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Conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil: limites normativos à adoção de um conceito restrito
Conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil: limites normativos à adoção de um conceito restrito
Conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil: limites normativos à adoção de um conceito restrito
E-book282 páginas3 horas

Conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil: limites normativos à adoção de um conceito restrito

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Sobre este e-book

O objeto do livro é o conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil e os limites normativos para sua redução especulativa. O objetivo é analisar o conceito de trabalho análogo ao de escravo, visando à sua adequação com a Constituição Federal de 1988, com os diplomas normativos internacionais de que o Brasil é signatário e contemplando formas hodiernas de exploração do trabalho humano, resultantes das constantes transformações do mundo contemporâneo. Para tanto, foram descritos os antecedentes históricos do trabalho escravo; foi caracterizado o trabalho em condições análogas à de escravo em normativos internacionais e nacionais, bem como discutida a influência da aplicação do conceito de trabalho em condições análogas à do trabalho escravo na respectiva erradicação, à luz dos direitos fundamentais. O trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental, esta envolvendo documentos nacionais e internacionais sobre o tema. A conclusão foi de que o conceito do trabalho desenvolvido em condições análogas à do trabalho escravo deve abranger todas as variáveis implícitas nessa prática, seja em suas formas mais antigas, seja nos novos modelos, além de estar em consonância com a Constituição de 1988 e com os normativos internacionais e, principalmente, abranger todas as formas pelas quais o trabalho escravo é explorado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de ago. de 2024
ISBN9786527037286
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    Conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil - Milton Saldanha

    Capítulo I

    ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA ESCRAVIDÃO ATÉ A CONTEMPORANEIDADE

    Neste capítulo serão vistas algumas passagens marcantes do instituto da escravidão, seus primeiros relatos, como era praticada, bem como será feita uma sucinta análise do histórico da escravidão.

    Embora o objetivo não seja descrever a evolução da escravidão, é importante mostrar suas origens, bem como sua modernização e, como, ainda, subsiste a vontade do ser humano em utilizar o trabalho do outro (mesmo que o maltratando) em benefício próprio. Para tanto, utilizaremos estudos realizados por historiadores, sociólogos, antropólogos e filósofos que, diante de um pequeno acervo material, conseguem, com o que têm disponível, delinear cronologicamente os principais antecedentes históricos da escravidão no mundo ocidental.

    Para tanto, é importante comparar o panorama daquele momento com o atual, para que o conceito seja o mais eficaz na luta contra o fenômeno da exploração do labor humano e, posteriormente, seu enquadramento jurídico.

    Isso tudo para se verificar como o instituto evoluiu para um conceito contemporâneo e tentarmos chegar ao entendimento de uma definição de trabalho análogo ao de escravo. Esse entendimento é compatível com a realidade brasileira e tem como ponto de partida a Constituição Federal e o princípio norteador que dela se retira, que é a dignidade da pessoa humana.

    1.1 ORIGENS

    Os primeiros relatos da escravidão ocorreram na antiguidade, na qual o objetivo era o incremento econômico. Desse modo, o escravo era propriedade de um senhor e realizava um trabalho sem ter direito a qualquer contraprestação pelo serviço prestado.

    Entretanto, antes de abordamos a escravidão antiga propriamente dita, é importante frisar sua relação pretérita com o trabalho e a alimentação da pessoa humana, isso porque, conforme explica Richard Donkin:

    [...] quando havia algum conflito entre os diversos grupos, era comum que os inimigos fossem mortos ou, simplesmente, libertados, pois permanecer com um escravo significava ter mais um indivíduo com quem dividir os alimentos. ¹¹ (g.n.)

    Essa ideia corrobora com o entendimento de que ter um escravo, inicialmente, não era um bom negócio, pois o senhor teria que arcar com os custos de sua manutenção, ou seja, de alimentação. Assim, percebe-se que o viés econômico já estava presente numa primeira associação, mesmo que negativa, com o trabalho escravo.

    Observa-se, entretanto, que a primeira forma de submissão ocorrera desde os primórdios das relações entre homem e família. Nas palavras do historiador americano radicado na Inglaterra Moses I. Finley:

    Aqui se situa o interesse na escravidão antiga, em sua posição histórica como a mais antiga expressão de uma relação de dominação-submissão numa sociedade civil. Como surgiu? (...) Mulheres e crianças foram os primeiros "a servir aos homens na produção dos meios de subsistência e abrigo, mas, com o surgimento do pastoralismo (nomadismo¹²), era necessário um suprimento maior de mão-de-obra."¹³

    Conforme explicita o historiador, mulheres e crianças foram os primeiros a estarem numa relação de submissão e, observa-se, estavam no contexto da família numa ideia de divisão de trabalhos, todavia com o nascimento do pastoralismo,¹⁴ surge a ideia de utilização da força de outrem (fora do contexto familiar) para beneficio próprio.

