A Educação Básica No Brasil Ganhou Contornos Bastante Complexos Nos Anos Posteriores À Constituição Federal de 1988 e
A Educação Básica No Brasil Ganhou Contornos Bastante Complexos Nos Anos Posteriores À Constituição Federal de 1988 e
A Educação Básica No Brasil Ganhou Contornos Bastante Complexos Nos Anos Posteriores À Constituição Federal de 1988 e
s ltimos oito anos. Analis-la no fcil exatamente porque as contingncias que a cercam so mltiplas e os fatores que a determinam tm sido objeto de leis, polticas e programas nacionais, alguns dos quais em convnio com rgos internacionais. Assim, um cuidado para efeito de anlise separar os fatores condicionantes (quando possvel) para se ter uma viso mais contextualizada da situao. Neste ensaio consideraremos quatro preliminares importantes nesse cuidado de anlise. A primeira preliminar no ignorar o que a situao do Brasil em matria socioeconmica. De h muito os educadores brasileiros correlacionam dialeticamente sociedade e educao. Sabemos todos que a distribuio de renda e da riqueza no pas determina o acesso e a permanncia dos estudantes na escola. Sabemos tambm que o aumento da permanncia de estudantes na escola depende da realizao do direito ao saber, sob um padro de qualidade possvel de ser incrementado. E sabemos tambm que no se deve exigir da escola o que no dela, superando a concepo de uma educao salvfica e redentora. Problemas h na escola que no so dela, mas que esto nela e problemas h que so dela e obviamente podem tambm estar nela. Considerar este contexto socioecnomico descritiva e analiticamente, v-lo como suscetvel de superao por meio de polticas sociais redistributivas e considerar a situao da educao escolar enquanto tal so princpios metodolgicos indispensveis para uma anlise adequada das polticas educacionais. Afirmar a determinao socioeconmica sobre a educao no negar as determinaes internas a ela. A segunda preliminar a ser analisada o prprio conceito de educao bsica. Trata-se de um novo conceito, avanado, pelo qual o olhar sobre a educao ganha uma nova significao. A Constituio Federal de 1988, no captulo prprio da educao, criou as condies para que a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n 9.394/96, assumisse esse conceito j no nico do art. 11 ao assinalar a possibilidade de o Estado e os municpios se constiturem como um sistema nico de educao bsica. Mas a educao bsica um conceito, definido no art. 21 como um nvel da educao nacional e que congrega, articuladamente, as trs etapas que esto sob esse conceito: a educao infantil, o ensino fundamental e o ensino mdio. E o art. 22 estabelece os fins da educao bsica:
A educao bsica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formao comum indispensvel para o exerccio da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
Trata-se, pois, de um conceito novo, original e amplo em nossa legislao educacional, fruto de muita luta e de muito esforo por parte de educadores que se esmeraram para que determinados anseios se formalizassem em lei. A idia de desenvolvimento do educando nestas etapas que formam um conjunto orgnico e seqencial o do reconhecimento da importncia da educao escolar para os diferentes momentos destas fases da vida e da sua intencionalidade maior j posta no art. 205 da Constituio Federal:
A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho.
Mas o art. 22 da LDB, a fim de evitar uma interpretao dualista entre cidadania e trabalho e para evitar o tradicional caminho no Brasil de tomar a qualificao do trabalho como uma sala sem janelas que no a do mercado, acrescenta como prprios de uma educao cidad tanto o trabalho quanto o prosseguimento em estudos posteriores. A prpria etimologia do termo base nos confirma esta acepo de conceito e etapas conjugadas sob um s todo. Base provm do grego bsis,es e significa, ao mesmo tempo, pedestal, suporte, fundao e andar, pr em marcha, avanar. A educao bsica um conceito mais do que inovador para um pas que, por sculos, negou, de modo elitista e seletivo, a seus cidados o direito ao conhecimento pela ao sistemtica da organizao escolar. Resulta da que a educao infantil a base da educao bsica, o ensino fundamental o seu tronco e o ensino mdio seu acabamento, e de uma viso do todo como base que se pode ter uma viso conseqente das partes. A educao bsica torna-se, dentro do art. 4 da LDB, um direito do cidado educao e um dever do Estado em atend-lo mediante oferta qualificada. E tal o por ser indispensvel, como direito social, a participao ativa e crtica do sujeito, dos grupos a que ele pertena, na definio de uma sociedade justa e democrtica. Uma terceira preliminar resulta, ento, da mola insubstituvel que pe em marcha este direito a uma educao bsica: a ao responsvel do Estado e suas obrigaes correspondentes. Sendo
um servio pblico (e no uma mercadoria) da cidadania, a nossa Constituio reconhece a educao como direito social e dever do Estado. Mesmo quando autorizada pelo Estado a oferecer esse servio, a instituio privada no deixa de mediar o carter pblico inerente educao. S que esta ao obrigatria do Estado vai se pr em marcha no interior de um Estado federativo. O Brasil um pas federativo. E um pas federativo supe o compartilhamento do poder e a autonomia relativa das circunscries federadas em competncias prprias de suas iniciativas. Outra suposio de uma organizao federativa, decorrente da anterior, a no-centralizao do poder. Isso significa a necessidade de um certo grau de unidade e sem amordaar a diversidade. E, na forma federativa adotada pela CF/88, com 27 estados e mais de 5.500 municpios, s a realizao do sistema federativo por cooperao recproca, constitucionalmente previsto, poder encontrar os caminhos para superar os entraves e os problemas que atingem nosso pas. A Constituio Federal de 1988 reconhece o Brasil como uma Repblica Federativa formada pela unio indissolvel dos estados e municpios e do Distrito Federal [...] (art. 1 da Constituio). E ao se estruturar assim o faz sob o princpio da cooperao, de acordo com os artigos 1, 18, 23 e 60, 4, I. Para dar conta deste modelo federado e cooperativo, a Constituio comps um ordenamento jurdico complexo no qual coexistem, segundo Almeida (1991, p. 79), competncias privativas, repartidas horizontalmente, com competncias concorrentes, repartidas verticalmente, abrindo-se espao tambm para a participao das ordens parciais na esfera de competncias prprias da ordem central, mediante delegao. Junto com estas, associam-se as competncias comuns. As competncias privativas da Unio esto previstas, sobretudo, nos art. 21 e 22. As competncias privativas dos estados esto listadas no art. 18, 4, e nas competncias residuais no enumeradas no art. 25 e as listadas nos 2 e 3 do mesmo art. 25; as competncias privativas dos municpios so listadas no art. 30. Ele contm matria prpria dos municpios, mas que tambm no deixa de fazer interface com os estados, o Distrito Federal e a Unio. O art. 23 lista as competncias comuns cuja efetivao se impe como tarefa de todos os entes federativos, pois as finalidades nelas postas so de tal ordem que, sem o concurso de todos eles, elas no se realizariam. Deve-se assinalar o inciso V que diz ser
competncia comum proporcionar os meios de acesso cultura, educao e cincia. importante assinalar o que diz o nico desse art. 23: "Lei complementar fixar normas para a cooperao entre a Unio e os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, tendo em vista o equilbrio do desenvolvimento e do bem-estar em mbito nacional". No art. 24 figuram as competncias concorrentes entre Unio, estados e Distrito Federal. preciso observar que, nesse caso, so assuntos sobre os quais estes entes federativos podem legislar. O inciso IX diz ser matria concorrente de todos educao, cultura, ensino e desporto. A delegao de competncias, por sua vez, est no art. 22, nico, que diz: "Lei complementar poder autorizar os estados a legislar sobre questes especficas das matrias relacionadas neste artigo". Percebe-se, pois, que ao invs de um sistema hierrquico ou dualista, comumente centralizado, a Constituio federal montou um sistema de repartio de competncias e atribuies legislativas entre os integrantes do sistema federativo, dentro de limites expressos, reconhecendo a dignidade e a autonomia prprias destes como poderes pblicos. A Constituio fez escolha por um regime normativo e poltico, plural e descentralizado no qual se cruzam novos mecanismos de participao social com um modelo institucional cooperativo e recproco que amplia o nmero de sujeitos polticos capazes de tomar decises. Por isso mesmo a cooperao exige entendimento mtuo entre os entes federativos e a participao supe a abertura de arenas pblicas de deciso. O modelo de distribuio de competncias objetiva conjugar as atribuies repartindo-as cooperativamente e, quando for o caso, impondo casos de limitao tais como os expostos no art. 34. Busca-se pois uma finalidade comum, um sentido geral, com regras e normas de modo que se obtenha uma harmonia interna. Mas todas essas competncias e limitaes encontram seu fundamento de validade na mesma fonte, isto , na Constituio federal. Espera-se, com isso, que no haja antinomias no interior das e entre as competncias e que, coexistindo lado a lado, formem um conjunto harmonioso visando a fundamentos, objetivos e finalidades maiores e comuns postos na Constituio.
