manual psicultura Embrapa - 2a edição

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Manual de piscicultura familiar

em viveiros escavados
2ª Edição

Adriana Ferreira Lima


Adriano Prysthon da Silva
Ana Paula Oeda Rodrigues
Diego Neves de Sousa
Giovani Taffarel Bergamin
Leandro Kanamaru Franco de Lima
Lucas Simon Torati
Manoel Xavier Pedroza Filho
Patricia Oliveira Maciel-Honda
Roberto Manolio Valladão Flores
Empresa Brasileira De Pesquisa Agropecuária
Embrapa Pesca e Aquicultura
Ministério da Agricultura e Pecuária

Manual de piscicultura familiar


em viveiros escavados
2ª Edição

Adriana Ferreira Lima


Adriano Prysthon da Silva
Ana Paula Oeda Rodrigues
Diego Neves de Sousa
Giovani Taffarel Bergamin
Leandro Kanamaru Franco de Lima
Lucas Simon Torati
Manoel Xavier Pedroza Filho
Patricia Oliveira Maciel-Honda
Roberto Manolio Valladão Flores

Embrapa
Brasília, DF
2024
Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na:

Embrapa Pesca e Aquicultura Supervisão editorial


Avenida NS 10, Loteamento Água Fria Diego Neves de Sousa
Palmas, TO, Caixa Postal n° 90,
CEP 77008-900 Palmas, TO Revisão de texto
Fone: (63) 3229-7800 Everaldo Correia da Silva Filho
www.embrapa.br
www.embrapa.br/fale-conosco/sac Normalização bibliográfica
Andréa Liliane Pereira da Silva
Unidade responsável pelo conteúdo
Embrapa Pesca e Aquicultura Projeto gráfico e capa
Carlos Joaquim Einloft (Editora Asa Pequena)
Comitê Local de Publicações
da Unidade Responsável Foto da capa
Manoel Xavier Pedroza Filho
Presidente
Roberto Manolio Valladão Flores 1ª edição
1ª impressão (2015): 1.000 exemplares
Secretário-executivo 2ª impressão (2015): 1.000 exemplares
Diego Neves de Sousa 3ª impressão (2018): 1.000 exemplares

Membros 2ª edição
Alexandre Uhlmann Publicação digital (2024): PDF
Clenio Araújo
Fabrício Pereira Rezende
Hellen Christina de Almeida Kato
Jefferson Christofoletti
Luciana Cristine Vasques Vilela
Luiz Eduardo Lima de Freitas

Todos os direitos reservados.


A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Embrapa, Secretaria Geral

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados / Adriana Ferreira Lima... [et


al.]. – Brasília, DF : Embrapa, 2024.
PDF (156 p.) : il. color

ISBN 978-65-5467-061-6

1. Piscicultura. 2. Viveiro. 3. Produção. 4. Peixe. I. Lima, Adriana Ferreira. II. Embrapa


Pesca e Aquicultura.

CDD 639.31

Andréa Liliane Pereira da Silva (CRB-2/1166) © 2024 Embrapa


Autores

Adriana Ferreira Lima


Engenheira de pesca, mestre em Recursos Pesqueiros e Aquicultura, pesquisadora da Embrapa
Pesca e Aquicultura, Palmas, TO

Adriano Prysthon da Silva


Engenheiro de pesca, mestre em Recursos Pesqueiros e Aquicultura, pesquisador da Embrapa
Alimentos e Territórios, Maceió, AL

Ana Paula Oeda Rodrigues


Engenheira-agrônoma, mestre em Aquicultura, pesquisadora da Embrapa Pesca e Aquicultura,
Palmas, TO

Diego Neves de Sousa


Bacharel em Gestão de Cooperativas, doutor em Desenvolvimento Rural, analista da Embrapa
Pesca e Aquicultura, Palmas, TO

Giovani Taffarel Bergamin


Zootecnista, doutor em Zootecnia, professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa),
Uruguaiana, RS

Leandro Kanamaru Franco de Lima


Médico-veterinário, doutor em Ciência Animal, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura,
Palmas, TO
Lucas Simon Torati
Biólogo, doutor em Ciências Naturais, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura, Palmas, TO

Manoel Xavier Pedroza Filho


Engenheiro-agrônomo, doutor em Economia, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura,
Palmas, TO

Patricia Oliveira Maciel-Honda


Médica-veterinária, mestre em Biologia Aquática e Pesca Interior, pesquisadora da Embrapa
Pesca e Aquicultura, Palmas, TO

Roberto Manolio Valladão Flores


Economista, doutor em Economia Agrária, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura,
Palmas, TO
Agradecimentos

A
os piscicultores de Divinópolis, TO e região, sem os quais esta publica-
ção não poderia ter sido concluída. Às instituições parceiras: Instituto
de Desenvolvimento Rural do Tocan­tins (Ruraltins), Serviço de Assis-
tência Técnica e Planejamento Rural (Planter) e à Associação dos Piscicultores
de Divinópolis e Região (Apafir).
Apresentação

H
á quase uma década, o projeto “Fortalecimento da piscicultura como
alternativa de renda e diversificação da agricultura familiar no estado
do Tocantins” abria oficialmente a pauta de pesquisa da então recém-
-criada Embrapa Pesca e Aquicultura, em Palmas, capital do estado. Foi o
primeiro projeto de pesquisa da Unidade aprovado em edital interno da Em-
brapa, dando início aos inúmeros trabalhos que seus profissionais entrega-
ram ao País. Por isso, a equipe de pesquisadores mantém um apreço especial
por este material.

Este é o registro atualizado de uma série de produções editoriais elabo-


radas, no âmbito daquele projeto, em parceria entre pesquisadores, técnicos
e produtores rurais. O objetivo foi apresentar, de maneira clara e acessível, as
técnicas para instalação e manutenção de uma criação de peixes em viveiros
escavados. Dividido em folhetos temáticos, o material esgotava-se rapida-
mente em eventos, servindo de apoio a técnicos extensionistas na orienta-
ção de piscicultores familiares.

Os folhetos foram consolidados em um livro, que se tornou um sucesso


no setor. Revisado, ele agora ganha esta segunda edição em versão digital e
gratuita, o que deve aumentar ainda mais a sua divulgação. A obra continua
atual, útil e exemplo da parceria entre pesquisa, extensão rural e setor pro-
dutivo.
Essa segunda edição do livro foi viabilizada pelo projeto Hubtech da Agri-
cultura Familiar, que tem por objetivo fortalecer e ampliar o Sistema Brasileiro
de Assistência Técnica e Extensão Rural Digital por meio do desenvolvimento
de arranjos institucionais, conhecido como Hubs Virtuais, para disponibilizar
informação e conteúdo agropecuário relevante para os extensionistas, agri-
cultores e outros públicos relacionados, convergindo as ações de diversas
instituições do Agro Brasileiro.

Esperamos que esta publicação continue ajudando a levar renda, susten-


tabilidade e alimento de qualidade a milhares de pequenos agricultores. As
práticas aqui explicadas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), principalmente
o ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável) e o ODS 15 (Vida Terrestre),
que buscam criar um mundo mais saudável, promovendo a sustentabilidade
em seus mais diferentes aspectos.

Leia, aproveite e compartilhe.

Danielle de Bem Luiz


Chefe-Geral da Embrapa Pesca e Aquicultura
Prefácio

A
Década da Agricultura Familiar (2019-2028) tem sido um marco cru-
cial no reconhecimento da importância socioeconômica da agricultu-
ra familiar em nível global. A Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), ao instituir a Década, destacou o papel
fundamental desse setor na erradicação da fome e da pobreza, no fortale-
cimento da segurança alimentar e nutricional, na promoção dos meios de
subsistência e geração de renda, bem como na gestão sustentável dos re-
cursos naturais. Com isso, o objetivo é melhorar a qualidade de vida dessas
populações, frequentemente marginalizadas nas zonas rurais. Além disso, a
FAO encoraja os governos nacionais a implementarem políticas e regulamen-
tações adequadas que promovam o crescimento e desenvolvimento dos se-
tores ligados à agricultura familiar.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao


Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), reconhece a im-
portância da agricultura familiar como um de seus principais focos de atuação.
Nesse sentido, tem se empenhado em identificar oportunidades tecnológicas
para impulsionar a produção e o desenvolvimento desse setor, especialmente
através de iniciativas voltadas para a agrobiodiversidade dos ecossistemas e
para o estímulo à produção autônoma e sustentável dos agricultores familiares.

Nesse contexto, foi concebido o projeto de pesquisa “Fortalecimento da


piscicultura como alternativa de renda e diversificação da agricultura familiar
no estado do Tocantins (2011-2014)”, com o intuito de criar estratégias para
fortalecer a piscicultura nos sistemas de produção familiar, através de ações
de pesquisa e transferência de tecnologia no oeste do estado do Tocantins.

Apesar de ser uma atividade relativamente recente, a piscicultura tor-


nou-se rapidamente uma alternativa viável para complementar a renda nas
propriedades rurais, além de contribuir para a segurança alimentar, sendo
uma fonte de proteína de alta qualidade, especialmente em comunidades ca-
rentes. No entanto, diversos desafios permeiam os elos da cadeia produtiva,
tais como: a falta de acesso a informações, a escassez do serviço de assistên-
cia técnica e as deficiências em infraestrutura, tecnologia, processamento,
logística e comercialização.

Com o propósito de superar essas barreiras, durante o projeto foram


desenvolvidos materiais instrucionais contendo informações básicas e aces-
síveis sobre o sistema de produção de peixes, destinados diretamente aos
agricultores familiares. Esses materiais foram submetidos à análise, discus-
são e validação por parte dos produtores locais, sendo posteriormente con-
solidados e ajustados para esta publicação.

O principal objetivo desta obra é contribuir para a redução dos gargalos


tecnológicos no campo, por meio do acesso ao conhecimento em consonância
com os avanços da Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) Digital. São apre-
sentadas ao agricultor familiar informações básicas sobre o ciclo de produção,
desde a escolha de um local apropriado para construir um viveiro até meios de
obter mais lucro trabalhando de forma coletiva. Com a crescente digitalização
dos serviços de Ater, numa linguagem de fácil compreensão, oferecemos ao
leitor a oportunidade de entender o processo de criação de peixes. Esperamos,
com isso, contribuir para que o agricultor familiar consiga aplicar esses conhe-
cimentos na prática, provocando impacto direto positivo no aumento da pro-
dução e no desenvolvimento sustentável da atividade. Alcançando esse obje-
tivo, nós nos sentiremos realizados, cientes do cumprimento de nossa missão.

Os Autores
Sumário

Planejamento inicial de uma piscicultura............................................................. 15


Introdução................................................................................................................. 15
Disponibilidade de água de qualidade para produção de peixes.............................. 15
Finalidade do peixe produzido.................................................................................. 16
Mercado consumidor de peixe na região e arredores .............................................. 16
Fornecedores de insumos e prestadores de serviços na região................................ 17
Piscicultores próximos à propriedade ...................................................................... 17
Licenças exigidas para legalização da atividade piscícola na propriedade................ 17

Construção de viveiros escavados........................................................................ 19


Introdução................................................................................................................. 19
Água ......................................................................................................................... 19
Topografia.................................................................................................................. 20
Tipo de solo............................................................................................................... 20
Dimensionamento e formato dos viveiros................................................................ 22
Sistema de abastecimento........................................................................................ 25
Sistema de drenagem dos viveiros............................................................................ 26
Proteção dos taludes................................................................................................. 29
Etapas da construção de viveiro................................................................................ 30

Preparação de viveiros e produção de peixes....................................................... 31


Introdução................................................................................................................. 31
Preparação de viveiros.............................................................................................. 31
Esvaziamento e secagem........................................................................................... 31
Desinfecção............................................................................................................... 33
Calagem..................................................................................................................... 34
Adubação inicial........................................................................................................ 35
Povoamento.............................................................................................................. 37
Aquisição de alevinos................................................................................................ 37
Transporte dos alevinos............................................................................................ 38
Opções para o povoamento...................................................................................... 40
Aclimatação............................................................................................................... 41
Densidades utilizadas................................................................................................ 43
Produção................................................................................................................... 44
Recria ........................................................................................................................ 44
Infraestruturas utilizadas para a fase de recria ........................................................ 45
Predadores................................................................................................................ 45
Densidade.................................................................................................................. 47
Alimentação.............................................................................................................. 47
Mortalidade............................................................................................................... 48
Engorda..................................................................................................................... 48
Infraestruturas utilizadas na fase de engorda .......................................................... 48
Densidade.................................................................................................................. 48
Aspectos de manejo para as fases de recria e engorda............................................. 49
Comportamento do peixe......................................................................................... 51

Qualidade da água na piscicultura ...................................................................... 53


Introdução................................................................................................................. 53
Oxigênio dissolvido.................................................................................................... 53
Transparência da água............................................................................................... 58
pH.............................................................................................................................. 64
Alcalinidade............................................................................................................... 64
Gás carbônico............................................................................................................ 65
Amônia e nitrito........................................................................................................ 66
Temperatura.............................................................................................................. 68
Perguntas e respostas relacionadas à qualidade da água......................................... 70

Manejo alimentar................................................................................................ 72
Introdução................................................................................................................. 72
Critérios na escolha da ração.................................................................................... 72
Hábito alimentar dos peixes...................................................................................... 73
Fase de desenvolvimento dos peixes........................................................................ 73
Palatabilidade da ração............................................................................................. 74
Características físicas da ração.................................................................................. 75
Manejo alimentar...................................................................................................... 75
Exemplo de manejo alimentar.................................................................................. 76
Conversão alimentar................................................................................................. 77
Exemplo de cálculo de conversão alimentar............................................................. 79
Cuidados com a forma de fornecer a ração............................................................... 80
Armazenamento da ração......................................................................................... 84
Aporte de ração e regime de produção adotado...................................................... 86

Cuidados com a saúde dos peixes........................................................................ 89


Introdução................................................................................................................. 89
Aquisição de alevinos saudáveis................................................................................ 90
Prevenção do estresse............................................................................................... 92
Aclimatação adequada.............................................................................................. 94
Manuseio correto...................................................................................................... 95
Como identificar os sinais de peixes doentes............................................................ 97
Não utilizar medicamentos indiscriminadamente ou sem orientação especializada.... 102
Prevenção de transmissão de doenças................................................................... 102
Considerações finais................................................................................................ 104

Acompanhamento técnico da produção............................................................ 106


Introdução............................................................................................................... 106
Biometria................................................................................................................. 107
Cuidados no planejamento da biometria................................................................ 107
Como fazer a biometria?......................................................................................... 108
Captura dos peixes.................................................................................................. 108
Passagem da rede.................................................................................................... 109
Quantidade de peixes amostrados ......................................................................... 110
Pesagem.................................................................................................................. 110
Avaliação do estado de saúde................................................................................. 113
Devolução dos peixes ao viveiro.............................................................................. 113
Cálculo do peso dos peixes...................................................................................... 113
Considerações importantes..................................................................................... 114
Índices de desempenho produtivo.......................................................................... 116
Taxa de sobrevivência.............................................................................................. 116
Ganho de peso (ganho de peso = peso final - peso inicial) .................................... 116
Ganho de biomassa (ganho de biomassa = [(peso final x número de peixes no final)
– (peso inicial x número de peixes no início)])........................................................ 116
Conversão alimentar............................................................................................... 117
Produtividade.......................................................................................................... 118

Boas práticas para a conservação do pescado.................................................... 119


Introdução............................................................................................................... 119
Definição de “pescado”........................................................................................... 119
Deterioração do pescado........................................................................................ 120
Recomendações práticas para melhor conservar o peixe....................................... 121
Características do peixe fresco................................................................................ 123

Controle de custos de produção e comercialização............................................ 126


Introdução............................................................................................................... 126
Custos de implantação............................................................................................ 126
Custos de produção................................................................................................. 126
Análise econômica dos custos de produção............................................................ 128
Cálculo de análise econômica da piscicultura......................................................... 129
Cálculo da receita.................................................................................................... 130
Cálculo do lucro....................................................................................................... 131
Planejamento da comercialização........................................................................... 131
Dicas para melhorar a comercialização................................................................... 134

Formas associativistas na piscicultura familiar................................................... 135


Introdução............................................................................................................... 135
Formas de associativismo........................................................................................ 136
Produção e comercialização.................................................................................... 141
Acesso a políticas públicas e parcerias.................................................................... 143
Valorização e divulgação da cultura local................................................................ 144

Referências.............................................................................................................. 146

Apêndice........................................................................................................... 148
Planilhas para acompanhamento técnico da produção.......................................... 148
Planejamento inicial
de uma piscicultura

Introdução

A
ssim como outras atividades agropecuárias, se mal planejada, a pisci-
cultura pode ser uma experiência de insucesso em algumas proprie-
dades, envolvendo uma série de prejuízos financeiros e frustrações.
Pensando em fomentar o correto desenvolvimento dessa atividade produ-
tiva, elaboramos este capítulo com algumas orientações técnicas essenciais
que todo o produtor deve saber antes de investir seu capital na produção de
peixes.

Disponibilidade de água de qualidade para produção de peixes

Conforme é ressaltado nos capítulos Construção de viveiros escavados


e Qualidade da água na piscicultura, a produção de peixes depende fun-
damentalmente de água em quantidade e qualidade adequadas para sua
viabilidade. Havendo fonte de água em volume adequado e dentro dos parâ-
metros considerados adequados para a criação das espécies de peixes esco-
lhidas, o produtor possui uma variedade de opções de sistemas de produção
para serem analisados durante o planejamento da piscicultura. Proprieda-
des que não possuem essa condição e que dependem da captação de água
subterrânea ou do período de chuvas para o abastecimento de água pre-
cisam melhor avaliar que espécie de peixe se adequaria a tal condição. No

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 15


CAPÍTULO 1
Planejamento inicial de uma piscicultura

caso de captação de água subterrânea, é necessário um cuidadoso estudo


da viabilidade econômica, considerando os custos com energia para capta-
ção da água necessária à produção. No caso da dependência do período de
chuvas para captação de água, verificar se é possível minimamente executar
o ciclo de produção até o peso desejado para abate e quais estratégias po-
dem ser adotadas para alcançar esse resultado.

Finalidade do peixe produzido

É importante saber qual será a finalidade do peixe produzido: se será


para consumo próprio, se será para consumo próprio com venda do exceden-
te, se será majoritariamente para comercialização ou se envolverá mais de
uma dessas opções em momentos distintos do planejamento da piscicultura.
Ter essa definição ajudará o produtor a planejar melhor sua escala de produ-
ção e, consequentemente, o sistema de produção a ser adotado, o tamanho
das unidades produtivas, o volume de água para viabilizar a produção e o
investimento necessário.

Mercado consumidor de peixe na região e arredores

Ainda é comum o relato de piscicultores que – finalizado o ciclo de


produção, com os peixes já em tamanho de abate – descobrem não haver
mercado comprador para escoar sua produção. Nessa etapa, geralmente o
viveiro piscícola se encontra com uma densidade de estocagem elevada e
o capital investido em ração e outros insumos atingiu seu ápice, deixando
o produtor com pouca margem de negociação sobre o preço de venda dos
peixes. Esse e outros aspectos fundamentais no planejamento da piscicul-
tura, relacionados à comercialização, são apresentados no capítulo Contro-
le de custos de produção e comercialização. Sua leitura é imprescindível e
auxiliará na resposta à outra pergunta importante: qual(is) espécie(s) de
peixe deve(m) ser produzida(s) na minha propriedade e qual o custeio e
investimento necessário?

16 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 1
Planejamento inicial de uma piscicultura

Fornecedores de insumos e prestadores de serviços na


região

Os gastos com ração representam em torno de 70% a 80% dos custos


operacionais totais de uma piscicultura. Não havendo fornecedores desse in-
sumo na região onde se pretende iniciar a produção de peixes, o preço final
da ração será encarecido pelo frete, que varia com a distância entre o local
de saída e o de entrega e com o volume de carga que será entregue na pro-
priedade e no percurso. Além da preocupação com o fornecedor da ração,
é importante avaliar se existem fornecedores de alevinos de qualidade nas
proximidades, bem como a disponibilidade de prestadores de serviço, seja
para a construção da infraestrutura básica da piscicultura, seja para fins de
assistência técnica. Não havendo, é necessário estimar os custos para que
esses insumos e serviços cheguem até a propriedade.

Piscicultores próximos à propriedade

Embora não seja condicionante para o futuro piscicultor, ter vizinhos que
já realizam a atividade pode ajudar não só durante o planejamento da pro-
dução como também durante sua condução. Havendo um número significa-
tivo de piscicultores na região, é viável a organização entre si para compras
coletivas de insumos, contratação de prestadores de serviço, mobilização de
órgãos de assistência técnica e extensão rural e acesso a políticas públicas
(ver capítulo Associativismo na piscicultura).

Licenças exigidas para legalização da atividade piscícola na


propriedade

O processo de licenciamento ambiental da piscicultura depende do ta-


manho da propriedade, podendo apresentar variações nos diferentes esta-
dos. Portanto, o ideal é que o produtor procure o órgão de assistência téc-
nica e extensão rural e/ou o órgão de licenciamento ambiental para receber

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 17


CAPÍTULO 1
Planejamento inicial de uma piscicultura

as orientações acerca dos documentos necessários para a regularização da


atividade. Na maioria dos estados, pequenos produtores precisam realizar
apenas um cadastro no órgão de licenciamento ambiental se atendido alguns
critérios.
No entanto, no caso de pisciculturas de maior porte, pode ser necessá-
ria a emissão de licenças prévias, de implantação e operação pelos órgãos
licenciadores e ainda outorgas de uso de água. Para a comercialização, caso
o produtor familiar deseje aumentar sua escala de produção, serão necessá-
rias, também, autorizações de ordem sanitária, como as guias para transpor-
te de peixes, bem como regularizações fiscais, como notas fiscais, certidões
e outros documentos.

18 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Construção de
viveiros escavados

Introdução

A
construção de viveiros representa a maior parcela de investimento na
implantação de um empreendimento aquícola. O custo pode variar de
acordo com as características do local, como acesso, topografia, tipo
de solo, cobertura vegetal e fonte de água. Uma estrutura bem planejada
facilita o manejo dos peixes e a ocupação de todos os viveiros durante o ci-
clo de produção, otimizando, assim, o uso da área. É fundamental, também,
que o produtor conheça as regulamentações federais, estaduais e municipais
quanto ao uso dos recursos naturais, bem como os procedimentos para a
obtenção das licenças ambientais. Viveiros para piscicultura podem apresen-
tar diversas finalidades, como manutenção de reprodutores, alevinagem e
engorda. O primeiro passo para a construção de viveiros é a escolha do local,
sendo necessário, para tanto, observar alguns aspectos, como quantidade e
qualidade da água, topografia e tipo de solo. Este capítulo abordará questões
sobre a construção de viveiros escavados para criação de peixes.

Água

A fonte de água deve garantir volume suficiente para abastecer todos os


viveiros ao longo do cultivo e estar livre de contaminação. A quantidade de
água necessária pode variar de acordo com o volume dos viveiros, as taxas

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 19


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

de infiltração e evaporação, a renovação ao longo do cultivo, o número de


despescas por ano, como também conforme o tipo de solo e a eficiência do
trabalho de compactação. Normalmente, recomenda-se vazão entre 10 L
a 20 L por segundo por hectare de lâmina d’água (L/s/ha). Contudo, para
viveiros bem construídos e com pouca infiltração, vazões abaixo de 10 L/s/ha
são suficientes (Oliveira, 1999). Os valores recomendados para as variáveis
físicas e químicas da água podem ser encontrados no capítulo Qualidade da
água na piscicultura.

Topografia

Deve-se dar preferência aos terrenos planos ou com declividade suave


(até 2 m de desnível a cada 100 m de distância, ou equivalente a 2%), os
quais permitem a construção de viveiros e barragens com mínima movimen-
tação de terra. Sempre que possível, o sistema de abastecimento de água
deve ser feito por gravidade, diminuindo, assim, os custos de implantação e
manutenção das estruturas. Se o abastecimento da piscicultura depender de
bombeamento de água, devem ser previstas estruturas emergenciais para os
casos de falta de energia elétrica ou panes mecânicas. Declividades acima de
4% devem ser evitadas sempre que possível, pois dificultam a construção de
viveiros, principalmente os de grande porte.

Tipo de solo

Antes da construção dos viveiros, é necessário fazer uma análise deta-


lhada do tipo de solo na área selecionada. As coletas de solo podem ser feitas
com o uso de trado em diversas profundidades ao longo da área, inclusive
abaixo da cota prevista para o fundo dos viveiros.

