Bem Jurídico Penal

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 14

BEM JURÍDICO PENAL: TRANSCORRÊNCIA HISTÓRICA E ÉTICA

ARGUMENTATIVA
Yuri Castro Carneiro

Resumo: O estabelecimento do Direito Penal como ramificação de utilização


subsidiária da estrutura jurídica não é por menor justificada inadequadamente, caso
haja em sua esfera argumentativa o fato de ser este o modo mais colérico no que
tange a essência do ser humano quanto a sua dignidade e liberdade, visto que, o
Direito Penal é a modalidade mais agressiva de reprovação de condutas, correção
comportamental e, por conseguinte, sistematização das penas cominadas. Em
decorrência destes fatos, o objetivo deste trabalho, através de uma análise temporal
sobre a classificação do bem jurídico penal nas diversas correntes e suas funções, é
justificar a sua indexação ao tipo penal, ou seja, elemento integrante e indissociável
da própria norma, e detalhar qual papel urge como fundamental a concretização de
um Direito Penal adequado e justificável racionalmente, por intermédio, se possível,
de uma nova interpretação da doutrina clássica fundamentada analogamente em
corrente filosófica semelhante, construindo uma nova imagem de integração entre
bem jurídico e Direito Penal.

Palavras-chave: Bem jurídico, direito penal, tipo penal, norma.

1. INTRODUÇÃO

No que concerne aos aspectos estruturais do sistema normativo que se deseje


detalhar a fim de justifica-lo numa devida medida de racionalidade e logicidade,
considera-se importante a conceituação do que seja o Bem Jurídico Penal com o
intuito de, integrando-o na estrutura do Tipo Penal, tornar legítimo o quadro normativo
que os contém e, anexar ao código legal em comento a legalidade necessária para a
manutenção de um sistema penal compatível com as noções de dignidade da pessoa
humana, através de uma justificativa dogmática pertinente.

Desta forma, apesar de não ser uníssono na doutrina a definição do que seja o
referido termo, ao partirem da mesma ideia, em síntese de: “Elemento identificador
das condutas criminosas”, ou seja, a centralidade do que seria uma conduta
penalmente relevante, podemos identificar em distintas ramificações da academia
conceitos que são relevantes a nível de estudo e debate da estrutura do tipo penal e
da proteção dos indivíduos que são submetidos a organização comportamental que
pretende elucidar aquele tipo, tal qual a definição sucinta, porém esclarecedora de
Nelson Hungria (1958), citada por Yuri Carneiro Coelho (2003, p. 126.) quando trata
o bem jurídico como item que “incide sob a proteção do direito in genere”, a
conceituação do referido autor é prática e adequada ao entendimento do termo na sua
assunção fática como limitador da extensão da norma, sob quem se deve punir
mediante qual comportamento a partir da violação de qual item, sendo este item o
bem jurídico definido no tipo, objetiva ou subjetivamente, portanto, é o bem jurídico
para Nelson Hungria, a substancia digna de proteção no interior da norma.

Destarte, sem deixar de lado outros doutrinadores, podemos elencar aqui o


entendimento de Juarez Tavares quanto ao que o mesmo entende como Bem Jurídico
Penal em consonância com a explanação feita acerca do conceito anteriormente
referido, de “fundamento da incriminação” (TAVARES, JUAREZ. Teoria do injusto
penal. Op. cit., p. 181.). Ademais, de acordo com Cezar Roberto Bittencourt (2000),
citado por Yuri Carneiro Coelho (2003, p. 129), o bem jurídico pode ser definido como
todo valor da vida humana protegido pelo direito, constitucionalmente assegurado,
rechaçando-se os postulados funcionalistas de proteção de um determinado status
quo. Já Cláudio Brandão (2001), ainda conforme cita Yuri Carneiro Coelho (2003, p.
129), bem jurídico deve ser definido, pois, como o valor tutelado pela norma penal,
funcionando como um pressuposto imprescindível para a existência da sociedade. Por
fim, se é que se pode pontuar deste modo, há a seguinte definição, mais completa e
que atribui características novas que serão abordadas:

Bem jurídico penal é um valor tutelado pelo direito penal, que possui seu substrato
na Constituição, ancorado na realidade social, sendo o elemento material da estrutura
do delito e que tenha a capacidade de relativizar o princípio da liberdade e de
concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana enquanto valor fundamental
para a convivência pacífica em sociedade. (COELHO, 2003, p. 130).
1.2.Funções do bem jurídico