    Segundo Friedrich Engels, a divisão de trabalho, iniciada com a família, já trazia a ideia de propriedade dos chamados instrumentos de trabalho:

    Segundo a divisão do trabalho na família de então, cabia ao homem providenciar a obtenção de alimentos e os instrumentos de trabalho necessários para isso, em decorrência, também a propriedade desses últimos. Em caso de separação os levava consigo, da mesma forma que a mulher conservava os seus utensílios domésticos. Assim, segundo os costumes dessa sociedade, o homem era igualmente proprietário da nova fonte de alimento, o gado, e, mais tarde, do novo instrumento de trabalho, o escravo.¹⁵ (g.n.)

    Nesse contexto histórico, Vito Palo Neto, resumindo o entendimento de diversos historiadores, como Donkin, Belisário e Maestri Filho, informa que a escravidão clássica teve início no final da Era da Pedra, período neolítico (estado selvagem) e início da Era dos Metais (estado da barbárie), no período inicial da agricultura, até chegar ao período da civilização (Idade Escrita):

    As pesquisas arqueológicas indicam que a escravidão, como exploração do homem fora do ambiente familiar, surgiu na sociedade no período final do Neolítico e início da Idade dos Metais, por volta de 6.000 a.C., coincidindo com a descoberta da agricultura, quando os homens passaram de nômades a sedentários [...]. Esse fato é conhecido como revolução agrícola [...] e ocorreu no Oriente Médio, na região denominada de Crescente Fértil [...]. Em decorrência da prática da agricultura, os homens logo perceberam que era mais interessante poupar a vida dos inimigos e obrigá-los a trabalhar em seu proveito.¹⁶ (g.n.)

    Corroborando a ideia de surgimento da escravidão no período final do Neolítico e início da Idade dos Metais influenciada pela descoberta da agricultura, afirma Belisario:

    Com isso, queremos dizer que a escravidão surgiu na sociedade no período final do Neolítico e início da Idade dos Metais, por volta do ano 6.000 a.C., quando ocorreu a descoberta da agricultura e os homens passaram de nômades para sedentários. Tal fato é conhecido como revolução agrícola [...].¹⁷

    Nesse contexto de descobrimento da agricultura é que surge a primeira forma de escravidão, como maneira de obrigar os trabalhadores a laborar com a prática da agricultura. Essa primeira forma de escravizar advém dos prisioneiros de guerra. Assim, leciona Belisario: Nascia, assim, a primeira forma de escravidão: a de prisioneiros de guerra.¹⁸

    Friedrich Engels¹⁹ também afirma a importância da Idade dos Metais e da necessidade de uma maior mão de obra produtiva nesse contexto da história:

    Com a introdução da criação de gado, da elaboração dos metais, da tecelagem e, finalmente, da agricultura [fases Média e Superior da Barbárie], a situação começou a modificar-se. Especialmente depois que os rebanhos passaram definitivamente para a propriedade da família, ocorreu com a força de trabalho o mesmo que havia acontecido com as mulheres, antes tão fáceis de obter e que agora já tinham seu valor de troca e eram compradas. A família não se multiplicava com tanta rapidez como o gado. Agora eram necessárias mais pessoas para os cuidados com a criação. Para isso, podia ser utilizado o prisioneiro de guerra que, além do mais, poderia reproduzir-se como o gado.²⁰(g.n.)

    Dito isso, os rumos da relação entre seres humanos mudaram, sendo importante para o crescimento econômico da família uma composição maior, com o incremento de outras pessoas (escravos) para distribuição do trabalho. Essas, como citado por Friedrich Engels, poderiam reproduzir-se como gado (agora já estaríamos falando em bom negócio). Temos então, como marco inicial da escravidão antiga, a noção de comercialização e de crescimento econômico no pastoralismo.

    Evidencia-se, nesse ponto, que o escravo acabava se tornando um membro da família, podendo ter, até mesmo, uma vida melhor que trabalhadores livres. Nesse mesmo sentido, esclarece Finley:

    Sob as condições de então, trabalhadores só seriam obtidos através da compulsão: por captura, guerra ou compra. As vítimas tornavam-se escravos pessoais, membros da família do senhor. Tinham, assim, uma existência mais assegurada do que os trabalhadores livres avulsos.²¹ (g.n.)

    Percebe-se que o historiador vê um lado positivo na escravidão antiga, ou seja, na relação entre o proprietário e o escravo, que poderia fazer parte da família. É importante frisar que o termo família já compreendeu o vocábulo escravo. Nesse sentido, o próprio dicionário Houaiss²² informa que uma das primeiras acepções do termo família englobava o conjunto de escravos.

