sentido, o fato de muitas UCs no Brasil e em
Minas Gerais terem sido criadas exatamente sobre os territórios de povos
e comunidades tradicionais reafirma que este conhecimento empírico e
estas práticas tradicionalmente desenvolvidas por estes povos, têm um ca-
ráter realmente sustentável.
Estima-se que oitenta e seis por cento das áreas protegidas da América do Sul
são habitadas ou têm seus recursos utilizados pelas populações de seu entorno.
Esse número permite vislumbrar a perversidade embutida no modelo de áreas
protegidas que exclui populações humanas. Em outras palavras, as populações
tradicionais preservam a biodiversidade de suas terras e, justamente por suas
áreas possuírem biomas preservados, acabam tendo que se retirar delas.
Eu acho que a origem do conflito, para mim, não é a questão específica com o
quilombola. A questão da origem que eu vou dizer aqui ela vale para território
quilombola, ela vale para a questão indígena, ela vale para toda a amplitude
do que se tem aceitado e reconhecido como comunidades tradicionais. A ori-
gem que eu penso é que as frentes desenvolvimentistas avançaram bastante,
e os territórios naturais que sobraram estão dentro das unidades de conserva-
ção, tanto de proteção integral, quanto de uso sustentável. E aí essas
comunidades se viram oprimidas diante dessas frentes impactantes, se voltam
e começam a enxergar a sua possibilidade de manutenção da relação com a
natureza naquelas unidades que foram protegidas por lei e, portanto, estas
frentes impactantes, invadiram menos estas unidades, prejudicaram menos
[...]. E ao enxergar no território que ficou protegido como unidade de conser-
vação e ao tentar utilizá-lo, essas comunidades sofrem com a restrição
ambiental promovida por esses decretos. Então, o conflito é uma expectativa
de uso de um lado, e uma restrição publicada em lei, por outro lado, diante de
uma falta de territórios alternativos que foram totalmente ocupados, devasta-
dos e tomados por essas frentes impactantes. É onde eu vejo a origem do
processo (entrevista com representante de órgão ambiental, 2018).
Além das restrições de uso, o medo das pessoas em deixar suas terras
e serem desapropriadas também foi citado como origem do conflito. A par-
tir do momento em que estas comunidades percebem a ameaça que paira
Volume 9 | 143
O que acirra o conflito para mim é a falta de territórios para que se desenvolva
o uso harmônico da natureza por essas populações, tomada pela frente dos
projetos desenvolvimentistas. E o que tem sobrado são as unidades de uso
sustentável e de proteção integral (entrevista com representante de órgão am-
biental, 2018).
144 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Com certeza existe essa pressão nas comunidades. [...] Essa pressão do capital
em cima desses povos subalternos, ela é intensa e não vai findar tão cedo. Se
pensarmos em nível estadual, a proposta do Romeu Zema é flexibilizar as leis
ambientais para o agronegócio. Ontem eu estava lendo no Estado de Minas, o
pessoal do PT pedindo para ele não mexer nas leis ambientais, não flexibilizar,
porque elas são justas, correspondem à realidade que nós estamos vivendo. O
Matheus Simões, que está coordenando, avisou que eles vão mexer nestas leis
ambientais, que vão flexibilizar. Ou seja, é mais um ataque feroz para cima
desses povos, que guardam e protegem esses locais. (entrevista com pesquisa-
dor, 2018).
esse uso interno. Propostas de Lei, por exemplo, que poderá minerar em até
10% dentro de unidade de proteção integral, ela tem essa característica, uma
disputa do território interno a partir de uma saturação do território externo.
Só que para essas comunidades que são mais frágeis do ponto de vista da pon-
deração política de forças, essa saturação se deu antes, então, estão sofrendo
essa pressão há muito mais tempo (entrevista com representante de órgão
ambiental, 2018).
Foi bom porque também tinham os fazendeiros, os grileiros de terras que es-
tavam tirando as terras do quilombo e eles estão lá estes fazendeiros, e depois
que criou a Reserva nós não temos, assim, nós estamos dentro do quilombo,
mas assim nós ficamos mais protegidos. Que às vezes os fazendeiros eles acha-
vam que as terras eram deles. Às vezes, se não tivesse criado a Reserva, às
vezes nós teríamos conflitos com eles. Mas hoje nós não temos por causa da
Reserva. Essa questão é um ponto positivo. (entrevista com representante de
comunidade quilombola, 2018).
Pelo fato de ser território quilombola a gente hoje, eu falo com você com cla-
reza por eu ser hoje presidente da Associação Quilombola, você segura muita
coisa (entrevista com membro de comunidade quilombola, 2018).
Volume 9 | 147
O Brasil vive uma ofensiva sem precedentes às áreas protegidas. Pressões para
desfazer ou diminuir o tamanho ou o status de proteção de Unidades de Con-
servação promovidas por integrantes da base parlamentar do governo Michel
Temer e com forte lobby dos setores ruralista e de mineração têm encontrado
espaço para prosperar, com o apoio do Palácio do Planalto. A ameaça paira
sobre cerca de 10% do território das unidades de conservação federais, numa
estimativa conservadora. Ofensiva contra as áreas protegidas vai de Norte a
Sul do país e envolve uma área de cerca de 80 mil quilômetros quadrados,
quase o tamanho do território de Portugal (WWF, 2017, p.1).
148 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Eu acho que existe sim a possibilidade de formalizar uma relação que seja pro-
veitosa dos dois lados, entre as unidades de conservação e as comunidades.
Mas para isso, precisa haver uma mudança na forma como as unidades de
conservação percebem as comunidades tradicionais. Elas precisam perceber
as comunidades tradicionais como parceiras, e elas precisam reconhecer, so-
bretudo, o papel que essas comunidades tiveram e têm para a preservação
dessas áreas. Porque esses órgãos ambientais, essas unidades de conservação
são recentes na história. E as comunidades tradicionais não são recentes na
história. Não é uma coincidência ter comunidades tradicionais na maioria dos
lugares onde há um interesse das unidades de conservação. Então, é preciso
que essas unidades de conservação reconheçam o papel dessas comunidades,
reconheçam que elas têm algo a aprender com essas comunidades, que essas
comunidades têm uma forma de viver, não só uma forma de produzir, de con-
viver, que favorece a preservação [...]. E é só a partir dessa abertura que será
possível fazer um documento que não seja uma trapaça, que não seja um do-
cumento pró-forme para acabar com um conflito pontual, mas que deixa
várias brechas para que as coisas não sejam cumpridas. Então, eu vejo essa
Volume 9 | 151
Eu acho que é possível, sim, ter esse diálogo, porque com acordo, com diálogo
a gente acaba tirando umas dúvidas que ficam na cabeça das pessoas, através
de um acordo, de uma conversa [...]. Eu acho que poderia ter, mas eu queria
que alguém lá de dentro explicasse qual é o conflito que existe entre as famílias
e o Parque. Porque, segundo a gente sabe, não pode ter família dentro de um
parque. Mas eu já ouvi falar aí fora que existe família em Parque, sim. Que
inclusive eles tiveram um conflito, depois eles sentaram, conversaram e hoje
essas famílias ajudam a cuidar desse lugar. Eu acho que é possível. Eu acho
que tendo uma conversa eu acho que a comunidade é claro que ia aceitar (en-
trevista com membro de comunidade quilombola, 2018).
Quando é colocado que o primeiro ponto é desafetar, eu não acho que é legí-
timo, eu não acho. Mas eu acho que a gente perde muita energia até que o
Parque seja derrubado para, a partir daí, a gente começar a gerar algum tipo
de benefício para essa comunidade. E se a gente fosse para o outro caminho,
a gente poderia talvez já rapidamente ter um termo de compromisso com es-
sas comunidades e já voltar a dar benefícios para elas. O Parque continuaria
lá. Com o amadurecimento disso, lá no futuro, ambas as partes virem que o
impacto não é grande, que a conservação continua, que a comunidade está
tendo um retorno positivo, que a desafetação, a recategorização seriam um
consenso novamente, do próprio órgão juntamente com a comunidade (entre-
vista com representante de órgão ambiental, 2018).
