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XIX ENDIPE

FACED/UFBA, 2018

Didática
abordagens teóricas contemporâneas
Volume 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira
Assessor do Reitor
Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Ninõ El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
XIX ENDIPE
FACED/UFBA, 2018

Didática
abordagens teóricas contemporâneas
Volume 1

Marco Silva
Cláudio Orlando Costa do Nascimento
Giovana Cristina Zen
organizadores

Salvador
Edufba
2019
2019, Autores.
Direitos dessa edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil desde 2009.

Capa e Projeto Gráfico


Vânia Vidal
Foto de Capa
Bhruno Quadros
Revisão e Normalização
Juliana Roeder e Jade Santos

Sistema de Bibliotecas – UFBA

Didática : abordagens teóricas contemporâneas / Marco Silva,


Cláudio Orlando, Giovana Zen (organizadores). - Salvador :
EDUFBA, 2019.
336 p. - (XIX ENDIPE, 1).
XIX Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino,
Salvador, Bahia, 3 a 6 de setembro de 2018.
ISBN 978-85-232-1912-3
1. Didática. 2. Educação - Finalidades e objetivos. 3. Professores -
Formação. 4. Educação e Estado. I. Silva, Marco. II. Nascimento,
Cláudio Orlando Costa do. III. Zen, Giovana. IV. Encontro Nacional
de Didática e Práticas de Ensino (19 : 2018 : Salvador, BA).

CDD – 371.3

Elaborada por Evandro Ramos dos Santos CRB-5/1205

Editora afiliada à

Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo
s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br
[email protected]
SUMÁRIO

Apresentação 09

parte 1
didática na contemporaneidade
rupturas e perspectivas

As ondas críticas da didática em movimento 19


resistência ao tecnicismo/neotecnicismo neoliberal
Selma Garrido Pimenta

Renovar a didática crítica 65


uma forma de resistência às práticas pedagógicas
instituídas pelas políticas neoliberais
Maria Amélia Santoro Franco

Recursos educacionais abertos 89


desafios para a didática na cibercultura
Edméa Santos
Tatiana Stofella Sodré Rossini

Cibercultura e violência 109


proposições de um projeto de extensão a partir
da didática intercultural contra o ódio nas redes sociais
Telma Brito Rocha
parte 2
arte e ludicidade
novos caminhos didáticos

Formação estética de professores 125


tessituras sobre infâncias, artes e educação
Cilene Nascimento Canda

Em busca da pedagogia lúdica 141


como brincam os professores que brincam
em suas práticas pedagógicas?
Tânia Ramos Fortuna

Didática na educação infantil 175


perspectivas e desafios
Marineide de Oliveira Gomes

Aprendizagens e desaprendizagens na
docência pela experiência estética 189
outros movimentos e tensões no cotidiano educacional
Valeska Maria Fortes de Oliveira

parte 3
didática , metodologias
e práticas inovadoras

Por uma didática aberta, de par em par 217


Adriana Rocha Bruno

Tempo, espaço e práticas pedagógicas 233


Marcos Tarciso Masetto

Didática encarnada 257


engajamentos docentes na licenciatura
Marco Silva

Educação intercultural e práticas pedagógicas 275


Vera Maria Candau
Diversidade cultural e educação 289
outros olhares e implicações metodológicas
na pesquisa e no ensino
Cláudio Orlando Costa do Nascimento

Corpos e educação física 305


por uma educação sociocorporal
Sílvia M. Agatti Lüdorf

Sobre os autores 331


APRESENTAÇÃO

A crise paradigmática e a emergência de novos conceitos e valores na


contemporaneidade não deixam passar incólume a universidade. Em
tempos de revolução científica e tecnológica, ritos, saberes e modos de
intervenção social vêm sendo amplamente questionados, como também
despertado valores e outras sociabilidades que precisam ser investigadas e
trazidas à baila na educação. Assim como as questões históricas que atra-
vessam o fenômeno educativo e as práticas sociais da educação editam
eras que fazem emergir situações políticas que necessitam de reflexão
e enfrentamento. As reformas educacionais implantadas desde 2017, no
Brasil, como a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e no seu
bojo a reforma do ensino médio e o projeto “Escola sem partido”ameaçam
a autonomia docente, a educação pública de qualidade, configurando um
cenário de grande retrocesso político.
“Para onde vai a didática? O enfrentamento às abordagens teóricas e
desafios políticos da atualidade” foi o tema escolhido para o XIX Encontro
Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ENDIPE), sediado em Salvador,
Bahia, no período de 3 a 6 de setembro de 2018, promovido pela Faculdade
de Educação da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em parceria com
outras universidades baianas – Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS), Universidade do Estado da Bahia, UNEB, Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB) e Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Com este tema gera-
dor e eixos temáticos subsequentes, discutiu-se diferentes formas de se in-
terpretar o fenômeno da educação e do ensino, do currículo, das concepções
pedagógicas e didáticas, com o fito na proposição de uma educação crítica
emancipatória. Práticas educativas e as políticas educacionais que necessi-
tam de enfrentamento, no momento presente e no futuro, foram ampla-
mente discutidas e alternativas de solução aventadas. Com efeito, buscou-se
divulgar pesquisas, estudos, experiências sobre a didática, docência, sabe-
res docentes e formação de professores, no entrecruzamento de múltiplos

9
olhares sobre o contexto atual, seus desafios, embates, enfrentamentos e
implicações na educação básica e educação superior. Confrontamos paradig-
mas, criando espaços de interlocução e trabalho cooperativo entre as insti-
tuições e as pessoas.
Este Livro 01 trata, pois, das abordagens teóricas da didática na atua-
lidade num cotejamento entre o que foi a didática num passado ainda re-
cente, no presente e também no futuro. Abordagens didático-pedagógicas
conservadoras ainda reinantes, como as de matriz conteudista transmissio-
nal, foram debatidas e checadas quanto a sua eficácia em tempos de pro-
fundas mudanças sociais, políticas e econômicas. Exemplares importantes
se fazem notar desde a emergência das novas tecnologias da informação e
comunicação que trouxeram, no seu bojo, uma linguagem singular, efême-
ra, sintética, num pensar diferenciado e em outras sociabilidades.
Além disto, vivemos imersos numa grande crise cataclismática ociden-
tal que nos faz reviver, entre atônitos e perplexos, uma reviravolta conserva-
dora no plano social e político sem precedentes na história. Um sentimento
misto de déjà vu e perplexidade se nos acomete e o medo ante a perda de
conquistas sociais importantes num país ao mesmo tempo gigante e apeque-
nado. Teimamos em resistir.
Uma didática critica, de caráter emancipatório ressurge desde que
foi posta em questão em idos dos anos de 1980. Novas ondas, no dizer de
Selma Garrido Pimenta, permitem-nos surfar e entrever as possibilidades
de ressignificação da didática. Assim como Maria Amélia Santoro Franco
aposta numa didática crítica renovada.
A didática lúdica oriunda de um linguajear sensível se descortina
acalentada por D’Ávila no texto de Pimenta. A didática encarnada de Mar-
co Silva ganha sopro vital e aposta na interatividade, interlocução, diálogo,
interatividade, conectividade, e compartilhamento num novo cenário so-
ciotécnico. Edmea Santos aposta em recursos educacionais abertos que
desafiam a didática na cibercultura. Canda, Lopes e Fortuna acreditam na
força da arte e da ludicidade como linguagens necessárias a estes novos
enfrentamentos. Experiência estética (Fortes), didática aberta associada à
cultura digital (Bruno), além de questões como a interculturalidade e a

10 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


educação do corpo são urgentes e olhares são lançados para necessidades
emergenciais da juventude que não mais se compraz com discursos e prá-
ticas empoeiradas. Tudo isto nos faz antever projeções didáticas para um
futuro incerto, porém atento às diferenças, às singularidades, ainda que
malfadadas as reformas educacionais de cunho neoliberal extremamente
conservadoras que paradoxalmente teimam em ressurgir neste anacrônico
contexto político brasileiro.
É diante, pois, desta perspectiva eivada de contradições que engen-
dramos um pensar didático diferenciado pronto para munir cérebros pen-
santes capazes de confrontar os inusitados paroxismos político-educacio-
nais que a todo momento nos surpreendem.
A parte 1 do livro, “Didática e contemporaneidade: rupturas e pers-
pectivas”, reúne quatro textos. O texto inicial é de Selma Garrido Pimenta.
Em análise que dialoga com o materialismo histórico dialético, as teorias
críticas e pós-críticas da educação e teorias da pós-modernidade, a autora
examina a produção dos últimos 40 anos de autores brasileiros do campo da
didática preocupados com a volta do tecnicismo e os entraves criados para a
formação do pensamento crítico dos estudantes. No artigo “As ondas críticas
da didática em movimento: resistência ao tecnicismo/neotecnicismo neoli-
beral”, ela demonstra que a área da didática não está alheia aos movimentos
da ideologia neoliberal e de redução do saber docente à utilização de técnicas
e aplicação de programas elaborados pelo mercado.
Em “Renovar a didática crítica”, Maria Amélia Santoro Franco analisa
os impactos das políticas neoliberais sobre a didática e propõe a organização
de práticas de resistência. Segundo a autora, as políticas neoliberais têm in-
vadido as práticas pedagógicas, tirando-lhes o sentido e a autonomia. Para
reverter esse quadro, baseada nos fundamentos da teoria crítica e de pesqui-
sas recentes, sugere a criação da Didática Crítica Renovada (DCR), com a
utilização dos pressupostos teóricos que fundamentam a Pedagogia Crítica.
Qual o papel da didática na cibercultura? Em “Recursos educacio-
nais abertos: desafios para a didática na cibercultura”, Edméa Santos
responde com um anseio antigo – promover a equidade e o acesso de
todos a uma educação livre e de qualidade – e um caminho novo, a cons-

apresentação 11
trução colaborativa e o compartilhamento de Recursos Educacionais
Abertos (REA) para a promoção da autoria e a formação de professores.
“Com atividades que promovam a pesquisa, a produção e o compartilha-
mento de REA”, ela sugere, “poderemos contribuir para a divulgação da
filosofia de abertura dentro e fora das escolas, favorecendo a formação
de sujeitos-autores capazes de colaborar na construção de materiais di-
gitais de qualidade”.
A escola e a sociedade devem combater o assédio sexual, a pornografia
infantil, o tráfico e exploração sexual de crianças e adolescentes e às mensa-
gens de ódio contra minoria observados na internet. No texto “Cibercultura
e violência: por uma didática intercultural contra o ódio nas redes sociais”,
Telma Brito Rocha aciona os estudos da didática para essa temática emer-
gente. Apresenta os resultados de um projeto realizado numa escola de Sal-
vador, Bahia, que, utilizando as tecnologias de informação e comunicação e
software livre, preparou crianças e adolescentes a identificar e enfrentar os
crimes do ciberespaço.
“Arte e ludicidade: novos encaminhamentos didáticos” é o tema da
parte 2, que é composta de cinco artigos. O texto incial é de Cilene Nasci-
mento Canda. Um convite para quem deseja refletir sobre a constituição
de espaços/tempos de experiência estética da infância à vida adulta na uni-
versidade. Assim deve ser entendida “Formação estética de professores:
tessituras sobre infâncias, artes e educação”, a contribuição da autora para
este volume. O texto analisa os sentidos atribuídos por estudantes de licen-
ciaturas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) à ação formativa Sarau
Infantil Toda Criança é um Poema. Para isso, a autora recorreu à aborda-
gem qualitativa da pesquisa, com inspiração na investigação-formação e
em diálogo com autores e abordagens sobre os fundamentos teóricos da
arte-educação, infância e da educação estética.
Para Conceição Lopes, educar e ensinar envolve um tipo de liderança,
a liderança de serviço. Além de eleger o líder sul-africano Nelson Mande-
la como uma inspiração, em “Educadores e professores, líderes de servi-
ço, ao jeito de Nelson Mandela: mediadores de comunicação e ludicidade
na promoção da aprendizagem e da mudança”, ela reflete sobre o design

12 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


de comunicação e ludicidade coparticipativo com crianças e busca a com-
preensão do que realmente sejam aprendizagem e práticas de mudança,
passo importante na formação de lideranças servidoras.
É possível educar brincando? Tânia Ramos Fortuna acredita que sim.
No texto “Em busca da pedagogia lúdica: como brincam os professores
que brincam em suas práticas pedagógicas?”, ela apresenta resultados de
pesquisa sobre práticas pedagógicas centradas na brincadeira, analisando
trechos de narrativas de professores que, assumidamente, ensinam
brincando. Sua intenção é contribuir para qualificar as ações de formação
na perspectiva lúdica como via para, também, qualificar a escola e melhorar
a vida das pessoas.
Em “Didática na educação infantil: perspectivas e desafios”, Mari-
neide de Oliveira Gomes analisa os resultados de duas pesquisas qualitati-
vas para discutir os desafios e perspectivas para a educação infantil e para
a formação de professores, e a importância da didática nesse processo.
As referidas pesquisas revelaram que, além da invisibilidade das identida-
des e necessidades das crianças pequenas em creches e pré-escolas, falta
uma escuta sensível das crianças e de seus professores nesses estabeleci-
mentos. Para piorar, os cursos de Pedagogia, que formam professores para
a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, têm subvalori-
zado a especificidade da educação infantil.
Uma experiência realizada no âmbito da formação inicial de profes-
sores(as) no curso de pedagogia diurno da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) é o tema do artigo “Aprendizagens e desaprendizagens na
docência pela experiência estética: outros movimentos e tensões no coti-
diano educacional”, de Valeska Maria Fortes de Oliveira. No texto, a autora
discute o potencial do cinema na escola e na formação de professores, e
analisa a experiência de observação e registro do cotidiano da cidade e da
escola como espaços de desaprendizagens do instituído e aprendizagem
de outras formas de sentir e viver. Nesse processo, aprender a gramática do
cinema e documentar os movimentos de ocupações nas escolas públicas e
no espaço universitário foram desafios para a docência.

apresentação 13
A parte 3 reúne cinco artigos sobre “Didádica, metodologias e práti-
cas inovadoras”. O texto inicial de Adriana Rocha Bruno, “Por uma didáti-
ca aberta, de par em par”, relaciona a didática contemporânea ou “didática
aberta” à cultura digital, aludindo aos mitos de Dédalo e de Ícaro para
propor duas perguntas: a) como nossas criações podem nos aprisionar?; e
b) podem nossos sonhos nos cegar? Ela trabalha com os conceitos de edu-
cação aberta, hibridação e cultura digital, fundamentais para uma didática
aberta, cuja prática seja a parceria de par em par. O texto reprocessa dados
produzidos em Portugal na pesquisa do pós-doutoramento da autora, que
narra a experiência da Universidade de Lisboa intitulada Observar e Apren-
der, uma espécie de fórum de formação de professores interdisciplinar.
Para Marcos Tarciso Masetto, a didática requer uma reflexão sistemá-
tica sobre o processo de aprendizagem, que, por sua vez, envolve quatro
grandes áreas de desenvolvimento: cognitiva, afetivo-emocional, habilida-
des e atitudes. Em “Tempo, espaço e práticas pedagógicas”, ele apresenta
essas concepções e uma angústia: como encontrar tempo e espaço adequa-
dos para trabalhar com os alunos essa aprendizagem, com uma carga ho-
rária de disciplina insuficiente? Seu objetivo é discutir projetos curricula-
res e práticas pedagógicas inovadoras, explorando “o tempo e o espaço” de
modo a criarem condições de aprendizagem para os alunos. Ele analisa os
conceitos teóricos de “tempo kairós” e “espaço-cidade” à luz das conside-
rações de Carbonell (2016) e compartilha práticas pedagógicas inovadoras
estudadas em suas pesquisas e utilizadas em sua própria prática docente.
Em “Didática encarnada: engajamentos docentes na licenciatura”,
Marco Silva apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com alu-
nos da disciplina Didática e Estágio Supervisionado (DES), oferecida nas
licenciaturas da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Utilizando a metodologia da pesquisa-formação,
sua investigação relaciona as abordagens comunicacionais de Anísio Tei-
xeira e de Paulo Freire sobre docência na sala de aula presencial com as
abordagens de teóricos da cibercultura sobre docência na sala de aula
semipresencial (b-learning). Em tempos de comunicação docente en-
volvendo interação, interlocução, diálogo, interatividade, conectividade,

14 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


compartilhamento, não cabe mais a didática comeniana definida como a
“arte de ensinar tudo a todos”; é preciso substituir a concepção atrelada
apenas a métodos e técnicas para docência por uma didática encarnada
em engajamentos específicos formulados em material para a docência da
referida disciplina.
Para oferecer às crianças e jovens processos educativos que promo-
vam o respeito mútuo, o diálogo e o reconhecimento da dignidade huma-
na, sustenta Vera Maria Candau, é necessário desenvolver uma “educação
intercultural”. Em “Educação intercultural e práticas pedagógicas”, ela
desenvolve uma breve discussão sobre o que entende por educação inter-
cultural e apresenta o mapa conceitual elaborado coletivamente no Grupo
de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Culturas (Gecec) sobre educação
intercultural em uma perspectiva crítica, assim como suas implicações nas
práticas pedagógicas.
“Diversidade cultural e educação: outros olhares e implicações me-
todológicas na pesquisa e no ensino”, texto de Cláudio Orlando Costa do
Nascimento, decorre de estudos e vivências realizadas no campo do cur-
rículo e da formação de professores, transversalizadas por abordagens te-
máticas da diversidade, da educação das relações étnico-raciais, assumidas
como políticas emancipatórias de ações afirmativas e de equidade sociocul-
tural. Baseado em itinerários e bricolagens metodológicas de pesquisas de
cunho qualitativo, apresenta descrições singulares, estratégias, contextos
e atores específicos, e evidencia o caráter experiencial, sem pretensões de
reproduzir narrativas, manuais ou modelos generalistas.
Sílvia M. Agatti Lüdorf, no seu texto “Corpos e educação física: por
uma educação sociocorporal”, pretende compreender as concepções de
corpo que permeiam o campo científico da Educação Física retoman-
do algumas das principais representações de corpo que subsidiam sua
própria constituição no Brasil. Para tal reflexão, utiliza-se a noção de
coletivo de pensamento. Os objetivos são apresentar duas das princi-
pais concepções de corpo que permeiam a Educação Física, bem como
destrinchar algumas das implicações, derivadas da adoção de tais con-
cepções para o campo científico da Educação Física e para a formação de

apresentação 15
professores. Assim, a autora aborda o primeiro coletivo de pensamento,
associado ao corpo biológico e, posteriormente, o segundo, vinculado ao
corpo em uma perspectiva sociocultural. Por fim, discute desafios para o
campo e para a formação de professores, à luz dos princípios de uma edu-
cação sociocorporal.

Salvador, setembro de 2018


Cristina d’Ávila
Marco Silva

16 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


parte 1
didática na contemporaneidade
rupturas e perspectivas
AS ONDAS CRÍTICAS
DA DIDÁTICA EM MOVIMENTO
resistência ao tecnicismo/neotecnicismo neoliberal

selma garrido pimenta

INTRODUÇÃO
A PRÁTICA SEM TEORIA?

