Construtivismo e Curriculo - Cesar Coll
Construtivismo e Curriculo - Cesar Coll
Construtivismo e Curriculo - Cesar Coll
Construtivismo e Currículo
Guimarães Rosa
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Construtivismo Piagetiano
Esse esclarecimento inicial traz uma conseqüência importante, qual seja: PIAGET
procurou, ao longo de sua produção intelectual, explicar a estruturação de
conhecimentos novos. Suas filiações teóricas levaram-no ao estruturalismo. Sua
teoria do conhecimento e do desenvolvimento cognitivo é, portanto, uma teoria
estruturante do sujeito e do objeto, por assim dizer. Dessa ótica, os termos
construtivismo e construtivista são adjetivos, ou, como o próprio autor registra,
são indicativos de uma hipótese explicativa do desenvolvimento das ciências.
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O contexto e o sentido do construtivismo são por demais evidentes. PIAGET lança
mão da hipótese construtivista para explicar o desenvolvimento das teorias do
conhecimento científico. As referências à psicogênese (base da formação dos
conhecimentos) são imediatas e não há qualquer menção ao contexto pedagógico.
O leitor há de convir que substituir idéia por teoria, modo de ser do conhecimento
ou movimento do pensamento pouco auxilia a compreensão do conceito.
Entretanto, justiça se faça ao autor, quando ele diz o que o construtivismo não é:
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aprendizagem, não é projeto escolar; é, isso sim, uma teoria que nos permite
(re)interpretar todas essas "coisas", jogando-nos no movimento da História. Quase
que o autor poderia dizer que o construtivismo é tudo, o que equivaleria a dizer
que o construtivismo é nada. A imprecisão é o que mais se destaca em seus
argumentos.
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De modo mais preciso, não estão voltados à questão do `como ensinar', mas ao
`como o indivíduo aprende"' (idem, p. 40).
As citações anteriores são suficientes para tecer dois comentários sobre as
proposições da autora.
• o construtivismo ainda que embrionário ou latente existiria sem ainda ter sido
construído, e
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Há ainda outro autor brasileiro, defensor do construtivismo, que em decorrência
das características de seus escritos deve ser mencionado. Trata-se de Lino de
MACEDO.
Leitor assíduo de Jean PIAGET, MACEDO é, dos autores mencionados, aquele que
mais investe na extração de conseqüências da teoria piagetiana para a Educação.
Em publicação recente, MACEDO trata de assuntos como: o construtivismo e a
prática pedagógica, o construtivismo e o fracasso escolar, a aplicação pedagógica
da obra de PIAGET, a formação de professores na perspectiva construtivista, a
visão construtivista do erro no contexto escolar, a avaliação do ponto de vista
construtivista etc.
Esse rol temático visa apenas apontar que a preocupação do autor está voltada
para os problemas psicopedagógicos. Tal preocupação tem uma explicação
plausível: MACEDO dedica-se à leitura sistemática da obra piagetiana e de suas
implicações educacionais, adotando como pauta de referência as questões
pedagógicas. Embora a sua preocupação não repouse sobre o currículo, é
inquestionável que o autor não desconsidera totalmente o pólo de ensino. Há uma
preocupação com a didática e o professor.
Ora, essa conduta traz pelo menos uma conseqüência positiva: o cuidado com o
tratamento das questões pedagógicas e psicopedagógicas. Nesse sentido, o que o
autor denomina "completude entre o construtivismo e não-construtivismo" (idem,
p. 19-22), a valorização do professor e dos conteúdos e matérias escolares (p. 23)
confirmam a sua cautela.
Por certo, a cautela e o cuidado adotados pelo autor não o isentam de ficar a meio
do caminho, por vezes, de maneira ambígua, entre o espontaneísmo e o
formalismo da psicologia piagetiana e as exigências da organização pedagógica do
ensino.
MACEDO formula ainda uma proposição no mínimo curiosa. Sustenta ele que,
apesar da não-aceitação ou do não-reconhecimento por parte de muitos
piagetianos, PIAGET passou para um "estádio construtivista", no qual ele se
tornou "aberto para todos os possíveis" (idem, p. XVI/XVII).
Para finalizar, é pertinente reiterar a indagação: O que se quer dizer com esse
termo? É um método? E uma técnica? É uma teoria? Ou é um estágio do
desenvolvimento?
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Antes de indicar o caminho tortuoso que o construtivismo vai percorrendo no
Brasil através da sua variante pós-piagetiana, vale a pena ainda debater uma
questão central para o construtivismo piagetiano: a importância da ação do sujeito
para a construção dos conhecimentos novos.
Muitos dos nossos construtivistas piagetianos querem nos fazer crer que o papel
ativo do sujeito na aquisição de conhecimentos novos foi destacado primeiramente
por Jean PIAGET, quando não induzem o leitor a imaginar que PIAGET tenha sido
o único a evidenciar o sujeito ativo. Tais suposições são falsas e não fazem justiça
ao próprio autor.
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Ou ainda:
Construtivismo Pós-Piagetiano
Duas ordens de problemas merecem ser destacadas, neste contexto, para discutir
o construtivismo denominado pós-piagetiano. Uma delas, de natureza política,
revela as estratégias dessa vertente construtivista para atuar diretamente sobre o
professor e os profissionais do ensino: promover eventos de massa episódicos,
desqualificar a Universidade brasileira, doutrinar os adeptos do pós-piagetianismo
para formarem uma comunidade de destino.
