Os Cinco Sexos, revisitado

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O reconhecimento emergente de que existem pessoas em variedades
sexuais confusas testa os valores mdicos e as normas sociais.
Por Anne Fausto-Sterling
2
medida que !her"l !hase caminha para a frente da sala de reuni#o lotada do $otel Sheraton
%oston& tosses nervosas tornam a tens#o aud'vel. !hase& uma ativista de direitos intersexuais&
fora convidada para dirigir o encontro de maio 2((( da Sociedade )a*son +il,ins de Pediatria
-nd.crina /)+P-S0& a maior organi1a2#o estadunidense de especialistas em horm3nios infantis.
Sua palestra seria o grand finale de um simp.sio de quatro horas so4re o tratamento da
am4ig5idade genital em recm-nascidxs& crian2as que nasceram com uma mistura da anatomia
masculina e feminina ou com genitais que parecem diferir do seu sexo cromoss3mico. 6if'cil
afirmar que se tratava de um novo tema para 7s mdic7s reunid7s
8
.
Porm& a presen2a de !hase perante o grupo foi not9vel. :r;s anos e meio antes& a Academia
Americana de Pediatria recusara o seu pedido por uma oportunidade de apresentar o ponto de
vista dxs pacientes so4re o tratamento da am4ig5idade genital& alegando que !hase e aquelas
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:radu1ido por Alice <a4riel. Originalmente o texto aparece em The Sciences
=ul">August 2(((& p.1?-28 e ele uma adapta2#o de seu livro lan2ado nesse mesmo ano pela
%asic 4oo,s& Sexing the Body.
2
Anne Fausto-Sterling professora de %iologia e -studos das @ulheres no
6epartamento de %iologia @olecular e %ioqu'mica da Aniversidade %ro*n em Bhode Csland&
-AA.
8
Nota da TraduoD costuma-se usar diferentes nota2Ees para linguagem inclusiva /ou
linguagem a4rangente0F Gs ve1es usa-se a H7I no lugar do HoI do masculino genrico& ou o HxI&
h9 quem use HiI ou HeI& que fica mais fal9vel& ou o>a. -u tenho minhas prefer;ncias pessoais&
mas ao longo do texto usarei o HxI para designar a n#o perten2a aos sexos reconhecidos
socialmente. Juando for o caso de desesta4ili1ar o car9ter geral do masculino& usarei a H7I&
mas s. porque ela parece muito com uma letra nessa fonte
pessoas que a apoiavam eram fan9ticas. A isso responderam com piquete cerca de duas dK1ias
de pessoas intersexuais. A Sociedade Lorte-Americana de Cntersexualidade /CSLA0 chegou a
emitir um comunicado G imprensa di1endoD M6outores Cnfantis est#o na mira de
$ermafroditasI.
Csso fe1 um 4em a meu cora2#o de ativista de rua de 1?N(. -u disse a !hase na poca que& se
avaliado a curto pra1o& o piquete enfureceria algumas pessoas. @as& lhe assegurei que as
portas que agora est#o fechadas& eventualmente seriam a4ertas. -& tal previs#o parece estar se
tornando verdade agora que !hase convidada a falar em uma conven2#o de mdic7s. Sua
palestra& intitulada MAm4ig5idade SexualD A A4ordagem !entrada nx PacienteM& foi uma cr'tica
moderada G pr9tica imediata e& quase universal& da cirurgia de Mcorre2#oM nos milhares de
4e4;s que nascem anualmente com genit9lia am4'gua. A pr.pria !hase vive com as
consequ;ncias dessa cirurgia. @as a sua audi;ncia& 7s mesm7s endocrinologistas e cirurgi#xs
que !hase acusava de reagir com Mcirurgia e vergonhaM& rece4eu-a com respeito. Alm disso&
muit7s d7s orador7s que precederam a sua sess#o O9 tinha falado da necessidade de
que4rar com as atuais pr9ticas em favor de tratamentos mais centrados no aconselhamento
psicol.gico.