Mas, a Constituio, ao invs de criar um sistema nacional de educao, como o faz com o sistema financeiro nacional, com o sistema nacional de emprego ou como o faz com o sistema nico de sade, opta por pluralizar os sistemas de ensino (art. 211) cuja articulao mtua ser organizada por meio de uma engenharia consociativa de e articulada com normas e finalidades gerais, por meio de competncias privativas, concorrentes e comuns. A insistncia na cooperao, a diviso de atribuies, a assinalao de objetivos comuns com normas nacionais gerais indicam que, nesta Constituio, a acepo de sistema d-se como sistema federativo por colaborao tanto quanto de Estado Democrtico de Direito. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional denominar tal pluralidade consociativa de Sistema de Organizao da Educao Nacional, em seu Ttulo IV. desta concepo articulada entre os sistemas que decorre a exigncia de um Plano Nacional de Educao (art. 214 da Constituio Federal) que seja, ao mesmo tempo, racional nas metas e nos meios, e efetivo nos seus fins. Tal concepo oposta nossa tradio centralizadora e ao carter vertical das decises dos poderes executivos no de fcil implementao. A pergunta aqui direta: "quem (re)educar o educador"? Um dos obstculos para a realizao deste modelo federado a desproporo existente entre os estados do Brasil seja sob o ponto de vista de recursos financeiros, seja do ponto de vista de presena poltica, seja do ponto de vista de tamanho, demografia e recursos naturais. Um outro bice importante, at agora, para efeito de um sistema articulado nos fins e cooperativo nos meios e nas competncias a ausncia de uma definio do que vem a ser o regime de colaborao, como determina o nico do art. 23 da Constituio Federal. O Congresso, at a presente data, no regulamentou ainda este aspecto nuclear do pacto federativo. Trata-se de matria da mais alta importncia e significado para o conjunto das aes pblicas e, em especial, para a manuteno e desenvolvimento do ensino. A feitura desta lei complementar possibilitaria o aprimoramento na sistematizao das competncias a fim de coorden-las de modo claro na forma, cooperativo na articulao e eficaz no desenvolvimento e bem-estar dos cidados brasileiros. Na ausncia de uma tal definio e que dela decorresse um sistema de constrangimentos legais, o risco que se corre de transformar a cooperao em competio, como no caso da chamada "guerra fiscal". Na sua ausncia, pode-se aventar a hiptese de uma continuidade de traos pr-1988, sobretudo na repartio e
distribuio de impostos em face das novas competncias e da entrada de novos condicionantes provindos da descentralizao entendida sob a crtica a uma postura estatal burocratizada e pouco flexvel. Com esta ausncia, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em que pesem seus pontos positivos, corre o risco de manter as atuais disparidades entre os municpios e estados. Nesse caso, no se pode negar o papel determinante da Unio no estabelecimento de polticas pblicas e, no caso, de polticas educacionais. o caso especfico do FUNDEF, que alterou significativamente os padres de oferta e de atendimento dos governos subnacionais, no que se refere ao conjunto da educao bsica, ao focalizar apenas o ensino fundamental. Aprovadas as diretrizes e bases da educao nacional, via Lei n 9.394/96, o governo federal, disposto a aplicar o regime descentralizado (o qual em matria de educao escolar provm de 1834) sob o enfoque da focalizao, obteve xito incomum na aprovao da Emenda n 14/96, e da qual resultou a aprovao da Lei n 9.424/96, quase que concomitante aprovao da LDB. Esta legislao refora a poltica histrica de descentralizao de atribuies e recursos, com controle recentralizado na Unio. O FUNDEF, ora vigente, impe a considerao de alguns pontos a serem analisados: a manuteno de vnculos oramentrios constitucionais, a subvinculao obrigatria de recursos ante os entes federativos, a criao de Conselhos Civis com incumbncias fiscais e de controle, a presena ativa dos Tribunais de Contas, o cumprimento exato das disposies legais e questes federativas pendentes. O primeiro ponto representa a manuteno de uma conquista importante para uma poltica social voltada para a educao, um verdadeiro amortecedor de impactos quando as palavras de ordem so a retirada do Estado, o recuo deste das polticas pblicas e a interface do Estado com rgos internacionais. A nova LDB instaurou o conceito de educao bsica como direito da cidadania e dever do Estado cobrindo trs etapas seqenciais da escolarizao: a educao infantil, o ensino fundamental e o ensino mdio. E os recursos vinculados devem ser voltados para a manuteno e o desenvolvimento da educao. A contrapartida deste ponto a focalizao da poltica educacional no ensino fundamental gratuito, obrigatrio, presencial, na faixa etria de 7 a 14 anos. Como se sabe a focalizao um modo de priorizar uma etapa do ensino cujo foco pode significar o recuo ou
o amortecimento ou o retardamento quanto universalizao de outras etapas da educao bsica e a sua sustentao por meio de recursos suficientes. O segundo ponto representa um imperativo de suma importncia a fim de que os municpios (muitos dos quais no priorizavam o ensino fundamental) sejam obrigados a investir no ensino fundamental. Com efeito, o FUNDEF foi o modelo encontrado para que a manuteno e o desenvolvimento do ensino fundamental fosse o foco das polticas com envolvimento das trs esferas federadas, com a prioridade dessa etapa atribuda aos municpios. Trata-se de uma deciso planejada do poder pblico federal, intencionalmente dirigida, e talvez seja a nica poltica a apresentar resultados positivos. Municpios que jamais haviam investido em educao fundamental, sob pena de perdas de recursos, viram-se obrigados a repensar suas polticas para o setor. preciso reconhecer que a inspirao cooperativa dos trs nveis de poder provm de iniciativas e propostas postas por Ansio Teixeira na dcada de 1950. Um problema crucial a repartio dos encargos entre estados e municpios cuja proporcionalidade exigida por lei. Na prtica, porm, preciso verificar se tal exigncia vem sendo respeitada. Outro ponto do FUNDEF a ser aqui analisado a valorizao dos professores cujos salrios so reconhecidamente baixos e incapazes de provocar um amplo acesso e uma permanncia na carreira. verdade que a Lei n 9.424/96 obriga construo de uma carreira docente (no ensino fundamental) cuja virtude continua esbarrando no financiamento, na carncia de informaes, no prprio terreno da moralidade pblica, alm dos novos constrangimentos legais advindos dos novos controles sobre os oramentos dos estados e dos municpios. Isso no anula os benefcios do FUNDEF com relao a regies do pas nas quais o desenho desse Fundo operou avanos quanto aos salrios de professores. O contraponto aqui a situao difcil dos estados com relao presso advinda dos grupos que pleiteiam o ensino mdio. Idntica a situao dos municpios com relao educao infantil e educao de jovens e adultos, atualmente fora do FUNDEF. O problema que, ao otimizar e racionalizar o modelo de financiamento para o ensino fundamental, houve uma mudana na sustentao das outras etapas e uma redistribuio dos recursos, as quais, sem novas fontes, ficam em dificuldades para atender a demandas outras, hoje to importantes quanto o ensino fundamental. Cria-se, pois, um campo de tenso entre os direitos proclamados, o dever do Estado e a sustentabilidade de aes na rea. Esse campo de tenso no tem sada sem o concurso de uma
discusso e efetivao posterior do significado do que vem a ser princpio da colaborao recproca entre os entes federativos posto na Constituio e na LDB. Por outro lado, resulta estranha uma exigncia de carreira docente para o ensino fundamental, sendo que esta se pe como a segunda etapa da educao bsica. Ou seja, por que no uma carreira para a educao bsica? Por que privilegiar, sob um imperativo nacional, apenas o "meio", deixando "as pontas" de fora? O terceiro ponto refere-se criao dos Conselhos Fiscais e de Controle. Graas ao empenho de parlamentares de oposio e de grupos interessados no assunto, a emenda incorporou a instituio de um Conselho Nacional do FUNDEF ao lado dos Conselhos Estaduais e Municipais. Eles so instrumentos de cidadania, de democracia e de controle do Estado. Implicam o cidado com os destinos da escola, ampliam os espaos pblicos de deciso, tm a funo de democratizar a informao para todos e podem controlar desmandos do poder. So uma promessa de participao que se v realizada em experincias exitosas em vrios municpios do pas. O contraponto , em primeiro lugar, nossa forte tradio de "estadania", no dizer de Jos Murillo de Carvalho, e fraca tradio no que se refere presena e instituio de conselhos de controle da cidadania. Isso restringe essa promessa pois nem em todos municpios eles se implantaram e, muitas vezes, onde se constituram, o que deveria ser transparente e de domnio pblico acaba se tornando mais um espao a ser coberto pelo mandonismo e pela troca de favores. Ou seja, um instrumental pblico que se v privatizado pelos interesses avessos transparncia do poder. O quarto ponto o da presena dos Tribunais de Contas. Eles passaram a ter uma atuao distintiva e importante, pois dos relatrios deles depende boa parte da liberao de verbas e de transferncias. Aqui se deve louvar o esforo que eles vm fazendo a fim de se inteirar de dados, cobrar aplicaes corretas e at mesmo avanando em seus deveres ao entenderem que to importante quanto a correta aplicao a existncia de conseqncias positivas desta poltica para o ensino fundamental. O contraponto a pouca circulao das informaes dos Tribunais de Contas pelos Conselhos Fiscais, a baixa articulao entre outros plos de controle e a protelao de medidas cabveis como conseqncia da aplicao equivocada dos recursos. Em contrapartida, se o Tribunal de Contas da Unio pode cobrar dos estados a adequao lei e se os Tribunais dos Estados podem fazer o mesmo com relao aos municpios, quem pode cobrar as mesmas coisas da Unio? Corretamente se pode responder que se
trata do Tribunal de Contas da Unio. Pode parecer estranho, mas a emenda que pune estados e municpios at mesmo com interveno, segundo os art. 34, V, e 35, III, da Constituio, no se refere ao Tribunal de Contas da Unio. O papel deste ltimo tcito ao passo que sua presena com relao aos governos subnacionais explcita. Isso nos conduz ao quinto ponto. Crucial no FUNDEF a presena articuladora, supletiva, tcnica e redistributiva da Unio, tal como disposta na LDB nos art. 8 e 75 em face do conjunto da educao nacional. Articular e redistribuir uma tarefa que cabe a todos os entes federativos e no s a estados, municpios e Distrito Federal. Por isso deixa de ser compreensvel que o governo federal cobre a adequao dos outros entes federativos Emenda n 14/96 e s leis n 9.394/96 e n 9.424/96, e ele, que lutou tanto pelas suas respectivas aprovaes e que foi, na verdade o redator dos principais artigos, seja desobediente emenda e s leis. A situao clara e constrangedora ao mesmo tempo. Basta citar o art. 6, 1, da Lei n 9.424/96.