Já definido e bem traçado a conceituação do termo, é de plena razoabilidade


determinar que cada item materialmente definido e integrado na estrutura do tipo
penal, está e deve estar ali com uma finalidade bem definida de acordo com o desejo
do indivíduo criador do respectivo item normativo, com suas adequações e recortes
feitos com o intuito único e exclusivo de adaptar melhor a lei penal às suas diversas
finalidades, desta forma, o bem jurídico se propõem a introduzir um elemento na
estrutura normativa, esta que tem como intuito, além de atribuir punições diversas
como consequência da violação do aparato estatal, prevenir os seus subordinados
contra as condutas manifestamente ilegais que podem ser exercidas por qualquer
agente (a inimputabilidade não torna o exercício impossível), pressupõem que este
não pode ser neutro, pois, seria deveras irrelevante adicionar um elemento neutro, ou
seja, que não cumpre com os objetivos previstos no seio da regulação
comportamental sobre a qual tratamos, por não se prestar ao papel de auxiliar na
punição e/ou na prevenção dos atos que se encontram na esfera da possibilidade de
realização por parte da esfera populacional em tela.

Destarte menciona-se que, qualquer bem jurídico introduzido no âmbito da


legislação penal, por tratar de elemento central do tipo o qual já identificamos seus
diversos conceitos, pode destacar que este é e deve ser como critério existencial
lógico, imbuído de valor, valor este que se demonstra a partir da adequação da
conduta X como criminosa, como violadora de parâmetros sociais adequados de
atuação no que tange ao respeito do ser como equivalente existencial e dono dos
mesmos direitos que o ente delinquente, isto é, algo negativo perante a sociedade.

Portanto, se existe no bem jurídico valor capaz de categorizar as ações e


omissões como posturas que não devem ser valoradas positivamente em toda
organização social, há funções que são próprias deste componente e podem ser
classificadas, segundo Coelho(2003) em função limitadora da possibilidade de punir
estatal, na função sistemática e na dogmática.

Função de limitação do Jus Puniendi Estatal: Em suma, o legislador não poderá


criminalizar uma conduta que não venha a ferir bem jurídico penalmente protegido,
pois caso contrário cairá em violação crassa do princípio da legalidade, tendo como
intuito subordinar o legislador não a mera vontade da estrutura estatal que subordine
qualquer conduta como delinquente a bel prazer, mas delimitar a área em que seja
factível o estabelecimento razoável dos que seriam os movimentos criminosos, na
tentativa de fugir de qualquer possibilidade de transformação do que seria uma
sociedade com leis eticamente justificáveis para um Estado autoritário.

Função sistemática: Esta consiste numa adequação organizacional para


melhor entendimento do próprio código, valoração do legislador e do hermeneuta,
além da possibilidade conveniente de interpretação diante da instituição da relação
bem jurídico x conduta criminosa conforme critérios de similitude e proporcionalidade
adequados, e conforme Luiz Regis Prado (1997), citado por Yuri Carneiro Coelho
(2003, p. 132.), auxilia “como elemento classificatório decisivo na formação dos
grupos de tipos da parte especial do código penal”.

Função dogmática: O bem jurídico, ao determinar e delimitar o alcance da norma


penal serve como critério interpretativo de indexação do fato supostamente típico ao
texto previsto no código, ou seja, é objeto fundamental para ponderação do
magistrado e do hermeneuta quanto a linha tênue entre a ação típica e o
comportamento legal, devendo ser inclusive, centro da análise entre os elementos
objetivos e subjetivos que fazem parte da conduta que viola o ordenamento jurídico
respectivo.

2. TEORIAS DE FORMULAÇÃO DO BEM JURÍDICO

Tratado o bem jurídico na medida das suas definições e funções conforme a


doutrina, é imperiosa a discussão sobre quais seriam os bens jurídicos penalmente
relevantes a ponto de serem tutelados ou a partir de que noções dogmáticas far-se-ia
a distinção necessária para a concretização de um Direito Penal baseado na tutela de
bens jurídicos, quais critérios seriam necessários para tanto. Visto que este
questionamento é o mais central no que corresponde ao tema, abordaremos uma
síntese histórica com as principais correntes que se prestam a abordar o conceito de
bem jurídico, atravessando o pensamento iluminista, e membros da academia como
Feuerbach, Birnbaum, Binding, Von Liszt e os Neokantianos.