O que levou a essa revers#o dram9tica de sorteP !ertamente& a fala de !hase no simp.sio da
)+P-S foi uma resposta a sua persist;ncia na 4usca aten2#o para essa causa. @as o seu convite
para falar tam4m foi um marco na evolu2#o da discuss#o so4re como tratar as crian2as com
genit9lia am4'gua. - essa discuss#o& por sua ve1& a ponta de um ice4erg 4iocultural - o ice4erg
do g;nero - que continua a chacoalhar a medicina e nossa cultura em geral.
!hase fe1 a sua primeira apari2#o nacional em 1??8& nestas mesmas p9ginas& anunciando a
forma2#o da CSLA em uma carta de resposta a um ensaio que eu havia escrito para o The
Sciences& intitulado M:he Five SexesM Q@ar2o > A4ril de 1??8R. Leste artigo& argumentei que o
sistema de dois sexos que est9 em4utido em nossa sociedade n#o suficiente para a4ranger
todo o espectro da sexualidade humana. -m seu lugar& eu sugeria um sistema de cinco sexos.
Alm de machos e f;meas& eu inclu'a MhermesM /nome proveniente de hermafroditas
verdadeiros& as pessoas nascem com um test'culo e um ov9rio0F MmermesM
/pseudohrmafroditas masculinxs& que nascem com test'culos e alguns aspectos da genit9lia
feminina0F e MfermesM /pseudohermafroditas femininxs& que t;m ov9rios com4inados com
algum aspecto da genit9lia masculina0.
A minha inten2#o era que o texto fosse provocativo& mas tam4m imprimi certa carga de ironia
nele. Por isso& fui surpreendida pela extens#o da controvrsia gerada a partir do texto.
!rist#7s de direita ficaram escandali1ad7s& e conectaram minha idia de cinco sexos com a
Juarta !onfer;ncia @undial so4re as @ulheres& reali1ada em Pequim em Setem4ro de 1??S e
patrocinada pelas La2Ees Anidas. Ao mesmo tempo& o artigo encantou outr7s que se sentiam
constrangid7s pelo atual sistema de sexo e g;nero.
-videntemente& eu tinha atingido um ponto delicado. O fato de tantas pessoas se agitarem
com minha proposta de reformular o nosso sistema de sexo e g;nero sugere que a mudan2a T
4em como a resist;ncia G ela T pode estar G vista. La verdade& muita coisa mudou desde 1??8&
e eu gosto de pensar que o meu artigo foi um est'mulo importante. Cntersexuais se
materiali1am diante dos nossos olhos& como se viessem do nada. Assim como !hase& muitxs se
tornaram ativistas pol'ticxs& que fa1em lo44" Ounto a mdic7s e pol'tic7s na tentativa de
mudar as pr9ticas atuais de tratamento de pacientes intersexuais. @as de um modo mais geral&
em4ora n#o menos provocativo& as fronteiras que separam masculino e feminino parecem
cada ve1 mais dif'ceis de definir.
Algumas pessoas acham que as mudan2as em curso s#o profundamente pertur4adoras. Outras
pensam nelas como li4ertadoras.
O que fa1 de algum uma pessoa intersexual - e quantxs intersexuais existemP O conceito de
intersexualidade est9 enrai1ado na pr.pria idia de masculino e feminino. Lo mundo
ideali1ado& plat3nico e 4iol.gico os seres humanos s#o divididos em dois tiposD trata-se de uma
espcie perfeitamente dimorfa. Os machos t;m um cromossomo U e um V& test'culos& p;nis e
um conOunto de encanamento interno adequado para entregar urina e s;men ao mundo
exterior. :;m igualmente caracter'sticas sexuais secund9rias 4em conhecidas& incluindo uma
tend;ncia a desenvolver musculatura e pelos faciais. As mulheres t;m dois cromossomos U&
ov9rios& encanamento interno adequado para o transporte de urina e .vulos ao mundo
exterior& um sistema adaptado para dar suporte G gravide1 e ao desenvolvimento fetal& 4em
como uma variedade de caracter'sticas sexuais secund9rias reconhec'veis.
-ssa hist.ria ideali1ada enco4re muitas ressalvas .4viasD algumas mulheres t;m pelos faciais&
alguns homens n#o t;m nenhumF algumas mulheres falam com vo1es profundas& alguns
homens emitem verdadeiros ganidos. @enos conhecido o fato de que& em estreita inspe2#o&
o dimorfismo a4soluto se desintegra& at mesmo ao n'vel da 4iologia 49sica. Os cromossomos&
horm3nios& as estruturas internas do sexo& as g3nadas e a genit9lia externa variam mais do que
a maioria das pessoas imagina. Aquelxs que nasceram fora do molde dim.rfico plat3nico s#o
chamadxs intersexuais.