Nesta segunda década do século XXI, assistimos ao avanço mercadológico


das políticas alinhadas ao neoliberalismo, que pregam uma transformação
nos cursos de licenciaturas e proclamam um “praticismo” na formação pro-
fissional docente. Estão, assim, a ressuscitar o pragmatismo tecnicista que
dominou a educação nos anos 1970. Investem contra os cursos de licen-
ciatura de universidades compromissadas com uma formação de qualida-
de socioprofissional, e proclamam que basta a formação prática, sem teoria
e sem ideologia. Essas políticas são definidas pelos conglomerados financis-
tas, empresários da educação, que se inserem nos aparelhos de Estado, com
destaque para os conselhos nacional e estaduais de educação, órgãos que
elaboram as diretrizes curriculares nacionais e estaduais para a formação de

19
professores. Esses conglomerados detêm cerca de 70% dos cursos de licen-
ciatura no país, sendo 88% destes em Educação a Distância (EaD).
Qual concepção de professor, de profissional docente e de trabalho
docente defendem?
Para os conglomerados financistas, o professor é um simples técnico
prático, com identidade frágil, executores dos scripts e currículos produzi-
dos por agentes externos empresários/financistas do ensino, que elaboram o
material, as atividades, as técnicas e as estratégias a serem executados pelos
professores em qualquer que seja a realidade das escolas. Esses materiais
são vendidos às secretarias municipais/estaduais de educação, em pacotes
acompanhados de cursos e treinamentos para a formação contínua das equi-
pes escolares. As avaliações externas dirão os professores que poderão rece-
ber abonos, e não aumento de salários, e conforme os resultados que seus
alunos obtiverem. A docência, por sua vez, é reduzida a habilidades práticas,
com ausência dos saberes da teoria pedagógica ou reduzidos à prática; uma
formação prática – sem “teoria”; com estatuto profissional precário: contra-
tos por tempo determinado, sem direitos trabalhistas. As Diretrizes Curri-
culares Nacionais (DCN), expressas na Resolução n° 02/2015, evidenciam,
em parte, essa concepção ao manter na estrutura dos cursos de licenciaturas
as Práticas como Componente Curricular (PCC). Sem se valer das pesquisas
que evidenciaram o uso indiscriminado desse componente por parte das
Instituições de Ensino Superior (IES), que introduziram em seus currículos
disciplinas e atividades que em nada guardam identidade com a formação
docente. (PIMENTA et al., 2017b ) Nesse sentido, o Conselho Nacional de
Educação (CNE), na Resolução de 2015, deixou brecha para a sanha pra-
ticista dos conglomerados. Outro exemplo dessa investida privatista/prati-
cista pode ser conferido no Parecer que instrui a Deliberação n° 154/2017,
do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo, dominado por
representantes e defensores dos setores privatistas.
No dizer de Shiroma, Moraes e Evangelista (2010), as chances de
extrair lucro da desqualificação dos trabalhadores, advinda de uma for-
mação sucateada, abrem a oportunidade de negócio para os empresários
da educação. A situação de instabilidade, precarização, terceirização e

20 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


vulnerabilidade a que os educadores estão expostos aumenta o mercado
de venda de consultorias, de certificação e promessas de empregabilidade.
A escola que, na origem grega, designava o “lugar do ócio”, é transformada
em um grande “negócio”.
Ou, no dizer de Hill (2003, p. 2, grifo do autor), expondo o cenário
internacional, com destaque para os EUA e a Grã-Bretanha, de expansão
do capitalismo neoliberal e seus rebatimentos de privatização da educação,
afirma que a classe capitalista nesses países tem:

1 – um Plano de Negócios para a Educação: este se concentra


em, socialmente, produzir a força de trabalho (a capacidade das
pessoas para trabalhar) para as empresas capitalistas;
2 – um Plano de Negócios na Educação: este se concentra em
liberar as empresas para lucrar com a educação,
3 – um Plano de Negócios para as Empresas Educacionais: este
é um plano para as ‘Edubusinesses’ (empresas educativas) in-
glesas e americanas lucrarem com as atividades internacionais
de privatização.

Esse negócio se expandiu e cresceu nas duas últimas décadas nos


países submissos a essas potências, como o Brasil.
A didática instrumental tecnicista dos anos de 1970, que, como sabe-
mos, respaldou a compreensão da prática sem teoria, parece estar sendo in-
vocada pelos empresários da educação. Ilustra esse retrocesso a definição por
parte da Fundação Lehmann, da Editora Nova Escola, associados ao Google,
que estão elaborando planos de ensino únicos para todas as disciplinas do
ensino fundamental a serem acessados pelos professores de qualquer lugar
do país pelo celular, tablet e outras plataformas.
Essa perspectiva não considera e se contrapõe aos avanços conquista-
dos na área da didática. O enfoque conservador/tecnicista foi considerado
por Veiga (1996) como característica da didática no período de 1945-1960.
Inspirada nas correntes pragmáticas, o foco centrou-se nos processos de
ensino, descontextualizados das dimensões políticas, sociais e econômi-
cas. Do ponto de vista do cenário político, o Brasil constituía-se a partir
dos princípios da democracia liberal, que caracterizou o Estado populista,

as ondas críticas da didática em movimento 21


de base desenvolvimentista. O período pós 1964, caracterizado por Veiga
(1996, p. 34) como de “descaminhos da didática”, foi notadamente pautado
pela tendência tecnicista, a qual coadunou com o sistema político instaura-
do de ditadura militar. Os pressupostos teórico-metodológicos consistiram
na neutralidade científica, acentuando-se na educação as concepções de
eficiência, racionalidade técnica e produtividade.
O estabelecimento de parâmetros pseudo-científicos para o desem-
penho escolar se mostrou útil para classificar dentre os alunos das classes
mais pobres que passaram a ter acesso ao direito de escolarização, aqueles
mais competentes para prosseguir no processo e, assim, justificar a ex-
clusão dos sistemas de ensino público que com menos alunos, docentes e
infraestrutura seriam menos dispendiosos aos cofres públicos.
No contexto dessas políticas importa menos a democratização e o
acesso ao conhecimento e a apropriação dos instrumentos necessários
para um desenvolvimento intelectual e humano da totalidade das crianças
e dos jovens e mais efetivar a expansão quantitativa da escolaridade de bai-
xa qualidade para os cerca de 60% da população empobrecida, que havia
tido seu direito constitucional de acesso à escolaridade pública garantido
em decorrência dos movimentos dos educadores e de outros segmentos
sociais a partir dos anos 1970. E, quando esses resultados são questiona-
dos pela sociedade, responsabiliza-se os professores, esquecendo-se que
eles são também produto de uma formação desqualificada historicamente,
via de regra, através de um ensino superior, quantitativamente ampliado
nos anos 1970, em universidades-empresas.

A DIDÁTICA EM MOVIMENTO
AS ONDAS CRÍTICAS

A partir da metade dessa década (1970), a produção acadêmica na área de


educação foi significativamente impulsionada com a criação dos cursos de
pós-graduação na área. Alguns programas tiveram expressiva contribui-
ção na análise crítica da educação brasileira. Privilegiando um referencial

22 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


marxista e gramsciniano na análise dos problemas educacionais e da es-
colaridade no país, configuravam um espaço de resistência a então dita-
dura militar. Incorporando as contribuições das várias disciplinas que se
ocupavam da educação, como a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a
Economia, além da própria Pedagogia, produzindo as primeiras disserta-
ções e teses, esses programas foram determinantes para a análise crítica
da escola e da educação bem como para o reconhecimento da importância
– relativa e não exclusiva – da educação escolar nos processos de democra-
tização da sociedade. Valorização essa que caminhava na perspectiva de
superação das análises reprodutivistas, sem negar o caráter ideológico da
educação, mas compreendendo-a como um espaço de contradições.
Vários movimentos emergiram ou se fortaleceram no contexto das
lutas pela redemocratização do país, como aqueles alinhados à Teologia da
Libertação, aos sindicatos, à criação de partidos de esquerda, como o Partido
dos Trabalhadores (PT), e de vários movimentos sociais, como o Movimen-
to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dos profissionais da impren-
sa em torno da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do direito em
torno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e tantos outros. Na educa-
ção, além das associações como a Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd), a ANDE, o Centro de Estudos Educação e
Sociedade (CEDES), que reuniam militantes intelectuais docentes das aca-
demias e das escolas dos sistemas públicos em geral, foi expressiva a contri-
buição de autores como Paulo Freire e Saviani. A vitalidade do pensamento
crítico com base no materialismo histórico dialético para a compreensão
dos problemas e desafios da didática estão postos.

Primeira onda crítica –


da didática instrumental à didática fundamental

Na passagem dos anos de 1970 para 1980, período importante em que


a sociedade brasileira se opunha à ditadura militar que se instalara em
1964, teve início um movimento por educadores, atuantes no campo das
práticas de ensino e didática, que se reuniram em 1979 no 1° Encontro

as ondas críticas da didática em movimento 23


Nacional de Prática de Ensino, e em 1982, no 1° Seminário “A Didática
em Questão”, organizado por Candau, a didática técnico-instrumental foi
posta em questão.
Em contraposição à perspectiva tecnicista, Candau (1983) traz con-
tribuições marcantes para esse campo epistemológico, quando indica a
ruptura com a didática limitada à dimensão instrumental. Aponta o que
denomina de uma Didática Fundamental, substancialmente vinculada às
relações e contradições presentes entre a educação e a prática social mais
ampla. A proposição assumida por essa autora, referente à Didática Fun-
damental, buscou romper com a característica de neutralidade que, até
então, marcara a trajetória histórica da didática. Veiga (1996) enfatiza a
necessidade de reconhecer a Didática Fundamental alinhada a pressupos-
tos teóricos críticos. Candau (1983) confirmou a importância da dimensão
técnica, reposicionando-a quanto à dimensão política da prática pedagó-
gica, da qual se ocupa a didática. Assim, no espectro de uma concepção
crítica, as interfaces da prática pedagógica com essas duas dimensões, po-
lítica e técnica, devem ser consideradas. Candau (2005, p. 15) esclarece
que a dimensão técnica “se refere ao processo de ensino-aprendizagem
como ação intencional, sistemática, que procura organizar as condições
que melhor propiciem a aprendizagem”. Portanto, “[...] quando essa di-
mensão é dissociada das demais, tem-se o tecnicismo” (CANDAU, 2005,
p. 15), caracterizado exclusivamente por uma visão unilateral do processo
de ensino-aprendizagem, centrado na técnica pela técnica.
No entanto, a potencialidade da crítica instaurada pelo movimento
da Didática Fundamental paradoxalmente instaurou no âmbito dos cursos
um esvaziamento da disciplina didática. O questionamento de seu estatu-
to epistemológico acabou por provocar o entendimento de que a didática,
como disciplina dos cursos de formação de professores, que têm seu ob-
jeto definido – os processos de ensino-aprendizagem –, pudesse ser subs-
tituída por outras disciplinas como o currículo, a história da educação, a
política educacional, a filosofia da educação, a sociologia da educação, a
psicopedagogia, a avaliação, a formação docente. (LIBÂNEO, 2014) O es-
vaziamento dos conteúdos da didática, decorre, em grande medida, de seu

24 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


desprestígio acadêmico no âmbito do campo da educação, com professores
formadores que, de certa forma, ainda insistem em minimizar a dimensão
crítica de seus conteúdos. Assim, acabam por potencializar a dimensão
prescritiva e técnica na formação docente. (PIMENTA et al., 2017b)
Esse esvaziamento da didática foi também exponencialmente amplia-
do, pela fragilização sofrida pela pedagogia enquanto ciência que estuda a
práxis social da educação, provocada pelo movimento da Associação Nacio-
nal pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), que prevaleceu
na definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Peda-
gogia, CNE/2006, que a reduziu a uma licenciatura, e, por outro, pela au-
tonomização de cada uma das disciplinas de fundamentos, apartadas umas
das outras e distantes da práxis formativa de professores. (LIBÂNEO, 2014)
Sobre o esvaziamento da Pedagogia a que o autor se refere, é opor-
tuno lembrar uma paródia atribuida a Kant de que a pedagogia sem a di-
dática é vazia e a didática sem a pedagogia é cega, e que completo com a
afirmação a seguir:

Tal esvaziamento (referindo-se à Didática) ocorreu em paralelo à


descaracterização do campo investigativo e profissional da Peda-
gogia, um fato bastante peculiar da história da educação brasileira,
em que a especificidade ‘pedagógica’ do educativo foi substituída
pela sociológica ou política, produzindo danos inestimáveis à ati-
vidade escolar. (LIBÂNEO, 2014, p. 65)

Nesse cenário de interrogações e desconfianças quanto à natureza


do objeto da didática e suas contribuições para a prática pedagógica frente
às necessidades postas pelas realidades escolares, em especial das escolas
públicas, torna-se oportuno considerar que:

Se a Didática foi somente uma herdeira das crises de outras dis-


ciplinas e uma mera usuária de suas teorias, haverá de depender
de nossa capacidade de reflexão, investigação e produção teórica
original e integradora de um discurso sobre e para a ação pedagó-
gica, que permita identificar a Didática com pleno direito, como
domínio de conhecimento sério e rigoroso. (CAMILLONI, 1996,
p. 39, grifo da autora, tradução nossa)

as ondas críticas da didática em movimento 25


Estava, assim, aberto o caminho para se colocar a educação e a escola
em questão. Inclusive a didática e a formação de professores, tematizadas
por intelectuais pesquisadores da área: Veiga (1988); Oliveira (1992); Li-
bâneo (1990); Martins (2004); Pimenta (1996); Wachovski (1991); Marin
(2015) e tantos outros. As análises produzidas evidenciavam a persistência
do tecnicismo, a ausência ou fragilidade de pesquisas na área, a persistên-
cia do fracasso escolar, a ausência de teorias educacionais que feritilizas-
sem o que se praticava nas escolas, a ausência nos cursos de licenciatura
de projeto formativo conjunto entre as disciplinas científicas e as pedagó-
gicas, o formalismo destas, o distanciamento daquelas da realidade esco-
lar, além do desprestígio do exercício profissional da docência no âmbito
da sociedade e das políticas governamentais, prejudicando seriamente a
formação de professores. Os autores referidos evidenciaram em suas pes-
quisas de cunho teórico as bases epistemológicas do movimento de ressig-
nificação da didática, que ora classificamos como a segunda onda crítica da
didática, a seguir desenvolvida.

2ª Onda crítica – do (quase) sumiço da disciplina didática


à sua ressignificação

A didática é parte fundamental e complexa da pedagogia. As re-


lações entre ambas configuram um universo de sentido comum
sobre o mundo, a cultura, a formação e a instrução, os valores e a
sociedade. (VALENCIA, 2013, p. 9, tradução nossa)1

Nas duas décadas finais do século XX, a compreensão do materia-


lismo histórico dialético como postura, método e práxis assim como as
contribuições para a educação da teoria crítica frankfurtiana, adentraram
a produção teórica na área da didática, com destaque aos autores brasilei-
ros referidos. Suas contribuições expressam as principais categorias que

1 No original: La didáctica es una parte fundamental de la pedagogía y como ella es compleja y


diversa. Sus relaciones configuran un universo de sentido y no se la puede concebir aislada
de visiones del mundo y dela cultura, de la formación y de la instrucción, de los valores y de
la sociedad

26 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


fertilizaram suas pesquisas: totalidade; contradição; mediação; práxis (uni-
dade, teoria e prática); dialética, que fertilizaram os principais conceitos
diretamente relacionados ao saber didático: trabalho docente (trabalho);
relação professor – estudante – conhecimento; ensino e aprendizagem
em contextos; diálogo; interdisciplinaridade; projeto político-pedagógico;
historicidade; atividade docente situada = práxis docente; reflexão crítica;
comunidade de ensino-aprendizagem e formação docente.
Nesse contexto, podemos situar o movimento de ressignificação da
Didática.

Reafirmando o compromisso da Didática com os resultados do


ensino, para uma educação inclusiva e emancipatória e enten-
dendo-a como campo de conhecimento essencial para a ativida-
de docente, parece-nos ser possível, no atual contexto (sociedade
globalizada, novos paradigmas, novas formas de organização e
funcionamento dos sistemas de ensino e de escolas [...] e o pró-
prio campo de estudos e pesquisas emergentes na área), propor
a seguinte problemática: como essas questões atravessam o fazer
docente? Que novos saberes e fazeres são necessários aos profes-
sores? Que respostas a Didática pode apresentar?. (PIMENTA,
2014a, p. 37)

O protagonismo docente e reafirmação da unidade teoria e prática,


com base em pesquisas nas escolas e com os professores, a formação de
professores passa a ocupar o centro dos estudos e das políticas educacio-
nais; afirma-se a necessidade de que nos cursos de formação seja reto-
mado o sentido precípuo da didática, que se perdeu ao longo dos debates
ideológicos das últimas décadas do século anterior: “um professor neces-
sita dominar instrumentos de trabalho, ou seja: as teorias, os conceitos, os
métodos, mas também os modos de fazer, os procedimentos, as técnicas
de ensino”. (LIBÂNEO, 2014, p. 69)
As principais temáticas postas em discussão com fundamento no
materialismo histórico – dialético e nas teorias críticas podem ser assim
resumidas: a valorização da escola e de seus profissionais nos processos
de democratização da sociedade brasileira; a contribuição do saber escolar

as ondas críticas da didática em movimento 27


na formação da cidadania; sua apropriação como processo de maior igual-
dade social e inserção crítica no mundo (e daí: que saberes? Que escola?);
a organização da escola, os currículos, os espaços e os tempos de ensinar
e aprender; o projeto político e pedagógico; a democratização interna da
escola; o trabalho coletivo; as condições de trabalho e de estudo (de refle-
xão), de planejamento, de jornada remunerada; dos salários; a importân-
cia dos professores nesse processo (daí: sua formação inicial e contínua);
das responsabilidades da universidade, dos sindicatos, dos governos nesse
processo; da escola como espaço de formação contínua; dos alunos: quem
são? De onde vêm? O que querem da escola? (de suas representações); dos
professores: quem são? Como se vêem na profissão? Da profissão: profis-
são? E as transformações sociais, políticas, econômicas, do mundo do tra-
balho e da sociedade da informação: como fica a escola e os professores? E
fundamentadas nas teorias pós – críticas, todas as questões que envolvem
as minorias: as desigualdades e diferenças culturais, de gênero, raça, cor,
e, tantas outras.
Entendia-se que era necessário que os professores tivessem sólida
formação teórica para que pudessem ler, problematizar, analisar, interpre-
tar e propor alternativas aos problemas que o ensino, enquanto prática
social, apresentava nas escolas. (PIMENTA, 1996) Essa compreensão sus-
citou novas propostas curriculares tanto nas legislações estaduais quanto
nas práticas nas escolas, possibilitadas por amplos Programas de Forma-
ção Contínua, promovidos por Secretarias de Educação com assessoria de
universidades.
Para melhor compreender as propostas da didática crítica foi neces-
sário ressignificar a compreensão das relações entre educação como práxis
social, a pedagogia como ciência dialética que estuda a práxis educativa e
a didática crítica na formação da práxis docente e nos processos dialéticos
da ensinagem.
Para tratar da didática em sua dimensão disciplinar, retomamos algu-
mas considerações expressas em textos anteriores sobre as relações entre edu-
cação, pedagogia e didática, nos quais são situadas também suas dimensões
epistemológicas e de práticas pedagógicas. (PIMENTA, 1996, 1998, 2010)

28 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


A educação é uma atividade exclusiva do humano, com dupla e si-
multânea finalidade de inserir os novos humanos na sociedade humana
existente e construí-los em sua subjetividade. Ou, no dizer Freire (2007,
p. 1), “não se pode encarar a educação a não ser como um que fazer humano [...]
que ocorre no tempo e no espaço, entre os homens uns com os outros”. Em nossa
perspectiva, o sujeito que se pretende é o sujeito da transformação. E para
sê-lo necessita conhecer criticamente as condições concretas de sua reali-
dade, se apropriar dos instrumentos que lhe permitam compreender como
foram produzidas as situações de desumanização presentes na atualidade.
Com isso, a educação praticada nas sociedades necessita ser analisada em
suas manifestações aparentes e implícitas, para que se explicite a gênese
dessa desumanização e como ser superada.
A pedagogia é a ciência que tem esse papel: estudar a práxis edu-
cativa com vistas a equipar os sujeitos, profissionais da educação, den-
tre os quais o professor, para promover as condições de uma educação
humanizadora. Seu objeto de estudo é a educação humana nas várias
modalidades em que se manifesta na prática social. Ao se debruçar sobre
o fenômeno educativo, busca a contribuição de outras ciências que têm a
educação como um de seus temas. A pedagogia investiga a natureza do
fenômeno educativo, os conteúdos e os métodos da educação, os proce-
dimentos investigativos, e articula as contribuições das demais ciências
da educação sobre ele.
Quando incorpora a possibilidade de vincular-se ideologicamente
à realidade educacional construindo-se como um saber engajado, numa
abordagem crítico-emancipatória, realça-se a práxis educativa como obje-
to da pedagogia, num movimento que integra intencionalidade e prática
docente; formação e emancipação do sujeito da práxis. Assim considera-
da, permite vislumbrar a construção de passarelas articuladoras entre as
teorias educacionais e as práticas educativas. Nesta perspectiva, revela-se
como uma ação social de transformação e de orientação da práxis educativa
da sociedade, desvelando as finalidades político-sociais presentes no inte-
rior da práxis e reorienta ações emancipatórias para sua transformação.
(FRANCO; LIBÂNEO; PIMENTA, 2007)

as ondas críticas da didática em movimento 29


Nesse sentido, a educação se caracteriza como processo de formação
das qualidades humanas, enquanto o ensino, objeto da didática, é o processo
de organização e viabilização da atividade de aprendizagem em contextos
específicos para esse fim. Em síntese, a pedagogia é a teoria e a prática da
educação, e a didática, o campo da pedagogia que trata do ensino, conforme
expressa Silva Junior (2017, p. 4):

Em sua dimensão disciplinar a Didática integra-se ao campo


da Pedagogia, considerada como a ciência da práxis educativa.
Em termos simples, a educação é o objeto da Pedagogia e seu
núcleo principal, o ensino é o objeto da Didática. Cabe à Pe-
dagogia identificar e analisar os múltiplos saberes (não apenas
do campo do conhecimento) que alguém deverá dominar se
pretender se tornar um educador profissional. Cabe à Didática
identificar e analisar os múltiplos fatores (não apenas relativos
aos conteúdos de ensino) que irão se manifestar nas situações
de ensino e aprendizagem.

