O Brasil e A Asia No Seculo XXI - Ler Cap Altemani

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O BRASIL E A ÁSIA NO SÉCULO XXI:

AO ENCONTRO DE NOVOS HORIZONTES

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MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Ministro de Estado
Embaixador Celso Amorim
Secretário-Geral
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO


Presidente
Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella

INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS - IPRI


Diretora
Embaixadora Heloísa Vilhena de Araujo

DEPARTAMENTO DA ÁSIA E OCEANIA


Diretor
Embaixador Edmundo S. Fujita

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O BRASIL E A ÁSIA NO SÉCULO XXI:
AO ENCONTRO DE NOVOS HORIZONTES

Seminário Internacional
realizado em Brasília-DF
nos dias 7 e 8 de junho de 2001

Edmundo S. Fujita
Organizador

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Coordenação Editorial
Edelcio José Ansarah

Revisão
Rodrigo Nunes Valadares

Editoração Eletrônica
Isnaldo Martins

Seminário Internacional (2001 : Brasília).

O Brasil e a Ásia no Século XXI : Ao Encontro de Novos Horizontes /


Edmundo S. Fujita organizador. Brasília : IPRI, 2003.
247p.

ISBN 85-7631-007-4

Anexo: Seminário Brasil-Oceania : Novos Horizontes.


1.Brasil – Relações Exteriores – Ásia 2.Ásia – Relações Exteriores –
3.Ciência e Tecnologia – Cooperação Internacional – Fujita, Edmundo S., org.
II.Título.

CDU: 327(81:5)

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SUMÁRIO

Apresentação ................................................................................. 09

Palestra inaugural do Professor Celso Lafer ................................. 11

MÓDULO 1 - GLOBALIZAÇÃO E INTER-REGIONALIZAÇÃO:


PERSPECTIVAS MULTIDIMENSIONAIS ENTRE A
AMÉRICA LATINA E A ÁSIA

América Latina e Ásia: globalização,


identidades e diferenças ......................................................... 17
Cândido Mendes de Almeida

Perspectivas multidimensionais entre a


América Latina e a Ásia ......................................................... 29
Henrique Altemani de Oliveira

Parcerias inter-regionais numa era de globalização:


problemas e perspectivas ........................................................ 49
Lee Jae-Seung

As relações sino-brasileiras: passado, presente e futuro .......... 69


Li Mingde

MÓDULO 2 - IMAGENS E REALIDADES DA GLOBALIZAÇÃO:


A ÁSIA QUE VEMOS E A ÁSIA QUE NOS VÊ

Imagens e realidades: sob a ótica do jornalismo........................ 87


Atsushi Kubota

O Brasil e as várias Ásias ....................................................... 91


Brian Bridges

Brasil-Ásia: um esforço de aproximação. .................................. 99


Jaime Spitzcovsky

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Brasil - Ásia: o “Arco Dourado” ............................................... 107
Kuniko Inoguchi

Imigração, identidade e cultura: uma reflexão pessoal.......... 113


Tisuka Yamazaki

Palestra proferida pelo


Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg ....................................... 119

MÓDULO 3 - COOPERAÇÃO PARA O AMANHÃ: FRONTEIRAS E VEREDAS


DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

O Vietnã ingressa no século XXI ...................................... 133


Dang Huu

A indústria indiana de tecnologia e informação e as


possibilidades de cooperação com o Brasil .......................... 149
Gautam Soni

A cooperação em ciência e tecnologia


entre Brasil e Ásia ............................................................. 157
Gilson Schwartz

Ásia e Brasil: o impacto de novas tecnologias de


informação e comunicação e o futuro da cooperação
em ciência e tecnologia ........................................................ 165
Maria Inês Bastos

MÓDULO 4 - FLUXOS E REFLUXOS DE CAPITAL, BENS E TRABALHO


ÁSIA E A AMÉRICA LATINA: BAZAR E CARAVANSARAI DA
ENTRE A
GLOBALIZAÇÃO

Brasil e China: uma parceria estratégica e comercial ............. 173


Charles Tang

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Fluxos e refluxos de capital, bens e trabalho entre
a Ásia e a América Latina ........................................................ 185
Masato Ninomiya

Fluxos de capital, bens e mão-de-obra entre


o Brasil e a Ásia ................................................................... 205
Masuo Nishibayashi

A Ásia na qualidade de parceira econômica, social e


cultural para o Brasil .................................................................219
Pracha Guna-Kasem

Bangladesh: o país e seu entorno - as perspectivas de


cooperação com o Brasil ...................................................... 225
Tawfiq-e-Elahi Chowdhury

A trajetória asiática da Vale do Rio Doce ............................ 231


Yves Madeira

Pronunciamento de encerramento do
Embaixador Bernardo Pericás Neto............................................. 239

Programa do Seminário: “O Brasil e a Ásia no Século XXI:


Ao Encontro de Novos Horizontes” ........................................... 243

ANEXO
Seminário Brasil-Oceania: Novos Horizontes.............................. 247

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APRESENTAÇÃO

Do ponto de vista da política externa brasileira, a Ásia se apre-


senta como uma das frentes mais promissoras de atuação diplomática
no novo século que se abre. Trata-se de uma das regiões de maior
dinamismo do globo, abrigando uma riqueza de culturas, etnias, religi-
ões e instituições sócio-políticas.
O perfil do Brasil na Ásia se apresenta bastante sólido e consis-
tente. O Brasil abriga importantes contigentes populacionais de ori-
gens asiáticas diversas. Possui relacionamentos densos e harmoniosos
com vários países asiáticos e mantém o desejo de estreitar
crescentemente os laços com um número cada vez maior de parceiros
da região. Iniciativas abrangentes como a “Aliança para o século XXI”
com o Japão, a “Parceria Estratégica” com a China e a “Parceria Espe-
cial para o Século XXI” com a Coréia do Sul refletem a percepção de
lado a lado das ricas potencialidades desse relacionamento e dos cria-
tivos nichos existentes para a bilateral.
Em que pesem esses desenvolvimentos auspiciosos, há ainda,
em certos aspectos, uma significativa ausência de conhecimento e com-
preensão entre o Brasil e aquela região que necessita ser superada. O
presente seminário constitui uma iniciativa exploratória das perspecti-
vas que se abrem nas principais vertentes do relacionamento do brasi-
leiro com aquela região, propondo-se a estimular uma reflexão
multidisciplinar sobre cenários prospectivos para uma aproximação
ainda maior entre o Brasil e seus parceiros asiáticos.

Edmundo S. Fujita
Diretor do Departamento da Asia e Oceania
Ministério das Relações Exteriores

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PALESTRA INAUGURAL DO PROFESSOR CELSO
LAFER*

Senhoras e Senhores,
É com grande satisfação e, ao mesmo tempo, com um senti-
mento de expectativa intelectual que presido à abertura deste Seminá-
rio. Julgo extremamente bem-vinda esta oportunidade para uma refle-
xão conjunta entre participantes brasileiros e asiáticos acerca das pers-
pectivas do relacionamento entre o Brasil e a Ásia no novo século que
se abre. Como dois espaços geoeconômicos e culturais de grande dina-
mismo no mundo atual, temos muitas experiências a trocar e muita
sinergia a compartilhar. Tenho a certeza de que este seminário consti-
tuirá fértil incubadora para identificação dos desafios e oportunidades
que se colocam para nossas sociedades na era da globalização, assim
como para a proposição de criativas estratégias de cooperação entre
nós.
No final do século XIX, o Governo brasileiro passa a entrar em
relações formais com Estados asiáticos. Assim, em 1880, o Brasil fir-
ma acordo de intercâmbio comercial com o império chinês e, em 1895,
assina o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com o Japão.
Treze anos depois, em 1908, tem início a corrente imigratória regular
de colonos japoneses para as lavouras cafeeiras de São Paulo. Con-
quanto não seja o caso de me deter sobre esse ponto neste momento, a
contribuição desses imigrantes e seus descendentes à sociedade brasi-
leira constitui um marcante capítulo da formação histórica do nosso
País. Seguiram-se, posteriormente, não menos importantes contribui-
ções da imigração chinesa e coreana, ajudando a compor o que se tor-
nou conhecido como o “cadinho de raças” brasileiro, integrado pelas
mais diversas etnias e nacionalidades de origem.
Do ponto de vista da política externa brasileira, a Ásia se apre-
senta como uma das frentes mais promissoras de atuação diplomática
* À época Ministro de Estado das Relações Exteriores.

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e que cabe explorar ativamente. Ao longo do tempo, o Brasil foi tecendo
uma sólida rede de relacionamento com países asiáticos, tanto na ver-
tente econômica quanto na humana. Temos laços sólidos e cooperati-
vos com países como Japão, China, Coréia do Sul e Índia. Estamos in-
tensificando crescentemente o diálogo com os países do Sudeste Asiáti-
co e do Subcontinente Indiano. Dentro do País, abrigamos significativa
parcela populacional de origem japonesa, chinesa e coreana, assim como
temos importante comunidade brasileira vivendo no Japão. Tudo isso
demonstra que a Ásia não é estranha aos brasileiros. Entretanto, acredi-
tamos que muito mais pode ser feito para adensar ainda mais esses vín-
culos. Há ativo interesse na retomada de contatos de lado a lado.
Em tempos recentes, visitaram o Brasil, entre outros altos dig-
nitários, os Primeiros Ministros da Tailândia e de Cingapura, o líder
timorense Xanana Gusmão, os Ministros do Exterior da China e da
Malásia e os Presidentes da Indonésia e da China. O Presidente
Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, realizou visitas a China, Ín-
dia, Malásia e Japão durante seu primeiro mandato. Agora, no início
do novo século realizou pioneira visita a Seul, Díli e Jacarta. Esses
intercâmbios de alto nível, além de outras visitas ministeriais e empre-
sariais expressivas, auguram favoravelmente para uma nova fase as-
cendente nas relações entre o Brasil e a Ásia.
Este Seminário oferece oportunidade única para um fecundo in-
tercâmbio de propostas e avaliações. A comparação de análises a partir
de perspectivas e experiências diversas pode proporcionar conclusões
criativas e parcerias inovadoras. Temos muito a aprender uns com os
outros, e estou certo de que ao final do exercício sairemos enriquecidos
com uma melhor compreensão mútua de nossos realidades.
Um dos temas a se perquirir neste Seminário poderia ser a ques-
tão de como o Brasil e seus parceiros asiáticos deveriam interagir
entre para obter uma inserção mutuamente vantajosa no mundo
globalizado. Como avaliar os desafios e oportunidades existentes nos
respectivos entornos e como divisar respostas criativas que promo-
vam o desenvolvimento cooperativo das duas regiões? Quais as novas
configurações de atores que melhor atendem às exigências ainda pou-
co claras de um mundo em reacomodação sistêmica? Como harmoni-
zar e tornar solidários os liames entre os países da Ásia e América

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Latina em dimensões como a social, econômico-comercial, ambiental,
científico-tecnológica, cultural e outras?
Para um relacionamento correto e profícuo, não basta a fácil
constatação das diferenças e exotismos, mas sim um esforço consis-
tente de captação das essências e de apreciação das especificidades de
cada sociedade. Só assim se chega a uma empatia mutuamente equili-
brada, que serve de alicerce para uma cooperação duradoura entre as
nações. Este Seminário poderia, a esse respeito, aprofundar as refle-
xões acerca dos elementos que contribuiriam para o fortalecimento
dessa compreensão mútua entre os nossos países através da sinergia
emanada da diversidade.
Outro tema de importância crucial para ser debatido neste Se-
minário é a questão da cooperação entre nós no campo da ciência e
tecnologia. É ponto pacífico que o fator conhecimento constitui as-
pecto fulcral do processo de globalização e que a nova linha de inclu-
são/exclusão não passa nem pelo meridiano leste-oeste, nem pelo pa-
ralelo norte/sul, mas pela divisória digital. A cooperação científica e
tecnológica constitui uma das áreas mais promissoras de atuação soli-
dária entre nossos países, mormente com vistas a queimar etapas e
reduzir o hiato digital que ameaça crescer exponencialmente na ausên-
cia de uma resposta pró-ativa dos países em desenvolvimento. Já exis-
tem exemplos exitosos de cooperação Sul-Sul nesse campo, como o
Projeto CBERS entre o Brasil e a China. Outros estão em curso com
países como a Coréia do Sul e a Índia. É mister encontrar nichos estra-
tégicos que exerçam efeitos propagadores para outras áreas de conhe-
cimentos e atividades, de modo a beneficiar parcelas crescentes de
países e populações que, de outra forma, correm o risco de serem os
novos excluídos do e-sistema.
Por fim, caberia voltar mais uma vez as atenções para as ver-
tentes econômica e humana das relações entre a América Latina e a
Ásia. Em particular, tornam-se oportunas uma análise retrospectiva e
uma avaliação prospectiva dos fluxos humanos, de bens e de capital
que percolam as duas regiões. É interessante notar que a vinda de
contingentes asiáticos para a América Latina a partir de fins do século
XIX, passa a dar lugar a um contrafluxo latino-americano para a Ásia

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nas últimas décadas do século XX. Hoje, a cultura e os costumes bra-
sileiros estão muito presentes no Japão através da presença de nossos
concidadãos naquele país. Por outro lado, tanto a Ásia quanto a Amé-
rica Latina têm sofrido os efeitos negativos da volatilidade dos fluxos
de capitais. Enquanto isso, o intercâmbio de bens e serviços entre as
duas regiões se encontra ainda bem aquém de seu potencial, tanto
quantitativo quanto qualitativo.
Tenho a certeza de que ao cabo destes dois dias de discussões,
sairemos com um conhecimento muito mais aprofundado das realida-
des e potencialidades de nossos parceiros e de nós mesmos.

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MÓDULO 1

GLOBALIZAÇÃO E INTER-REGIONALIZAÇÃO:
PERSPECTIVAS MULTIDIMENSIONAIS ENTRE A
AMÉRICA LATINA E A ÁSIA

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AMÉRICA LATINA E ÁSIA: GLOBALIZAÇÃO, IDENTIDADES E
DIFERENÇAS

Cândido Mendes de Almeida*

Eu gostaria de expressar minha satisfação com esta criativa e


rica iniciativa, por meio da qual o Itamaraty está indo à Universidade,
aos Centros de Estudos vinculados à área do pensamento, ao campo
da investigação e do encontro de soluções. Tudo isso constitui o gran-
de planisfério no qual um país continental como o nosso encontrará,
evidentemente, seus principais pares em um mundo pluralístico, mas
um mundo em que as nações podem encontrar seus equivalentes. Na
Ásia é que encontraremos outros estados continentais: o colosso chi-
nês, o hindu, o indonésio, a força japonesa. Nesta perspectiva é que
eu me sinto muito feliz de estar aqui, em uma Casa que possui a mais
antiga instituição de estudos sobre a Ásia, criada aqui, em Brasília,
durante o Governo Jânio Quadros, no momento em que, pela primeira
vez (eu chefiava sua assessoria técnica), se pensou a partir de uma
perspectiva terceiro-mundista, aquela que se desenhou mais tarde, nos
governos que o sucederam, e que nos deu um eixo diferente, saindo
daquelas boas agulhas magnéticas para o mundo clássico de nossa for-
mação.
Por esta mesma razão, eu gostaria apenas de trazer ao conheci-
mento dos senhores, conforme o combinado, a maneira como nós, na
Instituição, consideramos o problema asiático – e eu aproveitaria para
associá-la, aqui, ao trabalho que vem sendo realizado no contexto da
UNESCO.
Há cerca de quinze dias, no Rio de Janeiro, concluiu-se a Séti-
ma Reunião da Agenda do Milênio, inteiramente voltada para o debate
sobre globalização, identidades e diferenças. Na seqüência, será co-
memorado, no próximo ano, não apenas o 100º aniversário da Cândido
Mendes, mas também o 50º aniversário do International Council of Soci-

* Reitor da Universidade Cândido Mendes no Rio de Janeiro.

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al Sciences, que presidi por dois anos. Nosso foco será exatamente a
Ásia, no contexto de alguns dos lineamentos indicados neste texto que
estou passando aos integrantes desta mesa, por tratar-se de um esfor-
ço de síntese – serão necessários alguns ajustes com os quais se possa
(entendi ter sido esta a solicitação) ter uma idéia de como essa enorme
constelação asiática poderá encontrar nervos, pontos importantes, pon-
tos de comparação e, especialmente, soluções para a inclusão dessa
política brasileira na Ásia, e deste modo, a idéia de debater a globalização
e o parâmetro asiático – sempre considerando o problema em que se
constitui sua dimensão cultural – e de que forma a modernização atra-
palha, ou não atrapalha, reenfoca, alcança, compõe, reorganiza a no-
ção desses atores sociais no tempo e em termos de globalização.
No espaço de tempo de que disponho, e apenas desejando lan-
çar uma idéia problemática que vem surgindo na Universidade, vou
enfatizar como e em que termos a Ásia é interessante para a Universi-
dade brasileira. Vou apenas proceder a uma acupuntura (se é que pos-
so chamar assim) de alguns pontos nos quais esse aspecto problemáti-
co pode integrar-se em um tipo de libreto, como este que estou apre-
sentando aos colegas. Uma vez que o foco é o contexto de identidade,
e nele a modernização, o foco é necessariamente cultural, e nele a
antropologia de inter-regionalidades vinculadas à emergência dessas
novas entidades testadas pela globalização. Ao fundo, temos, ainda,
reformulado, o conceito básico de Toynbee. Em outras palavras, es-
tando em uma “ordem mundial”, de que modo esta entrada da
globalização, entendida como input da civilização ocidental, encontra,
ou não encontra, seus vários tipos de reação, em que a Ásia é o cenário
de uma globalização que não chega toda ao mesmo tempo e que, de
fato, vem enfrentando todas as resistências. Resistências, por vezes,
zelosas: a resistência do fundamentalismo, a resistência da busca de
identidade, pela volta às suas raízes e ao seu ajustamento mais formal,
em que o Islã, hoje, serve como uma base de resistência em relação ao
Ocidente, através do grande diálogo cultural que domina o início do
século XXI.
O Brasil não se encontra muito bem preparado para compreen-
der o risco, ou melhor, a riqueza, a força e a importância do mundo
islâmico, o modo como ele vem se organizando, hoje, em relação à

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perspectiva histórica. Somos um dos últimos países a compreender,
do ponto cultural, o que significa a supracontinentalidade islâmica e, à
luz desse fato, a partir de diferentes enfoques – uma simples anedota
de uma frenética imprensa ocidental – compreender a importância, o
futuro e a riqueza do fundamentalismo como tal.
É evidente que sem entender esse fato, não podemos entender
a emergente Ásia, neste momento, em todas as suas distintas reações.
E, mais ainda, neste contexto, se, por um lado, nós vemos a resistência
cautelosa – ainda seguindo Toynbee – e temos a reação herodiana, a
reação da integração, a reação da orientação ocidental, o encontro da
globalização com todas as suas regras e, através delas, outra visão da
diferença com que nos defrontaremos no mundo diante de nós. Sem
dúvida, entre as três visões, também temos de enfrentar as nações que
se transformaram em um proletariado histórico, externo à grande
vinculação de culturas, e aquelas que ainda permanecem. (Fui um dos
poucos brasileiros que se dispuseram a observar, com fascinação, a
experiência de Pyongyang, há dois meses.)
E nesse contexto sabemos que iremos realizar o primeiro en-
contro entre a Kim II Sung University e a Cândido Mendes, exatamen-
te na comemoração do centenário, objetivando debater justamente o
significado simbólico da extraordinária unidade interna da Coréia do
Norte, a forma como eles conseguiram chegar à “eufórica solidão” em
que agora se encontram, com base em uma experiência de pedagogia
simbólica – uma das mais recentes e uma das mais instigantes–, para
cruzarmos o meridiano do milênio. Logicamente, isso é tudo de que
precisamos para chegar à grande reação na globalização, a natural
reação japonesa, em que se pode de fato falar de um futuro acordo de
organização por meio de uma descentralização da variável tecnológica
do crescimento da globalização, e se pode até mesmo debater o pri-
meiro acordo de organização que representa a definição das
virtualidades do mercado internacional nos próximos trinta ou qua-
renta anos.
Para cada situação eu tenho um flash. Não preciso falar sobre o
significado do Afeganistão. Eu gostaria apenas de realçar, no estrito
contexto do fundamentalismo, a importância que, hoje, o Primeiro Mi-
nistro e, em essência, responsável Chefe de Estado do Paquistão atri-

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bui, para grande alívio das conferências internacionais, à revisão do con-
ceito segundo o qual a blasfêmia contra o profeta seria punida com a
pena de morte. A questão básica que acaba de ser levada às cortes
internacionais, com o apoio do próprio Afeganistão, nos indica que esta
preocupação que estava presente, e de forma tão profunda, que os 150
milhões de paquistaneses não apenas continuariam apoiando o
Afeganistão, mas chegariam à exasperação, dentro da mais estrita forma
de fundamentalismo, conduzindo à condenação de qualquer expressão
que pudesse ser contrária à visão do Alcorão, especialmente a biografia
do profeta, dando início a uma forma diferente de reação... Esta, talvez,
seja a primeira vez, dentro desta perspectiva, que encontramos esse tipo
de mudança. E, se houvesse alguma dúvida, eu gostaria de discutir,
mais tarde, o que é a descompressão deste fundamentalismo extremo. É
muito mais sua voz do que, na emergência do início deste milênio, o
próprio Afeganistão, em sua seqüência neste quadro.
O essencial – aí já de um ponto de vista distinto – é discutir as
co-extensões e as continentalidades culturais. A surpresa que países
como Índia, China e Indonésia hoje causam ao Brasil, em suas três
reações de nações continentais – duas delas já além da marca de um
bilhão de habitantes – e o modo diferente como enfrentaram a situa-
ção do Ocidente, proveniente do foco da globalização planetária... A
Índia, com essa extraordinária demonstração de sua penetração políti-
ca no Ocidente... A beleza da permanência, desde sua organização,
com Gandhi e Nehru, como estado independente, e a conservação da
norma democrática, perfeita, inquestionável e perene, em sua maturi-
dade no âmbito desse processo histórico...
Nós poderíamos até mesmo comparar a penetração política da
globalização na Índia e a penetração econômica da globalização na
Indonésia. O importante, para nós, é ver como, nesse modelo político
de perfeita democracia, a Índia, ao mesmo tempo, insistiu e concen-
trou-se em sua extraordinária identidade cultural, que gera uma grande
interrogação para os antropólogos culturais. Em outras palavras, até
que ponto esse mundo hindu resolverá integralmente a assimilação da
modernidade, em termos de como ela envolve a tecnologia e o mito
prometéico de mudança de contexto e a condição de pensar se a Índia
se modernizará ou não.

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O que se pode ver é a interrogação, sempre e cada vez mais
intensa – e nela a presença de todo o contexto da cultura hindu – e,
como muitas teorias existentes pôr aí, sobre se o culto da reencarna-
ção pode ser garantido e pode ser mantido dentro da perspectiva mutante
de desenvolvimento. E, ainda, como esse problema, esse bloco conti-
nua na base da dificuldade de deslocar o fundamento do subcontinente,
a efetiva cultura da mutação.
O que é fascinante sobre a Índia de hoje é seu encerrar-se em
sua própria identidade. E aqui temos o sociólogo de diferentes artes...
Vou dar-lhes apenas um exemplo. Se existe uma arte, hoje, que tem
permanecido totalmente identificada com a base de uma cultura que
vem encontrando sua ideografia voltada para dentro, é a produção ci-
nematográfica indiana. A Índia possui a segunda maior indústria cine-
matográfica do mundo e o menor índice de exportação de filmes de
todo o mundo. Isso, para mostrar-lhes até que ponto esse mundo inte-
rior se organizou, se definiu e se situou, a começar pela mais importan-
te das identidades opostas ao Ocidente, definida do ponto de vista
continental e definida por meio dessa reação única, em que o modelo
de democracia está sintonizado com a permanência de uma pré-mo-
dernização, na qual representa sua identidade fundamental – uma fas-
cinação para os antropólogos, que lá podemos encontrar e que ela nos
sugere.
É exatamente o contrário do país para o qual todo o Terceiro
Mundo está se voltando, a China e sua extraordinária experiência. A
China, que, inclusive para voltar à sua cultura original, fez a revolução
cultural, assume, em si mesma, do ponto de vista do tempo interior,
uma dimensão propedêutica e procura estabelecer, hoje, câmaras de
descompressão interna, a fim de evitar a pressão ou o excesso do que
pode significar “dizer não”, “negociar” com o Ocidente, sem deixar-se
envolver pela regra unitarista do processo de homogeneização nela
necessariamente implícita. É suficiente, para nós, a experiência dos
territórios meridionais da China, para saber o que está sendo feito ao
redor de Cantão, para ver a sagacidade, a competência com que a Chi-
na vem extraindo o melhor da globalização sem tornar-se passivamen-
te contaminada e, nesse contexto, ter uma experiência de purificação,
de purgação, de re-aplicação. É suficiente observar como, hoje, a Chi-

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na é o lugar da versão ocidental capaz de possuir, ao mesmo tempo,
um complexo de vitrinas de lojas e sua possível acumulação interna.
O que os cientistas políticos descobririam, hoje, na fascinante experi-
ência da China, é como, após a revolução cultural, nenhum outro país
é capaz de estabelecer o contraponto, a alteridade entre o sistema po-
lítico e a comunidade que forma sua base, permitindo essa interação e
a estabilidade a partir da indução à adesão ao modelo em que se cons-
titui a experiência que, nos últimos dez anos, tem fascinado sociólo-
gos, quanto à força e à importância do enorme subcontinente.
A Indonésia vem realizando a mais importante experiência de
privatização dentro da Ásia. A Indonésia trata de fazer, dentro da sua
dinâmica, algo que é extremamente rico, em termos do que significa
abranger as regras do Fundo Monetário Internacional, mas, ao mesmo
tempo, conviver com a dificuldade de ainda ter de tratar de estabele-
cer uma nova identidade dentro deste quadro – e que não é uma iden-
tidade zelosa. Não temos como saber até que ponto as dificuldades,
inclusive aquelas com o Timor, surgiram de uma tardia deterioração
de uma visão muçulmana do maior país islâmico do mundo do ponto
de vista numérico, enfrentando o que deveria permitir uma visão mui-
to mais herodiana de modernização do que aquela que aparentemente
surge neste desafio e nesta indagação de nossos tempos e de nossos
pesquisadores, que lá estão especificamente para revisar, muito criti-
camente, o que ainda existe em termos de identidade latina no Timor,
após o romantismo da primeira integração. E, ainda, saber até que
ponto, em termos de elite, em termos de língua, em termos de história
e em termos de ethos, nós precisaríamos adentrar esse complexo (e essa
é uma tarefa essencialmente brasileira) com outra visão, que é mera-
mente a visão dos estereótipos do que pode ser a descompressão
indonesiana nessa parte de seu território, voltada para sua completa
independência.
Em conseqüência, eu gostaria de destacar o outro lado da mo-
eda: o grupo de nações asiáticas que não tem afirmado uma progres-
siva identidade, mas, ao contrário, vem aceitando inteiramente as re-
gras do jogo da globalização, e o neocapitalismo. E nesse grupo inclu-
em-se exatamente os “tigres da economia asiática”.

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O que me fascina, porém, nesse cenário é a diferença de pers-
pectiva. Antes de mais nada, temos a globalização limite, a globalização
perfeita da Cidade-Estado, que hoje Cingapura definitivamente repre-
senta. Jamais esquecerei que, ao sair do aeroporto de Cingapura, o
automóvel passa por cima de tapetes. Foi a única vez que vi uma gara-
gem com tapetes, já que do automóvel não pode cair uma única gota
de óleo, bem como a obsessão da limpeza. E a limpeza ocidental, em
Cingapura, é apenas uma metáfora do que representa essa extraordiná-
ria mudança de padrões, dentro do que é um eidos grego, dentro do
que é um acessório em relação ao mais eficiente gerenciamento eco-
nômico, vinculado ao impulso internacional, hoje ultrapassando Hong
Kong, com a qual a globalização, transparente e no seu limite, encon-
tra seu mais concreto exemplo em Cingapura. Existem esses tipos de
variáveis.
Mas estávamos falando, ainda, aqui da Coréia do Sul. O que
realmente me impressiona na Coréia do Sul é não apenas a aceitação
da globalização. O que é fascinante na Coréia do Sul é a maneira pela
qual encontramos, talvez, na Ásia, e com seus 46 milhões de habitan-
tes, um complexo econômico que atende a todos os ideais da
globalização. Não se trata da Cidade-Estado, mas, de fato, da Cidade-
Nação – se é que posso dizer isso. Não sei, mas, quando paro em Seul,
quando atravesso todo o seu sistema rodoviário, e encontro a
megalópole e, em cima da megalópole, uma bem organizada Babilônia,
perfeita, definida e em condições de nos prometer este outro elemen-
to da metrópole limite, que é sua capacidade de acessar imediatamen-
te o mundo virtual... A Coréia do Sul atinge, hoje, a perfeição, em
termos de trabalho com o universo da economia ocidental,
desmaterializada de seu próprio espaço, desmaterializada de seu pró-
prio locus. Nenhum outro país, no mundo, tem 10% de sua população
trabalhando com o sistema da Internet e que está, dentro dele, fixada
em um sistema de sintonia que é temporal-espacial, em um tipo de
integração que os mais utópicos da globalização teriam. Estamos indo,
agora, a um seminário em Ottawa, exatamente para um debate sobre o
nível e os índices da formação interna das metrópoles, no qual a Coréia
do Sul representa, hoje, um extraordinário exemplo – no contexto da
norma herodiana do que esta globalização necessariamente significa.

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Gostaríamos de mostrar, ainda que, no caso da Tailândia, as
mesmas manifestações em Rangun e, em especial, em Bancoc nos fa-
zem pensar em Seul. Mas, com um problema que não existe no exem-
plo coreano e que é ainda o forte contraponto rural-urbano, que não
está reduzido no plexus deste sistema definido.
Em todos esses exemplos, estamos enfrentando variáveis
ordodoxas, mesmo após a crise dos sete, e que nos mostram uma dife-
rente fonte de análise – e esta análise nos tem seduzido, particular-
mente, nos últimos dois anos: como a Malásia permaneceu sendo o
único país a não aceitar as regras do jogo através da força de seu Pri-
meiro Ministro, as quais representariam a solução clássica do Fundo
Monetário Internacional para a crise na Coréia, para a crise na
Tailândia... E tratou de, com base no sistema de diferenças monetári-
as, no sistema de pequenas moratórias, encontrar uma sobrevivência
que parecia ser horrivelmente heterodoxa e que a transforma, hoje, na
grande variável para o debate da globalização herodiana no Sudeste
Asiático.
Não preciso falar das nações que não se integram à globalização.
Não tenho que insistir mais. Do ponto de vista de algumas delas – e aí
está o extraordinário exemplo de Bangladesh – elas trataram de esta-
belecer, a partir de criativa e importante experiência do Fundo Mone-
tário Internacional... É o maior momento de Michel Camdessus, de
entender como aquele conjunto de povos, completamente desligados
e carentes de suas raízes, tornou-se, pela transformação na família – e
da mulher dentro da família –, um órgão do empresariado e da auto-
organização das comunidades, arruinadas pelo volume, por seus cata-
clismos, por suas dificuldades internas, mas contando com a força cí-
vica do povo. Quem não conhece a experiência do microcrédito, de-
senvolvido em Dacca?
Um paraíso para a antropologia cultural do milênio é a análise da
Coréia do Norte, para se ver como o culto à personalidade tornou-se, ao
longo de duas gerações, uma noção da caracterização simbólica, real-
mente compartilhada, e nele o contrário de uma noção esquecida...
Uma nação que, de forma dramática, leva em conta sua pers-
pectiva e pode até mesmo indagar do Ocidente, em certos momentos:

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cumprimos nosso dever? Deixamos de processar o plutônio? Coloca-
mos um ponto final na ameaça de um conflito nuclear, mas nos pro-
meteram três usinas nucleares para atender às nossas necessidades de
consumo de energia.
Tais promessas foram feitas pelo governo Clinton. Até hoje, a
segunda parte desse movimento contra a Guerra Fria, que subsistiu e
permaneceu nessa esquina asiática, esta cobertura, esta preocupação
ainda está para ser retomada pelo Primeiro Ministro da Suécia, que
deixou Pyongyang três semanas atrás e que vem suplicando ao Oci-
dente, a Washington, que realmente cumpra com a outra parte da cola-
boração que já está lá e que pode permitir esta inserção final da Coréia
do Norte no cenário das experiências nacionais.
Eu poderia ver, ali, a importância das Universidades, o apare-
lho burocrático e de que forma foi sentida a declaração do Presidente,
quando ele disse que o Brasil estava abrindo suas relações com
Pyongyang. A América Latina observa o exemplo brasileiro; o Peru já
fez isto antes; a Venezuela o fez... Contudo, o que é importante enfatizar
é como, no quadro da base asiática, a presença e o gesto criativo do
Brasil, e desta Casa, apenas anunciando a retomada das relações, em
um momento em que nova suspeição ocidental poderia surgir, com as
dificuldades dos messe de dezembro e janeiro, na mudança do milênio,
nós, sem dúvida, fixamos uma perspectiva, um ponto, um encontro
fundamental. Logicamente, penso que neste fato existe uma liderança
brasileira na Ásia que, certamente, qualquer que seja o trabalho loco,
encontrará gratidão por parte da intelligentsia norte-coreana pelo
contrutivo gesto de nossa diplomacia.
Não vou falar sobre o Japão. Não mencionarei o que o Primeiro
Ministro está tentando fazer com a equação dos dez anos de
semidepressão em que se encontra sua economia, ou fato de que se
trata da única grande economia, no planeta, rigorosamente global, com
uma dívida de 1.3 em relação ao seu PNB; ou de como um país pode
sobreviver em tal situação; de como esse país pode recuperar os 50
trilhões de yens perdidos em péssimas operações de crédito, ante uma
economia – e o Partido Democrático Liberal – que continuou, dentro
desse quadro de estagnação, a criar a experiência, agora, de juros zero,

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do que pode ressurgir de um sistema industrial que permitirá a essa
nação, além de sua extraordinária identidade, nos possibilitar sermos o
parceiro dessa transformação.
Tive a alegria de receber o Primeiro Ministro Lionel Jospin na
Cândido Mendes – foi a única conferência por ele proferida, em uma
Universidade, no Brasil. E, ali, em vários debates, falou-se desta tripla
condições de pólos da globalização. A União Européia tem que reco-
nhecer isto. Do ponto de vista da grande investida em que a globalização
se concentra, se desenvolve e mantém seu controle do mercado, isto é
muito mais compartilhado com o Japão, hoje, do que com a própria
União Européia. Não se trata apenas de saber como a invasão de ele-
trodomésticos e automóveis, mas, especialmente, como a infinita e
permanente re-invenção da aplicação da fibra ótica deixa o Japão, ain-
da assim, longe dos extraordinários Estados Unidos. E, no caso, temos
que perguntar, como se pode observar na Bolsa de Valores de Tóquio,
até que ponto a dimensão virtual é a dimensão do real, em que um país
pode firmar seu acordo na decisão sobre se a obsolescência tecnológica
manterá, no mercado, obras que resultam no quadro de suas soluções
de alta tecnologia, e ainda assim fazendo negociação, barganha, inter-
câmbio, um intercâmbio que talvez seja maior do que o da União Eu-
ropéia.
É neste panorama que encontramos, uma vez mais, a verdadei-
ra definição das decisões, a caracterização e a condição de verificar de
que maneira, com tantas variáveis, desde o ponto de vista do auge
tecnológico não americano até o modo como a abordagem oriental de
seus contextos e identidades culturais se apresenta, se pode ter uma
compreensão da importância desde Ásia para a última grande nação
continental subdesenvolvida fora do contexto asiático.
Quão triste é a situação da Nigéria, hoje – nossa companheira
fora do conjunto asiático – um país continental, dono de seu próprio
discurso, dona de seu destino e capaz de viver a experiência da moder-
nização dentro da globalização. É a partir daí que consideramos a Ásia
desejando merecer o mais rigoroso exemplo, o mais sedutor exemplo,
o mais envolvente exemplo do que a aplicação deste conhecimento,
com a memória e a tradição das culturas, algo que nossa exigência

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essencial – o diferencial à personalidade e ao futuro efetivamente com-
partilhado... Não creio que haja observatório, como o Itamaraty, que,
em um país latino-americano, tem a força de todo esse continente
asiático.
Minhas sinceras congratulações ao Itamaraty pela iniciativa de
propiciar esta aliança com o Campus, neste Taj Mahal brasileiro, no
qual já começamos a conversação do futuro.

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PERSPECTIVAS MULTIDIMENSIONAIS ENTRE A AMÉRICA
LATINA E A ÁSIA

Henrique Altemani de Oliveira*

1. Introdução

A presente análise parte do pressuposto de que a crise asiática


suscitou na região uma série de questionamentos sobre os benefícios
da globalização e da interdependência econômica e mais especifica-
mente sobre o papel dos Estados Unidos e do Fundo Monetário Inter-
nacional na sua gestação e agravamento.
Mas, muito mais do que no plano global, a crise apresenta im-
portantes implicações estratégicas regionais, principalmente ao ampli-
ar o clima de incerteza e ao desafiar as idéias de que a coesão regional
ou de que a interdependência econômica seriam fatores de prevenção
de conflitos internacionais na Ásia. Demonstrou igualmente a incapa-
cidade das instituições multilaterais regionais - APEC (Asia-Pacific
Economic Co-operation Forum), ARF (ASEAN Regional Forum) e ASEAN
(Association of Southeast Asian Nations) - em desempenhar um papel
mais atuante no redirecionamento da crise e que a estabilidade regio-
nal, econômica e estratégica depende ainda altamente de iniciativas e
políticas dos principais atores regionais.
No entanto, de outro lado, a crise propicia o surgimento de
uma perspectiva de desenvolvimento de um regionalismo essencial-
mente asiático, podendo ser canalizado para estr uturas
institucionalizadas com o objetivo de encarar questões transnacionais
comuns. Ou mesmo, como uma resposta necessária à tendência de
aprofundamento dos regionalismos europeu e americano.
Como contraponto a essa recente tendência asiática, retoma-se
a perspectiva hemisférica americana de formatação de agrupamentos

* Professor do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP.

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sub-regionais (Mercosul ou Comunidade Andina, bem como a possibi-
lidade de uma Área de Livre Comércio Sul-Americano) ou de um
agrupamento regional, como a Área de Livre Comércio Americana
(ALCA).
Assim, dentro dessa linha de raciocínio, considera-se que um
dos incentivos para o atual processo de aproximação entre a América
Latina e a Ásia é a percepção asiática de que a ALCA é um projeto que
tende a se efetivar no prazo estabelecido e que, conseqüentemente,
pode afetar ou diminuir as possibilidades de inserção da Ásia no espa-
ço latino-americano.
Considera-se também que esses processos de aproximação en-
tre agrupamentos regionais (da Ásia e da América Latina) são igual-
mente um incentivo ao desenvolvimento de um regionalismo asiático,
com identidade asiática, e não embutido dentro da APEC ou da Co-
munidade do Pacífico, como proposto pelos Estados Unidos.

2. Da crise ao regionalismo

De um lado, como ficou evidenciado na situação da Indonésia,


em 1998, o colapso econômico pode comprometer a estabilidade soci-
al e política da região pelo crescimento de demandas de um novo pac-
to político-social, não restritas somente a espaços localizados, mas ao
conjunto regional. O tumulto verificado na Indonésia gerou preocupa-
ções não só com a possibilidade de transferência de contingentes
populacionais à Austrália, Malásia e Cingapura, mas também com o
surgimento de reivindicações por reformas políticas e sociais, princi-
palmente na Malásia, e mesmo em Cingapura.
Nesse sentido, o clima de desconfiança e descrédito possibilita
alterações na balança de poder ao demonstrar as limitações dos princi-
pais poderes. Os Estados Unidos, ao ser considerado como um dos
responsáveis pela crise e por influenciar o FMI na promoção de refor-
mas econômicas, aparentam estar desempenhando um papel exclusi-
vamente voltado para a defesa de seus interesses.

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Independentemente do papel de promotor do desenvolvimen-
to econômico que o Japão desempenhou nas décadas anteriores, o tí-
mido e vacilante empenho japonês, aliado à incapacidade de resolver
suas próprias dificuldades, deve minimizar suas potencialidades de de-
sempenhar um papel proeminente regional. Mesmo as instituições re-
gionais como a APEC e a ARF mostraram-se incapazes de trabalhar
em conjunto na crise. Nesse sentido, a China beneficiou-se da fragili-
dade dos principais atores e ao não se engajar numa desvalorização
competitiva procurou transmitir a imagem de um poder cooperativo e
pacífico.
Funabashi1 considera que, além de sua tradicional fraqueza di-
plomática, o Japão sentiu o golpe da erosão de três fortes premissas
sobre as quais se assentavam suas perspectivas em relação à ordem
internacional. Em primeiro, o questionamento de seu relacionamento
“privilegiado” com os Estados Unidos; em segundo, as crescentes dú-
vidas sobre a continuidade de sua liderança regional no plano econô-
mico e, em terceiro, a desintegração da ordem trilateral, Europa-Ja-
pão-Estados Unidos, substituída pelo grupo das nações mais desen-
volvidas, o G7.
No que se refere especificamente à esfera econômica, Funabashi
aponta que o Japão estava acomodado com a metáfora dos flying geese,
que ressaltava sua liderança no processo de desenvolvimento econô-
mico asiático, ao mesmo tempo em que o colocava como o principal
interlocutor asiático com o resto do mundo. “But Japan’s view of
Asia, and its own role in it, is being challenged by new economic
realities: the rise of China and its challenge to Japan; the rapid pace of
information and communications technology development in other
Asian countries such as India, Singapore and the Republic of Korea
(ROK); Japan’s demotion from being a model of Asian development
to an example of confusion and paralysis; and globalisation’s impact
on the Japanese traditional approach to foreign aid, as the focus on
foreign investment shifts from government-led to private foreign direct
investment. Other Asian countries are becoming major economic
players in the region and Japan is no longer unique”. 2
1
FUNABASHI, Yoichi. “Japan’s Moment of Truth”. Survival, 42 (4): 73-84, Winter 2000-01.
2
FUNABASHI, Yoichi. Op. cit. p. 77.

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A partir da viagem do Presidente Clinton à China (1998), res-
saltou-se o reconhecimento explícito de que a China é uma potência
regional e que seu papel é fundamental para manutenção da estabili-
dade econômica e estratégica da Ásia. Em segundo, num quadro inde-
finido, com o Japão em crise, o Sudeste Asiático em tumulto, o Sul da
Ásia em efervescência nuclear, os Estados Unidos procuram reordenar
suas relações no contexto asiático, dando prioridade ao relacionamen-
to estratégico com a China, de forma a manter sua liderança regional.
A convergência de interesses era sentida tanto na crise financeira, com
a China não desvalorizando o renmimbi, quanto nas questões nucleares
envolvendo Índia e Paquistão e mesmo no que se refere às tensões na
Península Coreana.
Na realidade, crises e questionamentos terminam por pressio-
nar pelo surgimento de novos mecanismos regionais ou que algum
Estado assuma um papel de maior liderança regional. Nesse sentido,
Chin Kin Wah3 pondera sobre a necessidade de redefinição do papel
japonês, bem como sobre a necessidade de revisão de seu relaciona-
mento com a China:
1. Despite the appeal of the “Return to Asia” rhetoric, that is not a
substitute for the U.S.-Japan relationship. Furthermore, Japan will
need to strike a balance between being part of the developed world
and being a leader in Asia.
2. China will be a critical point of reference to Japan in an evolving
triangular relationship which will form an important base to the
structure of stability in the Asia-Pacific. In seeking to maintain a
balanced triangular relationship, rather than one with China as an
object of a remodelled U.S.-Japan containment policy, Japan will need
to engage China constructively in the process of confidence-building in
the security realm.
3. Even as China emerges as an economic force in its own right,
comparisons will be drawn with Japan. Within the Asia-Pacific region,
it will be increasingly asked, which of these emerging powers will play

3
WAH, Chin Kin. “Japan as a Greater Power”. IN: CHEE, Chan Heng. The New Asia-Pacific
Order. Singapore, Institute of Southeast Asian Studies,1997: 108-130.

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the really critical role in the development of the region, especially in
peace time. Japan may well have the balance of economic advantage as
the prime investor and source of funding for the region as Japan conti-
nues to regionalize its manufacturing processes. China, on the other
hand, would continue to provide expanding market and investment
opportunities for the regional economies.
4. Japan will continue to have to make invidious choices between being
mindful of American sensitivities and being supportive of regional
initiatives (such as the EAEC) in the process of playing a leadership
role in Asia.
Nesse sentido, com suas implicações na reivindicação de um
posicionamento mais claro e cooperativo em termos da recuperação
regional e manutenção da competitividade internacional, a crise for-
çou a definição de novos papéis e o arranjo de novas alianças. Assim,
no caso do Japão, pode-se perceber a pressão para uma maior atuação
regional para encaminhamento de soluções para a crise. E a China ao
não se engajar numa desvalorização competitiva procurou transmitir a
imagem de um poder cooperativo e pacífico.

3. Novas perspectivas de integração na Ásia

A reunião informal da ASEAN, em novembro de 1999, ressus-


citou a idéia defendida em 1990 pelo Primeiro Ministro da Malásia,
Mahathir Mohamad, de institucionalização de um bloco regional, com
características essencialmente asiáticas. Tanto a proposta inicial do
East Asia Economic Group (EAEG) quanto a proposta mais suavizada
do East Asia Economic Caucus (EAEC), dentro do fórum da APEC,
foram fortemente rechaçadas pelos Estados Unidos por terem sido
deixados do lado de fora. E, em decorrência da oposição de Washing-
ton, o Japão não apoiou a iniciativa e muito menos aceitou a perspec-
tiva de instrumentalizar uma liderança dentro deste bloco asiático.
No entanto, agora, a reunião da ASEAN demonstra que esta
ainda constitui uma força regional e que a adesão dos três líderes do
Nordeste Asiático – Japão, China e Coréia do Sul – , constituindo o
processo ASEAN + 3, reflete a tendência para uma crescente coope-

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ração, especialmente em economia. A ênfase no reforço da coopera-
ção econômica indica igualmente o cuidado em evitar eventuais dis-
cussões sobre questões políticas e de segurança.
“Of course, the vision of an East Asian common market or an
East Asian common currency isn’t likely to be realized in the
foreseeable future. Historical enmities run deep in the region and aren’t
about to disappear overnight. But the very fact that these have been
held up as goals shows a trend toward the growing integration of the
region, which worries about the emergence of blocs in other parts of
the globe, such as Nafta and the European Union”. 4
Apesar dessas dificuldades, não se duvida que o processo pode
contribuir para ampliação da mútua compreensão e confiança e mais
durável estabilidade e paz no Leste Asiático. Mas, além disto, há o
interesse dos três atores do Nordeste Asiático em atuar em conjunto
com o Sudeste Asiático, mesmo que em função de uma disputa para
ampliação do poder individual.
No plano da cooperação econômica, a presença do Japão mos-
tra-se fundamental para transferir credibilidade a qualquer desenvol-
vimento do bloco, enquanto que é um instrumento que possibilita uma
atuação japonesa sem cobranças de seu passado.
Retoma-se ainda a idéia de que a proposta de um mercado co-
mum sem a presença dos Estados Unidos tem significativa importân-
cia enquanto se busca a definição de uma identidade regional, na qual
não só se aceita mas também se requisita a presença japonesa.
Sob outra perspectiva, enquanto ASEAN + 3 pode desempe-
nhar um papel fundamental na aproximação dos atores regionais, pode
igualmente também ser visualizado como um entrave à liberalização
do comércio internacional, num processo no qual a Ásia, com sua ex-
trema dependência dos mercados externos, se apresenta relativamente
mais fragilizada.

4
CHING, Frank. “An Emerging East Asia”. Far Eastern Economic Review, 162 (50): 36, December
16, 1999.

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“Further institutionalization of an East Asian economic
grouping in the coming decade faces formidable obstacles, however.
A continuing deterrent against an East Asian discriminatory trading
grouping is the dependence of regional economies on markets outside
Asia. Although the share of intra-regional trade grew rapidly in the
decade before the onset of the financial crisis, Asian economies still
depend on other markets for more than half of their exports sales. The
fear that the institutionalization of a discriminatory East Asian grouping
might trigger a global trade war in which Asian economies would
ultimately be the major victims still worries in many Asian capitals”. 5
Em conjunto com a tentativa de estabelecimento de um pro-
cesso de cooperação econômica regional, de características exclusiva-
mente asiáticas, retoma-se a expectativa de criação de um Fundo Mo-
netário Asiático (FMA).
A proposta inicial do FMA vinculava-se à iniciativa japonesa
que já estava sendo implementada de auxílio às economias abaladas
pela crise. “Na realidade, Tóquio ofereceu um total de 19 bilhões de
dólares como contribuição para a ‘segunda linha’ dos créditos que o
FMI estava levantando em favor da Tailândia, Indonésia e Coréia do
Sul. Ainda mais importante, numa reunião do G7, em Hong Kong
(setembro de 1997), Tóquio propôs a criação de um Fundo Monetário
Asiático (FMA), a ser formado com contribuições do Japão e outros
países asiáticos até um montante de 100 bilhões de dólares, e destina-
do a atender a emergências de balanços de pagamentos da região. A
proposta japonesa entusiasmou os asiáticos mas foi torpedeada pelos
EUA, sob a argumentação de que o FMA livraria os países asiáticos da
pressão do FMI no sentido de que eles implementassem as reformas
estruturais julgadas imperativas em Washington”. 6
Note-se que, em conjunto com a forte reação negativa de Wa-
shington, a China também não endossou a proposta considerando que
5
RAVENHILL, John. “APEC adrift: implications for economic regionalism in Asia and the
Pacific”. The Pacific Review, 13 (2): 331, 2000.
6
OLIVEIRA, Amaury Porto de. “As Dissonâncias Sino-Japonesas”. IN: Oliveira, Amaury
Porto, CANUTO, Otaviano & OLIVEIRA, Henrique Altemani. Dissonâncias Sino-Japonesas
diante da Crise Financeira Asiática. São Paulo, IEA/USP, Série Assuntos Internacionais, 57: 6,
Julho 2000.

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tenderia a ampliar excessiva e unilateralmente a liderança japonesa.
A fundamentação da perspectiva do FMA decorre das ponde-
rações de que um fundo regional apresenta a vantagem de melhor co-
nhecimento da região e principalmente maior rapidez e flexibilidade
em ações de saneamento.
No entanto, por trás da proposta se encontra uma forte disputa
pelo controle econômico e financeiro regional. Washington considera
que a crise foi um resultado inevitável da incapacidade da Ásia em
adotar as normas e padrões do capitalismo global. Assim, a crise seria
decorrente de deficiências internas, como a corrupção, clientelismo,
falta de transparência e até mesmo a ausência de democracia.
De qualquer forma, a retomada da proposta do FMA, já com o
apoio chinês, tem o mérito de propiciar um cenário mais favorável ao
processo de integração regional. “The recent formalization of the
currency swap agreements – known as the Chiang Mai initiative – by
finance ministers from ASEAN countries, Japan, South Korea and Chi-
na is significant on a number of fronts. There has been scepticism in
the markets about these proposals on the grounds that they are small-
scale and politically inspired. It is true that there is still much hard
work ahead. But the announcements mean that the chances of another
capital-account crisis spreading through the region now look
increasingly remote, in spite of looming global economic uncertainty.
The agreements – signed during the Asian Development Bank’s annual
meeting in Hawaii earlier this month – also signal the emergence in
East Asia as a more coherent policy-making entity, which is laying the
foundations of a deeper regional integration”. 7
Nesse sentido, o Relatório Brookings 2000-01 aponta a emer-
gência de uma forte tendência para o multilateralismo na Ásia, consi-
derando que, de um lado, propicia a reinserção dos principais atores
regionais, enquanto que, de outro, pode marginalizar o papel norte-
americano nos campos econômicos e diplomáticos.

7
SAKER, Neil. “The Foundations of Stability”. Far Eastern Economic Review, 164 (20): 55, May
24, 2001.

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“Despite these persistent realities, the United States should not
dismiss the prospects for and the benefits of multilateralism in the
region. The broader utility of these organizations, both formal and ad
hoc, may be to bring together the region’s major players – particularly
China and the United States – in a way that can regularize contact and
avoid estrangement, suspicion and conflict. Moreover, the urge to find
multilateral solutions resonates more strongly in the region than ever
before. There are both benefits and dangers for the United States in
this rend. In the next few years, the challenge for the United States will
be to maintain its role as security guarantor for the region in changing
times, while avoiding being marginalized on the economic and
diplomatic fronts”. 8

4. Processos de cooperação inter-regionais

O projeto ASEM (Asia-Europe Meeting), sem dúvida, foi uma


iniciativa do Primeiro Ministro de Cingapura, Goh Chok Tong, duran-
te uma visita a Paris, em 1994, quando a França ocupava a Presidên-
cia da União Européia (UE), tendo como objetivo estreitar os laços
políticos, econômicos e culturais entre os dois continentes.
Para a UE, a institucionalização da ASEM, estrategicamente,
tem o papel de ser um instrumento de aproximação política com a
Ásia, com o objetivo precípuo de evitar que os Estados Unidos pos-
sam se manter isolado na região. Em outros termos, a UE espera, com
o ASEM, ser um ator político regional, além de econômico, de forma a
poder relativizar a importância que os Estados Unidos detêm na re-
gião.
“Broader EU interest in the whole project was fueled by the
need to address the potential impact of the rapid economic growth in
the Asian region since the 1980s, and also by a perceived need to
balance Asia Pacific Economic Cooperation (APEC) participant
country interests there. For the EU Comission, there were clearly gains
to be made in further enhancing its representation in international
groupings by promoting an independent EU identity in a geographical
8
BROOKINGS Northeast Asia Survey 2000-01. Pp.: 7-8.

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region that remained and remains, largely unexplored by the EU member
states; in this way, ASEM offered one way for European participants
not to ‘miss the Asian boat’ ”.9
O ASEM tem como participantes asiáticos os membros da ASEAN,
mais Japão, China e Coréia do Sul. Para o Japão, ainda que as diferentes
questões a serem discutidas já estivessem embutidas no seu relaciona-
mento bilateral com a UE, a importância do ASEM está no fato de repre-
sentar um diálogo inter-regional sem a presença dos Estados Unidos. Nes-
te sentido, note-se que Japão reagiu lentamente à proposta até ter ciência
de que os Estados Unidos não se opunham ao encontro.
“In addition to obvious economic benefits, the development
of further relations with Europe at a region-to-region level was regarded
by some in Japan as offering a counterbalance to the increasingly
ambivalent role played by the U.S. in the region. This particular line of
reasoning is substantiated by contemporary accounts of tripolar
economic structures based upon Japan (Asia), the EU (Europe), and
the U.S. (North American Free Trade Agreement area). It accommodates
Japan’s own pledges to play a greater international role within a multi-
lateral framework. In this way, the formation of ASEM could be seen
to provide the missing link in the post-cold war triangle, a perspective
that added to the interregional legitimacy of Asia-Europe relations” 10
Mas, mais do que isto, começou-se a ter ciência de que o ASEM
poderia ser um instrumento de reaproximação com a Ásia e de uma
forma em que não estivessem presentes os constrangimentos históri-
cos, possibilitando um contato mais íntimo entre os diferentes Esta-
dos em torno de um objetivo comum. Nesse sentido, o processo em si
colabora para construção e reforço de uma “identidade asiática”, ou,
em outros termos, de um posicionamento asiático frente aos outros
agrupamentos políticos e econômicos.
“The originality of the ASEM process lies in its fundamental
locating of one region against another (unlike APEC, ARF, and the
ASEAN Post-Ministerial Conference). It thus posits two coherent and
9
GILSON, Julie. “Japan’s role in the Asia-Europe Meeting”. Asian Survey, 39 (5): 737, September/
October 1999.
10
Idem. Ibidem, p. 740.

38

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externally discernible bodies whose composition remains largely
unquestioned within ASEM. This new institution provides a regular
and coordinated interregional mechanism through which to bring this
‘Asia’ and this ‘Europe’ together. Paradoxically, this interregional dia-
logue may serve most effectively to enhance intraregional cooperation,
because it is able most clearly to articulate explicitly the presence of
an Asia vis-à-vis a distinctly visible Europe. As a result, this mechanism
could even lead to the creation of a regional Asian identity...” 11
Este crescente regionalismo pode ser canalizado para estrutu-
ras institucionalizadas com o objetivo de encarar questões transnacionais
comuns, ou mesmo, visualizado como uma resposta necessária à ten-
dência de aprofundamento dos regionalismos europeu e americano.
Da mesma forma que o ASEM, o recente processo de aproxi-
mação entre Ásia e América Latina vai ter como ponto inicial uma
proposta de Cingapura e vai englobar os países membros da ASEAN
mais o Japão, China e Coréia do Sul. Como proposta básica, trata-se
de uma iniciativa com vistas a institucionalizar uma aproximação po-
lítica de alto nível e implementar programas e planos que ampliem os
laços econômicos, políticos e culturais entre as duas regiões.
Seus objetivos oficiais podem ser assim definidos: “The first
objective would be to generate favorable conditions for increasing and
deepening biregional relations in economic and social cooperation (e.g.,
trade in goods and services, investment promotion, technology transfer),
and the exchange of views on development and trade strategies,
education, human capital formation, employment creation and social
development. The second objective would be to define, jointly and
gradually, a permanent work program that would include concrete,
viable projects and actions as well as establish formal mechanisms for
dialogue and consultation between the two regions”. 12
Assim, na Primeira Reunião de Chanceleres, em março de 2001,
definiu-se que o Fórum de Cooperação América Latina - Ásia do Leste
11
Idem, ibidem, p. 749.
12
KUWAYAMA, Mikio, MATTOS, José Carlos & CONTADOR, Jaime. Trade and Investment
Promotion between Asia-Pacific and Latin America: present position and future prospects. Santiago de
Chile, CEPAL, Série Comércio Internacional, n. 9, Septiembre de 2000. P. 58.

39

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“se insere no contexto da globalização e do adensamento das relações
entre as diferentes regiões do mundo e tem por objetivo preencher lacu-
na no relacionamento entre as duas regiões. O propósito principal deste
mecanismo de cooperação e diálogo multidisciplinar inter-regional é o
de fomentar o diálogo político, entendimento e cooperação”. 13
Para o que nos interessa, o FOCALAL (Fórum de Cooperação
América Latina - Ásia do Leste) 14 , muito mais do que o ASEM, apre-
senta um forte conteúdo simbólico ao procurar ampliar e aprofundar
relações com a região da América Latina, sem a presença dos Estados
Unidos. Demonstra não só um crescente interesse asiático pelo espaço
latino-americano, mas também a disposição de diferentes Estados,
como o Japão, China e Coréia do Sul em participar desse processo.
No mesmo raciocínio anterior, considera-se que um dos incen-
tivos para a iniciativa FOCALAL é a percepção asiática de que a ALCA
é um projeto que tende a se efetivar no prazo estabelecido e que, con-
seqüentemente, pode afetar ou diminuir as possibilidades de inserção
da Ásia no espaço latino-americano. E, assim também, é um incentivo
ao desenvolvimento de um regionalismo asiático, com identidade asi-
ática e não embutido dentro da APEC ou da Comunidade do Pacífico,
como proposto pelos Estados Unidos.
Tanto o ASEM quanto o FOCALAL têm como base a ASEAN,
com capacidade de desempenhar o papel de âncora nos diferentes pro-
cessos, enquanto se apresenta como o fórum regional de maior
credibilidade. Entretanto, tanto para a Europa quanto para a América
Latina, só a ASEAN, sem Japão, Coréia do Sul e China, não desperta-
ria o interesse que se tem para o ASEAN + 3.
Do ponto de vista da ASEAN, não se está procurando direta-
mente privilegiar nenhum dos três Estados, mas credita-se ao Japão
uma importância relativamente maior, enquanto considerado como a
FUJITA, Edmundo. “Fórum de Cooperação América Latina-Ásia do Leste. Primeira Reunião
13

de Chanceleres (Santiago - Março de 2001). Carta Internacional, IX (98): 3, Abril 2001.


14
O Fórum de Cooperação América Latina – Ásia do Leste (FOCALAL) teve sua reunião
inaugural em setembro de 1999, em Cingapura (Reunião de Altos Funcionários). Em agosto de
2000, teve a segunda reunião de Altos Funcionários em Santiago do Chile, seguida em outubro
de 2000 pelo primeiro encontro acadêmico. Em março de 2001 realizou-se a primeira reunião
de Ministros de Relações Exteriores.

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economia mais forte da região. Ou, em função de sua maior capacida-
de econômica, tende a forçar o Japão a adotar uma política de relativa
liderança em processos integrativos regionais e inter-regionais.

5. Perspectivas de integração nas Américas

Até há pouco tempo, julgava-se que, diante da proposta norte-


americana de integração hemisférica (ALCA), a idéia de instituição de
uma Área de Livre Comércio na América do Sul (ALCSA) tivesse sido
abandonada, estando o Brasil isolado na defesa dessa proposta.
No entanto, exatamente em decorrência da não prioridade defi-
nida pelos Estados Unidos, a perspectiva inicial brasileira de consolida-
ção de blocos em construção parece estar sendo implementada, como
ilustra a associação do Chile e da Bolívia ao Mercosul, bem como a
possibilidade de estabelecimento de uma parceria efetiva com a Comu-
nidade Andina, ampliando a capacidade de negociação dos países lati-
no-americanos frente aos Estados Unidos. A Reunião de Presidentes
dos Países da América do Sul, realizada em Brasília, em 1º de setembro
de 2000, retrata bem a disposição política regional para o prosseguimen-
to dessa iniciativa. De outro, o Plano de Ação para a Integração da Infra-
estrutura Regional na América do Sul decorrente da Reunião demonstra
igualmente a cautela em não avançar o processo enquanto não tiver sido
superada a maior parte dos entraves regionais e mesmo hemisféricos.
Curiosamente, transparece a imagem de que os Estados Uni-
dos ainda não conseguiram definir uma nova política externa para a
América Latina. Ao mesmo tempo em que o Executivo procura impor
a idéia da área de livre comércio hemisférica, ele se encontra total-
mente tolhido pela negativa do Legislativo em autorizar as negocia-
ções. Nesse sentido, de um lado, qualquer tipo de negociação carece
de legitimidade e, de outro, aparentemente demonstra a dificuldade
em se estabelecer um novo parâmetro nas relações com a América
Latina, facilitando a hipótese de permanência da região dentro de uma
área de influência.
A posição latino-americana não necessariamente representa o
estabelecimento de uma estratégia de confrontação com os Estados
Unidos, mas sim a disposição de uma peça no jogo de defesa dos res-

41

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pectivos interesses nacionais e/ou regionais. Isto é, a constituição da
Alca deve ser um empreendimento cooperativo, com reconhecimento
dos interesses de cada país ou de cada bloco.
De outro lado, os Estados Unidos continuarão mantendo sua
hegemonia, ainda que relativizada, sobre o continente americano, com
institucionalização ou não da ALCA, principalmente pelo fato da ma-
nutenção da assimetria em relação à região e da aceitação passiva de
seu papel regional pelos demais competidores.
Antes de se pensar nas possibilidades latino-americanas dentro
de um contexto internacional tripolar, mas com forte presença dos
Estados Unidos, pondera-se que a partir das reacomodações interna-
cionais, a partir do fim da Guerra Fria, a região apresenta, no plano
genérico, um posicionamento exterior que tem sido aparentemente
muito mais reativo do que propriamente ativo.
De outro lado, pode-se igualmente ponderar que a região tem
pouco a oferecer, ficando praticamente restrita ao processo de
privatizações, à estabilização e à disposição de manter a economia
aberta aos investimentos estrangeiros.
Nesse sentido, em termos de opções estratégicas, tanto em ter-
mos regionais quanto internacionais, a América Latina possivelmente
continuará tentando instrumentalizar os ganhos políticos auferidos com
o relativo sucesso do Mercosul, procurando estabelecer alianças extra-
hemisféricas, trabalhando-se com a perspectiva de que a América La-
tina possa se constituir num parceiro importante para os projetos eu-
ropeus e asiáticos de se ter um papel mais preponderante no sistema
internacional.
Assim, uma possível opção estratégica compreende o
envolvimento com esquemas de integração sub-regional. Embora se
possa afirmar que essa tendência corresponde a um anseio tradicional
nas demandas latino-americanas, a instituição, a partir de 1991, do
Mercosul vai introduzir mudanças profundas no padrão de relaciona-
mento internacional no âmbito sub-regional.
Apesar de inovador, o Mercosul, em parte, pode ser realmente
rotulado como uma opção estratégica por ter sua origem determinada

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pelas alterações no sistema econômico internacional e pela contínua e
crescente importância dos Estados Unidos, bem como pelas dificulda-
des econômicas domésticas dos diferentes países membros. Nesse con-
texto, pode ser ainda considerado como uma resposta à
institucionalização do NAFTA (North American Free Trade Agreement).
Mas mais importante do que sua origem é sua orientação estra-
tégica. Não é simplesmente um mecanismo gerador de expansão co-
mercial. Ao contrário, objetiva o aprofundamento de um processo co-
operativo, como um meio de promoção de modernização tecnológica
e reestruturação industrial. Enfim, estabelece mecanismos de investi-
mento, solução de conflitos, questões trabalhistas, coordenação
energética e macroeconômica.
Em termos de relações internacionais, o Mercosul propiciou o
desenvolvimento de um clima de confiança com a redução histórica
de sensação de conflito latente entre os seus principais parceiros. Nes-
se sentido, a permanência de um entendimento político e de segurança
é fundamental para sua continuidade.
Evidentemente que o Mercosul não é um projeto concluído, ao
contrário, é um processo que, inicialmente reativo, vai sendo construído
em resposta às demandas da sociedade e da conjuntura regional e in-
ternacional. Por isso mesmo, apresenta ainda uma série extensa de de-
safios ou dilemas que decorrem principalmente de expectativas dife-
renciadas entre o Brasil e a Argentina.
Este diferencial de perspectivas entre Argentina e Brasil apre-
senta-se altamente realçado desde a emergência da crise financeira bra-
sileira, no início de 1999, quando ao promover uma desvalorização de
sua moeda propiciou uma inversão nas vantagens comparativas co-
merciais. Entretanto, apesar da ampliação de contenciosos e divergên-
cias comerciais entre os dois principais parceiros do Mercosul, detec-
ta-se um esforço de manutenção de sua dimensão política.
Uma outra opção estratégica, de alianças extra-hemisféricas,
aparenta ser uma constante na retórica da política externa brasileira, a
partir do projeto de definição de um espaço mais autônomo caracteri-
zado por uma diversificação das parcerias.

