Comprado Pelo Duque Jhonatas Nilson

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Copyright © 2024 Jhonatas Nilson

Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão


total ou parcial, sob qualquer forma. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer
semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Livro revisado por: B. F. Vadô.
Sumário
Querido leitor
Parte I
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Parte II
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Parte III
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Outros títulos do autor
Querido leitor,
Levei cerca de um ano para terminar de escrever esta história. É
interessante olhar para trás e repassar todo o processo, pois agora, com o
livro finalizado e pronto para publicação, não consigo deixar de me
perguntar como pude demorar tanto!
Espero que você se apaixone pelos personagens e que sinta o
impacto emocional de cada um deles tanto quanto eu ao escrevê-los. Para
mim, foi uma grande aventura de aprendizado e esperança.
Ao terminar a leitura, não deixe de me procurar nas redes sociais
para me dizer o que achou. Vou adorar saber!
Com carinho,

(Autor)
Para acompanhar as aventuras do autor Jhonatas
Nilson ao redor do mundo, não deixe de segui-lo no
Instagram:
@Jhonatas1025
Parte I
Prólogo

Cinco anos antes...

Chovia fortemente, mas eram as lágrimas de Arthur Wilkins que


molhavam o piso do porão.
Às vezes, a saudade parecia dilacerá-lo de dentro para fora. Saudade
dos abraços de Rosemary, sua mãe. Saudade de como ele costumava se
sentir mais seguro quando ela ainda estava viva.
De maneira carinhosa, ele posicionou a coleção de pequenas
bonecas de porcelana uma ao lado da outra no chão. Eram peças delicadas,
deixadas por Rosemary. Ele se lembrava muito bem de como ela limpava
cada uma delas com cuidado, sempre temendo quebrá-las ou danificá-las.
Aquela coleção era a única lembrança palpável que restou, porque
todo o resto foi jogado no lixo. As bonecas só estavam intactas porque
Arthur, muito esperto, tratou de escondê-las em uma caixa minúscula
debaixo do piso de madeira do porão.
Caso contrário, Brody, seu pai, teria destruído tudo.
Todos pensavam que Rosemary havia morrido em um acidente
dentro de casa. “Pobre senhora Wilkins, escorregou enquanto cozinhava,
bateu a cabeça e faleceu”, muitos diziam, escandalizados com tamanha
tragédia.
Mas Arthur sabia a verdade. Ele vira tudo de maneira muito clara; e
ainda que tivesse apenas dez anos na época, nunca foi tolo. Nunca teve
dúvidas acerca da realidade.
E a realidade era muito pior do que a história que todos haviam
aceitado.
Brody, violento e destruidor, ficara furioso ao perceber que
Rosemary entregara uma boneca nas mãos de Arthur. Sua raiva fora tão
borbulhante que explodira tal qual a de um animal selvagem.
Brody agarrara Rosemary pelos cabelos e, com um único golpe, a
arremessara contra a parede, fazendo-a bater a cabeça com força. A morte
veio de forma súbita e quase instantânea.
Desde então, Arthur guardava o segredo, afinal que outra opção
teria? Engolira a verdade porque se sentia envergonhado; se sentia culpado.
Se ele não fosse quem era e não tivesse os trejeitos que tinha, algo assim
nunca teria acontecido.
— Arthur! — Brody gritou, abrindo a porta do porão obscuro com
força. O barulho ecoou por todo o local, que era minúsculo. — O que
diabos você está fazendo aqui escondido?
Mesmo aos dezoito anos, Arthur sempre se sentia como um
garotinho diante do pai. Por isso, tremeu da cabeça aos pés, dando o melhor
de si para esconder as bonecas o mais rápido possível.
Claro que não adiantou. Brody desceu as escadas com agilidade,
segurando uma vela com uma das mãos.
— Não me diga que... — O homem se aproximou do filho e abaixou
a mão, iluminando os objetos. — Arthur, quando você se tornará um
maldito homem de verdade?
— Pai, eu só estava com saudades da mamãe e...
Com uma frieza assustadora, Brody colocou a vela em cima de uma
das caixas de madeira. Logo em seguida, voltou a se aproximar do filho e o
agarrou pelos cabelos, obrigando-o a ficar de joelhos.
— Você sempre pareceu uma garotinha. Sempre teve um jeito
diferente, que em nada se assemelha ao de um homem. — Com um único
gesto, assim como fez com Rosemary tantos anos atrás, Brody empurrou
Arthur e ele bateu a cabeça em uma das caixas. — Mas te ensinarei a ser
como nosso querido Deus ordena. Te baterei tanto que todo e qualquer tipo
de espírito maligno sairá desse seu corpo inútil.
— Por favor, meu pai... — Arthur tremeu, incapaz de olhar Brody
nos olhos. — Tentarei ser mais homem, darei o melhor que há em minha
existência. Acredite em mim.
— Brincando com bonecas de porcelana? — Brody riu, sua
gargalhada cheia de catarro ecoando pelo porão. Ele não vivia sem tabaco e
seu pulmão sempre falhava. — Entenda de uma vez por todas, Arthur: você
é um homem, faz coisas de homem. Chorar e caminhar tal qual uma gazela
não são atitudes másculas! Não são!
Como se para dar ênfase no que estava falando, Brody puxou o
cabelo de Arthur com ainda mais força. Com a mão livre, tirou do bolso
uma faca afiada de cortar carne.
— O que fará, pai?
— Seus cabelos... são sedosos demais, fazem com que você fique
com o rosto mais feminino, mais delicado. Os amigos da família comentam,
ou pensa que não? — Sem esperar mais, começou a cortar os fios castanhos
e brilhantes, atirando os tufos no chão. Não parou até deixar o filho quase
totalmente careca.
Arthur chorava. E quanto mais chorava, mais raiva sentia. Percebia
que algo dentro dele — gigante e adormecido — gritava, querendo voltar à
vida.
Por muitos anos, guardei o segredo acerca da morte de minha mãe.
Moldei a minha voz, o meu jeito de caminhar e até mesmo a minha risada.
Transformei-me em alguém que sequer reconheço. Mesmo assim, o senhor
meu pai me odeia. Deus me odeia. De que vale tanto esforço?
Como se não bastasse tudo o que já havia feito, Brody chutou as
bonecas, quebrando-as em milhares de pedaços.
— Papai, por favor, essas eram as últimas memórias deixadas por
minha mãe! — Arthur arregalou os olhos e perdeu o controle da respiração.
Seu peito subia e descia. A loucura dentro dele, que em muito se parecia à
de Brody naquele instante, gritou em seu âmago.
E ele ouviu.
Sem saber de onde vinha tanta força, Arthur empurrou o pai,
derrubando-o contra as caixas. Trêmulo e sem fôlego, levantou-se e pegou a
vela.
— Eu sou seu pai, gazela inútil! — Brody gritou, vermelho de ódio.
— Que valor tem o título de “pai” se o senhor não ama a minha
existência? — Arthur terminou de falar e jogou a vela em cima de Brody.
Claro que não tinha muito tempo. Não esperou para ouvi-lo gemer
em dor por conta da cera que queimava a pele.
Apenas correu para fora do porão, encontrando-se com a chuva.
Correu até suas pernas falharem e suas lágrimas secarem.
Quando deu por si, já não sabia onde estava. Mas não se importou,
não planejava voltar. E, realmente, nunca voltou.
Arthur Wilkins deixou de ser o filho de um fazendeiro imundo do
interior para se tornar, tempos depois, o servente de um prostíbulo na
periferia de Londres. Em ambos os casos, sua vida nunca lhe apresentou
opções fáceis.
Decidiu permanecer forte, sonhando com a possibilidade de
encontrar a felicidade em algum momento.
Capítulo 1

Kyle Hodgson, duque de Winnenshire, gostava do pecado. Tanto


que se a Inglaterra fosse o inferno, ele seria o próprio diabo. Ele gostava
disso: de saber que era diferente dos demais. Porque sua obsessão pelo
proibido o tornava único. E ser considerado demasiado diferente o excitava,
dava-lhe motivos para continuar vivendo.
Faltava cerca de apenas uma semana para o Natal e Kyle estava na
região central de Londres ao lado do irmão, Brandon, que era cinco anos
mais novo, para as últimas obrigações sociais do ano. Ambos foram
convidados para apreciar um coral natalino — formado por crianças
abandonadas — que aconteceria no Teatro Weber dali dois dias.
Óbvio que Kyle não tinha interesse algum em ver crianças
cantarolando canções clichês. Ele não se importava com o Natal e muito
menos com as tradições. No entanto, na tentativa de não decepcionar tanto
sua mãe, decidiu fazer o esforço de sair das suas terras localizadas nos
arredores de Londres apenas para que a senhora Hodgson, a Duquesa Mãe
— ou Duquesa Viúva, como os funcionários a chamavam — ficasse um
pouco mais feliz.
O problema era que, na verdade, Eloise Hodgson nunca estava feliz.
Kyle não suportava a personalidade negativa e pouco interessante da
própria mãe.
Sentado em uma cadeira levemente desconfortável e segurando uma
dose de uísque com uma das mãos, olhou de um lado para o outro.
Putas baratas e de luxo, homens dos mais diversos níveis, cigarro,
bebida e músicas cantadas por artistas de pouco prestígio. Cada detalhe do
lugar parecia combinar com a personalidade dele.
O Salão Austin era o tipo de ambiente que ninguém da alta
sociedade admitia visitar. Localizado em um beco da periferia da cidade,
parecia sempre muito obscuro e excluído do resto do mundo.
Kyle descobrira o lugar dois anos atrás, em uma das suas andanças.
Esteve entediado e quis apenas viver algum tipo de aventura. E conseguira
exatamente o que procurara, claro. Desde então, visitava o prostíbulo
sempre que possível.
O mais irônico de tudo era que ele não ia em busca de sexo; não
necessariamente. Queria apenas... ver como as coisas funcionavam por ali.
Claro que se entregava à luxúria vez ou outra, mas enxergava toda a
experiência quase como algum tipo de pesquisa científica pessoal e secreta.
Naquela noite, Kyle estava apenas sentado, bebericando uísque
enquanto esperava por seu irmão mais novo — que havia desaparecido com
uma jovem de cabelos ruivos e peitos fartos.
Embora não admitisse para ninguém, Kyle já tinha seu foco. E
aquele era seu verdadeiro foco desde o primeiro dia em que visitara o lugar.
No início, olhara para as mulheres e fizera questão de devorá-las
sexualmente. Porém, depois de algumas visitas, um homem delicado
chamava cada vez mais a sua atenção.
De maneira bastante reservada, tratara de descobrir que o homem se
chamava Arthur, e tinha vinte e três anos — valia ressaltar que Kyle era
apenas dois anos mais velho do que ele. Seu corpo era delicado e magro,
sua aparência quase fantasmagórica. Trabalhava servindo bebidas para os
clientes, limpava o banheiro imundo e recebia as chaves dos quartos, que
ficavam no fundo do corredor igualmente imundo.
Kyle já havia falado superficialmente com Arthur algumas vezes,
mas naquela noite queria conversar com ele. Saber mais dele. Por isso, não
parava de olhar em sua direção.
— Outra dose — disse, movendo os lábios com simplicidade e
levantando uma das mãos. — Agora.
Arthur — que parecia sempre assustado com alguma coisa — correu
para realizar o pedido. Embora não soubesse que Kyle era um duque, intuía
que ele não podia ser considerado um qualquer.
— Aqui está, senhor.
— Sente-se... — Kyle se inclinou na direção do rapaz, fingindo não
saber nada acerca dele. — Como se chama?
— Arthur Wilkins, senhor. — Ele olhou para as outras mesas e,
rapidamente, concluiu que não seria um problema se sentar por alguns
instantes. — Há algo mais que queira pedir, senhor?
— Hoje decidi trazer o meu irmão mais novo para se deliciar com
uma das moças pela primeira vez. Bem, se quer saber... ele é muito mais
comportado do que eu. Por isso estou apenas entediado enquanto o aguardo.
Gostaria de alguém... para conversar. Pode ser você, Arthur. — Kyle abriu
um sorrisinho. — Não é de Londres, é?
— Não, senhor. Venho de longe. — Ele se sentou de frente para
Kyle. Em sua expressão havia inseguranças e incertezas. — Precisava
encontrar oportunidades em Londres.
— Não conseguiu encontrá-las, suponho.
— Não, por isso o senhor Austin Rupert me ofereceu um dos
quartos e, em troca, eu trabalharia durante a noite, servindo os clientes. —
Arthur mexeu a cabeça de um lado para o outro em sinal negativo. — Aos
poucos ele começou a cobrar altas taxas de aluguel. Agora já não recebo
quase nada e ainda, bem, estou devendo uma quantia razoavelmente alta
que só cresce.
— Lamento por suas dívidas, Arthur. — Kyle se inclinou um pouco
mais e bebeu a dose de uma vez. — Por que você não se prostitui como as
moças?
— Oh, como pode sugerir algo assim? — Arthur corou
violentamente. — Os homens que vêm aqui estão em busca de mulheres.
Não sou o que eles querem.
— Ah, mas percebo que você não nega que se deitaria com um
homem caso fosse necessário. — Kyle gostou de vê-lo nervoso, então
continuou a fazer perguntas ainda mais primitivas e desconcertantes.
— Não... Não é isso, céus. Não! — Arthur corou ainda mais. — O
senhor faz perguntas bastante indiscretas.
— Sou um homem curioso, ou isso dizem. — Kyle abriu um
sorrisinho bem malicioso dessa vez.
Ele tinha a mais plena consciência de que sentia atração por
homens, talvez ainda mais do que o que sentia por mulheres. Entretanto,
levando em consideração o título de duque e toda a realidade em que estava
inserido, nunca arriscou experimentar.
Arthur, no entanto, era tão... visualmente agradável, que Kyle não
conseguia deixar de imaginar como seria fazê-lo galopar em seu membro
rígido.
— A curiosidade pode ser uma grande complicação, senhor —
Arthur respondeu, encolhendo-se.
Kyle olhou para o corredor e percebeu que Brandon, com a roupa
semiaberta, estava saindo do quarto ao lado da prostituta.
— Ora, uma pena. Meu irmão já terminou o que estava fazendo. —
Kyle se levantou e inclinou a cabeça em um breve aceno. — Certamente
nos veremos outra vez, Arthur.
— Espero que sim, senhor.
Kyle sentiu algo borbulhar dentro de si. Era a certeza de que podia
conquistar tudo o que bem desejasse, até mesmo outro homem.
Naquele instante, soube que Arthur seria seu. De um jeito ou de
outro.
Capítulo 2

Arthur estava tremendo da cabeça aos pés e nem mesmo sabia o


motivo.
Depois que o jovem senhor misterioso largou o pagamento em cima
da mesa e deixou o prostíbulo, Arthur precisou passar alguns segundos
totalmente imóvel na tentativa de recuperar o próprio controle.
Ele estava acostumado a atender todo tipo de cliente. Existiam os
mais educados, os mais sujos, os que tentavam sair sem pagar e até mesmo
os que vinham de famílias muito ricas. Apesar das muitas diferenças, ali —
no Salão Austin —, todos eram iguais e estavam em busca de basicamente a
mesma coisa: prazer
No entanto, o jovem senhor misterioso agia de forma muito
excêntrica. Ao invés de pagar por alguma prostituta, muitas das vezes
ficava sentado, quase sem se mexer, tal qual um espírito maligno. Valia
ressaltar que ele tinha uma aparência sombria, como a de um personagem
saído diretamente dos livros mais obscuros: roupas em tons escuros, olhos
penetrantes e cabelos brilhantes. Uma combinação fatal.
Quem ia a prostíbulos apenas para ficar sentado bebendo uísque?
Ninguém além dele, certamente.
Voltando a recuperar o próprio controle, Arthur se inclinou diante da
mesa para pegar o dinheiro e percebeu que a quantia excedia em muito o
necessário. Havia o suficiente para pagar, ao menos, umas vinte doses.
Além de esquisito e ameaçador, também é desatento, pensou Arthur
ao estalar a língua com certa chateação.
Agora teria que ir atrás dele para devolver o troco. Enquanto isso,
mais e mais clientes entravam no salão. Logo o senhor Rupert reclamaria
pela demora no atendimento.
Eu poderia fingir que não percebi a quantia exorbitante, mas há o
grande risco de o senhor retornar em busca do dinheiro, então o melhor a
se fazer é tentar encontrá-lo.
Afastando-se da mesa, Arthur caminhou até o balcão. O senhor
Rupert estava sentado em uma cadeira que era minúscula para o seu
tamanho.
— Senhor, um dos clientes frequentes esqueceu algo, preciso
devolver. — Arthur apontou na direção da saída. — Ele não saiu há muito
tempo.
— Apresse-se, garoto. Os clientes não gostam de esperar. — O
senhor Rupert o dispensou com as mãos rechonchudas.
Sem ponderar muito, Arthur deixou o estabelecimento e sentiu o
vento frio lamber sua pele. Ele não gostava muito daquele clima, pois não
tinha roupas quentes o suficiente. Além de tudo, o frio tornava seus
sentimentos mais melancólicos, depressivos, obrigando-o a pensar nos
próprios problemas.
Mesmo que já tivesse deixado a fazenda — e seu pai — há cinco
anos, ainda se lembrava de como costumava se sentir naquela época.
Pensara que em Londres teria a oportunidade de viver com um pouco mais
de liberdade, mas não demorara muito para que percebesse que a liberdade
não existia. Ou, ao menos, não em sua vida patética.
Arthur continuava trabalhando no Salão Austin apenas porque não
tinha outra opção. Conforme o valor do aluguel do quarto aumentava e seus
pagamentos pareciam cada vez mais escassos, não existia outro lugar para ir
ou outra coisa a se fazer. Se pensasse com profundidade acerca do assunto,
não era difícil concluir que o senhor Rupert o tratava basicamente como um
escravo.
Tentando lutar contra o frio, Arthur começou a correr pelas ruas
escuras. Tudo ali exalava perigo, principalmente naquele horário da noite.
Bêbados e delinquentes se esgueiravam pelos becos como se estivessem em
busca de problemas o tempo todo.
Ele detestava aquela região de Londres. Tanto que quando não
estava trabalhando, optava por ficar trancado no quarto minúsculo.
Permanecia horas e horas apenas deitado na cama, sonhando com o dia em
que encontraria a própria felicidade.
No final da rua, prestes a entrarem em uma charrete, dois homens
conversavam com animação. Arthur logo concluiu que um deles era o
jovem senhor misterioso.
— Desculpem-me, senhores! — Arthur gritou, correndo. —
Desculpem-me! Esperem um pouco!
O jovem senhor misterioso foi o primeiro que parou pouco antes de
entrar na charrete. Com passadas extremamente preguiçosas e elegantes —
que mais pareciam as de um felino —, ele se aproximou de Arthur como se
estivesse prestes a devorá-lo com os olhos.
— Algum problema?
— O senhor deixou uma quantia muito maior do que a necessária
em cima da mesa. — Arthur tirou o dinheiro do bolso. — Até cogitei que
talvez fosse gorjeta, mas o valor era tão alto que seria impensável. Vim
devolver.
Soltando uma gargalhada cheia de ironia, o jovem senhor misterioso
colocou as duas mãos nos bolsos.
— Vejo que é honesto e de bom coração, Arthur. — Ele deu mais
alguns passos, aproximando-se. — Deixei o dinheiro para você.
— É uma quantia alta demais, senhor.
— Não seja tolo, apenas aceite. — Ele voltou a olhar fixamente para
Arthur, como se pudesse ver através dele, dentro dele.
— Obrigado, senhor. Que as bênçãos sejam frequentes em sua vida.
— Arthur fez uma pequena pausa e decidiu ousar um pouco mais: —
Poderia, ao menos, me dizer o seu nome?
— Caso eu te diga, ninguém no salão poderá saber. Ninguém. — O
jovem senhor misterioso abriu um sorrisinho maléfico. — E se o meu nome
vazar, você arcará com as consequências.
— Quais seriam as consequências? — Arthur sentiu o calafrio subir
por todo corpo. Sensações se misturavam: medo, euforia, excitação. Nada
se definia dentro dele.
— Se você vazar o meu nome, Arthur, terei que matar você. E seria
uma pena. — Ele elevou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. —
Não se assuste. Basta que você não fale demais.
— Sou bom em guardar segredos.
— Kyle Hodgson, duque de Winnenshire — respondeu com o
rosto impassível. — E não, não me trate com “Vossa Graça” a partir de
agora. É entediante.
— Oh, um duque! — Arthur arregalou os olhos. — Que tolo eu sou,
desculpe-me por tratá-lo com tamanha informalidade!
— Céus, não comece com tudo isso, irei vomitar. Trate-me como
Kyle, apenas. — Ele se virou, sem parar para se despedir. — Não diga ao
senhor Rupert que você ficou com o dinheiro. É seu.
— Obrigado, Vossa Gra... Obrigado, Kyle. — Arthur acenou várias
vezes com a cabeça em sinal de respeito. — Espero que volte sempre.
— Ah, claro que voltarei...
Observando-o partir, Arthur desejou ardentemente que ele voltasse.
Não por querer ganhar mais dinheiro, mas por ter adorado a sensação de
fogo que surgiu em suas entranhas.
Horas mais tarde, ao se deitar para dormir após o trabalho exaustivo,
percebeu que estava com o corpo quente e desejava fazer sexo. Com Kyle
Hodgson, duque de Winnenshire.
Algo assim nunca seria possível.
Capítulo 3

— O que o rapaz queria, meu irmão? — Brandon perguntou ao se


sentar na poltrona da sala de visitas. A propriedade em que estavam
pertencia à família Hodgson há pelo menos dois séculos, e só não era tão
luxuosa quanto a mansão principal que mantinham nas terras do ducado.
Desde que o senhor Hodgson faleceu — vítima de falência
pulmonar —, Kyle precisou assumir o posto sem que sequer se sentisse
verdadeiramente preparado para algo tão incisivo.
Na verdade, o próprio senhor Hodgson só se tornara um duque
porque seu primo, que não tivera filhos ou irmãos, falecera
prematuramente. Portanto, o ducado caíra no colo de Kyle como uma
verdadeira — e inadequada — ironia do destino.
E, se avaliasse com atenção o próprio desempenho, não poderia
negar que de fato era um péssimo membro da nobreza. Aos vinte e cinco
anos, enxergava-se como um homem que não merecia o poder que recebeu
com tanta facilidade.
Brandon, mais novo e menos experiente, conseguia ser tudo o que
Kyle jamais seria. Prestativo, atencioso aos detalhes e amado pela alta
sociedade, merecia muito mais o título. Mas a vida e o destino não
costumavam ser justos, então não existia algo que pudesse ser feito.
— Enquanto você se divertia com a moça bonita, esperei sentado à
mesa. Pedi para que o rapaz conversasse um pouco comigo, pois foi
entediante esperar. — Kyle se sentou na poltrona diante do irmão. — Gostei
dele, então decidi deixar uma quantia extra. Ele pensou que eu havia me
esquecido do troco. Tolo.
— Você não costuma ser bondoso, tampouco distribui dinheiro com
essa facilidade. — Brandon levantou uma das sobrancelhas, curioso. —
Suponho que ele realmente tenha servido como ótima companhia.
— Não tenha dúvidas, meu irmão — Kyle respondeu, sem entrar em
detalhes.
Os dois eram grandes amigos e se davam muito bem. Inclusive,
quebravam a ideia de que irmãos brigavam constantemente, pois não
tiveram atritos nem mesmo durante a infância.
Kyle adoraria se sentir confortável para conversar com o irmão mais
novo acerca do desejo que nutria por homens. Porém sabia que nem mesmo
ele seria capaz de compreender algo assim. Como poderia? Na realidade em
que viviam, algo assim seria inaceitável.
Às vezes, Kyle se enxergava como uma fraude. Porque mesmo que
muitos o enxergassem como um filho rebelde, de língua afiada e pouco
preocupado com as próprias obrigações, ele, secretamente, preocupava-se
em excesso, perguntando-se como seria o futuro da família que estava em
suas mãos.
O peso era alto demais, desconfortável demais. E Kyle odiava
desconfortos. Por isso, vivia em uma dualidade tremenda — típica de quem
ainda não havia encontrado as próprias motivações.
Ele tinha a teoria de que suas dúvidas de vida talvez estivessem
intrinsecamente relacionadas a seus desejos sexuais. Mesmo que gostasse
de seduzir mulheres, eram os homens que o deixavam faminto.
Homens como Arthur, por exemplo. O rapaz era belíssimo e
feminino com seus cabelos castanhos e pele brilhante. O tom dos seus olhos
claros trazia certa inocência gritante. Arthur parecia clamar por proteção,
formando uma combinação que enchia a ótica de Kyle.
— Fico surpreso que você não tenha aproveitado o tempo para levar
alguma moça ao seu quarto. — Brandon sorriu, desafiador. — Quem
frequenta um prostíbulo para ficar sentado bebendo uísque?
— Eu frequento. — Kyle revirou os olhos. — Gosto de analisar as
pessoas que visitam o Salão Austin. Todos parecem tão diferentes e iguais
entre si, que me sinto como em uma análise científica.
— Então você só desejava me corromper.
— Já era hora de perder a inocência, meu irmão — Kyle falava com
bastante cinismo.
Por ser extremamente dedicado às obrigações familiares, Brandon
nunca teve tempo de se deliciar com o poder da luxúria. Então pareceu
óbvio para Kyle que seria necessário dar um empurrãozinho.
— Confesso que o sexo não é algo que me move grandemente —
Brandon comentou como se pudesse ler os pensamentos silenciosos do
irmão mais velho. — Existem coisas que me parecem mais essenciais.
— Lamento que pense assim, mas respeito sua personalidade. Se eu
pudesse, vivenciaria ainda mais aventuras do que as que já vivencio. —
Kyle se levantou da poltrona. — Você deveria me agradecer por ter te
levado até lá. Sem mim, é provável que você só fosse sentir o cheiro de uma
mulher após o casamento.
— E assim não é o ideal?
— Ah, é claro que você falaria isso. O ideal... O esperado... — Kyle
estalou a língua. — Você deveria ser o duque e não eu.
— Não podemos mudar os fatos, então apenas aceite que é
importante agir como o esperado na posição em que está.
— Meu irmão, para alguém que transou com uma puta, você está
com um discurso bastante conservador. — Kyle se aproximou do irmão e
deu-lhe dois tapinhas no ombro. — Como você reagiria caso eu decidisse
deixar de agir, de uma vez por todas, como o esperado?
— Não me surpreenderia. Você não nasceu para viver atado. Mesmo
com as amarras do título, dá um jeito de se manter livre, então nada vindo
de você me surpreende, creio. — Brandon também se levantou. — Tenha
uma boa noite de sono, pois amanhã precisaremos visitar alguns antigos
amigos de nosso falecido pai.
— É para isso que você veio comigo, Brandon. Você irá visitá-los,
você irá entretê-los, afinal gosta de tanta banalidade. Eu... tenho planos. —
Kyle começou a se afastar. — Não vou perder a oportunidade de vivenciar
Londres apenas porque alguns velhos desejam se mostrar para mim.
— Céus, Kyle! Eles esperam rever o sucessor, que é você. Eu não
tenho o mesmo impacto.
— Então aprenda a ter. — Kyle lançou um breve aceno ao irmão e
se retirou, sempre caminhando preguiçosamente. — Boa noite, Brandon.
A verdade era que Kyle não tinha planos formados para o dia
seguinte, entretanto, em um rompante, decidiu que visitaria o Salão Austin
durante o dia apenas para ver o que o pessoal do bordel fazia fora do
horário de expediente.
Como viviam as prostitutas quando não estavam oferecendo prazer?
Como vivia o senhor Rupert quando não estava usurpando o
dinheiro dos seus funcionários?
E, bem, ainda existia o maior questionamento de todos: como vivia
Arthur quando não estava servindo as mesas?
Agora que haviam tido uma interação mais duradoura, Kyle estava
decidido a conhecê-lo um pouco melhor.
Em segredo, claro, para não levantar suspeitas.
Capítulo 4