-m M:he Five SexesM eu propus uma estimativa de um psic.logo especiali1ado no tratamento
de intersexuais& que sugeria que cerca de W por cento de todos os nascimentos consistem em
pessoas intersexuais. -m seguida& Ountamente com um grupo de estudantes da Aniversidade
%ro*n& eu fui atr9s de reali1ar a primeira avalia2#o sistem9tica dos dados dispon'veis so4re a
taxa de nascimentos intersexuais. L.s vasculhamos a literatura mdica so4re estimativas da
freq5;ncia de diferentes categorias de intersexualidade& desde cromossomos adicionais at
g3nadas& horm3nios e genitais misturados. Para algumas condi2Ees pudemos apenas encontrar
alguns ind'cios aned.ticosF para a maioria& entretanto& existem nKmeros. !om 4ase nessa
evid;ncia& calculamos que para cada 1.((( crian2as nascidas& de1essete s#o de alguma forma
intersexuais. -sse nKmero - 1&X por cento - uma estimativa aproximada& n#o uma contagem
precisa. Porm& cremos que mais preciso do que os W por cento que eu havia proposto
anteriormente.
Losso nKmero representa todas as exce2Ees cromoss3micas& anat3micas e hormonais ao ideal
dim.rficoF porm o nKmero de intersexuais que poderiam& potencialmente& ser suOeitxs a
cirurgia ainda na primeira infYncia menor - provavelmente entre um em 1((( e um em 2(((
4e4;s nascidxs vivxs. Alm disso& uma ve1 que algumas popula2Ees possuem uma alta
frequ;ncia dos genes relevantes& a natalidade intersexual n#o uniforme em todo o mundo.
!onsidere& por exemplo& o gene da hiperplasia adrenal cong;nita /$A!0. Juando o gene $A!
herdado de am47s progenitor7s& pode resultar em um 4e4; com genit9lia externa
masculini1ada& mas que possua dois cromossomos U e os .rg#os reprodutores internos
potencialmente frteis de uma mulher. A freq5;ncia do gene varia muito ao redor do mundoD
na Lova ZelYndia ocorre em apenas quarenta e tr;s crian2as por milh#oF entre 7s esquim.s
Vupi, do sudoeste do Alasca& a sua frequ;ncia por 8.S(( crian2as por milh#o.
6e certo modo& a intersexualidade sempre foi uma quest#o de defini2#o. - no sculo passado&
foram 7s mdic7s que definiram certas crian2as como intersexuais T e foram el7s tam4m
que providenciaram os tratamentos. Juando apenas os cromossomos s#o incomuns& mas a
genit9lia externa e as g3nadas indicam fortemente um homem ou uma mulher& 7s mdic7s
n#o defendem a interven2#o. La verdade& n#o est9 decidido que tipo de interven2#o poderia
ser defendida em tais casos. @as a hist.ria 4astante diferente quando o caso de 4e4;s
nascidos com genit9lia mista& ou de 4e4;s com genitais externos em aparente contradi2#o com
suas g3nadas.
A maioria das cl'nicas que agora se especiali1am no tratamento de 4e4;s intersexuadxs
confiam nos princ'pios de tratamentos desenvolvidos na dcada de 1?S( pelo psic.logo =ohn
@one" e os psiquiatras =oan <. $ampson e =ohn ). $ampson& todos da Aniversidade =ohns
$op,ins& em %altimore& @ar"land. @one" acreditava que a identidade de g;nero
completamente male9vel durante os de1oito meses que sucedem o nascimento. Assim&
argumentava& quando uma crian2a com genit9lia am4'gua apresentada a uma equipe de
tratamento& tal equipe pode fa1er uma atri4ui2#o de g;nero 4aseada apenas naquilo que fi1er
mais sentido cirurgicamente. 7s mdic7s poder#o ent#o simplesmente incentivar 7s
progenitor7s a criar a crian2a de acordo com o sexo re-atri4u'do cirurgicamente. A maioria
d7s mdic7s acreditava que seguir esse proOeto eliminaria o sofrimento ps'quico tanto dx
paciente quanto d7s progenitor7s. La verdade& a equipe de tratamento nunca deveria utili1ar
tais palavras como MintersexoM ou MhermafroditaM& em ve1 disso& el7s deviam di1er as
progenitor7s que a nature1a tinha a inten2#o de que esse 4e4; fosse o menino ou a menina
que 7s mdic7s determinaram que elx era. Atravs da cirurgia& 7s mdic7s estavam apenas
completando o intento da nature1a.