O valor mnimo anual por aluno, ressalvado o disposto no 4, ser fixado por ato do Presidente da Repblica e nunca ser inferior razo entre a previso da receita total para o Fundo e a matrcula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrculas, observado o disposto no art. 2, 1, incisos I e II.
Ora, se o 4 fixava o valor mnimo anual para 1997 em 300 reais, o que se v a partir da um valor arbitrrio, abaixo do que foi fixado em lei e repito com apoio e at mesmo formulao do texto do e pelo governo. E isto o que constrangedor, pois est havendo uma infrao lei e uma ruptura com o princpio fundamental da democracia de igualdade perante a lei. Segundo determinados clculos da Unio dos Dirigentes Municipais de Educao (UNDIME), entre 1998 e 2001, a Unio deixou de repassar perto de 6,2 bilhes de reais aos Fundos Estaduais por no ter cumprido o que reza o texto da lei. Ainda que o FUNDEF represente uma dimenso peculiar do sistema federativo, no se podem analisar as polticas educacionais sem dimensionar a presena dos entes federados. So os estados e os municpios que levam adiante a implementao dessas polticas, especialmente no disciplinamento financeiro. Desse modo, vrias facetas da educao bsica so levadas adiante pelos entes federados. na concretude dos mesmos que se pode tambm ver a diversidade (poltica, inclusive) de caminhos que os diferentes governos de diferentes partidos ou composies partidrias esto implementando. E, dado nosso sistema poltico, a face de uma descentralizao imprescindvel de ser considerada para uma
anlise objetiva. preciso, pois, fazer estudos de caso, comparar situaes e dimensionar, na concreo de uma poltica educacional, os limites, as redefinies e as possibilidades que o regime federativo introduz. O nosso federalismo nutre-se tambm de disparidades regionais que afetam a capacidade financeira e administrativa dos governos subnacionais. So 27 estados e mais de 5.500 municpios. No caso dos municpios, a situao agrava-se, pois eles so muito diversos em sua capacidade financeira e no poucos vivem base de transferncias dos governos estaduais e do prprio governo federal. Contudo, fator que na dcada de 1990 avultou de maneira muito significativa foi a presena dos rgos internacionais, distinguindose os rgos multilaterais de financiamento como as agncias do Banco Mundial (do tipo BID e BIRD), dos rgos voltados para a cooperao tcnica (do tipo UNICEF e UNESCO). Como os caminhos da globalizao implicaram a reforma do Estado e como esta significou um grande afastamento do Estado de vrios campos de atividade, com o enxugamento das contas pblicas, boa parte dos investimentos em educao no foi contemplada com a poupana interna. Desse modo, o investimento externo acertado junto a Bancos investimento que dvida a pagar foi mais do que um emprstimo. Ele veio acompanhado de critrios contratuais (nem sempre transparentes) e mesmo de metodologias j predefinidas. Se, de um lado, a vinculao oramentria amortece o impacto deste fator, por outro lado, a dependncia a tais liames no pode ser desprezada. Mas tambm no deve ser superdimensionada, seja por conta dos diferentes governos prprios do federalismo, seja por conta da massa crtica gerada, sobretudo, pelos programas de ps-graduao que tm atuado nos rgos governamentais com capacidade crtica ou tm elaborado crticas a esses liames que circundam aspectos prprios da autonomia dos Estados Nacionais. Cumpre verificar, caso a caso, como concretamente esses programas foram implementados em distintos estados ou municpios e qual o modo de recepo destes programas, a fim de no se generalizar como realizao o que um programa e a fim de no incidir em um mecanicismo. Uma quarta preliminar, determinante de nossa situao, a extrema desigualdade socioeconmica que atende pelo nome de pobreza ou de misria e significa a excluso histrica e atual de um nmero significativo de estudantes provindos de famlias de baixa renda. Essa desigualdade, hoje medida por vrios instrumentos de anlise (do tipo IDH), faz com que haja problemas na escola e que
no so da escola e por isso mesmo no desprezvel o impacto desta situao de fato sobre o conjunto do sistema educacional. Se 35 milhes de alunos esto matriculados no ensino fundamental, s 9 milhes esto no ensino mdio, dos quais apenas 1,8 milho concluem essa etapa do ensino. de se perguntar se se pode desconsiderar a desigualdade socioeconmica como geradora remota das dificuldades prximas que afetam o desempenho intraescolar dos alunos. Se a qualidade da educao bsica, portanto, no exclusiva ou privativa de nenhuma de suas etapas e/ou modalidades, ento o carter indispensvel articulado cidadania e ao trabalho prprio de toda a educao bsica. Contudo, o FUNDEF acabou por focalizar o ensino fundamental que a etapa "intermediria" da educao bsica. E as etapas de "defesa" (educao infantil) e do "ataque" (ensino mdio)? O ensino fundamental, obrigatrio, gratuito e de oito anos, cujo acesso est em vias de se tornar cada vez mais universalizado, vse protegido com os mais diversos instrumentos de asseguramento como obrigatoriedade, direito pblico subjetivo, controle de faltas, proteo jurdica pelo ECA e pelo Cdigo Penal e FUNDEF. Muitos outros programas nasceram em prol do ensino fundamental. o caso do FUNDESCOLA e do Projeto Nordeste. O FUNDESCOLA ou Fundo de Fortalecimento da Escola, financiado com recursos do governo federal e de emprstimos do Banco Mundial, um programa do Ministrio da Educao que tem por objetivo promover aes para a melhoria da qualidade das escolas do ensino fundamental. Desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de Educao, pretende ampliar a permanncia das crianas nas escolas pblicas nas regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O programa visa tambm a aumentar o desempenho dos sistemas de ensino pblico, a capacidade tcnica das secretarias de Educao e a participao social. O programa implantado principalmente em zonas de atendimento prioritrio formadas por microrregies com municpios mais populosos definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). H tambm programas compensatrios como Bolsa-Escola, criado pela Medida Provisria n 2.140, de 13 de fevereiro de 2001, aprovado pelo Congresso Nacional em 27 de maro de 2001. Ele foi sancionado pelo presidente da Repblica, por meio da Lei n 10.219, de 11 de abril de 2001. Tecnicamente o Programa
Nacional de Renda Mnima vinculada educao "Bolsa-Escola" e manifesta-se como uma estratgia compensatria de combate pobreza via concesso de incentivo financeiro mensal s famlias em situao de pobreza. Ele tem como contrapartida a manuteno da criana na escola. V-se, pois, que o ensino fundamental objeto de uma poltica de focalizao. Mesmo assim, as estatsticas apresentam quase 3 milhes de crianas e adolescentes em idade escolar fora da escola e as avaliaes manifestam baixas taxas de concluso e baixa qualidade. A educao infantil, dever do Estado, tornou-se etapa constitutiva da organizao da educao nacional sob a educao bsica. Com isso, acertadamente, ela perdeu a condio anterior de rea assistencial. Ela da responsabilidade administrativa prioritria dos municpios. Contudo, do ponto de vista financeiro e tcnico, tal responsabilidade deve ser compartilhada com a Unio e os estados, de acordo com o art. 30, VI, e com o art. 211, 1, da Constituio. Entretanto, os dados estatsticos, as anlises das associaes de municpios e mesmo os trabalhos de pesquisa acadmica dos programas de mestrado e de doutorado e de instituies especializadas vm demonstrando que tal partilha financeira no est ocorrendo e, assim, o nus da educao infantil tem ficado com os municpios. Trata-se, portanto, de claro recuo de entes estaduais e da Unio, implicados obrigatoriamente na sustentao da oferta desta etapa da educao, e de transferncia de nus sem o devido respaldo, sabendo-se que a lei do Fundo no a contempla com o financiamento subvinculado. Tanto isso verdade que o prprio Plano Nacional de Educao o reconhece como tal na meta de n 25 d. Sendo a educao infantil a base da educao bsica, tendo apenas 5 milhes de crianas nessa etapa, estamos longe de um acerto de contas com a democratizao dessa forma de educao, especialmente se ela ficar apenas sob a responsabilidade municipal. Se estamos longe ainda de uma expanso nessa etapa, isso no pode significar que os 10% dos recursos que no ficaram subvinculados ao FUNDEF e os 25% dos impostos que no compem o FUNDEF no devam ser rigorosamente aplicados em educao infantil. De todo o modo, analisar as polticas pblicas dessas etapas da educao bsica no s enfrentar as polticas exaradas pela Unio mas tambm enfrentar o que est se passando, de fato, no mbito dos mais de 5.500 municpios distribudos pelos 27 estados da Federao.