Os solos mais indicados são os de baixa permeabilidade, por permiti-


rem a construção de taludes estáveis e com baixa infiltração. As condições de
fertilidade e acidez do solo são importantes, mas não determinantes para a

20 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

construção de viveiros, pois podem ser corrigidas ao longo do cultivo. Reco-


menda-se ainda evitar solos rochosos e/ou arenosos. Solos argilosos são os
mais indicados para a construção de viveiros, pois apresentam alta plastici-
dade e resistência à erosão. Contudo, solos excessivamente argilosos podem
apresentar rachaduras quando expostos ao sol, causando vazamento. O solo
deve possuir, então, textura média (em torno de 30% de argila).

Para facilitar a identificação no campo, pode ser aplicado o teste da letra


“S”, que caracteriza três tipos de textura: arenosa, média e argilosa (Santos
et al., 2010). Para fazer o teste, deve-se colocar um pouco de solo nas mãos,
umedecê-lo e tentar moldá-lo, formando a letra “S”. Se não for possível dar
forma ao “S”, isso significará que o solo é arenoso, contendo menos de 15%
de argila (Figura 1A). Mas, se quando moldada de forma alongada, ao se
dobrar a fôrma ao meio, ela se quebrar ou rachar, isso significará que o solo
tem textura média (de 15% a 35% de argila, que é ideal para a construção de
viveiros), conforme se vê na Figura 1B. Solos argilosos (com mais de 35% de
argila) permitem a formação da letra “S” (Figura 1C). Vale salientar que essa
técnica não substitui uma análise de solo em laboratório, na qual é possível
determinar a porcentagem exata de argila no solo. A técnica é apenas uma
estimativa simplória, mas de grande utilidade no campo.

A B C Fotos: Jefferson Cristiano Christofoletti

Figura 1. Teste da letra “S” para a identificação da textura do solo no campo: arenosa: menos de 15% de
argila) (A); média: de 15% a 35% de argila, ideal para a construção de viveiros escavados (B); argilosa: mais
de 35% de argila.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 21


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

A construção de viveiros não pode ser feita em solo excessivamente


molhado ou muito seco, e a compactação deve ser feita a cada 20 cm de
deposição do solo, o que contribuirá para a diminuição da permeabilida-
de. Dessa forma, deve-se atentar para a época do ano em que será feita
a movimentação de terra para a construção do(s) viveiro(s). Outro ponto
importante é a retirada de todo material vegetal (incluindo de 10 a 30
cm abaixo do nível do solo) antes de iniciar a movimentação de terra para
a construção propriamente dita. Essa operação normalmente demanda o
uso de trator de esteira e é importante para evitar infiltração nos taludes e
facilitar o manejo de despesca.

Dimensionamento e formato dos viveiros

O viveiro é uma estrutura que pode ser parcialmente escavada (Figura 2A)
ou totalmente elevada no terreno (Figura 2B).

Nível do
terreno
A

Nível do
B terreno

Figura 2. Viveiro semiescavado (A) e totalmente elevado do terreno (B), com uso de material externo para
a construção dos taludes.
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

22 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

Sempre que possível, os viveiros devem apresentar formato retangular


(Figura 3), pois esse formato contribui para melhorar o fluxo de água e faci-
litar as operações de manejo e despesca. Diferentes formatos e tamanhos
podem ser utilizados para aproveitamento da topografia do terreno, mas
é importante salientar que vários viveiros pequenos geram maior custo de
implantação do que poucos viveiros grandes, em virtude da maior propor-
ção de área de taludes em relação à área alagada (Figura 3). Além disso,
viveiros padronizados facilitam no momento de calcular densidades de es-
tocagem, doses de fertilizantes, taxas de renovação de água, etc. Deve-se
ainda planejar a produção de modo a considerar viveiros de recria e de en-
gorda dos peixes, sendo os primeiros geralmente de menor dimensão e em
menor quantidade. A profundidade média deve ser de aproximadamente
1,20 m na parte mais rasa, e entre 1,5 m e 1,7 m na parte mais profunda
(Figura 4), a fim de manter a qualidade da água e facilitar o manejo, até
mesmo com o viveiro cheio.

Foto: Hainnan Souza Rocha

Figura 3. Viveiros de 300 m² (destaque linha cheia) e de 600 m² (destaque linha pontilhada) de área ala-
gada. Observa-se maior proporção de área de taludes em relação à área alagada nos viveiros menores.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 23


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

A P. mín. P. máx.

B B
Corte A

A Corte B

Figura 4. Formato do viveiro e declividade do fundo. P. mín. = Profundidade mínima (de 0,8 m a 1,4 m);
P. máx. = Profundidade máxima (de 1,3 m a 1,8 m); D = Declividade (de 0,5% a 2%).
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

O fundo do viveiro deve apresentar declividade que permita total


esvaziamento. O desnível deve ser feito no sentido da entrada para a saída
de água (Figura 4 – Corte A) e no sentido dos taludes para o centro do
viveiro (Figura 4 – Corte B), evitando-se, assim, a formação de poças.

O talude deve apresentar proporção de 3:1 na borda interna do viveiro.


Ou seja, para cada metro de altura, o talude avança 3 m em comprimento.
Na borda externa, a proporção é de 2:1 (Figura 5). A largura da crista deverá
ser de 2 m a 3 m quando não for prevista a passagem de veículos, ou de 5
m para a circulação de veículos.

Crista
BL
Talude
h

3xh 2xh

Figura 5. Seção transversal do talude indicando a inclinação interna e a externa desejadas. BL = borda livre
(área que nunca contém água); h = altura.
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

24 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

Sistema de abastecimento

O abastecimento de água pode ser realizado por canais a céu aberto ou


tubulações. As tubulações de PVC são utilizadas para levar a água do canal
de abastecimento até o viveiro, devendo-se proteger o local onde se dá a
queda d’água para evitar a erosão do fundo do tanque (Figura 6). O controle
de vazão do canal de abastecimento para o viveiro pode ser feito com a insta-
lação de registro ou a utilização de conexões do tipo “curva” ou “joelho” para
controle do nível da água.

Antes de entrar no viveiro, a água deve passar por filtros mecânicos,


como grades ou telas, para a retirada de galhos, folhas e peixes indesejá-
veis. Na extremidade do tubo de abastecimento, deve ser instalada uma
tela em formato de saco do tipo “mosquiteiro” ou “sombrite”, para evitar a
entrada de ovos, larvas, pequenos peixes e predadores, principalmente nas
fases iniciais de cultivo. Existem telas de malha bem pequena (medidas em
micras) que podem ser adotadas, sendo mais eficientes na contenção de
organismos indesejáveis. Recomenda-se que esta tela seja fixada de forma
frouxa, formando um saco (também chamada de bag), para evitar entupi-
mento (Figura 6).

Caixa com
Canal de filtro mecânico
abastecimento Tela

Tela

Figura 6. Sistema de abastecimento de água contendo caixa com filtro mecânico, tela em formato de saco
na extremidade do cano e proteção no local da queda d’água para evitar a erosão do fundo do viveiro.
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 25


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

O revestimento dos canais de abastecimento é indicado quando o solo é


muito permeável (alta infiltração), podendo ser feito em alvenaria, cimento
pré-fabricado ou lonas de plástico. Canais revestidos aumentam o custo de
implantação, contudo, o custo com sua manutenção é muito menor do que
o de canais não revestidos. Os viveiros devem apresentar entrada e saída de
água individual, em extremidades opostas (Figura 4 – Corte A). É preferível
que o abastecimento de água seja realizado por gravidade.

Sistema de drenagem dos viveiros

Para o correto manejo em piscicultura, é essencial a instalação de siste-


mas de drenagem eficientes, que possibilitem o esvaziamento total do vivei-
ro. O escoamento da água, tanto para renovação quanto para despesca, deve
ser feito descartando-se a água do fundo dos viveiros, pois essa é a água de
pior qualidade para o cultivo (onde se concentram fezes, restos de ração e
outros materiais orgânicos). Os sistemas de escoamento mais utilizados são
dois: cachimbo e monge. Em viveiros de pequeno porte (até 2.000 m²), os
cachimbos são mais recomendados graças ao baixo custo de implantação e à
facilidade de manejo, em comparação com os monges.

O cachimbo, estrutura do cano que é movida para o escoamento da água,


pode ser interno, dentro do viveiro (Figura 7), ou externo, fora do viveiro (Fi-
gura 8). Para o sistema interno, o cachimbo deve conter, por fora, outro cano
de maior diâmetro, para permitir a drenagem da água do fundo do viveiro
(Figura 8). No caso de opção pelo cachimbo externo, na saída de água é neces-
sário instalar uma tela para evitar o escape de peixes. Para ambos os sistemas,
o nível da água é controlado movimentando-se o cachimbo para os lados.

Os sistemas de abastecimento e drenagem de água são normalmente


montados com tubulação de PVC ou PEAD (polietileno de alta densidade),
sendo o diâmetro dos tubos determinado de acordo com a área dos viveiros
(Tabela 1). Em viveiros com mais de 2.000 m², o uso de tubulações de maior
diâmetro dificulta a utilização de cachimbo. Nesses casos, é indicado o sistema

26 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

de drenagem tipo monge. Esse sistema é feito em alvenaria, sobre uma base
firme de concreto (Figura 9). O monge pode ser instalado nas partes interna
ou externa do viveiro.

Figura 7. Sistema de cachimbo instalado na parte interna do viveiro. Observar o descarte da água do fundo
(seta), por meio de um tubo de maior diâmetro, que envolve o cachimbo.
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

Figura 8. Sistema de cachimbo instalado na parte externa do viveiro. Na saída de água do viveiro, em
verde, tela de proteção para evitar o escape de peixes.
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

Tabela 1. Relação do tamanho do viveiro com o diâmetro das tubulações de abastecimento e


drenagem.
Diâmetro da tubulação de Diâmetro da tubulação de
Área dos viveiros (m²)
abastecimento (cm) drenagem (cm)
< 400 5 a 10 10 a 15
400 a 1.200 10 a 15 15 a 20
1.200 a 5.000 15 a 25 20 a 30

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 27


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

Assim como o cachimbo, o monge deve ser posicionado na parte mais


profunda do viveiro. A estrutura é formada por canaletas para controle
de nível e renovação de água (Figura 9A). Em cada uma das duas paredes
paralelas do monge, são construídas canaletas verticais (Figura 9B), nas
quais são encaixadas placas de madeira e telas, de forma que, dependen-
do de seu arranjo, permitam o controle de nível e a retirada de água da
superfície ou do fundo do viveiro (Figura 10).

Fotos: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

Figura 9. Sistema de drenagem do tipo monge: canaletas para controle de nível e renovação de água (A);
três canaletas verticais utilizadas para manter o nível de água e realizar a drenagem do viveiro (B).

Figura 10. Sistema de drenagem do tipo monge localizado na parte interna do viveiro. Observar a retirada
de água do fundo com o uso de tela na parte inferior da primeira canaleta. A segunda canaleta, preenchida
com placas de madeira, determina o nível de água do viveiro.
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

28 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

Proteção dos taludes

Os taludes, logo depois de construídos, devem ser protegidos por


cobertura vegetal, preferencialmente com gramíneas, na crista e na borda
livre, até o nível da água. A borda livre é a distância entre o nível da água e a
altura da crista do viveiro (Figura 5). A proteção diminui os efeitos erosivos
da chuva, do vento e do trânsito de pedestres e/ou veículos, além de evitar o
assoreamento dos viveiros. A cobertura vegetal exige manutenção, por meio
de roçadas. Portanto, deve-se optar por gramíneas de porte baixo, como
grama-batatais (Paspalum notatum), capim-bermuda (Cynodon dactylon)
ou grama-esmeralda (Zoysia japonica). Em locais com muito vento, o atrito
da água com o talude interno pode causar erosão. Nesse caso, aconselha-
se construir estrutura de enrocamento1, com materiais que estiverem
disponíveis, como pedras e/ou madeira (Figura 11).

Figura 11. Talude protegido por cobertura vegetal (borda verde) e enrocamento (borda cinza) diminuindo a
erosão pelo vento e marolas.
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

1
Enrocamento é um maciço composto por pedras ou outros materiais duros. É muito utilizado na constru-
ção de barragens e viveiros, como proteção contra a erosão provocada pelo vento, por ondas formadas no
viveiro e/ou pelo movimento de subida e descida do nível da água.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 29


CAPÍTULO 2
Construção de viveiros escavados

Etapas da construção de viveiro

A construção de um viveiro envolve as seguintes etapas:


• Avaliação da aptidão da área (água, topografia e solo).
• Obtenção da licença ambiental.
• Levantamento planialtimétrico.
• Definição do local, do posicionamento e das medidas dos viveiros.
• Retirada da vegetação, incluindo 10 a 30 cm abaixo da superfície do solo.
• Terraplanagem dos taludes.
• Adaptação do fundo do viveiro à declividade adequada.
• Construção do sistema de abastecimento.
• Construção do sistema de drenagem.
• Proteção dos taludes com vegetação/enrocamento.

Nesta etapa deve-se observar a possibilidade de montar uma estrutura


versátil, que possa ser utilizada para diferentes fases de criação, distintas inten-
sidades de cultivo e variadas espécies, diminuindo-se, assim, os riscos decor-
rentes de futuras mudanças de mercado.

30 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Preparação de viveiros
e produção de peixes

Introdução

A
pós o planejamento da produção de peixes e a construção adequada
dos viveiros escavados, é importante conhecer as etapas de produção
e os procedimentos e manejos indicados. Assim, este capítulo aborda-
rá os procedimentos iniciais necessários na estrutura de cultivo para a produ-
ção de peixes, assim como o detalhamento dos cuidados e os manejos gerais
recomendados antes do início da produção e em cada fase.

Preparação de viveiros

Para iniciar um ciclo de produção, é necessário realizar a preparação do


viveiro que receberá os alevinos ou os peixes para a fase de engorda. Esse
processo é essencial para o sucesso do cultivo. A preparação de um viveiro
escavado deve seguir as etapas abaixo descritas.

Esvaziamento e secagem
A secagem pela exposição ao sol serve para oxigenar o fundo do vivei-
ro, auxiliando na decomposição do excesso de matéria orgânica acumulada
durante o ciclo anterior de cultivo. Além disso, auxilia na eliminação de
organismos indesejáveis, como ovos de outros peixes, larvas de insetos e

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 31


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

parasitos. Os viveiros devem ser esvaziados completamente para que o solo


seja exposto ao ar e ao sol (Figura 1). Para esvaziar e secar completamente os
viveiros, é fundamental que eles tenham declividade e sistema de drenagem
adequados, tal como descrito no capítulo Construção de viveiros escavados.
Essa exposição ao ar e sol deve durar em média 5 dias, ou até que seja possí-
vel caminhar pelo viveiro sem se afundar o pé no solo. Em viveiros com pro-
blemas de construção, é possível ainda utilizar bombas para o esvaziamento.

Foto: Giovanni Taffarel Bergamin

Figura 1. Exemplo de viveiro vazio, com fundo seco pelo sol.

Em viveiros novos, o esvaziamento e a secagem são suficientes para


possibilitar a desinfecção do fundo. Todavia, para viveiros antigos e/ou com
muitos ciclos produtivos, os quais possuam uma camada de matéria orgânica
no fundo, recomenda-se a raspagem e/ou aração da camada superficial (5 a
10 cm) do fundo, de modo a otimizar o processo de desinfecção e limpeza. O
revolvimento superficial favorece a aeração do solo e a degradação de com-
postos não mineralizados.

32 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Em locais onde a água só está disponível no período das chuvas, é


recomendado programar o início do ciclo de cultivo de forma a coincidir
com as chuvas, para, assim, se dispor de água suficiente para o enchimen-
to do viveiro.

Desinfecção
Essa prática tem por objetivo eliminar ovos e larvas de peixes, pei-
xes indesejáveis, caramujos, parasitos e outros pequenos animais que
possam predar os alevinos que serão estocados ou, então, que possam
competir com os alevinos por espaço, oxigênio e alimento. Segundo Sche-
leder e Skrobot (2016), deve-se aplicar cal virgem (100 kg/1.000 m²) ou
cal hidratada (200 kg/1.000 m²) em toda a extensão do fundo do viveiro,
principalmente em locais com poças de água (Figura 2). A quantidade a
ser aplicada pode variar conforme a quantidade e o tamanho das poças
de água. Esse procedimento deve ser realizado 2 ou 3 dias antes do abas-
tecimento com água.
Foto: Ana Paula Oeda Rodrigues

Foto: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

Figura 2. Exemplos de aplicação de cal em viveiros, nas margens (A) e nas poças temporárias (B).

A cal virgem e a cal hidratada não devem ser utilizadas durante o cul-
tivo, pois podem causar a mortalidade dos peixes. A cal virgem deve ser
aplicada com bastante cuidado, usando-se equipamentos de proteção indi-
vidual, como luvas, botas e máscaras. O uso indevido e sem proteção pode
ocasionar sérias queimaduras ao aplicador.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 33


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Calagem
Se, depois da desinfecção ou durante o cultivo, o solo ou a água do vivei-
ro apresentar pH menor que 6,5 e/ou alcalinidade ou dureza total for inferior
a 20 mg/L de carbonato de cálcio, deve-se fazer a calagem. Na preparação do
viveiro, essa prática serve para neutralizar a acidez do solo e corrigir a alca-
linidade e o pH da água, melhorando a decomposição da matéria orgânica e
a produção de fitoplâncton. Estando o viveiro vazio, deve-se aplicar calcário
(Figura 3) em toda extensão e em quantidade que varie de acordo com o pH
da mistura 1:1 do solo com a água (Tabela 1).
Foto: Ana Paula Oeda Rodrigues

Foto: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

Figura 3. Exemplos de aplicação de calcário em viveiro.

Tabela 1. Valores recomendados de calcário agrícola para calagem em viveiros (base calcário
CaCO3; PRNT = 100).
Dose inicial (kg/1.000 m²)
pH da mistura solo: água (1:1)
Calcário agrícola
Menor que 5 300
5a6 200
6a7 100

A aplicação de calcário pode ser feita também ao longo do cultivo, para a


correção da qualidade da água, se ela apresentar altas variações nos valores
de pH (duas ou três unidades) ou, então, baixa alcalinidade. É preciso lem-
brar que, durante o cultivo, pode-se aplicar calcário, mas jamais cal virgem
ou hidratada.

34 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Adubação inicial
A adubação favorece o desenvolvimento do plâncton (Figura 4), organis-
mos muito pequenos que servem de alimento natural para os peixes, além
de serem os principais responsáveis pela produção de oxigênio na água (para
outras informações, consultar o capítulo Qualidade da água na piscicultura).
O plâncton pode complementar a alimentação dos peixes, reduzindo, de cer-
ta forma, os gastos com ração.

Fotos: Adriana Ferreira Lima


A B

Figura 4. Presença de plâncton: água de um viveiro com grande quantidade de plâncton (A); visualização
microscópica desses organismos (B).

Na aplicação, deve-se distribuir uma maior quantidade de adubo na en-


trada de água do viveiro, enquanto, para as demais partes, a distribuição de-
ver ser uniforme (Tabela 2). Em seguida, inicia-se o enchimento do viveiro,
mantendo-se o nível da água em torno de 50 cm nos quatro primeiros dias,
para permitir a mistura do adubo e crescimento dos organismos do plâncton.
Depois desse período, continuar a encher normalmente o viveiro. A aduba-
ção deve ser feita, em geral, uma semana antes do povoamento. Em dias
nublados, o tempo para o desenvolvimento do plâncton pode ser maior, em
virtude da menor intensidade de luz.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 35


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Tabela 2. Principais adubos utilizados e suas recomendações para adubação inicial em vivei-
ros escavados.
Tipo de adubação Adubação inicial (kg/ha)
Esterco de aves 800 – 1.000
Orgânico
Esterco suíno curtido 1.500 – 1.800
(escolher um para aplicação)
Esterco bovino curtido 2.000 – 3.000
Superfosfato triplo 30
Químico
Cloreto de potássio 15
(aplicá-los ao mesmo tempo)
Ureia 30
Ureia 30 – 50
Misto
Superfosfato simples (1)
10 – 45
(aplicá-los ao mesmo tempo)
Farelo de arroz ou trigo (2)
100
Cálculo feito com base na recomendação de 2 a 9 kg de Fosfato (P2O5) por hectare e considerando que
(1)

o superfosfato simples possui 20% de P2O5.


O farelo de arroz ou trigo deve ser aplicado umedecido na consistência de um mingau grosso.
(2)

Fonte: Ostrensky e Boeger (1998); Kubitza (2008); Woynarovich e Van Anrooy (2019).

Existem dois tipos de adubo: o orgânico e o químico. O adubo químico


deve ser diluído em água antes de ser distribuído; já o adubo orgânico pode
ser distribuído diretamente sobre toda a superfície do viveiro. O adubo or-
gânico tem sido pouco recomendado atualmente por causa da dificuldade
na sua aquisição e do impacto negativo nos níveis de oxigênio dissolvido no
viveiro.

Uma semana depois da adubação, última etapa da preparação, já existirá


alimento natural no viveiro e um ambiente adequado para a recepção dos
alevinos, podendo, assim, prosseguir com o povoamento. Uma observação
importante a ser feita é a coloração esverdeada da água, indicando que a
adubação foi feita adequadamente e o alimento natural está presente (ver
capítulo de Qualidade da água na piscicultura). Na Figura 5 é ilustrada uma
linha do tempo com as etapas do preparo inicial de um viveiro. Uma planilha
de monitoramento da adubação do viveiro pode ajudar nesse processo (Ta-
bela 6).

36 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Esvaziamento e Calagem e
Desinfecção
secagem adubação Povoamento
(2 a 3 dias)
(5 a 7 dias)* (4 dias)

Preparo dos viveiros para o povoamento (11 a 14 dias)

Figura 5. Linha do tempo com as etapas do preparo inicial de um viveiro para o povoamento de peixes.
*Pode variar com a temperatura e incidência solar da região; o tempo de secagem é o tempo necessário para
caminhar pelo solo do viveiro sem afundar os pés.

Povoamento

A preocupação com o povoamento inicia-se com a compra dos alevinos.


Por esse motivo, abordaremos esse assunto antes do povoamento propria-
mente dito.

Aquisição de alevinos
Na compra dos alevinos, é importante conhecer o laboratório fornecedor
e sua reputação na região. Ao iniciar a produção, dar preferência a lotes de ani-
mais de tamanho uniforme (homogêneo) (Figura 6), para evitar que os peixes
maiores tenham vantagem sobre os menores no que diz respeito à alimentação,
o que resultaria, ao final do cultivo, em animais com tamanhos ainda mais varia-
dos do que tinham no início, o que não é recomendado para a comercialização.

As características gerais de um alevino saudável podem ser encontradas


no capítulo Cuidados com a saúde dos peixes.

Figura 6. Lotes de peixes: peixes heterogêneos (situação indesejável) (A); peixes homogêneos (situação
desejável) (B).
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 37


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Transporte dos alevinos


Avalie a compatibilidade da densidade de animais mantidos dentro de um
saco de plástico (Figura 7) com o tempo de transporte. A espécie escolhida e
o tamanho dos animais no transporte também são fatores importantes a se-
rem observados. Por exemplo, animais que possuem espinhos no dorso podem
furar o saco ou machucar outros peixes, sendo recomendado o uso de sacos
duplos. Uma grande quantidade de peixes por saco (alta densidade) tende a
resultar em alta mortalidade (Tabela 3).
Foto: Adriana Ferreira Lima

Foto: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

Figura 7. Transporte de alevinos em sacos de plástico.

Tabela 3. Sobrevivência (%) de alevinos de tambaqui (de 3 a 5 cm) 4 dias após o transporte
em sacos de plástico preenchidos com uma parte de água e duas partes de oxigênio (1:2).
Tempo de Densidade (peixes por litro de água)
transporte (h) 25 50 75 100 125 150
3 98 97 90 80 70 40
6 97 96 85 75 40 25
9 96 90 80 50 30 15
12 90 85 70 35 20 10
15 80 75 50 25 10 5
18 78 65 30 20 8 3
21 70 45 20 10 3 0
24 50 25 15 5 0 0
Fonte: Gomes (2003).

38 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Segundo Barcellos e Buss (2022), é recomendável usar pelo menos dois


terços da embalagem de oxigênio puro e densidade entre 50 a 500 g de ale-
vinos por litro, o que garante um tempo de transporte entre 25 a 5 horas,
respectivamente. Procure transportar os peixes nos horários mais frescos do
dia. Quanto maior for a temperatura, pior será a qualidade da água do trans-
porte, pois a temperatura aumenta o metabolismo dos animais, elevando,
assim, o consumo de oxigênio dissolvido e a liberação de amônia.

Recomenda-se ainda o uso de caixas de papelão (Figura 8) ou térmicas,


porque elas ajudam a manter a temperatura da água de transporte mais está-
vel. Outra medida que pode ser tomada é o uso do sal comum para diminuir
o estresse. As concentrações mais usadas de sal na água de transporte va-
riam entre 0,1 e 0,3% (1 a 3 kg/m³ de água), podendo chegar até 0,5% (5 kg/
m³) (Barcellos, 2022), embora algumas espécies não tolerem tal salinidade.
Além de reduzir o estresse, o sal comum é de fácil obtenção e baixo custo.

