Comprado Pelo Duque Jhonatas Nilson
Comprado Pelo Duque Jhonatas Nilson
Comprado Pelo Duque Jhonatas Nilson
(Autor)
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Parte I
Prólogo
Kyle não se sentia preocupado acerca do fato de que seu irmão mais
novo estava realizando aparições sociais e políticas sozinho mesmo sem
carregar o título de duque. Porque, naquele instante, apenas Arthur
preenchia sua mente.
Céus, fora difícil conter a euforia. Até então, nada daquilo havia
acontecido. Durante todas as vezes em que teve a oportunidade de visitar o
Salão Austin, avistava Arthur sem contatos muito aprofundados. Bastou
apenas conhecê-lo um pouquinho melhor para que sua curiosidade agora
estivesse extremamente aguçada.
Em sua vida entediante, desvendar um homem tão exótico quanto
Arthur servia como um belo desafio, sem dúvidas.
— Então... quando começará a discorrer sobre as belas moças? —
Kyle colocou as duas mãos nos bolsos enquanto caminhava com passadas
lentas. Ainda estavam na parte menos agraciada de Londres e lá
permaneceriam, afinal ele não queria correr o risco de visitar os ambientes
mais respeitados e ser visto vadiando ao invés de estar auxiliando o irmão.
— Realmente quer que eu discorra sobre moças, Kyle? — Arthur o
encarou, avaliando-o. — Você não parece ser o tipo de homem que gosta de
ouvir acerca da beleza de uma moça.
Surpreso com as palavras, Kyle sentiu grande interesse em saber
mais da opinião dele.
— Não sei se entendo a sua afirmação. O que quer dizer com isso,
Arthur? — Por alguns instantes, Kyle até mesmo se perguntou se estava tão
claro assim o fato de que ele tinha um forte interesse sexual por homens.
Era muito difícil definir os próprios desejos. Ao mesmo tempo em
que já tivera relações com mulheres e gostara de muitas das experiências,
tinha a forte impressão de que... se obrigara a gostar, afinal não havia outra
opção. Então, em segredo, Kyle sempre ponderava os próprios gostos.
Realmente me atraio por ambos os sexos ou apenas estou tentando
aceitar a ideia de que nunca poderei me deitar com um homem?
Era muito difícil ter tantas dúvidas e não poder conversar com
ninguém. Nem mesmo Brandon — que era não apenas seu irmão, mas
principalmente seu melhor amigo — entenderia tantos questionamentos
claramente insanos para a sociedade britânica.
— Quero dizer que você não parece ser o tipo que ouve discursos
para formar novas ideias. Você é o que prefere descobrir por si mesmo as
próprias opiniões. — Arthur abaixou o olhar em sinal de timidez. — Você
não é o que fica parado, é o que realiza. Conquista.
De certa forma, Kyle se sentiu tão aliviado quanto decepcionado ao
perceber que Arthur não se referia ao seu anseio secreto por homens.
Acredito que eu adoraria ter alguém para compartilhar as minhas
dúvidas. Por alguns instantes, pensei que Arthur... sabia o que eu estava
escondendo. Pensei que ele estaria disposto a me ouvir e guardar segredo
caso eu revelasse algo. Mas compreendo que tudo isso não passa de uma
ilusão estúpida, afinal eu sou um duque e ele atende em um prostíbulo.
Seria uma grande burrice confiar meu segredo nas mãos de um
desconhecido.
E mesmo parecendo burrice, Kyle desejou poder confidenciar tudo.
Porém se conteve, óbvio. Optava por manter a pose de homem respeitado e
indiferente.
— Sua descrição é bem apropriada. Não gosto de permanecer
parado, observando a vida acontecer ao meu redor. Talvez por isso seja tão
difícil pensar na ideia de que carregarei o meu título até o fim dos meus dias
— Kyle sequer percebeu quando começou a desabafar. — Seria incrível
poder viver livremente.
— Penso o mesmo. Não tenho um título, não tenho coisa alguma.
Mesmo assim, ansiamos por algo em comum. Ansiamos pela liberdade. —
Arthur riu de maneira sonhadora. — Por que decidiu voltar ao Salão Austin
apenas para me ver, Kyle? Um duque não buscaria a amizade de alguém em
um lugar como aquele.
