Afasia: Um Problema de Comunicao

Afasia: Um Problema de Comunicao

Colao, D. RESUMO A afasia afecta o indivduo com dificuldades ao nvel da

Autores
- Colao, Dora Terapeuta da Fala

linguagem mas tambm a inter-relao que este estabelece com os seus parceiros de comunicao. Durante o processo de reabilitao, todos os profissionais que interagem com o paciente afsico so, portanto, responsveis por lhe proporcionar uma comunicao eficaz. A dvida consiste na variedade de defeitos de linguagem que estes pacientes apresentam. Na maioria dos casos comum realarse os problemas de compreenso ou de expresso. No entanto, existem diversos tipos de afasia, dependendo da localizao da leso cerebral, que sero descritos neste artigo segundo a classificao actualmente aceite. Este trabalho tem como objectivo a partilha de conhecimento sobre o doente afsico do ponto de vista da Terapia da Fala, permitindo uma melhor articulao e troca de informao entre elementos de equipa, facilitando assim uma abordagem multidisciplinar.

Palavras Chave: Afasia; Tipos de Afasia; Defeitos de Linguagem

Arquivos de Fisioterapia

Volume 1, n 4, Ano 2008, Pgina 39

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Introduo
A comunicao uma actividade social, rica e complexa, que envolve competncias lingusticas, cognitivas e pragmticas. Relativamente s competncias lingusticas temos, ento, a linguagem, que corresponde a um sistema de sinais simblicos utilizados por uma pessoa para comunicar com outras. Uma linguagem eficaz implica diversos processos: pensamentos seleco, o a desenvolvimento serem e comunicados; ordenao dos a das

compreenso de material verbal, da leitura e da escrita (Chapey, 2008). Esta perturbao exclui todas as perturbaes associadas a dfices motores e/ou sensoriais, deficincia mental, perturbaes psiquitricas ou demncia (Leal, 2003).

Tipos de Afasia
At h alguns anos pensava-se que as afasias resultavam exclusivamente de leses corticais. Estudos mais recentes revelam que leses subcorticais podem originar alteraes de linguagem, ou denominadas atpicas afasias subcorticais, (Castro-Caldas,

formulao

palavras; a aplicao das regras gramaticais; e o incio dos movimentos musculares para produzir discurso verbal (Hoeman, 1996). Na afasia, muitos destes processos esto afectados. Por esta razo, o estudo da afasia pode oferecer dados para uma melhor compreenso do funcionamento cerebral da produo de linguagem. A capacidade de linguagem um processo que envolve mltiplas estruturas do hemisfrio cerebral esquerdo (HE). No entanto, algumas capacidades lingusticas podem ser afectadas por leses do hemisfrio cerebral direito (HD) prosdia, compreenso de humor e provrbios, etc. , o que pressupe que o seu controlo efectuado por reas a localizadas. Uma leso cerebral localizada em estruturas que se julgam estarem envolvidas no processamento da linguagem pode, ento, provocar afasia (Castro-Caldas, 2000).

2000). Considera-se, assim, a existncia de dois grandes grupos de afasia: afasias tpicas e afasias atpicas. As afasias tpicas resultam de uma leso cortical e a etiologia vascular. Podem ser classificadas em oito tipos diferentes:

Afasia de Broca; Afasia de Wernicke; Afasia de conduo; Afasia global; Afasia transcortical motora; Afasia transcortical sensorial; Afasia transcortical mista; e Afasia anmica.
Esta classificao feita de acordo com quatro parmetros de avaliao: a capacidade de nomeao, a fluncia do discurso, a capacidade de compreenso auditiva de material verbal e a capacidade de repetio. No quadro 1 esto enumerados os diferentes tipos de afasia e os sinais clnicos fundamentais. Estes quadros repetem-se com alguma regularidade na populao de doentes que sofreram acidentes vasculares cerebrais (AVC), reflectindo a perda da funo cerebral nas reas irrigadas pelas diferentes artrias.
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Afasia
Afasia pode ser definida como uma alterao adquirida da linguagem, de causa neurolgica, caracterizada pelo comprometimento lingustico da produo e
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NOMEAO

FLUNCIA

COMPREENSO N

REPETIO N P N P N P N P

TIPO DE AFASIA Anmica Conduo Transcortical Sensorial Wernicke Transcortical Motora Broca Transcortical Mista Global

Fluente P P N No fluente P

Legenda: P Perturbado N Normal Quadro 1. Classificao dos quadros de afasia (Castro-Caldas, 2000).