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Mas também contínua é a percepção de indefinição de medidas
concretas para se atingir esse objetivo. No caso da Ásia, por exemplo,
a percepção generalizada, na maior parte das análises sobre o relacio-
namento América Latina-Ásia, é de dificuldades de priorização dessas
relações, tendo em vista outros compromissos no contexto regional ou
mesmo no ocidental. Tem-se a impressão de que há um verdadeiro e
grande interesse na ampliação dos laços políticos e/ou parcerias co-
merciais com a Ásia, mas ainda não se delinearam as formas de se
atingir esse objetivo. Em outros termos, o relacionamento é muito
mais reativo a fatores conjunturais ou a iniciativas asiáticas do que
propriamente derivado de um ativismo.
Kotaro Horizaka caracteriza as relações com o Japão da se-
guinte forma: “foram altamente unilaterais. O Japão desempenhou um
papel ativo no comércio, investimento e no setor bancário privado,
enquanto que os países da América Latina comportaram-se passiva-
mente em relação ao Japão. Como conseqüência dessa assimetria, as
relações tenderam a se estagnar quando o Japão perdeu seu interesse
na área”. 15
Com a União Européia, independentemente de alguns momen-
tos ou eventos mais atípicos, a regra geral é similar à observada na
Ásia.
No período imediato ao fim da Guerra Fria, as previsões carac-
terizaram-se como altamente negativas, pressupondo que a Europa
Ocidental tenderia a se voltar mais para a Europa do Leste, e o Japão
para o Sudeste Asiático.
Entretanto, nos últimos anos, nota-se um reaquecimento do
relacionamento com a Europa, principalmente por parte da Espanha e
Portugal e igualmente da União Européia com o Mercosul. Em relação
à Ásia, persiste a relação inercial com o Japão, enquanto que a China e
o Sudeste Asiático apresentam relativa melhoria.
Na realidade, colocada sob outro ponto de vista, a questão é a
de quanto importante é a América Latina para a Europa e para a Ásia.
Aparentemente, até recentemente, a resposta seria negativa e conse-
15
HORIZAKA, Kotaro. “Political options for Japan: confronting U.S. regional strategy” IN:
NISHIJIMA, Shoji & SMITH, Peter H. Cooperation or Rivalry? Regional integration in the Americas
and the Pacific Rim. Westview Press, Boulder, Colorado, 1996. pp.: 194-195.

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qüentemente poder-se-ia estar gastando muita energia para
estreitamento de relações com regiões que também consideram a
América Latina de forma secundária.

6. Conclusão

A crise asiática pode ser considerada o momento de inflexão


das políticas regionais asiáticas, a partir do momento em que passou a
exigir uma maior atuação regional para encaminhamento de soluções
para a crise em si. Na realidade, a crise desnudou as fragilidades regio-
nais, demonstrando, de um lado, que a interdependência econômica
por si só não tem capacidade de manter a região isolada de instabilida-
des e, de outro, que o processo de disputa por poder econômico entre
Estados Unidos, União Européia e Japão não compreende só o Japão,
mas acaba englobando toda a região, exatamente em função da forte
interdependência regional.
Nesse sentido, retomam-se as expectativas de desenvolvimen-
to de um processo de integração regional, com características essenci-
almente asiáticas, sem a participação de atores externos. O ressurgi-
mento da proposta anterior de Mahathir, agora sob a denominação de
ASEAN + 3, mais do que ser de imediato um mecanismo de livre
comércio, tem o propósito de concertação de políticas econômicas re-
gionais, através do estabelecimento de um clima de confiança.
O ASEAN + 3, em conjunto com a proposta do FMA, apre-
sentam igualmente o mérito de conseguirem reunir, dentro de proces-
sos intra-regionais, os três principais atores do Leste Asiático que man-
têm ainda um forte clima de rivalidade e/ou de hostilidade. Pragmati-
camente, divergências podem ser dirimidas em função dos interesses
comuns, que antes de comuns, são também individuais.
Dentro dessa nova perspectiva regional e sem que se queira dar
um tom conspiratório, não deixa ser um processo reativo aos proces-
sos similares na Europa (UE) e nas Américas (ALCA) e, igualmente,
ao jogo de influências e de ocupação de espaços.
No caso específico da América Latina, pensando somente em
mecanismos de negociações, tanto os Estados Unidos quanto a Euro-

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pa detêm algumas vantagens sobre a Ásia, como a Cúpula das Améri-
cas e as consultas sobre o processo ALCA e o Acordo Quadro Mercosul-
União Européia e a Cúpula Ibero-Americana.
Dessa forma, a aproximação Ásia do Leste-América Latina ten-
de a ser um canal de reforço mútuo dos interesses de ambos os parcei-
ros. Para a Ásia, representa um esforço para não ficar fora do Mercosul
ou da América Latina, principalmente se o processo ALCA avançar.
E, para a América Latina, além de reforçar sua capacidade de negoci-
ação nas propostas da ALCA, representa também a possibilidade de
um maior acesso ao mercado e aos investimentos asiáticos.

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PARCERIAS INTER-REGIONAIS NUMA ERA DE
GLOBALIZAÇÃO: PROBLEMAS E PERSPECTIVAS

Lee Jae-Seung*

Introdução

As características mais proeminentes da década atual têm sido


o fenômeno da globalização e a proliferação da integração regional. O
aumento do volume da produção multinacional, o rápido desenvolvi-
mento da tecnologia da informação e comunicação, bem como a ex-
pansão dos fluxos de capitais aceleraram o fenômeno da globalização.1
Enquanto o processo de globalização e o sistema econômico multila-
teral centrado na OMC continuam evoluindo, a integração regional foi
posta simultaneamente em andamento em várias partes do mundo (Wei
and Frankel 1998). Praticamente todos os países pertencem a pelo
menos um bloco de comércio regional atualmente. O despontar da
regionalização acelerou-se em resposta à globalização e ao
multilateralismo. A coexistência do regionalismo e do multilateralismo
levou obviamente a novas controvérsias.
Estados-nação passaram a defrontar-se com as alternativas de
seguir uma estratégia nacional, adaptar-se a um esquema multilateral
ou criar novos arranjos regionais. No âmbito da competição global,
contudo, tornou-se mais difícil sustentar estratégias puramente nacio-
nais. Os arranjos multilaterais tampouco se mostraram eficazes na cons-
trução de uma ordem mundial estável. Uma série de relações bilaterais
e de integrações regionais emergiram em conseqüência. A inter-
regionalização é um fenômeno razoavelmente novo, comparado com
outras formas de relações internacionais. Surgiu como uma rede regio-
nal complementar preenchendo o hiato entre a globalização e a
regionalização. Funciona como uma rede de segurança garantindo uma

* Membro do Instituto de Relações Exteriores e Segurança Nacional da Coréia do Sul.


1
Para maiores discussões sobre globalização, ver Cox(1996), Payne(2000).

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liberalização contínua no âmbito global, sem com isso perder-se a co-
erência regional. A inter-regionalização baseia-se tanto na globalização
como na regionalização e sua importância consiste no fato de servir
como ponte entre as duas tendências aparentemente incompatíveis.
Este trabalho analisa os problemas e as perspectivas de parce-
ria inter-regionais entre o Leste Asiático e a América Latina – especi-
almente o Mercosul – mediante exame do processo de regionalização
nas duas regiões. O estudo da integração regional na Ásia do Leste e
na América Latina é particularmente significativo por aquelas duas
regiões representarem, ao contrário da União Européia e do NAFTA,
mercados emergentes e países em desenvolvimento.2 Os dois conti-
nentes passaram pela crise financeira em 1997 e em 1998 e continuam
se esforçando para recuperar-se. As duas regiões estão igualmente pro-
curando acelerar a cooperação regional, com vistas a lidar de modo
mais eficiente com a economia global. A parceria inter-regional entre a
Ásia do Leste e a América Latina deveria ser considerada em termos
de regionalização, de modo a maximizar sua capacidade e seus víncu-
los com a globalização.
Defendo neste trabalho a idéia de que a inter-regionalização per-
mitirá às duas regiões a busca da liberalização regional, contribuindo
portanto para uma nova ordem mundial mais globalizada. No entanto,
uma parceria inter-regional bem sucedida deveria basear-se numa
integração intra-regional estável e aberta. Por buscar internamente uma
integração mais profunda e externamente um regionalismo aberto, a par-
ceria inter-regional pode ter uma significância que transcenda o diálogo
de rotina entre as regiões. O grau de institucionalização, estabilidade
política e harmonização de interesses mútuos constituem fatores-chave
para a determinação do sucesso da parceria inter-regional.
Este trabalho consiste em três partes. A primeira parte faz uma
revisão do processo de integração regional recente caracterizado pelo
“novo regionalismo.” Na segunda parte, examinam-se os efeitos posi-
tivos e negativos da crise financeira sobre a regionalização da Ásia do
Leste e da América Latina. Enfatizo a renovada dinâmica da integração
regional nas duas regiões a partir da crise financeira. A última parte
2
No Leste Asiático, o Japão seria uma exceção nesta categoria.

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trata das condições para uma integração intra-regional e relações inter-
regionais bem-sucedidas. Discuto se a corrente cooperação entre a Ásia
e a América Latina pode vir a tornar-se uma parceria significativa e
por que seria importante numa era de globalização.

A emergência do novo regionalismo

O regionalismo surgiu em resposta aos desequilíbrios políticos in-


ternacionais e às assimetrias econômicas.3 Uma nova ordem mundial ba-
seada na globalização e no multilateralismo não tem sido absolutamente
perfeita. Regras benevolentes e imparciais para acerto de controvérsias
ainda não foram estabelecidas e os benefícios do desenvolvimento global
não foram aplicados de forma eqüitativa a todos os países. Crises financei-
ras recentes revelaram os aspectos negativos da “globalização assimétrica”
que afetou muitos países em desenvolvimento emergentes.
Para lidar com uma globalização imperfeita, os estados-nação
tiveram de agrupar-se regionalmente, fortalecendo sua solidariedade e
promovendo seus interesses comuns. A integração regional possui um
significado político crucial para os países da Ásia do Leste e da Amé-
rica Latina, aumentando sua posição de barganha vis-à-vis as principais
potências econômicas.
De uma perspectiva global, a regionalização consiste num pro-
cesso positivo de globalização. Constitui uma transnacionalização da
atividade econômica e política, implicando na transcendência das fron-
teiras do estado (Phillips 2000). A regionalização é um processo inte-
rino e transitório em direção à globalização total, tendo resultado numa
maior liberalização comercial, integração mais profunda e cooperação
regional.4 De uma perspectiva oposta, a regionalização é uma alterna-
3
Acadêmicos têm discutido sobre o conceito de “região”. Esse conceito refere-se, de forma
genérica, a elementos geográficos, normalmente dentro de limites continentais. Num sentido
mais amplo, regiões são mais do que o fluxo de bens e pessoas através do espaço físico. São
também construções sociais e cognitivas enraizados na prática política. Regiões são constru-
ções sociais criadas pela política (Katzenstein 2000). Neste artigo, entretanto, “região” e
“regionalismo” serão usados principalmente na definição estrita de espaço físico.
4
Os neoliberais sustentam que a regionalização encerra reforma política ao aumentar os
custos da divergência e ao construir legitimidade política para uma agenda política específica
e assim contribuir para a proliferação de idéias econômicas neoliberais (Phillips 2000).

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tiva à globalização, que nega a validade da estrutura multilateral da
ordem mundial. A formação de um bloco regional envolve várias di-
mensões da construção do Estado, nas quais os Estados-nação estão
procurando maximizar seus interesses nacionais. A natureza dessa
regionalização é uma integração capitaneada pelo Estado e não pode
coexistir pacificamente com a governança supranacional.5
O regionalismo dos anos 1950 e 1960 foi, em larga medida, con-
duzido pelo desejo dos países em desenvolvimento de se insularem dos
efeitos do ciclo de negócios nos países desenvolvidos (Bowles 2000).
Na era do “antigo regionalismo”, o sistema de comércio multilateral es-
tava em sua infância. O antigo regionalismo refletia o desejo de substi-
tuir a insuficiente liberalização multilateral e distanciar-se das institui-
ções multilaterais (Ethier 1998). No entanto, objetivos excessivamente
ambiciosos, um protecionismo persistente e um timing inadequado mi-
naram a maior parte dessas tentativas regionais (McCormick 1999).
Ao contrário do fracassado regionalismo fechado do passado, o
“regionalismo aberto” 6 evoluiu com a liberalização econômica global.
Nessa estrutura de “novo regionalismo”,7 a regionalização foi impul-
sionada pela necessidade de resposta forte e coordenada da parte dos
países em desenvolvimento aos EUA e à União Européia no contexto
dos diálogos multilaterais. A liberalização comercial já atingiu um ní-
vel global, possuindo a Organização Mundial do Comércio (OMC)
poderes abrangentes com o objetivo explícito de livre comércio multi-
lateral. Na verdade, poucas vezes alguma iniciativa regional chegou a
ameaçar o multilateralismo. O novo regionalismo foi amplamente moti-
5
Para sumariar esses debates, Kacowicz categorizou a relação entre regionalização e globalização
da seguinte forma: 1) Regionalização como um componente da globalização; 2) Regionalização
como um desafio ou resposta à globalização; 3) Regionalização e globalização como processos
paralelos (Kacowicz, 1998).
6
O conceito de regionalismo aberto foi formalmente introduzido durante a discussão da APEC,
porém uma definição consensualmente acordada do conceito ainda não existe. Características
comumente aceitas do regionalismo aberto incluem “liberalização externa por blocos comerciais”
(Wei e Frankel 1998). Outras definições que caracterizam o regionalismo aberto são: adesão
aberta, cláusula de não proibição, liberalização seletiva e benefícios abertos (Ibid.).
7
Wilfred J. Ethier resume as características do novo regionalismo: “a integração regional em
geral envolvia pequenos países com vocação reformista que “negociavam”, contra concessões
comerciais moderadas, vínculos com um grande país fronteiriço, que previa integração
“profunda” mas que conferia vantagens comerciais relativamente menores” (Ethier 2000,1152).
Ver também Mittleman (1996), Payne (2000).

52

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vado por um desejo de facilitar o ingresso em um sistema de comércio
multilateral mais desenvolvido (Ethier 1998). Baseava-se na premissa
da existência de vantagens mútuas tanto para países desenvolvidos como
em desenvolvimento a partir de uma maior liberalização econômica.
Internalizou uma externalidade global crítica e produziu um resultado
superior àquele obtido pelo multilateralismo isoladamente (Ibid., 1160).
As décadas de 80 e 90 testemunharam um novo ímpeto do
regionalismo, tanto no Leste da Ásia como na América Latina. Foi
motivado pelo aumento do comércio intra-regional, pelo temor de um
futuro econômico incerto e pela formação e consolidação de blocos
regionais cruzando regiões.8 Até a eclosão da crise financeira de 1997,
o rápido crescimento econômico ressaltou o potencial de integração
regional na Ásia do Leste – especialmente no Sudeste Asiático. Em
agosto de 1967, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN)
foi estabelecida, substituindo associação anterior fundada em 1961. A
partir de um interesse inicial em questões de segurança, a ASEAN
evoluiu na direção da cooperação econômica e comércio. A Área de
Livre Comércio da ASEAN (AFTA), que incluía inicialmente as seis
nações da ASEAN, foi formada em 1993 (McCormick 1999, 24-25).
Preocupações remanescentes com questões de segurança levaram à
criação do Fórum Asiático Regional (ARF).
A Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (APEC) constitui
outro fórum amplo de integração econômica em volta da Bacia do
Pacífico. A APEC inclui algumas das economias mundiais de cresci-
mento mais dinâmico e com enorme potencial econômico. O objetivo
central da APEC é promover a liberalização global e fazer uso da ini-
ciativa multilateral para estabelecer a agenda da OMC. O objetivo de
médio prazo seria a criação de uma zona de livre comércio entre os
países-membros (McCormick 1999, 26).9 Ao contrário da ASEAN, a
8
Tanto os acordos latino-americanos quanto os asiáticos foram concebidos para reduzir barrei-
ras ao comércio regional, ainda que o Mercosul tenha preferido uma união aduaneira com tarifa
externa comum e a ASEAN tenha se encaminhado para uma área de livre comércio.
9
Entretanto, o regionalismo da Ásia do Leste deve ser analisado com cuidado no que se refere
à sua institucionalização. A APEC não é uma instituição, mas um fórum para a discussão de
assuntos econômicos que afetam 18 países da Ásia-Pacífico e da América. Uma vez que
inexiste uma base fundamental de compromissos vinculadores, tanto a APEC quanto o ARF
servem antes à discussão de diversos temas políticos do que à implementação de medidas
cruciais de integração regional. Foi desenhada para fortalecer a cooperação econômica regional
apenas no longo prazo (Katzenstein 2000).
53

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APEC reflete não apenas os interesses dos países asiáticos, mas tam-
bém os dos EUA.10
A maior integração regional retomou momentum na América
Latina, à medida em vários países se recuperaram da “década perdida”
dos anos 80.11 Os países latino-americanos se reestruturaram a partir
de políticas neoliberais e passaram a adotar estratégias de desenvolvi-
mento cada vez mais voltadas para o mercado. A crise da dívida dos
anos 80 e o novo populismo dos anos 90 igualmente estimularam as
nações latino-americanas a reabrir suas economias. À medida que os
países se tornaram mais firmemente ligados à economia global, o regi-
onalismo aberto começou a moldar a integração regional na América
Latina. A onda de integração econômica criou o Mercosul com base
no Programa de Integração Brasil-Argentina de 1986. O Mercosul foi
iniciado em 1991 entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e entrou
em vigor quatro anos mais tarde. O Grupo Andino (ANCOM) e o
Mercado Comum Centro-americano (CACM) estabeleceram uma rede
econômica em diversas partes da região. A integração regional latino-
americana foi ainda suplementada por uma série de arranjos políticos
regionais tais como o Grupo de Contadora, o Grupo dos Oito e o
Grupo do Rio.12
No entanto, quanto mais as duas regiões — Leste Asiático e
América Latina — têm-se integrado na era de globalização econômica
do pós-Guerra Fria, mais temem ser deixadas de fora e marginalizadas
sem restar-lhes quaisquer alternativas econômicas ou políticas
(Castañeda 1994). Tais preocupações se justificaram durante a crise
financeira de 1997-98, gerando renovados esforços regionalizantes após
seu término.

10
A APEC apoiou as políticas de liberalismo econômico que os EUA advogaram nos anos 80
e 90.
11
Os países latino-americanos tiveram experiências anteriores de cooperação regional como
a criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) nos anos 60 e a
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) nos anos 80. Entretanto, a instabilidade
política de muitos dos países-membros e a crise da dívida levaram a resultados pouco positivos.
12
Não observamos na América Latina, entretanto, uma progressão unilinear ou um processo
central de integração, mas antes um processo de multiplicação de acordos bilaterais ou
multilaterais que se sobrepunham, em que um impasse em um esquema de integração levava,
em geral, à criação de um novo esquema (Klaveren, 1993, 118).

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A crise financeira e a integração regional na Ásia do Leste e
América Latina

A crise financeira de 1997-98 abalou uma série de “certezas”


no âmbito do “Consenso de Washington” (Phillips 2000). Forçou os
Estados-nações na Ásia do Leste e na América Latina a reavaliar seus
modelos de desenvolvimento e princípios de política. Os Estados de-
ram-se conta de que um modelo idêntico de globalização para todos já
não pode garantir seu crescimento estável e desenvolvimento (ibid.).
Ficou igualmente evidente que a diversidade das situações financeiras
domésticas e interesses nacionais dificultaram a adoção de respostas
regionais comuns às crises financeiras.
As crises financeiras revelaram igualmente tendências nacio-
nalistas latentes na administração da economia. Respostas às crises
financeiras têm sido baseadas sobretudo em estratégias nacionais, le-
vando a pressões protecionistas crescentes. Na Ásia do Leste, barrei-
ras tarifárias e não-tarifárias foram reforçadas, ao menos temporaria-
mente; foi o que ocorreu na ASEAN, no momento em que os países
optaram por proteger suas próprias indústrias durante a crise asiática.
Além disso, vários membros da ASEAN buscaram meios de expandir
unilateralmente seus mercados extra-regionais, ameaçando com isso a
cooperação no âmbito daquela associação. No Mercosul, a recessão
econômica resultante da crise levou as duas principais economias, Brasil
e Argentina, a se envolverem em diversos conflitos ligados a questões
comerciais e cambiais. Também os membros do Mercosul entraram
em negociações bilaterais com outros países, desse modo abandonan-
do a chamada estratégia de “quatro mais um” (Bowles 2000).13 Essas
reações à crise financeira poderiam colocar em risco o regionalismo
aberto.
A crise financeira resultou ainda no colapso da estabilidade
das taxas de câmbio nas duas regiões. A maioria dos sistemas de taxa
de câmbio semi-fixa entrou em colapso durante a crise financeira. Ao
se recuperarem das crises, os países latino-americanos e asiáticos vi-

Por exemplo, o Brasil alcançou um acordo com a CAN inicialmente sem seus parceiros do
13

Mercosul.

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ram-se forçados a buscar alguma espécie de arranjo monetário no âm-
bito regional. Diversas novas formas alternativas de taxa de câmbio
foram consideradas, enfatizando-se a necessidade de harmonização
macroeconômica e transparência de fluxos de capital. A Ásia do Leste
procurou estabelecer um Fundo Monetário Asiático (AMF), que subs-
tituiria parcialmente o FMI na região. No Mercosul, os países-mem-
bros levaram em consideração novos sistemas de câmbio, indo desde a
dolarização até a adoção da moeda comum.14
No entanto, parece improvável que se consigam adotar tais me-
didas num futuro próximo. Para implementar essas propostas, as duas
regiões deveriam ir além das atuais estruturas frouxas de consultas
regionais. Além do mais, a base da coordenação macroeconômica é
ainda fraca nessas regiões. No Leste da Ásia, o volume relativamente
baixo de comércio intra-regional reduz a utilidade da adoção de moe-
das regionais. Requer ainda um nível mais alto de cooperação econô-
mica do que se tem atingido até hoje, indo talvez além do desejo ou da
capacidade de cada Estado-membro. Na América Latina, nenhum dos
países do Mercosul parece ter credibilidade suficiente para apoiar o
projeto de uma moeda regional comum. Tanto no Mercosul como no
Leste da Ásia, a maior parte dos investimentos provêm de fora da
região, sendo ainda possível a especulação entre uma moeda única e
outras moedas (Bowles 2000).
A crise financeira trouxe um retrocesso de curto prazo à
integração regional. A longo prazo, contudo, também estimulou e re-
forçou a identificação regional, reforçando o processo corrente de
regionalização. Muito embora alguns países – ou alguns setores indus-
triais em particular – venham, de modo muito contundente, exigindo
protecionismo, o amplo eleitorado favorável à continuação do proces-
so de regionalização sobreviveu à crise financeira.
Uma prova da continuação da regionalização seria a estraté-
gia de crescimento baseada em investimentos diretos estrangeiros ado-
tada por países do Leste Asiático e da América Latina como solução

14
O Presidente Cardoso propôs a “Pequena Maastricht” durante a XVI Cúpula do Mercosul,
em junho de 1999. Foi também proposto um grupo “ad hoc” para coordenar políticas
macroeconômicas.

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para superar a crise. Conforme observou o Secretário-Geral da ASEAN:
“Os líderes da ASEAN fizeram da integração econômica regional um
componente básico da reação aos problemas econômicos que atingi-
ram seus países. Eles estão conscientes de que a ASEAN necessita de
investimentos para a recuperação de suas economias, e que um amplo
mercado integrado pode atrair investimentos com maior eficácia do
que mercados pequenos e fragmentados. As economias de escala torna-
das possíveis pelos mercados amplos permitem maior eficiência na
produção e no marketing. A integração regional estimula a competição
dentro da região entre indústrias e empresas regionais.” (Severino 1999:
Citado por Bowles 2000)
Durante a reunião de Ministros de Economia da ASEAN reali-
zada em dezembro de 1998, adotou-se um pacote de estímulo aos
negócios que trouxe, durante um período de dois anos, incentivos adi-
cionais aos investidores estrangeiros (Bowles 2000). Foram anuncia-
dos o Plano de Investimentos da ASEAN e o Plano de Ação de Hanói,
incluindo medidas de médio prazo, desenvolvimento de mercados de
capitais e iniciativas de liberalização comercial para a ASEAN (Ibid.).15
No Mercosul, o ex-presidente argentino Carlos Menem justifi-
cou os esforços em prol do Mercosul com o argumento de que aquele
grupo tornou-se um magneto atraindo investimentos diretos estran-
geiros.16 Ademais, o continuado papel do Mercosul como mecanismo
para maior liberalização e participação na economia global continua
em evidência. Nas palavras do Presidente Fernando Henrique, “o
Mercosul consolidou-se como o principal promotor da estratégia de
inserção do Brasil no cenário econômico internacional” (Bowles 2000).
Os continuados esforços para atrair investimentos diretos es-
trangeiros na Ásia do Leste e no Mercosul representam uma persistência
da política econômica neoliberal e do regionalismo aberto. Esses países
continuam a depender da expansão das exportações para seu crescimen-
15
Mais recentemente, o Grupo de Visão da Ásia do Leste (EAVG) propôs em seu relatório, a
ser apresentado na Cúpula ASEAN+3 em outubro de 2001, uma Área de Livre Comércio e
Investimento ampliada, que englobaria ASEAN mais China, Japão e Coréia do Sul (EAVG
2000).
16
A UNCTAD também confirmou que Brasil e Argentina atraíram muito mais fluxos de
investimentos diretos estrangeiros desde a constituição do Mercado, em 1995.

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to econômico. Os países em crise têm se tornado ainda mais dependen-
tes das exportações à medida em que procuram recuperar-se. Na verda-
de, o regionalismo comercial aberto aumentou desde a eclosão da crise
financeira (Bergsten 2000). Os elos entre o regionalismo e os mercados
financeiros globais tornaram-se mais fortes no pós-crise.
Em suma, o regionalismo renovado na América Latina e na
Ásia do Leste vem ganhando momentum à medida em que os países se
recuperam da crise financeira. A crise reforçou simultaneamente o de-
sejo dos países de negociar em bloco e a necessidade de ajustamento
ao mercado global mediante uma economia mais liberal. No âmbito
do Mercosul, muitas das tensões existentes entre os países-membros
foram resolvidas, sendo que o grupo está evoluindo em direção ao
próximo estágio de integração com o Grupo Andino e outros agrupa-
mentos econômicos latino-americanos com vistas a estabelecer a Área
de Livre Comércio da América do Sul. O projeto está sendo formali-
zado com um calendário concreto. Uma regionalização revigorada e
seu alargamento centrado no tema da Área de Livre Comércio estão
transformando o cenário da integração regional na América Latina.
A Ásia do Leste recentemente lançou o mecanismo da
ASEAN+3. O grupo vem organizando reuniões de cúpula há três
anos seguidos, além de reuniões regulares dos ministros das finanças e
relações exteriores. O Grupo de Visão do Leste Asiático (EAVG) foi
estabelecido para conduzir o processo de integração de acordo com a
proposta levantada pelo Presidente Kim Dae-Jung da Coréia do Sul.
O relatório do grupo, que será concluído em breve, inclui diretrizes e
sugestões abrangentes para o estabelecimento da Comunidade do Les-
te Asiático. O EAVG será substituído pelo Grupo de Estudos do Les-
te Asiático (EASG), também estabelecido por iniciativa do Presidente
Kim Dae-Jung, e que implementará as propostas listadas no relatório
do EAVG (EAVG, 2000).
O processo de integração regional no Leste Asiático está evo-
luindo mais rapidamente na área financeira.17 A memória da crise fi-
17
Bergstein apresenta as razões para a aparente prioridade inversa da discussão de assuntos
financeiros sobre assuntos de comércio, que foram mais facilmente percebidas. Os acordos
monetários podem avançar sem discriminar países estranhos ao grupo, diferentemente da
maioria dos acordos de comércio.

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nanceira continua ainda uma lembrança viva para os formuladores da
política asiática. As medidas políticas em discussão incluem trocas
monetárias e mecanismos de vigilância, bem como a criação de uma
arquitetura financeira do leste asiático. O Acordo de Chiang-Mai de
maio de 2000 debateu a implementação dessas medidas. No entanto,
os projetos do Fundo Monetário Asiático e da moeda comum encon-
traram muitos obstáculos tanto dentro como fora da região.
Com relação a assuntos comerciais, não há nenhum movimen-
to discernível referente à Área de Livre Comércio do Leste Asiático,
apesar de se ter reiterado sua importância. Um número crescente de
acordos bilaterais estão sendo negociados no Leste Asiático. O Japão,
que confiou sobretudo no sistema multilateral, busca hoje ativamente
arranjos preferenciais com a Coréia do Sul, Cingapura, México e Cana-
dá. A Coréia do Sul está negociando com a Nova Zelândia e com o
Chile (Bergsten 2000). Os países do Leste Asiático estão ainda procu-
rando construir elos entre a Área de Livre Comércio do Nordeste Asi-
ático (China, Japão e Coréia do Sul) e a AFTA de modo a criar a Área
de Livre Comércio do Leste Asiático (EAFTA).
Realisticamente falando, a regionalização do Leste Asiático ain-
da não constitui uma integração regional. No entanto, tem o potencial
de alterar a estrutura da economia mundial no momento em que o
atual processo de integração incluindo a Área de Livre Comércio do
Leste Asiático e a arquitetura financeira regional forem efetivamente
atingidas. A Ásia do Leste deu-se conta de que não pode confiar total-
mente nos EUA ou no Ocidente da próxima vez que enfrentar proble-
mas. A Ásia do Leste sente com clareza que as instituições multilate-
rais nas quais se dispunha antigamente a confiar já não são infalíveis.
Ademais, os EUA e as lideranças européias não têm logrado promover
novas ondas de liberalização multilateral. Na verdade, tem havido uma
série de conflitos entre as duas superpotências com relação a diversas
questões comerciais. A Ásia do Leste não nega, contudo, o papel das
instituições multilaterais. Ainda deseja trabalhar no âmbito das insti-
tuições existentes. A Ásia do Leste está se voltando para pactos co-
merciais sub-regionais com vistas a atingir maior eficiência e
liberalização. Na verdade, nenhum desses pactos representa uma ame-

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aça séria aos acordos multilaterais de comércio. Não se sabe ao certo
em que direção está indo a Ásia do Leste mas, como afirma Bergsten,
o resultado mais provável é uma Ásia do Leste com autonomia sufici-
ente para permitir ações independentes em tempos de crise, simulta-
neamente cooperando com o resto do mundo (Bergsten 2000).

Parceria inter-regional entre a Ásia do Leste e a América


Latina

Nos últimos anos, surgiram diversas relações inter-regionais.


Ásia e Europa lançaram a Reunião Ásia-Europa (ASEM) em 1996.
Mercosul e União Européia estão discutindo negociações comerciais
preferenciais entre as duas regiões. No âmbito hemisférico, os países
latino-americanos estão discutindo com o NAFTA a possibilidade de
criar a ALCA. Como um primeiro passo para construir relações inter-
regionais, a Ásia do Leste e a América Latina concordaram em estabe-
lecer o Fórum de Cooperação América Latina – Ásia do Leste
(FOCALAL), no âmbito do qual se realizou a primeira reunião de
chanceleres em Santiago do Chile em abril de 2001. A natureza dessas
relações inter-regionais pode ser caracterizada como “liberalização
inter-regional.” Baseiam-se essencialmente no regionalismo aberto.
Os arranjos regionais abertos podem reforçar laços multilaterais num
nível global. A liberalização comercial poderia ser implementada com
mais facilidade se blocos comerciais regionais internamente liberaliza-
dos abrirem suas portas para outras entidades regionais. O alargamen-
to regional reforça igualmente a abertura em vez do fechamento regio-
nal.
A identidade regional pode ser intensificada quando os países-
membros se envolvem em negociações inter-regionais. Desse modo,
processos inter-regionais podem ser úteis para incrementar a solidarie-
dade regional. O interesse do Brasil no Mercosul, por exemplo, deri-
vou em larga medida das tensões tradicionais com os EUA e do poten-
cialmente “ameaçador” projeto da ALCA (Phillips 2000).18 Na nego-

18
O Brasil tem tido preferência inquestionável pela integração subregional, em contraste com
a iniciativa hemisférica, liderada pelos EUA.

60

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ciação com os EUA, os países latino-americanos reforçaram sua prefe-
rência pela expansão e reforço da integração regional. A Área de Livre
Comércio da América do Sul constitui portanto uma plataforma nego-
ciadora coletiva vis-à-vis o NAFTA. As hostilidades entre os países do
Mercosul, que dificultaram a ação coletiva regional, poderiam ser dilu-
ídas no âmbito das negociações entre a América do Norte e do Sul. De
modo similar, os países asiáticos reforçaram sua identidade regional
em diálogos coletivos com a Europa durante o processo da ASEM e
com os EUA durante as reuniões da APEC. Atualmente, a Ásia do
Leste está defrontando-se com nova oportunidade de redescobrir sua
identidade regional no diálogo com a América Latina.
No entanto, com algumas poucas exceções, as relações inter-
regionais têm sido até o momento frágeis e superficiais,
freqüentemente ressentindo-se da falta de uma estrutura institucional
adequada.19 Em razão, em parte, da ausência de interesses efetivos e
de fraca coesão regional, atribuiu-se às relações inter-regionais im-
portância secundária vis-à-vis interesses nacionais ou intra-regionais.
As condições para um relacionamento inter-regional bem-sucedido
deveriam, portanto, ser complementadas por uma integração intra-
regional sólida e por uma institucionalização adequada da ação regi-
onal coletiva. Enfatizo aqui o aprofundamento da integração intra-
regional, da estabilidade política regional e da harmonização econô-
mica como fatores necessários para relações inter-regionais exitosas
entre o Leste da Ásia e a América Latina.

Aprofundando a integração intra-regional

Qualquer integração regional bem-sucedida20 inevitavelmente


envolve a transferência de certo grau de soberania. No entanto, não há
sinal de que os Estados-nação no Leste Asiático e na América Latina
abririam mão de sua soberania em prol de instituições regionais. Não
obstante as vulnerabilidades dos Estados no tocante aos mercados fi-

A ALCA pode ser vista como uma exceção quando a integração em curso se completar em
19

2005.
20
A integração profunda envolve a harmonização de políticas enquanto a integração superficial
acompanha principalmente a retirada de medidas nacionais de discriminação.

61

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nanceiros, o Estado-nação continua controlando firmemente suas polí-
ticas fiscais e monetárias, suas políticas externas e os negócios internaci-
onais (Drucker 1997). No Leste Asiático e na América Latina, os Esta-
dos ocupam quase exclusivamente o epicentro do projeto regionalista.
Na verdade, a estrutura institucional da integração regional nessas duas
regiões é inteiramente intergovernamental. Os negócios e os interesses
do setor privado permanecem sub-representados no processo de
integração regional, sendo seus interesses articulados somente mediante
os Estados nas negociações regionais. O papel dos atores não-estatais
continua sendo relativamente marginal (Phillips 2000).
A busca de interesses nacionais, conforme refletida em diver-
sos conflitos econômicos e políticos entre o Brasil e a Argentina, po-
deria ter suspendido o Mercosul e colocado em risco ações regionais
coletivas. A prioridade dos interesses nacionais colocou igualmente
em risco a integração regional no Leste da Ásia durante a crise finan-
ceira. O grau de comprometimento com a entidade regional e o custo
das divergências são ainda mais baixos no Leste Asiático e na América
Latina do que na União Européia e países do NAFTA (Philips 2000).
Um benefício mais visível da integração regional e da confiança mútua
nos mecanismos de cooperação são necessários para modificar o cál-
culo dos países-membros. É inevitável alguma espécie de “pooling”
de soberanias que acompanhe a redefinição do papel tradicional do
Estado, de modo a passar-se à próxima etapa no processo de integração.
A governança supranacional no âmbito regional é não apenas
requisito para a integração intra-regional, mas também elemento
facilitador das relações inter-regionais. Atualmente, a governança
supranacional e regional na Ásia do Leste e na América Latina pratica-
mente inexiste no tocante à União Européia. O grau de
institucionalização da integração regional é ainda baixo nessas duas
regiões, constituindo obstáculo para uma maior governança
supranacional.
A integração regional na Ásia do Leste e na América Latina
deveria ser igualmente apoiada pela estabilidade política doméstica. A
integração regional na Ásia do Leste e na América Latina tem sido até
o momento impulsionada sobretudo por reuniões de cúpula presiden-

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ciais. Sempre houve a possibilidade de que posições frágeis das lide-
ranças políticas pudessem protelar todo o processo de integração regi-
onal. Além do mais, a integração regional foi freqüentemente iniciada
por motivações políticas. Por razões políticas mais do que econômi-
cas, os Estados decidiram estabelecer uma interdependência econô-
mica mediante a institucionalização da cooperação mútua. A
interdependência econômica tornou-se a conseqüência e não a causa
da cooperação política e da integração econômica na Ásia do Leste e
na América Latina (Philips 2000). Dessa perspectiva, o papel do Japão
e da China na Ásia do Leste será um fator crucial para determinar o
sucesso da integração regional asiática. O papel do Brasil e da Argen-
tina assume a mesma importância na América Latina.
A harmonização das estratégias políticas e econômicas
são outro pré-requisito para aumentar a coesão regional. As divergên-
cias entre países-membros durante a maior parte da crise foi muito
mais pronunciada do que as convergências. Diferenças-chave nas es-
truturas econômicas e orientações políticas, de modo especial, gera-
ram tensões significativas entre os países na Ásia do Leste e na Amé-
rica Latina. Crises cambiais igualmente induziram recessões e ameaça-
ram desencadear desvalorizações competitivas que tornariam a coo-
peração regional de difícil sustentação. A cooperação política dentro
dessas regiões parece mais difícil de ser alcançada. Embora tenha ha-
vido notável cooperação no tocante a diversas questões de segurança
na América Latina,21 o Brasil e a Argentina ainda adotam políticas
externas divergentes em várias questões. A cooperação para a segu-
rança regional no Leste da Ásia está colocando uma série de obstácu-
los cuja solução não se antevê num futuro próximo. Em vista dessa
situação, parece prematuro esperar-se um sentido de comunidade, de
identidades compartilhadas, simpatias e lealdades mútuas entre os
países da região (Kacowicz 1998). A economia doméstica e as priori-
dades políticas deveriam ser antecipadamente reconciliadas e harmo-
nizadas com vistas a permitir a evolução para uma integração regional
mais profunda.

21
Questões de segurança incluem a não-proliferação nuclear, proibição de armas químicas e
biológicas, controle de redução de armas convencionais.

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Construindo parcerias inter-regionais

Afirmei anteriormente que uma parceria inter-regional bem-


sucedida requer uma integração intra-regional estável. Comparada à
integração intra-regional, a parceria inter-regional revela aspectos mais
diversos e conflituosos da cooperação regional. As relações inter-regi-
onais refletem com freqüência os desequilíbrios no nível de desenvol-
vimento econômico e, mais explicitamente, no nível de
institucionalização. Diferentes sistemas políticos, diferentes interes-
ses econômicos e diferentes culturas podem dificultar ao invés de faci-
litar as relações inter-regionais.
A experiência da ASEM e da APEC pode fornecer alguma luz
no tocante a um crescimento da parceria entre a Ásia e a América
Latina. Desde 1996, a Reunião bienal Ásia-Europa (ASEM), congre-
gando 15 chefes de governo europeus e 10 asiáticos, deu expressão à
crescente importância dos processos de regionalização e da coopera-
ção inter-regional no tratamento de assuntos globais. Este pode ser
um dos poucos processos inter-regionais onde dois continentes se en-
contram regularmente e discutem seu futuro. No entanto, a ASEM é
mais um processo do que uma instituição. Não possui uma secretaria e
tampouco regulamentos compulsórios. Funciona sobretudo com o sis-
tema de revisões entre colegas, o qual não possui qualquer força com-
pulsória. Ademais, o processo da ASEM revela os desequilíbrios regi-
onais mencionados acima. Enquanto a União Européia engloba so-
bretudo países industrializados avançados, muitas de suas contrapartes
asiáticas são países em desenvolvimento. Enquanto os países da União
Européia vêm adotando políticas externas e econômicas comuns por
intermédio de instituições estabelecidas em Bruxelas, os países asiáti-
cos estão ainda tentando construir uma instituição regional que lhes
permita lidar com questões mais prementes. No momento em que vá-
rios países europeus mostram interesse em questões pós-industriais e
políticas tais como meio ambiente e direitos humanos, diversos países
asiáticos buscam investimentos e assistência que lhes permitam
aprofundar o desenvolvimento econômico. Muito embora a ASEM
esteja evoluindo na direção de um fórum inter-regional bem-sucedido,
esses problemas permanecem sem solução. De sua parte, a APEC,

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com motivos mais específicos para promover a liberalização econômi-
ca na Bacia da Ásia-Pacífico, ainda não atingiu os resultados pretendi-
dos. Nunca foi fácil, durante reuniões da APEC, o consenso entre pa-
íses com sistemas econômicos e políticos diferentes. O papel de lide-
rança dos EUA não foi exercido com eficácia no tocante à crise finan-
ceira de 1997-98. Sem credibilidade ou um compromisso sincero, a
APEC não evoluiu muito para além do diálogo regional. Em suma,
essas tentativas inter-regionais prévias mostram a importância da
harmonização de interesses comuns, o equilíbrio da institucionalização
e o compromisso dos países-membros para construir relações inter-
regionais de substância.
A parceria inter-regional entre a Ásia e a América Latina está
ainda em estágio embrionário. À medida em que evoluir, a parceria
inter-regional entre as duas regiões emergentes atrairá maior atenção
de fora. Países da Ásia do Leste e da América Latina estão enfrentan-
do o desafio de como lidar simultaneamente com a globalização, a
regionalização e a inter-regionalização. Primeiramente, necessitam
consolidar uma integração regional mais liberal e profunda que permi-
ta ações regionais coletivas eficientes. Uma maior interdependência
regional garantirá laços estreitos entre a regionalização e a globalização.
Necessitarão ainda envidar esforços para energizar e modificar as ins-
tituições globais existentes (como o FMI e a OMC) e fazer sugestões
para que se possa construir uma arquitetura financeira global e uma
organização comercial mais eficientes. Enquanto isso, necessitam
mostrar um compromisso forte com o continuado funcionamento das
estruturas multilaterais existentes, dos quais sua prosperidade econô-
mica depende tanto. Precisam ainda consultar-se ativa e abertamente,
não só entre si mesmos mas também com outras partes do mundo,
especialmente os EUA e a Europa (Bergsten 2000).
Katzenstein defende que o século XXI não será o século de
ninguém, com uma política de regionalismo aberto num mundo mais
pluralista (Katzenstein 2000). Na qualidade de novos parceiros numa
era de globalização, a Ásia do Leste e a América Latina deveriam cons-
truir um relacionamento forte com mente aberta, objetivando evoluir
em direção a uma sociedade verdadeiramente global na qual regiona-
lismo e multilateralismo coexistam pacificamente.

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Governance” in Jon Pierre, ed., Debating Governance: Authority, Steering
and Democracy (Oxford: Oxford University Press), 2000.
PHILLIPS, Nicolas. “Governance After Financial Crisis: South
American Perspectives on the Reformulation of Regionalism” in
New Political Economy, Vol.5, No.3 (November), 2000.
REYNOLDS, Clark W. “Open Regionalism: Lessons from Latin
America for East Asia” in Kwan S. Kim and Robert J. Riemer, SVD,
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Dame: Kellog Institute), 1997
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Philippine Stake”. ASEANWEB. June 23, 1990.
WEI, Shang-Jin and Jeffrey A. Frankel. “Open Regionalism in a World
of Continental Trade Blocs” in International Monetary Fund Staff Papers
(September), 1998.

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AS RELAÇÕES SINO-BRASILEIRAS: PASSADO, PRESENTE E
FUTURO

Li Mingde*
Perspectiva histórica

A China e o Brasil estão localizados em hemisférios diferen-


tes, separados por um imenso oceano. No entanto, as duas nações
têm mantido contatos amistosos e estáveis, com um intercâmbio que
já se realiza há 200 anos. Em 1810, cerca de cem agricultores origi-
nários da província chinesa de Hubei instalaram-se nos arredores do
Rio de Janeiro, no intuito de iniciar plantações de chá. No dia pri-
meiro de agosto de 1880, os governos brasileiro e chinês (Dinastia
Qing) assinaram em Tianjin o Tratado Sino-Brasileiro de Amizade,
Comércio e Navegação, estabelecendo no mesmo dia relações diplo-
máticas. Em 1909, o governo Qing enviou seu comissário imperial
ao Rio de Janeiro, então capital brasileira, onde foi calorosamente
recebido pelo presidente brasileiro.
Desde a fundação da República Popular da China em 1949,
as relações sino-brasileiras têm continuado a se desenvolver num
ritmo acelerado. As relações bilaterais começaram de modo não ofi-
cial, consistindo em intercâmbios comerciais e culturais. Em 1953-
54, a Associação Cultural Sino-Brasileira foi fundada no Rio de Ja-
neiro e em São Paulo. Na década de 50, visitaram o Brasil diversas
delegações chinesas, incluindo delegações de acrobatas, de jornalis-
tas e de artistas.
Na primeira metade dos anos 60, as relações bilaterais sofre-
ram nova evolução. Em agosto de 1961, o Vice-Presidente João
Goulart foi o primeiro chefe de estado latino-americano no poder a
efetuar uma visita de estado à RPC. Líderes federais e estaduais chi-
neses, incluindo o Chairman Mao Tsé Tung, o Presidente Liu Shaoqi
*
Diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia de Ciências Sociais da
República Popular da China.

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e o Premier Zhou Enlai receberam calorosamente o Vice-Presidente
brasileiro, sendo que em sua homenagem realizou-se grandiosa mani-
festação popular em Pequim, contando com mais de dez mil pessoas.
Após sua posse como presidente, João Goulart procurou promover
relações amistosas com a China. Graças aos seus esforços, a agência
de notícias Xinhua abriu escritório no Brasil em dezembro de 1962, o
primeiro na América Latina.
Em junho de 1963, o Conselho Chinês para a Promoção do
Comércio Internacional (CCPIT) enviou ao Brasil uma equipe encar-
regada de preparar exposição, equipe que foi pessoalmente recebida
pelo Presidente Goulart. No início de 1964, a CCPIT enviou nova
equipe de trabalho de três membros, também recebida pelo Presidente
Goulart. Era intenção das duas partes discutir projeto de abertura de
escritórios comerciais nos dois países. De sua parte, o governo brasi-
leiro vinha ainda considerando a possibilidade de convidar para uma
visita ao Brasil o chanceler Chen Yi. Tudo indicava claramente a in-
tenção do governo brasileiro de seguir aprofundando suas relações com
a China, intenção essa vista com grande receptividade pelo lado chi-
nês, que iniciava então os preparativos, a cargo do Sr. Lin Ping, para a
abertura de seu escritório comercial no Brasil. Naquele momento, con-
tudo, realizou-se o golpe de estado militar no Brasil (1.4.1964), com a
deposição do governo Goulart. No dia 3 de abril daquele ano, o novo
governo militar deteve, com base em acusações fabricadas, os nove
chineses que estavam trabalhando no Brasil, ao que o governo chinês
reagiu formalizando protesto. As boas relações estabelecidas entre os
dois países no início dos anos 1960 foram suspensas pelo governo
militar brasileiro e sofreram sensível retrocesso.

Estabelecimento de relações diplomáticas

Em outubro de 1971, por ocasião da 26ª Assembléia-Geral da


ONU, a China retomou seu assento naquela organização, vendo seu
status e prestígio junto à comunidade internacional aumentar sensi-
velmente. Em 1974, Mao Tsé Tung lançou a teoria estratégica dos
Três Mundos e declarou que, pertencendo a China ao Terceiro, jamais
buscaria impor sua hegemonia, devendo, ao invés disso, estabelecer

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como uma das diretrizes de sua política externa o objetivo de reforçar
a união e cooperação entre os países daquele grupo. Como conseqüên-
cia dessa nova política, verificou-se uma terceira onda de reatamentos
de relações diplomáticas com Pequim.
Ao mesmo tempo, mandatários de alguns países latino-ameri-
canos começaram a identificar-se com a posição terceiro-mundista,
readaptando suas políticas externas nesse sentido. Um resultado dessa
evolução foi que suas posições e interesses passaram a coincidir entre
si e com a China em relação a várias questões internacionais importan-
tes, lançando desse modo as bases para o aprofundamento das rela-
ções sino-latino-americanas. Ademais, muitos países latino-america-
nos começavam a libertar-se do jugo ideológico, reconhecendo um
conceito pluralista de ideologia, advogando a coexistência pacífica entre
países com sistemas políticos diferentes e reconhecendo o caráter
pluralista de suas relações com os outros países. Data dessa época,
ainda, verdadeiro degelo nas relações entre a China e os países do
Ocidente – especialmente os EUA.
Na década de 1970, o Brasil viu crescerem rapidamente sua
economia e seu status junto à comunidade internacional. Com vistas
a adaptar-se ao seu novo status de potência na esfera internacional, o
governo brasileiro começou a reajustar sua política externa e a promo-
ver sua relações com outros países. Ao assumir o poder em 1974, o
Presidente Geisel adotou a política externa “pragmática”, voltada
prioritariamente para as necessidades de crescimento econômico, des-
se modo abrindo caminho para o pluralismo nas relações econômicas
e comerciais com outros países. Ao mesmo tempo em que professava
pertencer ao mundo ocidental, o Brasil se definia como um país do
Terceiro Mundo. A partir dessa posição, o país buscou aumentar sua
influência internacional e firmar uma imagem de grande potência. Nes-
sas circunstâncias, o governo brasileiro passou a desejar o estabeleci-
mento de relações com a China, a grande potência asiática.
Em março de 1974, o embaixador brasileiro junto à União So-
viética manifestou ao embaixador chinês, Sr. Liu Xinquan, o desejo do
Brasil de estabelecer relações oficiais com a China. O governo chinês
reagiu imediatamente e de forma entusiástica. No dia 10 de abril de

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1974, o governo brasileiro enviou à China uma delegação chefiada
pelo presidente da Agência Brasileira de Exportadores, a qual contava
com a presença do Chefe da Divisão de Ásia, África e Oceania do
Ministério de Relações Exteriores, Sr. Bueno. Em contato com repre-
sentantes do Departamento de Américas e Oceania da Chancelaria
chinesa, o diplomata brasileiro manifestou o desejo de seu governo de
iniciar conversações relativas ao estabelecimento de relações diplo-
máticas bilaterais. Em agosto de 1974, o Vice-Ministro de Comércio
Exterior da China, Sr. Chen Jie, chefiou delegação em visita ao Brasil,
sendo recebido pelo Presidente Geisel. Durante sua permanência no
Brasil, o Sr. Cavalcanti, Assistente Especial do Ministério de Relações
Exteriores do Brasil, manteve negociações com o Sr. Chen Dehe, Vice-
Diretor-Geral do Departamento de Américas e Oceania da chancela-
ria chinesa e membro da delegação chinesa, chegando ambos a um
rápido entendimento referente ao estabelecimento de relações diplo-
máticas. No dia 15 de agosto, o Vice-Ministro Chen Jie e o Chanceler
Silveira assinaram um comunicado estabelecendo relações diplomáti-
cas, divulgado naquele mesmo dia. Naquela tarde, a chancelaria bra-
sileira declarou suspensas as relações diplomáticas com a autoridade
taiwanesa. Com referência ao “caso dos nove chineses”, o governo
brasileiro reconheceu ter-se tratado de um erro político. Nos dias 01
de abril e 2 de maio de 1975, respectivamente, assumiram suas fun-
ções o embaixador brasileiro em Pequim, Sr. Napoleão, e o embaixa-
dor chinês no Brasil, Sr. Zhang Dequn.

Evolução das relações

A China e o Brasil são duas grandes potências regionais. Como


tal, a normalização das relações bilaterais teve grande significado, não
apenas com relação a seus interesses respectivos, mas também à coo-
peração entre os países em desenvolvimento de modo geral.
A evolução das relações sino-brasileiras seguiu um processo.
Muito embora ambos os lados desejassem intensificar a cooperação
logo após a normalização das relações, faltava compreensão recípro-
ca. Alguns representantes governamentais brasileiros ainda compre-
endiam mal a China em termos políticos e mantinham reservas quanto

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a desenvolver o relacionamento bilateral. Por esse motivo, a evolução
foi lenta nos dois primeiros anos. Em maio de 1975, o chanceler David
Silveira da Mota declarou ao embaixador Zhang Dequn que a norma-
lização das relações era de grande importância para ambas as partes,
mas que teria de avançar lentamente, como a marcha de um elefante,
o qual segue adiante com passos firmes e pode sentar-se por vezes,
sem contudo jamais retroceder. O comentário do ministro brasileiro
descrevia a situação das relações sino-brasileiras na época.
Com a queda da “Gangue dos quatro”, em setembro de 1976, a
China ingressou numa nova era histórica de reformas, abrindo-se ao
mundo externo. À luz dos desenvolvimentos domésticos e internacio-
nais, o país intensificou sua cooperação com países do Terceiro Mun-
do, injetando uma nova vitalidade nas relações com o Brasil. Ao mes-
mo tempo, o governo brasileiro igualmente adotou uma política de
maior abertura com relação à China, inclusive na esfera política. O
rápido crescimento econômico da China e sua ascensão na arena inter-
nacional também estimularam o Brasil e outros países latino-america-
nos a aprofundar seu relacionamento com Pequim.
No segundo semestre de 1977, as relações bilaterais passaram
a fluir mais facilmente e o intercâmbio e a cooperação aumentaram.
Em 01.01.1978, foi assinado em Pequim o Acordo bilateral de Co-
mércio, o primeiro acordo governamental entre as duas partes desde a
normalização das relações. Em junho do mesmo ano, delegação co-
mercial brasileira visitou a China. Em novembro, o Ministério de Mi-
nas e Energia do Brasil enviou delegação à China, com resultados muito
positivos. Ao mesmo tempo, também aumentou bastante o número
de visitas: em 1978, 17 delegações brasileiras, num total de 78 pesso-
as, viajaram à China, destino ainda de 589 turistas brasileiros. O co-
mércio bilateral sofreu forte aumento.
Noas anos 80, as relações continuaram a se desenvolver, in-
clusive com a realização de intercâmbios políticos de alto nível fre-
qüentes. Novos acordos bilaterais foram assinados em mais de 50
áreas, incluindo comércio, transporte marítimo, ciência e tecnologia,
uso pacífico de energia nuclear, cultura e educação, economia, avia-
ção e espaço, bem como estabelecimento de consulados. Onze pares
de cidades, províncias e estados estabeleceram geminações; há vári-

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os anos, o Brasil tem sido o principal parceiro comercial chinês entre
os países latino-americanos.
Registram-se a seguir detalhes sobre as relações sino-brasilei-
ras em diversas áreas.

1. Relações políticas

O estreitamento das relações políticas com o Brasil sempre


foi um dos componentes essenciais de sua política externa pacífica.
Durante a última década, freqüentes intercâmbios de alto nível con-
tribuíram para aprofundar a amizade e compreensão recíproca. Cin-
co dos sete membros do Comitê Permanente do Escritório Político
do Comitê Central do PCC visitaram o Brasil. O Presidente Jiang
Zemin visitou o país duas vezes, a primeira em novembro de 1993 –
sua primeira visita ao exterior desde a posse como presidente – e a
segunda em abril de 2001. Os Premiers Li Ping e Zhu Rongji tam-
bém visitaram o Brasil (Zhu era Vice por ocasião da visita). Do lado
brasileiro, os Presidentes Figueiredo, Sarney e Fernando Henrique
Cardoso igualmente visitaram a China, a convite do governo, da
mesma forma como o Ministro de Relações Exteriores Luiz Felipe
Lampreia e outros ministros de estado e parlamentares. As trocas de
visitas entre os presidentes Jiang e Fernando Henrique têm um signi-
ficado especial. Ambos os lados enfatizaram a especial e estratégica
importância atribuída à cooperação bilateral, decidindo de forma
consensual desenvolver uma parceria estratégica de longo prazo, es-
tável e benéfica para ambos os lados.
Os dois países compartilham visões semelhantes e por vezes
idênticas com relação a diversas questões internacionais importan-
tes, apoiando-se e cooperando mutuamente no âmbito da ONU e de
outras organizações internacionais. Foi estabelecido ainda um meca-
nismo regular de consultas políticas, o qual desempenha importante
papel na promoção da compreensão mútua. Em 1997, ambos os pa-
íses emitiram comunicado conjunto anunciando a intenção de
aprofundar a cooperação na área de direitos humanos. O Brasil apóia
o ingresso da China na OMC. Com relação à questão de Taiwan, o

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Brasil é favorável à política de “uma China” e à posição chinesa de
“um país, dois sistemas e reunificação pacífica”. O governo chinês
aprecia o apoio e os esforços brasileiros para consolidar a estabilida-
de da região e a integração sul-americana. O governo chinês mante-
ve ainda diálogo com o MERCOSUL, tendo o Brasil como foco.

2. Laços econômicos e comerciais

Os laços econômicos e comerciais são de especial importância


para as relações bilaterais na era de hoje de rápida globalização econô-
mica. A cooperação econômica e comercial é um componente cres-
cente nas relações entre dois países.
As relações comerciais sino-brasileiras sofreram algumas revi-
ravoltas nos anos 60, mas melhoraram na década seguinte. Os dois
países retomaram as relações comerciais diretas em 1972, mas os da-
dos indicam que o volume de comércio se manteve marginal na pri-
meira metade dos anos 70. O volume total de comércio entre as duas
partes foi de US$17,42 milhões em 1974. Após a normalização das
relações, o volume de comércio chegou a US$67,94 milhões em 1975,
caindo, contudo, para US$12,80 milhões em 1976. Desde 1977, o
volume de comércio tem aumentado anualmente. Em 7 de janeiro de
1978, as duas partes assinaram acordo de comércio, lançando sólidas
bases para um melhor desenvolvimento das relações comerciais bila-
terais. Em maio de 1979, a visita do Vice-Premier Kang Shi’en ao
Brasil acelerou enormemente as relações comerciais bilaterais. O vo-
lume total de comércio atingiu a cifra de US$216 milhões em 1979.
Desde então, o Brasil tem sido o principal parceiro da China na Amé-
rica Latina.
A partir dos anos 90, o Brasil tem continuado a ser um dos
maiores parceiros comerciais da China na América Latina. Em 1992, o
volume total de comércio entre ambos foi de US$584 milhões, repre-
sentando 19.76% do total do volume de comércio entre a China e a
América Latina (US$2,98 bilhões). Em 1996, o volume de comércio
entre a China e a América Latina foi de US$6,73 bilhões, dos quais
33,28% (correspondentes a US$2,24 bilhões) correspondeu ao Brasil.

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Em 1999, o volume de comércio sino-latino-americano foi de US$8,29
bilhões, dos quais 22,3% entre a China e o Brasil. No ano 2000, o
volume de comércio sino-brasileiro foi de US$2,84 bilhões,
correspondendo a 22,6% do volume de comércio total entre a China e
a América Latina, dos quais US$1,22 bilhão referentes a exportações
chinesas e US$1,62 bilhão a exportações brasileiras, resultando em
superávit para o Brasil.
A lista de produtos indica que as principais exportações chine-
sas para o Brasil incluem maquinaria e produtos eletrônicos, vestuári-
os e têxteis, produtos químicos, instrumentos ópticos e outros produ-
tos industriais leves tais como brinquedos, calçados e produtos de couro.
As principais importações vindas do Brasil incluem tortas de feijão
(bean cakes), soja e óleo de soja, minério de ferro e produtos industri-
ais incluindo boilers, maquinarias, instrumentos mecânicos, produtos
de aço, madeira e polpa de madeira, frango, couro, veículos e autopeças.
No final de 1999, a China contava com cerca de 50 projetos de
investimentos no Brasil, com um volume total de US$50,0 milhões em
áreas como mineração, metalurgia, processamento de madeiras, trans-
porte, alimentos, vestuário, indústria leve, tratamento médico e res-
taurantes. Ao mesmo tempo, o Brasil contava com 193 projetos de
investimento na China, somando um volume total de US$190 milhões,
dos quais cerca de US$50 milhões sobretudo em hidrelétricas, cons-
trução ferroviária e construção civil.
Laços econômicos e comerciais são um componente essencial
da cooperação sino-brasileira. Diferenças entre os sistemas sociais, his-
tória, cultura e valores não deveriam nunca obstruir a cooperação en-
tre os dois países, conforme foi provado nos últimos anos.

3. Intercâmbio e cooperação em ciência e tecnologia

O intercâmbio e a cooperação sino-brasileira em ciência e


tecnologia são particularmente dignos de nota. Em março de 1982, os
dois governos assinaram um acordo de cooperação em ciência e
tecnologia (em vigor a partir de 1983). A primeira reunião da Comis-
são Mista ocorreu em Pequim em dezembro de 1984. Durante a visita

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de estado à China realizada pelo Presidente Figueiredo em maio de
1984, os dois lados assinaram um acordo suplementar identificando as
seguintes áreas para a cooperação: agricultura e pecuária, engenharia
florestal, medicina, eletrônica, informação, eletricidade e tecnologia
espacial. Em outubro de 1984, os dois governos assinaram um acordo
referente ao uso da energia nuclear para fins pacíficos. Em 1985, foi
assinado um protocolo sobre cooperação na área de geologia e indús-
tria metalúrgica. Quando o Ministro de Ciência e Tecnologia visitou a
China em 1986, explorou-se a possibilidade de cooperação em áreas
de alta tecnologia tais como tecnologia da informação, indústria
aeroespacial e biotecnologia. Durante a visita de estado do Presidente
Sarney à China em julho de 1988, os dois Ministros de Relações Exte-
riores assinaram seis documentos incluindo um protocolo sobre pes-
quisa e construção conjunta do satélite landsat, um acordo suplemen-
tar sobre cooperação em pesquisa científica e desenvolvimento técni-
co na área de transporte, um protocolo sobre cooperação em tecnologia
industrial e um acordo de cooperação na área eletrônica.
Graças aos dez anos de esforços conjuntos, o “Landsat I” foi
lançado com êxito no Centro de Lançamento de Satélites de Taiyuan
em 14 de outubro de 1999, transmitindo para o globo sinais do multi-
espectro visível, ondas curtas, infravermelhas e imagens de
sensoreamento remoto. O bem-sucedido lançamento do satélite é um
bom exemplo da eficaz cooperação entre a China e o Brasil em áreas
de alta tecnologia, tendo ainda desempenhado um papel muito positi-
vo na promoção da “cooperação Sul-Sul” entre países em desenvolvi-
mento.
Desde setembro de 1990, cerca de 200 especialistas técnicos
chineses têm participado no projeto espacial brasileiro. Em 1995, rea-
lizou-se uma Exposição Brasileira de Tecnologia em Xangai e em 1996,
realizou-se uma Exposição Chinesa de Alta Tecnologia no Brasil.
Muito embora o intercâmbio e a cooperação na área de ciência
e tecnologia tenham começado tarde, sua evolução foi rápida. Entre
1982 e 1998, foram assinados mais de 20 acordos e protocolos bilate-
rais de cooperação em vários campos de ciência e tecnologia. No mo-
mento, os intercâmbios e os projetos de cooperação na área de ciência

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e tecnologia cobrem um amplo espectro, incluindo intercâmbios de
mais de 500 grupos e delegações, envolvendo milhares de cientistas e
engenheiros. Além das atividades mencionadas, registraram-se ainda
importantes contatos acadêmicos não-governamentais.
Embora a China e o Brasil estejam geograficamente distantes,
ambos são países em desenvolvimento que se defrontam com o mes-
mo objetivo de crescimento econômico. Os intercâmbios e a coopera-
ção na área de ciência e tecnologia são de interesse, não apenas dos
cientistas e engenheiros de ambos os lados, mas também em confor-
midade com os interesses dos dois países. Com base na igualdade e no
benefício mútuo, a cooperação sino-brasileira na área de ciência e
tecnologia auferiu importantes resultados nos últimos anos, contribu-
indo para o crescimento econômico e progresso científico de ambos,
tornando-os um modelo de “cooperação Sul-Sul”.