2.1 Iluministas
Há neste momento histórico, talvez a relação mais simplória entre o direito
penal e a tutela dos indivíduos que devem ser abordados a nível de proteção justa e
eficiente por parte do Estado. Como é sabido, a transição do absolutismo Europeu,
este que é marcado por uma organização coercitiva fundamentada na moral religiosa
e que, consequentemente pautava as infrações penais em valores teológicos além da
concentração de poderes nas mãos do chefe de estado, para o Estado liberal,
racionalista, que detém o crédito histórico pela exposição da doutrina defensora dos
direitos inatos, subjetivos, dos indivíduos ao mundo, e da consequente transformação
do direito cunhado na moral religiosa para um direito privatista e metafísico, pode ser
melhor entendida se colocado no presente plano as noções de bens jurídicos
compreendidas no referido momento histórico.

Se é salutar destacar que existem direitos distintos entre as épocas


supracitadas, de importância ainda maior é dar o devido destaque aos pontos capitais
das teorias desenvolvidas durante o período iluminista no que toca a proteção de bens
jurídicos. Já que, no período governamental pregresso estavam todos os indivíduos
submissos a vontade do monarca, pois, este era o representante da vontade divina
na terra, exige-se pela população o conserto deste nítido problema que põem em
xeque qualquer possibilidade de seres humanos conviverem por quantidade razoável
de tempo em condições de paz mínimas.

A mutação da forma de governo autocrática permeia a formação do Estado


moderno, e desta forma, são intrínsecas ao processo de construção deste, algumas
características elementares propostas pelos intelectuais e acadêmicos da época tanto
em nível de validação desta nova modalidade de governo, quanto de objetivos dessa
instituição claramente dissonante da anterior.

Precisamente, o Estado necessitava de limitações, visto que era e é


injustificável, o uso desgarrado de legitimação, e inadequado para proteção e punição
dos entes que fazem parte de sua estrutura realizada por este ser inanimado, porém
representado por autoridades tão deslegitimadas quanto, isto posto, a limitação do
poder de punir estatal era objetivo essencial da transição histórica citada.

Outrossim, para que se demarque a margem de atuação do Estado, este deve


ser delineado pelos indivíduos que serão regidos de forma clara e uníssona, para tal,
outro ponto elementar é a justificativa estatal dos contratualistas, com ênfase
necessária a John Locke, que, assim como Thomes Hobbes e Jacques Rousseau,
identificam na teoria do contrato social a justificativa adequada e válida, de modo
atemporal para qualquer indivíduo dentro da jurisdição que se pretende atuar aquele
ente.

Deste ponto partimos para o que será de maior importância neste trabalho
cientifico, se justificado o Estado através do contrato social, e discernida sua função
primordial, a limitação do direito de punir do Estado, questiona-se, através do quê?

Através de bens jurídicos descritos de modo que os homens não possam


simplesmente removê-los ou argumentar contra sua existência única e
exclusivamente pelo comum prazer de fazê-lo, utilizando, portanto, dos direitos
naturais deduzidos da existência humana como a liberdade, e a (auto)propriedade,
desta forma, a nova estrutura conceitual e material do delito estaria estratificada na
violação destes direitos inatos, pré-jurídicos, que seriam os únicos razoavelmente
legítimos e merecedores de anteparo jurídico, pois, se transgredidos, violariam o
próprio contrato social.

2.2 Birnbaum

Este é tido por boa parte da doutrina como patrono da concepção do termo bem
jurídico, e faz em seu processo de edificação da significação da palavra críticas
veementes a Feuerbach (autor que será tratado posteriormente para fins didáticos),
já que, Birnbaum “buscou a construção de uma nova concepção de crime, pautada na
lesão de um bem jurídico, e não de um direito subjetivo” (COELHO, 2003, p.39).

Assim, Birnbaum deixa de lado as compreensões impalpáveis trazidas à tona


pela proteção dos direitos subjetivos e tenta nos colocar diante da existência de um
mundo com particularidades reais distintas das que podem ser abordadas por noções
extra perceptíveis, culminando na proteção de bens jurídicos reais do ponto de vista
da percepção sensível, sendo exatamente por isso, pela capacidade de percepção do
legislador, que este deve ser responsável por reconhecer os bens jurídicos advindos
da realidade dos fatos vividos e do contexto sócio-econômico-cultural convividos pelos
agentes em comento, podendo o delito violar outros interesses que não apenas os
individuais, pois, se exposto o legislador a realidade sociais específicas, pode ser
objeto de tutela de um direito penal que transcende a uma característica
exclusivamente privatista, a proteção, inclusive, de valores morais e religiosos.