Enquanto área da pedagogia, a didática tem no ensino, práxis social


complexa, seu objeto de investigação, que se realiza em situações histori-
camente situadas: nas aulas e demais situações de ensino das diferentes
áreas do conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas,
nas sociedades.
As investigações na área da didática decorrentes desse movimento
de ressignificação adentrando o século XXI e até os dias de hoje, pauta-
das pelo referencial crítico, tomam o ensino enquanto uma prática social
viva, considerando teoria prática inseparáveis no plano da subjetividade
do sujeito (professor), pois sempre há um diálogo do conhecimento pes-
soal com a ação. Esse conhecimento não é formado apenas na experiência
concreta do sujeito em particular, podendo ser nutrido pela “cultura obje-
tiva” – as teorias da educação, no caso –, possibilitando ao professor criar
“esquemas” que mobilizam em suas situações concretas, configurando
seu acervo de experiência “teórico-prático” em constante processo de ree-
laboração. Os autores Sacristán (1991); Martins (1998); Oliveira (1992);
Pimenta (2001), destacam a importância da teoria (cultura objetivada) na

30 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


formação docente, uma vez que, além de seu aprendizado ter poder for-
mativo, dota os sujeitos de pontos de vista variados para uma ação peda-
gógica contextualizada. Marin (2015, p. 18), pautando-se no materialismo
histórico dialético como perspectiva crítica e criativa diante de aspectos
didáticos do ensino, destaca “a intrínseca relação entre os sujeitos e deles
em relação ao objeto (conhecimento) com que se trabalha, considerando a
indissociável relação, mas não direta ou linear, entre teoria e práxis”.
Os saberes teóricos propositivos se articulam aos saberes da práti-
ca ao mesmo tempo, ressignificando-os e sendo ressignificados. Assim,
o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para
compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais
e de si mesmos como profissionais, nos quais ocorre sua atividade docen-
te, para nele intervir, transformando-os. Daí decorre ser fundamental o
permanente exercício da crítica das condições materiais nas quais o ensino
ocorre e de como nessas condições é produzida a “negação da aprendiza-
gem”. (PIMENTA, 1999)
Na base dessa elaboração estão os fundamentos teóricos, epistemoló-
gicos, ontológicos e éticos do materialismo histórico dialético e das teorias
críticas da educação, com vistas a se criar coletivamente os caminhos para
a emancipação humana social. Nesse sentido, o pensamento de Saviani
(2010, p. 102) contribuiu ao movimento de ressignificação da área, ao ex-
pressar que:

O conceito de Pedagogia se reporta a uma teoria que se estrutura


a partir e em função da prática educativa. A pedagogia, como
teoria da educação, busca equacionar, de alguma maneira, o
problema da relação educador- educando, de modo geral, ou, no
caso específico da escola, a relação professor-aluno, orientando
o processo de ensino e aprendizagem.

Nesse momento histórico, as práticas pedagógicas e sua necessária con-


textualização passaram a se constituir objeto de análise crítica, do ponto de
vista de sua dimensão política, o que desafiou professores e pesquisadores a
considerarem, de forma mais contundente, as interfaces e contradições entre
a escola e sociedade. De acordo com Martins (2004, p. 47): “Valorizam-se os

as ondas críticas da didática em movimento 31


estudos do cotidiano escolar como fonte de conhecimento para o alcance da
íntima relação entre a ‘didática pensada’ e a ‘didática vivida’ – o novo desafio
de então”. Franco e Pimenta (2016, p. 541), destacam que:

A questão da Didática amplia-se e complexifica-se ao tomar como


objeto de estudo e pesquisa não apenas os atos de ensinar, mas
o processo e as circunstâncias que produzem as aprendizagens
e que, em sua totalidade, podem ser denominados de processos
de ensino. Portanto, o foco da Didática, nos processos de ensino,
passa a ser a mobilização dos sujeitos para elaborarem a constru-
ção/reconstrução de conhecimentos e saberes.

Frente à necessidade de reelaboração de conhecimentos e saberes,


foram instaurados amplos e profícuos debates a partir de questões fundan-
tes, tais como: o que ensinamos? Para quem ensinamos? Como ensina-
mos? Com quais finalidades e em quais condições concretas ensinamos?
A pesquisadora argentina Camilloni (1996) expressa com base na teoria
crítica a necessidade de se considerar os modos de transmissão próprios da
escola na construção da sociedade capitalista e do tipo de sociedade que dela
resulte. E por essa razão, afirma que “[...] é imprescindível tratar de responder
a essas perguntas, que estão impregnadas de valores e comprometidas com a
ética”. (CAMILLONI, 1996, p. 32)
Indagando se a didática crítica continua com vigor epistemológico
para a compreensão do processo ensino-aprendizagem e da formação de
professores, Faria (2018, p. 10), a partir da pesquisa que realizou em sua
tese de doutorado, sintetiza o que denominamos de segunda onda crítica
de ressignificação da didática:

[...] ganha centralidade nas reflexões dos educadores sobre o


conteúdo da didática o entendimento da prática social enquanto
pressuposto e finalidade da educação; a necessidade de um tra-
tamento não fragmentado entre teoria e prática pedagógica, mas
da compreensão de seu caráter dialético, relacional e contraditó-
rio de negação e afirmação; o conteúdo didático se coloca para
além dos métodos e técnicas de ensino; o ensino é entendido
como síntese de múltiplas determinações e, como uma atividade
direcional, procura-se articular a didática vivida com a didática

32 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


pensada; sua especificidade é garantida pela compreensão e in-
vestigação contínua do processo ensino-aprendizagem, de modo
que se construam formas de intervenção crítica da prática peda-
gógica. Materializa-se o entendimento de que o trabalho didático
não se reduz ao ‘como fazer’, mas está intimamente vinculado e
ganha sentido pedagógico quando se articula ao ‘para que fazer’
e ao ‘por que fazer’ e ‘com quem fazer’.

Nesse movimento, cabe indagar sobre seu campo disciplinar: o que


a didática pode oferecer, em seus fundamentos teóricos e metodológicos,
aos professores em formação? Como articular uma didática que tenha no
sujeito aprendente o seu olhar e o seu foco?

O MOVIMENTO DE RESSIGNIFICAÇÃO
NA DIDÁTICA EM SEU CAMPO DISCIPLINAR
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Diante das provocações suscitadas pelas demandas postas para o campo


da didática, no que se refere à educação escolar e à formação de professo-
res, as produções acadêmicas passaram a ter como eixo as relações entre
a didática, a prática pedagógica e sua finalidade social mais ampla, como
possibilidades de transformação da realidade social. Esta perspectiva epis-
temológica teve como intento depurar a função sociopolítica da educação,
da escola e, principalmente, dos processos de ensino-aprendizagem, ali-
nhados aos pressupostos teóricos da pedagogia crítica, pautada em uma
perspectiva dialética,
Em decorrência das análises e pesquisas que se seguiram a esse movi-
mento de crítica ao campo teórico e prático da didática, seu campo discipli-
nar foi e continua sendo reconfigurado. As novas perspectivas e experiências
de ensinar didática se tornaram públicas nos principais eventos da área – os
ENDIPE e o GT Didática das ANPEd – como em obras seminais que con-
tam hoje com inúmeras reedições, dentre as quais Veiga (1988); Martins
(1989); Libâneo (1991); Oliveira (1992); Pimenta (1996, 1997); Azzi e Cal-
deira (1997); Candau (1997); André (1997); Cunha (2004).

as ondas críticas da didática em movimento 33


A didática, como disciplina nos cursos de formação de professores,
passou a ser uma possibilidade de contribuir para que o ensino, núcleo
central do trabalho docente, resulte nas aprendizagens necessárias à for-
mação dos sujeitos, em relação, equipados para se inserirem criticamente
na sociedade, com vistas a transformar as condições que geram a desu-
manização. E o faz trazendo as contribuições teóricas que lhe são próprias
para a análise, a compreensão, a interpretação do ensino situado em con-
textos, num processo de pesquisa da realidade, com vistas a apontar possi-
bilidades de superação.
Ao movimento de ressignificação da didática, e com vistas a superar
suas fragilidades históricas, fez-se necessária a compreensão da epistemo-
logia da didática, na busca da reflexão radical e rigorosa em torno de sua
natureza e de suas relações com a educação escolar e o ensino, no sentido
de circunscrever seu campo de conhecimento e sua relevância na formação
de professores. Pensar a didática a partir de seus princípios epistemológi-
cos contribui para promover reflexões providas de criticidade em relação
ao seu objeto complexo – o ensino –, assim como abrange a análise dos
condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais que o envolvem
na construção de saberes, historicamente instituídos. Nesse sentido, pode-
ríamos dizer que o ensino passa a exigir um olhar numa perspectiva mul-
tidimensional, que o compreenda como uma práxis educativa pedagógica,
que considere as contradições e dilemas dos contextos nos quais se realiza.
E, portanto, uma didática que se faça presente nos cursos de formação de
professores, contribuindo para que exerça sua práxis educativa na perspec-
tiva transformadora dos determinantes que dificultam / impedem a finali-
dade pública e social de seu trabalho docente.
Pode-se afirmar que a lógica da didática é a lógica do ensino. No en-
tanto e contraditoriamente, essa vocação da didática realiza-se apenas e tão
somente por meio da aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo.
Portanto, a questão da didática se amplia e se complexifica ao tomar como
objeto de estudo e pesquisa não apenas os atos de ensinar, mas o processo
e as circunstâncias que produzem as aprendizagens e que, em sua totali-
dade, podem ser denominados de processos de ensino. Portanto, o foco da

34 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


didática, nos processos de ensino, passa a ser a mobilização dos sujeitos
para elaborarem a construção/reconstrução de conhecimentos e saberes.
No movimento de ressignificação da didática os conceitos que lhe
são próprios como “aula” e “ensino e aprendizagem” são também res-
significados.
Silva e Veiga (2013, p. 32) reconfiguram a aula em seu significado como
relações entre indivíduos que ensinam, aprendem, pesquisam e avaliam;
práticas vinculadas a outros contextos socioculturais, com a concretização
dos objetivos e intencionalidade dos projetos pedagógicos de cada curso”.
Sua organização pressupõe um processo didático de reflexão teórica sobre
e na prática; Para as autoras Silva e Veiga (2013, p. 32), “[...] a aula é vida pe-
dagógico – existencial que pode significar um rompimento com o modelo
conservador”. (O diálogo no sentido freiriano, é a palavra – chave na relação
educador – educandos – mediados pelo conhecimento/mundo. Na aula, a
relação entre teoria e prática é mobilizada na construção do conhecimento a
partir dos saberes prévios dos estudantes. Nelas ocorrem práticas dialógicas
e reflexivas, ensino com pesquisa e uma relação pedagógica na horizontali-
dade entre professor e estudantes ampliando o espaço do diálogo.
O ensino tem por finalidade formar os estudantes para que consigam
se situar no mundo, ler o mundo, analisar e compreender o mundo e seus
problemas, com vistas a propor formas de superação e emancipação hu-
mana e social. Por isso, é concebido como fenômeno complexo, porque é
práxis social realizada por e entre seres humanos que se modifica e modi-
fica os sujeitos na ação e relação entre si (professor e estudantes), situados
em contextos institucionais, culturais, espaciais, temporais, sociais.
Na tentativa de superar a separação entre as atividades próprias dos
sujeitos professor-alunos nesse processo, de superar a dicotomia e a pre-
ponderância da pesquisa sobre o ensino, herdeira das concepções das ciên-
cias modernas fortemente arraigada na academia que vê o professor como
executor/transmissor dos conhecimentos por elas elaborados e os alunos
como receptores destes (FREIRE, 1979), e de superar as concepções tec-
nicistas instrumentais da didática na formação e no exercício da docência,
Pimenta e Anastasiou (2002) cunharam o conceito de “ensinagem”.

as ondas críticas da didática em movimento 35


Para as autoras, o ato de ensinar não se resume ao momento de aula
expositiva, não se encerra aí e sem levar em conta os contextos nos quais
se realiza. Ao contrário, o ensinar e o aprender configuram-se como indis-
sociáveis, fenômeno complexo porque é práxis social realizada por e entre
seres humanos; que se modifica na ação e relação dos sujeitos (professo-
res e alunos); situados em contextos, institucionais, culturais, espaciais,
temporais, sociais; que, por sua vez, modifica os sujeitos nele envolvidos.
Ensino e aprendizagem constituem unidade dialética no processo, caracte-
rizada pelo papel mediador do professor na relação aluno-conhecimento,
na qual o ensino existe para provocar a aprendizagem, através das tarefas
contínuas dos sujeitos do processo, de tal forma que o processo una o alu-
no aos conhecimentos que estão sendo mobilizados, para que ambos, alu-
nos e conhecimentos sejam colocados frente a frente, mediados pela ação
do professor, o qual planeja, define, propõe e dirige as atividades e as ações
necessárias, para que os alunos desenvolvam processos de mobilização,
construção e elaboração da síntese do conhecimento. Ou mesmo para que
(re)construam, (re)signifiquem, (re)elaborem os conhecimentos produzi-
dos historicamente, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, 1979)
A esse processo compartilhado de trabalhar os conhecimentos
no qual conteúdo, forma de ensinar e resultados são mutuamente de-
pendentes é que estamos denominando de “processo de ensinagem”
(ANASTASIOU, 2006), no qual a pesquisa se constitui método de apro-
priação, revisão, produção de novos conhecimentos.
Freire (2011, p. 24) reafirma que “ensinar não é transferir conheci-
mento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua constru-
ção”, realçando que essa perspectiva transforma o papel do professor e da
didática, uma vez que “quem forma se forma e reforma ao formar, e quem
é formado forma-se e forma ao ser formado”. (FREIRE, 2011, p. 25) Reite-
ra, assim, que o educador deve ajudar os alunos a questionar sua realidade,
problematizá-la e tornar visível o que antes estava oculto, desenvolvendo
novos conhecimentos sobre ela.
Freire (2011) ainda considera que quanto mais se exerce criticamente
a capacidade de aprender, mais se constrói e se desenvolve o que denomina

36 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


curiosidade epistemológica, conceito aproximado do que estamos aqui de-
nominando atividade intelectual do aluno, articulado aos conceitos de senti-
do e prazer em Charlot (2000).
O professor passa a ser valorizado como um profissional intelectual
crítico-reflexivo e pesquisador de sua práxis e da práxis educativa que se rea-
liza na escola e demais contextos nos quais se insere profissionalmente. (PI-
MENTA, 2002, 2015; GHEDIN; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2015) Um profissio-
nal que, por ter sólida formação teórica, consegue criar respostas aos desafios
que encontra em sua práxis docente: considera o ato docente situado nos
contextos escolares; com amplo e sólido conhecimento dos contextos so-
cial e político que envolvem o ensino; sobre as realidades em que vivem
seus alunos; com conhecimentos da teoria da educação e da pedagogia
em conexão com a práxis pedagógica docente, para analisar, compreender
e criar procedimentos de ensino que assegurem as aprendizagens; para
que sejam participantes ativos na reinvenção das práticas e das escolas;
com sólida formação teórica que lhes permita compreender as realida-
des em que atua/atuará e propor coletivamente caminhos para assegurar
as aprendizagens e o desenvolvimento de todos os alunos que passaram
a ter acesso à escolaridade. Com sensibilidade social e humana, e compro-
misso com a superação das desigualdades educacionais. E que, com vistas
ao seu desenvolvimento profissional, necessita condições de trabalho com
estatuto profissional, ou seja, quadro de carreira, ingresso por concurso
e permanência.
E por que valorizamos essa concepção do professor como um pro-
fissional intelectual crítico-reflexivo e pesquisador de sua práxis e da prá-
xis educativa que se realiza na escola e demais contextos nos quais se
insere profissionalmente?
Com vistas a empoderar os alunos, seus professores, suas escolas
públicas, suas famílias para defenderem e fazerem nelas acontecer a edu-
cação pública emancipadora, partindo da consideração das desigualdades e
elevando todos os alunos a uma condição de igualdade, para se manterem
e atuarem na construção da sociedade democrática, justa, fraterna, supe-
rando as profundas desigualdades que o capitalismo constrói, determina

as ondas críticas da didática em movimento 37


e aprofunda desde sempre. E, portanto, se oponha à transformação do di-
reito à educação em mercadoria, em bem individual de consumo, pratica-
da com agressividade, cada mais voraz e mais refinada em seus métodos
pelas corporações financistas que cada vez mais estão se enraizando no
estado brasileiro, em todos os níveis.
Considerando que o ensino é realizado em instituições específicas, pre-
ferencialmente nas escolares, e realiza-se por e entre sujeitos, professores e
alunos, em contínuos processos de mediação entre diferentes contextos e
circunstâncias, parece-nos oportuno apontar que os estudos e pesquisas que
se debruçam sobre as questões do ensino escolar devem ser compreendidos,
analisados na perspectiva da totalidade. Assim, espera-se que a pesquisa na
área, ao focar as mediações entre o ensinar e aprender, considere que essas
mediações são condicionadas e atravessadas por múltiplas determinações,
tais como: as configurações dos sistemas escolares e escolas, as políticas e
dinâmicas dos processos curriculares, as práticas pedagógicas de gestão es-
colar, os impactos das políticas privatistas nas práticas docentes.
Reafirmamos que as pesquisas em didática não podem isolar o fe-
nômeno educativo de suas circunstâncias, nem de sua temporalidade; é
preciso realçar que sua especificidade revela seu compromisso: partir do
ensino como prática social e dar respostas socialmente significativas para
transformar as condições de precariedade dos resultados de aprendizagem
observados na atual escola brasileira.
Situar as pesquisas no centro dessa contradição nos parece ser o nos-
so desafio. E nesse quadro de intencionalidade reafirmar os compromissos
e a especificidade da área de didática, num diálogo necessário e fertilizador
com os demais campos que se debruçam sobre a educação. As pesquisas
na área serão nutridas das contribuições desses campos à medida que ofe-
recerem perspectivas que ampliem e fertilizem as análises e interpretações
dos problemas que emergem de seu campo específico, que é o ensino e a
aprendizagem. Portanto, não se trata de diluição ou dispersão de seu cam-
po, como às vezes se afirma, mas, ao contrário, de se considerar seu objeto
– o ensino e a aprendizagem – como um fenômeno complexo, que só pode
ser compreendido pelas categorias de totalidade e contradição.