4. Contatos culturais

Os contatos culturais com outros países constituem uma parte


importante das relações externas da China, representando uma janela
entre o povo chinês e os povos estrangeiros. O Premier Zhou Enlai
comparou certa vez as relações comerciais e os contatos culturais às
asas conduzindo as relações da China com outros países. A cultura e
as artes possuem um charme único, defrontam-se com menos obstá-
culos de idioma e podem ser aceitos com facilidade pelos povos de
outros países.
Em novembro de 1985, os dois governos chegaram a um acor-
do no tocante à cooperação em educação e esportes, incluindo inter-
câmbio de escritores, artistas, estudantes, publicações, filmes e pro-
gramas de televisão. A comissão conjunta para cooperação cultural foi
estabelecida em seguida, passando a manter reuniões regulares para
adotar planos anuais de implementação. Até o momento, planos de
implementação para a cooperação cultural foram adotados para os
biênios 1991-1992, 1993-1995 e 1997-1999.
Paralelamente ao desenvolvimento de relações culturais bila-
terais, os órgãos governamentais competentes de ambos os lados têm

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mantido contatos diretos. Desde 1985, a China enviou ao Brasil cinco
delegações culturais governamentais, tendo recebido três delegações
brasileiras de nível ministerial. De acordo com as estatísticas (incom-
pletas), pelo menos 40 delegações culturais chinesas visitaram o Brasil
nos últimos 20 anos, além de diversos artistas individuais. Em junho
de 2001, deverá realizar-se semana cultural chinesa em algumas cida-
des brasileiras, incluindo espetáculos da ópera de Pequim, um show
de pintura moderna chinesa e uma exposição de relíquias históricas
chinesas. Este será o maior e mais abrangente evento cultural chinês
realizado na América Latina.
Ao mesmo tempo, mais de 20 delegações e grupos culturais
brasileiros visitaram a China, somando-se a diversos espetáculos artís-
ticos. Filmes e programas de televisão brasileiros são muito bem acei-
tos pelo público chinês. Além disso, o povo chinês obviamente adora
o futebol brasileiro e conhece bem cada um dos jogadores.
Para fins de atividades culturais, a distância e as diferenças não
constituem absolutamente obstáculos, sendo inclusive um fator de atra-
ção recíproca. A título exemplificativo, documentários brasileiros mos-
trados na televisão nacional chinesa atraem uma ampla audiência. Em
algumas universidades chinesas, há atualmente cursos de português,
sendo que alguns romances foram traduzidos do português para o chi-
nês. O povo brasileiro está começando a interessar-se mais pela medi-
cina tradicional chinesa, especialmente acupuntura e medicina natu-
ral. Infelizmente, o orçamento disponível em ambos os lados para in-
tercâmbios culturais está ainda longe do ideal.

5. Problemas

Atualmente, as relações entre a China e o Brasil estão no seu


auge, especialmente na área política. No entanto, as relações econô-
micas e comerciais e os intercâmbios culturais, de modo geral, não
estão à altura das boas relações políticas. Conforme indicado em um
documento oficial brasileiro, embora as relações comerciais estejam
evoluindo, encontram-se bastante aquém do diálogo político, das pos-
sibilidades práticas e até mesmo do interesse mútuo. Na realidade, o
crescimento do comércio tem sido lento.

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No momento, o comércio sino-brasileiro não está à altura, seja
da pujança econômica dos dois lados, seja do relacionamento político.
O volume do comércio e dos investimentos unilaterais constitui uma
porção bastante reduzida do comércio e investimentos externos totais
de cada uma das partes. Ainda menos numerosos são os grandes proje-
tos de investimento recíprocos. Uma maior aceleração do comércio
bilateral seria neste momento a chave para se estabelecer uma relação
cooperativa entre ambos no novo século que se inicia. Os dois países
deveriam colocar as relações econômicas e comerciais como uma pri-
oridade estratégica no futuro.
Relaciono a seguir algumas dificuldades específicas para o
aprofundamento das relações econômicas e comerciais.
1. Em primeiro lugar, é grande a distância geográfica entre os
dois países; além disso, os homens de negócios chineses estão pouco
familiarizados com os produtos, leis e regulamentos brasileiros e vice-
versa. Nesse aspecto, há pouca agressividade da parte dos homens de
negócios de ambos os lados.
2. O Mercosul foi criado em 1995. Desde então, o Brasil vem
estreitando as relações econômicas e comerciais bilaterais dentro e fora
da zona de livre comércio. Além disso, o Brasil vem mantendo estreitas
relações econômicas e comerciais com países da Europa Ocidental e da
América do Norte. Em comparação, a China começou a exportar para o
Brasil relativamente tarde e em quantidades reduzidas. Outras condi-
ções pouco favoráveis para o comércio bilateral seriam os elevados cus-
tos de transporte e os longos atrasos dos navios de carga.
3. A integração econômica vem avançando na América Latina,
com a criação de organizações de comércio sub-regionais destinadas a
favorecer os países-membros com tarifas baixas. A competição desi-
gual poderá exercer impacto negativo com relação à competitividade
dos preços dos produtos chineses, não apenas no Brasil, mas também
nos demais países latino-americanos. Estes seriam apenas alguns entre
os diversos obstáculos ao comércio sino-brasileiro.
De modo geral, contudo, a China e o Brasil, na condição de
maiores países em desenvolvimento nos hemisférios oriental e ociden-

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tal, se beneficiam da cooperação econômica e comercial. Ambos são
economicamente complementares e valorizam o crescimento econô-
mico. Interesses comuns forneceram uma base sólida para a expansão
do comércio e dos investimentos diretos entre os dois países. Embora
o volume percentual de comércio seja reduzido de ambos os lados, há
forte potencial de mercado de parte a parte. Após superar a crise fi-
nanceira de 1999, o Brasil continuou a reajustar seu modelo de desen-
volvimento e sua política econômica. Atualmente, sua economia vem
experimentando crescimento contínuo e estável, criando condições fa-
voráveis para o ingresso de produtos chineses em seu mercado. Ao
mesmo tempo, o governo chinês definiu como alta prioridade o desen-
volvimento de sua extensa região ocidental, o que trará sem dúvida
novas oportunidades para os empreendimentos brasileiros.
A globalização e a economia de mercado deverão levar o Brasil
e a China a ampliarem ainda mais o acesso recíproco aos seus merca-
dos. O governo chinês deveria encorajar seu setor empresarial a inves-
tir no Brasil e vice-versa. E ambos deveriam incrementar o intercâm-
bio de informações. Tais esforços certamente contribuiriam para ele-
var a um novo patamar as relações econômicas e comerciais sino-bra-
sileiras.
Um último obstáculo para o relacionamento bilateral seria a
insuficiente compreensão entre os dois povos. Embora haja contatos
culturais de diversos tipos, ocorrem em escala demasiado reduzida.
Atualmente, menos de dez mil brasileiros (de acordo com estatísticas
incompletas, oito mil ) visitam anualmente a China, ao passo que pou-
cos chineses visitam o Brasil. A mídia chinesa dá pouco espaço para
notícias sobre o Brasil e vice-versa. Com freqüência, a mídia brasileira
limita-se a subscrever artigos sobre a China vindos da imprensa dos
EUA e da Europa Ocidental. Até o momento, não se sabe quantos
sinólogos existem no Brasil, não se podendo listar um único. No en-
tanto, muitos brasileiros têm curiosidade sobre a China. Os chineses
conhecem o futebol brasileiro melhor do que o de qualquer outro país
e são grandes admiradores de Pelé, o astro daquele esporte; os chine-
ses também conhecem o samba e o café brasileiro. O Instituto de Es-
tudos Latino-Americanos, onde trabalho, é a única instituição acadê-
mica chinesa dedicada a estudar a América Latina; mesmo lá, contu-

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do, apenas dois acadêmicos realizam estudos sobre o Brasil. A barreira
lingüística também dificulta os contatos diretos entre os dois lados.

Construindo as relações sino-brasileiras no novo século

Com a multipolarização global e com a integração econômica, a


China e o Brasil, dois grandes países em desenvolvimento e com ampla
influência, estão se defrontando com as mesmas oportunidades e desafi-
os. Ambos adotam posições de consenso no tocante a questões interna-
cionais importantes tais como paz e desenvolvimento, bem como o es-
tabelecimento de uma nova ordem política e econômica internacional.
Ambos adotam uma política externa independente e pacífica e apóiam
ativamente a multipolarização global. Cada um defende resolutamente
sua independência e soberania e se opõe à interferência nos assuntos
internos sob o pretexto de direitos humanos. Atualmente, os dois países
estão empreendendo esforços para desenvolver a economia e elevar o
padrão de vida de suas populações. Ambos desejam estabilidade social
interna e uma atmosfera internacional de paz. Ambos possuem econo-
mias e tecnologias complementares em certas áreas. Situação semelhan-
te, interesses comuns e uma missão histórica lançaram uma base políti-
ca sólida para um maior aprofundamento das relações bilaterais.
O governo brasileiro enfatiza a importância de seu relaciona-
mento com a China. Durante sua visita de estado a Pequim, o Presi-
dente Sarney declarou serem ambos os países potências em desenvol-
vimento com status especial, compartilhando posições semelhantes em
diversas áreas; manifestou a intenção do governo brasileiro de dar pri-
oridade absoluta ao desenvolvimento de uma parceria especial com a
China. Afirmou que o estreitamento das relações de amizade com a
China constituía não apenas uma resolução do governo brasileiro, mas
a própria vontade dos partidos políticos nacionais, sendo verdadeira-
mente uma política nacional brasileira.
Durante sua visita ao Brasil em maio de 1993, o Premier Zhu
Rongji afirmou que tanto a China como o Brasil deveriam ver as rela-
ções bilaterais a partir de uma perspectiva estratégica. Este conceito de
“parceria estratégica” foi reconfirmado pelo Presidente Jiang Zemin por

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ocasião de sua visita ao Brasil em novembro de 1993 e novamente pelo
Presidente Fernando Henrique Cardoso durante sua visita à China em
dezembro de 1995. Em 11 de abril de 2001, o Presidente Jiang, em nova
visita ao Brasil, afirmou que as duas partes haviam feito grande progres-
so na cooperação em várias áreas nos últimos 27 anos, desde o estabele-
cimento de relações diplomáticas. O estabelecimento e contínuo de-
senvolvimento de uma parceria estratégica elevaria o relacionamento a
um nível sem precedentes, estreitando a coordenação e cooperação.
Isso seria significativo não apenas para a China e o Brasil, mas também
para todos os países em desenvolvimento, aumentando sua força como
grupo e contribuindo para o estabelecimento de uma ordem política e
econômica internacional mais justa e racional. Para tanto, a China está
disposta a juntar esforços com o Brasil, tendo o Presidente Jiang Zemin
dado as seguintes sugestões: manter os contatos e intercâmbios de pes-
soas em vários níveis; reforçar os laços nas áreas econômica, comercial,
científica e tecnológica; prestar apoio recíproco em assuntos regionais e
internacionais. A parceria estratégica sino-brasileira baseia-se no respei-
to recíproco, igualdade e benefício mútuo, superando as limitações geo-
gráficas e não se voltando contra nenhum terceiro país. As relações
sino-brasileiras prestarão grande contribuição para o estabelecimento
de uma nova ordem internacional, constituindo um exemplo de “coope-
ração Sul-Sul”. O Presidente Fernando Henrique Cardoso concordou
com as posições e sugestões do Presidente Jiang e garantiu que o Brasil
faria grande esforço nesse mesmo sentido. Certamente, no intuito de
estreitar as relações bilaterais, ambos os lados precisam adotar medidas
como incremento do comércio e dos investimentos, bem como dos in-
tercâmbios e cooperação em ciência e tecnologia, especialmente alta
tecnologia, promoção cultural e turismo. Por fim, os dois lados deveriam
aprofundar os estudos recíprocos e estimular intercâmbios acadêmicos.
Uma condição importante para cumprimento desse programa seria en-
contrar-se uma solução para o problema da barreira lingüística.
A população brasileira corresponde a 30% da população da
América Latina e Caribe somadas, ao passo que a população chinesa
corresponde a 22% da população mundial. É evidente a importância
que assume, para a China e para o Brasil, o aprofundamento de suas
relações e a construção de uma parceria estratégica voltada para o
século XXI. Com o avanço da globalização, nossos dois grandes países

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deveriam aproximar-se ainda mais, unindo esforços com vistas a de-
sempenhar seus respectivos papéis na sociedade internacional e, com
isso, cumprir seus destinos históricos.

Referências bibliográficas

1. ZHANG Baoyu: “As Perspectivas de Desenvolvimento das Rela-


ções Sino-Brasileiras”.
2. LU Yinchun: “As Relações Econômico-Comerciais entre a China e
o Brasil: Perspectivas para o Século XXI”.
3. BUSSCHE, Eric Vanden e THEODORO, Janice : “Entrevista com
o Cônsul-Geral Chen Duqing”.
4.DUARTE, Sérgio de Queiroz: “ A China Contemporânea e seu
Relacionamento com o Brasi”.
5. LI Mingde: “Latin America and the Sino-Latin American Relations:
Today and Tomorrow”.
6. LI Mingde: “China and Latin America join hands for a Better Future” .

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MÓDULO 2

IMAGENS E REALIDADES DA GLOBALIZAÇÃO:


A ÁSIA QUE VEMOS E A ÁSIA QUE NOS VÊ

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IMAGENS E REALIDADES: SOB A ÓTICA DO JORNALISMO

Atsushi Kubota*

Vou comentar sobre pontos de interesse de leitores japoneses


para a América Latina, especialmente o Brasil. Creio que o maior inte-
resse se relaciona com assuntos de integração regional porque o Go-
verno do Japão começou uma pesquisa preliminar para tratar do livre
comércio com Cingapura e México pela primeira vez na história do
país. Nós podemos aprender várias coisas de sua liderança do Gover-
no do Brasil, em ocasião como a Cúpula da América do Sul e
aprofundamento do Mercosul.
Aproveitando-me da oportunidade de poder discursar em uma
conferência de tal grandeza, gostaria de expor três propostas para o
maior fortalecimento da relação entre o Brasil e o Japão, propostas
essas que pude formular a partir de observações feitas em meu traba-
lho diário: em primeiro lugar, realizar intercâmbios de jornalistas ou
mesmo de pessoas de outras áreas entre o Brasil e o Japão. Como exem-
plo, eu que nunca tive vínculo algum com a América Latina, só tive a
oportunidade de conhecer o Brasil em decorrência de minha ida ines-
perada ao México. Durante a minha permanência de um ano no Méxi-
co, aprendi a língua espanhola. Com isso tive a oportunidade de vir
como correspondente para o Brasil. Agora, realmente sinto como teria
sido bom se eu tivesse vindo ao Brasil pelo menos um ano antes de vir
como correspondente para poder estudar a língua portuguesa, a eco-
nomia e a política do Brasil. Eu não estaria aqui falando um português
sofrível, consultando o manuscrito. Há correspondentes japoneses de
quatro jornais, duas agências de notícias e uma rede de TV com escri-
tórios no Rio ou em São Paulo. Por sermos responsáveis por países, na
sua maior parte, de língua espanhola, dois ou três correspondentes
(me incluindo) conhecem a língua, mas acredito que nenhum deles
tenha vivido no Brasil antes de ocupar este cargo.

* Jornalista e correspondente do jornal Nihon Keizai Shimbum no Brasil.

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Existe um sistema de estágio de um ano no Japão em que as
pessoas custeiam suas despesas para vir ao Brasil e, retornando ao país
de origem, trabalham em firmas e fábricas de renome. Porém, não existe
um sistema de intercâmbio gratuito para os cidadãos. Se o governo de
cada país custeasse as despesas desse intercâmbio, seria de grande pro-
veito para a nossa empresa. A permanência de um correspondente em
um país é de 3 a 4 anos em média, mas se acrescentasse a isso a expe-
riência de ter morado no país, creio que as notícias divulgadas seriam
mais detalhadas e precisas.
Em segundo lugar, proponho aos órgãos das empresas brasileiras
a enviarem mais correspondentes ao Japão para transmitirem mais infor-
mações ao Brasil. Com o desenvolvimento do sistema de divulgação
das informações, obter notícias do exterior, mesmo sem sair do país,
tornou-se muito fácil em comparação a antigamente. Entretanto, se os
jornalistas brasileiros analisassem os acontecimentos do Japão como
correspondentes, ao divulgarem as informações, as matérias poderiam
ser escritas de acordo com os interesses dos leitores brasileiros sem de-
penderem de matérias de agências estrangeiras e teriam mais credibilidade.
Se eu fosse um jornalista brasileiro residente no Japão, creio
que escreveria não só sobre a economia e política, mas também sobre
o intercâmbio cultural. Os senhores podem ficar surpresos, mas, por
exemplo, a compreensão dos japoneses sobre a cultura brasileira, prin-
cipalmente em relação à música popular brasileira, é muito profunda.
Tenho amigos empresários brasileiros que dizem que todas as vezes
que vão ao Japão compram vários CDs de MPB. No Japão, os discos
antigos de MPB que não estão mais em circulação no Brasil estão à
venda em CDs e as músicas da América Latina que estiveram em moda
nos anos 60 continuam em moda no Japão e muitos japoneses têm
muito respeito para com a música brasileira, mais do que em relação às
músicas mexicanas ou cubanas. Isso talvez seja porque um dos princi-
pais sentimentos dos japoneses é a saudade e assim têm algo em co-
mum com os brasileiros. Nas correspondências eletrônicas que meus
amigos de faculdade do Japão me enviam, há muitas mensagens como:
“Já foi assistir o concerto de João Gilberto?” ou então, após escrever
sobre o falecimento de Luis Bonfá durante a minha viagem ao Rio de
Janeiro, recebi alguns e-mails japoneses dizendo: “Realmente é uma

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pena que uma pessoa tão maravilhosa tenha falecido”. Os jovens DJs
das discotecas do Japão atualmente estão tocando os discos dos anos
70 como o de Sérgio Mendes. A popularidade do compositor e cantor
Carlinhos Brown e do percussionista Marcos Suzano estão em alta e,
freqüentemente, vão ao Japão realizar concertos.
Infelizmente, após o auge da economia japonesa dos anos 70,
não posso dizer que o intercâmbio entre o Brasil e o Japão esteja
satisfatório no campo econômico. Mas, ao se viver no Japão, percebe-se
que por lugares inesperados a cultura brasileira vem penetrando profun-
damente no país. A presença de mais de duzentos mil brasileiros descen-
dentes de japoneses, chamados dekasseguis sustentam a indústria japone-
sa. Esse é um dos fenômenos que ultimamente está servindo para intro-
duzir a cultura brasileira no Japão. Se os jornalistas divulgassem mais
sobre tal acontecimento, os leitores brasileiros compreenderiam a im-
portância da contribuição dos dekasseguis no intercâmbio entre os dois
países.
Em terceiro lugar, proponho que se realizem encontros e semi-
nários como este com mais freqüência. O intercâmbio entre nossa im-
prensa e outras imprensas japonesas que possuem um relacionamento
direto com o nosso trabalho diário é satisfatório, no entanto, a realida-
de é que não temos margem para ampliar ainda mais as nossas pers-
pectivas a ponto de voltar os nossos pensamentos para o intercâmbio
entre Brasil e Japão. Talvez isso não seja algo que só o Ministério das
Relações Exteriores e os Consulados da Ásia e Japão devem promo-
ver, nós mesmos, de maneira espontânea, devemos incentivar. Por
exemplo, o que eu pude sentir através da minha experiência é que as
pessoas da imprensa brasileira nos tratam de maneira muito gentil. Na
Reunião da Cúpula das Américas em Québec, um ambiente onde qua-
se não havia jornalistas japoneses, ao perguntar sobre a situação do
andamento da reunião para os jornalistas da Folha e do Estado e ou-
tros, eles gentilmente me ajudaram. Estou muito agradecido por isso.
Como as portas já estão abertas, percebi que o contato entre os meios
de comunicação se tornará mais dinâmico com meu próprio esforço.
Por meio de troca de opiniões e informações, sinto que podemos ter o
propósito de também conseguir o progresso da qualidade da imprensa
de ambas as partes. Essas são minhas propostas.

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Como mencionei anteriormente, com o desenvolvimento da
Internet e outros meios de comunicação, sabendo a língua, é possível
obter as notícias de uma maneira rápida e fácil. Com isso, o que eu
estou procurando fazer é realizar o maior número de entrevistas pes-
soalmente, e enviar as notícias originais ao Japão. Os principais entre-
vistados no ano passado foram, além do Excelentíssimo Sr. Ministro
de Estado Pedro Malan, e o Excelentíssimo Sr. Ministro Luiz Felipe
Lampreia, os presidentes de empresas que estão atraindo a atenção
pelo seu rápido crescimento como o da EMBRAER, Sr. Maurício
Botelho. Neste ano, pude conhecer pessoalmente o Sr. Presidente do
Banco Central, Armínio Fraga, o Excelentíssimo Sr. Embaixador Gra-
ça Lima e o Excelentíssimo Sr. Ministro de Estado Celso Lafer. Do
mesmo modo, de agora em diante, pretendo continuar entrevistando
várias pessoas e, portanto, pediria a colaboração e apoio dos senhores.
Mas no período do Carnaval é impossível para mim, pois além
de cobrir o evento, eu também costumo participar do Carnaval como
um membro da Escola de Samba do Rio de Janeiro. No ano passado,
fiz a cobertura do Carnaval do Rio e São Paulo, participei como mem-
bro integrante da Mangueira e fiquei ensopado de suor no sambódromo.
Eu explico para o meu superior que, como japonês, ao participar das
mesmas atividades culturais dos brasileiros, a minha compreensão so-
bre o Brasil se amplia. Mas, falando a verdade, o Carnaval é tão diver-
tido que não consigo deixar de participar.

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O BRASIL E AS VÁRIAS ÁSIAS

Brian Bridges*

Esta manhã, o Embaixador da Malásia discorreu de forma muito


eloqüente sobre os diferentes tipos de Ásia. Precisamos estar consci-
entes de que há diferentes regiões geográficas: há o nordeste, o sudes-
te e o sul da Ásia. Não vou tentar dar nenhuma visão de cunho geral
sobre o modo como os asiáticos percebem o Brasil. O que pretendo é
examinar uma ou duas experiências e discussões com pessoas em Hong
Kong, onde vivo atualmente, e em Macau, pois acredito haver alguns
tópicos interessantes para reflexão.
Sendo bastante novo para mim o tema das relações entre o
Brasil e a Ásia, ouvi com forte interesse as discussões desta manhã no
seminário, durante as quais várias pessoas ressaltaram os antigos e tra-
dicionais vínculos entre este país e aquele continente. Para ser franco,
minha primeira impressão ao ser convidado a escrever sobre esse tema
foi: “Há realmente muitos laços entre Brasil e Ásia?”. Parecia-me ha-
ver tradicionalmente, em alguns aspectos, uma espécie de negligência
benevolente de parte a parte. Com exceção dos fluxos de imigração,
não me parecia haver laços muito estreitos.
Diversos fatores terão contribuído para a existência de laços
comparativamente fracos entre o Brasil e a Ásia, ao menos segundo as
percepções das pessoas que vivem em Hong Kong: distância geográfi-
ca, bagagens culturais diferentes, inexistência de laços históricos es-
treitos, à parte os laços óbvios com a Europa, bem como preocupa-
ções no pós-guerra, tanto na Ásia como no Brasil, com os vizinhos
imediatos ou com as relações com os Estados Unidos. Acredito que
outro fator, que constitui um problema-chave, seria o hiato de infor-
mação e de percepção, bem como isso influencia os formuladores da
política.

* Professor do Departamento de Ciência Política da Lingham University.

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Acredito que as percepções são importantes, seja no âmbito da
população em geral ou da elite informada. As percepções podem mu-
dar, mas as mudanças podem levar às vezes muito tempo. Com fre-
qüência, nossos sentimentos com relação a um país ou região em par-
ticular estão desatualizados, pois as coisas estão evoluindo num ritmo
cada vez mais acelerado. Mesmo que acreditemos, nesta era da infor-
mação, estar em dia com os acontecimentos, algumas idéias bastante
antigas permanecem conosco.
Logo após ser convidado a escrever sobre este tópico, fui almo-
çar com três colegas chineses da universidade. Mencionei-lhes que es-
tava viajando ao Brasil (não se trata aqui de uma pesquisa de opinião
acurada, mas somente das reações de três colegas chineses), tendo
ouvido três comentários: “Por que você está viajando para tão lon-
ge?”, “Oh! Muito exótico! Você vai ver o Carnaval?” e o terceiro “É
melhor você aprender um pouco de espanhol antes de ir.” Isso mostra
talvez que mesmo entre colegas de universidade em Hong Kong ainda
há certa dificuldade de compreender exatamente o que está aconte-
cendo no Brasil.
Acredito que podemos analisar as percepções em dois patama-
res. O primeiro é o que eu chamaria de popular – o que o homem na
rua, no metrô e no ônibus pensa sobre o Brasil. De modo geral, supo-
nho que acredita em estereótipos como café e carnaval, futebol e sam-
ba, borracha, o rio Amazonas e o Pão de Açúcar, entre outros.
Quero concentrar-me, contudo, nas idéias que a elite informa-
da em Hong Kong tem sobre o Brasil. Refiro-me aos políticos, buro-
cratas, executivos, jornalistas, formadores e líderes de opinião. Acre-
dito tratar-se de um grupo importante, capaz de modificar políticas
governamentais ou empresariais, inclusive sobre alocação de investi-
mentos. Após conversar com algumas pessoas, ocorreu-me que exis-
tem na verdade quatro pares de dicotomias em termos de percepções
sobre o Brasil.
O primeiro par é o da percepção das fraquezas e do poder eco-
nômicos. Trata-se de uma conscientização de que a economia brasilei-
ra cresceu significativamente, de que o Brasil é hoje membro do “Clu-
be” das novas economias industrializadas e que, em certas áreas

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tecnológicas, está evoluindo muito rapidamente. Mas as pessoas com
as quais conversei também pareceram perceber que este é talvez um
país rico com pessoas pobres, que existe grande diversidade dentro do
Brasil. Parece-me que um dos efeitos da crise financeira asiática foi
estimular um interessante debate acadêmico sobre o motivo da crise.
No entanto, olhando retrospectivamente para os fatores que levaram à
crise, muitas pessoas examinam a crise econômica e financeira latino-
americana anterior com o objetivo talvez de fazer algumas compara-
ções sobre ambas as situações. Infelizmente, tal exercício por vezes
contribui para uma imagem bastante desfavorável do Brasil, pois con-
tinuamos a pensar no país como se ainda estivesse envolvido numa
crise financeira.
O segundo par de imagens que encontrei envolve o contraste
entre instabilidade política e democratização. Várias das pessoas com
quem conversei estavam a par, até um certo ponto, das mudanças ocor-
ridas na situação particular brasileira, inclusive do processo de demo-
cratização; no entanto, persiste de alguma forma uma ampla percep-
ção de instabilidade política na América Latina, a qual tende por vezes
a contaminar a imagem brasileira.
O terceiro par de imagens ou percepções está relacionado à
questão do regionalismo e da internacionalização. No painel da ma-
nhã, estávamos discutindo as tendências regionalizantes, tanto na Ásia
como na América Latina. Concordo com o painelista que discorreu
sobre o efeito na Ásia nos últimos dois ou três anos, haja vista o grupo
ASEAN+3, ou o grupo econômico do leste asiático. Parece-me que
algumas pessoas na Ásia e em Hong Kong estão interessadas em ver
como o processo de regionalização está evoluindo em outras partes do
mundo, buscando estudos comparativos no intuito de encontrar lições
que possam ser aprendidas com a Ásia, à medida que se começa a
desenvolver, talvez de forma até meio empírica, fóruns regionais. Há
portanto genuíno interesse em descobrir-se se há lições a serem apren-
didas a partir da experiência latino-americana. Ao mesmo tempo, acre-
dito que as pessoas em Hong Kong, por exemplo, que estão familiari-
zadas com o Mercosul e outras iniciativas do gênero sabem também
que o Brasil possui alguns laços muito tradicionais, inclusive comerci-
ais e econômicos, fora da região, com a Europa, além, é claro, da ainda

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problemática questão dos elos com os Estados Unidos e suas respecti-
vas implicações.
O quarto par de dicotomias que me ocorreu após manter várias
conversas é o que eu chamaria de símbolo ecológico e desafio
ambiental. Seria uma conscientização da enorme diversidade ecológi-
ca e da riqueza da floresta tropical amazônica; acredito, no entanto,
que há igualmente uma preocupação com as implicações para o Brasil
e o mundo da exploração e destruição desses ecossistemas. Vejo nesse
aspecto um par de imagens adicional.
Gostaria de levantar alguns pontos específicos sobre Hong Kong.
Trago boas e más notícias. Começarei com as más: quando comecei a
pensar neste assunto, verifiquei, após fazer um levantamento, que ne-
nhuma universidade naquela cidade possui departamento de estudos
latino-americanos. Segundo estou informado, não há nenhum curso em
nenhuma universidade que tenha por objeto de estudo a América Latina
ou o Brasil. Um dos paradoxos interessantes sobre Hong Kong é que
Hong Kong se considera uma cidade internacional; de certa forma, ob-
viamente o é, e muito. Atualmente, o governo está tentando recolocar
Hong Kong como a cidade global da Ásia. Este é o slogan que estamos
começando a ouvir do governo local. Há, contudo, interessante parado-
xo: sob certos aspectos, o que é talvez inevitável por causa do retorno à
China em 1997, há um forte interesse e grande enfoque na China. Mui-
tas pessoas em Hong Kong têm às vezes certa dificuldade em estender
seus interesses para além da China, ocupando-se de outros países da
Ásia-Pacífico e até mesmo da América Latina.
Agora, as boas novas. Inicialmente, uma pequena observação
sobre a vida quotidiana em Hong Kong. Há um mês e pouco estamos
sofrendo de um vírus que ataca as galinhas, o que levou o governo a
sacrificar os animais em Hong Kong. Quando eu retornar na próxima
semana, provavelmente não terá restado uma única galinha viva na ci-
dade. O que isso significa? Segundo minha esposa, isso significa que,
quando ela vai ao supermercado, compra frangos brasileiros, de modo
que, ao menos temporariamente, haverá um aumento nas exportações
de frango brasileiro para alimentar consumidores de Hong Kong.

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Em segundo lugar, quando cheguei no aeroporto de São Paulo
há dois dias, no caminho entre a chegada internacional e a partida
doméstica, vi um outdoor muito familiar: era uma placa giratória do
Banco HSBC, que me fez sentir um pouco mais em casa. O Banco de
Hongkong e Shanghai é uma instituição muito conhecida, mas quando
encurtou seu nome para HSBC, muitas pessoas mundo afora ficaram
sem saber a que se refere a sigla. O HSBC está buscando uma nova
imagem para projetar-se. Uma das imagens que deseja projetar é a de
um banco internacional de amplo alcance mundial. Para isso, escolheu
três símbolos, sendo que a nova campanha de marketing estará sendo
lançada nas próximas semanas; foram escolhidos três lugares famosos
no mundo, na tentativa de construir a imagem desejada. Escolheu-se
o Big Ben e o Parlamento em Londres, talvez por causa das antigas
conexões britânicas; as Torres Gêmeas da Petronas em Kuala Lumpur,
para demonstrar as conexões asiáticas; e o Cristo Redentor no Rio de
Janeiro, como imagem do resto do mundo, particularmente da Améri-
ca Latina. Portanto, é clara a percepção de que, para as pessoas em
Hong Kong e para o resto da Ásia, esta última imagem é imediatamen-
te associada ao Brasil.
Apenas umas rápidas reflexões sobre Macau. Pensei em
mencionar Macau porque é um lugar pequeno com forte conexão
portuguesa e, portanto, um dos poucos lugares na Ásia onde se pode
pensar haver algum grau de compreensão sobre o pano de fundo cultural
brasileiro. Há laços, que têm sido reforçados pela recém-criada
Fundação Sino-Latina, que vêm procurando ligar a China ao mundo
latinófono via Macau. Quem visita Macau pode perceber a forte
influência arquitetônica portuguesa. No entanto, quando pensamos nas
relações entre o Brasil e a Ásia, temos de ver com cautela a idéia de
utilizar Macau como contraponto óbvio. Em parte porque um dos
efeitos da devolução de Macau à China em 1999 foi o rápido
decréscimo da influência portuguesa. Desconfio que dentro de vinte
anos o português estará provavelmente em desuso como meio efetivo
de comunicação. Desde já, é muito pequeno o número de pessoas em
Macau capazes de manter uma conversa nesse idioma.
Gostaria de concluir com algumas reflexões sobre os meios pe-
los quais se poderiam superar esses hiatos de percepção. Uma das vanta-

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gens de ser um acadêmico é, claro, que não possuo dinheiro e posso
fazer sugestões que governos e empresas com verbas poderão analisar.
Eu não tenho de me preocupar sobre o modo de pagamento, de modo
que vou sugerir algumas idéias sobre como se poderia superar, de lado a
lado, os problemas de imagem. O primeiro item relaciona-se às discus-
sões anteriores sobre a mídia, pois, a meu ver, as imagens têm efeito
muito mais forte do que a escrita. Acredito haver oportunidades para
tentar persuadir ou dar oportunidades aos profissionais da mídia de am-
bos os lados para visitas recíprocas, no intuito de produzir documentários
e não apenas comentários escritos sobre eventos particulares. Custa caro
manter correspondentes estrangeiros asiáticos na América Latina e vice-
versa, mas pode haver meios de promover intercâmbios que permitam
aos jornalistas realizar visitas específicas, sendo expostos, digamos, ao
dia-a-dia, à dinâmica da economia, à vida social, etc.
Em segundo lugar, acho que caberia considerar a possibilidade
de intercâmbios educacionais e culturais. Parece-me serem muito re-
duzidos os fluxos de estudantes entre os dois lados no momento, com
a possível exceção de estudantes brasileiros no Japão; acredito tratar-
se de uma área potencialmente importante, pois é um investimento no
futuro. Outra possibilidade é encorajar as editoras asiáticas a incluí-
rem maior quantidade de informação sobre a América Latina em seus
livros escolares e vice-versa. Em outras palavras, autores asiáticos de
livros didáticos poderiam, ao escrever sobre história ou economia
mundial, dar mais exemplos relacionados ao Brasil e à América Latina,
ao invés de concentrar-se prioritariamente na Europa ou na região da
Ásia-Pacífico.
Ainda pensando na projeção de imagem e na divulgação mais
acurada dos acontecimentos, ocorreu-me que a próxima Copa do Mun-
do de futebol em 2002 será realizada no Japão e na Coréia do Sul.
Sejamos otimistas, supondo que o Brasil se qualifique para o campeo-
nato: parece-me haver aí algumas oportunidades valiosas relacionadas
ao evento, não apenas relacionadas a futebol, mas de alguma forma
ligando o evento à imagem do Brasil.
Finalmente, gostaria de sugerir meios de desenvolver um novo
fórum englobando o Brasil e a região da Ásia-Pacífico. Conversamos

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esta manhã sobre o Fórum de Cooperação América Latina – Ásia do
Leste (FOCALAL). Pelo que entendo, tende a limitar-se sobretudo ao
âmbito governamental. Acredito que deva haver meios de desenvol-
ver um fórum que extrapole esses mecanismos formais. Talvez possa-
mos colocar em contato grupos de homens de negócios, jornalistas e
acadêmicos, todos de fora da esfera governamental, dando-lhes uma
oportunidade de intercambiar idéias sobre temas específicos. Há vári-
as questões em comum entre o Brasil e a Ásia ou entre o Brasil e
regiões particulares da Ásia, o que me leva às considerações finais.
Quando comecei a pensar nesse problema do incremento das relações
entre o Brasil e a Ásia, minha primeira impressão foi de que os brasilei-
ros estão muito interessados nos laços com o Japão, com a China e, até
certo ponto, com a Coréia do Sul. Esse fato certamente derivará, em
parte, dos laços migratórios históricos, mas minha percepção era de
que talvez houvesse menos interesse nas relações com o Sudeste ou o
Sul da Ásia. Talvez haja meios de criar um fórum Brasil - ASEAN que
ajude a diversificar e desenvolver esses tipos de elos. Quando os asiá-
ticos olham para o Brasil, suas idéias sobre o Brasil incluem a percep-
ção que o Brasil tem deles; desse modo, se sou um asiático do sudeste
ou do sul, posso pensar: “Bem, os brasileiros parecem estar muito in-
teressados no nordeste da Ásia, não se importam realmente conosco”.
Isso, por sua vez, terá algum impacto em minha própria percepção do
Brasil. Embora esta seja talvez uma nota um pouco cautelosa e pessi-
mista com a qual finalizar minha apresentação, terminarei por aqui.

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BRASIL-ÁSIA: UM ESFORÇO DE APROXIMAÇÃO

Jaime Spitzcovsky*

Neste início de século e de milênio, nós, brasileiros, desfruta-


mos da histórica e gradual consolidação de um relacionamento direto
com a Ásia, sem as intermediações que deixaram marcas indeléveis no
passado, como já registraram diversos estudos brasileiros e estrangei-
ros. Ao falar em intermediação, refiro-me, por exemplo, ao papel de-
sempenhado pela metrópole Portugal, no período do colonialismo que
se estendeu entre os séculos XVI e XIX. Naquela época, os robustos
canais portugueses de comércio e de comunicação intermediavam e
modelavam a relação entre dois pontos tão distantes, pontos estes que
eram a Ásia e o Brasil.
Na passagem do século XIX para o século XX, a partir da pro-
clamação da república no Brasil, os intermediários deixaram de ser
lusófonos para construir pontes de ligações descritas em inglês. O im-
pério britânico, num primeiro momento, filtrava as nossas relações
políticas e econômicas com a Ásia, função depois desempenhada por
outra potência anglófona, os Estados Unidos. No entanto, na segunda
metade do século passado, o relacionamento do Brasil com os distan-
tes parceiros asiáticos ganhou qualitativamente e passou a caminhar
com as próprias pernas, apoiando-se numa aproximação direta, e cada
vez mais intensa, e, finalmente, sem os intermediários do passado.
O Brasil e a sua opinião pública passaram a manifestar cres-
cente interesse por informações sobre o mosaico social, econômico e
político que forma a Ásia. O trabalho pioneiro de retratar os meandros
da vida asiática, feito por exemplo por diplomatas e escritores como
Aluisio Azevedo, que chegou a Yokohama na condição de vice-cônsul
em 1897, foi substituído principalmente por iniciativas levadas a cabo
por empresas de comunicações. Estas, atuando interessadas em des-
vendar a seus leitores, telespectadores ou ouvintes os mistérios e este-
* Jornalista brasileiro e diretor da publicação “Prima Página”.

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reótipos que sempre cercaram terras longínquas. Nos anos 70 e 80, o
jornalismo brasileiro se interessou mais pela Ásia, e, nesse âmbito, vale
destacar o trabalho feito por profissionais como Gerardo Mello Mourão,
que cobriu em Pequim o início das reformas arquitetadas por Deng
Xiaoping, sendo também necessário destacar a cobertura de Osvaldo
Peralva em Tóquio, que testemunhou alguns dos melhores momentos
do milagre econômico japonês.
No entanto, a Ásia que vemos aqui, e que temos visto nas últi-
mas décadas, não desponta, infelizmente, como uma imagem construída
somente a partir do trabalho de diplomatas e de jornalistas brasileiros
que, de seus postos avançados em solo asiático, transmitem à opinião
pública de nosso país relatos sobre um dos mais dinâmicos continen-
tes do planeta. Uma intermediação, diferente daquela que mencionei
anteriormente, ainda persiste. Trata-se das informações e das cobertu-
ras jornalísticas produzidas pelas grandes corporações internacionais,
como agências de notícias e redes de TV, que abastecem a mídia brasi-
leira com o material produzido por sua extensa rede de corresponden-
tes espalhados pela Ásia.
Torna-se, portanto, inevitável, que os meios de comunicação
brasileiros acabem, em grande medida, apenas repassando à nossa opi-
nião pública material jornalístico de qualidade muitas vezes irretocável,
mas moldado por viés e enfoques que não são os nossos. Falo de re-
portagens e coberturas produzidas por uma cultura jornalística e edi-
torial basicamente orientada por padrões, em primeiro lugar, norte-
americanos, e, posteriormente europeus.
Qual o significado prático, para nós, no Brasil, desse mundo da
mídia maciçamente dominado por conglomerados internacionais, num
reflexo típico desta era de globalização? O resultado dessa tendência é
uma cobertura internacional cada vez mais uniforme, obedecendo a di-
tames de prioridades e de interesses que não são os nossos. Questões de
direitos humanos na China, por exemplo, podem balizar as relações en-
tre Washington e Pequim, mas não exibem, por uma série de motivos,
similar destaque na agenda bilateral sino-brasileira. Mas reportagens so-
bre esse relevante assunto chegam a inundar os espaços da editorias
internacionais no Brasil, ajudando a modelar a percepção que a opinião

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pública brasileira guarda sobre um país asiático em particular. Não que a
situação dos direitos humanos na China não mereça atenção. Mas ela
não pode praticamente monopolizar os relatos sobre o país que
protagoniza uma das mais trepidantes mudanças da atualidade.
À distância, e atrapalhados pela cortina de fumaça de um qua-
se monocórdio noticiário internacional, acabamos muitas vezes enxer-
gando uma Ásia com poucas cores, com menos tonalidades do que o
continente realmente oferece. Da China, costuma prevalecer o notici-
ário sobre o aspecto político do regime, condenando a um segundo
plano as fundamentais e frenéticas mudanças econômicas, as mudan-
ças sociais e as oportunidades de negócios e de intercâmbio que au-
mentam em ritmo meteórico. Do Japão, consumimos as informações
sobre o desempenho do segundo maior Produto Interno Bruto do pla-
neta e, às vezes, somos premiados com coberturas de crises ou escân-
dalos políticos. São escassos os relatos que ajudem a desvendar, por
exemplo, a empresários brasileiros, as diferenças culturais e os mean-
dros do mastodôntico mercado japonês.
Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional das Indústrias
no ano passado junto a 46 companhias brasileiras revelou, entre outros
aspectos, que os empreendedores do Brasil colocam a diferença cultural
e pouca familiaridade com o mercado japonês como causas determinantes
que impedem o avanço do comércio bilateral. Sem dúvida nenhuma,
aumentar o fluxo de informações entre os dois países contribuiria signi-
ficativamente para a superação desses obstáculos que hoje enfrentamos
a fim de aprofundar o relacionamento nipo-brasileiro.
Também passou-se, no Brasil, a olhar para a Ásia com mais
interesse depois da crise financeira que assolou o continente em 1997.
A opinião pública brasileira acompanhou, atemorizada pelo risco de
contágio típico dos tempos da globalização, as variações do baht
tailandês ou do ringgit malaio. Países vistos como distantes e exóticos
se incorporaram, definitivamente, ao noticiário econômico, passando
a dividir com o próprio Brasil o espaço reservado na mídia aos merca-
dos emergentes.
Esse interesse, no entanto, arrefeceu nos últimos anos, graças
ao processo de recuperação econômica vivido por países como a

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Tailândia e a Malásia. Entre as vítimas da crise financeira de 1997,
hoje recolocadas no caminho do crescimento econômico, destaca-se
aos olhos do público brasileiro o caso da Coréia do Sul. Há um cres-
cente interesse pelo que se passa na península, fenômeno explicado
pela participação cada vez mais intensa de empresas sul-coreanas na
economia do Brasil.
Esse aspecto econômico e comercial desperta, no Brasil, mais
curiosidade do que a tensão política e militar vivida na península
coreana por conta da divisão deixada como herança da Guerra Fria.
Não que inexista interesse pelo diálogo entre as Coréias, mas o con-
flito é geralmente entendido como um processo de repercussões ba-
sicamente regionais, uma percepção errônea devido às conseqüênci-
as globais de uma instabilidade provocada a partir de um embate
militar na região.
Nos anos 90, outro acontecimento histórico, este sim com re-
percussões primordialmente regionais, atraiu um grau de atenção nem
sempre dedicado pelos meios de comunicação de massa brasileiros a
assuntos asiáticos. O atual processo de independência de Timor Leste
ganhou primeira página e manchetes de jornais, transformou-se em
matéria-prima de documentários na TV e de extensas coberturas
radiofônicas. Como efeito colateral dessa atenção dedicada a uma ex-
colônia portuguesa, passado que gerou uma identificação cultural para
o público brasileiro, os conflitos étnicos na Indonésia deixaram de ser
temas de notas de rodapé, para ganhar maior e merecido destaque. Até
hoje o grande arquipélago asiático freqüentemente chega ao leitor bra-
sileiro como paradigma de instabilidade política e de turbulências ét-
nicas. Raras vezes, em nossa mídia, a Indonésia e a sua vizinha Filipi-
nas, por exemplo, despontam como palcos de oportunidades de negó-
cios ou como detentores de modelos bem-sucedidos nos campos eco-
nômico ou social, experiências que certamente existem.
No entanto, em um balanço geral, e apesar dos percalços e da
distância, a Ásia que vemos ainda é a Ásia das mudanças à velocidade
da luz, que faz o oceano Pacífico ganhar mais destaque do que o Atlân-
tico. Sem dúvida, ganharíamos muito se fosse possível aumentar a pre-
sença da mídia brasileira no continente, mas sabemos também dos

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problemas orçamentários que essa custosa opção representa às nossas
empresas de comunicação.
Outro caminho, além da mídia, para permitir a construção de
uma imagem da Ásia mais próxima de sua realidade seria por meio da
intensificação dos intercâmbios culturais. Considero tímida, e com um
enorme potencial para expansão, a presença asiática em nossa indús-
tria cultural e do entretenimento. Imagino que impacto teria em nossa
percepção do continente se contássemos com um produto – e ele deve
existir – que repetisse em nosso país, ainda que parcialmente, o impac-
to gerado pelas telenovelas brasileiras. Elas são um sucesso global,
contagiando dezenas de países, e com especial audiência na Ásia. Tes-
temunhei, quando era correspondente da Folha de S. Paulo em Pe-
quim, como a atriz Lucélia Santos, a protagonista principal de “A Es-
crava Isaura”, atraía multidões ao caminhar pelas ruas da capital chi-
nesa. Todos queriam um autógrafo de “ninu”, como a personagem era
conhecida em chinês.
Dang Bich Ha, historiadora e esposa de Nguyen Vo Giap, o
célebre general vietnamita, disse-me em Hanói que a telenovela “Es-
crava Isaura” era uma de suas principais fontes de conhecimento da
história brasileira. Também no Vietnã, pude saborear as imagens da
telenovela Sinhá Moça. Com paciência, limitei-me obviamente às ima-
gens daquele drama porque não entendia o idioma vietnamita que du-
blava a fala original dos atores brasileiros.
Desenhos animados e longa-metragens japoneses, uma antiga
tradição, e as recentes levas de filmes chineses, como as obras dos
cineastas Zhang Yimou e Chen Kaige, começam, lentamente, a con-
quistar espaços importantes e que contribuem para a consolidação de
uma imagem da Ásia mais fiel à realidade.
Além da indústria cultural e da mídia, muito há que se fazer
também no campo educacional. Um trabalho do Centro para Estudos
Ibéricos e Latino-americanos da Universidade da Califórnia, em San
Diego, mencionou o problema. De acordo com seus autores, Andrew
Selee, Song Liu e Paulette Synodis, “com a exceção da supremacia
brasileira no futebol, América Latina raramente é discutida em livros

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didáticos tailandeses. Quando descrevendo a América Latina, obras
escolares chinesas enfatizam os movimentos nacionais de libertação.
O Brasil aborda o Japão com freqüência em seus livros de história,
talvez devido ao grande número de imigrantes japoneses, mas pouco é
dito a respeito do resto da Ásia, excetuando a China”.
No mundo acadêmico, há que se registrar uma expansão dos
esforços dedicados aos estudos asiáticos, embora ainda haja evidente
potencial e demanda para mais pesquisas e investigações que auxiliem
a fortalecer o processo de conhecimento mútuo entre dois pólos fun-
damentais deste início do século 21, tão marcado por mudanças eco-
nômicas e em escala planetária.
É fundamental também notar na mídia asiática um maior inte-
resse pelo que ocorre na paisagem latino-americana. Países vistos como
exóticos, distantes, donos de uma cultura exuberante, de um futebol
artístico, passaram a acumular, nos círculos mais informados, também
a condição de mercados emergentes, de potenciais parceiros econômi-
cos ou políticos e também a condição de rivais na disputa por investi-
mentos estrangeiros. Neste quesito, basta dizer que a China ocupa o
primeiro lugar, entre os países em desenvolvimento, no ranking dos
principais recipientes de investimento direto estrangeiro. O segundo
lugar desse ranking cabe ao Brasil.
Naturalmente, os solavancos econômicos do México, em mea-
dos dos anos 90, e depois do Brasil, no final da década passada, ganha-
ram esperado destaque nos meios de comunicação asiáticos, mas a
criação e o avanço do Mercosul também são exemplos de fenômenos
que seduzem jornalistas e empresários da Ásia, que vêem no bloco
oportunidades de negócios e a consolidação da integração regional em
curso numa parte da América do Sul. O colunista Tom Holland, da
prestigiosa revista Far Eastern Economic Review, chegou a escrever um
texto, sob o título “A lição latina”, apontando alguns acertos entre os
sócios Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai como exemplo a ser tri-
lhado pelos integrantes da ASEAN, a Associação das Nações do Su-
deste Asiático.
Tecnologia brasileira também passou a ser alvo da mídia e do
interesse asiáticos. A imagem do nosso país constrói-se, por exemplo,

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com a contribuição das ofensivas recentes da EMBRAER, destaque
da aviação civil, no competitivo mercado chinês. O know-how do Brasil
em internet banking atrai a atenção de diversos personagens do mercado
bancário e financeiro da Ásia, que abandona, de maneira gradual, a
percepção apoiada basicamente em uma América Latina castigada pela
instabilidade econômica.
Cada vez mais globalizados e com maior inserção na economia
internacional, os países asiáticos entendem a necessidade em diversi-
ficar os alvos de suas parcerias políticas e econômicas, olhando com
mais carinho e atenção para as novas oportunidades. A China, por
exemplo, destaca incansavelmente os aspectos estratégicos de sua par-
ceria com o Brasil. Um documento elaborado no ano passado por co-
mitês do Keidanren, no Japão, e da brasileira Confederação Nacional
das Indústrias evoca a construção de uma aliança para o século XXI,
pregando a revitalização do relacionamento entre os dois países. O
Brasil, em sua atual política externa, já evidenciou, em mais de uma
oportunidade, a opção pela construção de laços mais estreitos com os
parceiros asiáticos.
No entanto, ainda há muito por fazer, em diversos níveis. Tam-
bém, e por que não dizer, no campo de construir e aproximar imagens
de realidades, o desafio é hercúleo. Significa aplainar o caminho e faci-
litar o trabalho da mídia brasileira e asiática, seja no plano das
corporações estatais ou privadas, estimulando projetos conjuntos, in-
tercâmbios e parcerias, e trabalhar por canais que intensifiquem a aber-
tura de novos horizontes culturais, a fim de desfazer estereótipos e
alimentar o maior conhecimento mútuo.
O desafio é grande. Mas aproximar Brasil e Ásia não pode dei-
xar de ser uma tarefa colossal diante das proporções gigantescas dos
personagens envolvidos nesta história.

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BRASIL - ÁSIA: O “ARCO DOURADO”

Kuniko Inoguchi*

Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer ao Ministério das


Relações Exteriores do Brasil por tomar esta iniciativa de fomentar
um intercâmbio intelectual de fontes ilimitadas. Há todos os tipos de
pessoas aqui e mesas de discussão diferentes desta vez, então estamos
obtendo mais informações de fontes diferentes. Eu acho que isso é
muito interessante.
No século XXI, as relações internacionais ou interações entre
as nações tornam-se muito mais baseadas no conhecimento. Quando
eu digo isso, eu quero dizer que o sistema do século XIX era muito
baseado no poder, o século XX era muito baseado no dinheiro e o
século XXI será baseado em mais conhecimento. Portanto, estamos
entrando em uma era em que veremos este sistema baseado no conhe-
cimento e eu acho que um esforço como este é um sinal de que estamos
dando as boas-vindas a esse sistema baseado no conhecimento e é
encorajador saber que o Serviço Exterior Brasileiro está tomando a
liderança nessa transição na direção de intercâmbios baseados no co-
nhecimento. Portanto, eu gostaria de parabenizar o Sr. Fujita, assim
como todo o Ministério, por abrir esta oportunidade.
Deixe-me iniciar com minha nota pessoal, porque todas as ima-
gens vêm de experiências pessoais. Entre todos os países do mundo eu
tenho um sentimento especial pelo Brasil desde que eu passei cinco
anos da minha infância em São Paulo, onde meu pai foi um dos primei-
ros homens de negócio japoneses engajados em operações além mar.
O Senhor Fujita disse que precisamos desmistificar todas as imagens,
mas deixe-me contar quais são as imagens dos dias da minha infância
e que eu ainda tenho.
Eu acho que o Brasil sempre foi uma terra da Arcádia, um lugar
muito bonito, muito gentil e com pessoas de coração hospitaleiro, com

* Professora do Instituto de Estudos Orientais da Universidade Sophia em Tóquio.

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um clima muito bom, boa comida, frutas deliciosas, música fascinan-
te, e o que é ainda melhor, como meu pai costumava me dizer, há
poucos países no mundo como o Brasil, que não discriminam as dife-
rentes culturas. Isto foi dito nos anos sessenta, então eu acho que era
incrível ter uma sociedade assim naquela época. Eu também preciso
dizer que os imigrantes japoneses e seus descendentes sempre estive-
ram na linha de frente de esforços transculturais para trazer a fé e a
confiança social para este país. Então, para os meus olhos, esta foi
uma terra em que os japoneses se tornaram cosmopolitas bem sucedi-
dos pela primeira vez. Esta foi uma terra que os aceitou e portanto é
uma terra que sempre foi muito tolerante com culturas diferentes, tra-
dições e povos.
Embora possamos ter muitas outras imagens diferentes quan-
do vivemos mais tempo, as coisas que eu acabei de dizer serão sempre
verdadeiras neste país porque no século XXI eu acho que a tolerância,
a diversidade ou a natureza reconciliadora da sociedade serão ainda
mais apreciadas e valorizadas enquanto ocorre o processo de
globalização. Então, muitas pessoas devem aprender a ser tolerantes e
aceitar a diversidade.
Tendo dito isto, deixem-me dizer o que a globalização está fa-
zendo em termos de obter uma imagem mais aguda uns dos outros.
Nós realmente devemos usar esta oportunidade de globalização como
uma oportunidade de compartilhar percepções mais apuradas, imagi-
nativas e personalizadas em comparação com imagens de países, por-
que a globalização está nos levando na direção de mais interações,
sejam elas interações intelectuais, comerciais, baseadas no conheci-
mento, e ela está nos dando uma oportunidade de corrigir imagens
estereotipadas. Eu acho que nós podemos simplesmente sentar-nos e
viver com imagens estereotipadas, porque vivemos agora num cenário
muito competitivo, tanto a Ásia como o Brasil, e nós devemos tomar
conhecimento da realidade para obter um conhecimento mais preciso
uns dos outros para que possamos ser mais eficientes na cooperação.
Agora, deixem-me enfocar quais são as imagens estereotipadas
gerais do Brasil. Eu acho que os palestrantes hoje de manhã tinham
imagens muito mais sofisticadas do que quaisquer outras imagens que

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geralmente se encontram na Ásia. O Brasil é geralmente conhecido
pelas pessoas na Ásia, como uma terra muito rica em recursos natu-
rais, futebol, a selva Amazônica ou lindas praias no Rio ou grandes
oportunidades de investimento. Bem, estas são imagens bastante boas
mas devemos abraçar imagens mais multidimensionais do Brasil para
podermos descobrir áreas mais relevantes de cooperação. A Ásia é
uma entidade muito diversa e o Brasil também. O Brasil deve fazer
mais esforços para retratar uma imagem multifacetada do país, pois há
muitos países na Ásia que estão em diferentes níveis de conhecimento
e estão preocupados com diferentes tipos de problemas e oportunida-
des.
Por exemplo, há muitas novas fronteiras, mas alguns pesquisa-
dores e laboratórios científicos no Brasil estão na fronteira mais com-
petitiva em biotecnologia ou na pesquisa relacionada ao DNA. Neste
sentido, a região amazônica deve ser considerada como uma hospedei-
ra de recursos e bens diversos e preciosos de DNA a partir dos quais a
futura medicina pode se desenvolver. Portanto, pode haver toda uma
nova área de cooperações conjuntas nesta fronteira da biotecnologia;
o Brasil também é muito forte na produção de aviões a jato e tecnologias
ligadas à aviação; e o Brasil também é um grande poder político em
relações internacionais e em muitas organizações internacionais.
A Ásia e o Brasil deveriam compartilhar o conhecimento em
áreas mais amplas. Por exemplo, os países ricos em recursos na Ásia
podem querer compartilhar conhecimento sobre como fomentar o cres-
cimento sustentável; outros podem querer compartilhar conhecimen-
to sobre a redução da pobreza ou a produção de redes de segurança
para os desfavorecidos; alguns outros países asiáticos podem se inte-
ressar pelo gerenciamento de uma estrutura social multirracial ou de
como cuidar de minorias indígenas; as nações recentemente democra-
tizadas na Ásia podem querer compartilhar conhecimento sobre como
administrar novas democracias, ou maneiras de superar as possíveis
confusões econômicas associadas com as mudanças de regimes políti-
cos para novas democracias.
Portanto, eu acho que as imagens dos países estrangeiros no
século XXI devem ser mais baseadas no conhecimento e em experiên-

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cias conjuntas do que em vagas impressões ou informações segmenta-
das. É particularmente muito importante para as economias desenvol-
vidas, como o Japão, desenvolver imagens mais sofisticadas e tentar
colaborar em áreas não tradicionais e ir além desta imagem de que o
Brasil é um supridor dominante de recursos naturais, então devemos
sempre estar nesta área para poder cooperar.
Agora vou expor o que o ALCA e o MERCOSUL estão fazendo
para renovar a imagem do Brasil. A ALCA, uma área de livre comércio
na América (que o Presidente Bush quer muito organizar), é como uma
globalização regional, é uma globalização em escala regional. O
MERCOSUL é uma espécie de programa de integração regional. O Bra-
sil pode ter um papel muito importante em criar novas imagens de com-
patibilidade de uma integração econômica regional como foi demons-
trado no MERCOSUL e também um tipo de globalização em escala
regional como sugerido pela ALCA. O MERCOSUL é muito importan-
te porque mostra o que é necessário para a globalização minimizar suas
conseqüências negativas em muitos outros países, incluindo o terceiro
mundo, se você não tiver uma confiança regional forte. No processo, eu
acho que o Brasil emergiria como um novo modelo, uma nação que
propõe uma alternativa ou estrutura complementar com prudência so-
bre aquilo que acontece em escala global.
Agora, deixem-me fornecer, brevemente, novas formas de com-
preender as relações entre o Brasil e a Ásia. Eu tentarei estabelecer um
novo termo, que pode soar um pouco estranho, mas mesmo assim eu
vou tentar retratar a vocês, e que é chamado de “Arco Dourado”. É um
conceito alternativo ao conceito de Fronteiras do Pacífico.
Desde os anos 80 o conceito de Ásia-Pacífico, ou cooperação
dos países na Fronteira do Pacífico, ganhou muita atenção. Foi uma rup-
tura conceitual ligando regiões distantes da Ásia e da América Latina.
Agora, para poder localizar o Brasil e a Ásia numa estrutura mais inter-
ligada, poderia observar-se o mapa de maneira diferente, poderia pen-
sar-se em um conceito alternativo contra o conceito das Fronteiras do
Pacífico. Se você tentar olhar o mapa de forma diferente, por exemplo,
quando você fala sobre a área das Fronteiras do Pacífico, você coloca o
Oceano Pacífico no meio do mapa. Mas ao invés de colocar o Oceano

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Pacifico no meio do mapa, se você colocar o sub-continente indiano no
meio do mapa e desenhar um arco que começa no leste (onde está o
Japão) e passa por todo o Sudeste Asiático e o Oceano Índico, bordeando
o canto sul da África do Sul e enfim chegando à ponta Oeste (onde está
o Brasil). Este grande arco que começa no Japão e chega no Brasil pode
ser chamado de “Arco Dourado”, pois o Japão era chamado no passado
de “Zipang”(a terra do ouro e prata) e o Brasil já foi chamado de “El
Dorado”.
Este é um conceito alternativo. É um conceito alternativo à
cooperação das Fronteiras do Pacífico e esta imagem do Arco Doura-
do englobaria os países do Sul da Ásia e o lado Atlântico da América
Latina. Isto é ainda só uma imagem, mas como a realidade é muito
mais esporádica, este exercício conceitual é extremamente importante
porque, como diz o Sr. Fujita, as imagens geralmente formam a base
de atividades futuras e um conceito alternativo também pode propor-
cionar ou assegurar um berço de estrutura ou referência àqueles que
tentam fomentar novas relações e cooperações.
Um outro tipo de pequena tese, que eu lhes trago como uma
nova imagem, é corrigir esta imagem ou tirania da distância. O que é a
tirania da distância? A Ásia e o Brasil, há muito tempo, sofrem daquilo
que chamamos a ‘tirania da distância’, ou seja, a vasta distância geo-
gráfica que impede várias oportunidades. Nós estamos simplesmente
muito distantes e isto é tirania. É claro que as recentes tecnologias de
informação e os melhores sistemas de transporte aéreo e terrestre nos
ajudaram a superar os problemas da distância geográfica. Entretanto,
pode-se olhar para essa questão da distância de forma mais ativa e
criativa. A globalização, pensando seriamente, está nos desafiando a
sermos mais competitivos e eficazes em cada pequena coisa e em muitas
áreas de fronteira de ciência e tecnologia ou produção de produtos
baseados no conhecimento, como softwares, o turno non-stop de 24 ho-
ras é o que se quer realizar no aspecto mais competitivo.
Houve muitas situações como essa no passado. Durante os dias
dos tipos tradicionais de industrialização, o turno de trabalho de 24
horas ocorria no local de produção alternando a força de trabalho por
turnos. Agora, para as indústrias baseadas no conhecimento, o estilo

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de trabalho por turnos não é necessariamente a melhor solução porque
as equipes que trabalham no turno da meia-noite podem não estar em
suas melhores condições. Então, entre os países que estão localizados
nas zonas de tempo quase opostas, nós podemos criar um turno de
trabalho que atravesse as zonas de tempo. Por exemplo, um engenhei-
ro de software de alta tecnologia no Brasil poderia no final do seu dia
enviar seu produto, pela rede, ao seu parceiro na Ásia, onde o dia está
começando. Assim, temos um turno de 24 horas entre as diferentes
zonas de tempo. Portanto não é turno, é um turno na zona de tempo e
não se pode fazer isso em bases hemisféricas porque você estaria mais
ou menos na mesma zona de tempo; você não pode fazer isso com os
Estados Unidos porque você está na mesma zona de tempo. Mas você
pode fazê-lo se o seu parceiro estiver em uma zona de tempo comple-
tamente oposta. Portanto, eu acho que nós podemos obter modelos
corporativos intensivos e criativos, para que as diferentes zonas de
tempo, ou “tirania da distância” torne-se um novo tipo de bênção.
Obviamente, eu preciso lembrá-los que tanto o Brasil como a
Ásia devem abraçar o sentido de competitividade no mercado global
mais vividamente para descobrir estas novas formas de cooperação
entre eles. A não ser que venhamos a abraçar esta necessidade de
competição e a não ser que o façamos de forma mais vívida, iremos
perder todas estas grandes oportunidades de formas mais criativas
de cooperação.