Nesse sentido, importante considerar que a poltica educacional mais ampla do que as iniciativas ou omisses estatais. O campo da educao infantil tem sido farto em presses sociais com vistas ampliao da rede fsica por parte das famlias de classes populares. Isso faz supor tambm o aumento da conscincia da importncia dessa etapa no s como direito dos pais ao trabalho como tambm um direito da prpria infncia como um momento significativo da construo da personalidade. Valeria a pena debruar-se tambm sobre as experincias de municpios que constroem a etapa do ensino fundamental de seus sistemas de ensino a partir dos 6 anos de idade. Isso pode sinalizar caminhos para a meta de nmero dois do ensino fundamental tal como sinalizada no Plano Nacional de Educao. O ensino mdio outro momento complexo e significativo da educao bsica. Torna-se imperativo focalizar um ponto desta complexidade que se mescla com o ordenamento jurdico e parte dele ao mesmo tempo. O ensino mdio, legalmente uma competncia dos estados pela LDB, tornou-se explicita e vinculadamente uma atribuio prioritria destes com a Lei n 9.424/96, a lei do FUNDEF. A lei assegura o ensino mdio como a etapa conclusiva da educao bsica, com trs anos de durao e com um mnimo de 2.400 horas de 60 minutos. O ensino mdio, assim entendido, tornou-se constitucionalmente gratuito e tambm, por lei ordinria, "progressivamente obrigatrio". A indicao do "progressivamente obrigatrio" era constitucional e foi desconstitucionalizada pela Emenda n 16/96. Uma alterao ainda no devidamente analisada... Legalmente, ento, o ensino mdio gratuito no mbito do ensino pblico deixou de ser independente do conjunto da educao bsica, compondo-se com ela e tornando-se progressivamente obrigatrio. Assim, do ponto de vista jurdico, consideradas as trs funes clssicas atribudas ao ensino mdio: a funo propedutica, a funo profissionalizante e a funo formativa, esta ltima que agora, conceitual e legalmente, predomina sobre as outras. Legalmente falando, o ensino mdio no , como etapa formativa, nem porta para o ensino superior e nem chave para o mercado de trabalho. Ele tem uma finalidade em si, embora seja requisito tanto do ensino superior quanto da educao profissional de nvel tcnico.
Entretanto, mostrando-se um governo forte para implantar sua poltica, vem luz o Decreto n 2.208/97 que tornou o ensino mdio co-requisito para cursos de educao profissional de nvel tcnico e o seu certificado conclusivo tornou-se pr-requisito para o diploma da educao profissional de nvel tcnico. Isto ser melhor visto adiante. De modo semelhante ao que se disse com relao ao ensino fundamental, analisar polticas pblicas do ensino mdio, hoje, tanto considerar as iniciativas nacionais cabveis Unio quanto mergulhar nos projetos dessa etapa da educao no conjunto dos 27 estados da federao. Se h a presena executiva do governo federal e da presena normativa do Conselho Nacional de Educao, preciso considerar outros lugares especficos dos quais tambm emanam coordenadas prprias para a composio da poltica de educao. So eles: os governos estaduais, o Conselho Nacional dos Secretrios de Educao (CONSED) e os Conselhos Estaduais de Educao e seu respectivo Frum. De parte do governo federal, alm da atuao na proposta de Parmetros Curriculares do Ensino Mdio (PCNs), h que se considerar suas iniciativas especficas nessa etapa do ensino. Sob a legislao em vigor, cabendo Unio ao redistributiva e supletiva, os estados e o Distrito Federal so responsveis pela oferta e pelo financiamento do ensino mdio. Assim, o Ministrio da Educao criou o Projeto Escola Jovem, financiado parcialmente com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Trata-se de um emprstimo que contrado pelo governo federal, que o repassa aos estados por meio de projetos cuja aprovao depende do aceite dos objetivos gerais da reforma do ensino mdio. O Projeto Escola Jovem tem como metas: implementar a reforma curricular e assegurar a formao continuada de docentes e gestores de escolas de ensino mdio; equipar progressivamente as escolas de ensino mdio com bibliotecas, laboratrios de informtica e cincias e Kit Tecnolgico, para recepo da TV Escola; criar 1,6 milho de novas vagas; melhorar os processos de gesto dos sistemas educacionais das unidades federadas; redefinir a oferta de ensino mdio, com a criao de uma rede de escolas para jovens. Alm disso, vista das disparidades entre as unidades da Federao, outro projeto, denominado Alvorada, foi elaborado considerando-se, pelo critrio do IDH inferior mediana do pas, 14 estados encontrados nesta situao. So eles: Acre, Alagoas, Bahia, Cear, Maranho, Par, Paraba, Pernambuco, Piau, Rio
Grande do Norte, Rondnia, Roraima, Sergipe e Tocantins. Esses estados podem submeter plano de trabalho ao governo federal para o apoio ao Desenvolvimento do Ensino Mdio. Por sua vez, a Lei n 10.127/2001, ou seja, o Plano Nacional de Educao (PNE), em seu diagnstico do ensino mdio, acusa uma populao entre 15 e 18 anos com 16.580.383 habitantes em 1997, dos quais 5.933.401 matriculados no ensino mdio. Este nmero se divide, por dependncia administrativa pblico/privado, em 73% X 27%. Este nmero se amplia para 7 milhes de matrculas em 1998 e para 7,8 milhes em 1999 (81% X 19%). O Censo Escolar 2001 (MEC/INEP) mostra 8,4 milhes de matrculas no ensino mdio com um total de 1,8 milho de concluintes. O mesmo diagnstico de 1997, citado no PNE, revela, porm, um reduzido acesso ao ensino mdio. De uma populao de 17 milhes na faixa de 15 a 19 anos, havia s 6 milhes de estudantes matriculados. Tambm grande o nmero de adultos que volta escola, vrios anos aps o ensino fundamental. Assim, o atendimento acima da idade prevista, ou seja, 3,8 milhes ou 53,8%, est acima de 17 anos. No conjunto dos quase 7 milhes, 3,8 milhes so estudantes do noturno, o que faz supor que a maioria destes j esteja no mercado de trabalho. E em termos de rede fsica, o ensino mdio acaba por ocupar e at competir com as instalaes do ensino fundamental. S 32% da faixa etria de 15 a 17 anos faixa considerada legalmente apropriada est matriculada nas escolas. Por decorrncia, s em 2011, o ensino mdio tornar-se-ia obrigatrio e, nessa medida, seria considerado direito pblico subjetivo. Estamos longe, pois, da universalizao do ensino mdio, o que reconhecido em lei. O PNE assinala 20 metas para o ensino mdio. A primeira meta postula a implementao de condies que assegurem, no incio do ano letivo de 2004, o atendimento da totalidade dos egressos do ensino fundamental e que, em cinco anos, assegure-se o atendimento de 50% da demanda e, em dez anos, 100% da demanda do ensino mdio. Isso significa que, por projeo legal, o atendimento integral da demanda s se far em 2010. Mas, e os recursos para tal se temos vetos presidenciais, determinados pelo setor econmico do governo, que impedem a progresso do porcentual do PIB para aplicao em educao? A capacidade de atendimento do ensino mdio e seu respectivo financiamento tm sido objeto de preocupao constante do
CONSED, sobretudo em funo do trmino legal do FUNDEF em 2006. Em diversas ocasies, o CONSED vem se posicionando ante a situao da escola pblica de ensino mdio tal como se apresenta neste momento. Em especial h grande preocupao com os recursos correspondentes complementao da Unio para o FUNDEF, na medida em que eles esto sendo retirados dos recursos constitucionalmente definidos para a manuteno e o desenvolvimento do ensino e no do salrio-educao (Carta de Teresina, 1999). Essa Carta denuncia, sob a redao da Emenda n 14/96 que estabelece para a Unio, na sua parte cabvel do FUNDEF, o equivalente a 30% dos 18% constitucionalmente vinculados, o no-cumprimento do estabelecido. Por isso continua o CONSED indispensvel a reviso imediata do clculo aluno/ano (Carta de Braslia, 1999), j que o clculo do valor por aluno, efetivado pelo governo federal, diverge do estabelecido na Lei n 9.424/96. Afinal, alm de dar conta do ensino mdio, continua o CONSED, os estados so responsveis por cerca de dois teros dos recursos do FUNDEF (Carta de Rio de Janeiro, 2000). Entre tantas Declaraes e Cartas percebe-se que os valores atuais para o ensino mdio so insuficientes e, tendo em vista a presso pela ampliao da prpria rede fsica dessa etapa de ensino, vai se tornando invivel, nos termos do CONSED, financiar a ampliao do ensino mdio. O Conselho Nacional de Educao j normatizou, praticamente, todo o conjunto das etapas e modalidades da educao bsica por meio de Pareceres e Resolues. Neste sentido, cumpre verific-los e, sobretudo, analis-los, sabendo-se que o CNE disponibiliza tais documentos pela via comum da revista Documenta, por CD-ROM e por publicao prpria. Os Conselhos Estaduais de Educao e as respectivas normatizaes, ainda em fase de processamento, devem ser objeto de uma anlise especfica. Na verdade, os Conselhos tm tido uma atuao mais evidente nos casos escabrosos dos que, de modo irresponsvel, fazem oferta de cursos e exames de EJA. Recentemente, o MEC, por meio do INEP, criou por decreto o Exame Nacional de Certificao de Concluso da Educao de Jovens e de Adultos (ENCCEJA). Por meio dele, os estados (que gozam de prerrogativa nesta matria) podero, via adeso voluntria, articular-se com o INEP na oferta de exames supletivos. No se pode ignorar que muitos estados contam com uma sistemtica prpria de oferta para tais exames e que mereceriam apoio neste assunto. Muitos estados j conduzem os exames supletivos de jovens e adultos com bastante cuidado e rigor e, em muitos cursos, o processo integralmente presencial e com avaliao no processo. Contudo, a via alternativa proposta pelo INEP tem sido apresentada mais como um corretivo de abusos