38 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


TERCEIRA ONDA CRÍTICA
DIDÁTICA CRÍTICA, PÓS-CRÍTICA,
PÓS-MODERNA... E O MOVIMENTO PROSSEGUE

Apesar da expressiva ressignificação da teoria didática e de seu campo dis-


ciplinar, propiciado pelo significativo desenvolvimento das pesquisas na
área, a indagação a seguir nos é posta: “Em que medida os resultados das
pesquisas têm propiciado a construção de novos saberes e engendrado no-
vas práticas, superadoras das situações das desigualdades sociais, culturais
e humanas produzidas pelo ensino e pela escola?”. (FRANCO; FUSARI;
PIMENTA, 2015)
A essa indagação consatantemente colocada aos e pelos pesquisadores,
sugiro respondermos com outra indagação – desenvolvida ao final deste tex-
to: a quem interessa manter essas desigualdades?
Nas décadas iniciais do século XXI, preocupados com a persitência
das desigualdades escolares, os didatas trazem em suas pesquisas apor-
tes advindos das teorias pós-críticas ou pós modernas ao movimento de
ressignificação que configurou a didática crítica até então fundamentada
no MHD e nas teorias críticas frankfurtianas. Os embates, rebatimentos
e confrontos, então surgidos na área entre os autores da didática e os de
outras áreas, especilmente os do currículo e das didáticas específica, em-
preendidos nos anos recentes, configurando uma nova ressignificação da
didática crítica.
Em texto recentemente publicado, Faria (2018), com o sugestivo
título A centralidade da didática na formação de professores: a crítica à di-
dática crítica não é crítica, a autora analisa as entrevistas que realizou
com autores da didática para sua pesquisa teórica de doutoramento.
(FARIA, 2011) Um recorte destas e as análises da autora nos permitem
compreender as tensões e as possibilidades da área no atual cenário bra-
sileiro. Reproduzo, a seguir, extratos de seu texto. Começo com o trecho
no qual expressa, logo no início, seu posicionamento teórico epistemo-
lógico pelo MHD:

as ondas críticas da didática em movimento 39


[...] um esforço de compreender a validade das perspectivas
contra-hegemônicas de educação, o papel da pedagogia e da
didática na formação de professores no contexto dos questiona-
mentos pós-modernos instalados na segunda metade dos anos
de 1990, em particular no âmbito acadêmico, que decretava a
morte do marxismo, afirmava o fim da história e das utopias,
o esgotamento dos grandes sistemas filosóficos, e, principal-
mente, a impossibilidade do conhecimento objetivo. (FARIA,
2018, p. 1)

Esclarece seus pressupostos: “[...] a pedagogia como ciência da e para a


práxis educativa e a didática como prática social, inspiradas e ancoradas nos
pressupostos ontológicos e gnosiológicos do materialismo histórico-dialéti-
co”. (FARIA, 2018, p. 1)
Define a pergunta a seguir como a que move suas análises:

[...] como os estudiosos que constituíram o movimento da didá-


tica crítica, e que tinham suas bases epistemológicas assentadas
na dialética marxiana, estão tratando as questões colocadas pela
pós-modernidade, uma vez que as proposições desse modo de
pensar questionam as principais teses do materialismo históri-
co-dialético, com implicações epistemológicas e praxiológicas
diretas para o campo da pedagogia e da didática? Perguntamos
também se a didática crítica continua com vigor epistemológi-
co para a compreensão do processo ensino-aprendizagem e da
formação de professores. (FARIA, 2018, p. 1)

E nos apresenta trechos das entrevistas que realizou das quais repro-
duzo trechos e partes de suas análises às quais acrescento as que realizei
para a escrita deste texto a partir de diferentes autores. Esse movimento
me possibilita traçar um mapa próvisório das recentes tendências críti-
cas que emergiram (ou foram reconfiguradas) na área nas duas décadas
deste século. São elas: Didática Crítica Intercultural (CANDAU, 2000,
2010); Didática Crítica Dialética Reafirmada (PIMENTA, 2008; OLIVEI-
RA, 2009); Didática Desenvolvimental (LONGAREZI; PUENTES, 2011);
Didática Sensível (D´ÁVILA, 2011, 2018); Didática Multidimensional
(FRANCO; PIMENTA, 2014, 2016).

40 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


DIDÁTICA CRÍTICA INTERCULTURAL –
CANDAU (2000, 2010)

Candau (2000 apud Faria, 2018, p. 10) “[...] entende que é preciso captar as
contribuições da crítica pós-moderna para repensar o campo da pedagogia
e da didática”. Nesse sentido, salienta:

[...] partimos do pressuposto de que a crítica pós-moderna ofe-


rece elementos importantes para se repensar a pedagogia e a
didática [...] incorporar novas questões que emergem E da pers-
pectiva pós-moderna como as relativas à subjetividade, à diferen-
ça, à construção de identidades, à diversidade cultural, à relação
saber-poder, às questões étnicas, de gênero e sexualidade etc.
(CANDAU, 2000, p. 153 apud FARIA, 2018, p. 10)

Analisando esse depoimento, Faria (2018, p. 10) afirma que

Candau (2010), por sua vez, partilha de semelhante entendi-


mento sobre a didática crítica na década de 1980. Com efeito,
aponta limites da perspectiva marxista de didática, por entender
que esta centraliza seus estudos e preocupações na discussão de
classes sociais e não vê nada mais além disso, assemelhando-se
a um ‘daltonismo cultural’.

Faria (2018, p. 10) ainda entende (referindo-se a Candau)

[...] que a contribuição da didática crítica, hoje, será mais efetiva


pelos caminhos de uma didática crítico-intercultural, no diálogo
com algumas ideias pós-modernas. Isso, porém, para a pensa-
dora, não significa que a didática vivencie uma metamorfose de
uma didática crítica para uma didática pós-moderna.

E Faria (2018, p. 10) prossegue:

Para Candau, [...] a didática precisa fazer uma autocrítica e se per-


guntar sobre a relevância do discurso didático para as questões
e os desafios vivenciados pela escola brasileira, uma vez que o
processo ensino-aprendizagem não pode ignorar as questões do
preconceito, da discriminação, de gênero, de raça, de etnia, diver-
sidade, igualdade, diferença, violência, cultura.

as ondas críticas da didática em movimento 41


A autora conclui que uma nova “[...] ressignificação passa na visão de
Candau (2010) pela aproximação com os estudos sobre a igualdade e a di-
ferença no horizonte da interculturalidade e com as teorias pós-modernas.”
(FARIA, 2018, p. 10)

DIDÁTICA CRÍTICA DIALÉTICA DO M.H. REAFIRMADA –


OLIVEIRA (2009); PIMENTA (2008)

Maria Rita Oliveira foi uma das entrevistadas por Faria (2018). Para anali-
sar seu depoimento, traz um dos escritos dessa autora:

No que se refere ao suposto avanço das teorias pós-modernas


na educação e na didática, Oliveira (2009) põe em destaque
a necessidade de assumirmos a postura de buscar conhecer e
apreender as bases materiais e históricas das mudanças nas
ideias pedagógicas, uma vez que estas (as mudanças) não se
dão no campo das ideias, mas se situam no interior das altera-
ções das relações de trabalho. Nesse sentido, coloca necessida-
de de, na análise, se primar por uma adequada compreensão da
categoria da totalidade na dialética marxiana, uma vez que esta
é uma totalidade concreta, portanto, histórica, mediada e relati-
va. O critério de verdade da perspectiva dialética é a práxis. Daí
não haver lugar para as certezas absolutas, mas aproximações
contínuas da realidade. (OLIVEIRA, 2009, apud FARIA, 2018,
p. 9, grifo do autor)

Em Faria (2018, p. 9),

Na visão de Pimenta (2008), (uma de suas entrevistadas) no con-


texto de desvalorização da escola como espaço público, como tam-
bém de perda dos valores e da ética, os estudos em didática deve-
rão ter atenção para a importância da função social da escola e de
sua tarefa na formação dos sujeitos públicos, portadores de uma
identidade pessoal e, ao mesmo tempo, pública, assim como
de uma prática didático-pedagógica caracterizada pela intencio-
nalidade, comprometida com a transformação social, no senti-
do de organizar as situações mobilizadoras e viabilizadoras da

42 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


formação das qualidades humanas e, portanto, da personalidade
dos educandos. A didática como teoria do ensino e como área da
pedagogia deverá interrogar-se: os resultados das pesquisas têm
propiciado a construção de novos conhecimentos e contribuído
com a construção de práticas superadoras das situações das de-
sigualdades sociais, culturais e humanas no âmbito da sala de
aula e da escola?.

Assim, Faria (2018, p. 9) entende que, “para Pimenta (2008), a con-


tribuição da didática estará na elaboração de teorias que orientem a ação
escolar e a atividade docente no processo de avaliação, na definição de ob-
jetivos, na explicitação dos conteúdos essenciais a serem apropriados pelos
estudantes”. E destaca, ainda, que

[...] nas reflexões de Pimenta (2008) ganha centralidade o pa-


pel ativo do sujeito na pesquisa, fecundando uma relação de
horizontalidade entre a teoria e a prática, em que essas dimen-
sões da atividade humana se colocam de modo distinto, mas se
põem, ao mesmo tempo, numa contínua relação de reciproci-
dade, de negação e de afirmação. Daí a categoria da práxis ser
nuclear para os estudos em didática, tanto para a compreensão
dos determinantes históricos sociais do processo ensino-apren-
dizagem quanto para os estudos da formação de professores e
de sua prática, entendida como prática social concreta. (FARIA,
2018, p. 9)

Oliveira (2009) e Pimenta (2008), conforme Faria (2011), coloca-


ram em destaque a necessidade de pesquisas que se aproximem da sala de
aula, que evidenciem a concretude real da escola e da sala de aula, o seu
modo de ser para além das aparências e das constatações.
Reiterando a unidade teoria e prática, além das autoras referidas, en-
contramos as pesquisas de Martins (2004), as análises das práticas com
docentes do ensino superior, reafirmando a unidade didática teórica/didá-
tica prática, apresentada em seu livro seminal A didática e as contradições
da prática (1998).

as ondas críticas da didática em movimento 43


DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL –
LIBÂNEO, LONGAREZI E PUENTES (2011)

Dentre os entrevistados por Faria (2018), encontra-se o pesquisador José


Carlos Libâneo. Para Faria (2018, p. 8),

Por assumir a postura crítica sobre a pedagogia, Libâneo (2008),


está comprometido com uma proposta de didática que oportu-
nize aos alunos a formação do pensamento teórico a partir da
sistematização de conceitos, levando em conta suas necessida-
des, motivações e o contexto histórico-cultural da aprendizagem.
Nesse sentido, tem buscado extrair contribuições dos estudiosos
da teoria histórico-cultural, em particular da teoria do ensino de-
senvolvimental de Davydov, que tem como tese a ideia de que
a educação e o ensino oportunizam a apropriação da atividade
humana das gerações anteriores e, desse modo, determinam a
formação de capacidades ou qualidades mentais. Os educandos,
ao entrarem em contato com a cultura, com os conteúdos histó-
rico-culturais, apropriam-se das formas de desenvolvimento do
pensamento.

Prosseguindo em sua análise sobre o referido autor, afirma que

O pensador (referindo-se a Libâneo) busca a ampliação do con-


ceito de pensamento crítico, do conceito de cultura, de lingua-
gem e o aprofundamento da compreensão das questões afetivas
e emocionais no processo de aprendizagem e, para tal, se coloca
como tarefa investigar quais respostas o marxismo pode dar a
essas questões, como também se abre ao diálogo para além desse
referencial e da teoria histórico-cultural, com outros estudos e
perspectivas teóricas. (FARIA, 2018, p. 8)

Em nossas buscas para a elaboração deste texto, encontramos os pes-


quisadores Longarezi e Puente, 2011, que se manifestam na mesma direção
de Libâneo (2008). Os dois pesquisadores compreendem a didática como:

[...] principal ramo de estudo da pedagogia. Investiga os funda-


mentos, as condições e modos de realização da instrução e do
ensino (LIBÂNEO, 2008). Além disso, é uma matéria de estudo
fundamental na formação profissional dos professores e um meio

44 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


de trabalho com o qual os professores organizam a atividade de
ensino, em função da aprendizagem e do desenvolvimento integral
do estudante. (LONGAREZI; PUENTES, 2011a, p. 165)

Para esses autores, a “[...] ciência pedagógica sob uma vertente ma-
terialista histórico-dialética, assume uma perspectiva desenvolvimental”
(PUENTES; LONGAREZI (2013, p. 11), na qual fundamentam a didática
desenvolvimental que definem como segue:

A didática desenvolvimental, enquanto ciência interdisciplinar,


vinculada à Pedagogia, ocupa-se da organização adequada da ati-
vidade de ensino-aprendizagem-desenvolvimento, tendo o ensi-
no intencional como seu objeto, a aprendizagem como condição e o
desenvolvimento das neoformações e da personalidade integral
do estudante, especialmente do pensamento teórico, como objeti-
vo. Em outras palavras, a Didática se ocupa do estudo dos princí-
pios mais gerais de organização adequada da atividade de ensino
ou instrução, tendo as leis do desenvolvimento mental da crian-
ça, as particularidades das idades e as características individuais
da aprendizagem, como condição desse processo. (PUENTES;
LONGAREZI, 2013, p. 11, grifo do autor)

DIDÁTICA SENSÍVEL – D’ÁVILA (2012, 2018)

Com fundamento em autores e teorias da pós-modernidade, tais como


Maffesoli (2000); Morin (1990), Cristina D’ávila, cunhou a expressão “di-
dática do sensível”. (2013; 2016;)
Em concurso para obtenção do título de Professora Titular de Didá-
tica, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2018, apresentou sua
tese intitulada “Didática do sensível: uma inspiração raciovitalista”, tema
que fundamenta suas pesquisas e seus escritos. (2018)
D’ávila (2018, p. 7) e subsequentes, apresenta a problemática da qual
parte:

A cisão [...] entre razão e sensibilidade me lançou para a fren-


te em busca de subsídios teóricos que pudessem sustentar a
tese que traz no seu bojo uma Didática sensível, voltada para

as ondas críticas da didática em movimento 45


a compreensão dos processos subjetivos que estão na base
das ações humanas cotidianas mais simples e estão presentes
também no ensinar e no aprender. A ideia que repousa sob a
tese é de que há vida, sentimentos, emoções, nas relações es-
tabelecidas entre professores alunos e seus pares, assim como
entre esses sujeitos e o conhecimento. O motor de tudo está
na premissa de que não há razão sem sensibilidade e de que,
também, não há sensibilidade desacompanhada da razão. O
inteligível está associado inexoravelmente ao aspecto sensível
da existência, vale dizer, à intuição, à corporeidade, à imagina-
ção que conduzem aos processos criativos. Portanto, o ensino
ganha outra dimensão na concepção traçada, uma dimensão
afinada às múltiplas capacidades humanas, o que envolve os
hemisférios direito e esquerdo do cérebro humano, os aspectos
intelectuais, emocionais, (intuitivos) e corporais.

E para sustentar sua tese, adota como lastro conceitual:

[...] o raciovitalismo de Michel MAFFESOLI (2000) (sua ideia


de razão sensível para compreensão da realidade social) e a
educação do sensível de DUARTE JUNIOR (2004) (para a com-
preensão do fenômeno educativo), tendo em vista a construção
de uma Didática sensível. Uma educação sensível é aquela que
pode fornecer aos sujeitos a compreensão do mundo sem perda
de visão de globalidade, sem perda tampouco da sensibilida-
de - fundamentos importantes à construção do conhecimen-
to. Uma educação em que as pequenas grandes coisas da vida
estejam presentes e sejam conscientes em nosso fazer diário,
sendo valorizadas na escola e na academia (o sentir, imaginar,
ressignificar e criar). (D’ÁVILA, 2018, p. 7)

Edgar Morin (1990, 1999, 2016) comparece por ser “[...] crítico
à hiperespecialização das ciências que deixam de se comunicar entre
si, perdendo, assim, a visão global da realidade”. (DUARTE JR, 2004,
p. 185) e por propor “que a educação do sensível se dê através da arte e
do fazer artístico desde a infância.” Para compor os fundamentos de sua
didática do sensível, traz as contribuições de autores de quatro verten-
tes da psicologia cognitiva: a epistemologia construtivista de Jean Piaget
(1970), a epistemologia sociointeracionista de Lev S. Vygotsky (1984),

46 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


a teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel (MOREIRA,
2010) e a teoria das inteligências múltiplas, de Howard Gardner (1994).
Em síntese, a autora assim expressa o significa que cria para didática
sensível:

Acredito numa educação que traga no seu bojo formas de in-


tervenção didática sensíveis, aguçando a estética, o lúdico e a
inteligibilidade nas formas de apreensão e produção do conhe-
cimento. Com a didática trata-se de operar com uma lógica
que rompe com o paradigma racionalista-instrumental. Uma
outra lógica que, afinal, supera esta visão do pensar unicamen-
te pela razão e coordena uma ação que parte do sentir-pensar.
Uma visão que nos impulsiona à criação de uma outra Didáti-
ca, a Didática do sensível, ou simplesmente Didática sensível.
(D’ÁVILA, 2018, p. 12)

Ao longo da tese, D’Ávila estabelece um diálogo com os autores da


didática crítica explicitando os seus vínculos com a didática sensível.