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IMIGRAÇÃO, IDENTIDADE E CULTURA:
UMA REFLEXÃO PESSOAL

Tisuka Yamazaki*

Tendo em vista todas as observações que ouvi hoje, eu real-


mente fiquei com vontade de falar sobre o assunto de um ponto de
vista distinto. A preocupação, aqui, é com a imagem que o Brasil tem
da Ásia e como a Ásia nos vê. Não quero saber disto. Na condição de
produtora de filmes, o que desejo saber é como eu me vejo. É claro
que, neste caso, há certa dose de egoísmo. Mas faz sentido.
Sou a terceira geração – sou sansei – de imigrantes japoneses no
Brasil. Quando produzi “Gaijin”, aqui , no Brasil, ninguém falava so-
bre imigração. Não consegui encontrar livros, na história oficial, capa-
zes de me fornecer informações sobre este assunto. Eu queria saber de
onde eu vim, por que estava neste país e por que meu rosto era dife-
rente. Aqui, ninguém falava sobre os descendentes de japoneses ou
dos imigrantes japoneses, nem ninguém falava sobre qualquer outra
etnia, sobre os outros imigrantes. Era como se nenhum destes existis-
se. Um pouco por falta de informação, um pouco porque eu odiava ser
japonesa, acabei por fazer um filme, a fim de descobrir quem eu era.
Foi então que fiz “Gaijin”. Isto foi em 1978, tendo o filme sido lança-
do em 1980.
Gaijin significa estrangeiro, e é o modo como japoneses deno-
minam aqueles que não são japoneses, em princípio, lá , no Japão. A
palavra tem conotação pejorativa. Já teve um significado mais pesado
mas, aqui, no Brasil, é engraçado que os japoneses chamem de gaijin
aquele que não são japoneses, os estrangeiros. Daí, perguntamos: quem
é gaijin , no Brasil?
Nesta discussão, eu compreendi que todas as etnias utilizam
uma forma pejorativa para denominar os outros. E nós, do Terceiro
Mundo, temos uma impressão muito simpática para quem provêm do
* Cineasta.

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Primeiro Mundo: os “gringos”. Não importa se são americanos, euro-
peus, “gringos” são pessoas do Primeiro Mundo – da mesma maneira
como os Estados Unidos geralmente chamam os latinos de
“cucarachos”. De qualquer modo, creio que a conotação pejorativa
existe sempre em qualquer denominação. Mas, na época, eu pensei o
seguinte: se eu sou uma gaijin, de um jeito ou outro, seja para os japo-
neses, seja para os brasileiros, eu quero ter prazer em ser um gaijin.
Daí, foi com base nesse raciocínio que comecei a pensar no fato de ser
brasileira com estas feições japonesas. Na verdade, é muito bom ser
brasileira, já que observo, ao viajar pelo mundo, que, apesar de todas
as dificuldades que enfrentam, apesar de toda corrupção, de toda vio-
lência, etc, os brasileiros são um povo feliz. O que mais atrai os es-
trangeiros a virem ao Brasil não são os recursos naturais nem a alta
tecnologia; o que atrai e faz com que os estrangeiros fiquem fascina-
dos aqui é esta coisa que ele não compreende muito bem, mas que eu
traduzo como o “prazer de ser brasileiro”.
Aí eu fico pensando: como é que começou esta história? Penso
que nossa grande vantagem foi o fato de os portugueses terem vindo
para cá, num primeiro movimento de globalização, e “se deitarem com
as índias”, os negros africanos vieram para cá e eles “se deitaram com
os negros”. Aí começou uma mistura que continua até hoje.
No século passado, ou seja, há cerca de cem anos, aconteceu
outro movimento de globalização, aqui, que foi a chegada da imigra-
ção européia e da imigração asiática. Recentemente, eu me mudei para
Curitiba, Paraná, porque desejava ter a experiência de viver perto de
um bando de gaijin de todas etnias. Eu me sinto em casa, pois lá as
pessoas ainda conservam em suas faces e em seus nomes sua origem
cultural. A exemplo de muitas outras pessoas no Brasil, filhos de es-
trangeiros, eu aprendi que o mais importante é a cultura original, que
permanece pura. Vivi toda a minha infância ouvindo que o Japão tem
uma cultura pura, que a Alemanha, a Itália... E nós não éramos nada.
Era como se tentassem dizer-nos que nós, brasileiros, tínhamos uma
cultura que não sabíamos exatamente qual era, e sem nenhum valor.
Por conseguinte, o que pretendo, nessa discussão que faço nos
filmes e que desejo apresentar em “Gaijin”, é mostrar que, em realida-

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de, neste mundo globalizado, o importante, hoje, é a mistura cultural.
Com isto não quero dizer que devamos ser irresponsáveis a ponto de
esquecer a origem cultural de cada um. Estou muito orgulhosa por ser
japonesa, estou muito orgulhosa por ter estas feições, o meu nome e
tudo o mais. Mas sinto muito orgulho de ser brasileira, de ser parte
desta mescla cultural, em que não sabemos exatamente quem somos.
Um fenômeno muito interessante vem ocorrendo: esta tercei-
ra ou quarta geração de filhos de descendentes de japoneses que hoje
constituem 250 mil brasileiros de origem japonesa que se encontram
trabalhando no Japão, em serviços e trabalhos manuais, eles foram
para lá acreditando que estavam indo para sua pátria de origem, já que
foram trazidos para cá, para o Brasil, por seus pais e seus avós como
japoneses. Para os japoneses, ser japonês não é uma nacionalidade, é
quase uma questão espiritual, é uma questão religiosa. Era assim que
meus avós diziam: “Tu és japonesa”. E eu não podia entender muito
bem o que era ser japonesa, já que eu tinha uma carteira de identidade
que indicava que eu era brasileira, mas meus colegas de escola me
chamavam de japonesa. Portanto, essas pessoas que vão para o Japão
trabalhar, assim que chegam lá compreendem claramente que não são
japonesas: sua aparência é diferente: seu modo de andar é diferente:
suas crenças são diferentes; elas são mais barulhentas que os japone-
ses; elas são mais sensuais que os japoneses, porque mostram mais seu
corpo, balançam mais etc. Assim, quando chegam ao Japão, não são
reconhecidos pelo povo japonês como japoneses. E ficam surpresos.
Muitos enlouquecem e acabam em hospitais psiquiátricos. Assim que
conseguem superar a situação, descobrem quão brasileiros eles são e
começam a entender a si mesmos como pessoas de outro lugar. E é aí
que começam a ser dar bem no Japão .
Eu quis falar tudo isto pelo fato de as pessoas dizerem, no Bra-
sil, que devemos produzir filmes em português, por serem filmes brasi-
leiros. Eu fiz filmes em várias línguas por acreditar que o que dá iden-
tidade a um povo não é o idioma, mesmo que o idioma torne uma
pessoa diferente. O que dá identidade a uma pessoa, de fato, é uma
memória que se tem de uma paisagem e que a faz sentir segura. Meu
país é a imagem que está na minha memória e que eu carrego desde a
minha infância. É o lugar que eu quero recuperar, e é este lugar que me

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diz que aqui eu estou segura. Não importa se é o Brasil, ou o Japão, a
China, a Indonésia, ou os Estados Unidos.
Era este, pois, o debate que eu queria trazer para cá. A questão
do preconceito, a questão da dificuldade em estabelecer relações, no
campo econômico ou no campo político, tudo isto é normal, faz parte
do jogo. Há, porém, uma maneira que é muito mais fácil aquela da
relação sentimental entre os povos. Freqüentemente, observam-se coi-
sas engraçadas. Quando meu cunhado, descendente de alemães e por-
tugueses, pediu minha irmã em casamento, ele queria fazer tudo de
forma correta. Assim, minha mãe veio a mim e, desesperadamente,
me disse: Tisuka, sua irmã vai casar com um gaijin. Como é que vai
ser? Ele nem saber falar japonês”. E aí eu lhe respondi: “Mamãe, nós
nunca falamos japonês aqui em casa!”
Em outras palavras, o medo de perder o vínculo cultural está
muito mais em nossa cabeça do que em qualquer outro lugar. Quando
o primeiro filho de minha irmã nasceu, minha mãe esqueceu que seu
neto era um gaijin. Para ela, ele era seu neto e pronto! A relação afetiva
é que estabelece o vínculo. Daí eu dizer para mim mesma: “Foi bom
que os portugueses viessem para cá e deitado com nossas índias. Que
bom que os imigrantes vieram para cá e nós representamos a terceira,
a quarta ou a quinta geração já miscigenada! Em minha casa, somos
alemães, americanos, russos, japoneses... é uma Babel!
Assim fazendo essa troca, colocando mais pessoas lá e trazen-
do mais pessoas para cá, talvez esta seja a melhor maneira de nos
entendermos uns com os outros. Lendo somente fica muito difícil, fica
tão diferente, tudo de cabeça para baixo... A atriz japonesa que veio
participar do “Gaijin” achou tudo muito estranho. Nós nos sentamos e
começamos a falar sobre algumas coisas e ficou tudo confuso. No Bra-
sil, se uma mulher ri alto, tudo bem; no Japão, é horrível. Aqui, no
Brasil, as mulheres andam na frente; no Japão, as mulheres andam atrás.
Aqui é dia, lá é noite. O que é bom aqui, lá é ruim; o que é bom lá, aqui
é ruim. É tudo ao contrário. Como é que se pode estabelecer uma
relação com outro país cujos valores são totalmente contrários e dife-
rentes? Se não se toca nos valores, não se pode estabelecer uma rela-
ção. Daí por que eu gosto de ser uma gaijin. Sinto muito orgulho por

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isto. De igual modo, eu diria que esses 250 mil brasileiros que se en-
contram no Japão precisam compreender que estar lá não é uma ver-
gonha. Eles são trabalhadores; ser um dekassegui não é uma vergonha!
Talvez o Japão tenha certo preconceito contra o termo dekassegui, sur-
gido há milhares de anos porque significa aqueles que fazem o traba-
lho sujo. Mas se brasileiros vão lá para trabalhar e estão orgulhosos por
estarem lá trabalhando e servindo ao país de seus ancestrais, que fa-
çam isto com orgulho e convertam o valor disto em algo bom.
Se temos tantas diferenças, em termos de valores culturais, de
nível econômico, há algo em comum que é universal – os sentimentos.
Amor é a mesma coisa em qualquer lugar do mundo, em qualquer está-
gio da civilização. O ódio é a mesma coisa. Assim os sentimentos são,
na verdade, o único laço, o único elemento que todos entendem. E
digo isto com convicção, já que é com isso que eu trabalho. O cinema
trabalha com emoção. Portanto, digamos, é algo que precisa ser levado
em conta.
Penso que o Brasil pode ensinar muito hoje a partir desta
riqueza representada por nossa mesclagem cultural e étnica. Somos
parte, hoje, de um país que é o melhor exemplo de paz entre os po-
vos de diferentes raças. É isto o que o resto do mundo deseja, e nós
o temos aqui, na prática. Não posso falar sobre o Japão por causa de
minha família, mas penso ser muito difícil para os povos asiáticos e
para os japoneses entenderem os brasileiros. Mas é muito fácil para
nós, brasileiros, entender por que vocês são tão diferentes. Se vocês
não derem tanta atenção a valores tradicionais, talvez seja muito
fácil nos entender.

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PALESTRA PROFERIDA PELO
EMBAIXADOR RONALDO MOTA SARDENBERG *

A organização deste Seminário representa uma oportunidade


extraordinária para discutirmos um tópico que se revela extremamen-
te importante no mundo contemporâneo – a pesquisa científica e o
desenvolvimento tecnológico –, na perspectiva de nossa cooperação
bilateral.
É uma grande satisfação estar presente neste Seminário, que
muito apropriadamente visa a expandir novos horizontes. Em primei-
ro lugar, gostaria de me referir brevemente a alguns avanços que reali-
zamos no Brasil e a desafios que nos aguardam no campo da ciência e
da tecnologia. Gostaria de relatar os progressos alcançados em parce-
rias já estabelecidas com países asiáticos. Igualmente, gostaria de falar
a respeito das possibilidades que vislumbramos para cooperação com
outras nações amigas da Ásia.
No momento em que a supremacia militar definiu o poder das
nações, a inovação foi principalmente orientada para a tecnologia de
guerra. Nos tempos modernos, já podemos observar o temor adicional
do surgimento de novas formas de dominação, baseadas no conheci-
mento e na capacidade de inovar.
Muito mais do que no passado, a ciência e a tecnologia são,
atualmente, agentes de um mundo em transformação, tanto do ponto
de vista civil quanto do militar.
Nesse contexto, é mais que natural que nossos governos e
sociedades redobrem esforços para articular parcerias e a cooperação
internacional.
O processo de globalização, que se apresentou como uma ten-
dência determinante de nossa época, trouxe consigo, ao mesmo tem-
po, uma certa apreensão, ocasionada pelas transformações que produ-
ziu nos campos econômico e social. Conseqüentemente, as nações hoje

* À época, Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.

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se sentem fortemente estimuladas a identificar de maneira clara suas
próprias perspectivas, de suas próprias maneiras.
Nesse cenário complexo, nós, no Brasil, temos firmemente tra-
balhado na definição do papel da ciência e da tecnologia e, nesse con-
texto, na identificação das potencialidades de remodelação da coope-
ração internacional nessa área, com vistas a agregar-lhe novos e avan-
çados conteúdos.
Como resultado, estamos proporcionando uma nova dinâmica
a essa área, com o objetivo de estabelecer parcerias inovadoras, de
comum acordo, as quais são mais compatíveis com nossas carências
nacionais.
Na atual e criativa agenda científico-tecnológica brasileira, exis-
tem cinco áreas centrais que representam transformações profundas:
· Criação de novos fundos para financiar pesquisa e inovação;
· Adoção de métodos modernos de gerenciamento público nes-
ses campos;
· Apoio direto a programas de pesquisa inovadora;
· Remodelação da cooperação internacional;
· Organização, em setembro de 2001, da Conferência Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inovação, que visará ao estabelecimento de
linhas estratégicas até 2010.
Ficaria muito contente caso as Embaixadas asiáticas pudessem
enviar representantes aos trabalhos dessa Conferência, a qual será re-
alizada em Brasília, entre 18 e 21 de setembro de 2001.
No que concerne a recursos, no ano passado, obtivemos a apro-
vação do setor de financiamento de fundos para pesquisa e desenvol-
vimento tecnológico. Esses fundos, ao todo, somam de US$300 a
US$400 milhões este ano. São fundos que se renovarão com recursos
crescentes a partir deste momento, todos os anos. Estão principalmen-
te orientados para setores tais quais os de gás e petróleo; produção e
conservação de energia elétrica; água e recursos minerais; transporte;

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pesquisa e aplicação espacial; tecnologia da informação e de teleco-
municações. Esperamos que, por volta de julho, ao menos a maior
parte desses fundos esteja em operação plena.
Também criamos dois outros fundos que não são fundos
setoriais; são fundos para apoiar pesquisa em infra-estrutura, isto é,
equipamentos e construção de laboratórios. Além disso, há um fundo
que procura aproximar a Universidade e os centros privados de pes-
quisa. Ainda ontem, durante o almoço, estava conversando com meus
colegas na mesa, e nós nos demos conta de que esses mesmos proble-
mas acontecem em muitos dos nossos países.
Juntamente com esse novo volume de recursos que pratica-
mente dobra os recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia, tam-
bém estamos implementando um novo tipo de gerenciamento que dá
ênfase às parcerias, à transparência, à busca por resultados e à seleção
competitiva de projetos. Esse novo gerenciamento é em si mesmo um
fator de modernização nacional; é um fator de transformação no modo
por meio do qual o Governo opera e nas suas relações com a comuni-
dade acadêmica e com o setor produtivo. Estamos estabelecendo um
novo Centro de Estudos Estratégicos e de Gerenciamento que estará
operando por volta deste mês de junho e que consistirá em importante
instrumento em termos de perspectivas, ou seja, para a identificação
de problemas e oportunidades as quais se farão presentes no futuro;
em termos de acompanhamento ou monitoramento e avaliação de pro-
gramas e projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
O impacto dessas mudanças será muito forte. Será percebido
principalmente por volta do segundo semestre deste ano, mas, no
primeiro semestre, já utilizamos aproximadamente R$320 milhões
adicionais para o setor. Esse valor está distribuído em modalidades
diferentes, em programas e projetos distintos, mas o valor agregado do
primeiro semestre alcança R$320 milhões. A média anual brasileira
nos anos anteriores foi cerca de R$200 milhões, e isso demonstra a
dimensão do esforço, o aperfeiçoamento que tem sido feito no Brasil.
O Governo, a academia e o setor privado estão convencidos da
necessidade urgente de superar as nossas deficiências tecnológicas.
Dessa forma, poderemos contribuir decisivamente para melhorar a

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produtividade e aumentar a competitividade no setor produtivo, forta-
lecendo o mercado interno e o valor agregado das exportações brasi-
leiras. Estamos certos de que esse esforço, em termos de desenvolvi-
mento tecnológico e de produção de tecnologia, é essencial para o país
no médio e no longo prazos. Essa preocupação de médio e longo pra-
zos é precisamente a inquietação da Conferência de Ciência, Tecnologia
e Inovação Nacional, a qual visa a estabelecer linhas estratégicas até
2010. Na realidade, estamos conduzindo um trabalho de consulta ampla
com a academia, sendo que já realizamos cinco seminários; em 02 de
agosto de 2001, teremos promovido seis seminários no mesmo dia em
seis capitais brasileiras, as quais esperamos ser reunidas através da
rede; também estamos trabalhando com o setor parlamentar, adotan-
do a prática norte-americana, a qual é denominada “café da manhã de
trabalho” (working breakfast). Nós acordamos mais cedo para trabalhar;
provavelmente estamos tanto trabalhando quanto comendo pior! En-
fim, é o tempo disponível, e nós estamos conduzindo um trabalho
seriíssimo com o Congresso, com o Comitê de Ciência e Tecnologia do
Congresso – o front parlamentar para defender a ciência e a tecnologia
–, o qual foi estabelecido no ano passado, com o propósito de levar
adiante e enfrentar os desafios do nosso déficit tecnológico.
No campo da remodelação da cooperação internacional, antes
de mais nada, faz-se necessário reconhecer o esforço já empreendido,
o qual tem em grande parte capacitado o acesso dos pesquisadores e
cientistas brasileiros no cenário mundial. No momento precisamos fa-
zer mais. Precisamos estabelecer parcerias e prioridades que sejam
compatíveis com nossa agenda para o conhecimento e a inovação.
A política brasileira para ciência e tecnologia é definida hoje
por parâmetros que levam em consideração, no Brasil, os talentos na-
cionais, os talentos regionais no país e os talentos governamentais.
Evidentemente, tudo isso é feito sem prescindirmos de nossas afini-
dades com o cenário externo. Ao mesmo tempo em que tentamos nos
referir a esses talentos, essas três dimensões, igualmente desejamos
que nossa cooperação seja fortemente dirigida para as áreas de frontei-
ra do conhecimento e da inovação, uma fronteira que se está expan-
dindo muito rapidamente hoje em dia. Com essa proposta, estamos
atualizando programas e convênios, estamos criando novas ferramen-

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tas mesmo no âmbito internacional, estamos avaliando nossas parceri-
as possíveis. Temos a percepção de que, atualmente, as formas tradici-
onais de transferência de tecnologia estão cedendo espaço para o de-
senvolvimento de inovação e pesquisa conjuntas e compartilhadas.
Certamente reconhecemos que a pesquisa e o desenvolvimento têm
um caráter internacional importante, mas, por outro lado, estamos con-
vencidos de que, ao mesmo tempo, é essencial manter um esforço na-
cional vigoroso como condição para edificar o futuro da sociedade de
nosso país.
Outro tópico que nos orienta é o desenho de um programa para
promover a internacionalização do conhecimento em massa a respeito
do Brasil, que é hoje detentor de importantes centros de pesquisa es-
trangeiros. Essa internacionalização do conhecimento a respeito do
nosso próprio país é atualmente uma de nossas prioridades.
Nossos programas de cooperação internacional já incorporam
– e deverão incorporar cada vez mais – elementos inovadores do pon-
to de vista substancial e do ponto de vista de procedimento, de modo
que poderemos assegurar melhor coordenação de nossos esforços. Te-
mos realizado alguns progressos realmente importantes e interessan-
tes: a expansão da cooperação em campos novos e avançados; a adi-
ção de recursos e melhores instrumentos; e o gerenciamento compar-
tilhado dessa cooperação com nossos parceiros.
O Brasil possui programas e projetos de cooperação com paí-
ses avançados em duas áreas: aquele com parceiros tradicionais, como
é o caso dos Estados Unidos, da França, da Alemanha, entre outros.
Essa cooperação permite o acesso brasileiro ao que há de mais avan-
çado no mundo da ciência e abre caminho para esforços cooperativos
no campo tecnológico. Com esses parceiros, desejamos atualizar pro-
gramas e projetos antigos, bem como lançar novos programas e proje-
tos que possam se adaptar ao novo patamar da ciência e da tecnologia
no país e aos novos caminhos da economia mundial. Esse processo já
tem tido resultados significantes com Alemanha e França, países cujos
Ministros da Ciência e Tecnologia nos visitaram recentemente.
A segunda área refere-se a países avançados com os quais nos-
sa cooperação não se mostra tão larga e freqüente, dentre os quais

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Japão, Itália e Canadá. Estamos dando novos passos no sentido de
incorporar programas mais estáveis e promissores aos já executados.
Deveria mencionar que isso já está acontecendo com Austrália e
Espanha. Tivemos o prazer de receber os Ministros de ambos os paí-
ses e, nessas ocasiões, em meses recentes, celebramos duas declara-
ções de acordo que são muito inovadoras e interessantes.
Com o Japão, buscamos revigorar uma parceria de muito tem-
po, a qual, como havia mencionado, não é tão próxima quanto gostarí-
amos, mas que tenho absoluta certeza de que ambos países desejariam
que assim o fosse, tendo em vista que nossos laços históricos são mui-
to fortes e célebres. Desenvolvemos com o Japão um projeto chamado
Projeto Jacarandá, que é uma homenagem a uma espécie da floresta
chamada “jacarandá cobaia”, que pode ser facilmente plantada em áreas
que estão ambientalmente degredadas. Essa é a diretriz desse projeto
que existe desde 1995 e deverá estar concluído em 2003 e que já colhe
resultados importantes. Conferimos importância ao Projeto Jacarandá
porque está permitindo a criação de um germoplasma. O Projeto de-
senvolveu técnicas de armazenamento de sementes e de plantação em
regiões devastadas, ambientalmente degradadas, para mencionar ape-
nas alguns de seus aspectos.
Estamos convencidos de que podemos fazer mais. Nosso Go-
verno deseja avançar a novos estágios de cooperação com o Japão, por
meio de parcerias de mútuo interesse mais sólidas e criativas. Em es-
pecial, temos em mente áreas mais avançadas tais como biotecnologia
e tecnologias de informação, atividades espaciais e outros campos que
possamos considerar em conjunto.
A cooperação bilateral com países em desenvolvimento da Ásia
envolve ou pode envolver China, Índia, Coréia do Sul, Paquistão,
Malásia, Cingapura, entre outros países. Buscamos o desenvolvimento
conjunto e compartilhado em pesquisa e inovação, de modo que, so-
mando esforços, podemos avançar no ambiente da economia
globalizada. Gostaria de enfatizar o sucesso emblemático alcançado
no programa de cooperação com a China. Brasil e China desfrutam de
importantes características comuns, as quais são continuamente lem-
bradas por nossos dois Governos: são países com extensos territórios,

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com economias que se situam entre as maiores do mundo. Ainda nos
anos 80, começamos um bem-sucedido programa com a China para o
desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto – a família
CBERS. Esse acordo estratégico é um exemplo da cooperação frutífe-
ra e progressiva que gera mútuos benefícios.
O Programa de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terres-
tres planeja construir, por intermédio do Instituto Nacional de Pes-
quisas Espaciais e pela Agência Espacial da China, quatro satélites de
sensoriamento terrestre. É importante realçar que anteriormente ne-
nhum dos dois países dispunha de domínio completo dessa tecnologia,
a qual foi conjuntamente desenvolvida.
O primeiro dos satélites foi finalizado na China, lançado em
1999, e tive a oportunidade de assistir ao lançamento. O segundo será
lançado em 2002 e já está sendo montado. Está sendo finalizado em
São José dos Campos. Apenas esse estágio já qualifica o programa como
a maior iniciativa de cooperação entre países em desenvolvimento. E
se encontra em seu estágio final de negociação, praticamente comple-
to. O desenvolvimento de dois outros satélites deverão incorporar
novidades tecnológicas em relação aos dois primeiros – CBERS 3 e 4,
com investimentos totais estimados hoje em cerca de U$200 milhões,
e a responsabilidade pelos estágios de construção deverão ser comple-
tamente compartilhadas: os testes, o lançamento e a operação de saté-
lites em volta da Terra.
A continuidade de programa CBERS é uma prioridade para
ambos os países. Mas, além disso, o alto nível de cooperação espacial
entre Brasil e China está começando a se expandir para outros campos
promissores. Em abril último, começamos a expandir essa área – que
agora está também voltada para novas prioridades – inicialmente nos
campos da biotecnologia, pesquisa de avançados materiais e tecnologias
de informação e comunicação. Esses setores são percebidos por am-
bos os países como motores para inovação no século XXI.
Através da biotecnologia, pretendemos avançar no aperfeiçoa-
mento de padrões de saúde e contribuir para o futuro econômico dos
dois países. A cooperação de possibilidades no campo da biotecnologia
e a pesquisa do genoma serão exploradas, com aplicações na agricultu-

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ra e na criação de gado, bem como serão estimuladas as atividades de
formação de recursos humanos nesse campo.
O Brasil, por sua vez, já alcançou avanços expressivos na área
da biotecnologia. Nossa capacidade de pesquisa na área do genoma foi
confirmada com a identificação, pela primeira vez, do código genético
de uma bactéria responsável por uma praga na agricultura, a Yllella fasti-
diosa, no ano passado, o que representou uma conquista da ciência bra-
sileira para a ciência mundial. Neste ano, estabelecemos uma rede naci-
onal de pesquisa nesse campo e sete redes regionais no contexto do
Projeto Brasileiro do Genoma. A parceria com a China nessa área reflete
a determinação de se firmar a competência nacional nas atividades de
pesquisa, seqüenciamento e manipulação do genoma – com aplicações,
especialmente, como já mencionei, nas áreas da saúde e da agricultura.
O desenvolvimento da capacidade em tecnologia da informa-
ção e comunicação é primordial. Tanto a China quanto o Brasil têm
sido chamados a cooperar. Esse tema diz respeito a todos os países
representados nessa sala.
As tecnologias da informação, na qualidade de instrumento de
novas formas de organização e produção na escala mundial, redefinem
a inserção dos países no sistema econômico mundial. Mas vêm acom-
panhadas do fantasma da exclusão digital, ao estabelecer uma frontei-
ra sofisticada, na qual é difícil separar – hoje mais que no passado – os
países desenvolvidos dos em desenvolvimento. Daí a necessidade de
se criar uma estratégia abrangente de inserção nesse novo mundo da
economia digital, o qual acolha nossos esforços nacionais.
A esse respeito, de fato, em julho do ano passado, em
Florianópolis, tivemos a reunião preparatória do Encontro Regional
de Segmentos de Alto Nível do Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas (ECOSOC), durante a qual adotamos uma agenda para
integrar a América Latina e o Caribe na Sociedade de Informação. Neste
mês, em 18 de junho, nos reuniremos no Rio de Janeiro com represen-
tantes de 35 países em desenvolvimento, muitos dos quais asiáticos,
com o objetivo de debater a incorporação de nossas prioridades para
os esforços mundiais para superação do hiato digital. Ao particularizar
esses esforços mundiais, eu gostaria de mencionar a “Força de Tarefa

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para Oportunidades Digitais” (Digital Opportunities Task Force) do G-8
e a “Força de Tarefa para Tecnologias de Informação e Comunicação”
(Information and Communication Technologies Task Force) do ECOSOC.
No campo dos materiais avançados, China e Brasil estão igual-
mente aptos a cooperar na área de materiais de fóton, que são objeto
de atenção de grupos de pesquisa nos dois países. Nós temos uma
competência similar em materiais tradicionais que também podem se
tornar objeto de novas técnicas de produção.
Gostaria, ainda, de me referir à Agenda Comum para o Meio
Ambiente que assinamos com a China e com a Índia. Essa Agenda
tem o propósito de fortalecer o diálogo e a cooperação com os países
mais ativos nos debates internacionais nesse campo.
É também importante mencionar o diálogo que mantivemos
com a China e com a Índia no tópico das mudanças climáticas. Os três
países firmaram posições no que concerne a questões centrais das ne-
gociações, como a questão da mudança no uso da terra e das florestas:
os mecanismos de flexibilidade (inclusive o Mecanismo de Desenvol-
vimento Limpo – MDL; a questão do financiamento; e o regime de
cumprimento da Convenção.
Com a Índia, desde 1990, nós acompanhamos o Acordo de
Cooperação em Ciência e Tecnologia. Durante a visita que o Presiden-
te realizou à Índia em 1996, o estabelecimento de um vigoroso inter-
câmbio de conhecimento foi acordado, com encontros em ambos os
países. Ainda com a Índia, estamos evoluindo para um novo estágio de
cooperação bilateral, inclusive por causa do fato de que ambos os pa-
íses são supridores de tecnologias e de serviços na área de tecnologias
de informação, e pelo fato de que há amplas possibilidades de comér-
cio nessa área. Tive o prazer, em novembro passado, de celebrar com
o Ministro da Informação e da Tecnologia da Índia, Senhor Pramod
Mahajan, que estava nos visitando, um Memorando de Entendimento
que se encontra agora em seu estágio inicial de implementação nos
dois países.
Nesta semana, aprendi, com grande satisfação, que teremos a
honra de receber o Ministro da Ciência e Tecnologia da Índia, Senhor

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Murli Manohar Joshi, entre 3 e 6 de julho. Certamente iremos preparar
um programa interessante para nosso colega indiano, e deverei ir à
Índia, em outubro, para o encontro das Academias do Terceiro Mundo
e para buscar desenvolver nossos acordos bilaterais. Iremos anunciar
em breve a constituição de um Conselho de Cooperação Científica
entre Brasil e Índia.
Nossas afinidades com a Coréia do Sul são significativas. Há
cerca de quarenta anos, o Brasil foi o primeiro país latino-americano a
estabelecer relações diplomáticas com a Coréia. Desde então, nossas
economias se desenvolveram de forma extraordinária e hoje elas se
encontram num estágio de desenvolvimento decisivo, portanto, no
momento certo para fortalecer nossa cooperação na área de ciência e
tecnologia.
O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em recente visita à
Coréia, manifestou ao Presidente Kim Dae-Jung nossas expectativas
no que se refere à Parceria Brasil-Coréia para o Século XXI. Por sua
vez, o Presidente coreano expôs o caráter prioritário da pesquisa e da
inovação na Coréia, rumo à economia e à sociedade do conhecimento.
Também manifestou o interesse especial coreano na questão da exclu-
são digital. Não faltam oportunidades, portanto, para a cooperação de
interesse mútuo.
No ano passado, Brasil e Coréia fizeram progressos significantes
no sentido da cooperação, com a criação de um Fundo Bilateral que
está começando a operar neste ano, e que financiará pesquisas criadas
por um modelo inovador, capaz de atuar significativamente no con-
texto de nossas relações bilaterais.
Gostaria, ainda, de mencionar outros parceiros asiáticos com
quem também desejamos evoluir em áreas e formas de cooperação. O
Acordo em Cooperação Científica e Tecnológica com a Malásia, cele-
brado em 1996, é orientado para a concessão de bolsas de mestrado
no Brasil, na área científico-tecnológica. Pretendemos fortalecer nos-
sa parceria com a Malásia. No ano passado, tive uma oportunidade
excelente de conversar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da
Malásia, Senhor Syed Hamid Albar, sobre tópicos bilaterais. Sugeri-

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mos a possibilidade de uma visita de uma delegação brasileira à Malásia,
com vistas a negociar um acordo futuro sobre convênios entre ambos
os países a área de C&T e na área da Tecnologia da Informação.
Com o Paquistão, nosso acordo nos remete a 1988 e vem ope-
rando desde 1990. Podemos prever uma parceria produtiva. Tive a
oportunidade de encontrar, em São Paulo, em setembro do ano passa-
do, o Ministro da Ciência e Tecnologia do Paquistão, Senhor Atta-Ur-
Rahamano, que estava visitando o Brasil para apresentar um trabalho
num Seminário na Universidade de São Carlos. Troquei algumas opini-
ões com o Senhor Rahamano, as quais foram bastante interessantes.
Ele chegou a comentar comigo o que tem sido feito pela comunidade
científica paquistanesa no exterior, o que é um tópico muito interes-
sante para nós e para todos os países do Terceiro Mundo.
O Vietnã, por sua vez, tem manifestado interesse de fortalecer
relações com o Brasil, especialmente nos campos científico-
tecnológicos. O Ministro da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do
Vietnã propôs um Acordo de Cooperação em Ciência e Tecnologia.
Esse Acordo encontra particular apoio por parte do Senhor Dang Huu,
que nos honra com sua presença neste Seminário. Há um interesse
recíproco no estabelecimento de uma cooperação bilateral que deverá
adotar um perfil inovador e incluir novas modalidades de pesquisa.
Com Timor-Leste, que integra a Comunidade de Países de Lín-
gua Portuguesa, temos uma ampla potencialidade de cooperação, in-
clusive por meio de institutos conectados ao Ministério da Ciência e
Tecnologia. Temos demonstrado interesse em cooperar na organiza-
ção de uma infra-estrutura e estrutura institucional na área de C&T, a
qual inclui sistemas de comunicação, sistemas de transporte, tecnologias
agrícolas e industriais e bolsas de mestrado.
Nosso Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais deseja coo-
perar por meio de treinamento de técnicos em Timor-Leste para previ-
são do tempo em regiões tropicais; treinamento e promoção de
tecnologia de geoprocessamento e observação da Terra. O Presidente
da República, em especial, em sua visita a Timor-Leste, demonstrou
seu desejo de cooperar com aquele país no mapeamento do território
mediante técnicas de sensoriamento remoto.

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Nos limites de nossas possibilidades, desejamos continuar o
processo que nos conduz a fortalecer e consolidar a aproximação com
os países asiáticos. A cooperação bilateral e as outras formas que pos-
samos desenvolver permitirão obtermos, em conjunto, resultados mais
significativos em termos de ciência e tecnologia. Desejamos operar
plenamente os acordos e entendimentos que já assinamos, bem como
desejamos continuar a estudar a possibilidade de incorporar novas
parcerias e áreas de cooperação.
O bem-sucedido acordo sino-brasileiro ao qual já me referi nos
inspira e demonstra a viabilidade de alcançar conhecimento comum e
desenvolver inovações tecnológicas em conjunto com benefícios para
ambos os lados. Esses benefícios, é importante frisar, são tanto sociais
quanto econômicos no aspecto interno, mas também em termos da
inserção internacional de nossos países.
É uma preocupação comum uma certa tendência que visa a
ampliar o hiato científico-tecnológico entre as nações. Para enfrentar-
mos o risco de concentração de conhecimento e inovação, temos que
aperfeiçoar nossos esforços e, portanto, minimizar nossos custos e
maximizar os resultados. O diálogo, o entendimento e a cooperação
nos fortalecem e nos tornam mais capazes de enfrentar os desafios
contemporâneos da pesquisa e da inovação.

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MÓDULO 3

COOPERAÇÃO PARA O AMANHÃ: FRONTEIRAS E


VEREDAS DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

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O VIETNÃ INGRESSA NO SÉCULO XXI

Dang Huu*

I. A globalização – oportunidades e desafios para o Vietnã

Os fluxos de globalização que se acentuaram nas últimas dé-


cadas trouxeram grandes transformações econômicas, culturais, po-
líticas e sociais para nosso planeta, aprofundando as contradições da
época e encorajando lutas dos operários e dos povos oprimidos con-
tra a opressão do capitalismo. Essa é uma característica preponde-
rante da época de transição da história da humanidade que se anun-
cia desde a Primeira Guerra Mundial e que poderia durar ainda um
século inteiro. É a época em que o capitalismo atinge a última etapa
de seu desenvolvimento, ingressa em sua crise global e vê-se forçado
a proceder a um grande reajuste que lhe permita manter sua posição
hegemônica e manipular o mundo. Trata-se da transição de uma so-
ciedade de classes e de opressão em direção a uma nova sociedade
caracterizada pela emancipação do homem, pelo desaparecimento
das classes e da opressão.
O desenvolvimento dos fatores de produção, a ampliação do
mercado mundial e a integração das economias conduziram à
globalização. Os notáveis avanços da ciência e da tecnologia, sobre-
tudo da informação, e o surgimento da economia baseada no conhe-
cimento aceleraram ainda mais este processo. Trata-se de uma ten-
dência evidente, objetivo do processo da evolução da sociedade
humana.
A globalização se reveste, contudo, de características de clas-
ses e de política. Ela tem sido uma globalização do capitalismo, dirigida
pelo capitalismo, o qual adota todas as medidas para forçar os países a
seguirem a ordem que ele próprio impõe.
* Comissário de Educação, Ciência e Tecnologia do Partido Comunista do Vietnã.

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As superpotências capitalistas, com seus instr umentos
institucionais de ordem econômica, financeira e comercial, assim como
os grupos transnacionais poderosos, ameaçam as instituições econô-
micas, políticas e culturais tradicionais em cada país. A doutrina neoliberal
torna-se a base ideológica para as instituições econômicas e financeiras
internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Mundial e a Organização Mundial do Comércio, entre outras.
A globalização capitalista está em vias de eliminar os valores
tradicionais estabelecidos há milênios, degradar os costumes morais, acen-
tuar os males sociais, ampliar o fosso entre os países ricos e pobres e
agravar rapidamente as injustiças sociais. A diferença de renda entre
20% da população mais rica e 20% da mais pobre do mundo se multipli-
ca rapidamente: de 11, em 1913, passou a 30, em 1960, 60, em 1990, e
74, em 1997. A razão entre a renda média per capita entre o país mais rico
e o mais pobre, que era de 10 no início do século, é atualmente de 400.
A fortuna dos três magnatas mais ricos somada ultrapassa o total dos
PIBs dos países subdesenvolvidos com população total de 600 milhões
de habitantes. Vinte por cento dos países desenvolvidos mais ricos de-
têm 86% do PIB mundial, ao passo que 68% dos investimentos diretos
estrangeiros representam uma taxa de acesso à internet de 93%, compa-
rada com menos de 1% nos países mais pobres. Atualmente, 830 mi-
lhões de pessoas sofrem de desnutrição; mesmo nos países desenvolvi-
dos, mais de 100 milhões de pessoas vivem na pobreza. Essa é a conse-
qüência da globalização capitalista.
O conhecimento, a ciência e as tecnologias modernas se es-
vaem ao serem confrontadas com promessas de um desenvolvimen-
to espetacular das forças de produção que conduza rapidamente ao
aumento da riqueza da sociedade. Tais promessas teriam tornado a
vida mais agradável para todos. No entanto, o capitalismo utilizou a
globalização de modo a atender a seus próprios interesses, reforçar
sua posição, intensificar a opressão e a exploração dos trabalhadores
e dos países em desenvolvimento. Por intermédio das instituições
econômicas e financeiras internacionais, obriga os países a girarem à
sua volta, para isso forjando belas fórmulas: ajuda ao desenvolvi-
mento, cooperação mediante investimentos e transferência de
tecnologias – a fim de aumentar sua exploração. Essa situação nos

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faz pensar na primeira globalização ocorrida com a colonização do
mundo pelo imperialismo.
Os produtos agrícolas e as matérias-primas exportadas pelos pa-
íses em desenvolvimento são vendidas a preços vis. Ao mesmo tempo,
outros produtos, especialmente os de alta tecnologia, beneficiam-se
da proteção da propriedade intelectual, sendo altamente valorizados.
Desse modo, os grupos transnacionais obtêm lucros gigantescos e se
apropriam da maior parte dos ganhos. Com referência à utilização da
ajuda para o desenvolvimento, uma porção importante do valor desses
auxílios se reverte para os países doadores, tornando o custo dos in-
vestimentos muito mais elevado em comparação àqueles provenien-
tes de capitais domésticos. O resultado é o super-endividamento e a
escassa eficácia dos investimentos.
Em vista do caráter seletivo das transferências tecnológicas,
das importações e exportações e dos auxílios, os grupos transnacionais
continuam explorando os países em desenvolvimento. Essa tendência
é cada vez mais evidente. Os argumentos de Georges Susan expostos
em sua obra intitulada “Como morre a outra metade do mundo?”
(Comment meurt l’autre moitié du monde?) desmascaram em certa medida a
natureza do capitalismo mundial.
Atualmente, as superpotências capitalistas implementam uma
espécie de neocolonialismo, de natureza semelhante a do colonialismo
tradicional. A diferença reside no fato de que recorrem a manobras
econômicas e financeiras sofisticadas e ao despotismo para obrigar
os outros países a observarem uma ordem imposta por eles próprios,
ameaçando com punições os países “desobedientes”. A partir dos
anos 90, após a desintegração da União Soviética, restou no mundo
uma única superpotência capitalista soberana, a qual age como uma
déspota em todo o globo. Tudo indica que nosso planeta continua
sendo regido pela lei segundo a qual “a razão do mais forte é sempre
a melhor”.
Essa situação provoca a indignação e os protestos anti-
globalização capitalista dos povos do Terceiro Mundo, dos operários
dos países capitalistas e dos povos progressistas no mundo, movimen-
tos esses que tendem a associar-se. As manifestações contra a OMC

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em Seattle em 1999, que envolveram mais de 700 organizações e 40.000
pessoas, provocaram o fiasco da conferência. Essa luta, nascida à som-
bra do capitalismo, é considerada um marco do novo desenvolvimen-
to dos movimentos anti-globalização capitalista. Após Seattle, os mo-
vimentos continuam a se intensificar, reforçando os protestos contra o
FMI e o Banco Mundial.
A luta em defesa dos valores culturais dos povos e do meio-
ambiente – teto comum da humanidade – manifesta-se sob novos as-
pectos.
Por ocasião da Cúpula do Sul em Havana em abril de 2000, os
países do Terceiro Mundo manifestaram vontade de lutar contra a
globalização capitalista. A cúpula apoiou as palavras eloqüentes de
Fidel Castro: “Não é o momento de o G77 pedir favores aos países
desenvolvidos, abandonar-se ao derrotismo ou aceitar a cisão; o mo-
mento é de recobrarmos nossa combatividade e nossa solidariedade,
face à necessidade de defendermos nossas reivindicações... Se a
globalização pode seguir as regras do neo-liberalismo, esse último não
pode reinar sobre milhões de pessoas sofrendo fome e aspirando ar-
dentemente à justiça”.
Apesar de a globalização atual representar desafios aos países
em desenvolvimento, não há outro caminho além da integração à eco-
nomia mundial; hoje em dia, nenhum país pode se desenvolver isolado
do resto do mundo.
Nós não nos opomos à globalização, que vem a ser um proces-
so evidente de desenvolvimento das forças de produção e do mercado
mundial; o que fazemos é protestar contra a injustiça, as desigualda-
des e os efeitos desumanos da globalização capitalista. É preciso par-
ticiparmos desse processo de modo a aproveitarmos as oportunidades
de cooperação e de luta, de modo que a globalização beneficie a to-
dos, seja igualitária, democrática e humana; que engendre ao mesmo
tempo a cooperação e a luta em prol dos interesses comuns de todos
os povos do globo, de modo a constituir-se numa globalização eqüita-
tiva e humanitária.

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II. O Vietnã em vias de renovação e de integração
à economia mundial

O Vietnã conduziu lutas heróicas contra agressores imperialis-


tas para reconquistar a independência nacional e reunificar o país. O
Vietnã engaja-se no caminho da renovação, adotando como palavras
de ordem “povo próspero, país poderoso, sociedade igualitária, demo-
crática e avançada”. Com base em sua própria experiência, obtida ao
preço de grandes sacrifícios, o Vietnã compreendeu uma realidade:
que a independência nacional anda de braços dados com o socialismo.
Os ideais do socialismo que exortaram um povo inteiro a vencer os
agressores no passado o encorajam agora a edificar e defender a Pátria.
Combinar as forças da época com aquelas da nação constitui
sempre um elemento chave de todas as vitórias de nosso país. Por
ocasião de suas lutas em prol da independência nacional, o Vietnã
beneficiou-se de apoios importantes e de auxílios de grupos progres-
sistas no mundo inteiro. Atualmente, o Vietnã deseja forjar laços de
amizade com todos os povos da comunidade internacional, ampliar
suas relações diplomáticas, econômicas, culturais, científicas e técni-
cas com a quase totalidade de países, participando ademais de um
grande número de organizações regionais e internacionais.
Após seguir durante 15 anos a política de renovação baseada
em dois eixos essenciais – desenvolvimento da economia de mercado
e integração à economia mundial – o Vietnã superou a grave crise
econômica do início dos anos 80, obtendo resultados encorajadores.
Ao longo das décadas de 70 e 80, a produção vietnamita não
era suficiente para atender à demanda, a acumulação no âmbito da
economia de estado era quase inexistente, o país recebia anualmente
cerca de US$ 2 bilhões a título de ajuda da parte da URSS e de outros
países socialistas e importava pesadamente produtos alimentícios. A
partir do início dos anos 90, contudo, não obstante o colapso da URSS
e o desaparecimento do bloco socialista, o Vietnã teve bom desempe-
nho em termos de desenvolvimento; tornou-se um dos três principais
exportadores de arroz no mundo (exportou US$ 4 milhões no ano de
2000). Não obstante os impactos negativos sobre a economia

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vietnamita (queda dos investimentos diretos estrangeiros, desaceleração
do crescimento do PIB), a crise financeira que atingiu a Ásia em 1997
não produziu transformações importantes na economia vietnamita, ao
contrário do que ocorreu em outros países da região.
Ao longo dos anos 90, o PIB duplicou, a infra-estrutura se de-
senvolveu consideravelmente, o padrão de vida melhorou, a socieda-
de se estabilizou, e a cultura, a educação e a ciência se desenvolveram.
Graças à política de integração à economia mundial, de atração de
investimentos estrangeiros, de expansão do comércio exterior, da coo-
peração econômica, científica e técnica com outros países, o Vietnã
conseguiu superar uma série de dificuldades. O volume de importa-
ções e exportações cresceu rapidamente (a uma média anual de 20%),
atingiu US$ 14,3 milhões com as exportações (correspondendo a 46%
do PIB) e US$ 15,2 milhões em importações (correspondendo a 49%
do PIB) em 2000. A proporção de capitais de investimentos estran-
geiros diretos em relação aos capitais totais investidos no país foi de
32,4% em 1995 e de 18,6% no ano de 2000. O investimento estran-
geiro contribuiu ativamente para o crescimento do PIB, elevação do
nível tecnológico, competitividade dos produtos e criação de empre-
gos. O Vietnã se beneficia das ajudas para o desenvolvimento recebi-
das dos países e organizações internacionais, sobretudo para projetos
de melhoria da infra-estrutura.
Por outro lado, o Vietnã deve enfrentar diversos riscos e desa-
fios colocados pela globalização capitalista. O preço dos produtos agrí-
colas e das matérias-primas, principais ítens de sua pauta de exporta-
ção, é bastante baixo. Adicionalmente, o Vietnã importa produtos in-
dustrializados dos países desenvolvidos a preços muito elevados.
O Vietnã preconiza a integração internacional, mas uma
integração ativa que significa manter a independência nacional, a au-
tonomia econômica, a preservação da identidade cultural, a garantia
de eficácia da cooperação e a redução ao máximo dos riscos e das
desvantagens. O essencial é manter firmemente a orientação escolhi-
da, reforçar as forças endógenas do povo, especialmente na área de
ciência e tecnologia, adquirir de modo seletivo e dominar os novos
conhecimentos e as novas tecnologias dos outros países, reforçando

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paralelamente nossa capacidade de pesquisa científica, promovendo
o processo de inovação tecnológica nos setores de produção. Sem uma
melhoria do nível de instrução popular e da capacidade científica na-
cional, corremos o risco de ser derrotados nesse processo.
Nosso maior desafio é o de preservar e valorizar a identidade
cultural da nação. O mecanismo do mercado e da globalização tendem
a deteriorar e transtornar os valores morais tradicionais. A moeda tor-
na-se fator predominante e tudo pode transformar-se em mercadoria.
Essa tendência se acentua nos setores de educação, saúde e outros
serviços públicos. Verifica-se até mesmo o surgimento da imoralidade.
Produtos culturais pouco sadios se espalham rapidamente por toda a
parte, por intermédio das info-rotas da internet. Os países capitalistas
se aproveitam dessas oportunidades para difundir internacionalmente
sua cultura e seu modo de vida, causando a perda de identidade cultu-
ral das outras nações.
O Vietnã preconiza a construção de uma cultura progressista
impregnada com a identidade nacional, considerando essa uma condi-
ção essencial para o desenvolvimento do país. Trata-se igualmente de
nossa experiência de quatro mil anos de luta pela construção e defesa
do país. O povo vietnamita venceu os invasores mais fortes graças não
somente à sua vontade firme e coragem, mas também ao triunfo da
cultura nacional. A superação da pobreza, a industrialização e a mo-
dernização do país no contexto da globalização atual devem igual-
mente basear-se na cultura nacional.

III. Uma visão do Vietnã até 2020

O Vietnã situa-se na região do mundo mais dinâmica em ter-


mos econômicos e com as taxas de crescimento mais elevadas. Ao
mesmo tempo em que o país vem aproveitando as boas oportunidades
que surgem, é confrontado por desafios de monta.
Membro da ASEAN e da APEC, o Vietnã tem plena consciên-
cia de sua tarefa de superar o quanto antes o hiato de desenvolvimen-
to que o separa de outros países e de progredir, na companhia dos
demais, em direção a uma sociedade da informação baseada no co-

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nhecimento. No tocante à renda média per capita, o Vietnã situa-se
no 130º. lugar entre 174 países. No entanto, quando se leva em con-
ta o índice de desenvolvimento humano, o Vietnã está classificado
em 108º. lugar, pertencendo ao grupo do meio. Os recursos huma-
nos serão portanto o principal instrumento para o rápido desenvol-
vimento do país.
O nono congresso do Partido Comunista vietnamita adotou
como prioridade a promoção da industrialização e a modernização,
com o objetivo de tornar o Vietnã um país essencialmente industriali-
zado até o ano de 2020. Num contexto em que se acelera a globalização
e a transição para uma economia baseada no conhecimento, o Vietnã
deve tomar um atalho, industrializar-se em prazos curtos, utilizando
conhecimentos modernos. Uma redução bem-sucedida do hiato inte-
lectual entre os países resultará na redução do hiato de desenvolvi-
mento. Tomar um atalho significa implementar simultaneamente dois
processos: a transição de uma economia agrícola para uma economia
industrial e de uma economia industrial para uma economia baseada
no conhecimento. Nos países avançados, trata-se de duas etapas su-
cessivas. No Vietnã, essas duas etapas se integram, complementam-se
reciprocamente. No momento em que se atingir o estágio de industri-
alização, já estará em vigor uma economia baseada no conhecimento e
na sociedade da informação.
A industrialização do Vietnã segue uma orientação socialista,
com o objetivo de enriquecer a população, fortalecer o país e tornar a
sociedade mais justa, mais democrática e avançada. Desse modo, a
industrialização visa ao desenvolvimento social e humano e não ape-
nas econômico. A industrialização é o processo de desenvolvimento
que aglutina harmoniosamente a economia, a cultura e a sociedade. É
o processo centrado no homem, considerando que tudo é feito para o
homem e decidido pelo homem, garantindo a justiça social e valori-
zando a identidade cultural do Vietnã. A industrialização deve ser a
marca do humanismo. Adicionalmente, deve ser uma eco-industriali-
zação que não destrua o ecossistema e não desperdice os recursos
naturais. Ela deverá utilizar tecnologias próprias pouco poluentes para
o meio ambiente e que consumam pouca matéria-prima e energia. Se-
ria portanto difícil realizar esse objetivo de industrialização sem que

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se tenha recurso ao conhecimento ou que se desenvolvam indústrias
baseadas na informação.
O Vietnã deverá adquirir o conhecimento e aprender com as
experiências de todos os países avançados, sem contudo imitar meca-
nicamente seus modelos de industrialização. Terá de dominar os no-
vos conhecimentos da época, aplicá-los à situação vietnamita de modo
criativo, encontrar as vozes apropriadas em função das características
do país. A economia do conhecimento está em processo de formação
no mundo, de criação de condições favoráveis para implementar com
êxito a industrialização e a modernização. Se essa oportunidade for
desperdiçada, haverá sério atraso, prejudicial para todo o povo
vietnamita.
Os seguintes fatores permitirão rápido avanço do processo de
industrialização com base no conhecimento:
Em primeiro lugar, é preciso continuar a promover uma econo-
mia de mercado de orientação socialista, uma renovação vigorosa das
instituições, das políticas, dos mecanismos de gestão que valorizem
plenamente a capacidade criativa do povo, criar condições favoráveis
que permitam a todas as pessoas e a todas as categorias econômicas
valorizar as suas habilidades de modo a contribuir para o desenvolvi-
mento econômico. O Estado definirá as orientações com vistas a de-
senvolver a economia, construir um quadro jurídico, criar um ambien-
te competitivo sadio e em condições de igualdade, regulamentar a pro-
dução segundo a orientação já definida pelos meios políticos,
implementar uma política de redistribuição de renda, de aumento dos
ganhos sociais, de garantia da justiça social, de desenvolvimento cul-
tural e educacional, de proteção dos interesses dos segmentos mais
desfavorecidos. É preciso ainda garantir a supremacia do socialismo
para a liberação e o desenvolvimento humano. O homem é ao mesmo
tempo o objetivo e a força motriz do desenvolvimento.
É imperativo criarem-se forças motrizes possantes que permi-
tam a todos utilizar plenamente suas capacidades, reduzir ao mínimo
os obstáculos e as restrições, facilitar a concessão de verbas orçamen-
tárias, combater com energia a corrupção e ampliar a autonomia dos
organismos e das empresas de modo a torná-los responsáveis pela efi-

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cácia de suas atividades e pela utilização plenas de seus talentos e
habilidades.
Em segundo lugar, é preciso envidar esforços para desenvolver
os recursos humanos, elevar o nível de conhecimento do povo e for-
mar profissionais talentosos. Nos próximos anos, será necessário am-
pliar ainda mais os investimentos em educação, renovando este setor
integralmente e sob todos os aspectos, uma vez que o sistema educa-
cional atual se mostra incapaz de satisfazer as demandas de desenvol-
vimento nacional nessa nova etapa. Cumpre renovar o conteúdo, os
métodos e o sistema educacional: ao invés de enfatizar a aquisição de
conhecimento e de competência profissional, conviria adotar métodos
de reflexão, enfatizando a capacidade de resolver problemas, adquirir
novos conhecimentos inclusive de modo autodidata, adaptando-se ao
desenvolvimento. A educação deve ter como objetivo formar novas
gerações vietnamitas munidas de uma forte personalidade, de um
ideal, de capacidade criativa, com o domínio dos conhecimentos mo-
dernos e determinadas a contribuir para o desenvolvimento nacional,
nivelando o país aos demais. São necessários esforços para generali-
zar-se o ensino secundário no ano de 2005 em 80-90% das províncias
e generalizar o ensino de liceu nas zonas urbanas, nas zonas industri-
ais, acelerando a formação de um contingente de quadros científicos,
de operários altamente qualificados, de administradores e de homens
de negócios. Outra prioridade será a de ampliar a cooperação
tecnológica e educacional com outros países, e selecionar para cursos
de formação e treinamento em países avançados um grande número
de quadros científicos das áreas prioritárias.
Será igualmente necessário promover a socialização da educa-
ção de modo a que todos tenham acesso à escola e à educação, com
vistas a permitir o advento de uma sociedade da educação, tornando
realidade a recomendação do Presidente Hô Chi Minh : “Que todos se
beneficiem dos estudos”.
Em terceiro lugar, será necessário aplicar e desenvolver rapida-
mente a tecnologia da informação, força motriz essencial para condu-
zir nosso país a uma sociedade da informação e à economia do conhe-
cimento. O Vietnã tomou consciência de que a aplicação e o desen-

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volvimento das tecnologias da informação contribuirão para liberar as
forças materiais, espirituais e morais de todo o povo, formando desse
modo a força motriz para a renovação, desenvolvimento e moderniza-
ção dos setores econômicos, aumento da competitividade das empre-
sas, sustentando de modo eficaz o processo de integração à economia
mundial, melhorando a qualidade de vida do povo, garantindo a segu-
rança e a defesa nacional e possibilitando a tomada de atalhos que
conduzam a uma rápida industrialização e modernização. Por esses
motivos, o Vietnã deverá considerar a tecnologia da informação como
um setor de ponta prioritário na estratégia de desenvolvimento
socioeconômico no período de 2001-2010. Serão necessários esforços
para que as tecnologias da informação no Vietnã estejam, no ano de
2010, em um nível avançado em comparação à região, estando o país
dotado de uma indústria de tecnologia da informação desenvolvida.
Ao longo dos próximos 5 anos, será necessário concentrar os
esforços para atingir os seguintes objetivos :
* formar pelo menos 50.000 especialistas em tecnologias de
informação em diferentes níveis. Intensificar o ensino da informática
nas escolas, mesmo primárias (de ensino fundamental), de diferentes
formas, dando acesso à informática a pessoas de todos os setores de
atividades.
* permitir o fácil acesso à internet em todo o país, a preços
razoáveis, interligando a maior parte dos organismos, empresas, esco-
las e casas particulares e elevando desse modo o número de usuários
da rede aos mesmos níveis verificados nos demais países da região.
* utilizar a tecnologia da informação em todos os domínios
para favorecer a renovação e o desenvolvimento do “governo eletrô-
nico”, do comércio eletrônico, do banco eletrônico, da formação à dis-
tância, da telemedicina. Todos os empreendimentos deverão utilizar
as tecnologias da informação, sobretudo o comércio eletrônico, para
incrementar sua competitividade.
* esforçar-se para atingir o valor de US$ 500 milhões em expor-
tações vinculadas ao setor de informática em 2005. O Estado definiu
políticas privilegiadas em favor daqueles que trabalham no setor de

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informática: privilégios em matéria fiscal de crédito, preços das terras,
preços de utilização da infra-estrutura.
* dispor de um sistema jurídico completo. Respeitar seriamen-
te o regime de proteção do direito de propriedade intelectual, evitar
desrespeitos aos direitos autorais.
Em quarto lugar, é preciso um esforço para elevar a competi-
ção na pesquisa científica, promover os progressos tecnológicos na
economia nacional. Cumpre elevar junto aos cidadãos a consciência
do papel motriz da ciência e da tecnologia, construir e desenvolver o
sistema de renovação nacional (incluindo a infra-estrutura regulamen-
tar e a promoção da renovação tecnológica), desenvolver o mercado
tecnológico, criar um ambiente de competição sem obrigar as empre-
sas a renovar incessantemente suas tecnologias para aumentar a
competitividade. Encorajar o desenvolvimento de “empresas de alta
tecnologia” engajadas no comércio de novos produtos e novas
tecnologias.
Mobilizar as forças científicas e tecnológicas a serviço da in-
dustrialização e da modernização da agricultura e do setor rural. Aju-
dar os camponeses a utilizar os progressos tecnológicos na produção,
desenvolvimento dos ofícios e criação de empregos.
Por outro lado, é preciso concentrar os esforços para dominar e
desenvolver nos prazos mais curtos as altas tecnologias como a do
setor de informática, a biotecnologia, os novos materiais, a
automatização, reforçar o desenvolvimento dos setores industriais ba-
seados na alta tecnologia, acelerar o ritmo de construção e o desenvol-
vimento das zonas de alta tecnologia.

IV. Consolidar as relações de cooperação com a Ásia,


o Brasil e outros países.

O Vietnã adota uma política exterior independente, soberana,


multilateralizada e diversificada. Deseja ser amigo e parceiro fiel dos
países da comunidade internacional, trabalhando em prol da paz, da
independência e do desenvolvimento.

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Cabe-nos em nossas relações exteriores manter um ambien-
te pacífico, criar condições internacionais favoráveis ao desenvol-
vimento sócio-econômico, à industrialização e à modernização do
país, à construção e à defesa nacional, à salvaguarda da indepen-
dência e da soberania nacionais e participar ativamente da luta dos
povos em prol da paz, da independência, da democracia e do pro-
gresso social.
Nós preconizamos uma integração ativa do Vietnã à rede eco-
nômica regional e internacional, sempre respeitando o princípio de va-
lorizar ao máximo nossas forças endógenas, de reforçar a eficácia da
cooperação internacional, de preservar os interesses, a segurança e a
identidade nacional e de proteger o meio ambiente. No que tange à
cooperação internacional, preconizamos o alargamento e o desenvol-
vimento de nossas relações com os países amigos tradicionais, com os
países independentes, com os países em desenvolvimento na Ásia, Áfri-
ca, Oriente Médio, América Latina, países do movimento não-alinha-
do, entre os quais o Brasil, em vista de uma assistência mútua e de
uma coordenação estreita a serviço do desenvolvimento e da defesa
de nossos interesses legítimos.
Nós participamos ativamente da busca de soluções para as ques-
tões globais. Ao lado de outros povos do mundo nos empenhamos em
lutar pela erradicação total das armas nucleares, das armas biológicas
e das armas de exterminação em massa, pela defesa da paz e pela
erradicação dos riscos da guerra, da corrida armamentista, sempre res-
peitando a independência, a soberania, a integridade territorial e o di-
reito à autodeterminação dos povos, com vistas a contribuir para a
instauração de uma ordem democrática e justa no domínio da política
e da economia internacional.
Muito embora separados pela distância geográfica, o Vietnã e o
Brasil compartilham várias afinidades e sentimentos fraternais que os
aproximam um do outro há longo tempo. Devemos agradecer às forças
democráticas e progressistas do Brasil, assim como a todo o povo bra-
sileiro, pelo apoio ativo que deram ao povo vietnamita, tanto em sua
obra de liberação nacional de ontem, quanto de construção e de defe-
sa nacional de hoje.

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Há 12 anos (no dia 8 de maio de 1989), os dois países estabele-
ceram oficialmente relações diplomáticas. Em seguida, a Embaixada
do Brasil instalou-se em Hanói, e a Embaixada do Vietnã, em Brasília.
A assinatura de acordos de cooperação econômica, comercial, cientí-
fica e técnica entre os dois países, o intercâmbio de delegações de
nível ministerial e de altos dirigentes, e sobretudo a visita oficial e de
amizade do Sr. Le Duc Anh, Presidente da República Socialista do
Vietnã ao Brasil em 1995, constituem provas eloqüentes do desenvol-
vimento contínuo das relações de cooperação multiformes entre o Brasil
e o Vietnã.
De sua parte, o Brasil tornou-se um país industrializado e de-
senvolvido, conhecido por suas potencialidades e suas perspectivas de
desenvolvimento no século XXI. A América Latina e a Ásia são duas
regiões dinâmicas do mundo. Separadas pela distância geográfica, en-
contram-se contudo ligadas por inúmeras possibilidades e perspecti-
vas de cooperação. Uma cooperação frutífera, além de interessar a
ambas as regiões, contribui para a paz, para o progresso e para a pros-
peridade mundial. O Vietnã, de sua parte, esforça-se ao máximo para
implementar essa cooperação. O Vietnã deseja ampliar e reforçar suas
relações de cooperação econômica, cultural, científica e técnica com o
Brasil de modo a conduzi-las aos mais altos patamares. Temos vivo
interesse em estreitar a cooperação no setor de ciência e tecnologia,
especialmente tecnologias da informação, biotecnologia, medicina e
farmácia, energia e outros. A cooperação científica e tecnológica deve
estar estreitamente ligada à cooperação econômica, estar a serviço
dessa e resultar em programas com efeito econômicos. Além da coo-
peração científica e técnica, a ênfase deve ser colocada igualmente na
formação de pessoal, na cooperação entre universidades, instituições
de pesquisa dos dois países, bem como intercâmbio de especialistas. A
distância geográfica é hoje reduzida pelas tecnologias de comunicação
que nos aproximam e ampliam a eficácia de nossa cooperação.
Dotados de uma nova visão radical e de longo prazo – o que é
ilustrado pelo tema deste colóquio “O Brasil e a Ásia no século XXI,
ao encontro de novos horizontes” –, estamos convencidos de que as
relações de cooperação entre o Brasil e a Ásia, entre o MERCOSUL e
a ASEAN, entre o Brasil e o Vietnã, não param de se consolidar e de

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se desenvolver. O Vietnã esforça-se para que as relações de coopera-
ção científica, cultural e técnica com o Brasil estejam à altura de suas
relações políticas e de seus potenciais.