Esta autorização de uso poderá ser emitida para a utilização das áreas
tradicionalmente utilizadas para moradia ou para uso sustentável dos re-
cursos naturais, e que se configuram como patrimônio público da União.
No caso específico desta pesquisa, o uso da TAUS foi citado para o caso da
comunidade quilombola da Lapinha, que se autoidentificam também como
vazanteiros, para o uso das margens do rio São Francisco. De acordo com
esta Portaria, o TAUS pode ser emitido exclusivamente a grupos cultural-
mente diferenciados que possuem formas próprias de organização e
utilizam áreas da União e para sua reprodução cultural, social, econômica,
ambiental e religiosa (BRASIL, Portaria n°89, 2010, art. 4°).
Embora exista esta possibilidade, este instrumento ainda não foi emi-
tido para a Comunidade Quilombola da Lapinha, porque há a necessidade
de definição da Linha Média de Enchentes Ordinárias do rio São Francisco
para que possam ser delimitadas as Áreas de Preservação Permanente
(APPs) nas margens do São Francisco que efetivamente pertencem à União
e, por consequência, que podem ser alvo destas TAUS.
Por fim, foi citada também como uma possibilidade de garantia dos
direitos territoriais também da comunidade quilombola da Lapinha o tom-
bamento de reminiscências históricas dos antigos quilombos, previsto no
artigo 216 da Constituição Federal brasileira, que trata do patrimônio cul-
tural do país e preconiza o tombamento de todos os documentos e os sítios
detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. (BRASIL.
Constituição Federal, 1988, art. 216, § 5º). No território desta co-
munidade quilombola foram identificados locais em que foram achados
diversos artefatos utilizados pelos ex-escravos, confirmando tratar-se de
156 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
alguns casos não há o interesse dos órgãos gestores das UCs e demais ór-
gãos envolvidos em viabilizar o processo, ou ainda não são acionados pelas
comunidades quilombolas, em função da falta de confiança e diálogo entre
órgãos gestores das UCs e comunidades quilombolas, resultado de uma
relação conflituosa historicamente construída.
Considerações finais
Referências
BRASIL. Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, parágrafo 1º,
incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação e dá outras providências. Brasília, 2000.
WWF. Unidades de Conservação sob Risco: ofensiva contra áreas protegidas abrange
uma área quase do tamanho de Portugal. 2017. Disponível em
<https://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/dossiebrasil_v9_2.pdf>.
Acesso em 14/02/2019.
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Graduada em Geografia (PUC/MG). Pesquisadora/mestranda no Programa de Pós-graduação em Administração
(PPGA- PUC/MG). Endereço: Rua 11, nº 131/Bairro Jardim Primavera - Ribeirão das Neves/MG. Link Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9269896971140579 E-mail: [email protected]
3
Graduando em Ciências Biológicas (PUC/MG). Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/6034531310345523 E-mail:
[email protected]
4
Graduado em Ciências Biológicas (PUC/MG). Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/5532596590983254
E-mail: [email protected]
5
Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em Geografia e Tratamento da informação Espacial
(PUC/MG). Professora Adjunto do departamento de Geografia e Pedagogia do Instituto de Ciências Humanas
(PUC/MG). Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/7847685257402283
E-mail: [email protected]
6
Mestre em Ecologia Conservação e Manejo da Vida Silvestre (UFMG). Professora Assistente no Departamento de
Ciências Biológicas (PUC/MG). Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/9555177616223449 E-mail:
[email protected]
7
Mestre em Geologia (UFRJ). Professora Assistente no Departamento de Ciências Biológicas (PUC/MG). Link para o
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2142463948054969 E-mail: [email protected]
8
Doutor em Administração (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).
Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Administração (PUC/MG). Link para o Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2167878748442691 ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7835-5851 E-mail:
[email protected]
Volume 9 | 163
1 Introdução
ocupam e à proteção dos seus usos, tradições e costumes: “As terras tradi-
cionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes” (BRASIL, 1988, p. 133)
De acordo com Dias e Almeida (2010, p. 31) “em toda a América havia
inúmeros povos distintos que foram chamados de índios pelos europeus
que aqui chegaram” classificados pelos portugueses com o intuito de via-
bilizar os objetivos da colonização. Nas investidas etnocêntricas, o
colonizador era a referência. Assim, os nativos foram classificados em dois
grupos de índios: “aliados” e “inimigos”. Entretanto mesmo diante de todo
o preconceito, escravidão e perseguição que os povos indígenas sofreram
e sofrem até os dias de hoje, é também possível destacar a resistência des-
ses povos frente às adversidades. Segundo Castro (2007) boa parte dos
conflitos envolvendo as aldeias indígenas diz respeito à posse de terras,
uma vez que para estes, a terra é um elemento simbólico na qual são de-
senvolvidas as atividades produtivas voltadas para a subsistência e o
sentido da existência indígena se inscreve. Assim, apresentam forte depen-
dência em relação à natureza e ao patrimônio natural, os quais são os que
mantêm seus modos particulares de vida.
Cabe destacar que além das violações de direitos ligadas à condição
de indígenas outras violações, tão graves quanto essas já apontadas, se
manifestam em diferentes territórios do país que vivenciam conflitos am-
bientais, notadamente aqueles conflitos relacionados ao extrativismo mais
especificamente à extração mineral (COELHO, 2012, 2017). Todo esse ce-
nário constitui uma realidade de ausências, mas também muitas potências
e possibilidades da luta pela chamada justiça ambiental (ACSELRAD, 2002,
2018).
A partir dessa perspectiva, o presente trabalho tem como ponto de
partida apresentar a Cartografia Social desenvolvida com os Pataxós Hã
Volume 9 | 165
atuaram foi essa aldeia Pataxó. As interações com essa comunidade indí-
gena indicaram que uma demanda relevante seria avançar na
compreensão da territorialidade desse grupo no contexto do pós-tragédia-
crime. Com isso, optou-se por trabalhar com o mapeamento participativo
da área que eles ocupavam às margens do Rio Paraopeba. Esta, que é uma
ferramenta que possibilita a participação coletiva e inclusiva dos sujeitos
na percepção e demarcação de seu território de vivência. O Mapeamento
Participativo é uma abordagem interativa, dentro do rol de estratégias me-
todológicas da Cartografia Social (GORAYEB; MEIRELES, 2014), que busca
a representação do espaço, de acordo com o conhecimento das populações
locais permitindo aos integrantes do processo criar seus mapas represen-
tando os elementos mais significativos e percebidos por essa população.
De acordo com Andrade e Carneiro (2009) esse tipo de mapeamento
é um importante instrumento para a compreensão do uso do espaço pelas
comunidades, que assumem o protagonismo na construção de represen-
tações acerca de sua inserção nos territórios, se tornando sujeitos ativos,
ao contrário dos sujeitos passivos, condição de pró-atividade que rara-
mente os povos indígenas assumem na produção cartográfica brasileira.
Nos tópicos subsequentes do presente artigo, apresentamos a base
teórica que orienta nossas reflexões, discutindo os temas da Territoriali-
dade e da Cartografia Social. Em seguida, fizemos breves notas
metodológicas e descrevemos criticamente a construção cartográfica pro-
tagonizada pelos Pataxós no contexto de agravamento das violações de
direitos após a tragédia-crime de 2019 em Brumadinho. Após essa discus-
são, fechamos o artigo apontando novas agendas de pesquisa engajada e
atividades extensionistas na urgente agenda de suporte à promoção dos
direitos dos povos indígenas no Brasil e no mundo.