Portanto, Birnbaum, apesar das raízes iluministas e do ponto de tangencia com


Feuerbach, mesmo com as duras críticas proferidas contra este, demonstra quem
sabe, uma tendência e certa concretização de ruptura sob a égide do que pode ser
violentado a níveis individuais, coletivos e difusos, mediante a ressignificação do
termo bem jurídico, com um misto de importância a determinado materialismo atrelado
a destinações sociais organizadas sistematicamente com o intuito de cuidar de
interesses que negam a pura individualidade dos sujeitos na medida das relações
interpessoais e da notoriedade do resguardo desses interesses socialmente
relevantes.

2.3 Binding

Este, urge na construção jurídica do elemento integrante do tipo penal com a


finalidade de afastar das questões penais suas justificativas pré positivas,
transcendentais, para assim, idealizar a norma e a manifestação estatal como,
conforme Manuel Da Costa Andrade (1990), citado por Yuri Carneiro Coelho (2003, p.
43), é a “única e definitiva fonte de revelação do bem jurídico”, indicando a
superioridade formal e moral do Estado, além de uma tendência a falta de
possibilidade de limitação de punir do direito positivista, se seguido ipsi literis sua
definição.

Tendo em vista a elucidação realizada, conclui-se o total repúdio quanto a


existência de possíveis bens jurídicos que não foram criados pelos homens, apenas
reconhecidos e validados, possibilitando neste recorte histórico, a partir do dirigismo
estatal, criar direitos e deveres que devem de acordo com o legislador que esteja
responsável por tal atividade, ser, a partir daquele momento, os únicos necessários a
uma interação adequada no âmbito da interpessoalidade, criação que é consequência
direta dos fundamentos comportamentais dos indivíduos, suas influencias direta e/ou
indiretas, os mecanismos de controle que são exercidos esmagadoramente sobre
eles, e, o quanto o fluxo variável de economia-cultura pode teoricamente tornar
necessária a intervenção na ação humana (tratada como uma variável bioquímica)
objetivando o amolde desta nas condições desejadas pelo Estado, e
consequentemente, por sua legislação, ao definir quais bens jurídicos são passíveis
de tutela, por conseguinte, seria livre o legislador para considerar qualquer bem
jurídico como digno de proteção penal.

Em conformidade com os argumentos supramencionados acerca da


desvalorização dos fatores metafísicos de justificação das normas, Binding ainda
reitera que, todo e qualquer bem jurídico se refere a comunidade e a proteção dos
interesses sociais como tais, pois, não haveria distinção entre bens jurídicos supra-
individuais e individuais, desta forma, a comunidade jurídica englobaria todos os seus
componentes, impossibilitando a desvinculação do direito entre eles, desta forma,
todo e qualquer direito e, portanto, bem jurídico, era não somente um bem jurídico
individual, quanto coletivo na mesma proporção já que, só tem razão de ser em função
da coletividade.

2.4 Neokantianos

Apesar de ter como contraste nítido com o positivismo jurídico, o provimento de


valor dentro do seu sistema organizacional, não está tão distante assim a nível de
fundamentação da noção de bem jurídico anteriormente citada. Contudo, como
houvera sido dito, os neokantianos consideram a existência de valores como
direcionadores para que a norma seja erguida, não valores individuais, mas culturais,
pois os valores determinariam o andamento da vida humana, influenciando na vida
societária e sendo reafirmada na medida que é influenciada reciprocamente, pois, se
existe um valor que é cultural, a cultura apenas se expõe a partir da prática reiterada
de ações e costumes ao longo do tempo com a espontaneidade necessária para que
se mantenha apesar das circunstancias, dessa forma, o bem jurídico aludido por estes
academicos, estaria representado na própria finalidade da norma, enquanto
simultaneamente seria o elemento central do complexo cultural do qual surge o direito
enquanto tipo penal.