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A INDÚSTRIA INDIANA DE TECNOLOGIA E INFORMAÇÃO E
AS POSSIBILIDADES DE COOPERAÇÃO COM O BRASIL

Gautam Soni*

Só para dar um histórico, a Índia é um dos poucos países do


mundo que tem um Ministério de Informação e Tecnologia. Anterior-
mente, era o Departamento de Eletrônica, supervisionado pelo Pro-
fessor Alagh, quando ele era o ministro da Ciência e Tecnologia; mais
recentemente ele foi convertido em Ministério. Em 1998, o Primeiro
Ministro estabeleceu uma Força Tarefa para cuidar de todo o setor de
Informação e Tecnologia. A intenção era tentar tornar a Índia uma
superpotência em IT até 2008. Os objetivos desta visão são a criação
de riquezas e a geração de empregos. Na indústria de IT, o setor de
software emprega atualmente cerca de 400.000 pessoas e, por volta de
2008, isto vai crescer para 2.8 milhões somente em serviços de software
e serviços habilitados de IT. Um outro objetivo é usar o IT para o
crescimento econômico passando por todos os setores da economia.
Quanto ao papel do Ministério, ele se vê, basicamente, como
um facilitador, um motivador e promotor para levar o IT para as mas-
sas e facilitar o desenvolvimento orientado por IT. Quanto a esta últi-
ma questão, recentemente, nós tomamos uma iniciativa muito impor-
tante no Ministério, onde estamos tendo uma série de discussões com
o Media Lab no MIT, e, por falar nisso, nós estamos em processo de
assinar um acordo com o MIT para estabelecer um Media Lab Asia
(MLA) na última semana deste mês. O gabinete aprovou esse projeto
alguns dias antes de eu deixar a Índia. No primeiro ano, o Governo vai
colocar todos os quinze milhões de dólares, mas o projeto é de um
bilhão de dólares em que o Governo indiano e a indústria indiana con-
tribuirão com cerca de 200 milhões de dólares por ano por um período
de dez anos. O resto viria do Media Lab no MIT, através de seus vários
financiadores industriais e multilaterais. O MLA não será um labora-

* Assessor Especial do Ministério de Tecnologia da Informação.

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tório único, como o Media Lab, na Europa. O projeto veio para a
Índia em competição tanto contra a China como a Malásia. Nós tive-
mos sorte por eles decidirem vir para a Índia. A razão deles terem
vindo para a Índia é porque eles sentem que a Ásia representa o
“Grande Desafio” em relação à tecnologia e ao desenvolvimento. O
objetivo deste exercício é essencialmente desenvolver uma rede de
centros, que estarão todos interconectados. Não haverá laboratórios
únicos enquanto tais: a idéia é cobrir todo o país e um vasto campo
da manufatura até o design, em uma variedade de áreas em que se
pode alavancar o IT para melhorar a produtividade em cada um des-
ses setores. A meta são quinhentas milhões de pessoas na economia
hindu, muitas das quais estão abaixo da linha de pobreza. Metade da
população mundial atualmente está provavelmente nessa categoria;
portanto esta iniciativa tem o potencial de um grande desenvolvi-
mento. Estamos aguardando ansiosamente esse projeto. Eu só o es-
tou mencionando porque é algo que não é exclusivamente uma pre-
ocupação indiana. Eu acho que há muitas possibilidades de coopera-
ção com o Brasil para usar o IT para o desenvolvimento no futuro.
O estímulo do governo é no sentido de proporcionar infra-es-
trutura através da largura de banda internacional, a internet doméstica
e uma ampla rede local. Além da infra-estrutura, as três áreas impor-
tantes são basicamente telecomunicações, desenvolvimento de recur-
sos humanos e criação de conteúdo em línguas locais. Somente 50
milhões de pessoas na Índia lêem e escrevem inglês. Se quisermos en-
trar em IT, eu acho que esta é uma das principais áreas de preocupa-
ção, ou seja, criar conteúdo em línguas locais. De outra forma, o nosso
mercado ficará restrito a um número muito pequeno. O projeto Media
Lab terá este como um objetivo direto, de cobrir a lacuna digital, por
exemplo, o IT para as massas.
A eletrônica indiama e a indústria de IT tem sido um dos seto-
res mais bem sucedidos na Índia. Nós atingimos uma Taxa de Cresci-
mento Anual Composto de 25% na produção e 46% em exportações
nos últimos cinco anos. É um dos setores de mais rápido crescimento
na indústria indiana, com a parte predominante, obviamente vinda dos
softwares e dos serviços de software.

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Se observarmos atualmente, a eletrônica e a produção de IT na
Índia é de 15,13 bilhões de dólares comparada com os US$ 1.523 bi-
lhões da produção mundial. Como porcentagem, a eletrônica e o IT
constituem 3.1% do GDP indiano. Entretanto, somos importadores
importantes de hardware na extensão de US$3.4 bilhões. Nós também
importamos cerca de US$1 bilhão em softwares. Isto dá uma idéia de
como esses setores se desenvolveram. Vocês podem ver que o cresci-
mento no setor de hardware tem sido muito nominal e podem ver o
dramático crescimento com relação à área de softwares. De US$1.750
bilhões em 1996 para US$8.350 bilhões em 2000. Se vocês pensarem
em termos de eletrônica para o consumo, eletrônica industrial, com-
putadores, comunicação, etc., vocês podem ver novamente o impacto
do software em termos da fatia total do bolo, especialmente se vocês
incluírem o software doméstico.
As oportunidades no setor de software, de acordo com o Relató-
rio NASSCOM McKINSEY para o ano 2008, têm como meta expor-
tações de US$50 bilhões, com uma contribuição total de US$87 bi-
lhões por este setor. Apesar do desaquecimento, isso assume uma taxa
de crescimento de 35% compostos anualmente pelos próximos oito
anos. A indústria está confiante em atingir esse resultado. Eu também
mencionei que nós estamos falando de cerca de 2.2 milhões de pesso-
as empregadas por esse setor por volta de 2008.
Quanto às oportunidades no setor de hardware, se vocês consi-
derarem as importações, estamos dizendo que as oportunidades de
mercado serão de US$30 bilhões se vocês considerarem os componen-
tes, e nós estamos com a meta de exportar US$10 bilhões, mas eu acho
que nós temos um longo caminho a percorrer com relação ao hardware.
A China tem sido extremamente bem sucedida no setor de hardware.
Eu gostaria de mencionar algumas questões com relação aos softwares
e hardwares. Com relação ao software, especialmente quanto à relação
qualidade versus custo, a qualidade de softwares que a Índia produz é
muito alta, e os custos muito baixos. É por isso que a Índia se torna um
destino favorável particularmente para o software terceirizado. Para pro-
var que nossa qualidade é extremamente boa, a maior parte de nossas
empresas é aprovada pelo ISO 9000, e 60% do SEI CMM nível 5
ficam na Índia. Hoje nós temos cerca de 2.300 empresas que proporci-

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onam serviços de software das quais 200 empresas exportam, e 20 delas
dão conta de 50% das exportações em software e serviços de software
que saem da Índia.
A outra meta é aumentar a capitalização de mercado do setor, do
nível atual de US$50 bilhões para 500 bilhões no ano 2008. Cerca de 10
empresas de software indiano foram listadas na NASDAQ, e no último
ano cerca de cinco empresas foram listadas, e eu acho que nos próximos
7 ou 8 anos nós iremos listar uma média de 5 a 8 empresas por ano.
Neste ano nós talvez tenhamos tido um desaquecimento, mas eu acho
que temos certeza de listar cerca de 50 a 100 empresas até o ano 2008.
O modelo de negócios de software indiano é basicamente movi-
mentar a cadeia de valores, mas não através da rota de desenvolvi-
mento deste produto, porque o desenvolvimento do produto é um ne-
gócio muito caro e arriscado, e a nossa indústria ainda não é grande o
suficiente para isso. Talvez no futuro nós poderemos fazê-lo, mas ago-
ra, a intenção é movimentar a cadeia de valores através de consultorias
estratégicas e soluções ponto a ponto e sua implementação. Hoje não
estamos fazendo isso porque ainda não temos suficiente conhecimen-
to quanto à consultoria estratégica, nem a rede que é necessária para
poder entrar nesta área, particularmente nas grandes corporações nos
Estados Unidos, Europa e Japão. Mas essa é a tentativa da indústria, ir
nessa direção porque, atualmente, nossa produtividade ou receita per
capita, para ser mais correto, é cerca de quarenta mil dólares no setor
de softwares para exportações, e nós precisamos aumentar isso em 4 a 5
vezes. Portanto, essa é a direção em que a indústria se propõe a ir nos
próximos quatro a cinco anos.
A outra área, que é muito importante, são os serviços habilita-
dos de IT. Os serviços habilitados de IT irão contribuir com cerca de
US$18 a 19 bilhões, e eu acho que esses serviços são aqueles que
realmente irão transformar em virtude a “tirania da distância”, porque
há um mercado de cerca de US$5 trilhões disponíveis para a
terceirização. É claro que a receita per capita seria de US$20.000,
mesmo se você tiver um mercado de US$1 trilhão; a Índia deve tentar
fazê-lo na próxima década, podendo gerar cerca de 50 milhões de em-
pregos só na terceirização. Os serviços habilitados de IT incluem cen-

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tros de gerenciamento de chamadas, transcrições médicas, toda uma
série de serviços bancários, empresas aéreas e uma variedade de ou-
tros setores na área de serviços.
Quanto ao hardware, há alguns problemas de infra-estrutura e
também o custo do financiamento na Índia tende a ser um pouco mai-
or. Em hardware, eu acho que precisamos fazer o design e o desenvolvi-
mento, o gerenciamento das cadeias de suprimento, o gerenciamento
da relação com o usuário e alavancar nossas vantagens de software.
Vocês já vêem algumas grandes empresas mudando seus principais
centros de design para a Índia para fazer este tipo de trabalho. Então,
estamos procurando oportunidades em hardware a curto prazo, mais
para seguir esse tipo de rota. A Nokia, por exemplo, é uma empresa
que não produz muito na Finlândia e a Nokia atualmente é provavel-
mente a empresa de telefones celulares número um no mundo. Eu
acho que, como estratégia, esse é um modelo que precisamos obser-
var, e observar os sistemas como um todo. Essa é uma área de coope-
ração entre países como o Brasil e a Índia. A China é outro país onde
poderíamos facilmente fazer algum trabalho, e colaborar ou competir
ao mesmo tempo, usando nossas vantagens complementares.
Só para dar uma idéia da penetração do IT na Índia, temos
cinco indicadores. Temos 5.8 milhões de PCs em uma população de 1
bilhão, o que é muito, muito pouco atualmente e estamos objetivando
20 milhões por volta de 2008. Eu acho que isso não é um problema
porque no ano passado nós vendemos 3 milhões de PCs, e o setor está
crescendo cerca de 40% ao ano, e dentro de dois anos devemos atingir
6 milhões por ano. É claro que comparados à China estamos atrás. A
China já tem 25 milhões de PCs, mas temos um firme crescimento em
assinantes da Internet e assinantes de TV a cabo. Isso é parcialmente
por causa do fato de que a própria TV se tornaria interativa e propor-
cionaria uma oportunidade de usar o cabo como uma forma de trazer
a Internet para casa, e nós estamos esperando que os usuários da
Internet cresçam de 7.5 milhões até 100 milhões nos próximos 5 anos.
Nossas linhas de telefone fixas, novamente, são muito pequenas, mas
nossa meta sob a Política Nacional de Telecomunicações para o ano
2008 é de 125 milhões. Os telefones celulares estão crescendo, e eu
acho que veremos uma grande explosão nesta área.

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A infra-estrutura de telecomunicações é extremamente impor-
tante, e a largura de banda é um pré-requisito para qualquer tipo de
trabalho quando se fala de softwares. Eu só quero mencionar as políticas
que surgiram recentemente. Sob a política ISP o monopólio governa-
mental foi desmontado, e o setor foi aberto ao setor privado. Há um
grande número de pessoas que obtiveram licenças, e agora elas estão
realmente tentando estabelecer portais internacionais e contratar largu-
ra de banda através dos cabos de fibra ótica ou através de satélites. As
operações a longa distância foram abertas para o setor privado. O mo-
nopólio de voz VSNL termina em março de 2002, o que significa que
ele abrirá as portas para a telefonia por Internet a partir do ano que vem.
Com relação às projeções de demanda de largura de banda, nós
queremos que a banda larga internacional vá de 325 Mbps para 75
Gbps em 2008. A banda-Ku particularmente vai dobrar nos próximos
cinco anos. A banda-C estendida, que domina atualmente, não vai cres-
cer muito, na realidade, observa-se nela um certo declínio.
O ato IT 2000 foi passado pelo parlamento e é um importante
passo para facilitar o comércio eletrônico e proporciona uma estrutura
legal para o reconhecimento de contratos eletrônicos e legaliza as assi-
naturas digitais. As regras estão dadas, o controle das autoridades
certificadoras foi apontado, e eu acho que, antes deste ano, a primeira
autoridade de certificação vai assumir.
Como o propósito deste encontro é a cooperação, há algumas
áreas de cooperação que foram identificadas no Memorando de En-
tendimento (MOU) assinado entre a Índia e o Brasil, e nós estamos
tomando várias grandes iniciativas em algumas áreas como: pesquisa,
design e desenvolvimento, exploração de mercados do terceiro mun-
do; comércio eletrônico; governo eletrônico; automação bancária, etc.
Eu só quero mencionar alguns dos benefícios do governo eletrônico
que eu considero muito importantes, como providenciar informações
velozmente para todos os cidadãos, melhorar a eficiência administra-
tiva e melhorar os serviços públicos (transporte, energia, saúde, água,
segurança etc.)
Eu também gostaria de mencionar algo sobre a Tecnologia de
Parques de Software. Em 1991, nós estabelecemos o primeiro Parque

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de Tecnologia de Software para promover e facilitar a exportação de
softwares na Índia. Havia mão-de-obra, mas não tínhamos acesso. Hoje
os STPIs têm presença nacional e proporcionam um apoio de
marketing, programas de treinamento, e temos 6.329 unidades
registradas que contribuem com cerca de 60% das exportações naci-
onais de software.
Uma outra área possível de cooperação é no ensino à distância.
Atualmente precisamos de muitos professores de ERNET na Índia,
que foi a pioneira do desenvolvimento de Internet no país. Ela propor-
ciona serviços de rede à comunidade de pesquisa e acadêmica e, como
agora temos muito poucos professores, esse é um importante veículo
de educação à distância. O Centro Nacional de Informática (CNI) é
uma das maiores redes de VSAT no país. É a rede de comunicação por
computador do governo. Está se fazendo muito na área de governo
eletrônico; da mesma maneira, há CDACs que trabalham na área de
computação de alto desempenho e desenvolvimento de linguagem
tecnológica.
Quanto aos recursos humanos, eu poderia só mencionar que há
uma escassez global estimada de 1.5 milhões de profissionais de IT
nos próximos 5 anos. Na Índia a demanda é de 2.2 milhões até 2008,
dos quais, nos níveis elevados, ou seja, pessoas com histórico de enge-
nharia e mestrado em aplicações cibernéticas, chegam a 1.1 milhão, e
para serviços habilitados de IT, que é a parte mais fraca, temos 1.1
milhão. Se a pessoa tiver um diploma universitário comum pode traba-
lhar na área de serviços habilitados de IT, mas as exportações de software
requerem um nível superior de habilidades e de educação. Mas nosso
grande problema hoje são os professores; faltam 5.000 professores nas
disciplinas de IT, e esse número vai dobrar nos próximos cinco anos. É
por isso que enxergamos o ensino à distância como uma solução, usan-
do a rede e a Internet. Eu também deveria informar que nós temos um
grande setor não-formal na educação de IT. Temos muitas empresas
que estão operando neste setor. A DOEACC reconhece cursos e cre-
dita instituições no setor informal em vários níveis.
Não vou falar mais sobre tecnologia de línguas mas a missão
para 2010 seria remover os impedimentos na língua hindi em todos os

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níveis e todos os setores, criando esquemas para promover e reconhe-
cer as conquistas no nível nacional. Com essas idéias, eu gostaria de
concluir.

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A COOPERAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA ENTRE
BRASIL E ÁSIA1

Gilson Schwartz*

O desaquecimento da economia norte-americana induz um


declínio das economias asiáticas, que sempre cresceram animadas so-
bretudo pela sua penetração crescente nos mercados dos EUA. Ficou
célebre o “modelo dos gansos”, em que as economias líderes se reve-
zam na região, em processos de substituição de exportações encadea-
dos que geram diferenciação regional num sistema de redes flexíveis
de produção.
O que acontece quando o principal mercado de destino dessas
exportações entra em declínio? Para alguns analistas, as redes flexíveis
podem adaptar-se, plasticamente, por exemplo surgindo no lugar dos
EUA o fabuloso potencial do mercado chinês. A aproximação entre
Japão e China seria o principal passo nesse roteiro e a guinada na polí-
tica de defesa norte-americana, anunciada pelo governo Bush, confir-
maria a percepção desse risco por Washington - a ameaça chinesa e, de
modo geral, asiática, voltou ao primeiro plano no discurso da política
do Secretário de Defesa Rumsfeld, em detrimento de preocupações
com o teatro europeu.
Otaviano Canuto, professor da Unicamp e um dos mais argu-
tos analistas brasileiros da economia asiática, apontou essa tendência
em artigo recente, publicado pelo jornal Valor2 :

*
Professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
1
Apresentada no módulo “Cooperação para o Amanhã – fronteiras e veredas da Ciência e
Tecnologia” do Seminário Brasil-Ásia, promovido pelo Departamento de Ásia e Oceania do
Ministério de Relações Exteriores, 7 e 8 de junho, 2001. Esta breve nota tem como objetivo
estimular o debate sobre perspectivas de cooperação, adotando portanto um estilo informal e
abrindo mão do esforço, que é hoje imperativo, de buscar um maior detalhamento das oportu-
nidades de cooperação por setor econômico ou área de interesse.
2
Canuto, O. (2001, 5 de junho, jornal Valor Econômico), Placas tectônicas em movimento na Ásia.

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“Os EUA foram o destino de um quarto das exportações asiáti-
cas em 2000. Essas vendas foram puxadas pelo crescimento de 25% nos
gastos das empresas norte-americanas em produtos de informática, com
produtos associados às TI hoje perfazendo mais de 50% da pauta da
Coréia e de Taiwan. Neste ano, com o encolhimento da aquisição de
itens de informática pelas firmas dos EUA, as vendas externas asiáticas
despencaram. Nos doze meses findos em março, as exportações totais
caíram 11,3% em Taiwan e 10% na Tailândia e na Coréia. No primeiro
trimestre, essas economias mostraram taxas de crescimento acentuada-
mente mais baixas que as do ano passado. A Malásia chegou a apresen-
tar queda anualizada de 3,7% no PIB. No Japão, não bastassem os pro-
blemas patrimoniais e a estagnação dos gastos domésticos privados, houve
uma redução de 20,6% no saldo comercial entre março de 2000 e o
deste ano.”
Canuto prossegue: “A novidade tem sido a explosão do comércio
entre a China e o Japão. Mantido o ritmo atual, de aumento de 10% ao
ano, em um decênio tornar-se-ão os maiores mercados recíprocos, em
lugar dos EUA. (...) Há uma complementaridade. O Japão poderá en-
contrar um escoadouro gigante para bens de capital, partes e equipa-
mentos dos ramos da eletrônica e automobilística. Além disso, a avidez
por crescimento na China combina com a necessidade de melhorar a
taxa de retorno dos ativos das estruturas patrimoniais japonesas e de sua
população em envelhecimento e com poupança acumulada”.
Outros fatores de reconversão das redes produtivas flexíveis se-
riam novos padrões de negociação da integração comercial regional e
sistemas regionais de compensação monetária (uma “rede de swaps de
moedas” ancorada nas reservas acima de US$ 300 bilhões do Japão e
US$ 160 bilhões da China). Em suma, ocorreria uma “reconversão para
dentro da máquina exportadora regional”.
Mas esse quadro é, por enquanto, apenas hipotético. E a idéia de
reconversão “para dentro” das redes padece de uma falha lógica básica:
mesmo a relação do Japão com a China reflete em boa medida a penetra-
ção das exportações chinesas no próprio mercado norte-americano.
Cerca de 25% do crescimento asiático (excluindo o Japão) no
ano passado teve origem no mercado norte-americano. É verdade que

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tem ocorrido um aumento do comércio intra-regional, mas há dúvidas
quanto ao alcance desse processo. A taxa de crescimento das exporta-
ções chinesas passou de cerca de 30% ao ano no meio de 2000 para um
aumento de mísero 1% agora.
O recuo dos EUA coincide com um período em que o sanea-
mento bancário asiático ainda não chegou ao fim. Perdas nas exporta-
ções recolocam no cenário, portanto, o fantasma das desvalorizações
cambiais encadeadas como se viu em 1997. Outros “emergentes”, como
o Brasil, também estão sofrendo pressões cambiais significativas. No
final do ano passado, a crise exportadora em vários países asiáticos já
atingia os piores níveis dos últimos 15 anos.
A reconversão exigiria fontes regionais de financiamento a no-
vos investimentos, não apenas “swaps cambiais”. Com os sistemas ban-
cários asiáticos ainda em dificuldades, será difícil identificar a fonte de
recursos para bancar um novo modelo “hacia adentro”.
É portanto possivelmente uma ilusão projetar para o futuro o
desempenho recente das relações entre Japão e China como “substitui-
ção” às exportações para os EUA, simplesmente porque na China o que
ainda conta de modo mais relevante para as decisões de investimento
estrangeiro é exatamente a sua funcionalidade como plataforma de ex-
portação... para os EUA! E os sinais do impacto em outros países do
desaquecimento norte-americano (previsões de queda à metade do cres-
cimento econômico nesse ano) ajudam pouco a crença na reconversão.
O outro lado desse enredo é que a paranóia norte-americana, se
a tese da “reconversão para dentro” estiver mesmo furada, perde total-
mente o fundamento. Ou será que o Pentágono tem uma visão econô-
mica de longo prazo especialmente respeitável?
As redes asiáticas são flexíveis, mas ainda está para ser demons-
trada a sua capacidade de manter uma dinâmica sustentada por fatores
endógenos. O mínimo a fazer, nesse contexto, é reconhecer que não
sabemos exatamente o que está acontecendo - e é isso, precisamente, o
que está acontecendo.
Surge ao menos a possibilidade, a princípio mais razoável, de
que a verdade não esteja nem no modelo de reconversão endógena

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nem numa dependência umbilical irreversível das economias asiáticas
em relação ao mercado norte-americano. Em última análise, apostar
nesse tertius significa duvidar da imagem de um mundo econômico di-
vidido em “blocos” (Américas, Ásia, União Européia) em favor de um
cenário de interdependência limitada pela hegemonia dos Estados
Unidos. É preciso todo cuidado para não confundir a possibilidade de
contestação dessa hegemonia com o wishful thinking das áreas econô-
micas regionais.
Minha sugestão é de que essa “terceira via”, em que há espaço
para alguma flexibilidade na organização das redes produtivas e co-
merciais, não se define pelo contraponto entre “fora” e “dentro” de
cada sistema regional mas sim pela busca de diferenciações e mais
complexidade no tecido das relações inter-regionais.
Em suma, a flexibilidade das redes seria exercida menos pelo
fechamento dentro de cada “bloco” em resposta à hegemonia ou à
desaceleração da economia norte-americana e mais pela incrementação
dos projetos de interação de cada agente nacional com todas as outras
partes do sistema internacional (outras áreas e zonas institucionalizadas,
assim como outros países, como se vê na expansão recente do
bilateralismo).
Finalmente, ainda especulando, essa tese completa-se com a
sugestão de que o grau de flexibilidade com que cada agente nacional
se candidata a impulsionar essa possível heteronomia depende de sua
inserção competitiva em setores intensivos em novas tecnologias de
informação e comunicação (em que se destacam os avanços na biolo-
gia e na sustentabilidade ambiental, além do adensamento das cadeias
produtivas de infra-estrutura e conteúdos nas próprias tecnologias de
informação e comunicação).
É no âmbito desse campo de forças-chave que se desenham
possibilidades para países de porte médio que tradicionalmente têm
desfrutado de uma inserção passiva e intensiva em setores de baixa
densidade tecnológica.
Em termos de experiências comparadas, seria necessário des-
viar o olhar de casos típicos de catch up industrial (caso dos tigres asiá-

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ticos, que por muito tempo serviram como contraponto e modelo/obje-
to de desejo de analistas e policymakers brasileiros) para casos recentes de
join in tecnológico (caso de países como Austrália, Índia, China e Cana-
dá, que pelo porte e “herança” de recursos naturais permitiriam novas
aproximações com o caso brasileiro, além do fato histórico de terem
sido também casos “tardios” de adesão às fórmulas da economia políti-
ca liberal). O caso coreano é uma figura intermediária, face à rapidez
com que suas empresas e autoridades perceberam e passaram a promo-
ver o deslocamento da lógica de catch up industrial para uma dinâmica de
desenvolvimento de sociedade de informação e economias de conheci-
mento3 .
Do ponto de vista da economia política internacional, observa-
se que o regime da “globalização”, primeira grande orientação de con-
senso mundial pós-guerra fria, está sendo rapidamente substituído em
todos os níveis (produção acadêmica, atuação de governos, estratégias
de investimento privado), por uma ênfase crescente na dimensão da
produção do conhecimento por meio de redes de informação e comuni-
cação.
Assim, se num primeiro momento as políticas de liberalização,
desregulamentação e privatização ficavam em primeiro plano, a ênfase
passa agora a fatores microeconômicos, institucionais, de gestão do co-
nhecimento e da capacidade de inovação, além da atenção crescente às
condições sociais e ambientais do desenvolvimento.
Parte dessa nova agenda, de inspiração institucionalista, centra
fogo na questão da governabilidade ou governance, inclusive corporate
governance. Nesse caso, ganharam relevância por exemplo os debates so-
bre a falta de transparência nas ligações entre o Estado e os chaebol
coreanos, tema que sem dúvida expressa uma importante dimensão da
economia do conhecimento e do debate político econômico sobre con-
corrência e padrões de acumulação de capital, assim como sobre redes e
complexos industriais como possíveis morfologias mais inteligentes de
produção e promoção de inovações (em especial no que se refere às
relações entre grandes empresas e bancos e o mundo das pequenas e
3
Cf. “Developing Long-Term Strategies for Science and Technology in Australia” (Future
Needs 2010), em http://www.dist.gov.au/science/astec/astec/future/final/futurea.html.

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médias empresas, tema recorrente na literatura asiática sobre desenvol-
vimento econômico).
Essa mudança de ênfase obviamente não exige a negação do
consenso liberal, mas parece evidente que se trata de novas orientações,
aliás compatíveis com uma pluralidade de modelos de desenvolvimento
e preferências teórico-ideológicas, em contraponto à ênfase inicial, so-
bretudo nos anos 80, na adesão a princípios gerais de liberalização eco-
nômica e desestatização. No entanto, todo cuidado é pouco: predomi-
nam, em muitas visões da questão de corporate governance, por exemplo,
modelos normativos inspirados na realidade norte-americana cuja apli-
cação tem sido sujeita a debate.
Não é por acaso, aliás, que rapidamente formou-se um consenso
entre os analistas quanto às dificuldades de implementação de reformas
liberais na Coréia do Sul. Mas, além das resistências corporativistas e
políticas dos chaebol, continua em operação no país um sofisticado sis-
tema de gestão do conhecimento e transferência de tecnologia que tam-
bém condiciona a reforma da economia nos moldes preconizados pelos
organismos de crédito multilaterais, cujas prioridades continuam sendo
a liberalização, a desestatização e a desregulamentação.
Sobretudo quando se leva em consideração que a inovação
tecnológica exige em vários casos a formação de consórcios e alianças
estratégicas com participação decisiva do Estado, as alternativas de de-
senho institucional tornam-se mais numerosas e dependem da conside-
ração de fatores culturais locais.
Ora, essa parece justamente a orientação que o modelo brasilei-
ro vem assumindo de modo mais claro nos últimos dois anos, num pro-
cesso de reconstrução ou revalorização do sistema de ciência e tecnologia,
ao mesmo tempo em que se ensaiam novas formas de articulação da
pesquisa e do desenvolvimento com as agências de financiamento e com
as agências de regulação, com destaque para a emergência dos fundos
setoriais.
O potencial de cooperação entre o renovado modelo brasileiro e
os casos “asiáticos” acima citados, tanto na formulação de metodologias
quanto no desenho de políticas substantivas de desenvolvimento cien-
tífico e tecnológico, começa a ganhar peso.

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Parece que para esses vários países está em jogo a busca de mo-
delos de inserção competitiva em que políticas industriais, científicas e
tecnológicas desempenham um papel crucial, em vários casos com no-
tória vocação para a exploração de tecnologias de uso dual (em especial
na China e na Índia, enquanto Austrália e Canadá exploram a gestão do
conhecimento e a produção de conteúdo e na Coréia do Sul o modelo
encontra-se mais próximo das cadeias industriais clássicas da eletro-ele-
trônica e da informática).
É importante sublinhar que em alguns dos setores em questão a
própria configuração das redes (quanto mais o seu grau de flexibilidade
e a sua morfologia geopolítica) encontra-se em fase de discussão e nego-
ciação. O caso mais evidente e talvez o mais emblemático é o da chama-
da “televisão digital”, a rigor um processo em curso e aliás ainda em sua
infância de convergência de mídias com encadeamentos para trás e para
frente de natureza industrial, tecnológica, comercial e cultural, com des-
taque para a ubiqüidade dessas mídias (paradigma em que se destaca, na
vanguarda, o Japão).4
Trata-se de uma fronteira que, a despeito de ser fortemente con-
dicionada pela regulação, move-se com extrema rapidez e na qual um
país como o Brasil, que vivenciou no período recente uma impressio-
nante expansão da telefonia celular e que já conta com uma significativa
base instalada em mídias tradicionais (sobretudo a televisão), passa a
contar como um mercado relevante nas negociações internacionais e
nas estratégias corporativas. Além da interface com o Japão, a importân-
cia da comunicação por satélites e o potencial de utilização de satélites
geoestacionários nas novas redes abre também oportunidades relevan-
tes de relacionamento com a China e outros países asiáticos5 .

4
Cf. Murakami, T., Fujinuma, A. (2000), Ubiquitous Networking: Towards a New Paradigm,
Nomura Research Institute.
5
É crucial, nesse campo, o desenvolvimento destacado do Brasil nas aplicações de monitoramento
ambiental, outro espaço com grande potencial de cooperação com países asiáticos, em especial
e novamente com a China (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), como já vem
ocorrendo nos últimos anos. O tema do “uso dual” é nesse caso especialmente relevante.
Recentemente, por exemplo, a Embrapa produziu mapas em formato digital do Timor Leste,
solicitados pelas Nações Unidas como referência aos militares e policiais civis brasileiros que
atuam naquele país. Cf. Via Satélite, informativo da Embrapa, em http://
www.cnpm.embrapa.br/vs/vs2001.html.

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Finalmente, as políticas voltadas para a biotecnologia consti-
tuem outro fator-chave em que o Brasil possui vantagens competiti-
vas e perspectivas de sinergia com países asiáticos, podendo buscar
também uma inserção diferenciada em redes flexíveis cuja “lógica de
alinhamento” geopolítico não é trivial. No caso da Coréia, haveria
complementaridades em biotecnologia aplicada, como ilustra o qua-
dro abaixo6 :
Atividade Competência Relativa Produtos Especiais

Atividade Brasil Coréia

Química Fina + ++++ Imunobiológicos


Biomateriais + ++++ Novas drogas
Biodiversidade ++++ + Novos bioensaios
Genoma +++ ++++ Gens de interesse comercial
Farmacologia ++ +++ Novas drogas

Finalmente, é preciso especial atenção aos novos mercados de


conteúdo que surgem a partir das plataformas digitais de radiodifusão.
No Brasil tem sido possível, apesar de todas as indicações em contrá-
rio, num contexto de abertura comercial em todos os campos, registrar
avanços significativos em vários segmentos da indústria cultural nos
últimos anos. As decisões que venham a ser tomadas quanto à inser-
ção do país nos novos padrões de organização da indústria cultural e,
de modo geral, no redesenho do mapa global das comunicações po-
dem ser uma fronteira crucial na divisão internacional da propriedade
intelectual.
Há uma nova agenda, centrada na transição para a sociedade
da informação e a economia do conhecimento, em que a construção e
a gestão de redes flexíveis exigem estratégias complexas. Novamente,
a opção não é entre estar “dentro” ou “fora” da geometria projetada
pela hegemonia norte-americana mas sim explorar o potencial compe-
titivo presente no desenvolvimento inteligente de redes flexíveis. O
desafio é, nesse momento, comum ao Brasil e às principais potências
médias do mundo asiático.
6
Caldas, R.A. (2000), O setor e a política de biotecnologia na Coréia, Seminário sobre a Coréia,
IPRI.

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ÁSIA E BRASIL: O IMPACTO DE NOVAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E O FUTURO DA
COOPERAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Maria Inês Bastos*

Minha apresentação tem como título “Ásia e Brasil: o impacto


de novas tecnologias de informação e comunicação e o futuro da coo-
peração em ciência e tecnologia”. A apresentação divide-se em três
partes: uma introdução breve, seguida de uma reflexão sobre os
paradigmas de P&D e de sua alteração em função tanto da própria
dinâmica da pesquisa quanto do desenvolvimento das novas tecnologias
de informação e comunicação, e finalmente uma indicação de tópicos
de interesse para a cooperação entre a Ásia e o Brasil.
Como introdução - muito rápida devido ao pouco tempo de
que dispomos - quero apenas refletir sobre o impacto da Internet e das
tecnologias e serviços derivados dela, e sobre como suas aplicações se
apresentam como novas modalidades de solução para velhos proble-
mas.
É importante lembrar que, apesar das nossas histórias peculia-
res e de nossa diversa tradição cultural, a Internet tem evoluído segun-
do padrões muito similares na Ásia e no Brasil. Em ambos os contex-
tos, a academia e as organizações não-governamentais tiveram um papel
deflagrador, seguido por uma participação maior do governo que pas-
sou a estimular o desenvolvimento dessas tecnologias apoiando a pes-
quisa, instalando a infra-estrutura, definindo e estabelecendo os no-
vos padrões de legislação para o setor. A partir deste estímulo gover-
namental, a Internet se transforma, tanto na Ásia quanto na América
Latina, em um instrumento à disposição das sociedades. Obviamente,
essa evolução se dá de forma diferente e com uma ênfase maior ou
menor em um desses elos nos nossos dois contextos culturais.
* Diretora do Programa Sociedade da Informação do Ministério da Ciência e Tecnologia do
Brasil.

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O maior impacto da Internet ainda está por vir, nós todos sabe-
mos. De toda forma, já se podem sentir os sinais desse impacto atra-
vés de uma mudança de cultura organizacional, das transformações
enormes que introduz nas operações do governo em termos de eleva-
ção da sua eficiência, transparência e abertura à participação dos cida-
dãos. No que se refere aos impactos da Internet sobre a cultura local, é
preciso mencionar que um traço comum entre Ásia e Brasil é o fato de
o conteúdo nos nossos idiomas não estar entre os de maior presença
na rede. De fato, a contribuição em nossos próprios idiomas para o
acervo disponível na Internet é ainda pequena. Por outro lado, nossas
culturas também muitas vezes resistem ao conteúdo dominantemente
anglo-saxão disponível na Internet.
Com relação às tendências de desenvolvimento de tecnologias
e serviços, um dos grandes impactos do avanço da Internet na Ásia, na
América Latina e no Brasil, em particular, é exatamente o grande efei-
to de arrasto representado pela convergência de outras tecnologias.
Há, evidentemente, uma transformação das tecnologias de comunica-
ção e obviamente nos computadores, além de um grande impacto so-
bre as tecnologias envolvidas em digitalização de conteúdos. Uma outra
tendência visível é o desenvolvimento de estruturas organizacionais
flexíveis. Nesse contexto de grande transformação tecnológica na área
das comunicações, a distância deixa de ser um problema. A memória
do trabalho desbravador de Marco Polo nos serve de referência para
assinalar as facilidades que hoje estão à nossa disposição para aproxi-
mar ainda mais a Ásia e o Brasil. Se a distância deixa de ser um proble-
ma, o tempo torna-se um recurso de grande interesse e passa a ser cada
vez mais precioso. Constantes transformações tecnológicas dos meios
de comunicação e de processamento permitem comunicações em pra-
zo curtíssimo.
Tudo isso cria a possibilidade de utilizar essas novas tecnologias
para resolver problemas velhos. Por exemplo, ao mesmo tempo em
que uma “nova economia” está se desenvolvendo em torno da Internet,
o que parece ocorrer aqui no Brasil e também em muitos contextos na
Ásia, é que a Internet e suas aplicações estão permitindo a moderniza-
ção da “velha” economia. No entanto, quando as novas tecnologias
chegam até setores tradicionais da economia de cada um dos nossos

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países, além de poderem transformá-los, podem também provocar ou
ampliar o “hiato digital”. Nesse sentido, sei que concordamos sobre a
possibilidade de utilizarmos criativamente essa tecnologia justamente
para superar o problema que ela contribui para aumentar, isto é, o
“hiato digital”.
Quanto às implicações das novas tecnologias de comunica-
ção e informação para os padrões de Pesquisa e Desenvolvimento,
vou mencionar apenas as implicações relativas à infra-estrutura e
aos novos modelos de P&D. Com relação à infra-estrutura, uma das
grandes contribuições que as novas tecnologias trazem para a P&D
são as aplicações ligadas à realidade virtual. Agora são utilizadas,
com grande proveito para a pesquisa e o desenvolvimento, aplica-
ções de realidade virtual para visualização, modelagem, simulações,
etc. Além disso, a nova tecnologia coloca à disposição dos pesquisa-
dores um enorme volume de informação. Esse volume é tal que tal-
vez seja muito maior do que o que se pode digerir. Já é lugar comum
reconhecer que o volume de informações disponível hoje em dia exi-
ge do pesquisador a aplicação de critérios rigorosos para selecionar o
que é relevante e útil entre o material disponível. Finalmente, vale
novamente lembrar que um dos efeitos das mudanças da infra-estru-
tura de comunicação sobre os novos paradigmas de P&D está justa-
mente no crescimento e na rapidez das novas formas de comunica-
ção e de processamento de dados.
O impacto que isso exerce sobre os novos modelos de P&D é
grande. Quero aqui ressaltar pelo menos três. O primeiro é o desloca-
mento do foco sobre o pesquisador individual, o que já vinha ocorren-
do desde a Segunda Guerra Mundial e hoje se consolida com as novas
tecnologias. Não se pode mais fazer trabalho individual, o trabalho de
pesquisa é de fato um trabalho em equipe. Em segundo lugar, as equi-
pes envolvem uma variedade cada vez maior de especialidades. Final-
mente, as novas tecnologias permitem e estimulam a constituição de
consórcios de pesquisa em que o trabalho é dividido em pedaços e
realizado em lugares diferentes, mas de forma articulada. Há inúmeros
exemplos disso, mas a pesquisa sobre o genoma humano é, talvez, a de
maior divulgação.

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Entrando no tópico das possíveis áreas de cooperação interna-
cional entre a Ásia e o Brasil nessa área específica de tecnologias liga-
das à Internet, gostaria de apresentar três focos: o primeiro é relativo à
infra-estrutura de informação; o segundo refere-se a aplicações-cha-
ve; finalmente o terceiro trata de pesquisa cooperativa.
Infra-estrutura de informação é aqui entendida como um con-
junto de ações articuladas que se referem a iniciativas internacionais
existentes ou em implantação visando a estabelecer bases comuns para
os esforços nacionais, como parte de estruturas de cooperação globais
para P&D. Tópicos para possível colaboração na área de infra-estrutu-
ra de informação, podem ser ilustrados com os seguintes:
- World Health Internet, um programa coordenado pela Organi-
zação Mundial da Saúde e que tem como objetivo definir um portal
mundial para serviços e informações relativos à saúde e que se espe-
ra que se constitua progressivamente por meio de soluções nacio-
nais;
- Spatial Data Infrastructure, centrada na necessidade de ter uma
infra-estrutura ou uma padronização do processo de coleta e
disponibilização dos dados, de tal forma que eles possam ser acessáveis
e integrados em nível global.
- Global Biodiversity Information, nos permitirá, no futuro, trocar
de uma forma sistemática e rápida as informações colhidas em cada
um dos contextos. Para isso será necessário concordar sobre padrões
de catalogação e de coleta de material.
- Country Development Gateways, organizado e coordenado pelo
Banco Mundial e que tem como objetivo a criação de um grande por-
tal com contribuições e replicações em nível nacional.
Quais as características comuns entre os projetos acima? A pri-
meira característica é que eles envolvem aplicações baseadas na Web,
têm uma base em padrões abertos e utilizam ferramentas de software
aberto. Este é o grande atrativo dessas aplicações, permitindo a con-
tribuição criativa dos países envolvidos. Além disso, há o fato de eles
serem coordenados por uma agência ou um organismo internacional.

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É importante ressaltar que o sucesso das iniciativas internacionais men-
cionadas dependerá muito da capacidade de cada país realizar sua res-
pectiva tarefa, de forma a contribuir para a constituição de uma solu-
ção global.
O que significam aplicações-chave e serviços? Significam a
mobilização de aplicações e serviços pioneiros de importância crítica
para cada país e a articulação de ações regionais de fertilização cruza-
da. São inúmeras as aplicações-chave que poderiam ser objeto de coo-
peração internacional. Aqui, menciono apenas algumas. Por exemplo,
a nós (tanto na Ásia quanto no Brasil) interessam muito as aplicações
que permitam elevar o volume de população incluída nos benefícios
da tecnologia digital, em outras palavras, nos interessam aplicações
que possam reduzir o hiato digital interno. Nesse caso incluem-se: os
tele-centros, os quiosques, as soluções para as populações com neces-
sidades especiais, etc. Outra área de aplicações-chave é o comércio
eletrônico que pode, eventualmente, produzir uma fertilização cruza-
da e estimular o avanço do comércio eletrônico entre o Brasil e a Ásia.
Há também a exportação de software e o monitoramento ambiental.
Tanto na Ásia quanto no Brasil há grandes problemas ambientais. A
Ásia já tem grande experiência nessa área onde podemos certamente
trocar experiências e colaborar enormemente.
Finalmente, a pesquisa cooperativa. O que nós entendemos
por pesquisa cooperativa? Esse é um conceito bastante específico e se
refere ao consórcio para pesquisa em áreas e temas estratégicos, con-
sórcio esse baseado no uso intensivo de redes de alto desempenho e
de infra-estrutura de computação. Uma lista de tópicos nessa área é
apenas ilustrativa: modelos de desenvolvimento sustentável; planeja-
mento urbano e gerência das cidades grandes; o genoma; a engenharia
de linguagem.
Eu gostaria de mencionar a importância desse último tema para
nós. O Brasil é um país que tem o privilégio de utilizar um idioma de
forma generalizada, idioma com presença crescente porém ainda mui-
to reduzida na Internet. Nós queremos propiciar ao brasileiro a possi-
bilidade de conhecer e ter acesso às informações geradas em todo mundo
e, portanto, temos grande interesse nas iniciativas, nas pesquisas, nos

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modelos que permitam uma tradução da linguagem natural por inter-
médio da linguagem de rede. Esse é o projeto da Universal Network
Language, da Universidade das Nações Unidas, para o qual contribuem
o Brasil e muitos dos países aqui representados. Esse tipo de trabalho
certamente constitui uma área de grande futuro para a cooperação en-
tre Ásia e Brasil, e está muito bem integrada no nosso interesse mútuo
de reduzir o hiato digital e de permitir que a população de qualquer
estrato social dos nossos países tenha acesso aos benefícios que as
novas tecnologias podem trazer.

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MÓDULO 4

FLUXOS E REFLUXOS DE CAPITAL, BENS E


TRABALHO ENTRE A ÁSIA E A AMÉRICA
LATINA: BAZAR E CARAVANSARAI DA
GLOBALIZAÇÃO

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BRASIL E CHINA: UMA PARCERIA ESTRATÉGICA E
COMERCIAL

Charles Tang*

Introdução

A dinâmica do nosso mundo atual, com as suas mudanças tão


profundas de geopolítica e de globalização econômica, aliadas à revo-
lução da tecnologia de informática, tem causado transformações mui-
to significantes no cenário internacional, num ritmo de velocidade ja-
mais antes visto. Até recentemente o nosso mundo era bipolar, domi-
nado por duas superpotências que deixaram uma marca profunda de
impacto em todos os aspectos da vida e da cultura das sociedades sob
a suas respectivas esferas de influência.
Não se passaram tantos anos quando o nosso Globo, com a
queda da União Soviética, deixou de ser bipolar e passou a ser unipolar.
Historicamente, essa fase unipolar durou relativamente pouco
tempo e já estamos a caminho de uma nova transformação profunda.
A emergência da China e a unificação da Europa estão criando uma
nova realidade mundial que afeta a hegemonia existente. A balança de
poderes e as esferas de influência, bem como os blocos de interesses
formados, estão sofrendo sérios impactos com esse início de uma era
multipolar que ora desponta.
Dentre este quadro que começa a se apresentar, e reconhecendo
os blocos de alianças e de interesses já formados, Brasil, o gigante da
América do Sul, tem uma certa limitação de opções na escolha de alianças
estratégicas que condizem com o seu atual interesse nacional. Nossos
próprios vizinhos, alguns aliados tradicionais, têm dado sinais de preferir
alianças diversas daquelas que no momento achamos conveniente.

*
Presidente da Câmara de Comércio Brasil-China.

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Em diversas ocasiões, os Presidentes do Brasil e da China têm
dito e reiterado a prioridade de formar uma aliança estratégica entre o
Brasil e a China. E realmente esta aliança poderia contribuir muito
para o benefício mútuo das duas nações. Nos foros internacionais, o
Brasil e a China normalmente se apóiam mutuamente, principalmen-
te, mas não exclusivamente, quando se trata de questões ligadas ao
terceiro mundo, às relações norte – sul e aquelas relacionadas à Orga-
nização Mundial de Comércio. Não existem contenções entre o Brasil
e a China ou áreas de graves conflitos de interesse. Finalmente, existe
uma admiração e respeito mútuo entre os povos da China e do Brasil.
Esses dois países são nações gigantescas de extensão territorial
continental. Ambos os países pertencem ao chamado terceiro mundo
e são nações em desenvolvimento. E as economias da China e do Bra-
sil, em muitas áreas, são complementares. Existe uma multiplicidade
de oportunidades para parcerias que poderiam beneficiar ambas par-
tes. No entanto, o comércio bilateral entre o Brasil e a China foi inferi-
or a 1,6 bilhão de dólares norte-americanos em 1999, e cresceu para
2,3 bilhões em 2000. Embora crescentes, estes volumes são muito
aquem do potencial de intercâmbio desses dois países tão vastos, os
gigantes da América do Sul e da Ásia. Está na hora de agir para
implementar esta parceria estratégica tão falada.

A economia mercantilista da China

Certamente o maior benefício que o Brasil poderia auferir des-


ta aproximação com a China é analisar com muito cuidado a estratégia
de desenvolvimento econômico que a permitiu conseguir uma evolu-
ção econômica tão acelerada. Este impressionante crescimento eco-
nômico da China não tem paralelos nos anais da história da civilização
humana. Como é que um país conseguiu sair de um estado de pobreza
que beirava a miséria, para chegar a ocupar a posição da segunda po-
tência econômica mundial em um espaço de somente 22 anos? Como
é que a China conseguiu manter um desenvolvimento sustentado por
tanto tempo? E como é que a China conseguiu mudar tão profunda-
mente e completamente a face da sua nação nesse curto período da
história?

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Em 1974, o Brasil tomou uma decisão histórica de reconhecer
a existência de um quinto da população do mundo, quando o governo
do Presidente Ernesto Geisel tomou a importante iniciativa de reatar
relações diplomáticas com o governo da República Popular da China.
Nesta época a China ainda se encontrava dominada por uma filosofia
política e econômica socialista rígida e retrógrada, que por mais de um
quarto de século, deixou o país pobre e estagnado com suas diversas
experimentações no campo de política econômica. E o pior é que a
mente do povo chinês também estava estagnada após três décadas de
domínio por uma filosofia socialista retrógrada. Na época, a histeria
nacional da “Revolução Cultural,” tinha tomado conta da Nação Chi-
nesa, e esta já perdurava por quase uma década. Essa revolução cultu-
ral só contribuiu para que a China quase regredisse ao seu estado pri-
mitivo. E foi diante deste quadro que a liderança chinesa encabeçada
pelo Deng Xiao Ping entendeu claramente que a sua maior responsa-
bilidade seria a de criar riqueza para a Nação Chinesa e o bem-estar e
prosperidade para o seu povo.
Enquanto isto o Brasil, neste período, desfrutava de seu perío-
do do “Milagre Econômico Brasileiro” de crescimento econômico ace-
lerado, sem precedentes, impulsionado pela poupança externa que per-
mitiu a realização de grandes projetos infra-estruturais. Como compa-
ração, o PIB da China neste ano foi de pouco mais que 160 bilhões de
dólares norte-americano e as suas exportações mal superavam a marca
dos 6 bilhões de dólares. O PIB Brasileiro na época já tinha atingido
334 bilhões de dólares norte-americanos, a preços de 1997, e as expor-
tações do Brasil, de quase 12 bilhões de dólares norte americanos, em
muito superavam aquelas da China.
Passaram-se pouco mais de vinte anos e os dados confirmam
que o caminho trilhado pelo Brasil certamente não foi o mais condi-
zente para a criação de prosperidade. Atualmente a China exporta
249 bilhões de dólares norte-americanos enquanto que as exportações
Brasileiras atingem a marca de 55 bilhões de dólares. Com os seus
ganhos de exportação, e somado o volume impressionante de investi-
mentos diretos que ora atingem 680 bilhões de dólares norte-america-
nos, que ela conseguiu atrair em função da sua evolução econômica, a
China conseguiu acumular a maior posição individual de reservas em

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divisas do mundo. Essa cifra de reservas já supera 280 bilhões de dó-
lares (incluindo Hong Kong). Em 1998 a China acumulou um superá-
vit na sua balança externa de 44 bilhões de dólares, enquanto nós con-
seguimos acumular um déficit de 6,3 bilhões de dólares na nossa conta
externa. O atual PIB da China (com Hong Kong) supera 1,2 trilhão de
dólares norte-americanos enquanto o nosso PIB é inferior a 600 bi-
lhões de dólares após a desvalorização do Real em 1999. O PIB chi-
nês, calculado pela Paridade de Poder Aquisitiva, já supera 5 trilhões
de dólares norte-americanos. Baseado nesta forma de cálculo, estudos
do Fundo Monetário Internacional projetam para a China, um PIB maior
do que a dos Estados Unidos da América do Norte, após 2006.
É importante notar que estas reservas chinesas são verdadeiras
e saudáveis, frutos de trabalho, exportação e de investimentos diretos.
Elas não são compostas de hot money e nem de capital especulativo
alugados com taxas de juros extorsivas, que podem evaporar a qual-
quer momento conforme as flutuações das taxas de juros ou a confian-
ça instável dos financistas internacionais.
O que aconteceu nessas duas décadas para que as posições
dos dois países se alterassem tão drasticamente? Se analisarmos com
cuidado os planos econômicos implementados na China e disso fi-
zermos uma comparação analítica com aquelas que foram adotadas
no Brasil, se torna evidente a razão porque perdemos duas décadas
da nossa evolução econômica, e estamos, neste novo milênio, arris-
cando entrar na terceira década perdida em termos de desenvolvi-
mento econômico.
É sabido há milhares de anos, desde os tempos dos fenícios, da
rota da seda, que a fonte de criação das riquezas das nações é o comér-
cio exterior. Essa foi a fórmula adotada por todos os “Tigres Asiáti-
cos” que atingiram as suas metas de criar a prosperidade para a sua
nação e o bem estar econômico do seu povo. Aliás, o comércio exteri-
or foi a motivação básica para o descobrimento das Américas, tanto
do norte quanto do sul. Foi para achar novas rotas de comércio com a
Ásia que partiram essas esquadras de Portugal e da Espanha. Se não
fosse pela vontade de aumentar o comércio exterior talvez não tives-
sem existido o Brasil ou os Estados Unidos da América. Todavia, se

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analisarmos todos os planos econômicos das duas ultimas décadas que
foram implementados no Brasil, nenhum deles, sem exceção, reconhe-
ceu o óbvio: que, para a formação da riqueza de uma nação, ou até de
uma empresa ou de uma família, é necessário ter fontes de receita.
Todos os nossos planos econômicos, que, em muito, desafia-
vam as leis mais básicas das teorias econômicas, foram baseados qua-
se unicamente em decretar a estabilidade da economia através de uma
canetada mágica. A utilização dos instrumentos fiscais e monetários,
tão bem ensinados pela Escola de Chicago, realmente sempre conse-
guiu segurar a estabilidade aparente, por curtos períodos de duração,
após esses decretos. As reformas e reestruturações da economia ne-
cessárias para manter uma estabilidade com prosperidade jamais fo-
ram realizadas. O Custo Brasil, que sempre impediu a nossa
competitividade para ganhar divisas nos mercados internacionais, per-
manece intacto após todos esses anos.
As dificuldades que este governo teve em tentar aprovar o mí-
nimo de reformas necessárias para o embasamento do plano de estabi-
lização econômica são bastante conhecidas. A nossa esperança é que
este governo está começando a perceber a importância da teoria
mercantilista ao invés de somente aperfeiçoar a nossa compreensão da
teoria monetarista. Algumas medidas já tomadas deverão ajudar as
nossas exportações, mas ainda são bem aquém daquelas necessárias
para poder dobrar as exportações como é a meta desse nosso governo.
Necessitamos urgentemente mudar essa nossa mentalidade passiva da
época colonial onde éramos proibidos de exercer o comércio exterior.
“O Brasil não se vende, ele é comprado”, disse uma vez o nosso Mi-
nistro Pratini de Moraes.
Nesse quadro de impossibilidade de criar a riqueza para a nossa
Nação, nós dominamos tão bem a teoria monetarista do Professor Mil-
ton Friedman que nos tornamos experts na administração monetária da
pobreza, que sempre criamos, através do uso de instrumentos monetári-
os e fiscais. E realmente não é fácil manter a estabilidade econômica do
país com esses problemas de pobreza que enfrentamos.
A nossa falha em criar riquezas para a nação brasileira não cor-
re por falta de vontade, de cultura, de disciplina ou do apoio do nosso

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povo. Ela é resultante da nossa falha em entender a ciência do desen-
volvimento econômico e da falta de vontade política em reestruturar
o nosso país para o caminho da prosperidade. Somos todos testemu-
nhas de que os nossos sucessivos governos sempre conseguiram fazer
com que o povo brasileiro acreditasse e desse apoio para os diversos
planos econômicos que eram apresentados à nação como planos que
iriam trazer a prosperidade econômica definitiva ao país. O povo bra-
sileiro necessita acreditar em algo, e a sua vontade de conseguir um
nível melhor de prosperidade permitiu que esses governos sempre con-
seguissem galvanizar o povo brasileiro a aceitar sacrifícios, em níveis
sem precedência, com disciplina e patriotismo, na fé e esperança de
dias melhores.
Ainda faz parte da nossa história recente quando a população
do país, galvanizada pela liderança do Brasil, inventou, com amor a
pátria e entusiasmo, ser fiscal do Plano Cruzado contra os vilões que
poderiam sabotar esse plano. Na China de hoje, mesmo tendo um go-
verno forte, onde a busca individual da riqueza é a nova ideologia e é
a prioridade de cada chinês, dificilmente poder-se-ia imaginar a aceita-
ção, com tanta docilidade e patriotismo, do congelamento e confisco,
em parte, da poupança de cada cidadão do país, como ocorreu no iní-
cio do Plano Collor.
Embora em nosso país tinha sido discutida a implantação de
Zonas de Processamento de Exportações há mais de um quarto de
século, a China, em 1980, implantou as Zonas Econômicas Especiais
de Shenzhen, Shantou e Zhuhai na Província de Guangdong, perto de
Hong Kong, e um ano após surgiram a de Xiamen, na Província de
Fujian e a da Ilha de Hainan, perto de Taiwan. A localização geográfi-
ca destas ZEEs não foi acidental. A proximidade de Hong Kong atraiu
investimentos maiores dos chineses desta Região Administrativa Es-
pecial da China, antiga colônia britânica. Além de capital, o know-how
tecnológico, de administração e de design, foram fundamentais para
criar os parques industriais modernos e a manufatura de produtos de
qualidade. Em Xiamen e Hainan, o dinamismo dos empresários de
Taiwan, como esperado, acelerou a industrialização e exportações. So-
mente as exportações da ZEE de Shenzhen equivalem a 50 % de to-
das as exportações do nosso país. A única zona econômica especial

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que nós possuímos não foi criada com vistas à exportação e ao ganho
de divisas. Ela existe para facilitar o gasto de divisas para a importa-
ção.
Tamanha é a importância dada ao comércio exterior pelos chi-
neses que o país criou um Ministério de Comércio Exterior. Cada Es-
tado tem o seu secretário de comércio exterior, e cada município tam-
bém tem um secretário municipal de comércio exterior. Além daquele
Ministério, existe também o importante Conselho Chinês para a Pro-
moção do Comércio Internacional (CCPIT), sediado em Beijing e com
milhares de subseções em todas as cidades chinesas. A responsabilida-
de principal desses órgãos é de fomentar, incentivar e educar as indús-
trias para exportarem e para facilitar o comércio exterior por parte das
empresas chinesas.

China - um mercado gigantesco para o Brasil

A China é um gigantesco mercado com 1.3 bilhão de consumi-


dores, cada vez com mais renda disponível para o consumo em função
das riquezas criadas pelo seu desenvolvimento acelerado. Ela apre-
senta múltiplas oportunidades comerciais, de parcerias e de investi-
mentos para o Brasil. A China é um mercado que o mundo inteiro
cobiça, e o empresário que não prestar atenção a ela perde numerosas
oportunidades importantes. Porém, com a exceção de poucas empre-
sas brasileiras, como a Cia. Vale do Rio Doce, EMBRAER, EMBRACO,
Mendes Júnior, e a Noronha Advogados, que instalaram seus escritóri-
os na China, entre poucas outras, as nossas empresas brasileiras ainda
não despertaram para as oportunidades de negócios com a China.
É lamentável essa ausência da indústria brasileira na China uma
vez que o nosso espaço foi preenchido em grande parte por empresas
de outros países. A velha geração de chineses associa, automatica-
mente, o Brasil a Pelé, futebol e café. Mas em função da nossa omis-
são e ausência, a nova geração de chineses associa café à Colômbia e a
rede americana de coffee shops chamada Starbucks que está presente em
toda China. O chinês consome, em volumes de crescimento geométri-
co, o café suíço Nescafé, de um país que não produz café. Da mesma

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maneira, ele toma suco de laranja de marcas européias de países que
não produzem laranja. O valor agregado flui para esses países que com-
pram esses produtos no Brasil. E é em função da nossa ausência e do
resultante desconhecimento do mercado chinês que uma parcela im-
portante do comércio entre os dois países são intermediados por em-
presas estrangeiras. As oportunidades são vastas. A China consome
cada vez mais vinho, chocolate, frutas concentradas, leofilizadas ou
cristalizadas e, cada vez mais, aviões da EMBRAER. E se não pode-
mos exportar têxteis para a China em função dos nossos custos com-
parativos, podemos sim exportar moda. Móveis finos e calçados finos
são exportados para a China por muitos países, exceto pelo Brasil, que
tanto exporta a sua madeira, e o seu couro para aquele país. Imagine-
mos a quantidade de novas indústrias que a Lacta ou a Garoto teriam
que construir se cada chinês consumisse um único bombom.
É por estas razões que a iniciativa da Câmara de Comércio e
Indústria Brasil – China de realizar, em setembro deste ano, a primeira
feira comercial de produtos Brasileiros, após 17 anos de ausência des-
te importante tipo de promoção comercial na China, é tão prioritária.
Xangai é o centro comercial, industrial e financeiro da China. Ela é a
“São Paulo” da China. Somente essa cidade chinesa importou neste
último ano 80 bilhões de dólares norte-americanos. É importante tam-
bém esta feira estar sendo realizada em um momento estratégico e
oportuno, ou seja, na véspera da entrada da China na Organização
Mundial do Comércio. A entrada da China na OMC certamente abrirá
ainda mais este gigantesco mercado para o mundo, e também para o
Brasil, se soubermos como aproveitar desta oportunidade. Um dos
principais objetivos desta feira é também o de atrair investimentos
chineses para o Brasil em parceria com as empresas brasileiras.
A Câmara Brasil – China, tendo 5 escritórios espalhados pela
China pode ajudar as empresas brasileiras, expositoras da feira, a
agendar reuniões e visitas com as contrapartes de seu interesse. Talvez
o mais importante é que os escritórios da Câmara podem ajudar ao
expositor brasileiro a dar continuidade a seus negócios após o encerra-
mento desta feira.
Como exemplo dos serviços que a Câmara pode prestar, a úni-
ca fabrica de vacinas de insulina da América do Sul, localizada em

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Minas Gerais, certa vez, pediu que a Câmara de Comércio e Indústria
Brasil – China descobrisse o comprador da China que estava compran-
do as suas vacinas de uma empresa de Hong Kong, que por sua vez a
comprava de uma trading Suíça. A indústria de vacinas somente tinha
contato com a empresa Suíça. Pouco tempo depois os dirigentes da
empresa chinesa fizeram uma visita a essa indústria nacional em Mi-
nas Gerais.
Mas mesmo que os nossos sucessivos governos não tenham
conseguido, ou não tenham tido a vontade política, de reduzir o Custo
Brasil, a criatividade do empresário brasileiro conseguiu criar soluções.
Não faz muito tempo que todos no Brasil importavam camisetas de
algodão da China, principalmente em épocas de eleição, por menos do
que a metade do preço daquelas produzidas no Brasil. Atualmente, há
as cooperativas de produção no Nordeste brasileiro, onde esta forma
de trabalha evita os custos de INSS e aqueles decorrentes da nossa lei
trabalhista arcaica, que não protege empregos e sim direitos e que muitas
das vezes cria desemprego. O resultado desse modelo de produção é
que a camiseta de algodão assim produzida no Brasil tem preço inferi-
or daquela da China.
Existe um grande interesse dos chineses de marcar uma maior
presença no Brasil. A China ocupou tão bem o seu espaço no mercado
norte-americano que quase tudo que se compra hoje nos Estados Uni-
dos é Made in China. Na Europa essa situação se repete com quase a
mesma intensidade. A América do Sul, todavia, representa ainda terri-
tório a ser melhor explorado pelas empresas chinesas. As empresas
chinesas entendem que o Brasil é o maior mercado deste continente, e
que, com uma base no Brasil, a entrada nos mercados do Mercosul e
da América do Sul pode ser facilitada.

China - um fluxo de capitais para investimentos no Brasil

A China também possui 280 bilhões de reservas em divisas.


