Repro 47 - José Carlos Moreira Alves - direito subjetivo, pretensão e ação (1)

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DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

Revista de Processo | vol. 47/1987 | p. 109 - 123 | Jul - Set / 1987


DTR\1987\89
___________________________________________________________________________
José Carlos Moreira Alves

Área do Direito: Civil; Processual

Sumário:

Minha participação de hoje, neste curso, será essencialmente teórica, por se tratar de uma
aula inaugural.

Fixar-me-ei no exame de questões tipicamente teóricas, mas que são fundamentais,


inclusive, para que se marque bem um princípio basilar em Direito, que vem sendo
paulatinamente esquecido, por uma boa parte dos juristas, não só do Brasil, mas do mundo
inteiro: o princípio de que o Direito é um todo e não é um conjunto de departamentos
estanques. Para ser bem estudado e bem apreendido tem que ser examinado na sua
totalidade.

Se o Direito é um todo, não nos devemos perder com extremismos de privaticismo ou de


publicismo. E o tema que escolhi é apto para essa demonstração. É um tema que, se
focalizado pelo ângulo puramente privado, faz com que cheguemos a determinadas
conclusões, e se focalizado pelo ângulo puramente publicístico, faz com que se chegue a
conclusões diversas. Daí o tema escolhido por mim ter sido este: Direito Subjetivo,
Pretensão e Ação.

A sistemática jurídica do mundo ocidental, ainda hoje se baseia neste conceito nuclear, que
é o conceito do Direito subjetivo. É conceito altamente polêmico e difícil de ser definido nas
suas linhas fundamentais. Um dos maiores filósofos que o mundo já conheceu, Kant,
escrevendo sobre a metafísica dos costumes, na parte em que analisou, e em que fez, uma
introdução do Direito, disse que era lamentável que os juristas, que há séculos fundavam
toda sua ciência nesse conceito, já ao final do Século XVIII, ainda não tivessem chegado a
um acordo a respeito da conceituação de algo nuclear em sua ciência. Isto se explica por
várias razões. A primeira delas é até mesmo de natureza histórica, pois, se os senhores
volverem as vistas para o passado, vão verificar que nos textos romanos, encontramos a
expressão "direito - jus" - tomada em sentidos vários, que vão desde o sentido de norma,
até o sentido de tribunal perante o qual se pleiteia um determinado direito.

Os romanos, pela sua índole de juristas práticos, eram completamente afastados de


abstrações de natureza teórica, mas com uma intuição que povo algum até hoje teve, a
ponto de, ainda que afastados das abstrações, terem por via de aplicação prática, criado as
linhas fundamentais de todo o Direito do mundo ocidental, nas suas figuras mais

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complexas. Basta que os senhores atentem para a circunstância de que todos os conceitos
fundamentais do Direito das Obrigações, que dentro do Direito Privado é, sem dúvida, o
ramo mais complexo, se assentam estrutural e basicamente no velho Direito Romano.

Os romanos jamais se preocuparam em conceituar o que hoje nós chamamos de "Direito


subjetivo". Estudando-se as fontes romanas, encontram-se vários juristas que chegam a
ter dúvida sobre se realmente, entre eles, teria existido o conceito de Direito subjetivo.
Assim p. ex., um grande romanista e principal mente, filósofo do Direito francês da
atualidade, Michel Villey, sustenta que os romanos não chegaram a conhecer o Direito
subjetivo.

A noção de Direito subjetivo, para os romanos, tendo em vista as circunstâncias,


aproximava-se da noção de coisa. Os romanos distinguiam as coisas, que hoje nós vemos,
como objetos de Direito subjetivo, ou seja, coisas corpóreas e coisas incorpóreas. Coisas
incorpóreas para eles, eram exatamente os direitos, com exceção do direito de
propriedade. E isto porque, o direito de propriedade dava tal soma de faculdades ao seu
titular, que acabava por se confundir com a própria coisa material, que era objeto dele. Isto
aliás, ainda hoje ocorre com relação à nossa linguagem vulgar.

É muito comum, aliás, se dizer "este objeto é meu", ou "eu tenho uma propriedade no
Estado de Minas", quando na realidade, esta relação de pertinência, expressa através da
frase: "esse objeto é meu", antes, um poder, do que a identificação desse poder coma
coisa objeto desse poder.

Por isso, os romanos identificavam o poder, que emanava do direito de propriedade, por
causa de seu caráter amplíssimo, com a coisa em face da qual aquele poder se exercitava,
e, por isso, consideravam o direito de propriedade uma coisa corpórea; mas todos os
demais direitos, eram coisas incorpóreas.

Outros autores há, que sustentam que a palavra jus, no Direito Romano, não significava o
que hoje nós traduzimos por Direito subjetivo. Mas significaria como que uma posição
justa, ainda que muitas vezes, não traduzisse aqueles poderes a que hoje nós damos a
denominação de "Direito subjetivo".

É certo que a maioria dos romanistas, no entanto, continua a sustentar que os romanos
tiveram a intuição da noção de Direito subjetivo; embora, não a tivessem formulado. E
tanto isso é certo, que inumeráveis são os textos romanos em que a palavra - jus - ora
empregada no sentido de norma de comporta mento, o que hoje nós chamamos de Direito
objetivo, ora é empregada no sentido de poder decorrente dessa norma, de se exigir de
outrem um determinado comportamento, o que é em última análise, o que hoje nós
denominamos "Direito subjetivo".

Não há dúvida, porém, de que a teoria do Direito subjetivo só começa a ser elaborada a
partir dos glosadores e pós-glosadores. Ela apresenta uma elaboração um pouco mais
aperfeiçoada durante o chamado "Direito intermédio", principalmente graças à obra do
primeiro grande sistematizador que o Direito moderno conheceu, francês de nascimento,
"alemão" por na Alemanha se ter radicado, Hugo Donellos.

Com o jus-naturalismo este conceito, como todos os conceitos no terreno do Direito,


principalmente do Direito Privado, se desenvolve, graças - e aqui um paradoxo - à atuação

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da escola que vem para contrapor-se a ela, que é a escola dos pandectistas alemães, a
chamada "Escola Histórica Alemã".