-m4ora tanto @one" quanto os $ampsons tenham pu4licado estudos de caso detalhados
so4re crian2as intersexuadas que& segundo eles& tinham se aOustado 4em Gs suas atri4ui2Ees
g;nero& @one" achava que um caso em particular provava sua teoria. -ra um exemplo
dram9tico& na medida em que n#o envolvia intersexualidade de forma algumaD um menino de
um par de g;meos id;nticos perdera seu p;nis como um resultado de um acidente de
circuncis#o. @one" recomendou que M=ohnM /como ele veio a ser posteriormente nomeado
num estudo de caso0 fosse cirurgicamente transformado em M=oanM e criado como uma
menina. !om o tempo& =oan cresceu amando usar vestidos e arrumar o ca4elo. @one"
proclamou orgulhosamente que a re-atri4ui2#o de sexo fora um sucesso.
@as& como foi recentemente defendido por =ohn !olapinto& em seu livro Como a Natureza o
Fez
W
& =oan - agora conhecida por ser um adulto do sexo masculino chamado 6avid Beimer -
aca4ou reOeitando sua atri4ui2#o feminina. @esmo sem um p;nis ou test'culos funcionais /que
tinham sido removidos como parte da re-atri4ui2#o de sexo0 =ohn > =oan procurou
medicamentos para virili1a2#o& e casou-se com uma mulher que O9 tinha filh7s /que 6avid
adotou como su7s0.
6esde que a conclus#o integral da hist.ria de =ohn > =oan veio G tona& apareceram outras
pessoas que tiveram seu sexo re-atri4u'do logo ap.s o nascimento e que mais tarde reOeitaram
essa re-atri4ui2#o. Porm& tam4m existem casos em que a re-atri4ui2#o funcionou - pelo
menos durante os vinte primeiros anos desses suOeitos. @as mesmo assim& o resultado da
cirurgia pode ser pro4lem9tico. Ama cirurgia genital geralmente deixa cicatri1es que redu1em a
sensi4ilidade sexual. A pr.pria !hase foi su4metida a uma cliterectodomia completa& um
procedimento que hoOe em dia reali1ado com menos freq5;ncia em intersexuais. Porm& as
cirurgias mais recentes que diminuem o tamanho da protu4erYncia clitoridiana ainda redu1em
enormemente a sensi4ilidade.
A revela2#o de casos de fracasso em re-atri4ui2#o sexual e de g;nero e a emerg;ncia de um
ativismo intersexual t;m levado um nKmero crescente de endocrinologistas& urologistas e
psic.log7s infantis a reexaminar os sa4eres a respeito da cirurgia genital precoce. Por
exemplo& em uma fala que precedeu a de !hase no encontro do )+P-S& o mdico )aurence %.
@c!ullough do !entro de [tica @dica e Pol'ticas de SaKde do %a"lor !ollege of @edicine& em
$ouston& :exas& apresentou um quadro tico para o tratamento de crian2as com genit9lia
am4'gua. @c!ullough argumentou que as diversas formas de intersexualidade devem ser
definidas como normais& uma ve1 que o sexo fenot'pico /a manifesta2#o de caracter'sticas
sexuais geneticamente e em4riologicamente determinadas0 e a representa2#o de g;nero /o
papel sexual proOetado pelo indiv'duo na sociedade0 s#o muito vari9veis. :odas elas est#o
dentro da varia4ilidade estatisticamente esperada de sexo e g;nero. Alm disso& em4ora certos
estados patol.gicos possam acompanhar algumas formas de intersexualidade& exigindo
interven2#o mdica& as condi2Ees intersexuais n#o s#o em si mesmas doen2as.