Em função disto e do estágio de desenvolvimento que atingiu, o go-
verno chinês hoje incentiva as empresas chinesas com maior experi-
ência internacional a investir no mercado externo para criar as

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multinacionais chinesas. Isto representa uma ótima oportunidade para
o nosso país, carente de investimentos diretos de risco em divisas. Mas
para isto necessitamos ter um programa coordenado para buscar essas
divisas.
Todas as cidades e províncias (estados) da China possuem e
distribuem catálogos em inglês, de projetos detalhados, com estudo de
mercado e quantias de investimentos, para os quais buscam parceiros.
As nossas cidades e estados falam da necessidade de atrair investi-
mentos, mas dificilmente podemos encontrar qualquer informação
sobre a natureza dos projetos, incentivos ou facilidades oferecidos, e
parceiros interessados – e muito menos em inglês. Nas tentativas da
Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China em estabelecer acordos
entre províncias chinesas com estados brasileiros e entre as cidades
dos dois países, uma das principais dificuldades tem sido a obtenção
de meros folhetos descritivos de apresentação dos estados e cidades
brasileiras em inglês.
O mundo inteiro busca investimentos, e se desejarmos ter su-
cesso em competir para obter esses investimentos em divisas, temos
que trabalhar de forma séria e profissional. A China consegue atrair a
soma impressionante de 680 bilhões de investimentos diretos estran-
geiros por que ela trabalha para isto de uma forma prioritária e profis-
sionalmente organizada. Eu mesmo fui convidado para diversos semi-
nários na China onde são convidados empresários do mundo inteiro,
com todos os custos internos na China pagos, onde altas autoridades,
Ministros e até o Primeiro Ministro, vendem os projetos prioritários
dos governos locais e do governo central para atrair investimentos es-
trangeiros.
A recente iniciativa do Secretário Geral da Receita Federal em
permitir a instalação de fábricas de montagem dentro dos portos secos
e outras áreas alfandegárias certamente ajudará a trazer um maior vo-
lume de investimentos para o Brasil. Atualmente, a Câmara de Comér-
cio e Indústria Brasil – China está aconselhando sete grupos chineses
que estão a procura de parceiros brasileiros para investirem na instala-
ção de novas indústrias no Brasil.

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Uma estratégia para a conquista do mercado internacional
via China

A China é hoje, e cada vez mais, uma fábrica para o mundo. O


custo baixo de produção chinesa aliado a sua força de trabalho disci-
plinada tem levado empresas do mundo inteiro a fabricar os seus pro-
dutos na China para manter sua competitividade de custos neste mun-
do globalizado. Empresas dos países mais avançados do mundo tem
transferido seus desenhos, sua tecnologia e também têm treinado os
chineses a fabricarem produtos que possam atender os altos padrões
exigidos pelos mercados desses países do primeiro mundo. Esses es-
forços têm consistentemente melhorado a qualidade de produtos chi-
neses e assim também aumentado a demanda mundial por produtos
Made in China. Esta forma de trabalho tem se tornado tão comum que
muitas das empresas desses países desenvolvidos não mais possuem
unidades fabris, e se as tiverem, estão localizadas na China. Estas em-
presas se concentram em tecnologia, design, controle de qualidade,
marketing, distribuição e promoção das suas marcas. A fabricação é
terceirizada aos chineses.
De fato, as grandes empresas multinacionais atualmente fabri-
cam seus produtos, ou componentes de seus produtos, em diversos
países, através de suas subsidiárias, ou terceirizados, conforme o seu
interesse estratégico ou respectivos custos de fabricação. É comum
hoje comprar automóveis e outros produtos que contenham peças e
componentes provenientes de diversos países. Se não conseguimos ter
a visão e a vontade política de transformar nosso país numa grande
nação exportadora, o que seria o ideal, poderíamos, como as nações
avançadas, utilizar custos de produção competitivos, como os da Chi-
na, para termos preço no mercados mundiais.
No Brasil, nós temos a experiência da EMBRACO. Empresa
localizada em Joinville, Santa Catarina, ela estabeleceu uma joint venture
na China, a Snow Flakes, unidade fabril que fabrica 1,7 milhão de com-
pressores de refrigeração por ano e tem planos para dobrar a produção
desta fábrica localizada em Beijing. Até uma empresa média de válvu-
las de tecnologia avançada em São Paulo procurou a Câmara de Co-
mércio e Indústria Brasil – China para procurar um parceiro chinês

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para instalar uma fábrica na China para poder exportar para o mercado
internacional. O Brasil necessita de capital em divisas e parcerias com
a China podem perfeitamente alavancar o capital necessário para a
produção e o custo competitivo da fabricação na China para a con-
quista de novos mercados.

A criação de um “Tigre Brasileiro”?

É inquestionável que a visão mercantilista foi fundamental para


o sucesso do desenvolvimento econômico da Ásia, e em particular, o
da China. Inquestionável também é o fato de que o ganho de divisas
através de exportação é um fator histórico da riqueza das nações. Esse
caminho mercantilista foi trilhado por quase todos os países que con-
seguiram atingir um nível de prosperidade econômica ao longo da his-
tória da civilização humana. O Brasil tem todas as condições naturais,
muito melhores do que a China ou o Japão, para ser uma grande nação
exportadora. E é só querer e ter a vontade política! Essa grande nação
foi dotada de extensão territorial, de terras férteis, de recursos naturais
e minerais em abundância, um povo cheio de esperanças por um tra-
balho digno e com disposição de apoiar um plano econômico e de se
sacrificar por dias melhores. O Brasil também tem a sorte de ser um
país livre de catástrofes naturais. Mais de dois terços do território
chinês é inaproveitável devido a extensão de seus desertos e áreas
montanhosas. E, ao contrário da China, temos a vantagem de ter uma
população grande, mas não tão numerosa, que somente o sustento do
povo iria consumir recursos em proporções gigantescas.

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FLUXOS E REFLUXOS DE CAPITAL, BENS E TRABALHO
ENTRE A ÁSIA E A AMÉRICA LATINA

Masato Ninomiya*

1.Introdução

Caminhando pelo bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo,


podemos verificar a pujança da comunidade oriental, representada prin-
cipalmente pelas etnias japonesa, chinesa e coreana. A área era origi-
nalmente ocupada pelos japoneses e seus descendentes que ali se ins-
talaram desde o início do século, quando os primeiros imigrantes que
foram para a lavoura cafeeira no interior paulista,1 começaram a che-
gar na cidade de São Paulo.2
Os primeiros imigrantes chineses chegaram há cerca de 200 anos3
no Brasil, mas somente a partir da Revolução Comunista de 1949, tor-
nou-se significativa. A imigração coreana é mais recente, data de 19634 .
* Professor do Departamento de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP).
1
Sobre a imigração japonesa verifique SUZUKI (1964), (1969); VIEIRA (1973); NOGUEI-
RA (1973),(1984); HANDA (1987); SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA JAPONE-
SA (1992); SAKURAI (1995); FREITAS (1999).
2
Sobre os emigrantes japoneses que vieram diretamente para a cidade de São Paulo, ou que
chegaram antes de 1950, depois de terem vivido no interior. Consulte HANDA (1987);
DEMARTINI (1997).
3
Segundo o professor de Língua de Literatura Chinesa da Universidade de São Paulo, Alexander
Chung Yuan Yang, a imigração chinesa para o Brasil data de 1812, quando a plantação de chá foi
introduzida por Luís de Abreu, que trouxe as sementes da Ilha de França, hoje Ilha Maurício,
onde foi prisioneiro dos franceses; oferecendo-as para D. João VI. Para encontrar uma solução
para a mão-de-obra e para a técnica de plantação, e oferecer uma melhor assistência à nova
cultura com vistas a um rápido desenvolvimento da exportação, o conde de Linhares sugeriu a
D.João VI a vinda de chineses, um povo experiente no cultivo e na preparação do chá, para
iniciar a cultura desse produto no Brasil.
Sobre a imigração chinesa, verifique YANG (1989), (1992); LEMOS (1881); LIMA (1886).
4
A primeira leva oficial de emigrantes coreanos embarcou para o Brasil em 18 de dezembro de
1962. No dia 12 de fevereiro de 1963, depois de 54 dias de viagem e aulas sobre o Brasil a bordo,
o navio Tjitjalenka atracou no porto de Santos com 103 coreanos, cerca de 17 famílias: foi o
início do processo migratório coreano que continua até hoje, clandestino ou não. Vide GALETTI
(1995), p. 134.

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Esses imigrantes e seus descendentes constituem atualmente comuni-
dades pujantes, voltadas principalmente para o comércio varejista5 e
pequenas indústrias.
Quanto às empresas japonesas, com capital e tecnologia, pode-
mos dizer que não chegou a haver um grande fluxo no período anterior
à guerra6 e que o mesmo só se iniciou a partir do final da década de
50,7 com investimentos como a Ishikawajima e Usiminas. Verificou-
se, na década de 70, um outro “boom” de investimentos japoneses,
representados principalmente pelos grandes projetos nacionais8 inter
alia o Projeto de Desenvolvimento do Cerrado, Albras-Alunorte, Com-
panhia Siderúrgica de Tubarão.
Depois veio a década perdida, a dos anos 80, ocasionada pela
crise da dívida externa brasileira e o Brasil perdeu a oportunidade de
receber os investimentos japoneses, que se dirigiram para a Ásia,9 os
5
Os contratos de emigração coreana determinavam que as famílias somente se dedicassem à
lavoura. Contudo, três anos depois da chegada das levas oficiais, praticamente todos os projetos
de instalação de fazendas coreanas tinham fracassado por diferentes razões e apenas 10% do
total de quase mil imigrantes continuavam trabalhando no campo. Os 90% restantes abandona-
ram as fazendas e vieram para a cidade de São Paulo, onde começaram a se dedicar ao comércio
e à confecção de roupas. Vide GALETTI (1995), p. 135-136
Sobre a imigração coreana no Brasil, verifique também CHOI (1991); SAM (1993).
6
“Antes de la Segunda Guerra Mundial, la inversión extranjera japonesa se concentraba princi-
palmente en Asia; Brasil no tenía ninguna importancia económica o estratégica para Japón. Sin
embargo, había algunas inversiones pequeñas relacionadas con la comunidad japonesa. La
primera inversión japonesa a largo plazo en Brasil fue la Sociedad Bratac para la Colonización
de Brasil (Bratac Sociedade Colonizadora do Brasil), establecida en 1929 por 12 provincias
japonesas y el capital privado de los inversionistas japoneses; ocho años más tarde se transformó
en una institución financiera que suministraría fondos para la expansión de las actividades de la
comunidad japonesa-brasileña. En los años treinta surgierón también las primeras inversiones
brasileñas realizadas por los bancos y las compañías comercializadoras de Japón, así como la
primera empresa manufacturera, la planta de sake Tozan.” Vide TORRES (1994), p. 135
7
HORISAKA (2000), p. 71-72, identifica quatro etapas nas relações econômicas Japão –
América Latina no período pós II GM: “(I) la etapa “Inicial”, hasta la primera mitad de la
década del 60; (II) la etapa “Actividad”, desde la segunda mitad de la década del 60 hasta la crisis
de la deuda externa de principios de los 80; (III) la etapa “Estancamiento”, después de la crisis
de la deuda; y (IV) la etapa “Replanteamientos”, a partir de la década del 90.”
8
Sobre o assunto verifique HORISAKA (1994), (2000); TORRES (1994); HOSONO &
RIVANO (1994); YOKOTA (1997)
9
“De acuerdo a un informe del Ministerio de Finanzas japonés, las inversiones japonesas en
Latinoamérica durante 1996 fueron de 4.446 millones de dólares, cifra equivalente al 9,3% del
total invertido en el exterior. La inversión en Asia durante el mismo período alcanzó los 11.614
millones de dólares, o el 24,2% del total.” Vide HORISAKA (2000), p. 71

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Estados Unidos e a Europa. A partir do meado da década de 90,10
sentimos aos poucos a volta, ainda que de forma parcimoniosa de seus
investimentos e financiamentos.11
Não podemos deixar de mencionar os esforços dos empresári-
os brasileiros para introduzir seus produtos no mercado japonês, e.g.
quatro indústrias de suco de laranja, que em conjunto detêm 60% do
comércio mundial desse produto, investiram no Japão 40 milhões de
dólares na construção de uma enorme instalação de depósito de suco
com capacidade de 18.000 toneladas. Seu objetivo é a comercialização
direta na sociedade japonesa, sobretudo depois de 1992, quando o
governo abriu por completo o mercado japonês de suco de laranja.

2. O fluxo de imigrantes japoneses para o Brasil

Como já mencionamos anteriormente, a imigração japonesa para


o Brasil se iniciou em 1908 como mão-de-obra para as fazendas de
café no interior do estado de São Paulo. A sua presença maciça se

10
Sobre a relação comercial Brasil-Japão, verifique UEHARA (1995).
11
Dentre os projetos que foram objeto de acordo de financiamento entre o Brasil e entidades
japonesas assinados em 1996 estão: 1) com JEXIM (Japan Export-Import Bank), para o trem
urbano de Fortaleza, a rodovia São Paulo-Curitiba-Florianópolis, o gerenciamento, moderniza-
ção e ampliação da malha rodoviária do Estado de Tocantins e o financiamento para o BNDES;
e 2) com a OCDE, para a despoluição da Baía de Todos os Santos e a construção de usinas
eólicas no Estado do Ceará. Estão pendentes de assinatura, embora já negociados, os projetos
de saneamento básico para os Estados de Santa Catarina e Paraná. Nova lista de projetos foi
avaliada em 1997: Pró-água (US$148 milhões); Programa Nacional de Agricultura Familiar
(US$360 milhões); Projeto Caatinga (US$82,7 milhões); recuperação da Baixada de Jacarepaguá
(US$186,8 milhões); recuperação da Bacia da Pampulha (US$65,6 milhões); e PRODECER-
III Expansão (US$510 milhões). Encerraram-se, em julho, as negociações sobre os seguintes
projetos com o JEXIM: transporte multimodal do Corredor Centro-Norte (COFIEX); Progra-
ma de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FINEP); Eletrificação Rural para o Estado
do Tocantins; Rodovia Fernão Dias; e Interligação dos Sistemas Elétricos entre Norte e Sul. A
OECF manifestou a possibilidade de financiar projetos incluídos no Master Plan de redução das
emissões de CO2, aprovado na Conferência de Kyoto, o que abre opções de financiamento ao
Brasil para projetos de transporte de massa em regiões de grande concentração populacional,
entre outras possibilidades. O COFIEX atribuiu prioridade ao projeto PRODECER-III Ex-
pansão. Continua em estudo a questão do endividamento dos agricultores envolvidos no
PRODECER-II e III piloto, de cujo equacionamento depende o volume de investimentos em
agribusiness (PRODECER-III – Expansão e Fruticultura Irrigada). Consulte http://
www2.mre.gov.br/dao/japão.html.

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verifica nos estados de São Paulo e Paraná,12 onde está concentrado
cerca de 90% do seu contingente. Nos demais estados da federação,
os números são mais modestos, principalmente nas regiões Norte e
Nordeste do país.
Vieram cerca de 190.000 japoneses antes da Segunda Grande
Guerra e 55.000 no período pós-guerra. Fala-se hoje, numa comuni-
dade constituída de cerca de 1,4 milhão de pessoas, de primeira a quinta
gerações. Podemos afirmar que a integração13 dos japoneses e seus
descendentes na sociedade brasileira se deu de forma perfeita, apesar
de ter havido, no início, críticas quanto a formação de quistos ou au-
sência de casamentos inter-étnicos.14 Principalmente no que concerne
a este último, de acordo com estudo divulgado em 1988, pelo Centro
de Estudos Nipo-brasileiros de São Paulo, 42% de descendentes de
terceira geração (os sansei) e 62% de quarta geração (os yonsei) são ca-
sados com pessoas que não possuem a ascendência japonesa.
A tônica que caracteriza a comunidade nipo-brasileira é o alto
grau de escolaridade de seus membros em comparação ao restante da
população, apesar de serem numericamente modestos (cerca de 0,8%
da população brasileira de 170 milhões). Apenas para citar o caso da
Universidade de São Paulo que é a maior instituição de ensino superi-
or do país, cerca de 15% do seu corpo discente e 8% do seu corpo
docente possui ascendência japonesa.15
Podemos dizer que o interesse pela educação dos filhos é um
denominador comum para os imigrantes provenientes da Ásia, já que
verificamos a ocorrência de fenômeno semelhante entre os descen-
dentes de chineses e coreanos. No vestibular Fuvest 2001, a taxa de
aprovação na primeira chamada, de quem definiu sua cor como ama-
rela nos questionários sócio-econômicos foi de 11%. A taxa da etnia
que se definiu como branca é de 6,6%, indígena 5,3%, parda 4% e

12
Verifique SAITO (1961); KOJIMA (1991).
13
Verifique LOBO (1932); SCHADEN (1956); CARDOSO (1959); SAITO & MAEYAMA
(1973).
14
Verifique interessante estudo genético e antropológico de imigrantes japoneses e seus descen-
dentes não-miscigenados em BEILGUELMAN (1962)
15
Vide SHIMA (1995).

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negra 2,6%. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostragem de Domicílio), a população que define sua cor como
amarela representa apenas 1,8% do total.16
Talvez seja possível buscar a explicação disto na tradição
confucionista de valorizar a educação, os mestres e os idosos; mas não
podemos nos olvidar do sistema de ensino brasileiro que facilita o aces-
so às escolas de pessoas interessadas. Podemos afirmar, outrossim,
que o ensino público e gratuito, do 1o.ao 3o.grau, sistema pouco adota-
do até mesmo entre os países desenvolvidos, facilitou o acesso dos
imigrantes e seus descendentes a alta escolaridade dando-lhes oportu-
nidade para a ascensão social.17

3. Os antecedentes do fenômeno dekassegui

O Japão sempre adotou a política de emigração, uma vez que o


seu território é pequeno (cerca de 1/23 da extensão territorial brasilei-
ra) sendo aráveis apenas seus 20%, e com densidade demográfica ele-
vada (população de cerca de 130 milhões). Ademais, as crises econô-
micas e as de produção agrícola também contribuíram para a adoção
desta política que persistiu mesmo depois da Segunda Guerra Mundi-
al, que agravou a situação com o retorno de 7 milhões de pessoas que
habitavam as colônias e os territórios ocupados pelo Japão.
O pico do fluxo emigratório no período pós-guerra ocorreu nos
anos compreendidos entre 1958 a 1962.18 A partir dali, com os diver-
sos booms econômicos que sucederam a realização das Olimpíadas de

16
Jornal Folha de São Paulo, 15 de abril de 2001, p. C7.
17
Vide CARDOSO (1998).
18
“Diante da vitória dos comunistas na China e do rastilho de movimentos de guerrilhas nas
colônias européias do Sudeste Asiático, os Estados Unidos abandonaram na passagem dos anos
40 para os 50 a política de dissolução das velhas estruturas econômicas do Japão, posta em
prática nos primeiros anos da ocupação militar, e lançaram-se à criação de uma esfera de
comércio Japão-Sudeste-Asiático. Considerável influência política e expressivos volumes de
ajuda econômica e militar foram empregados pelos Estados Unidos para fazer do Japão a
“oficina natural do Oriente”, entrosada com os países do Sudeste Asiático, aos quais foi atribu-
ída a função de fornecedores de matérias-primas industriais e alimentares para o Japão e de
absorvedores das manufaturas de baixa e média tecnologia que a indústria japonesa pudesse
produzir.” Vide OLIVEIRA (1995), p. 142.

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Tóquio em 1964, e que duraram até o início da década de 90, a econo-
mia japonesa não parou de crescer. Podemos incluir, também, as duas
importantes guerras que ocorreram na região, a da Coréia (1950-1953) e
a do Vietnã (1965-1975) como um dos fatores de seu progresso econô-
mico, pois o Japão tirou proveito da situação geopolítica para se trans-
formar numa importante base de apoio para as forças armadas america-
nas que combateram naqueles países.
A partir de meados da década de 80, verificou-se a ocorrência
no Japão, de um fenômeno ímpar: a falta de mão-de-obra não qualifi-
cada. Isto porque com a melhoria das condições econômicas e sociais,
os japoneses, principalmente os jovens, não quiseram mais assumir
certos tipos de trabalhos, conhecidos vulgarmente como 3 K, letra
inicial das palavras em japonês que significam sujo (kitanai), árduo
(kitsui) e perigoso (kiken). E isto culminou com a escassez de mão-de-
obra neste segmento.
Consta que a ausência destes trabalhadores não-qualificados
chegou a causar falências de empresas que não conseguiam honrar os
contratos de entrega de produtos por falta de mão-de-obra. O fato
desencadeou a sua procura por parte dos empregadores japoneses.
Deveriam levar em conta, contudo, que a legislação japonesa sobre
imigração proibia a entrada de trabalhadores não-qualificados. Lem-
brou-se, então, dos japoneses que haviam emigrado para o exterior,
em especial aos países da América do Sul, como Argentina, Brasil,
Bolívia, Paraguai e Peru.19 Com a valorização da moeda japonesa, o
iene, o salário japonês, outrora pouco atraente, tornou-se cobiçado
pelos nikkei residentes nos países acima mencionados, na medida em
que as sucessivas crises econômicas haviam derrubado o poder aquisi-
tivo de seus salários. Assim, atraídos por salários que variavam de US$
2.000 a US$ 2.500 mensais, que somadas as horas extras podiam atin-
gir US$ 3.000 a US$ 4.000, dependendo, outrossim, do tipo de traba-
lho, os ex-imigrantes começaram a voltar para o Japão, em número

19
Sobre a imigração japonesa nas Américas, consulte Projeto Internacional de Pesquisas sobre
as Comunidades Nikkei (www.inrp.org), coordenado pelo The Japanese American Museum que
em seu primeiro ano contou com a participação de 15 estudiosos de 7 países (Argentina, Brasil,
Canadá, Japão, México, Estados Unidos e Peru) Especificamente sobre a imigração no Peru,
consulte AMINO (2000); MORIMOTO (1979), (1991).

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cada vez mais crescente. A falta de mão-de-obra não podia ser saciada
apenas com as pessoas de nacionalidade japonesa e logo a procura se
estendeu aos duplo-nacionais e também aos que possuíam somente as
nacionalidades dos países de nascimento.
Em 1990, o Ministério de Trabalho do Japão estimou que a
força de trabalho em 1995 seria de 520 mil trabalhadores a menos do
que o necessário, e que a escassez de mão-de-obra alcançaria 9,1
milhões no ano de 2010. Mesmo que aproveitassem ao máximo a
força de trabalho dos idosos e das mulheres, a indústria necessitaria
em 2010, de mais 1,86 milhão de trabalhadores.20 No mesmo ano, o
governo japonês efetuou uma grande reforma na sua legislação21 (Lei
de Controle de Imigração e Reconhecimento de Refugiados), crian-
do um status especial denominado “residente por longo período”. De
acordo com o novo status, permitiu-se a entrada no país de cidadãos
estrangeiros que fossem descendentes de japoneses até a terceira
geração ou refugiados, e a sua permanência por um período de 3
anos, sucessivamente renováveis e, sem quaisquer tipos de restri-
ções, inclusive a de trabalho.
Há explicações de autoridades japonesas de que a falta de mão-
de-obra não tem nenhuma relação com a criação de status especial para
a permanência dos nikkeis até a terceira geração. Afirmam que o visto
é concedido apenas para facilitar a entrada no país de pessoas com
ascendência japonesa e negam a existência de restrições para o traba-
lho a fim de evitar constrangimentos destas pessoas com os seus pa-
rentes e amigos, uma vez que é necessário ter recursos para poder
permanecer no país.22 Entretanto, parece ter prevalecido a vontade
política de não abrir por ora, o mercado de trabalho japonês para a
mão-de-obra não-qualificada de outras etnias. A reforma desta lei per-
mitiu nestes últimos onze anos, a entrada de cerca de 300.000 descen-
dentes de japoneses no país, incluindo-se ali quase 250.000 brasileiros
e o restante, de outras nacionalidades, inter alia, argentinos, bolivia-
nos, paraguaios e peruanos.

20
Vide BABA (1993).
21
Vide SHIMADA (1994).
22
Vide ISHIGAKI (1992), p. 23-24.

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4. O significado do termo dekassegui

A origem etimológica da palavra dekassegui é sair de um lugar


para “trabalhar e “ganhar” num outro lugar. Referia-se aos agricultores
originários das províncias do Norte e Nordeste do arquipélago japonês
que durante os meses de inverno não podiam trabalhar na lavoura,
pois a terra ficava coberta de neve, e saíam em direção a grandes cida-
des em busca de receitas adicionais. Os serviços que encontravam
eram precisamente os trabalhos sujos, árduos e perigosos, evitados
por trabalhadores comuns. Assim, a palavra não deixa de ter uma
conotação de tristeza e pobreza, e por que não dizer, de discriminação,
espelhando a necessidade de deixar os seus familiares na terra natal a
fim de se dedicar ao trabalho pesado numa cidade longínqua. Além do
mais, devemos reconhecer que muitas vezes, a pobreza constitui mo-
tivo de discriminação social.
Há quem diga que atualmente a palavra dekassegui está integra-
da ao vocabulário corrente no Japão, significando simplesmente o ato
de ir trabalhar longe.23 Por outro lado, há quem não goste da palavra,
por não expressar necessariamente um mar de rosas.24 Somos obriga-
dos a reconhecer, que o termo dekassegui deveria ser evitado, até por-
que, no início do movimento, causou mal estar aos próprios interessa-
dos que reclamavam que os seus parentes no Japão os recebiam bem
enquanto turistas mas mudavam de atitude quando descobriam que
ali estavam na qualidade de dekassegui. Gostaríamos de transcrever aqui,
a tradução de alguns “tanka”, poema de 31 letras, escritas pelo próprio
dekassegui ou alguém próximo a ele.
“Nas cartas que escrevo para a minha irmã no Japão, não faço
referências ao meu filho que lá se encontra em dekassegui”, Misako
Fujita.
“Não ria, saudosa mãe, do filho que voltou a Pátria na era Heisei
(nota: era do atual imperador que se inicia em 1989) para trabalhar na
limpeza de esgotos”, Kazuyuki Kitakano.

23
Op.cit.
24
Vide UKAWA (1996), p. 17.

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“Dentro do carro da minha irmã, passo em frente a casa do
meu irmão que se recusou a me receber como dekassegui”, Misako Koike.
Procuramos, assim, evitar o uso deste termo na medida do
possível, principalmente nos aspectos formais. Assim, na entidade
que presidimos em São Paulo, o Centro de Informação e Apoio ao
Trabalhador no Exterior – CIATE, originalmente constituído com a
denominação de Centro de Informação, Orientação e Assistência aos
Dekassegui, que funcionou de abril a setembro de 1992, evitamos con-
tinuar a utilizar o termo. Reconhecemos, por outro lado, que se o
termo ainda possui alguma conotação pejorativa na língua japonesa,
ele se integrou ao vernáculo, a ponto de ser utilizado com freqüência,
tanto pela imprensa, como pelos jornais da comunidade nipo-brasilei-
ra. É curioso observar que até mesmo os próprios brasileiros se auto
denominam dekassegui sem qualquer constrangimento.
Aliás, não podemos nos olvidar de que a maioria dos imigran-
tes em qualquer tempo e espaço, são dekassegui na acepção etimológica
do termo. Os imigrantes japoneses que vieram para o Brasil no perío-
do anterior a Segunda Guerra Mundial eram dekassegui, como compro-
vam os numerosos documentos existentes no acervo do Museu Histó-
rico da Imigração Japonesa no Brasil, como cartas, diários, documen-
tos e até mesmo comprovantes de remessas bancárias de numerários
para os parentes que deixaram no Japão.25

5. O envio de numerários por brasileiros residentes no exterior

Para falarmos das remessas de divisas, precisamos delinear o


perfil dos trabalhadores brasileiros que as enviam. No início do fenô-
meno dekassegui, de 1985 a 1989, os imigrantes eram predominante-
mente do sexo masculino e todos de primeira ou segunda geração de
japoneses (isseis ou nisseis), jovens e idosos, que trabalhavam na cons-
trução civil e nas indústrias manufatureiras com expectativas de ren-
dimento acima de US$60.000 por ano. O conhecimento do idioma
japonês, assim como a existência de laços familiares, eram essenciais
para adquirir a permissão para trabalhar. De 1990 a 1995, a maioria
25
Verifique HANDA (1987)

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dos imigrantes era composta por homens e mulheres solteiros, cujas
idades variavam de 18 a 60 anos, com expectativas de permanecerem
no Japão por 1 ou 2 anos, com rendimentos anuais acima de US$60.000
para os homens e US$36.000 para as mulheres. O boom do fenômeno
dekassegui ocorreu nestes cinco anos, quando a demanda se expandiu
da fabricação e montagem de autopeças para incluir uma vasta gama
de ocupações na área de produção e serviços, que incluem jardineiros,
motoristas de caminhão, pessoal de segurança, cozinheiros, recepcio-
nistas e empregados de hotéis, garçonetes e entregadores de jornais.
Destacamos também a oferta de empregos em indústrias de material
elétrico, alimentícias e embalagem, e em serviços de hotelaria, saúde e
recreação. O conhecimento do idioma deixava de ser requisito obriga-
tório como no período anterior. Com a reforma na Lei de Controle de
Imigração, o grau de ascendência japonesa (até o 3o.) substitui a neces-
sidade de vínculos familiares, como critério para poder trabalhar no
Japão. De 1996 até os dias de hoje, houve um crescimento significati-
vo de casais e famílias com crianças, na faixa etária de 18 a 40 anos, a
maioria nisseis e sanseis acompanhados de seus cônjuges sem ascendên-
cia japonesa com a expectativa de permanecerem no Japão por um
período superior a 3 anos, com rendimento anual de US$42.000 para
os homens e US$36.000 para as mulheres. Característica marcante desta
fase é o crescimento da migração de famílias com crianças em idade
escolar. A decisão de muitas companhias em cortar as horas extras
prejudica a expectativa de ganhos adicionais dos trabalhadores brasi-
leiros, ao mesmo tempo em que aumenta o período de sua permanên-
cia.26
Isto posto, gostaríamos de analisar acerca do fluxo de recursos
enviados pelos trabalhadores nacionais que se encontram no exterior
para os respectivos países de origem, pois o fenômeno não ocorre ape-
nas em relação aos brasileiros residentes no Japão. Devido a longos
anos de crise econômica que assola o país, tornou-se atraente para a
maioria dos brasileiros, tentar a sorte no exterior, a exemplo dos seus
ancestrais que saíram dos respectivos países de origem para buscar o
“Eldorado” no novo mundo. É por isto que verificamos a existência

26
Vide BORNSTEIN (1995), P. 65-67; MORI (no prelo)

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de grandes contingentes de brasileiros na América do Norte, Europa e
Japão, com a agravante de que nos dois primeiros, muitos dos patrícios
se encontram na clandestinidade.
Ainda que o Brasil não dependa do numerário enviado do exte-
rior pelos seus nacionais, existem numerosos países no globo que de-
pendem das remessas de divisas de seus nacionais que trabalham no
exterior, para o fechamento da balança de suas contas correntes.27 Ma-
ria Edileuza Fontenele Reis, cita o autor P.L. Martin que estimou em
1992, que a magnitude das remessas de divisas hoje envolvidas com
as migrações internacionais chegam a cifra da ordem de US$ 67 bi-
lhões. A autora menciona ainda, os casos de Portugal, Turquia e nume-
rosos estados do Caribe, Ásia e África como exemplos de países que
dependem da remessa de seus cidadãos.28
No caso específico do Japão, numerosas notícias são vei-
culadas pela imprensa mas poucos são os estudos aprofundados sobre
a questão. Uma das primeiras análises se deveu a Gilson Schwartz.29
Este, citando a Gazeta Mercantil de 26-28 de outubro de 1991, disse
que na época, falava-se que em algumas estimativas a remessa dos
dekassegui chegavam a US$ l bilhão, mas segundo os dados relativos ao
balanço de pagamentos até o primeiro semestre de 1991, indicavam
um ingresso da ordem de US$ 682 milhões, na rubrica das transferên-
cias unilaterais. Esse valor corresponde ao triplo do que entrou na
mesma rubrica no primeiro semestre de 1990, havendo no Banco Cen-
tral a suspeita de que se trata de remessa ao país de divisas por parte

27
Para ilustrar a situação, tomemos o caso dos imigrantes ilegais de El Salvador nos Estados
Unidos. Desde que dois terremotos devastaram o país no início do ano, os salvadorenhos
receberam direitos especiais de permanência no país. Tanto o governo americano, quanto o
salvadorenho acham que é melhor encorajar a recuperação permitindo que os mais de 1 milhão
de salvadorenhos que estão nos EUA trabalhem e enviem dinheiro para suas famílias do que
gastar recursos públicos provenientes de impostos com assistência governamental. Estima-se
que 11 milhões de imigrantes ilegais estejam espalhados pelos EUA. Para a América Central
como um todo, essas remessas de dinheiro, (quase todas dos EUA) têm crescido 26% ao ano e
totalizavam US$ 8 bilhões em 2000, segundo o Inter-American Dialogue, um instituto de
estudos sediado em Washington. Em todo o mundo, aproximadamente US$ 100 bilhões são
enviados para casa desta maneira a cada ano, muito mais que o total gasto com ajuda. Vide
http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/materia.asp?id=557157.
28
Verifique REIS (no prelo).
29
Verifique SCHWARTZ (1992).

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de nisseis e sanseis. Devemos levar em consideração, neste caso, que a
estimativa se baseia na presença de cerca de 130.000 brasileiros no
Japão.
Hoje, as estimativas mais genéricas situam o montante total
das remessas feitas anualmente pelos dekasseguis na ordem de US$2,5
bilhões, montante que representa a segunda maior fonte de divisas do
país.30 Contudo, essa cifra reflete apenas a ponta do iceberg do total de
remessas. A insegurança com que muitos encaram a economia brasi-
leira, sobretudo aqueles que deixaram o país em época de alta inflação,
afasta-os da burocracia oficial na hora de remeter sua poupança, pre-
ferindo trazê-la no bolso. Podemos apontar que no início do fluxo mi-
gratório para o Japão, o custo das transações em moeda estrangeira e
as taxas de transferência cobradas pelos bancos limitavam o uso de
meios oficiais na remessa de divisas. Contudo, tais taxas diminuíram
significativamente. Hoje, a maior parte desses recursos é movimenta-
da através do Banco do Brasil e Banco do Estado de São Paulo e
Banco Sudameris S.A.
Não podemos deixar de analisar as conseqüências da contínua
depreciação do iene em relação ao dólar norte-americano, sinalizando
um aparente decréscimo das remessas oficiais dos dekassegui. Estimati-
vas apontam que, em 1995, o total das remessas oficiais foi da ordem
de US$2,4 bilhões e, em 1996, US$1,9 bilhão. Entre janeiro e dezem-
bro de 1995, a moeda japonesa foi de 98,55 ienes a 102,88 por cada
dólar. A mesma tendência observou-se durante o ano de 1996, quan-
do em janeiro o iene era cotado a 107,25, e em janeiro de 1997 já
atingia 118,16 ienes. Em maio de 1998 a moeda japonesa chegou a
ultrapassar 140,00 ienes para cada dólar norte-americano. A redução
das remessas decorre não só da depreciação cambial, mas também do
prolongamento da permanência do brasileiro no Japão. Com a amplia-
ção da estada, vem a reunião familiar, maiores gastos, sendo muitos
supérfluos e o espírito de poupança diminui.31

30
De acordo com o Sebrae, caso o ranking da balança comercial brasileiro seja unido ao de
serviços, os dekasseguis só perdem para o complexo soja, que exporta US$4 bilhões anuais. Vide
Revista Dinheiro (27/09/2000).
31
Vide REIS (no prelo); MORI (no prelo) .

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7. Os empreendimentos dos dekasseguis no Brasil

Foi constatado por vários órgãos relacionados aos dekasseguis,


que os negócios por eles iniciados ao retornar para o Brasil não pros-
peram, sendo que a maioria desses empreendimentos tornam-se insol-
ventes ou vão à falência nos três primeiros anos de atividade. Pode-se
dizer que, os fatores responsáveis por tais insucessos são inter alia, o
despreparo, a falta de conhecimento, de informação e de orientação, a
insuficiência no treinamento, a inexistência de capacitação empresari-
al, a inadaptação ao ambiente de negócios.
Em resposta à esta situação, criou-se o Fundo de Investimento
Dekassegui, uma ação que envolve o SEBRAE (Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o BID/FUMIN (Banco
Interamericano de Desenvolvimento/Fundo Multilateral de Investi-
mento), Banco Sudameris e Empresas de Participação. O Fundo
Dekassegui visa a assistir os emigrantes brasileiros a iniciar seus pe-
quenos negócios no Brasil, quando de seu retorno. Outra iniciativa é o
Projeto Dekassegui que envolve o SEBRAE-NA, os SEBRAEs dos
Estados de São Paulo, Paraná, Pará e Mato Grosso do Sul, a ABD
(Associação Brasileira de Dekasseguis) e conta com o apoio de diver-
sas instituições e entidades. Tem como objetivo desenvolver ações
capazes de contribuir para o desenvolvimento de atividades técnicas e
administrativas, visando prover os dekasseguis de informações,
capacitação e orientação empresarial – antes da ida, durante sua esta-
da e no retorno de sua volta do Japão – que serão importantes na
criação de seus novos negócios, especialmente aqueles que são micro
e pequenas empresas.
Em agosto de 2000, foi constituída a primeira empresa de par-
ticipação em São José dos Campos (SP), a Nikkei Vale Participações
S.A., com capital inicial de R$ 320 mil e 190 acionistas, chegando a
200 seis meses depois, pretende ser uma incubadora de pequenas em-
presas de tecnologia As empresas de participação são um modelo de
investimento em negócios que reúne pessoas de uma comunidade. Elas
utilizam seus próprios recursos para gerar novas empresas ou investir
em negócios já existentes.

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8. Conclusão

Procurando efetuar um balanço dos fluxos e refluxos de capi-


tal, bens e trabalho entre o Brasil e o Japão, dentro do contexto maior
que é a Ásia e a América Latina, podemos concluir que o mesmo tem
sido altamente significativo para as partes.
A imigração japonesa para o Brasil ao longo dos últimos 93
anos atendeu às necessidades do Japão em diminuir a sua pressão
demográfica e ao mesmo tempo, constituiu no lado antípodo do globo
terrestre, o maior grupo de japoneses e seus descendentes fora do seu
país, perfeitamente integrados a pátria de adoção, que não deixa de ser
um patrimônio incomensurável para os interesses do Japão.
A recessão e a crise prolongada que castigaram o Brasil, aliada
a necessidade do Japão de recrutar trabalhadores não qualificados, le-
vou os brasileiros de ascendência japonesa de volta ao país de seus
ancestrais, cujo número chega a 250.000 pessoas, quase o mesmo nú-
mero de pessoas que emigraram ao longo de quase um século. A expe-
riência de vida e trabalho no Japão vem sendo positiva para a maioria
das pessoas, apesar de problemas enfrentados no início, pelo desco-
nhecimento da língua e da realidade de um país que lhes era totalmen-
te estranho, apesar de seus vínculos étnicos.
Muitos voltaram satisfeitos com suas experiências e poupanças
acumuladas, satisfazendo alguns dos seus sonhos de adquirirem bens,
continuar os estudos ou abrir seus próprios negócios. Outros acabam
permanecendo no Japão, tendo encontrado oportunidades e perspecti-
vas profissionais que não tiveram no Brasil.
Não podemos nos olvidar daqueles que não tiveram a mesma
sorte dos demais: adultos e crianças que sofreram com diversas for-
mas de discriminação que existe naquela sociedade, até mesmo contra
os próprios japoneses; pessoas que caíram doentes ou foram vítimas
de acidentes de todos os tipos; aqueles que foram autores ou vítimas
de crimes, etc. Devemos prestar a nossa solidariedade para todos os
nossos patrícios que sofrem de alguma forma, apesar da vontade de
vencer.

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De todo modo, podemos destacar a formação de vínculos hu-
manos que estreitam o relacionamento dos dois países, completando o
intercâmbio que outrora tendia mais para a mão única do que no sen-
tido duplo. A presença maciça de brasileiros no Japão contribui de
forma decisiva na propagação da nossa língua, do esporte , da culiná-
ria, da música, e outros valores culturais de um povo para outro povo
que busca a internacionalização num mundo globalizado.
Somente dessa forma é que podemos justificar o estreitamento
do vínculo de dois povos. Não cremos que o fluxo e refluxo de capital
possa justificar todo o sacrifício de uma coletividade, apesar de reco-
nhecermos que a migração internacional vem ocorrendo desde a mais
remota antigüidade, causada, na maioria das vezes por razões de natu-
reza econômica, da busca de uma vida melhor num outro mundo. Se
de um lado são preciosos os bilhões de dólares enviados pelos
dekasseguis, questionaríamos se é suficiente para compensar a perda de
um contingente de recursos humanos que foi recipiente de investi-
mentos no Brasil em matéria de educação. Não temos conhecimento
preciso do montante necessário para a formação de um brasileiro até
completar os cursos de segundo grau ou superior, mas a soma desses
valores certamente equilibrariam a soma enviada em divisas.
Para finalizar, gostaríamos de render as nossas homenagens e
agradecimentos aos governos de ambos os países, às organizações pú-
blicas e privadas, empresas, voluntários e pessoas de boa fé que labu-
tam para prestigiar os nossos patrícios que se encontram no Japão.

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204

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FLUXOS DE CAPITAL, BENS E MÃO-DE-OBRA ENTRE O
BRASIL E A ÁSIA

Masuo Nishibayashi*

Introdução

Desejaria começar minha apresentação discutindo as relações


bilaterais entre o Brasil e o Japão. Este ano, celebramos o 106º aniver-
sário do estabelecimento de relações diplomáticas entre o Brasil e o
Japão, ocorrido em 1895. Muito embora nossas relações tenham sido
temporariamente interrompidas durante uma década, entre 1942 e
1951, em razão da Segunda Guerra Mundial, nunca tivemos qualquer
contencioso ou fricção diplomática significativa. Nossos dois países
sempre mantiveram relações amistosas como “países geograficamente
distantes mas sentimentalmente próximos”, graças, em parte, à comu-
nidade japonesa no Brasil, com quase 1,3 milhão de pessoas, a maior
diáspora japonesa no mundo. Fazendo-se um apanhado mais comple-
to das relações Japão-Brasil nos últimos cem anos, pode-se dizer que
evoluíram durante os primeiros sessenta em torno da imigração e du-
rante os quarenta anos seguintes, em torno do intercâmbio econômico.

1. Fluxo de mão-de-obra do Japão para o Brasil

Não podemos falar desse século de relações Japão-Brasil sem


levar em conta a importância da “imigração”. Um total aproximado de
260 mil japoneses emigraram para o Brasil: cerca de 189 mil antes da
Segunda Guerra Mundial e aproximadamente 71 mil após a Guerra.
Conforme mencionei acima, o Brasil possui atualmente uma comuni-
dade japonesa de cerca de 1,3 milhões de pessoas, sua maior comuni-
dade no exterior.

*
Vice-Diretor Geral do Departamento de América Latina e Caribe do Ministério dos Negó-
cios Estrangeiros do Japão.

205

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A imigração japonesa começou num contexto histórico de apre-
ensão no Brasil quanto ao convite à imigração asiática, recessão econô-
mica no Japão após a Guerra Russo-Japonesa e sentimento anti-japonês
nos EUA. Embora o fluxo de imigrantes japoneses para o Brasil se tenha
temporariamente desacelerado no início dos anos 1930 em razão de fa-
tores como o nacionalismo exacerbado nos dois países e a derrota japo-
nesa ao final da Segunda Guerra, a imigração japonesa teve seu caráter
modificado. Deixou de ser uma imigração em busca de empregos para
tornar-se uma migração de colonos, fator que em muito contribuiu, even-
tualmente, para o rápido desenvolvimento da comunidade japonesa.
Devo dizer que esses imigrantes japoneses prestaram uma gran-
de contribuição para o Brasil. Antes da Segunda Guerra Mundial, de-
dicaram-se à produção de café e de algodão, as duas principais expor-
tações brasileiras da época, contribuindo dessa forma para o estabele-
cimento dos estados de São Paulo e Paraná, entre outros. Além disso,
esses imigrantes foram muito bem-sucedidos na plantação de juta, in-
dispensável para a fabricação, na região amazônica, de sacas para café,
pimenta e outras commodities tropicais. Cabe mencionar ainda que, à
medida em que regiões urbanas como a de São Paulo se desenvolviam,
a comunidade imigrante começava a plantar frutas e legumes para con-
sumo nas grandes cidades, levando ao desenvolvimento de uma agri-
cultura suburbana intensiva firmemente estabelecida. Com seu alto
nível de educação, os nipo-brasileiros começaram igualmente a dedi-
car-se a vocações de status social mais elevado na área política, acadê-
mica e de direito, entre outras.
Com a normalização das relações diplomáticas entre o Brasil
e o Japão em abril de 1952, reiniciou-se a imigração japonesa para o
Brasil. O auge da imigração agrícola foi entre 1953 e 1961; quanto à
imigração industrial, iniciou-se somente mais tarde e durou um perí-
odo curto. A partir de então, a imigração para o Brasil começou a
declinar em razão da carência de mão-de-obra e melhoria do padrão
de vida no Japão, causados pelo elevado crescimento econômico.
Posteriormente, o fluxo de mão-de-obra entre o Brasil e o Ja-
pão teve sua direção invertida, passando os brasileiros a buscar em-
pregos no Japão.

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2. Fluxo de mão-de-obra do Brasil para o Japão

Existe hoje no Japão uma comunidade brasileira com mais de


230 mil pessoas, a maior parte da qual composta de nipo-brasileiros.
Esse é aproximadamente o mesmo número de japoneses que imigra-
ram para o Brasil ao longo de noventa anos. Trata-se da terceira mai-
or comunidade de imigrantes no Japão – após a coreana e a chinesa
-, bem como a terceira maior comunidade brasileira no exterior, após
aquelas nos EUA e Paraguai.
A chegada de nipo-brasileiros no Japão em busca de empre-
gos começou a aumentar em meados da década de 1980, refletindo a
carência de mão-de-obra no Japão e a estagnação da economia brasi-
leira. A princípio, acreditava-se tratar de um fenômeno temporário
de imigração em busca de empregos, mas a revisão da Lei de Contro-
le da Imigração em 1990 permitiu aos nipo-brasileiros de segunda e
terceira geração obterem vistos de trabalho e trabalharem em bases
regulares. Isso levou a um aumento no números dos chamados
“repetidores”, que viriam repetidas vezes ao Japão com suas famíli-
as, permanecendo por longos períodos. Na cidade de Oizumi-machi,
prefeitura de Gunma, por exemplo, conhecida por contar com mui-
tos brasileiros entre seus residentes, um décimo de seus cidadãos são
brasileiros, havendo até mesmo restaurantes brasileiros servindo pra-
tos típicos como churrasco e feijoada.
Tais mudanças alteraram as circunstâncias em que vivem os
brasileiros no Japão, trazendo à tona vários problemas tais como a
forma como poderão ser assimilados e como poderão educar seus fi-
lhos no Japão. Os governos federal e locais no Japão estão procurando
fomentar a compreensão e a cooperação com trabalhadores brasileiros
e suas famílias. Em fevereiro deste ano, realizou-se pela primeira vez
um simpósio para nipo-brasileiros no Japão - “Os nipo-brasileiros vi-
vendo no Japão e a sociedade japonesa – tentativa de coabitação entre
múltiplas culturas” –, dando aos setores públicos e privados interessa-
dos uma oportunidade de se encontrarem e intercambiarem informa-
ções e opiniões sobre o status quo das comunidades nipo-brasileiras no
Japão. Estamos considerando a possibilidade de voltar a organizar
tais simpósios no futuro.

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Acredito ser necessário ver-se a existência das comunidades
nipo-brasileiras de até 230 mil residentes não apenas no contexto
de uma sociedade japonesa em processo de envelhecimento, com
uma taxa de natalidade em decréscimo, mas também como um re-
curso valioso que poderá contribuir para a coexistência multicultural
e para as relações Japão-Brasil. Estão sendo criadas circunstâncias
que exporão os japoneses a culturas experimentadas somente por
aqueles que viajam ao exterior. Acredito já existir base para um
intercâmbio mais ativo entre os dois povos. Um bom exemplo seria
o desfile de escolas de samba de carnaval realizado anualmente em
Tóquio por seus moradores, o qual tornou-se muito popular, não
somente junto aos brasileiros vivendo naquele país, mas também
aos demais cidadãos.
No próximo ano, a Copa do Mundo de Futebol será realizada
com o co-patrocínio do Japão e da Coréia do Sul. O Brasil é hoje
mais conhecido pelos japoneses, graças ao excelente desempenho
que os jogadores brasileiros demonstraram por ocasião da criação do
time japonês profissional de futebol, o J. League, que em muito con-
tribuiu para o desenvolvimento daquele esporte no Japão.
As visitas oficiais bilaterais de alto nível tornaram-se mais
freqüentes após 1995, ano que marcou o 100º aniversário do Tratado
de Amizade Japão-Brasil, e 1998, o 90º aniversário da primeira leva
de imigração japonesa para o Brasil. O papel desses intercâmbios de
pessoas na construção das relações bilaterais é de extrema importân-
cia. Necessitamos garantir que os laços pessoais entre o Japão e o
Brasil, especialmente no setor econômico, sejam repassados às gera-
ções mais jovens nos dois países. Hoje, princípio do século XXI, a
promoção de intercâmbios entre os jovens – em cujos ombros recai a
responsabilidade pela próxima geração – é vital para se prepararem
aqueles que conduzirão no futuro as relações bilaterais. Esta é a “era
das localidades”. A vitalização do intercâmbio de pessoas é portanto
necessária no âmbito dos governos locais.

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3. Fluxo de bens entre o Japão e o Brasil

Com o rápido crescimento das economias japonesa e brasilei-


ra, o comércio bilateral e os investimentos japoneses no Brasil cres-
ceram no final da década de 1960 e durante aos anos 1970.
Olhando retrospectivamente para os últimos vinte anos, em-
bora a importância do Japão como parceiro comercial do Brasil te-
nha decrescido relativamente na segunda metade da década de 1990,
continuamos sendo um dos principais parceiros comerciais do Bra-
sil. O volume de comércio bilateral chegou a aproximadamente US$
5,4 bilhões no ano 2000, fazendo do Japão o quinto maior importa-
dor e o quarto maior exportador para o Brasil. Os itens da pauta de
exportação brasileira são sobretudo produtos primários como miné-
rio de ferro, alumínio, polpa de madeira e gêneros alimentícios como
café, frango, soja e suco de laranja, entre outros. O Brasil e os demais
países centro e sul-americanos são portanto muito importantes para
o Japão por fornecerem recursos naturais e alimentos. A título
referencial, a propósito, um item de exportação que experimentou o
crescimento tremendamente elevado de 74% com relação ao ano
anterior foram aviões. Isso foi possibilitado pela rápida expansão da
EMBRAER, quarta empresa fabricante de aviões no mundo. As em-
presas japonesas estão igualmente participando da fabricação de ae-
ronaves com a EMBRAER, que é uma das empresas brasileiras que
estão atraindo a atenção no Japão. Itens cuja exportação para o Bra-
sil vem aumentando seriam sobretudo equipamentos relacionados à
tecnologia da informática tais como equipamentos de comunicações,
semi-condutores e componentes eletrônicos. A expansão no volume
de comércio de produtos relacionados com a tecnologia da informática
constitui uma tendência global que também se aplica ao Brasil. Pos-
so dizer com segurança que o aumento nos investimentos relaciona-
dos à tecnologia da informática no Brasil nos últimos anos está le-
vando a um aumento do volume de comércio em equipamentos rela-
cionados à tecnologia da informática.

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4. Fluxos de capital entre o Japão e o Brasil

Desde o final dos anos 1950, o Japão e o Brasil vêm reforçando


os laços econômicos por intermédio de atividades de cooperação eco-
nômica de larga escala chamados “Projetos Nacionais”, envolvendo
os setores públicos e privados. A Usina Siderúrgica USIMINAS, por
exemplo, foi justamente um projeto pioneiro de cooperação econômi-
ca entre nossos dois países. Como resultado das visitas recíprocas de
chefes de estado em meados da década de 1970, projetos adicionais
de desenvolvimento – produção de papel e polpa de madeira, refinaria
de alumínio, extração de minério em Carajás, entre outros – contribu-
íram para o desenvolvimento regional e para a economia brasileira.
Até 1995, o Japão foi o quarto maior investidor no Brasil.
Entretanto, no final dos anos 1990, à medida em que aumenta-
ram os investimentos ocidentais no Brasil, os investimentos japoneses
diminuíram percentualmente. Tenho de reconhecer que as empresas ja-
ponesas foram um pouco cautelosas em demasia no tocante aos investi-
mentos no Brasil, enquanto suas contrapartes ocidentais tomaram parte
ativamente no processo de privatização brasileiro. Essa atitude passiva
das empresas japonesas deveu-se ao fato de que nos anos 1980, o Brasil
sofreu com inflação e dívidas acumuladas, vendo se reduzirem as ativi-
dades de muitas empresas japonesas em conseqüência. Aos olhos das
diretorias das empresas japonesas, a imagem do Brasil no final dos anos
1980 se manteve mesmo após a rápida recuperação da economia brasi-
leira no final dos anos 1990. Ao mesmo tempo, as empresas japonesas
não se haviam recuperado plenamente do colapso de sua própria econo-
mia-bolha e simplesmente não estavam prontas para contemplar seria-
mente uma incursão no mercado brasileiro.
Examinando os investimentos japoneses no Brasil com base
em um único ano, os mesmos correspondem a apenas 1% (US$ 360
milhões) dos investimentos estrangeiros totais ( US$ 30,6 bilhões) no
Brasil. (Ref. Após superar os 10% no início dos anos 1970s, a quota de
investimentos externos japoneses no Brasil flutuou entre 9% e 9.9%
entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1990, para então des-
pencar rapidamente para 1,5% numa base cumulativa total entre 1996

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e 1999). No entanto, isso não significa uma grande queda em termos
de volume de investimentos. Exceto em 1996, o Japão investiu cons-
tantemente entre US$ 300 e 400 milhões anualmente na década de
1990. Com relação à indústria automobilística em particular, a Toyota
e a Honda já estão no mercado brasileiro e mais de uma companhia
trading japonesa investiu em projetos petrolíferos por intermédio do
Japan Bank for International Cooperation (JBIC).
Não somente o governo, mas também o setor privado japonês
está ciente da importância de vitalização das relações econômicas entre
o Japão e o Brasil. A Japan Federation of Economic Organizations e a Confe-
deração Nacional das Indústrias (CNI) negociaram um acordo estipu-
lando o estabelecimento da Aliança para o Século XXI em outubro de
2000. Por ocasião da 9ª Comissão Mista Econômica Japão-Brasil reali-
zada em novembro de 2000, foram discutidas novas políticas para co-
mércio e investimentos com base nessa iniciativa. De acordo com le-
vantamento feito pela Japan External Trade Organization (JETRO), 38%
das companhias japonesas no Brasil disseram que aumentariam seus in-
vestimentos no Brasil, ao passo que apenas 3% afirmaram o contrário.
Com base nesse resultado, pode-se esperar que as empresas japonesas
futuramente aumentem seus investimentos no Brasil.
O governo japonês pretende promover a compreensão recípro-
ca por intermédio de intercâmbio de pessoal e criar circunstâncias que
facilitem atividades empresariais e contribuam para revitalizar as rela-
ções econômicas entre o Japão e o Brasil.

5. Cooperação econômica entre o Japão e o Brasil

O Japão é o maior país doador cooperando economicamente


com o Brasil. Em vista das relações bilaterais tradicionalmente amis-
tosas, da importância política e econômica do Brasil na América Cen-
tral e do Sul, bem como da existência de 1,3 milhões de nipo-brasilei-
ros e imigrantes japoneses, o governo do Japão vem fornecendo assis-
tência mediante empréstimos (ODA).
Desde 1999 especialmente, o governo japonês vem patroci-
nando projetos de pequena escala implementados por governos esta-

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duais brasileiros, bem como organizações educacionais e médicas. A
assistência é fornecida principalmente pela Embaixada e Consulados-
Gerais do Japão no Brasil, auxílios bastante apreciados pelas várias par-
tes beneficiadas por atenderem às necessidades de desenvolvimento.
O Brasil, de sua parte, vem promovendo ativamente assistên-
cia triangular a seus vizinhos e a países africanos. Nesse sentido, o
Governo japonês assinou o Programa de Parceria Japão-Brasil (JBPP)
em março de 2000, com o objetivo de reforçar ainda mais essa assis-
tência triangular. Os governos japonês e brasileiro pretendem enrique-
cer esse programa de parceria formando um quadro para nova assis-
tência econômica. Atualmente, ambos os governos estão fazendo ajus-
tes finais para desenvolver projetos específicos de assistência em cam-
pos como medicina e educação em Países Africanos de Língua Portu-
guesa (PALOPs).

6. Relações econômicas entre a Ásia do Leste e a América


Latina

Eu gostaria de começar discutindo sobre o Fórum de Coopera-


ção América Latina – Ásia do Leste (FOCALAL), destinado a conectar
aquelas duas regiões. A primeira Reunião de Chanceleres realizou-se
em Santiago do Chile em março último. Um mês antes, o governo ja-
ponês organizara em Tóquio o Simpósio de Intelectuais da Ásia do
Leste e América Latina, a título de contribuição para o Fórum. Tive-
mos a honra de contar com a participação do Dr. Albuquerque da Uni-
versidade de São Paulo nesse simpósio, onde se discutiram as relações
econômicas entre o Leste da Ásia e a América Latina. As duas regiões
são os “centros de crescimento” do mundo mas, como foi apontado,
embora haja forte potencial para crescimento econômico no futuro, o
crescimento nessas regiões tem sido extremamente baixo até o mo-
mento. Em 1998, por exemplo, as exportações latino-americanas para
a Ásia do Leste corresponderam a 6,3% do total das exportações mun-
diais, ao passo que as exportações provenientes do Leste Asiático para
a América Latina corresponderam a apenas 2,2%. Além disso, além do
Japão, Coréia, China e Taiwan, poucos países do Leste Asiático têm

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investido na América Latina. As relações entre o Leste da Ásia e a
América Latina, entretanto, estão sendo gradualmente aprofundadas.
Encontram-se em expansão não somente o comércio entre ambas, como
também os fluxos de investimentos diretos da Ásia para a América
Latina. Graças ao desenvolvimento da tecnologia da informação, a
distância geográfica entre as duas regiões está se reduzindo.
A integração econômica regional está evoluindo em todas as
regiões do mundo, mas até o momento não houve nenhuma iniciativa
específica para a integração das economias das duas regiões. No âmbi-
to das relações bilaterais, é chegado o momento para a conclusão de
um acordo de livre comércio. No entanto, tendo em vista o fato de a
Ásia ter sido afetada, em certa medida, pela crise monetária mexicana
em meados dos anos 1990s, e a América Latina, em grande medida,
pela crise asiática de 1997, vêm aumentando os temores de que crises
econômicas em uma das regiões afete seriamente a outra, sobretudo à
medida em que se aprofundam as relações econômicas entre ambas.
Com base nessa análise, foi adotado um relatório durante o
referido simpósio. Permito-me citar o documento, por considerá-lo
muito sugestivo com referência ao relacionamento econômico entre a
Ásia e a América Latina, particularmente entre a Ásia e o Brasil – país
que desempenha papel tão central na América Latina.
No campo econômico, alguns participantes expressaram a opi-
nião de que, diante do fato de os fundamentos macroeconômicos no
Leste Asiático serem muito superiores aos latino-americanos, valeria a
pena analisar as razões para essa diferença, enfocando em particular o
papel da educação e do desenvolvimento de recursos humanos. Foi
aventada igualmente a idéia de intercambiar informações que contri-
buam para evitar a recorrência de crises financeiras. Outros partici-
pantes propuseram explorar novas estratégias de desenvolvimento eco-
nômico, incluindo tecnologias inovadoras como a da informação. Foi
ressaltado ainda que, entre essas novas estratégias de desenvolvimen-
to, deveria ser considerado o upgrading de pequenas e médias empresas.
Muitos participantes concordaram com a necessidade de haver uma
melhor compreensão das características dos movimentos de integração
na Ásia e na América Latina, por intermédio de uma análise compara-

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tiva. Embora seja prematuro falar-se de integração econômica entre o
Leste da Ásia e a América Latina, as negociações bilaterais deveriam
ser encorajadas como um primeiro passo naquela direção.
O Relatório propôs igualmente a discussão de alguns temas
juntamente com a promoção do Fórum de Cooperação América Lati-
na - Ásia do Leste, ressaltando dois aspectos econômicos:
a) Nova Estratégia de Desenvolvimento
A globalização foi acelerada pela liberalização, desregulamentação
e rápido desenvolvimento das tecnologias de transportes e comunica-
ções durante os últimos vinte anos. Nesse contexto, nos vimos diante do
novo desafio de reforçar a competitividade das respectivas economias.
Todas as nações necessitam lidar com o problema do hiato digital, tanto
no âmbito nacional como internacional, de modo a garantir um desen-
volvimento justo e sustentável. Seria igualmente importante reforçar a
estrutura industrial mediante o fomento de indústrias de apoio (especi-
almente de pequeno e médio porte), que são fatores-chave para garantir
um desenvolvimento socioeconômico sustentável;
b) Comércio, Investimentos e Cooperação Inter-regional
O hiato de informação relativo às condições macroeconômicas,
comércio e investimentos existente entre as duas regiões deveria ser
resolvido mediante análises comparativas. Esta tarefa é um pré-requi-
sito para a cooperação econômica entre as duas regiões. É importante
também compreender a natureza da integração e da cooperação regio-
nal e bilateral nas respectivas regiões, de modo a avaliar os possíveis
impactos desses processos e iniciativas sobre as duas regiões e sobre
as relações recíprocas.

7. A situação atual da economia asiática: Conclusão

Trabalhei na Embaixada do Japão em Cingapura durante dois


anos até março deste ano e tive oportunidade de vivenciar o pós-crise
econômica na região do sudeste asiático, com a recuperação dos paí-
ses. Gostaria, portanto, de compartilhar minha experiência.

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Como resultado da rápida recuperação, a crise econômica asiá-
tica que começou com a desvalorização do baht em julho de 1997,
parece ter superado a pior fase e sido esquecida como assunto do pas-
sado. Embora índices macroeconômicos como PIB pareçam
satisfatórios atualmente, a recuperação ainda está longe de completar-
se no nível microeconômico. As questões particularmente problemáti-
cas são os empréstimos podres em alguns países e as dívidas excessi-
vas do setor privado. Estes dois problemas estão intimamente relacio-
nados, sendo que a recuperação econômica no sentido próprio da pa-
lavra não poderá ser obtida sem que se reconstrua o sistema bancário
e se reduzam os empréstimos irrecuperáveis.
Uma outra inquietação minha refere-se aos acontecimentos na
Indonésia. A Indonésia é, obviamente, um país importante no Leste
Asiático, comparável ao Brasil na América do Sul. No entanto, embo-
ra o país esteja se recuperando do ponto de vista macroeconômico, já
se percebem grandes rupturas em seu sistema socioeconômico. Preo-
cupo-me muito sobre se conseguirão ou não continuar a governar o
país. Desnecessário dizer que, em se tratando de uma potência impor-
tante, a instabilidade da Indonésia afeta em muito os países vizinhos.
Quando se olham os asiáticos como um todo, encontra-se um
sem-número de problemas tais como energia, alimentos e o hiato digi-
tal entre os países – todos os quais necessitam ser resolvidos. Voltan-
do os olhos para o sudeste asiático, temos a ASEAN, que é uma asso-
ciação de países do sudeste da região destinada a permitir o tratamen-
to daqueles problemas num nível regional. Se formos capazes de lidar
com tais problemas judiciosamente, acredito que poderemos esperar,
no futuro, um elevado crescimento econômico na região.