Da mesma forma que o bem jurídico positivista, e aqui inclusive uma das
semelhanças entre as respectivas correntes de pensamento, a valoração cultural não
resulta num limite a possibilidade de punir estatal, pois, não há perspectiva de
determinar a natureza material do bem jurídico, e muito menos, da emissão de juízos
de valor analíticos sobre o binômio positivo-negativo da respectiva cultura e do
comportamento e/ou bem jurídico protegido a partir desta, tornando esta uma
justificativa absurdamente vaga.
3. ÉTICA ARGUMENTATIVA

Inicialmente, partiremos da conclusão para que torne-se clara a linha de


pensamento aqui firmada, a ética argumentativa seria uma tese de Hans Herman
Hoppe, autor da Escola Austríaca de Economia, e sua conclusão é que a ética
libertária seria a única lei válida e aplicável a todos os indivíduos a qualquer tempo,
pois, quaisquer outras éticas ao contrário desta, se utilizadas, cairiam em contradição
performática. Pontos principais para o entendimento razoável desta corrente de
pensamento, é a definição de contradição performática e do que seria a ação humana,
portanto, façamo-las.

Uma contradição performática (performativa), instituto desenvolvido por Jurgen


Habbermas e utilizado como fundamento teórico na tese de Hoppe, consiste numa
contradição entre o que é dito/escrito, e o que é intrínseco a pessoa ou a própria
argumentação no ato da fala/escrita, é um comportamento contraditório e resulta
numa contradição existencial, uma possibilidade do “não ser”, “ser”, ou seja de um
“NÃO A” equivaler a um “A”. As pressuposições de quem realiza a argumentação tem
de contradizer o enunciado asserido, como se qualquer indivíduo pudesse argumentar
que não existe, quando o ato-fato de argumentar recai logicamente na existência
deste.

Ademais, é indeclinável demonstrar o restante do alicerce da teoria hoppeana, a


teoria da ação, esta que será demonstrada a partir da assunção de um argumento
como verdadeiro, a utilização de uma premissa maior que inicialmente se concluirá
verdadeira, para que no decorrer do texto, teste-se a veracidade desta afirmação que,
neste caso, seria a afirmação de que SERES HUMANOS NÃO AGEM. Supondo que
este seja o ponto central de uma argumentação, deduz-se que alguém a fez, caso
seja possível afirmar que seres humanos não agem, essa constatação implica a sua
realização por alguém, um indivíduo, objeto central da análise em comento, tendo em
vista que, ideias e sua consequente exposição não se realizam sozinhas, toda
emissão de pensamentos e juízos feitos deve ser praticada por alguém, por que se
não o fosse, impossível seria a sua existência, que pressupõem a do homem que a
exteriorizou. Ora pois, se pudera, numa conclusão semelhante à de Descartes, influir
que a existência do homem existe a priori nessa argumentação, continuar-se-á nesta
linha de raciocínio. Sendo a ação definida como a manifestação da vontade humana,
esta implica a existência de uma ESCOLHA, feita ao agir, pois é consequência da
própria manifestação de vontade, já que apenas podemos manifestar nossa vontade
sobre algo ou algum fato, da VALORAÇÃO, já que, ao escolher, preterimos quaisquer
outras opções disponíveis para que possamos consumar o desejo pelo objeto não
preterido, destarte, as outras duas implicações lógicas, quais sejam o tempo e a
escassez, serão melhor abordadas a frente. Divago, porém retorno, se um
pensamento é exposto por um indivíduo, e deduzimos simploriamente, claro, a sua
existência, havemos de concluir um binômio acerca da possibilidade de ação no ato
em comento, referente a EXPOR o pensamento(e que assim o fez), ou vice versa, a
tentativa de negar a ação humana é clara e evidentemente rechaçada pela
possibilidade de escolha do homem quanto a sua conduta futura(no momento que
antecede a ação, claro), ademais, reafirmando um dos outros pressupostos de
validade do axioma da praxeologia, a valoração, como já foi explicado, houvera sido
mais valioso para ele naquele momento, a partir do meio que lhe era facultado,
exprimir sua opinião, que não fazê-la, deste modo, podemos observar que qualquer
tentativa de negar a ação humana, recairá nos seus pilares de validade e existência,
sendo assim, uma contradição performativa, desta forma, conclui-se por obviedade
que, todos os seres humanos agem.