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citada - pós-piagetianas em "salinhas", idéias que acabam circulando somente
entre os experts, a autora conclui que "Em aprendizagem estamos mudando de
paradigma, de esquema teórico. Essa mudança de quadro epistêmico não pode
ficar fechada na mão de alguns experts..." (idem, p. 157);
• a leitura do livro citado "faz parte da certeza de que ele será mais um ponto de
união e de apoio de tantos profissionais da educação no Brasil e fora dele que
querem se reforçar como `comunidade abrahâmica', a qual aceita deixar o velho
rumo ao novo, na operacionalização da parte cognitiva que comporá a democracia,
também entendida como um processo e não como uma bandeira de algo
conquistável definitivamente, como acabado e pronto" (idem, p. 9).
A ação direta sobre os professores tem alvos específicos: com um só golpe, divulgar
as idéias do construtivismo e desqualificar a Universidade brasileira.
Mas, o que é o desejo? O que desejamos? Uma resposta mais elaborada à primeira
indagação é a de que o desejo é o movimento contrário da repressão. Esta sustenta
o passado, enquanto o desejo projeta o futuro, mas não um futuro realizável e sim
um futuro impossível, um nunca-jamais (PAIN, 1993, p.51). 95
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Quanto à segunda indagação:
Dois comentários sobre esses textos: 1°-) assim como a felicidade não era possível,
a democracia é um processo nunca atingido plenamente e não um modo de
organização da vida social; agora é o futuro que é impossível, bem como os desejos
são tendências do "nunca-jamais" ou "o que não temos", e, obviamente, nem
poderemos ter. Posição compatível com aquela que não quer modificar
substantivamente as condições objetivas da vida social; é uma expressão hodierna
do subjetivismo; 2°-) o conceito apresentado de desejo pouco tem a ver com aquele
elaborado por Sigmund FREUD (1856-1939) e a tradição psicanalítica. Em
primeiro lugar, porque desejo não pode ser confundido com vontade; enquanto
aquele está vinculado aos processos inconscientes e é produto da elaboração
onírica, esta pertence ao plano da consciência. Tal distinção está na origem
mesma da Psicanálise (cf. FREUD, 1938; 1940/1978, p. 207 e segs.). Em segundo
lugar, porque, para FREUD, os desejos, produtos das forças instintivas do id,
devem sofrer algum grau de coerção para que seja possível existir a civilização ou
a cultura, bem como a defesa desta contra a hostilidade do seu virtual inimigo: o
indivíduo (FREUD, 1927/1978, p. 88-89).
"Construtivismo" Vygotskyano
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Pois bem, a influência da psicologia histórico-cultural vygotskyana, apesar de ser
relativamente recente e de padecer dos desvirtuamentos provocados pelos
açodados, tem repercutido na elaboração de um "construtivismo" bastante
diferençado em relação aos anteriores.
3 A título de referências, são mencionadas algumas das obras que procuram tirar conseqüências da
psicologia de VYGOTSKY para a Educação: BRUNER, 1988; SIGUÁN, 1987; DAVIDOV, 1988;
LEONTIEV, 1978.
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da heterogeneidade real do ponto de partida (BRASLAVSKY, 1993, p. 20/117).
Esses resultados são minuciosamente apresentados e discutidos ao longo do
texto(4)
Esta inclui a teoria genética de PIAGET e a escola de Genebra e inspira propostas curriculares
"que tendem, logicamente, a sublinhar a
importância da criatividade e da descoberta na
aprendizagem escolar, a atribuir à atividade do
aluno um papel decisivo na aprendizagem, a
minimizar e relativizar a importância dos
conteúdos e a conceber o professor mais como um
guia, um facilitador ou um orientador da
aprendizagem do que um transmissor do saber
constituído" (idem, ibidem).
4 É importante aqui registrar que os resultados obtidos por BRASLAVSKY sobre o processo de
alfabetização são distintos daqueles apresentados por Emilia FERREIRO, incluindo as fases de
desenvolvimento da escrita.
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Especificando um pouco mais a proposta construtivista, escreve na seqüência o
autor:
Com essas considerações, o autor passa então a definir o que entende por
conteúdos a serem contemplados no delineamento do currículo escolar. Diz COLL
(1992, p. 14):
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Em segundo lugar, são uma seleção de formas e
saberes culturais cuja assimilação é
considerada essencial para que se produza
um desenvolvimento e uma socialização
adequados dos alunos e alunas no marco da
sociedade a que pertencem...
Parece até um defensor da pedagogia tradicional escrevendo. Mas, antes que tal
identificação seja indevidamente estabelecida, diga-se que COLL se insere entre
aqueles autores que não transigem quanto à função mediadora da educação
escolar para proporcionar ao aluno acesso à cultura, da mesma maneira que não
transige quanto à necessidade de a escola superar a sua organização tradicional
que hipostasia os conteúdos e regras em detrimento dos papéis ativos do aluno e
do professor.
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atividade escolar, e que se faz realidade
dentro das condições da escola tal como ela
se encontra configurada" (grifos do autor).
Considerações Finais
• que seja devidamente considerado o fato de a escola pública brasileira ser uma
escola de massas e, por isso mesmo, freqüentada pelos filhos dos segmentos
sociais mais explorados pelo capital, tanto para ensinar quanto para aprender,
uma vez que tal fato não pode ser tratado com menosprezo ou leviandade;
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Referências Bibliográficas
J., BORING, Edwin S. (Orgs.). Textos básicos de história da psicologia. São Paulo:
Herder/Edusp, 1971.
MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
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pós-piagetiano: um novo paradigma sobre aprendizagem. 4. ed. Petrópolis: Vozes,
1993. p. 43-53.
ROSA, Sanny A. da. Construtivismo e mudança. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1994.
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