perpetrados por instituies inescrupulosas do que uma referncia nacional e um caminho para um grau maior de isonomia entre os estudantes que concluem os estudos na idade legalmente apropriada e os que o fazem pela via dos cursos de educao de jovens e adultos e de exames supletivos. Por se falar em EJA, ela foi objeto de um veto presidencial que a retirou do FUNDEF. Se a primeira justificativa tcnica para o veto era procedente (falta de estatsticas confiveis), o INEP logo corrigiu tal fato, o que levaria derrubada do veto. Os sucessivos protestos, associados ao fato de ser a EJA do ensino fundamental um direito pblico subjetivo, acabaram por forar o governo a oferecer uma alternativa, tambm focalizada, sobre o assunto. Foi criado um "FUNDEF seletivo" em moldes iguais ao do ensino fundamental das crianas de 7 a 14 anos e em moldes similares ao Projeto Alvorada. Focalizando os sistemas pblicos dos municpios mais pobres de estados pobres (critrio do IDH), o programa s atinge jovens e adultos entre 15 e 29 anos. Os recursos so oramentrios e destinados s escolas pblicas. A EJA, desde que respeitadas as idades de exames previstas em lei, volta-se tanto para o ensino fundamental como para o ensino mdio. Assim, seja pelo lado da denominada idade legal apropriada, seja pelo lado da EJA, o ensino mdio tem uma interface com a educao profissional de nvel tcnico. De acordo com a Lei n 9.394/96, art. 36, 2, "o ensino mdio, atendida a formao geral do educando, poder prepar-lo para o exerccio de profisses tcnicas". J o 4 do mesmo art. 36 estabelece uma distino entre "a preparao geral para o trabalho", certamente para fazer jus ao artigo 205 da Constituio Federal de 1988, e a "habilitao profissional" cujo desenvolvimento pode ser feito ou nos prprios estabelecimentos de ensino mdio ou em cooperao com instituies especializadas. Por outro lado, o art. 40 da LDB usa a expresso "articulao" na interface entre o ensino mdio e a educao profissional de nvel tcnico. Neste sentido, a lei no impediria uma integrao entre o ensino mdio e educao profissional de nvel tcnico, obviamente resguardadas as 2.400 horas de 60 minutos e a funo formativa da etapa conclusiva da educao bsica. O termo "articulao" como ponto de composio ou como ponto de conexo entre dois segmentos de uma mesma realidade permitiria a integrao como uma possibilidade organizacional. Mas deve-se reconhecer, todavia, uma redao pouco cartesiana do 2 do art. 36 da LDB.
A ambigidade redacional do artigo ou at mesmo uma interpretao de carter ambivalente de outros artigos da prpria Lei deveria ser objeto de regulamentao prpria dos rgos normativos. No caso, por se tratar de uma lei nacional, trata-se de atribuio do Conselho Nacional de Educao. Contudo, no mbito de um federalismo tensionado entre o jurdico/formal e o real/vigente, o executivo emitiu o Decreto n 2.208 de 17 de abril de 1997. Esse decreto teve como objetivo regulamentar justamente o 2 do art. 36 e os artigos de 39 a 42 da LDB. Categorizada a educao profissional de nvel tcnico, por esse decreto, em bsica, tcnica (nvel mdio) e tecnolgica (nvel superior), estas trs modalidades acolhem perto de 3 milhes de estudantes, segundo as estatsticas oficiais. Ora o art. 5 do decreto diz: "A educao profissional de nvel tcnico ter organizao curricular prpria e independente do ensino mdio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqencial a este". Com isso, a interpretao do 2 do art. 36, que, a rigor, necessitava de explicao e de interpretao pelo rgo normativo prprio, tornou o ensino mdio independente da e articulado com a educao profissional de nvel tcnico, vedada a possibilidade de integrao. Dessa maneira, a matrcula no ensino mdio condio de possibilidade para a matrcula na educao profissional de nvel tcnico e o certificado de concluso do ensino mdio conditio sine qua non do diploma de tcnico. Mas, se antes da Constituio de 1988 no havia um princpio nacional que garantisse a gratuidade do ensino do ento 2 grau, este, quando oferecido, era gratuito na prtica ou por injuno de uma Constituio Estadual, ou mesmo lei ordinria estadual. O financiamento do 2 grau tornava-se imanente ao dever de Estado. Numa palavra: a educao profissional era responsabilidade de Estado e financiada por ele. Agora, o ensino mdio (formao geral) dever de Estado devendo ser oferecido de modo gratuito nos estabelecimentos pblicos sob a funo formativa. Trata-se de um avano inconteste. Mas com a definio do Decreto n 2.208/97 estabelecendo o carter independente e separado da educao profissional do ensino mdio, ainda que articulado a este, e sem um apoio legal explcito no que concerne gratuidade e ao financiamento, ela no tem mais um responsvel claro e distinto.
A educao profissional tornou-se rf do dever de Estado em matria de financiamento e sua responsabilidade ficou diluda. crescente a presena do Ministrio do Trabalho nesta rea, sobretudo em cursos de educao profissional de nvel bsico (atente-se para a ambigidade do termo "bsico" tal como expresso no Decreto e tal como posto na LDB...) por meio do Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT). nesta disjuno organizacional que ganha sentido o discurso e a prtica das parcerias que, sem negar seu carter supletivo, no podem assumir funo primordial cabvel aos poderes pblicos. Da mesma maneira, o ensino normal de nvel mdio com a interpretao (equivocada e ilegal) da obrigatoriedade imperativa do ensino superior para a docncia na educao infantil e nos quatro primeiros anos de escolarizao tem se tornado outro rfo, melhor dizendo, um candidato a um desaparecimento perverso ou a um abandono em zonas ou regies em que ele continua imprescindvel. verdade que o Ministrio da Educao criou o Programa de Expanso da Educao Profissional (PROEP) em novembro de 1997. O PROEP tem durao at 2006 e conta com recursos de 500 milhes de dlares dos quais a metade vem pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sob a forma de emprstimo. A outra metade compe-se de recursos advindos do oramento do MEC e do Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT) do Ministrio do Trabalho. O PROEP tem como objetivo subsidiar a implantao da nova proposta de educao profissional. Os recursos so repassados mediante convnios com as escolas da rede federal, com as secretarias estaduais de Educao e Cincia e Tecnologia, e com o segmento comunitrio. Esto em andamento 57 projetos federais com pouco mais de 120 milhes de reais, 137 projetos estaduais com perto de 275 milhes de reais e 107 projetos comunitrios com perto de 259 milhes de reais. E h 301 projetos escolares perfazendo quase 660 milhes de reais. Passando agora das etapas da educao bsica para o sensvel ponto da poltica voltada para os componentes curriculares, cumpre diferenciar o que so Diretrizes Curriculares Nacionais do que so os Parmetros Curriculares Nacionais. As diretrizes curriculares, postas na Lei n 9.131/95, devem explicitar os dispostos no art. 22, XXIV, e no art. 210 da Constituio Federal de 1988, que dizem, respectivamente:
Compete privativamente (...) Diretrizes e bases da educao nacional; Unio legislar sobre:
Sero fixados contedos mnimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formao bsica comum e respeito aos valores culturais e artsticos, nacionais e regionais.