Volume 9 | 167
A cartografia social serve para dar visibilidade aos grupos sociais, seus territó-
rios, territorialidades, representações, identidades, conflitos e lutas por
reconhecimento de direitos, bem como, auxiliar na ampliação do conheci-
mento dos grupos sociais sobre seus territórios, sobre suas histórias e sobre
os usos que fazem de seus recursos naturais, além de contribuir para os pro-
cessos de reivindicação, de defesa e de proteção dos territórios e de seus
recursos, fortalecendo organizações indígenas, e ampliando o diálogo entre os
170 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
2 Desenvolvimento
andar pelo território antes de iniciar a construção do mapa. Uma das ca-
racterísticas da cartografia social, é respeitar o tempo dos sujeitos da ação
(aqui no caso, os indígenas), pois são eles que vão compor o mapa, logo é
necessário acompanhar o ritmo e o tempo dos mesmos.
Após a aproximação com o território, iniciamos o processo de cons-
trução do mapa. A princípio, houve resistência por parte dos indígenas,
principalmente os mais velhos, uma vez que eles alegaram que não sabiam
desenhar e escrever, e com isso não iriam participar do processo. Contudo,
a construção do mapa foi satisfatória, especialmente pelo engajamento dos
mais jovens. Outro ponto foi as adversidades e conflitos existentes entre
os membros da comunidade. No entanto, mesmo diante das dificuldades
iniciais, foram estabelecidas conversas com a comunidade e aos poucos foi
possível levar os indígenas para a atividade.
No primeiro momento, uma das mulheres da aldeia mostrou-se a
mais engajada naquela atividade, com isso a mesma conseguiu através do
seu entusiasmo, despertar o desejo dos demais no processo. Um fato inte-
ressante nesta prática foi a participação ativa dos jovens da aldeia, eles
participaram ativamente o tempo todo durante o processo. A foto figura 1
abaixo ilustra o início do mapeamento participativo desenvolvido pelos in-
dígenas.
Volume 9 | 175
Figura 1: Início da construção do mapa mental da Aldeia Pataxó Hã Hã Hãe Naô Xohã.
Por que o rio, que nem eu falei, o rio dava pra gente pescar, tomava banho,
lavar louça, tomar banho. Mas assim pra consumir mesmo pra tomar não
176 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
dava, aí a gente pegava de lá pra tomar, pra consumir mesmo e cozinhar (Re-
lato de Morador da Aldeia).
A gente percebeu porque eles adoecem muito e antes eles não adoeciam não.
Eles tá... como é que fala, a veterinária da Vale vem buscar eles, porque tem
muito metal pesado e aí eles ficam tomando a água do rio e tomando banho
que não pode. Aí a gente espera deles aí só adoecer mesmo, criar um câncer,
isso aí. Fica até ruim pra gente, por que eles tomam banho aqui aí brincam
com meus filhos, porque a gente não pode ter contato com a água, se sacodem
e o solo da gente contamina as hortas da gente, porque a gente usa a horta
sem cerca, porque a gente gosta, é o costume (Relato de Morador da Aldeia).
Considerações finais
território possui para as pessoas que ali vivem e como que impactos, de
qualquer natureza, pode afetar estes indivíduos, tornando o método uma
ferramenta importante durante os estudos de avaliação de impacto ambi-
ental e demais processos de licenciamento. Não só dentro do universo do
licenciamento ambiental, como o método se demonstrou eficaz para en-
tender as implicações de um crime ambiental no cotidiano das pessoas
afetadas, mesmo que indiretamente, e eficaz também para encontrar for-
mas de atenuação de conflitos sociais dentro de uma comunidade.
Importante ressaltar que mesmo que tenha sido relatado até aqui
uma experiência com uma comunidade tradicional indígena, a capacidade
adaptativa da cartografia social permite que esta seja aplicada não só em
outras comunidades tradicionais, como quilombolas e ribeirinhos por
exemplo, mas também em demais regiões que possuam algum conflito en-
volvendo seu território, seja este inserido em uma realidade de zona rural
ou urbana. Da mesma forma, o método não precisa necessariamente
abranger grandes grupos, podendo ser aplicado em instituições educacio-
nais ou até mesmo comerciais, visto que o necessário para a execução é
reconhecer primeiramente a relação dos indivíduos e/ou grupos sociais
existentes ali, para que em conjunto com estes se delimitam os pontos de
conflito e a demanda principal, para os quais o produto seja capaz de ilus-
trar, de forma clara e didática.
Espera-se que as discussões e reflexões de nosso artigo sirvam de ins-
piração para mais e melhores discussões, vinculadas ao campo da
pesquisa-ação, a cartografia social, a justiça ambiental e ao contexto de
territórios que vivenciam tragédias-crime ambientais não apenas orienta-
das para os povos indígenas, mas a toda sorte de povos e comunidades
assumidas como não desenvolvidas, atrasadas e esquecidas ou tornadas
invisíveis por uma racionalidade econômica e política sustentada por falá-
cias desenvolvimentistas. Não apenas o destino e os direitos dos povos
180 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Referências
ACOSTA, A. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo:
Editora Elefante. 2016
BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas. São Paulo: Editora 34. 2014.
BORDA, O. F. Ciencia propia y colonialismo intelectual: los nuevos rumbos. (3a ed.).
Bogotá: Carlos Valencia. 1987.
Volume 9 | 181
BROMLEY, D. W. Property relations and economic development: the other land reform.
World Development, v. 17, n. 6, p. 867-877, 1989.
DIAS, A.L.F.; OLIVEIRA, L.F. Violações de direitos e dano ao projeto de vida no contexto
da mineração. São Carlos, SP: Editora Scienza, 210p. 2018.
DIAS, C.L.; ALMEIDA, M.R.C. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2010. Revista de História, n. 165, p. 481-484, 2011.
PUC Minas. Política de Extensão Universitária da PUC Minas. Belo Horizonte, 2006.
SANTOS, B.S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de
saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, 3-6. 2007.
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Doutorando em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária (PPGCTIA/UFRRJ). Mestre em Desenvolvimento
Territorial e Políticas Públicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Mediador à Distância no
Centro de Educação à Distância do Estado do Rio de Janeiro. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/
8201364422268688 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2587-034X E-mail: [email protected]
3
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária (UFRRJ). Mestre
em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Assistente Social pela Prefeitura Municipal de Itaguaí (RJ). Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/
2936893561013851 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8091-7844 E-mail: [email protected]
4
Doutor em Economia Aplicada pela Université Paris III (Sorbonne Nouvelle). Professor Departamento de
Economia/ Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (UFRRJ). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas (PPGDT) e do Doutorado em Ciência, Tecnologia e Inovação em
Agropecuária (PPGCTIA). Link para oLattes: http://lattes.cnpq.br/0265624345647321 ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-8506-4454 E-mail: [email protected]
Volume 9 | 185
para o contexto das comunidades tradicionais, que, por vezes, são aponta-
das como áreas “a serem desenvolvidas”, “a serem urbanizadas”, ou, que
precisam ser modernizadas. Na verdade, a lógica em questão passa prin-
cipalmente pela decolonialidade dos saberes (fortalecendo os saberes
tradicionais), dos seres (dando eminência aos indivíduos e suas culturas
originárias), e, dos poderes (fortalecendo os modelos de ação destas co-
munidades) (LÓPEZ; PEÑA, 2021).
3 Metodologia
Eu até falo para as crianças que o mar era como se fosse o nosso supermer-
cado. A gente ia lá e trazia de tudo: mariscos, ostras, peixes, tudo sabe. Se a
gente não tinha nada de caça para comer, a gente ia no mar; tinha as pessoas
que tinha as canoas, elas pescavam e traziam os peixes. Mas hoje em dia não
tem mais isso, o mar agora é todo fechado... tem as áreas que a gente não pode
pescar, aqui perto, por causa dos hotéis e dos condomínios com lanchas (En-
trevistada 1 na comunidade).