Desta forma, importa fazer uma breve caracterizao sobre cada um dos quadros de afasia.

entanto, ser mais correcto falar-se em incapacidade

de

introduzir

no

discurso

algumas das suas regras (Castro-Caldas,

2000), visto que a grande maioria destes indivduos compreende as relaes sintcticas produzidas pelos outros. A dificuldade em atribuir o nome correcto a cada objecto encontra-se alterada e pode ir desde uma incapacidade completa a uma reduo evocao. dificuldade em ligeira na capacidade doentes encontrar a de Estes apresentam posio

Afasia de Broca
A afasia de Broca corresponde ao quadro clnico de afasia cuja descrio mais antiga. Nestes uma casos, afasia os no por indivduos fluente, uma apresentam caracterizada

essencialmente

reduo do dbito verbal, levando ao uso exclusivo de palavras isoladas, na maioria das vezes substantivos, e em alguns casos, a produo de uma nica palavra ou slaba, utilizada em diferentes contextos e com diferentes entoaes (Habib, 2000), a que se chama esteretipo verbal1. Frequentemente, esta reduo incide essencialmente na flexo dos verbos, no uso de palavras gramaticais (pronomes, preposies, etc.), por isso h autores que falam em agramatismo (Habib, 2000). No
1 A designao deste processo foi iniciada por Paul Broca que descreveu, em 1861, um caso de um homem, doente Leborgne, cujo esteretipo verbal era a produo tan. Da surgiu a expresso, ainda utilizada, Ele est tan-tan..

articulatria correcta durante a produo verbal, provocando erros e distores (Leal, 2003). Exemplo 1 (paciente com afasia de Broca): TF (apontando para a imagem de uma cadeira): Isto uma Doente: Panela. TF: uma cadeira. Doente: Uma cadela. De forma geral, a compreenso de material verbal simples e discurso coloquial encontra-se bem preservada.
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Em muitos casos, o discurso apresenta

Afasia de Wernicke
De forma inversa, a afasia de Wernicke caracteriza-se por graves perturbaes da compreenso, ao passo que a fluncia do discurso normal. Esta produo verbal marcada por certas alteraes, designadas por parafasias. Quando a alterao to grande que torna a palavra ininteligvel e, na maioria dos casos so palavras que no tm nenhuma semelhana com a palavra-alvo falamos em neologismos. Noutras ocasies, o doente fixa-se numa determinada palavra produzida pelo prprio e, posteriormente, tem dificuldade em abandonar o padro articulatrio que o faz produzir essa palavra, ou seja, produz constantemente a palavra que ficou como que activada no crebro. Este tipo de perturbao verbal oral denomina-se

uma

estrutura

sintctica

correcta

mas

desprovido de contedo semntico relativo ao contexto, veja-se o seguinte exemplo do discurso de uma paciente com afasia de Wernicke passado em contexto hospitalar. Exemplo 2: Doente: Pode dar-me o casaco que

est ali? (apontando para a mala da terapeuta)

TF: No um casaco, uma mala. Doente: Pois , a mala da do 1. dir. Doente: Que raios, tudo fechado. TF: Quer que puxe a cortina? Doente: Para mim tanto faz, com

bocejo ou sem bocejo, tanto me d.