@c!ullough tam4m alega que& no processo de atri4ui2#o de sexo& 7s mdic7s devem
minimi1ar o que ele chama de atri4ui2Ees irrevers'veisD tomar medidas como a remo2#o
cirKrgica ou modifica2#o das g3nadas ou genit9lia que x paciente pode um dia querer reverter.
Por Kltimo& @c!ullough incita mdic7s a a4andonarem sua pr9tica de tratar o nascimento de
uma crian2a com am4ig5idade genital como uma emerg;ncia mdica ou social. -m ve1 disso&
devem tomar um tempo para reali1ar um minucioso exame mdico e devem tam4m divulgar
tudo para 7s progenitor7s& incluindo as incerte1as quanto ao resultado final do processo. -m
outras palavras& o mantra do tratamento deveria ser Hterapia& n#o cirurgiaI.
W
As Lature @ade $im
!reio que um novo protocolo& semelhante ao descrito por @c!ullough& para o tratamento de
crian2as intersexuadas est9 pra emergir. O tratamento deve com4inar alguns princ'pios
mdicos e ticos 49sicos com uma a4ordagem mais pr9tica e menos dr9stica ao nascimento de
uma crian2a de sexo misturado. !omo um primeiro passo& as cirurgias em crian2as devem ser
efetuadas apenas se a vida dx paciente estiver em risco& ou para melhorar su4stancialmente o
4em-estar f'sico delx. 7 mdic7 pode atri4uir um sexo - masculino ou feminino - para uma
crian2a intersexuada com 4ase na pro4a4ilidade de que a condi2#o particular da crian2a ir9
condu1ir G forma2#o de uma determinada identidade de g;nero. Ao mesmo tempo& porm&
deve ser suficientemente humilde para reconhecer que& a medida em que a crian2a cresce& ele
ou ela pode reOeitar a re-atri4ui2#o T e deveriam ser s94i7s o suficiente para ouvir o que a
crian2a tem a di1er. @ais importante& 7s progenitor7s devem ter acesso a toda a gama de
informa2Ees e op2Ees dispon'vel para el7s.
As re-atri4ui2Ees de sexo feitas logo ap.s o nascimento s#o apenas o come2o de uma longa
viagem. !onsideremos& por exemplo& a vida de @ax %ec,D nascido intersexual& @ax foi re-
atri4u'do cirurgicamente como mulher e criada como tal. Foi assistida at seus vinte anos por
uma equipe mdica que teria considerado a sua miss#o um sucesso devido ao fato dela ter se
casado com um homem. /Lote-se que o ;xito na re-atri4ui2#o sexual e de g;nero tem sido
tradicionalmente definido como viver naquele g;nero atri4u'do como uma pessoa
heterossexual0. Porm& alguns anos depois& %ec, assumiu-se como uma ls4ica butch e& por
volta de seus trinta anos& %ec, tornou-se um homem e casou-se com sua parceira ls4ica& que
/gra2as a milagres da moderna tecnologia reprodutiva0 recentemente deu G lu1 uma menina.
As pessoas transexuais& que t;m um g;nero emocional em desacordo com suas caracter'sticas
f'sicas do sexo& costumavam descrever-se em termos de dimorfismo a4soluto - machos
capturados em corpos femininos& ou vice-versa. !omo tal& elxs procuravam al'vio psicol.gico
atravs de cirurgia. -m4ora muitxs ainda o fa2am& algumxs dxs chamadxs transexuais s#o
pessoas que hoOe est#o contentes em ha4itar para uma 1ona mais am4'gua. Ama transexual
male-to-female
S
& por exemplo& pode assumir-se como ls4ica. =ane& nascida um macho
fisiol.gico& est9 agora em seus trinta anos vivendo com sua esposa& com quem ela casou
quando seu nome ainda era =ohn. =ane toma horm3nios para se femini1ar& mas eles ainda n#o
interferiram em sua capacidade de ter rela2Ees sexuais como um homem. -m sua mente =ane
tem uma rela2#o ls4ica com sua mulher& em4ora ela veOa seus momentos 'ntimos como um
cru1amento entre o sexo les4iano e o heterossexual.