— Talvez nossos sonhos de liberdade tenham se encontrado. Essa
seria uma boa explicação para a simpatia que nutro por você. — Kyle sorriu
genuinamente, permitindo-se mostrar um lado de sua personalidade que
pouquíssimas pessoas conheciam. — Títulos não importam muito quando
simpatizo com a personalidade de alguém. Simplesmente gosto de tudo o
que é diferente, porque me sinto diferente. Meu irmão, por exemplo,
consegue ser muito mais socialmente aceitável do que eu. Já se sentiu
inadequado, Arthur?
— Sinto-me inadequado desde o meu nascimento.
Kyle não sabia explicar com exatidão o motivo, no entanto uma
onda de tristeza invadiu seu coração. Algo dentro dele clamou por mais do
que apenas aquela conversa. Clamou por mais descobertas, mais
entendimento. Clamou por algo que ele sequer sabia o nome.
Assim, ele não queria voltar para as próprias terras ao final daquela
semana. Desejou ficar ali mesmo, na periferia, e conversar com Arthur até
não ter mais assuntos inéditos em seu repertório.
— Posso chamar você de “amigo”? — Kyle perguntou sem pensar
muito.
— Seria uma honra.
— Então agora somos amigos.
— Nunca pensei que um duque me falaria algo assim.
— Esqueça que eu sou um duque e tente se lembrar apenas que sou
um homem em busca de liberdade. Liberdade e entendimento, assim como
você — Kyle respondeu prontamente.
Esquecer-se do título de duque e da própria inadequação tornava sua
existência um pouco mais leve, mesmo que por apenas alguns minutos.
— Ontem você parecia sombrio e distante, mas agora... aparenta
mostrar uma personalidade totalmente diferente. — Arthur o observou com
atenção, de soslaio. — Está até com um sorrisinho entreaberto.
— Digamos que, bem, eu esteja satisfeito em saber que você se
sente inadequado tanto quanto eu. Nunca tive isso em comum com pessoa
alguma. Por isso seremos amigos de agora em diante. — Kyle não estava
encontrando dificuldade em criar tal laço com Arthur, muito pelo contrário.
A facilidade e a rapidez até mesmo o assustavam.
— Tudo bem, meu amigo. — Ele parou de caminhar e estendeu a
mão para que selassem a amizade entre cavalheiros.
Com um sorriso ainda maior, Kyle apertou-lhe a mão com força.
— Uma amizade entre inadequados. Há poesia nisso tudo,
certamente — afirmou Kyle, reflexivo.
— Certamente.
Aquele foi um dia divertido para os dois. E pela primeira vez na
história de ambos, sentiram-se pertencentes. Tudo... se encaixava.
Capítulo 6
Arthur estava tão impactado com as mudanças das últimas horas que
sequer sabia exatamente como reagir.
Depois que deixou o Salão Austin segurando apenas uma sacola de
pano com os poucos pertences, as coisas avançaram em uma velocidade
quase assustadora: Kyle partiu sem ele, dizendo que logo viriam buscá-lo.
E, como o prometido, foi o que aconteceu.
Agora, como se estivesse entrando em um universo inédito e
completamente diferente de qualquer coisa já imaginada, Arthur estava em
um dos quartos da imensa casa que Kyle utilizava para se hospedar sempre
que tinha compromissos no centro de Londres.
Por mais que aquele fosse o quarto de um simples funcionário,
podia ser considerado extravagante e luxuoso com uma cama confortável,
paredes bem decoradas e tudo muito limpo.
Ainda meio maravilhado, Arthur permaneceu sentado na cama por
longas horas, aguardando qualquer tipo de instrução. Foi somente bem tarde
da noite que Kyle apareceu, dando duas batidinhas antes de entrar no
quarto.
— Imagino que já esteja bem acomodado — ele falou ao olhar de
um lado para o outro, claramente se certificando de que todo o ambiente
parecia adequado. — Como bem sabe, precisaremos partir para a casa
principal muito em breve, então não se acostume tanto às instalações. Os
aposentos dos funcionários costumam ser maiores e mais confortáveis do
que os daqui.
— Geralmente, os duques permanecem em Londres, afinal é aqui
que todos os eventos políticos acontecem. — Arthur se levantou da cama e
caminhou na direção do amigo. — Por que você prefere morar em uma área
mais afastada?
— Porque, ainda que eu goste da vida agitada de Londres, prefiro
sentir que estou razoavelmente afastado de tudo isso. Claro que, bem, as
distâncias dos percursos são mais longas do que deveriam, mas posso lidar
com tal chateação. — Kyle estalou a língua, lembrando-se de como era a
vida antes de assumir o título. — Eu não fui exatamente preparado para ser
duque. O primo de meu pai faleceu antes de ter filhos.