DIDÁTICA MULTIDIMENSIONAL –
FRANCO, PIMENTA (2014)

Reafirmando o compromisso da didática com os resultados do ensino, para


uma educação inclusiva e emancipatória e entendendo-a como campo de
conhecimento essencial para a atividade docente, parece-nos ser possível, no
atual contexto – sociedade globalizada, novos paradigmas, novas formas de
organização e funcionamento dos sistemas de ensino e de escolas e o pró-
prio campo de estudos e pesquisas emergentes na área –, as autoras partem
da seguinte problemática: como essas questões atravessam o fazer docente?
Que novos saberes e fazeres são necessários aos professores? Que respostas
a didática pode apresentar?. (FRANCO; PIMENTA, 2014, p. 37) E propõem
o que denominam de didática multidimensional.
Assumindo esses e tantos outros desafios da didática, escrevemos
um texto ao qual intitulamos Didática Multidimensional: por uma sistema-
tização conceitual. Após discussão em diversos âmbitos, foi publicado com

as ondas críticas da didática em movimento 47


esse mesmo título. (FRANCO; PIMENTA, 2016) Fruto de pesquisa de na-
tureza teórica, parte do pressuposto de que os saberes ensinados são re-
construídos pelos sujeitos educadores e educandos, o que lhes possibilita
se tornarem autônomos, emancipados, questionadores. A partir da ques-
tão central – a didática e as didáticas específicas têm oferecido fundamen-
tos a essa prática? –, analisa os limites da transposição didática nas didá-
ticas específicas, e da perspectiva normativa na didática, que minimizam
a complexidade do ensinar, o que pode ser superado configurandose uma
didática multidimensional. Partimos da consideração de que o “[...] proces-
so ensino-aprendizagem se concretiza intencionalmente nas instituições
formais – escolas e universidades, devendo ser orientado por “princípios
de uma Didática Geral que articule e fundamente os processos de media-
ção entre a teoria pedagógica e a ação de ensinar”. (FRANCO; PIMENTA,
2016, p. 543) Nesse pressuposto reside grande parte dos desafios da didá-
tica: ensejar condições para o encadeamento entre os postulados teóricos e
a concretude das práticas pedagógicas.
Celestino Alves da Silva Junior, em parecer sobre Relatório de Pesqui-
sa (PIMENTA et al., 2017b), se vale dessa perspectiva para afirmar:

Associando os atos de ensino propriamente ditos aos processos


e circunstâncias, que intervêm nas situações de aprendizagem,
a Didática supera seu viés normativista tradicional, aproximan-
do-se do conceito emergente de Didática Multidimensional.
Pensada em termos mais abrangentes, a Didática se credencia
à posição de núcleo organizador de possíveis ações integradas
entre as diferentes áreas curriculares do curso. (SILVA JUNIOR,
2017, p. 4)

Em síntese elaborada por Melo e Pimenta (2018), as autoras infor-


mam que, no sentido de aprofundar a construção teórico-epistemológica
do conceito de didática multidimensional, Franco e Pimenta, 2016, indi-
cam a interlocução entre a pedagogia de Freire (1996), principalmente, no
que se refere à curiosidade epistemológica, as pesquisas de Ardoíno (1992)
sobre o conceito de multirreferencialidade pedagógica e os pressupostos
de Charlot (2000, 2013) referentes à relação com o saber. Nesse sentido,

48 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


o escopo contemporâneo da Didática pode assim ser entendido como di-
dática multidimensional “articulada a contextos nos quais os processos de
ensinar e aprender ocorrem. Que se paute numa pedagogia do sujeito, do
diálogo, cuja aprendizagem seja mediação entre educadores e educandos.”
(FRANCO; PIMENTA, 2016, p. 3). Essas autoras apontam, ainda, a neces-
sidade de instituir práticas vigorosas de formação de professores, capazes
de contribuir para a construção dos saberes profissionais e da identidade
docente. Diante desses desafios, Franco e Pimenta (2016, p. 8) reafirmam
que “a essa Didática, que tem seu suporte na teoria pedagógica que parte
da práxis educativa e a ela retorna, seria apropriado denominá-la de Mul-
tidimensional”.
Com base nos autores referidos e em suas próprias produções, Fran-
co e Pimenta (2016) explicitam alguns princípios que consideram essen-
ciais à prática pedagógica docente.
1. As atividades que compõem o ensino resultam melhor quando
envolvidas em processos investigativos. Alunos e professores, ao se
articularem como pesquisadores em ação, passam a problematizar a
realidade e a buscar alternativas de pensamento e reflexão. Ao invés
de transmitir conceitos e conteúdos, a perspectiva será a de pesqui-
sar a realidade envolvida com aquele conceito, tendo os saberes das
áreas de ensino como “ferramentas” que ampliam o olhar dos sujeitos
sobre a realidade. É sabido que uma das melhores formas de envol-
ver o aluno nas atividades é mobilizá-lo com perguntas, pesquisas,
buscas e sínteses. (CHARLOT, 2013; FRANCO, 2013; FREIRE, 1979;
PIMENTA, 2012) A sala de aula transformada em oficina de busca e
indagação produz aprendizagens mais consistentes do que aquelas
produzidas em ambientes de transmissão de conteúdos. (GALLEÃO,
2014) A ação de ensinar como prática social é permeada por múl-
tiplas articulações entre professores, alunos, instituição e comuni-
dade, impregnada pelos contextos socioculturais a que pertencem,
formando um jogo de múltiplas confluências que se multidetermi-
nam num determinado tempo e espaço social, impregnando e con-
figurando a realidade existencial do docente. Assim, o fazer docente

as ondas críticas da didática em movimento 49


estará sempre impregnado com as concepções de mundo, de vida
e de existência dos sujeitos da prática. Desta forma, só a pesquisa
contínua e criteriosa pode colocar o professor em processo de con-
textualização do ensinar/aprender, conforme (FRANCO, 2013), e de
ressignificar seus saberes disciplinares. Lembrando, no entanto o
que nos ensina Freire (2007): Antes de qualquer tentativa de discussão
de técnicas, de materiais, de métodos para uma aula dinâmica assim, é
preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache“repousado” no saber
de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. É ela que
me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-conhecer. É bom
realçar que a didática não recomenda técnicas como se fossem neu-
tras, pois sabe que elas só são funcionais se denotarem uma forma
de expressão significativa do professor para o processo de ensinar.
E cada professor trabalha, opera técnicas conforme sua postura, seus
valores, suas expectativas em relação a que alunos pretende e projeta
com seu trabalho.

2. Paulo Freire, em toda sua obra, sempre se referiu à necessidade


de se estabelecer entre alunos e professores um universo comum
de conhecimento, a partir do qual se poderia estabelecer as bases de
um diálogo na perspectiva do logos que vai então se estruturando e se
construindo. Nesse processo, os sentidos vão sendo criados e trans-
formados, conforme Charlot (2000, 2013). Assim, consideramos
que esse segundo princípio seria a necessidade de processos dialo-
gais na sala de aula. Historicamente, esse sentido de diálogo foi sen-
do muitas vezes apropriado como senso comum. Há que se recordar
que o diálogo precisa estar voltado à construção do conhecimento.
Lembra-nos Freire que para aprender é preciso existir, e existir ultra-
passa viver porque é mais do que estar no mundo. É estar nele e com
ele. E é essa capacidade ou possibilidade de ligação comunicativa do
existente com o mundo objetivo, contida na própria etimologia da pa-
lavra, que incorpora ao existir o sentido de criticidade que não há no
simples viver. Transcender, discernir, dialogar (comunicar e participar)

50 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


são exclusividades do existir. O existir é individual, contudo só se realiza
em relação com outros existires. Em comunicação com eles. (FREIRE,
1979, p. 57) Essa exigente proposta de diálogo como criticidade é fun-
damental para superar o sentido banal de diálogo como conversa.
Em sala de aula, o diálogo adquire a perspectiva de problematização
da realidade e de crítica; e com respaldo no projeto político pedagógi-
co coletivo esse trabalho em aula amplia o sentido do ensino para os
estudantes. Essa é a dimensão que precisa ser buscada, a superação
do empírico pelo concreto, o que se faz pelo diálogo e pela teoria. Esse
processo cria sentido e mobiliza para a ação. Afirma Freire em 1979,
que uma educação dialogal e crítica pode conduzir a uma “transiti-
vidade crítica voltada para a responsabilidade social e política e esta
transitividade se caracteriza pela profundidade na interpretação dos
problemas. Pela substituição de explicações mágicas por princípios
causais. […] Pela prática do diálogo”. (FREIRE, 1979, p. 85)

3. Outro princípio que a didática multidimensional recomenda é a


construção de processos de práxis. Na perspectiva freireana, a práxis
significa a “[...] reflexão e ação dos homens sobre o mundo para trans-
formá-lo. Sem ela, é impossível a superacão da contradição opres-
sor-oprimido.” (FREIRE, 1997, p. 38) Temos falado da importância
da reflexão, no entanto, mais uma vez, há que se considerar que a
apreensão apressada do conceito, por parte de muitos professores e
pesquisadores, tem banalizado sua interpretação (PIMENTA, 2011) e
impedido de ser uma proposta contra-hegemônica frente ao pragma-
tismo e ao tecnicismo que tem impregnado as práticas educativas e
sociais. É preciso refletir a partir de um saber comum, de um saber
contextualizado sobre o papel social e político da educação e do traba-
lho docente. Esse movimento da epistemologia reflexiva da prática,
dentro da racionalidade crítica, tal qual proposta por Carr e Kemmis
(1995) e desenvolvida por Pimenta (2002), inova e organiza possibi-
lidades de ruptura com algumas circunstâncias da cultura profissio-
nal institucionalizada que limitam o exercício e o desenvolvimento

as ondas críticas da didática em movimento 51


da autonomia intelectual dos docentes. Por isso, é estratégico para a
superação de condições inadequadas do trabalho do professor. Vale a
pena refletir com Imbert (2003, p. 15, grifo nosso) a distinção que faz
entre prática e práxis, e atentando para a questão da autonomia e da
perspectiva emancipatória, inerente ao sentido de práxis:

Distinguir práxis e prática permite uma demarcação das carac-


terísticas do empreendimento pedagógico. Há, ou não, lugar na
escola para uma práxis? Ou será que, na maioria das vezes, são
simples práticas que nela se desenvolvem, ou seja, um fazer que
ocupa o tempo e o espaço, visa a um efeito, produz um objeto
(aprendizagem, saberes) e um sujeito-objeto (um escolar que
recebe esse saber e sofre essas aprendizagens), mas que em ne-
nhum momento é portador de autonomia.

O exercício da práxis requer processos de conscientização do profes-


sor sobre o papel que desempenha na sala de aula, no mundo, na vida
dos alunos. Somente um professor consciente dessas circunstâncias
pode produzir mudanças e novas perspectivas na vida dos alunos.

4. Construção de processos de mediação. Como a didática pode tor-


nar possível o ensino? Um ensino que proceda à mediação reflexiva
entre os valores e a cultura que a sociedade dissemina e os estudantes
em formação? Pode a didática sozinha dar conta desta tarefa? É claro
que não, no entanto ela, como campo específico de conhecimento,
tem uma responsabilidade social em acompanhar e refletir as mu-
danças que ocorrem no mundo e dar respostas para a ressignificação
dos processos de ensino na perspectiva da aprendizagem do aluno.
E contribuir com os sujeitos desse processo, e com a construção de
situações de aprendizagem significativas, dentre elas as aulas, para
que sejam interessantes, conforme Charlot (2000, p. 73) “[...] uma
aula ‘interessante’ é uma aula na qual se estabeleça, em uma forma
específica, uma relação com o mundo, uma relação consigo mesmo
e uma relação com o outro”. A mediação didática aí penetra ao dispor
aos docentes perspectivas de análise que os ajudem a compreender

52 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


os contextos históricos, sociais, organizacionais, culturais, nos quais
os sujeitos estão, em relação com o saber a ser “reaprendido”.
Assim, a didática se estrutura nas possibilidades de mediação entre o
ensino, prioritariamente na responsabilidade de professores e a apren-
dizagem dos alunos. Enfatizamos que didática é, acima de tudo, a cons-
trução de conhecimentos que possibilitam a mediação entre o que é
preciso ensinar e o que é necessário aprender; entre o saber estruturado
nas disciplinas e o saber ensinável nas circunstâncias e momentos; en-
tre as atuais formas de relação com o saber e as novas formas possíveis
de reconstruí-las.

5. Considerando a complexidade do ato pedagógico de ensinar e apren-


der em contextos, parece-nos relevante considerar que os saberes de
várias áreas sejam mobilizados nesses contextos, pois como nos diz o
poeta João Cabral de Mello Neto “um galo sozinho não tece a manhã”.
À didática multidimensional compete considerar os processos de redes
de saberes, dispondo os saberes da ciência pedagógica aos ensinantes e
aprendentes na criação de suas atividades. E, como nos diz Suchodolski
(1960 p. 477),

[...] não porque [a ciência pedagógica] contenha diretrizes con-


cretas válidas para ‘hoje e amanhã’, mas porque permite realizar
uma autêntica análise crítica da cultura pedagógica, o que facili-
ta ao professor (e à escola, acrescentamos) debruçar-se sobre as
dificuldades concretas que encontra em seu trabalho, bem como
superá-las de maneira criadora.

Na análise de pesquisas apresentadas em eventos nacionais e inter-


nacionais, percebe-se a existência de vasto leque temático – epistemologia
didática; docência e pesquisa; relação professor-aluno-conhecimentos; au-
toridade e autoritarismo; avaliação; projeto pedagógico; metodologias es-
pecíficas; relação comunicacional mediada por tecnologias, formação de
professores crítico-reflexivos, e tantos outras que poderiam sugerir uma
dispersão temática e perda de foco da didática.

as ondas críticas da didática em movimento 53


No entanto, se considerarmos a complexidade do objeto da didática
– o ensino enquanto fenômeno complexo e prática social –, percebemos
que as pesquisas estão apontando para uma abordagem que poderíamos
denominar de multidimensional, para além da multirreferencialidade de
um fenômeno, que não se esgota com a análise de uma única perspectiva,
assumindo “plenamente a complexidade da realidade sobre a qual se inter-
roga.” (ARDOÍNO, 1992, p. 103)
Em consequência, por meio da didática multidimensional temos a
intenção de valorizar o trabalho docente na perspectiva de, em diálogo com
seus saberes de especialistas, de experiências, de cidadãos, disponibilizar
os aportes da ciência pedagógica que contribuam para ampliar suas aná-
lises e crítica, que os ajude a compreender os contextos histórico, sociais,
culturais, organizacionais nos quais se dá sua complexa atividade docente.

E O MOVIMENTO DA CRÍTICA À DIDÁTICA


CRÍTICA PROSSEGUE...

Para finalizar, e com o objetivo de deixar claro que as ondas críticas na


didática permanecem em movimento, abertas a novas ressignificações, re-
tomo do texto com o qual abrimos e desenvolvemos este item, com as pala-
vras de Lenilda Faria (2018, p. 10) , em seu texto A centralidade da didática
na formação de professores: a crítica à didática crítica não é crítica:

A pós-modernidade entendida como ideologia do tempo tardo-


-capitalista, que tanto orienta a vida das pessoas no cotidiano de
suas ações, nos seus modos de pensar, sentir e agir, como também
direciona o pensamento, os estudos, as pesquisas para resultados
que não esclarecem e evidenciam os problemas da realidade como
eles concretamente são, eliminando as possibilidades de se dispor,
de modo efetivo, de meios teóricos e práticos viabilizadores de ações
que venham a contribuir para que esses problemas deixem de ser o
que são, não nos parece de fato ser um avanço.

Assim, entende-se que

54 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


a crítica à didática crítica não é crítica, isto é, a crítica oriunda do
modo pós-moderno de pensar não é crítica. A conclusão a que se
chega respalda-se pela compreensão, segundo a qual uma crítica é
crítica quando apreende os fenômenos na sua radicalidade em suas
raízes. Mas onde estão e quais são essas raízes? Compartilho do
entendimento de que a raiz do homem é o próprio homem; pensar
assim é entender o homem como um ser histórico que se produz e
se modifica em relação com os demais seres humanos como com-
plexo das relações sociais. (FARIA, 2018, p. 17, grifo do autor)

Nesse sentido, nos parece interessante refletirmos sobre a sugestão


que Lenilda Faria (2018, p. 17) nos coloca:

Cabe àqueles que se dedicam à atividade de compreensão da


realidade colocar o pensamento em movimento, fazê-lo aberto
pela interrogação do real, pelo questionamento da realidade e
dos problemas que desafiam a contemporaneidade, pois o cará-
ter histórico-social do conhecimento nos impõe a necessidade do
exercício contínuo de aproximação, sempre inesgotável, porém
objetiva, da realidade. O esforço será o de nos aproximarmos
cada vez mais da verdade objetiva sem nunca a esgotar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços na área da didática trazidos por inúmeros autores – dentre os


quais trouxemos apenas alguns – nas duas décadas finais do século XX e
nas duas iniciais do século XXI, evidenciam o vigor conquistado no âmbito
das pesquisas, no âmbito de sua contribuição à formação de professores,
no âmbito das práticas pedagógicas e docentes. E no âmbito das políticas
educacionais, para os sistemas de ensino, em especial os públicos.
No entanto, inúmeros estudos ainda mostram certa fragilidade da
didática, sobretudo enquanto disciplina nos cursos de formação de profes-
sores (LIBÂNEO, 2010; LONGAREZI; PUENTE, 2010), e estes, por sua
vez distanciados das realidades das escolas, especialmente das públicas
que não são tomadas como referência para formar os futuros professores.

as ondas críticas da didática em movimento 55


As conclusões consequentes que são propaladas em vários espaços
sociais, nas academias e por políticas são: a didática é inútil, porque não
chega à escola e não contribui para melhorar seus índices; a didática “su-
miu” e deve mesmo ficar assim, ou voltar à didática de 1960-1970 e en-
sinar as técnicas que poderão ser aplicadas em qualquer situação e lugar.
Portanto, negar toda e qualquer teoria.
E, por fim, a didática e os professores que não sabem aplicar os instru-
mentos em sua prática são culpados pelo fracasso das aprendizagens dos
alunos, especialmente aqueles que são pobres e estão nas escolas públicas,
por benesse do Estado, que começou a acolhê-los desde os anos de 1980.
Esses estudos e análises são, por vezes, parciais, tendem a firmar al-
gumas conclusões que, por vezes, são frágeis por não considerarem a his-
toricidade do objeto de estudo, as contradições da realidade e dos contextos
nos quais o objeto se insere, os interesses hegemônicos que insistem na
não necessidade de professores serem profissionais e bem remunerados, e
outros fatores. Nem sempre se colocam as questões: quem são os sujeitos
que estão ensinando nas escolas da educação básica? Onde foram forma-
dos? Quais as suas condições de trabalho? Assim como não se indagam
sobre as condições de trabalho e de formação dos professores que ensinam
nos cursos de licenciaturas. (PIMENTA et al., 2014a, 2017)
Encerro este texto com um último item, que poderá ser o início de
outro, com a indagação a seguir.

A QUEM INTERESSA? (ANOTAÇÕES PARA UMA (QUASE)


MANIFESTO EM DEFESA DA DIDÁTICA)

A quem interessa que os avanços na teoria e nas disciplinas didáticas como


os que aqui evidenciamos não alterem o quadro de desigualdade e baixa
qualidade nos resultados do ensino escolar?
A quem interessa que não seja resgatada uma formação de “professo-
res se que sejam autônomos, autores de suas práticas pedagógicas” conforme
Sguarezi (2010, p. 35) A quem interessa sonegar a autoria intelectual dos pro-

56 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


fessores entregando-lhes pelo celular planos de ensino prontos para serem
usados onde quer que estejam?
A quem interessa reduzir a formação de professores a cursos de li-
cenciatura com um tempo hiper-mínimo de duração? A quem interessa
que os salários e os modos de empregabilidade sejam cada vez mais pre-
carizados? A quem interessa transformar os professores dos cursos de li-
cenciatura em horistas, sem direitos trabalhistas? A quem interessa que
os cursos de didática mantenham um forte “caráter instrumental” – como
denuncia a pesquisa de Libâneo (2010).
A quem interessa vender aos sistemas públicos de ensino planos das
disciplinas para os professores acessarem por meios eletrônicos e aplica-
rem em todas as escolas do país? A quem interessa negar a desigualdade
econômica, cultural e social, a diversidade e a multiculturalidade nas esco-
las brasileiras?
A quem interessa que a didática enquanto disciplina supere os proble-
mas: evidenciados em pesquisa realizada por Longarezi e Puente (2010, p. 3):

[...] pequena carga horária em relação às demais disciplinas; em-


pobrecimento do campo da didática no currículo dos cursos [...];
desarticulação da didática tanto em relação a outras disciplinas,
quanto em relação à unidade teoria-prática inerente ao seu pró-
prio campo; relativo abandono do objeto de estudo ‘clássico’ da
didática [...]; ausência de uma identidade própria nos cursos; fal-
ta de vínculo dos processos desencadeados pela didática com o
cotidiano das escolas (estágio); entre outros.

A QUEM INTERESSA O SUMIÇO DA DIDÁTICA?

A comunidade dos pesquisadores e professores de didática tem cumprido


com o seu compromisso: produzir conhecimentos desde, com e para a
práxis pedagógica docente historicamente situada que apontam caminhos
e possibilidades para a superação das desigualdades na sociedade brasi-
leira. Portanto, a didática está presente! Os 3.500 participantes deste XIX
ENDIPE o confirmam.

as ondas críticas da didática em movimento 57


E a didática está presente irmanada às demais áreas que, como ela,
perspectivam a emancipação humana em nosso país. Assim, cabe indagar:
a quem interessar silenciar as nossas vozes?