Nos tempos modernos, esta teoria se constrói, em fase de três posições nitidamente
definidas, e todas elas, suscetíveis de críticas, que são as posições clássicas de Windscheid,
Ihering e das chamadas "teorias mistas", que conceituam o Direito subjetivo. Windscheid o
príncipe da pandectística alemã por ter elaborado o mais notável dos tratados de
pandectas que os alemães elaboraram, e que representa a culminância da chamada
"Escola Histórica Alemã", viveu na época em que dominava a idéia, ou melhor, o dogma, da
vontade, por ser uma época de absoluto individualismo, porque o dogma da vontade no
Direito representava justamente a concepção mais acentuadamente individualista do
Direito, caracterizava e, portanto, conceituava, o Direito subjetivo, como sendo, um poder
da vontade, um poder de agir, que a ordem jurídica conferia a alguém, e que se dirigia
contra determinada pessoa ou pelo menos contra pessoa determinável. Mas era,
substancialmente, um poder da vontade, um poder de agir. Era a ordem jurídica que dava
à vontade humana este poder de agir contra outras pessoas. Esta concepção de Direito
subjetivo foi acremente com batida, porque desde logo, surgiu a objeção óbvia a ela: a de
que Direito subjetivo havia, onde não se poderia vislumbrar a existência de poder da
vontade; assim, p. ex., os absolutamente incapazes, o louco, ou o recém-nascido eram
titulares de Direito subjetivo, e disso ninguém tinha dúvida. No entanto, não tinham eles
vontade para o direito, conseqüentemente, não se poderia considerar que o direito
subjetivo era o poder da vontade, quando se reconhecia titularidade desse poder, em
pessoas que não tinham "vontade". Por outro lado, se observava também, que muitas
pessoas eram titulares de direito, sem o saber, principal mente em face do princípio que
vinha do Direito germânico bárbaro, da sai sine, ou seja, da transmissão automática dos
direitos e das obrigações do de cujus em favor de seus herdeiros, e que os herdeiros se
tornavam titulares de direito, sem, sequer, muitas vezes, saber da morte daquele em
virtude da qual esses mesmos direitos lhes tinham sido transmitidos. Então, se
perguntava: que poder de vontade é este, que tem o titular de um direito, que é titular
desse direito, e não sabe da existência dele, e conseqüentemente não pode ter um poder,
que depende da sua vontade e evidentemente, da sua consciência, mas que não tem
sequer a consciência da existência desse direito? Por isso mesmo, é que, em contraposição
a esta corrente doutrinária, vai levantar-se outro célebre Civilista alemão, Ihering,
conduzindo-se pelas trilhas da sua orientação filosófica, no terreno do Direito, que era uma
orientação estritamente finalista. O Direito visa a determinado fim, e portanto, o método
para se estudar o Direito, deve ser o método teleológico ou método finalístico. Com base
nessa concepção filosófica, ele acentua, no conceito que vai elaborar de Direito subjetivo,
estes dois pontos fundamentais, para ele, capazes de caracterizar o Direito subjetivo.
Assim elabora célebre definição: o Direito subjetivo nada mais é do que o interesse
juridicamente protegido.

Esta concepção, no entanto, desde logo, viria a ser amplamente contraditada, sob a
alegação de que padecia, até de vício de natureza metodológica, pois se dizia que Ihering
elegia, como características essenciais do Direito subjetivo, um elemento de ordem
material, que é o interesse, e um elemento de ordem formal, que é a tutela, pelo Estado,
desse interesse. Daí, dizer ele: "O Direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido".
Mas, em verdade, desses dois elementos fundamentais, fundamental mesmo é apenas

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um: a tutela do poder por parte do Estado. Isto porque o interesse, por si mesmo não
tutelado, não alcança as alturas do Direito subjetivo; ele continua a ser um mero interesse.
O que faz o interesse transformar-se no Direito subjetivo é a tutela que o Estado lhe dá. E
por isso mesmo, um extraordinário teórico alemão, Augusto Tom, salientou que Ihering
definiu um jardim, quando na realidade, a sua definição deveria visar a cerca desse jardim.
Dizia ele, que, para a definição de Ihering (evidentemente com outras palavras) o interesse
é o jardim: a tutela, a cerca. Mas como o elemento capital é a tutela, deveria ter sido o
objeto precípuo da definição. E ele, ao definir a cerca, acabou por englobar, na definição,
da cerca, o objeto cercado.

Esta concepção que envolvia, de um lado, o elemento material (interesse) e, de outro lado,
o elemento formal (tutela do direito), se contrapunha à concepção de Windscheid. Isso é
muito importante para, mais adiante, se entender o porquê da controvérsia a respeito da
natureza jurídica da ação e o por quê da necessidade desse elemento chamado "pretensão"
- que é um dos mais obscuros da Teoria Geral do Direito.

Na concepção de Windscheid não se invocava nem o interesse, e tampouco a tutela do


Estado, como elementos essenciais à essa figura que nós denominamos de "Direito
subjetivo". Windscheid, se limitava apenas a considerar que o elemento único
caracterizador do Direito subjetivo era o poder da vontade, o poder de agir pela vontade,
dirigido contra alguém, e poder esse que era conferido pela ordem jurídica. Não
considerava ele, como elemento caracterizador do Direito subjetivo nem o elemento
material, o interesse, nem o formal, a tutela, por parte do Estado, desse interesse. Por isso
mesmo, outros autores, posteriormente, pro curaram fazer aquilo que é muito comum,
quando no terreno jurídico encontram se duas concepções, que são particularmente
seguidas, mas incompletas. Há uma mescla de elementos de uma e outra concepção, e
origina-se uma corrente mista,

Vários autores, mais modernos que Windscheid e Ihering, procuraram caracterizar o direito
subjetivo, dando ênfase não apenas ao poder da vontade mas também ao interesse e à
tutela por parte do Estado. E concepções várias houve nesse sentido, que se diferenciavam
apenas formalmente, apenas mudavam as palavras. Mas, no fundo, a concepção era a
mesma, consistente na tentativa de reunião dos elementos dessas duas teorias que se
extremavam, para a obtenção de uma concepção mista que as agregasse. Isto gerou a
atual conceituação de Direito subjetivo: o Direito subjetivo, é um poder de vontade para a
satisfação dos interesses em conformidade com a norma jurídica. Aqui, na realidade, nós
encontramos a reunião daqueles três elementos: o poder da vontade, o interesse e a
tutela, tendo em vista a conformidade com a norma jurídica, e, conseqüentemente, a
necessidade de se garantir a observância dessa conformidade.

Pergunta-se: dizer ser o Direito subjetivo, um poder da vontade para a satisfação dos
interesses, em conformidade com a norma jurídica, nos dá a idéia do que seja Direito
subjetivo? E a resposta parece-me óbvia: não. Porque o que vem a ser, traduzido em
termos realísticos, "um poder da vontade, para satisfação de interesses em conformidade
com a norma jurídica"?

Há as faculdades jurídicas, há os chamados direitos potestativos, os interesses legítimos, e


assim por diante. É flagrante o excesso de generalidade desta noção. E se pergunta: como,

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então, conceituar o Direito subjetivo, que é, sem dúvida alguma, nos sistemas jurídicos,
pelo menos no mundo ocidental, o ele mento basilar, sobre o qual se constroem todas as
teorias e todas as orientações normativas?