Na tarde do dia seguinte, Arthur se recostou contra o balcão e soltou


um longo suspiro. Sentia-se exausto, pois teve uma péssima noite de sono e
precisou despertar muito cedo para auxiliar na limpeza do Salão Austin.
A rotina era sempre a mesma, como se nunca existisse descanso. Os
poucos funcionários dormiam tarde e acordavam cedo, obedeciam ao
senhor Rupert e quase nunca reclamavam. Não existia outra saída para os
que precisavam do trabalho ou de um quarto para ficar. Arthur era um
trágico exemplo de quem não tinha nada para sobreviver, então precisava
aceitar calado até mesmo os infortúnios de uma realidade ingrata.
— Estive refazendo alguns cálculos — O senhor Rupert disse ao se
aproximar. Sua barriga parecia sempre exageradamente grande, como se
estivesse inchada pela quantidade exacerbada de álcool que consumia. —
Você não paga o seu quarto adequadamente há meses. Dou oportunidades
aos que merecem, mas exijo reciprocidade, meu jovem.
Arthur, sem saber como reagir, tirou alguns fios de cabelos
castanhos dos olhos e engoliu em seco na tentativa de ganhar tempo antes
de precisar responder alguma coisa.
— Senhor Rupert... eu já quase não recebo nada do meu pagamento.
E o senhor só não confisca tudo porque sabe que preciso comprar alguns
itens básicos para sobreviver. — Arthur voltou a arrumar os cabelos em
pleno sinal de nervosismo. — Como espera que eu te dê mais dinheiro, se o
senhor é o meu chefe e me paga tão pouco?
Aqueles eram questionamentos óbvios e esperados, nada irracionais,
mas o senhor Rupert claramente não estava satisfeito com a situação, pois
levantou o braço roliço e acertou Arthur com um tapa forte no peito,
deixando-o tonto.
— Para um rapaz tão cheio de dívidas, você é bastante arrogante —
esbravejou. Seu rosto começava a ficar mais e mais vermelho. — Se quer
receber mais dinheiro, trabalhe mais. Ou então... encontre um trabalho
durante a madrugada. Muitos na sua idade trabalham arduamente para
manter a vida sob controle, mas você quer conforto. De hoje em diante,
confiscarei todo o seu pagamento até que todas as suas dívidas comigo
sejam quitadas.
As dívidas nunca serão quitadas, pensou Arthur. Nunca serão! O
senhor Rupert aumenta os valores do aluguel de uma hora para outra e
diminui os meus pagamentos na mesma medida. Trata-se de um ciclo sem
fim.
Às vezes Arthur até analisava a possibilidade de deixar o prostíbulo
e buscar outro quarto para morar, mas nenhum senhorio aceitaria alguém
como ele. Sem família, sem dinheiro, sem boas referências. Ele estava preso
naquele lugar e sem esperança alguma de ingressar em uma realidade
melhor.
Todos os dias, quando deitado na cama, refletia que havia escapado
de uma prisão para cair em outra. Embora a vida no Salão Austin fosse mais
fácil do que na fazenda, não era mais agradável.
Porque ali ele se sentia sujo o tempo inteiro. Sufocado. Cada vez
que olhava ao redor e avistava o senhor Rupert, lembrava-se da dívida que
tinha. E sentia vontade de chorar, pois não existiam dúvidas de que
permaneceria naquele inferno pelo resto da vida.
— Senhor, não posso ficar sem receber quantia alguma, pois preciso
me alimentar. O frio está cada vez mais intenso e minhas roupas se
encontram cheias de furos. Entendo que as minhas dívidas não param de
crescer, mas se eu não receber nada, como sobreviverei? — Arthur quase
chorou enquanto tentava argumentar.
— Como falei, trabalhe mais. Um segundo emprego durante a
madrugada não seria difícil de encontrar. — O senhor Rupert se aproximou
e falou em um tom mais baixo: — Você é jovem e tem um rosto
extremamente delicado. Se souber agir com inteligência, encontrará alguma
viúva muito disposta a arcar com os seus gastos.
Enquanto ouvia o homem falar, Arthur sentiu o estômago se revirar.
Eu nunca, nem se colocassem uma espada em minha garganta, seria
capaz de me deitar com uma mulher. Meu membro... não cresce e não
endurece quando penso em moças. Elas simplesmente não fazem o meu
sangue borbulhar. Eu adoraria saber o motivo, confesso.
Qualquer mulher que tente algo comigo, passará a me odiar ao
descobrir que muito me interesso por homens.
Arthur deu dois passos para trás e afastou o próprio monólogo
interno para um lugar distante da mente. Em momentos como aquele,
evitava pensar muito sobre os próprios desejos.
E sobre sua incapacidade de seduzir uma mulher.
— Desculpe-me, mas não irei vender o meu corpo, se é o que está
sugerindo. — Arthur se afastou ainda mais. — Senhor, fique com todo o
meu pagamento de agora em diante. Tentarei lidar com os meus próprios
problemas.
— É exatamente assim que um bom homem deve agir e falar. — O
senhor Rupert sorriu. — Agora volte ao trabalho.
Arthur até pensou em obedecer, mas suas intenções foram
interrompidas quando as portas do Salão Austin abriram e um homem
entrou como se fosse o dono do lugar.
Kyle Hodgson, duque de Winnenshire.
A percepção o açoitou de dentro para fora, roubando-lhe o fôlego
como se tivesse corrido durante horas.
— Vá embora, está fechado! — o senhor Rupert praticamente
gritou, mexendo uma das mãos.
— Não fale assim, senhor. Ele é um dos nossos clientes frequentes
— Arthur disse baixinho. — Seria uma lástima chateá-lo.
— Ah, sim? — O senhor Rupert levantou a cabeça e olhou na
direção do duque com mais atenção. — Oh, é claro que sim! Meu senhor, o
que deseja? Desculpe-me pela minha falta de tato.
— Não esperava uma atitude diferente vinda de alguém como você
— respondeu o duque ao se aproximar. Dessa vez, não trazia o irmão mais
novo consigo. — Sinto-me entediado e gostaria de caminhar um pouco pela
cidade. Libere o garoto para mim.
— O quê? — Arthur corou violentamente.
— Quero que você me fale um pouco sobre as mulheres da baixa
sociedade de Londres enquanto caminhamos. Muito me interessa conhecer
essa realidade exótica. — Ele tirou algumas moedas do bolso e as entregou
nas mãos do senhor Rupert. — Acompanhe-me, garoto.
Arthur ficou sem saber o que fazer. Inseguro, olhou na direção do
chefe, tentando receber alguma instrução.
— Faça o que o lhe é ordenado — disse o senhor Rupert. —
Discorra calorosamente para ele sobre a beleza das nossas moças.
— S-sim, senhor Rupert. — Arthur balançou a cabeça em sinal
positivo e começou a seguir o duque com passadas rápidas na direção da
saída.
Capítulo 5

Kyle não se sentia preocupado acerca do fato de que seu irmão mais
novo estava realizando aparições sociais e políticas sozinho mesmo sem
carregar o título de duque. Porque, naquele instante, apenas Arthur
preenchia sua mente.
Céus, fora difícil conter a euforia. Até então, nada daquilo havia
acontecido. Durante todas as vezes em que teve a oportunidade de visitar o
Salão Austin, avistava Arthur sem contatos muito aprofundados. Bastou
apenas conhecê-lo um pouquinho melhor para que sua curiosidade agora
estivesse extremamente aguçada.
Em sua vida entediante, desvendar um homem tão exótico quanto
Arthur servia como um belo desafio, sem dúvidas.
— Então... quando começará a discorrer sobre as belas moças? —
Kyle colocou as duas mãos nos bolsos enquanto caminhava com passadas
lentas. Ainda estavam na parte menos agraciada de Londres e lá
permaneceriam, afinal ele não queria correr o risco de visitar os ambientes
mais respeitados e ser visto vadiando ao invés de estar auxiliando o irmão.
— Realmente quer que eu discorra sobre moças, Kyle? — Arthur o
encarou, avaliando-o. — Você não parece ser o tipo de homem que gosta de
ouvir acerca da beleza de uma moça.
Surpreso com as palavras, Kyle sentiu grande interesse em saber
mais da opinião dele.
— Não sei se entendo a sua afirmação. O que quer dizer com isso,
Arthur? — Por alguns instantes, Kyle até mesmo se perguntou se estava tão
claro assim o fato de que ele tinha um forte interesse sexual por homens.
Era muito difícil definir os próprios desejos. Ao mesmo tempo em
que já tivera relações com mulheres e gostara de muitas das experiências,
tinha a forte impressão de que... se obrigara a gostar, afinal não havia outra
opção. Então, em segredo, Kyle sempre ponderava os próprios gostos.
Realmente me atraio por ambos os sexos ou apenas estou tentando
aceitar a ideia de que nunca poderei me deitar com um homem?
Era muito difícil ter tantas dúvidas e não poder conversar com
ninguém. Nem mesmo Brandon — que era não apenas seu irmão, mas
principalmente seu melhor amigo — entenderia tantos questionamentos
claramente insanos para a sociedade britânica.
— Quero dizer que você não parece ser o tipo que ouve discursos
para formar novas ideias. Você é o que prefere descobrir por si mesmo as
próprias opiniões. — Arthur abaixou o olhar em sinal de timidez. — Você
não é o que fica parado, é o que realiza. Conquista.
De certa forma, Kyle se sentiu tão aliviado quanto decepcionado ao
perceber que Arthur não se referia ao seu anseio secreto por homens.
Acredito que eu adoraria ter alguém para compartilhar as minhas
dúvidas. Por alguns instantes, pensei que Arthur... sabia o que eu estava
escondendo. Pensei que ele estaria disposto a me ouvir e guardar segredo
caso eu revelasse algo. Mas compreendo que tudo isso não passa de uma
ilusão estúpida, afinal eu sou um duque e ele atende em um prostíbulo.
Seria uma grande burrice confiar meu segredo nas mãos de um
desconhecido.
E mesmo parecendo burrice, Kyle desejou poder confidenciar tudo.
Porém se conteve, óbvio. Optava por manter a pose de homem respeitado e
indiferente.
— Sua descrição é bem apropriada. Não gosto de permanecer
parado, observando a vida acontecer ao meu redor. Talvez por isso seja tão
difícil pensar na ideia de que carregarei o meu título até o fim dos meus dias
— Kyle sequer percebeu quando começou a desabafar. — Seria incrível
poder viver livremente.
— Penso o mesmo. Não tenho um título, não tenho coisa alguma.
Mesmo assim, ansiamos por algo em comum. Ansiamos pela liberdade. —
Arthur riu de maneira sonhadora. — Por que decidiu voltar ao Salão Austin
apenas para me ver, Kyle? Um duque não buscaria a amizade de alguém em
um lugar como aquele.
— Talvez nossos sonhos de liberdade tenham se encontrado. Essa
seria uma boa explicação para a simpatia que nutro por você. — Kyle sorriu
genuinamente, permitindo-se mostrar um lado de sua personalidade que
pouquíssimas pessoas conheciam. — Títulos não importam muito quando
simpatizo com a personalidade de alguém. Simplesmente gosto de tudo o
que é diferente, porque me sinto diferente. Meu irmão, por exemplo,
consegue ser muito mais socialmente aceitável do que eu. Já se sentiu
inadequado, Arthur?
— Sinto-me inadequado desde o meu nascimento.
Kyle não sabia explicar com exatidão o motivo, no entanto uma
onda de tristeza invadiu seu coração. Algo dentro dele clamou por mais do
que apenas aquela conversa. Clamou por mais descobertas, mais
entendimento. Clamou por algo que ele sequer sabia o nome.
Assim, ele não queria voltar para as próprias terras ao final daquela
semana. Desejou ficar ali mesmo, na periferia, e conversar com Arthur até
não ter mais assuntos inéditos em seu repertório.
— Posso chamar você de “amigo”? — Kyle perguntou sem pensar
muito.
— Seria uma honra.
— Então agora somos amigos.
— Nunca pensei que um duque me falaria algo assim.
— Esqueça que eu sou um duque e tente se lembrar apenas que sou
um homem em busca de liberdade. Liberdade e entendimento, assim como
você — Kyle respondeu prontamente.
Esquecer-se do título de duque e da própria inadequação tornava sua
existência um pouco mais leve, mesmo que por apenas alguns minutos.
— Ontem você parecia sombrio e distante, mas agora... aparenta
mostrar uma personalidade totalmente diferente. — Arthur o observou com
atenção, de soslaio. — Está até com um sorrisinho entreaberto.
— Digamos que, bem, eu esteja satisfeito em saber que você se
sente inadequado tanto quanto eu. Nunca tive isso em comum com pessoa
alguma. Por isso seremos amigos de agora em diante. — Kyle não estava
encontrando dificuldade em criar tal laço com Arthur, muito pelo contrário.
A facilidade e a rapidez até mesmo o assustavam.
— Tudo bem, meu amigo. — Ele parou de caminhar e estendeu a
mão para que selassem a amizade entre cavalheiros.
Com um sorriso ainda maior, Kyle apertou-lhe a mão com força.
— Uma amizade entre inadequados. Há poesia nisso tudo,
certamente — afirmou Kyle, reflexivo.
— Certamente.
Aquele foi um dia divertido para os dois. E pela primeira vez na
história de ambos, sentiram-se pertencentes. Tudo... se encaixava.
Capítulo 6

Ao fim do passeio, enquanto retornavam ao Salão Austin, Arthur


sequer percebeu quando se entregou ao impulso de levantar uma das mãos
para tocar as vestes grossas de Kyle. O tecido parecia quente e confortável,
o completo oposto do que ele tinha para passar o inverno.
Conforme o sol desaparecia no céu e o clima se tornava mais gélido,
Arthur tinha grande dificuldade em permanecer inabalável. Seu corpo
magro e franzino não conseguia se manter aquecido por conta própria.
— O que está fazendo?
— Parece-me muito confortável o tecido das suas vestes. — Arthur
abaixou o olhar e tocou as próprias roupas. — As minhas estão cheias de
buracos. Planejava comprar algo novo com os meus pagamentos do Salão
Austin, mas o senhor Rupert decidiu que não me pagará mais nada por
algum tempo.
Por alguns instantes, Kyle não respondeu. Apenas parou de
caminhar e ficou pensativo, como se analisasse alguma coisa. Pouco depois,
sem mais nem menos, despiu-se da veste de tecido grosso e a entregou nas
mãos de Arthur.
— Fique, servirá como um presente para você. — Kyle sorriu. —
Não costumo usar essas roupas quando estou exercendo meu papel de
duque. O tecido é relativamente barato e comprei algumas dessas peças
apenas para poder caminhar livremente pela área periférica de Londres.
Arthur abaixou o olhar, chocado com a informação e,
principalmente, com o presente. Na opinião dele, o tecido era maravilhoso e
quentinho.
— Eu não comentei para que você me desse um presente, Kyle. Eu
não poderia aceitar algo assim. — Arthur estirou as mãos na tentativa de
devolver a roupa, mas Kyle apenas revirou os olhos de forma impaciente.
— Não é muito educado da sua parte tentar recusar as vestes de um
duque. — Kyle voltou a caminhar. — Tente não chamar muito a atenção ao
chegar no Salão Austin. Caso contrário, seu chefe tentará confiscar o
presente de você.
— Sem dúvidas.
Arthur não queria pensar no fato de que os momentos ao lado do
duque estavam terminando naquele dia.
Eu deveria me contentar com o fato de que ele optara por passar o
dia ao meu lado. Sinto-me exagerado e ambicioso por desejar mais e mais.
Se eu pudesse... provaria seus lábios carnudos e nunca o largaria.
Tentando se manter na conversa, parou de divagar e fixou o olhar
em Kyle.
— Muito obrigado, você é muito generoso. Suponho que a
comunidade sob o seu comando esbanja muita sorte. — Arthur sorriu.
— Não se iluda, meu amigo. Sinto que sou um grande fracasso para
a minha família. Meu irmão mais novo, mesmo com tanta inexperiência,
costuma agradar minha mãe e as pessoas da alta sociedade com muito mais
frequência. — Kyle colocou as duas mãos nos bolsos. Por ter dado as vestes
para Arthur, parecia começar a sentir um pouco de frio. — Um dia, talvez,
eu entenda por que o destino me escolheu para assumir o título deixado por
meu pai.
— Ou talvez... você precise apenas aceitar que esse é o seu caminho
— Arthur respondeu com uma pontada de tristeza. — Seu único caminho.
— Você realmente acredita que não há escolha? Realmente acha que
as histórias de todas as pessoas do mundo já estão seladas e sem opção de
mudança? — Kyle fez uma expressão que se assemelhava a uma careta
repleta de desgosto.
— Antes eu pensava que havia esperança para os recomeços.
Costumava acreditar que se você se esforça o suficiente, a transformação
vem. Mas depois compreendi que, bem, a sociedade tem seus favoritos. —
Arthur apontou na direção do duque. — Você é um deles.
Ser aprisionado em um prostíbulo certamente era muito mais
desconfortável e sufocante do que ter que sustentar um título da nobreza.
Porque enquanto Arthur precisava ter que se preocupar com o que comeria
no dia seguinte, Kyle se preocupava com os assuntos debatidos na Câmara
dos Lordes. A discrepância era gritante. Avassaladora.
Exatamente por esse motivo que parecia bastante improvável —
quase inacreditável — para Arthur o fato de que estava caminhando ao lado
de um homem como aquele, com tamanho poder e influência.
— Que triste é pensar que a vida já apagou suas esperanças, Arthur.
Imagino que tenha passado por grandes sofrimentos. — Kyle tirou uma das
mãos dos bolsos e, ainda caminhando, tratou de colocar alguns fios de
cabelo rebelde atrás da orelha de Arthur. — Hoje foi um dia magnífico,
obrigado por sua companhia.
Arthur se sentiu fragilizado com a proximidade.
Talvez eu esteja enlouquecendo, mas Kyle parece nutrir certa fome
quando olha para mim. Mas como algo assim poderia acontecer? Será que
há a possibilidade de que um duque sinta os mesmos desejos secretos que
guardo em meu âmago?
Sem obter respostas para as próprias perguntas, concluiu que, na
verdade, estava criando paranoias impossíveis. Kyle — tão másculo e
grande — nunca aceitaria se deitar com um homem.
Aquele tipo de desejo não acontecia com frequência, ou ao menos
não que Arthur soubesse. Em seus mais de vinte anos de vida, ouviu muitas
e muitas vezes que as únicas interações aceitáveis eram as que existiam
entre homens e mulheres.
Sexo entre pessoas do mesmo sexo, segundo a opinião da sociedade,
não passava de uma grande aberração.
— Eu que agradeço por tudo, Kyle. Voltarei a vê-lo? — Arthur não
queria parecer muito ansioso para rever o amigo, mas pensar em se afastar
dele já era o suficiente para fazer com que seu coração acelerasse
descontroladamente.
— Claro que sim, Arthur. — Kyle abriu um sorrisinho que sempre
passava a sensação de perigo eminente. — Não sei como, mas darei um
jeito de voltar a ver você durante a minha estadia central em Londres.
— Esperarei animadamente por isso.
Quando chegaram perto do Salão Austin, Kyle parou e acenou
devagar enquanto observava Arthur entrar no estabelecimento.
Era provável que nenhum dos dois soubesse exatamente o que
estava nascendo ali, mas ambos tinham a completa certeza de que algo
bonito e bom começava a criar raízes.
Esgueirando-se na tentativa de não ser visto, Arthur correu para
dentro do quarto minúsculo e se sentou na cama. Fechando os olhos, levou
o presente de Kyle às narinas e o inspirou profundamente.
Sentiu o cheiro dele, a presença dele.
E uma onda de carinho o dominou.
Capítulo 7

Os dias seguintes foram pacíficos e, na opinião de Kyle, muito


interessantes. Tanto que ele sequer se importou em precisar estar presente
nos últimos eventos sociais do ano. O que mais importava era que, ao final
do dia, havia a certeza de que Arthur estaria no Salão Austin, esperando
para que pudessem conversar.
O grande problema era que já se aproximava a hora de voltar às
terras do ducado. Embora Londres não fosse muito distante e o percurso
não fosse exatamente exaustivo, seria muito mais difícil para Kyle
encontrar espaço no cotidiano para visitar Arthur.
Por isso, após um dia cheio, Kyle chegou sozinho ao Salão Austin e
se sentiu deprimido, quase doente. Não queria se despedir do amigo.
Sentando-se em uma das cadeiras desconfortáveis, esperou em silêncio pela
chegada dele.
Não, Arthur não é apenas um amigo.
Ele se tornou o meu melhor amigo.
E por mais exagerado ou dramático que isso possa parecer, não
quero me despedir dele.
A distância afasta as pessoas, destrói amizades.
E se... E se ele encontrar um amigo mais interessante?
Kyle detestava pensamentos intrusivos que traziam inseguranças ao
coração. Detestava alimentar a ideia de que Arthur estaria livre para
conversar com outros homens. E talvez até... se deitar com alguns deles
apenas para conseguir comprar comida e pagar as malditas dívidas.
Arthur não faria isso. Nunca seria capaz. Ele já me falou de
maneira muito clara que se prostituir não é uma opção.
O mais irônico de tudo aquilo era que não havia razão alguma para
nutrir ciúmes, afinal Kyle e Arthur, teoricamente, eram apenas melhores
amigos há pouquíssimo tempo. Nada mais. Nunca seriam algo além
daquilo.
Mas se o que temos é apenas amizade, então por que sinto o meu
corpo ferver cada vez que penso em deixá-lo para trás?
Kyle voltou à realidade quando um grito repleto de irritação do
senhor Rupert ecoou por todo o salão.
— Você é um estúpido! — O velho caminhou na direção de Arthur,
que havia derrubado alguns copos no chão. — Se continuar dando prejuízo
assim, não conseguirá pagar suas dívidas nunca!
Como se os gritos não fossem o bastante, o senhor Rupert acertou
Arthur com um tapa na nuca, empurrando-o logo em seguida.
Ao observar toda a cena, Kyle percebeu que não conseguiria ter paz
de espírito caso voltasse para as terras do ducado e deixasse seu melhor
amigo ali, afundando em dívidas e humilhações.
Sem sequer pensar muito, ele se levantou e caminhou até o senhor
Rupert. Sentia-se tão furioso que parecia ver tudo em tons de vermelho.
Nada mais importava; nada além do bem-estar de Arthur.
— Não acho que o senhor deveria tratar os seus funcionários dessa
forma, ainda mais com o salão tão cheio de clientes — Kyle falou de forma
direta. — Sua má atitude só mostra o quão baixo o seu estabelecimento é.
— E quem é você para falar dessa maneira? Está bebendo aqui,
então é tão baixo quanto todos nós — o senhor Rupert rebateu prontamente.
Kyle desejou revelar a própria identidade e fazê-lo engolir cada uma
daquelas palavras, mas resistiu. Caso desse mais informações do que o
necessário, criaria ainda mais problemas.
— Ele não trabalhará mais aqui — Kyle afirmou depois de alguns
segundos. — Não será mais humilhado por você.
Como se estivesse ouvindo uma ótima piada, o senhor Rupert
começou a rir enquanto colocava as duas mãos na barriga.
— Arthur está completamente endividado, não pode ir a lugar algum
sem me pagar.
— Eu pagarei. Pagarei tudo. — Kyle apontou para o escritório
horrendo que ficava escondido no corredor do estabelecimento. — Faça as
contas e diga-me quanto ele está devendo.
— Você pagará? Ele deve muito! Você não tem noção alguma do
que está dizendo.
Irritado, Kyle apenas caminhou até o escritório.
— Senhor, eu poderia pagar pela sua morte caso assim eu desejasse.
O que são as dívidas de um funcionário? — Ele estalou a língua. — Faça as
contas de uma vez.
Arthur, que esteve em total silêncio até então, por fim reagiu:
— Não entre em conflitos por minha causa, meu amigo.
— Ao invés de tentar parar as minhas decisões, você deveria ir ao
seu quarto para arrumar todas as suas coisas. — Kyle olhou fixamente para
Arthur. — E esse não é um pedido.
— Para onde me levará?
— Você será meu de agora em diante... Ou melhor... será meu
funcionário de agora em diante.
Ao terminar de falar, Kyle entrou no escritório acompanhado do
senhor Rupert. A porta foi fechada e as contas feitas. Em poucos minutos,
Arthur se tornou um homem livre e sem dívidas.
Quando finalmente deixaram o Salão Austin, Kyle percebeu que não
sentiria saudades de visitar o lugar. Percebeu também que, durante todo
aquele tempo, só havia voltado tantas vezes apenas porque desejara
conhecer Arthur melhor. Todo o resto não passou de desculpa esfarrapada.
Agora, no entanto, ele não precisaria se preocupar com despedidas
ou com a possibilidade de Arthur encontrar um amigo mais interessante.
Porque morariam nas mesmas terras, poderiam se ver todos os dias.
— Sinto que fui comprado por você — Arthur falou enquanto
caminhavam na direção da carruagem.
— De certa forma, sim, mas não se preocupe. Não planejo te
maltratar ou te humilhar. Acontecerá o completo oposto, devo dizer. —
Kyle fez uma breve pausa e abriu um sorrisinho. — Quero apenas te
proteger. Somos... amigos, afinal de contas.
Ao liberar tais palavras, percebeu que se sentia realizado. Porque fez
exatamente o que desejava fazer.
Já não havia a melancolia causada pela certeza da despedida. Havia
apenas a sensação de recomeço; de que uma história seria escrita com ainda
mais capítulos.
Capítulo 8

Arthur estava tão impactado com as mudanças das últimas horas que
sequer sabia exatamente como reagir.
Depois que deixou o Salão Austin segurando apenas uma sacola de
pano com os poucos pertences, as coisas avançaram em uma velocidade
quase assustadora: Kyle partiu sem ele, dizendo que logo viriam buscá-lo.
E, como o prometido, foi o que aconteceu.
Agora, como se estivesse entrando em um universo inédito e
completamente diferente de qualquer coisa já imaginada, Arthur estava em
um dos quartos da imensa casa que Kyle utilizava para se hospedar sempre
que tinha compromissos no centro de Londres.
Por mais que aquele fosse o quarto de um simples funcionário,
podia ser considerado extravagante e luxuoso com uma cama confortável,
paredes bem decoradas e tudo muito limpo.
Ainda meio maravilhado, Arthur permaneceu sentado na cama por
longas horas, aguardando qualquer tipo de instrução. Foi somente bem tarde
da noite que Kyle apareceu, dando duas batidinhas antes de entrar no
quarto.
— Imagino que já esteja bem acomodado — ele falou ao olhar de
um lado para o outro, claramente se certificando de que todo o ambiente
parecia adequado. — Como bem sabe, precisaremos partir para a casa
principal muito em breve, então não se acostume tanto às instalações. Os
aposentos dos funcionários costumam ser maiores e mais confortáveis do
que os daqui.
— Geralmente, os duques permanecem em Londres, afinal é aqui
que todos os eventos políticos acontecem. — Arthur se levantou da cama e
caminhou na direção do amigo. — Por que você prefere morar em uma área
mais afastada?
— Porque, ainda que eu goste da vida agitada de Londres, prefiro
sentir que estou razoavelmente afastado de tudo isso. Claro que, bem, as
distâncias dos percursos são mais longas do que deveriam, mas posso lidar
com tal chateação. — Kyle estalou a língua, lembrando-se de como era a
vida antes de assumir o título. — Eu não fui exatamente preparado para ser
duque. O primo de meu pai faleceu antes de ter filhos.
— Então o senhor seu pai precisou assumir de forma inesperada?
— Sim. E, em mais um infortúnio, meu pai faleceu cedo demais,
então eu poderia ter sido mais preparado, mas não fui. Não gosto dos
eventos, das obrigações, dos pesos, mas já te falei tudo isso.
Arthur gostava de ouvir o amigo falar sobre a história da família. E
gostava, também, de se sentir inserido naquela realidade: tão distante da
periferia e de todas as inseguranças causadas pela falta de dinheiro.
Até mesmo ali, naquela mansão secundária, era possível ver o poder
de Kyle nas paredes, nas esculturas, nas decorações. Tudo parecia gritar o
tempo inteiro que ele era o duque e nunca seria esquecido pela sociedade.
— Pergunto-me quais explicações foram dadas para que eu
simplesmente aparecesse aqui como um novo funcionário.
— Minha mãe estava precisando de um jardineiro em nossa casa
central, então inventei que você é bom nisso. Se não for, passe a ser, pois
ela é ligeiramente exigente, para dizer o mínimo. — Kyle abriu um
sorrisinho repleto de deboche. — Como estamos no início do inverno, não é
algo que você precise se preocupar exatamente agora.
— Antes de vir a Londres, eu costumava trabalhar em uma fazenda
no interior e tenho certa experiência com plantações. Posso me adaptar a
qualquer coisa. — Arthur levantou o braço e tocou a mão de Kyle. —
Ainda não tive a oportunidade de agradecer adequadamente. Posso te dar
um abraço?
— Não é como se duques e funcionários se abraçassem com
frequência...
Arthur ficou chocado com a resposta e se afastou com rapidez.
Sentia-se tão confortável na presença de Kyle que às vezes se esquecia da
grande diferença social que pairava entre eles.
— Desculpe-me, não quis parecer intrusivo. Apenas pensei que...
Ele sequer conseguiu concluir a frase, pois Kyle simplesmente o
puxou pela mão, abraçando-o com força.
— Ora, não percebe que estou brincando? Você é livre para me
abraçar quando bem entender. — Kyle o apertou com ainda mais força,
deixando Arthur praticamente sem fôlego.
Tamanho contato era... insano. Louco. Quem poderia dizer que
chegaria o dia em que um jovem como ele teria a oportunidade de abraçar
um duque?
De maneira quase automática, uma onda de calor subiu por todo o
seu corpo, fazendo-o desejar permanecer exatamente ali, nos braços de
Kyle, duque de Winnenshire . Havia algo na noção de poder que aquele
homem detinha nas mãos que tornava tudo mais excitante, tudo mais
emocionante.
Uma ereção totalmente desnecessária pulsou entre as pernas de
Arthur, obrigando-o a tentar se afastar, mas Kyle não permitiu, apertando-o
com ainda mais força.
— Senti algo crescer entre as suas pernas — ele sussurrou ao seu
ouvido.
— E-eu... Desculpe-me, às vezes meu corpo tem reações muito
inusitadas. — Arthur sabia que estava corando. Queria se esconder, sumir,
tamanho seu constrangimento.
— Então é assim que o seu corpo reage ao de um duque? — Kyle
abaixou a cabeça e inspirou profundamente, levando uma onda de ar quente
à pele dele.
Em meio às conversas e tanto contato físico, Arthur percebia pela
primeira vez que Kyle estava agindo de forma diferente ali. Era como se
assumisse ainda mais a personalidade recheada de poder, como se nada,
literalmente nada, fosse capaz de pará-lo.
E ao invés de sentir medo, Arthur sentiu tesão.
— Eu não saberia explicar as razões pelas quais o meu corpo reagiu
dessa maneira. — Ele, por fim, se afastou.
Como se percebesse seu desconforto, Kyle também se afastou,
encaminhando-se para a saída do quarto. Aquilo deixou Arthur um pouco
decepcionado, pois ele adoraria permanecer na companhia do amigo por
muito mais tempo.
— Tenha uma boa noite, meu amigo. Caso eu precise tratar você
com frieza quando estivermos em público, espero que compreenda, afinal
não é natural que tenhamos tanto contato. As pessoas criariam teorias
desfavoráveis — Kyle afirmou quase didático.
— Eu entendo completamente. Kyle? — Arthur fez uma breve
pausa. — Obrigado por tudo.
— Apenas sorria, Arthur. Cada vez que eu observar o seu sorriso,
terei a certeza de que você se sente grato por estar mais perto de mim. Da
minha amizade.
Ao terminar de falar, Kyle deixou o quarto.
Sozinho, Arthur se deitou e dormiu confortavelmente como nunca.
Sonhou com Kyle e abraços, beijos e momentos íntimos.
No instante em que acordou no dia seguinte, levou uma das mãos ao
membro adormecido e percebeu que havia ejaculado durante a madrugada.
Seus desejos estavam se tornando incontroláveis, concluiu. Quanto
menor o controle, maior o perigo.
Capítulo 9

