Sylvio de Vasconcellos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 64

Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

Fernando Damata Pimentel



Secretaria Municipal da Coordenao de Poltica Urbana e Ambiental
Murilo Valadares

Secretaria Municipal Adjunta de Regulao Urbana
Ana Saraiva

Gerncia de Patrimnio Histrico Urbano
Michele Abreu Arroyo





2













Ficha Tcnica

textos, pesquisa histrica e arquitetnica
Carlos Henrique Bicalho (arquiteto restaurador GEPH)
Mariana Guimares Brando (arquiteta restauradora GEPH)
Franoise Jean de Oliveira (historiadora GEPH)

design grfico
Carlos Henrique Bicalho (arquiteto restaurador GEPH)
Mariana Guimares Brando (arquiteta restauradora GEPH)

estagirias GEPH
Liviane Maria Rezende Vilela (estagiria arquitetura)
Fernanda Presoti Passos (estagiria arquitetura)

3

ndice

Consideraes Iniciais ................................................................ 4

A poltica de proteo em Belo Horizonte e o conceito de
patrimnio no planejamento urbano ......................................... 5

Sylvio de Vasconcellos ................................................................ 8

O aluno e o professor ................................................................ 10

O intelectual .............................................................................. 18

O Gestor..................................................................................... 30

O arquiteto ................................................................................ 35

Justificativa para proteo ........................................................ 60

Bibliografia ................................................................................ 61

Anexos ....................................................................................... 64

4
Consideraes Iniciais

Em reunio ordinria, realizada em 28 de junho de 2006, o
Conselho Deliberativo do Patrimnio Cultural do Municpio de
Belo Horizonte CDPCM/BH deliberou pelo tombamento do
bem cultural localizado na Rua Bueno Brando, n 84,
pertencente ao Conjunto Urbano Bairro Floresta, cuja autoria
do projeto arquitetnico pertence a Sylvio de Vasconcellos.
Nesta mesma ocasio, o CDPCM/BH solicitou abertura de
estudo do conjunto da obra deste renomado arquiteto mineiro.

O presente texto apresenta um estudo inicial acerca da vida e
obra de Sylvio de Vasconcellos com o intuito de desvelar a
importncia da sua atuao no meio intelectual mineiro e da
sua produo arquitetnica, fornecendo subsdios para a
proteo do conjunto de obras aqui elencado. Estas obras
foram inventariadas e seu grau de proteo indicado pela
equipe tcnica para anlise e deliberao do CDPCM/BH.

A identificao inicial das edificaes projetadas por Sylvio de
Vasconcellos partiu do projeto de pesquisa Arquitetura
Modernista de Minas Gerais via Web, CD e DVD etapa I
coordenado pela professora e arquiteta Maria Lcia Malard e
de listagem gentilmente fornecida pelo professor e arquiteto
Renato Czar Jos Souza. Trata-se, portanto, de estudo em
aberto, tendo em vista a possibilidade de ser acrescido de
novas informaes referentes obra do arquiteto.

Este dossi de tombamento referente ao Conjunto
Arquitetnico Sylvio de Vasconcellos n 01-0581124-07-04. A
este processo sero apensos, posteriormente, os dossis de
tombamento das edificaes indicadas pelo CDPCM/BH para o
primeiro grau de proteo.


5

A poltica de proteo em Belo Horizonte e o conceito de
patrimnio no planejamento urbano

As cidades so sistemas vivos, espaos em constante
construo. Este dinamismo experimentado e transformado
por aqueles que habitam os espaos urbanos: os cidados so
as razes das cidades. A histria da cidade se constitui de suas
permanncias e mudanas, da afetividade e dos smbolos
construdos e apreendidos pelos cidados. Estes smbolos,
segundo Aldo Rossi, se constituem em verdadeiros ns de
significao, e seriam elementos que sintetizam e encerram
contedos de construo coletiva de grande importncia para
uma sociedade. A cidade pode ser, ento, entendida como
lugar privilegiado onde as manifestaes do cotidiano de seus
habitantes compem a multiplicidade de seus espaos.