— Então o senhor seu pai precisou assumir de forma inesperada?
— Sim. E, em mais um infortúnio, meu pai faleceu cedo demais,
então eu poderia ter sido mais preparado, mas não fui. Não gosto dos
eventos, das obrigações, dos pesos, mas já te falei tudo isso.
Arthur gostava de ouvir o amigo falar sobre a história da família. E
gostava, também, de se sentir inserido naquela realidade: tão distante da
periferia e de todas as inseguranças causadas pela falta de dinheiro.
Até mesmo ali, naquela mansão secundária, era possível ver o poder
de Kyle nas paredes, nas esculturas, nas decorações. Tudo parecia gritar o
tempo inteiro que ele era o duque e nunca seria esquecido pela sociedade.
— Pergunto-me quais explicações foram dadas para que eu
simplesmente aparecesse aqui como um novo funcionário.
— Minha mãe estava precisando de um jardineiro em nossa casa
central, então inventei que você é bom nisso. Se não for, passe a ser, pois
ela é ligeiramente exigente, para dizer o mínimo. — Kyle abriu um
sorrisinho repleto de deboche. — Como estamos no início do inverno, não é
algo que você precise se preocupar exatamente agora.
— Antes de vir a Londres, eu costumava trabalhar em uma fazenda
no interior e tenho certa experiência com plantações. Posso me adaptar a
qualquer coisa. — Arthur levantou o braço e tocou a mão de Kyle. —
Ainda não tive a oportunidade de agradecer adequadamente. Posso te dar
um abraço?
— Não é como se duques e funcionários se abraçassem com
frequência...
Arthur ficou chocado com a resposta e se afastou com rapidez.
Sentia-se tão confortável na presença de Kyle que às vezes se esquecia da
grande diferença social que pairava entre eles.
— Desculpe-me, não quis parecer intrusivo. Apenas pensei que...
Ele sequer conseguiu concluir a frase, pois Kyle simplesmente o
puxou pela mão, abraçando-o com força.
— Ora, não percebe que estou brincando? Você é livre para me
abraçar quando bem entender. — Kyle o apertou com ainda mais força,
deixando Arthur praticamente sem fôlego.
Tamanho contato era... insano. Louco. Quem poderia dizer que
chegaria o dia em que um jovem como ele teria a oportunidade de abraçar
um duque?
De maneira quase automática, uma onda de calor subiu por todo o
seu corpo, fazendo-o desejar permanecer exatamente ali, nos braços de
Kyle, duque de Winnenshire . Havia algo na noção de poder que aquele
homem detinha nas mãos que tornava tudo mais excitante, tudo mais
emocionante.
Uma ereção totalmente desnecessária pulsou entre as pernas de
Arthur, obrigando-o a tentar se afastar, mas Kyle não permitiu, apertando-o
com ainda mais força.
— Senti algo crescer entre as suas pernas — ele sussurrou ao seu
ouvido.
— E-eu... Desculpe-me, às vezes meu corpo tem reações muito
inusitadas. — Arthur sabia que estava corando. Queria se esconder, sumir,
tamanho seu constrangimento.
— Então é assim que o seu corpo reage ao de um duque? — Kyle
abaixou a cabeça e inspirou profundamente, levando uma onda de ar quente
à pele dele.
Em meio às conversas e tanto contato físico, Arthur percebia pela
primeira vez que Kyle estava agindo de forma diferente ali. Era como se
assumisse ainda mais a personalidade recheada de poder, como se nada,
literalmente nada, fosse capaz de pará-lo.
E ao invés de sentir medo, Arthur sentiu tesão.
— Eu não saberia explicar as razões pelas quais o meu corpo reagiu
dessa maneira. — Ele, por fim, se afastou.
Como se percebesse seu desconforto, Kyle também se afastou,
encaminhando-se para a saída do quarto. Aquilo deixou Arthur um pouco
decepcionado, pois ele adoraria permanecer na companhia do amigo por
muito mais tempo.
— Tenha uma boa noite, meu amigo. Caso eu precise tratar você
com frieza quando estivermos em público, espero que compreenda, afinal
não é natural que tenhamos tanto contato. As pessoas criariam teorias
desfavoráveis — Kyle afirmou quase didático.