No dia de retornar às terras do ducado, Kyle se sentia com um ótimo


humor. Inclusive, para combinar com ele, Londres parecia estar um pouco
mais morna e brilhante do que o usual para aquela época do ano.
— Sempre que precisa fazer parte de uma série de eventos, você
nunca termina a viagem com bom humor, todavia hoje, por ironia do
destino, não para de sorrir e fazer piadas infames — Brandon comentou
pouco antes de partirem. — Você está diferente, meu irmão. Pergunto-me se
está começando a se adaptar ao título.
Ao ouvir as palavras do irmão mais novo, Kyle quase soltou uma
gargalhada, afinal era óbvio que ele nunca se adaptaria ao título. Não
nascera para sustentar tamanha responsabilidade nas costas e não importava
quanto tempo passasse.
— Estou feliz em poder retornar aos meus aposentos oficiais por
alguns dias, apenas isso. Embora Londres seja divertida, começa a se tornar
cansativa após algum tempo. — De maneira muito sarcástica, ele se
aproximou do irmão e deu-lhe dois tapinhas na bochecha. — Imagino que
você deva estar ainda mais feliz do que eu. Um homem só perde a inocência
uma vez.
— Você é uma má influência, sem dúvidas. É por isso que nossa
mãe não gosta quando você fala demais sobre as próprias experiências... de
vida — Brandon rebateu, corando em excesso.
— Ainda bem que já somos dois homens adultos e não precisamos
continuar seguindo o que nossa mãe ordena. — Ao falar, Kyle percebeu que
sequer acreditava verdadeiramente em tal afirmação.
Eloise Hodgson era uma mulher assustadora, para dizer o mínimo.
Sempre que colocava algo na cabeça, seguia com a ideia até o fim. Então,
mesmo que Kyle agora fosse o duque e trabalhasse em função da sociedade,
sentia-se basicamente um garotinho cada vez que ela insistia em algo.
Além de tudo, ele sabia que logo Eloise voltaria a falar sobre
casamento — a verdade era que ela nunca, nem por apenas um dia, parava
de abordar o assunto quando os filhos estavam nos aposentos oficiais.
Aquele era um detalhe cansativo para Kyle. Ele não queria ter que
se preocupar em encontrar uma esposa, mas ao mesmo tempo compreendia
que já havia passado da hora de anunciar um bom noivado.
Pensar naquilo o deixava sem fôlego às vezes. Imaginar dividir a
vida com uma mulher pelo resto dos seus dias parecia algo quase...
inaceitável.
E mais uma vez retorno ao meu questionamento de sempre! Será
que eu realmente me interesso por ambos os sexos ou simplesmente tento
maquiar o fato de que me sinto atraído apenas por homens?
Entre um pensamento e outro, a memória de quando Arthur esteve
com o corpo tão colado ao seu retornou com força.
Eu gostaria de ter mais experiências como aquela. Gostaria de
sentir o corpo firme de um homem contra o meu, mas sem roupa, sem
nenhum impedimento. Tenho medo de compreender, com exatidão, os meus
desejos por Arthur, que se tornou meu melhor amigo em tão pouco tempo.
Apesar de tantos receios, estava bastante satisfeito por saber que
poderia levá-lo consigo para mantê-lo em segurança e, bem, impedir que
outros homens o tocassem. Ou até mesmo se aproximassem.
Muitos dizem que sou tão inadequado que poderia ser visto como o
pecado feito homem. Mas cada vez que pondero acerca de tantas das
minhas inseguranças, concluo que sou apenas uma alma perdida nas
próprias dúvidas. E nos próprios desejos, claro.
Brandon deu-lhe um empurrão e ele tropeçou nas próprias pernas.
— Pare de se entregar aos devaneios, meu irmão — Brandon
afirmou, olhando na direção do relógio imenso. — Enquanto eu falava,
você apenas mantinha sua terrível cara impassível de bobo alegre. Está
doente?
Aquela era uma boa pergunta.
Será que os anseios que crescem em mim representam, na verdade,
algum tipo de febre? Sou um homem doente?
Ele sabia as respostas para tudo aquilo, mesmo que fosse difícil
admitir.
Não era um homem doente, não estava com febre. Sentia-se
animado porque estava prestes a levar o melhor amigo — que até então
vivia em situações precárias — para viver em suas terras. Eram boas
notícias e por isso, apenas por isso, ele estava tão aéreo e diferente.
Chegar a tais conclusões era muito mais fácil do que admitir que sua
febre representava, contudo, a grande vontade de rasgar as vestes de Arthur
e devorá-lo, penetrando-o fundo e com força.
— Pare de fazer perguntas estúpidas. Você fala tanto sobre tanta
coisa desnecessária que sempre fico entediado — Kyle rebateu, fechando o
rosto. — Vamos de uma vez antes que nos atrasemos.
— Fale com tamanha grosseria comigo mais uma vez e revelarei à
nossa mãe que você tem a péssima mania de visitar prostíbulos.
— Ora, meu irmão, pois saiba que estou cansado de visitar lugares
assim — Kyle respondeu prontamente.
Não tinha mais interesse porque agora Arthur estaria sempre ao seu
lado. Toda sua curiosidade nas outras pessoas havia desaparecido
completamente. E tal detalhe dizia muito sobre as mudanças que não
paravam de acontecer dentro dele.
Ao lado de Brandon, Kyle deixou a grande casa. Quase como se
ouvisse seus pensamentos, Arthur apareceu com outros funcionários.
Partiriam separados, como o esperado.
Sem dizer nada, Kyle apenas olhou na direção do amigo e balançou
a cabeça brevemente. Abriu um sorrisinho repleto de sentimentos e esperou
pela resposta.
Arthur, muito mais respeitoso e com claro receio de parecer
exageradamente íntimo, apenas piscou com rapidez em retorno.
Kyle não sabia o motivo, mas a verdade era que Arthur conseguia
desconcertá-lo até mesmo com um breve piscar de olhos. Perceber tamanho
fato o aturdia.
Conforme a viagem começou, ele não parava de pensar na beleza
masculina de Arthur. Inclusive, agradeceu aos céus por ter um novo amigo
tão especial. Estava animado pelas memórias que fariam nas terras do
ducado.
O que Kyle ainda não sabia e sequer imaginava, no entanto, era que
o destino preparava alguns desafios para eles.
Desafios que precisariam ser enfrentados em conjunto. E talvez,
apenas talvez, até mesmo Brandon terminasse envolvido naquela história
toda.
Parte II
Capítulo 10

Nada poderia ter preparado Arthur para a grandiosidade do ducado.


Ao chegar e sem se importar com o inverno que começava a revelar suas
frias garras, foi impossível não sentir o corpo esquentar em alegria. De certa
forma, sentiu-se em casa. Sentiu que havia esperança naquele recomeço.
Tudo aquilo só estava acontecendo porque Kyle era um homem
misericordioso. Ainda lhe parecia bastante surpreendente o fato de que um
duque, por escolha própria, optara por salvá-lo da realidade deplorável
existente no Salão Austin.
Ainda que tentasse socializar, Arthur encontrou certa dificuldade em
se manter em contato com os outros funcionários da mansão. Por isso,
quando a noite das comemorações natalinas chegou, permaneceu trancado
no quarto, longe dos outros homens e mulheres que pareciam muito
animados com a possibilidade de devorar comidas deliciosas e cantarolar
hinos.
Arthur não estava acostumado a nada daquilo, nada. Todos pareciam
pertencer a alguma coisa; pareciam, de uma forma ou de outra, nutrir o
senso de família. Por isso, a solidão do quarto frio era muito mais atrativa e
menos opressora. Porque ele estava acostumado ao frio e à sensação de que
não havia ninguém ao seu lado.
Para sua surpresa, contudo, a porta do seu quarto se abriu e Kyle
surgiu segurando uma vasilha de cerâmica com comida em uma das mãos.
Na outra, havia o que parecia ser um embrulho de presente.
— Soube que você não participou do jantar dos empregados. —
Kyle colocou a vasilha em cima da mesinha de madeira que ficava em um
dos cantos do quarto. — Não gosta do Natal, meu amigo?
Sem saber exatamente como reagir, Arthur permaneceu onde estava.
Não esperava ver Kyle naquela noite. Desde que deixaram Londres tempos
atrás, estava claro que não poderiam interagir como amigos com muita
frequência, afinal precisavam manter as aparências.
Portanto, vê-lo ali, em seu quarto, pouco após as comemorações
natalinas representava um grande choque.
— Não estou acostumado aos grandes jantares e aos laços entre
funcionários. No Salão Austin, tudo era muito solitário. — Arthur abriu um
sorriso repleto de reflexão. — Ainda não acredito que já não precisarei
levar aquele tipo de vida.
Com passadas sempre muito articuladas, Kyle se sentou ao seu lado
na cama, colocando o presente em suas mãos.
— Acostume-se, pois agora você mora nas terras do meu ducado.
Está protegido aqui. — Kyle apontou para o presente. — Minha mãe,
fugindo um pouco da atitude de grande megera que carrega consigo, sempre
visita o jantar dos empregados no Natal com o intuito de oferecer alguns
presentes. Ela não providenciou um para você, afinal você veio de forma
inesperada, mas eu consegui preparar algo.
Arthur sentiu o coração acelerar em gratidão. Porque ninguém
nunca havia lembrado de dar-lhe presentes no Natal. E porque, acima de
tudo, estar ali já representava o maior dos presentes.
— Obrigado, meu amigo. Eu... não preparei nada para você.
Desculpe-me por ser tão insensível. — Ele pousou os dedos no presente e
começou a abri-lo. Dentro de uma pequena caixa de madeira havia uma
árvore entalhada. — É um presente lindo, obrigado mais uma vez.
— Árvores costumavam ter raízes profundas, tal qual nossa amizade
de agora em diante, não se esqueça — Kyle respondeu prontamente. —
Coma o que eu trouxe. Segundo me disseram, as iguarias oferecidas aos
funcionários estavam uma delícia no jantar de hoje.
Em silêncio, Arthur se levantou e caminhou até a mesa. Entre um
passo e outro, um soluço escapou. Pouco depois, as lágrimas começaram a
escorrer descontroladamente.
E ele não soube o que fazer além de tentar engolir o bolo que se
formou em sua garganta.
É muito difícil receber toda essa atenção sem pensar que durante a
minha vida inteira fui tratado como um verdadeiro lixo. O pensamento
ecoou dentro dele, fundo e doloroso. E se eu estiver permitindo que o meu
coração nutra sentimentos demasiado românticos acerca do meu amigo?
— Arthur... — Kyle também se levantou. — Está chorando?
— Sim, desculpe por essa emoção descabida.
— E qual o motivo das suas lágrimas?
— Você é o duque, Kyle. O duque. E mesmo assim, está aqui.
Trouxe comida e um presente artesanal. Não sei lidar com tudo isso
porque... nunca me ofereceram algo assim.
Por alguns instantes, Kyle apenas se aproximou e permaneceu em
silêncio. Em seguida, deu mais alguns passos. E o segurou pela cintura,
unindo os dois corpos, relembrando-o que a proximidade dele fazia com
que o universo inteiro parecesse completo através de um simples toque.
— Ver suas lágrimas escorrendo dessa forma me faz desejar te
possuir, se é que algo assim faz sentido.
— Não deveria fazer, mas faz.
— Pare de chorar antes que...
— Antes que o quê, Kyle?
— Antes que eu te beije.
— Somos dois homens.
— Ainda assim, quero beijar você. Quero agora.
— Agradeço aos céus por seu desejo, pois é exatamente igual ao
meu. — Arthur respirou profundamente.
Ainda caminhando de maneira bastante vagarosa, Kyle o pressionou
contra a parede. Pouco depois, passou uma das mãos em seu rosto,
limpando-lhe as lágrimas.
— Podemos sanar esse desejo agora mesmo.
— E qual seria a consequência de tal imprudência?
— Nenhuma, caso... mantenhamos o segredo e recuperemos o
controle logo em seguida.
Expulsando qualquer tipo de medo restante, Arthur se inclinou e o
beijou, esquecendo-se de que aquele era um duque. Esquecendo-se das
proibições sociais. Lembrou-se apenas que desejava, necessitava, sentir tal
corpo masculino colado cada vez mais ao seu.
— Eu quero consumir você — Kyle disse entre um beijo e outro.
As pernas de Arthur fraquejaram, mas mãos firmes logo trataram de
mantê-lo contra a parede, impossibilitando-o de se mover.
Na verdade, ele não queria ir a lugar algum. Queria apenas ir mais
fundo, mais e mais fundo.
Por isso, fechou os olhos e continuou a beijá-lo.
Dois homens.
Um empregado e um duque.
Prazer desmedido.
Arthur deveria evitar tudo aquilo, todavia sequer tentou.
Capítulo 11

Em seu âmago, Kyle nunca teve dúvidas de que desejava beijar


Arthur. Aquele tópico nunca teve abertura para questionamentos, mesmo
que ele não se sentisse muito confortável em admitir tal certeza. No entanto,
quando minutos atrás decidira ir ao quarto do amigo para entregar o
presente e as sobras do jantar, não imaginava que tudo eclodiria tão rápido.
Se em um segundo estavam conversando tal qual amigos, no outro
se agarravam como amantes que não podiam ficar distantes um do outro.
Conforme os lábios se uniam e as línguas bailavam, tocando e
descobrindo, Kyle chegava à conclusão de que, na verdade, nunca teve
interesse por ambos os sexos. Até então, escolhera se deitar com mulheres
apenas porque... Apenas porque nunca se deu ao luxo de provar os lábios de
um homem.
E agora estava provando. Estava gostando.
Seu membro, duro e grosso, pulsava.
— Tirarei as suas roupas — ele disse, puxando Arthur pela mão e
empurrando-o em cima da cama. Sequer esperou pela resposta, pois, com
bastante selvageria, tratou de rasgar os tecidos, revelando a pele branca com
facilidade.
Por alguns segundos, Kyle ficou imóvel, apenas admirando o corpo
magro do melhor amigo. Os músculos eram definidos, rígidos, resultado
dos anos de trabalho braçal que certamente fora obrigado a realizar durante
tempo demais.
Apesar de tanta exposição aos perigos da vida e à pobreza, Arthur
tinha a pele leitosa, como se fosse intocada pelo sol.
Kyle se inclinou, posicionando-se em cima de Arthur. Ao abaixar a
cabeça, beijou-lhe os lábios e desceu lentamente, sentindo o gosto salgado
do suor masculino. Desbravou e mordiscou um dos mamilos, descendo e
descendo.
Quando estava muito perto de chegar à região sul, parou. Levantou
uma das mãos e tocou-lhe o órgão viril, deleitando-se com o fato de que um
líquido transparente não parava de escorrer.
Nunca imaginei que um dia desejaria desesperadamente chupar um
homem. E agora, eu, um duque, estou me colocando de joelhos diante de
Arthur para... experimentá-lo.
Com habilidade, afinal costumava dar prazer ao próprio membro
sempre que possível, começou a masturbá-lo, levando-o a gemer baixinho.
— Kyle, céus, não sei se deveríamos continuar fazendo tudo isso —
Arthur falou pela primeira vez depois de uma eternidade. — Fomos muito
rápidos, quase que com desespero.
Ao ouvir a voz do amigo, Kyle parou o que estava fazendo e
levantou o olhar. Não queria desrespeitá-lo, Arthur tinha uma vida marcada
pelo desrespeito. Não havia motivo para ser mais um.
— Se você quiser que eu pare... não hesitarei em me afastar — Kyle
respondeu, sentindo a frustração crescer em seu peito.
— Eu... — Arthur se sentou na cama e cobriu-se com os tecidos
rasgados. — Acho que ainda não estou preparado.
— Entendo. — Kyle se afastou, levantando-se outra vez. Com um
sorriso quase diabólico, levou a mão úmida com o líquido transparente à
boca, lambendo e saboreando. — Eu chuparia você até que me pedisse para
parar. Depois, eu devoraria você por trás. Mas entendo que ainda não esteja
preparado.
Arthur corou com as palavras dele e tamanha reação apenas serviu
para excitá-lo ainda mais.
— Nunca fiz algo assim antes, Kyle. — Arthur se mexeu na cama,
tentando se cobrir mais um pouco. — Somos dois homens. Cresci ouvindo
que tudo isso é errado... Um crime passível de morte. E mesmo assim... é
tão bom. Não te assusta?
Kyle não demorou muito para chegar à conclusão de que sim, um
desejo tão avassalador quanto aquele assustava. Mas o medo de nunca ser
capaz de provar o corpo de Arthur parecia ainda pior e doloroso.
— Desde que tudo isso permaneça em segredo, não há o que temer
— Kyle afirmou.
A verdade era que apesar da conexão que tinham, não se conheciam
há muito tempo. Se Arthur realmente quisesse, poderia levá-lo à desgraça.
Bastava algumas palavras ditas nos lugares certos e a reputação, já não
muito boa, de seu ducado desmoronaria para sempre.
Contudo, apesar de tantos riscos, Kyle simplesmente confiava nele.
Porque se sentia laçado ao melhor amigo, como se algum tipo de feitiço o
impedisse de pensar com clareza.
Talvez Arthur represente o tipo de aventura que eu precise para me
sentir vivo. A noção de que tudo pode desmoronar diante de mim é
tentadora. Porque, em segredo, eu quero que tudo, de fato, desmorone.
Porém, eu sei que Arthur, sendo quem é, nunca teria a capacidade de
manchar meu nome.
Ele também tem muito a perder.
— Não se preocupe. — Arthur balançou a cabeça positivamente. —
Esse segredo está seguro comigo.
— É claro que está, somos melhores amigos.
Como se estivesse prestes a perder o controle outra vez, Arthur se
levantou e permitiu que os tecidos caíssem no chão. Levou uma das mãos
ao pescoço de Kyle e sussurrou.
— Não acho que sejamos apenas melhores amigos, não mais — ele
falou com o olhar fixo em Kyle. — Eu nunca trairia a sua confiança.
— Como você definiria a nossa relação, Arthur?
— Preciso de tempo para pensar, mas... — Ele se aproximou ainda
mais. Seu falo, exposto e de cabeça rosada, tocava o tecido das calças de
Kyle. — Mas me beije apenas um pouco mais, por favor.
Kyle estava prestes a enlouquecer de desejo. Não estava satisfeito
com o fato de que Arthur o havia impedido de continuar. Por isso, decidiu
se vingar um pouco.
— Não, não irei te beijar. — Ele se afastou. — Se quiser o meu
toque, terá que clamar por isso. Quando estiver preparado, mostre-me o seu
interesse genuíno. Sem interrupções na próxima vez.
— Mas Kyle, eu...
Ele não permitiu que Arthur continuasse falando, apenas caminhou
até a porta e lançou uma piscadela na direção dele.
Muitos o chamavam de maligno por um motivo. Kyle adorava a
tentação, adorava aumentar a tensão nas ocasiões mais inoportunas.
Por isso, ao sair do quarto e fechar a porta atrás de si, pediu aos céus
que Arthur não demorasse muito para clamar por sexo. Porque, quando isso
acontecesse, Kyle não teria piedade alguma.
Penetraria e devoraria, gozaria até que todo o seu tesão acumulado
se esvaísse por completo. Sem parar, sem pensar.
Kyle Hodgson, duque de Winnenshire, havia nascido para pecar.
Capítulo 12

Depois do Natal e do início do novo ano, as três primeiras semanas


de janeiro passaram em um piscar de olhos. Sem que nenhum dos dois
pudesse perceber, certa rotina se formou.
Todas as manhãs, Kyle realizava as primeiras atividades oficiais. Lia
e respondia correspondências, revisava alguns acordos, analisava planos e
todo tipo de babaquice que um duque era obrigado a fazer. Após o almoço,
saía para cavalgar sem se importar com a neve que caía vez ou outra e
voltava apenas quando o sol começava a desaparecer. Às vezes, até mesmo
realizava rápidas visitas à Londres ou se reunia com pessoas da alta
sociedade, dependendo do seu humor. Enquanto isso, Arthur, sozinho,
lutava para se adaptar aos outros funcionários e às atividades que ficavam
em suas mãos.
Apesar das dificuldades de adaptação, que eram relativamente
poucas, ele se sentia feliz, pois ali as coisas podiam ser consideradas muito
mais fáceis do que no Salão Austin, por exemplo.
O único problema, e certamente o mais terrível de todos, consistia
no fato de que Arthur não conseguia se esquecer da sensação quente dos
lábios de Kyle colados aos seus. Foram muitas as vezes em que ele se
aliviou durante madrugadas insone, masturbando-se com o intuito de
diminuir tamanho desespero.
E, como esperado, nada diminuiu, muito pelo contrário.
Mesmo que não tivessem voltado a comentar sobre o assunto, havia
uma tensão mortificante no ar cada vez que se reuniam para conversar.
Dentro da rotina construída, sempre separavam algumas horas do dia para
que pudessem simplesmente um estar na presença do outro, nada mais.
Arthur nunca se sentiu tão acolhido por alguém antes. Kyle olhava
em sua direção como se visse uma pedra preciosa. E aquilo era algo bonito,
uma atitude admirável, que tornava o desejo ainda mais insano.
Como Arthur poderia anular os próprios sentimentos se Kyle não
fazia nada mais do que protegê-lo e honrá-lo? Impossível.
Naquele fim de tarde, depois de ajudar na limpeza da neve que havia
se acumulado na entrada da grande casa, encaminhou-se para os fundos,
focando em tirar a maior quantidade de neve e lama possível, pois apesar do
frio, a Duquesa Viúva adorava caminhar entre as refeições.
As árvores e flores haviam se transformado em básicos galhos secos
por causa do inverno, mas ela não se importava, fazia questão de não pisar
na neve em seus percursos. Por isso, Arthur trabalhava arduamente para não
a decepcionar.
Quase nunca se encontravam. Na verdade, ele não encontrava
basicamente ninguém da família com frequência. O único que se
empenhava em vê-lo era Kyle.
E, como se adivinhasse seus pensamentos, Kyle apareceu ao longe,
vindo na direção do jardim em seu cavalo de pelos brilhantes. Na opinião
de Arthur, naquele instante, ele realmente exalava a energia altiva e
espontânea que somente um homem poderoso conseguiria.
Descendo do cavalo e amarrando-o contra uma das árvores secas,
Kyle se aproximou com seu sorrisinho safado de sempre. Estava com as
bochechas coradas pelo frio.
— Vejo que está muito empenhado em agradar no trabalho. — Ele
parou diante de Arthur e bateu palmas. O som abafado das luvas ecoou
brevemente. — Qualquer família ficaria feliz em ter você como
funcionário, não entendo como pôde permanecer tanto tempo no Salão
Austin.
— Obrigado, Kyle. — Arthur se encolheu um pouco. Não sabia
receber elogios. Palavras tão gentis vindas de alguém tão especial pareciam
ganhar um peso ainda maior. — Eu tinha medo de abandonar o Salão
Austin e não conseguir outro emprego. Não queria passar fome.
Kyle se aproximou um pouco mais e o tocou no queixo. Arthur
levantou o rosto para olhá-lo nos olhos.
Desde o beijo, Arthur percebeu que Kyle parecia tentá-lo cada vez
mais e mais. Realizava movimentos lentos, como os de um tigre prestes a
atacar.
Aos poucos, perguntava-se qual era o sentido em permanecer
evitando tais investidas, afinal Kyle era o duque, tinha muito mais a perder.
Mesmo assim, não parecia se importar muito com as possíveis
consequências.
Por isso, talvez o melhor fosse se entregar de uma vez por todas aos
impulsos sexuais que gritavam em seu âmago.
— Fico feliz que você esteja aqui, comigo. — Kyle piscou algumas
vezes, sem nunca afastar as mãos. — Fico feliz que, de certa forma, você
seja meu.
— Sou seu? — Arthur perguntou, passando a língua entre os lábios.
— Tudo aqui é meu. As terras, a casa, minha família e os
funcionários. Tudo, incluindo você. — Ele tinha o tipo de arrogância que
realmente combinava com a aparência poderosa. — Não duvide disso.
Arthur gostou do que ouviu, por mais estranho que tais palavras
pudessem parecer, pois era bom... sentir que pertencia a alguém. Durante a
vida inteira, sentira-se perdido, como se não houvesse pertencimento em
lugar algum.
Mas agora, Kyle o havia “comprado”, salvando-o de um destino
patético.
Com tantos pensamentos loucos girando na mente, Arthur sequer
percebeu quando diminuiu a distância restante entre eles e o beijou,
tocando-o na nuca.
— Se sou seu, então faça exatamente o que deseja fazer comigo —
ele sussurrou, cansado de manter o controle. — Não se controle. Apenas
use o seu poder, diga o que quer de mim.
— Diga-me o que você quer, Arthur.
— Quero que você faça sexo comigo, quero que devore toda a
minha intimidade. — Arthur fez uma pequena pausa, pois se sentia sem
fôlego com tamanha ousadia. — Você disse que esperaria até que eu
clamasse. Estou clamando.
— Durou muito pouco a sua força de vontade para me manter
afastado. Pensei que demoraria mais, pensei que seria mais difícil. Que
rápida mudança de opinião, Arthur. — Kyle abaixou a cabeça e o lambeu
nos lábios, irônico e conquistador.
Aquele podia ser um momento totalmente aleatório, assim como nas
últimas três semanas, mas não havia possibilidade alguma de continuar
resistindo. Por isso, Arthur voltou a beijá-lo.
Kyle o segurou pela cintura com uma das mãos. Com a outra,
desceu até tocá-lo nas nádegas.
O beijo se intensificou, mais pareciam dois animais perdidos.
Interrompendo-os, no entanto, uma voz quebrou o silêncio:
— Kyle, o que diabos está fazendo?
No exato instante em que a pergunta chegou aos seus ouvidos,
Arthur sentiu o sangue congelar. Permaneceu imóvel enquanto seu coração
retumbava, deixando seus ouvidos zunindo.
Ao olhar para o lado, percebeu que o dono da voz era Brandon, o
irmão mais novo de Kyle.
E pela expressão brava em seu rosto, não estava nada satisfeito com
a cena.
Capítulo 13