Foto: Jefferson Cristiano Christofoletti

Figura 8. Caixa de papelão utilizada em trans-


porte de alevinos.

Outra informação importante é certificar-se de que o peixe ficou ao me-


nos 24 horas em jejum antes do transporte, pois essa medida minimiza a mor-
talidade. Quando o alevino chegar à propriedade, avalie o cheiro da água. Se,
ao final do transporte, ela estiver com um cheiro muito forte (cheiro de amô-
nia), isso significa que o jejum não foi bem realizado, o que pode aumentar a
mortalidade alguns dias depois do povoamento. Observe também o compor-

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 39


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

tamento dos alevinos. Se os peixes estiverem buscando ar na superfície, ou


nadando irregularmente, ou, então, virando o dorso do corpo para baixo, eles
provavelmente morrerão depois do povoamento. É necessário quantificar es-
sas mortalidades para avaliação da “qualidade do alevino e do transporte”. Há
casos em que uma alta mortalidade após o transporte pode abrir precedente
para uma reposição por causa da má embalagem ou de um transporte mal
realizado por parte da empresa fornecedora. Sobre as características gerais de
um alevino saudável, ver o capítulo Cuidados com a saúde dos peixes.

Opções para o povoamento


Os alevinos adquiridos podem ser estocados diretamente em viveiros
preparados ou em berçários para a fase de crescimento inicial, também co-
nhecida como recria. O peso dos alevinos varia de 1 a 30 g. Os aspectos que
interferem nessa escolha são descritos a seguir:
• Povoamento direto nos viveiros (Figuras 9A e 9B): indicado para produ-
tores, uma vez que conseguem realizar todo o procedimento de prepa-
ração dos viveiros, garantindo a ausência de predadores na água e um
ambiente com alimento natural. Essa é a forma mais adequada e a que
resulta em melhor desempenho.

Fotos A e B: Manoel Xavier Pedroza Filho; C e D: Adriana Ferreira Lima


A B C

Figura 9. Povoamento de peixes. Diretamente em viveiros previamente preparados (A e B); em tanques-


-rede berçários (C) e em tanque-rede berçário artesanal (D).

40 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

• Povoamento em berçários (Figuras 9C e 9D): indicado para produtores


que não conseguem esvaziar totalmente os viveiros. Os berçários atuam
como proteção contra possíveis predadores. É preciso ter os seguintes
cuidados com os berçários: a) evitar o entupimento da tela, já que pou-
ca troca de água dentro do berçário pode propiciar a mortalidade dos
peixes; e b) acompanhar o crescimento dos animais nos berçários. Se for
verificado, por exemplo, que os peixes pararam de crescer, isso pode ser
atribuído a uma biomassa de peixes muito elevada, incompatível com o
tamanho do berçário.

Aclimatação
Quando os peixes chegarem à propriedade, não deverão ser imediata-
mente liberados no viveiro ou no berçário (Figura 10). É necessário realizar
alguns procedimentos para evitar mortalidade por choque térmico ou por
diferença na qualidade da água:
• Manter os sacos fechados na água do viveiro por cerca de 10 minutos. Isso
gera um equilíbrio gradual entre a temperatura da água de transporte e a
do viveiro (Figura 9).

Foto: Adriana Ferreira Lima

Figura 10. Exemplo de aclimatação dos alevinos ainda nos sacos de plástico.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 41


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

• Abrir o saco e adicionar, lentamente, água do viveiro dentro do saco. Esse


procedimento deve durar em torno de 5 minutos.
• Para liberar os alevinos no viveiro, é muito comum o uso de uma peneira.
No entanto, fique atento, pois a soltura com peneira pode ser demorada
para grandes quantidades de alevinos e ser mais um fator de estresse,
podendo inclusive causar injúrias aos alevinos.
• Descartar a água do saco para fora do viveiro (Figura 11). No entanto,
essa não é uma prática muito adotada pelos produtores, uma vez que
utilizam a água de transporte para aclimatação, diluindo-a com a água do
viveiro em que, posteriormente, todo o conteúdo do saco (água e peixes)
é liberado diretamente no viveiro. Importante lembrar que a liberação da
água do saco de transporte no viveiro não é adequada, pois pode trazer
e introduzir parasitos e enfermidades de outras localidades no viveiro e
na propriedade. Outras condutas para evitar a transmissão de doenças
podem ser encontradas no capítulo Cuidados com a Saúde dos Peixes.”

Foto: Adriana Ferreira Lima

Figura 11. Liberação dos alevinos no viveiro com o uso de peneira, após transporte em sacos de plástico.

42 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

No povoamento é comum a mortalidade de até 10% dos peixes, até 4


dias depois da estocagem. É importante registrar a quantidade de peixes
mortos, para posterior controle da biomassa e da alimentação (ver capítu-
los Manejo Alimentar, Acompanhamento Técnico da Produção e Controle de
Custos de Produção e Comercialização). Por fim, é normal que os peixes não
comam muito nos primeiros dias depois do povoamento.

Densidades utilizadas
Para o produtor que vai povoar e manter os peixes no mesmo viveiro por
todo o ciclo de produção (produção monofásica), considera-se a média de
peso final dos peixes na despesca para cálculo da densidade de estocagem
(Tabela 4).

Tabela 4. Densidade de estocagem recomendada para uma área de lâmina d’água de 1.000 m²
em relação ao peso do peixe no momento da despesca.
Peso final(1) Alevinos por 1.000 m²
1,0 kg 1.000
1,5 kg 667
2,0 kg 500
2,5 kg 400
(1) Densidade no momento da despesca aproximadamente igual a 1.000 kg/1.000 m².
Fonte: Ostrensky e Boeger (1998).

Importante lembrar que é comum a ocorrência de mortalidade durante


o cultivo. Se houver um manejo adequado, a mortalidade total (ou inicial) fi-
cará em torno de 10% dos animais. Assim, pode-se acrescentar 10% da quan-
tidade calculada de peixes no momento da estocagem, considerando-se essa
possibilidade de mortalidade ao longo do ciclo. Da mesma forma, se o pro-
dutor consumir parte dos peixes durante o cultivo, esse consumo também
poderá ser considerado na densidade inicial de estocagem.

É importante ressaltar que, em condições de restrição de água durante o


cultivo, a densidade de estocagem tem de ser reduzida durante ou próximo
do final do ciclo, para evitar prejuízos com mortalidade ou perda de peso

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 43


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

dos peixes (Figura 12). Para tanto, o produtor deve observar seguidamente
o comportamento e o crescimento dos peixes, assim como a qualidade da
água de cultivo.

600

500

400
Peso em gramas (g)

300

200

100
ago. set.
0
dez. jan. fev. mar. abr. maio jun. jul.
-100
Meses de cultivo
-200
Ganho de peso (g) Crescimento em peso (g) Última chuva

Figura 12. Peso e ganho em peso da tambatinga em viveiro localizado em piscicultura com restrição hídrica
a partir do mês de julho, com efeito na redução do crescimento dos peixes.
Fonte: Rodrigues et al. (2015).

Produção

Ao estarem os viveiros preparados e os animais já estocados, inicia-se a


fase inicial de produção (recria), que contempla a produção dos alevinos de
1 g até cerca de 30 g, para a maioria das espécies. Essa recria é seguida pela
fase de engorda, que se inicia com os peixes pesando em média 30 g, até
atingirem o peso comercial, que também varia, dependendo da espécie e da
região. A produção de alevinos até 1 g, chamada de alevinagem, é realizada
pelos produtores que realizam a reprodução dos peixes.

Recria
Esta é a fase em que os peixes apresentam as maiores taxas de cres-
cimento e merecem receber mais cuidados sob diversos aspectos, como:
proteção contra predadores, qualidade da alimentação e manutenção da
disponibilidade de alimento natural. Além disso, uma recria bem conduzi-
da impacta positivamente o desempenho dos animais na fase de engorda.

44 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

A recria dos peixes pode ser conduzida em unidade produtiva diferente da


engorda (produção bifásica) ou na mesma unidade (produção monofásica).
A seguir, serão abordados alguns pontos que devem ser observados para o
desenvolvimento adequado do alevino nessa fase.

Infraestruturas utilizadas para a fase de recria


Nesta fase, em geral, utilizam-se estruturas de menor tamanho, pois os
alevinos demandam menor espaço. Além disso, recomenda-se investir em
telas antipássaros, a fim de diminuir perdas por predação por aves. Uma
alternativa às telas antipássaros, que são mais caras, é trançar a superfície
do viveiro com fios de náilon (Figura 13). Estruturas em viveiros escavados
de no máximo 2.000 m² são sugeridas para essa fase. Adotando-se berçá-
rios e tanques-rede, são, em geral, utilizados tanques de pequeno volume
e com tamanho de tela adequado ao tamanho do animal (no máximo 5 mm
entre nós). Para os produtores que realizam cultivo em barragens e viveiros
de grande dimensão, é aconselhável manter viveiros menores para a fase
de recria.

Fotos: Ana Paula Oeda Rodrigues


A B

Figura 13. Viveiro com fios de náilon dispostos em sentido perpendicular ao maior comprimento do vivei-
ro para proteção contra pássaros.

Predadores
Principalmente quando ainda são alevinos, os peixes estão mais sujei-
tos a predadores, como aves, larvas de insetos e outros peixes (Figura 14).
Na produção em viveiros escavados, a instalação de telas na tubulação de

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 45


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Fotos: Ana Paula Oeda Rodrigues


A B

Figura 14. Mortalidade de alevinos de tambaqui (A) predados por ninfas de odonata (B).

abastecimento de água do viveiro (descrita no capítulo Construção de vi-


veiros), bem como a desinfecção do viveiro (descrita no item Preparação
de viveiros e produção de peixes deste capítulo), é um procedimento que
coopera com a eliminação de grande parte dos predadores. Para controlar
a predação por aves, telas antipássaros podem ser utilizadas, com abertura
menor que 30 mm, cobrindo tanques-berçários e viveiros (Figura 15). No
caso de tanques-rede, a tela da estrutura é uma defesa natural contra pre-
dadores de maior porte. A predação por aves pode causar prejuízos signifi-
cativos à biomassa estocada e aos investimentos realizados pelo produtor
(Figura 16).

Fotos: Adriana Ferreira Lima

A B

Figura 15. Berçários e viveiros com tela antipássaros.

46 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Fotos: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

Figura 16. Predação de peixes: peixes predados por aves, apresentando lesões no corpo (A); peixe apre-
sentando nadadeira deteriorada, resultado da predação por outros peixes (B).

Densidade
A densidade utilizada nesta fase varia de acordo com a espécie e a es-
trutura de cultivo. Em geral, em viveiros escavados, é possível estocar 10 ale-
vinos por metro quadrado nesta fase. Já em tanques-rede ou berçários, a
densidade vai ser influenciada pela qualidade da água e pela sua passagem
através da estrutura de cultivo. Em locais onde esses dois fatores são satisfa-
tórios, é possível estocar até 1.000 alevinos por metro cúbico.

Alimentação
Nas fases inicias de desenvolvimento, como na fase de recria, os peixes
apresentam alta velocidade de crescimento e, consequentemente, maior exi-
gência nutricional. Considerando-se essa condição e que os gastos com ração
na recria representam de 10 a 20% do total gasto durante todo o ciclo, é
vantajoso o investimento em uma ração de qualidade e um manejo alimentar
cuidadoso nessa fase produtiva. Os benefícios decorrentes desse investimen-
to acompanharão os animais na fase subsequente (engorda).

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 47


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Mortalidade
Caso haja mortalidade constante durante a recria, verificar se as variáveis
de qualidade de água estão dentro do recomendado (ver capítulo Qualidade
da água na piscicultura) e se os cuidados sanitários estão sendo realizados
(ver capítulo Cuidados com a saúde dos peixes). Caso não estejam, é preciso
fazer os manejos necessários para sua correção. Se a mortalidade persistir,
mesmo que os valores de qualidade da água estejam adequados, procurar
um técnico especializado. Ao final da fase de recria, é comum a mortalidade
de até 10% dos animais, a qual pode ser maior ou menor, dependendo do
controle adotado nos manejos da produção.

Engorda
Infraestruturas utilizadas na fase de engorda
A engorda dos animais pode ser realizada em diversas estruturas. As
mais comuns no Brasil são: barragens, represas, viveiros escavados e tan-
ques-rede (Figura 17). Para cada uma dessas estruturas, cuidados especí-
ficos são necessários no manejo da produção. Para barragens, represas e
viveiros escavados, é interessante considerar os procedimentos de prepa-
ração da estrutura de cultivo descritos no item Preparação de viveiros deste
capítulo. Sabe-se que nem sempre todos os procedimentos descritos no ca-
pítulo serão possíveis para todo tipo de estrutura, sobretudo para aquelas
que apresentam maior dimensão. Nesses casos, é recomendável que a fase
de recria se estenda por maior tempo, a fim de que os animais só entrem
na estrutura de engorda quando estiverem maiores e menos suscetíveis a
predadores.

Densidade
A densidade na engorda é influenciada por diversos fatores, como peso
final pretendido, estrutura de cultivo e espécie utilizada. Para viveiros esca-
vados, trabalha-se com uma densidade que permita uma produção final má-
xima de 8.000 a 10.000 kg/ha. Para barragens e represas, esses valores ficam
em torno de 6.000 a 8.000 kg/ha (Senar, 2017).

48 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Fotos: AAdriana Ferreira Lima


A

B C

Figura 17. Estruturas de cultivo utilizadas na engorda de peixes: barragem (A), viveiro (B) e tanques-rede (C).

Aspectos de manejo para as fases de recria e engorda


Para a engorda em viveiros, represas e barragens, a manutenção da adu-
bação é essencial para o bom desempenho do cultivo. Conforme visto no
item Preparação de viveiros deste capítulo, ela é importante para a produção
de alimento natural (plâncton), influenciando positivamente no desempenho
dos animais, sobretudo para as espécies que utilizam o alimento natural até

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 49


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

o final do cultivo, como o tambaqui (Colossoma macropomum) e a tilápia


(Oreochromis sp). Além disso, a adubação influencia a qualidade de água,
em especial o grau de transparência e o teor de oxigênio dissolvido. Porém,
na maioria das vezes, apenas a adubação inicial não é suficiente para man-
ter uma quantidade adequada de plâncton durante todo o ciclo de produ-
ção. Sendo assim, é importante acompanhar a transparência da água. Caso
a transparência esteja maior que 40 cm, é necessário fazer a adubação de
manutenção (Tabelas 5 e 6).

Outros cuidados são necessários para as fases de recria e engorda, bem


como merecem mais detalhamento em virtude de sua influência durante o
cultivo. Esses cuidados, que dizem respeito à qualidade da água, à alimen-
tação e à sanidade dos peixes, estão descritos nos capítulos Qualidade da
água na piscicultura, manejo alimentar e Cuidados com a saúde dos peixes,
respectivamente.

Tabela 5. Principais adubos para fertilização de viveiros e suas recomendações para aduba-
ção de manutenção.
Adubação inicial Manutenção(1)
Tipo de adubação
(Kg ha-1) (Kg ha-1)
Esterco de aves 800 - 1.000 200 - 250
Orgânico
(escolher um para Esterco de suíno curtido 1.500 - 1.800 350 - 450
aplicação)
Esterco de bovino curtido 2.000 - 3.000 500 - 750
Superfosfato triplo 30 10
Químico
(aplicá-los ao Cloreto de potássio 15 5
mesmo tempo)
Ureia 30 10
Misto Ureia 30 - 50 10
(aplicá-los ao
mesmo tempo) Farelo de arroz ou trigo(2) 100 30
Quando a transparência da água for maior que 40 cm. Os farelos de arroz ou trigo devem ser umede-
(1) (2)

cidos na consistência de um mingau grosso antes de serem aplicados.


Fonte: Ostrensky e Boeger (1998); Kubitza (2008); Woynarovich e Anrooy (2019).

50 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

Tabela 6. Exemplo de controle do preparo e adubação de manutenção do viveiro*.


Desinfecção Calagem Adubação
Data: 10/01/2024 Data: 12/01/2024 Data: 13/01/2024
O que usou?
Ureia, superfosfato simples
O que usou? O que usou? e farelo de arroz.
Cal hidratada. Calcário agrícola.
Quanto?
Quanto? Quanto? 50 kg/ha; 30 kg/ha; 100 kg/
200 kg/ 1.000 m². 200 kg/1.000 m². ha, respectivamente.

Como? Como? Como?


Distribuição a lanço no Distribuição a lanço no Distribuição a lanço, com o
fundo do viveiro, após fundo do viveiro, dois dias viveiro parcialmente cheio.
secagem. após desinfecção. Os fertilizantes foram pre-
viamente umedecidos em
um balde com água.
Povoamento
Data: 17/01/2024 Quantidade peixe: 300 Peso inicial: 5 g
Manutenção do viveiro (readubações)
Calagem Adubação
Data: Data: 17/04/2024
O que usou? O que usou?
Não foi necessária. Ureia e superfosfato simples.

Quanto? Quanto?
25 kg/ha e 15 kg/ha, respectivamente.

Como? Como?
Idem a adubação inicial.
*Vide Apêndice para acessar essa tabela no formato para impressão.

Comportamento do peixe
A observação do comportamento do peixe é essencial para o acompa-
nhamento do cultivo. Para isso, seguem algumas dicas:
a) Se o peixe estava se alimentando normalmente no dia anterior, e na manhã
do dia seguinte deixou de se alimentar, algumas situações são possíveis:
• O tempo está nublado ou chuvoso, o que resulta em menor produção
de oxigênio pelo fitoplâncton.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 51


CAPÍTULO 3
Preparação de viveiros e produção de peixes

• A concentração de oxigênio está muito baixa, por excesso de adubação


e transparência menor que 35 cm.
• Alguém pode ter manuseado os peixes ou o viveiro durante a madru-
gada (avaliar a possibilidade de roubo).
• Os animais apresentam alguma enfermidade.
• A temperatura da água pode estar muito elevada. Por isso, sugere-se
alimentar os peixes sempre nos mesmos horários, evitando-se os ho-
rários mais quentes do dia.
• Houve redução da temperatura por chegada de uma frente fria, o que
reduz o metabolismo dos peixes e o consumo por ração.

b) Se, de manhã, o peixe costuma vir respirar na superfície da água, pro-


vavelmente a concentração de oxigênio está muito baixa ao amanhecer.
Renove, então, a água do viveiro ou diminua a densidade de peixes, para
que não haja mortalidade. Outra opção é acionar aeradores, caso tenha
disponível na propriedade.
c) Acompanhe de perto a produção, fator essencial para o sucesso do seu
cultivo. Registre todas as informações que julgar úteis para a sua produ-
ção, como origem e quantidade de alevinos, quantidade de ração e alte-
rações de comportamento dos animais (ver capítulo Acompanhamento
Técnico da Produção). Isso pode fazer a diferença!

52 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Qualidade da água
na piscicultura

Introdução

A
água é o ambiente onde os peixes respiram, se alimentam, excretam
resíduos e se locomovem. Por isso, neste capítulo veremos que a qua-
lidade da água é um dos temas mais sensíveis em uma piscicultura,
sendo seu monitoramento e seu manejo importantes para a sobrevivência, o
crescimento e a saúde dos peixes. Sua qualidade é determinada por um con-
junto de variáveis, as quais devem ser monitoradas durante todo o cultivo.

Oxigênio dissolvido

É um gás que fica dissolvido na água e é utilizado pelos peixes na res-


piração, sendo vital para sua sobrevivência e seu crescimento; por isso é a
variável de qualidade de água mais importante na piscicultura.

A maior parte do oxigênio dissolvido na água é produzida pelo fitoplânc-


ton (algas microscópicas que fazem fotossíntese), a partir da luz solar e do
gás carbônico, conforme esquematizado na Figura 1. A fotossíntese é o pro-
cesso realizado pelas plantas, inclusive pelas algas microscópicas presentes
na água, para obter energia e produzir oxigênio.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 53


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Luz solar
Ração não
consumida

Oxigênio (O2)

Fitoplâncton
Fezes

Gás carbônico
(CO2)
Solo adubado

Figura 1. Ciclo de produção de oxigênio pelo fitoplâncton em um viveiro de peixes e fatores que influen-
ciam sua presença na água.
Ilustração: Patricia Oliveira Maciel-Honda.

O oxigênio só é produzido na presença de luz solar, ou seja, a produção


de oxigênio ocorre apenas durante o dia. Como a luminosidade varia ao lon-
go do dia, os níveis de oxigênio variam igualmente (Figura 2). Dessa forma,
em dias nublados, a produção de oxigênio é baixa.

A B
Concentração de oxigênio

Concentração de oxigênio

Dia Noite Número de dias nublados

Figura 2. Variação de oxigênio na água: ao longo do dia (A); após uma sequência de dias nublados (B).
Ilustração: Patricia Oliveira Maciel-Honda.

54 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Enquanto há luz solar, há produção de oxigênio, ao passo que, quando


anoitece, a concentração de oxigênio começa a diminuir. O oxigênio disponível
na água é consumido não só pelos peixes, mas também por todos os organis-
mos que habitam o ambiente aquático, como insetos, crustáceos e o próprio
fitoplâncton. Dessa forma, o período do dia com menor concentração de oxi-
gênio é no início da manhã, uma vez que, durante a noite, não houve produção
de oxigênio, apenas consumo.

À medida que os peixes vão crescendo durante o cultivo, o consumo


de oxigênio aumenta, em virtude da maior biomassa de peixes (Figura 3). É
por isso que, no final do cultivo, são comuns problemas decorrentes da bai-
xa concentração de oxigênio. Eis o motivo por que, nessa fase, deve-se dar
maior atenção ao monitoramento dessa variável.
Concentração de oxigênio

Início do Final do
cultivo cultivo

Figura 3. Disponibilidade de oxigênio no viveiro ao longo do ciclo produtivo.


Ilustração: Patricia Oliveira Maciel-Honda.

Os valores adequados de oxigênio devem estar acima de 4 mg/L. Valores


inferiores a esse deixam os peixes estressados, motivo pelo qual sua alimen-
tação, sua saúde e seu crescimento são prejudicados. Em situações extremas
de falta de oxigênio, mortalidades podem acontecer.

A dependência do oxigênio presente na água e a capacidade de resistir


a baixas concentrações de oxigênio vão depender da espécie do peixe pro-
duzido. Por exemplo, o pirarucu (Arapaima gigas) é um peixe de respiração

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 55


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

aérea obrigatória, ou seja, ele necessita respirar o oxigênio presente no ar,


tendo sua bexiga natatória modificada em um pulmão (Figuras 4A e 4B).
Outros peixes comuns em pisciculturas, como redondos1, surubins2, piaus e
curimatãs, respiram o oxigênio da água, portanto, sua dependência de oxi-
gênio dissolvido na água é total. Contudo, os peixes redondos, em especial o
tambaqui, têm adaptações fisiológicas para suportar as baixas concentrações
de oxigênio na água, como a expansão do lábio inferior para capturar a água
mais superficial, rica em oxigênio, para as brânquias (Figuras 4C e 4D). Essa
adaptação é um sinal de que a concentração de oxigênio na criação está bai-
xa, devendo haver uma intervenção corretiva quando observada.

Fotos A, B e C: Patricia Oliveira Maciel-Honda; D: Adriana Ferreira Lima


A B

C D

Figura 4. Adaptações para respiração nos peixes: bexiga natatória modificada do pirarucu (A); pirarucu
subindo à superfície para fazer a respiração aérea (B); lábios inferiores expandidos em tambaqui (C e D).

1
O termo “redondos” refere-se às espécies tambaqui, pacu (Piaractus mesopotamicus), caranha (Piarac-
tus brachupomus) e seus híbridos.
2
O termo “surubins” refere-se às espécies cachara (Pseudoplatystoma fasciatum), pintado (Pseudoplatys-
toma corruscans) e seus híbridos.

56 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

A concentração de oxigênio pode ser medida por um equipamento por-


tátil digital chamado de oxímetro, ou por meio de kits comerciais de análise
da água (Tabela 1). Recomenda-se a medição do oxigênio nas primeiras horas
da manhã (entre 6 e 8 horas), preferencialmente antes da primeira alimenta-
ção dos peixes. A quantidade de oxigênio também pode ser estimada indire-
tamente pela medida de transparência da água.