Alm desse artigo, h na Constituio outros dispositivos relativos a componentes curriculares como, nas Disposies Constitucionais Gerais, o art. 242, e 1, e o art. 215, e 1. Estes dois dispositivos se coadunam com aquele expresso no captulo da educao, conforme art. 210, e 2: "O ensino fundamental regular ser ministrado em lngua portuguesa, assegurada s comunidades indgenas tambm a utilizao de suas lnguas maternas e processos prprios de aprendizagem". E h tambm o art. 225 sobre meio ambiente. Enfim, o princpio do pleno desenvolvimento da pessoa, segundo o art. 205, certamente implica o conhecimento de fatores que conduzem a escola a no ignorar o direito sade (cf. art. 227), j que se trata de um dever do Estado, da famlia e da sociedade (cf. art. 227 e art. 190). Esse dever, com certeza, implica tanto uma orientao preventiva contra os assaltos provindos das doenas sexualmente transmissveis, quanto uma orientao valorativa da sexualidade. Os dispositivos constitucionais referentes direta ou indiretamente a currculos foram promulgados pela Assemblia Nacional Constituinte, no sem antes ter havido intensa discusso sobre eles. Vrios atores polticos, governamentais e nogovernamentais, por exemplo, polemizaram sobre a correlao entre formao bsica comum, currculo mnimo e outros pontos relativos a componentes curriculares. Os atores que se pautaram pela defesa de uma formao bsica comum lograram a constitucionalizao de um dispositivo que, antes, jamais ultrapassara os limites da legislao infra-constitucional. O prosseguimento da discusso dessa temtica ocorreu em torno de projetos da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, cuja tramitao vem desde 1988, e tambm por ocasio do Plano Decenal de Educao para Todos, em 1994. Mas no se pode esquecer que, com maior nfase no ensino fundamental, j havia orientaes significativas postas pela Lei n 8.069 de 13/7/1990, mais conhecida como Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA). Alm da importncia geral desse Estatuto para as crianas e os adolescentes no processo educativo, h que se ressaltar a relevncia de dois artigos. Dizem eles respectivamente:
Art. 57: O Poder Pblico estimular pesquisas, experincias e novas propostas relativas a calendrio, seriao, currculo, metodologia, didtica e avaliao, com vistas insero de crianas e adolescentes excludos do ensino fundamental. Art. 58: No processo educacional respeitar-se-o os valores culturais, artsticos e histricos prprios do contexto social da criana e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criao e o acesso s fontes de cultura.
Ora, a Lei n 9.131/95, que (re)criou o Conselho Nacional de Educao (CNE), atribui Cmara de Educao Bsica (CEB), entre outras competncias, no art. 9, letra c, a de deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo MEC... Logo, cabe ao CNE deliberar sobre essas diretrizes propostas. Contudo, a (re)criao do CNE j havia sido objeto de uma medida provisria desde o Governo Itamar e a Lei de Diretrizes e Bases estava sendo objeto de discusso parlamentar. Com a posse do governo eleito em 1994, o campo estava indefinido e o MEC exercia as funes de rgo executivo e de rgo normativo. Ora, desde a eleio de Fernando Henrique Cardoso, a equipe de governo havia tomado a iniciativa de trazer agenda poltica a discusso do que denominou Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs), antes da Lei n 9.131/95 e da Lei n 9.394/96. Tratava-se de materializar um projeto de governo relativo educao, no que se refere a currculos escolares. As muitas "transies" em processo, as ausncias e vacncias, a expectativa de uma nova lei de diretrizes e bases, a existncia de dois projetos de diretrizes e bases, a vontade de implementar programas em incio de governo determinaram no MEC a superposio de papis que eram dele e de outros tantos que apenas provisoriamente estavam nele. A resultante foi a elaborao dos PCNs como se fossem a traduo do art. 210 da Constituio Federal. No seria fcil chegar conscincia de que se deveria distinguir papis cruzados e superpostos. Da proposio inicial dos PCNs, feita pela Secretaria de Educao Fundamental (SEF/MEC), consta uma srie de textos didticos voltados para os currculos das escolas de ensino fundamental e divididos por reas de conhecimento. A partir disso, antes mesmo da Lei n 9.131/95 e da Lei n 9.394/96, at mesmo para propor um campo de atuao prprio de governo, a SEF deu a conhecer esses textos nas unidades federativas. L se fizeram presentes apresentaes, debates, apoios e contestaes quanto metodologia utilizada e tambm quanto competncia legal do MEC neste assunto.
Destes encontros e desencontros, o MEC reelaborou sua verso preliminar e a nova verso dos PCNs foi ento apresentada formalmente ao Conselho Nacional de Educao em 10/9/1996. Na exposio de motivos que acompanhou a apresentao dos PCNs, diz o ministro:
Cumprindo o dispositivo constitucional, que em seu artigo 210 determina a fixao de contedos mnimos para o ensino fundamental, atendendo aos indicadores apontados pelo diagnstico levantado pelo Plano Decenal, e concretizando suas diretrizes (...). Entendemos que a pertinncia de uma referncia curricular para o pas est na garantia ao direito de todo aluno brasileiro de usufruir do conjunto de conhecimentos cientificamente elaborados e historicamente acumulados que, articulados com o respeito s caractersticas regionais, sejam imprescindveis ao exerccio efetivo da cidadania.
O primeiro pargrafo dessa exposio de motivos mostra que o MEC busca, por intermdio dos PCNs, preencher o disposto no art. 210 da Constituio e concretizar as diretrizes do Plano Decenal. Portanto, uma vez que o art. 210 no explicita nem o sujeito e nem o instrumento pelo qual os contedos sero fixados, parece que o MEC se definiu como este sujeito. Por outro lado, a Lei n 9.131/95 diz que tarefa das Cmaras de Educao Superior e de Educao Bsica, de acordo com as respectivas competncias, deliberar sobre as diretrizes propostas pelo MEC. Ora, o material enviado pelo MEC ao Conselho no o conjunto de contedos mnimos e obrigatrios para o ensino fundamental e tambm no , direta e imediatamente, uma proposta de diretrizes. Ele um complexo de propostas curriculares em que se mesclam diretrizes axiolgicas, orientaes metodolgicas, contedos especficos de disciplinas e contedos a serem trabalhados de modo transversal e sem o carter de obrigatoriedade prprio da formao bsica comum do art. 210 da CF/88. A Cmara de Educao Bsica, ao analisar o conjunto dos Parmetros, exerceu sua funo de assessoria, de acordo com o art. 7, letra c, da Lei n 9.131/95. Sem se ater ao detalhamento dos Parmetros, prprio, alis, de programas curriculares, a Cmara buscou exercer sua funo deliberativa em obedincia aos princpios constitucionais e legislao pertinente. Sob esses princpios, sempre tendo em vista a democratizao da educao, a Cmara buscou tambm depreender diretrizes implcitas ou explcitas nos PCNs e na exposio de motivos quando do envio dos Parmetros ao Conselho, j que os textos enviados
no continham expressamente uma proposio de diretrizes tal como determina a Lei n 9.131/95. Coube, ento, Cmara tomar deciso, deliberar, no sobre programas de currculo, mas sobre os princpios e as diretrizes que neles devem estar presentes. Cabe-lhe, outrossim, fixar aqueles contedos considerados mnimos para a formao bsica do cidado. Os textos revelam que os PCNs so propostas detalhadas de contedos que incluem conhecimentos, procedimentos, valores e atitudes no interior de disciplinas, reas e matrias articulados em temas que se vinculam s vrias dimenses da cidadania. Os contedos dos PCNs abrigam os conhecimentos j atinentes ao ensino fundamental, transmitidos por meio de componentes curriculares, tais como lngua portuguesa, cincias, histria/geografia, matemtica, artes e educao fsica. Ao lado desses componentes, introduziu-se a uma novidade por meio dos temas transversais (sade, ecologia, orientao sexual, tica e convvio social, pluralidade tnica, trabalho e economia). Esses ltimos, sem se constiturem novas disciplinas, viriam informar o conjunto das disciplinas existentes e enriquec-las, de vez que nelas se manifestam. So temas desafiadores trazidos pelo mundo contemporneo e cujo impacto a escola, sobretudo na formao inicial e continuada de professores e professoras, no pode deixar de conhecer, reconhecer sua importncia e deles se apropriar. Os PCNs desencadearam um dos debates mais envolventes j vistos, entre especialistas, governantes, professores e demais interessados no assunto. Os pontos centrais desse debate envolveram de maneira especial o processo de elaborao da proposta e vrios aspectos de seu produto tanto no mbito de sua fundamentao geral, quanto no referente s reas especficas. Uma vez apresentados formalmente ao CNE e encaminhados Cmara de Educao Bsica, essa ltima deteve-se de modo analtico sobre os PCNs, a fim de verificar os limites e as possibilidades de atuao sob a competncia desse colegiado. Anteriormente, o prprio CNE, por intermdio da Cmara de Educao Bsica, tinha buscado compreender melhor tais limites e possibilidades por meio de Seminrios Regionais sobre Parmetros Curriculares Nacionais realizados em Recife, Cuiab, So Paulo e Belm, visando a um contato mais especfico com os Conselhos Estaduais e Municipais de Educao e com as instituies secundrias e universitrias responsveis pela formao de profissionais do ensino.