Mas, tambm diante dessa complexidade que se encontra o
desafio de gesto desses espaos plurais e de como garantir a
qualidade de vida desses lugares da coletividade. Nesse
sentido, a preservao do patrimnio histrico, enquanto
poltica pblica setorial, assume cada vez mais um papel
legitimador no processo da apropriao pelos cidados dos
espaos da cidade, sua paisagem, caminhos e smbolos,
considerando todas as diversidades e divergncias presentes
na dinmica urbana. Assim, preservar o patrimnio uma das
vertentes do planejamento urbano. No se trata de uma ao
pontual, e sim de aes integradas com os diversos setores da
administrao municipal e com a prpria comunidade. Deve-
se entender como ao planejadora, uma viso articulada e
integrada dos diversos aspectos que interferem na
conformao urbana. Tem-se como parmetro primeiro esta
viso articulada, a dimenso temporal, ou seja, a noo de
que as aes humanas se realizam determinadas por um
conjunto de valores vigentes em dados momentos histricos
6
que as contextualizam. Trata-se, portanto, de articular
passado, presente e futuro com vistas a uma harmonizao,
mesmo que atravs da diversidade, e ao estabelecimento de
um dilogo entre passado e presente. Nesse mundo
globalizado, onde as cidades se inserem numa extensa rede
mundial de comunicao e de mercado, como a teoria dos
vasos comunicantes da fsica, existe uma tendncia
homogeneizao em todos os nveis, inclusive o da cultura.
preciso garantir o vnculo entre passado e presente, pois a
partir dele que se estabelecero as identidades relativas
quele espao, quele tempo e quela comunidade, ou seja,
sero mantidas e respeitadas as especificidades de um lugar,
onde a construo do novo se dar tendo como lastro a sua
herana do passado. Essa viso, incorporada ao
planejadora da administrao municipal, permite que um dos
aspectos da cultura, concretizado e realizado no espao da
cidade, adquira a importncia que lhe devida no trato da
coisa pblica. No Plano Diretor de Belo Horizonte, em
captulo que trata de seus objetivos estratgicos para a
promoo do desenvolvimento urbano, prev-se a criao de
condies para preservar a paisagem urbana e a adoo de
medidas para tratamento adequado do patrimnio cultural do
Municpio, tendo em vista sua proteo, preservao e
recuperao.

Hoje, a poltica de proteo dos bens culturais em Belo
Horizonte tem como um de seus fundamentos os conjuntos
urbanos, que so reas da cidade definidas com o objetivo de
se proteger espaos especficos, denominados espaos
polarizadores, onde so encontradas ambincias, edificaes
ou mesmo conjunto de edificaes que apresentam
expressivo significado histrico e cultural. Alm desses
conjuntos existem edificaes que caracterizam conjuntos
arquitetnicos, como o caso do Conjunto Arquitetnico de
Tipologia de Influncia da Comisso Construtora da Nova
7
Capital e o estudo que se apresenta agora: Conjunto
Arquitetnico Sylvio de Vasconcellos. Neste caso, o enfoque
a edificao em si, embora em muitos casos haja um conjunto
de edificaes do mesmo arquiteto que conformam um
conjunto, o que fortalece a sua importncia.
8
Sylvio de Vasconcellos