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64 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


RENOVAR A DIDÁTICA CRÍTICA
uma forma de resistência às práticas pedagógicas
instituídas pelas políticas neoliberais

maria amélia santoro franco

INTRODUÇÃO

A paralisação da reflexão sobre o campo da organização do traba-


lho pedagógico da sala de aula, em suas categorias constitutivas
(o chamado ‘campo da didática’), produziu o espaço necessário
para que ele fosse paulatinamente ocupado por aquelas propostas
que visavam introduzir melhorias na escola tradicional seja pela
via da escola nova ou do tecnicismo, seja por uma combinação
destas, o que acabou por contribuir para revigorar, mais recente-
mente, concepções de educação e de escola que considerávamos,
pelo menos teoricamente, superadas. (FREITAS, 2014, p. 1087)

A consolidação de políticas neoliberais no Brasil tem produzido ten-


sões incalculáveis na prática da pedagogia, da docência e dos saberes insti-
tuídos. Mais do que a reestruturação das esferas econômica, política e social,
o que vem à tona é a redefinição e a reelaboração das formas de significar,

65
de representar e de valorar o mundo. Gentili (1995, p. 244) realça que o
neoliberalismo precisa, entre outras coisas, despolitizar a educação, dan-
do-lhe significado de mercadoria para garantir o triunfo de suas estratégias
mercantilizantes e o necessário consenso em torno delas.
Esta despolitização é uma das principais rupturas que abalam a ra-
cionalidade pedagógica (crítica) da educação. Paulo Freire (2000, p. 95), há
tanto tempo, já se indignava com este processo e afirmou: “Nunca talvez se
tenha feito tanto pela despolitização da educação quanto hoje”.
A ciência da educação em sua história já compreendeu e pesquisado-
res já comprovaram que não funciona oferecer ao educador teorias sobre
fatos e normas observadas por outrem, para que ele, professor, aplique em
sua prática; no entanto, é fundamental auxiliar o educador “a perceber as
exigências de cada situação educacional concreta, de tal forma que ele se
torne apto a levá-las a cabo autonomamente.” (SCHMIED-KOWARZIK,
1983, p. 50)
O que se realça é a necessária formação do professor, do pedagogo,
para o pensamento autônomo, crítico, uma vez que esta posição, sobre
a reflexão da responsabilidade do educador, deve ser o cerne da ciência
pedagógica.
As práticas educativas, quer as práticas de formação do aluno, quer
as do docente, se realizadas de forma apenas tutorial, organizadas de fora
para dentro, mecanicamente reproduzidas, supondo-se práticas neutras,
sem os compromissos com o sujeito e suas circunstâncias, são inviáveis,
correspondendo a ações sem sentido, que não funcionam como práticas
pedagógicas. Por isso, considero que toda pedagogia deva transformar-se
em uma pedagogia para o oprimido, no sentido de trazer o sujeito ao diá-
logo, à reflexão e ao compromisso com a formação.
Nunca é demais evidenciar que quando se fala da politicidade das
práticas pedagógicas, quer-se afirmar que isto não significa a doutrinação
pedagógica ou domesticação pedagógica. Ao contrário, o pensamento críti-
co do professor, é a maior arma contra o proselitismo doutrinário. A politi-
cidade exerce-se na perspectiva freireana, sugerindo que:

66 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


A compreensão dos limites da prática educativa demanda indis-
cutivelmente a claridade política dos educadores com relação a
seu projeto. Demanda que o educador assuma a política de sua
prática. Não basta dizer que a educação é um ato político, as-
sim como não basta dizer que o ato político é também educativo.
É preciso assumir realmente a política da educação. (FREIRE,
1993, p. 46-47, grifos nossos)

Quero realçar a questão da busca da política de sua prática. Essa bus-


ca, essa tarefa é eminentemente pedagógica. Como insiste Freire (1993), a
educação é permanente, é política, não porque certa linha ideológica ou certa
posição política ou certo interesse econômico assim o decidiram. “A educa-
ção é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro,
da consciência que ele tem de sua finitude”. (FREIRE, 1993, p. 22) E mais,
ela se torna política, pelo movimento ontológico do homem no mundo, uma
vez que, ao longo da história, esse homem, incorporou à sua natureza, não
apenas o sentimento de saber que vivia, “mas saber que sabia e, assim, saber
que podia saber mais”. (FREITE, 1993, p. 22, grifo nosso)
Esta politicidade básica é inerente ao ato pedagógico, ou seja, o pro-
fessor ciente de seu papel social como educador, sabendo a favor e contra o
que está atuando, percebendo e reconhecendo-se como sujeito é aquele que
dá direção ao seu ser-no-mundo, como consciência e como compromisso.
Desta forma, pode-se perceber a inadequação que invade os proces-
sos de ensino quando este se torna excessivamente técnico, planejado e
avaliado de fora para dentro, de modo apenas regulatório e opressor e ain-
da, focado somente em seus produtos finais e quando a voz do professor
é calada, não só pela fragilidade de sua formação inicial, como das pre-
cárias condições de formação permanente que lhe são oferecidas, ou ain-
da, pelas condições precárias de exercício de sua profissionalidade, num
mundo comandado pelo mercado e que, para sobreviver, despersonaliza e
despreza a humanidade, silencia os questionamentos políticos da prática;
silencia os sujeitos.
Realçando a despolitização que decorre de processos que tecnificam
as práticas, lembramos de novo de Freire (2000, p. 79, grifo nosso):

renovar a didática crítica 67


A visão tecnicista da educação, que a reduz a técnica pura,
mais ainda, neutra, trabalha no sentido do treinamento instru-
mental do educando, considera que já não há antagonismo nos
interesses que está tudo mais ou menos igual, para ela o que
importa mesmo é o treinamento puramente técnico, a padro-
nização de conteúdos, a transmissão de uma bem comportada
sabedoria de resultados.

Reforça essa posição Kincheloe (1997, p. 55), ao relembrar a inade-


quação dos processos de ensino vinculados à lógica tecnicista, referindo-se
aos positivistas da educação, ele compreende que estes tentam produzir
formas exatas de provas empíricas, para conceitos e para práticas, que não
são empíricas por natureza. E assim pergunta: “Como devemos nós empiri-
camente e precisamente medir a emancipação de um estudante ou sua liberação
dos discursos de poder?”. (KINCHELOE, 1997, p. 55, grifo nosso)
A educação se faz em processo, em diálogos, nas múltiplas contra-
dições que são inexoráveis entre sujeitos e natureza que mutuamente
se transformam. Medir apenas resultados e produtos de aprendizagens,
como forma de avaliar o ensino, pode se configurar, e tem se configurado,
como uma grande falácia dos discursos políticos e produzindo danos irre-
cuperáveis à prática pedagógica.
Considero que a “intervenção” destes discursos, sob forma, muitas
vezes, de suposta inovação pedagógica no trabalho da escola, tem sido pro-
duzida de forma planejada e contínua, dificultando as possibilidades de
crítica e de diálogo das práticas cotidianas. O excesso de regulação das
práticas, sob forma de avaliações externas, currículos congelados em do-
cumentos oficiais, falta de condições de autonomia da escola em organizar
seus projetos e práticas, tem produzido a impossibilidade de práticas re-
flexivas, críticas e mesmo criativas, produzindo o escanteio da didática e o
esgotamento da racionalidade pedagógica, que lhe dá chão e sentido.
Todos nós, quer como pessoas, quer como educadores ou, ainda,
como protagonistas ou participantes das atuais práticas sociais e das edu-
cativas, em especial, estamos buscando compreender as decorrências de
um mundo dominado pelo capital, tentando respirar e encontrar caminhos

68 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


frente a tantas transformações impostas às nossas formas de viver e signi-
ficar o nosso cotidiano. Como todos, estamos nos sentindo deslocados de
nossos olhares sobre a realidade e buscando compreender o impacto das
configurações dos processos decorrentes dos “supostos” reformadores da
educação”, sobre a dinâmica das práticas escolares, da formação dos profes-
sores e dos sentidos que passam a ser atribuídos à pedagogia e à didática.
É o que queremos discutir neste texto: como podemos resistir ao im-
pacto das políticas neoliberais que têm invadido as práticas pedagógicas,
tirando-lhes o sentido e a autonomia? Como podemos dizer não a tanta obs-
cenidade neoliberal? Como rejeitar e não ser conduzido por tantos conluios
empresariais? Como reverter a distorção na consideração epistemológica da
pedagogia e da didática; como fazer valer os resultados das pesquisas em
educação que conduzimos nos milhares grupos de pesquisa de educadores!?
Seguindo António... (2013, grifo nosso), assim nos encaminharemos
no texto: “É tempo de dizer não. Não à degradação da escola pública. Não à
mobilidade dos professores. Não a um país sem futuro. Como dizia Sophia
de Mello Breyner (apud ANTÓNIO..., 2013, grifo nosso): “Perdoai-lhes, Se-
nhor, porque eles sabem o que fazem”.
É tempo de aprofundar, retificar, ampliar a densidade da didática crí-
tica, começando pela recomendação da teoria crítica: elaborar diagnóstico
crítico e construir práticas de resistências. É tempo de dizer não! É tempo
de construir resistências! Comecemos por pontuar elementos que subsi-
diem um diagnóstico critico: recuperando o sentido de pedagogia crítica e,
a seguir, o de didática crítica.

DIAGNÓSTICO CRÍTICO/PEDAGOGIA CRÍTICA

O desafio da teoria crítica consiste em poder renovar seus diag-


nósticos de modo a tornar possível que continuemos formulando
uma perspectiva, a partir da qual os obstáculos à emancipação ou
potenciais emancipatórios, quando presentes numa dada socie-
dade, sejam considerados e analisados de modo crítico. (MELO,
2011, p. 249)

renovar a didática crítica 69


Em um texto de 1937, intitulado Teoria crítica e teoria tradicional, Max
Horkheimer apresentou pela primeira vez o conceito de “teoria crítica”,
no qual indica a crítica de diferentes formas de dominação e o interesse
pelas condições emancipatórias presentes na realidade social. Não se pode
descurar o contexto em que brota o pensamento da Escola de Frankfurt: as-
censão do fascismo, do nazismo e do stalinismo, o declínio dos movimen-
tos operários de esquerda na Europa Ocidental e o colapso dos partidos de
esquerda na Alemanha.
Segundo Marcos Nobre (2004, p. 32, grifo nosso), “a orientação para
a emancipação é o primeiro princípio fundamental” da teoria crítica, além do
comportamento crítico em relação ao conhecimento produzido sob condi-
ções sociais capitalistas e à própria realidade social que esse conhecimento
pretende apreender. Esses princípios também embasam a perspectiva da
teoria crítica da educação, pautada em Adorno (1985, 1995), especialmente
em suas reflexões nos textos da Teoria da semiformação e nos ensaios que
integram a obra Educação e emancipação.
Vilela (2007) é muito precisa ao afirmar que a semiformação, tão
presente nas práticas educacionais contemporâneas, é algo passível de su-
peração, através da transformação das relações sociais que pode ocorrer
frente ao processo educativo. Nesta perspectiva realço a necessidade da
didática crítica, que pela possibilidade de formação do pensamento crítico,
nos alunos e futuros professores, poderá desequilibrar o jogo orquestrado
da opressão construída pelos supostos reformadores da educação.
Como realça Schmied-Kowarzik (1983, p. 114), a semiformação é um
processo de dominação sistemática e devemos denunciá-la e não compac-
tuar com ela: “A semiformação ‘não pode ser explicada a partir de si mes-
ma, porque constitui resultado de um processo de dominação sistemática
por mecanismos das relações político-econômicas dominantes’”.
Denunciar e não compactuar não significa o criticismo estéril de
nada fazer. O próprio Habermas critica os teóricos da Escola de Frankfurt
alertando a necessidade de superar as fragilidades de um diagnóstico
sem saída, fruto de uma “contradição performativa da crítica totalizada.”
(PINZANI, 2009, p. 70)

70 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


Diferentes autores vinculados à teoria crítica se aproximam pela
formulação de um enfrentamento contundente ao capitalismo e às suas
diferentes formas de opressão, sem descurar de refletir sobre barreiras
reais e concretas existentes para a construção de uma nova ordem social.
(BENHABIB, 1986)
A semiformação, ao contrário do ideal da formação, que pretende ser
um processo de emancipação dos indivíduos enquanto sujeitos da práxis
social, produz a acomodação destes sujeitos à situação de dominação a
que estão submetidos. Daí a necessidade de uma pedagogia crítica, a qual
impulsionará a didática crítica.
Caminhando mais para o século atual, é importante destacar os en-
saios de Santos (2000, 2007), que alertam para a necessidade de rein-
ventar também a emancipação, já que a maneira como esta foi formula-
da pelas teorias críticas modernas não responde mais às necessidades do
presente. Mas, para ele, não se trata apenas de uma atualização da teoria
crítica para o tempo presente. É mais que isto. Porque ele considera que,
em sua formulação clássica, a teoria crítica manteve-se restrita ao contexto
de sua criação, Europa ocidental e EUA, ignorando o resto do mundo, as-
sim como os problemas que lhe diziam respeito, como o colonialismo. Ao
ignorar, junto com a ciência dominante, o resto do mundo, a teoria crítica
contribuiu para tornar irrelevante o que se fazia e o que se pensava fora de
seu contexto de origem.
Santos (2000, 2007) sugere que o desperdício de experiências e a
marginalização dos conhecimentos não científicos e não ocidentais dizem
respeito não apenas ao conhecimento-regulação, mas também à teoria crí-
tica moderna. Fato que, em sua concepção, contribuiu para enfraquecer a
teoria crítica moderna, que de conhecimento-emancipação acabou por se
tornar parte do conhecimento-regulação, perdendo com isto grande parte
de seu potencial emancipatório. Assim, ele considera que, para recons-
truir a teoria crítica e reinventar a emancipação social, é preciso romper
com o etnocentrismo e com o cientificismo tanto da teoria tradicional
(conhecimento-regulação), como da teoria crítica moderna (conhecimen-
to-emancipação).

renovar a didática crítica 71


Já Saviani (2008), há tempos vem realçando que uma pedagogia crí-
tica, articulada com os interesses populares, valorizará a escola, e digo eu,
a escola pública, laica, de qualidade, e esta pedagogia deverá estar aten-
ta ao que ocorre em seu interior; estará empenhada em funcionar bem,
portanto, estará interessada em métodos de ensino eficazes. “Tais méto-
dos situar-se-ão para além dos métodos tradicionais e novos, superando
por incorporação as contribuições de uns e de outros”. (SAVIANI, 2008,
p. 69) Serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos
sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor.

[...] favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor,


mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada
historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os rit-
mos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem
perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua
ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-
-assimilação dos conteúdos cognitivos. (SAVIANI, 2008, p. 69)

Eu ainda acrescento e realço que a pedagogia crítica, como tal, de-


verá insistir em projetos de emancipação da classe popular, discutindo
com esta os sentidos desta emancipação e deverá insistir na reflexivida-
de/politicidade dos contextos educacionais e apostar nas aprendizagens
coletivas, colaborativas, integradas numa ecologia de saberes conforme
Santos (1991) e mobilizadas pela dinâmica de uma pedagogia do oprimi-
do. (FREIRE, 1975)
Realcei em recente artigo (FRANCO, 2017) que todo trabalho de Frei-
re sempre se constituiu como pedagogia crítica, e sua perspectiva esteve
sempre no bojo de estudos ulteriores sobre esta questão, uma vez que sua
obra estrutura-se em torno de princípios fundantes da lógica da pedagogia
crítica, dentre os quais ressalto:
1. A finalidade da educação é formar sujeitos conscientes de seu lu-
gar no mundo; sujeitos que, no processo educativo aprendem a dar
nome e sentido ao mundo; jamais sujeitos despersonalizados e ob-
jetos à mercê de um processo que lhe é estranho; a grande questão

72 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


será sempre a de que ensinar é sim educar, numa simbiose que lhe
dá sentido e direção;
2. A educação será sempre um ato de resistência à racionalização da
prática educativa como pretexto de potencializar o desenvolvimento
econômico; a educação jamais poderá se realizar na perspectiva mer-
cadológica, vista como mercadoria e produto descartável e desumani-
zado. A lógica da educação não se coaduna à lógica neoliberal.
3. A construção do conhecimento se fará na prática dialógica; na vi-
vência crítica da tensão entre teoria e prática e jamais como transmis-
são de informações sem vinculação à realidade dos educandos ou dos
educadores; o que implica a construção/reinvenção de uma didática
crítica que tenha por pressupostos os processos emancipatórios e a
dialética opressor/oprimido;
4. A emancipação dos sujeitos da prática deve organizar toda prática
pedagógica, num processo contínuo de luta e compromisso social,
onde se tecem os fundamentos de uma prática democrática e crítica.
Esse processo não se fará, jamais, na perspectiva da doutrinação/do-
mesticação dos sujeitos. Será preciso a voz dos oprimidos para con-
duzir e significar a emancipação pretendida.

DIDÁTICA CRÍTICA

Veiga (1992, p. 39-40), ao realizar um importante estudo da retrospectiva


histórica da didática, enfatiza que esta, ao se colocar na perspectiva da pe-
dagogia crítica, passa a ter como questão central a formação do homem,
especialmente o homem que pertence às camadas mais desfavorecidas da
sociedade, firmando-se como espaço de negação à dominação. Assim, o
enfoque da didática, fundada nos pressupostos da pedagogia crítica, será
o de “trabalhar no sentido de ir além dos métodos e técnicas, procurando
associar escola-sociedade, ensino-pesquisa, professor–aluno”. (VEIGA,
1992, p. 39) Nesta perspectiva, a didática compromete-se com a politi-
zação do professor, procurando, dentre outros aspectos “[...] combater a

renovar a didática crítica 73


orientação desmobilizadora do tecnicismo e recuperar as tarefas especifi-
camente pedagógicas desprestigiadas a partir dos discursos reprodutivis-
tas”. (VEIGA, 1992, p. 39)
Nos anos 1980, no contexto de democratização da sociedade e de
compromisso social por sua transformação, a didática é questionada e ini-
cia-se o movimento em torno de sua revisão, partindo da concepção crítica
da educação.
Candau e Koff (2006, p. 460), em pesquisa que realizaram com pro-
fessores pesquisadores de didática, reafirma a importância do movimento
da revisão da didática, assim afirmando:

[...] observamos que a grande maioria deles(as) assinala a im-


portância da década de 1980, podendo ser esta considerada o
momento de uma verdadeira ‘refundação’ da reflexão e pesquisa
da didática no país. O significado do ‘movimento da didática em
questão’ e a relevância da perspectiva crítica parecem expressar
um consenso na área.

A perspectiva teórica da didática crítica passou a ser associada a prá-


ticas que buscavam renovar tanto a sala de aula, como a formação de do-
centes e recomendava, entre outros aspectos, a politicidade do ensino, com
vistas à contextualização e historicidade dos conteúdos; a consideração da
multidimensionalidade das atividades de ensino; a dialogicidade das/nas
práticas; a utilização de métodos investigativos em sala de aula; além da
pressuposta participação intelectual ativa dos alunos.
As autoras citadas (Candau e Koff) afirmam também que, em sua
pesquisa, os entrevistados, especialistas em didática, também assinalam
que a didática foi sendo novamente tensionada na década final do século
passado e alguns fatores foram lembrados:

Por sua vez, novos elementos parecem ‘afetar’ o campo da didá-


tica, segundo nossos (as) especialistas. São eles: a tentativa da re-
tomada de uma visão tecnicista, em consonância com as atuais
políticas de caráter neoliberal; a necessidade de busca de novos
referenciais para lidar com novos contextos, novos sujeitos, novas
problemáticas, como, por exemplo, a violência, os impactos pro-

74 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


vocados pelas novas tecnologias e pelos meios de comunicação
de massa [...]. (CANDAU; KOFF, 2006, p. 483)

Em recente estudo Franco e Pimenta (2016), preocupadas com essa


questão dos desvirtuamentos conceituais e epistemológicos que reba-
tem sobre a didática, retomamos reflexões sobre a necessária criticida-
de da didática, propondo a didática multidimensional, em que realça-
mos a multidimensionalidade da prática pedagógica, como fundamento
para a postura crítica de tal prática. Os princípios epistemológicos que
fundamentam a didática multidimensional emergiram de nossas pes-
quisas realizadas nos últimos 20 anos e que evidenciam a insuficiência
das didáticas específicas que, muitas vezes, excessivamente voltadas à
estruturação de conteúdos e métodos, acaba apequenando e impedindo
a consideração do ensino em sua perspectiva multirreferencial, multidi-
mensional, histórica e crítica.
Consideramos que as didáticas específicas, ao focarem suas práticas
nas metodologias voltadas à estruturação dos conteúdos das diferentes dis-
ciplinas, produzem um foco excessivo na dimensão disciplinar, retirando da
tarefa do ensino sua necessária multidimensionalidade. Acreditamos que o
ensino é uma atividade multidimensional em todas as esferas disciplinares,
o que requer uma dinâmica de convergência nos atos e nas formas de en-
sinar. Requer, especialmente, fundamentos pedagógicos, que sustentem a
práxis educativa e que ofereça à didática a base epistemológica para atuar na
dialeticidade e na complexidade que a tarefa de ensino requer. O foco exces-
sivo nos conteúdos disciplinares acaba se transformando em uma camisa
de força que impede a prática crítica do ensino, facilitando a compreensão
das atividades de ensino como tecnologia organizativa de materiais supos-
tamente didáticos, subsidiando assim, as práticas tecnicistas.
O excessivo e impertinente controle e regulação das práticas educa-
tivas tem criado uma cultura de venda de materiais de ensino, de cursos
que apenas certificam e com isso, aos poucos, o sentido da educação vai
se deturpando. Trata-se da prática intensiva da semiformação, que se apro-
funda através do controle capitalístico da indústria cultural, reificando os

renovar a didática crítica 75


pressupostos de uma didática tecnicista e impedindo a prática de uma di-
dática crítica, multidimensional, problematizadora, dialogal.
Parece ser um consenso a consideração de que o mal-estar atual
da didática se deve, estruturalmente, à perspectiva de se considerar a
educação dentro da lógica mercadológica, conferindo-lhe substância de
tecnicismo e de objetividade que são incompatíveis à sua natureza cri-
tico-dialética. Quero inserir algumas considerações que acredito estão
produzindo também rupturas nas possibilidades críticas da pedagogia e
da didática.