Relativamente compreenso,

Hoeman (1996) refere que a compreenso de ordens axiais, como levante-se ou volte-se est muitas vezes mantida e as ordens relativas s extremidades, como aponte para a porta no so compreendidas. No entanto, necessrio verificar o contexto e as pistas gestuais que so fornecidas ao doente, assim como a diferena da complexidade sintctica entre estes dois tipos de ordens.

perseverao verbal.
Tanto as parafasias como o fenmeno de perseverao podem ocorrer em qualquer tipo de afasia. Porm, nos indivduos com afasia de Wernicke, torna o conjunto o destas discurso, Quando o perturbaes frequentemente,

ininteligvel.

discurso totalmente constitudo por palavras incompreensveis, falamos em jargonafasia. O doente produz uma grande

Afasia global
A afasia global evolve uma grande dificuldade de compreenso e produo de linguagem, correspondendo forma mais grave de afasia. Estes doentes praticamente no produzem discurso e apresentam um grave dfice de compreenso auditiva, apesar de poderem cumprir ordens devidamente contextualizadas e muito frequentes.

quantidade de discurso a dbito normal mas com a sua estrutura morfolgica muito alterada. O que se revela interessante o facto de, na maioria dos casos, o indivduo ser incapaz de reconhecer os seus erros, com a agravante de considerar que os no est a fazer (anosognosia).

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Afasia de conduo
Tal como os indivduos com afasia de Broca, estes doentes tm um bom nvel de compreenso de material verbal. A produo do discurso fluente, na qual esto presentes algumas formas sintcticas elementares. Ao contrrio dos afsicos de Wernicke, os doentes com afasia de conduo no cometem muitos erros na escolha das palavras. Porm, cometem frequentemente erros de seleco e transposio de fonemas e slabas (Goodglass, 1979), como se pode observar nos exemplos seguintes. Exemplo 3: Perante a imagem de uma gilete: Doente: Ah isso (sussurro). TF: Diga mais alto. Doente: Eu estou a ver se vejo. Estava a

Doente: No, no consigo. No vai, no

vai de repente, no vai.

TF: Frigideira. Doente: Ah, pois, freligeira, freligeira.

No, no bem assim.

TF: parecido. Frigideira. Doente: Frigideira. Frigireira. No, no

vai bem.
Este tipo de dificuldades na seleco da palavra correcta pode ser aproximadamente comparado com o chamado fenmeno de palavra-debaixo-da-lngua que todos ns j experimentamos (Fromkin & Rodman, 1993). Agora, pode-se imaginar a gravidade da situao se raramente se conseguisse encontrar a palavra pretendida.

Afasias transcorticais
A capacidade caracterstica de fundamental de das afasias transcorticais corresponde boa repetio linguagem. Podem, em paralelo com as afasias de Broca,

ver se vinha, estava a ver se vinha pra

Doente: Li-zete. No! Li TF: parecido. Doente: Pois, Lizete. No! Doente:

Fazer

barba.

Barbear.

apresentar um discurso no fluente, e por isso, denominarem-se defeitos de

Barbear.
Doente: L, l Ai no vai Doente: Gilete. Doente: Gi-le-te. Gi-le-te. No vinha Exemplo 4: Perante uma imagem de uma frigideira: Doente:

motoras;

se

apresentarem Wernicke

compreenso

auditiva semelhana com as afasias de designam-se

sensoriais.

Se

tiverem ambos os defeitos so chamadas de

afasias transcorticais mistas (Castro-Caldas,

2000). A fluente, estejam afasia embora mantidas. transcortical a motora as a

Um

Pri,

soprassizeira.

Frizeira, frezeira. No! No !

TF: parecido. Doente: parecido, mas no . Doente: Frenizeira. No, no . No vai. TF: Quer que eu diga? Ou ainda

caracteriza-se por discurso espontneo pouco compreenso, Aparentemente, capacidades de articulao e a repetio linguagem do indivduo estritamente normal,

consegue.
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mas no a pode utilizar de forma espontnea (Habib, 2000). Na afasia transcortical sensorial ocorre uma perturbao macia da compreenso da linguagem oral e escrita, ficando, porm, conservada a repetio (sem valor comunicativo espontneo).