Sylvio de Vasconcellos nasceu na Capital mineira, em 14 de
outubro de 1916, no seio de uma das famlias mais
tradicionais de Minas Gerais. Era filho de Salomo de
Vasconcellos, funcionrio pblico e historiador diletante, e
neto de Diogo Lus de Almeida Pereira de Vasconcellos (1843-
1927), deputado geral do Imprio e, j na repblica, presidente
da cmara de vereadores de Ouro Preto. Este ltimo foi
tambm historiador, atividade esta que lhe rendeu lugar de
renome na sociedade mineira. Suas principais obras Histria
antiga de Minas Gerais (1904) e Histria mdia de Minas
Gerais (1918) so, at os dias de hoje, riqussimas fontes de
informao sobre o processo de formao e desenvolvimento
da capitania de Minas Gerais. Seus estudos sobre a histria
mineira levaram-no at o Instituto Histrico e Geogrfico de
Minas Gerias e a Academia Mineira de Letras, instituies das
quais foi membro atuante. Diogo era, por sua vez, sobrinho
neto de Bernardo Pereira de Vasconcellos (1795-1850),
deputado e senador durante os anos da monarquia e um dos
principais fundadores do Imprio do Brasil. Dessa maneira, a
famlia Vasconcellos, seja na poltica, seja na produo
9
intelectual, vem, desde o incio do sculo XIX, desempenhando
papis de destaque na cena pblica mineira.

Sylvio de Vasconcellos no interromperia essa tradio. Ao
contrrio, solidificou-a na medida em que exerceu de maneira
dinmica uma srie de atividades culturais que acabaram por
elev-lo condio de figura pblica em Minas Gerais. De
modo que no poderamos classific-lo dentro de uma
categoria profissional nica: foi arquiteto, urbanista,
professor, crtico de arte, estudioso da arquitetura mineira,
cronista e gestor do patrimnio histrico mineiro. Foi sem
dvida, um homem de mltiplas faces.
10
O aluno e o professor

Formatura de Sylvio no curso de Urbanismo recebendo medalha de ouro do paraninfo
Juscelino Kubitschek. Fonte: Revista AP, 1995, Ano 1, n 1.

A carreira de Sylvio de Vasconcellos confunde-se, em grande
medida, com a prpria histria da Escola de Arquitetura. A
trajetria de vida de um no se explica sem a compreenso
histrica do outro, uma vez que ambos, escola e arquiteto,
mantiveram uma profcua, ntima e duradoura relao de
simbiose.

At a dcada de 1930, Belo Horizonte contava com
pouqussimos profissionais de arquitetura, ficando os projetos
a cargo de desenhistas e copistas que, em geral, baseavam-se
nos modelos e padronizaes tipolgicas inspirados na
Comisso Construtora da Nova Capital (OLIVEIRA, 2005). De
modo que a criao da Escola de Arquitetura da Universidade
de Minas Gerais, em 1930, foi um marco na histria da
arquitetura belo-horizontina. A importncia dessa escola
corroborada pelo fato de que, criada com o propsito de
formao de profissionais engenheiros-arquitetos, ela foi a
primeira a se organizar de forma autnoma em seu
conhecimento estrito de arquitetura, j que, nesta poca,
11

Vista da Escola de Arquitetura da UFMG, dcada de 1950.
Servio de fotodocumentao Sylvio de Vasconcellos.

existiam apenas cursos de arquitetura anexos a escolas de
Engenharia ou de Belas Artes.

A Escola foi criada por iniciativa de um grupo de profissionais
liderado por Luiz Signorelli, um dos arquitetos mais atuantes
no cenrio da capital mineira da poca, e que se reuniu com o
objetivo de organizar uma escola de formao de tcnicos de
arquitetura e profissionais das artes auxiliares, quais sejam,
decoradores, escultores e pintores (OLIVEIRA, 2005). A
primeira gerao de professores apresentava uma forma de
ensino tradicional, com pouca participao dos estudantes.
Por outro lado, a formao oferecida pelos fundadores da
escola era mais completa, tendo um carter mais
humanstico. Foi este o ambiente freqentado por Sylvio de
Vasconcellos ao entrar para a Escola de Arquitetura em 1940,
compondo, portanto, uma das primeiras turmas de novos
profissionais que mudariam a face da arquitetura mineira.