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(Ref.1) Número de Imigrantes japoneses no Brasil

1908 ~ 09 803
1910 ~ 15 14,243
1916 ~ 20 13,576
1921 ~ 25 11,349
1926 ~ 30 69,564
1931 ~ 35 72,661
1936 ~ 40 15,473
1941 ~ 42 2,841
1908 ~ 42 Total: 188,985
1945 ~ 50 10
1951 ~ 55 12,239
1956 ~ 60 32,316
1961 ~ 65 9,526
1966 ~ 70 3,012
1971 ~ 75 4,879
1976 ~ 80 3,454
1981 ~ 85 1,554
1986 ~ 89 1,882
1945 ~ 89 Total: 71,372

(Ref.2 Flutuação do número de brasileiros residentes no Japão)


1990 56,429 (5.2%)
1991 119,333 (9.8%)
1992 147,803 (11.5%)
1993 154,650 (11.7%)
1994 159,619 (11.8%)
1995 176,440 (13.0%)
1996 201,795 (14.3%)
1997 233,254 (15.7%)
1998 222,217 (14.7%)
1999 224,299 (14.4%)

(Obs: % em ( ) é a porcentagem de brasileiros comparada ao número


total de estrangeiros registrados no Japão)

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(Ref.3 Comércio Japão - Brasil – em US milhões)

Importações Exportações Saldo


1992 1,139.8 2,847.0 1,707.2
1993 1,623.9 2,848.2 1,224.3
1994 1,880.6 3,260.6 1,380.0
1995 2,595.9 3,954.2 1,358.3
1996 2,209.8 3,749.9 1,540.1
1997 2,931.4 3,750.4 819.0
1998 2,610.3 2,903.5 293.2
1999 2,061.5 2,690.7 629.2
2000 2,519.2 2,997.9 478.7
(Ref: 4 Principais ítens de comércio entre Japão e Brasil, 2000)

Brasil >> Japão (em US milhões)


Minério de ferro e derivados 456 (18.4%)
Alumínio 358 (14.5%)
Polpa 197 (8.0%)
Café em grãos 154 (6.2%)
Frango 119 (4.8%)
Ligas de ferro 110 (4.4%)
Soja 103 (4.2%)
Suco de laranja 70 (2.8%)
Equipamentos de transmissão/ 56 (2.3%)
Recepção / rádio
Tabaco (folhas) 52 (2.1%)
Outros 799 (32.2%)

Japão >> Brasil (em US milhões)


Equipamentos de transmissão / 238 (8.0%)
Recepção / rádio
Semicondutores, componentes 195 (6.6%)
eletrônicos
Autopeças 142 (4.8%)
Rolamentos, componentes 126 (4.3%)
para máquinas
Automóveis 116 (3.9%)
Motores de combustão 100 (3.4%)
Produtos químicos 89 (3.0%)
Equipamento de inspeção 81 (2.7%)
Equip. de comunicação 66 (2.2%)
Power equipments 63 (2.1%)
Outros 1,742 (58.9%)

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A ÁSIA NA QUALIDADE DE PARCEIRA ECONÔMICA, SOCIAL
E CULTURAL PARA O BRASIL

Pracha Guna-Kasem*

A Ásia encontra-se atualmente empenhada em ajustar-se às com-


plexidades e dinamismos da globalização. Os países da região estão
avaliando a conveniência de adotar novas teorias e práticas que per-
mitam à região utilizar plenamente seu potencial e sua força, tornan-
do-se um parceiro na busca da estabilidade e prosperidade globais.
A recente crise financeira interrompeu temporariamente o de-
senvolvimento dinâmico que as economias asiáticas vinham experi-
mentando. No entanto, a região vive hoje processo de firme recupera-
ção econômica, enfrentando o desafio de recuperar a sua
competitividade internacional.
As economias asiáticas beneficiam-se da existência de recursos
naturais abundantes e mão-de-obra especializada. No entanto, aque-
les países não têm utilizado plenamente seu potencial, permanecendo
na parte inferior de uma escala de valores.
Durante o Fórum “Fortune Global” realizado em Hong Kong
em 2001, o Primeiro-Ministro da Tailândia defendeu sua visão de uma
escala de valores dos produtos asiáticos (Asian value chain). Isso envol-
veria utilizar o caráter asiático inovador e engenhoso com o objetivo
de produzir bens de alto valor agregado e categoria internacional. Sig-
nificaria revitalizar as qualidades e know-how inerentes herdados de seus
antepassados, que foram os arquitetos da civilização asiática.
À medida em que a Ásia sobe na escala de valores dos produ-
tos, pretendemos construir uma região vigorosa que esteja em condi-
ções de trabalhar com seus parceiros da Europa, América do Norte e
*
Embaixador, Conselheiro Especial do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Tailândia.

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do Sul e de outras regiões; uma Ásia forte que atraia investimentos
estrangeiros e permita ganhos mútuos.
Nós, os tailandeses, estamos decididos a subir na escala de va-
lores mediante cooperação com os vizinhos e outros parceiros estran-
geiros. Nossa diplomacia, voltada prioritariamente para os interesses
econômicos, terá de corresponder às necessidades da economia
tailandesa estimulando seu processo de recuperação, especialmente
nas bases de produção.
A Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) man-
tém seu compromisso com o objetivo de implementar a Área de Livre
Comércio (AFTA) até 2002. A integração econômica do grupo
extrapola o comércio, e começa a incluir serviços e capitais.
O ritmo da integração econômica da ASEAN depende do de-
senvolvimento de recursos humanos e da capacidade dos novos mem-
bros do grupo - Laos, Mianmar e Vietnam.
Uma das prioridades da agenda da ASEAN é o desenvolvi-
mento da subregião do delta do rio Mekong, iniciativa considerada
importante para aproximar o nível econômico dos velhos e novos mem-
bros da associação. Ainda com o objetivo de integração, estão sendo
envidados esforços para estreitar o hiato digital, mediante adoção de
programas de educação, treinamento e formação de recursos humanos
na área de tecnologia da informação.
No intuito de reforçar essa iniciativa, a Tailândia deverá sediar
a 3a Reunião Ministerial da ASEAN para a Cooperação para o Desen-
volvimento da Bacia do Mekong (AMBDC) em outubro de 2001, na
província setentrional de Chiang Rai. Durante a reunião, serão discuti-
dos projetos de desenvolvimento que beneficiem os novos membros
do grupo.
A cooperação entre o Sudeste e o Leste Asiático vem igual-
mente se acelerando no âmbito do forum ASEAN + 3. O processo
inclui a RPC, o Japão e a Coréia do Sul e tem por objetivo desenvolver
projetos que diminuam o hiato de desenvolvimento entre os três asi-
áticos do leste e a ASEAN, bem como os desequilíbrios dentro da

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própria associação. A cooperação entre os países do grupo ASEAN +
3 deverá contribuir portanto para o desenvolvimento econômico dos
novos membros da ASEAN.
Com vistas a identificar os meios de expansão da cooperação
existente e forjar novos laços com a ASEAN, especialmente nas áreas
de comércio e finanças, foi criado o Grupo de Estudos do Leste Asiá-
tico (EASG). Com o fortalecimento dos vínculos entre os mercados
de capitais, o setor financeiro será mais uma área de crescimento po-
tencial na região.
Está sendo realizado ainda estudo de viabilidade para o esta-
belecimento de uma zona de livre comércio envolvendo a ASEAN e a
China e atingindo um mercado de 1.7 bilhão de pessoas.
É um fato encorajador que, durante a Terceira Reunião dos
Chanceleres da Ásia-Europa (ASEM) realizada este ano em Pequim,
nossos parceiros europeus reconheceram o potencial e as oportunida-
des que surgirão do desenvolvimento da subregião do Mekong. A
Tailândia está pronta a trabalhar com os parceiros europeus em proje-
tos de cooperação nas áreas de recursos humanos e tecnologia da
informação, particularmente na subregião do Mekong. Pretendemos
identificar as áreas prioritárias para assistência técnica e treinamento,
bem como explorar vínculos com universidades, organizações e indús-
trias de tecnologia da informação nos países do grupo.
A Ásia já está empenhada em estabelecer cooperação com ou-
tras regiões, especificamente Europa, Pacífico e América Latina. No
entanto, esperamos consolidar o potencial dentro da própria Ásia de
uma maneira complementar. Dentro da região, já existem fóruns
subregionais de cooperação, tais como o BIMSTEC (agrupamento eco-
nômico subregional no sul da Ásia incluindo Bangladesh, Índia,
Mianmar, Sri Lanka e Tailândia) e o ASEAN + 3. O que falta no
momento são os vínculos entre esses agrupamentos subregionais. A
Tailândia lançou a idéia de um Diálogo para a Cooperação Asiática
que incluiria ambas as subregiões do sul e leste asiático. Esse diálogo
serviria como um fórum informal de consultas para ministros asiáti-
cos de relações exteriores e de outras pastas.

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A Tailândia já recebeu respostas positivas e encorajadoras de
seus parceiros asiáticos e espera sediar a primeira reunião de chanceleres
asiáticos, com vistas a trocar idéias informalmente em áreas de coo-
peração.
Há grande interesse no estreitamento das relações comerciais e
econômicas entre a Ásia e a América Latina, especialmente o Brasil.
Tomando-se o caso da Tailândia e do Brasil, estão em vigor desde 1984
acordos bilaterais de Comércio e de Cooperação em Ciência e Tecnologia.
Em 1994, o Conselho Tailandês de Comércio (Thai Board of Trade) e a
CNI assinaram acordo de cooperação econômica. No entanto, o inter-
câmbio bilateral no ano 2000 chegou a apenas US$ 434.4 milhões. Em
virtude da crise econômica, houve um declínio igualmente nos investi-
mentos e no fluxo de turistas. Não foi estabelecida conforme original-
mente previsto a Comissão Mista de Comércio. O Acordo de Coopera-
ção em Ciência e Tecnologia, em vigor desde 1987, ainda não teve qual-
quer resultado prático. Precisamos portanto trabalhar muito mais dos
dois lados para implementar os dispositivos dos acordos já assinados.
No intuito de promover uma cooperação econômica bilateral
mais estreita entre nós, a Tailândia participou ativamente da Primeira
Reunião Ministerial do Fórum de Cooperação América Latina – Ásia
do Leste (FOCALAL) realizado no Chile em março de 2001, a qual
teve por objetivo fomentar parcerias comerciais e econômicas entre as
duas regiões. Este foi um bom exemplo de cooperação sul-sul. Países
em desenvolvimento precisam cerrar fileiras e trabalhar em estreita
cooperação de modo a evitar serem prejudicados por países desenvol-
vidos maiores e mais fortes nas áreas de economia, comércio e finan-
ças.
Os membros asiáticos e latino-americanos do Fórum vêm cul-
tivando suas relações e iniciativas de cooperação, tanto por intermé-
dio de diálogos bilaterais como de arranjos multilaterais. Trabalhando
em cima dessa iniciativa já existente, nós da Ásia e do Brasil podería-
mos trabalhar com vistas a aprofundar os avanços nos projetos de co-
operação em comércio e economia.
Mas a cooperação no âmbito governamental não é suficiente:
precisamos igualmente encorajar nossos setores privados a trabalha-

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rem mais estreitamente juntos. Os países do Sudeste Asiático e o Bra-
sil deveriam buscar uma maior cooperação, não apenas em comércio,
mas também na área financeira, em investimentos conjuntos, em ciên-
cia e tecnologia e turismo. Necessitamos ver um intercâmbio mais
dinâmico de homens de negócios, turistas, técnicos, acadêmicos e es-
tudantes. E, mais importante de tudo, o Brasil deveria participar ativa-
mente de feiras comerciais no Leste Asiático e vice-versa. Um fator
que mantém reduzido o comércio entre o Brasil e aquela região são os
elevados custos de transporte. Deveríamos nos esforçar por encontrar
soluções para esse problema, de modo a permitir expansão do comér-
cio nas duas mãos.
Com referência à cooperação na área social, tanto o Brasil quanto
a Ásia podem aprender com as experiências recíprocas, no intuito de
erradicar a miséria e elevar o padrão de vida de seus povos. Nosso
intercâmbio de experiências e informações deveria incluir o combate
ao tráfico de drogas, o controle da AIDS e de outras doenças contagi-
osas, conservação ambiental e fornecimento de acesso mais igualitá-
rio à assistência social. Aqui na Tailândia, estamos adotando uma vi-
são abrangente do “combate às drogas”, simultaneamente reprimindo
a produção e o tráfico de drogas e construindo centros de reabilitação.
A epidemia de AIDS constitui mais um problema transnacional, po-
dendo a experiência tailandesa ser compartilhada com os demais mem-
bros do FOCALAL, especialmente o Brasil.
A Ásia e o Brasil deveriam atribuir importância à cooperação
na área cultural e aos contatos pessoais, na condição de instrumento
para a promoção da boa vontade e da compreensão recíproca. Deverí-
amos encorajar intercâmbio de jornalistas, acadêmicos e jovens, além
de outras atividades culturais, no intuito de aumentar a conscientização
cultural. Sendo a educação um componente chave para incrementar a
compreensão cultural, algumas das mais importantes universidades
tailandesas estão introduzindo em seus currículos estudos latino-ame-
ricanos.
A título de contribuição para o aumento do conhecimento re-
ferente à Ásia e ao Brasil, o governo tailandês está patrocinando e
organizando um Festival Tailandês nas maiores cidades brasileiras, in-

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cluindo Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, em cooperação com
os governos estaduais e líderes empresariais brasileiros.
Como follow-up da reunião do FOCALAL no Chile, o Brasil
merece louvor por organizar o presente Seminário em Brasília, no in-
tuito de reduzir o hiato de conhecimento entre este país e a Ásia.
Tenho confiança de que, trabalhando juntos com afinco, sere-
mos capazes de forjar relações econômicas, sociais e culturais mais
estreitas, assim como maior cooperação entre a Ásia e o Brasil. Traba-
lhando juntos na qualidade de parceiros viáveis nos permitirá atingir o
objetivo comum de riqueza, prosperidade e conhecimento recíproco.

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BANGLADESH: O PAÍS E SEU ENTORNO - AS PERSPECTIVAS
DE COOPERAÇÃO COM O BRASIL

Tawfiq-e-Elahi Chowdhury*

As civilizações nunca permaneceram em um único lugar. Se eu


fosse fazer uma longa visão deste século, eu vejo três novos centros de
civilização: (1) A América Latina; (2) O Sul da Ásia; (3) O Sul da Ásia
do Leste. Nós devemos matematizar estas civilizações do futuro.
Eu gostaria de dividir minha apresentação em quatro partes
diferentes: primeiro, uma breve revisão de Bangladesh e referências a
algumas das questões que foram levantadas ontem: depois, eu gostaria
de falar brevemente sobre o sul da Ásia; em seguida, eu tentarei pro-
por algum tipo de paradigma para a cooperação; no final, eu me dete-
rei brevemente sobre algumas idéias específicas sobre a cooperação
entre o Brasil e Bangladesh.
Antes da divisão da Índia em 1947, Bangladesh era parte do
subcontinente indiano. Hoje somos um país independente de 130 mi-
lhões de pessoas. Com cerca de 80% da população do Brasil, nós te-
mos somente cerca de 1/6 do tamanho do Brasil. Ou em outras pala-
vras, se todas as pessoas do mundo fossem colocadas no Brasil, é esse
o tipo de lugar em que vivemos.
Bangladesh já foi conhecida como o Leste do Paquistão - um
país extraído da Índia com base na religião. Quando Bangladesh se
tornou independente em 1972, depois de uma guerra sangrenta com
o Paquistão, dois pontos históricos foram estabelecidos: o repúdio
ao fundamentalismo como a base unificadora para o estado e a
impraticabilidade de uma integração política, econômica e social entre
regiões em face da exploração de uma pela outra. Talvez isto possa
oferecer algumas lições quando se fala sobre cooperações entre os
países.

* Secretário do Ministério do Planejamento na cidade de Dacca.

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Só para lhes dar uma idéia do tamanho da economia de
Bangladesh, nosso GDP é de cerca de US$40 bilhões; o comércio (jun-
tando as exportações e importações) é de cerca de US$15 bilhões; nós
efetuamos políticas de investimento muito pró-ativas, especialmente
para atrair investimentos estrangeiros no setor de energia e de força.
Durante os últimos três anos conseguimos atrair cerca de um bilhão e
meio de investimentos nestas áreas. Eu tenho lido sobre a crise
energética no Brasil. Comparativamente, nós tivemos o mesmo pro-
blema há cerca de cinco anos. Eu era Secretário das Minas e Energia
naquela época e nós estabelecemos um quadro competitivo para o
investimento privado na exploração de energia e geração de força com
um pacote de incentivos. Nós conseguimos atrair tarifas de energia
muito competitivas; na realidade, algumas pessoas dizem que elas es-
tavam entre as mais baixas. Nós contratamos, com o setor privado,
cerca de mil e quinhentos megawatts de energia. Algumas dessas experi-
ências podem ser relevantes para a atual situação do Brasil.
O Brasil tem imensos recursos não explorados. Esta poderia
ser a base da cooperação com Bangladesh. Há duas maneiras para esta
cooperação acontecer: nós estamos exportando mão-de-obra, cerca de
trezentos mil por ano, para trabalhar em diferentes países do mundo.
Nós poderíamos fornecer mão-de-obra ao Brasil, treiná-los nas habili-
dades que vocês precisam e ensinar-lhes a língua. Ou, alinhados com
as discussões de ontem e de hoje, poderíamos proporcionar instala-
ções portuárias que o Brasil pudesse acessar para enfatizar e manter
suas competitividade no mercado global. O Brasil pode achar conve-
niente terceirizar parte de seus processos de manufatura em lugares
como Bangladesh. Este processo emergente está sendo fortalecido pela
informação global e pela revolução nas comunicações.
Nós fizemos algumas experiências de cooperação entre países
do Sul da Ásia. Em 1985, a Associação do Sul da Ásia para a Coope-
ração Regional (SAARC) foi estabelecida, mas pouco progresso subs-
tantivo foi feito muito além de alguns encontros dos Chefes de Estado
e alguns trabalhos para estabelecer blocos comerciais preferenciais que
levem a uma associação de livre comércio. As disputas territoriais, a
falta de confiança e, o que é mais importante, a história da região (guerras

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entre a Índia e o Paquistão, a sangrenta guerra de liberação que
Bangladesh teve de lutar contra o Paquistão) se colocou contra a lista
de desejos cooperativos. Uma lição importante que pode ser aprendi-
da desta tentativa de cooperação é que quando há disputas territoriais
importantes e questões históricas não resolvidas, a cooperação econô-
mica não pode ser levada muito longe; os países devem poder colocar
a história passada no repouso e resolver disputas territoriais antes de
trabalhar a agenda mais ampla para uma cooperação econômica mais
próxima.
No nosso esforço de encontrar algum espaço para a colabora-
ção com outras nações, Bangladesh se juntou à BIMSTEC - uma inici-
ativa recente com a Índia, Myanmar, Sri Lanka e a Tailândia pela coo-
peração econômica. Uma outra tentativa foi lançada para desenvolver
o que chamamos de um quadrilátero de crescimento envolvendo o
Nordeste da Índia, Nepal, Butão e Bangladesh. O Dr. Alagh, da Índia,
mencionou a respeito a iniciativa das Fronteiras do Oceano Índico.
Estes são sinais de que nós estamos dispostos a cooperar, mas uma
forma viável ainda não foi encontrada e nós procuramos o Brasil e
outros países da América Latina para que ofereçam orientação. Embo-
ra a ASEAN e o NAFTA tenham feitos bons progressos, as realidades
econômicas de cada país podem minar os laços estabelecidos. Há paí-
ses que estão tentando estabelecer acordos bilaterais, e eles provavel-
mente apontam para o fato de que uma cooperação regional pode não
representar o formato para otimizar os benefícios do país. Portanto,
deve haver oportunidades para trabalhar também fora da cooperação
regional.
Quanto ao meu paradigma de cooperação no comércio e no
investimento eu postularia uma teoria de convergência reunida. Com
isso, eu quero dizer que há várias ordens de importância em que pode-
mos ser reconhecidos e os países precisam de uma fórmula de conver-
são de ir atrás de cada uma delas, ou simultaneamente, com base em
critérios de conversão comuns. Eu os chamo de reunidos porque eles
são espécies de camadas independentes em ordem seqüencial de signi-
ficação.
Eu reconheço que na primeira ordem de convergência, a prin-
cipal é a convergência das instituições políticas. Eu colocaria institui-

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ções democráticas como o requerimento mais importante para que se
sustente uma eventual cooperação. Em seguida, viria a democracia
econômica com instituições para regulamentação. Em terceiro, estari-
am as instituições legais, que devem proporcionar a base para as tran-
sações econômicas e sociais. Por último, mas não em último lugar,
uma sociedade que seja inclusiva, que não quer deixar pessoas de fora
e reconhece a necessidade de ter mecanismos que incluam a todos,
particularmente aqueles que estão à margem.
A segunda ordem de convergência seriam políticas básicas como:
política econômica, política fiscal, política de comércio, política mo-
netária, política de investimento, política para disputa de resoluções,
etc. Estas políticas também devem convergir entre países para trazer
homogeneidade para um gerenciamento organizado e uma resposta
unificada para o resto do mundo.
A última seriam as políticas setoriais: política de telecomunica-
ções, política de energia, e política de infra-estrutura, todas relaciona-
das a setores específicos. Sua convergência iria assegurar um nível de
campo de atuação para todos os participantes e uma competição justa.
Quando buscamos a cooperação, seja bilateral, multilateral ou regio-
nal, nós possivelmente teremos que trabalhar um caminho de conver-
gências graduais e minimizar os desgastes que geralmente são gerados
ao se criarem laços entre países que são inerentemente diferentes.
Finalmente, há as questões específicas entre Bangladesh e o
Brasil. Eu mencionei as possibilidades de terceirização que surgem da
globalização de processos de manufatura e redes de informação-co-
municação. Podemos buscar oportunidades de treinar a mão de obra
de Bangladesh para que correspondam às necessidades brasileiras.
Minha primeira impressão me diz que a sua indústria de automóveis
tem boas perspectivas em Bangladesh e nos mercados vizinhos. Eu
também acho que nós temos uma indústria farmacêutica muito com-
petitiva, que possivelmente poderia encontrar um lugar no mercado
brasileiro. O micro programa de crédito em Bangladesh, sucesso na
agricultura, um programa de testes para gerenciamento de desastres
poderia ser avaliado para determinar as lições de práticas melhores; e
eu tenho certeza de que há muito mais no Brasil que podemos apren-

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der. Eu também recomendaria o estabelecimento de redes institucionais.
Os homens de negócios deveriam formar redes com as Câmaras de
Negócios em Bangladesh; as instituições de pesquisa também podem
formar redes porque a primeira fase da cooperação econômica requer
identificação de áreas de pesquisa. Os empresários então trabalhariam
formas de transformar isto em negócios. Por último, mas não menos
importante, eu acho que nós deveríamos cada vez mais usar as novas
tecnologias que estão sendo desenvolvidas para cobrir as distâncias
entre nós. Não há substitutos para se encontrar as pessoas, mas além
disso, poderíamos organizar uma série de videoconferências através
desses países para reunir as pessoas quando elas ainda estão distantes.

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A TRAJETÓRIA ASIÁTICA DA VALE DO RIO DOCE

Yves Madeira*

Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer ao Ministério das


Relações Exteriores a oportunidade que concede à Companhia Vale
do Rio Doce de falar-lhes sobre sua experiência na área de negócios
com os países asiáticos.
A Ásia, hoje, para nós, é nosso principal mercado - nossas ven-
das alcançam mais de um bilhão de dólares na Ásia. Àqueles que não
conhecem nossa empresa, eu diria que a Companhia Vale do Rio Doce
é uma das maiores companhias brasileiras e a principal exportadora
para a Ásia. Tratamos, fundamentalmente, de mineração, em especial
minério de ferro, logística (transporte ferroviário, portos, navegação),
aço, alumínio e celulose. São essas as nossas principais atividades. Nosso
principal produto é o minério de ferro - cerca de 50% são exportados
pela Vale do Rio Doce para a Ásia; quanto ao alumínio, a Vale vende
cerca de 55% de sua produção para o continente asiático.
Por conseguinte, como se pode observar, o maior mercado da
Vale é a Ásia. No entanto, a Vale começou a vender na Ásia apenas
nos anos 60. Até iniciar-se a década de 60, a Vale vendia apenas na
Europa e nos Estados Unidos, com uma estrutura comercial de mine-
ração de ferro inteiramente distinta da que possui hoje. Naquela épo-
ca, todas as grandes companhias siderúrgicas possuíam suas próprias
minas, todos os grandes produtores de aço lidavam com mineração de
ferro e utilizavam sua própria mineração para produção de seu aço -
segundo eles, por razões de segurança. Os produtores independentes
contavam com uma pequena parcela do mercado, e esse minério era
comprado apenas para correção de alguns problemas de qualidade. O
transporte, naqueles dias, era realizado por navios muitos pequenos,
cuja capacidade variava entre 5.000 e 15.000 toneladas, com base em
contratos feitos de navio para navio, em quantidades muito pequenas
não havia contratos a longo prazo.
* Membro da Diretoria Comercial da Companhia Vale do Rio Doce.

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No início dos anos 60, a Vale conscientizou-se de que, se qui-
sesse crescer, sua única possibilidade seria vender na Ásia, basicamen-
te no Japão, país que não dispunha de matéria-prima para implantação
de indústria siderúrgica e que, portanto, tinha que comprar de outros
países. Deste modo, o sistema adotado por todos os grandes produto-
res, de contar com matéria-prima cativa, não funcionou no Japão. Vi-
mos, assim, que esta era a oportunidade de a Vale crescer. Por outro
lado, as indústrias japonesas, na condição de contraparte, necessita-
vam de fontes seguras de suprimento de minério.
Tratamos, pois, de negociar, tentando vender minérios no Ja-
pão. Tive a chance de conversar com pessoas que haviam participado
dessas negociações, as quais me falaram que havia sido um grande
choque. Em primeiro lugar, um choque cultural, pois nós, brasileiros,
não estávamos familiarizados com a forma de negociar dos japoneses:
uma comissão japonesa se sentava em torno de uma mesa, com vinte
pessoas diferentes a ouvir o que tínhamos a dizer, cada uma indagan-
do a mesma coisa vinte vezes a pessoas diferentes, anotando tudo, e,
em seguida, saíam sem expressar qualquer opinião. Aquilo, sem dúvi-
da, nos impressionava, já que nós, brasileiros, temos experiência em
planejar as coisas aos poucos e agir o mais cedo possível. Os japone-
ses pensavam de modo diferente.
Nossa grande dificuldade era a questão do transporte. O Japão
estava muito longe do Brasil. A viagem de um navio saindo do Brasil
em direção àquele país, carregando minério de ferro, demora cerca de
quarenta a quarenta e cinco dias. A duração de uma viagem a partir de
um país como a Austrália ou a Índia é de quinze dias. Assim, o custo
de nosso frete era muito mais alto e, como nosso produto tinha um
padrão muito baixo, tornava-se praticamente impossível chegar ao Ja-
pão com preços competitivos. Tivemos, assim, que ser criativos e ado-
tar um modo diferente de negociação. Essa grande negociação fez com
que sessenta e dois dentre nós assinássemos nosso primeiro contrato
com o Japão. Foi o primeiro contrato de longo prazo assinado na área
mundial da mineração de ferro. Nesse contrato estipulamos que os
japoneses adquiririam da Vale do Rio Doce cerca de 50 milhões de
toneladas de minério de ferro ao longo de quinze anos.

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Havia também a questão do frete, que fazia com que o preço
do transporte de nosso produto para o Japão fosse o dobro do preço do
produto das indústrias mais próximas. O que fez com que chegásse-
mos à conclusão de que, para nos tornarmos competitivos, seria ne-
cessário uma modificação em termos de escala. Portanto, nesse con-
trato foi estipulada a construção de portos no Brasil e no Japão, a fim
de que pudéssemos proceder a carregamentos em navios de 120.000
toneladas de capacidade. Era uma época em que tal coisa representa-
va um absurdo, pois o maior navio então existente era de 40.000 tone-
ladas e não havia, no mundo, nenhum projeto relacionado com navio
de 120.000 toneladas. Também houve concordância no sentido de que
fosse projetado, pelos portos japoneses, um navio de 120.000 tonela-
das de capacidade, para atender ao disposto no contrato.
A Vale era muito pequena naquela época e esse contrato lhe
assegurava uma receita a longo prazo, o que nos facilitou a obtenção
de financiamentos garantidos por esse projeto. Na negociação do pro-
jeto, aprendemos muitas coisas. Nós, da Vale do Rio Doce, aprende-
mos que, em geral, os japoneses planejam muito, discutem muito, até
tomar uma decisão, mas, após chegar a uma decisão, eles implementam
o projeto muito rapidamente. Os japoneses aprenderam que nós éra-
mos dignos de confiança, que fizemos o que dissemos que iríamos
fazer. E, neste contexto, o porto de Tubarão foi construído, a estrada
de ferro foi ampliada e, em 31 de março de 1966, exatamente na data
aprazada quatro anos antes, o porto foi inaugurado. Com isso, os japo-
neses aprenderam que podiam confiar em nós.
Essa parceria, esse acordo mudou inteiramente a estrutura de
mercado da mineração de ferro. As usinas japonesas, com esse siste-
ma, procuraram operar com mineração de alta qualidade, tratando
de produzir grandes quantidades de aço a custo baixo e desativando as
minas cativas utilizadas pelas empresas siderúrgicas com mineração
de baixa qualidade. Assim, logo a estrutura de mercado mudou com-
pletamente. A Europa, então o maior produtor de minério de ferro, em
dez anos acabou com sua indústria, com toda a sua atividade de mine-
ração de ferro ali, por se haver tornado economicamente inviável. O
compromisso que havia entre as empresas, de aquisição de pequenas
quantidades apenas para suprir as necessidades, deixou de existir. Todo

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Ásia Final.pmd 233 2/7/2007, 17:48


mundo desejava um contrato de longo prazo vantajoso. Deste modo,
hoje todas as negociações no mercado são levadas a cabo com base
em contratos de longo prazo, não mais existindo minas cativas de usi-
nas siderúrgicas, exceto na China. Em geral, no mercado livre, nenhu-
ma empresa siderúrgica possui sua própria mina, por não ser vantajo-
so. É muito mais vantagem para a empresa adquirir o produto no mer-
cado, sabendo que irá recebê-lo de forma segura e com garantia de
qualidade.
Esse projeto teve tal sucesso que, dois anos mais tarde, as usi-
nas japonesas propuseram um novo contrato, que nos obrigou a au-
mentar a capacidade do porto, para receber navios de 250.00 tonela-
das, a fim de nos possibilitar uma redução do frete e o aumento da
competitividade.
Com isso, aprendemos algo muito importante: muito melhor
do que ter um cliente é ter um amigo, um parceiro. E aprendemos a
negociar com os japoneses, o que fez com que atualmente tenhamos
dez empresas, nas quais somos sócios de capitais japoneses e que pro-
duzem alguns bilhões de dólares de receita em várias áreas. Estamos
associados aos japoneses na área siderúrgica, na produção de minério,
na produção de alumínio, na produção de celulose, na produção de
ligas de ferro e em dezenas de projetos.
Dos anos 70 aos anos 80, outro país em que a produção side-
rúrgica cresceu rapidamente foi a Coréia. Com a Coréia nós fizemos o
mesmo que havíamos feito com o Japão. Transformamos nosso cliente
coreano em nosso parceiro, e hoje temos um joint venture com eles, que
são nossos sócios. Além disto, quanto aos outros países da Ásia, nós
sempre chegávamos lá em primeiro lugar, sempre que eles procediam
à implantação de suas respectivas usinas siderúrgicas. Nós os visitáva-
mos, oferecendo-lhes produtos de qualidade. E hoje fornecemos mi-
nério de ferro a todos os países da Ásia que dispõem de indústria side-
rúrgica.
Hoje, nossa visão concentra-se inteiramente no mercado chi-
nês, por ser o que mais cresce no mundo. A indústria siderúrgica chi-
nesa cresce a quase 10% ao ano. Desde 1999, eles se tornaram os
maiores produtores de aço do mundo. Há dez anos, as usinas chinesas

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consumiam seu próprio minério. Mas o minério chinês é de baixa qua-
lidade. Em conseqüência, se as usinas chinesas quiserem entrar no
mercado mundial de aço, precisam reduzir seus custos, aumentar sua
produtividade e, para tanto, precisam de minério de qualidade. Agora,
para vender para a China, enfrentamos grandes dificuldades: primeiro,
o problema da distância e do transporte; segundo, a indústria chinesa
não é centralizada. Existem quatro grandes empresas e dúzias de pe-
quenas companhias que compram pequenas quantidades. Eles não têm
disponibilidade de dólares para comprar, não podem receber um navio
inteiro carregado com produtos, etc.
Portanto, no caso da China, temos que estar preparados para
atender à necessidade do cliente. Começamos a vender na China em
1978. Na época, os portos chineses era muito pequenos - no máximo,
com capacidade para navios de 50.000 toneladas - e, assim, não podí-
amos alcançar o mercado chinês a um custo competitivo. Havia, po-
rém, certa necessidade de minério na China e nós firmamos um acordo
com o governo chinês para venda de minério. Tentando superar esta
falta de competitividade, sendo criativos e com a ajuda de nossos só-
cios japoneses; fizemos um acordo com uma empresa siderúrgica ja-
ponesa, com vistas à utilização do porto de uma de suas subsidiárias
nas Filipinas; descarregávamos lá e os chineses pagavam pelo minério,
lá, carregado em navios de pouca capacidade. Com isso, passamos três
anos para vender minério para a China, de forma competitiva.
Com a abertura, na China, da mais moderna usina siderúrgica
já construída na costa, e seguindo a filosofia japonesa, visando a ope-
rar somente com minério importado, começamos a incrementar nossas
vendas na China - e o fizemos muito rapidamente. Também lá, estamos
tentando transformar os compradores de nossos produtos, os clientes,
em parceiros. Por exemplo, eu poderia mencionar um protocolo que
assinamos, de aliança estratégica com essa usina chinesa. Mediante
esta aliança, iremos, essencialmente, tentar vender o carvão chinês
aqui, no Brasil, enquanto a usina chinesa receberá nosso minério em
seu próprio porto, e transportado em navios de grande capacidade,
armazenará o minério e o distribuirá às pequenas empresas que não
têm como receber um grande navio, conforme suas necessidades. Este
é um exemplo de aliança que estamos fazendo. Outro tipo de aliança

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estratégica que estamos fazendo visa a transformar os chineses em
nossos sócios. Neste sentido, vimos explorando, em Minas Gerais, uma
mina de ferro em associação com essa usina chinesa.
O que aprendemos, portanto, foi o seguinte: o Brasil encontra-se
a grande distância da Ásia. Para vender lá, temos que ser competiti-
vos. E, para nós, ser competitivo não quer dizer ter o menor preço,
mas oferecer ao cliente aquilo de que ele precisa; é fazer com que o
cliente considere você um amigo e não um vendedor; é fazer com que
o cliente confie em você.
Temos metas muito estimulantes em relação à China. Já alcan-
çamos, hoje, a cifra de 10 milhões de toneladas de minério vendidas
por ano àquele país. No curto prazo, pretendemos vender quantidades
muito maiores. Para tanto, porém, estamos investindo um bocado nes-
se mercado. Temos um escritório em Shangai, onde anualmente reali-
zamos um seminário, para o qual convidamos empresas usuárias de
nossos produtos a fazerem exposições sobre as vantagens e a experi-
ência que adquirem com a utilização de nossos produtos; convidamos
também aquelas empresas siderúrgicas, de todas as partes da China,
que ainda não utilizam nossos produtos, para que ouçam o que os
demais têm a relatar, bem como cientistas e representantes das univer-
sidades. Enfim, temos feito um trabalho de marketing que tem funcio-
nado.
Só para concluir, eu diria que concordo integralmente com o
que disse o Sr. Charles Tang, representante da China. Trata-se de um
mercado fabuloso, com 1 bilhão e 300 milhões de pessoas querendo
consumir; é um mercado aberto ao Brasil, com enorme potencial, mui-
to pouco aproveitado pelas empresas brasileiras. Creio que o governo
brasileiro deveria incentivar ao máximo essas relações, as exportações
brasileiras para a China, por existir, ali, um enorme mercado à disposi-
ção dos que por ele desejam lutar.
Para finalizar, não posso deixar de expressar meus agradeci-
mentos ao Ministério das Relações Exteriores pelo fato de hoje ser-
mos grandes vendedores naquela região, onde dispomos de grande es-
trutura comercial, com escritórios em Tóquio, em Shangai, além de

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representantes em vários lugares, com contatos diários com todos os
nossos clientes, etc. Quando começamos essa campanha para alcan-
çar aquele mercado, entretanto, não conhecíamos ninguém na região,
não podíamos contatar ninguém lá. E só o conseguimos com o apoio
que tivemos do Departamento Comercial do ltamaraty, através das
embaixadas brasileiras no exterior. Quando eu precisava agendar um
encontro com algum cliente, eu solicitava ajuda à Embaixada. E as
embaixadas jamais falharam.
Hoje, felizmente, a Vale do Rio Doce não precisa mais disso,
mas muitas empresas brasileiras precisam e, entretanto, não fazem uso
desse serviço que se encontra disponível. O que é um absurdo!

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PRONUNCIAMENTO DE ENCERRAMENTO DO
EMBAIXADOR BERNARDO PERICÁS NETO *

Minhas senhoras e meus senhores,


Tivemos, ao longo destes dois dias, uma rica e produtiva dis-
cussão sobre as perspectivas que se abrem para as relações entre o
Brasil e os países asiáticos neste século XXI. O alto nível das apresen-
tações e dos debates que se seguiram proporcionaram um panorama
abrangente dos desafios e oportunidades que temos pela frente. Creio
que dispomos agora de um mapeamento bastante útil para divisarmos
os caminhos a trilhar em parceria com os países asiáticos.
No primeiro módulo, no qual se discutiu as implicações da
globalização e da regionalização para o estreitamento dos laços entre
Ásia e América Latina, os palestrantes abordaram os diferentes efeitos
da globalização sobre os países das duas regiões, avaliando as virtudes
e óbices da regionalização como estratégia de inserção internacional.
Diferentes configurações, como ASEAN+3, APEC, ASEM e Fórum
de Cooperação América Latina - Ásia do Leste foram mencionadas
como respostas que emergiram em diferentes momentos para fazer
face a esses desafios, examinando-se também possíveis formas de re-
lacionamento com o Mercosul e com a futura ALCA.
No segundo módulo, que abordou a questão das imagens e re-
alidades que permeiam as percepções dos atores das duas regiões, os
palestrantes sublinharam a necessidade de maior conhecimento recí-
proco entre formadores de opinião, acadêmicos e tomadores de deci-
são das duas regiões, de modo a superar a “tirania da distância” e des-
fazer estereótipos inerciais. Mencionaram-se as oportunidades ofere-
cidas pela globalização para uma conjugação de esforços entre a Ásia
e América Latina num grande “Arco de Ouro” cobrindo o Extremo-
Oriente, o Sudeste Asiático, o Extremo-Sul da África e a Costa Atlân-
tica da América do Sul. Constatou-se, principalmente, a importância
de se consolidar uma ordem internacional alicerçada no conhecimen-
to, transcendendo as óticas estreitas da política de poder e do dinheiro.
* À época Subsecretário-Geral de Política Bilateral do Ministério das Relações Exteriores.

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No terceiro módulo, no qual se tratou da questão crucial da
cooperação nos campos da ciência e tecnologia, verificamos uma
significativa convergência na necessidade de se identificarem e
adensarem nichos estratégicos para uma profícua cooperação Sul-Sul.
Foram sublinhadas as oportunidades proporcionadas pela sociedade
da informação, e alertou-se para os riscos do alargamento do hiato
digital em detrimento dos países em desenvolvimento. Assim, a
cooperação científica e tecnológica emerge como a área mais crucial
para uma conjugação de esforços solidários entre a Ásia e América
Latina.
No quarto módulo, ao examinarmos os fluxos e refluxos de
capital, bens e trabalho entre a Ásia e a América Latina, foram analisadas
importantes experiências passadas em termo de movimentos
migratórios e intercâmbios econômico-comerciais. Foram avaliadas as
dinâmicas específicas que impulsionaram esses processos e extraídas
oportunas conclusões acerca de suas potencialidades futuras.
Todos os tópicos analisados proporcionam valiosos subsídios
para o delineamento de estratégias de atuação por parte dos Governos
e atores sociais, com vistas a adensar cada vez mais os laços entre
nossas duas regiões nas dimensões humana, econômico-comercial,
científico-tecnológica e outras mais. Constatamos a existência de
promissoras áreas para promoção de um desenvolvimento cooperativo
entre nós. Melhoramos nosso conhecimento mútuo, apreciando as
especificidades de cada cultura dentro da globalização. Identificamos
importantes subprocessos dentro dessa globalização que poderão ajudar
na formulação de políticas adequadas para antecipar tendências futuras.
Deste Seminário emergiu de forma clara a importância de se
intensificarem a interlocução e os contatos diretos entre as duas regiões,
de modo que o melhor conhecimento recíproco proporcione
oportunidades para novas formas criativas de parceria. Pretende-se
fazer deste evento um processo continuado de acumulação e ampliação
de conhecimentos entre as duas regiões. Assim, além de continuar a
manter sólidos laços com os parceiros tradicionais, o Brasil buscará
desenvolver cada vez mais interação com países do Sudeste Asiático e
do Subcontinente Indiano, com vistas a ampliar os horizontes de atuação

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diplomática, econômica, comercial, tecnológica e cultural. Como
afirmou ontem o Senhor Ministro das Relações Exteriores, é chegado
o momento de uma redinamização de nosso relacionamento, buscando
elevá-lo a novos patamares.
Nesse sentido, este Seminário marca essa retomada da busca
de novos horizontes, conforme expresso em seu próprio título. Em
nome do Ministério das Relações Exteriores, gostaria de expressar o
agradecimento a todos os palestrantes que abrilhantaram este evento
e o reconhecimento pelos valiosos insumos intelectuais que ofereceram
para subsidiar a atuação diplomática brasileira na Ásia. Espero que
também os senhores participantes ajudem a divulgar os frutos deste
exercício, assim como a relatar uma imagem acurada da realidade
brasileira.

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PROGRAMA DO SEMINÁRIO:
“O BRASIL E A ÁSIA NO SÉCULO XXI:
AO ENCONTRO DE NOVOS HORIZONTES”

Módulo 1

GLOBALIZAÇÃO E INTER-REGIONALIZAÇÃO: PERSPECTIVAS


MULTIDIMENSIONAIS ENTRE A AMÉRICA LATINA E A ÁSIA

Moderador: Ivan Cannabrava (Brasil)

Palestrantes:

Cândido Mendes de Almeida (Brasil)


Henrique Altemani de Oliveira (Brasil)
Lee Jae Seung (Coréia do Sul)
Li Ming De (China)

Módulo 2

IMAGENS E REALIDADES DA GLOBALIZAÇÃO:


A ÁSIA QUE VEMOS E A ÁSIA QUE NOS VÊ

Moderador: Edmundo S. Fujita (Brasil)

Palestrantes:

Atsushi Kubota (Japão)


Brian Bridges (Hong Kong)
Jaime Spitzcovsky (Brasil)
Kuniko Inoguchi (Japão) 243
Tisuka Yamazaki (Brasil)
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Módulo 3

COOPERAÇÃO PARA O AMANHÃ: FRONTEIRAS E VEREDAS DA CIÊNCIA E


TECNOLOGIA

Abertura: Ronaldo Sardenberg (Brasil)

Moderador: Manuel Montenegro (Brasil)

Palestrantes:

Dang Huu (Vietnã)


Gautam Soni (Índia)
Gilson Schwartz (Brasil)
Maria Inês Bastos (Brasil)

Módulo 4

FLUXOS E REFLUXOS DE CAPITAL, BENS E TRABALHO ENTRE A ÁSIA E


A AMÉRICA LATINA: BAZAR E CARAVANSARAI DA GLOBALIZAÇÃO

Moderader: Carlos Henrique Cardim (Brasil)

Pelestrantes:

Charles Tang (Brasil)


Masato Ninomiya (Brasil)
Masuo Nishibayashi (Japão)
Pracha Gunakasem (Tailândia)
Tawfiq-e-Elahi Chowdhury (Bangladesh)
Yves Madeira (Brasil)

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Anexo

SEMINÁRIO BRASIL-OCEANIA:
NOVOS HORIZONTES

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DISCURSO PROFERIDO PELO SECRETÁRIO -G ERAL DAS
RELAÇÕES EXTERIORES, EMBAIXADOR LUIZ FELIPE DE
SEIXAS CORRÊA

Excelentíssima Senhora Primeira-Ministra,


Autoridades neozelandesas e australianas,
Senhoras e Senhores,
É com grande satisfação que dou as boas vindas à Primeira-
Ministra Helen Clark e sua comitiva nesta que será a primeira visita
oficial de um Chefe de Governo da Oceania ao Brasil. Sabemos de seu
grande interesse pessoal pela América Latina e Brasil e de seus esfor-
ços para interessar a sociedade neozelandesa pela cultura da América
Latina. Quero dar igualmente as boas vindas aos nossos visitantes aus-
tralianos, o Sr. Peter Shannon, Diretor Geral do Departamento das
Américas do Ministério das Relações Exteriores e do Comércio, e o
Sr. Bernard Wheelahan, Presidente do Conselho de Relações Austrália
- América Latina ( COALAR ), que gentilmente se prontificaram a
reprogramar visita, já planejada ao Brasil, para essa data, de modo a
participar do presente evento.
Creio importante salientar que este seminário, que tenho a sa-
tisfação de abrir, com a honrosa participação da Primeira-Ministra Helen
Clark, será o primeiro realizado no Brasil dedicado inteiramente às
relações entre o Brasil e a Oceania.
Não tenho dúvidas de que o nome dado ao seminário — Brasil
e Oceania: Novos Horizontes – expressa bem as opções que temos
diante de nós. No passado, as relações entre o Brasil , a Austrália e a
Nova Zelândia, embora sempre corretas, careciam de uma maior den-
sidade, não apenas no âmbito dos governos, mas também no das soci-
edades. Constato, satisfeito, que esse antigo quadro de relativo desco-
nhecimento mútuo não mais descreve, hoje, as relações entre ambas
as regiões.

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No âmbito governamental, foram numerosas as visitas de altas
autoridades que o Brasil recebeu desses dois países. Na última década,
foram 20 as visitas de alto nível da Austrália e 11 da Nova Zelândia.
Tivemos aqui, dessa região, Vice-Primeiros-Ministros, Chanceleres,
ministros de comércio e de agricultura e, por fim, uma Primeira-Minis-
tra, Chefe do Governo de seu país.
As embaixadas da Austrália e da Nova Zelândia em Brasília
têm tido papel importante nesse esforço. O Embaixador Conroy, já há
alguns anos em Brasília, tem sido infatigável. A Embaixadora Almao,
por sua vez, embora recém-chegada, não tem sido menos ativa na pro-
moção do diálogo com o Brasil.
Do lado brasileiro, não nos foi ainda possível, nesses anos que
se passaram, reciprocar, na mesma medida, esse fluxo intenso de visi-
tantes oficiais da Oceania. Espero, entretanto, que a visita da Primei-
ra-Ministra Helen Clark, conjugada a esse seminário, possa marcar um
divisor de águas no nosso relacionamento, pondo fim ao relativo
distanciamento que mantivemos da Oceania, ao demonstrar a todos
os presentes o enorme potencial a explorar nessa relação bilateral.
Temos diante de nós, Brasil e Oceania, desafios e oportunida-
des que surgem da globalização da economia mundial. Partilhamos de
valores semelhantes em grande número de campos. Trabalhamos para
a consolidação de nossos entornos regionais e para o fortalecimento
do sistema multilateral de comércio. Nessa área específica, Brasil,
Austrália e Nova Zelândia cooperam estreitamente, na busca comum
de um sistema multilateral de comércio mais eqüitativo e menos
excludente. Nossa recente participação em Doha refletiu, de forma
precisa, tal cooperação.
Apoiamos ambos os esforços em curso para tornar as Nações
Unidas uma organização mais legítima e mais eficiente. Na área
ambiental, preocupamo-nos com a preservação do meio ambiente,
campo no qual partilhamos muitas posições comuns. Temos colabora-
do, ainda, no enorme esforço do povo timorense de reconstruir seu
país e de reerguê-lo dos escombros em que se encontra. Poderemos
promover iniciativas conjuntas para a reconstrução daquele territó-
rio, mesclando e a expertise técnica australiana, neozelandesa e brasi-

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leira para suprir de forma rápida as necessidades urgentes daquele
território.
Com o presente seminário, o Brasil busca reafirmar seu interes-
se pela relação com a Oceania, relação essa que tem na visita da Pri-
meira-Ministra Helen Clark a perfeita ilustração das novas prioridades
com que hoje nos deparamos.
Desejo, assim, a todos os participantes do Seminário “ Brasil-
Oceania: Novos Horizontes”, que tirem o melhor proveito possível
do intercâmbio de idéias que a presença de participantes tão qualifica-
dos seguramente ensejará.
Passo agora a palavra à Primeira-Ministra Helen Clark, para
que profira a palestra-chave do Seminário de hoje.
Muito obrigado a todos.

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PALESTRA INAUGURAL PROFERIDA PELA
PRIMEIRA-MINISTRA DA NOVA ZELÂNDIA,
HELEN CLARK

Introdução
Considero bem-vinda a oportunidade de reafirmar nosso em-
penho conjunto em manter e intensificar os laços internacionais de
importância vital para nossos países no século XXI. Valorizo, especi-
almente, o fato de poder fazê-lo, em conjunto com nosso amigo e co-
laborador mais próximo, a Austrália. É igualmente bem-vinda a oca-
sião de contar-lhes um pouco do que acontece na Nova Zelândia.
A Austrália e a Nova Zelândia têm gozado de uma longa e
próxima relação. Compartilhamos uma história e temos origens cultu-
rais semelhantes. Capitalizamos sobre esses fatos ao trabalhar bilate-
ralmente, de maneira muito próxima, especialmente no âmbito do
Acordo de Aproximação Econômica (CER). A “Australia-New Zeland
Closer Economic Relationship” (ANZCER) é um acordo de livre co-
mércio de muito sucesso, que excedeu as expectativas. Gozando de
livre comércio em bens e serviços, o comércio entre a Nova Zelândia
e a Austrália quintuplicou. Atualmente, continuamos a tratar das bar-
reiras internas ao comércio, inclusive por meio de harmonização dos
regulamentos, a fim de levar a Nova Zelândia e a Austrália a uma
integração econômica ainda mais próxima. Com o CER não se trata
somente de comércio bilateral – trata-se, igualmente, de juntar-se à
Austrália para perseguir, internacionalmente, nossos muitos interesses
comerciais e econômicos.
Cooperamos, igualmente, muito estreitamente, em matéria de
segurança em nossa região, em Bougainville, Ilhas Salomão e Timor
Leste, onde nossos contingentes de operação de paz servem lado a
lado. Até mesmo ao estabelecer nossa Embaixada em Brasília, traba-
lhamos juntos – aqueles que estiveram presentes na cerimônia de inau-
guração da Embaixada, hoje de manhã, talvez tenham reconhecido o
lugar como tendo sido australiano anteriormente.

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Ao lado de muitos interesses comuns, temos também algumas
percepções e interesses diferentes e divergentes. Tamanho é um fator
importante nesse caso. Geopolítica é outro – a Austrália está numa
posição em relação à Ásia e à Melanésia que difere daquela da Nova
Zelândia. Nossa tendência é ver nossa vizinhança imediata como uma
zona que cruza o norte, a partir da Austrália, a leste, através da Melanésia
e, é claro, da Polinésia a oeste, onde, igualmente, temos relações de
longa data. Auckland é a maior cidade polinésia no mundo. Os povos
indígenas da Nova Zelândia, os maoris, formam parte significativa de
nossa população e cooperam para moldar nosso sentimento de
identidade nacional e nossas políticas. A Nova Zelândia é mais isolada,
geograficamente, do que a Austrália, e este fato tem impacto sobre
nossas percepções internas, bem como sobre nossa perspectiva externa
e de defesa. Um exemplo de diferenciação é a política anti-nuclear da
Nova Zelândia.
Mas, no que se refere à nossa relação com a América Latina e
com o Brasil em particular, a Nova Zelândia e a Austrália têm percep-
ções e objetivos semelhantes. Compartilhamos uma confiança na re-
gião, um otimismo em relação a seu futuro e um desejo de aprofundar
nossa relação. A Nova Zelândia e a Austrália são, como o Brasil, paí-
ses do “Novo Mundo”, livres das peias da tradição, mas abertos à ino-
vação e a novas idéias.

Cenário Internacional

Para a Nova Zelândia, a globalização é um fato. Somos uma


nação de comércio, com cerca de um terço de nosso PIB correspon-
dente a exportações. Precisamos de mercados para vender nossos bens
e serviços, precisamos de capital externo para investir no nosso futuro
e precisamos do estímulo e da energia, que provêm de um forte diálo-
go de idéias e cultura com nossos amigos, como o Brasil, e nos foros
internacionais.
A globalização não é fato novo. A Nova Zelândia moderna,
como o Brasil moderno, foram dados à luz pela parteira da globalização.
Seus ancestrais europeus estavam bem na frente dos nossos no que se

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refere à transferência de pessoas, tecnologia e cultura para nossas no-
vas e distantes terras. E, por meio deles, nossas culturas foram forte-
mente influenciadas por filosofias anteriores, tecnologias e cultura da
Grécia e Roma. O comércio com a Europa foi um ingrediente essenci-
al no nosso desenvolvimento - o açúcar do Brasil foi a carne e lã da
Nova Zelândia. Nossas nações foram construídas sobre o processo de
globalização.
Hoje, a tecnologia trouxe energia nova e desafios ao processo.
A velocidade cresceu. O volume de interações através das fronteiras,
especialmente o comércio em bens e serviços, aumentou dramatica-
mente. Por exemplo, nossas exportações para a América Latina salta-
ram 83% de junho de 2000 a junho de 2001, e nossas importações
provenientes da região cresceram 39%. É extremamente importante
que a condução do comportamento internacional seja governada por
regras – em especial, que o comércio mundial seja justo e baseado na
eqüidade. A Nova Zelândia beneficiou-se com a Rodada Uruguai, mas,
dado o papel desempenhado pela produção agrícola em nossas expor-
tações, não conseguimos a liberdade de comércio do mundo industri-
alizado. Alegramo-nos, portanto, que a OMC tenha recebido um man-
dato para nova rodada de negociações e estamos felizes pelo fato de
que nela a agricultura deverá representar papel importante. Já é tempo.
A Nova Zelândia e o Brasil trabalharam juntos, com afinco, no Grupo
de Cairns para conseguir tal resultado. O Ministro de Negociações
Comerciais Multilaterais Jim Sutton visitou Brasília em agosto para
discutir a tática do Grupo de Cairns.
A par de uma marcha inevitável em direção a uma economia
mundial cada vez mais globalizada, notamos uma globalização sem
precedentes na política internacional. A cada ano, o tamanho do mun-
do diminui. Os acontecimentos em Nova York e Washington, em 11
de setembro, aceleraram esse processo e continuarão a fazê-lo. Algu-
mas das conseqüências da globalização foram fortemente sublinhadas.
A comunidade internacional deve, agora, trabalhar em conjunto, de
modo sem precedentes na história, para enfrentar uma situação incer-
ta e perigosa. Como todos têm um papel a desempenhar, reconhece-
mos que o Brasil tem a dar uma contribuição significante.

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Precisamos compreender mutuamente a perspectiva um do
outro sobre esses acontecimentos e examinar de que forma podemos
construir sobre uma cooperação já existente. Os últimos anos nos de-
ram um fundamento sobre o qual começar – bom exemplo disto é o
trabalho que levamos a cabo na Nova Agenda para desarmamento
nuclear, no Grupo de Valdívia sobre o meio ambiente e no Grupo de
Cairns. Num mundo em mudança, precisaremos de todos esses conta-
tos – e mais – se quisermos manter nossa voz e influência e contribuir
para administrar os efeitos econômicos, políticos, de segurança e soci-
ais do terrorismo e de outras questões internacionais.
Não podemos fugir desses desafios globais. Devemos agir para
dar forma a nosso futuro coletivo global e para aproveitar as oportuni-
dades que se abrem com as mudanças e deslocamentos em andamento
no âmbito internacional. Sim, há riscos. O terrorismo é um deles. O
crime transnacional é outro. A biossegurança também. O deslocamen-
to social interno, igualmente. Como podemos administrar esses riscos,
ao mesmo tempo em que maximizamos o comércio de idéias e bens,
que trazem crescimento econômico e desenvolvimento, bem como a
interação social e cultural, que agregam energia e criatividade a nossos
esforços? Acredito que o podemos fazer ao trabalharmos juntos. E,
como o Brasil e a Nova Zelândia têm governos com um objetivo soci-
al e democrático comum – uma visão que combina os alvos de libera-
lismo econômico e justiça social – a colaboração pode ser muito pro-
dutiva.
Desde sua formação em 1948, as Nações Unidas têm sido um
elemento fundamental da política externa da Nova Zelândia. As Na-
ções Unidas nos proporcionam, na nossa qualidade de nação pequena,
a possibilidade de formar redes para ajudar a moldar o ambiente inter-
nacional. Posteriormente a 11 de setembro, as Nações Unidas prova-
velmente terão um papel de crescente importância na promoção de
um mundo mais seguro e justo.
A Nova Zelândia e o Brasil detêm um bom registro de coope-
ração nas Nações Unidas. Compartilhamos valores e aspirações. Nós
(e a Austrália igualmente) contribuímos para as forças de paz, inclusi-
ve no Timor Leste. Nossa cooperação estreita na Nova Agenda para o

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desarmamento tem sido notadamente bem sucedida. Trabalhamos jun-
tos por um Hemisfério Sul livre de armas nucleares e para melhores
acordos internacionais para o transporte marítimo de materiais nucle-
ares. Nosso Ministro do Desarmamento e Controle de Armas visitou
Brasília em julho para tratar dessas questões e manteve um encontro
frutífero com o Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Tam-
bém compartilhamos posições semelhantes no que se refere a ques-
tões de direitos humanos internacionais, particularmente no que tange
aos povos indígenas, tema do qual participamos ativamente, em dis-
cussões para o estabelecimento de um Foro Permanente para Ques-
tões Indígenas.
Antes de deixar a cena mundial para tratar, mais especificamen-
te, da Nova Zelândia, há um par de considerações que gostaria de fazer.
Freqüentemente me perguntam sobre a política anti-nuclear neozelan-
desa. Por que uma nação pequena, tão afastada dos grandes conflitos,
defende tão fortemente o desarmamento?
A defesa do desarmamento nuclear tem sido um tema impor-
tante na política externa neozelandesa por 30 anos. As ilhas da Nova
Zelândia estão no Oceano Pacífico, local do uso de armas nucleares
em 1945 contra o Japão e dos subseqüentes testes de armas por Grã-
Bretanha, França e Estados Unidos. (Notamos, também, que os ou-
tros Estados detentores de armas nucleares, China e Rússia, também
têm costas no Pacífico.) Esses acontecimentos em nossa região tive-
ram um impacto significativo na opinião pública. Manifestamo-nos
contra os testes franceses, na atmosfera e subterrâneos, na Polinésia
francesa e enviamos navios de guerra às proximidades da zona de tes-
tes em 1973 e 1995, como protesto. Declaramo-nos uma nação livre
de armas nucleares. E fomos um promotor-chave da Zona Livre de
Armas Nucleares do Pacífico Sul.
A Nova Zelândia tem consciência de que esta posição indivi-
dual deve ser apoiada por trabalho duro e paciente no âmbito multila-
teral. Todos os Estados, grandes e pequenos, têm direito a manifestar-
se. Usamos nosso direito para pedir por regras e convenções sólidas e
de caráter obrigatório, que façam do mundo um lugar mais seguro,
mais saudável, mais responsável do ponto de vista social e mais prós-

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pero. Buscamos, na segurança para todos, nossa segurança no âmbito
global.
É esse mesmo sentimento que levou a Nova Zelândia direta-
mente à luta internacional contra o terrorismo. Quando encontrei o
Presidente Bush em Xangai, no mês passado, na conferência da APEC,
esbocei o compromisso neozelandês, tendo em conta nossos recursos
limitados, de fornecer apoio para a campanha da coalizão contra os
terroristas e contra aqueles que os apoiam e protegem. O oferecimen-
to que fizemos à coalizão tem um componente militar – inclusive o
fornecimento de tropas do Serviço Aéreo Especial. Assumimos com-
promisso, igualmente, com o esforço multilateral anti-terrorismo e con-
sideramos que as Nações Unidas têm um importante papel a desempe-
nhar.
O contexto internacional, em que formulamos políticas inter-
nas e externas, é complexo e em rápida mutação. Todos os países estão
diante de grandes desafios e beneficiaremos de consultas e colabora-
ção mais estreitas, ao procurar meios de maximizar os ganhos para
nossas populações, minimizando, ao mesmo tempo, os riscos. A Nova
Zelândia deseja fortalecer seu compromisso com o Brasil em questões
internacionais. A Embaixada, recém-instalada, terá um papel-chave
nesse processo.

A Reação Neozelandesa

Sim, para a Nova Zelândia não há horizontes. Gostaria de indi-


car, agora, como a Nova Zelândia está reagindo e se adaptando, no
âmbito interno, aos novos desafios e oportunidades que nos confron-
tam.
Mas, em primeiro lugar, menciono alguns fatos. Nossa popula-
ção eleva-se a somente 3,8 milhões e nosso território é ligeiramente
maior do que a Grã-Bretanha. Como o Brasil, temos uma população
indígena vibrante. Os maoris são 15% do total. Os europeus estabele-
ceram-se na Nova Zelândia em virtude de tratado e não de conquista,
o que teve influência na determinação do lugar que os maoris ocupam
em nossa sociedade. Nossa economia é baseada em agricultura e ser-

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viços – a indústria é leve. Nosso PIB per capita está por volta de US$
14.000,00 e nossa economia desenvolve-se bem. O crescimento, de
junho do ano passado a junho deste ano, foi de 3,5%. O desemprego,
em 5,2%, é o mais baixo nos últimos 13 anos.
A Nova Zelândia aceita o fato de que mudanças são inevitá-
veis. Aceitamos tais mudanças. Abrimos nossa economia, reformamos
nossas instituições, permitimos a abertura de mercados. Tornamo-nos
uma economia mais forte e competitiva do que éramos. E já 80% de
nossa força de trabalho encontra-se empregada no setor de serviços.
Mas sabemos que temos que fazer mais.
Como um país pequeno e isolado, com uma população com
educação de alta qualidade, a Nova Zelândia está em condições de
beneficiar-se mais do que outros de novas idéias e novas tecnologias,
especialmente em comunicações. Ao aproveitarmos a onda do conhe-
cimento, almejamos acelerar a transformação de nossa economia, já
em andamento, de um comércio de produtos de base em um comércio
de bens industriais mais sofisticados e de serviços. E conferimos alta
prioridade à inclusão social e à participação – é importante que os
benefícios da nova economia se distribuam por todos os setores da
sociedade.
A Nova Zelândia encara o desenvolvimento de nova maneira.
Estamos elevando nossos níveis de talento e conhecimento por inter-
médio de maior participação na educação pré-escolar, de melhor infra-
estrutura e habilidades na tecnologia de informação e de melhor
capacitação e especialização no setor terciário. Encorajamos inovação
por meio de mais financiamento público para a ciência e a pesquisa,
bem como de tratamento fiscal mais favorável para pesquisa e desen-
volvimento. Por meio de um sistema de incubação de empresas,
comercializamos o novo conhecimento que geramos. O Governo for-
nece às empresas capital destinado ao início de atividades. Estamos
encarando de maneira nova a atração de investimento externo direto.
E estamos desenvolvendo estratégias avançadas de nível mundial para
o comércio eletrônico e para o governo eletrônico.
O Governo é um catalisador da economia inovadora. Nosso
papel é o de oferecer liderança estratégica e de facilitar, coordenar,

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servir de intermediário e de parceiro, bem como de financiar, quando
apropriado, novas iniciativas para melhorar nossa competitividade e
assegurar que o novo crescimento seja sustentável. Estamos constru-
indo uma nação em rede. Queremos facilitar a interação entre centros
de talento locais e globais, bem como encorajar outros a investir, vi-
ver, trabalhar e associar-se, em qualquer campo, com a Nova Zelândia.
Somos um local estável para investimentos, com alguns agrupamen-
tos de empresas de nível mundial – por exemplo, nos campos de
biotecnologia, tecnologia da informação, processamento de alimen-
tos, lazer marinho (vocês saberão onde está localizada a Copa das
Américas), processamento de madeira. Constituímos um lugar fácil e
competitivo para negócios, com um sistema de telecomunicações de
alta qualidade. E nosso meio ambiente limpo torna nossa proposta de
estilo de vida uma das melhores do mundo.
Essa visão de nosso futuro é que me trouxe ao Brasil, no espí-
rito de parceria entre o Governo e o setor privado, com 12 de nossos
mais altos executivos. As necessidades e interesses dos negócios são
consideração relevante na modelação das políticas internas e externas.
São os negócios que geram padrões de vida crescentes. Por isso estamos
tentando criar um meio internacional de negócios mais flexível e mais
aberto. Estamos complementando nossos esforços multilaterais de li-
vre comércio na OMC com acordos bilaterais e regionais. Nosso pri-
meiro acordo de livre comércio foi o CER com a Austrália. Nosso
acordo bilateral de livre comércio com Cingapura entrou em vigor no
dia primeiro de janeiro do corrente ano. Estamos, no momento, nego-
ciando com Hong Kong. E tivemos conversações preliminares com o
Chile e com os Estados Unidos.