— Eu entendo completamente. Kyle? — Arthur fez uma breve
pausa. — Obrigado por tudo.
— Apenas sorria, Arthur. Cada vez que eu observar o seu sorriso,
terei a certeza de que você se sente grato por estar mais perto de mim. Da
minha amizade.
Ao terminar de falar, Kyle deixou o quarto.
Sozinho, Arthur se deitou e dormiu confortavelmente como nunca.
Sonhou com Kyle e abraços, beijos e momentos íntimos.
No instante em que acordou no dia seguinte, levou uma das mãos ao
membro adormecido e percebeu que havia ejaculado durante a madrugada.
Seus desejos estavam se tornando incontroláveis, concluiu. Quanto
menor o controle, maior o perigo.
Capítulo 9
Kyle tinha plena consciência de que estava com uma expressão nada
feliz. Conforme os minutos se passavam, as conversas pareciam adoecê-lo,
tamanho o tédio que crescia em seu peito.
— A senhorita Edwin é certamente uma bela jovem — a Duquesa
Mãe falou, claramente tentando soar espontânea. — Você não acha, meu
filho?
Kyle piscou algumas vezes, obrigando-se a focar nas palavras ditas.
— Há beleza em todos, minha mãe — respondeu simplesmente.
— Conversem um pouco, vocês são da mesma geração. Certamente
há muito o que comentar! — A Duquesa Mãe se afastou um pouco, sempre
rindo enquanto voltava a dialogar com os outros convidados mais velhos.
— Sua mãe parece muito disposta a encontrar-lhe uma boa esposa,
Vossa Graça — Rose disse com certa timidez.
— Ela não se cansa, como podemos perceber.
De um segundo para outro, o clima da sala mudou. De início, Kyle
não soube exatamente o motivo, mas quando Arthur apareceu através da
sua visão periférica, tudo ficou mais claro.
— Trouxe mais biscoitos saídos diretamente do forno, Vossa Graça
— Arthur falou com extrema impessoalidade.
— Não vê que estamos conversando? Como ousa invadir nosso
espaço? — Rose balançou as mãos, pedindo para que Arthur se afastasse
com a bandeja. — Os empregados já não sabem como ter boas maneiras!
Enquanto reparava em toda a cena, Kyle sentiu os ouvidos zunindo.
Uma onda de fúria cresceu em seus instintos e ele chegou muito perto de
pegar Arthur nos braços para simplesmente sumirem dali.
Ao invés disso, deu dois passos para trás e respondeu Rose com o
pouco controle que ainda lhe restava:
— Confesso que não estou com disposição para conversar. Peço que
se afaste e já não venha falar comigo — Kyle pronunciou cada sílaba com
bastante calma, deleitando-se com a expressão surpresa da moça.
— Oh, não quis incomodar, Vossa Graça.
— Não quis, mas está incomodando em demasia. — Ele repetiu o
balançar de mãos que ela utilizou para dispensar Arthur. — Afaste-se.
Sem pensar muito, caminhou até a mãe e a tocou no braço.
— Aquele empregado não foi contratado para servir refeições. O
que ele está fazendo aqui? — Kyle apontou para Arthur.
— Como estamos no inverno, não há tanto trabalho no jardim, então
optaram por realocá-lo. — Ela riu, balançando a cabeça de um lado para o
outro. — Embora seja esforçado, ele não tem bons modos e é muito...
feminino, se é que me entende.
— Não, não entendo.
— Oh...
— E não desejo entender. — Kyle revirou os olhos. — Se me der
licença, voltarei aos meus aposentos. Estou cansado e com dores terríveis
de cabeça.
— Você nunca está disposto. — A Duquesa Mãe o beliscou no
braço sem que ninguém percebesse. — Esteja consciente de que trabalharei
arduamente para encontrar uma moça que sirva aos seus interesses. E você
não fugirá disso.
— Mãe, apenas peça para que ele... — Kyle apontou para Arthur. —
Prepare um chá para os meus nervos e leve aos meus aposentos. Estou
exausto de ouvir falar em casamentos e obrigações.
— O título traz obrigações.
— E eu não pedi nenhuma delas. — Ele começou a se afastar,
cumprimentando cada um dos convidados. — Com a sua licença, senhores,
senhoras e senhoritas.
Enquanto subia as escadas, olhou na direção de Brandon e percebeu
que já não havia a expressão de desgosto em seu rosto. Havia orgulho,
como se de alguma forma ele tivesse feito a coisa certa ao decidir sair dali.