Exposta a essência da ética de propriedade, ou de um dos sub-descritivos


utilizados para embasa-la, é mister salientar que a sobreposição do método reverso
de dedução a partir de uma argumentação não poderia ter sido escolhido ao acaso; é
justamente essa mesma argumentação que será ponto central da teoria de Hans
Herman Hoppe, explicarei o motivo. Aliadas as particularidades concernentes a ação
anteriormente descritas, estão as duas categorias supramencionada que ficaram
conclusas a uma melhor descrição e indexação ao nosso ponto central de discussão,
o autor responsável pela construção desta teoria nos traz que a origem de todos os
conflitos é a escassez, isto é, a negativa da finitude, além disto, que esta atinge todos
os recursos(meios utilizados para a consecução de um fim), pois caso os recursos
não o fossem, seriam infinitos, e permeariam todo o espaço, impossibilitando a ação(o
que já foi minunciosamente impossibilitado), posto que todos os fins existiriam num
universo infinito, o que se demonstra totalmente incoerente, ademais, há total
inverossimilhança quanto a existência de critério temporais, pois, para que um recurso
seja infinito, é imprescindível que o tempo inexista, já que, a sua presença conclui que
os recursos estão submetidos a escassez, dado que caso não fosse desta forma,
pressuporia que o universo é imutável e sempre esteve e estará do modo que se
encontra, considerando que os recursos sempre estiveram neste universo atemporal
e a ele estarão submetidos eternamente, concluindo que, os recursos são escassos.

O corpo, deste modo, é um recurso escasso, recurso pois é meio utilizado para
que obtenhamos o fim desejado, e escasso pois não pode atingir dois fins ao mesmo
tempo, assim, podemos inferir que os conflitos surgem na medida que indivíduos
tentam utilizar o mesmo recurso para fins conflitantes, o que apenas pode ocorrer com
recursos escassos. Deste modo, uma ética, classificada como regramento de normas
destinadas a dizer o que não se deve fazer, carece apontar quais comportamentos
devem ser seguidos para não gerar conflitos, podendo ser aplicada a todos os seres
humanos a todo tempo sem que nesta incorra conflitos internos, já que estes violariam
a definição do que é ética.

A ética qual nos referimos está implícita a priori na argumentação, onde esta
explicita que, indivíduos que argumentam, mesmo que não concordem em
absolutamente nada, terão que concordar sobre a existência deste consenso, e que
este é, portanto, um ato livre de conflitos. A única categoria capaz de reiterar a
veracidade do que foi alegado seria o controle exclusivo sobre o próprio corpo e o
consequente reconhecimento quanto a apropriação do outro perante si, visto que sua
negação implicaria em duas possibilidades segundo Murray Rothbard:

Uma certa categoria de pessoas tem o direito de ter a propriedade sobre outra
classe, ou; todos tem o direito de possuir sua própria fração sobre todos os
outros indivíduos. A primeira alternativa implica que enquanto uma classe
merece o direito de ser humana, a que difere é, na realidade, sub-humana.
Porém como eles são de fato seres humanos a primeira alternativa se
contradiz ao negar direitos humanos para quem efetivamente o é. [...] A
segunda alternativa sustenta que todos os homens deveriam ter o direito de
possuir a propriedade de uma parcela igual de todos os outros. [...] podemos
afirmar que este ideal se considera um disparate; afirma que cada homem
tem o direito de ter propriedade sobre parte de todos os outros, e, no entanto,
ele não tem o direito de ter propriedade sobre si mesmo. (ROTHBARD, 2013.
P. 43)

Perante as condições até aqui apresentadas, como a integral adequação dos


parâmetros de validade da ação humana a partir da argumentação e a utilização do
próprio corpo como recurso escasso(e sua definição) que o é, podemos através dos
conceitos abordados chegar à conclusão que apenas o direito subjetivo dos indivíduos
a auto propriedade(além dos seus descritivos posteriores que são o direito a
apropriação e a propriedade) é capaz de reger adequadamente na esfera do
comportamento os entes tratados no decorrer da argumentação. A ética é, assim, a
lei de propriedade, trazendo consigo inclusive, todos os seus corolários, como o direito
natural a liberdade, a (auto)propriedade e sua razão de ser, a própria vida, e portanto,
o Direito Penal e o estudo atinente aos Bens Jurídicos deve leva-los em consideração
a fim de salvaguardar um sistema sem contradições e capaz de transmitir as condutas
adequadas tanto com o objetivo de não se permitir conflitos, como o fazer sem que
também estabeleça dispositivos que violem estes direitos dos indivíduos, ponderando
os corolários e os descritivos da teoria Hoppeana como os Bens Jurídicos adequados
a esse fim, tal qual exposição previamente realizada, a partir de uma analogia a
Feuerbach.