Pode parecer natural encarar pessoas intersexuadas e transexuais como pessoas que vivem no
meio do caminho entre os p.los masculino e feminino do sexo. @as& macho e f;mea&
masculino e feminino& n#o podem ser analisados em termos de continuidade. Pelo contr9rio&
sexo e g;nero s#o conceituados de forma mais acurada se entendidos como pontos em um
espa2o multidimensional. 6urante algum tempo& especialistas em desenvolvimento de g;nero
S
:ransexuais male-to-female s#o pessoas nascidas como macho da espcie& mas que se
v;em e& a partir disso& 4uscam transformar-se em mulheres. L.:
t;m feito a distin2#o entre sexo no n'vel gentico e no n'vel celular /express#o de genes
sexualmente espec'ficos& cromossomos U e V0& no n'vel hormonal /no feto& durante a infYncia e
ap.s a pu4erdade0 e& no n'vel anat3mico /.rg#os genitais e caracter'sticas sexuais secund9rias0.
Presume-se que a identidade sexual surOa de todos esses aspectos corp.reos atravs de
alguma experi;ncia ou intera2#o com o meio am4iente que n#o entendemos muito 4em. O
que tem se tornado cada ve1 mais claro que podemos encontrar um n'vel de masculinidade e
feminilidade em quase todas as permuta2Ees poss'veis. Am macho /ou f;mea0 cromoss3mico&
hormonal e genital& pode desenvolver uma identidade sexual de f;mea /ou macho0. Ou uma
f;mea cromoss3mica com horm3nios fetais masculinos e genit9lia masculini1ada - mas com
horm3nios pK4eres femininos - pode desenvolver uma identidade sexual feminina.
As comunidades cient'ficas e mdicas t;m ainda que adotar uma linguagem capa1 de descrever
essa diversidade. -m seu livro Hermafroditas e Inven!o "#dica do Sexo& a historiadora e
especialista em tica mdica Alice 6reger 6omurat da @ichigan State Aniversit"& em -ast
)ansing documenta a emerg;ncia dos atuais sistemas mdicos para classificar a am4ig5idade
de g;nero. O uso atual permanece enrai1ado na a4ordagem vitoriana do sexo. A estrutura
l.gica dos termos comumente utili1ados& como Mverdadeirx hermafroditaM&
Mpseudohermafrodita masculino M e M pseudohermafrodita feminino M indica que somente xs
chamadxs verdadeirxs hermafroditas constituem uma mistura genu'na de masculino e
feminino. Os outros s#o& na verdade& machos ou f;meas disfar2ad7s& n#o importando o qu#o
confusas seOam suas partes do corpo. - assim& como verdadeirxs hermafroditas s#o raros -
possivelmente apenas umx em cada 1((.((( T tal sistema de classifica2#o ap.ia a idia de que
os seres humanos s#o uma espcie a4solutamente dim.rfica.
La aurora do sculo UUC& em que a varia4ilidade de g;nero parece t#o vis'vel& tal posi2#o
dif'cil de manter. :am4m o velho consenso mdico a respeito desse assunto come2ou a
desmoronar. Lo outono passado o urologista pedi9trico Can A. Aaronson da Aniversidade de
@edicina da !arolina do Sul& em !harleston organi1ou a For2a :arefa Lorteamericana so4re
Cntersexualidade /LA:FC0 para analisar a resposta cl'nica a am4ig5idade genital na primeira
infYncia. As principais associa2Ees mdicas& como a Academia Americana de Pediatria&
aprovaram o LA:FC. -specialistas em cirurgia& endocrinologia& psicologia& tica& psiquiatria&
gentica e saKde pK4lica& 4em como grupos de defesa dxs pacientes intersexuadxs& uniram-se
Gs suas fileiras.
Am dos o4Oetivos da LA:FC esta4elecer uma nova nomenclatura de sexo. Ama proposta em
an9lise su4stitui o sistema atual por uma terminologia emocionalmente neutra que enfati1e
processos de desenvolvimento& e n#o categorias de g;nero pr-conce4idas. Por exemplo&
intersexos :ipo C desenvolvem-se de influ;ncias virili1antes an3malasF os de :ipo CC resultam de
alguma interrup2#o no processo de virili1a2#o& e em intersexos do :ipo CCC& as g3nadas podem
n#o ter desenvolvido da forma esperada.