semelhanas com alguns dos tipos de afasias tpicas. A utilidade da classificao das afasias preferencialmente de arquivo e de organizao e partilha de informao entre profissionais, porque, na realidade, o que parece ser fundamental o desenvolvimento de estratgias de interveno adequadas a cada paciente e, atravs de investigao cientfica perceber de que forma o estudo desta patologia pode contribuir para o aumento do conhecimento do processamento da linguagem. Bibliografia
- Castro-Caldas, A. (2000). A herana de FranzJoseph Gall. Lisboa: McGraw-Hill - Chapey, R. (2008). Language intervention strategies in aphasia and related neurogenic communication disorders, 5 edio. Lippincott Williams & Wilkins - Fromkin, V. & Rodman, R. (1993). Introduo linguagem. Coimbra: Livraria Almedina. Goodglass, H. (1979). Neurolingustica: aspectos da clnica e da investigao. Anlise Psicolgica, 4 (II), 465-480 - Habib, M. (2000). Bases neurolgicas dos comportamentos. Lisboa: Climepsi. Hoeman, S. (1996). Enfermagem de reabilitao: processo e aplicao. Lisboa: Lusocincia. - Leal, G. (2003). A influncia da frequncia de uso das palavras na capacidade de nomeao dos afsicos. Monografia final do curso de licenciatura em Terapia da Fala. Alcoito: Escola Superior de Sade do Alcoito.

Afasia anmica
A afasia anmica uma perturbao que se confina ao nvel lexical da linguagem. Embora a articulao e a organizao sintctica estejam intactas, estes doentes tm uma dificuldade notvel em produzir os elementos lexicais nomes e verbos principais. O contedo do seu discurso , portanto, fluente embora vazio, com muitos termos indefinidos isso, aquilo coiso, etc. e circunlquios que substituem os nomes (Habib, 2000), por exemplo, podero dizer aquilo que serve para cortar quando se querem referir a uma faca. Este tipo de afasia o menos grave, uma vez que os indivduos apenas apresentam maior dificuldade em encontrar os nomes (perturbao presente em todos os tipos de afasia), estando poupadas as restantes capacidades.

Afasias atpicas
As afasias atpicas dividem-se em afasias cruzadas, que afectam pessoas dextras com leso no HD, e em afasias subcorticais, que resultam de leses nas estruturas subcorticais do HE (Habib, 2000). As leses subcorticais originam afasias com caractersticas que no so passveis de agrupar, embora apresentem algumas

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Jakubovicz, R. & Cupello, R. (2005).

esforo

produtivo, frsico,

a a

articulao, prosdia,

o as

Introduo afasia: diagnstico e terapia. Rio de Janeiro: Revinter.

comprimento

caractersticas do lxico e as parafasias (Castro-Caldas, 2000).

Glossrio
Capacidade de evocao Produzir o nome de algo que no se encontra no campo visual do indivduo. Pode corresponder produo de uma palavra durante o discurso espontneo ou atravs de exerccios de evocao como, por exemplo, produzir nomes de frutos (evocao semntica) ou produzir nomes comeados fonolgica). pela letra p (evocao

Jargonafasia Todo o discurso substitudo

pela produo de neologismos (Castro-Caldas, 2000).

Neologismo Palavra muito alterada que no

se assemelha a nenhuma palavra da lngua do falante.

Parafasia Substituio da palavra-alvo por

outra palavra (Jakubovicz & Cupello, 2005). Exemplos: Produzir caneta em vez de lpis (parafasia semntica) ou produzir cavinete em vez de canivete (parafasia fonolgica).

Capacidade de nomeao Produzir o nome

de um objecto/imagem atravs da confrontao visual.

Dbito

verbal

Nmero

de

palavras

Perseverao verbal Quando o paciente se

fixa numa determinada palavra produzida pelo prprio e, posteriormente, tem dificuldade em abandonar o padro articulatrio que o faz produzir essa palavra, ou seja, produz constantemente a palavra que ficou como que activada no crebro.

produzidas por unidade de tempo.

Esteretipo verbal Substituio do discurso

por uma palavra ou por um neologismo. O esteretipo substitui todo o discurso, com diferentes entoaes e acompanhado de comunicao no-verbal (gestos, expresso facial), o que permite, muitas vezes, ao doente, fazer-se entender.

Fluncia do discurso A fluncia do discurso

depende de sete componentes: o dbito, o

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