As pessoas foram ficando cada vez mais ligadas a cidade; os trabalhos nas em-
presas (Petrobrás; Brasfels; na construção de prédios, de condomínios, etc. (...)
Aí o povo foi parando de depender da roça, foi deixando de plantar. Aí foram
dividindo alguns terrenos, inclusive alguns aqui do lado de cima da rodovia,
vendendo seus terrenos (Entrevistada 1 na comunidade).
Por isso, mesmo dentro da área que busca a titulação no INCRA exis-
tem propriedades não definidas como de remanescentes de quilombo. O
que promove uma certa confusão para quem vê o território, sem compre-
ender a sua história e o seu processo de lutas e de resistência frente a
especulação imobiliária. O processo de titulação das terras do quilombo
busca reaver 07 propriedades que estão dentro do território quilombola
em titulação, mas que não são mais pertencentes de famílias remanescen-
tes e nem são de pessoas que moram ali. No geral são utilizados como
estabelecimentos comerciais; e não como moradias de famílias.
Já no caso das famílias não quilombolas que realmente residem no
território, não havendo outro imóvel para moradia, a ARQUISABRA tem o
desejo de mantê-los no território, pois não descaracterizam o território e
as suas atividades.
Em entrevista com representantes da comunidade nota-se uma forte
fragmentação do tecido social local pela venda histórica de terrenos em
porções menores para pessoas advindas de fora do território. Processo
engendrado, muitas vezes, pelo aliciamento dos proprietários locais, para
que pudessem vender terrenos por preços irrisórios. Uma das
entrevistadas observa que em alguns casos as pessoas chegam ao
quilombo dizendo não ter dinheiro para comprar um terreno em outro
lugar. Mas, depois que se instalou nas terras do quilombo, construíram
Volume 9 | 195
casas enormes e muradas, bem fora dos padrões das residências locais.
Este é outro fator que merece destaque: a construção de imóveis de
famílias não remanescentes, normalmente, segue um padrão atípico para
os padrões de construção do quilombo. Um dos pontos a se destacar é que:
(...) Primeiro a nossa luta se deu porque eles não queriam vacinar os conju-
gues, por exemplo, se tem um quilombola que se casou com uma pessoa que
não é quilombola. Eles queriam vacinar apenas o quilombola e os filhos, divi-
dindo até as famílias (Entrevistada 1 na comunidade).
Para você ver o asfalto vem até ali; na outra gestão do prefeito ele disse pra
nós que aquela parte de baixo não era quilombo. Aí colocaram asfalto naquela
parte. E nessa parte sem asfalto é a parte que a prefeitura reconhece como
área quilombola. Quer dizer, então o quilombo não precisa de asfalto? (...) O
projeto da prefeitura é asfaltar só onde eles dizem que não é quilombo (Entre-
vistada 1 na comunidade).
Quando eles fizeram o asfalto até lá na frente nos brigamos, reivindicamos
pelo asfalto aqui para a gente também. Mas o asfalto parou lá (...). Ficamos
aqui com a estrada de barro, e não asfaltaram aqui até hoje porque eles dizem
que lá não é quilombo. A gente queria que fosse colocado aqueles bloquetes
(paralelepípedo), porque ele drena melhor a água das chuvas, não teria risco
Volume 9 | 197
Já na primeira fala fica nítida que a visão por parte do poder público
municipal é de que um território de comunidade tradicional está ligado ao
atraso. O projeto de pavimentação da prefeitura não cobriu a área que o
órgão define como “território quilombola”, em contrapartida, os represen-
tantes da ARQUISABRA observam que grande parte da população
quilombola deseja que fossem colocados paralelepípedos na estrada do
quilombo e não asfalto. Neste sentido, pode-se frisar a falta de comunica-
ção entre o poder público local e a comunidade, uma vez que nem mesmo
esta reivindicação foi acolhida pela prefeitura.
Para além disto, é importante frisar que alguns proprietários da re-
gião do quilombo mais distante da rodovia (parte ainda não asfaltada)
desejam que a seja colocado asfalto na parte superior da Estrada Santa Rita
do Bracuí. O que demonstra que diante algumas temáticas o território não
possuí uma unanimidade total, obviamente, uma vez que alguns interesses
se divergem.
As figuras abaixo apresentam, respectivamente, as placas com infor-
mações turísticas sobre o quilombo e sobre a escravidão no Brasil; e, ao
lado, o local onde acaba a estrada asfaltada do território quilombola e, onde
inicia a estrada de chão (área onde a prefeitura define como o início do
quilombo:
198 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Sempre perguntam: “Nossa, mas pra quê que vocês querem tanta terra; (...)
porque ficar com a área só pra vocês, vocês têm certeza? Tem tanta gente pre-
cisando de terra (...)”. E muitas pessoas já tentaram invadir essa parte aqui de
cima e é resistência sempre (...) (Entrevistada 1 na comunidade).
O que parece as vezes é que o povo preto não tem direito a ter alguma coisa.
Acho que no Brasil é assim, a gente tem que sempre lutar. (...) E muitas vezes
dizem que a gente não tem direito de morar aqui (Entrevistada 2 na comuni-
dade).
Aconteceu com a minha sobrinha e já aconteceu com muita gente aí. A pessoa
chegou pra gente e disse: “(...) olha, eu comprei isso aqui, está loteado”. (...)
Aqui mesmo, a gente perdeu a beira do rio porque a pessoa disse que tinha
comprado de fulano, mas não apresentou documento nem nada. Aí fomos na
justiça, mas a justiça pediu que eu comprovasse que a área era minha. (Entre-
vistada 1 na comunidade).
É muito complicado porque a própria lei não entende. Ou não quer entender,
porque eles dizem que a gente tem que ler tudo e comprovar a posse, a área
delimitada milimetricamente definida. A gente acaba se sentindo como ladrão
(Entrevistada 2 na comunidade).
No verão a gente usava a beira do rio para lazer, para as crianças, pra pesca;
e, a gente usava pra passear. (...) Agora não, tá cercado ali, e a gente prefere
não arrumar problema. (...) Mas como ali é Área de Preservação Permanente
é importante que a prefeitura garanta a conservação da área, porque ela é im-
portante pra nós (Entrevistada 2 na comunidade).
Estas terras são do rio e devem ser mantidas assim. Até porque é a vazão do
rio, quando ele enche é ali que as águas dele escoam e fluem (Entrevistada 1
na comunidade).
Aquela área do rio é muitas vezes vista como suja, como vazia, e nem sempre
as pessoas de fora entendem. Mas ela tem um valor muito grande pra a gente,
como comunidade que utiliza o Rio Bracuí no dia a dia (Entrevistada 2 na co-
munidade).
Considerações finais
Referências
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos (Universidade Federal da Grande Dourados). Endereço: Rua
Vereador Mário Sibim, nº 2546, Vila Flora, Espigão do Oeste, Rondônia, Brasil. Link do Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7856931723683655 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8047-0795 E-mail:
[email protected]
3
Graduanda em Direito (UFRO). Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/8482034832375575 ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5619-0956 E-mail: [email protected]
4
Graduando em Direito (UFRO). Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/2826400502996247 ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-9575-9727 E-mail: [email protected]
5
Graduando em Direito (UFRO). Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/9693196530026232 E-mail:
[email protected]
6
Doutora em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Professora Adjunta da Universidade Federal de Rondônia
(UFRO). Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/7300866906734717 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3252-
4514 E-mail: [email protected]
208 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Grande país da América do Sul, limitado a norte, a leste e sul pelo mar, e a
oeste pelo país das Amazonas e o Paraguai: a costa, que é de cerca de 1 200
léguas de comprimento por 60 de largura, pertence aos Portugueses. O inte-
rior do país é habitado por povos selvagens e idólatras, que desfiguram seus
rostos para parecer mais formidáveis aos seus inimigos: diz-se que são cani-
bais. Os mais conhecidos são Topinambous, Marjagas e Onétacas. Esta parte
do Novo Mundo é muito rica.