A Nova Zelândia e o Brasil

Esta visita, a primeira de um Primeiro-Ministro neozelandês,


juntamente com a inauguração da Embaixada, devem ser vistos como
um símbolo de nosso empenho, ao forjar nosso futuro, em fazer novos
amigos, em revigorar velhas amizades e em buscar aliados e sócios. O
Brasil detém lugar importante em nossos planos. A abertura da Em-
baixada foi uma das primeiras decisões após o lançamento, no ano

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passado, de nossa estratégia para aprofundar e alargar laços com a
América Latina. Quando mencionei essa possibilidade ao Presidente
Cardoso, ao encontrarmo-nos em Santiago no ano passado, sua reação
foi entusiástica.
A Nova Zelândia e o Brasil já têm uma relação sólida. Especi-
almente se levamos em conta que faz pouco tempo que estamos ex-
pandindo nossas relações externas. Como já assinalei, cooperamos bem
internacionalmente e esperamos que essa cooperação se intensificará
no futuro. Nossa relação comercial é crescente. O comércio em ambos
os sentidos aumentou 14% de junho 2000 a junho 2001, elevando-se
a NZ$ 167 milhões. NZ$ 88 milhões desse total corresponderam a
exportações brasileiras para a Nova Zelândia. Assinamos acordos bi-
laterais que cobrem serviços aéreos e quarentena. E tem havido algum
investimento neozelandês no Brasil.
Defrontamo-nos atualmente com nova oportunidade de inten-
sificar nossas relações bilaterais. Queremos compartilhar com vocês
idéias, bens, serviços, tecnologias, inovações, capital e pessoas. Que-
remos fazê-lo no plano político, em assuntos econômicos e comerci-
ais, no plano comercial, por intermédio de nossos laços de negócios, e
também no plano da relação de pessoa a pessoa, em que podemos
compartilhar inúmeros interesses, incluindo música, artes, esporte e
cultura.
A educação é um meio-chave de estimular laços mais estreitos
a longo prazo. Já tem um impacto a presença dos muitos jovens brasi-
leiros que vêm para nossas escolas médias. Gostaríamos que permane-
cessem e seguissem nossas universidades e politécnicas, que oferecem
padrões educacionais de nível mundial e que são eficientes em matéria
de custo/benefício. Podemos, igualmente, oferecer excelentes oportu-
nidades de estudos sabáticos. O Reitor da Universidade de Otago, Dr.
Graeme Fogelberg, faz parte de minha delegação e assinará, hoje, um
Memorando de Entendimento com a Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Em São Paulo, assinará um acordo semelhante com a Funda-
ção Getúlio Vargas. Esses acordos facilitarão a troca de estudantes e
docentes.

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O turismo é outra maneira de podermos compartilhar nossas
experiências. A Nova Zelândia oferece uma experiência única e segu-
ra. Amanhã, juntamente com o Presidente Cardoso, testemunharei a
assinatura do Acordo de Dispensa de Vistos entre a Nova Zelândia e
o Brasil. Isto facilitará os negócios e o turismo entre nossos países.
Ciência e Pesquisa é outro elemento importante a ser estimula-
do, à medida que buscamos aprender um com o outro, por intermédio
de nossas redes de inovação. O Presidente Cardoso e eu também tes-
temunharemos a assinatura de um Acordo de Ciência e Tecnologia
que trará melhoras ao intercâmbio de idéias e tecnologia. Espero que
alguns de vocês aproveitem a oportunidade para conhecer o que te-
mos a oferecer e que nos acompanhem em pesquisa conjunta.
Esperamos concluir um Acordo de Férias de Trabalho com o
Brasil. Concluímos acordos deste tipo, no corrente ano, com Chile,
Uruguai e Argentina, e esperamos ver o Brasil juntar-se a nós para
encorajar nossos jovens a viajar e trabalhar informalmente nos nossos
respectivos países.
Queremos que vocês nos conheçam melhor. Acredito que a cul-
tura e as artes são importantes para dar um acabamento a nossa relação
política e de negócios. Aprofundam o entendimento e oferecem uma
maneira de divertirmo-nos juntos. É por isso que viajo com um pequeno
grupo de maoris – para compartilhar nossa diversidade cultural.
E queremos conhecer o Brasil. É por isso que o Governo fi-
nanciou a vinda ao Brasil, este ano, do diretor artístico, a fim de iden-
tificar potenciais participantes no Festival de Artes da Nova Zelândia
em 2002 – e tenho prazer em informar que o Brasil estará fortemente
representado tanto em música quanto em dança. No começo deste
ano, também apoiamos uma exposição de arte popular brasileira em
Wellington.
Pode-se ver, assim, que já estamos progredindo juntos, explo-
rando nossos novos horizontes, no momento em que o Brasil se torna
mais intensamente para o oeste, para a Oceania e a Ásia/Pacífico, e
quando a Nova Zelândia e Austrália olham para o leste, através dos
Andes.

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Prevejo o tempo, talvez num horizonte mais distante, quando
nossas relações, especialmente comerciais e econômicas, estarão mais
formalmente atadas com o Brasil. Isto pode acontecer por meio de
uma ligação à ALCA, ou, talvez, por meio do Mercosul. A Nova Zelândia
teria interesse nesse aspecto. Mas, enquanto isso não acontece, nossos
Governos podem trabalhar para maximizar perspectivas de coopera-
ção por meio de contatos políticos de alto nível mais numerosos; de
cooperação alargada em questões internacionais; de quadros melhora-
dos de comércio e investimentos; de maior número de contatos de
pessoa a pessoa.
Para concluir, devo dizer que, conquanto o terrorismo tenha
lançado sua sombra sobre nós nas últimas semanas, também nos viu
duplicar nosso empenho em trabalhar juntos enquanto comunidade
internacional. Juntamente com meus colegas de empresas, estivemos
decididos a realizar esta visita – devemos continuar a construir nossas
importantes relações internacionais. A prosperidade e estabilidade glo-
bais, bem como a sustentabilidade ambiental, só podem ser alcançadas
por nações que trabalhem juntas. Estou animada pela atenção e aber-
tura, mostradas pelo Brasil à Nova Zelândia, bem como pela reação
calorosa à inauguração da Embaixada neozelandesa. Hoje é um novo
ponto de partida. Construiremos mais e melhor.

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P ALESTRA PROFERIDA PELO VICE - SECRETÁRIO DE
N EGÓCIOS E STRANGEIROS E C OMÉRCIO DA N OVA
ZELÂNDIA, JOHN WOOD

A política de Comércio da Nova Zelândia

Senhor Presidente, meu bom amigo Edgard Telles Ribeiro,


Embaixador do Brasil na Nova Zelândia, senhoras e senhores.
Gostaria de agradecer o Ministério das Relações Exteriores do
Brasil e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais por propor-
cionar-me a oportunidade de falar sobre a política comercial da Nova
Zelândia. O cálculo do tempo para esta oportunidade foi impecável.
Acabo de voltar de Doha, onde se realizou a mais alta prioridade neo-
zelandesa em comércio – o lançamento de uma nova rodada de nego-
ciações multilaterais de comércio, ou, como foi designada, a Agenda
de Desenvolvimento de Doha. Sei que os resultados em Doha serão
de grande interesse para o Brasil – trabalhamos juntos no Grupo de
Cairns, na preparação de Doha, e durante a própria reunião, no sentido
de conseguir uma negociação em que a agricultura receba a atenção
que deve, para alcançarmos um comércio mundial mais livre e mais
justo. Queremos construir sobre o resultado da Rodada Uruguai, ao
procurar colocar a agricultura sobre a mesma base em que está o co-
mércio de todos os outros bens.
A Nova Zelândia vê com bons olhos, sem dúvida, o fato de
que 124 nações decidiram lançar esta nova rodada de negociações.
Não conseguimos tudo o que queríamos, mas estamos satisfeitos com
os resultados. As apostas eram altas e os ganhos potenciais são claros.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) calcula que a elimina-
ção de todas as barreiras ao comércio estimularia a economia mundial
em cerca de US$ 1,9 trilhões. É difícil de compreender um número
dessa ordem, mas imaginem que mais duas economias, cada uma do
tamanho da China, se somem à economia global.

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Só em se tratando da Nova Zelândia, uma redução de 50% nas
barreiras agrícolas, globalmente, adicionaria 4% a nosso PIB a cada
ano, todos os anos – o que significa uma duplicação do crescimento
que tivemos no ano passado. Precisamos de melhor acesso aos merca-
dos, preços mais altos para nossas exportações, custos de negócios
mais baixos e laços econômicos mais fortes com outros países. E uma
rodada multilateral, o equivalente a levar adiante, simultaneamente,
141 negociações bilaterais de comércio, é a melhor maneira de alcan-
çar os resultados que buscamos.
O sistema baseado em regras funciona para economias peque-
nas como a nossa. Permite-nos argumentar com base não na força ou
músculo econômicos, mas em fatos, regras, ciência, e ganhar a argu-
mentação. Usamos o mecanismo de solução de controvérsias para as-
segurar o acesso de nossa manteiga à Europa, para reverter a ação dos
Estados Unidos no que diz respeito à nossa carne de carneiro, para
abrir o mercado coreano para a carne, e estamos ainda trabalhando
para conseguir que os canadenses cumpram o que foi acertado na OMC
referente aos subsídios às exportações de laticínios. Sendo a agricultu-
ra o setor mais protegido internacionalmente, defendemos ativamen-
te, e com sucesso, na OMC. nossos interesses. Devemos estar, certa-
mente, vigilantes e, se necessário, nos defenderemos outra vez.
Muitos aqui presentes saberão que a OMC é presidida por Mike
Moore, cidadão neozelandês. No momento em que a Quarta Confe-
rência Ministerial adotou a Declaração Ministerial que, na noite de
quarta-feira, na semana passada, lançou a rodada, Mike Moore deixou
cair uma lágrima. Foi um momento emocionante. Depois do fracasso
de Seattle e tendo em conta os acontecimentos dramáticos de setem-
bro, havia certamente pressão sobre a OMC e sobre seus Estados mem-
bros para que chegassem a resultados.
A reunião de Doha será lembrada pela delegação da Nova
Zelândia como uma conferência com boa atmosfera. Houve, apesar
de divergências no que se refere à parte técnica, uma vontade geral e
genuína de avançar o processo. As circunstâncias não eram comuns.
Doha não está longe da zona de guerra. E houve preocupação signifi-
cativa no que se refere à segurança. Mas o encontro foi tranqüilo, o

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centro de conferência, excelente, e o Ministro do Comércio do Catar,
um presidente astuto, bem humorado e altamente eficiente.
O resultado-chave para a Nova Zelândia, para o Brasil e para a
Austrália foi o que se conseguiu em matéria de agricultura. Foram ne-
gociações difíceis. A União Européia e, certamente, os franceses e os
irlandeses, lutaram até o último momento, mas o trecho sobre agricul-
tura, preparado por Stuart Harbinson, oriundo de Hong Kong, Presi-
dente do Conselho Geral da OMC, sobreviveu com apenas uma pe-
quena modificação, graças à aceitação das posições da União Euro-
péia sobre meio ambiente. A Nova Zelândia trabalhou nesse texto,
como parte de um subgrupo do Grupo de Cairns. O principal resulta-
do em agricultura é o acordo para negociar a eliminação gradual dos
subsídios às exportações, a mais poderosa arma contra países agríco-
las que comerciam lealmente e contra a maior parte, senão todos, os
países em desenvolvimento. No que foi um espetáculo sem preceden-
tes, o Japão recebeu uma ovação ao anunciar que apoiaria o texto so-
bre agricultura sem modificações. Os mandatos para o acesso aos mer-
cados não agrícolas e serviços permanecem sem modificações. De um
modo geral, as seções sobre acesso a mercados oferecem uma boa base
para negociação, e este é um excelente resultado.
O importante é que este resultado foi alcançado sem incorrer
em sérios riscos para as disciplinas sensíveis da OMC, como questões
sanitárias e fitossanitárias. A seção da reunião referente a regras foi
conduzida eficientemente pelo Ministro do Comércio da África do Sul,
Alec Irwin, e contém resolução para as preocupações norte-america-
nas sobre a linguagem anti-dumping precedente. O texto é aceitável para
o Japão e outros que buscam uma negociação no que se refere a essa
questão. A seção de regras inclui, ainda, um mandato para negocia-
ções sobre subsídios à pesca – outro objetivo-chave da Nova Zelândia.
Iniciamos conversas sobre esse tema com os EUA em 1997 e presidi-
mos, desde então, o Grupo de Amigos dos Peixes. Houve forte resis-
tência por parte de Japão, Coréia e União Européia. Entretanto, for-
mou-se uma ampla coalizão quanto a essa questão, com forte apoio
das nações pesqueiras em desenvolvimento, bem como de países de-
senvolvidos, que reagiam às pressões de seus grupos ecologistas, o
que ajudou a alcançar um excelente resultado.

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Outras questões não se apresentaram tão nítidas. Depois de
negociações intensas de última hora sobre investimentos, competição,
facilitação do comércio e transparência no governo, um resultado só
foi possível com a aceitação de uma dose de ambigüidade no texto. Há
um mandato para negociação em cada um desses itens, mas condicio-
nal à obtenção de acordo sobre modalidades de negociação, a ser ado-
tado na Quinta Conferência Ministerial da OMC, dentro de dois anos.
O meio ambiente foi o maior desafio. O resultado foi algo com-
plexo e, provavelmente, pouco claro. A modificação de mais substân-
cia é a adoção de um mandato para negociar sobre a relação entre as
regras da OMC e os Acordos Multilaterais sobre o Meio Ambiente
(MEA’s). Apesar de o texto ser vago e aberto a diferentes interpreta-
ções, os riscos que nele se encontram são limitados e decidimos que
poderíamos conviver com ele. No que se refere ao tema trabalho, con-
sideramos que o compromisso atingido foi adequado – preserva a re-
ferência a esforço relevante que foi levado a cabo na Organização
Internacional do Trabalho -, apesar de termos argumentado fortemen-
te a favor de empenho mais ativo da OMC naquele esforço.
A declaração TRIPS/Medicamentos constituiu um resultado
positivo, não só pela maneira como tratou das questões em si, mas tam-
bém porque reconheceu as necessidades e preocupações dos países em
desenvolvimento, de maneira que emprestou impulso à reunião como
um todo. O Brasil tem, de várias perspectivas, enorme interesse nessa
matéria. A Nova Zelândia foi um dos oito países – e o único que não
detinha interesse direto na matéria – que trabalharam sob a direção do
delegado mexicano Amigo do Presidente para alcançar o resultado.
Nessas circunstâncias, a reunião de Doha foi mais inclusiva do
que qualquer outra no passado e acreditamos que estabelece um cami-
nho que levará a um aumento significativo da aceitação da OMC e de
um sistema de comércio baseado em regras justas e transparentes.
Estamos satisfeitos com esse fato. E, como assinalamos, estamos sa-
tisfeitos com o fato de que a rodada terá o nome de Agenda de Desen-
volvimento de Doha.
A Nova Zelândia complementou essas atividades multilaterais
com a disposição de avançar nos acordos regionais e bilaterais de co-

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mércio. Para uma economia pequena como a nossa, uma das princi-
pais prioridades é o aumento do mercado para nossos bens e serviços.
Como notou a Primeira-Ministra, temos com a Austrália um avanço
significativo nessa direção, por intermédio do Acordo de Aproxima-
ção Econômica (CER), que constitui o modelo mundial – modelo que
estabelece o padrão internacional – para um acordo aberto e extensivo
de liberalização do comércio.
Progresso no âmbito regional significa, para nós, progresso na
Ásia e Pacífico, por intermédio do processo da “Cooperação Econô-
mica Ásia e Pacífico” (APEC). A APEC, ou a chamada visão Bogor
de comércio e investimento abertos na região, entre economias desen-
volvidas, até 2010, e entre economias em desenvolvimento, até 2020,
é boa e todas as 21 economias membros retomaram, em Xangai, no
mês passado, seu compromisso de atingir essas metas. O problema é
chegar lá a partir de onde estamos. Como a Primeira-Ministra teve
oportunidade de mencionar ao Presidente Fox no México, na semana
passada, estamos esperando 2002 e o ano mexicano na Presidência da
APEC para avaliar o progresso que estamos fazendo na integração
econômica regional, bem como para propor esforços adicionais que os
membros podem levar a cabo coletivamente, e nos chamados grupos
escoteiros, para tornar realidade, no tempo aprazado, as ambições da
APEC. Existem, ainda, desafios, a serem enfrentados se quisermos
concluir o trabalho.
Nos últimos anos, um grande número de países tem procurado
parceiros bilaterais, fato que não é destituído de relação com o fracas-
so de Seattle. Tanto assim que a OMC chamou a atenção para o perigo
crescente de que tais acordos possam ser vistos como substitutos para
a liberalização multilateral.
Acreditamos que, constituídos adequadamente, esses acordos
podem facilitar e encorajar o progresso nos âmbitos regional e multila-
teral. Não estamos interessados em acordos de comércio de baixa qua-
lidade. Advogamos acordos amplos “OMC-mais” que impulsionam o
multilateralismo ao invés de dificultá-lo. No momento, temos dois acor-
dos desse tipo. Assinamos um Acordo de Parceria Econômica Estreita
(CEP) com Cingapura no final do ano passado, que entrou em vigor

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em 1º de janeiro e já está produzindo resultados animadores, particu-
larmente em investimento e serviços.
Nem bem terminamos as negociações com Cingapura, já inici-
amos o mesmo processo com Hong Kong. Não é uma coincidência o
fato de estarmos empenhados em acordos CEP ou em negociações
com as outras duas economias, situadas no topo do índex internacio-
nal de liberdade econômica – Cingapura e Hong Kong. Calculo que as
negociações com Hong Kong serão concluídas durante o primeiro se-
mestre do ano vindouro. Como deixamos claro, a Nova Zelândia está
interessada em buscar outras opções na região, inclusive com países
tais como o Chile, a Coréia e a Tailândia.
Juntamente com a Austrália, trabalhamos para estreitar os la-
ços com os 10 membros da ASEAN. A meta de uma parceria econô-
mica mais estreita ALCA-CER detém perspectivas de ganhos subs-
tanciais, tendo em conta a magnitude desse grupo regional, apesar
de estarmos conscientes de que tal probabilidade levará tempo para
realizar-se. Chegamos a um acordo quanto a um quadro a ser tomado
como base para desenvolver o Acordo de Parceria Econômica Es-
treita ALCA-CER, bem como quanto a um programa de trabalho
inicial.
Há um prêmio bilateral acima de todos os outros: os Estados
Unidos, na qualidade de maior e mais rico mercado do mundo. Esse
mercado tem atraído considerável interesse, como resultado das con-
versações de nossa Primeira-Ministra em Xangai e ela regressou com
grau de otimismo maior. Esta é uma alta prioridade para nós. Com a
Austrália e a Nova Zelândia tomados como um “pacote” CER, acre-
dito que estaremos em melhor posição para ser colocados no começo
da fila norte-americana.
Desejamos um acordo de alta qualidade e isso significa que
terá que ser amplo. Não tem sentido falar em excluir setores, tais como
agricultura. Isto não é de nosso interesse, nem será do interesse da
Austrália, se conseguirmos uma negociação CER, nem, na verdade,
do interesse dos EUA. Esse fato significa que as negociações serão
duras – a agricultura não foi uma preocupação nas nossas negociações
com Cingapura ou Hong Kong – mas isso deveu-se a que buscávamos

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uma liberalização verdadeira, que beneficie nossos comerciantes. O
modelo é bom com os EUA e os resultados de um CEP seriam signifi-
cativos.
Como comentário final sobre nossa atividade bilateral e regio-
nal, devo dizer que essa é uma área em que o governo, as empresas e
todos os outros envolvidos devem trabalhar juntos. A Nova Zelândia
não está empenhada na busca de acordos somente por serem acordos.
Estamos buscando benefícios reais para as empresas neozelandesas,
resultados reais que contribuirão para alcançar as metas acima referi-
das. Isso significa compromisso ativo da parte do governo com organi-
zações como o Instituto Neozelandês de Exportadores e o Conselho
Empresarial Nova Zelândia-América Latina, ambos representados na
delegação de empresários que viaja hoje com nossa Primeira-Ministra.
Estou, portanto, aqui hoje, representando um país que detém
uma política de comércio que olha para o exterior. Somos pequenos,
nossos recursos são limitados e precisamos exportar para sobreviver.
Valorizamos muito a oportunidade de trabalhar com o Brasil para alar-
gar nosso acesso aos mercados mundiais. O presente seminário foi
intitulado “Brasil – Oceania: Novos Horizontes”. Vejo dois novos ho-
rizontes de comércio diante de nós – um é a oportunidade de construir
sobre o fundamento de nossa cooperação no Grupo de Cairns, na OMC,
durante a Agenda de Desenvolvimento de Doha, para proteger e fazer
avançar nossos interesses comuns. A Nova Zelândia tem interesse em
forjar laços de livre comércio com o Mercosul. Temos mantido, já por
alguns anos, um diálogo intermitente sobre as possibilidades nessa área,
mas, francamente, com pouco ou nada em matéria de resultados con-
cretos. São necessárias negociações sérias, que resultem em compro-
misso real de ação. A Nova Zelândia e, imagino, a Austrália desejaría-
mos recomeçar a negociação num espírito muito positivo.
Muito obrigado.

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PALESTRA PROFERIDA PELO EMBAIXADOR DO BRASIL NA
NOVA ZELÂNDIA, EDGARD TELLES RIBEIRO

Introdução

Minha contribuição intitula-se “Brasil-Nova Zelândia: opor-


tunidades e perspectivas sob uma ótica brasileira”. O primeiro tema
que nos vem à cabeça quando se fala de Nova Zelândia (no Brasil
pelo menos) diz respeito à questão da distância. Costuma-se afirmar
que a Nova Zelândia é bela e fascinante, mas que é “longe”. E houve
uma época em que, de fato, as distâncias constituíam um sério impe-
dimento às relações.
Existem, no entanto, vários tipos de “distâncias”, entre as quais
as físicas ou geográficas — e as psicológicas. No que se refere às
físicas ou geográficas — que aparentemente tornam o Pacífico que
nos separa tão imenso e intransponível —, contamos hoje com três a
quatro vôos semanais da América do Sul para a Nova Zelândia, via
Buenos Aires ou Santiago. (E pode ser que a Aerolíneas Argentinas
volte a operar essa linha em março de 2002.) A título de referência,
o vôo Buenos Aires-Auckland equivale, em duração, a um vôo Rio-
Paris. Se acrescentarmos a esse trajeto as duas horas que separam o
Rio de Janeiro (ou São Paulo) de Buenos Aires, poderíamos dizer
que, hora por hora, ou quilômetro por quilômetro, um brasileiro está
tão distante da Nova Zelândia quanto da Áustria, Grécia ou
Escandinávia.
Mas é sobretudo a distância psicológica que vem aos poucos
desaparecendo, em função da comunicação via eletrônica. (Para não
falar das reduções de custo nas comunicações por telefone ou fax.)
Essa revolução no campo da tecnologia da comunicação vem encur-
tando as distâncias entre nossos países e nossas regiões, pois permi-
te investigações instantâneas de toda natureza, desde pesquisas de

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mercado, à busca de informações mais específicas. Cria-se assim uma
intimidade impensável em outra eras.
O que precede ganha em importância quando justaposto ao
grande pano de fundo das afinidades que compartilhamos com a Nova
Zelândia. A globalização, como se sabe, tanto quanto uma realidade, é
também um fenômeno. Um dos aspectos mais interessantes desse fe-
nômeno é revolucionar — ou relativizar — o conceito de fronteiras.
Essas se redesenham no espaço e passam a existir sobretudo em fun-
ção de afinidades (ou falta de afinidades).
Com a Nova Zelândia temos uma série de afinidades, que de
certa forma nos tornam “vizinhos”. Em um extremo (olhando para o
passado), somos ambos países colonizados por Europeus, com tudo
que isso implica em termos de heranças e desafios. No outro extremo,
do presente, temos ambos uma maneira própria (e original) de nos
posicionarmos no cenário internacional. Brasil e Nova Zelândia falam
com voz própria em foros multilaterais. E têm uma agenda internacio-
nal muito parecida, que constituiu uma das bases de nossa aproxima-
ção.
Foi, aliás, o guarda-chuva multilateral que nos aproximou, no
início da década de noventa. O cenário mais específico era o Conselho
de Segurança das Nações Unidas, onde estivemos juntos como mem-
bros não-permanentes no biênio 93/94. Ali começamos a forjar uma
parceria em temas como Desarmamento, Meio Ambiente, Direitos
Humanos, entre muitos outros.
Nossos países ocupam, no Hemisfério Sul, um espaço que não
é só geográfico. Formamos com Austrália, África do Sul e outras na-
ções amigas um cinturão onde o diálogo e a cooperação incidem não
apenas sobre as áreas acima mencionadas, como sobre outras mais
específicas, que vão de nossas pesquisas na Antártica ao aproveita-
mento sustentável dos mares austrais, da pacificação de conflitos her-
dados do colonialismo (de que tivemos provas recentemente em Timor
Leste) à criação de alternativas de cooperação econômica e cultural.

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AGENDA BILATERAL
A partir desse pano de fundo, criadas por assim dizer as condi-
ções de aproximação, passo agora à parte propriamente substantiva da
relação — no sentido de mais tangível.
Estaremos assinando amanhã um Memorando de Entendimento
na área de Ciência e Tecnologia. A Nova Zelândia é um país a um
tempo gerador e exportador de tecnologia avançada em áreas nicho,
como processamento de laticínios, genética animal e vegetal,
informática, entre outras. O mecanismo assinado permitirá acelerar a
cooperação entre diversas instituições dos dois países, notadamente,
no caso brasileiro, a EMBRAPA (na área agropecuária e de engenharia
genética) e o Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnológica
(na área de tecnologia de informação). Por outro lado, o sistema neo-
zelandês de fomento à pesquisa mediante a compra concorrencial, pelo
Governo, de projetos de pesquisa, também poderá interessar aos ór-
gãos e entidades brasileiros de apoio à ciência e à pesquisa (CNPq e
outros).
Por seu lado prospectivo, e pelos progressos da Nova Zelândia
em áreas de tecnologia de ponta, não creio haver instrumento que
melhor sinalize a riqueza potencial de nossa cooperação.
Essa cooperação, vale lembrar, já vinha se processando de
maneira espontânea nos meios acadêmicos dos dois países antes mes-
mo que ambos os Governos considerassem marcos mais formais de
referência. Inúmeros são os estudantes que fazem cursos de pós-gra-
duação nas Universidades de Massey e Lincoln em áreas agro-pastoris
ou de biotecnologia. E a Escola de Medicina da Universidade de Otago
mantém, desde 1999, mecanismos de cooperação com a Universidade
Federal de Santa Catarina na área de saúde pública, por meio de pro-
gramas de treinamento avançados realizados no Centro de Pesquisas
em Ecologia e Saúde da referida Universidade.
Na Universidade neozelandesa de Massey, brasileiros estudam
maneiras de melhor aproveitar os pastos da região centro-sul do Brasil
por meio de tratamento e rodízios de sistemas pastoris. Aprendem como
produzir leite, carne e fibras a partir das melhorias nas condições do pasto

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— sem que os animais dependam de rações caras e outros concentra-
dos. Descobrem de que maneiras as características do solo afetam o
gado — e o que isso poderia significar para a melhoria na criação de
rebanhos no Brasil. (Existem, na Nova Zelândia, PhDs de fama mun-
dial na relação entre pastos e animais.) Outros estudantes trabalham
em horticultura, mexem com sistemas de conservação de frutas, ou
desenvolvem projetos de computação na área agro-pastoril.
Um outro setor que poderá interessar ao Brasil é o pesqueiro.
A indústria de pesca neozelandesa funciona dentro de uma interessan-
te e inovadora estrutura jurídica, que tem assegurado uma exploração
sustentável e racional dos recursos marinhos encontrados na zona eco-
nômica exclusiva do país. Há um sistema de licitação concorrencial
de quotas proprietárias de pesca em alto mar. Parte da quota pertence
à população Maori local, que é dona de uma das mais bem sucedidas
empresas de exportação de pescados, a “Sealord”. A indústria local
aplica alta tecnologia na captura do pescado em águas profundas e na
comercialização internacional do produto (geralmente na Coréia do
Sul e no Japão). Está associando-se a empresas namibianas, chilenas e
aos inuits, do Canadá, em um esforço de transnacionalização de suas
operações e de controle do mercado de certas espécies, como o “orange
roughy”.
Empresas do setor pesqueiro do Brasil e da Nova Zelândia têm
manifestado interesse em examinar, em conjunto, perspectivas de co-
operação entre os dois países na área de pesca em profundidade. O
tema tem sido também suscitado em diferentes oportunidades por par-
lamentares brasileiros do Estado de Santa Catarina.
São essas apenas algumas das ilustrações do que ainda poderá
vir a ser pesquisado em áreas que tanto representam para nosso país,
em setores de notória especialização neozelandesa.
A relação bilateral também possui uma vertente comercial dig-
na de registro. Nossa pauta comercial situa-se ao redor de US$ 80 mi-
lhões anuais nos dois sentidos. Embora comparativamente modesta,
trata-se de cifra que vem crescendo a cada ano. ( No caso do Brasil,
7% nos últimos dois anos.) Isso sim, é significativo. É de se esperar

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que a dinâmica dos mecanismos de aproximação tenda a redimensionar
esse item de nossa agenda. Mesmo porque a variedade de nossa pauta
comercial permite apostar no potencial do intercâmbio.
De momento, essa pauta, em nosso sentido, é dominada sobre-
tudo por sucos de laranja e produtos alimentícios, além de tabaco,
maquinaria, sapatos e alumínio.
Do lado neozelandês, como sabemos, são os laticínios que pre-
dominam nas exportações, cerca de US$ 25 milhões anuais no mo-
mento. (Seguem-se alguns produtos alimentícios, lã e alguns poucos
produtos de base.)
De maior importância nessa área financeira e comercial, contu-
do, são os indícios animadores de investimentos neozelandeses no Brasil
no setor de laticínios, que nos interessam pelas perspectivas de trans-
ferência de tecnologia e o efeito multiplicador de seu impacto social.
Meses atrás o Dairy Board (conglomerado de cooperativas ne-
ozelandesas na área de laticínios) por pouco adquiriu a Vigor, quinta
maior indústria de laticínios do Brasil, em uma operação que, se con-
cluída, teria representado um desembolso de US$ 500 milhões — fora
os benefícios em matéria de transferência de tecnologia. De lá para cá,
a Fonterra (que sucederá ao Dairy Board em breve) tem explorado a
possibilidade de se associar com a Nestlé do Brasil. As perspectivas,
pelo que sabemos, são muito promissoras. Neste exato instante, equi-
pes do conglomerado neozelandês percorrem nosso país realizando
análises técnicas e financeiras.
Por outro lado, diversos empresários neozelandeses também têm
explorado alternativas de investimento junto a cooperativas em Minas
Gerais e no Rio Grande do Sul. Joint-ventures nesses setores, de grande
porte ou porte médio, parecem assim inevitáveis. É uma questão de
tempo. Para a Nova Zelândia, não haveria melhor maneira de ter aces-
so ao mercado brasileiro. E para o Brasil, dificilmente haveria parceiro
melhor qualificado na área de produção leiteira. O efeito irradiador
dessa cooperação seria enorme entre nós.

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CONCLUSÃO
Brasil e Nova Zelândia se complementam: contamos com um
mercado que, se bem trabalhado, pode redimensionar as oportunida-
des de exportação neozelandesas. A Nova Zelândia, por sua vez, tem
know-how em áreas de grande importância para nós, em particular no
setor agro-pastoril — mas não somente nele.
Por outro lado, o Brasil abre-se cada vez mais para o capital
estrangeiro e facilita investimentos em áreas por nós consideradas
prioritárias. A Nova Zelândia, por sua vez, busca regiões onde possa
realizar joint-ventures que acentuem suas possibilidades de acesso a
mercados como o nosso, de escala continental — e que crescem a
cada ano.
Tão ou mais importante do que essas considerações, contudo,
é o fato de que a Nova Zelândia, como o Brasil, está constantemente
buscando maneiras de se “repensar” como nação, de se “re-inventar”.
Daí, no caso neozelandês, o processo de revolução no campo do co-
nhecimento — que explica os progressos do país no mundo da
tecnologia de ponta. Como sabemos, as economias bem sucedidas no
Século XXI serão aquelas que melhor usarem tecnologias de informa-
ção e comunicação.
São, assim, muitas as áreas de interesse mútuo a serem explora-
das, como aliás se depreende das contribuições dos oradores que me
precederam. A relação desenvolve-se harmoniosamente em muitas fren-
tes — e essas só tendem a crescer porque a base dos laços, apesar de
recente, é sólida e enriquecida por valores comuns.
COMENTÁRIOS FINAIS DE OUTRA NATUREZA
Para quem se interessa por relações internacionais (e por as-
pectos menos usuais dessas relações), gostaria de aproveitar os minu-
tos que me restam para também dar um rápido depoimento sobre a
circunstância única que representou para mim, e minha equipe, abrir-
mos uma Embaixada em um país de Primeiro Mundo no qual o perfil do
Brasil era praticamente inexistente. O que é muito raro, nos dias que cor-
rem. Tendemos a achar que somos conhecidos em todas as partes,

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pelo menos no mundo desenvolvido. E isso, pelas razões mais varia-
das, nem sempre ocorre.
Havia, entre o Brasil e a Nova Zelândia, até quatro ou cinco
anos atrás, uma simpatia mútua, mas um desconhecimento recíproco
e evidente. Por estranho que pareça, o desconhecimento pode repre-
sentar um estímulo tão interessante quanto a intimidade, quando bus-
camos desenvolver um trabalho de aproximação. Trata-se, afinal, de
um desafio claramente definido.
Por isso falo de experiência inédita em termos de carreira di-
plomática: trabalhar em um território de certa forma virgem para o
Brasil. Sentíamos que representávamos um país que até então não ha-
via deixado grandes marcas no radar neozelandês, ou marcas mais es-
pecíficas. Some-se a isso o fato de que nem compartilhávamos paixões
esportivas: o interesse pelo futebol na Nova Zelândia é reduzido. Quan-
to ao rugby ou críquete, o interesse por esses esportes no Brasil, que se
saiba, também não é exacerbado.
Exceto pelo Chile, com quem a Nova Zelândia já tinha rela-
ções antigas, as políticas da Nova Zelândia para nossa região também
não pareciam muito diferenciadas. Conheciam o essencial, mas muito
pouco além disso. No caso do Brasil, o fato de sermos um país de
dimensões continentais, muito diversificado aos olhos do estrangeiro,
tampouco contribuía para facilitar a aproximação. Do ponto de vista
da Nova Zelândia, as coisas teriam sido mais fáceis se fôssemos um
Paraná, ou uma Santa Catarina — Estados que, por sinal, têm muito a
ver (como toda a região Sul de nosso país) com a Nova Zelândia.
Fomos assim obrigados a atuar como antropólogos, mais do
que diplomatas. O que significou calçarmos sapatos neozelandeses
— e reconhecer que a recíproca era verdadeira. Ou seja, que pouco
ou nada sabíamos da Nova Zelândia em nosso país. A descoberta de
nossos “desconhecimentos recíprocos” teve uma interessante conse-
qüência do ponto de vista operacional: passamos a trabalhar quase em
conjunto. As prioridades das Chancelarias brasileira e neozelandesa
eram as mesmas. Voltavam-se para criar mecanismos de aproximação,
onde antes pouco ou nada existia.

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O lado neozelandês, talvez por não contar com uma Embaixa-
da residente em Brasília, foi mais ativo em matéria de visitas. Coube
ao Brasil, por sua vez, preparar essas visitas de forma a maximizar
seus resultados. Em 1998, o então Chanceler Don MacKinnon reali-
zou a primeira missão de um Ministro de Estado neozelandês a nosso
país. Nos três anos posteriores, seguiram-se outras sete visitas de Mi-
nistros de Estado a nosso país, nas áreas mais diversificadas, da agri-
cultura à ciência e tecnologia, do turismo ao desarmamento (a Nova
Zelândia é o único país do mundo a ter um Ministro de Desarmamen-
to, o que bem ilustra a importância que atribui ao tema).
O Brasil, que em 1994 mandara seu Chanceler a Wellington em
missão oficial (na época o Embaixador Celso Amorim), marcou pre-
sença no país pela decisão de abrir uma Embaixada residente em
Wellington — o que foi feito em 1997. Trata-se de uma demonstração
inequívoca de interesse, pois implica despesas e compromissos. De lá
para cá, vem o Brasil reciprocando as missões neozelandesas por meio
de visitas de parlamentares ou empresários interessados em sondar
oportunidades comerciais locais.
Os deslocamentos de Ministros neozelandeses ao Brasil deram
ensejo à realização de uma série de seminários sobre nossa região na
Nova Zelândia (sob a forma de “debriefings”), eventos que permitiram
maximizar o impacto dessas missões exploratórias. O interesse por nossa
região e pelo Brasil foi assim crescendo aos poucos, com repercussões
em áreas distintas da comunidade neozelandesa, empresarial de início,
mas logo da imprensa e, sobretudo, da comunidade acadêmica.
A Primeira-Ministra Helen Clark, ao chegar ao poder em no-
vembro de 1999 à frente do Partido Trabalhista, deu nova dimensão a
esse processo de aproximação: criou, em agosto do ano passado, uma
“Estratégia Latino-Americana” — um conjunto de programas que pro-
curam estimular mecanismos abrangentes de aproximação entre as duas
regiões em diversas áreas, conjunto esse que conta com fundos para
viabilizar determinados programas.
Uma ilustração perfeita do entrosamento criado com a Chan-
celaria neozelandesa pode ser encontrado no fato de que os Embaixa-

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dores latino-americanos acreditados em Wellington (além do Brasil estão
representados na Nova Zelândia a Argentina, o Chile, o México e o
Peru) foram convidados a apresentar sugestões para essa estratégia
latino-americana que o Governo local adotaria como política de Esta-
do meses depois.
Continuamos assim, mais do que nunca, unidos nesse propósi-
to de consolidar nossa aproximação. E essa visita oficial, da qual o
presente Seminário é parte importante, constitui a melhor evidência
dos progressos realizados nessa direção. A abertura da Embaixada ne-
ozelandesa em Brasília de certa forma encerra com fecho de ouro o
ciclo inicial de nossas relações. Cabe agora ao Brasil dar início a um
processo mais sistemático de visitas, que permitam aprofundar a in-
vestigação das oportunidades até aqui identificadas.

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PALESTRA PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO CONSELHO
DE RELAÇÕES AUSTRÁLIA-AMÉRICA LATINA, BERNARD
WHEELAHAN

Introdução

Obrigado, senhoras e senhores. Desejo mencionar, especialmen-


te, a presença aqui, hoje, da Primeira-Ministra da Nova Zelândia, Sua
Excelência a Senhora Helen Clark. A Austrália e a Nova Zelândia são
amigos próximos e esperamos trabalhar com nossos companheiros, no
momento em que estabelecem sua presença em Brasília.
Estou muito satisfeito de estar aqui, na qualidade de Presiden-
te do Conselho de Relações Austrália-América Latina (COALAR). Mais
adiante, fornecerei alguma informação de base sobre sua formação e
seus objetivos. O Conselho é um claro reflexo do compromisso do
Governo da Austrália de reforçar seus laços com a América Latina.
Para começar em tom pessoal, gostaria de dizer o quanto me é
cara esta oportunidade, proporcionada pelo Conselho, de ajudar a for-
jar laços mais fortes entre nossos dois continentes. Meu interesse pes-
soal e paixão pela América Latina originam-se do período em que ocu-
pei a posição de Presidente da Shell da Venezuela, de 1996 a 1999.
Durante esse período, minha mulher e eu tivemos o privilégio de viajar
amplamente pela América Latina e de conhecer muitos dos lugares e
pessoas da região. A América Latina é extraordinária em sua diversida-
de. Mas é, ainda, um lugar em que os australianos podem viajar muito
facilmente: seu povo é caloroso e generoso, nossos esportes são a lou-
cura das populações locais, bem como, no caso particular do Brasil,
nossa cultura de praia.
Uma série de ministros australianos, parlamentares e funcioná-
rios visitaram a América Latina no último ano. Em muitos de seus
discursos, enfatizaram o fato de termos muitas coisas em comum. No
caso do Brasil, trabalhamos muito estreitamente no Grupo de Cairns
para melhorar o acesso aos mercados para produtos agrícolas, bem

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como na aliança global para o açúcar, em que atuamos para sublinhar
as grandes distorções que existem no mercado internacional de açúcar.
Na esfera política, o Timor Leste é um claro exemplo de nossos inte-
resses comuns. Entretanto, os Ministros reconheceram que há lenti-
dão em conhecermo-nos bilateralmente, seja este fato resultado de
razões geográficas, lingüísticas, culturais ou outras. Mas acredito que
isso está mudando. Da mesma forma que eles, estou convencido de
que há um grande potencial para o aumento da interação entre a Aus-
trália e os países desta região, em benefício mútuo, e que se estendem
por um amplo espectro de atividades.
Esta observação traz-me ao COALAR. Como é provavelmen-
te de seu conhecimento, a criação do Conselho foi anunciada durante
a visita do Ministro do Exterior, Downer, a Brasília, em março do
corrente ano. Esta iniciativa foi o resultado de um Inquérito Parla-
mentar, relativo aos laços de comércio e investimento com a América
do Sul, que recomendou a criação dessa instituição, enfatizando sua
importância a longo prazo no sentido de fornecer um foco para levar
adiante a relação da Austrália com a região, nos níveis econômico,
social e político.
Uma conclusão importante do relatório do Inquérito foi a de
que a Austrália, conquanto mantenha, em geral, laços calorosos com a
região, não viu nossas ligações de comércio e investimento realizarem
seu potencial. O relatório concluiu que esta situação poderia ser, em
grande medida, atribuída a percepções ultrapassadas, juntamente com
uma falta geral de conhecimento dos mercados da região e do que têm
a oferecer à Austrália. Concluiu, ainda, que as empresas australianas
teriam que alargar seus horizontes para reconhecer o mérito de fazer
negócios com a região.
Ao mesmo tempo, o relatório considerou que comércio e in-
vestimento são vias de mão dupla. É fato que a América Latina per-
manece, em grande parte, desconhecida para os exportadores e in-
vestidores australianos, e o mesmo é verdade no que tange à Austrá-
lia para os interesses comerciais latino-americanos. Suspeito que
muitas das mesmas concepções errôneas também se aplicam ao caso.

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Um dos objetivos-chave do COALAR será elevar o perfil da
América Latina na Austrália e o perfil da Austrália na América Latina,
enfrentar o déficit de conhecimento e corrigir percepções antigas e
fora de uso. O Conselho fará isso por intermédio de um programa de
atividades que incluirá publicações, eventos de mídia e visitas à região
e provenientes dela. Na verdade, o Conselho estará construindo sobre
o fundamento do bom trabalho que o Governo tem levado a cabo,
durante os dois últimos anos, para elevar o perfil da América Latina na
Austrália e para apoiar relações comerciais aprimoradas, estabelecen-
do acordos e memorandos de entendimento que facilitam o comércio
e o investimento.
Estes acordos incluem Acordos de Bitributação e Acordos de
Promoção e Proteção de Investimentos, sem os quais o investimento
freqüentemente não se realiza. Acordos de Serviços Aéreos são outra
parte integrante do desenvolvimento de laços de comércio, aumentan-
do o turismo em ambos os sentidos e liberalizando o movimento de
pessoas entre os mercados. Como um homem de negócios, sei quão
importantes são esses acordos. No caso do Brasil, sei que o Governo
australiano gostaria de negociar tais acordos e quero estimular ambos
os Governos a levar adiante o tema como prioridade.
O Embaixador Garry Conroy e seus colaboradores em Brasília
têm atuado sem descanso para promover relações bilaterais mais es-
treitas. O trabalho da Embaixada, juntamente com a Comissão de
Comércio Australiana (Austrade) e outras organizações australianas,
foi um exemplo excepcional desses esforços, levados a cabo para asse-
gurar o sucesso do evento relativo ao Centenário da Federação, reali-
zado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Milhares de pessoas participa-
ram dos vários aspectos do evento, que incluiu feiras de turismo, em-
presas e negócios, seminários sobre educação, degustação de vinhos
australianos, bem como exposições de música, arte e fotografia. O
evento foi um belo exemplo da atuação “Team Australia”, apoiada
pelo Embaixador Conroy, uma atuação que tem sido de importância
crítica em elevar nosso perfil.
Alguns dos senhores possivelmente têm conhecimento da pu-
blicação do Departamento de Negócios Estrangeiros e Comércio –

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DFTA (Austrade), que saiu em junho do corrente ano, intitulada “Fa-
zendo negócios no Brasil”, e que incluiu artigos de pessoas com co-
nhecimento do mercado e do ambiente de negócios brasileiros, inclu-
sive do Embaixador Conroy e da Segunda Secretária Rowena
Thompson. “Fazendo negócios no Brasil” seguiu-se a um outro livreto
de caráter mais abrangente, “Fazendo negócios na América Latina”.
Por que resolvemos virar o microscópio particularmente para o Brasil?
As razões são óbvias: um mercado de 166 milhões de habitantes, uma
economia dinâmica e sofisticada que produz 45% do PIB da América
Latina e uma base de recursos que é muito atraente para o investimen-
to australiano. Além disso, apesar dos efeitos da crise econômica ar-
gentina, o futuro do Brasil apresenta-se brilhante, como resultado das
reformas econômicas fundamentais levadas a cabo durante a última
década, o que resultou numa entrada maciça de investimentos no país.
Em resumo, a mencionada publicação mostrou o Brasil como
uma economia dinâmica e sofisticada, que oferece um leque de opor-
tunidades às empresas australianas em busca de novos horizontes. Um
total de 200 empresas esteve presente nos seminários de lançamento
da publicação e que se realizaram nas mais importantes capitais de
Estados. A publicação foi patrocinada por duas empresas brasileiras –
Veirano e Advogados Associados e Banco Santander-Brasil–, o que é
muito significativo. O apoio dessas duas proeminentes empresas bra-
sileiras é evidência tangível da consciência que o Brasil tem do cres-
cente interesse da comunidade de negócios australiana nas oportuni-
dades que são oferecidas pelos atraentes mercados brasileiros.
O valor representado pela publicação e pela série de semi-
nários torna-se claro pelo fato de que mais de 50 empresas procu-
raram maiores informações junto à Austrade sobre as oportunida-
des para seus produtos nos mercados brasileiros, após participar do
lançamento.
Um aspecto interessante da publicação foi o fato de ter utiliza-
do estudos de casos para divulgar as experiências de interesses comer-
ciais australianos, que já atuam no mercado brasileiro. Essas empresas
mostram que fazer negócios com o Brasil pode ser imensamente
compensador e interessante e fornecem uma base útil para o trabalho

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do Conselho. É crescente o número de empresas australianas que
dirigem seu olhar para o Brasil. No que se refere a investimento,
em 1995, somente cinco empresas australianas haviam investido
no Brasil. Em 2000 esse número aumentou para 25. Apesar de ser
uma situação ainda modesta, constitui fundamento sólido sobre
como expandir a relação.
Recentemente, o Departamento de Negócios Estrangeiros e
Comércio da Austrália lançou, igualmente, uma publicação
intitulada “Investindo no Crescimento Latino-Americano”, organi-
zada pelo Setor de Análise Econômica. Ao cobrir as economias de
Brasil, México, Argentina e Chile, forneceu uma análise em profun-
didade das perspectivas econômicas de cada um desses países e
levou a cabo pesquisa sobre as potenciais oportunidades de comér-
cio e investimento.
Qual é a razão dessas publicações? Referi-me anteriormente
à falta de consciência, por parte das empresas australianas, do enor-
me potencial dos mercados latino-americanos. As publicações des-
tinam-se a esclarecer potenciais exportadores e investidores para
que dirijam seu olhar para além da praça onde vivem, para que
olhem para além da Europa e da Ásia, nossos mercados tradicio-
nais.
Como disse anteriormente, esta é uma via de mão dupla. Da
mesma forma como gostaríamos de ver aumentarem as exporta-
ções australianas para o Brasil, acolheríamos com boa vontade o
incremento de uma atividade comercial do Brasil na Austrália.
Para dar-lhes uma idéia do potencial para o aumento do co-
mércio e investimento nos dois sentidos: no ano de 2000, o comér-
cio de mercadorias, em ambos os sentidos, entre nossos países,
totalizou A$ 1,2 bilhões, ou seja, mais ou menos R$ 1,6 bilhões,
enquanto, em termos de destino para as exportações australianas e
origem de suas importações, o Brasil ocupou a 30ª e a 31ª posi-
ções, respectivamente. Estimativas do investimento australiano no
Brasil vão de US$ 248 milhões (Banco Central do Brasil) a US$ 564
milhões, estando a maior parte desse investimento localizada no

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setor de mineração. Ao localizarmos estas estatísticas no cenário
mais abrangente, notamos que o PIB somado de ambos os países,
em 2000, era de mais de US$ 1 trilhão. As exportações dos dois
países para o resto do mundo, somadas, elevaram-se a US$ 120 bi-
lhões. Existe, claramente, espaço para ampliar nossos laços comerci-
ais.
Deixem-me apresentar-lhes alguns fatos sobre uma Austrália
que sofreu uma imensa mudança econômica e técnica nos últimos 15
anos, o que resultou num ambiente econômico e de negócios aberto,
competitivo e avançado. Em resumo, num ambiente que tem muito
que oferecer aos interesses comerciais brasileiros.
Começarei por dizer que um dos ingredientes essenciais do re-
cente sucesso econômico da Austrália foi a gestão econômica, inclusi-
ve reforma microeconômica. Foi introduzido um sistema fiscal mo-
derno e abrangente, caracterizado por um Imposto de Bens e Serviços.
Os benefícios advindos do novo sistema incluem grandes reduções
nos custos dos negócios, particularmente para os exportadores, e a
abolição de impostos complexos, antiquados e que distorciam o ambi-
ente econômico. Ao mesmo tempo, a liberalização do mercado de tra-
balho permitiu à Austrália ser um lugar competitivo internacionalmente
em matéria de custos, gozando de salários competitivos conjugados a
alta produtividade. Em 2000, a Austrália ocupava o 11º lugar no mun-
do, no que se refere a produtividade em geral, medida pelo PIB por
pessoa empregada.
Políticas monetária e fiscal bem administradas resultaram numa
inflação média, nos anos 1990, de 2,7%, com superávites fiscais
registrados desde 1998. O crescimento do PIB, no período 1998-2000,
atingiu uma média de 4,4%, uma das melhores taxas de crescimento
de qualquer economia industrializada. Apesar de terem sido, recente-
mente, revistas para menos, as previsões de crescimento do PIB para
2001-2002 são ainda de respeitáveis 3 a 3,5%. Este fato é forte sinal
de que a economia australiana está em melhor posição para enfrentar
uma recessão global do que muitos outros países industrializados.
No que tange à política de comércio, nota-se que a reforma
econômica interna foi conjugada a reduções continuadas de tarifas.

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Hoje a tarifa simples média na Austrália eleva-se a cerca de 4,3%, uma
das mais baixas internacionalmente. Se existem, são poucas as restri-
ções a investimento estrangeiro.
O resultado de tudo isso é que, hoje, a Austrália tornou-se um
país confiante, que dirige seu olhar para o exterior e que está estreita-
mente integrado na economia mundial global. Em especial, como re-
sultado das reformas e das diretivas políticas mencionadas, a base de
exportação australiana foi tremendamente diversificada, graças a no-
vas oportunidades internacionais de negócios e maior competitividade
por parte das empresas australianas. A diversificação do comércio aus-
traliano com o Brasil é um caso a ser apontado. Ao mesmo tempo em
que o carvão continua a ser nossa exportação número um, houve um
aumento significativo nas exportações de manufaturados. Uma recen-
te história de sucesso foi a exportação do automóvel Holden
Commodore, que surge no mercado local como o Ômega da Chevrolet,
e que ocupa, agora, o segundo lugar na pauta de exportações.
A mudança de uma economia baseada em recursos naturais
para uma economia de serviços foi um dos mais significativos aspec-
tos da modernização do cenário comercial australiano. De fato, con-
trariamente ao que se crê popularmente, a Austrália não é mais uma
economia baseada em recursos naturais, e já não o é há 10 anos. Hoje,
os serviços respondem por 64% da economia australiana, com manu-
faturas elevando-se a 12%, mineração a 4% e agricultura a 3%. O
crescimento dos serviços foi acompanhado por um aumento de suas
exportações, que se elevou a A$ 28,3 bilhões em 1999-2000, o que
representou quase um quarto do total das exportações. O aumento das
exportações de serviços, de 9% durante a década passada, ultrapassou
o da agricultura (6%) e o da mineração (5%).
Esta rápida expansão das indústrias de serviços e um aumento
concomitante das habilidades em Tecnologia da Informação (TI) leva-
ram a Austrália para mais perto daquilo que a Organização para a Co-
operação Econômica e o Desenvolvimento - OCDE chama de uma
economia baseada em conhecimento – isto é, uma economia dirigida
pela produção, distribuição e uso de conhecimento e informação. Es-

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tima-se que a contribuição das indústrias baseadas em conhecimento
responde por quase metade do PIB australiano.
Este fato não é surpreendente se considerarmos:
- O investimento australiano em Tecnologia de Informação e Comuni-
cação (TIC), que é o terceiro mais alto na OCDE, enquanto percenta-
gem do PIB;
- O ambiente de pesquisa e desenvolvimento, internacionalmente com-
petitivo em matéria de custos; e
- A taxa de finalização do ensino secundário, conjugada a universida-
des de classe mundial.
Ao considerarmos o deslocamento em direção a uma econo-
mia baseada em conhecimento, é interessante notar que muitos dos
seus principais beneficiários serão, possivelmente, empresas da “velha
economia”. Na verdade, esta tem sido a experiência da Austrália. In-
dústrias como mineração e agricultura estão tendo maiores lucros e
tornando-se mais eficientes ao utilizar novas tecnologias. As empresas
australianas desenvolvem cerca de 60% do software de mineração do
mundo.
Penso que é especialmente importante enfatizar aqui o dina-
mismo do setor australiano de TIC, já que ele é, na minha opinião, o
fundamento da Austrália moderna, e que assegura o futuro do país.
Em 1999, gastos em produtos e serviços de TIC elevavam-se a quase
US$ 36 bilhões, esperando-se que o mercado mantenha uma taxa anu-
al de crescimento médio de 8,5% durante os próximos anos. Este fato
torna a Austrália um dos maiores mercados de TIC do mundo. Um
elemento-chave do setor TIC é constituído por uma das forças de tra-
balho mais competitivas, em matéria de custo, e das mais apreciadas
globalmente, o que faz com que a Austrália seja cotada entre as me-
lhores localidades no mundo, no que se refere à disponibilidade de
mão-de-obra especializada em TI. Colocando esses fatos em perspec-
tiva, menciono que o Anuário Mundial de Competitividade 2000 lista
a Austrália na 7ª posição quanto à disponibilidade de mão-de-obra
especializada em TI, num total de 41 países. Isto coloca a Austrália na

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frente de Estados Unidos (8º), Taiwan (11º), Coréia do Sul (23º) e
Japão (24º).
Esta revolução em TIC reflete-se na taxa de utilização da TI
australiana privada, uma das mais altas no mundo: 50% de adultos
acessaram a Internet durante 12 meses até novembro de 2000. Consi-
derem as seguintes estatísticas:
- 37% das moradias australianas têm acesso à Internet;
- 66% dos adultos na Austrália usaram um computador durante 12
meses até novembro de 2000;
- No mesmo período, quase 90% dos adultos entre 18 e 24 anos usa-
ram um computador;
- 56% das moradias têm um computador; e
- Uma pesquisa, concluída em fevereiro de 2000, mostra que a capital
Camberra está à frente de todas as cidades dos Estados Unidos, com
62% de sua população online, comparados a 61% em São Francisco e
58% em São Diego.
Além disso, os australianos aderiram ao comércio eletrônico
com gosto. No ano que terminou em novembro de 2000, mais de 1,3
milhões de adultos australianos adquiriram bens e serviços para uso
privado na Internet, enquanto que o valor estimado de atividade de
comércio empresa-a-empresa na Austrália, no ano de 2000, foi de US$
5 bilhões. A aceitação do comércio eletrônico foi apoiada por uma das
mais seguras infra-estruturas de Internet do mundo. Números divulga-
dos em março pela OCDE deram à Austrália o terceiro lugar no mun-
do enquanto fornecedora de provedores seguros.
A confiança das empresas no ambiente online e a disponibili-
dade de tecnologia ITC de última geração para serviços financeiros
também contribuíram grandemente para que a Austrália emergisse
como centro regional para as finanças globais. Em especial, empre-
sas localizadas na Austrália gozam de acesso de última geração à
região, à América do Norte e à Europa, via uma ampla rede de cabos
e satélites. A capacidade das larguras de bandas responde adequada-

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mente às demandas correntes, e projetos tanto em andamento quan-
to em planejamento aumentarão significativamente a capacidade nos
próximos anos. Num sentido muito concreto, a Austrália é conside-
rada agora como a porta de entrada da região. Mais de 470 empresas
multinacionais têm, agora, na Austrália, suas sedes da região Ásia e
Pacífico, inclusive IBM, NEC, Phillips, Ericsson, Compaq, Morotola
e Canon.
Entendo que, em vários pontos, a experiência australiana em
TIC tem tido seu paralelo no Brasil, com um grande aumento do uso
da Internet e do comércio eletrônico, especialmente no setor bancário.
Acredito que não são muitos os australianos que conhecem esta reali-
dade.

Conclusão

Tudo isso me leva de volta ao papel do Conselho de Relações


Austrália-América Latina e ao tema deste seminário. Tentei desenhar,
hoje, um quadro da Austrália como uma economia moderna e dinâmi-
ca, guiada, em grande medida, pela revolução em TIC. Da mesma for-
ma que o Brasil de hoje difere do Brasil que existiu antes do plano
Real, introduzido em 1994, e das reformas econômicas subseqüentes,
o cenário econômico australiano não é mais dominado pelos recursos
naturais e pela agricultura. Ao fazer o nosso relacionamento avançar,
devemos modernizar nosso pensamento, e este seminário hoje é mais
um passo para alcançar esse objetivo.
A Austrália e o Brasil têm muito que oferecer um ao outro.
Ambos sendo países do novo mundo, penso que compartilhamos um
otimismo no futuro, sem os constrangimentos do medo e do fracasso.
Penso, também, que compartilhamos aquilo que chamamos na Aus-
trália de atitude “pode-se-fazer”. Como tais, acredito que viemos à
nossa relação não como estranhos, mas como amigos. O desafio que
se apresenta é o de utilizar este sentimento para aprofundar nossos
laços para benefício mútuo. Como Presidente do Conselho de Rela-
ções Austrália-América Latina, espero trabalhar com os senhores para
enfrentar o desafio.

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D ISCURSO DE ENCERRAMENTO PROFERIDO PELO
S UBSECRETÁRIO -G ERAL DE A SSUNTOS P OLÍTICOS
BILATERAIS, EMBAIXADOR BERNARDO PERICÁS NETO

Senhoras e Senhores,

No correr desta manhã, participamos de debate franco e pro-


veitoso sobre as oportunidades que se abrem diante do Brasil e da
Oceania para revigorarmos, depois de muitos anos de relativa distân-
cia, o relacionamento entre as nossas regiões.
Como bem disse o Embaixador Seixas Corrêa, tanto a Austrá-
lia e a Nova Zelândia, de um lado, quanto o Brasil, de outro, têm dado
provas significativas nos últimos anos de seu interesse em prol da in-
tensificação das relações bilaterais. E tomaram medidas nessa direção,
de que são ilustrações, no caso brasileiro, a abertura da Embaixada
residente em Wellington, em 1997; e, no caso da Nova Zelândia e da
Austrália, a criação, respectivamente, da Estratégia Latino-americana,
idealizada pela Primeira-Ministra Helen Clark, e do COALAR.
As exposições e debates desta manhã demonstraram que exis-
tem importantes áreas de convergência de interesses entre nossas duas
regiões e que ainda há um amplo espaço político, econômico-comerci-
al, científico-tecnológico e cultural para ser aprofundado. Como bem
frisou a Primeira-Ministra Helen Clark em sua palestra-chave, Nova
Zelândia, Austrália e Brasil são países do “Novo Mundo”, abertos a
inovações e novas idéias. Por isso, este Seminário se propôs identificar
“Novos Horizontes” para nosso relacionamento.
Apesar de nossas grandes convergências na agenda internacio-
nal, faltavam-nos mais iniciativas no campo bilateral. Felizmente, te-
mos hoje sinais encorajadores de que, também aí, as coisas começam a
mudar. Constato, satisfeito, que, em setor de grande importância como

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é o científico e tecnológico, terão sido assinados em 2001 acordos de
cooperação tanto com a Austrália quanto com a Nova Zelândia. O
acordo com a Nova Zelândia será firmado amanhã, na presença do Sr.
Presidente da República; com a Austrália já o foi em fevereiro, quando
nos visitou o Ministro da Ciência e Tecnologia, Nick Michin.
Na área econômica e comercial, saudamos com satisfação a
vinda de importantes delegações comerciais ao Brasil para identificar
com os próprios olhos as imensas oportunidades existentes na pauta
bilateral. Também o Brasil tem procurado abrir novos mercados na
Ásia e Oceania, através de uma política ativa de promoção comercial.
Esperamos que cada vez mais o Pacífico venha a ser um Oceano a
unir a América Latina e a Oceania através de modalidades criativas de
iniciativas e projetos.
Devemos também estimular, cada vez mais, as áreas acadêmi-
ca e cultural. A esse respeito, gostaria de mencionar duas realizações
atuais: a assinatura, há pouco, de acordo de cooperação entre a Uni-
versidade de Otago, da Nova Zelândia, e a Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, e o festival cultural patrocinado pelo Go-
verno da Austrália nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Senhoras e Senhores,
Antes de encerrar esse seminário, gostaria de anunciar a inten-
ção do governo brasileiro de propor o estabelecimento com a Nova
Zelândia de um mecanismo de consultas políticas bilaterais, à seme-
lhança do que já mantemos, na Ásia, com Japão, Coréia do Sul, China,
Índia e Austrália. Tenho certeza de que essa proposta terá boa acolhi-
da junto ao governo neozelandês, até porque têm sido freqüentes e
muito úteis nos últimos anos as consultas informais que os dois Go-
vernos têm mantido sobre uma série de temas, entre os quais o funci-
onamento dos sistemas multilaterais de comércio, ONU, desarmamento,
meio ambiente e outros.
Com a Austrália, como já mencionei, possuímos esse diálogo
político desde 1990. Gostaria, entretanto, de conferir ao mecanismo
maior vigor e consistência. Como a última reunião foi realizada no
Brasil, proporei que as próximas consultas políticas com a Austrália

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ocorram naquele país, no decorrer de 2002, em período vizinho às
consultas que também manteríamos com a Nova Zelândia.
Ao declarar encerrado esse seminário, gostaria de convidar a
todos os presentes a se juntarem-se aos nossos Governos ao redor
dessa idéia de intensificação do diálogo entre Brasil e Oceania. Esse
esforço não pode nem deve ser restrito aos Governos de nossos três
países. Deve, ao contrário, incluir empresários, universidades, acadê-
micos e promotores culturais.
Muito obrigado a todos.

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PROGRAMA

SEMINÁRIO BRASIL-OCEANIA: NOVOS HORIZONTES


Brasília, 19 de novembro de 2001

- abertura do evento com discurso de boas vindas à Primeira-Ministra


Helen Clark proferida pelo Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa

- palestra inaugural do encontro proferida pela Primeira-Ministra da


Nova Zelândia, Helen Clark

Módulo Nova Zelândia

- palestra proferida pelo vice-secretário de Negócios Estrangeiros e


Comércio da Nova Zelândia, John Wood, sobre as oportunidades
de cooperação e de intensificação do intercâmbio bilateral sob a
ótica neozelandesa.
- palestra proferida pelo Embaixador do Brasil na Nova Zelândia,
Edgard Telles Ribeiro, sobre as oportunidades de cooperação e de
intensificação do intercâmbio bilateral sob a ótica brasileira.

Módulo Austrália

- palestra proferida pelo Presidente do Conselho de Relações Austrália-


América Latina (COALAR), Bernard Wheelahan, sobre as
oportunidades de cooperação e de intensificação do intercâmbio
bilateral sob a ótica australiana.
- palestra proferida pelo Cônsul honorário da Austrália no Rio de Janeiro,
Ronaldo Veirano, sobre o relacionamento Brasil-Austrália:
oportunidades e perspectivas para o lado brasileiro.
- Encerramento com breve discurso do Embaixador Bernardo Pericás

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Neto, delineando programa brasileiro de intensificação das relações
com a Oceania.

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