Tabela 1. Métodos para medir as principais variáveis da água e faixa de valores recomenda-
dos para pisciculturas em viveiros escavados.
Variável Como medir Valor adequado

Oxigênio
Maior que 4 mg L-1
dissolvido

Oxímetro Kit análises

Transparência 35 a 40 cm

Disco de Secchi

pH 6,5 a 8

Kit análises peagâmetro

Alcalinidade Maior que 20 mg L-1


Gás carbônico Menor que 10 mg L-1
Amônia Menor que 0,10 mg L-1
Nitrito Menor que 0,03 mg L-1
Kit análises Sonda multiparâmetros

Temperatura De 26 a 32°C

Termômetro Oxímetro/peagâmetro
Fotos: Patricia Oliveira Maciel-Honda

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 57


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Transparência da água

Esta variável indica o quanto a luz do sol consegue penetrar na água. A


transparência pode ser influenciada pela quantidade de plâncton ou de solo em
suspensão na água (turbidez). Uma transparência desejável é aquela em que o
alimento natural predomina, dando uma cor esverdeada à água (Tabela 2). Uma
situação indesejável é a presença de muitos sólidos em suspensão que dei-
xam a água amarronzada ou esbranquiçada (Figura 5). A medida da presença
de sólidos em suspensão na água é chamada de turbidez.

Tabela 2. Relação do padrão de coloração da água do viveiro com suas possíveis causas.
Coloração da água Causa Situação
Desejável (quando a
Esverdeada Alimento natural (plâncton)
coloração for moderada)
Amarronzada Solo em suspensão Indesejável
Esbranquiçada Solo em suspensão Indesejável

Fotos: Ana Paula Oeda Rodrigues


A B

Figura 5. Medida desejável da transparência quando a água do viveiro tem a cor esverdeada, indicativa da
presença do alimento natural (A); viveiro com água marrom por causa da presença de sólidos em suspen-
são, da alta turbidez, que prejudicam a medida da transparência da água (B).

58 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Na criação de peixes, é importante que a transparência esteja relacionada


apenas à quantidade de plâncton na água. O plâncton é formado por organis-
mos microscópicos, o fitoplâncton (Figura 6) e o zooplâncton (Figura 7), que
ficam distribuídos na coluna d’água, com pouca capacidade de locomoção.
O plâncton desejável na piscicultura é formado pelo fitoplâncton, compos-
to por organismos fotossintetizantes, como as microalgas, responsáveis pela
produção de oxigênio na água. Além do fitoplâncton, o zooplâncton é utili-
zado como alimento complementar à ração, por algumas espécies de peixe,
como os redondos e o piau, principalmente na fase inicial de crescimento do
peixe (ver capítulo Manejo alimentar).

Fotos: Patricia Oliveira Maciel-Honda


0,5 mm 0,25 mm

0,5 mm

Figura 6. Exemplos de fitoplânctons presentes em viveiros de piscicultura.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 59


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Fotos: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

50 µm

1 mm
C

1 mm

Figura 7. Exemplos de zooplânctons encontrados em viveiros de piscicultura: rotíferos (A


e B); cladóceros (C); um cladócero (acima) e um copépode (abaixo) (D).

Assim, por meio da transparência em águas verdes, pode-se estimar se


a quantidade de plâncton disponível no viveiro está adequada à produção de
peixes. A faixa desejável de transparência é de 35 a 40 cm.

Águas muito transparentes (acima de 40 cm) favorecem o crescimento


de algas filamentosas e plantas aquáticas no fundo do viveiro (Figuras 8A e
8B), podendo resultar em problemas, como baixa concentração de oxigênio
e dificuldade no momento da biometria e/ou da despesca.

60 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Luz solar

90cm

Plantas
aquáticas

Algas
filamentosas

Foto: Adriana Ferreira Lima


B

Figura 8. Transparência da água: esquema da incidência de luz solar no fundo do viveiro e medição da
transparência em águas muito transparentes (A); viveiro com transparência maior que 40 cm, onde se
observam algas filamentosas e plantas aquáticas no fundo do viveiro (B).
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 61


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Se a água do viveiro apresentar baixa transparência em virtude das partí-


culas de solo em suspensão, ou seja, esteja sob influência da turbidez, algumas
medidas podem ser tomadas. Com a presença de peixes no viveiro, poderá ser
aplicado calcário (2.000 kg/ha) ou gesso agrícola (2.500 a 5.000 kg/ha) (Kubit-
za, 1998) para fazer a decantação dessas partículas, de forma a permitir o de-
senvolvimento do plâncton. Medidas preventivas para a alta turbidez incluem
aspectos da construção de viveiros e conservação de taludes (ver capítulo Cons-
trução de viveiros), bem como evitar a água de abastecimento com elevada
turbidez. Atentar para o uso de altas densidades de estocagem e para a criação
de algumas espécies que procuram alimento no fundo, como o curimatã (Pro-
chilodus sp.), que podem aumentar a turbidez da água.

Por sua vez, água com transparência inferior a 35 cm, com aparência
muito esverdeada, pode resultar em problemas de baixa concentração de
oxigênio, principalmente nas primeiras horas da manhã, quando, então, se
observam os peixes “boquejando” na superfície da água do viveiro, como
se estivessem respirando o ar fora da água (Figura 9A). Nessas condições, as
águas são chamadas de eutrofizadas, podendo ocorrer mortalidade de peixes
por falta de oxigênio (Figura 9B). Nesses casos, recomenda-se realizar reno-
vação da água do viveiro para permitir a diluição do fitoplâncton e suspender
o arraçoamento até que se reestabeleça o valor indicado de transparência.
Foto: Adriano Prysthon da Silva

Foto: Manoel Xavier Pedroza Filho


A B

Figura 9. Água com baixa concentração de oxigênio: peixes respirando na superfície da água, nas primeiras
horas da manhã (água com transparência elevada) (A); alta mortalidade de peixes, típica de viveiro com
água excessivamente verde (água eutrofizada, com baixa transparência) (B).

62 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

A transparência da água é medida com o disco de Secchi. A medida é to-


mada a olho nu, quando se mergulha o disco a uma profundidade em que as
cores branca e preta se confundem. A medida deve ser feita diariamente, entre
11 e 12 horas, quando se tem o sol a pino, ou seja, quando a penetração do sol
é perpendicular ao disco de Secchi, proporcionando uma medida mais correta.
A observação de quem vai medir a olho nu também deve estar perpendicular
ao disco, para evitar que sua sombra atrapalhe a aferição. Quando a margem
do viveiro é rasa, uma alternativa que pode auxiliar na medição é fixar a fita
ou a corda do disco de Secchi a um cabo para permitir o distanciamento e pe-
netração do disco na água (Figura 5A). Para construir um disco de Secchi, você
precisará de: um disco de 20 cm de diâmetro, que pode ser em metal, PVC, ma-
deira ou outro material; tinta preta e tinta branca; uma fita métrica e um peso.

O disco metálico deverá ser pintado de preto e branco, em dois quadrantes


alternados, e suspenso por um cabo graduado ou uma fita métrica. Na falta de
uma fita métrica, poderá ser utilizada uma corda, que deve ser marcada a cada
5 cm, de forma a poder se fazer a medição. Recomenda-se prender um peso no
fundo do disco, para afundá-lo (Figura 10).

Fita métrica ou corda


marcada a cada 5 cm

Disco pintado de preto em


2 quadrantes alternados

Peso para auxiliar o


afundamento do disco

Figura 10. Disco de Secchi utilizado para medir a transparência da água.


Ilustração: Patricia Oliveira Maciel-Honda.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 63


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

pH

O pH é uma variável que indica se a água do cultivo está ácida, básica (al-
calina) ou neutra (Figura 11). A água estará ácida quando o pH estiver menor
que 7; básica quando estiver maior que 7; e neutra quando estiver em 7. Os
valores desejáveis de pH para a produção de peixes é entre 6,5 e 8.

0 14
Ácido 7 Alcalino

Figura 11. Faixa de variação de pH.

Quando a transparência da água está abaixo de 35 cm, ou seja, quando


há muito fitoplâncton na água, o pH pode aumentar bastante, principal-
mente no final do dia. Variações de pH maiores que duas unidades ao longo
do dia são prejudiciais ao desenvolvimento e à saúde dos peixes. A manu-
tenção da estabilidade do pH em águas de viveiros pode ser alcançada por
meio da aplicação de calcário, tema abordado no capítulo Preparação de
viveiros e produção de peixes, o qual tem relação direta com outra variável
da água, a alcalinidade.

O pH pode ser medido com o auxílio de um equipamento portátil digital


chamado de peagâmetro, ou por meio de kits comerciais de análise da água
(Tabela 1). Recomenda-se medir a variável nas primeiras horas da manhã
(para obtenção dos valores mínimos) e também no final da tarde (para ob-
tenção dos valores máximos), para avaliar se está havendo variação de mais
de duas unidades de pH ao longo do dia. A medida é também importante
para detectar a presença de amônia tóxica na água do viveiro.

Alcalinidade

Representa a quantidade de carbonato de cálcio (CaCO3) presente na água.


É responsável pela manutenção do pH da água estável, ou seja, para que o pH

64 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

não tenha grandes variações ao longo do dia (Figura 12). Para isso, o valor da
alcalinidade deve ser igual ou superior a 20 mg/L. Também é importante men-
cionar que viveiros com baixa alcalinidade não respondem adequadamente à
adubação, como visto no capítulo Preparação de viveiros e produção de peixes.

10

8
pH

6h 12h 18h 24h 6h


Horários do dia

Baixa alcalinidade Alta alcalinidade

Figura 12. Variação do pH de acordo com a alcalinidade ao longo do dia. A variação diária do pH é menor
quando a alcalinidade da água está alta (linha azul), enquanto o pH varia mais ao longo do dia quando a
alcalinidade está baixa (linha vermelha).

A alcalinidade da água pode ser medida por meio de kits comerciais de


análise da água. A medição dessa variável deverá ser feita sempre que houver
variações diárias maiores que 2 unidades de pH ou quando a transparência se
mantiver acima de 40 cm. Recomenda-se medir a alcalinidade para conhecer
a qualidade da água de abastecimento antes de se iniciar a produção, com o
objetivo de direcionar o manejo de calagem.

Gás carbônico

É produzido dia e noite pelos organismos do viveiro (fitoplâncton, zoo-


plâncton e peixes) no processo de respiração, em que o oxigênio é consumi-
do e o gás carbônico é liberado pelos organismos (trocas gasosas). O valor
recomendado deve estar abaixo de 10 mg/L. Vale lembrar que, durante o dia,
o gás carbônico é consumido pelo fitoplâncton durante o processo de fotos-
síntese, enquanto sua concentração tende a ser maior no período noturno,

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 65


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

principalmente ao amanhecer. A variação do gás carbônico ocorre de forma


inversa com o pH. Durante o dia, o gás carbônico reduz e o pH se eleva por
causa da fotossíntese. À noite, o inverso ocorre.

Em águas subterrâneas, como as de poços e minadouros, os níveis de


oxigênio geralmente são mais baixos, enquanto os de gás carbônico são ele-
vados. Por isso, quando a água com essa característica for utilizada para o
cultivo de peixes, deve-se deixá-la represada em um ambiente aberto antes
de utilizá-la. Com esse procedimento, o gás carbônico contido na água eva-
pora-se facilmente, e ela fica adequada para uso na criação. Em casos emer-
genciais, pode-se também usar a cal hidratada de forma parcelada em doses
de 100 a 150 kg/ha por dia até que seja alcançado 8,3 de pH (Kubitza, 2017).
Além de reduzir rapidamente a concentração do gás carbônico, esse manejo
eleva a dureza, a alcalinidade e o pH da água.

O gás carbônico pode ser medido por meio de kits comerciais de análise
da água (Tabela 1) em caso de mortalidade de peixes. Antes de dar início ao
cultivo, recomenda-se medir o gás carbônico para conhecer a qualidade da
água de abastecimento, a fim de proceder ao manejo de aeração dessa água,
e até mesmo escolher espécies menos sensíveis a água com tal característica.

Amônia e nitrito

A amônia é a principal forma de excreção dos peixes. Na criação, tam-


bém é oriunda da decomposição de matéria orgânica, como a ração não con-
sumida pelos peixes, ou, ainda, pela adição de adubo orgânico ou químico
(ureia e NPK) à água.

Na água, a amônia é decomposta em nitrito e, posteriormente, em nitra-


to, por microrganismos (bactérias) presentes no fundo do viveiro (Figura 13).
Essas bactérias precisam de oxigênio para fazer esse trabalho. Dessa forma, a
causa da elevação da quantidade de amônia e nitrito na água ocorre quando
a carga de matéria orgânica está alta, ou em condições de baixa concentração

66 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

de oxigênio, ou, então, quando, no viveiro, há mortalidade dessas bactérias


decompositoras.

Ração não
consumida

Adubação Amônia Nitrito Nitrato

Fitoplâncton

Excreção Bactérias Bactérias


dos peixes

Figura 13. Ilustração representativa do ciclo da amônia no ambiente aquático, com a decomposição da
amônia por bactérias até se tornar nitrato que, finalmente, é consumido pelo fitoplâncton.
Ilustração: Patricia Oliveira Maciel-Honda.

Valores elevados de amônia e nitrito são tóxicos para os peixes. Já o ni-


trato não é tóxico e é utilizado como nutriente pelo fitoplâncton. A amônia e
o nitrito podem ser medidos por meio de kits comerciais de análise da água,
mas também existem sondas mais sofisticadas que medem essas variáveis. A
amônia medida pelos kits é a amônia total, que é composta por uma fração
tóxica e por outra não tóxica, conforme a fórmula abaixo:

Amônia total = amônia tóxica (NH3) + amônia não tóxica (NH4+)

Existe uma tabela (que geralmente acompanha os kits de análise de


água) que relaciona o pH e a temperatura da água para informar qual a fração
tóxica da amônia. A amônia tóxica é mais frequente no cultivo quando o pH
está alto. Valores de amônia tóxica acima de 0,10 mg/L e de nitrito acima de
0,03 mg/L são prejudiciais aos peixes.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 67


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Ao longo do cultivo, em virtude do aumento do tamanho dos peixes e


do aumento do consumo de ração, a quantidade de amônia na água tende
a aumentar (Figura 14). Por isso, é preciso monitorar esse parâmetro, princi-
palmente no final do cultivo, pelo menos uma vez por semana.

Concentração
Concentração de oxigênio

de amônia

Início do Final do
cultivo cultivo

Figura 14. Variação da concentração de amônia ao longo do cultivo.


Ilustração: Patricia Oliveira Maciel-Honda.

Temperatura

Os peixes brasileiros (tropicais) geralmente têm temperatura de confor-


to entre 26 e 32 °C. Nesse intervalo de temperatura, alcançam maior eficiên-
cia no crescimento.

O aumento ou a diminuição da temperatura da água influencia o con-


sumo de alimento e o crescimento, bem como a tolerância ao manuseio e a
doenças. Dessa forma, a espécie que foi escolhida para ser cultivada deve ser
capaz de suportar as variações de temperatura locais.

A temperatura pode ser medida com o uso de termômetros. Contudo,


sondas como o oxímetro e o peagâmetro também medem essa variável. A
temperatura deve ser medida diariamente, no meio do dia, e é uma variável
importante para se calcular a fração de amônia tóxica na água do viveiro.

68 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Nas Tabelas 3 e 4, são apresentados modelos de planilhas para acompa-


nhamento diário e semanal da qualidade da água na piscicultura.

Tabela 3. Exemplo de monitoramento diário da qualidade da água do viveiro*.


Viveiro: 4
Horário da Transparên- Temperatura Oxigênio
Data pH
análise cia(1) (cm) (°C) dissolvido (mg/L)
01/03/2024 7h30min. 42 28 7,0 4,0
02/03/2024 8h 45 29 7,0 5,5
... ... ... ... ... ...

*Vide Apêndice para acessar essa tabela no formato para impressão. (1) Entre os parâmetros, a transparência mostra-se
como o mais simples, econômico e informativo.

Tabela 4. Monitoramento semanal da qualidade da água do viveiro.


Viveiro: 4
Horário da Amônia Amônia Alcalini-
Data Nitrito Dureza
análise total tóxica dade
01/03/2024 07h30min. 0,5 0 0,25 40 60
... ... ... ... ... ... ...

*Vide Apêndice para acessar essa tabela no formato para impressão.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 69


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Perguntas e respostas relacionadas à qualidade da água

Na Tabela 5, são apresentadas algumas recomendações do que fazer


quando os peixes e/ou o viveiro apresentarem sinais relacionados à qualida-
de da água. Os meios para medir as principais variáveis da água e a faixa de
valores recomendadas estão na Tabela 1 deste capítulo. Vale salientar que os
problemas citados a seguir podem ocorrer em maior ou menor grau, sendo
necessária, muitas vezes, a presença de um técnico especializado para fazer
uma avaliação mais precisa e tomar as medidas adequadas a cada situação.

Tabela 5. Problemas e soluções relacionados à qualidade da água.


Sinais dos peixes e/ou do
Problemas Como proceder
ambiente
Não alimentar os peixes.
Os peixes na superfície da
Verificar se a densidade de estocagem de peixes
água e/ou próximos à entrada
está acima do recomendado e ajustar.
de água do viveiro
Renovar a água do viveiro.
Se a transparência estiver alta:
- Verificar a alcalinidade e adubar o viveiro.
Se a transparência estiver muito baixa:
Oxigênio baixo - Suspender a alimentação e renovar a água do
viveiro.
Os peixes deixaram de comer Se os últimos dias tiverem sido nublados:
- Suspender a alimentação e renovar a água do
viveiro.
Em pisciculturas com sistemas intensivos (altas
densidades), é necessário utilizar aeradores para
aumentar a concentração de oxigênio na água.
Suspender a alimentação e renovar a água do vivei-
Baixa transparência da água ro, se a transparência estiver baixa ou se os últimos
pH alto e alcalinidade abaixo de 20 dias tiverem sido nublados.
mg/L. Aplicar calcário agrícola na dose de 200 kg/1.000
m², se a alcalinidade estiver abaixo de 20 mg/L.
pH variando
Aplicar calcário agrícola na dose de 200 kg/1.000 m².
mais que 2 uni- Peixes apáticos e baixa alcali-
Reduzir a quantidade de alimento ou suspender a
dades durante nidade da água
alimentação até ser feita a correção do pH.
o dia
Os peixes se mostram Verificar se a densidade está acima do recomendado.
Amônia ou nitri- apáticos Renovar a água do viveiro (total ou parcialmente).
to elevado Água eutrofizada (muito Suspender a alimentação até que a situação se
verde e espessa) regularize.
Baixa alcalini- A água continua transparente Fazer nova aplicação de calcário e acompanhar a
dade mesmo depois da adubação alcalinidade da água.
Gás carbônico
elevado na água Represar a água em ambiente aberto ou aerar a
A água de poço
de abasteci- água para o gás carbônico evaporar.
mento

70 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 4
Qualidade da água na piscicultura

Tabela 5. Continuação
Sinais dos peixes e/ou do
Problemas Como proceder
ambiente
Variações Os peixes não se alimentam
bruscas na Os peixes não sobem até a Reduzir a quantidade de alimento ou suspender a
temperatura do superfície da água alimentação.
local e da água Mortalidades são observadas
Presença de algas
Realizar adubação.
filamentosas e plantas aquáti-
Alta transpa- Reduzir a quantidade de alimento.
cas na água
rência Remoção manual das algas filamentosas e plantas
Peixes com baixa voracidade
aquáticas.
para se alimentar
Água eutrofizada (muito
Baixa transpa- verde e espessa)
Renovar a água do viveiro.
rência planc- Os peixes procuram a super-
Suspender a alimentação.
tônica fície da água nas primeiras
horas do dia

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 71


Manejo
alimentar

Introdução

A alimentação dos peixes é um dos processos mais importantes ao longo


do cultivo. O manejo alimentar correto permite ao produtor:
• Aumentar a produtividade dos peixes.
• Manter a qualidade da água adequada.
• Contribuir para a manutenção da saúde dos peixes.
• Obter um pescado de boa qualidade nutricional.
• Otimizar os custos de produção.

Neste capítulo serão abordados os principais aspectos a serem obser-


vados no momento da escolha de uma ração para piscicultura; os cuidados
durante o arraçoamento; como é definida a taxa e frequência de alimentação
por fase de desenvolvimento do peixe; como é medida a eficiência de utiliza-
ção da ração; a forma correta de armazenamento da ração e a importância
do alimento natural disponível nos viveiros para alimentação de algumas es-
pécies de peixe.

Critérios na escolha da ração


A escolha da ração deve considerar os aspectos a seguir analisados.

72 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

Hábito alimentar dos peixes


As espécies carnívoras, como surubim (Pseudoplatystoma spp.), tucuna-
ré (Cichla spp.) e pirarucu (Arapaima gigas), exigem rações com maior teor
de proteína (de 40 a 55% de proteína bruta) quando comparadas a peixes
não carnívoros, como tilápia (Oreochromis niloticus), tambaqui (Colossoma
macropomum) e piau-açu (Leporinus obtusidens) (de 24 a 40% de proteína
bruta). Considerando-se essas divergências, alguns fabricantes de ração apre-
sentam linhas específicas para peixes carnívoros e onívoros, as quais facilitam
a escolha da ração mais adequada à espécie de peixe cultivada pelo produtor.

Cabe chamar a atenção do pequeno produtor sobre o seguinte: o hábito


alimentar da espécie de peixe influencia diretamente os custos de produção.
Rações com maior teor de proteína, que são as exigidas pelas espécies car-
nívoras, apresentam preços mais elevados. Além disso, a maioria dos peixes
carnívoros não aproveita de forma significativa o alimento natural presente
nos viveiros adubados (plâncton, ver capítulo Qualidade da água na piscicul-
tura), habilidade muito comum em peixes onívoros e que contribui para a
eficiência alimentar do sistema de produção e para a redução dos gastos com
ração. Ademais, nas fases iniciais de vida, as espécies carnívoras precisam ser
treinadas a aceitar ração comercial seca, processo delicado, que envolve a
mortalidade dos peixes por canibalismo ou por não adaptação à ração e que
demanda mão de obra intensiva. Dessa forma, é importante conhecer esses
fatores no momento de definir qual espécie de peixe será produzida.

Fase de desenvolvimento dos peixes


O nível de proteína e o tamanho dos grânulos da ração variam de acordo
com a fase de desenvolvimento em que os peixes se encontram (Figura 1). Nas
fases iniciais de vida dos peixes, a necessidade de proteína é maior, já que os
peixes se encontram em plena fase de desenvolvimento e crescimento, sendo,
portanto, fundamental o aporte de níveis adequados de proteína. O tamanho
da ração deve ser adequado ao tamanho da boca do peixe, a fim de garantir sua
ingestão e evitar perdas. De forma geral, o tamanho da ração deve corresponder
de 25 a 50% da área de abertura da boca. Uma forma de verificar se o tamanho

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 73


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

da ração está adequado ao peixe é observar a ingestão dos péletes durante o


arraçoamento (alimentação). Quando o pélete está muito grande, os peixes não
conseguem capturar o grânulo inteiro ou, se conseguem, o expelem logo em se-
guida. Por sua vez, quando o pélete está muito pequeno, a ração costuma se es-
palhar rapidamente na água, já que o peixe demora mais para capturar e ingerir
os péletes. Nenhuma dessas situações é desejável, já que prejudica o consumo
da ração e favorece a ocorrência de sobras no ambiente de produção (Figura 2).

Fotos: Ana Paula Oeda Rodrigues


Pó 0,2 a 0,3 mm 0,8 a 1,0 mm 1,5 mm

2,5 mm 4,0 a 6,0 mm 6,0 a 8,0 mm 8,0 a 10,0 mm

Figura 1. Rações com diferentes tamanhos de péletes para cada fase de desenvolvimento do peixe.

A B

Figura 2. Tamanho dos grânulos da ração em relação ao tamanho da boca dos peixes: tamanho adequado
(A); tamanho excessivamente grande (B).
Ilustração: Ana Paula Oeda Rodrigues.

Palatabilidade da ração
A ração deve apresentar alta palatabilidade aos peixes, ou seja, deve ter
capacidade de atrair o peixe e estimular o seu consumo. Geralmente, ingre-
dientes de origem animal – como farinha de peixe, farinha de carne e farinha
de vísceras de frango – conferem maior sabor às rações. De forma geral, as
espécies carnívoras são mais exigentes quanto à palatabilidade da ração, exi-
gindo maiores inclusões de ingredientes de origem animal. Se o peixe não

74 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

demonstrar atração pela ração oferecida, isso poderá ser um indicativo da


baixa palatabilidade da ração. Nesse caso, sugere-se trocar a marca da ração.

Características físicas da ração


A ração deve flutuar (extrusada) e manter-se inteira na água. Além disso,
deve ter baixa quantidade de pó e possuir grânulos de tamanho uniforme
(Figura 3).

A B

Figura 3. Esquema representativo das características físicas desejáveis (A) e indesejáveis (B) da ração.
Ilustração: Ana Paula Oeda Rodrigues.