2 Desenvolvimento
Tabela 1 – Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas e com situação jurídica regularizada do estado de
Rondônia.
Rio Branco Tupaiu; Alta Floresta D’Oeste; São Francisco do Guaporé 236.137,11
Makuráp
Uru-Eu-Wau- Uru-Eu- Alvorada D’Oeste; Governador Jorge Teixeira; Campo Novo 1.867.117,80
Wau Wau-Wau de Rondônia; Mirante da Serra; São Miguel do Guaporé;
Cacaulândia; Costa Marques; Jaru; Guajará-Mirim;
Seringueiras; Nova Mamoré; Monte Negro
Essa situação pode ser exemplificada por meio das figuras a seguir,
as quais demonstram o interesse, bem como a exploração, de minérios em
áreas protegidas e em seus entornos, o que causa pressão nesses espaços
e nas comunidades que ali vivem em harmonia com a natureza.
Volume 9 | 217
Por sua vez, a Figura 2 traz em seu bojo, além das áreas protegidas,
os espaços que estão sob ameaça de atividades mineradoras. A imagem
aponta em verde todas as áreas que estão com solicitação para extração;
em amarelo, espaços que estão sob interesse em pesquisar a possibilidade
de extração mineral e em vermelho as áreas com foco de extração mineral.
As imagens demonstram que em áreas nas quais inexiste proteção
legal, há uma tendência acentuada de requerimentos para extração e pes-
quisa de minérios. Quanto às áreas de conservação, federais e estaduais,
algumas já cederam a exploração ou a pesquisa e requerimentos para ela.
Por outro lado, percebe-se a influência direta da resistência à exploração
Volume 9 | 219
natural nas terras indígenas, sendo elas as áreas mais resilientes ao avanço
da degradação ambiental.
Para explicar o avanço das atividades mineradoras nas áreas de con-
servação, pode-se apontar que “um dos problemas para o funcionamento
das Unidades de Conservação é que elas são frequentemente invadidas, o
que contribui para dificultar sua regularização fundiária.” (ABRAMOVAY,
2019, p.78). Em outras palavras, alguns atores de má-fé se apropriam des-
sas áreas na esperança de que a ocupação seja em algum momento
legalizada, usufruindo de suas potências naturais.
A grilagem, as tentativas de pesquisa de mineração e o desmatamento
florestal são bem explicadas por Veríssimo (2021) que divide a Amazônia
brasileira em quatro grupos, quais sejam: arco do desmatamento, cidades,
áreas florestadas e áreas sob pressão. Nessa divisão, o arco do desmata-
mento que corresponde ao Maranhão, sul do Pará, Mato Grosso e se
estende ao longo da BR-364 que atravessa o estado de Rondônia, é a área
mais afetada da floresta, largamente utilizada para fins agropecuários. As
cidades, por sua vez, são aglomerações urbanas que estão situadas no in-
terior da floresta.
Por último, mas a divisão mais importante para o presente estudo
está a Amazônia sob pressão, reconhecida pela tendência cada vez maior
de grilagem, garimpo e exploração de madeira, situada no entorno do arco
do desmatamento e das cidades cuja economia depende diretamente da
exploração natural (VERÍSSIMO, 2021).
A partir das figuras 1 e 2 e das divisões da Amazônia apresentadas
por Veríssimo (2021), constata-se que as terras indígenas estão em cons-
tante zona de pressão, visto que há um avanço nas tentativas de pesquisa
e exploração minerária em seus entornos, ocasionando, quando efetivadas
uma compressão no interior de suas terras e consequentemente mudanças
no cotidiano dessas populações tradicionais.
220 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
As terras indígenas não são criações nem concessões do Estado. O que compete
constitucionalmente ao Executivo é regularizar essas terras e protegê-las, além
de, no prazo de cinco anos, demarcá-las e homologá-las. Sendo assim, por não
ter concluído essas demarcações e homologações, a União está inadimplente
há mais de 27 anos.
Mapa 1: Áreas das Terras Indígenas com pedido de exploração mineral em Rondônia (2019).
Acrescenta-se,
afinal, dois deles estão em vigência com pontos de inconsonância entre si.
O inciso I do art. 70 do Decreto Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967,
considera que:
A terra indígena não é só casa para morar, mas o local onde se caça, onde
pesca, onde se caminha e onde os povos indígenas vivem e preservam sua cul-
tura. A terra não é um espaço de agora, mas um espaço para sempre.
Queremos viver conforme nossos usos e costumes. Conforme nossas tradi-
ções, num ambiente de harmonia e respeito com todos.
Considerações finais
Referências
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238 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
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abr. 2021.
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Mestra em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Doutoranda em História pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Endereço: Rua Costa Rica, 100 - Bairro Engenheiro Gutierrez –
Irati/PR. Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/0565403301453162 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5110-6022
E-mail: [email protected]
Volume 9 | 243
para pensar. Por sua vez, Achinte (2014; 2015) também chama atenção
para as implicações culturais do ato de comer. Mostrando a relação entre
comida e colonialidade, o autor demonstra que comer é mais que alimen-
tar-se, pois ele se converte num complexo sistema de relações
socioculturais. Para ele, a colonialidade e as suas formas – de poder, de
saber e de ser – também está presente como dispositivo de classificação
alimentar.
Para Achinte (2014), cozinhar, comer e, acrescento cultivar, são
enunciações de padrões culturais e de poder, que contribuem para a cons-
trução da hierarquização social. A partir da concepção do autor de que
alimentos para além de nutrir significam, problematizo os conteúdos sim-
bólicos das práticas que envolvem o ato de plantar/cultivar alimentos a
partir de práticas tradicionais. Pois, como observou Ploeg (2008), a tradi-
ção dos estudos camponeses tem negligenciado a forma de se praticar
agricultura.
2 Desenvolvimento
O quintal é um lugarzinho que se possa plantar coisas que faça bem para a
saúde. Eu planto com orgânico, não uso nada de veneno. No esterco vem mais
bonito que no adubo da cidade. Eu uso esterco de galinha. O da vaca é muito
úmido, apodrece as plantas, o de cavalo eu acho que resseca. O esterco deixa a
248 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
terra úmida. O adubo seca a terra. Até com a folhaceira das árvores é bom de
plantar. Pega as folhas secas e joga no quintal. Esterco debaixo do pinheiro, as
pontinhas de sapé são muito boas. Sem agrotóxico fica mais saudável. Eu acho
que não depende de agrotóxico, a verdura dá sem veneno e adubo da cidade
[...] ainda segunda fui buscar muda de batata salsa na Maria. Trocamos se-
menteira de tomate, rama de mandioca. Aqui no faxinal ainda existe muito
isso, essa troca de sementes. Trocamos semente de abóbora. Igual tomate,
uma semeia antes, daí troca, porque uma tem uma qualidade, a outra tem de
outra qualidade, daí troca, entende? Essa época é bastante trocado, por causa
que é mais coisas e é época. Planto alface, repolho, couve flor, tempero, salsi-
nha, cebolinha, várias coisas, varia da época. Mandioca, agora é época de
plantar, tomate, melão, pepino, também é hora de plantar, daí é um troca-
troca de muda da mulherada. Agora é a época que se planta mais as coisas,
tem coisa que se plantar fora de época não dá. E tem a lua também. É bom
plantar na lua cheia. Se for plantar batata na lua nova broqueia tudo. A batata
tem de plantar na minguante [...] O melão a gente tira a semente, lava e coloca
para secar no sol, numa peneira, abóbora e tomate a mesma coisa, coloca num
vidro e conserva na geladeira, dura de um ano para o outro. E a maioria das
sementes que nós temos é troca que a gente faz, trocamos muda também. Eu
aprendi com a mãe, desde nova a gente lidou.