Não há linearidade entre ensinar e aprender!1

A pedagogia e suas práticas são da ordem da práxis; assim ocorrem em


meio a processos que estruturam a vida e a existência. A pedagogia cami-
nha por entre culturas, subjetividades; sujeitos e práticas. Caminha pela
escola, mas a antecede, acompanha-a e caminha além. A didática possui
uma abrangência menor, mais focada nos processos escolares dentro das
salas de aula. A pedagogia coloca intencionalidades, projetos alargados;
a didática compromete-se a dar conta daquilo que se instituiu chamar de
saberes escolares. A lógica da didática é a lógica da produção da aprendiza-
gem (nos alunos), a partir de processos de ensino previamente planejados.
A prática da didática é, portanto, uma prática pedagógica. A prática peda-
gógica inclui a didática e a transcende.
Frente a esta imprevisibilidade fica difícil determinar a priori os ca-
minhos rígidos para um processo de ensino-aprendizagem; o educador
pedagógico sabe que apenas será possível, planejar atividades que talvez
conduzam à aprendizagem!
É por isso que a didática crítica trabalha na perspectiva da imponde-
rabilidade: o professor sabe que cada situação pedagógica é única e deve
estar preparado para adequar procedimentos e métodos que melhor se
adaptem às circunstâncias do momento. Desta forma, as aprendizagens

1 Parte deste texto já foi discutido em Franco (2015).

76 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


que os supostos reformadores do ensino querem produzir só podem se
configurar como treinos de respostas prontas. Meros ensinos que, não ne-
cessariamente, produzem aprendizagens.
O bom professor sabe que é impossível controlar a aprendizagem
que decorrerá de uma determinada situação de ensino. Esse professor, na
perspectiva da didática crítica, sabe que as aprendizagens são caminhos
construídos pelos sujeitos a partir de suas interpretações e vivências nas
diferentes esferas de vida.
Planeja-se o ensino na intencionalidade da aprendizagem futura do
aluno. No entanto, o grande desafio da didática tem sido a impossibilidade
de controle ou previsão da qualidade e da especificidade das aprendizagens
que decorrem de determinadas situações de ensino.
O planejamento do ensino, por mais eficiente que seja, não poderá
controlar a imensidão de possibilidades das aprendizagens possíveis que
cercam um aluno. Como saber o que o aluno aprendeu? Como planejar o
próximo passo de sua aprendizagem? Precisamos, conforme preconiza a
didática na perspectiva crítica, de acompanhamento crítico e dialógico dos
processos formativos dos alunos. Como sempre nos lembrou Freire, é no
ensinando-se que a educação se realiza.
A contradição sempre está posta nos processos educativos: o ensi-
no só se concretiza nas aprendizagens que produz! E as aprendizagens,
em seu sentido alargado e bem estudadas pelos pedagogos cognitivistas,
decorrem de sínteses interpretativas realizadas nas relações dialéticas do
sujeito com seu meio. Não são imediatas, não são previsíveis, ocorrem
por interpretação do sujeito, dos sentidos criados, das circunstâncias
atuais e antigas, enfim: não há correlação direta entre ensino e aprendi-
zagem. Quase que se pode dizer que as aprendizagens ocorrem sempre
para além, ou para aquém do planejado; ocorrem nos caminhos tortuo-
sos, lentos, dinâmicos das trajetórias dos sujeitos. Radicalizando essa
posição, Deleuze (2006, p. 237) afirma que jamais será possível saber e
controlar como alguém aprende.
Os processos de concretização das tentativas de ensinar-aprender
ocorrem por meio das práticas pedagógicas. Essas são vivas, existen-

renovar a didática crítica 77


ciais por natureza, interativas e impactantes. As práticas pedagógicas
são aquelas práticas que se organizam para concretizar determinadas
expectativas educacionais. São práticas carregadas de intencionalidade
e isto ocorre porque o próprio sentido de práxis configura–se através
do estabelecimento de uma intencionalidade, que dirige e dá sentido à
ação, solicitando uma intervenção planejada e científica sobre o objeto,
com vistas à transformação da realidade social. Tais práticas, por mais
planejadas que sejam, são imprevisíveis porque nelas, “[...] nem a teoria,
nem a prática tem anterioridade, cada uma modifica e revisa continua-
mente a outra.” (CARR, 1996, p. 101)
As aprendizagens ocorrem entre os múltiplos ensinos que estão pre-
sentes, inevitavelmente, nas vidas das pessoas e que competem ou poten-
cializam o ensino escolar. Há sempre concomitâncias de ensino. Aí está
o desafio da didática hoje: tornar o ensino escolar tão desejável e vigoroso
quanto outros “ensinos”, que invadem a vida dos alunos.
Devemos, como professores e praticantes da didática crítica, desmis-
tificar a relação direta entre ensinar e aprender. Essa relação apequena os
processos de aprendizagem, fazendo crer que só o que é ensinado é apren-
dido e menosprezando a capacidade de autonomia intelectual do aluno e
as possibilidades de “improvisos pedagógicos” por parte dos professores.
A partir do conhecimento da complexidade das práticas pedagógicas de
ensinar e aprender, sabe-se hoje que a tarefa de ensinar é muito mais re-
troativa, que acompanha o processo existencial do aluno, do que impositi-
vas, na perspectiva do tem que aprender assim e agora. Não se aprende por
decreto, nem por roteiros pré-programados; aprende-se na dialogicidade,
pela negociação de sentidos.

O ensino é práxis formativa: ensinar é sempre formar sujeitos

Tenho visto muitos alunos repetirem a frase muito presente nas redes so-
ciais: “educar é para famílias e ensinar é tarefa das escolas”. Vejo isso como
um grande equívoco. Não posso conceber um ensino fora da perspectiva
da formação!

78 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


Num filme de 2013, Monsieur Lazhar,2 aqui traduzido como O que traz
boas novas, esse assunto aparece, quando os pais pressionam o professor
argelino dizendo-lhe: “você foi contratado para ensinar e não para educar”.
Acredito ser impossível separar o ensino e considerá-lo uma ação
apenas transmissível e neutra de informações. Apesar de tão conhecida e
repetida a fala de Paulo Freire, de que a educação é sempre um ato político,
ainda vemos muitos professores considerando que sua missão seja apenas
a de transmitir informações, sem contextualização, sem criticidade e quase
sempre sem dialogicidade.
Considero que as relações entre professor, aluno, currículo e escola
são relações que impõem uma convivência, tensional e contraditória, entre
o sujeito que aprende e o professor que se organiza e prepara as condições
para ensinar. O professor pode encontrar meios para viver a dissonância
das resistências e resignações postas pelo aluno, quer atuando como de-
sencadeador de processos de aprendizagem; quer como “acompanhador”
das possibilidades múltiplas de retorno de sua ação.
Como a vida, o que decorre da ação de um bom ensino serão sempre
situações imponderáveis!
O importante é acompanhar, vigiar, recompor e readequar o planeja-
do inicial. Essa dinâmica, que vai do desencadear nos alunos de situações
desafiadoras, intrigantes, exigentes, aos retornos que os alunos produzem,
misturando vida, experiência atual e interpretações dos desafios postos,
é a marca da identidade do processo ensino-aprendizagem, visto em sua
complexidade e amplitude.
Considero que as práticas pedagógicas devam se estruturar como
instâncias críticas das práticas educativas, na perspectiva de transformação
coletiva dos sentidos e significados das aprendizagens.
O professor, no exercício de sua prática docente, pode ou não se exer-
citar pedagogicamente. Ou seja, sua prática docente, para se transformar
em prática pedagógica requer, pelo menos dois movimentos: o da reflexão
crítica de sua prática e o da consciência das intencionalidades que presi-

2 Direção de Philippe Falardeau.

renovar a didática crítica 79


dem suas práticas. A consciência ingênua de seu trabalho impede-o de ca-
minhar nos meandros das contradições postas e, além disso, impossibilita
sua formação na direção de um profissional crítico. (FREIRE, 1979)
A ação educativa verdadeira só pode ser vista como práxis que inte-
gra, conforme Kosik (1995), dois aspectos – o laborativo e o existencial – e
se manifesta tanto na ação transformadora do homem, como na formação
da subjetividade humana. Quando se deixa de considerar o lado existen-
cial, a práxis se perde como significado e permite ser utilizada como mani-
pulação. (FRANCO, 2001)
A compreensão da práxis é tarefa eminentemente pedagógica. Kosik
(1995, p. 222) realça que a práxis é a esfera do ser humano, portanto, não
é uma atividade prática contraposta à teoria, mas práxis “é determinação
da existência como elaboração da realidade”. Uma intervenção pedagógica
como instrumento de emancipação considera a práxis como uma forma de
ação reflexiva que pode transformar a teoria que a determina, bem como
transformar a prática que a concretiza.
Assim reafirmo que o ensino, transformado meramente em prática de
passar conteúdos, sob forma de informações, é semiformação e não pode ser
considerado uma prática de formação, mas se não mobilizar a participação e
envolvimento do sujeito, será apenas prática de manipulação.
Recorro novamente a Adorno (1985) para realçar a importância do
conceito de indústria cultural, expresso na Dialética do esclarecimento para
se referir à cultura intencionalmente produzida e sistematizada pelo mer-
cado, que funciona como braço privilegiado a serviço do sistema capitalista
como um poderoso instrumento de dominação de consciências.
A afirmação de que ensinar é só “passar o assunto”, favorece gran-
demente essa indústria, fragilizando a formação do sujeito. Considero que
atuar criticamente contra a semiformação, requer um ótimo trabalho de
formação, um trabalho contínuo e persistente, na perspectiva da crítica
e do diálogo com estas circunstâncias. Esta dinâmica de contra hegemo-
nia, pressuposta à didática crítica, poderá, talvez, conduzir a práticas de
resistências e de emancipação às práticas neoliberais que têm invadido as
práticas educativas.

80 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


É realmente o desafio de quem milita na perspectiva de que o ensino
necessita de uma lógica crítica para sobreviver. Assim se expressam os
autores Bandeira e Oliveira (2012, p. 231):

O grande desafio que se nos coloca no âmbito educacional hoje,


à luz do pensamento de Adorno, é a crítica da semiformação,
tal como se apresenta não só no contexto macrossocial, mas no
espaço da própria sala de aula, buscando captar, de forma críti-
ca, suas tendências intrínsecas. Somente por este caminho será
possível fazer emergir uma formação cultural que venha a con-
tribuir para a ampliação dos horizontes dos indivíduos, para a
emergência de sujeitos conscientes de suas potencialidades e
artífices da própria história.

Essa questão nos conduz a pensar na validade do termo da universa-


lização do ensino: será que universalizamos o ensino ou apenas universa-
lizamos os espaços de colocação da criança numa suposta escola, que não
ensina ou ensina pouco?

A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA

Já na introdução chamei pelo clamor de Nóvoa: “É tempo de dizer não”.


E sigo com ele: “Não à degradação da escola pública. Não à mobilida-
de dos professores. Não a um país sem futuro”. (ANTÓNIO..., 2013)
Verifico que esta questão está mundializada! E deparo a angústia
na escrita de Gomes (2015), ao estranhar os caminhos da pedagogia em
Portugal e no mundo e ao sugerir a tese de que é possível perturbar a ma-
triz fundadora do pensamento sobre educação, aceitando sua história, seus
acasos e o risco de pensamentos outros sobre a pedagogia:

Hoje, em Portugal, nós, professores e educadores (e mães), es-


tamos perante um novo ciclo do regresso ao básico, por via de um
conjunto amplo e heteróclito de medidas políticas. Destaco aqui
apenas: o aumento do número de alunos por turma e por escolas
e a redução das aprendizagens ao que é objectivamente mensu-
rável. (GOMES, 2015, p. 3, grifo nosso)

renovar a didática crítica 81


Esse retorno ao básico (back to basic) é visto pela autora como a in-
tenção das políticas educacionais de controle e normalização do trabalho
dos professores, em uma tentativa de asfixia das dimensões humanas e
pedagógicas do trabalho docente. “O que se designa de regresso ao básico,
como se de um regresso a saberes fundamentais, canónicos e indiscutíveis
se tratasse, é, acima de tudo, um reforço da submissão da infância e de
tudo o que há de infantil na relação pedagógica”. (GOMES, 2015, p. 3)
Segundo a autora, devemos, como pedagogos e profissionais da
educação, resistir à volta desse básico proposto pelos reformadores da
educação. Afinal, já havíamos caminhado em outra direção e, como es-
crevi na epígrafe inicial: imaginar que ainda hoje, as supostas reformas
empresariais na educação baseiam-se em concepções de educação e de
escola que considerávamos, pelo menos teoricamente, superadas. (FREI-
TAS, 2014, p. 1087)
Gomes (2015) constata que a globalização das economias, dos mer-
cados e dos trabalhadores têm produzido desacertos nas concepções peda-
gógicas das escolas e nos processos de educação. Referindo-se à realidade
de Portugal, afirma que os rankings das escolas, a par de instrumentos de
regulação nacional e internacional dos resultados da escolarização, pro-
movem a entrada da lógica mercantil nos processos de educação. Destaca:
“pretende-se assim que a educação e o trabalho das escolas e dos professo-
res sejam mais mensuráveis e comparáveis e que os vectores de distinção
e diferenciação mecanizem-se e vejam sua eficácia burocraticamente con-
trolada e certificada.” (GOMES, 2015, p. 2)
Esse movimento neoconservador já tinha sido analisado por Apple
(1989, p. 129-130) e também bastante evidenciado por Gimeno Sacristán e
Pérez Gómez (1998, p. 162), ao afirmarem que:

[...] a crítica à escola, às suas práticas e ao conhecimento que


lecionam é feita do ponto de vista da produção. A chamada ‘volta
ao básico’ (back to basic) que esse discurso conservador preconi-
za supõe se concentrar nas aprendizagens mais imediatamente
rentáveis, a crítica a qualquer outra ‘distração cultural’ no currí-
culo [...] a regressão aos métodos eficientistas, a ênfase no con-
trole mais rígido do currículo [...].

82 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


As políticas mercadológicas retiram as especificidades pedagógicas,
naturalizando práticas simplistas de ensinar e aprender, fazendo crer
que basta copiar/colar/repetir e dar respostas certas, para que a educação
se realize. Como romper essa lógica tão presente nas práticas e políti-
cas educacionais? Acredito em práticas contra hegemônicas, produzidas
pela didática crítica, práticas que produzam nos alunos e futuros docen-
tes a consciência da necessidade de resistir a essas supostas facilidades
propostas pelas reformas. É preciso a ação revolucionária das práticas
críticas, que têm como base a reflexividade, a politicidade e o diálogo in-
vestigativo como base do método. Mais que nunca a didática crítica pode
ser um caminho.

CONCEITOS EMPRESARIAIS

Por que nos curvamos e não dizemos não, quando invadem nossas con-
vicções? Por que assumimos conceitos que deturpam o sentido da educa-
ção? Por exemplo: por que aceitamos falar de tutores ou agentes de ensino
substituindo o conceito de docência? Por que aceitamos e reproduzimos
o vocábulo “protagonismo” na escola, substituindo o conceito que nos é
tão caro, de autonomia intelectual? Por que aceitamos a substituição dos
orientadores educacionais e hoje temos o tutor de vida e trabalho, nas esco-
las de tempo integral do estado de São Paulo? Há muitos outros exemplos,
mas o importante é que devemos resistir em propagar e dar credibilidade
a esses conceitos estratégicos.
Somos gerentes, gestores ou somos diretores de escola, ou adminis-
tradores das condições educativas das escolas?
“Rankear” as escolas? Por que damos tanta importância a isso? Será que
as medidas que fundamentaram o tal ranking representam nossa concepção
de educação? O que informam esses rankings sobre boa formação, processos
de autonomia/emancipação?
Por que assumirmos desenvolver em nossas escolas projetos pré-
-prontos e que nada significam aos participantes desta escola?

renovar a didática crítica 83


Esses mecanismos de troca de nomes de conceitos já consagrados
tendem a produzir um “senso comum” na sociedade a favor dessas for-
mulações. Devemos resistir a esses traços de interpretação ingênua dessas
substituições de nomenclatura. Não é apenas uma questão semântica; é
uma forma de colonização da cultura educacional pela lógica empresarial.

REFLEXÕES FINAIS

Segundo Hill (2003, p. 24), Glenn Rikowski, desenvolve uma análise mar-
xista baseada no estudo da força de trabalho. Referindo-se à educação, ele
sugere que os professores são os mais perigosos dos trabalhadores porque
eles têm um papel especial na formação, no desenvolvimento e na força
da única mercadoria sobre a qual depende o sistema capitalista: a força
de trabalho.
Rikowski, de acordo com Hill (2003, p. 25, grifo nosso), defende que
o Estado precisa controlar esse processo por duas razões:

Primeiro, para tentar assegurar que ele ocorra. Segundo, para


tentar assegurar que os tipos de pedagogia opostos à produção da
força de trabalho não existam e não possam existir. Especialmente,
como fica claro nesta análise, o Estado capitalista tentará destruir
qualquer forma de pedagogia que tente educar os estudantes sobre seu
verdadeiro predicamento – a criação de uma consciência própria
como futura força de trabalho e a sustentação desta consciência
com uma visão crítica que procure solapar o pacífico funciona-
mento da produção social da força de trabalho. Este medo implica
no rígido controle, por exemplo, do currículo para a formação e
capacitação do professor, do ensino, e da pesquisa em educação.

Paulo Freire nos deixou seu legado que se vincula à necessária poli-
ticidade da educação. Disso decorre a compreensão de que, para aprender,
o aluno precisa se fazer sujeito, cobrir-se de humanidade e construir sen-
tidos: fazer-se um sujeito que se vê no mundo e que pode dizer-se autor
desse mundo. Ensinou-nos Paulo Freire: despersonalizados, somos opri-
midos e mudos!

84 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


Paulo Freire também realça que para fazer-se educador e pedagogo é
fundamental estar no mundo, com o mundo e fazer de sua prática aquilo
que consolida sua teoria e de sua teoria o que continuamente reajusta e
concretiza a prática.
Mais uma vez, quero realçar que a racionalidade pedagógica, que
fundamenta a didática crítica, requer a práxis da reflexão; do diálogo e da
politicidade – ser e estar no mundo conscientemente – e que esta racio-
nalidade tem sido posta de lado no mundo contemporâneo, devido à força
com que as políticas neoliberais têm destruído nossa cultura pedagógica.
Em decorrência, percebe-se que a sociedade contemporânea tem se afas-
tado dessa racionalidade crítica em prol da lógica neoliberal que simplifi-
ca e tecnifica os processos pedagógicos, despersonalizando os sujeitos da
prática, quer alunos, quer professores. Considero isso um crime à nossa
humanidade, à nossa possibilidade de ser-mais.
Desta forma, vislumbro a necessidade de os educadores unirem-se em
resistência e tomarem para si o urgente compromisso de lutar por processos
e práticas críticos e exercerem o direito e o dever de resistir, de dizer não aos
impactos dos que, na perspectiva empresarial, sugerem reformas na educa-
ção, desconsiderando as necessidades inerentes aos processos educativos.