— Eu sempre soube que havia algo estranho acontecendo entre


vocês dois! — Brandon gritou, caminhando na direção do irmão mais
velho. — Kyle, às vezes tenho a impressão de que você já se esqueceu, há
muito, da sua posição e do seu título!
Kyle estava tão surpreso que precisou de algum tempo para esboçar
qualquer tipo de reação. Ao voltar a si, tratou de manter o controle, pois
sabia que ninguém, nem mesmo seu irmão, podia se sentir confortável para
falar daquela maneira.
— Antes de tudo, abaixe o seu tom de voz. — Kyle se afastou de
Arthur e caminhou ao encontro de Brandon. — Iremos conversar em
particular. Espere por mim em meu escritório.
— O quê? — Ele riu como se tivesse ouvido a piada mais engraçada
de todas. — Realmente acha que pode lançar ordens dessa forma? Eu...
— Brandon! — Kyle literalmente rugiu, fazendo-o se calar no exato
instante. — Nós dois sabemos que eu posso, e vou, lançar ordens. Vá ao
escritório agora mesmo e espere lá. Não diga mais nenhuma palavra.
Brandon não estava apenas irritado, mas ofendido. Profundamente
ofendido. Obedecendo, apenas se afastou sem dizer palavra.
— Arthur, não se preocupe. Está tudo sob controle — Kyle afirmou
após Brandon desaparecer dentro da grande casa. — Uma situação como
essa não é a ideal, mas certamente não há muito com o que se preocupar.
— Como não há? Aconteceu exatamente a última coisa que poderia
acontecer. — Arthur estava claramente trêmulo. Até mesmo sua voz parecia
quebradiça. — Desculpe-me, eu quem iniciei o beijo. Algo me dizia que eu
não podia me entregar ao desejo e eu simplesmente... Simplesmente fingi
que não havia medo ou perigo. Desculpe-me, Kyle. Não voltará a acontecer.
Kyle fez uma expressão de pura irritação ao agarrar as duas mãos de
Arthur.
— Não se coloque na posição de decidir o que acontecerá ou não.
Eu sou o responsável pelo ducado, eu sou o que decide. — Ele fez uma
breve pausa, tentando recuperar o controle da própria respiração. — E se o
seu desejo é o de fazer sexo comigo, então assim será. Apenas aguarde até
que as coisas se acalmem um pouco mais.
— Kyle, por favor, seja coerente, não há como pensar em sexo
depois de sermos flagrados por seu irmão. Tudo isso é absurdo e...
— Já chega, detesto dramas. — Kyle se afastou. — Continue com o
seu trabalho.
Ainda que tentasse parecer calmo e despreocupado, a verdade era
que ele estava extremamente nervoso e em quase descontrole.
Eu sei que Brandon não seria louco a ponto de divulgar qualquer
detalhe acerca do que viu, afinal isso arruinaria a família inteira. Não há
pessoa que preze mais pela boa imagem do que ele.
Mesmo tendo isso em mente, sinto-me amedrontado.
Enquanto caminhava rumo ao escritório, lembrou-se de como se
sentira quando soubera que seu pai, o antigo duque, havia falecido.
Sentira o mesmo medo, a mesma sensação de desamparo eminente.
Porque ele sabia que o ducado só estava em suas mãos por erros do destino.
Não existiam dúvidas de que estava fadado a ser reconhecido como um
homem decepcionante.
Os meus desejos sexuais não deveriam ser motivo de tanto choque.
Não entendo como... Não entendo como as pessoas se colocam na posição
de julgar umas às outras. Será que eu deveria me sentir culpado por beijar
Arthur? Não me sinto, não me sentirei. Porque quando estou perto dele,
sinto-me certo. Um sentimento assim nunca poderia ser visto como um
pecado.
Se há um Deus nos céus, Ele certamente apoia as minhas intenções,
pois não fiz mal algum. O meu único erro foi me permitir encantar por um
homem. Mas como eu não me encantaria? Arthur... inunda o meu coração.
Kyle estava decidido a não se entregar ao mesmo medo de tempos
atrás, de quando havia recebido a notícia de que se tornaria duque mais
cedo do que o esperado. Agora era um homem que carregava o peso do
poder nas costas e faria questão de utilizá-lo a seu favor.
Ao entrar no escritório, bateu a porta com força atrás de si. O
barulho ecoou por todo o ambiente e Brandon deu um pulo da cadeira.
— Nunca mais fale comigo daquela maneira ou sou capaz de matar
você — Kyle esbravejou. Parecia um tornado prestes a consumir tudo ao
redor. Intenso, impiedoso, destruidor. — E não me olhe como se sentisse
nojo de mim.
Brandon abriu a palma da mão com veemência e atravessou o
escritório quase correndo. Em um único golpe, acertou o rosto de Kyle com
um tapa.
— E você? Como ousa agir com tamanha prepotência como se não
tivéssemos o mesmo sangue? Esqueceu-se que antes de se tornar duque, já
éramos irmãos e melhores amigos? — Brandon pronunciava cada sílaba
com fúria. — Como ousa, nesse momento, ameaçar-me de morte?
Kyle ficou tão chocado que não reagiu ao tapa, pelo contrário. Sua
raiva sumiu, dando lugar a uma tristeza estranha e densa. Inédita. Sem
explicação, lágrimas surgiram em seus olhos.
— Como espera que eu reaja se tudo o que vejo em seu olhar é a
reprovação? Posso suportar a ira de qualquer pessoa, menos a sua. Porque
sempre fomos você e eu... juntos. Unidos. — Kyle levou a mão à bochecha,
sentindo a pele queimar. — Mas suponho que se esqueceu.
— O que você tem com aquele empregado?
— Somos amigos.
— Apenas amigos? Amigos não se beijam.
— Eu desejo tê-lo em minha cama, mas ainda não aconteceu. —
Kyle olhou fixamente nos olhos do irmão. — No entanto, acontecerá.
— Isso é sujo! — Brandon se aproximou mais, agarrando-lhe os
dois braços, balançando-os. — Pare de falar bobagens!
Mais lágrimas escorreram pelos olhos de Kyle.
Não podia mais guardar segredo. Sentia que se continuasse
engolindo as próprias sensações, explodiria.
— Brandon, não posso me desculpar por ser quem sou.
— O que quer dizer?
— Eu não me interesso por mulheres. Sou atraído por homens, sinto
tesão neles. Sempre foi assim, mas até então... eu escondia muito bem. Não
mais, não com Arthur. — Kyle afastou as mãos de Brandon, empurrando-o
em seguida. — O que acha disso? Me odiará de agora em diante?
Capítulo 14

O silêncio no escritório parecia consumir Kyle de dentro para fora.


Quanto mais observava a expressão descontente no rosto do irmão mais
novo, mais destruído se sentia.
— Eu não seria capaz de te odiar nem se eu tentasse. — Brandon
mordiscou o lábio inferior e, aos poucos, começou a soluçar, permitindo
que as lágrimas há muito presas se libertassem também. — Sempre adorei
você, Kyle. Sempre. Quando éramos apenas garotos, eu não sonhava em ser
como nosso pai. Eu sonhava em ser como você, sonhava em te dar orgulho.
Porque a minha personalidade foi moldada ao redor da admiração que sinto
por tudo o que sua existência representa. Portanto, odiar você não é uma
opção para mim. Nunca foi.
— Mesmo com tamanha admiração, sinto que nesse momento... não
estamos unidos, não como antes. — Kyle piscou algumas vezes, incapaz de
segurar o choro e se conter. Levantou uma das mãos e limpou as lágrimas
do irmão.
Contudo, na verdade, era ele quem precisava que limpassem as suas
lágrimas, que o consolassem.
— Por vezes posso parecer correto demais, firme demais, pois,
como falei, moldei a minha personalidade ao redor da sua. Quanto mais
você crescia, mais rebelde e diferente se tornava, então eu tentei... criar um
equilíbrio entre nós. Tentei ser o certinho para que você pudesse se rebelar.
— Brandon abaixou o olhar e voltou a soluçar, como se estivesse revelando
o maior segredo de todos. — Eu me aprisionei nas regras sociais para que
você pudesse ser livre, Kyle.
A afirmação chegou até Kyle como um soco, deixando-o sem ar.
Nunca havia pensado através daquela ótica. Por boa parte da vida, acreditou
que Brandon agia com tamanha rigidez apenas porque gostava de receber
elogios.
Mas, na verdade... a personalidade dele, as preocupações dele,
foram criadas para que Kyle pudesse ser quem bem quisesse, afinal dois
filhos não podiam ser rebeldes ao mesmo tempo, claro que não.
— Meu irmãozinho... obrigado por ser quem é. — Kyle o puxou
para um abraço e afundou o rosto em seu peito, inclinando-se tal qual um
garotinho em busca de carinho. — Eu amo você, amo muito. Por favor...
Por favor... não me abandone, não agora.
— Não abandonarei você. Não há Brandon sem Kyle, o duque
rebelde. — Ele sorriu. — Nasci para admirar sua existência, meu irmão.
Mas como espera que eu... entenda os seus desejos? Como espera que eu
saiba como lidar com tudo isso? Ainda que eu te ame, devemos concordar
que tudo o que está me dizendo é absurdo. Trata-se de um grande pecado.
— Talvez você não precise entender ou concordar. Preciso apenas
do seu respeito, preciso que olhe para mim com amor e suma com esse
desgosto que vejo em seu olhar. — Kyle levantou a cabeça e limpou as
lágrimas todas de uma vez, decidido a parar de chorar. — Você seria capaz
de fazer isso por mim?
— Desculpe-me por reagir de maneira tão desrespeitosa. —
Brandon levantou a mão e tocou a bochecha do irmão. — Pode ser que leve
algum tempo, mas respeitarei o que você decidir.
Com tamanha proximidade, Kyle sentiu como se fossem apenas dois
garotos outra vez. Guardando segredos repletos de aventura e curiosidade,
desbravando, parceiros. Sempre muito unidos.
O alívio percorreu seu corpo como um bálsamo, pois perder o que
tinha com Brandon representava perder o que havia de mais importante em
seus dias: laços genuínos.
Por ser quem era e por carregar o título que carregava, Kyle não
podia entregar a própria confiança nas mãos de qualquer pessoa. Brandon
foi o primeiro em toda sua existência a ensiná-lo o real significado do amor
puro.
— Obrigado por ser meu irmão — Kyle afirmou.
— Obrigado por ser meu irmão — Brandon repetiu. — Uma
simples caminhada resultou em uma descoberta perturbadora, estou trêmulo
até o presente instante.
— Entendo o seu choque, tampouco me acostumei com tudo isso.
Consegui admitir os meus próprios desejos há pouquíssimo tempo. — Kyle
estalou a língua, reflexivo. — Eu planejava te contar em algum momento,
mas não estava preparado.
— Mesmo que você não encontre acolhimento em lugar algum,
sempre estarei ao seu lado. — Brandon sorriu, os olhos inchados pelo
choro. — Talvez eu te acerte com um tapa na cara, mas o acolhimento
sempre virá em seguida.
— Conforta-me saber. — Ele balançou a cabeça e deu dois tapinhas
no peito do irmão. Depois disso, sem dizer mais nada, apenas deixou o
escritório e caminhou sozinho pelos corredores da mansão. Ao chegar no
próprio quarto, deitou-se na cama e fechou os olhos por quase uma hora.
Nunca imaginou que chegaria o dia em que falaria acerca dos
próprios sentimentos e desejos tão abertamente, não com Brandon. Somente
ali, deitado na cama, percebeu as mãos suadas e tensas.
De certa forma, saber que o irmão mais novo nunca o abandonaria
fazia com que Kyle não se sentisse tão sozinho no mundo. Ainda que sua
existência fosse tão passível de críticas sociais, haveria alguém capaz de
tentar compreendê-lo.
Interrompendo seus pensamentos, algumas batidinhas quebraram o
silêncio.
— Entre! — esbravejou.
— Desculpe-me, Vossa Graça. — Um dos funcionários apareceu. —
A Duquesa Viúva está com algumas visitas e solicita a sua presença.
Segundo ela, os visitantes desejam cumprimentá-lo.
— Diga que não vou.
— Mas senhor... — O funcionário ficou automaticamente
angustiado. — Ela foi veemente ao dizer que eu precisava deixar claro que
sua presença é importante. Por favor, rogo que vá por apenas alguns
instantes.
— Então diga que irei daqui alguns minutos. — Kyle balançou uma
das mãos, dispensando-o. — Vá, vá de uma vez.
Não queria ter que lidar com visitas, afinal quase sempre eram
muito desagradáveis as pessoas que apareciam. Para piorar, sua cabeça doía.
Mesmo assim, para evitar que o funcionário sofresse represálias, tratou de
lavar o próprio rosto e descer as escadas.
Brandon já estava posicionado na sala de visitas, conversando com
uma das senhoras como se nada tivesse acontecido. Ele era ótimo em
manter as aparências. Quem não olhasse com atenção, nunca perceberia
seus olhos inchados pelo choro de pouco antes. A Duquesa Mãe também
parecia impecável, como sempre. Pelo jeito, somente Kyle estava destruído
por dentro e por fora.
Na opinião dele, aquele dia estava horrível. E, claro, estava prestes a
piorar.
Capítulo 15

A Duquesa Mãe gostava de manter o controle de cada detalhe


relacionado à própria vida. Nem mesmo um fio de cabelo podia estar fora
de lugar, pois caso contrário... ela simplesmente ficava enfurecida.
Enxergava como missão organizar cada detalhe possível, e nos últimos dias
seu foco estava voltado à solteirice de ambos os filhos, principalmente a de
Kyle.
O que mais a incomodava era saber que as pessoas já estavam
comentando nas rodas de conversa, e ela entendia, claro, afinal um duque
precisava ter uma boa mulher ao seu lado. Indo contra o razoável, Kyle
simplesmente não tinha ninguém em mente e nem mesmo parecia desejar
ter. Por isso, ela utilizava de artimanhas para que os dois filhos
conhecessem pretendentes de alto nível.
No geral, ela não gostava de receber visitas durante o inverno, pois
o frio a deixava levemente indisposta. Portanto, lutava contra a preguiça
indiscriminada para que não se sentisse deprimida durante os dias com
temperaturas tão baixas.
Enquanto alguns dos convidados sorriam e bebiam chá, ela
observava o filho mais velho, que se aproximava.
Às vezes, em algumas atitudes, Kyle se parecia bastante com o
falecido duque. Seu ar de rebeldia e mistério poderia ser considerado um
fator fascinante caso um título tão importante não pesasse em suas costas.
O falecido não cuidara da própria saúde de maneira adequada,
perdera o controle das coisas. Mas Kyle, sob os cuidados dela, nunca
seguiria pelo mesmo caminho. Porque ela estava disposta a tudo para que
todos se orgulhassem dele.
— Oh, querido, obrigada por vir cumprimentar meus convidados. —
Ela se levantou. Cada movimento calculado esbanjava elegância e beleza.
— Esses são o senhor e a senhora Edwin. Você já conhece a filha deles, a
senhorita Rose Edwin. Também temos o senhor e a senhora Brown, e a filha
deles, Mary.
O jeito despretensioso de Kyle era uma das coisas que mais a
irritava. Ela adoraria que ele fosse mais controlado, mais parecido com
Brandon.
— Vim apenas por educação, minha mãe, mas não planejo
permanecer por muito tempo.
Chateada com a já esperada atitude imprudente do filho, deu o
melhor para permanecer com o humor bom.

Kyle tinha plena consciência de que estava com uma expressão nada
feliz. Conforme os minutos se passavam, as conversas pareciam adoecê-lo,
tamanho o tédio que crescia em seu peito.
— A senhorita Edwin é certamente uma bela jovem — a Duquesa
Mãe falou, claramente tentando soar espontânea. — Você não acha, meu
filho?
Kyle piscou algumas vezes, obrigando-se a focar nas palavras ditas.
— Há beleza em todos, minha mãe — respondeu simplesmente.
— Conversem um pouco, vocês são da mesma geração. Certamente
há muito o que comentar! — A Duquesa Mãe se afastou um pouco, sempre
rindo enquanto voltava a dialogar com os outros convidados mais velhos.
— Sua mãe parece muito disposta a encontrar-lhe uma boa esposa,
Vossa Graça — Rose disse com certa timidez.
— Ela não se cansa, como podemos perceber.
De um segundo para outro, o clima da sala mudou. De início, Kyle
não soube exatamente o motivo, mas quando Arthur apareceu através da
sua visão periférica, tudo ficou mais claro.
— Trouxe mais biscoitos saídos diretamente do forno, Vossa Graça
— Arthur falou com extrema impessoalidade.
— Não vê que estamos conversando? Como ousa invadir nosso
espaço? — Rose balançou as mãos, pedindo para que Arthur se afastasse
com a bandeja. — Os empregados já não sabem como ter boas maneiras!
Enquanto reparava em toda a cena, Kyle sentiu os ouvidos zunindo.
Uma onda de fúria cresceu em seus instintos e ele chegou muito perto de
pegar Arthur nos braços para simplesmente sumirem dali.
Ao invés disso, deu dois passos para trás e respondeu Rose com o
pouco controle que ainda lhe restava:
— Confesso que não estou com disposição para conversar. Peço que
se afaste e já não venha falar comigo — Kyle pronunciou cada sílaba com
bastante calma, deleitando-se com a expressão surpresa da moça.
— Oh, não quis incomodar, Vossa Graça.
— Não quis, mas está incomodando em demasia. — Ele repetiu o
balançar de mãos que ela utilizou para dispensar Arthur. — Afaste-se.
Sem pensar muito, caminhou até a mãe e a tocou no braço.
— Aquele empregado não foi contratado para servir refeições. O
que ele está fazendo aqui? — Kyle apontou para Arthur.
— Como estamos no inverno, não há tanto trabalho no jardim, então
optaram por realocá-lo. — Ela riu, balançando a cabeça de um lado para o
outro. — Embora seja esforçado, ele não tem bons modos e é muito...
feminino, se é que me entende.
— Não, não entendo.
— Oh...
— E não desejo entender. — Kyle revirou os olhos. — Se me der
licença, voltarei aos meus aposentos. Estou cansado e com dores terríveis
de cabeça.
— Você nunca está disposto. — A Duquesa Mãe o beliscou no
braço sem que ninguém percebesse. — Esteja consciente de que trabalharei
arduamente para encontrar uma moça que sirva aos seus interesses. E você
não fugirá disso.
— Mãe, apenas peça para que ele... — Kyle apontou para Arthur. —
Prepare um chá para os meus nervos e leve aos meus aposentos. Estou
exausto de ouvir falar em casamentos e obrigações.
— O título traz obrigações.
— E eu não pedi nenhuma delas. — Ele começou a se afastar,
cumprimentando cada um dos convidados. — Com a sua licença, senhores,
senhoras e senhoritas.
Enquanto subia as escadas, olhou na direção de Brandon e percebeu
que já não havia a expressão de desgosto em seu rosto. Havia orgulho,
como se de alguma forma ele tivesse feito a coisa certa ao decidir sair dali.
Sei que o meu irmão agirá com muito mais elegância e calma do
que eu. Ele sabe como atrair os elogios para si.
Ao entrar no quarto, sentou-se na cama e abaixou a cabeça,
passando uma das mãos nos cabelos.
Sentia-se tão tenso que uma onda de enjoo tomou seus sentidos. Um
gosto amargo subiu à língua e ele vomitou, pois odiou ver as pessoas
maltratando Arthur. Odiou ver que ninguém nunca os aceitaria, ninguém
além de Brandon.
Capítulo 16

Arthur não fazia ideia de como conseguiu servir todos os


convidados sem ter um colapso. Foi muito difícil precisar observar Kyle
interagindo com uma possível pretendente sem poder fazer nada.
Seu coração doeu, e doeu mais ainda perceber que ninguém se
importava.
Assim que a Duquesa Viúva ordenou que levasse uma xícara de chá
calmante aos aposentos do filho, Arthur praticamente correu, grato pela
oportunidade. Precisava saber como a conversa de Brandon tinha terminado
e, mais do que qualquer outra coisa, desejava se certificar de que Kyle
estava emocionalmente bem.
— Aqui está o seu chá — foi tudo o que disse ao entrar no quarto.
Chocou-se, no entanto, ao ver a poça de vômito que se avolumava perto da
cama. — Céus, Kyle. Sente-se mal?
— Sinto-me péssimo, essa é a verdade. — Ele levantou a cabeça e
parecia um pouco pálido. — Sinto-me enjoado das minhas próprias
obrigações, de ter que me explicar e acatar ordens que sequer concordo.
Arthur pousou a bandeja com o chá em cima de uma das mesinhas
do quarto e tomou a ousadia de se sentar ao lado de Kyle na cama. Se
qualquer pessoa aparecesse naquele instante, uma grande polêmica se
formaria, afinal um empregado nunca estaria autorizado a se aproximar do
local de dormir de um duque com tamanha intimidade.
— Você está suando frio — constatou, tocando o rosto do amigo. —
Diga-me o que aconteceu, irei cuidar de você.
— Brandon ficou totalmente revoltado enquanto conversávamos,
mas logo tratou de tentar me entender. Embora tal fato já tenha sido o
suficiente para me fazer mal, é minha mãe quem me causa problemas.
Estou cansado de precisar agradá-la. — Kyle soltou um longo suspiro,
exalando cansaço e até mesmo desespero. — Ver como a convidada tratou
você me deixou muito enjoado. Revoltado.
— Não se preocupe tanto comigo, sim? Você já me salvou de um
destino muito pior e serei eternamente grato por isso. — Arthur se mexeu
na cama, inclinando-se na direção de Kyle para ajudá-lo a remover as
vestes. — O melhor a se fazer nesse momento é descansar e tentar esvaziar
a cabeça. Espere apenas alguns instantes para que eu limpe os resíduos no
chão. Enquanto isso, beba o chá e feche os olhos.
Pela primeira vez em muito tempo, Kyle obedeceu às ordens de
alguém. Fez exatamente o que Arthur sugeriu. Recostou-se entre os
travesseiros e fechou os olhos logo após terminar de tomar o chá.
Como o prometido, Arthur limpou tudo o mais rápido possível,
certificando-se de que não havia vestígio algum de sujeira.
— Posso ficar aqui com você? — Ele se sentou na cama outra vez,
tocando a mão de Kyle. — Eu gostaria de te observar enquanto dorme.
— Na verdade... — Kyle abriu os olhos. Ainda estava brevemente
pálido, mas um pouco menos angustiado. — Eu quero que você me ajude a
tomar banho.
Por um momento, Arthur pensou em recusar a ideia, entretanto logo
chegou à conclusão de que não estava em posição de refutar os desejos de
um duque. De certa forma, aquele não era um pedido exatamente irreal.
Muitos senhores pediam ajuda aos funcionários na hora de se lavar.
— Não se preocupe, irei ajudar você. — Arthur saiu do quarto com
passadas rápidas e voltou alguns minutos depois com água morna em um
balde imenso.
Esperava encontrar Kyle ainda na cama, porém, para a sua surpresa,
ele já estava dentro do banheiro, trajando apenas as roupas de baixo.
Aparentemente já havia lavado a própria boca e o rosto.
A visão daquele torso bem definido trouxe sensações espalhafatosas
ao espírito de Arthur.
Não sabia como podia ser possível desejar tanto alguém. Até então,
qualquer tipo de pensamento sexual era controlado e ignorado. Porém tanta
coisa havia mudado que ele sequer reconhecia os próprios anseios.
Caminhando com dificuldade, pousou o balde imenso e pesado no
banheiro.
— Desculpe-me pelo comentário imprudente, mas você é como uma
obra de arte — Arthur disse, corando quase automaticamente. — Nunca vi
homem mais bonito. Talvez o sangue que corre nas suas veias tenha laço
direto com algum Deus desconhecido. E céus, cada uma das minhas
palavras soam lamentavelmente piegas, mas não poderia permanecer calado
diante... Diante do seu corpo tão nu.
Claramente satisfeito com os elogios, Kyle se despiu, revelando o
que ainda permanecia oculto até então.
Seu membro era longo e a glande rosada, deliciosa. De maneira
quase louca, Arthur teve medo de não suportar comportá-lo dentro de si.
Céus, mas quem disse que... ele me penetrará? Quem disse que...
iremos chegar a tanto?
Ninguém precisava dizer, pois ele sabia. Tinha a total certeza de que
algo assim aconteceria em algum momento.
— Entre na banheira, por favor — Arthur pediu com a voz trêmula.
— Está nervoso?
— Muito, para ser honesto.
— Diga-me o motivo.
— Minha mente começou a criar cenas inadequadas.
Ao invés de entrar na banheira, Kyle se aproximou de Arthur e o
tocou no queixo, abaixando a cabeça para beijá-lo na bochecha.
— Então descreva para mim uma dessas cenas, estou curioso.
— Eu... — Arthur percebeu que estava com o coração acelerado e,
aos poucos, seu corpo começava a tremer. — Eu imaginei como seria...
cavalgar em você. Sentir você dentro de mim.
— São essas as coisas que a sua mente cria, Arthur? — Kyle abriu
um sorrisinho perigoso. — Talvez aconteça algum dia. Talvez... você só
precise me dizer que está preparado.
— Um dia... — Arthur começou a falar sem pensar, cada vez mais
trêmulo. — Um dia aparecerei em seu quarto durante a noite. Quando isso
acontecer, você poderá fazer o que quiser de mim.
— Esperarei ansiosamente. — Kyle se afastou e entrou na banheira.
— Mas enquanto isso, ajude-me a tomar banho.
Arthur não fazia ideia de como reuniria coragem para cumprir com a
promessa que recém havia feito, mas sabia que realmente precisava sentir
Kyle dentro de si. Caso contrário, enlouqueceria.
Ou talvez já estivesse louco, ideia que lhe parecia muito mais
provável.
Primeiro, depositou a água morna na banheira. Enchendo as mãos
de óleos perfumados, tocou o peitoral de Kyle. A pele parecia queimar.
Como se tivesse medo, evitava chegar perto demais do membro
duro e cada vez mais pulsante.
— Abaixe um pouco as mãos, Arthur. — Ele passou a língua entre
os lábios. — Lave a minha intimidade.
Capítulo 17