Aps todo este processo, a Cmara de Educao Bsica exarou seu parecer sobre os Parmetros Curriculares Nacionais em 12/3/97. Em que pesem a importncia dos PCNs e a legtima funo do executivo federal em prop-los como decorrentes de um programa de governo, ainda que sem obrigatoriedade, a Cmara de Educao Bsica, depois de amadurecida reflexo em torno de competncias estabelecidas e luz dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais existentes, entende que sua funo deliberativa se volta para as diretrizes, que devem fundamentar a fixao de contedos mnimos para o ensino fundamental, assim como para qualquer proposta curricular, nos diferentes nveis possveis: estaduais, municipais e os cabveis s unidades escolares. A fim de justificar as distintas competncias cabveis s instncias constituintes da federao cumpre entender o sentido da expresso diretrizes. Diretrizes so linhas gerais que, assumidas como dimenses normativas, tornam-se reguladoras de um caminho consensual, conquanto no fechado a que historicamente possa vir a ter um outro percurso alternativo, para se atingir uma finalidade maior. Nascidas do dissenso, unificadas pelo dilogo, elas no so uniformes, no so toda a verdade, podem ser traduzidas em diferentes programas de ensino e, como toda e qualquer realidade, no so uma forma acabada de ser. O termo diretriz significa caminhos propostos para e, contrariamente imposio de caminhos, ele denota um conjunto de indicaes pelo qual os conflitos se resolvem pelo dilogo e pelo convencimento. A diretriz supe, no caso, uma concepo de sociedade e uma interlocuo madura e responsvel entre vrios sujeitos, sejam eles parceiros, sejam eles, no campo poltico, dirigentes e dirigidos. Dessa interlocuo, espera-se o traado de diferentes modos de se caminhar para a efetivao dos fins comuns, obedecendo-se diversidade de circunstncias socioculturais, ao respeito aos valores culturais e artsticos, nacionais e regionais (cf. art. 210) e recusa ao monoplio da verdade. Os estudiosos da educao brasileira sabem muito bem o quanto este termo diretriz j significou de discusso e debate em relao sua hermenutica, quanto s suas dimenses sociais, nacionais e jurdicas. Embora a tradio poltica brasileira tenha sido dominantemente a do revestimento de diretrizes por estruturas cartoriais, clientelsticas ou autoritrias, na essncia desta expresso
prevalece o sentido de um rumo, de uma direo, de um caminho tendente a um fim. A celebrao do Estado Democrtico de Direito, com nfase aps 1988, supe a crtica ao Estado Autoritrio e suas seqelas. Supe tambm a busca de um caminho em que a cidadania seja reconhecida como tal e expressa em mltiplas e vrias arenas de discusso e de deciso, prprias do Estado Democrtico de Direito e de um Estado Federativo. Logo, formulao de diretrizes luz desse conceito, opem-se tanto a imposio autoritria (que seria a absolutizao de um fim tornado o fim), quanto a dispersividade de orientaes localistas e o espalhamento de detalhes e mincias (que, por sua vez, seria a ausncia de fins comuns). Diretriz, assim, aproxima-se de orientao que , ao mesmo tempo, impulso inicial e rumo geral. Mas aproxima-se tambm de norte, seja no sentido de superar uma possvel desorientao, seja no sentido largo de orientao para um fim. Esse sentido est presente no art. 9, IV, da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, que assinala ser incumbncia da Unio:
(...) estabelecer, em colaborao com os Estados, Distrito Federal e os Municpios, competncias e diretrizes para a educao infantil, o ensino fundamental e o ensino mdio, que nortearo os currculos e os seus contedos mnimos, de modo a assegurar a formao bsica comum. (Grifos nossos)
Logo, os currculos e seus contedos mnimos (art. 210 da CF/88) propostos pelo MEC (art. 9, letra c, da Lei n 9.131/95) tero seu norte estabelecido por meio de diretrizes. Estas tero como foro de deliberao a Cmara de Educao Bsica (art. 9, letra c, da Lei n 9.131/95). E dentro da opo cooperativa que marcou o federalismo no Brasil aps a Constituio de 1988, a propositura das diretrizes ser feita em colaborao com os outros entes federativos (LDB, art. 9, IV). Entretanto o objetivo dessas diretrizes j est dado: trata-se da formao bsica comum, assegurada a todos os estudantes. Ora, a federao, calcada na noo de colaborao, supe um trabalho conjunto no interior do qual os agentes pblicos buscam, pelo consenso, pelo respeito aos campos especficos de atribuies, tanto metas comuns como os meios mais adequados para a consecuo das finalidades maiores da educao nacional. Esta noo implica, ento, o despojamento de respostas e caminhos previamente prontos e fechados. Vista esta lgica, reserva-se aos entes federativos e ao prprio estabelecimento escolar, de acordo com a Constituio Federal e a
LDB, a tarefa que lhes compete em termos de um proposta curricular, fruto de um projeto pedaggico como sntese entre as diretrizes e a situao contextualizada do estabelecimento. Esta competncia foi preenchida por obra da discusso e aprovao das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educao Infantil, do Ensino Fundamental, do Ensino Mdio, do Ensino Normal Mdio, da Educao dos Jovens e Adultos, das Comunidades Indgenas, dos Portadores de Necessidades Especiais, do Campo, da Educao Profissional, Nvel Tcnico. A apropriao das Diretrizes pelos projetos pedaggicos permite o exerccio da autonomia dos estabelecimentos no sentido de adequ-las sua realidade. Dada a nova legislao e a normatizao que lhe conseqente, percebe-se que est extinta a noo de "currculo mnimo" nacionalmente fixado. Os entes federativos, assim, gozam de autonomia para enriquecer essas diretrizes com seus parmetros. Posta esta considerao sobre a pendncia entre Diretrizes e Parmetros, no se pode deixar de articular a questo dos componentes curriculares com a avaliao. O papel da Unio em matria de avaliao escolar no decorre de um ato arbitrrio do governo. Ele est ancorado em lei. Basta verificar o art. 9, VI, da LDB dentro de um sistema nacional de avaliao, segundo o art. 4 do PNE e o art. 87, 3, IV, da LDB. Mas se a avaliao competncia prpria da Unio, ela o tambm sob o regime de colaborao recproca. Assim, ao SAEB foi dada uma configurao diferenciada e tambm foi criado o Exame Nacional do Ensino Mdio. O ENEM um exame no-obrigatrio, de vez que essa etapa da educao bsica no conta com o carter de obrigatoriedade. Ele pretende medir a aprendizagem dos alunos, podendo servir aos processos seletivos para ingresso nos cursos superiores ou no mundo do trabalho. Amparado na avaliao das respostas a itens que buscam medir competncias e habilidades, o ENEM vem se tornando um dos principais programas de polticas educacionais da Unio com vistas, inclusive, a ser um componente determinante do processo seletivo para o ensino superior. O Exame Nacional de Cursos (Provo) faz parte desta mesma lgica.