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88 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS
desafios para a didática na cibercultura

edméa santos
tatiana stofella sodré rossini

INTRODUÇÃO

Em tempo de aprendizagem ubíqua (SANTAELLA, 2010), emergem no-


vas práticas socioculturais resignificando atividades já legitimadas anterior-
mente em um curto espaço de tempo. A velocidade das transformações so-
ciais é instaurada pelos avanços tecnológicos dos dispositivos digitais, onde
o tempo e espaço são subjetivos e ao mesmo tempo contínuos. A informa-
ção disponibilizada no ciberespaço permite o seu acesso de qualquer lugar
do planeta, desde que possua um artefato digital com acesso à rede mundial
de computadores. Nesse sentido, a aprendizagem torna-se cada vez mais
aberta e espontânea em razão da facilidade de acesso livre e contínuo da in-
formação. Com o advento da Web 2.0 e mais recentemente do app-learning,
aprendizagens ubíquas com usos de aplicativos para dispositivos móveis,
novas possibilidades emergiram e tem contribuído para a participação do
social na rede, principalmente no aspecto de autoria.

89
O movimento de software livre, conhecido também como Free Libre
and Open Source Software (FLOSS), tem se consolidado cada vez mais no
âmbito global, propiciando o aperfeiçoamento constante de programas/
aplicativos/serviços por praticantes em sintonia com o espírito do tem-
po. A abertura de códigos informáticos permite a construção colaborativa
horizontal e a livre participação possibilitando a personalização para cada
contexto a ser empregado. Primeiramente, começou com softwares com-
plexos, como por exemplo, o sistema operacional Linux, depois com apli-
cativos mais simples (ex: Mozila1), até chegar a customização e remixagem
(LEMOS, 2008) de serviços oferecidos na internet (ex: Flickr2).
Em 2002, a partir da iniciativa do Massachussetts Institute of Te-
chnology (MIT) de disponibilizar materiais de cursos on-line para acesso
aberto (open access), a United Nations Educational Scientific and Cultural
Organization (Unesco) cunhou o termo “Open Educational Resources”
(OER), conhecido como “Recursos Educacionais Abertos” (REA), no Fo-
rum on the Impact of Open Courseware for Higher Education in Deve-
loping Countries. Neste fórum, os participantes definiram os REA como
materiais digitais oferecidos de forma livre e aberta para professores, es-
tudantes e a comunidade acadêmica em geral para uso, remixagem e com-
partilhamento na docência, aprendizagem e pesquisa. (LEMOS, 2008)
O objetivo é promover a produção colaborativa de “bens culturais comuns”
(AMIEL, 2012), conhecidos como commons, para toda a humanidade e tor-
ná-los disponíveis gratuitamente e devidamente licenciados, em prol do
conhecimento globalizado e da redução de custos na compra de livros di-
dáticos impressos. (UNESCO, 2009)
Com a intensificação do movimento de software livre, várias institui-
ções educacionais internacionais começaram a oferecer livre acesso a con-
teúdos abertos de cursos de graduação e pós-graduação para a comunidade
acadêmica em geral. Os REA podem ser conteúdos de aprendizagem de
cursos abertos, interfaces de apoio ao desenvolvimento, à utilização, ao

1 Mozila é um Software livre que possui o código aberto para ser transformado pelos usuários.
2 Flickr é um software social o qual fornece suporte para grupos de pessoas interagirem colabo-
rativamente, compartilhando informações e recursos.

90 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


reuso, à busca, à organização e à autoria de conteúdos, bem como, siste-
mas de gerenciamento de aprendizagem e recursos de implementação que
abrangem licenças para a disseminação da informação. (HYLÉN, 2005)
Os REA possibilitam a ampliação do acesso ao conhecimento e tam-
bém fazem uso de licenças abertas – as mais utilizadas são as da Creati-
ve Commons – que são incorporadas para garantir o seu reuso e a sua
disseminação sem ter que pedir permissão ao autor ou pagar o uso de
direitos autorais. As licenças Creative Commons são as mais utilizadas
para licenciamento de diversos tipos de conteúdos abertos, pois facilitam a
sua reapropriação, garantindo a propriedade intelectual e criativa do autor.
Os REA podem ser construídos em aplicativos preferencialmente gratuitos
e disponibilizados em interfaces da Web 2.0, como por exemplo, Flickr,
YouTube e Moodle.
Os REA são considerados uma das práticas da Educação Aberta, que
é caracterizada por várias configurações de ensino e aprendizagem, tais
como: liberdade do local de estudo, aprendizagem por módulos conforme
o ritmo do estudante, autoinstrução com reconhecimento formal ou in-
formal da aprendizagem, acesso gratuito aos cursos oferecidos, ausência
de pré-requisitos para cursar uma determinada disciplina, acessibilidade
às pessoas com deficiência, utilização de REA na educação formal ou in-
formal criados por professores e alunos, práticas pedagógicas centradas no
discente, utilização de softwares abertos e acesso aberto ao repositório de
pesquisas científicas, dentre outras. (SANTOS, 2012)
Um modelo emergente que está sendo muito utilizado na educação via
internet é o Massive Open Online Course (MOOC). Baseado na teoria conec-
tivista desenvolvida por George Siemens (2005) e Stephen Downes (2012), o
MOOC é construído dinamicamente de acordo com o engajamento e os in-
teresses de docentes e estudantes, sem haver pré-requisitos ou qualquer res-
trição, como por exemplo, a quantidade de participantes. Segundo Siemens
(2005), o conectivismo integra princípios explorados pelas teorias do caos,
da rede, da complexidade e da auto-organização. Para o autor, a aprendiza-
gem é um processo que ocorre dentro de ambientes nebulosos e não inteira-
mente sob o controle dos indivíduos. O conhecimento passa a ser acionável

recursos educacionais abertos 91


por meio de conexões de informações internas e externas especializadas.
Nesse sentido, o conhecimento pode residir fora de nós mesmos, sendo ne-
cessário saber distinguir quais informações são importantes e quais alteram
a tomada de decisões realizadas no passado. (SIEMENS, 2005)
Atualmente, o Brasil encontra-se defasado em relação à produção e ao
compartilhamento de REA quando comparado no âmbito internacional, ten-
do em seus repositórios conteúdos digitais e/ou links de materiais que não
necessariamente estão licenciados em Creative Commons. Por exemplo, o
Portal do Professor criado pelo Ministério da Educação (MEC) e a Educopé-
dia, criada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro em parce-
ria com o Oi Futuro, são repositórios de conteúdos digitais, mas não podem
ser considerados REA em razão das suas concepções não estarem de acordo
com a essência da filosofia de acesso aberto. Ou seja, materiais educacionais
com restrição de acesso por meio de senhas, protegidos por direitos autorais
e sem licenciamento para compartilhamento, uso e reapropriação.
O instituto de tecnologias de informação na educação da Unesco está
lançando o projeto “Open Educational Resources in Brazil: State-of-the-
-art” para promover o movimento de REA nos países que não falam inglês,
tendo o Brasil como um desses protagonistas. Esse projeto possui reco-
mendações de iniciativas de REA no contexto do plano de ação no escopo
do Plano Nacional da Educação (PNE)3 de 2011-2020, que está pendente de
aprovação do governo. (SANTOS, 2011) Este projeto de lei apresenta dez
diretrizes objetivas e vinte metas e suas respectivas estratégias de concreti-
zação. Os REA fazem parte da Meta 7 do PNE:

7.10) Selecionar, certificar e divulgar tecnologias educacionais


para educação infantil, o ensino fundamental e ensino médio, as-
segurada a diversidade de métodos e propostas pedagógicas, com
preferência para software livre e recursos educacionais abertos,
bem como acompanhamento dos resultados do sistema de ensino
que forem aplicadas;

7.12) Implementar o desenvolvimento de tecnologias educacio-


nais, e de inovação das práticas pedagógicas nos sistemas de en-

3 Projeto de Lei Federal no 8.035/2010.

92 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


sino, inclusive a utilização de recursos educacionais abertos, que
assegurem a melhoria do fluxo escolar e a aprendizagem de alu-
nos. (BRASIL, 2010)

De acordo com Pretto (2012), as políticas da educação devem estar


em sintonia com ações que promovam a implementação de softwares e har-
dwares livres e abertos, garantam conexões de banda larga de qualidade,
transformem os direitos autorais e seus financiamentos com recursos pú-
blicos, criem legislações para padrões abertos e, principalmente, garantam
os processos formativos dos cidadãos. Para isso, as múltiplas potencialida-
des que a infraestrutura tecnológica nos oferece necessitam ser exploradas
para ampliar cada vez mais a participação social na produção e comparti-
lhamento de culturas e de conhecimentos, tanto em processos formativos
formais quanto informais.
Nesse sentido, a autoria de docentes e estudantes torna-se importante
para a criação de REA e também para a sua sustentabilidade. Assim, a es-
cola passa a se tornar um espaço de construção do conhecimento, onde as
diferenças, as experiências, as informações oriundas de outras redes edu-
cativas que cada praticante forma e se forma são levadas em conta, contri-
buindo todos para o aperfeiçoamento contínuo do saber. Dessa forma, o as-
pecto colaborativo e participativo da educação necessita ser resgatado para
entrar em sintonia com os movimentos emergentes de abertura e liberda-
de. Somente com essas articulações que a educação baseada na criação, na
participação e no compartilhamento poderá ser uma realidade planetária.

EDUCAÇÃO ABERTA, CONECTIVISMO


E RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS

O movimento para uma Educação Aberta tem se intensificado cada vez mais
em busca de processos de ensino e aprendizagem cada vez mais complexos
e flexíveis, levando em consideração a diversidade de contextos e os interes-
ses dos participantes com vistas à colaboração, à interatividade, à liberdade,
sem restrições de uso, reapropriações e compartilhamento. (AMIEL, 2012)

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A partir da Declaração da Cidade do Cabo (2007), o movimento da
Educação Aberta surge como metodologia de educação, convidando alunos,
professores, Governos, editoras, instituições de ensino, dentre outros, a se
comprometerem com três estratégias para aumentar o impacto e o alcance
dos REA. São elas: a) encorajar educadores e estudantes a criar, utilizar, adap-
tar e melhorar os REA de forma colaborativa, fazendo estes, parte integrante
da educação; b) disponibilizar e licenciar os recursos em formatos abertos
e acessíveis sob o domínio de professores, autores, editoras e instituições e;
c) fazer a Educação Aberta como uma prioridade, onde recursos financiados
com o dinheiro público devem ser abertos, dando preferência a produção e
ao compartilhamento de REA. Segundo a declaração, essas estratégias cons-
tituem um bom investimento no ensino e aprendizagem para o século XXI.
A abertura pressupõe o livre acesso aos recursos disponibilizados por
terceiros, bem como a ausência de pré-requisitos e qualificações prévias
para utilizá-los. Também pressupões que os materiais sejam construídos
em aplicativos de formatos abertos para que seja possível a interoperabi-
lidade e a padronização entre os diferentes repositórios. Esses recursos
podem ser planos de aulas, vídeos, imagens, livros, jogos, sons, textos,
softwares e outros materiais de apoio ao ensino e aprendizagem. Eles con-
tribuem para uma educação mais acessível a todos, propiciando menos
custos e potencializando a evolução das sociedades globalizadas. Assim o
compartilhamento, a transparência, a imprevisibilidade, a participação são
características de uma prática educacional aberta, onde docentes e discen-
tes produzem cultura e conhecimento.
Com isso, o movimento da Educação Aberta depende dos recursos
educacionais abertos (REA), que na verdade, são

[...] materiais de ensino, aprendizagem e pesquisa veiculados em


qualquer suporte ou mídia, que estejam sob domínio público ou
licenciados de maneira aberta por licenças de direito autoral livres,
tais como as do Creative Commons10, permitindo que sejam utili-
zados ou adaptados por terceiros. O uso de formatos técnicos aber-
tos, bem como de softwares livres e formatos abertos de edição,
facilita o acesso e a reutilização potencial dos recursos publicados

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digitalmente. Os REA podem incluir cursos completos, partes de
cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, tes-
tes, softwares, e qualquer outra ferramenta, material ou técnica,
que possa apoiar o acesso e a produção de conhecimento. (ROSSI-
NI; GONZALEZ, 2012, p. 38)

Segundo Rossini e Gonzalez (2012), a filosofia dos REA é tornar os


materiais educacionais como bens comuns e públicos, acessíveis a todos,
para que possam ser remixados, compartilhados e utilizados de acordo
com as especificidades de cada um. Nesse sentido, docentes e discentes se
tornam autores nesse processo de produção de REA.
O conectivismo surge como uma teoria pedagógica sintonizada com
a era digital, uma vez que as tecnologias têm reorganizado a nossa forma
de viver, de comunicar e de aprender. (SIEMENS, 2005) Segundo Downes
(2012), o conhecimento é um conjunto de conexões formadas por ações e
experiência. As conexões se formam naturalmente, por meio de associa-
ções que nos levam ao crescimento e da sociedade. O seu sucesso se dá
por meio da diversidade, da autonomia, da abertura e da conectividade das
redes de aprendizagem. A aprendizagem não é estruturada, controlada ou
processada. Ela se estabelece no caos para que os participantes possam
lidar com a complexidade.
De acordo com Siemens (2005), os princípios do conectivismo são:
• a aprendizagem e o conhecimento se constituem na diversidade
de opiniões;
• a aprendizagem é um processo de conexão de nós especializados
ou fontes de informação;
• a aprendizagem pode residir em dispositivos não-humanos;
• a capacidade de saber mais é mais crítica do conhecimento atual;
• é necessário cultivar e manter conexões para contribuir com a
aprendizagem contínua;
• a capacidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e conceitos
é uma habilidade fundamental;

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• a intenção de todas as atividades de aprendizagem conectivistas
é atualizar o conhecimento;
• a tomada de decisão é um processo de aprendizagem.
Segundo Siemens citando Art Kleiner (2002), a gestão do conheci-
mento é um desafio muito importante, pois é necessário não só conhecer
a capacidade cognitiva coletiva com também cultivá-la e aumentá-la. O in-
divíduo é o ponto de partida do conectivismo, pois o conhecimento pessoal
é composto por uma rede recursiva de aprendizagem, a qual envolve as
organizações e as instituições. Assim, os sujeitos se mantêm atualizados
por meio das conexões que formaram ao longo do percurso formativo.
De acordo com Inuzuka e Duarte (2012), os MOOC foram concebi-
dos a partir da teoria de aprendizagem conectivista, podendo ser suportes
adequados para a produção de REA. Para Mackness, Mak e Willians (2010),
um curso on-line para ser conectivista precisa contemplar a autonomia, a
diversidade, o grau de abertura, a conectividade e a interatividade. Cabe
ressaltar que os MOOC, por não terem qualquer tipo de restrição no que
diz respeito aos pré-requisitos acadêmicos e a quantidade de participantes,
os mesmos são construídos e evoluídos dinamicamente, de acordo com
o engajamento e as necessidades dos estudantes, não havendo mediação
docente, apenas “facilitadores”. Nesse aspecto, a simples abertura não pro-
picia a aprendizagem, sendo necessário um docente provocador que leve
em consideração o estabelecimento da interatividade com mediação, tendo
estes como elementos essenciais para a construção do conhecimento cola-
borativa, autônoma e compartilhada.
Santos (2012, 2014) acrescenta que os MOOC se apoiam em uma
metodologia de aprendizagem centrada no aluno. No entanto, no cibe-
respaço a rede não tem centro fixo, mas sim dinâmico de acordo com as
autorias de docentes, discentes e colaboradores. O desafio é criar currí-
culos que se auto-organizem em rede de forma articulada com todos os
participantes e objetos técnicos envolvidos. (SANTOS, 2005) Assim, me-
todologias de ensino poderão emergir ou serem atualizadas tendo como
objetivo a formação dos sujeitos em sintonia com a filosofia da abertura e
da autoria cidadã.

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A PESQUISA-FORMAÇÃO MULTIRREFERENCIAL COMO
ALICERCE FUNDAMENTAL PARA AUTORIA DE REA

O movimento REA na sociedade planetária vem desestruturando os


processos de ensino e aprendizagem formais pautado na “pedagogia da
transmissão”. (SILVA, 2010) Assim, conteúdos textuais estáticos, pré-de-
finidos e lineares dão espaço a recursos hipermidiáticos dinâmicos, aber-
tos e multirreferenciais.
Segundo Pretto (2012), o trabalho do professor necessita se inspirar
na “ética hacker”, na qual a autoria, a colaboração, o compartilhamento, a
exploração, a criatividade e a remixagem devem ser características intrín-
seca do seu jeito de trabalhar. A produção de materiais educacionais por
professores e estudantes propicia a transformação da escola em um espaço
de criação e de novos aprendizados, em razão do seu caráter heterogêneo e
singular. Com isso, as múltiplas redes de aprendizagem que fazemos parte
“dentrofora” das escolas vão sendo tecidas, formando nós imbricados de
conhecimento. O conhecimento se torna complexo a partir do momento
em que nada é rejeitado, nem mesmo o contraditório, o desordenado, o
instável, o incerto, o complicado e o imperfeito.
Segundo Morin (2007), o paradigma da complexidade leva em con-
sideração que não existe a dicotomia entre ordem e desordem, pois as
duas cooperam para a organização, a complexificação e o desenvolvimen-
to do conhecimento. A complexidade é a relação contraditória entre a
ordem, a desordem e a organização, tendo como princípios a dialógica,
a recursividade e o holograma. O princípio dialógico prevê a colaboração
e a produção de conhecimento entre termos, ao mesmo tempo, comple-
mentares e antagônicos entre si. A recursividade rompe com a ideia de
causa e efeito, onde estes estão interligados e se retroalimentam em um
ciclo autoconstitutivo, auto-organizador e autoprodutor. O princípio ho-
logramático está ligado à lógica recursiva onde não se pode conhecer as
partes sem o todo e vice-versa. Nesse sentido, o paradigma complexo nos
ajuda a pensar de forma prudente, preparando-nos para o inesperado, o
inconcebível, ou seja, ter consciência da realidade multidimensional e

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incompleta, sem regulá-la, reduzi-la e homogeneizá-la. Segundo Morin
(2011, p. 36):

[...] há complexidade quando elementos diferentes são insepa-


ráveis constitutivos do todo [...], e há um tecido interdependen-
te, interativo e interretroativo entre o objeto de conhecimento
e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes
entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e
a multiplicidade.

Nesse sentido, para levar em consideração a complexidade do tema


a ser pesquisado serão analisados os seguintes aspectos (MORIN, 2011):
• o contexto – as informações coletadas serão situadas em seu contexto,
determinando as condições de sua imersão e os limites de sua validade;
• o global – o todo e as partes serão analisados em conjunto;
• o multidimensional – as várias dimensões do problema serão le-
vadas em conta;
• o complexo – os elementos diferentes serão analisados, pois são in-
separáveis, constitutivos do todo e são interdependentes, interativos e
interretroativo.
A multirreferencialidade (ARDOÍNO, 1998) emerge a partir da com-
plexidade, possibilitando que a mesma realidade seja tratada sob diferentes
e múltiplas perspectivas, sendo estas contraditórias ou não. A abordagem
multirreferencial é uma posição epistemológica, pois parte do princípio
de que os saberes precisam ser articulados e vivenciados na pluralidade
de suas construções e instituições, em uma visão crítica e construtiva.
(ARDOÍNO, 1998) A multirreferencialidade prioriza as relações, a criação,
a heterogeneidade, a dialética, a bricolagem (composição), a compreensão,
a autoria, a plasticidade, a complexidade, o fazer ciência. O fazer ciência
que definirá dinamicamente a composição metodológica, podendo sofrer
transformações constantes. (BORBA, 1998)
Para Maturana (2001), o ser humano vive em função de seus desejos
e interesses guiado pela emoção. Nesse sentido, o fazer ciência se constitui
por ações de domínio cognitivo, legitimadas pelas redes de conversações,

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