Kyle não sabia em que momento sua irritação havia se transformado


no mais extremo tesão. E não queria saber. Queria apenas sentir as mãos de
Arthur percorrendo seu corpo.
Ter consciência de que suas emoções estavam se digladiando em um
turbilhão incontrolável fazia com que tentar compreender o significado de
tudo aquilo se tornasse quase irrisório naquele momento, afinal mesmo que
debatesse internamente acerca do assunto, não chegaria à lugar algum.
Portanto, entregou-se ao prazer da mudança repentina.
— Você sequer finge recato — Arthur comentou, ainda passando as
mãos pelo peitoral firme. Kyle conseguia sentir e perceber que seus dedos
estavam trêmulos. — Você gosta do pecado.
— Não há motivo para fingir. Levando em consideração que finjo
em basicamente todos os outros aspectos da minha vida, não quero ter que
atuar quando estiver em sua presença. — Kyle agarrou a mão de Arthur e a
deslizou lentamente pelo próprio corpo, descendo até chegar na cintura. Os
óleos perfumados davam certo brilho à pele branca e repleta de pelinhos
que formavam um caminho que levava à ereção. — Não me obedecerá,
Arthur?
— Você quer que eu me perca na luxúria. Sempre quis, desde o
início... — Ele movimentou os dedos, descendo e descendo. Agarrou o
pênis grosso com as duas mãos e o massageou, fazendo breves movimentos
de vai e vem. — Então irei me perder um pouco. Apenas um pouco.
Por alguns segundos, ainda de pé na banheira, Kyle fechou os olhos
e permitiu que Arthur o tocasse, masturbando-o. A sensação era deliciosa.
Embora as mãos fossem masculinas, havia certa delicadeza nos
movimentos.
Havia a sensação de que ele sabia exatamente o que estava fazendo,
sabia como dar prazer, sabia como levá-lo ao orgasmo.
— Entre na banheira — Kyle ordenou. — Você está muito distante
de mim.
Ao terminar de lançar a ordem, ele se abaixou, afundando na água
morna.
Inicialmente, Arthur permaneceu paralisado, olhando-o.
Admirando-o. Pouco depois, como se mandasse tudo para o inferno, tirou
as próprias roupas com rapidez e entrou na banheira, colando o corpo ao de
Kyle.
As reações dos seus músculos eram mágicas, como chegar em casa
depois de um longo dia exaustivo.
Entregando-se ao descontrole do momento, Kyle beijou Arthur com
firmeza, deliciando-se com as mãos dele, que percorriam seu corpo inteiro.
— Não entendo como suportei passar a minha vida inteira sem
conhecer você, sem beijar você — Arthur falava de maneira entrecortada,
sem fôlego. — Quero que você nunca se afaste de mim e quero guardar na
minha mente toda essa sensação de ser consumido pelo seu toque.
Kyle já havia percebido há algum tempo que Arthur não costumava
se entregar aos próprios impulsos com frequência. Parecia sempre tentar se
defender, e tal atitude era muito condizente com o histórico de perigos que
ele provavelmente sofrera no decorrer da curta vida.
Portanto, ouvir palavras tão repletas de honestidade foi o suficiente
para tocá-lo em áreas que até então nunca sequer pareciam existir.
— Eu... — Kyle desejou dizer que o amava. Mas não conseguiu.
Não parecia fácil, não ainda. — Eu me sinto grato por ter você aqui.
Ao invés de continuar falando, voltou a beijá-lo.
Arthur, claramente se esquecendo da vergonha que o consumiu até
segundos antes, mordiscava seus lábios enquanto o masturbava. A água
morna e os óleos perfumados serviam como um bálsamo intoxicante,
inebriando-os.
— Posso chupar você? Posso sentir o seu gosto? — perguntou
enquanto também já se masturbava.
— É exatamente isso o que eu quero — Kyle respondeu
prontamente, colocando-se de pé. Segurou a cabeça de Arthur com uma das
mãos e o fez agir aos poucos.
Ao sentir a boca quente chupando sua ereção, Kyle gemeu, chocado
com a sensação inédita. A língua de Arthur, de uma hora para outra,
começou a rodopiar ao redor da glande, fazendo cócegas e trazendo uma
explosão de novos desejos.
Selvagem, Kyle agarrou Arthur pelos cabelos e, sem raciocinar,
aumentou a velocidade das estocadas, fazendo-o se engasgar no membro
grosso. Os minutos passavam preguiçosos, tal qual as cenas de um livro.
— Você é meu, assim como tudo o que há aqui. Meu… — Kyle
falou com voz rouca. — Deixe-me gozar em sua língua, Arthur.
— Sou seu, faça o que quiser com a minha boca. — No instante em
que soltou a afirmação, Arthur gozou, derramando o líquido esbranquiçado.
A visão de tamanha entrega trouxe uma explosão ao corpo de Kyle.
Ainda realizando as estocadas firmes, gozou profundamente, enchendo a
boca de Arthur, orgulhoso por perceber que os jatos quentes inundavam até
mesmo sua garganta.
— Engula tudo — Kyle falou com um sorrisinho travesso.
E, sem dizer nada, Arthur fez exatamente o que lhe foi ordenado.
Saboreou o prazer de Kyle sem nojo algum, engolindo cada gota. Ao
terminar, passou o dedo entre os lábios e sorriu, demonstrando total
satisfação pelo que tinha feito.
— Eu... — Arthur começou a falar. — Ainda quero sentir você
dentro de mim. Não sei quando, mas acontecerá. É uma promessa que faço.
— Aos poucos você está perdendo um pouco da vergonha. — Kyle
o ajudou a se limpar e inclinou a cabeça para beijá-lo, sentindo o gosto do
próprio prazer nos lábios dele.
— Estou despertando os meus desejos mais secretos ao seu lado,
espero que ninguém além do seu irmão saiba sobre isso — Arthur falou.
Kyle o entendia e estava disposto a protegê-lo de qualquer perigo, ainda que
isso custasse a liberdade de viverem os sentimentos que tanto nutriam.
— Brandon manterá segredo, sei que sim. Não é do interesse dele
trazer um escândalo para a família.
— Sem dúvidas. — Arthur se afastou e abaixou para pegar as
roupas que estavam espalhadas pelo banheiro. — Se me permite, acho que
preciso ir embora.
— Pensei que iria me observar dormir.
— Se eu ficar mais tempo, sinto que faremos sexo em cima da cama
e que faremos muito mais do que já fizemos, então o melhor é que eu vá
realizar outras tarefas. — Arthur começou a se vestir. — Não podemos
fazer tudo de maneira tão rápida.
— De agora em diante, deixarei a porta do meu quarto entreaberta.
Quando você decidir aparecer, farei você gemer o meu nome enquanto
rebola em meu membro grosso. — Kyle lançou uma piscadela na direção
dele, quase demoníaco.
Poucos segundos depois, Arthur partiu do quarto, deixando o rastro
do desejo atrás de si.
Capítulo 18

Conforme o fim de janeiro se aproximava, Arthur se sentia cada vez


mais pertencente às terras do ducado. Ao contrário das semanas iniciais,
passou a conversar com alguns dos funcionários, ajudando-os no que fosse
preciso. Levando em consideração que eram poucas as tarefas relacionadas
à jardinagem durante o inverno, ele se mantinha ocupado através de outras
atividades.
Porém, mesmo que passasse o dia inteiro trabalhando e tendo que
lidar com outras pessoas, não conseguia se esquecer do desejo imprudente
que insistia em se avolumar em suas entranhas.
Noite após noite, buscava a coragem necessária para entrar
sorrateiramente no quarto de Kyle, mas ainda não se sentia preparado.
Tinha medo do que podia acontecer depois que consumassem o que
estavam planejando. Por isso, apenas seguia em frente, evitando mencionar
todas as imoralidades que já haviam feito.
Naquela manhã, o clima frio parecia mais cortante do que o usual.
Por isso, Arthur vestia roupas um pouco mais pesadas e quentes.
Caminhando rápido, planejava encontrar com Kyle para que pudessem
conversar antes que começassem as tarefas do dia.
Não consigo deixar de agradecer aos céus pela possibilidade de ter
roupas quentes e um quarto confortável para dormir. Se não fosse pelo bom
coração de Kyle, eu provavelmente ainda estaria no Salão Austin, preso em
dívidas e sem esperança alguma para o futuro.
Por breves instantes, parou de caminhar e apenas... tocou as próprias
roupas, sentindo o tecido. Claro que não se tratava de algo luxuoso, muito
pelo contrário, mas até mesmo roupas tão simples eram o suficiente para
alegrá-lo.
— Ei, Wilkins! — Uma voz o chamou pelo sobrenome, tirando-o
dos próprios devaneios. — Está ocupado? Gostaria que nos ajudasse a
descarregar alguns condimentos.
Arthur se virou na direção de um dos funcionários que estava parado
diante da porta que servia como área de carga e descarga de itens essenciais.
— Tinha algo planejado, mas posso ajudar, não se preocupe. —
Arthur ainda dispunha de alguns minutos antes de precisar se encontrar com
Kyle no horário marcado, então não haveria problema algum.
— Um senhor aparecerá com os condimentos da primeira quinzena
de fevereiro. Por favor, ajude-o a posicionar bem os itens. — O funcionário
abriu um sorriso e rapidamente desapareceu, focando em outras coisas.
Arthur se sentia bem em poder trabalhar ali. Nenhuma das tarefas
podia ser considerada pesada ou degradante. Na verdade, embora não
falasse sobre o assunto, ele tinha a impressão de que trabalhava pouco para
todas as regalias que recebia.
Parando diante do local indicado pelo funcionário, esperou enquanto
um senhor se aproximava aos poucos.
Inicialmente, Arthur não percebeu nada estranho, mas logo, de
maneira inconsciente, sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
Foi somente quando o homem se aproximou o suficiente na charrete
que ele percebeu de quem se tratava.
Brody Wilkins, seu pai. O homem que acabara com sua autoestima e
o obrigara a fugir anos atrás.
Parecia muito mais velho, mais magro. As rugas estavam tão fundas
que até mesmo suas expressões faciais lhe davam um ar que muito se
assemelhava ao de um idoso. Mesmo assim, continuava com o corpo firme,
provavelmente resultado dos anos de trabalho braçal.
Será que ele seria capaz de me reconhecer?
Não consigo acreditar que o encontrei outra vez, depois de tantos
anos.
Suas pernas começaram a tremer. Temendo cair de joelhos,
caminhou na direção da charrete e tentou focar apenas em descarregar os
itens.
Talvez se fingisse não o conhecer, nada aconteceria.
— Bom dia, senhor, irei ajudá-lo. — Com a cabeça baixa, começou
a fazer o serviço assim que os cavalos pararam. — Não irei demorar muito.
Nos primeiros minutos, Arthur pensou que a tática havia dado certo,
afinal Brody não comentou nada. Além disso, sua aparência estava tão
diferente que seria necessário ter muita atenção para reconhecê-lo.
Quando deixara a fazenda, ainda podia ser considerado um garoto.
Agora era um homem feito. Muito havia mudado.
— Ora, meus olhos só podem estar mentindo para mim! — Brody
desceu da charrete e cruzou os braços. — Não acredito no que estou
vendo... Arthur?
— De-desculpe-me, deve estar enganado, senhor. — Ele corou tão
violentamente que sentiu o corpo inteiro esquentar com a frágil mentira.
— Eu reconheceria essa voz de gazela imunda em qualquer lugar!
— Brody jogou a cabeça para trás e começou a rir, ecoando um som
ameaçador e maldoso.
Apressando-se, Arthur tentou descarregar tudo o mais rápido
possível. Não disse palavra, pois ainda sentia muito medo do pai.
— Pronto, senhor, já terminei e...
Arthur não pôde terminar a frase, pois Brody se aproximou e o
agarrou, apertando-lhe a bochecha com uma das mãos firmes.
— Não se faça de idiota comigo, garoto. Você é Arthur Wilkins,
meu filho, tem o meu sangue. Não adianta fingir. — Brody já não sorria.
Sua expressão estava cheia de fúria. — Então conseguiu um trabalho
qualquer nas terras do duque? Deixou a fazenda para trabalhar
descarregando os luxos dos mais ricos?
— E o que esperava que eu fizesse? Esperava que eu continuasse lá,
suportando as suas agressões? — Arthur se balançou de um lado para o
outro, libertando-se da mão que o machucava.
— Oh, tornou-se mais bravo? — Brody estalou a língua, irônico. —
Sua voz continua fina e seu rosto ainda é muito feminino. Está vendendo o
corpo para algum homem? Eu sempre soube que você não deixaria de ser
uma menininha, mesmo quando tivesse a idade para ser homem completo.
— Não continuarei aqui ouvindo tudo isso. — Arthur deu as costas
para o pai e começou a caminhar, mas para seu destempero, Brody o puxou
pelos cabelos, derrubando-o no chão, de joelhos.
— Ainda sou o seu pai e você me deve respeito. Na verdade, ainda
não te perdoei pela forma com que deixou a fazenda.
— Apenas deixe-me em paz, por favor... — Arthur estava tão
amedrontado que sentiu as lágrimas se avolumando e escorrendo por seu
rosto.
Embora tentasse dizer para si mesmo que já não era um garotinho, o
horror permanecia em seus sentidos.
— Nunca te deixarei em paz, Arthur. Já sei que você trabalha aqui.
— Brody o chutou e começou a se afastar em seguida, subindo na charrete.
— Sei que nos veremos outras vezes. Nunca permitirei que se esqueça de
que você não passa de um afeminado inútil. Uma aberração.
Após isso, a charrete começou a se locomover. Arthur permaneceu
no chão, incapaz de segurar as próprias lágrimas.
— O que aconteceu, Arthur? — Kyle apareceu em algum momento,
aproximando-se quase correndo.
Capítulo 19

Primeiro, Kyle se ajoelhou e ajudou Arthur a se levantar. Em


seguida, sem exigir explicações, focou em levá-lo às áreas um pouco mais
afastadas da mansão para que pudessem ter mais privacidade. Sentando-se
em um dos bancos frios espalhados por todo o ambiente, segurou a mão do
amigo e ficou em silêncio por alguns minutos.
— Desculpe-me por esse estado deplorável em que me encontrou —
Arthur por fim falou, afastando-se das mãos de Kyle para limpar as próprias
lágrimas. — Está tudo bem. Houve apenas... um acontecimento inesperado,
mas que certamente não precisa de atenção.
Discordando, Kyle balançou a cabeça de um lado para o outro.
Conhecia Arthur bem o suficiente para saber que havia algo muito errado,
afinal era muito difícil vê-lo colapsar com tamanha intensidade.
— Ninguém chora sem motivo. Você, mais do que qualquer outra
pessoa, nunca se permitiria desmoronar daquela maneira, atirado ao chão e
com lágrimas nos olhos. Por isso, diga-me o que aconteceu — Kyle
ordenou, soando exatamente como o duque que era. — Alguém te
maltratou? Algum funcionário te fez se sentir desconfortável?
— Não... Não exatamente. — Arthur levantou a cabeça. Parecia
ponderar se realmente valia a pena abordar aquele assunto. — Você deve se
lembrar de quando te falei que não sou de Londres. Venho de terras
relativamente distantes.
— Sim, lembro-me com clareza.
— A verdade é que... eu fugi porque o meu pai sempre me
considerou feminino demais, patético demais. Todos os dias, ele fazia
questão de me lembrar de como eu não tinha serventia alguma. — Os olhos
de Arthur voltaram a brilhar com as lágrimas, mas dessa vez ele não se
permitiu derramá-las. — Certa noite, ele quebrou a coleção de bonecas
deixadas por minha falecida mãe. Ele raspou a minha cabeça e me
espancou. Fiquei tão devastado com tanta maldade que decidi simplesmente
fugir, afinal qual outra opção eu tinha?
Conforme ouvia as palavras do amigo, Kyle chegou a uma
percepção inédita. Como se — pela primeira vez desde que se conheceram
— pudesse enxergar tudo através de uma ótica realista. Honesta.
O fato era que amava Arthur, disso já sabia há algum tempo. Mas
agora percebia que amava mais do que tudo, mais do que todos. Amava de
forma quase doentia, tóxica, louca. Observar tanto sofrimento em seu olhar
servia como um veneno em suas entranhas, transformando-o em um homem
que sequer conhecia. Um homem que não conseguia controlar a própria
fúria.
— Ele raspou a sua cabeça? — Kyle falou cada palavra de maneira
lenta, pois não queria assustá-lo com a raiva que borbulhava em sua mente.
— Segundo ele, meus cabelos apenas me tornavam mais feminino.
— Seu cabelo é o que há de mais lindo no mundo. Apenas a minha
opinião importa. — Sem perceber, Kyle fez um som com a garganta que
exalava seu desgosto. — Você sonhou com o seu pai durante a noite? É por
isso que está tão triste?
— Pelo que parece, o meu pai agora trabalha como entregador de
condimentos. Não me surpreende, pois ele nunca foi bom enquanto
trabalhava na fazenda. Honestamente? Não quero saber nada acerca dele. E
mesmo assim, mesmo sem eu querer, nos encontramos. — Arthur abaixou a
cabeça. Seu corpo exalava tanta tristeza que era como se sentisse dor física.
— Ele falou que não me deixaria viver em paz. Porque eu sou afeminado.
Porque eu sou uma vergonha para o sobrenome dele.
Inclinando-se na direção de Arthur, Kyle o tocou no rosto,
percebendo pela primeira vez as marcas na bochecha rosada.
— Foi ele quem machucou você?
— Sim, ele apertou o meu rosto, mas isso é o de menos. — Arthur
voltou a olhar para cima, para Kyle. — Eu estava começando a me sentir
bem aqui. Gosto do quarto em que durmo, amo as roupas que agora posso
vestir, alimento-me bem e de maneira saudável. Sinto-me vivo pela
primeira vez desde que nasci. Tudo estava perfeito. Mas agora o meu pai
sabe onde estou. Ele virá atrás de mim, fará da minha vida um inferno outra
vez.
— A perfeição continuará — Kyle respondeu prontamente. — Se
ele tentar qualquer coisa contra você, prometo te proteger. Prometo cuidar
de você exatamente como tenho feito até aqui.
Mesmo que o peso do título fosse angustiante demais, Kyle estava
genuinamente disposto a manter Arthur em segurança. Se pudesse, passaria
o dia inteiro ao lado dele, garantindo que existiriam apenas sorrisos em seus
lábios.
Percebo que estou obcecado, mas não me envergonho. Mas o que
posso fazer para controlar tudo o que sinto? Não há solução. E, bem, eu
não quero uma solução. Quero apenas continuar me entregando.
Sua mente girava, pois agora a percepção do amor havia tomado
uma proporção maior.
Ele sabia que, dali em diante, sua missão seria a de fazer Arthur
feliz, como um servo que se preocupava com seu mestre. Tal detalhe lhe
parecia muito irônico, afinal nunca precisou servir ninguém. Em todos os
outros aspectos da sua vida, assumia a posição de mestre, mas não com
Arthur.
Queria apenas servi-lo, fazê-lo feliz. Talvez a servidão estivesse
laçada ao amor em algum nível. Talvez... Talvez não existissem títulos nos
assuntos voltados para o coração.
— Eu me sinto grato por ter você, Kyle — Arthur confessou
baixinho. — Um dia espero conseguir recompensar todos os seus favores.
— A maior das recompensas é ver o seu sorriso. Não preciso de
mais nada. — Kyle sorriu e se levantou do banco, puxando-o pela mão para
que pudessem voltar à mansão. Logo precisariam começar as obrigações do
dia, cada um em sua respectiva área. — As terras do ducado nunca são
invadidas. Pedirei para que já não façam pedidos de condimentos com as
mesmas pessoas, assim seu pai não terá motivos para voltar. Você está em
segurança.
— E se eu não estiver?
— Então eu também não estaria. — Kyle voltou a sorrir. — E seria
inadmissível caso um duque estivesse vivendo sob qualquer risco eminente.
Parte III
Capítulo 20

Existiam poucas coisas na vida que irritavam a Duquesa Mãe mais


do que saber que seus filhos estavam se comportando com má educação.
Por isso, quando soube em um dos eventos sociais que Kyle havia agido
com enorme grosseira enquanto conversava com Rose Edwin dias atrás,
ficou consumida pela fúria.
Assim que retornou à mansão, procurou pelo filho, chamando-o pelo
nome. Todos os funcionários bisbilhotavam, curiosos para saber o motivo
de tamanha raiva.
Kyle estava rindo relaxadamente com Arthur no escritório quando
ela o encontrou.
— Soube de algumas coisas nada agradáveis ao seu respeito. — A
Duquesa Mãe se aproximou da mesa de madeira entalhada e se inclinou na
direção do filho, que estava sentado na cadeira confortável. — Hoje,
enquanto bebia chá com Lady Edwin, soube que você destratou Rose, a
filha dela. Como espera construir uma boa reputação e se casar com uma
boa moça se continua agindo dessa forma?
— Olá, mamãe. — Kyle desviou o olhar para Arthur, tentando soar
o mais impessoal possível para não levantar suspeitas. — Por favor, jovem
Wilkins, retire-se para que eu possa conversar com a senhora minha mãe em
particular.
Arthur apenas obedeceu, fazendo um breve aceno e deixando o
escritório poucos segundos depois.
Kyle se percebia machucado cada vez que precisava agir com frieza
com alguém que lhe era tão importante. Em seu íntimo, desejava
ardentemente que o segredo se desfizesse para que pudesse assumir, de uma
vez por todas, que amava romanticamente um homem.
Mas como algo assim seria possível?
Segundo as leis, a relação amorosa entre dois homens era vista
como um crime e podia resultar até mesmo em pena de morte. Talvez não
fossem tão duros com Kyle, mas não hesitariam em dizimar Arthur, com
certeza.
Se aquilo realmente acontecesse, Kyle nunca se perdoaria.
— Odeio essa expressão cínica que você faz quando aponto
problemas e preocupações — a Duquesa Mãe esbravejou. — Você já
deveria ter se acostumado ao título, deveria agir como um homem crescido.
Não observa Brandon? Embora seja mais novo, tem muito mais
responsabilidade e educação do que você.
— Não pedi para carregar o peso do título e estou fazendo o melhor
que posso. — Kyle se levantou. Agora sua expressão estava séria e
esboçava chateação. — Se não considera o suficiente, minha mãe, lamento.
— Os dias, meses e anos estão se passando. As pessoas não param
de comentar que você ainda não se casou. — A Duquesa Mãe se afastou da
mesa e cruzou os braços, caminhando de um lado para o outro de forma
impaciente. — Hoje mesmo, Lady Edwin me perguntou se havia algo de
errado com você.
— O que poderia haver de errado comigo?
— Eu adoraria saber! Você nunca sequer tentou cortejar uma moça,
não aborda o assunto e ainda as trata mal quando tento apresentar alguma
minimamente adequada. — Ela balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Mas, honestamente, tomei a decisão de que isso precisar parar
imediatamente.
— Ah, sim? E o que planeja fazer? — Kyle revirou os olhos,
movendo-se ao encontro da mãe. Quando se aproximou o suficiente, cruzou
os braços como ela. — Me obrigará a casar?
— Não sei se ainda não percebeu, mas você é obrigado a casar,
óbvio! Portanto, um evento será dado em breve. Convidarei algumas moças
e você precisará escolher uma. — Ela estalou a língua. — Pode ser qualquer
uma entre as presentes, pois todas serão de boa família e adequadas.
— A sua ideia é absurda e não estou de acordo com nada disso.
— Não perguntei se está, meu filho. Se o seu pai estivesse vivo, já
teria feito isso há mais tempo do que eu. Talvez o meu erro seja te deixar
livre para agir como bem quer. Isso acaba aqui, agora. — A Duquesa Mãe
posicionou o dedo indicador no centro do peitoral de Kyle e arregalou os
olhos enquanto falava. — Estou cansada de sentir vergonha de você.
As palavras dela o atingiram tal qual um tiro, deixando-o emudecido
por alguns instantes.
Não importava o que fizesse ou o quanto se anulasse, nunca seria o
suficiente. Não para a Duquesa Mãe e muito menos para a sociedade.
Porque quanto mais oferecia, mais exigiam.
Pensar na possibilidade de se casar com uma completa desconhecida
e passar o resto da vida lamentando as próprias obrigações criava um
tornado de desespero em sua mente, deixando-o tonto e com vontade de
gritar.
Ao invés de explodir, no entanto, apenas balançou a cabeça.
— Faça como quiser.
Não adiantaria confrontar sua mãe, nunca adiantava. Por isso,
esperou até que ela saísse do escritório.
Quando ficou sozinho, sentou-se na cadeira e se inclinou diante da
mesa, colocando as duas mãos no rosto.
E chorou. Chorou desesperadamente.
A angústia em seu peito era dramática e explosiva, afinal como
conseguiria se libertar de tudo aquilo? Existiam muitas perguntas e
pouquíssimas respostas. Quanto mais tentava raciocinar e descobrir o
melhor caminho a seguir, mais ansioso se sentia.
Levantando a cabeça, olhou para as próprias mãos úmidas e
lamentou as lágrimas que não paravam de escorrer. Algo tão bonito quanto
o amor não podia — e não deveria — causar tanto sofrimento.
Tantas obrigações com o ducado só me fazem ter ainda mais certeza
de que nunca serei capaz de abandonar Arthur. Mesmo que chamem os
meus sentimentos de maluquice, quero continuar nisso. Quero continuar
permitindo que essa faísca de liberdade brilhe em mim, não importa se de
forma secreta e podada.
O fato era que Kyle ainda não sabia o que precisava ser feito para
resolver tantos impasses, mas tinha que descobrir o mais rápido possível,
afinal a Duquesa Mãe não demoraria muito para organizar o maldito evento.
Quando o grande dia chegasse, nada seria como antes.
E o destino de Kyle seria mudado para sempre; restava saber se de
maneira positiva ou negativa.
Ele tinha um péssimo pressentimento acerca daquela situação toda.
Capítulo 21

Após a Duquesa Mãe anunciar que o grande evento para encontrar a


esposa de Kyle aconteceria em breve, as semanas se passaram de maneira
densa. Os criados pareciam tensos o tempo inteiro e já não tinham tempo
para gastar em amenidades. Tudo girava ao redor das inúmeras ordens que
não paravam de surgir e se acumular. No meio da agitação, Arthur se sentia
perdido, sozinho e assustado. Pela primeira vez desde que chegara às terras
do ducado, passava a maior parte das horas com um bolo na garganta e
gotículas de suor frio escorrendo pelas mãos.
Estava com medo de perder Kyle. Porque embora assumissem
apenas o título de amigos, Arthur o adorava mais do que tudo. A ideia de
vê-lo desposar uma mulher trazia dores ao seu estômago e, acima de tudo,
ao seu coração.
Para piorar seu desconforto, havia o fato de que Kyle já não se
mantinha tão próximo quanto antes. Claro que sempre conversavam e ele
demonstrava o carinho usual, porém o evento que se aproximava parecia
algum tipo de fantasma entre ambos. Não conseguiam relaxar, tampouco
agir com a leveza que os uniu.
Sem suportar tamanha tristeza, Arthur tomou a decisão de visitar
Kyle em seus aposentos. Lá fora, o sol já havia desaparecido e os outros
funcionários estavam em suas habitações, recolhidos. Os corredores, vazios
e silenciosos, eram as únicas testemunhas da visita inesperada.
Ele não sabia exatamente o que faria ao entrar no quarto de Kyle.
Tempos atrás, prometera que, quando estivesse pronto, apareceria para que
fizessem sexo. Bem, Arthur não estava de fato preparado, porém o evento
seria dali dois dias. Depois disso, nunca mais teriam a oportunidade de
nutrir qualquer tipo de desejo. Era necessário correr, aproveitar o que
pudesse.
O pensamento o açoitou outra vez, fazendo o bolo em sua garganta
crescer tanto que parecia prestes a eclodir em um milhão de sentimentos
péssimos.
Ao parar diante da porta de Kyle, deu duas batidinhas.
— Entre! — a voz firme ecoou do outro lado.
De maneira bastante inexplicável, Arthur começou a tremer. Era
frustrante perceber que tamanho desconforto o consumia apenas porque
estava prestes a visitar o seu melhor amigo.
Não foram muitas as vezes que se encontraram furtivamente? O que
havia mudado?
Arthur sabia a resposta.
Sabia que, ainda que tentasse negar para si mesmo, aquela visita não
era exatamente inocente. Apenas alguns minutos antes, se limpara com
muita atenção, dando o melhor de si para cheirar bem. Dedicara uma
eternidade para arrumar os cabelos da maneira mais bela, até mesmo
beliscara as próprias bochechas para parecer um pouco mais corado e
inocente.
Tudo porque sua mente sabia o que estava fazendo. Sabia o que
esperar.
Um dia aparecerei em seu quarto durante a noite. E quando isso
acontecer, você poderá fazer o que quiser de mim...
Suas próprias palavras o perseguiam e o deliciavam. Ao mesmo
tempo em que existia a excitante antecipação de se entregar aos braços de
Kyle, também pressionava em sua alma o fato de que aquela seria a
primeira e única vez.
Se as próximas horas resultassem em boas memórias, Arthur
seguiria em frente com as migalhas que lhe foram dadas, compreendendo
que desejar tão ardentemente um duque nunca passou de uma grande
ousadia inaceitável. Ao menos poderia ser grato pelo pouco que
construíram. Pior seria caso tivesse continuado no Salão Austin sem
expectativa de melhora.
Kyle lhe dera humanidade, aquilo já era milagre grande o suficiente.
— Desculpe-me por vir sem avisar. — Arthur parou no meio do
quarto e uniu as duas mãos. Seus olhos se desviaram para a janela, pois
temia enxergar qualquer tipo de frieza em seu amigo. — Tempos atrás,
prometi que apareceria em sua habitação. Vim para cumprir a promessa.
Somente quando criou coragem para olhar Kyle nos olhos que
Arthur percebeu que não existia frieza alguma naqueles dois poços
tempestuosos que eram aqueles olhos.
Kyle se aproximou e o tocou na bochecha, abrindo um sorriso
gentil, chegando muito perto de fazê-lo se esquecer dos problemas que
pairavam entre eles.
— Está tenso? — Kyle desceu os dedos, chegando ao pescoço. —
Sua pele está fria.
Arthur o observou e percebeu que ele não estava com roupas de
dormir, parecia preparado para alguma coisa.
— Estou tenso, mas suponho que eu tenha vindo em má hora.
Estava de saída? — Suas palavras soavam mais formais do que o usual e ele
tinha consciência disso, mas não conseguia evitar. Cada vez que se
lembrava do evento eminente, tinha vontade de desativar basicamente todas
as emoções dentro de si. — Posso voltar em outro momento.
— Planejava ir ao encontro do meu irmão, que me espera para uma
caminhada noturna. Não me sinto muito bem acerca do que acontecerá
daqui dois dias, então pensei em tê-lo como companhia de conforto esta
noite. — Kyle levantou a sobrancelha em sinal de curiosidade. — Você não
está tenso de tesão, parece... assustado.
— Como espera que eu esteja?
— Você se refere ao que minha mãe está organizando, suponho. —
O semblante de Kyle ficou mais sombrio, fechado. De repente, ali já não
estava o seu melhor amigo, mas o duque distante e poderoso, capaz de
comandar o que bem quisesse.
— Sim, isso, afinal nós tivemos coisas, convenhamos. Você se
tornou uma pessoa importante para mim. Agora... Agora sei que tudo está
prestes a mudar. Na verdade, com as cobranças da senhora sua mãe, todos
parecem mais tensos e com medo, então já consigo ver a diferença nas suas
atitudes antes mesmo que anunciem a pretendente escolhida. O meu
coração dói, pois compreendo que não seremos como costumávamos ser —
Arthur disparou todas as palavras de uma vez, cansado de guardá-las.
Deveriam ter tido aquela conversa há bastante tempo, contudo nenhum dos
dois foi corajoso o suficiente para abordá-la até então.
Pensando bem, Arthur não era tão frágil assim, tinha iniciativa.
Preferia derrubar todas as pontes do que permanecer no escuro.
— Estou preso em meus próprios deveres, meu amigo — foi tudo o
que Kyle respondeu.
— Eu sei, e saber não diminui o meu desconforto, apenas o piora.
— Arthur virou o rosto e se afastou. — Vim até aqui porque sei que não
voltarei a ter a chance de me deitar com você. O meu tempo está se
esvaindo, mas, aqui e agora, não me sinto capaz. Seria uma perda de tempo
para ambos.
— Não posso prometer um final feliz para nós dois, porém posso
prometer entregar o prazer que você busca esta noite. — Kyle desabotoou a
camisa. — O meu irmão poderá esperar até que terminemos o que estamos
prestes a fazer.
— E se... E se eu me arrepender? E se eu não estiver preparado?
Kyle levantou uma das mãos e o tocou no peito.
— Se você veio até aqui, significa que o seu coração desejou isso.
Deseja há uma eternidade, na verdade. — Ele se inclinou, beijando-lhe a
bochecha. — Entregue o seu corpo para mim, permita que eu seja feliz
apenas por alguns instantes antes que a minha vida se perca nas garras do
ducado que me acorrenta. Depois disso...
— Depois disso, o quê?
— Eu não sei, mas sei do agora.
— O agora não é o suficiente.
— Mas é o que eu posso te oferecer.
Arthur sentiu uma onda de raiva crescer em seu peito. Injustiça,
amargura. Odiava ser tão feminino e ainda assim continuar homem,
desejando o impossível. Odiava, odiava, odiava. Por isso, com insatisfação
e dor, empurrou Kyle na direção da cama e montou nele. Ainda com roupas,
posicionou a mão em seu pescoço.
— Eu te odeio por ter me tratado tão bem, eu te odeio por me fazer
sentir a pior dor de todas as dores. Se quer me destruir, que me destrua de
uma vez. — Sentado no colo de Kyle, Arthur tirou tudo o que vestia. —
Marque-me para que eu não me esqueça que um dia te tive.
— Não fale assim, Arthur, eu rogo. — Kyle levantou a mão,
segurando-o pela cintura. — Ter-me uma vez é melhor do que ter-me
nunca.
— Então assim será. — Arthur abaixou a cabeça, muito perto de
unir seus lábios aos dele. — Terei você apenas uma vez e há de ser o
suficiente. Se não for, que eu aprenda a lidar com o vazio que ficará depois.
Ao terminar, Arthur beijou Kyle. Com fome, tristeza, lágrimas.
Ódio, carinho, desejo.
Uma mistura de tudo o que, com a certeza que pulsava em seu peito,
os levaria para o fim iminente.
Capítulo 22