Sei que o meu irmão agirá com muito mais elegância e calma do
que eu. Ele sabe como atrair os elogios para si.
Ao entrar no quarto, sentou-se na cama e abaixou a cabeça,
passando uma das mãos nos cabelos.
Sentia-se tão tenso que uma onda de enjoo tomou seus sentidos. Um
gosto amargo subiu à língua e ele vomitou, pois odiou ver as pessoas
maltratando Arthur. Odiou ver que ninguém nunca os aceitaria, ninguém
além de Brandon.
Capítulo 16
— Mato-te porque foi esse um desejo seu. E que a sua morte traga a
liberdade que você tanto anseia, meu irmão — ele falou ao ouvido de Kyle.
— E que você nunca se esqueça que te admirei mais do que a qualquer
outro nessas terras deixadas por nosso pai.
— O que está dizendo? — Arthur gritou, por fim tomando uma
atitude. — Seria capaz de matar o seu próprio irmão? O mesmo que você
sempre demonstrou amar tanto?
Brandon soltou uma gargalhada e se virou para Arthur, dando-lhe
um leve tapa no rosto.
— Não seja tolo, rapaz. Sou covarde demais para matar alguém,
principalmente alguém que tenho em tão alta estima. — Ele levantou o
estilhaço de vidro e o observou fixamente, acertando o irmão mais velho no
braço logo em seguida. — Precisarei matar Kyle através de uma mentira,
pelo bem de vocês.
— O quê? — Arthur fez uma expressão engraçada de quem não
parecia estar acompanhando as palavras de Brandon, tampouco a atitude
violenta e repentina. — Pare com tamanha loucura!
— Você parece ser o mais maluco entre todos nós, Brandon! — Kyle
abriu os olhos e se afastou, ainda com uma aparência de pura derrota. Seu
braço começou a sangrar abundantemente. Com a dor, permaneceu no
chão, pois não tinha forças. Queria apenas que o irmão terminasse o que
tinha a dizer e que sumisse dali. — Se não tem a coragem necessária para
acabar com a minha infelicidade, então vá embora! Deixe-me agir por mim
mesmo!
Brandon se sentou na cama, cruzou uma das pernas e voltou a
sorrir. Quando começou a falar, parecia quase em transe:
— Gritarei no evento que você, o duque, está morto. Será um
choque. Todos irão se perguntar o que poderia ter acontecido. Como ele
morreu? Como uma família pode ter tamanha tragédia? E eu responderei
com muita tristeza que o meu pobre irmão mais velho foi atacado por
javalis selvagens. Chorarei como quem chora por uma dor real, utilizarei
todos os meus dotes de um grande admirador do trabalho de William
Shakespeare. Será dramático, como uma cena teatral, já posso imaginar.
Céus! Confesso que já sonhei em me entregar às artes certa vez, porém
tamanha liberdade não seria para mim. Bem, estou divagando, sinto-me
como um herói, mas voltemos... Será um mistério descobrir como tais
animais surgiram em nossas terras, mas é assim que a natureza funciona —
Brandon falava com orgulho, a voz muito mais firme e grossa do que o
usual. Passara a noite inteira organizando o próprio plano, buscando
formas de resolver tudo. Queria que Kyle o admirasse grandemente, sempre
ansiou por isso. — Durante essa época do ano, os javalis estão famintos e
ficam desesperados, violentos. Inclusive, assim que acordei, fui à floresta
para atraí-los. Kyle, preciso das suas vestes e que derrame um pouco mais
do seu sangue nelas. Não temos muito tempo.
Kyle, ainda no chão, ficou boquiaberto. Por uma quantidade de
tempo quase desconfortável, todos permaneceram em silêncio enquanto as
palavras de Brandon se assentavam de alguma maneira.
— Você usará o corpo do meu pai para fingir que Kyle morreu —
Arthur disse, por fim. — Quer que a gente fuja e que Kyle abandone o
ducado.
— Ora, então agora as cabecinhas pensantes estão me
acompanhando! Brilhante! — Brandon bateu palmas. — Os javalis irão
devorar o corpo do seu pai, deixando-o irreconhecível. Algo assim é
improvável de acontecer naturalmente, mas não impossível. Ou seja, a
ideia é plausível. Ficarão apenas as roupas rasgadas e o sangue fresco de
Kyle misturado ao velho. Ninguém investigará, será uma morte facilmente
aceitável.