Que vem a ser, esse Direito subjetivo? O Direito subjetivo não é fácil de se definir, pela
circunstância de que, apresenta uma gama extensa de características, que não dão
margem à uma conceituação em termos estritos. A delimitação de uma idéia se faz com o
menor número de palavras possível, a fim de estabelecer os elementos que a caracterizam
e que a diferenciam das idéias que a elas se aproximam, mas dela diferem.

No campo do Direito, os senhores encontram isso comumente. Os senhores algum dia


pensaram no conceito de direito de propriedade? Geralmente se diz que o direito de
propriedade é o direito de usar, gozar e abusar da coisa. Isso não define coisa alguma!
Pergunto aos senhores: se não soubessem, não tivessem a intuição do que fosse o direito
de propriedade, com este enunciado, os senhores passariam a saber em que consiste o
direito de propriedade? Passariam a poder distingui-lo de outros direitos, que se
aproximam do direito de propriedade, p. ex., o direito de enfiteuse? Evidentemente que
não.

Outros autores há, como Bonfante, que procuram generalizar, e dizem que direito de
propriedade é o poder que dá a maior potencialidade possível a alguém, com relação a uma
coisa. Esta definição está dentre a mais absoluta generalidade, sem os caracteres
específicos que realmente definem a propriedade e definição, vem de definitia, que por sua
vez vem de definire. A palavra definição que, em latim, significa "delimitar" - definir nada
mais é do que demarcar as limites, para o efeito de, estabelecido o contorno, poder se
diferenciar aquela idéia contornada, cujos contornos foram dados pelas idéias próximas,
mas que com ela não se identificam.

Então se pergunta: como é que nós podemos conceituar o Direito subjetivo? Os conceitos
de pretensão, ação e Direito subjetivo são intimamente liga dos. Na realidade, varia o
conceito de pretensão e varia o conceito de ação, conforme o conceito que se adote de
Direito subjetivo.

Os conceitos, em Direito, devem atender à realidade do fenômeno, para que não se dê um


conceito de tal ordem abstrato, que seja divorciado ou distante da realidade para a qual o
instituto, o conceito jurídico foi criado. Para mim, o conceito mais aproximado dessa
realidade, daquilo que nós sentimos (porque todos nós temos a intuição do que seja o
nosso direito), é esta que deriva de uma fórmula, ampliando-se um pouco a de um dos
mais geniais juristas italianos que eu conheço, romanista, civilista, e homem pouco
divulgado na Itália, dizem, alguns, até pelo seu temperamento demasiado combativo, um
homem que ao morrer, em sua homenagem se escreveram Scritti in anare, que só são
valiosos pelos nomes dos poucos autores que colaboraram, mas que evidente mente, são
uma paupérrima homenagem, para a genialidade desse homem, que foi Silvio Perozze.

Perozze, conceituava o Direito subjetivo, dizendo: "É um poder, outorga do pela norma
jurídica, a alguém, de exigir de outrem um determinado comportamento". Eu, apenas,
acrescento: "É um poder, atribuído pela norma jurídica, e tutelado pela ordem jurídica, de
exigir de outrem um determinado comportamento".

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Este conceito tem a meu ver, uma importância fundamental, pois aponta a real
característica do Direito subjetivo, ou seja, aquilo que realmente distingue este poder de
outros poderes, que também existem no Direito, mas que não são direitos subjetivos. E
que justamente é esta, a de ser um poder necessariamente correlata a um dever, a de ser
um poder, que necessariamente, tem que ter a colaboração de alguém, contra quem este
poder se dirige, e, portanto, de ser um poder necessariamente violável. Daí dizer-se que o
direito tem, como correlato, o dever. Direito e dever são termos correlatos. Isto é certo
com relação ao Direito subjetivo, cuja característica fundamental é esta: a de ser um poder
correlato a um dever, ambos emanados da norma jurídica.

Uma norma jurídica, como é norma de comportamento, se dirige, necessariamente, a duas


posições. Uma posição integrada por uma ou por várias pessoas - os senhores podem ter
um credor ou vários credores - como p. ex., vários credores solidários. E há uma outra
posição, a de um devedor ou vários deve dores. O primeiro tem um poder, o segundo tem
um dever, que são correlatos. E por isso a norma estabelece uma relação intersubjetiva,
uma relação entre pessoas, que é a relação entre o titular desse poder e o titular desse
dever. Relação essa que se denomina "jurídica", porque nem todas as relações, entre
pessoas decorrem da atuação da norma jurídica, no mundo concreto.

E pensam então os senhores num exemplo concreto. A lei estabelece que o credor pode
exigir do devedor o que este lhe deve. Como esta norma atua, no mundo real? Atua dentro
de um outro esquema, que abordaremos a seguir.

As normas que disciplinam o comportamento em geral, se dividem em duas partes. Na


primeira parte, descrevem uma hipótese, e na segunda, estabelecem uma conseqüência
para esta hipótese. Por isso é que se diz que a norma jurídica estabelece uma causa e dá
um efeito a essa causa.

Há uma relação de causa e efeito; esta é diversa da relação de causa e efeito das ciências
exatas, porque nas ciências exatas essa relação de causa e efeito é necessária, ao passo
que a relação da causa e efeito, no Direito, é uma relação de conveniência. Tanto é assim,
que uma norma pode estabelecer um efeito e uma causa, uma outra norma pode com base
no mesmo efeito modificar a causa estabelecendo causa diversa em virtude da
conveniência, de deter minado momento histórico. Mas sempre estabelecendo uma relação
de causa e efeito. E essa relação é justamente o que explica o como é que se aplica a norma
ao mundo concreto.

Diz a lei, p. ex., que, "quem se assenhorear de coisa sem dono, torna-se proprietário dela".
É o instituto da ocupação.

O Zé-das-Dores, resolveu um dia de manhã ir pescar. Toma da sua varinha, vai ao rio,
lança a linha com a minhoca na ponta da isca, um peixe abo canha a minhoca e portanto é
fisgado pela isca. E o Zé-das-Dores, que é absolutamente ignorante do Direito, se torna
proprietário daquele peixe. Pergunta-se: porque ele se torna proprietário do peixe, e todos
aqueles outros que o ajudaram, que o levaram para pescar, que construiu a vara de
pescaria, nenhum deles se torna proprietário? Um fato simplíssimo, é porque a hipótese
prevista na lei, é esta "quem quer que se assenhore, ou seja, se apodere, com a intenção
de assenhoramento, de coisa que não pertença a ninguém, res nullius, e foi o José das
Dores que se apoderou do peixe.