Ninguém sabia, entretanto nas últimas semanas, Kyle praticamente


queimara todos os neurônios na tentativa de encontrar uma solução para o
problema que a Duquesa Mãe colocara em seu colo. Pensara em inventar
uma doença súbita e contagiosa para permanecer isolado, em gritar com sua
mãe e se rebelar por completo contra a ideia de escolher uma pretendente
tão prontamente, orar aos céus em busca de alguma ajuda e até mesmo
nutrir a esperança da existência de algum milagre. Porém, tanto esforço
mental se mostrou inútil. Ao seu ver, não existia uma saída plausível. De
fato, teria que se casar com uma moça qualquer e viver uma vida de
mentiras, ignorando o que nutria por Arthur. Por outro lado, uma realidade
assim seria o mesmo que morrer.
Voltando para o presente, focou a visão no corpo magro que estava
sentado em seu colo. O beijo terminou e seus pulmões clamaram por
fôlego. Tudo o consumia em labaredas, tamanha a quantidade de emoções
que se misturavam em seu peito.
A verdade era que Arthur não parecia real. Sua beleza ora parecia
feminina, ora masculina. Ao mesmo tempo em que os fios sedosos de
cabelo se espalhavam, cobrindo-lhe os olhos de cílios fartos, o maxilar se
revelava, rígido e bem-marcado. Os deuses, fossem quais fossem,
desenharam tal aparência como algo digno de adoração.
Kyle levantou a mão e tocou a ereção do melhor amigo,
movimentando os dedos de forma desejosa. Sentiu o líquido que já escorria,
sentiu as bolas, os pelinhos que cobriam a pele branca. Céus, ele queria
devorar cada pedaço daquele homem.
Talvez não existisse uma explicação concreta para tamanho
desespero, mas um indício era o fato de que a aparência de Arthur se
apresentava tão angelical e pura, que Kyle não conseguia conter o impulso
de levar tudo aquilo rumo ao pecado, ao destino que ele tanto gostava de
acessar.
Domado pelo descontrole, moveu-se na cama e jogou Arthur entre
os lençóis, girando-o como uma boneca de pano. Em seguida, posicionou-se
em cima dele, dominando-o, mostrando-o que era seu dono, ainda que não
necessariamente o fosse.
— Pensa que não me machuca a ideia de me casar com uma mulher
sabendo que as delícias do prazer estão em seu corpo? — Ele abaixou a
cabeça e mordeu o mamilo de Arthur, sentindo o corpo franzino tensionar.
— Tudo em você me pertence, tudo. Ainda que toda a minha esperança de
liberdade suma, enxergo você como meu.
Ao terminar de falar, Kyle desceu a língua por todo o corpo de
Arthur até chegar ao membro que pulsava. Abocanhou sem vergonha,
sentindo o sabor salgado, a textura, as sensações inéditas. Ali, sua posição
na sociedade era apenas um mero detalhe, pois seu coração há muito
tornara-se súdito dos encantos de Arthur.
— Sinto que irei explodir, quebrar, a qualquer momento, apenas
porque... Céus, nunca senti tudo o que estou sentindo. — Arthur revirou os
olhos e posicionou uma das mãos no rosto de Kyle. — Não sei como levarei
a vida depois que essa noite acabar.
— Tampouco sei, Arthur, tampouco sei. — Ele se afastou por tempo
o suficiente para tirar o resto das roupas. Em seguida, voltou para a cama e
se inclinou mais uma vez. Porém, ao contrário do início, agora estava
focado em outra região. — Quero saborear a parte de trás também.
— Kyle, eu não pensei que você chegaria a tanto, eu...
— Você me permite?
— Sim, mas...
— Então apenas peço que se cale e deixe-me fazer o meu trabalho.
— Ele levantou uma das pernas de Arthur e afundou o rosto em toda sua
masculinidade. Lambeu a glande e desceu, passando pelas bolas, descendo
e descendo. Quando deu por si, havia chegado no ânus apertado, claramente
nunca tocado.
Primeiro ele cuspiu; em seguida, inseriu o primeiro dedo, abrindo,
tomando. Durante todos aqueles instantes, esqueceu-se de todo o resto.
Tinha a forte impressão de que estava realizando o grande sonho da sua
vida: o de experimentar um homem. E, com ainda mais importância,
experimentar Arthur em sua completude.
— Kyle, por favor... — Arthur gemeu. — Quero sentir você dentro
de mim agora. Os dedos não são o suficiente.
Com o som de palavras tão tentadoras, Kyle sorriu e se levantou.
Posicionou o pênis na entrada sensível e, com um rápido movimento, entrou
no que, ao seu ver, era o paraíso. Era quente e muito, muito mais apertado
do que ele havia imaginado. Voltou a cuspir, pois não queria causar dor,
porém, ao mesmo tempo, compreendia que a dor, para uma primeira vez,
seria inevitável.
— Caso se sinta desconfortável, peço que me avise — Kyle ordenou
ao abaixar a cabeça para beijá-lo. Conforme os beijos se intensificavam, as
estocadas preenchiam o ar com cada vez mais barulho. Agiam como dois
animais sem vergonha alguma.
— É doloroso, mas ao mesmo tempo... eu gosto. Não quero que
você pare, por mim... você passaria o resto da noite aqui, fazendo tudo isso.
— Os olhos dele se encheram de lágrimas. Entretanto, ao invés de chorar,
moveu a cintura, permitindo que Kyle penetrasse ainda mais fundo.
Com uma das mãos, Kyle limpou as lágrimas que escorriam pelas
bochechas coradas dele. Seu coração se preencheu da mais bela certeza de
que não existia sentimento maior do que o que se formava naquele instante.
— Eu amo você — ele disse pouco antes de chegar ao ápice,
gozando dentro de Arthur em um último movimento. — Ainda que não
possa amar, eu amo você. Sinto muito que o meu amor tenha te encontrado
de maneira tão impossível de se alcançar, de se usufruir.
Após liberar o sentimento cravado secretamente em seu peito, Kyle
se sentiu liberto, capaz de tudo. Por outro lado, sabia que aquela era uma
falsa sensação. Aquele amor — por mais puro e belo que parecesse — não
passava de uma grande amarra intransponível.
Por tal consciência, ele quis gritar, quebrar os itens raros ao redor,
proteger Arthur das regras do mundo, recriar, redesenhar toda a existência,
cada pensamento julgador. Se o universo e todos os deuses o permitissem,
seria capaz de criar um novo mundo apenas para que fossem felizes.
Porém, no âmago da realidade, ainda que fosse o homem mais
poderoso que conhecia, não havia nada que pudesse fazer além de acatar as
vontades de sua maldita mãe.
— Eu... Eu também amo você. — Arthur soltou um soluço e as
lágrimas voltaram a escorrer. Entre uma lágrima e outra, também gozou,
derramando o resultado da luxúria na própria barriga. Ele gemeu e quase
gritou, e seu corpo tremeu da cabeça aos pés. Quando por fim recuperou o
mínimo da própria consciência, concluiu a fala iniciada segundos antes: —
Mas apenas amor não é o bastante. Precisaríamos nascer novamente, com
outras vidas, outras verdades.
— Infelizmente tenho que concordar. — Kyle deveria se afastar
depois das recentes afirmações trocadas, porém, indo contra o esperado
mais uma vez, deitou-se no peito de Arthur e o abraçou, ignorando o líquido
pegajoso que escorria para todos os lados. — Mas obrigado por me mostrar
o que é o amor.
— Foi você quem me mostrou, eu apenas correspondi — Arthur
respondeu e pouco depois acariciou os cabelos macios de Kyle.
Por alguns minutos, permaneceram imóveis, aproveitando enquanto
podiam. Kyle desejou que a bolha existente entre eles durasse para sempre,
ou ao menos por tempo o suficiente até que todas as obrigações que
pesavam em suas costas sumissem.
— Gostaria de pedir uma coisa — Arthur quebrou o silêncio, sua
voz triste e calma. — Gostaria de pedir uma última coisa, nada mais.
— Peça-me e eu farei o melhor para te satisfazer.
— Ainda que se case, por favor, não me abandone. Permita-me ficar
por perto, admirar sua presença através de uma distância segura. Sinto que
sobreviveria ao seu casamento com uma mulher, mas morreria caso
precisasse te matar em mim, sem voltar a te ver diariamente. Sei que não
mereço pedir algo assim a você, que carrega o ducado em existência, porém
em minha indignidade, clamo que me permita esse último pedido. — A voz
de Arthur tremeu e um silêncio desconfortável se formou no quarto por
longos instantes.
— Como eu poderia olhar para você sem desrespeitar a minha futura
esposa? O meu desejo não tem controle quando a sua presença toca os meus
olhos. — Kyle estalou a língua. — Porém eu não seria capaz de negar o seu
pedido, pois sua vontade é a mesma que a minha. Você permanecerá em
minhas terras, e que Deus nos perdoe por sermos tão inadequados.
— Ou que o diabo nos proteja por tais inadequações. — Arthur
passou levemente as unhas nas costas de Kyle. — Obrigado por me oferecer
ao menos um fio de felicidade. Acho que agora está ficando tarde, talvez eu
devesse ir embora.
Kyle se levantou e o observou, reparando no olhar cansado e repleto
de amargura. Aquela não era a expressão que ele esperava ver depois de
momentos tão bonitos e prazerosos. No entanto, não era surpreendente; algo
entre eles estava prestes a se romper, ou talvez já tivesse se rompido e
sequer perceberam.
— Tudo bem, entendo que precise ir. Além disso, o meu irmão
ainda está me esperando. — Kyle se inclinou e o beijou na bochecha. —
Obrigado por tudo o que aconteceu hoje. Por favor, descanse
tranquilamente.
Arthur sorriu sem humor e começou a se vestir. Pouco depois,
aproximou-se de Kyle e refez o gesto, também o beijando na bochecha.
— Também agradeço pelas belas memórias. Até breve, meu amigo.
Com isso, ele deixou o quarto, mas seu cheiro permaneceu ali por
um bom tempo.
Capítulo 23

Arthur tinha em mente que deveria se sentir feliz, porém conforme


seu coração doía e gotículas de suor frio escorriam por sua pele, não havia
outra sensação em seu peito além da mais pura angústia.
Kyle o amava, não restavam dúvidas. No entanto, de que valia o
amor se nunca poderiam vivê-lo? A verdade da situação era o que mais o
machucava.
Enquanto caminhava pelos corredores vazios rumo aos aposentos
destinados aos funcionários, Arthur se perguntou como viveria dali em
diante. Precisaria observar Kyle nutrindo um casamento, sorrindo e
confidenciando coisas à futura esposa. Para Arthur, tanta atenção e planos
de futuro não deveriam ser dedicados a uma mulher desconhecida, mas para
ele, que o amava profundamente.
— Garoto Wilkins? — uma voz bastante peculiar o chamou na
escuridão. — Qual o motivo de estar perambulando pelos corredores?
Todos os funcionários já se recolheram.
Com um pulo, Arthur parou de caminhar e levou as mãos ao rosto,
tratando de limpar as lágrimas que perolavam-lhe os olhos. Virou-se na
direção da voz. Sentada, com apenas uma vela acesa ao seu lado, estava a
Duquesa Viúva.
— Oh, Vossa Graça! — Arthur liberou as palavras na tentativa de
ganhar tempo. — Eu não a tinha visto, perdão pelo destempero. Sinto-me
inquieto, então decidi caminhar um pouco pelos corredores para respirar
melhor.
Aquela era uma desculpa péssima. Os corredores da grande casa não
eram exatamente arejados para propiciarem qualquer tipo de melhora na
respiração. A Duquesa Viúva não era boba.
— E qual o motivo da sua inquietação?
— Eu... Eu tenho visto que todos os funcionários estão demasiado
tensos acerca do grande evento que acontecerá em dois dias, então quero
apenas... Quero apenas que tudo fique bem. — Suas palavras não eram
exatamente uma mentira. Arthur queria que tudo se desdobrasse da melhor
maneira possível, só não sabia como.
— Oh, céus, garoto Wilkins, esta também é a minha inquietação.
Sinto os meus nervos prestes a explodir tamanha a tristeza que sinto. Venha,
aproxime-se. — A Duquesa Viúva movimentou uma das mãos
afetadamente. — O meu filho não é capaz de compreender os meus desejos,
garoto Wilkins. O meu coração dói em desespero.
— Não fique tão angustiada, Vossa Graça, ou a sua saúde poderá se
abalar. Seria uma coisa terrível de se acontecer tão antes do grande evento.
— Arthur se aproximou, parando ao lado da senhora. — Porém, o que faz
com que Vossa Graça pense que o seu filho não a entende?
— Ele me odeia, garoto Wilkins, odeia-me como se eu fosse a pior
das inimigas. Não desejo para mãe alguma o olhar que ele lança em minha
direção cada vez que cruzamos caminhos. Tudo porque eu faço o melhor
para que ele seja um duque respeitado e admirado. — A Duquesa Viúva
abaixou o olhar e lágrimas preguiçosas escorreram por suas bochechas.
Estava escuro, então era difícil distinguir se aquilo se tratava de
manipulação ou tristeza genuína. Na opinião de Arthur, a segunda opção
parecia mais provável. — Você é muito próximo do meu filho, agem como
se fossem amigos. É óbvio que ele prefere você a qualquer outro servo. O
que tem a dizer? Conte-me algo que eu ainda não saiba!
Arthur tremeu nas próprias pernas. Durante todo aquele tempo,
acreditou que a sua relação com Kyle se mantinha em segredo e que
ninguém reparava em nada. Os comentários da Duquesa Viúva apenas
provaram o contrário. Como seria quando Kyle por fim se casasse?
Certamente a esposa em questão perceberia. Seria um desastre.
— Sua Graça é muito jovem, apenas não gosta de grandes ordens.
Pelo pouco que conheço dele, sente-se frustrado por um título tão grande
em mãos com tanta juventude. — Arthur deu o melhor de si para não
parecer que sabia demais, entretanto, depois de tantas conversas, ele sabia
tudo, sabia mais do que qualquer pessoa. Kyle odiava a mãe, odiava tudo
nela. — Talvez ele sinta que o universo foi injusto ao colocá-lo em tal
posição.
— Ora, mas ele já não é uma criança, garoto Wilkins, não devemos
tratá-lo como uma. Muito jovem? Céus, as coisas são como são. — A
Duquesa Viúva limpou as lágrimas. — Qualquer pessoa adoraria estar no
lugar dele. Diga-me, caso o mundo fosse outro, aceitaria assumir o título de
duque para que ele pudesse viver como bem entendesse?
— Não, Vossa Graça. O título de duque me parece muito pesado,
prefiro a minha insignificância.
— O que está acontecendo com os homens da nossa sociedade?
Todos se tornaram fracos e compassivos? — Ela o empurrou, começando a
ficar muito chateada. — Pensei que trocar algumas palavras com você me
traria algum tipo de conforto, mas estou ainda mais nervosa. Saia, saia da
minha frente imediatamente!
Com uma reverência, Arthur obedeceu, pois não queria passar nem
mais um segundo diante daquela mulher. Tinha medo dela, das suas ações
exageradas. E no instante em que se viu distante, levou uma das mãos à
cabeça e agradeceu aos céus pelo fim da conversa desconfortável.
Dali em diante, tinha a impressão de que as coisas se tornariam cada
vez piores. A Duquesa Viúva se irritaria mais e mais, Kyle se tornaria frio e
distante, os funcionários ficariam perdidos e a infelicidade tocaria o coração
de todos. Não havia saída.
Por breves segundos, Arthur pensou em fugir para bem longe.
Porém estava tão ligado ao que sentia por Kyle, que nem mesmo a pior das
tragédias seria capaz de afastá-lo.
Ao se sentar na própria cama, tocou a barriga e o pescoço. Inspirou
profundamente, sentiu o cheiro de Kyle nas roupas. Amava tanto aquele
homem que era como se todos os outros sentimentos estivessem suprimidos
para se tornar um só.
Lá fora, a lua brilhava, romântica, sorrindo em seus tons prateados.
Parecia mandar-lhe sinais de esperança, mas ao seu redor, na noite sombria,
existia apenas a escuridão.
É o que eu sinto, pensou. Quando estou com Kyle, pareço brilhar,
tornando-me a minha versão mais completa. Porém, quando me afasto,
percebo que todo o resto é escuro. Que injusto é pensar que o brilho que me
foi oferecido, logo me será tomado!
Arthur chorou baixinho até adormecer de maneira inquieta. Em sua
mente havia a grande certeza de que depois do iminente grande evento,
nada seria capaz de fazê-lo feliz outra vez.
Capítulo 24

Kyle demorou tanto para ir ao encontro do irmão que, ao bater à


porta do quarto, não se surpreendeu quando ele apareceu com roupas de
dormir.
— Você não consegue ser pontual? — Seus cabelos estavam
bagunçados e os olhos claramente cansados. — Espera que eu ainda saia
para conversar? Na próxima vez, apareça no horário marcado.
— Tive relações íntimas com Arthur — Kyle disse rapidamente,
empurrando a porta e, em seguida, o irmão. Entrou no quarto como um
trovão. — Eu estava me limpando para vir te ver, ou preferia que eu viesse
sujo mesmo?
Por mais sério que fosse o assunto, Kyle sentia um enorme prazer
em simplesmente chocar as pessoas. Era divertido ver, naquele momento,
por exemplo, os olhos de Brandon se arregalando e as bochechas corando,
tal qual um garotinho indefeso prestes a gritar pela proteção da mãe.
— Você fez o quê?!
— Coloquei o meu membro dentro de Arthur. Foi muito bom, meu
irmão, foi a melhor coisa de todas. — Kyle trancou a porta atrás de si para
garantir que ninguém ouviria a conversa. — Eu já tive relações com
mulheres antes, você sabe. Sou experiente. Mas estou me sentindo como se
recém perdesse a minha virgindade. Estou nas nuvens, estou viajando, estou
exultante, mas ao mesmo tempo o meu coração me amarga a alma, pois
sinto que o amo. Amo aquele pequenino jovem com a minha existência
inteira. Céus, o que será de mim?
Brandon virou o rosto e começou a caminhar pelo quarto,
preocupadíssimo. Com suas vestes de dormir, parecia um bobo atrapalhado.
— São muitas as informações e eu não entendo como você pode se
sentir tão confortável em me revelar tudo isso. — Brandon levou uma das
mãos aos cabelos, bagunçando-os ainda mais. — Então me diga, meu
irmão, você sente desejo por homens e mulheres?
— Não, não, não! Sinto desejo apenas por homens e é libertador
poder falar isso em voz alta. Nada do que tive até hoje se compara ao que
senti com meu amado Arthur! Não gosto de mulheres, elas são
desinteressantes, não possuem nada que me inflame a alma! — Kyle abriu
um sorriso repleto de vida. — Nunca mais almejo ter relações com uma
mulher na minha vida!
Pronto, estava livre. Livre. Depois de tanto negar a realidade,
liberou o que estava preso em sua alma. Ainda que as mulheres lhe
parecessem lindas e muito cheirosas, não despertavam algo especial em sua
alma. Por outro lado, bastava sentir o cheiro de Arthur para que seu corpo
inteiro reagisse.
Até então, Kyle não passava de uma mentira. Agora, enxergava-se
como uma mentira apenas para a sociedade, pois já sabia a verdade sobre si
mesmo. Ter noção de quem era já podia ser considerado um fator de grande
dádiva.
— Tudo isso representa um grande problema, Kyle. Um problema
tão grande que não sei como resolvê-lo. — Brandon parou de caminhar pelo
quarto. — Você está prestes a escolher uma mulher para se casar, precisará
ter filhos, herdeiros. Como poderá levar uma vida sem ter relações com a
própria esposa?
— Esse é o grande problema, meu irmão. Eu não sei. Prometi a
Arthur que o manteria por perto mesmo após o casório. Porque apesar de
tudo, ele é o meu grande amigo. Porém, não faço ideia de como terei
herdeiros sem tocar em uma mulher. — Quanto mais pensava na realidade,
mais apagado ficava. Nem mesmo o deleite dos momentos luxuriosos que
tivera com Arthur conseguiam mantê-lo feliz por muito tempo.
— Você não planeja trair a sua futura esposa com Arthur, planeja?
— Óbvio que não, céus! Não sou um cafajeste! Porém, quero
mantê-lo por perto, como uma única indulgência. — Kyle agarrou o braço
do irmão e o puxou. — Venha, vamos fazer a nossa caminhada lá fora,
como o combinado. Preciso que você me aconselhe.
— Não, você chegou atrasado e não seria correto eu acompanhar o
seu desejo tal qual um cachorrinho. Irei te dar um simples e puro conselho,
e depois você sairá daqui. Preciso descansar, está tarde. — Brandon se
soltou dos dedos do irmão. — Você já teve a oportunidade de usufruir das
próprias fantasias com Wilkins. Agora, por Deus, volte à consciência e faça
o que precisa ser feito. Afaste-se dele, respeite a sua futura esposa. Se
continuar com isso, causará dor nele também, é o que anseia?
— Eu não quero machucá-lo. Eu amo Arthur mais que tudo e todos
— Kyle rebateu. Seu semblante se fechou ao sentir as verdades vindas do
irmão, todas atiradas em sua cara sem nenhuma cerimônia. — Você não está
me aconselhando como eu esperava.
— O que você esperava? Desculpe-me, meu irmão, porém não há
muito o que fazer. — Brandon se aproximou e o olhou fixamente, sério.
Impassível. Naquele instante, pareceu-se muito com o falecido duque e
aquilo assustou Kyle. — Guarde as boas memórias que fez até então e use-
as como combustível quando a tristeza surgir nos próximos anos. Porém,
em nome da honra, faça o que precisa ser feito.
— De fato, não há muito como esperar palavras diferentes vindas de
você.
— É claro que não. Rogo que me escute, por favor. — Brandon
estalou a língua, chateado. — Agora volte para os seus aposentos e
descanse. Você não pode ficar sem dormir, coisas importantes acontecerão
em breve.
Sem se despedir ou agradecer, Kyle apenas deixou o quarto. No
caminho, chutou um vaso de porcelana grande que estava em um dos cantos
do corredor, quebrando-o. Estava furioso, pois ninguém o apoiava.
Ninguém parecia desejar entendê-lo ou encontrar uma solução.
A verdade era que ele preferia acabar com a própria vida, com um
tiro na própria cabeça, do que se casar com uma mulher, do que se
distanciar do seu amado.
Se a vida caminhasse para tamanha tragédia, ele mesmo a
encerraria. A tristeza profunda falava mais alto aos seus ouvidos e, para ele,
tantos pensamentos mórbidos faziam total sentido.
Capítulo 25

No dia seguinte, qualquer pessoa que olhasse para Arthur seria


capaz de perceber que ele não estava muito bem. Seus olhos esboçavam não
apenas dor emocional, mas algo físico, monumental. Todo o seu corpo
parecia pesar, ordenando-o que passasse o dia inteiro deitado na cama, sem
desperdiçar energia.
Durante a madrugada, sua mente estivera tão repleta de
pensamentos que o impedira de dormir e descansar. Vira o sol nascer entre
as nuvens, os pássaros cantarolando suas primeiras notas, o silêncio noturno
dando lugar ao som de vida que ecoava durante o dia e até mesmo os
primeiros empregados se reunindo para o trabalho. Por não dormir, agora
tinha a impressão de que existiam pedras se chocando entre cada um dos
seus neurônios.
Ele adoraria poder desabafar com alguém — alguém que não fosse
Kyle — e que pudesse ter uma visão um pouco mais imparcial sobre todo o
assunto, porém ele estava sozinho... Não apenas naquelas terras, mas em
todo o mundo. Portanto, não o surpreendeu perceber que nenhum dos outros
funcionários se importou em perguntar o motivo para a sua má aparência
naquela manhã fria.
Com passadas exaustas, Arthur arrastava os pés enquanto se
encaminhava para descarregar as últimas encomendas para o grande evento.
Se ele pudesse, destruiria tudo e sabotaria a maldita ideia da Duquesa
Viúva. Ainda estava irritado e dolorido com toda a conversa que tivera com
ela.
Na verdade, sentia-se chateado e dolorido com tudo. Não havia nada
em sua vida naquele instante que trouxesse qualquer tipo de deleite ao seu
coração. Para qualquer lado que olhasse, tinha a enorme vontade de gritar e
ofender o que aparecesse em seu caminho.
Sem manter muito o foco, começou a descarregar as caixas e sequer
olhou para o entregador. Assustou-se ao ouvir a voz nojenta de Brody, seu
pai.
— Fiquei sabendo que o duque deu ordens para que eu não pisasse
mais nas terras do ducado. Quase perdi o meu trabalho — ele disse sem
mais nem menos, como se já estivessem conversando há um bom tempo. —
Aposto que você tem culpa nisso.
— Voltou para me atormentar outra vez? — Arthur vociferou, tendo
uma reação muito mais explosiva e exagerada do que o usual. — Voltou
para atormentar o pouco de paz que me resta? O que diabos quer de mim?
Você raspou a minha cabeça, fez-me fugir da fazenda por medo, agrediu
tanto a minha mente que nunca consegui voltar a ser eu mesmo. Será que
não basta? Céus! Deixe-me fazer o meu trabalho e vá embora, finja que
nunca existi, que não sou o seu filho. Apenas vá embora!
Arthur não sabia de onde vinham tantas palavras; serviam como um
desabafo. Não fazia sentido algum tanta perseguição. Anos haviam se
passado, Brody deveria continuar esquecido e parar de aparecer tão
aleatoriamente em seus caminhos.
— Ora, vejam só, está chateado, filho? — Brody se aproximou,
sorrindo. — Qual o motivo de tamanha amargura em seus olhos? Pelo que
me lembro, você não costumava ser assim tão... feroz.
— Você não me conhece mais — Arthur respondeu, parando de
trabalhar e dando as costas para o pai. — Não quero e não continuarei esta
conversa.
— Eu não tenho mais nada, Arthur. A fazenda se desfez assim como
todo o resto. Não tenho família, ninguém. Não há uma pessoa no mundo
que se importe comigo. — Brody o segurou pelo braço, puxando-o. — Você
é o meu filho, deveria me ajudar agora que trabalha na casa do duque. É
para isso que servem os filhos, não é? Para ajudar. Não pense que os ricos
irão te apoiar para sempre, então peço que me deixe permanecer por perto.
Você pode me oferecer alguma ajuda semanal, enviar algumas coisas.
Preciso de moedas, minhas costas doem!
Arthur parou, congelado no exato lugar em que estava. Não
conseguia acreditar naquelas palavras, pois, até certo ponto, representavam
o pensamento que ele alimentara minutos antes; a ideia de ser um homem
sozinho, sem família ou apoio o atormentava. Por outro lado, ele não queria
a companhia de Brody. Olhar na direção dele já era o suficiente para que o
seu estômago se revirasse e memórias da infância girassem em sua mente.
— Você matou a minha mãe. Você a matou e eu tive que guardar o
segredo, pois sabia que tudo foi causado por uma simples boneca que ela
colocou em minhas mãos. — Apesar do choro ameaçar surgir, Arthur não
derramou uma lágrima sequer. — Levar tal segredo enterrado em minha
garganta é o máximo que posso fazer por você. Eu te odeio, gostaria de
nunca voltar a ver o seu rosto imundo.
As expressões de Brody mudaram em questão de segundos. Se antes
havia a energia conciliadora e falsamente pacífica, agora a máscara caía
sem sustento algum, mostrando a fúria típica e a violência assustadora.
Brody agarrou o filho, derrubando-o contra as caixas. Pressionou as
duas mãos em seu pescoço, enforcando-o.
— Pare de mentir! Pare de mentir, maldito filho do diabo! — gritou,
os olhos arregalados se assemelhando ao de um bicho vindo do inferno. —
Ela morreu por sua culpa, por você ser essa menininha patética! Ela pagou
pelos seus pecados! Pare de mentir, pare de colocar a culpa em mim!
Arthur ficou com medo de morrer. Os dedos do pai apertavam cada
vez mais sua garganta. O ar escapava-lhe dos pulmões e suas bochechas
ficavam cada vez mais vermelhas. A tontura o dominou, era difícil até
mesmo pensar.
Talvez por ser tão difícil pensar, não houve muito raciocínio.
Apenas moveu braços e pernas, tentando se soltar, tentando fugir. No
entanto, não houve tempo para luta. Aparecendo em um rompante, Kyle se
agachou, pegou uma pedra imensa e acertou Brody diretamente na nuca.
O sangue explodiu para todos os lados. Com um som resfolegante, o
velho caiu em cima de Arthur, afrouxando o aperto das mãos e parando de
respirar quase imediatamente.
Capítulo 26