O que est9 claro que desde 1??8& a sociedade moderna movimentou-se para alm dos cinco
sexos& para um reconhecimento de que a varia2#o de g;nero normal e& chega a ser para
algumas pessoas uma arena de explora2#o lKdica. Ao discutir minha proposta de cinco sexos
em seu livro $i%es de Intersexos& a psic.loga Su1anne =. \essler da Aniversidade -stadual de
Lova Vor, aponta essa quest#oD
A limita2#o da proposta de Fausto-Sterling que ... QelaR ainda d9 aos genitais... um status
prim9rio de significa2#o e ignora que no mundo em que vivemos as atri4ui2Ees de g;nero s#o
feitas sem acesso a inspe2#o genital... o que tem prima1ia na vida cotidiana o g;nero que
performado& independente da configura2#o da carne de4aixo das roupas.
$oOe& concordo com a avalia2#o de \essler. Seria melhor para intersexuais e aquelas pessoas
que xs ap.iam que direcion9ssemos a aten2#o de todo mundo para alm dos genitais. -la
sugere que devemos reconhecer que existem pessoas com uma variedade ainda maior de
identidades e caracter'sticas sexuais do que possa ser distinguido com refer;ncia apenas G
genit9lia. Algumas mulheres podem ter Mgrandes clit.ris ou l94ios fundidos M& da mesma forma
que alguns homens podem ter Mp;nis pequeno ou escroto disformeM& nas palavras de \esslerD
s#o Mfen.tipos sem um significado cl'nico ou de identidade particularM.
@esmo que o programa de \essler seOa ca4e2a a4erta como de fato - e apesar dos progressos
reali1ados na dcada de 1??( - a nossa sociedade ainda est9 longe deste ideal. A pessoa
intersexual ou transexual que proOeta um g;nero social - o que \essler chama de Mgenitais
culturais M - que est9 em conflito com os seus .rg#os genitais f'sicos ainda pode morrer por
causa de sua transgress#o. Por isso& a prote2#o Our'dica Gs pessoas cuOos genitais f'sicos e
culturais n#o correspondem necess9ria durante essa transi2#o para um mundo com mais
diversidade sexual e de g;nero. Am passo simples seria eliminar a categoria de MsexoM a partir
de documentos oficiais& tais como licen2as de motorista e passaportes. !ertamente& poderia
ser mais interessante e eficiente insistirmos em atri4utos mais vis'veis /tais como altura&
complei2#o f'sica e cor dos olhos0 e>ou menos vis'veis /impressEes digitais e perfis genticos0.
Ama agenda mais a4rangente apresentada na !arta Cnternacional dos 6ireitos de <;nero&
aprovada em 1??S& na quarta !onfer;ncia Cnternacional so4re )eis e Pol'ticas de -mprego para
:ransexuais& em $ouston& :exas. -la enumera de1 Mdireitos de g;neroM& incluindo o direito a
definir seu pr.prio sexo /ou g;nero0& o direito a mudar fisicamente seu sexo /ou g;nero0& se
assim o deseOar e o direito de casar-se com quem deseOar. As 4ases legais para esses direitos
est#o sendo decididas nos tri4unais enquanto escrevo. Alm disso& recentemente& o estado de
]ermont esta4eleceu a legalidade das parcerias domsticas entre pessoas do mesmo sexo.
-m 1??8& ningum poderia ter previsto essas mudan2as. -& me d9 certo pra1er acalentar a idia
de que eu desempenhei algum papel& mesmo que pequeno& na redu2#o da press#o T exercida
tanto pela comunidade mdica quanto pela sociedade em geral T que atua achatando a
diversidade dos sexos humanos em dois campos diametralmente opostos.
s ve1es as pessoas sugerem para mim& com uma pitada de horror& que defendo um mundo de
cores pastis onde a androginia reina e os homens e as mulheres s#o o mesmo tedioso. Lo
entanto& do Oeito que veOo& cores fortes coexistem com cores pastis. -xistem e continuar#o a
existir pessoas 4em masculinas l9 fora& s. que alguns deles s#o mulheres. 6a mesma forma que
acontece de algumas das pessoas mais femininas que eu conhe2o serem homens.