    No passado, a escravidão ocorria de forma natural. Os trabalhadores escravos, por exemplo, em regra, não podiam casar legalmente, constituir família, testemunhar ou possuir uma propriedade, pois eles mesmos eram uma propriedade, ou seja, uma coisa ("res").

    Ao tratar o escravo como coisa, afirma Eurico Jorge Nicuia, citando o filósofo Aristóteles:

    [...] apenas parte de outra coisa, mas também lhe pertence inteiramente. Assim também sucede com a propriedade. Do mesmo modo, assim como o senhor somente o é enquanto senhor do escravo, mas não lhe pertence, o escravo não é apenas escravo do seu senhor: pertence-lhe inteiramente [...]. Assim também a coisa possuída é instrumento para viver e a propriedade consiste num conjunto de instrumentos; o escravo é uma espécie de propriedade viva e todo o ajudante é como que o primeiro de todos os instrumentos [...]. Em qualquer caso, os instrumentos propriamente assim chamados são instrumentos de produção, enquanto uma propriedade é um instrumento de acção.²³ (g.n.)

    Assim, o trabalhador escravo era uma espécie de instrumento de produção de um senhor, para que esse pudesse girar e fazer crescer sua economia. Seu custo de manutenção era alto e, via de consequência, era sinônimo de riqueza. Além disso, poderia estar dentro do contexto familiar.

    1.2 ANTIGUIDADE

    Na Antiguidade, são abordadas apenas a sociedade grega e a romana, devido às respectivas influências na cultura e no Direito do mundo ocidental, entre outras.

    1.2.1 Grécia

    Apenas para posicionar o leitor quanto à cronologia, explicam os historiadores José Jobson Arruda e Nelson Piletti²⁴ que a origem da sociedade grega se deu por volta do ano 2.000 a.C.,²⁵ com a chegada dos povos arianos, até a dominação Romana por volta de 200 a.C.²⁶

    Na Grécia antiga, a sociedade não era distribuída da forma como conhecemos hoje. O chefe da família (pater) era quem ditava as regras e quem mantinha o poder sobre seus escravos. Era forte a autonomia do pater famílias.

    Sobre esse tema, Vito Palo, citando Fustel de Coulanges, esclarece:

    Se o membro da gens não tinha o direito de citar outro membro da mesma gens perante a justiça da cidade, é porque se ministrava justiça na própria gens. Cada homem tinha, com efeito, o seu chefe que era, ao mesmo tempo seu juiz, seu sacerdote e seu comandante militar. [...] A autonomia do pater famílias era tão respeitada que o Estado não poderia punir, por exemplo, o escravo que cometesse um delito. Cabia ao senhor aplicar o castigo e, caso o delito houvesse atingido terceiro, o próprio senhor responderia perante o Estado. Dentro dessa estrutura familiar quem ditava as regras era o pater-famílias, que passava o poder ao filho mais velho. ²⁷ (g.n.)

    Ainda quanto ao tema, José Jobson Arruda e Nelson Piletti, no mesmo sentido de Vito Palo, afirmam que a sociedade grega era baseada nos genos que detinham autonomia política, por haver certa independência econômica:

    A base social da Grécia [...] passou a ser o genos, ou seja, a reunião em um mesmo lar de todos os descendentes de um único antepassado, normalmente um herói ou semideus. O genos, muitas vezes constituído por centenas de pessoas, era comandado por um único chefe. O poder era transmitido do pai para o filho mais velho. Mantinha-se um culto aos antepassados e uma justiça própria, baseada nos costumes. Cada membro, chamado de gens, dependia da unidade familiar [...] Essa autonomia política era sustentada por uma certa independência econômica. Nessa época, a economia se resumia à arte de administrar os bens da casa. A família era auto-suficiente, espécie de organização fechada que pouco necessitava de contatos exteriores. A propriedade dos bens de produção era centralizada na figura do chefe do genos. O trabalho era coletivo; quem se recusasse a trabalhar era expulso da família. Todas as tarefas eram, por isso, valorizadas e nenhuma considerada humilhante. A produção era distribuída igualitariamente, o que impedia a diferenciação econômica dos membros dos genos. Só se recorria ao trabalho de escravos ou de artesãos em casos excepcionais: quando a família era pouco numerosa ou não dominava determinada técnica de produção.²⁸

    Todavia, com o crescimento da população, a sociedade paternalista, baseada nos genos, acabou se dividindo, bem como as propriedades, segundo as palavras de Vito Palo Neto:

    Com o crescimento da população, a estrutura baseada nos genos começou a se desintegrar. As famílias começaram a se dividir, bem como as propriedades. Tais divisões proporcionaram algumas distinções na concentração de bens, sendo que alguns iniciaram o acúmulo maior de bens que outros. Esse acúmulo fez com que a estrutura política também se alterasse. Iniciou-se, assim, a aristocracia grega, cujo poder resultava da posse da terra.

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