A cabeça de Kyle zunia e tudo girava ao redor. Girava, girava,


girava. Vozes de culpa gritavam em seus ouvidos, acusando-o, apertando
sua consciência com um fato incontável: havia se tornado um assassino.
Quando decidira sair em busca de Arthur, esperara encontrá-lo
trabalhando, como todos os outros empregados que estavam se esforçando
para o evento do dia seguinte, mas, para o seu maior choque, deparou-se
com a visão do velho com as mãos no pescoço delicado dele. Tal cena foi o
suficiente para que uma sensação inédita se infiltrasse em seus instintos.
Kyle quisera apenas proteger, cuidar, salvar o amado de qualquer
perigo. Que direito tinha aquele homem de maltratar alguém que lhe era tão
caro daquela maneira?
— Você o matou — a afirmação óbvia escapou dos lábios de Arthur,
combinando com as acusações que as vozes ecoavam dentro da mente de
Kyle. — Ele está morto, estou certo disso.
Kyle engoliu em seco e olhou para o corpo imóvel. O sangue
jorrava, o cabelo empapado sujando o chão. O mais terrível de toda a cena
era o simples fato de que não existia arrependimento.
Ele queria ter feito mais, pior. Nunca aceitaria que alguém tocasse
Arthur com violência. Enxergava o amante como uma joia raia, um item
maravilhoso e de pertencimento único.
— Ele mereceu. — A sinceridade das próprias palavras o chocou.
— Ele estava machucando você e marcou o seu pescoço.
Como se para comprovar a afirmação, aproximou-se de Arthur e
tocou a pele quente, que começava a ganhar pequenos tons de roxo.
— Pensei que ele iria me asfixiar até a morte. — Arthur deitou a
cabeça no peito de Kyle e chorou. Seu corpo tremia como o de um carneiro
temendo o abate. — Ele disse que a culpa da minha mãe ter morrido foi
toda minha, por ser feminino demais. Mas foi ele quem a assassinou. Eu
não posso carregar essa culpa.
Aquele era um desabafo antigo, Kyle percebeu. Algo que estava
guardado há tempo demais.
— Ele assassinou a sua mãe?
— Sim, ele era um homem furioso, alguém terrível. Eu vi tudo, mas
fingi não saber. Pelo bem dele, pensei que estava fazendo algo bom. Mas
agora... — Arthur apontou para o corpo estirado. — O que faremos? Diga-
me, o que faremos? Alguém pode aparecer a qualquer momento, tudo
desmoronará e...
— Esconderemos o corpo. — Kyle abraçou Arthur com toda a força
que tinha, tratando de acalmá-lo. Contudo, a calma há muito havia se
esvaído das suas veias. Também estava com medo. A ideia de ter se tornado
um assassino o apavorava. Para além do sangue em suas mãos, existia o
destempero em seu coração. Não fazia sentido algum que o amor fosse
capaz de controlá-lo com tamanha intensidade, controlá-lo ao ponto de
levá-lo a cometer um ato tão selvagem. — Podemos pensar no resto depois,
mas agora precisamos apenas sumir com o corpo daqui.
Ainda sem carregar culpa, Kyle direcionou a atenção para o corpo
estirado. Primeiro, ficou paralisado, permitindo que as vozes de desespero
continuassem a comandá-lo. Depois, decidiu que estava farto de agir tão
emocionalmente. Aquela não era uma situação facilmente resolvível; ele
precisava raciocinar e as vozes precisavam ser silenciadas ou tudo daria
errado.
Soltou um som gutural de desgosto e começou a mover o corpo
rumo ao local mais distante possível.
— Ajude-me, céus! — Kyle vociferou, impaciente. — Faça alguma
coisa!
Ao berrar daquela forma, percebeu o quão injusta era a situação,
afinal de contas o corpo sem vida pertencia ao pai de Arthur. Pedir que o
carregasse talvez fosse demasiado para os nervos já muito abalados do
pobre rapaz.
— Desculpe-me. — Ele se inclinou e começou a ajudar Kyle.
— Pensando bem, eu quem preciso me desculpar. Posso carregar o
cadáver sozinho, não se preocupe. — Kyle se chocou com a facilidade que
o seu cérebro estava se acostumando a tantas atrocidades. Assassinato,
mover e esconder um corpo.... Tudo parecia e soava simples demais. E ele
tinha a total certeza de que não havia nada simples naquilo tudo.
— Confesso que sinto prazer em fazer isso, em poder ver o meu pai
morto. — De maneira quase violenta, Arthur puxou os braços de Brody
com força, como se desejasse garantir que já não restava vida alguma ali. —
Agradeço por ter feito isso por mim. Para onde o estamos levando?
— Teremos que escondê-lo entre as árvores até que... Até que
tenhamos um plano. Não consigo pensar em nada. — Kyle suava. Sua pele
parecia pegajosa e até mesmo suas roupas o sufocavam. — São muitas
coisas acontecendo e muitas coisas para pensar. A minha cabeça está cheia.
— Podíamos enterrá-lo lá, entre as árvores. Ninguém perceberia.
— Seria óbvio demais, enlouqueceu? No auge da primavera, a
minha mãe adora admirar as árvores. — Kyle balançou a cabeça de um lado
para o outro. — Não, precisamos de outra solução.
Porém, pelo resto do caminho, não pensaram em nada útil.
Permaneceram em silêncio, aprofundando-se no horror que tudo aquilo
representava. Para Arthur, certamente havia um sentido de liberdade em
algum lugar dentro de sua mente. Para Kyle, no entanto, crescia o
desespero, a sensação de que as portas estavam se fechando ao seu redor.
Logo aconteceria o grande evento.
Logo surgiria uma noiva.
Logo marcariam o casamento.
Existiriam convidados, pessoas apareceriam o tempo inteiro. Mais
eventos, mais conversas, mais obrigações.
Em que momento, diabos, Kyle conseguiria terminar de se livrar
daquele corpo? Ele não sabia. O “não saber” acelerava o seu coração de tal
forma que parecia prestes a matá-lo, unindo-o ao cadáver do velho.
Entre tantos pensamentos, chegaram às árvores e largaram o corpo
lá. Um ao lado do outro, Kyle e Arthur se recostaram contra um tronco
grosso.
Congelados e assustados, tremiam da cabeça aos pés.

Brandon viu quando as típicas roupas pesadas de Kyle balançaram


com o vento conforme ele corria. Ouviu os ruídos de Arthur, a raiva do
velho entregador. Observou tudo de maneira tão inesperada que se sentiu
como lendo um livro do mais temível suspense.
Quando caminhara até o local em que tudo aconteceu, estava em
busca de ar puro, pois a casa central parecia densa com tanta tensão e com
tantos funcionários estressados.
Agora, era ele quem se sentia denso. Certamente teria pesadelos
quando a noite chegasse, afinal, sem pedir, tornou-se a testemunha ocular
de algo nunca imaginado: Kyle, seu irmãozinho mais velho, indo de duque a
assassino em segundos.
Sem saber o que fazer com uma informação tão chocante, correu
para longe e se escondeu.
Não queria ver as consequências daquilo. Queria apenas que Kyle
fosse um homem normal.
Ele nunca será, concluiu.
Capítulo 27

Depois de passarem o que pareceu uma eternidade sem falar ou se


mover, tanto Arthur quanto Kyle correram rumo ao lago raso e preguiçoso
em uma área distante das terras do ducado. Fazia frio, tudo parecia muito
cinza e muito pegajoso. Mesmo assim, ambos se despiram e pularam dentro
da água congelante.
Na opinião de Arthur, não havia gelo suficiente no mundo capaz de
abrandar o calor que borbulhava em seu peito. Tudo por causa do
assassinato, da loucura que a situação representava.
— Podem encontrar o corpo — Arthur comentou enquanto tentava
limpar o sangue das próprias mãos. Seus dedos ainda tremiam, tão quentes
quanto gélidos, em uma ironia de sensações muito incongruentes. — Os
segredos estão se avolumando ao redor de quem somos, Kyle. Sinto que eu
trouxe tragédia à sua vida, talvez eu devesse partir hoje mesmo, talvez seja
o melhor e...
Arthur parou de falar, pois não sabia o que mais dizer. Se fosse
embora, morreria com a saudade que se infiltraria em suas entranhas como
uma praga descontrolada. Em algum momento entre o dia em que se
conheceram e o presente, a ausência de Kyle se tornara o mais puro
sinônimo do não viver. Arthur sabia, com toda a fome e horror que existiam
em seu corpo magricela, que estava emocionalmente dependente daquele
duque infame — o mesmo duque que era capaz de tudo, até mesmo matar,
para protegê-lo.
Infame, repetiu a palavra em silêncio. Kyle certamente podia ser
considerado infame. E incrível. Belo, belo como o próprio diabo.
— Diga-me que planeja partir e eu te mato. Em seguida, tiro a
minha própria vida. Assim, todos nos encontraremos no inferno — Kyle
esbravejou, confirmando os pensamentos de Arthur. De fato, era o
representante do diabo em seu total calor naquele país frio. — Você não irá
embora, não permitirei. Ainda não sei como resolverei tudo isso, mas há de
existir uma maneira.
— Você atua como se existisse solução para a morte.
— Sempre há, sempre há! — Kyle parou de lutar para remover o
sangue das unhas e caminhou até Arthur. — Minha cabeça está fervilhando,
quero apenas destruir o mundo e criar outro ao seu lado, é pedir muito? Não
preciso do maldito evento que acontecerá amanhã. Não preciso de nada,
nada. Quero acabar com tudo isso!
Ele não despejou as próprias palavras de maneira sedutora. Sequer
parecia excitado. Todavia, de uma hora para outra, transformou-se no mais
fogoso dos homens, agarrando Arthur pela nuca e se inclinando para beijá-
lo com força.
Eram água fria, calor insano, suor e sangue. Tudo junto, tudo atado
pelo desejo.
— O que está fazendo? — Arthur ainda tentou entender, mas
desistiu em segundos. Retribuiu o beijo com toda a intensidade que ainda
lhe restava. As línguas se tocavam como quem sabia que aquela podia ser a
última vez.
Mergulharam juntos no lago, agarrados. Arranhavam-se e
destruíam-se, pareciam seres místicos em meio ao mais terrível dos rituais.
Em meio aos sons e respirações, Arthur podia jurar que conseguia ver um
brilho sobrenatural emanando dos beijos que trocavam.
Tudo ilusão, claro. Não eram bruxos, tampouco místicos. Apenas se
amavam e aquela era a mais inebriante das magias.
— Venha, vamos sair dessa água tão fria. — Kyle o puxou pela mão
e partiu para fora do lago.
No segundo em que pisaram na terra, Arthur simplesmente se
ajoelhou e colocou o membro pulsante de Kyle na boca, chupando-o até se
engasgar. Sentiu o gosto do suor, do desamparo, do desespero, dos
segredos, do medo, de toda a dor que o título do ducado carregava.
E antes mesmo de poder interpretar tantos sabores, percebeu-se
sendo colocado de quatro. Foi penetrado com uma estocada dura, firme,
com muita loucura. Gostou, adorou. Não sentiu dor alguma, pois tudo em si
já estava anestesiado.
— Grite o meu nome. Aqui, ninguém nos ouvirá — Kyle ordenou,
puxando seus cabelos com força. — Grite agora, grite!
Arthur gritou, claro. Não por ter recebido a ordem, mas porque
queria. Porque os gritos, em toda sua liberdade e esplendor, estiveram
guardados em suas entranhas desde o nascimento, desde o primeiro olhar
julgador, desde o raspar dos cabelos, desde a fuga. Desde que se percebeu
diferente dos outros homens.
O grito escapuliu com força e estrondou tudo ao redor. Certamente
foi possível ouvir todos que sofriam como ele naquele simples aumentar de
voz. Após isso, sem nem mesmo tocar no próprio membro, gozou,
tremendo da cabeça aos pés contra o corpo de Kyle.
— Eu amo tanto você! — ele gritou palavras compreensíveis, dessa
vez com lágrimas nos olhos. — Amo tanto, tanto você!
Aquela não era uma declaração, mas um desabafo. Porque no dia
seguinte, somente Deus sabia como faria para lidar com tudo o que sentia e,
acima de tudo, o que faria para lidar com o que sentiria ao ver Kyle casado.
— Eu também amo você — Kyle disse ao agarrá-lo pelo pescoço,
penetrando-o com força. — Prometo levar nós dois ao inferno caso não
possamos ser felizes aqui.
— Aceito ir ao inferno com você. Lá, talvez sejamos libertos.
— Talvez. — Com essa última palavra, Kyle também gozou,
enchendo a entrada sensível de Arthur com o líquido branco e espesso. —
Venha, limparei você.
Tremendo por tudo o que reverberava dentro do coração, Arthur
apenas balançou a cabeça em concordância e o seguiu, voltando para o
lago. Agora, sem o calor inicial para anestesiar o frio, praticamente sentiu
dor física quando a água lambeu sua pele.
No mais completo silêncio, lavaram-se do gozo e do sangue, do suor
e da amargura. Lavaram-se de tudo.
Quando se vestiram outra vez, pareciam mais calmos, como se nada
tivesse acontecido.
Mas cada vez que olhava no rosto de Kyle, Arthur via apenas a
possibilidade de uma enorme tragédia inevitável.
Capítulo 28

Brandon queria apenas apagar, dormir. Os gritos de Arthur ainda


ecoavam em sua mente, juntando-se à imagem de Kyle em toda sua
violência, matando como se aquela fosse a atitude mais simples e prática do
mundo.
Ao voltar para a casa central, parou na sala de estar enquanto
decidia o que precisava fazer. Inicialmente, planejava apenas se manter
escondido. Não queria ouvir ou falar, não queria coisa alguma. Se pudesse,
desapareceria para sempre. Em sua mente, caso sumisse, nunca mais teria
que lidar com as preocupações de um ducado que invariavelmente estava
destinado a pior das decadências.
Ele era o filho mais novo, não era? Não havia motivos para se
preocupar tanto com as responsabilidades de um título que sequer lhe
pertencia. Bastava fechar os olhos para que tudo sumisse.
Seria fácil, tão fácil caso sua mente não o traísse tanto! Porém
Brandon amava Kyle, vivia para venerá-lo, então em seu âmago, ansiava
vê-lo feliz acima de qualquer coisa.
Talvez aquele fosse o motivo para tamanha angústia: o apreço que
nutria pelo irmão mais velho.
Enquanto os pensamentos pipocavam em sua mente, Brandon deu
um tapa na própria cabeça na tentativa de silenciar a voz preocupada que
não parava de falar aos seus ouvidos.
Vão acabar com o seu irmão, vão matá-lo.
Você planeja guardar segredo?
Kyle não é perfeito, nunca foi.
Para que defendê-lo? Ele é o duque, você é apenas o filho mais
novo.
Denuncie, acabe com ele de uma vez!
Proteja-o, ele é o irmão que você tanto ama!
Denuncie!
Não denuncie!
Ele voltou a bater na própria cabeça, horrorizado com tantos
pensamentos e vozes.
— Brandon? — A Duquesa Mãe apareceu de repente. Seu olhar
parecia o de uma serpente, tão avaliadora quanto desconfiada. — O que
diabos estava fazendo?
Com um pulo, ele olhou na direção da mãe e piscou algumas vezes
com o intuito de dissipar as lágrimas.
— Estou estressado, minha mãe. A minha mente parece me trair de
vez em quando. — Ele abriu um sorriso desconfortável e caminhou na
direção de uma das poltronas para se sentar. — A casa parece uma loucura
com tantos preparativos para o grande evento de amanhã.
— Quero que você se case também, meu filho. Com uma boa
mulher ao seu lado, tanto tormento em sua mente logo se dissipará.
— Sem dúvidas. — Ele queria, de fato. Não era disruptivo como o
irmão mais velho. Realmente sonhava com uma boa esposa, uma vida
tranquila e padrões estabelecidos com rigidez. — Não demorará para que
aconteça, não se preocupe.
— Perfeito, você é tão mais fácil de lidar, meu filho. — A Duquesa
Mãe sorriu e se sentou ao lado dele. Em segundos, chamou uma das
funcionárias e pediu chá acompanhado de docinhos frescos. — Mas qual o
motivo para o seu estresse? Sua pele está terrivelmente pálida.
— Apenas me pressiono acerca de muitos assuntos, nada que
mereça o seu tempo e preocupação. — Brandon insistiu em manter o rosto
suave, dando o melhor de si para permanecer no controle.
A funcionária voltou com o chá extremamente quente e os docinhos
deliciosos. Contudo, Brandon sequer conseguia saborear as guloseimas,
pois seu estômago doía. O tempo inteiro se lembrava da cena, de como a
morte podia acontecer de uma hora para outra.
Como se os pensamentos de Brandon tivessem a força para conjurá-
lo, Kyle apareceu com passadas largas. Estava desgrenhado e seus olhos
pareciam demasiado arregalados.
— Céus! — Brandon estremeceu, derrubando a xícara de chá no
chão. Os pedaços de porcelana explodiram em um barulho quase diabólico
e depois um silêncio moribundo se formou no ambiente já energeticamente
denso. — Não apareça assim, em um rompante tão esquisito!
— Filho, na verdade ele não apareceu em um rompante. Você está
nervoso. — A Duquesa Mãe tocou na perna de Brandon e balançou a
cabeça de um lado para o outro, preocupada. — Por favor, tente descansar
bem para que amanhã não aconteçam imprevistos.
Ao terminar de falar, tratou de se levantar e caminhou até Kyle, que
continuava parado e com os olhos vidrados, claramente sem saber o que
dizer ou o que falar.
— Talvez o seu irmão tenha se assustado com o seu cabelo molhado
e espalhafatoso. — Ela o beliscou no braço. Havia decepção em seu rosto.
— Até quando continuará se portando como um garoto?
— Desculpe-me, mãe. — Kyle começou a se afastar, deixando a
sala. — Não quis interromper a conversa, tampouco assustá-los.
Brandon sentiu um bolo se formar na garganta. Olhou ao redor para
os estilhaços de porcelana, para a aparência do irmão, para a quase loucura
que brilhava em seu rosto abatido... e sentiu dor física, profana, intensa.
Quis salvá-lo de qualquer mal.
Com as pernas tremendo, levantou-se e praticamente correu,
segurando-o pelo braço. A Duquesa Mãe ficou sozinha na sala, sem
entender a cena que transcorria tão aleatoriamente.
— Você não parece bem. — Brandon quebrou o próprio silêncio.
— Você, tampouco.
— Está precisando de ajuda?
— Não. — Kyle se soltou, empurrando-o com mais força do que
deveria. — Não preciso de ajuda alguma.
— Estou aqui para te ajudar, caso precise. — Brandon insistiu em se
aproximar. — Sempre, você sabe.
— Não preciso, já disse! — Kyle o empurrou mais uma vez. Parecia
um animal ferido, beligerante.
— Meu irmão... — Os olhos de Brandon se encheram de lágrimas.
Queria salvar Kyle, precisava... Precisava, mas não sabia o que fazer. — Eu
te amo. Fique bem, por favor.
Por alguns segundos, Kyle paralisou onde estava. A expressão de
loucura em seu rosto se abrandou, suavizando cada linha na aparência
cansada. Por poucos segundos, pareceu se lembrar que estava diante do seu
grande parceiro de aventuras, o irmão com quem costumava partilhar tudo.
Ou, ao menos, quase tudo.
— Ficarei bem. — Ele abriu um sorriso triste. — Eu também te
amo, meu irmãozinho.
Brandon desejou abraçá-lo, desejou tirar toda a tristeza que havia
ali. Mas ao invés de agir, permaneceu imóvel, choroso. Fraco.
Não sabia como abordar o assunto do assassinato com Kyle, não
fazia ideia. Porém algo assim não podia ser ignorado.
Algo precisava ser feito, mas o quê?
Capítulo 29

Conforme as horas correram, a madrugada veio e partiu. Kyle


sequer conseguiu fechar os olhos por mais de alguns minutos, pois o aperto
em seu peito não dava trégua.
Assim que o sol surgiu entre as nuvens, muitos funcionários
começaram a preencher os corredores da casa central, indo e voltando do
jardim, enquanto faziam tudo o que podiam para finalizar a organização do
grande evento. Kyle, por outro lado, levantou-se da cama muito mais tarde
do que o usual. Estava com o corpo febril, a pele oleosa e os olhos ardiam,
vermelhos e marejados.
Apesar de ter matado um homem no dia anterior, tinha a total
certeza de que não se sentia doente por causa daquilo. Estava doente de
amor; da terrível sensação de que estava prestes a assumir definitivamente a
realidade que tanto temeu durante a vida inteira.
Ao se afastar da cama, olhou-se no espelho e tocou a própria pele.
Parecia tão horrível e sem vida que era basicamente impossível ver aquele
reflexo pútrido sem sentir o estômago embrulhar em uma mistura de nojo e
pavor.
— Kyle, bom dia... — Arthur entrou no quarto sem bater. Seus
sapatos se chocavam contra o piso conforme ele caminhava, fazendo um
tec, tec, tec ritmado que preencheu todo o ambiente. — Eu não podia
esperar que você me desse a permissão para entrar, os funcionários não
param de caminhar pelos corredores. Todos já estão comentando que você
não parece muito animado acerca do evento. Como dormiu? Precisa se
preparar ou os comentários só irão se multiplicar. Depois de ontem, estou
com medo de que...
— Ora, cale-se! Não conheci você com tamanho talento para a
hipocrisia, céus! — Ao gritar, Kyle deu um soco contra o espelho. Com o
susto, Arthur deu dois pulinhos para trás e começou a tremer tal um
cachorrinho assustado. — Como você é capaz de pedir para que eu me
arrume? Eu matei o seu pai por você, diabos! Como ousa me entregar dessa
forma nas mãos de alguma mulher qualquer?
Ainda tremendo, Arthur avançou na direção de Kyle e, com os
punhos cerrados, tentou acertá-lo com socos. Lágrimas escorriam por seus
olhos repletos de dor e medo.
— Como eu ouso? Eu quero o seu bem, maldito idiota! — ele
esbravejou. Sua voz esganiçada retumbava nos ouvidos de Kyle. — Pare de
agir como se fosse capaz de tudo por mim. Nós sabemos que nem mesmo
tudo seria o suficiente. Não para o destino que nos espera. Então deixe a
inconsequência ao menos uma vez em toda a sua vida!
Kyle agarrou os punhos de Arthur, apertando-os com força.
— Não me entende? Não vê que o meu amor por você me
incendeia? — Ele o apertou com ainda mais força. — Onde está a sua
coragem? Você que enfrentou o seu pai, que viveu em um maldito bordel?
Não vejo a coragem que vi quando nos conhecemos!
— Cada vez que te beijo, Kyle, uma parte de mim exala coragem.
Queria que você pudesse perceber isso, eu queria! — Arthur soltou um
soluço conforme falava, chorando como se tudo em sua existência doesse.
Em um rompante rápido e curto, beijou Kyle nos lábios, afastando-se
novamente pouco depois. — Meu beijo exala a coragem de mil exércitos,
por favor, repare e sinta, e não me acuse de algo tão terrível quanto a
covardia!
Kyle até pensou em responder, no entanto não teve tempo, pois a
porta se abriu, expondo-os por completo. Brandon surgiu no quarto com a
aparência tão doente quanto a dele. Naquele instante, ambos se pareciam
quase gêmeos, tamanha a semelhança desesperadora que havia entre eles.
— Óbvio que vocês estariam aqui, juntos. — Brandon fechou a
porta e colocou as duas mãos nos bolsos. Seus cabelos estavam bem
penteados e a barba muito bem-feita. Tais características eram as únicas que
pareciam adequadas, pois todo o resto se apresentava em uma verdadeira
bagunça. Seus olhos estavam tão vermelhos e inchados que pareciam
provenientes de alguma doença infecciosa. Seus lábios pareciam mais finos
e a pele sem vida brilhava em um suor que representava o claro sinal de
quem se notava prestes a enlouquecer. — Kyle, vi que você matou um
senhor ontem. Vi com os meus próprios olhos. Arthur está acabando com a
sua vida, está acabando com quem você nasceu para ser e se tornar. Até
quando permitirá algo assim? Planeja ir ao evento com as mãos ainda
quentes e sujas de sangue?
Brandon olhou para o piso coberto pelos estilhaços do espelho e
Kyle teve a total certeza de que ele viu algo de terrível ali: a imagem de
duque tão quebrada quanto todo o resto.
— Não sou o homem que você pensa admirar, não sou quem você
quer que eu seja. — Kyle empurrou Arthur e avançou rumo ao irmão,
agarrando-o pelas roupas bem moldadas. — Pare de me olhar dessa forma,
eu odeio esse olhar, como se eu não tivesse o mesmo sangue que você,
como se eu...
Kyle parou de falar e o empurrou, quase arremessando-o ao chão.
Em seguida, chutou a mesa e os vasos de porcelana que estavam espalhados
pelo quarto. Destruiu as flores, alguns livros e derrubou uma estante com a
força que ainda lhe restava. Queria destruir tudo, acabar com todo aquele
julgamento.
Porém não importava o quanto gritasse ou lutasse, nada parecia tirar
o peso maldito que pairava em seu coração. Por isso, ajoelhou-se e pegou
um dos estilhaços pontiagudos do espelho.
— Mate-me, maldito irmão traidor, mate-me! — esbravejou com a
voz rouca. Arthur fez menção de se aproximar, mas Brandon o impediu. —
Mate-me e depois acabe com a vida do meu amado também. Faça o que é
necessário, limpe a sujeira de nossa família e do nosso ducado. Faça, meu
irmão! Se me ama, se me quer tão bem quanto anuncia, mate-me! Você é o
certo entre nós, o querido, o amado… Mate-me, pois o único amor que
recebi veio de outro homem tão infeliz quanto eu, então acabe com a
podridão desse acolhimento renegado!
Em silêncio, Brandon pegou o estilhaço das mãos de Kyle, que
sangravam. Com carinho, limpou-lhe as lágrimas e o beijou na testa.
— Mato-te porque foi esse um desejo seu. E que a sua morte traga a
liberdade que você tanto anseia, meu irmão — ele falou ao ouvido de Kyle.
— E que você nunca se esqueça que te admirei mais do que a qualquer
outro nessas terras deixadas por nosso pai.
Kyle fechou os olhos e aceitou o próprio destino.
Capítulo 30

— O duque está morto! — Brandon gritou, horas depois, ao entrar


no salão em que o evento recém havia começado. No mesmo instante, um
silêncio sepulcral se instalou no ambiente e todos olharam na direção dele,
incapazes de acreditar em palavras tão absurdas. — O duque está morto!
Uma grande tragédia aconteceu!
Ele estava suado e com os cabelos bagunçados. Sua aparência, que
até horas atrás já parecia péssima, agora se tornava cada vez pior. Não
lembrava em nada o homem bonito e cheiroso que todos conheciam.
— O que diabos está querendo dizer? — A Duquesa Mãe se
aproximou dele, segurando-o pelo braço. Aos poucos, várias pessoas
cochichavam, curiosas e assustadas. — Não é hora para brincadeiras! Além
disso, Kyle está atrasado. Isso é ideia dele, não é?
— Mãe, Deus sabe o quanto eu queria que algo assim não passasse
de uma brincadeira... — Brandon levou uma das mãos ao rosto, limpando
as lágrimas que escapuliam dos olhos cansados. — Pouco antes do evento,
encontrei o meu irmão se preparando para cavalgar. Ele chegou a comentar
que queria tentar acalmar os próprios pensamentos antes de ser destinado à
mulher certa. Parecia revoltado, agressivo. Eu pedi para que ele não
demorasse, pois...
— Céus, Brandon, não precisa fazer tantos rodeios! — A Duquesa
Mãe praticamente gritou, segurando-se para manter as aparências. — Diga-
me apenas onde ele está!
— Acabaram de encontrá-lo morto entre as árvores da floresta,
recém-devorado por javalis selvagens. — Brandon engoliu em seco,
trêmulo. — Até mesmo o cavalo que ele usou estava morto, minha mãe. A
cena... A cena é horrível, horrível!
Primeiro, a Duquesa Mãe ficou paralisada. Pouco depois, ao
recuperar os sentidos, pôs-se a correr, ignorando todo o resto. Seu vestido
pomposo mais parecia uma amarra que a impedia de se movimentar como
claramente desejava.
Tonta, não reparou na mesa com os cristais. Tropeçou com enorme
impacto, derrubando a bebida para todos os lados. Os sons dos convidados,
que antes eram apenas sussurros, transformaram-se em gritos de horror e
choque.
Ela correu pelo jardim bem decorado, ignorando toda a beleza dos
preparativos. Chamava pelo nome do filho mais velho, segurando o tecido
do vestido com as duas mãos. Brandon, logo atrás, parecia sem fôlego ao
persegui-la.
— Rogo que tente se acalmar, minha mãe. — Ele a puxou pelo
braço, impedindo-a de continuar correndo. — Não posso permitir que fique
nervosa ao ponto de sofrer algum tipo de mal súbito. Por favor, mamãe, não
vá até lá, posso resolver tudo sozinho e...
— Enlouqueceu? Você acaba de me dizer que o meu filho está
morto, como quer que eu reaja? Como espera que eu fique calma? — Ela se
soltou das mãos dele. — Você é o homem, você quem precisa manter a
calma. Eu sou uma mãe!
— Os convidados pensarão que você enlouqueceu com tanta
histeria. — Brandon se inclinou ao falar: — Precisamos diminuir os danos
de tudo isso, por favor.
A Duquesa Mãe levantou a mão e acertou Brandon com um tapa
estrondoso. Por alguns instantes, ambos permaneceram imóveis, porém
pouco depois ela voltou a se afastar, correndo rumo à floresta.
— Vá, deixo que veja com os próprios olhos! Se não deseja a minha
proteção, que sofra com as consequências! — Brandon esbravejou tal qual
um trovão. — Estou cansado de ter que lidar com tantos loucos em minha
própria família!