Kyle se levantou em um pulo e, como nunca, abraçou Brandon,
beijando-lhe a bochecha.
— Eu amo você, meu irmão. Amo-te como os girassóis amam os
raios de sol! — Voltando a brilhar aos poucos, Kyle o beijou e o abraçou
várias vezes. — Você é um gênio, céus!
— Não precisam me agradecer, porém não me suje com o seu
sangue! Comecem a se preparar. Quando tudo acontecer, Kyle precisará
partir sozinho. — Brandon apontou para Arthur. — E você... irá depois,
quando eu te expulsar na frente da Duquesa Mãe.
E assim aconteceu.
Após o pouco tempo de silêncio, Brandon ordenou que Arthur
também fosse ao escritório.
— Minha mãe, concorda que o jovem já não tem motivos para
permanecer, correto? — ele perguntou com a voz encorpada, sem
possibilitar qualquer tipo de questionamento. — Concorda que ele nunca
fez nada além de correr atrás do amigo e que agora não há motivo algum
para que permaneça em nossas terras?
— Ora, um funcionário inútil a mais ou a menos não faz diferença.
Nunca o vi trabalhando apropriadamente, de fato. Inclusive, conversa mais
do que faz! — Com o lenço em uma das mãos, a Duquesa Mãe dispensou
Arthur com certo desdém. — Vá embora. De fato, olhar para você faz com
que o meu coração se quebre novamente. A sua presença me traz
lembranças do meu filho.
— Então vá embora, jovem Wilkins. Nossa família já não precisa
dos seus serviços. — Brandon o empurro com uma das mãos. — Vá!
Tremendo da cabeça aos pés, Arthur apenas assentiu. Antes de
partir, parou perto da porta e se virou na direção do novo duque.
— Obrigado — disse sem liberar som algum.
Brandon semicerrou os olhos e transmitiu tudo o que queria dizer
através do próprio olhar, desejando ardentemente que tanto Kyle quanto
Brandon encontrassem um lindo final feliz.
Capítulo 32
Com as poucas coisas que tinha, Arthur correu até as suas pernas
fraquejarem. Enquanto dava um passo após o outro, não pôde deixar de
refletir acerca do fato de que estava se tornando um profissional em
recomeçar.
E já estava cansado disso.
Almejava apenas uma vida tranquila, repleta do tipo de paz que só
conseguia encontrar quando permitia que seus pensamentos se esquecessem
do mundo e focassem apenas na beleza de Kyle, seu amado.
O vento espiralava forte, contornando todo o corpo magricela.
Porém, ele não tinha medo. Aquela era a primeira vez em que fugia sem
temer, pois sabia que logo adiante teria alguém ao seu lado, alguém com
quem poderia contar.
Conforme os pensamentos giravam em sua mente, foi impossível
conter as lágrimas. Lembrou-se da mãe, das bonecas de porcelana e em
como seu pai destruiu tudo sem remorso algum.
Foram muitas as vezes em que tentaram destruí-lo apenas por ser
quem era. Kyle foi o primeiro que, através de um olhar repleto de
delicadeza, teve a coragem de propor o contrário.
Com a destruição de tudo, incluindo a do próprio título de duque,
Kyle aceitou a missão de reestruturar cada detalhe que esteve fora do lugar
por tanto tempo. Por essa razão, as lágrimas escorriam. Porque a esperança
era bonita, intensa, preenchia tudo em seu peito, em seu corpo, em seus
músculos. Tanto que quanto mais corria, mais queria correr.
Ao longe, avistou a silhueta de um cavalo e em seguida a de um
homem. Tratava-se de Kyle. As estrelas e os fios prateados da lua o
iluminavam, transformando-o em algum tipo de ser enviado pelo próprio
Deus.
Assim que chegou perto o suficiente, Arthur abriu os braços e se
atirou em Kyle. Havia chegado, por fim, em seu verdadeiro lar. Em seu
porto seguro.
Kyle agarrou Arthur e o abraçou com toda a força que tinha. Por
breves segundos, temeu até mesmo romper os ossos do corpinho tão magro.
Como poderia ser diferente? Queria se fundir a ele, queria que se
transformassem em um só.
Na verdade, depois daquele dia tão complicado, talvez já tivessem
se fundido, de fato. Estavam renascendo, carregavam as mesmas essências e
os mesmos desesperos, então não seria loucura afirmar que nunca mais
teriam a possibilidade de romper o fio que os entrelaçava. Estiveram juntos
na morte e agora permaneceriam no mesmo caminho em vida.