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O esquema de funcionamento de toda norma de comportamento, aplicado ao Direito gera


justamente isto: toda norma se dirige pelo menos a duas pessoas, atribuindo a uma, um
poder, e a outra, um dever. E, conseqüentemente, aquela pessoa a quem a norma atribui
um poder, vê, automaticamente, surgido ao lado desse poder, o dever que lhe é correlato.
No caso do nosso pescador, no mo mento em que ele se torna titular do direito de
propriedade, qual é a relação jurídica que se estabelece entre ele e outrem? Esta é uma
relação de abstenção, de todos os que o cercam, e que têm o dever de se absterem, de não
impedir que ele exerça o seu poder material sobre a coisa. Tanto é assim que qualquer
pessoa que dele se avizinha, poderá, teoricamente, violar o seu poder, e,
conseqüentemente, poderá deixar de colaborar para que ele tenha aquele poder.

Com relação ao direito de crédito, isto tudo se torna ainda mais simples, esta idéia se torna
ainda mais clara. O devedor está obrigado a satisfazer o crédito do credor. Tem que
colaborar, e, conseqüentemente, aquele poder não é cumprido pela pessoa a quem
incumbia o dever de cumpri-lo, que é o devedor.

Então vejam os senhores: o Direito subjetivo se caracteriza por ser um poder, correlato a
um dever. E mais, um poder eminentemente violável, porque é um poder que, para ser
satisfeito, necessita da colaboração do titular do dever. E por isso mesmo, só há direito
subjetivo, se o Estado tutelar o titular desse poder contra violação.

Mas como se explica então, a figura das obrigações naturais? Como é que ao se falar em
direito prescrito, e se diz que é um direito que não tem proteção? Como é que se justifica
a existência das dívidas de jogo? O que se diz é que o credor de dívida de jogo, se receber
o pagamento dela, tem o poder de reter esse pagamento, e, portanto, de repelir a ação de
repetição de indébito, porque o pagamento não foi indevido. Mas ele não dispõe de meio de
ataque, para forçar o devedor, que não quis satisfazer aquela obrigação, decorrente de
dívida de jogo, a satisfazê-la.

Alguns dizem que isto mostra que há Direito subjetivo, independentemente da tutela do
Estado.

Outros dizem que esse direito apresenta apenas uma característica que o diferencia do
Direito subjetivo: é um direito enfraquecido, ou seja, mais fraco do que o Direito subjetivo.
E eu pergunto a mim mesmo: isso explica alguma coisa? Sem dúvida, não. A ordem
jurídica existe justamente para impedir que alguém exercite os seus poderes com o
emprego da violência pessoal. Não há necessidade de alguém que tem um poder, tenha
que compelir, à força, aquele a quem incumbe o dever, justamente pelo fato de o Estado se
apresentar como o outorgante do poder, e, conseqüentemente, o tutelador desse poder.
Pergunta-se: há realmente Direito subjetivo, nos chamados "créditos de dívida de jogo",
ou nos "créditos de obrigações", em que ocorreu a prescrição? A meu ver, não há Direito
subjetivo.

Cabe perguntar como caracterizar-se, então, este poder de reter o pagamento que tem o
credor de dívida de jogo e o credor do débito prescrito. E que, na realidade, esses casos
nada mais são, do que casos em que a norma jurídica estabelece essas hipóteses de fato:
dívida de jogo, ou dívida em que houve a prescrição, como causas jurídicas, de retenção,
ou melhor, causas jurídicas de aquisição.

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São causas jurídicas, que justificam determinadas aquisições, e, em conseqüência disso,


quando quem efetuou o pagamento vem pedir a repetição alegando que pagou
indevidamente é possível opor-se uma causa que justifique juridicamente um recebimento
dessa atribuição patrimonial, capaz de, em defesa, impossibilitar a recuperação daquilo
que foi pago em virtude de uma causa jurídica, ou seja, em virtude de uma dívida de jogo
ou de uma dívida já prescrita.

Na realidade, não é poder, porque não há poder de exigir coisa alguma, o que há, é uma
causa jurídica que possibilita uma defesa material contra a pretensão de se recuperar
aquilo que foi pago, sem que o titular que recebeu pudesse exigir esse pagamento.

Esta circunstância só demonstra, que este conceito de Direito subjetivo, caracterizado da


forma retro apresentada, vai ter reflexos no terreno do Direito Processual. E por que?
Porque desde o momento em que se declara, que o Direito subjetivo é um poder,
outorgado Pela ordem jurídica, e tutelado por ela, de se exigir de outrem um
comportamento - seja um comportamento de abstenção, como ocorre com os direitos
absolutos, como p. ex., os direitos reais, seja um dever de fazer ou de abster-se, como
ocorre com relação aos direitos de crédito. Já nos direitos absolutos, o meu poder é de
exigir que não se faça, que não se perturbe a possibilidade de, eu materialmente, exercitar
sobre a coisa, objeto do meu direito real, aquilo que o meu direito subjetivo me faculta: o
uso, a utilização, disposição, o gozo.

Com este conceito, entramos num terreno, que sai do tema estrito das relações entre
pessoas, e entra num campo mais complexo, que é o da relação entre pessoas em que o
Estado intervém. Os senhores sabem que um dos grandes problemas do Direito Público, é
que o Estado é um fator de "atrapalhação". O grande problema do Direito Público é que
quando o Estado ingressa numa determinada relação jurídica, ele se apresenta como quem
elabora a norma de comportamento, e quem está simultaneamente sujeito a essa norma
de comportamento. E, com isso, então, se atrapalham as idéias, porque se apresenta o
Estado como o elaborador da norma de comportamento, e como subordinado a essa
norma. E mais, o Estado, que se auto disciplina, que se autocircunscreve, porque ele
mesmo vem julgar a atuação dele próprio, se faz distinção entre: Estado-administração,
Estado-fiscal, Estado-judiciário etc.

Este elemento (os senhores me desculpem a linguagem chã, mas expressiva,


"atrapalhador"), está presente em todo o Direito Público. E justamente isto é que dificulta,
muitas vezes, o nosso entendimento de determinadas situações em Direito Público. É
exatamente o que ocorre com relação ao problema da ação.

A problemática do direito de ação, indireta e inconscientemente, foi realçada por dois


civilistas, mais exatamente dois romanistas: Windscheid e Muther. este, mais tarde,
processualista. O problema do direito de ação acabou surgindo em virtude da concepção de
Direito subjetivo, sustentada por Windscheid. Windscheid sustentava que o Direito
subjetivo era o poder da vontade, o poder de agir, segundo a vontade, poder esse que era
conferido pela ordem jurídica.