Antes de iniciar sua carreira universitria, Sylvio freqentou
os bancos de tradicionais escolas mineiras: Jardim de
Infncia Delfim Moreira, Grupo Escolar Afonso Pena, Colgio
Arnaldo, Ginsio Mineiro (Barbacena), Ginsio Santo Antnio
(So Joo Del Rei) e o Ginsio de Sete Lagoas. Foi somente
12
aos 24 anos que ele buscou a formao superior. Todavia,
antes mesmo de ingressar na Escola de Arquitetura, Sylvio j
demonstrava interesse pelas atividades desenvolvidas pelo
profissional da arquitetura, encontrando-se, inclusive, j
trabalhado no Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional (IPHAN) a convite de Rodrigo de Mello Franco de
Andrade (BRASILEIRO, 2007:14).

Em 1944, Sylvio forma-se na Escola de Arquitetura, obtendo
uma medalha de ouro pelas mdias excepcionais atingidas.
Esse contexto em que comea, efetivamente, sua vida
profissional foi extremamente profcuo ao desenvolvimento da
arquitetura moderna, principalmente aps a passagem de Le
Corbusier pelo Brasil. O modernismo consolidava-se tambm
em Belo Horizonte sob o incentivo de Juscelino Kubitschek,
determinado a transformar a metrpole em cidade moderna.

Em 1942, com o conjunto arquitetnico da Pampulha,
projetado por Oscar Niemeyer, o modernismo instalava-se em
Belo Horizonte. A Pampulha foi um marco importante porque
foi o primeiro projeto de arquitetura moderna to ousado, no
mundo, a ser financiado por um governo. Muito embora esse
empreendimento modernista tenha causado polmicas entre
a populao da cidade, os primeiros arquitetos formados pela
Escola de Arquitetura tiveram-no como referncia para o
desenvolvimento do seu trabalho, levando as propostas
modernistas adiante. No por acaso, essa gerao de
arquitetos imprimiria sua marca em Belo Horizonte em
bairros como a Cidade Jardim, So Luiz e a Cidade
Universitria da UFMG.

O perfil da escola de arquitetura comeou a mudar
justamente quando estes primeiros alunos por ela formados
retornaram instituio para lecionarem. Foram eles:
Shakespeare Gomes, Raphael Hardy Filho, Eduardo Mendes
13
Guimares e Sylvio de Vasconcellos. Entre as duas geraes
do corpo docente da escola os fundadores e os ex-alunos
chegou a existir um conflito referente aos mtodos de ensino
e ao posicionamento frente aos novos rumos da arquitetura.
Enquanto os mais novos inclinaram-se para a arquitetura
moderna, os antigos mantiveram-se fiis aos estilos j
consolidados.

Foi durante este processo de transio e de adaptao da
escola aos novos tempos que Sylvio de Vasconcellos entrou
para o seu corpo docente, em 1948, lecionando Arquitetura
no Brasil. Em 1952, concluiu o curso de urbanismo,
adquirindo nova medalha de ouro. Essa nova formao
permitiu-lhe um maior entrosamento com o mundo
acadmico, o que o levou ao cargo de professor catedrtico da
Escola de Arquitetura, em 1953, aos 37 anos, tendo como
tema de sua tese, a arquitetura residencial em Ouro Preto.

Durante o tempo em que lecionou nesta instituio, Sylvio foi
considerado um dos mais competentes professores.
Ministrando a cadeira de Arquitetura no Brasil, ele incentivava
os alunos a ler, pesquisar e debater no s os assuntos
diretamente ligados ao tema da disciplina, como tambm
quaisquer outros assuntos que se relacionassem a esses.
Segundo relato do arquiteto e professor da Escola de
Arquitetura, Ronaldo Masotti,

A cadeira de Arquitetura no Brasil abria um painel amplo e
livre aos fundamentos da arquitetura e, no raro, era a
oportunidade de os alunos questionarem toda a ortodoxia
acadmica ministrada nas demais disciplinas. No demais
afirmar que o professor, ento, conseguia uma atividade letiva
de nvel realmente universitrio (OLIVEIRA, 2005).