A Duquesa Mãe precisou de apenas alguns segundos para encontrar


o corpo do filho. As roupas, claramente dele, estavam rasgadas e mais
pareciam fiapos. O sangue escorria pela terra, como em um ritual de magia
negra.
E, ao pé de uma árvore, estavam os restos mortais estraçalhados,
irreconhecíveis. A cabeça não tinha uma face, as mãos estavam sem os
dedos e uma perna havia desaparecido.
— Kyle, meu Kyle! — A Duquesa Mãe levou uma das mãos ao
peito e inspirou na tentativa de recuperar o ar. — Que Deus me leve no
lugar dele! Primeiro o meu marido e agora o meu filho mais velho! O que
os céus querem de mim? Qual o tamanho do meu pecado para uma dor com
tal grandeza?
Cambaleante, jogou-se no chão e não se importou com o sangue que
sujava seu vestido belíssimo. Lembrou-se de como tratava Kyle, de como o
pressionava; e dentre todas as amarguras, a maior foi pensar que ele havia
partido em um dia infeliz.
— Eu não deveria ter insistido tanto, eu não deveria. — Ela fechou
o punho, dando socos no próprio peito. — Você queria ser livre e eu fiz
tantas insistências!
Aos poucos, tanto Brandon quanto os outros convidados se
aproximavam, assustados. Alguns vomitavam, outros corriam para longe.
— Mamãe, por favor, venha comigo. — Brandon se inclinou para
levantá-la. — Os convidados estão vendo tudo isso.
— Se você partir, não me restará mais nada. — Ela olhou para o
filho mais novo. — Nada, entendeu?
— Permanecerei, mamãe. Não se preocupe. — Brandon piscou
algumas vezes. A voz trêmula entregava a dor mal guardada. —
Permanecerei ao seu lado e darei o meu melhor para orgulhar o título.
Ao terminar de falar, puxou a Duquesa Mãe para longe.
— Não é comum encontrar javalis selvagens nesta região — ela
disse enquanto tremia nos braços do filho.
— Uma grande tragédia, eu suponho. Algo que nunca deveria ter
acontecido. — Ele estalou a língua. — Precisaremos reunir os... restos do
meu irmão. Ele merece uma despedida adequada.
— Como pode ser tão frio? Como pode falar dessa maneira? Não
são restos, é o corpo dele. É ele!
— Eu sinto muito. — Ele engoliu em seco e voltou a piscar várias
vezes. — Não vê que também estou sofrendo com tudo isso?
A Duquesa Mãe olhou o filho nos olhos e viu. Viu a tristeza, o medo
e até mesmo uma saudade recém-criada.
— Eu vejo, meu filho. Desculpe-me, não quero ser tão dura com
você.
Depois disso, choraram sem dizer mais nada. Foi o suficiente para
ambos.
Capítulo 31

As horas seguintes foram uma verdadeira confusão. Brandon ficou


encarregado de se despedir de todos os convidados, ordenar os funcionários
chocados, preparar o anúncio oficial acerca da morte de Kyle e ainda pensar
nos passos que viriam nos próximos dias.
A Duquesa Mãe, fragilizada, não fazia nada além de chorar, deitada
na cama enquanto alimentava a própria culpa por ter inflamado tantos
conflitos com o falecido filho.
Ela decidiu reagir somente durante a noite, quando Brandon clamou
que fosse vê-lo no escritório.
— O que deseja falar comigo? — Ela parecia já não ter a mesma
personalidade imperiosa de sempre. Seu tom de voz estava sussurrado e a
postura passava a impressão de que seu corpo havia diminuído de tamanho.
— Os meus pensamentos não estão organizados o suficiente para que eu
decida coisa alguma.
— Precisamos dispensar os funcionários mais próximos de Kyle, os
que estavam sempre tão perto dele. — Brandon uniu as duas mãos. Sentado
na cadeira que antes pertencia ao irmão, falava de maneira distante e
autoritária. — Não é adequado mantermos tais memórias tão vivas em
nossa casa. Seria doloroso para nós.
— Ele não era próximo de muita gente. Para que se preocupar com
algo assim agora? — A Duquesa Mãe limpou o nariz com o lenço que
segurava. — Kyle vivia isolado no próprio mundo, todos sabemos disso.
— Há aquele magricela... Arthur Wilkins. Estavam sempre juntos,
eram bons amigos apesar das diferenças sociais. Agora que o meu irmão
está morto, os serviços do jovem se tornam quase irrisórios. Ele nunca se
encaixou muito bem entre os funcionários, devemos concordar. — Brandon
deu de ombros. — Só consigo pensar nele agora. Se existirem outros tão
próximos, também tratarei de dispensá-los. Também precisaremos esvaziar
o quarto principal e adicionar o meu quadro à parede da recepção de nossa
casa.
— Você sempre sonhou com isso, não é? Agora que Kyle não está
no caminho, deseja fazer com que todos se esqueçam que um dia ele foi um
duque. — Ela cerrou os punhos e mordeu o lábio inferior. — A sua atitude
não é infundada, admito. É apenas difícil pensar com tamanha praticidade.
Não sente pelo seu irmão?
— Entre todos, suponho que eu seja o que mais sinta, minha mãe.
Ele era o homem que eu mais admirava. — Brandon se recostou contra a
cadeira e fechou os olhos por alguns segundos. A Duquesa Mãe não
demonstrou desconforto com a atitude e permitiu que o silêncio imperasse
no escritório.
Durante o instante em que não falou nada, Brandon voltou para o
momento em que viu Kyle pela última vez. E sorriu.

— Mato-te porque foi esse um desejo seu. E que a sua morte traga a
liberdade que você tanto anseia, meu irmão — ele falou ao ouvido de Kyle.
— E que você nunca se esqueça que te admirei mais do que a qualquer
outro nessas terras deixadas por nosso pai.
— O que está dizendo? — Arthur gritou, por fim tomando uma
atitude. — Seria capaz de matar o seu próprio irmão? O mesmo que você
sempre demonstrou amar tanto?
Brandon soltou uma gargalhada e se virou para Arthur, dando-lhe
um leve tapa no rosto.
— Não seja tolo, rapaz. Sou covarde demais para matar alguém,
principalmente alguém que tenho em tão alta estima. — Ele levantou o
estilhaço de vidro e o observou fixamente, acertando o irmão mais velho no
braço logo em seguida. — Precisarei matar Kyle através de uma mentira,
pelo bem de vocês.
— O quê? — Arthur fez uma expressão engraçada de quem não
parecia estar acompanhando as palavras de Brandon, tampouco a atitude
violenta e repentina. — Pare com tamanha loucura!
— Você parece ser o mais maluco entre todos nós, Brandon! — Kyle
abriu os olhos e se afastou, ainda com uma aparência de pura derrota. Seu
braço começou a sangrar abundantemente. Com a dor, permaneceu no
chão, pois não tinha forças. Queria apenas que o irmão terminasse o que
tinha a dizer e que sumisse dali. — Se não tem a coragem necessária para
acabar com a minha infelicidade, então vá embora! Deixe-me agir por mim
mesmo!
Brandon se sentou na cama, cruzou uma das pernas e voltou a
sorrir. Quando começou a falar, parecia quase em transe:
— Gritarei no evento que você, o duque, está morto. Será um
choque. Todos irão se perguntar o que poderia ter acontecido. Como ele
morreu? Como uma família pode ter tamanha tragédia? E eu responderei
com muita tristeza que o meu pobre irmão mais velho foi atacado por
javalis selvagens. Chorarei como quem chora por uma dor real, utilizarei
todos os meus dotes de um grande admirador do trabalho de William
Shakespeare. Será dramático, como uma cena teatral, já posso imaginar.
Céus! Confesso que já sonhei em me entregar às artes certa vez, porém
tamanha liberdade não seria para mim. Bem, estou divagando, sinto-me
como um herói, mas voltemos... Será um mistério descobrir como tais
animais surgiram em nossas terras, mas é assim que a natureza funciona —
Brandon falava com orgulho, a voz muito mais firme e grossa do que o
usual. Passara a noite inteira organizando o próprio plano, buscando
formas de resolver tudo. Queria que Kyle o admirasse grandemente, sempre
ansiou por isso. — Durante essa época do ano, os javalis estão famintos e
ficam desesperados, violentos. Inclusive, assim que acordei, fui à floresta
para atraí-los. Kyle, preciso das suas vestes e que derrame um pouco mais
do seu sangue nelas. Não temos muito tempo.
Kyle, ainda no chão, ficou boquiaberto. Por uma quantidade de
tempo quase desconfortável, todos permaneceram em silêncio enquanto as
palavras de Brandon se assentavam de alguma maneira.
— Você usará o corpo do meu pai para fingir que Kyle morreu —
Arthur disse, por fim. — Quer que a gente fuja e que Kyle abandone o
ducado.
— Ora, então agora as cabecinhas pensantes estão me
acompanhando! Brilhante! — Brandon bateu palmas. — Os javalis irão
devorar o corpo do seu pai, deixando-o irreconhecível. Algo assim é
improvável de acontecer naturalmente, mas não impossível. Ou seja, a
ideia é plausível. Ficarão apenas as roupas rasgadas e o sangue fresco de
Kyle misturado ao velho. Ninguém investigará, será uma morte facilmente
aceitável.
Kyle se levantou em um pulo e, como nunca, abraçou Brandon,
beijando-lhe a bochecha.
— Eu amo você, meu irmão. Amo-te como os girassóis amam os
raios de sol! — Voltando a brilhar aos poucos, Kyle o beijou e o abraçou
várias vezes. — Você é um gênio, céus!
— Não precisam me agradecer, porém não me suje com o seu
sangue! Comecem a se preparar. Quando tudo acontecer, Kyle precisará
partir sozinho. — Brandon apontou para Arthur. — E você... irá depois,
quando eu te expulsar na frente da Duquesa Mãe.
E assim aconteceu.
Após o pouco tempo de silêncio, Brandon ordenou que Arthur
também fosse ao escritório.
— Minha mãe, concorda que o jovem já não tem motivos para
permanecer, correto? — ele perguntou com a voz encorpada, sem
possibilitar qualquer tipo de questionamento. — Concorda que ele nunca
fez nada além de correr atrás do amigo e que agora não há motivo algum
para que permaneça em nossas terras?
— Ora, um funcionário inútil a mais ou a menos não faz diferença.
Nunca o vi trabalhando apropriadamente, de fato. Inclusive, conversa mais
do que faz! — Com o lenço em uma das mãos, a Duquesa Mãe dispensou
Arthur com certo desdém. — Vá embora. De fato, olhar para você faz com
que o meu coração se quebre novamente. A sua presença me traz
lembranças do meu filho.
— Então vá embora, jovem Wilkins. Nossa família já não precisa
dos seus serviços. — Brandon o empurro com uma das mãos. — Vá!
Tremendo da cabeça aos pés, Arthur apenas assentiu. Antes de
partir, parou perto da porta e se virou na direção do novo duque.
— Obrigado — disse sem liberar som algum.
Brandon semicerrou os olhos e transmitiu tudo o que queria dizer
através do próprio olhar, desejando ardentemente que tanto Kyle quanto
Brandon encontrassem um lindo final feliz.
Capítulo 32

Com as poucas coisas que tinha, Arthur correu até as suas pernas
fraquejarem. Enquanto dava um passo após o outro, não pôde deixar de
refletir acerca do fato de que estava se tornando um profissional em
recomeçar.
E já estava cansado disso.
Almejava apenas uma vida tranquila, repleta do tipo de paz que só
conseguia encontrar quando permitia que seus pensamentos se esquecessem
do mundo e focassem apenas na beleza de Kyle, seu amado.
O vento espiralava forte, contornando todo o corpo magricela.
Porém, ele não tinha medo. Aquela era a primeira vez em que fugia sem
temer, pois sabia que logo adiante teria alguém ao seu lado, alguém com
quem poderia contar.
Conforme os pensamentos giravam em sua mente, foi impossível
conter as lágrimas. Lembrou-se da mãe, das bonecas de porcelana e em
como seu pai destruiu tudo sem remorso algum.
Foram muitas as vezes em que tentaram destruí-lo apenas por ser
quem era. Kyle foi o primeiro que, através de um olhar repleto de
delicadeza, teve a coragem de propor o contrário.
Com a destruição de tudo, incluindo a do próprio título de duque,
Kyle aceitou a missão de reestruturar cada detalhe que esteve fora do lugar
por tanto tempo. Por essa razão, as lágrimas escorriam. Porque a esperança
era bonita, intensa, preenchia tudo em seu peito, em seu corpo, em seus
músculos. Tanto que quanto mais corria, mais queria correr.
Ao longe, avistou a silhueta de um cavalo e em seguida a de um
homem. Tratava-se de Kyle. As estrelas e os fios prateados da lua o
iluminavam, transformando-o em algum tipo de ser enviado pelo próprio
Deus.
Assim que chegou perto o suficiente, Arthur abriu os braços e se
atirou em Kyle. Havia chegado, por fim, em seu verdadeiro lar. Em seu
porto seguro.

Kyle agarrou Arthur e o abraçou com toda a força que tinha. Por
breves segundos, temeu até mesmo romper os ossos do corpinho tão magro.
Como poderia ser diferente? Queria se fundir a ele, queria que se
transformassem em um só.
Na verdade, depois daquele dia tão complicado, talvez já tivessem
se fundido, de fato. Estavam renascendo, carregavam as mesmas essências e
os mesmos desesperos, então não seria loucura afirmar que nunca mais
teriam a possibilidade de romper o fio que os entrelaçava. Estiveram juntos
na morte e agora permaneceriam no mesmo caminho em vida.
— Pensei que não chegaria nunca! Fiquei com tanto medo de que
tudo desse errado. A minha mente não parava de divagar, ponderando
acerca da sua chegada. E se descobrissem o nosso plano? E se nos
acusassem de sodomia? — Kyle soluçou, acariciando o rosto de Arthur. —
Eu te amo tanto que pensar em tantas tragédias me estarreceu mais do que o
medo de perder a minha própria vida.
Aquele era um desabafo de amor. Uma confissão desesperada. Pela
primeira vez em um longo tempo, era possível respirar aliviado e com o
peito mais leve. Aos poucos, os tremores nervosos do seu coração davam
lugar às batidas aceleradas de alegria.
Lentamente, as mãos ariscas do título desapareciam como fumaça,
deixando de atá-lo e impedi-lo de respirar. Agora, bastava inspirar
profundamente para sentir o ar limpo, sem o maldito cheiro ocre do peso de
todo um legado que costumava pairar em sua existência até então.
— Estamos livres, meu amor, livres! — Arthur praticamente gritou.
— Ninguém desconfiou, nem mesmo tentaram questionar o corpo atacado
pelos javalis selvagens. Os membros da alta sociedade parecem estar
horrorizados com tal ataque e planejam reforçar a segurança das próprias
terras. Creio que causamos uma grande revolução!
— Já posso imaginar, nos livros de história, a menção de que em
algum momento desse maldito país, a alta sociedade decidiu se proteger dos
javalis selvagens através da construção de muros. Céus, Brandon foi um
gênio. — Kyle fez uma pequena pausa e pigarreou. — E como está a
mamãe?
— Arrasada! Tomando como base as expressões desoladas no rosto
dela, parece muito arrependida dos conflitos que criou com você. — Arthur
abriu um breve sorriso. — Planeja voltar a vê-la no futuro?
— É claro que não! A minha mãe foi uma das maiores causadoras
da minha infelicidade. Não há motivo algum para futuramente arriscarmos
o nosso plano. — Kyle se afastou de Arthur e caminhou até o cavalo. —
Vamos, precisamos partir antes que fique muito tarde.
Brandon havia disponibilizado um pedaço de terra em uma área
distante das regiões centrais do ducado. Lá, não precisariam se preocupar
com visitas inesperadas ou com reconhecimentos inoportunos. Seu irmão
mais novo, embora tão sem experiência, não deixou nenhum detalhe fora de
lugar.
— Espero que este seja o meu último recomeço — Arthur disse
antes de se apoiar em Kyle para montar no cavalo —, quero apenas ser
feliz.
As palavras chegaram ao ouvido de Kyle quase como um clamor.
Ele as entendia, pois — ainda que não tivesse passado por muitos
recomeços durante a vida — havia oferecido tudo o que tinha em nome do
amor que sentia por Arthur. Cada vez que pensava sobre a incerteza do que
estava por vir, suas pernas tremiam. Contudo, em seu peito — em sua alma
— algo lhe dizia que seria impossível agir de outra forma.
Sua existência exalava amor. Em todos os seus mistérios e pecados,
incitações e renúncias. Seria impossível existir preso à covardia do não
partir. Portanto, partiria. Com a cabeça erguia, satisfeito. Sem ponderar.
Apenas com a certeza de que daria o melhor que pudesse; tudo de si.
— Eu prometo, Arthur, que a sua felicidade começa agora. — Kyle
também montou. Pouco depois, agarrou o amado pela cintura firmemente
com uma das mãos. — Felicidade e amor é tudo o que tenho para te
oferecer.
— E assim eu recebo com gratidão tudo o que você me oferece. —
Arthur se recostou contra o peitoral de Kyle. — Assim como te ofereço
tudo o que tenho. Eu amo você, meu duque degenerado.
— Duque? Não me ofenda dessa maneira! Chame-me apenas de seu
amor! — Kyle soltou uma gargalhada suave. — Eu amo você, meu lar.
— Meu amor, não te chamarei de outra coisa além disso… —
Arthur respondeu baixinho: — Meu amor, meu amor, meu amor...
Conforme o cavalo trotava na noite iluminada pela lua, Kyle e
Arthur fugiram rumo à felicidade. E a encontraram.
Epílogo

Anos depois...

Kyle agora sabia o que era liberdade. Depois de tanto buscar,


conseguira tocá-la e saboreá-la, e desde então... bem, não parava de
agradecer. Agradecia pelo pequeno pedaço de terra em que se alojara, pela
casa com poucos cômodos, pela plantação minúscula e até mesmo pelas
refeições sem muita pompa. Para ele, aquilo era viver de verdade. Mas
dentre tantos motivos para agradecer, o maior deles era o amor que nutria
por Arthur.
Na sociedade, os mais velhos tinham a tradição de afirmar que o
sentimento se esvaía após o costume e o desinteresse adentrarem na rotina
de um casal. Não foi o que aconteceu com Kyle. Conforme o tempo passou,
os encantamentos apenas se multiplicaram.
Faziam tudo juntos, desde o amanhecer até o fim do dia, quando a
lua surgia no céu. Odiavam estar afastados um do outro e, na vida simples
que criaram, permaneciam unidos.
Se fosse minimamente religioso, Kyle seria capaz de afirmar com
todas as letras que um Deus, em toda Sua bondade e perfeição, criara
Arthur apenas para que o ato de viver não parecesse tão terrível.
E, de fato, já não era.
Naquele fim de tarde, após descascar alguns legumes recém-
colhidos que logo seriam utilizados para uma deliciosa sopa no jantar, Kyle
se sentou na pequena poltrona e puxou Arthur pela mão, obrigando-o a se
jogar em seu colo.
— Pare de andar de forma tão esbelta. Não estou conseguindo me
concentrar nos meus últimos afazeres do dia, céus! — Kyle abriu um
sorriso, brincalhão. Tratava-se de um sorriso não calculado. Leve e bonito.
Se antes sua aparência e personalidade se assemelhavam ao de um
demônio e seus pecados, agora ele parecia um anjo. Brilhante, sem amarras,
totalmente apto a abrir as próprias asas e voar para onde bem entendesse.
Bastava olhá-lo por poucos segundos para perceber o poder de um amor
saudável agindo em suas moléculas.
— Não faço de propósito. — Arthur retribuiu o sorriso. Ele também
estava diferente, tanto em aparência quanto em personalidade. Seu corpo,
antes tão magro e frágil, cresceu com músculos firmes e poderosos. Agora
que podia se alimentar bem e sem temer a pobreza, crescia como um
jovenzinho em desenvolvimento tardio. Embora continuasse menor do que
Kyle, chamava a atenção pelos membros muito bem formados.
E o que dizer de sua personalidade? Tornou-se sedutor como
ninguém. Adorava enlouquecer Kyle, não importava o momento.
Pensando bem, ambos se transformaram nas melhores versões que
podiam.
— Rasgarei as suas roupas e te darei uma lição, pois... — Kyle
começou a puxar os tecidos de Arthur, mas foi interrompido ao ouvir os
sons do galope de um cavalo se aproximando.
Sequer precisou ir até a janela para saber de quem se tratava.
Brandon, como sempre, surgia sem avisar. Vinha com o vento e partia da
mesma maneira. Encontrava ali, naquele irrisório pedaço de terra, um
segundo lar.
Nunca se distanciou do irmão.
— Deixe para rasgar as minhas roupas em outro momento, Kyle. —
Arthur deu um pulo, colocando-se de pé. — Seu irmão acaba de chegar.
— Isso percebo. — Kyle soltou um suspiro exasperado e correu
para abrir a porta.
Após os últimos anos, Brandon já não parecia jovem demais,
tampouco inocente. Exalava toda a energia necessária para assumir um
ducado. Kyle sentia o coração acelerar cada vez que o via. Aquele era um
duque de verdade, em cada detalhe, cada movimento. Brandon havia
nascido para tal papel.
— Vim para um chá! — Ele entrou, tirando as luvas de montaria. —
Céus, é difícil abandonar tudo para vir ver vocês. Já faz tanto tempo desde
que estive aqui! Quando foi a última vez... mês passado?
— Foi ontem. A última vez foi exatamente ontem. — Kyle fechou a
porta, revirando os olhos. — Acho que você tem dependência emocional
em mim, meu irmão.
— Ah, sem dúvidas. — Sem temer demonstrar afeto, Brandon pulou
no irmão mais velho e o abraçou, exatamente como sempre fazia cada vez
que chegava para uma visita. — Tenho atualizações sobre a adorável moça
que conheci.
Para a loucura da Duquesa Mãe, Brandon ainda não havia se casado
como prometera. Pulava de mulher em mulher, sempre se cansando pouco
tempo depois. Aquilo divergia, e muito, de sua personalidade inicial. Mas
agora todos estavam diferentes, afinal de contas.
Inclusive, segundo os relatos de Brandon, a própria Duquesa Mãe
havia se transformado em uma mulher um pouco menos tensa.
Aparentemente, seus maiores medos sempre estiveram ligados às
inadequações de Kyle. Agora que ele já não estava, a paz parecia reinar em
seu espírito.
— Qual delas? — Kyle deu dois tapinhas no braço de Brandon. —
São muitas! Preferia quando você era virgem e tinha medo do órgão
reprodutor feminino te morder.
— Foi você quem me introduziu ao mundo das mulheres, esqueceu-
se? Pois bem, falarei sobre tudo, mas primeiro, deixe-me cumprimentar o
meu querido Arthur! — Brandon também o puxou para um abraço —
Como está? Parece-me mais musculoso do que ontem!
— Ora, que bondade a sua! — Arthur soltou uma gargalhada e
começou a caminhar na direção da cozinha. — Sentem-se os dois, irei
preparar o chá. Mais tarde também haverá sopa, caso deseje ficar.
— Prepare o meu prato extra. — Brandon se sentou na poltrona. —
As refeições com vocês são sempre mais deliciosas!
Kyle se sentou na outra poltrona ao lado do irmão, cruzou uma das
pernas e o olhou atentamente.
— Estou pronto para ouvir a sua nova aventura romântica.
— Pois bem, meu irmão, como eu dizia, deve se lembrar da minha
nova moça. Filha de um barão, suponho. Dessa vez, ela há de ser diferente
de todas as outras, eu juro... — Brandon pôs-se a falar incansavelmente
pelos próximos minutos.
Kyle ouviu tudo com afinco, sem perder nenhum detalhe. Em meio
a tantas palavras e ilusões românticas, não pôde deixar de pensar no quanto
o amava.
Amava aquela casa, o marido e o irmão. Amava as terras, a vida.
Amava tudo ao redor. Amava a liberdade, simplesmente amava. Que
bondade a do universo permiti-lo ter tantos amores!
Gosta de ler histórias intensas? Então não deixe de ler o próximo
lançamento do autor Jhonatas Nilson!
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Um dia no verão

Eles queriam apenas aprender a existir sem ter medo...


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conservador, precisa ocultar os próprios sentimentos. Mesmo oprimido,
acredita que nasceu para amar. O grande problema, no entanto, é que ele
ama a pessoa que o levará direto para a morte.
Mark Jones ainda não aprendeu a lidar com seus instintos
explosivos. Quando tudo ao seu redor desmorona, não há nada a ser feito
além de lutar furiosamente pela vida. Ou, talvez, apenas desistir seja o
suficiente.
Paul Hall ama em silêncio e sozinho, sem nunca conhecer a
reciprocidade. Com uma existência marcada por abandonos e desprezo,
busca o acolhimento nas pessoas erradas. E isso poderá lhe custar tudo.
Em Um dia no verão, acompanhe a trágica jornada desses três
melhores amigos em busca de uma liberdade impossível!
Atrás de você

Clement Davison é o tipo de homem que odeia inibições e não


hesita em se jogar nas fantasias sexuais mais ousadas. Tamanha liberdade
nem sempre existiu, pois ele passou anos tentando seguir as regras rígidas
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para se arriscar como bem entende.
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deixa entreaberta a porta do apartamento em que mora, aguardando a
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arriscado. Mas o que parecia ser apenas uma aventura movida por luxúria
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prepara-se para uma mistura arrebatadora de tensão, sensualidade e caos!
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Em um enredo transpassado por encontros e desencontros, tragédias
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Juntos e tendo apenas as estrelas como testemunhas, Chanwook e
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turbilhão de emoções singelas.
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