Examinando os textos romanos, porque a sua obra fundamental a esse respeito é sobre a
actio romana, procura mostrar que a actio romana era diversa da ação do Direito
contemporâneo. Procura sustentar que a ação moderna é muito mais próxima ao que, no

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Direito germânico-bárbaro, se chamava de "queixa" do que na realidade à ação, actio, do


Direito Romano. Nesta obra, aplica o seu conceito de Direito subjetivo aos textos romanos
e verifica que o seu conceito não se adapta aos textos romanos. E diz ele: "Examinando-se
os textos romanos nós temos, que aquilo que nós compreendemos como sendo direito, os
romanos chamavam de ação. A actio romana, é algo que se aproxima muito mais do nosso
Direito subjetivo do que da nossa "ação", porque a ação no Direito moderno, é, na
realidade, algo que se aproxima do que os germânicos-bárbaros, denominavam "queixa".
E por que ele diz isso? O Direito romano é um cenário de 13 séculos de evolução, dos quais
nós conhecemos seis, mas desses seis, se inferem muitas coisas que vêm de séculos
anteriores.

A palavra actio vem de agire que significa agir. Actio, nada mais é do que uma atuação de
alguém, diante do magistrado romano (que era o pretor), recitando fórmulas solenes que
estavam na lei, que eram sacramentais. Se se errasse uma palavra, perdia-se a demanda
por isso. Assim, o pretor, verificando que havia a possibilidade de procedência daquela
reclamação, designava um particular que julgasse os fatos e decidisse se o autor ou se o
réu tinha razão. Actio, então, era uma atuação diante do magistrado, de recitação de
fórmulas solenes, onde se incluíssem os fatos que estavam em causa no litígio, para o
efeito da obtenção da designação de um jurado, que era um particular, que iria dirimir a
controvérsia. E se não fosse executada a decisão daquele particular, que não representava
o Estado, era mister que se voltasse à presença do pretor, para que ele determinasse a
execução daquela decisão. Havia casos em que a própria lei admitia a auto-execução
privada.

Posteriormente, numa fase mais evoluída, aparece um segundo sistema processual


romano, que é o chamado "processo formulário". Neste processo, as coisas já se passam
um pouco diferentemente. O pretor romano, ao ser eleito, estabelecia uma série de
fórmulas abstratas, fórmulas essas, que, em síntese, tinham um teor mais ou menos como
o seguinte: que se ficar provado, que o réu deve ao autor tal importância, que o juiz o
condene; caso contrário, que o absolva.

Pois bem, na prática, o que sucedia? Toda vez que alguém era credor de outrem e o
devedor não pagava, conduzia-se o devedor à presença do pretor, e lá declarava em
termos não mais solenes, nem sacramentais, que o devedor lhe devia e não pagara, e que,
portanto, pedia, que o pretor, lhe desse uma fórmula concreta.

Sucedia então, que, na realidade, a aplicação do Direito se fazia através dessas fórmulas,
que eram concedidas pelo pretor àquele que se apresentava diante dele, dizendo que uma
daquelas fórmulas abstratas, que ele pretor, tinha colocado no seu édito, quando assumia
as suas funções de pretor, não tinha sido observada. O que ia dizer? Apenas isto: é que a
ação em abstrato, era anterior ao Direito subjetivo, porque bastava que o pretor, ainda que
não houvesse lei alguma que declarasse, criasse uma fórmula. Isto aconteceu, na história
do Direito Romano, com o comodato. O comodato é empréstimo gratuito de coisa
infungível. Não havia lei, nem costume romano que fixasse o como dato e ele foi criado
através de uma dessas fórmulas. Algum pretor, em tempos remotos, considerou que o
empréstimo gratuito de coisa infungível deveria ser tutelado pelo Estado, e, então, criou
uma fórmula: se ficar provado que alguém tomou emprestado uma coisa de outrem,
gratuitamente, e não devolveu, que o juiz o condene; caso contrário, que o absolva. Isto

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significa dizer que, da ação, era possível nascer o Direito subjetivo. Ao contrário da idéia
moderna consistente em que o Direito subjetivo preexistiria ao meio de tutela deste poder
preexistente, que é a ação.

Por isso é que Windscheid dizia: "A ação concebida pelos romanos, não é a mesma coisa
que a ação concebida pelos autores modernos, concebida modernamente".

E, ainda, houve um terceiro sistema de processo, no velho Direito Romano, já semelhante


ao nosso ver, que é o chamado "processo extraordinário". Extraordinário porque ele era
extraordinário em face desse processo ordinário, que era o processo formulário. Este
processo extraordinário começou sendo a exceção, depois passou a regra. Mas os senhores
sabem que a força da tradição é tão grande, que ele continuou a ser chamado de
"extraordinário", mesmo quando o ordinário não existia mais.

Pois bem, nesta terceira etapa, nós já nos aproximamos do Direito moderno, em que não
tem mais, o magistrado, o poder de criar fórmulas, e portanto, conceder ações sem que
haja uma norma de comportamento que dê o poder que vai ser tutelado por esse meio.
Nesse terceiro sistema processual, o juiz passa a ser funcionário do Estado, passa a
representar o Estado e os poderes que tem vão decorrer das leis (leis, no sentido genérico),
das fontes de Direito subjetivo e, conseqüentemente, o Estado interfere, apenas, para
tutelar aqueles poderes que, abstratamente confere através das normas jurídicas.

Ora, diante deste cenário, e diante da circunstância, de que para Windscheid, o Direito
subjetivo era apenas o poder da vontade, não, envolvendo, por tanto, o elemento tutela,
esse autor sustentou duas idéias capitais: a primeira foi a de que, a ação como nós a
concebemos hoje não se identifica com a ação romana. A ação romana se aproximava mais
do Direito subjetivo, do que propriamente da ação modernamente concebida. E mais, ela
também não se identificava com o Direito subjetivo, mas era como um elemento
intermediário, entre o Direito subjetivo e a ação; e ele chamou a isso de "pretensão",
anspruch em alemão, que é traduzido normalmente como pretensão, embora seja uma
dessas palavras, de tradução muito complexa; tanto que nós ora falamos em pretensão e
muitos há que falam em poder de exigência ou exigibilidade.

Essa pretensão, dizia Windscheid, nada mais é do que o direcionamento de um poder


contra alguém. O Direito subjetivo, muitas vezes, não nasce dirigido não nasce com uma
direção a alguém, assim como, p. ex., o direito real.