Manejo alimentar

O manejo alimentar compreende basicamente a quantidade de ração e a


frequência com que é fornecida aos peixes. O ajuste na quantidade de ração
(taxa de alimentação) e no tipo de ração a ser fornecido aos peixes deve ser
feito, de preferência, semanal ou quinzenalmente para a fase de recria, bem
como quinzenal ou mensalmente para a fase de engorda. Esse ajuste deve
ser feito por meio de biometrias quinzenais ou mensais, observando-se sem-
pre os cuidados já mencionados com o fornecimento de ração.

A maioria dos fabricantes de ração apresenta tabelas de alimentação para


as rações que comercializam, de forma a orientar o piscicultor. Na Tabela 1, é
apresentada uma recomendação para a alimentação do onívoro tambaqui, a
partir do peso inicial de 5 g.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 75


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

Tabela 1. Valores sugeridos para a alimentação do tambaqui.


Taxa de alimen- Granulometria/ Número de
Peso dos peixes Nível de proteí-
tação por dia Tamanho da refeições por
(g) na da ração (%)
(% biomassa) ração (mm) dia
5 a 10 10,0 a 7,0 55 Pó 5a6
10 a 25 6,5 40 1a2 4
25 a 70 4,5 40 2a4 3
70 a 200 3,0 32 4a6 2
200 a 500 3,0 28 8 2
500 a 1.000 2,0 28 10 2
1.000 a 2.000 1,5 a 1,0 28 10 2

Exemplo de manejo alimentar


• Utilizando-se a Tabela 1, depois de realizado o procedimento de biometria
nos peixes de um viveiro (ver capítulo Acompanhamento técnico da pro-
dução), verificou-se que eles estavam pesando, em média, 100 g cada um.
• Considerando-se que havia 375 peixes no viveiro, o cálculo da biomassa
total de peixes no viveiro é:

100 g × 375 peixes = 37.500 g de peixe

• Consultando-se a Tabela 1, verifica-se que, para peixes que pesam de 70 a


200 g, a taxa de alimentação sugerida é de 3,0% da biomassa, dividida em
duas refeições diárias, utilizando-se ração com 32% de proteína bruta e de
4 a 6 mm de tamanho.
• Se a biomassa no viveiro é 37.500 g, a quantidade total de ração diária
que deverá ser fornecida será:

37.500 g × 3,0% = 1.125 g ou 1,125 kg de ração por dia

• Essa quantidade de ração deverá ser dividida em duas refeições ao longo


do dia. Logo:

1.125 g por 2 refeições no dia = 562,5 g de ração por trato = 560 g de ração
por trato aproximadamente

76 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

Na Tabela 2, é feita uma recomendação para a alimentação do carnívoro


pirarucu, com base no peso inicial de 15 g. Sua utilização é similar ao exem-
plificado para a Tabela 1.

Tabela 2. Valores sugeridos para a alimentação do pirarucu.


Taxa de alimen- Granulometria/ Número de
Peso dos peixes Nível de proteí-
tação por dia Tamanho da refeições por
(g) na da ração (%)
(% biomassa) ração (mm) dia
15 a 100 7,0 a 5,0 40 a 45 2a4 3a4
100 a 500 5,0 a 4,0 40 a 45 4a6 2a3
500 a 1.000 4,0 a 3,0 40 a 45 6a8 2
1.000 a 5.000 3,0 a 2,0 40 8 a 10 2
5.000 a 12.000 2,0 a 1,0 40 10 a 14 2
Fonte: Adaptado de Sebrae (2013).

É importante ressaltar que nas Tabelas 1 e 2 são trazidas sugestões de


alimentação, porém, dependendo da densidade de estocagem empregada,
da qualidade da água e do estado de saúde dos peixes, nem sempre será
possível alimentar os peixes utilizando-se os valores sugeridos. O produtor
deverá fazer uso das tabelas, mas sempre observando o item, deste capítulo,
Cuidados com a forma de fornecer a ração.

Conversão alimentar

A ração é o item de maior custo na produção. Dessa forma, é fundamen-


tal a aquisição de uma ração de boa qualidade e o seu correto fornecimento
e armazenamento na propriedade. Para verificar se esses requisitos estão
sendo conduzidos de forma adequada, é preciso acompanhar o crescimento
dos peixes por meio de biometrias e ter o controle da quantidade de ração
consumida diariamente ao longo do ciclo produtivo, conforme Tabela 3. Com
esses registros, é possível calcular a conversão alimentar, que é a quantidade
de ração (kg) que o peixe utilizou para ganhar 1 kg e que nos dá uma medida
da eficiência alimentar dos peixes. Para realizar esse cálculo, é necessário
registrar também a mortalidade dos animais.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 77


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

Tabela 3. Exemplo de registro para controle de alimentação dos peixes na propriedade.


Alimentação
Viveiro: 4
Quantidade de Tama-
Horário Marca Proteí- Comportamen-
Data ração consumi- nho
do trato da ração na (%) to dos peixes
da (g ou kg) (mm)
Voraz, sem so-
21/03/2024 08h00 1 kg XXXXX 45% 2 mm
bra de ração.
...
Peixes boque-
15/04/2024 08h12min suspensa XXXXX 36% 4 mm jando na super-
fície da água.

...

*Vide Apêndice para acessar essa tabela no formato para impressão.

78 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

Exemplo de cálculo de conversão alimentar


• Depois da fase de recria, os peixes foram retirados do berçário e coloca-
dos no viveiro de engorda. Neste exemplo, será utilizada a quantidade de
1.000 peixes transferidos para a engorda, com peso médio de 50 g, totali-
zando uma biomassa de 50 kg.
• Depois de 30 dias de cultivo na engorda, foi feita a biometria dos animais.
Nessa ocasião, foi observado um peso médio de 120 g.
• Dos 1.000 peixes inicialmente estocados, 15 morreram, sobrando 985 pei-
xes. Multiplicando-se o peso médio pelo número total de peixes, tem-se o
valor aproximado de 118 kg de biomassa (120 g × 985 peixes).
• Com base nesse valor, calcula-se o ganho de biomassa nessa fase do culti-
vo, descontando-se o valor da biomassa inicial da biomassa final:

118 kg - 50 kg = 68 kg de ganho de biomassa no período de 30 dias

• Supondo-se que, nessa fase, tenham sido utilizados 82 kg de ração, é pos-


sível fazer o cálculo da conversão alimentar (CA):

CA = Consumo de ração (kg) no período por ganho de peso (kg) no período

Então:

CA = 82 kg / 68 kg = 1,2

• O valor de conversão alimentar de 1,2 significa que, para 1 kg de peixe


produzido, foi gasto 1,2 kg de ração.
• De posse dos valores de conversão alimentar em cada fase, bem como do
tipo e do custo da ração utilizada, o produtor poderá calcular o custo de
produção, em termos de ração, por quilo de peixe.
• Para os peixes nativos, como tambaqui e pirarucu, a conversão alimentar
obtida ao final de um ciclo de engorda varia entre 1,8 e 2,2 em viveiros es-
cavados. Para a tilápia, espécie de peixe melhorada geneticamente, essa
conversão fica em torno de 1,6 em viveiros escavados.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 79


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

Cuidados com a forma de fornecer a ração

• Fornecer a ração aos poucos, observando sempre o comportamento dos


peixes. Se os peixes se mostrarem pouco ativos (apáticos), é recomendá-
vel suspender a alimentação e investigar a causa (Figura 4).

Foto: Jefferson Cristiano Christofoletti


Figura 4. Comportamento voraz dos peixes durante a alimentação.

• Distribuir a ração a favor do vento e em mais de um local do viveiro, evi-


tando, assim, que apenas os peixes dominantes se alimentem (Figura 5).

A B

Figura 5. Esquema representando uma distribuição homogênea de ração na superfície do viveiro (forma
correta) (A) e uma oferta de ração localizada em apenas uma superfície do viveiro (forma incorreta) (B).
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

80 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

• De uma forma geral, para as espécies de peixe que não formam cardume,
distribuir a ração da seguinte forma: (i) em toda a superfície do viveiro
quando na fase de larvicultura e alevinagem (até 5 g); (ii) em quase todo
o perímetro do viveiro quando na fase de recria (até 100 a 200 g); (iii) em
pelo menos metade do perímetro do viveiro quando na fase de engorda
(acima de 100 a 200 g) (Figura 6) (Kubitza, 2009).

Figura 6. Esquema representando a área de distribuição de ração (cor vermelha) na superfície do viveiro
(cor verde). Da esquerda para a direita: distribuição em toda a superfície do viveiro durante a larvicultura e
alevinagem (até 5 g); distribuição em quase todo o perímetro do viveiro durante a recria (até 100 a 200 g);
(iii) distribuição em pelo menos metade do perímetro do viveiro durante a engorda (acima de 100 a 200 g).
Ilustração: Adaptado de Kubitza (2009).

• Evitar alimentar os peixes logo nas primeiras horas do dia (das 5 às 8 ho-
ras). Nesses intervalos, a concentração de oxigênio na água está reduzida
porque, durante a noite, a ausência de luz solar impossibilitou a fotos-
síntese pelo fitoplâncton (que produz oxigênio na água) (Figura 7A) (ver
capítulo Qualidade da Água na Piscicultura). É necessário aguardar um
incremento de oxigênio na água, o que ocorre logo nas primeiras horas de
sol (das 8 às 9 horas). Pelo mesmo princípio, deve-se reduzir a oferta de
alimento depois de vários dias nublados (Figura 7B).

A B
Concentração de oxigênio

Concentração de oxigênio

Dia Noite Número de dias nublados

Figura 7. Variação de oxigênio na água: ao longo do dia (A); após uma sequência de dias nublados (B).
Ilustração: Patricia Oliveira Maciel-Honda.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 81


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

• Estabelecer horários fixos de arraçoamento, condicionando os peixes a


buscar o alimento nessas horas.
• Suspender a alimentação quando a qualidade da água estiver baixa, como
no caso de águas com reduzida transparência (menor que 20 cm), normal-
mente muito esverdeadas, indicando eutrofização (Figura 8A). Águas com
essas características apresentam baixa concentração de oxigênio, espe-
cialmente nas primeiras horas do dia (ver capítulo Qualidade da Água na
Piscicultura). Nessa situação, é comum observar o peixe boquejando na
superfície da água, para obter mais oxigênio para sua respiração, ou com
comportamento alterado (Figura 8B). Nesse caso, não se deve fornecer
alimento aos peixes, pois o jejum reduz o metabolismo e, com isso, a sua
necessidade por oxigênio.

Fotos: Adriano Prysthon da Silva


A B

Figura 8. Viveiros com baixa quantidade de oxigênio: mortalidade total dos peixes em água eutrofizada (A);
peixes com comportamento alterado na superfície da água (setas) (B).

• Evitar alimentar os peixes 24 horas antes e 24 horas depois de situações


estressantes, como biometria, transporte e despesca, por exemplo.
• Alimentar com cautela, reduzindo a oferta de alimento, quando houver
grandes variações diárias de temperatura (aumento/redução) ou em
épocas frias (quando há redução no metabolismo dos peixes, com conse-
quente redução da ingestão alimentar).
• Usar rações extrusadas, que flutuam na água, permitindo, assim, observar
o consumo de alimento pelos peixes. Observar o consumo dos peixes é
bastante importante na medida em que ajuda a prevenir que fiquem so-
bras de ração na água, com consequente prejuízo para a qualidade dessa
água e para o “bolso” do produtor (Figura 9).

82 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

Fotos: Adriana Ferreira Lima


A B

Figura 9. Durante a alimentação: observar o comportamento dos peixes (A); verificar se há sobras de ração (B).

• Não utilizar outros tipos de alimentos (farelos vegetais e resíduos animais,


por exemplo) além da ração. Esses alimentos não são nutricionalmente
balanceados, como é a ração; ademais, apresentam baixa estabilidade na
água, o que pode prejudicar a qualidade da água, com consequente pre-
juízo para o crescimento dos peixes (Figura 10).

Foto: Manoel Xavier Pedroza Filho

Figura 10. Soja fermentada – exemplo de alimento não balanceado e não indicado para alimentação de peixes.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 83


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

• Fazer de maneira gradativa a substituição de uma marca ou tipo de ração,


que inclua mudança no tamanho do pélete e no teor de proteína, ou seja,
substituindo-se aos poucos a ração anterior pela nova (Tabela 5).

Tabela 5. Exemplo de substituição gradual de uma ração por outra marca ou tipo.
Ração anterior Ração nova
Período (dias)
Relação em (%)
80 20 2
50 50 2
20 80 2
0 100 -

• Descartar todo o conteúdo do saco de ração que estiver úmido, com mofo ou
cor alterada em comparação com sua aparência original (Figura 11). A pre-
sença de mofo é indicativa da presença de micotoxinas, substâncias tóxicas
geradas durante o crescimento de fungos, que causam danos ao fígado e sis-
tema nervoso dos peixes, comprometendo indiretamente seu desempenho.

Foto: Patricia Oliveira Maciel-Honda

Figura 11. Ração com mofo e coloração esverdeada e esbranquiçada (à esquerda) e ração seca com sua
coloração original preservada (à direita).

Armazenamento da ração

Tão importante quanto escolher e fornecer corretamente a ração aos peixes


é armazená-la de forma correta, garantindo sua qualidade. A seguir são apre-
sentadas as condições necessárias para o armazenamento adequado da ração:

84 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

• O local escolhido deve ser exclusivo do armazenamento de ração, a fim


de evitar a contaminação da ração com outros produtos, como defensivos
agrícolas.
• O local deve ser seco, arejado, coberto (ao abrigo da luz, do vento e da
chuva) e protegido contra o ataque de insetos e roedores (Figura 12). Para
tanto, sugere-se a utilização de telas, armadilhas e outras medidas para
impedir a entrada e o controle de pragas. Jamais usar venenos nos locais
de armazenamento.

Foto: Ana Paula Oeda Rodrigues


A

Fotos: Leandro Kanamaru Franco de Lima

B C

Figura 12. Armazenamento de ração: galpão adequado (A); formas incorretas de armazenamento (B) e (C).

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 85


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

• Os sacos de ração devem ser empilhados sobre paletes de madeira ou


preferencialmente de plástico (material impermeável e de fácil limpeza) e
mantidos a uma distância mínima de 50 cm da parede, evitando-se, assim,
o contato com a umidade do solo e a da parede do galpão (Figura 13).
• O empilhamento de mais do que 15 a 20 sacos em uma mesma altura
deve ser evitado para não danificar os péletes da ração (Figura 13A).
• A estocagem da ração por mais de 30 a 45 dias deve ser evitada, bem como
deve ser verificada e monitorada a data de validade da ração adquirida.
Foto: Ana Paula Oeda Rodrigues

Foto: Manoel Xavier Pedroza Filho


A B

50 cm

Palete

Figura 13. Ração armazenada sobre estrado (palete) de madeira e distante da parede (forma correta) (A);
ração armazenada incorretamente: galpão semiaberto, ração em contato com as paredes do galpão e
exposição a insetos e roedores (B).

Aporte de ração e regime de produção adotado

Conforme já mencionado, a ração constitui o item de maior dispêndio


em uma piscicultura, podendo representar até 80% dos custos operacionais
totais em sistemas mais intensivos. Em viveiros escavados, é possível apro-
veitar o alimento natural disponível na água, representado principalmente
pelo fito e zooplâncton, como complemento à ração. Isso é possível para es-
pécies de peixes planctófagas que naturalmente se alimentam do plâncton,
como o tambaqui, o pacu (Piaractus mesopotamicus) e a tilápia. O nível de

86 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

contribuição do plâncton na alimentação dessas espécies em cativeiro varia


de acordo com o regime de produção adotado.

Em produções intensivas, que praticam altas densidades de estocagem e


realizam trocas parciais de água, essa contribuição é minimizada e a depen-
dência de ração como alimento é quase que total.

Em produções menos intensivas, com baixas densidades de estocagem e


baixa renovação de água, a dependência da ração e, consequentemente, os
gastos com este insumo são minimizados, sendo a contribuição do alimento
natural mais significativa (desde que a fertilidade dos viveiros seja mantida
para que haja produção planctônica) (ver capítulo Preparação de viveiros e
produção de peixes). Há obviamente uma menor produtividade nesse sis-
tema de produção, a qual o pequeno produtor precisa avaliar ao planejar
o início da atividade, o volume de peixe a ser produzido e o capital de giro
disponível para aquisição de ração durante todo o ciclo de produção.

Além da intensidade do regime de produção, é possível otimizar o inves-


timento e uso dos nutrientes da ração, adotando-se o policultivo de espécies

Figura 14. Esquema representativo de um sistema multitrófico com o tambaqui (Colossoma macropo-
mum) sendo a espécie principal e alimentada com ração e o curimatã (Prochilodus lineatus) e o cama-
rão-da-Amazônia (Macrobrachium amazonicum), as espécies secundárias, se alimentando do alimento
natural (curimatã) e restos de ração e fezes (curimatã e camarão-da-Amazônia).
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 87


CAPÍTULO 5
Manejo alimentar

de peixe1 que ocupam diferentes nichos tróficos2, ou seja, que se alimentam


de diferentes itens alimentares no ambiente piscícola. Nesse tipo de sistema,
atualmente mais conhecido por sistema multitrófico, geralmente é utiliza-
da uma espécie principal que irá se alimentar principalmente de ração, bem
como uma espécie secundária, utilizada em menor densidade de estocagem,
que irá se alimentar majoritariamente do alimento natural e das fezes da
espécie principal. São exemplos o policultivo de carpas das espécies capim,
prateada, cabeça grande e comum, realizado na região Sul, e a produção de
tilápia com o camarão de água doce Macrobrachium rosenbergii, que vem
sendo realizada no estado do Paraná.

1
Pode ser realizado não só entre peixes, como também envolver camarões, algas e moluscos.
2
Nicho ou nível trófico refere-se à posição que o organismo ocupa na cadeia alimentar, como detritívoro,
herbívoro, onívoro ou carnívoro (FAO, 2008).

88 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Cuidados com a
saúde dos peixes

Introdução

N
este capítulo veremos que a manutenção da saúde dos peixes na cria-
ção impacta diretamente nos aspectos produtivos, de manejo e de co-
mercialização, além de garantir a saúde do consumidor.

Nos sistemas de produção, os animais estão, em geral, suscetíveis à


ocorrência de doenças, pois, estando confinados, ficam expostos às condi-
ções ambientais, nutricionais e de manejo disponibilizadas pelo sistema e
pelo produtor.

As doenças em peixes podem ter origem infecciosa (causadas por pa-


tógenos, como parasitos, bactérias, fungos ou vírus), mas, também, podem
decorrer de outros fatores, como alterações na qualidade da água. Por exem-
plo, alteração brusca de temperatura provocada por fatores climáticos, como
estiagem ou excesso de chuvas, também contribuem para o aparecimento
de doenças.

Além disso, diferentemente de outras criações animais, é difícil observar


os peixes, que são vistos, na maioria das vezes, apenas durante as situações
de manejo, como em biometrias, na despesca ou durante o arraçoamento. Ou
seja, é mais difícil identificar os animais doentes no ambiente aquático. No en-
tanto, é possível reconhecer os sinais e comportamentos de um peixe doente

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 89


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

antes que esteja em situação crítica de saúde (Figura 1). Dessa forma, para
evitar a ocorrência de doenças, serão listadas algumas medidas preventivas,
devendo o produtor estar atento desde a origem dos peixes adquiridos para a
criação, como ao manejo, ao ambiente e ao comportamento dos peixes.

Fotos: Manoel Xavier Pedroza Filho


A B

C D

Figura 1. Quatro criações de animais: bovinocultura (A); avicultura (B); suinocultura (C); piscicultura (D). Na
piscicultura é mais difícil visualizar o estado de saúde dos animais criados no ambiente de confinamento.

Aquisição de alevinos saudáveis

Um dos primeiros cuidados do piscicultor está na aquisição de alevinos


saudáveis, o que elimina problemas, como a entrada de patógenos no siste-
ma de produção, mortalidade no início do ciclo (alevinagem e recria), e con-
tribui para uma engorda com crescimento heterogêneo, reduzindo-se, assim,
as chances de os peixes adoecerem.

90 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Algumas características, próprias de alevinos saudáveis, podem ser ob-


servadas no próprio laboratório, no momento da compra ou quando da che-
gada do transporte. São elas:
• Natação normal para a espécie, descartando-se a possibilidade de peixes
que nadam em círculo, em espiral ou isolados do cardume.
• Peixes com nadadeiras íntegras, escamas brilhantes, corpo sem manchas,
lesões ou feridas, e olhos brilhantes (Figura 2A).
• Análise corporal, para detectar peixes magros ou esqueléticos (Figura 2B).
• Coloração característica da espécie. Levar em consideração que peixes jo-
vens têm coloração diferente daquela do adulto. Observe também que o
estresse do transporte pode alterar momentaneamente a coloração.
• Peixes sem deformação corporal (Figuras 2C, 2D e 2E).

Fotos: A e C: Adriana Ferreira Lima; B, D e E: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

Figura 2. Características externas de um alevino: saudável (A); muito magro (B); com deformações na coluna
(C, D e E).

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 91


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Dependendo do estresse do transporte, os peixes podem não se alimen-


tar nas primeiras 24 horas. Dessa forma, a não ingestão de alimento logo
após o transporte não é um bom parâmetro de avaliação.

Se for encontrado algum sinal indesejável nos alevinos adquiridos, de-


verá ser feito contato com o laboratório fornecedor, para verificar as causas
e a possibilidade de troca de animais ou até mesmo a entrega de melhores
animais em um próximo lote. Tal ação demonstra que o produtor comprador
está atento às características adequadas de um alevino e tem interesse na
compra de bons animais para sua criação. Somente mantendo esse tipo de
conduta é que teremos fornecedores comprometidos com a sanidade e a
qualidade de seus alevinos. Outra dica é fazer contato prévio com piscicul-
tores que tenham comprado alevinos no mesmo laboratório que você, para
conhecer o histórico de qualidade e de relacionamento com os clientes.

Prevenção do estresse

Estresse é a resposta do animal a uma ameaça. Essa ameaça é chamada


de agente estressor, que é capaz de provocar mudanças fisiológicas nos pei-
xes, que diminuem suas capacidades de defesa naturais, predispondo-os à
ocorrência de doenças infecciosas (Tabela 1).

No ambiente de criação, é preciso evitar situações de estresse para os


peixes. Eles, assim como outros animais, também ficam estressados quando
expostos a condições ruins de criação. Um fator de estresse muito comum
em piscicultura é o próprio ambiente de confinamento, onde altas densida-
des de estocagem associadas a pouca manutenção da água ocasiona, por
exemplo, baixas concentrações de oxigênio. Altas densidades também pro-
vocam maior competição por alimento, ocasionando mais gastos energéticos
pelo peixe, gastos esses que podem resultar em baixo crescimento do animal.
Ademais, o pouco espaço para a locomoção, aliado à precária utilização de
métodos de controle de predadores, torna-se ambiente propício à predação
por aves, o que provoca forte estresse nos peixes, além de ferimentos graves

92 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Tabela 1. Agentes estressores e suas causas encontrados em piscicultura.


Tipo de agente estressor Agente estressor
- Baixos níveis de oxigênio
- pH impróprio ou altas variações de pH ao longo do dia
- Altos níveis de amônia tóxica e nitrito
Ambiental - Altas concentrações de matéria orgânica em suspensão
- Temperatura inadequada ou exposição constante a varia-
ções bruscas de temperatura
- Excesso de vibração mecânica na água (ex.: som)
- Dominância hierárquica
- Agressão, territorialidade
- Presença de predadores: aves, jacarés, entre outros
Biológico
- Presença de organismos patogênicos
- Parasitos internos e externos
- Eutrofização
- Confinamento
- Altas densidades de estocagem
- Privação ou excesso de alimento
- Alimento inadequado nutricionalmente
- Transporte
Manejo da piscicultura
- Tratamento de doenças
- Biometria
- Despesca
- Manuseio inadequado dos peixes
- Roubo
Fonte: adaptado de Val et al. (2004).

e morte (ver Figura 13 do capítulo Preparação de viveiros e produção de pei-


xes). O manejo inadequado em biometrias, nas despescas e até mesmo na
escolha e oferta inadequada de ração também contribui para o aumento do
estresse e o aparecimento de doenças nos peixes (para conduta em biome-
trias e no armazenamento da ração ver capítulos Acompanhamento técnico
da produção e Manejo alimentar, respectivamente).