— Pensei que não chegaria nunca! Fiquei com tanto medo de que
tudo desse errado. A minha mente não parava de divagar, ponderando
acerca da sua chegada. E se descobrissem o nosso plano? E se nos
acusassem de sodomia? — Kyle soluçou, acariciando o rosto de Arthur. —
Eu te amo tanto que pensar em tantas tragédias me estarreceu mais do que o
medo de perder a minha própria vida.
Aquele era um desabafo de amor. Uma confissão desesperada. Pela
primeira vez em um longo tempo, era possível respirar aliviado e com o
peito mais leve. Aos poucos, os tremores nervosos do seu coração davam
lugar às batidas aceleradas de alegria.
Lentamente, as mãos ariscas do título desapareciam como fumaça,
deixando de atá-lo e impedi-lo de respirar. Agora, bastava inspirar
profundamente para sentir o ar limpo, sem o maldito cheiro ocre do peso de
todo um legado que costumava pairar em sua existência até então.
— Estamos livres, meu amor, livres! — Arthur praticamente gritou.
— Ninguém desconfiou, nem mesmo tentaram questionar o corpo atacado
pelos javalis selvagens. Os membros da alta sociedade parecem estar
horrorizados com tal ataque e planejam reforçar a segurança das próprias
terras. Creio que causamos uma grande revolução!
— Já posso imaginar, nos livros de história, a menção de que em
algum momento desse maldito país, a alta sociedade decidiu se proteger dos
javalis selvagens através da construção de muros. Céus, Brandon foi um
gênio. — Kyle fez uma pequena pausa e pigarreou. — E como está a
mamãe?
— Arrasada! Tomando como base as expressões desoladas no rosto
dela, parece muito arrependida dos conflitos que criou com você. — Arthur
abriu um breve sorriso. — Planeja voltar a vê-la no futuro?
— É claro que não! A minha mãe foi uma das maiores causadoras
da minha infelicidade. Não há motivo algum para futuramente arriscarmos
o nosso plano. — Kyle se afastou de Arthur e caminhou até o cavalo. —
Vamos, precisamos partir antes que fique muito tarde.
Brandon havia disponibilizado um pedaço de terra em uma área
distante das regiões centrais do ducado. Lá, não precisariam se preocupar
com visitas inesperadas ou com reconhecimentos inoportunos. Seu irmão
mais novo, embora tão sem experiência, não deixou nenhum detalhe fora de
lugar.
— Espero que este seja o meu último recomeço — Arthur disse
antes de se apoiar em Kyle para montar no cavalo —, quero apenas ser
feliz.
As palavras chegaram ao ouvido de Kyle quase como um clamor.
Ele as entendia, pois — ainda que não tivesse passado por muitos
recomeços durante a vida — havia oferecido tudo o que tinha em nome do
amor que sentia por Arthur. Cada vez que pensava sobre a incerteza do que
estava por vir, suas pernas tremiam. Contudo, em seu peito — em sua alma
— algo lhe dizia que seria impossível agir de outra forma.
Sua existência exalava amor. Em todos os seus mistérios e pecados,
incitações e renúncias. Seria impossível existir preso à covardia do não
partir. Portanto, partiria. Com a cabeça erguia, satisfeito. Sem ponderar.
Apenas com a certeza de que daria o melhor que pudesse; tudo de si.
— Eu prometo, Arthur, que a sua felicidade começa agora. — Kyle
também montou. Pouco depois, agarrou o amado pela cintura firmemente
com uma das mãos. — Felicidade e amor é tudo o que tenho para te
oferecer.
— E assim eu recebo com gratidão tudo o que você me oferece. —
Arthur se recostou contra o peitoral de Kyle. — Assim como te ofereço
tudo o que tenho. Eu amo você, meu duque degenerado.
— Duque? Não me ofenda dessa maneira! Chame-me apenas de seu
amor! — Kyle soltou uma gargalhada suave. — Eu amo você, meu lar.
— Meu amor, não te chamarei de outra coisa além disso… —
Arthur respondeu baixinho: — Meu amor, meu amor, meu amor...
Conforme o cavalo trotava na noite iluminada pela lua, Kyle e
Arthur fugiram rumo à felicidade. E a encontraram.
Epílogo
Anos depois...
Um dia no verão