Então, dizia Windscheid: "O Direito subjetivo, nem sempre é um poder condicionado,
dirigido a alguém". Essa direção, que se dá ao Direito subjetivo não é propriamente o
Direito subjetivo, mas um elemento que serve de ponto de ligação, entre o Direito
subjetivo e o que hoje nós chamamos de direito de ação. E, então, dizia ele, com relação
aos direitos de crédito, que todo direi c de crédito envolve uma pretensão, porque todo
direito de crédito é um poder que se dirige contra alguém, que é o devedor. É, portanto, um
poder direcionado contra alguém.

Daí ser a pretensão um elemento fundamental do direito ao crédito, que nasce com ele. No
momento em que nasce o direito de crédito, esse direito d: crédito já é uma pretensão.

O mesmo não ocorre com os direitos absolutos. Windscheid os examina com base na
categoria elementos reais, porque no direito real, esse direcionamento, ou esta direção

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DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

(para usarmos de vocábulo português), só ocorre, quando há violação do direito real. Só


quando de sua violação é que esse direito real se dirige contra alguém, que é a pessoa do
violador. É porque, neste case o direito real se transforma num direito pessoal, num direito
de crédito do titular do direito real, contra aquele que o violou e, portanto, passou a ser
devedor ou de uma restituição ou de uma indenização. E então, diz Windscheid: "A
pretensão, é o poder de exigir ínsito aos direitos de crédito. Só surge, correlação aos
direitos reais, no momento em que há violação, porque nesse instante, ela se dirige contra
uma determinada pessoa".

Estavam lançadas, no mundo jurídico, duas idéias fundamentais: a idéia c: que o direito de
ação não era o próprio Direito subjetivo, o que diziam os civilistas, até então. Diziam que
o direito de ação era "o direito subjetivo em pé de guerra". É o direito subjetivo que, no
momento em que é violado, se transforma em direito de ação, para compelir o violador a
restabelecer a situação anterior, ou, pelo menos, a compor o dano que ele ocasionou. Com
a concepção de Windscheid, se separou, de um lado, o direito de ação; de outro, o Direito
subjetivo, e o elemento intermediário entre esses dois, que é pretensão. Diz ele: "A ação
romana, é a pretensão do Direito moderno, porque a ação romana era justamente esta
"direção" que se dava contra alguém; a actio in rem, ação real, era a direção que se dava
ao poder, contra a pessoa do réu, que fora o violado r do direito real. É a "direção" que se
dava contra o devedor, que tinha essa "direção" voltada para si desde o nascimento do
Direito subjetivo mas, se dinamizava no momento em que esse Direito subjetivo, fosse
violado, e portanto, se movesse contra ele uma actia in persona ou ação pessoal.

Muther atacou violentamente Ihering, porque abandonou a posição dos civi listas,
adotando uma posição tipicamente de natureza processual. Disse Muther: "A ação romana
e a ação moderna, são a mesma coisa. Tanto para os romanos, quanto para os modernos,
a ação independe do Direito subjetivo. A ação não é elemento do Direito subjetivo, ou não
é o Direito subjetivo transformado, no momento em que é violado. A ação é um conceito
diverso, que atua no terreno do Direito Público". Por isso é que Muther é o pai de todas as
teorias da ação, em que se desvinculam ação de Direito subjetivo. Há, até, teorias, hoje
dominantes, no sentido de que o direito da ação é absolutamente independente do Direito
subjetivo, o que caracteriza a chamada "teoria do direito de ação" como direito abstrato,
tendo em vista a circunstância de que ações há que não visam à tutela de Direito subjetivo,
e mais, visam até a declarar que inexiste um de terminado Direito subjetivo, como ocorre
com as ações declaratórias negativas!

Surgiu, então, a preocupação de se determinar o que era o direito subjetivo e o que era o
direito de ação, e também o que era a pretensão.

Com relação à pretensão, se começou a indagar: este conceito é realmente um conceito


útil? Abstrações sem utilidade podem ficar perfeitamente, para o plano da Filosofia do
Direito sem interferir na construção dogmática que é a construção que se concebe a partir
de determinado Direito Positivo.

Com referência à pretensão, desde logo começaram a surgir objeções e concepções


diversas. Muitos disseram que a pretensão, em última análise, é exigibilidade, que se
apresenta nítida nos direitos de crédito, desde o momento em que o direito de crédito
surge, porque desde esse momento em que há um crédito, significa que o credor tem o

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DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

poder de exigir do devedor determinado fazer ou não fazer.

Com relação aos direitos reais, diziam que também há essa exigibilidade; porém seu
conteúdo ou a direção podem alterar-se. A princípio no que tange aos direitos reais, há
uma exigibilidade de abstenção dirigi da a todos, e, no momento em que há a violação,
uma exigibilidade de reparação, ou de restituição, dirigida apenas à pessoa do violador.
Cabe perguntar: porque Windscheid fazia aquela distinção? A pretensão se confundiria, em
última análise, com o direito de crédito, mas, com relação aos direitos reais, ela só
nasceria, quando o direito real fosse violado. Seria muito mais fácil dizer: a pretensão é um
elemento que nasce com o Direito subjetivo, porque essa exigibilidade nasce com ele. Mas
em seguida pensou-se noutra objeção: o que é o poder, se não a faculdade de exigir?
Quando eu tenho poder, passa exigir. A exigibilidade é ínsita ao poder. Então,
perguntou-se: para que distinguir aquilo que é ínsito no próprio Direito subjetivo, que nada
mais é do que um poder? E se o poder é intrinsecamente uma faculdade de exigir? A
pretensão, então, se disse, confunde-se com o próprio Direito subjetivo.

Windscheid mesmo caracterizava a pretensão como a direção dinamizada.

Ora, essa direção dinamizada ocorre quando o Direito é violado. Mais tarde, na Itália,
Francesco Carrara, lançou a idéia de que pretensão surgiria com a violação do Direito. Isto
de certa forma, Savigny, já tinha dito, porque já havia salientado que quando um Direito
subjetivo é violado, como se altera, porque aquilo que se exigia antes passa a não ser
idêntico àquilo que se exige depois.

Isto aliás, explica inclusive, distinções entre débito e responsabilidade, que vêm desde o
velhíssimo Direito Romano e que existiam no Direito bárbaro-germânico. Essa
modificação, entre a violação de um direito e o Direito subjetivo ainda não violado foi
transplantada para esse terreno da pretensão e muitos autores houve que sustentaram
que a pretensão surgia, com a violação do Direito subjetivo. Ela seria como que o Direito
subjetivo, com esta característica: ter sido violado, e, conseqüentemente, dirigido contra a
violação.

E a controvérsia, foi a tal ponto, que um dos grandes processualistas c historiadores do


Direito da Alemanha, Deteban Rouves, chegou a ponto de dizer o seguinte: "Este é um
destes conceitos infrutíferos e maléficos, porque na realidade, em última análise, não
conduz a nada". Mas se pergunta: ser:: realmente assim? A meu ver não. Porque idéia de
pretensão tem, pelo menos uma virtude, que é de explicar, de maneira mais singela, o que
vem a se prescrição.