4. FEUERBACH

Este, objeto de complementariedade da tese de bens jurídicos relevantes trazida


à tona no presente artigo, emerge em meio a influência pura e direta do iluminismo
quanto a proteção de direitos subjetivos, mas em contraponto, é também influenciado
pelo idealismo Kantiano no que está relacionado a separação entre o direito e a moral,
além da negação de qualquer finalidade de étimo religioso dentro dos propósitos do
direito penal.

Ainda para Feuerbach, o delito seria, a priori, elemento separado das concepções
teológicas e morais, e definir-se-ia como “lesão de um direito subjetivo que decorre da
teoria contratualista aplicada no âmbito penal”, conforme entendimento de Luiz Regis
Prado. E Feuerbach, em concórdia com a tese que será abordada, acerta ao
considerar os direitos subjetivos como os bens jurídicos mais eficazes a consecução
de garantia das liberdades individuais, encerrando a lista nestes a priori, pois pode-se
valorar e ponderar a existência de bens jurídicos outros a partir de um consenso
universal mediante cada micro e/ou macrosociedade que se disponha a tal.

Mediante o exposto, quem, em harmonia com a ética argumentativa justifica um direito


penal a partir desta, tem de fazer uma junção com o referido autor clássico para que
reafirme a noção de direitos subjetivos exposta por ambos e definir, além da
exclusividade destes, por definição ontológica, no rol de bens jurídicos penal
imprescindíveis, a utilização coercitiva de qualquer corrente doutrinária que
fundamente bens jurídicos e que fuja desta órbita, irá violar em algum percentual a
própria existência dos indivíduos, já que, agrediria algum dos axiomas deduzidos a
partir da teoria da argumentação, e transgredindo-os, apenas o fariam indo de
encontro a própria essência humana, sendo deste modo, injustificáveis e anti éticos.

5. CONCLUSÃO

A discussão acerca da legitimidade da definição de um rol (i)limitado de bens


jurídicos existe e mostra-se elementar no Direito Penal pois, é pressuposto de
qualquer ramificação jurídica, digo, de uma teoria geral do direito que se permita,
nesse caso, tutelar os crimes mais gravosos contra os indivíduos subsumidos a
determinada jurisdição, e a depender da corrente, contra a ordem sociocultural que
permeia as relações interpessoais. Visto isso, uma análise histórica é necessária e
determinante a fim de elucidar possíveis equívocos nas teorias clássicas e que por
muito, fundamentaram a ordem jurídica mais essencial ao ser pois, trata-se
igualmente da mais gravosa a este. Desta forma, ao atravessar o mar de justificativas
do que poderia ser considerado um bem jurídico, suas funções e seus pressupostos,
concluir-se-á que um agrupamento entre a ética argumentativa, que justifica e deduz
a existência de apenas quatro direitos (que são naturais) e a corrente de bem jurídico
de Feuerbach, que além de também classificar o crime como lesão ou perigo de lesão
aos nossos direitos subjetivos, distancia-se da moral e dos critérios religiosos a nível
de fundamentação. Portanto, conforme expresso no presente trabalho, apesar da
imensa importância do processo de organização e construção das linhas de
pensamento sobre bens jurídicos por parte distinta da academia, esta se demonstra
útil principalmente para reforçar a sua antieticidade quando analisada a ética
argumentativa nos seus mais minuciosos detalhes, e em consequência do admitido
previamente no transcorrer do texto, é de extrema importância reafirmar que a
assunção da liberdade, vida, propriedade por absoluto e autopropriedade como os
bens jurídicos dignos de tutela penal configuram, a luz destas teorias, a única
possibilidade de abarcar o necessário e o ético, filosoficamente, dentro da esfera
penal, respeitando a existência de todos os indivíduos na medida de sua
universalidade, e protegendo-os adequadamente.
REFERÊNCIAS

COELHO, Yuri Carneiro. Bem Jurídico-Penal. Mandamentos: Belo Horizonte, 2003.

ROTHBARD, Murray N. Por uma nova liberdade: O manifesto libertário. 1. Instituto


Ludwig Von Mises Brasil: São Paulo, 2013.

TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003..

Você também pode gostar