As mudanças fisiológicas decorrentes do estresse são consequência da


liberação de hormônios na corrente sanguínea dos peixes, os quais provo-
cam diversos efeitos, como aumento da função cardiorrespiratória (o peixe
aumenta os batimentos operculares, ou seja, as guelras se agitam), perda da
capacidade de manter o controle de íons (osmorregulação), aumento do açú-
car no sangue (hiperglicemia) para alimentar os músculos numa situação de

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 93


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

“luta e fuga” e diminuição da capacidade de defesa do organismo (imunossu-


pressão). Contudo, esses efeitos fisiológicos do estresse são difíceis de serem
observados pelo produtor, pois ocorrem internamente nos peixes. Quando
o estresse se torna constante, os peixes começam a apresentar os sinais vi-
síveis de estresse, como: comportamento diferente do normal, baixo cresci-
mento, comprometimento reprodutivo e supressão da imunidade, conforme
visto na Figura 3. Nesse momento, os peixes ficam mais vulneráveis, ou seja,
com poucas condições de se defenderem, surgindo as doenças.

Aumento do estresse

Peixe Baixo crescimento Doenças Morte


saudável Comprometimento oportunistas
reprodutivo

Ambiente Ocorrência
alterado de doenças

Hospedeiro Patógenos
(peixe)

Figura 3. Consequências do estresse nos peixes em ambiente confinado na piscicultura.


Fonte: adaptado de Noga (2000).

As situações de estresse são também um dos componentes para o dese-


quilíbrio da relação hospedeiro-patógeno-ambiente (Figura 3). Peixes bem nu-
tridos, sem os efeitos do estresse e em condições de água adequadas, são mais
resistentes a doenças. Mas a quebra do equilíbrio entre hospedeiro, patógeno
e ambiente é capaz de induzir a ocorrência de doenças na piscicultura. É por
esse motivo que os agentes estressores devem ser evitados ou minimizados.

Aclimatação adequada

A aclimatação dos peixes na chegada à propriedade ou mesmo em deter-


minadas situações de manejo, como transferências e repovoamentos, é extre-

94 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

mamente importante para evitar doenças (Figura 4). A transferência do peixe


de um ambiente para outro, como de um saco ou caixa de transporte para um
viveiro ou entre viveiros, requer um período de aclimatação para que o orga-
nismo animal possa se adaptar ao novo meio. É que a água do transporte tem
características diferentes daquelas do local de recepção, como a variável tem-
peratura. Dessa forma, facilitar essa adaptação é essencial para contribuir com
a saúde dos peixes. Recomendações sobre o modo de se conduzir com a aclima-
tação está descrito no Capítulo Preparação de Viveiros e Produção de Peixes.”

Fotos: Patricia Oliveira Maciel-Honda.


A B

Figura 4. Aclimatação de alevinos: em tanque de espera para jejum, imediatamente depois de terem sido
despescados do viveiro (A); em viveiro escavado após o transporte em sacos plásticos (B).

Manuseio correto

Durante a criação, os peixes podem ser manuseados para transporte,


transferência de viveiros, biometria ou despesca parcial. Nesse manuseio, é
preciso ter alguns cuidados para que os materiais utilizados (redes, puçás,
sacos, etc.) não machuquem os peixes ou provoquem perda excessiva de es-
camas e muco.

O muco, também conhecido como “baba” ou “gosma”, é uma substân-


cia produzida por células presentes na pele e nas brânquias dos peixes. O
muco forma uma barreira que auxilia a manter a saúde e proteger contra
patógenos (Figura 5). Além do muco, as escamas também constituem mais

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 95


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

uma barreira para alguns peixes. A perda dessa primeira barreira de defesa
durante procedimentos de manejo abre as portas para infecções secundárias
(por bactérias e fungos), ou seja, para agentes oportunistas, que muitas vezes
são difíceis de ser controlados e podem levar os peixes à morte.

Patógenos

Muco na superfície da pele

Escamas
Superfície das células da pele

Células produtoras de muco

Figura 5. Esquema da primeira barreira de defesa dos peixes contra lesões e patógenos: muco, escamas
e pele.
Fonte: adaptado de Speare (1998).

Sendo assim, recomenda-se que o manejo dos peixes seja programado


para acontecer o mais rápido possível, evitando-se que os peixes fiquem pre-
sos na rede por muito tempo. Recomenda-se ainda a utilização de rede com
distância entre nós (tamanho da malha) compatível com o tamanho dos pei-
xes, evitando-se que os animais fiquem emalhados. Evitar também o manu-
seio excessivo dos peixes, bem como prevenir a queda dos animais no solo.
Quando possível, utilizar peneiras em vez das mãos em manejos que necessi-
tam manipular os peixes (Figura 6).

Outra medida recomendada durante o manejo é o uso de sal de cozinha


ou sal grosso. Uma das funções do sal é estimular a produção de muco no
corpo e nas brânquias dos peixes, recobrindo lesões decorrentes do manejo.
A presença do sal no meio aquático também diminui a perda de sais corpo-
rais por parte dos peixes, minimizando os efeitos do estresse. Sobre o uso do
sal em biometrias ver capítulo Acompanhamento técnico da produção.

96 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Foto: Ana Paula Oeda Rodrigues


Figura 6. Manejo de alevinos em viveiro: uso de rede com malha adequada e manipulação com peneira.

Como identificar os sinais de peixes doentes

O comportamento dos peixes reflete seu estado de saúde e fornece in-


formações sobre as condições da criação. A avaliação da saúde dos peixes é
possível ao longo da criação, mesmo sem captura-los para análise. É possível
observar seus sinais e comportamentos alterados. Um sinal característico de
problemas na produção é a redução da alimentação (hiporexia) ou a ausência
de alimentação (anorexia) por dias. As causas podem ser muitas, mas, pri-
meiramente, é recomendado descartar alterações ambientais que interfiram
na alimentação (ver capítulos Qualidade da Água na Piscicultura e Manejo
alimentar). Afastada essa possibilidade, verificar suspeitas de doenças infec-
ciosas.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 97


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Sinais de doenças também podem ser detectados quando o peixe ainda


estiver na água, como:
a) Peixes isolados do cardume ou agrupados próximos à fonte de água do
viveiro, com respiração agitada e elevado batimento opercular.
b) Natação irregular, em círculos ou rodopios (sinal de perda de equilíbrio).
c) Peixes com movimentos lentos e perda da vitalidade (sinal de letargia).
d) Peixes se raspando nas margens dos viveiros (também conhecido como
flashing) ou saltando para fora da água.
e) Alteração da coloração, por exemplo, produção excessiva de muco, o que
dá uma aparência opaca ao peixe.

Alguns desses sinais são representados na Figura 7.

B
A C

E
D F

Figura 7. Sinais e comportamentos de peixes doentes: peixes isolados do cardume ou agrupados próximos à
fonte de água do viveiro (A, B); peixe saltando para fora da água (C); natação irregular em círculos ou rodopio
(D); peixe com perda de equilíbrio (E); peixe apático (F) e peixe realizando flashing (G).
Fonte: Adaptado de Tavares-Dias et al. (2013).

Há outros sinais. Em tambaqui (Colossoma macropomum), por exemplo,


o aumento dos lábios inferiores é um indicativo de baixa concentração de
oxigênio na água (ver capítulo Qualidade da Água na Piscicultura) ou dificul-
dade das brânquias em fazer trocas gasosas. O comprometimento das trocas
gasosas pode ocorrer em virtude de altas concentrações de nitrito na água,
pela presença de parasitos em grande quantidade nas brânquias ou outra
doença que comprometa a estrutura das brânquias.

98 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Ao analisar o peixe, o que pode ser feito no momento da biometria, por


exemplo, deve-se realizar uma avaliação física mais detalhada, como:
a) Avaliar a coloração do corpo ou presença de manchas anormais; verificar
se a quantidade de muco está normal e procurar pela presença de parasi-
tos fixados externamente no corpo (Figura 8A).
b) Avaliar a integridade das nadadeiras, se há presença de lesões ou áreas
corroídas (Figura 8B).
c) Avaliar a coloração das brânquias, que não devem estar excessivamente
avermelhadas, pálidas ou amarronzadas, nem com áreas lesionadas; pro-
curar pela presença de lesões, parasitos ou estrutura anormal nos opércu-
los e nas brânquias (Figuras 8C e 8D).
d) Avaliar boca e narinas dos peixes, procurando pela presença de lesões,
parasitos ou estrutura anormal (Figura 8E).
e) Analisar os olhos, se há alteração de tamanho ou localização (exoftalmia,
que significa os olhos saltados da órbita); buscar pela presença de larvas
de parasitos em seu interior (Figura 8F).
f) Avaliar formato do corpo, se há aumento do volume corporal, em especial
na região ventral, indicativo de presença de líquido na cavidade (efusão
celomática).
g) Analisar o ânus, se há coloração avermelhada anormal, inchaço ou enrije-
cimento, ou presença de parasitos (Figura 8F).

Para facilitar o acompanhamento e intervenções no cultivo em casos de


problemas de saúde, bem como a busca por informações especializadas, é
importante registrar tanto as alterações de comportamento como os sinais
físicos de peixes doentes em planilhas para o registro do estado sanitário da
produção (Tabela 2) e, se possível, fazer registro de imagem (fotos ou vídeos)
para facilitar o acompanhamento técnico, que, muitas vezes, pode estar dis-
tante da propriedade.

Após essa avaliação inicial, já é possível tomar medidas de manejo de


água ou de tratamento; se isso não for possível, é preciso chamar um técnico
especializado para identificar, tratar a doença e orientar sobre métodos de
prevenção.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 99


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Fotos: A: Adriano Prysthon da Silva; B, C, D, E e F: Patricia Oliveira Maciel-Honda


A B

C D

E F

Figura 8. Sinais clínicos de peixes doentes: peixe com coloração do corpo alterada causada por um parasito
(A); peixe com nadadeiras corroídas (B); necrose nas brânquias (seta) (C); brânquias amarronzadas, causada
por um parasito (D); presença de um parasito no interior do olho (seta) (E) e na boca (F).

100 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Tabela 2. Controle do estado sanitário dos peixes*.


Viveiro: 5
Povoamento: Recria
Data: 01/04/2024
Número de peixes estocados: 500 alevinos de tambaqui de 5 g
Origem dos alevinos: Piscicultura Farol Azul
Estado de saúde dos peixes no momento do povoamento (p. ex.: alterações na colora-
ção, presença de machucados ou parasitos):
Peixes com natação normal, alguns animais apresentavam nadadeiras corroídas.
Fez quarentena ou algum tratamento sanitário preventivo? Substância utilizada e dose:
Foi feito banho de sal na caixa de transporte, antes do povoamento. 4,0 g/L por 30
minutos.
Tratamento sanitário
Mortalidade Médico-
Sinais de doença Subs- Dose, tempo e
Data após veterinário
/ Diagnóstico tância frequência de tratamento responsável
utilizada administração
Na biometria
mensal, não
01/05/2024 foram obser- - - - -
vados sinais de
doenças.
Peixes boquejan-
do na superfície
da água. Oxigê-
Não foi Não houve
nio dissolvido Não foi feito Dr. Roberto
01/10/2024 feito tra- mortalida-
estava baixo tratamento. Alves
tamento. de.
pela manhã. Não
foram diagnosti-
cados parasitos.

*Vide Apêndice para acessar essa tabela no formato para impressão.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 101


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Não utilizar medicamentos indiscriminadamente


ou sem orientação especializada

O uso indiscriminado ou inadequado de medicamentos pode causar da-


nos ao ambiente e ao animal da criação. No caso do ambiente, pode compro-
meter a qualidade da água, além de deixar resíduos dos medicamentos na
carne do pescado, o que é prejudicial para a saúde do consumidor, podendo
comprometer a comercialização do produto. No caso dos peixes, o tratamen-
to pode não funcionar, e pior que isso: poderá ser tóxico para os peixes e
levá-los à morte. Quanto ao uso de antibióticos, o problema é ainda maior,
pois pode aumentar a resistência das bactérias patogênicas e oportunistas.

Para realizar qualquer tipo de tratamento nos peixes de criação, uma


diversidade de fatores deve ser considerada, sendo o principal deles o diag-
nóstico da doença e da sua causa. Somente de posse dessas informações é
que será possível pensar na possibilidade de tratamento, que nem sempre
implica o uso de produtos químicos ou antibióticos.

O uso de medicamentos deve ser feito sempre sob a orientação de um


profissional especializado.

Prevenção de transmissão de doenças

A adoção de medidas simples pode evitar a transmissão de doenças na


piscicultura. Essa transmissão pode ser: (a) de um animal doente para outro
sadio, pelo contato direto entre eles; (b) do ambiente contaminado para o
peixe sadio, pelo contato com a água contaminada, ou pela ingestão dela;
(c) pela ingestão de alimento contaminado; e (d) pelo contato com utensílios
contaminados (redes, puçás, baldes, peneiras, etc.). Dessa forma, as medidas
preventivas são:
• Quando houver mortalidade de peixes no viveiro, retirar os animais mortos
diariamente, pois eles transmitem doenças facilmente para animais sadios
e comprometem a qualidade da água (Figura 9).

102 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

Foto: Patricia Oliveira Maciel-Honda.


Figura 9. Animais mortos, flutuando na superfície da água, devem ser retirados.

• Manter a entrada de água independente da saída de água, bem como


evitar comunicação entre viveiros (para mais informações, ver capítulo
Construção de Viveiros Escavados). Isso impede que a água de um viveiro
com problemas sanitários (como peixes morrendo por doenças infeccio-
sas) seja transferida para outro viveiro com peixes sadios.
• Evitar a entrada de animais doentes na propriedade, principalmente por
meio dos alevinos, o que é mais comum.
• Realizar a desinfecção dos utensílios da criação, principalmente em casos
de viveiros com ocorrência ou suspeita de doenças. A desinfecção é feita
lavando-se todos os utensílios com água corrente, para a retirada do ma-
terial em suspensão. Em seguida, aplicar um desinfetante, como o cloro,
que pode ser diluído na proporção de 10 mL de água sanitária comercial
para cada 1 litro de água, e manter em exposição por 1 hora (Lima et al.,
2017). Depois disso, enxaguar os utensílios em água corrente para retira-
da de qualquer resíduo.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 103


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

• Evitar compartilhar utensílios da criação (principalmente redes e puçás)


entre propriedades e também entre diferentes setores da mesma proprie-
dade, período entre a alevinagem e a engorda.
• Realizar a desinfecção do viveiro a cada ciclo de produção ou, quando for
necessário, esvaziar um viveiro por motivo de problemas sanitários (seguir
recomendações do capítulo Preparação de viveiros e produção de peixes).
• Controlar a presença de animais que funcionem como hospedeiros interme-
diários de doenças, como aves, moluscos, sapos e peixes invasores. O empre-
go de telas finas, como as usadas para coletar plâncton, na entrada de água
dos viveiros é um método eficiente no controle de larvas e ovos de peixes in-
vasores, e até mesmo de parasitos. Deve ser instalada na forma de um saco,
para evitar o entupimento do tubo de abastecimento. O acesso de aves pode
ser controlado com o uso de telas antipássaros (ver capítulos Construção de
Viveiros Escavados e Preparação de Viveiros e Produção de Peixes).
• Armazenar as rações de forma adequada (ver capítulo Manejo Alimentar)
para evitar crescimento de fungos que produzem toxinas (micotoxinas),
que, se ingeridas pelos peixes, provocam a diminuição da resistência a
doenças, a redução do seu crescimento e, em longo prazo, até mesmo a
morte dos animais.

Considerações finais

Em resumo, é importante estar atento aos fatores relacionados com a


redução da resistência dos peixes a doenças, como o estresse, as alterações
na qualidade da água, a alimentação inadequada, a exposição a produtos
químicos oriundos de tratamentos inadequados, ou até mesmo da origem da
água de abastecimento, que pode estar contaminada. Vale ressaltar que ge-
ralmente a suscetibilidade a doenças é maior em peixes nas fases iniciais de
desenvolvimento (larvas e alevinos) em comparação a peixes adultos, pois,
naqueles, o sistema de defesa imunológica ainda não está completamente
formado. Por isso, outra recomendação é não manter, no mesmo viveiro, pei-
xes jovens e peixes adultos. E ainda, manter um distanciamento entre vivei-
ros povoados com peixes jovens e peixes adultos.

104 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 6
Cuidados com a saúde dos peixes

A possibilidade de ocorrência de doenças é maior quando a qualidade da


água está inadequada, pois expõe o peixe a um estresse crônico que afeta o
seu bem-estar. Esse fenômeno pode acontecer durante os períodos mais frios
do ano ou quando há uma queda ou aumentos repentinos de temperatura ou
inversão térmica. A temperatura está diretamente ligada ao funcionamento
normal dos sistemas de defesa dos peixes. Do mesmo modo, uma dieta nutri-
cionalmente deficiente e/ou fornecida de forma inadequada compromete o
crescimento e o sistema imunológico do peixe, reduzindo sua capacidade de
combater os patógenos. Confirma-se, dessa forma, a importância dos cuida-
dos listados que irão impactar na boa saúde dos peixes da criação.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 105


Acompanhamento
técnico da produção

Introdução

T
oda piscicultura, independentemente do tamanho ou sistema produ-
tivo adotado, requer um acompanhamento que permita avaliar seu
desempenho técnico, ou seja, o crescimento, a eficiência produtiva e
a saúde dos peixes. Um dos principais manejos é a biometria periódica do
lote em produção. Na biometria, parte dos peixes cultivados é amostrada
para que sejam registradas informações de interesse, como peso e estado de
saúde dos animais (Figura 1). De posse dos dados de peso dos peixes, é pos-
sível calcular diversos índices de desempenho, que permitirão acompanhar
e realizar ajustes no manejo da produção, principalmente na alimentação.

A B

Figura 1. Exemplo ilustrativo de amostragem dos peixes cultivados para a realização de biometria (A) e acom-
panhamento do crescimento e do estado sanitário (B).
Ilustração: Jefferson Cristiano Christofoletti

106 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Da mesma forma, se observada alguma alteração física ou comportamental


nos peixes que indique um problema de saúde, pode-se investigar a causa e
corrigir. Este capítulo apresenta o procedimento de biometria, os principais
índices de desempenho produtivo e algumas sugestões de planilhas que au-
xiliarão o produtor no acompanhamento de sua piscicultura.

Biometria

As biometrias devem ser incorporadas à rotina do cultivo e realizadas,


preferencialmente, a cada 15 ou 30 dias. Nesse período, os peixes terão
crescido o suficiente para receberem um ajuste na quantidade de ração e
frequência de alimentação. Intervalos maiores que 30 dias podem resultar
em deficiência no crescimento ou em mau aproveitamento da ração, por
falta de adequação da quantidade de alimento às necessidades dos ani-
mais. Biometrias quinzenais são indicadas nas fases iniciais do desenvolvi-
mento dos peixes (fase de recria), quando a velocidade de crescimento é
maior e, consequentemente, os ajustes na alimentação devem ser feitos
em um intervalo de tempo menor.

Antes de iniciar a biometria, é importante que os materiais necessários


estejam separados e prontamente disponíveis, de forma a minimizar o tem-
po de execução total do procedimento (Figura 2). São eles:
• Prancheta, folha de papel ou caderno, lápis, borracha e calculadora para
registro e cálculos das medidas que serão tomadas.
• Rede de arrasto (preferencialmente) ou tarrafa para capturar os peixes no
viveiro.
• Puçá, sal e balde para o manuseio dos peixes.
• Balança portátil para a pesagem dos peixes.

Cuidados no planejamento da biometria


• Os peixes devem estar em jejum por um período de 24 horas antes da
biometria.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 107


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Fotos: Adriana Ferreira Lima


A B C

D E F G

Figura 2. Materiais necessários para a realização da biometria: prancheta, papel, lápis e calculadora (A); puçá
(B); tarrafa (C); sal (D); balança (E); balde (F); rede (G).

• Deve-se realizar esse procedimento no início da manhã, quando, então, a


temperatura e a incidência solar são amenas, diminuindo, assim, os fato-
res de estresse para os peixes.

Como fazer a biometria?

Captura dos peixes


A captura dos peixes pode ser feita de diversas formas. A mais recomen-
dada é com redes de arrasto de fios trançados (Figuras 2G e 3A), em vez
de fios de náilon, pois fios trançados evitam que o peixe seja emalhado e,
assim, sofra ferimentos no corpo. Contudo, no caso de viveiros ou barragens
profundas, isso nem sempre é possível. Como alternativa, é possível utilizar
tarrafas (Figuras 2C e 3B), embora o fio de náilon da tarrafa possa machucar
os animais.

Uma opção para a captura de peixes em reservatórios extensos, onde é


difícil a passagem de redes de arrasto ou o uso de tarrafas, é acostumar os
peixes a se alimentar em um determinado local durante todo o cultivo. No

108 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Fotos: Adriana Ferreira Lima


A B

Figura 3. Utilização de rede de arrasto (A) e tarrafa (B) para captura de peixes para biometria.

momento da captura, oferta-se uma quantia pequena de ração, a fim de con-


centrar os peixes nesse local e facilitar a despesca. Essa estratégia, porém,
só deve ser utilizada nessa situação, pois o arraçoamento em local pontual
do viveiro não é recomendado. Além disso, tal prática “quebra” o jejum dos
animais antes da despesca, podendo influenciar o peso dos peixes, superes-
timando-o.

Passagem da rede
As recomendações para passagem da rede são:
• Passar a rede em uma área do viveiro com tamanho suficiente apenas
para capturar a quantidade de animais necessária para o procedimento
de biometria.
• Verificar se a chumbada da rede está realmente passando no fundo do
tanque, impedindo a fuga dos peixes por baixo da rede.
• Realizar esse manejo preferencialmente com o auxílio de uma pessoa,
para cada 3 m de rede (Figura 4A).
• Passar a rede até as extremidades do viveiro, não dando oportunidade de
fuga aos animais, pelas laterais (Figura 3A).
• Manter os peixes capturados sempre em um “bolsão” feito com a própria
rede de arrasto e o uso de “mortos” dentro da água e próximo da entrada
de água do viveiro (Figura 4B).
• Não deixar os animais presos na rede por um longo tempo durante o pro-
cedimento de biometria.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 109


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Fotos: Ana Paula Oeda Rodrigues


A B

Figura 4. Passagem de rede em viveiro de piscicultura, sendo recomendada a distância de uma pessoa para
cada 3 m de rede (A). Concentração dos peixes em “bolsão” feito com a rede de arrasto e auxílio de “mortos”
para amostragem para biometria (B).

Quantidade de peixes amostrados


A quantidade de peixes a ser amostrada varia de acordo com a quantida-
de de animais estocados no viveiro. Em geral, cerca de 30 peixes devem ser
pesados (número mínimo para garantir a representatividade do lote de pei-
xes do viveiro). Se a quantidade de peixes estocados for elevada, recomenda-
-se pesar um número maior de animais: em torno de 3% do total.

Pesagem
Os peixes podem ser pesados em grupos, com o uso de um balde conten-
do água (Figura 5) ou de um puçá (Figura 6) ou sacola (Figura 7), que geralmen-
te são utilizados na pesagem de peixes maiores (Figuras 6 e 7). Antes de iniciar
a pesagem dos peixes, é preciso pesar o balde com água (Figura 5A) ou o puçá
molhado (Figura 6A) ou a sacola molhada, para subtrair esse peso do peso final
(peso do balde com água ou do puçá molhado ou da sacola molhada com os
peixes). Ao final da pesagem, o número de peixes de cada amostra deve ser re-
gistrado para o cálculo do peso médio individual. Quando a pesagem for reali-
zada em balde com água, recomenda-se adicionar sal, na quantidade de 4 g L-1,
diluindo-o na água, preferencialmente antes de colocar os peixes (Figura 5B).
O sal estimula a produção de muco, que é uma proteção natural dos peixes.

Na Tabela 1 mostram-se quais dados devem ser registrados durante a


biometria.

110 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Fotos: Adriana Ferreira Lima


A B C

Figura 5. Procedimento de pesagem dos peixes no balde: pesagem do balde com água (A); adição de sal na
água (B) e pesagem do balde com peixes (C).

Fotos: Adriana Ferreira Lima


A B

Figura 6. Procedimento de pesagem dos peixes no puçá: pesagem do puçá molhado (A); pesagem do puçá
com os peixes (B).

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 111


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Foto: Ana Paula Oeda Rodrigues


Figura 7. Procedimento de pesagem dos peixes em sacola, cujo peso molhado deve ser registrado antes para
posterior dedução do peso da sacola molhada com os peixes.

Tabela 1. Exemplo de informações que devem ser registradas no momento da biometria,


utilizando-se balde, puçá ou sacola.
Dado Exemplo
Balde
Peso balde + água 4.230 g
Peso balde + água + peixes 7.750 g
Número de peixes amostrados 32 peixes
Número total de peixes no viveiro 355 peixes
Puçá
Peso puçá molhado 2.250 g
Peso puçá molhado + peixes 5.770 g
Número de peixes amostrados 32 peixes
Número total de peixes no viveiro 355 peixes
Sacola
Peso sacola molhada 900 g
Peso sacola molhada + peixes 4.420 g
Número de peixes amostrados 32 peixes
Número total de peixes no viveiro 355 peixes

112 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Avaliação do estado de saúde


O estado de saúde pode ser avaliado com base nas características exter-
nas do peixe, como alterações na coloração e presença de lesões ou parasitos
(outras informações estão descritas no capítulo Cuidados com a saúde dos
peixes).