Paralelamente os processualistas discutiam problema da natureza jurídica da ação. A ação,


não mais era o Direito subjetivo, em "pé de guerra". A ação era algo diverso do Direito
subjetivo, embora alguns sustentassem, que havia um certo relacionamento, e outros
exageravam dizendo que a ação era absolutamente independente do Direito subjetivo.
Surgiram, então, todas aquelas teorias que são conhecidas dos juristas. Ação como Direito
subjetivo, concreto, o direito dirigido ao Estado, para que o Estado venha dar uma
sentença favorável àquele que tem Direito Material violado por outrem, ou, venha declarar
uma determinada situação, existindo ou não existindo, mas em função de um interesse
que decorre de Direito subjetivo.

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DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

Pois bem, a teoria da ação como direito concreto (em síntese, evidentemente, tendo em
vista a amplitude do tema), seria o Direito subjetivo, exercido perante o Estado, para que
este, mediante sentença favorável, desse ganho de causa ao autor. Se o Estado desse uma
sentença favorável, é porque teria havido direito de ação, já se a sentença fosse
desfavorável, é porque não ter havido esse direito. Daí se dizer: ação procedente e ação
improcedente e se falar até, em carência da ação. O que é inconcebível, quando se
considera que a ação é um direito absolutamente abstrato, porque nunca será carecedor
dela, nem a ação será procedente ou improcedente. Se há procedência ou, a
improcedência, a rigor esta seria do pedido inserido dentro desta ação.

Há, ainda, uma outra teoria, que é a de Kohler. Dizia se nós consideramos a ação um poder
dirigido contra o Estado, este poder nasce de que? Da vontade humana. Porque qualquer
pessoa pode dirigir-se ao Estado, e pedir que este preste jurisdição. Então ele dizia: "Isso
é faculdade".

Então dizia Kohler: o direito de ação é uma faculdade jurídica, daqueles poderes que, na
Teoria do Direito, nós chamamos de "faculdade", simplesmente.

Na realidade, o direito de ação é um Direito potestativo, segundo Chiovenda. A diferença


entre Direito subjetivo e Direito potestativo, decorre e: característica do Direito subjetivo,
em ser um poder correlato a um dever. Toe: direito subjetivo tem que ter a colaboração do
titular do dever. Por isso é que todo direito subjetivo, é eminentemente violável. Os direitos
potestativos não. Os direitos potestativos são faculdades que decorrem de uma relação
jurídica pré-existente, em virtude da qual um dos integrantes dessa relação jurídica tem o
poder de transformar aquela relação, ou de criar uma relação, ou de extinguir aquela
relação anterior, submetendo a outra parte.

O Direito potestativo, é um poder a que não corresponde um dever, mas é um poder que
se exercita dentro de uma relação jurídica, submetendo a outra parte dessa relação
jurídica; que fica sujeita à atuação unilateral do titular do poder. Em outras palavras, no
Direito subjetivo, há a necessidade de colaboração de alguém - que é o devedor - no Direito
potestativo, há um poder que não necessita de colaboração de ninguém, porque é um
poder que se exercita unilateralmente, e sujeita outra ou outras pessoas a esse poder.
Dizia Chio venda: "A ação é um direito potestativo, com relação ao réu", porque no mo
mento em que o autor provoca o Estado a prestar jurisdição, o réu está submisso a isso.

Esta teoria de Chiovenda se situa numa faixa conciliatória, entre civilistas e publicistas,
porque traduz sua preocupação com relação entre o autor e réu através do juiz. Disse que
a ação era justamente um direito potestativo, pelo qual se provocavam os juízes, e se
submetia o réu a vir integrar a relação jurídica processual.

Esta posição conciliatória, ou pelo menos não extremada, que não desvinculava totalmente
o direito de ação, do Direito Material, é, a meu ver, a posição correta. Não nesta formulação
como foi feita por Chiovenda, em que se deixava na penumbra a relação entre o autor e o
Estado no momento de desencadear a ação, mas como posição em que se vinculavam as
características do processo, à sua natureza intrínseca, de ser ele um instrumento de tutela
do Direito subjetivo, sem cuja tutela, deixa de ser o Direito, Direito subjetivo, porque será
um poder, que não pode ser exigido senão pela força bruta, o que é a negação do próprio
Direito subjetivo. E por isso mesmo é que hoje confesso aos senhores, que a minha

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DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

inclinação é no sentido de considerar que a ação, na realidade, não é sequer Direito


subjetivo, a ação é uma mera faculdade que tem alguém de provocar o Estado para que
este venha prestar jurisdição e de submeter a pessoa do réu, para receber também, essa
jurisdição. E se dirá: isso não é Direito subjetivo contra o Estado, de exigir dele uma
prestação jurisdicional? Não, por uma razão. Eu pergunto: existe algum credor que tenha
um direito contra o devedor, que, no momento em que o credor exige do devedor uma
atuação, essa atuação não seja em benefício do próprio credor? Porque o Direito subjetivo
é um poder que se dirige contra alguém para satisfação daquele poder, portanto em
benefício do titular daquele poder. E eu pergunto aos senhores: quando alguém se utiliza
desse chamado "Direito subjetivo", contra o Estado, o que exige do Estado? Ele exige que
o Estado venha prestar-lhe necessariamente um benefício? Não. Ele provoca o Estado, a
prestar jurisdição.

A prestação de jurisdição, o que é? É a atuação do poder de jurisdição, poder esse pelo qual
o Estado submete tanto o autor quanto o réu, de modo que o próprio autor que provocou,
pode, afinal, vir a ser prejudicado. Basta que se julgue improcedente o seu pedido, para se
negar aquilo que ele pretendeu, e mais, para agravar a posição dele, inclusive com a
sucumbência e inclusive, portanto, com a possibilidade de a atuação do Estado se fazer
antes em benefício do réu, do que propriamente em benefício do autor. Se isto fosse
colocado em termos de Direito subjetivo, seria o único Direito subjetivo, em que o devedor
em vez de cumprir um dever, estaria, na realidade, exercitando um poder de submissão
em face do credor.

Por isso é que hoje a minha posição se coloca dessa forma: a meu ver a ação nada mais é
do que esta faculdade de provocar o Estado. Isto aliás o Direito germânico-bárbaro dizia
muito bem: é uma queixa, é uma reclamação. Mas uma reclamação - e por isso as
correntes processualísticas mais modernas distinguem: o direito de ação daquilo que, hoje,
se chama de "pretensão processual"

O que interessa, no processo, é a chamada "pretensão processual", que não se identifica


com a pretensão material, porque esta seria a direção que toma o Direito subjetivo contra
a pessoa a quem compete satisfazer aquele direito. Esta seria, a pretensão material; e não
a pretensão de se reclamar ao Estado, e portanto de se pretender que o Estado venha
prestar a sua jurisdição e, portanto, venha atender aquela "reclamação", que lhe faz o
autor.