Sylvio foi um dos primeiros professores da escola a inovar nos
mtodos de avaliao. Enquanto a maioria dos docentes
14
limitava-se s provas escritas e orais, ele props trabalhos
com temas livres e a elaborao de pequenas monografias.

BRASILEIRO (2007) destaca que, como acadmico, Sylvio de
Vasconcellos exerceu tambm a atividade de pesquisa cuja
metodologia e a temtica, voltada para o patrimnio histrico
e as artes, adveio da influncia paterna. Inclusive, Sylvio
chegou a colaborar, indiretamente, com o seu pai na
elaborao da obra Igrejas de Mariana: pediu-me meu pai
que o ajudasse com o negcio de procuraes. Estava cansado
delas e queria dedicar-se a pesquisas histricas sobre a
Mariana e sua infncia e seus antepassados (Citado por
BRASILEIRO, 2007:13).

A atuao de Sylvio como docente da escola de arquitetura
no se limitou, porm, s pesquisas e ao ensino. Diante do
problema da carncia de livros-textos disponveis aos alunos,
ele encabeou a criao do servio de fotodocumentao e da
grfica na escola. Isto foi possvel a partir de 1960, quando
assume o cargo de Supervisor da Seo de Pesquisas da
Escola de Arquitetura, promovendo numerosas e significativas
publicaes de grandes mestres como Lcio Costa e Edgar
Graeff. Alm dos grandes nomes, a Escola de Arquitetura
publicou tambm os livros escritos pelos professores e que
serviram de base para o ensino das disciplinas, divulgando,
desse modo, o conhecimento produzido na instituio. A
grfica da escola, vale dizer, acabou no s resolvendo o
problema de falta de material didtico para aos alunos, que
dispunham to somente das anotaes feitas em sala de aula,
como acabou ganhando notoriedade no meio acadmico
brasileiro, em funo das obras publicadas (OLIVEIRA, 2005).

A dedicao de Sylvio para com a escola e os alunos acabou
levando-o ao cargo de diretor da instituio entre 1963/64.
Sua gesto foi marcada pelo desenvolvimento de inmeras
15
pesquisas e estudos sobre esttica e histria da arquitetura
das cidades mineiras. No obstante toda essa atividade, sua
permanncia no cargo foi bem curta, tendo sido interrompida
pelo golpe militar de 1968.

Desde 1962, Sylvio de Vasconcellos, juntamente com diversos
outros professores universitrios, como por exemplo, o seu
colega na Escola de Arquitetura, Raphael Hardy Filho,
encontravam-se sob investigao pelo DOPS (Departamento
de Ordem Pblica e Social) debaixo da suspeita de
esquerdismo. No caso especfico de Sylvio, essa suspeita foi
alimentada por denuncia encaminhada pelo DOPS, em 4 de
abril de 1964, e assinada pelo Diretrio Acadmico da Escola
de Arquitetura. O exagero das acusaes feitas a Sylvio vale a
transcrio desse documento:

Manifesto nao
Considerando o momento histrico em que vivemos, o
Diretrio Acadmico Democrata da Escola de Arquitetura da
Universidade de Minas Gerais, recentemente empossado,
sente-se no dever de denunciar nossa nao a participao
efetiva da Diretoria dessa Escola, atravs de seu diretor,
Sylvio de Vasconcellos, e vice-diretor, Joo Boltshauser, o
processo de comunizao da escola, transformando-a numa
clula de subverso, pactuando com elementos de agitao e
at mesmo incentivando a ao nefasta desses elementos.
Atestando este processo e procurando alertar as autoridades
civis e militares responsveis pela ordem cvica do pas,
alinharemos os fatos que evidenciamos:
- fato notrio que o senhor diretor Sylvio de Vasconcellos e o
vice-diretor Joo Boltshauser so tendenciosamente
favorveis causas esquerdistas.
- A colocao dos servios grficos da escola disposio do
processo de comunizao (...)
- Facilidades para distribuio, dentro do recinto da escola,
entre os alunos, de publicaes comunistas (...)
- Envio de alunos e instrutores a Cuba
(...) H evidncias de desmandos administrativos e financeiros
a merecerem um acurado exame.
(...) Na noite de 31 de maro, alunos pregaram cartazes
subversivos no hall do estabelecimento sob o estmulo do
diretor Sylvio de Vasconcellos que sugeriu a colocao dos
aludidos cartazes do lado de fora do prdio, afirmando haver a
necessidade de incitar as massas, pois a escola j estava
politizada.
16
Denunciamos esses fatos para conhecimento das autoridades
civis e militares e fazemos um apelo a todos os democratas
que cerrem fileiras.
Diretrio Acadmico da Escola de Arquitetura da Universidade
de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 4 de abril de 1964.
(Arquivo do DOPS/ APM)

As acusaes imputadas a Sylvio de Vasconcellos carecem de
comprovao e apresentam-se contaminadas com o clima
anticomunista que gerou o golpe, clima este impregnado de
teorias conspiratrias. Renato Rocha Lima, amigo ntimo de
Sylvio e responsvel pela construo de vrias casas por ele
projetadas, afirma que durante as vrias dcadas em que
conviveram, o amigo nunca se envolveu com questes
poltico-partidrias
1
. tambm Rocha Lima quem afirma
saber a origem das acusaes lanadas contra Sylvio.
Segundo ele, as acusaes de esquerdismo foram feitas por
um professor da Escola de Arquitetura que se aproveitou do
clima de perseguio para afastar Sylvio da academia.
Corrobora esta hiptese o relato da professora da Escola de
Arquitetura, Celina Borges, segundo a qual invejosos e falsos
amigos o denunciaram como pessoa perigosa para os rumos
da nao. Na verdade, era proibido ser to brilhante na poca
(OLIVEIRA, 2005).

Como conseqncia das denncias levantadas contra Sylvio,
este foi afastado de suas funes. O inqurito militar aberto
contra ele e publicado no Dirio de Justia era constitudo
pelas seguintes acusaes:

Facilitou, acompanhou, permitiu, tomou parte, consciente e
deliberadamente, em todas as atividades comunizantes ou
cubanizantes dentro e fora da Escola que dirigia, tentando
mudar a ordem poltica e social estabelecida na constituio e
a tomada de poder (...) cartazes que ofereciam aulas de
marxismo, tambm ostensivamente; duas vezes por semana,
pelo menos, os favelados de Belo Horizonte iam para a sua
Escola, para se doutrinarem com a pregao revolucionria,
de origem espria e estrangeira; tocavam-se discos cubanos,
com hinos e discursos de Fidel. (OLIVEIRA, 2005).

1
Entrevista realizada com Renato Rocha Lima pela equipe da GEPH, em 6 de dezembro de 2007.
17

Enquanto esteve afastado da universidade, Sylvio permaneceu
no Chile, lecionando na universidade daquele pas. Aps ter
sido absorvido do Inqurito Policial, ele retomou suas
atividades na Escola de Arquitetura. Este retorno, porm,
mostrou-se extremamente breve. Em 1969, por ocasio da
promulgao do Ato Institucional n 5, Sylvio de Vasconcellos
foi aposentado compulsoriamente. A Escola de Arquitetura
perdia, assim, um de seus mais brilhantes professores. Sua
perda, porm, no ficou limitada a Sylvio. Grande parte da
estrutura de ensino nela montada acabou sendo desmontada
por ocasio da interveno militar em 1964.