Devolução dos peixes ao viveiro


Depois da pesagem, os peixes devem ser delicadamente devolvidos ao vi-
veiro.

Cálculo do peso dos peixes


Com as informações da Tabela 1, é possível calcular o peso médio dos
peixes, como descrito a seguir.
• Quando utilizar balde:

Peso médio individual dos peixes = [(peso balde + água + peixe) -


(peso balde + água)] / número de peixes amostrados

Peso médio individual dos peixes = (7.750 - 4.230) / 32 = 110 g

• Quando utilizar puçá:

Peso médio individual dos peixes = [(peso puçá molhado + peixe) -


(peso puçá molhado)] / número de peixes amostrados

Peso médio individual dos peixes = (5.770 - 2.250) / 32 = 110 g

• Quando utilizar a sacola:

Peso médio individual dos peixes = [(peso sacola molhada + peixe) -


(peso sacola molhada)] / número de peixes amostrados

Peso médio individual dos peixes = (4.420 - 900) / 32 = 110 g

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 113


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

De posse do peso médio individual dos peixes, é possível calcular a bio-


massa de peixes no viveiro. Para cálculo da biomassa, é necessário que o pro-
dutor saiba o número de peixes estocados inicialmente no viveiro, subtraindo
desse número a mortalidade registrada até a data da biometria.

Biomassa total = número de peixes no viveiro × peso médio individual do peixe

Biomassa total = 355 × 110 = 39.050 g ou 39 kg

A biomassa será utilizada nos cálculos de ajuste de alimentação e con-


versão alimentar, conforme descrito no capítulo Manejo alimentar e aqui
exemplificado:

Quantidade de ração recomendada para tambaqui (Colossoma macro-


pomum) de 110 g = 3% da biomassa:

Ajuste na ração = (3% × 39 kg) / 100 = 1,17 kg de ração, a ser distribuída


ao longo do dia em duas refeições (585 g de ração por refeição)

Nas Tabelas 2 e 3 apresentam-se sugestões de planilhas para o preenchi-


mento de dados durante a biometria e controle da mortalidade e número de
peixes no viveiro, respectivamente.

Considerações importantes
• Poderão ocorrer mortalidades até 48 horas após o manejo de biometria,
se essa não tiver sido realizada adequadamente.
• Durante a biometria, os peixes devem ser manejados com cuidado, pois
qualquer machucado pode contribuir para o aparecimento de doenças e
levar os animais à morte (para mais informações ver capítulo de Cuidados
com a saúde dos peixes).
• O manejo deve ser rápido, de forma a evitar que os peixes fiquem presos
na rede ou expostos ao ar por muito tempo.

114 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Tabela 2. Exemplo de ficha de campo pré-preenchida durante o procedimento de biometria*.


Viveiro: 4
Data: 02/05/2024
Peso (Balde Peso (Balde + Nº peixes Peso (Peixe Peso (Peixe
Pesagem
+ água(1)) água + peixe(1)) por balde(1) total) individual)
1 4.230 g 7.750 g 32 3.520 110 g
2 4.000 g 7.200 g 30 3.200 107 g
3 3.900 g 7.500 30 3.600 120 g
4
5
Peso médio individual do peixe (g ou kg) 112 g
Número de peixes total no viveiro 300
Biomassa total (kg) 33,6 kg
Quantidade de ração ajustada (g ou kg) 1 kg
Estado de saúde dos peixes – Sinais observados (p.ex.: alterações na coloração, presença
de machucados ou parasitos)
Peixes com aspecto saudável, presença de muco e sem lesões corporais.
Foi encontrado um peixe torto, o qual era menor que os demais amostrados.
* Vide Apêndice I para acessar essa tabela no formato para impressão.
(1)
Informações registradas no momento do manejo com os peixes. Posteriormente, as demais informações são calcula-
das. Se for realizar a pesagem com puçá ou sacola, substituir “Balde + Água” por “Puçá ou Sacola Molhada” e “Balde +
Água + Peixe” por “Puçá ou Sacola Molhada + Peixe”.

Tabela 3. Exemplo de registro de mortalidade e despesca parcial dos peixes*.


Viveiro: 4
Número de peixes estocados: 320
Nº peixes Nº peixes
Data Estado de saúde / Sinais observados
mortos despescados(1)
Corpo embranquecido (mortalidade após
01/03/2024 14
povoamento)
Peixes moribundos, nadando sozinhos na
02/03/2024 5 lateral do viveiro, aspecto semelhante ao do
dia anterior
03/03/2024 1 Idem ao dia anterior

Número de peixes total: 300


* Vide Apêndice I para acessar essa tabela na forma de tabela para impressão.
(1)
Refere-se aos peixes retirados do viveiro, seja por ajuste na densidade, classificação ou comercialização.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 115


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Índices de desempenho produtivo

Além dos dados obtidos com a biometria, outras informações devem ser
coletadas ao longo do cultivo, para seu adequado acompanhamento. Neste
item, trataremos apenas dos dados técnicos do cultivo que devem ser moni-
torados. Os dados econômicos serão tratados no capítulo Controle de custos
de produção e comercialização.

Taxa de sobrevivência
É um bom parâmetro para o produtor verificar como está seu cultivo,
em termos de alimentação, qualidade da água e estado sanitário dos peixes.
Uma taxa de sobrevivência adequada deve estar em torno de 70 a 90% ao
final do cultivo.

Taxa de sobrevivência (%) = [(nº de peixes estocados –


nº de peixes mortos) × 100] / nº de peixes estocados

Ganho de peso (ganho de peso = peso final - peso inicial)


Permite avaliar se os peixes estão crescendo. Na maior parte do cultivo,
o ganho de peso deve ser positivo e crescente (Figura 8). Porém, próximo ao
final do cultivo, é esperado que o ganho de peso sofra redução, por causa da
diminuição da velocidade de crescimento (o que não deve implicar perda de
peso, preferencialmente) (Figura 8). Nesse ponto, os peixes estão próximos
da despesca, e o produtor deve ficar atento para não perder o tempo ade-
quado de comercializá-los. A perda de peso antes do tempo esperado é um
indicativo de baixa produtividade do sistema de produção. Se isso ocorrer, o
produtor deverá investigar imediatamente as causas do problema e tomar as
medidas necessárias para cessar ou amenizar a situação.

Ganho de biomassa (ganho de biomassa = [(peso final x número de


peixes no final) – (peso inicial x número de peixes no início)])
Permite avaliar o ganho de biomassa do viveiro, com base na diferença
entre a biomassa final despescada e a biomassa inicial estocada.

116 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Ganho em peso

Tempo

Figura 8. Evolução esperada da curva de ganho em peso ao longo do cultivo. O ganho em peso é crescente
durante a maior parte do cultivo (chave verde) e começa a decrescer na fase final de engorda ou terminação
(chave vermelha).

Conversão alimentar1
É a relação entre a quantidade de ração consumida e o ganho de bio-
massa do viveiro no período, sendo usada para avaliar a eficiência alimentar
no cultivo. Quanto menor a taxa de conversão alimentar, maior a conversão
do alimento fornecido em crescimento. Uma conversão alimentar próxima a
1,5 é considerada satisfatória. Ou seja, para o peixe engordar 1 kg, o ideal é
que ele coma cerca de 1,5 kg de ração. Na fase inicial do ciclo produtivo (fase
de recria), os peixes costumam apresentar maior eficiência alimentar, por
causa da maior velocidade de crescimento, sendo comum encontrar taxas
de conversão em torno de 1,0 a 1,2. Para uma estimativa adequada da con-
versão alimentar, é importante que não haja sobras durante a alimentação e
que o registro da quantidade de alimento consumido por tanque seja feito
diariamente.

Conversão alimentar no viveiro = quantidade de ração fornecida no


período / ganho de biomassa no período

1
Um exemplo de cálculo de conversão alimentar e de planilha para controle da alimentação dos peixes é
dado no capítulo Manejo alimentar.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 117


CAPÍTULO 7
Acompanhamento técnico da produção

Produtividade
Medida que informa o quanto se produziu em peso de peixe por unidade
de área. Por exemplo, ao final do cultivo, a biomassa final em um viveiro de
1.000 m² foi 300 kg. Logo, a produtividade desse viveiro foi igual a 0,3 kg de
peixe por metro quadrado de lâmina d’água.

Produtividade = Biomassa final do viveiro / área em lâmina d’água do viveiro

118 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Boas práticas para a
conservação do pescado

Introdução

E
ste capítulo apresenta as principais informações para uma adequada
conservação do pescado em pisciculturas familiares. Esse conhecimen-
to servirá como orientação para toda e qualquer manipulação do peixe
recém-capturado, garantindo qualidade e segurança durante sua comercia-
lização e seu consumo. Ademais, serão apresentadas características para a
identificação do produto fresco, possibilitando ao produtor reconhecer atri-
butos desejáveis no peixe, seja para venda, seja para consumo próprio.

Definição de “pescado”

“Pescado” são todos os organismos aquáticos que possam ser utilizados


na alimentação humana. São alguns exemplos: peixes [tambaqui (Colosso-
ma macropomum), caranha (Piaractus brachypomus), tilápia (Oreochromis
niloticus) e surubim (Pseudoplatystoma corruscans)], crustáceos [camarão,
lagosta e caranguejo], moluscos [lula, polvo], anfíbios [rã (Rana sp.)], répteis
(jacarés, quelônios) e algumas algas.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 119


CAPÍTULO 8
Boas práticas para a conservação do pescado

Deterioração do pescado

O pescado é um alimento com excelente valor nutricional, sendo, po-


rém, altamente perecível. Isso quer dizer que um peixe mal conservado vai
estragar rapidamente e se tornará impróprio para a alimentação, podendo
causar doenças veiculadas por bactérias que encontraram no peixe um am-
biente propício para sua multiplicação.

Depois da despesca, por exemplo, se o peixe for exposto à temperatura


ambiente, rapidamente essas bactérias começarão a se proliferar e a estragar
a matéria-prima. Além de causar mau cheiro, essa deterioração é prejudicial
para a saúde do consumidor. Para evitar que isso aconteça, existem três im-
portantes fatores: tempo, temperatura e higiene, que devem ser rigorosa-
mente observados durante a manipulação do pescado, desde a despesca até
a comercialização, incluindo o preparo para o consumo (Figura 1).

Tempo Temperatura
Demorar muito Deixar o peixe
para fazer o em temperatura
processamento ambiente

Higiene
Manter um ambiente sujo
e neglicenciar a higiene
pessoal do manipulador

Figura 1. Fatores que aceleram a deterioração do pescado.


Fonte: Lima e Kirschnik (2013).

120 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 8
Boas práticas para a conservação do pescado

Recomendações práticas para melhor conservar o peixe

Antes de qualquer manipulação, é preciso que os produtores de peixes


tenham consciência dos fatores que interferem na qualidade do pescado de-
pois da despesca. Com a morte do animal, perdem-se todas as defesas na-
turais que eram importantes para a saúde do peixe em vida. A partir desse
ponto, iniciam-se os processos de deterioração caso não sejam respeitadas
as recomendações a seguir:
• Toda a manipulação do pescado deve ser feita o mais rápido possível. De-
ve-se evitar deixar o peixe exposto a altas temperaturas por muito tempo,
pois isso vai permitir o início dos processos que estragam o peixe.
• O tempo é um grande aliado das bactérias. Elas certamente vão se desen-
volver no peixe e, em questão de horas, o produto não poderá mais ser
consumido.
• O tempo é também um grande aliado das enzimas (substâncias que exis-
tem no próprio peixe) que destroem o pescado. Mesmo se conservado,
alterações poderão ocorrer se o prazo de validade for ultrapassado.
• Imediatamente após a captura ou a despesca, o peixe deve ser mantido
em temperaturas baixas, próximas de 0 °C. Normalmente se faz isso com
o uso do gelo fabricado com água limpa e, de preferência, em formato de
escamas, ou bem triturado, para não furar ou amassar o peixe (Figura 2).

Foto: Leandro Kanamaru Franco de Lima

Figura 2. Acondicionamento de peixe com gelo em formato de escamas.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 121


CAPÍTULO 8
Boas práticas para a conservação do pescado

Adicionalmente, o acondicionamento desse pescado deve ser realizado,


preferencialmente, em caixas térmicas limpas indicadas para a conserva-
ção do gelo por mais tempo.
• A temperatura do ambiente em que vivemos é muito importante para a
vida das bactérias que causam doenças e contaminam o produto. Portan-
to, nunca deixe o peixe exposto por muito tempo em locais sem gelo ou
fora de refrigeradores ou freezers.
• Altas temperaturas (cozimento) destroem grande parte das bactérias
ruins, enquanto baixas temperaturas (resfriamento) diminuem sua mul-
tiplicação e retardam a ação das enzimas que destroem a carne do peixe,
causando o amolecimento. Por isso, é importante colocar bastante gelo
em contato com os peixes (proporção de aproximadamente duas partes
de gelo para uma parte de peixe).
• O gelo também deve ser bem distribuído sobre o peixe, de forma que envol-
va completamente o produto. Cuidar, então, que nenhuma parte do peixe
fique exposta, deixando, assim, de ser protegida pela baixa temperatura.
• Todos os utensílios utilizados durante a manipulação do peixe devem estar
sempre limpos, principalmente antes de cada processamento (mesas, fa-
cas, afiadores, tábuas de corte, caixas de plástico, etc.). Essa prática de roti-
na visa prevenir a formação de crostas (também conhecidas como biofilme)
que contenham uma grande quantidade de bactérias, e de difícil remoção.
• Para processar o peixe, evite usar materiais feitos de madeira, como cai-
xas, tábuas, mesas, cabo de facas ou afiadores, entre outros. A madeira
acumula sujeira, que é difícil de limpar. O adequado é utilizar material em
inox, plástico ou polipropileno, muito comuns nas indústrias de processa-
mento de alimento (Figura 3).
• Se for manipular o pescado, utilize vestimentas adequadas e limpas (aven-
tal, botas, gorros, máscaras, etc.). Evite usar relógio, anéis, correntes, es-
malte nas unhas ou qualquer outro tipo de acessório durante o processa-
mento do peixe, pois são difíceis de limpar.
• A higiene pessoal é fundamental, ou seja, antes de qualquer manipulação,
lave as mãos, desde o antebraço até as pontas dos dedos, com sabonete
antibacteriano e água limpa (clorada).
• A falta de higiene, tanto do pessoal quanto do local de manipulação do
peixe, é o que a bactéria necessita para se instalar e se multiplicar.

122 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 8
Boas práticas para a conservação do pescado

Foto: Leandro Kanamaru Franco de Lima


Figura 3. Facas de processamento de pescado com cabo em polipropileno.

Características do peixe fresco

Peixe fresco é aquele que só foi submetido à exposição ao gelo, ou seja,


não passou por outros tipos de conservação, como o congelamento, a salga, a
desidratação e a defumação. Saber identificar um pescado fresco dá garantia
ao piscicultor de colocar à venda, no mercado, um produto saudável, seguro
para consumo alheio e, claro, para o próprio consumo. Seguem algumas di-
cas importantes que ajudam a identificar o frescor dos peixes (Figuras 4 a 9).

Foto: Leandro Kanamaru Franco de Lima

Figura 4. Olhos transparentes, vivos, brilhantes e salientes, ocupando totalmente as órbitas (seta).

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 123


CAPÍTULO 8
Boas práticas para a conservação do pescado

Foto: Leandro Kanamaru Franco de Lima


Figura 5. Brânquias (seta) róseas ou vermelhas, úmidas e brilhantes, e com o opérculo (seta pontilhada)
(estrutura dura cobrindo as brânquias) rígido.

Foto: Leandro Kanamaru Franco de Lima

Figura 6. Escamas brilhantes e bem aderidas ao corpo do peixe.

124 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 8
Boas práticas para a conservação do pescado

Fotos: Leandro Kanamaru Franco de Lima


Figura 7. Nadadeiras resistentes à movimentação Figura 8. Superfície do corpo limpa, sem excesso
(sem deformação ou amolecidas). de muco, aparentando brilho metálico e odor su-
ave ou ausente.

Foto: Leandro Kanamaru Franco de Lima

Figura 9. Carne firme, com consistência elástica e coloração própria da espécie. Peixes não eviscerados
com os órgãos internos bem definidos.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 125


Controle de custos de
produção e comercialização

Introdução

A
ssim como outras atividades agropecuárias, a piscicultura deve ser
sempre bem planejada, para que se tenha o controle do quanto se
gasta e do quanto se lucra com o peixe. Assim, as anotações dos custos
são importantes para orientar o manejo, a comercialização e o acompanha-
mento da piscicultura. Os custos da piscicultura podem ser divididos em duas
partes: custos de implantação e custos de produção.

Custos de implantação

São os gastos com todos os investimentos necessários para a infraestru-


tura da piscicultura, como a compra da terra, a terraplanagem, os serviços de
movimentação de terra, a aquisição de equipamentos de uso na piscicultura
(aeradores, tratores, balança, redes, etc.), os custos com os projetos de licen-
ciamento, de consultorias, entre outros (Figura 1).

Custos de produção

São os gastos com todos os insumos e serviços utilizados direta e cons-


tantemente na produção do peixe. Os principais custos de produção de uma

126 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

Fotos: Manoel Xavier Pedroza Filho


A B

C D

Figura 1. Exemplos de custos de implantação ou investimentos: com a compra da propriedade (A); com pro-
jetos e licenças (B); com máquinas e equipamentos (C); com a construção de viveiros (D).

piscicultura provêm da compra dos insumos (alevinos, ração, adubo, etc.), do


pagamento da mão de obra e de despesas com energia elétrica, manutenção
da infraestrutura, manejo e despesca (Figura 2).

Neste capítulo, será feita a análise da rentabilidade da piscicultura, consi-


derando-se para o cálculo dos custos de produção apenas os itens de custeio
e de investimento. A análise considerou uma situação na qual o piscicultor
familiar utilize sua própria mão de obra, não havendo, portanto, necessidade
de empregados.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 127


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

Fotos: A: Ana Paula Oeda Rodrigues; B, C e D: Manoel Xavier Pedroza Filho


A D

Figura 2. Exemplos de custos de produção: alevinos (A); mão de obra (B); manutenção de viveiros e equipa-
mentos (C); energia elétrica (D).

Análise econômica dos custos de produção

Para a análise econômica dos custos de produção da piscicultura, o pro-


dutor deve conhecer os seguintes conceitos:
• Custos (gastos): são valores relacionados aos insumos ou serviços utiliza-
dos na produção do peixe. Os gastos podem ser com ração, alevinos, mão
de obra, energia, aluguel e tudo o que está relacionado à produção.

128 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

• Custo total: é a soma de tudo o que foi gasto na produção, desde a pre-
paração dos tanques para receber os alevinos até a despesca. Ou seja, os
custos diretos e indiretos.
• Receita (apurada): é o valor recebido com a venda dos peixes. Para calcu-
lar deve-se multiplicar a quantidade vendida pelo preço do produto.
• Lucro: é a diferença entre a receita e os custos. A piscicultura é econo-
micamente viável quando a diferença entre a receita total e o custo total
de produção é positiva. A receita com a venda do peixe deve cobrir pelo
menos os gastos com a produção, para não ter prejuízo. Ou seja, Lucro =
Receita total - Custo total de produção.

Cálculo de análise econômica da piscicultura


Para esse cálculo, serão utilizados, como exemplo, os custos de produ-
ção e receita observados para um piscicultor que criou peixe em um viveiro
escavado de 1.000 m². Os itens da lista são um bom indicativo dos gastos
necessários para um ciclo de produção de uma piscicultura familiar, conside-
rando-se os seguintes parâmetros zootécnicos: duração do ciclo de 10 meses,
mortalidade de 10%, conversão alimentar de 1,7 (ou seja, 1,7 kg de ração
para cada quilograma de tambaqui produzido), densidade final de 0,8 peixe
por metro quadrado, peso inicial do alevino de 4 g e peso de abate de 2 kg.

Na Tabela 1, estão listados os itens necessários para o cálculo do custo


de produção e da receita gerada em um ciclo de produção de peixe. Neste
exemplo, o piscicultor produziu 1.600 kg de peixe, o custo de produção foi
de R$ 12.000,00 e o custo por quilo de peixe foi de R$ 7,50. Para o cálculo do
custo por quilo, é necessário dividir o custo total da produção pela quantidade
produzida:

Custo por quilo = Custo de produção total/quantidade produzida

Assim, no exemplo utilizado, tem-se:

R$ 12.000,00/1.600 kg de peixe = R$ 7,50/kg de peixe

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 129


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

Tabela 1. Estimativa de custos de produção (diretos e indiretos) gerada para um ciclo de


produção de tambaqui em viveiro escavado de 1.000 m².
Item Quantidade Total (R$)
Alevinos 880 peixes 330,00
Ração 2.720 kg 9.520,00
Outros gastos (energia, combustível, sal, medicamentos,
- 1.500,00
adubos, manutenção equipamentos, etc.)
Custo Operacional Efetivo (COE) - 11.350,00
Amortização equipamentos (redes, puçás, balanças, etc.) - 150,00
Amortização investimento viveiro - 500,00
Custo Operacional Total (COT)(1) - 12.000,00
1.600 kg de
Quantidade de peixe produzida -
peixe
7,50 / kg de
Custo por quilograma de peixe produzido -
peixe
(1)
O COT apresentado aqui é parcial, pois não inclui outros itens, como impostos, taxas e custo de oportunidade da terra.

É importante destacar que, dos R$ 12.000,00 gastos no cultivo, o valor


de R$ 9.520,00 foi com ração. Ou seja, no caso desse piscicultor, a ração re-
presenta cerca de 80% do custo de produção. Isso demonstra a importância
de se realizar um bom manejo alimentar, a fim de garantir um melhor apro-
veitamento da ração (melhorando a conversão alimentar) e, consequente-
mente, uma boa lucratividade. Como trata-se de uma piscicultura com mão
de obra familiar, não foram incluídos gastos com contratação de empregado.

Cálculo da receita
A receita do piscicultor familiar é calculada considerando-se a quantida-
de de peixes produzida e vendida ao final do ciclo de produção e o preço que
o peixe foi vendido (Tabela 2). Para calcular a receita total, a quantidade de
peixes vendida deve ser multiplicada pelo preço de venda:

Quantidade vendida x Preço de venda = Receita total

130 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

Nesse exemplo, o preço do peixe vendido pelo piscicultor foi de R$ 9,00


por quilograma. Assim, para o cálculo da receita, tem-se:

1.600 kg de peixe x R$ 9,00/kg = R$ 14.400,00

Tabela 2. Receita gerada pela produção de peixes em viveiro escavado por um produtor.
Preço médio de venda por quilo R$ 9,00
Produção de peixe 1.600 kg
Receita R$ 14.400,00

Conhecidos os valores dos custos de produção e da receita total, é possí-


vel verificar se a produção de peixe é viável para o produtor, ou seja, se vale
a pena para o piscicultor produzir. Assim, é necessário que, com a venda dos
peixes, ele consiga recuperar o dinheiro gasto para fazer os peixes crescerem.

Cálculo do lucro
Considerando-se o exemplo anterior, o lucro médio encontrado foi:

R$ 14.400,00 (receita total) - R$ 12.000,00 (custo operacional total) =


R$ 2.400,00 (lucro bruto)

O resultado mostra que, caso o produtor consiga vender toda a sua pro-
dução de 1.600 kg de peixes ao preço médio de R$ 9,00 por quilograma, o
lucro será de R$ 2.400,00. É importante ressaltar que o lucro depende da
venda de toda a produção.

Planejamento da comercialização

É importante que o piscicultor fique atento às técnicas de comercializa-


ção e possua um bom relacionamento com os possíveis compradores. Além
disso, é preciso tomar cuidado com a fase final da produção, com a despes-

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 131


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

ca e o transporte, para que não haja diminuição do preço final, nem perda
da qualidade do produto. O planejamento da venda do peixe deve começar
antes de se iniciar a produção. Assim, é importante que o piscicultor faça
algumas perguntas para poder se planejar melhor:
• Como e onde vou vender meus peixes? Em venda direta ao cliente, em
feira livre, por intermédio de atravessadores, ou diretamente ao mercado
institucional de compras governamentais, como o Programa de Aquisi-
ção de Alimentos (PAA) ou o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(Pnae)? Ver Figura 3 deste capítulo.

Fotos: Manoel Xavier Pedroza Filho


A B

C D

E F

Figura 3. Principais canais de venda de peixe para piscicultura familiar: venda direta (A); feira livre (B); super-
mercado (C); peixarias (D); intermediários (atravessadores) (E); programas de compra direta de alimentos (F).