O quintal é quase uma farmácia [...] a gente quase não fica doente, mas
quando fica pega no quintal. A salvinha é muito boa pra infecção na garganta,
erva cidreira é pra dor de cabeça, poejo pra gripe, calêndula é boa para quei-
madura, só que tem de conhecer as ervas.
pois, como nos diz Agambem (2005, p. 119), toda concepção de história,
bem como formas de cultura, é sempre acompanhada de certa experiência
do tempo.
Mas em que consiste o conceito de Tradicional? É tradicional se tem
como referência a tradição? Como fica o tradicional nas sociedades mo-
dernas? Como apontou Koselleck (2014) a graças à capacidade analítica de
“estratos do tempo”, pode-se reunir num mesmo conceito a contempora-
neidade do não contemporâneo. A respeito do conceito de tradicional. Paul
Little (2002) afirma que há uma tendência de associar esse elemento ana-
lítico às concepções de imobilidade histórica e atraso econômico. Contudo,
“conceito de ‘tradicional’ tem mais afinidades com uso recente dado por
Sahlins (1997) quando mostra que as tradições culturais se mantêm e se
atualizam mediante uma dinâmica de constante transformação” (LITTLE,
2002, p. 22).
As narrativas de nossas entrevistadas nos fornecem elementos para
problematizar a dinâmica dessas tradições culturais faxinalenses. Isto nos
leva ao texto de Montenegro (2006), que advoga a respeito da importância
de “rachar as palavras” ao analisar e interpretar narrativas, ou seja, com-
preender e considerar que os sujeitos e o conteúdo do que narram, bem
como suas memórias, estão inscritos na cultura local. A narrativa da Srª
Terezinha, por exemplo, construída no interior do seu quintal – espaço
onde, orgulhosamente, mostrava as plantas (ervas medicinais, árvores
frutíferas, verduras, temperos, hortaliças, legumes, flores) ensinava a res-
peito do processo de escolhas e armazenamento das sementes, técnicas e
ciclos de plantio, colheita, consumo e as relações de reciprocidade – suscita
questões referentes à organização do coletivo nos faxinais, ao tempo, a ex-
periência e a memória. Ela informa sobre regimes de saberes baseados em
conhecimentos ancestrais, que acontecem no quintal e que são constante-
mente ressignificados.
Volume 9 | 251
O Faxinal Rio do Couro, onde vive outra entrevistada (T.) e sua famí-
lia, soma-se aos 226 faxinais do Paraná mapeados pela Associação Puxirão
Faxinalense (MEIRA, VANDRESEN e SOUZA, 2009), é representativo do
que pode ser compreendido como faxinal, pois, segundo Carvalho (1984),
o cercamento completo do seu criador comunitário, em seu perímetro, re-
monta ao início do século XX. Atualmente, o seu criadouro comum está
bastante restrito, uma vez que diversas cercas individuais, chamados pelos
moradores de “fechos”, obstruem a livre circulação de pessoas e animais,
comprometendo o acesso aos recursos naturais, como pastagens e agua-
das, e, consequentemente, do modo de vida faxinalense. Entretanto,
apesar do tecido social afetado, práticas de uso e manejo de sementes cri-
oulas, relações de reciprocidade, solidariedade e ajuda mútua são mantidas
pelas moradoras e moradores da comunidade.
Nesse sentido, consideramos as interfaces entre tempo e espaço nos
quintais faxinalenses, apreendidas pelo registro fotográfico, pois como
apontou Samain (2012, p. 30) “as imagens pertencem a ordem das coisas
vivas” e, como tal, nos permitem pensar elementos de uma ruralidade
ameaçada constantemente pela racionalidade do agronegócio. Os aponta-
mentos de ordem antropológica do autor nos permitem romper a
superfície da imagem e problematizar a relação entre paisagens plurais e
as concepções de tempos que orientam sua criação/produção/existência.
A figura 1, apesar de não conseguir alcançar a dimensão da diversi-
dade de quintais existentes nos faxinais, proporciona, uma visualidade
parcial da pluralidade de cultiváveis (hortaliças, frutas, ervas medicinais
flores, entre outros) existente neles. Para além, é possível pensar essa plu-
ralidade no âmbito das cores, sabores, texturas e temporalidades. Nossa
preocupação está nas relações e práticas que envolvem os saberes e as ex-
periências das mulheres nos quintais. Essas relações e práticas possuem
“vida póstuma”, nos termos de Warburg (2015), pois embora soterradas
252 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Considerações finais
Para Samain (2012, p. 160), “as fotografias são tecidos, malhas de si-
lêncios e de ruídos. Precisam de nós para que sejam desdobrados seus
segredos. As fotografias são memórias, histórias escritas nelas, sobre elas,
de dentro delas, com elas”. São as películas de nossa existência. Assim, a
fotografia, mesmo as recentes, nos convidam, nos convocam a pensar.
Assim, as imagens pensadas e discutidas nesse ensaio foram selecio-
nadas pelo fato de nos suscitar questionamentos referentes ao tempo, a
experiência e a memória e informar sobre regimes de saberes baseados
em conhecimentos ancestrais, constantemente ressignificados numa rura-
lidade ameaçada. Esses conhecimentos consistem em todo um corpus
desenvolvido ao longo de muitas décadas e ensinado a cada geração atra-
vés do uso pragmático. O conhecimento camponês precisa dessa
experiência cotidiana. É um tipo de conhecimento totalmente dependente
do seu relacionamento com o meio. Se trata de um conhecimento locali-
zado, que não pode ser pensado independentemente da sua prática/práxis
cotidiana e da experiência do mundo (GIRALDO, 2018, p. 81).
A partir disso, dizemos que a dinâmica e a diversidade das práticas
agrícolas tradicionais não podem ser vistas como estagnação ou atraso, em
oposição ao moderno. Ao contrário: essas práticas, bem como a produção
que daí resulta, representa, segundo Ploeg (2008, p.42-43), “um de seus
principais campos de batalha, na qual eles constróem, reconstroem e de-
senvolvem uma combinação de recursos específica, equilibrada e
harmonizada”.