O problema se a cooperao recproca entre os sistemas, legalmente exigida para efeito de levar adiante o eixo da avaliao, est sendo efetivada tanto na montagem do processo avaliativo quanto na sua metodologia. Caso contrrio, corre-se o risco de tornar os programas de avaliao novos paradigmas curriculares (do tipo currculo mnimo), inviabilizando a flexibilidade que a desburocratizao legal permitiu em face da autonomia dos estabelecimentos escolares e refreando a criatividade estimulada pela lei. Nesse caso, a cooperao exigida em lei pode se transformar em formas sofisticadas de polticas centralizadoras. O que se pode perceber, nestes dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, a intensa e diversificada obra de mudanas no mbito da educao escolar. Essas mudanas se caracterizam por polticas focalizadoras, com especial ateno ao ensino fundamental, a fim de selecionar e destinar os recursos para metas e objetivos considerados urgentes e necessrios. Tais polticas vieram justificadas por um sentido, por vezes pouco satisfatrio, do princpio da eqidade como se este fosse substituto do da igualdade. No h sada para as polticas da educao bsica sem um horizonte universalista prprio do princpio da igualdade. Se as polticas de descentralizao sempre fizeram parte de nossa tradio histrica, pelo menos desde o Ato Adicional de 1834, agora elas adquiriram um carter bem mais marcante na medida em que a Constituio de 1988 elevou os municpios categoria de entes federativos. Na ausncia de um sentido explcito e conseqente do pacto federativo por cooperao recproca, at por omisso do Congresso Nacional, a descentralizao, nas mos de um governo central poderoso, ganha um sentido de centralizao de concepo e descentralizao da execuo nos nveis subnacionais de governo. A rigor, as polticas de descentralizao, sobretudo se acompanhadas do atual modo vigente do pacto federativo, significam um repasse de responsabilidade dos escales nacionais para os subnacionais. Se estes ltimos no forem capazes de sustentar suas responsabilidades, o risco o de haver um deslocamento do pblico para o privado e a reside o risco maior de uma competitividade e seletividade, de corte mercadolgicas, pouco naturais aos fins da educao. No mbito da educao bsica, bastante delicado falar em poltica de privatizao dados os "amortecedores" do financiamento vinculado e do princpio da gratuidade associados ao "direito do cidado e dever do Estado". Pelo menos at agora, o
Brasil no conhece programas de "vouchers" ou vales, como o caso do Chile, por exemplo. Contudo, o repasse de responsabilidades entre os escales de poderes pblicos sem o devido sustentculo financeiro acaba por significar a reduo na capacidade de atendimento da demanda. No mbito da educao bsica, h srios comprometimentos no interior da educao infantil e da educao de jovens e adultos. Esses comprometimentos conduzem a que os espaos que deveriam ser ocupados, por dever, pelo Poder Pblico, tornem-se apropriados pelo setor privado, especialmente por meio de parcerias, convnios ou terceirizaes. Um outro ponto importante a ser considerado a poltica de desregulamentao. Nesse caso, as escolas, especificamente, foram aliviadas das mltiplas exigncias cartoriais e burocrticas que cerceavam a autonomia dessas escolas. Entretanto, tal poltica depende de uma realizao suficiente da poltica de financiamento. E esta remete tanto ao bom gerenciamento dos recursos vinculados como ao volume de recursos diante da capacidade de atendimento. Nesse ltimo caso, no se pode deixar de apontar como obstculo ao horizonte universalista, prprio dos direitos sociais, a sistemtica recusa dos setores especficos da poltica econmica, referendada pela Presidncia da Repblica por meio dos vetos, em incluir a modalidade da educao de jovens e adultos no FUNDEF e de ampliar (gradualmente) os recursos para a educao como um todo. Em contrapartida, a visualizao do status da educao tornou-se mais clara com a rapidez e a organizao das estatsticas educacionais levadas adiante pelo INEP. O INEP vem se ocupando dos programas de avaliao e de certificao de competncias. O problema todo continua sendo em torno da operacionalizao do princpio da cooperao recproca entre os entes federados. As perspectivas de um maior cuidado com os aspectos lacunosos da nossa educao bsica so preocupantes, pelo menos a curto prazo. O primeiro elemento a se considerar, j fartamente denunciado, a descontinuidade administrativa, expressa nas falas de ocupantes dos rgos executivos da educao escolar, quando da rotatividade de ocupantes de cargos pblicos. No de hoje que o passado tido como a causa de todos os males, especialmente o passado prximo. O presente, idealizado como ponto inicial de uma nova realidade, torna-se o patamar decisivo da construo do futuro. O futuro, presentificado no presente, o momento da superao e com isso se comea o absolutamente novo.
Estes discursos necessitam ser repensados a fim de no cairmos na noite em que todos os gatos so pardos. necessrio saber distinguir entre o que deve ser aperfeioado do que deve ser extinto, o que deve ou pode ser mantido do que deve ser transformado. Alm do mais, tais discursos, por vezes, defrontamse com realidades penosas como maiorias parlamentares adversas ou conflituosas com novas metas, pois determinadas mudanas supem alteraes constitucionais ou legais. O segundo elemento a ser levado em conta o nico do art. 23 da CF/88, que exige a elaborao de uma lei complementar que defina o que um regime de colaborao recproca entre os entes federados. Desde 1988, esse nico no foi levado adiante pelo Congresso Nacional. Sem essa definio, o avanado e conceituado regime de colaborao de nossa Lei Maior, em seu modus operandi, vem se revelando muito mais um regime de decises nacionalmente centralizadas e de execues de polticas sociais subnacionalmente desconcentradas em que se percebe uma situao de competitividade recproca (guerra fiscal) entre os subnacionais. Esta poltica de desconcentrao de execues, aliada a um centralismo decisrio, associada capacidade economicamente diferenciada dos governos subnacionais e poltica advinda da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tem trazido tenses problemticas no mbito do pacto federativo. Muitas das polticas pblicas de educao bsica dependem do reordenamento do pacto federativo, apesar da vinculao oramentria e constitucional da educao e sua gratuidade. Aqui, o palco de presso o Congresso Nacional, sabendo-se que esta definio do regime de cooperao conduz a questes candentes como papel da Unio, reforma tributria, poltica de criao de municpios e at mesmo reviso de atribuies e competncias. A educao bsica como competncia dos poderes pblicos , em face da capacidade financeira e da capacidade de atendimento da demanda e da realizao da educao como direito social, implica a responsabilizao conjunta da Unio, dos estados e dos municpios. Neste sentido, o FUNDEF merece uma anlise cuidadosa e fundamentada para que a proposta de um FUNDEB seja consistente, no sem antes verificar os passos exitosos ou problemticos do modus operandi do prprio FUNDEF. O terceiro elemento a ser relevado a poltica nacional da economia. Todos ns somos favorveis a mudanas que agreguem crescimento econmico, redistribuio de renda e estabilidade monetria. O problema est na conjugao simultnea destes
aspectos numa situao de alta expectativa de mudana e de profunda herana de adverso constrangimento econmicofinanceiro. Como faz-lo, eis uma questo difcil, desafiadora e certamente no se far da noite para o dia. A poltica centrada em supervits primrios faz o Estado Nacional recuar nos aspectos relativos aos direitos sociais, inclusive na obrigao de a Unio ser um plo coordenador de poltica social por meio da funo normativa, redistributiva e supletiva em relao s demais instncias educacionais, segundo o primeiro do art. 8 da LDB. Afinal, como assegurar, de modo consistente, o aumento do gasto pblico sem uma previso das fontes seguras de recursos? A atual poltica de alto endividamento externo, associada vulnerabilidade de nossas contas externas condiciona o jogo das contas pblicas, o pacto federativo e impe limites soberania nacional. E isso condiciona os problemas e as perspectivas no mbito educacional. No se pode ignorar que nosso endividamento soturno e maiores financiamentos provindos de fontes externas s fazem aument-lo. Ao mesmo tempo ele tem sido um fator importante da atual poltica, cujas conseqncias no se pode ignorar. Por outro lado, sem uma redefinio dos encargos e das bases dos mesmos no pacto federativo, sem crescimento econmico, sem um forte mercado interno, sem uma reviso tributria interna, sem o enfrentamento do endividamento interno do setor pblico, a possibilidade de uma alterao de rumos fica quase que restrita ao combate sonegao e redefinio otimizada dos valores vinculados constitucionalmente educao. Como conjugar estas dimenses j que, de pronto, no possvel ter todas as coisas desejveis ao mesmo tempo? Certamente, um passo importante ser dado se formos capazes de efetivarmos as metas e os objetivos do atual Plano Nacional de Educao, inclusive com a derrubada dos vetos. O passo fundamental, porm, a conscincia da importncia da educao bsica por parte dos cidados. Essa conscincia vem crescendo, de um lado, por causa transformao da base econmica de produo. E quando isso acontece, ela altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alteraes necessrio sempre distinguir entre a alterao material que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa das condies econmicas de produo e as formas jurdicas, polticas, religiosas, artsticas ou filosficas, em resumo, as formas ideolgicas pelas quais os homens tomam
conscincia deste conflito... (Marx, 1983, p. 25). E no tomar conscincia deste conflito os cidados brasileiros comeam a perceber a insuficincia dos chamados "padres mnimos" disto ou daquilo. O padro mnimo um limite entre o carter humano da vida e de suas condies e o terreno da animalidade. A recuperao da liberdade humana, capaz de fazer opes, e o avano pela igualdade, patamar maior da cidadania, so hoje aspiraes que fluem das vrias camadas sociais, especialmente das que foram excludas da participao dos bens sociais. Quanto mais amadurecidas forem nossas propostas e seriamente discutidas, menores sero nossas iluses e maiores as perspectivas de ir traando um horizonte mais promissor para a democratizao e universalizao da educao bsica.
BASIC EDUCATION IN BRAZIL ABSTRACT: Since the 1988 Constitution, and more specifically during the 8 last years, basic education in Brazil has undergone great changes. Analyzing it implies considering such given preliminaries as the federative pact, social inequities, the international links and the very notion of basic education so that the assessment, focalization, decentralization, deregulation and financing policies can be contextualized. These changes manifest a strong focalization on primary