132 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

Esta é a primeira informação a ser levantada no planejamento da pis-


cicultura: o tipo de mercado onde o piscicultor vai vender seu produto
influencia diretamente a quantidade, a qualidade e o preço do peixe.

• Quantos quilos de peixe eu espero produzir? Os compradores para quem


eu pretendo vender podem absorver toda a minha produção?
As respostas a essas questões permitem ao produtor avaliar se os
possíveis compradores podem comprar toda a produção, assim como per-
mite dimensionar e planejar o armazenamento e o transporte da produ-
ção.

• Qual é o melhor período para a venda de peixe?


A procura por peixe varia conforme a época do ano. Por exemplo, em
comemorações religiosas (Semana Santa) ou eventos temáticos (festivais
de pescado), ela aumenta. É importante, portanto, que o piscicultor saiba
quais são essas épocas a fim de planejar as despescas para que possa ga-
rantir melhores ganhos.

• Qual o tipo do peixe desejado pelos compradores?


É importante entender qual a preferência do comprador com relação
ao tipo de peixe, no que se refere ao peso adequado (peixes grandes ou
pequenos), à apresentação do peixe (vivo ou abatido, inteiro ou eviscera-
do, com escama ou descamado, etc.) e ao preço que os consumidores es-
tão dispostos a pagar (peixes muito caros podem ter uma venda menor).
Todo esse planejamento evitará que o piscicultor ofereça um produto di-
ferente daquele que o comprador deseja. Fazer pesquisa de mercado, ou-
vindo o comprador, também é uma opção para que os produtores possam
saber mais sobre seu público-alvo.

• Como deve ser feito o transporte e a conservação dos peixes?


Como o peixe é altamente perecível, é importante que o transporte
seja bem planejado a fim de reduzir o tempo gasto até o mercado con-
sumidor e garantir a sua conservação. É preciso verificar os seguintes
pontos:

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 133


CAPÍTULO 9
Controle de custos de produção e comercialização

• Se as condições das estradas vão permitir transportar o peixe em um


tempo adequado e sem danificá-lo.
• Se existe refrigeração a fim de garantir a conservação do peixe ao lon-
go de todo o percurso (gelo, caixa térmica, caminhão refrigerado, etc.).
• No caso de peixe vivo, se dispõe de todos os equipamentos necessá-
rios (caixa para transporte, oxigenação, etc.).

Para mais informações sobre a conservação do pescado, ver o capítulo


Boas práticas para a conservação do pescado.

Dicas para melhorar a comercialização

A seguir, algumas dicas para melhorar a comercialização:


• Conhecer os canais de venda (peixaria, supermercado, consumidor,
etc.) de peixe disponíveis para a piscicultura familiar (Figura 3).
• Divulgar o produto e contatar os compradores antes da despesca.
• Escalonar a produção para poder fazer várias despescas ao longo do
ano (no caso de haver água e viveiros disponíveis).
• Determinar quantos quilos de peixe serão retirados em cada despesca,
a fim de evitar desperdício.
• Diversificar os compradores, diminuindo os riscos (calote, desistência
do pedido, etc.) de negociar com apenas um comprador.

134 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Formas associativistas
na piscicultura familiar

Introdução

E
ste capítulo apresenta as possíveis formas coletivas para organização de
piscicultores familiares, sejam no âmbito social ou produtivo, além de in-
formações sobre produção, comercialização e acesso às políticas públicas.

A piscicultura familiar ou de pequena escala tem ganhado destaque


como uma atividade viável e rentável no Brasil. Embora não seja uma prática
totalmente nova, ainda é considerada uma atividade em desenvolvimento e
com grande potencial de crescimento, quando comparada com outras ativi-
dades dedicadas à criação de animais. Por estar inserida na categoria da agri-
cultura familiar, essa atividade ainda carece de incentivos de investimentos
tecnológicos em infraestrutura, de assistência técnica e de políticas públicas
específicas. O piscicultor familiar no Brasil apresenta vários perfis, que se en-
caixam em dois principais grupos, como será detalhado na sequência.

O grupo dos piscicultores familiares de pequeno porte é assim caracteri-


zado em razão do tamanho de sua propriedade e da escala de produção. Em-
prega prioritariamente mão de obra familiar, embora também contrate em-
pregados fora do círculo familiar, bem como controla os custos de produção,
sendo a piscicultura a atividade principal da propriedade. O segundo grupo
corresponde a piscicultores familiares que criam peixes como complemen-
to de renda, diversificação da produção e aumento da segurança alimentar,

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 135


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

dedicando-se também a outras atividades agropecuárias (grãos, hortaliças,


bovinos, frangos, porcos, leite, ovos, entre outros produtos).

No Brasil, o conceito de agricultor familiar é definido de acordo com os


critérios e características para a identificação desse segmento. Segundo a Lei
nº 11.326/2006 (Brasil, 2006), corresponde:

[...] aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultanea-


mente, aos seguintes requisitos: I – não detenha, a qualquer título, área
maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II – utilize predominantemente
mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu esta-
belecimento ou empreendimento; III – tenha renda familiar predomi-
nantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio
estabelecimento ou empreendimento; IV – dirija seu estabelecimento ou
empreendimento com sua família.

Com efeito, mesmo considerando-se as variações regionais, o piscicultor


familiar está enquadrado nas características citadas.

Na agricultura familiar, como em outras atividades, trabalhar de forma


isolada para resolver questões individuais ou comunitárias nem sempre é o
caminho mais eficaz, sendo que a participação em organizações baseadas
na solidariedade pode representar uma oportunidade de se obter maiores
retornos em comparação ao desempenho individual. Deste modo, esforços
colaborativos geralmente oferecem uma maior probabilidade de resolver
problemas coletivamente, com ganhos superiores. Na próxima seção, serão
apresentadas as formas mais comuns de organização social e produtiva – as-
sociações e cooperativas – e as vantagens de se trabalhar em grupo.

Formas de associativismo

As pessoas costumam se associar por diversos motivos e interesses. Por


exemplo, algumas pessoas se associam em clubes esportivos para competir

136 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

e socializar, enquanto outras se juntam a grupos de voluntariado para con-


tribuir junto à comunidade. Além disso, muitos profissionais se associam em
sindicatos para fortalecer sua representação e defender seus direitos. Existe
também a união de pessoas, com a intenção de obter melhores resultados,
no que diz respeito ao desenvolvimento da área de atuação, como será de-
monstrado a seguir em relação aos piscicultores familiares.

Ao se conhecerem melhor, os membros de um grupo específico de pisci-


cultores, independentemente de pertencerem à mesma comunidade ou não,
têm a oportunidade de compartilhar seus desafios e vivências. Por meio da
exposição franca de suas realidades, eles podem colaborar na busca por solu-
ções conjuntas. É válido notar que essa dinâmica pode variar entre associações
e cooperativas. Nas associações, a proximidade pode promover um maior grau
de conhecimento mútuo entre os membros, enquanto nas cooperativas, es-
pecialmente as de maior porte, a proximidade pode não ser tão acentuada.
Nesses casos, a motivação para a adesão muitas vezes reside na percepção de
que a cooperação pode trazer benefícios significativos em relação às ativida-
des individuais. Um embasamento teórico mais profundo pode enriquecer a
análise desse fenômeno, oferecendo uma perspectiva mais científica e menos
baseada em senso comum. Uma vez que possibilita compreender as especifici-
dades e diferenças entre as cooperativas e associações, e dentro da realidade
de funcionamento de cada uma, o piscicultor familiar tem condições de fazer
a escolha referente à organização que mais se adeque as suas necessidades.

Assim, ao existirem questões em comum a serem resolvidas ou poten-


cializadas, um grupo pode ser legalmente constituído quando em comum
acordo resolvem se institucionalizar para a captação de recursos via políticas
públicas, comercialização ou representação, ou existe a situação correspon-
dente ao grupo informal, que ainda não amadureceu a ideia de formalização,
mas que está em processo de fortalecimento do grupo. A constituição legal de
grupos organizados acontece, geralmente, em associações ou cooperativas.

A associação é composta por um grupo organizado de pessoas, que de-


cide trabalhar em conjunto para resolver seus problemas, como em relação à
atividade piscícola. A consolidação da associação se dá por meio do estatuto,

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 137


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

que precisa ser construído, compreendido e validado por todos os associados.


Nesse estatuto deverá ser detalhada a forma como a associação funcionará,
seus objetivos, sua área de atuação, sua administração, o perfil dos associa-
dos, seus direitos e deveres, entre outros requisitos. Mas o principal objetivo
da associação é desempenhar ações representativas, que devem ser direta
e indiretamente voltadas para a satisfação das necessidades dos associados.

As cooperativas também são uma forma de organização associativista. É


importante ressaltar que não se pode separar o associativismo do cooperati-
vismo, pois se complementam. Em algumas situações, uma cooperativa nasce
de uma associação de pessoas, e sua continuidade e ampliação de atividades,
principalmente pela comercialização, dependem dessa forma de organização.
O que difere a cooperativa da associação é a forma de gestão voltada para o in-
teresse econômico, com a divisão, aos cooperados, de sobras em cotas propor-
cionais à entrega da produção, no período do exercício social da cooperativa.

É preciso ficar claro que ambas as formas jurídicas não possuem fins lu-
crativos, visto que são associações de pessoas e não de capital. Na Tabela 1,
são apresentados alguns conceitos básicos que diferenciam as duas formas
associativas no contexto brasileiro.

Tabela 1. Principais diferenças entre associação e cooperativa no Brasil.


Critério Associação Cooperativa
Sociedade de pessoas sem fins lucrati-
Sociedade de pessoas sem fins
Definição vos, porém com atuação na atividade
lucrativos
econômica (comercial)
Representar e defender os inte- Desenvolver atividades de consumo,
resses dos associados. Estimular produção, prestação de serviços, cré-
Finalidade
a melhoria técnica, profissional e dito e comercialização, de acordo com
social dos associados os interesses dos seus cooperados
Mínimo de 20 pessoas físicas (Lei nº
5.764/1971) e de 7 pessoas físicas no
Constituição Mínimo de duas pessoas
caso das cooperativas de trabalho (Lei
nº 12.690/2012)
Lei nº 5.764/71. Constituição (art.
Constituição (art. 5º, incisos XVII a
Legislação 5º. Incisos XVII a XXI e art. 174, § 2º).
XXI, e art. 174, § 2º). Código Civil
Código Civil. Lei nº 12.690/2012

138 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

Tabela 1. Continuação
Critério Associação Cooperativa
Seu patrimônio é formado por
Possui capital social, facilitando os
taxas pagas pelos associados, por
financiamentos requeridos a insti-
doações, por fundos e por re-
Patrimônio / tuições financeiras. O capital social é
servas. Não possui capital social.
Capital formado por cotas-partes, podendo
Sua ausência dificulta a obtenção
receber doações, empréstimos e
de financiamento de instituições
processos de capitalização
financeiras
Decisão em assembleia geral, em Decisão em assembleia geral, em que
que cada pessoa tem direito a um cada pessoa tem direito a um voto. As
Forma de gestão voto. As decisões devem sempre decisões devem sempre ser tomadas
ser tomadas com a participação e com a participação e o envolvimento
o envolvimento dos associados dos cooperados
A associação não tem como Realiza plena atividade comercial. Rea-
finalidade realizar atividades de liza operações financeiras e bancárias,
comércio, podendo realizá-las para e pode candidatar-se a empréstimos
Operações a implementação de seus obje- e aquisições do governo federal. As
tivos sociais, mas sem obtenção cooperativas de produtores rurais
de lucro. Pode realizar operações são beneficiárias do crédito rural de
financeiras e bancárias usuais repasse
Os cooperados não são responsáveis di-
Os associados não são responsá- retamente pelas obrigações contraídas
veis diretamente pelas obrigações pela cooperativa, a não ser no limite de
contraídas pela associação. A sua suas cotas-partes, e nos casos em que
Responsabilidades
diretoria só pode ser responsabili- for decidido que a sua responsabilidade
zada se agir sem o consentimento é ilimitada. A sua diretoria só pode ser
dos associados responsabilizada se agir sem o consen-
timento dos cooperados
Os dirigentes não recebem
remuneração pelo exercício de Os dirigentes podem ser remunerados
suas funções; recebem apenas por retiradas mensais pró-labore,
Remuneração
o reembolso das despesas rea- definidas pela assembleia, além do
lizadas para o desempenho dos reembolso de suas despesas
respectivos cargos
A escrituração contábil é mais comple-
xa em virtude do volume de negócios
Contabilidade Escrituração contábil simplificada e da necessidade de manter contabi-
lidades separadas para as operações
com os sócios e os não sócios
Após decisão em assembleia, as sobras
As possíveis sobras obtidas de são divididas de acordo com o volume
Resultados finan- operações entre os associados de operações/negócios de cada associa-
ceiros serão aplicadas na própria asso- do. Destinam-se 10% para o Fundo de
ciação Reserva e 5% para o Fundo de Assistên-
cia Técnica, Educacional e Social (Fates)
Fonte: Adaptado de Crefito-8 (2014).

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 139


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

O compartilhamento de informações, tanto em associações quanto em


cooperativas, precisa ser feito periodicamente em espaços de discussão co-
letivos, como reuniões, assembleias e fóruns presenciais e/ou virtuais, por
meio de videoconferências. Na Figura 1, os associados estão participando de
um fórum para a compra conjunta de alevinos provenientes de um mesmo
fornecedor e na mesma data.

Foto: Adriano Prysthon da Silva

Figura 1. Exemplo de fórum de uma associação de piscicultores.

A busca por soluções pode ser articulada com o poder local ou com ou-
tras instituições que tenham relação direta ou indireta com a piscicultura fa-
miliar. As necessidades e as prioridades podem ter natureza distinta e, por
isso, precisam ser articuladas de acordo com suas peculiaridades. A autoriza-
ção de construção de viveiros ou o pedido de melhoria de estradas de acesso
às cidades podem ser solicitados às prefeituras e à Câmara dos Vereadores,
por exemplo. Já os problemas tecnológicos ligados à piscicultura podem ser

140 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

sanados buscando-se formalmente as instituições que prestam serviços (se-


jam públicas ou privadas) de assistência técnica, de transferência de tecnolo-
gia ou de pesquisa e desenvolvimento (Figura 2).

Foto: Diego Neves de Sousa


Figura 2. Reunião técnica entre piscicultores de uma associação e técnico em piscicultura.

Diversos problemas podem ser resolvidos quando discutidos e trabalha-


dos coletivamente. Em se tratando da piscicultura, as vantagens de trabalhar
em conjunto são numerosas, como será discutido nas próximas seções.

Produção e comercialização

Os piscicultores obtêm rendimentos mais elevados quando trabalham


de forma conjunta e são filiados à uma organização coletiva, pois é possível
agregar valor aos seus produtos. Nesse modelo de trabalho, ocorrem ativida-
des complementares em que todos se ajudam, resultando em benefícios para
os envolvidos (Figura 3). O trabalho em coletividade também proporciona a

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 141


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

Foto: Marcela Mataveli


Figura 3. Despesca coletiva agrega mão de obra e reduz custos.

diminuição de custos de produção na compra de insumos, como nas com-


pras coletivas de ração e alevinos, que são os principais custos de produção
da atividade aquícola. Uma compra em maior volume resulta normalmente
em redução de preços. Para conseguir preços competitivos, a ração deve ser
adquirida em grande quantidade, em transações feitas diretamente com as
empresas produtoras. Já em compras de pequena quantidade, os pisciculto-
res são obrigados a negociar diretamente com o varejo, onerando os custos
de aquisição, o que pode até mesmo inviabilizar o desenvolvimento da ativi-
dade. Com isso, o associativismo proporciona maior poder de negociação na
compra de insumos e mais facilidade de acesso aos mercados formais.

A comercialização em mercados formais ainda são gargalos importan-


tes para a expansão da piscicultura no Brasil, principalmente para o pequeno
produtor. As dificuldades para a expansão da comercialização de seus pro-
dutos, especialmente os processados, podem estar atreladas ao alto custo
de investimento em infraestrutura para a refrigeração do pescado e de ma-

142 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

quinários mínimos para o devido processamento. Com um grupo unido pelo


mesmo propósito e com um volume de produção maior, as negociações com
comerciantes tornam-se mais sólidas, na medida em que o grupo pode ganhar
cada vez mais confiança no mercado e aumentar seu poder de barganha. Ao
mesmo tempo, os resultados nas vendas incentivam mais investimento em
produção e tecnologia por parte dos piscicultores familiares, melhorando a
qualidade do seu produto e abrindo caminho para consolidar e/ou acessar
novos mercados.

Acesso a políticas públicas e parcerias

A constituição de uma associação ou de uma cooperativa permite acessar


diversas políticas públicas voltadas à piscicultura familiar, como assistência
técnica, programas de crédito, maquinários, entre outras. Atualmente, países
em desenvolvimento possuem instituições que fomentam a piscicultura nas
três esferas de governo (local, regional e nacional) e com diferentes áreas de
atuação, como interior, pesca e aquicultura, produção animal, além de ins-
tituições financeiras, institutos e organizações não governamentais (ONGs).

Algumas dificuldades, como carência de assistência técnica e licencia-


mento ambiental, também são enfrentadas por piscicultores familiares.
A assistência técnica na área aquícola é um fator limitante ao desenvolvi-
mento da piscicultura, sendo, em muitas regiões, inexistente ou havendo
número muito reduzido de técnicos habilitados para atender às demandas.
Quanto às licenças ambientais, a falta de informação e de diálogo com as
instituições responsáveis leva os piscicultores a se arriscarem na clandes-
tinidade. Em ambos os casos, trabalhar de forma coletiva pode acelerar
significativamente a resolução desses problemas por meio da contratação
de serviços coletivos.

Dessa forma, a articulação de parcerias estratégicas com instituições go-


vernamentais e a organização coletiva por meio de associações ou coopera-
tivas de piscicultores familiares permitem o acesso a políticas públicas espe-

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 143


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

cíficas para esse público. Essas ações podem impulsionar o desenvolvimento


da piscicultura familiar, superando desafios e contribuindo para o crescimen-
to sustentável do setor. Ao fortalecer a cooperação entre os piscicultores e
aproveitar as oportunidades oferecidas por políticas públicas e parcerias, é
possível criar um ambiente propício para o crescimento e a prosperidade da
piscicultura familiar no Brasil.

Valorização e divulgação da cultura local

A promoção e a disseminação da cultura local ganham destaque quando


piscicultores de uma comunidade específica possuem traços culturais tradicio-
nais distintos, que podem ser unidos por meio de uma associação para for-
talecer práticas e eventos relacionados à piscicultura. Isso se manifesta, por
exemplo, em feiras temáticas com nomes inspirados em variedades de peixes,
realizadas em locais ou regiões que se destacam na produção desses pesca-
dos. Um caso ilustrativo é a cidade de Maracaju, no Mato Grosso do Sul, que
realiza anualmente a Feira do Peixe, onde a comunidade local se reúne para
celebrar não apenas a piscicultura, mas também promover atividades cultu-
rais, esportivas e culinárias ligadas ao setor. Essas feiras têm ganhado visibili-
dade na sociedade e se mostram como excelentes oportunidades de negócios
para os piscicultores, ao mesmo tempo que reforçam a identidade cultural da
região. Independentemente da forma associativa estabelecida pelos pisciculto-
res, essa organização permite uma realidade autossustentável, pois se orienta
pelos seguintes fatores: produção de pescado, criação de oportunidades de
emprego e geração de renda, além de promoção de um novo cenário econômi-
co. Os gargalos a serem enfrentados pelos piscicultores familiares dependem
diretamente da sua proatividade e do poder de articulação, com diversas insti-
tuições para resolvê-los.

De fato, as associações e cooperativas oferecem muitas vantagens para


seus membros filiados. Contudo, enfrentam desafios significativos particular-
mente relacionados à falta de engajamento dos cooperados e à participação
ativa nas atividades da cooperativa. Dessa forma, enquanto associações e co-

144 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


CAPÍTULO 10
Formas associativistas na piscicultura familiar

operativas desempenham um papel vital no fomento da produção de peixes


de forma sustentável e com redução de custos por meio de ações coletivas,
é essencial reconhecer e enfrentar as limitações e obstáculos que podem
prejudicar seu sucesso a longo prazo.

Ao valorizar a cultura local, promover eventos e fortalecer as relações


com outros atores da cadeia do pescado, os piscicultores familiares contri-
buem para a preservação das tradições e identidade da comunidade, en-
quanto impulsionam o desenvolvimento econômico local. Por meio da união
e cooperação, é possível superar os desafios enfrentados individualmente,
fortalecendo a piscicultura familiar e consolidando-a como um setor relevan-
te para a economia, a valorização da cultura e a melhoria da qualidade de
vida das comunidades envolvidas.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 145


Referências

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Brasília, DF: MAPA/SDI, 2022. 70 p.

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146 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


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SCHELEDER, J.; SKROBOT, K. Calagem na piscicultura: técnica de calagem em viveiros de água


doce. Curitiba: Instituto GIA, 2016. 46 p.

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SENAR. Piscicultura: fundamentos da produção de peixes. Brasília, DF, 2017. 64 p. (SENAR.


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Sanidade do Tambaqui Colossoma macropomum nas fases de larvicultura e alevinagem.
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VAL, A. L.; SILVA, N. M.; ALMEIDA-VAL, V. M. F. Estresse em peixes: ajustes fisiológicos e dis-
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2019.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 147


Apêndice
Planilhas para acompanhamento técnico da produção

Planilha 1. Controle do preparo e adubação de manutenção do viveiro.


PREPARO E ADUBAÇÃO DE MANUTENÇÃO DE VIVEIRO
Viveiro:
Desinfecção Calagem Adubação
Data: Data: Data:
O que usou? O que usou? O que usou?

Quanto? Quanto? Quanto?

Como? Como? Como?

Povoamento
Data: Quantidade peixe: Peso inicial:
Manutenção do viveiro (readubações)
O que usou? O que usou? O que usou?

Quanto? Quanto? Quanto?

Como? Como? Como?

148 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Planilha 2. Monitoramento diário da qualidade da água do viveiro.
MONITORAMENTO DIÁRIO DA QUALIDADE DA ÁGUA
Viveiro:
Horário da Transparên- Temperatura Oxigênio
Data pH
análise cia (cm) (°C) dissolvido (mg/L)

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 149


Planilha 3. Monitoramento semanal da qualidade da água do viveiro.
MONITORAMENTO SEMANAL DA QUALIDADE DA ÁGUA
Viveiro:
Horário da Amônia Amônia
Data Nitrito Alcalinidade Dureza
análise total tóxica

150 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Planilha 4. Controle da alimentação dos peixes.
ALIMENTAÇÃO
Viveiro:
Quantidade de Comporta-
Horário do Marca da Proteína Tamanho
Data ração consumi- mento dos
trato ração (%) (mm)
da (g ou kg) peixes

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 151


Planilha 5. Registro do estado sanitário dos peixes.
CONDIÇÃO SANITÁRIA DOS PEIXES
Viveiro:
Povoamento:
Data:
Número de peixes estocados:
Origem dos alevinos:
Estado de saúde dos peixes no momento do povoamento (p. ex.: alterações na colora-
ção, presença de machucados ou parasitos):

Fez quarentena ou algum tratamento sanitário preventivo? Substância utilizada e dose:

Tratamento sanitário
Sinais de Mortalidade Médico-
Data doença / Dose, tempo e após veterinário
Substância
Diagnóstico frequência de tratamento responsável
utilizada
administração

152 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Planilha 6. Ficha de campo para preenchimento durante o procedimento de biometria.
BIOMETRIA
Viveiro:
Data:
Peso (balde + Peso (balde + Nº peixes Peso (peixe Peso (peixe
Pesagem
água(1)) água + peixe(1)) por balde(1) total) individual)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
Peso médio individual do peixe (g ou kg)
Número de peixes total no viveiro
Biomassa total (kg)
Quantidade de ração ajustada (g ou kg)
Estado de saúde dos peixes – Sinais observados (p.ex.: alterações na coloração, presença
de machucados ou parasitos)
Informações registradas no momento do manejo com os peixes. Posteriormente, as demais informações são calculadas.
(1)

Se for realizar a pesagem com puçá ou sacola, substituir “Balde + Água” por “Puçá ou Sacola molhada” e “Balde + Água +
Peixe” por “Puçá ou Sacola molhada + Peixe”.

Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados 153


Planilha 7. Registro de mortalidade, despescas parciais e despesca final dos peixes.
MORTALIDADES E DESPESCAS
Viveiro:
Número de peixes estocados:
Estado de saúde / Nº peixes
Data Nº peixes mortos
Sinais observados despescados(1)

Número de peixes total:


(1)
Refere-se aos peixes retirados do viveiro, seja por ajuste na densidade, classificação ou comercialização.

154 Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados


Apoio:
CGPE: 018677

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