Por fim, como argumentaram Espinoza et.al (2013) a descoloniali-
dade nos permite ir transformando âmbitos do nosso viver. Mignolo
(2017) sugere que, nós, estudiosos e pensadores decoloniais, podemos con-
tribuir ao agir no domínio hegemônico da academia, onde a ideia de
natureza como algo fora dos seres humanos foi consolidada e persiste, pois
não estamos acima da natureza: somos parte dela. A proposta decolonial
258 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
Referências
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Volume 9 | 259
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260 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
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SOUZA, Roberto Martins de. Mapeamento social dos Faxinais. In: ALMEIDA, Alfredo
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Quelônios e ribeirinhos na
Floresta Nacional de Caxiuanã, Pará 1
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Doutora em Ciências Biológicas, com ênfase em Ecologia (UERJ). Bióloga/Consultora Ambiental; Membro da Rede
de Pesquisa para Estudos sobre Diversidade, Conservação e Uso da Fauna na Amazônia (RedeFauna). Atua na
pesquisa, conservação e manejo da fauna silvestre, e etnobiologia e uso dos recursos naturais por populações
tradicionais. Endereço: Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA. Av. Perimetral,
1901, Terra Firme, Belém – PA, Brasil. Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/0438362161059532 ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-4854-7219 E-mail:[email protected]
3
Doutorado em Ecologia (UNICAMP). Professor Titular da Universidade Federal do Pará/Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos (UFPA). Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/3852277891994862
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5409-8336 E-mail:[email protected]
4
Especialista em Manejo e Conservação da Fauna Silvestre e Exótica (Faculdade Unyleya). Biólogo da empresa Egis
Engenharia e Consultoria, atua como Coordenador de Manejo e Resgate de Fauna nas áreas de influência da
Mineração Paragominas S.A. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8347902744514932
E-mail: [email protected]
5
Graduado em Ciências Biológicas (UFPA). Consultor ambiental autônomo. Link para o Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7047026406058360 E-mail: [email protected]
6
Doutor em Biodiversidade e Conservação (UFAM). Pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da
Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT/ICMBio). Atua na pesquisa e manejo de
recursos naturais, turismo com fauna silvestre e conflitos envolvendo populações tradicionais-fauna silvestre. Link
para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/0861725321644797
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9434-7333 E-mail: [email protected]
Volume 9 | 263
2 Métodos de pesquisa
3 Desenvolvimento
a)
b)
Volume 9 | 273
Tabela 2 – Número total de ninhos e de ovos, média de ovos por ninho, número de ovos eclodidos e perdidos de
Podocnemis que desovaram na Praia do IBAMA, entre 2003 e 2004, na Flona Caxiuanã, Melgaço - Pará.
Nº de Nº total de Nº médio Nº ovos Nº ovos
Ano Espécie
ninhos ovos ovos/ninho eclodidos perdidos
P. -
67 436 108 328
sextuberculata
2003 P. unifilis 18 169 - 40 129
P. expansa 4 133* - 88* 45*
Total 89 697 - 188 509
P. 15,2
130 1975 810 1165
sextuberculata
2004 P. unifilis 17 329 19,4 175 135
P. expansa 1 94 - 20 74
Total 148 2398 - 1005 1374
* dados de um único ninho.
Figura 3 – Relação entre a taxa de eclosão (%) e a proporção de areia média nos ninhos
de P. sextuberculata, depositados em 2004, na Flona Caxiuanã, Melgaço – Pará
(N = 26; R2 ajustado = 0,2560; g.l. = 1; p = 0,0049).
Figura 4 – a) Relação entre a temperatura superficial dos ninhos (°C) de P. unifilis e a duração
da incubação (em dias) (N= 17; R2= 0,444; R2 ajustado= 0,315; Erro padrão da estimativa= 5,938; p=
0,011); b) Relação entre a temperatura interna dos ninhos (°C) de P. sextuberculata e
a distância da vegetação (em metros) (N= 8; R2 ajustado= 0,6685; g.l. = 1; p= 0,0081).
Monitoramento realizado em 2004, na Flona Caxiuanã, Melgaço - Pará.
a)
276 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
b)
4 Discussão
4.2 Reprodução
influência de maré em uma baía formada pelo vale afogado do Rio Anapu.
Porém, esta espécie normalmente desova em praias arenosas, de sedimen-
tos mais espessos, situadas em ambientes lóticos de rios de águas brancas
(PEZZUTI; VOGT, 1999; PANTOJA-LIMA, 2007; VOGT, 2008). No rio
Xingu, rio de águas claras ou verdes (SIOLI, 1991), esta espécie desova
abundantemente no seu trecho inferior, mas já próximo à sua foz junto ao
Amazonas, não ocorrendo a montante deste rio (CARNEIRO, 2008).
O tracajá, espécie que também utiliza a praia monitorada, é extrema-
mente versátil quanto ao ambiente de desova (SOUZA; VOGT, 1994;
FACHÍN-TERÁN; VON MÜLHEN, 2003; VOGT, 2008; FÉLIX-SILVA,
2009). Na Flona Caxiuanã foram identificados ninhos desta espécie em
roçados situados a até 180 metros de distância da margem do Igarapé Cu-
ruá, próximo à área deste estudo (ALMEIDA et al., 2005).
É frequente a desova esparsa e praticamente isolada de P. expansa
em praias com baixa produção de ninhos e de filhotes, podendo ocorrer
em menores quantidades que as de seus congêneres (PEZZUTI, 1998;
RAEDER, 2003). Esta situação é resultado do histórico de utilização da es-
pécie em larga escala, e destoa do padrão observado nos históricos
tabuleiros protegidos inicialmente por seringalistas, por comunidades ri-
beirinhas e pelo Projeto Quelônios da Amazônia (PQA/RAN) (BATES,
1892; ALHO, 1982; ALHO; PÁDUA, 1982; LIMA, 2007; FAGUNDES et al.,
2021). Um dos ninhos transferidos em 2003, que teve alta taxa de eclosão,
também apresentou deformidades morfológicas de todos os filhotes eclo-
didos. Embora não seja comprovável, este incidente pode ser atribuído à
manipulação dos ovos durante sua transferência.
e por Bernhard (2001) em 1999 na mesma praia (62,2 dias), e que o regis-
trado para P. unifilis por Fachín-Terán e Von Mülhen (2003) nos lagos de
Mamirauá. Neste último estudo, os ovos depositados em substrato arenoso
desenvolveram mais rápido (61,7 dias) quando comparados àqueles depo-
sitados em substrato argiloso (72,8 dias). Félix-Silva (2009) registrou
períodos de incubação em torno de 71 dias em 2006 e de 68 dias em 2007
para ninhos de P. unifilis no Lago da UHE Tucuruí, no Pará.
A duração de incubação é diretamente influenciada pelas caracterís-
ticas do ambiente de incubação. O tipo de substrato do sítio de oviposição
(e.g. tamanho do grão, textura, umidade) está intrinsecamente relacio-
nado à temperatura de incubação dos ovos (SOUZA; VOGT, 1994;
FERREIRA JÚNIOR; CASTRO, 2003; PIGNATI et al., 2013). O substrato
com grãos maiores experimenta maiores temperaturas. Os ninhos cons-
truídos nestes microambientes e com grande exposição ao sol terão a
duração da incubação mais curta (SOUZA; VOGT, 1994; FACHÍN-TERÁN;
VON MÜLHEN, 2003; FERREIRA JÚNIOR; CASTRO, 2003). Na FLona Ca-
xiuanã foram identificados ninhos em substratos que variaram de areia da
classe média a grossa, com pouca matéria orgânica, o que pode ter contri-
buído para períodos de incubação comparativamente curtos.
Considerações finais
Referências
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“The city is our road, our fight is in the cart”: the Traditional Carroceira
Community of Belo Horizonte and the metropolitan region
Emmanuel Duarte Almada 2
Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira 3
1 Introdução
1
Considerando as legislações nacionais e internacionais de ética em pesquisa, de propriedade intelectual e do uso de
imagens, os autores deste capítulo são plenamente responsáveis por todo seu conteúdo (inclusive textos, figuras e
fotos nele publicadas).
2
Doutor em Ambiente e Sociedade (UNICAMP). Mestre em Ecologia (UFMG). Graduado em Ciências Biológicas
(UFMG). Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais, Departamento de Ciências Biológicas, Kaipora –
Laboratório de Estudos Bioculturais. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/4322718529316744 ORCID 0000-
0001-7239-7551 E-mail: [email protected]
3
Doutorando em Antropologia (UNB). Mestre em Antropologia (UFMG). Graduado em Antropologia (UFMG). Link
para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8304248878327235 ORCID 0000-0002-6169-3192, e-mail:
[email protected]
298 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
falhou em sua promessa de levar a cabo uma completa dominação das na-
turezas urbanas pelo modo de vida urbano-industrial. Porém, mais de um
século após a fundação da capital, carroceiros, carroças e cavalos seguem
mantendo vivos modos de vida “da roça” em meio ao concreto urbano. É
diante de um violento processo de criminalização e ameaça ao direito de
existir, que os carroceiros, em aliança com seus companheiros animais,
passam a habitar o conceito de comunidade tradicional (CARNEIRO DA
CUNHA, 2009; BRANDÃO E LEAL, 2012), configurando um ato cosmopo-
lítico de afirmação do direito à diferença.