Considerando, portanto, essa concepção mais recente, que o que importa propriamente é
o processo, é essa pretensão processual, e não propriamente: direito de ação, por ser ele
um instituto pré-processual - anterior ao processe - e, conseqüentemente, um instituto
que seria mais de natureza constitucional, do que propriamente de natureza processual.

A meu ver, o problema é que nós precisamos retomar à realidade, e re tomar a realidade
desta forma: afinal de contas o que vem a ser isto a que se chama direito de ação?

Sabem os senhores, que tudo, em última análise, gira, no terreno do nosso sistema
jurídico, em torno da concepção do Direito subjetivo. Em o Direito subjetivo é um poder,
para satisfação de interesses, poder concedido e tutelado pelo Estado, em face de alguém.

No momento em que esse poder é violado, há necessidade de, uma das duas: ou o

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DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

indivíduo exercita o seu poder por si mesmo, se puder - e isto é a negação da ordem
jurídica moderna, ou o indivíduo se conforma com esta ordem jurídica, que existe para isto
mesmo, para impedir a guerra privada, e então, se socorre da atuação do Estado, para o
Estado titular aquilo que ele disse que garantiria, que era aquele poder, que a ordem
jurídica por ele, Estado elaborada e em função dos fatos que a desencadearam no mundo
real, atribuindo a alguém um poder, seja observado.

Ora, mas não se pode também deixar de lado a circunstância de que n: processo, interfere
o Estado, que separa as partes do Direito Material, que se para - vamos considerar
hipoteticamente a figura do credor e do devedor que se auto-executem entre si, porque o
Estado submete todos ao seu pode: de jurisdição. E, por isso, como então visualizar este
fenômeno da ação, vinculada ao Direito subjetivo? Porque a ação para o privatista, nada
mais é de que a tutela do Direito subjetivo, o que para ele é absolutamente indispensável,
porque sem ela não há Direito subjetivo.

Para o processualista, a ação será um instrumento dessa tutela, que se estuda, mas sem se
perder a noção de que é instrumento. Não tem sentido considerar-se que o processo seja
um fim, quando o processo, na realidade, é um meio. Nem por isso fica diminuído. De nada
adianta um poder, de nada adianta o Direito Material, sem o Direito formal, de nada
adianta um poder, sem um meio pelo qual esse poder se exercite, realmente, na sua
plenitude. E de nada adianta a lei atribuir abstratamente poderes, sem que haja possível ao
próprio Estado, ensejar a atuação concreta dessa lei, no caso que se apresenta diante dele,
em que alguém a está infringindo concretamente. Por isso mesmo, é que me parece que
em última análise, a ação, que para o civilista seria intrínseca mente vinculada ao Direito
subjetivo, e, que para o processualista, estudada em si mesmo, como a idéia fundamental
do seu ramo de Direito, mas sempre como meio.

Vejam os senhores que, mesmo nas ações declaratórias negativas, há a necessidade de se


provar o que se chama "interesse processual". Que é isto? É justamente a demonstração
de que existe um interesse na controvérsia. Se ninguém estiver alegando nada com
relação a mim, evidentemente não tenho interesse processual de propor uma ação
declaratória negativa contra alguém, que não está dizendo nada a respeito da existência de
uma relação jurídica que teria comigo.

Por isso mesmo é que nós temos as chamadas "condições da ação", que são condições
abstratas. São formas que vinculam ao interesse material, porque quando se fala em
legitimidade, está-se aludindo a que àquele direito ou àquela situação de interesse,
concreta, de Direito Material.

Então vejam os senhores que, em última análise, a meu ver, a ação nada mais é do que a
faculdade que tem alguém, que se pressupõe que esteja na defesa de um direito subjetivo
seu, ou, na fixação de uma situação, que em última análise, está ligada a um direito
subjetivo seu poder de provocar o Estado. É apenas um poder de provocação. Porque o
Estado não pode agir por si mesmo, ele tem que ser provocado.

No momento em que o provoca, se desencadeia uma série de faculdades e alguns deveres,


com relação não apenas a quem desencadeia, mas com relação também à figura do réu,
que está submissa a esse "poder de desencadeamento", provocado pelo autor. É portanto,
uma faculdade, perante o Estado, de provocar e um direito potestativo, que se exerce

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DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO

através do Estado, com relação à pessoa do réu, que fica submissa àquela provocação feita
pelo autor. Uma vez provocado o Estado, ambos não podem senão submeterem-se àquela
apreciação que o Estado vai fazer, que pode beneficiar tanto o autor quanto o próprio réu.
O direito de defesa nada mais é do que a faculdade de defesa, que se dá ao réu.

O direito de ação Luís Bueno Vidigal, chegou a sustentar que a ação não é um direito, mas
um ônus. Porque, na realidade, há o ônus da ação, por parte daquele que tem o direito
subjetivo violado.

Vejamos em que consiste o ônus. Carnelutti, uma genialidade formidável, tem uma frase,
que, para mim, é uma frase de efeito - pode ser que a ignorância seja minha, os senhores
me desculpem - mas é uma frase de efeito:

"O ônus é o dever para consigo mesmo, e, portanto, o ônus está situado no campo do
dever".

A meu ver, é exatamente ao contrário. Ônus quer dizer o peso, o encargo, o trabalho, de
exercitar uma faculdade. Por isso é que se diz: "O direito de defesa, ou a faculdade de
defesa". E se diz o ônus da defesa por que? Porque a defesa dá trabalho, a defesa para ser
exercitada, é preciso justamente que o indivíduo que vai exercitá-la tenha o ônus de seu
exercício. Portanto, o ônus, na realidade, nada mais é do que o exercício de um poder, seja
ele um direito subjetivo, seja ele uma faculdade jurídica, seja uma mera faculdade, seja em
fim, qualquer tipo de poder existente no campo do Direito. Por isso é que se pode dizer:
direito de defesa ou ônus da defesa; direito de ação ou ônus da ação. Na realidade, o ônus
está ligado a essa situação ativa, que é a de ter um poder. E como o poder tem que ser
exercitado, o exercício desse poder é um peso, é um ônus para quem o exercita.

Os senhores me perdoem a imprecisão de muitos conceitos, me perdoem a profusão de


idéias, e eu agradeço a infinita paciência que tiveram, me ouvindo durante 1h e 40'.
Obrigado.

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