As relações entre humanos e animais produziram paisagens, sociali-
dades e estiveram envolvidas em grandes transformações nas bases
materiais dessas existências mais que humanas. Como se observa em to-
dos os povos e comunidades tradicionais, os carroceiros também possuem
princípios próprios de classificar e conhecer o ambiente, para além das
dualidades humano-animal, natureza-cultura, tão caras à modernidade. É,
pois, de um esgarçamento das fronteiras entre humanos e animais que se
constituem o modo de vida carroceiro, como veremos ao longo do capítulo.
Essa vida mais que humana que habita a cidade letrada (RAMA, 2015), tem
sido criminalizada por movimentos de libertação animal, os quais, acio-
nando e aparelhando o Estado, buscam normatizar e impor um único
modo de coabitar o mundo com os animais.
Longe de ser relicto rural em meio ao ambiente urbano,
sobrevivência cultural anacrônica ou refúgio econômico da massa útil de
desempregados do capital organizado, a Comunidade Carroceira
apresenta o modo criativo como as vidas humanas e não humanas podem
produzir diversidade de mundos e de modos de existência, inclusive e
sobretudo nas cidades. Humanos, cavalos, jumentos, burros e mulas e toda
a multidão de seres que com eles coabitam a cidade, deixam rastros e
Volume 9 | 299
3 O mundo carroceiro
animal começa a ser amansado com três anos de idade e envolve dois
momentos. Primeiramente caminha-se com o animal no cabresto durante
um período de três a seis meses. Após esse período, passa-se a charretear
com o animal em dias alternados, em locais planos, para que ele possa se
acostumar com a arreata e pare de sentir “cócegas”. Para traquejar, ou
seja, para que o animal esteja de fato apto ao trabalho na carroça, todo o
processo pode levar um ano. Nem todos os carroceiros e carroceiras têm
os saberes necessários para amansar, havendo indivíduos especializados
nessa tarefa.
A convivência entre carroceiros e animais é marcada por variados
processos comunicativos, que incluem comandos de voz, movimentos das
rédeas e movimentos corporais. No caso dos animais, o olhar, a posição e
movimentos das orelhas e do rabo são os principais sinais utilizados para
se comunicar com os carroceiros. Por outro lado, os animais são capazes
de reconhecer seus companheiros humanos pelo cheiro, voz e até pelo som
do carro, mesmo à distância. É importante também destacar que todos os
animais têm nomes e por eles são tratados no dia a dia. Evocando o nome
do animal, os comandos são enunciados: “vamo sô (nome do animal)”
para andar; “psiu!” para parar e “sons de beijinhos” para começar a andar.
Ao contrário do que alegam os grupos e movimentos que tentam cri-
minalizar o modo de vida carroceiro, os animais são sujeitos que fazem
parte das comunidades carroceiras, parceiros e companheiros de trabalho.
Como grande parte dos carroceiros nas periferias das cidades não têm
acesso a currais, de forma recorrente os animais compartilham a habita-
ção com seus companheiros humanos, vivendo em baias no quintal e
terreiros das casas.
Por fim, é importante descrever as relações de cuidado dos carrocei-
ros com seus companheiros animais. Todos os dias, a rotina do carroceiro
se inicia pelo preparo dos animais para o trabalho. Isso geralmente implica
Volume 9 | 307
Fonte: Alexandre Rezende (foto superior à esquerda), Ricardo A.P. de Oliveira (demais fotos)
4 O território carroceiro
cidades cada vez mais impermeabilizadas, sem espaços para cavalos, ár-
vores ou córregos.
5 Saberes da carroça
peças e outros componentes, e feita pela mão de obra dos próprios carro-
ceiros, pode ter um custo de cerca de R$2mil a R$2,5mil. Há também
mestres no ofício de produção de carroças que, embora também façam
uma produção caseira de carroças, são reconhecidos como detentores de
saberes que garantem a fabricação de carroças de alta qualidade e durabi-
lidade. Esses fazedores de carroça são, de fato, mais uma das
especializações que compõem o modo de vida tradicional carroceiro.
Fonte: autores.
Fonte: autores.
Considerações finais
Agradecimentos
Referências
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Volume 9 | 323
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Cultura/multiculturalismo/interculturalidade 1/1; 3/2; 3/12; 3/17; 3/20; 3/22; 4/9; 4/10; 5/1; 5/6;
5/7; 6/7; 7/1; 7/2; 7/7; 8/2; 8/3; 8/5; 8/11; 9/3; 10/1;
Danças tradicionais 3/2; 8/1;
Dendecultura 10/10;
Desmatamento 3/5;
Direitos e questões jurídicas 2/5; 2/6; 3/23; 7/1; 7/3; 7/7; 9/8;
Educação 2/2; 3/14; 4/3; 4/8; 4/9; 4/10; 5/1; 5/8; 6/3; 7/1; 7/2;
7/5; 7/6; 7/9; 7/10; 10/3; 10/6;
Educação Ambiental 7/8; 9/4; 9/8; 9/10;
Espírito Santo, estado de 5/10;
Etnobiologia 9/10;
Etnodesenvolvimento/Desenvolvimento Sustentável 2/7; 3/1; 7/8; 8/5; 9/9;
Etnografia/Imersão antropológica 2/3; 3/14; 4/1; 7/6; 8/8;
Etnomatemática 5/1; 7/2;
Extensão universitária 2/3; 4/2; 4/3; 5/4; 9/6; 10/3; 10/6;
Extrativismo/agroextrativismo 1/4; 9/8;
Faxinalenses, comunidades tradicionais 9/9;
Geração de renda 3/3;
Gerações e relações intergeracionais 8/7;
Geraizeiros, comunidade tradicional de 1/5; 2/7;
Gestão Social/comércio justo/economia solidá- 4/2; 10/9;
ria/inovação social
Grotão, comunidade quilombola 6/5;
Identidade/pertencimento comunitário 3/6; 3/12; 3/18; 5/1; 5/7; 5/5; 7/2; 7/5;
Indígenas, povos 1/7; 3/1; 3/12; 3/13; 3/15; 3/16; 3/17; 3/18; 3/19; 3/20;
3/23; 4/2; 4/3; 4/4; 4/5; 4/6; 4/8; 5/2; 5/3; 5/6; 5/8;
5/10; 6/1; 6/10; 9/3; 9/6; 10/11;
Infância e juventude de PCT 3/13; 7/6; 8/1;
Ilha Grande (RJ), Baía da 1/2; 4/1; 5/3; 5/4; 7/2; 8/8;
Imigrantes, comunidades tradicionais de 3/11; 9/9;
Jambuaçu (Mojú/PA), comunidade quilombola 10/10;
Juatinga, Reserva Ecológica 9/2;
Jurema Sagrada (PB) 10/7;
Juscelina (TO), comunidade quilombola 6/4;
Kaingang, povos indígenas 6/2;
Karipuna, povos indígenas 7/10;
Krenak, povos indígenas 6/2; 10/11;
Kurâ-Bakairi (MT), povos indígenas 4/10;
Lajeado (Dianópolis/TO), comunidade quilombola 1/6; 2/6; 3/2; 3/21; 5/5; 10/3;
Lendas e mitos 4/9;
Letos, comunidade tradicional de 3/11;
Língua/linguística 3/12;
Mangueiras (Salvaterra/PA), Vila das 6/3;
328 | Povos Originários e Comunidades Tradicionais
www.editorafi.org
[email protected]