Esse golpe lanado sobre o arquiteto, obrigado a separar-se
da instituio qual se dedicara com afinco por anos, levou-o
a optar pelo auto-exlio. Foi para os Estados Unidos, l
permanecendo at 1979, data do seu falecimento.


18
O intelectual

Sylvio com alguns alunos em Ouro Preto. Fonte: Revista AP, 1995, Ano 1, n 1.

A face intelectual de Sylvio de Vasconcellos eclodiu num
momento em que no havia muitos arquitetos escrevendo
sobre o que pensam e o que fazem. Segundo SOUZA
(1995:115), poucos so os arquitetos que tero deixado por
escrito seus pensamentos, inquietaes e metodologias de
abordagem dos problemas de arquitetura e Sylvio foi um
deles. De modo que o conjunto de livros, crnicas e artigos
publicados por Sylvio oferecem-nos, no s um acurado
estudo sobre a arquitetura e o modo de viver mineiro, como
permitem-nos refazer o caminho terico que norteou seu
trabalho como arquiteto. Nas palavras de SOUZA, os escritos
de Sylvio permitem-nos estabelecer ainda que
empiricamente, uma comparao entre inteno e realizao,
ou seja, entre ideais arquitetnicos e obras construda
(1995:116).

A trajetria intelectual de Sylvio de Vasconcellos iniciou-se
ainda em fins dos anos 40, tendo se estendido at a dcada de
70, quando o arquiteto encontrava-se, ento, exilado. Sua obra
terica caracteriza-se pela diversidade e amplitude de temas
tratados, indo da crtica de arte crnica esportiva. Sua
produo pode, assim, ser distribuda em vrias categorias:
19
textos de histria da arte, da arquitetura e do urbanismo nos
quais ele compe um quadro evolutivo da arquitetura mineira,
particularmente, da setecentista; crticas e manifestos por
meio dos quais Sylvio expe os conceitos modernos que
fundamentaram sua obra, criticando o fazer arquitetnico;
crnicas sobre o cotidiano da cidade e textos sobre o
patrimnio.

Os trabalhos de histria da arte, da arquitetura e do
urbanismo de Sylvio de Vasconcellos constituem um dos
conjuntos mais notveis de sua produo. Os estudos acerca
da arquitetura religiosa barroca no Brasil e as
particularidades da arquitetura setecentista mineira foram
realizados, de maneira pioneira, por crticos do perodo
moderno brasileiro, como Lcio Costa, Paulo Santos, Lourival
Gomes Machado e Sylvio de Vasconcellos. Porm, foi
sobretudo na obra desse ltimo que as idias sobre o universo
do sculo XVIII mineiro encontraram as melhores
contribuies do ponto de vista crtico e reflexivo. Segundo
DANGELO (2006), a produo de Sylvio conseguiu uma sntese
conceitualmente bem amarrada entre a cultura colonial,
arquitetura e cidade ainda no atingida por pesquisas
anteriores sua obra. Reafirmando sua vinculao s razes
modernistas, ele trabalha tambm a defesa da originalidade
do barroco mineiro, caracterizado como um episdio
particularizado dentro da arte colonial brasileira. Tambm,
em seu trabalho como pesquisador inaugura quase que
pioneiramente um mtodo baseado em investigaes
arquivsticas e no estudo das referncias bibliogrficas mais
importantes sobre a histria das Minas Gerais (DANGELO,
2006:113).

20

Habitao trrea caracterstica da
arquitetura colonial mineira.
Fonte: Arquitetura Dois Estudos.
Acompanhando a trajetria intelectual de Sylvio, DANGELO
(2006) identifica a Arquitetura particular de Vila Rica, escrita
em 1951 como tese para o concurso ctedra de Arquitetura
Brasileira na Universidade de Minas Gerias, como sendo sua
primeira obra significativa, tendo sido posteriormente
publicada com o ttulo Vila Rica. Formao e
Desenvolvimento. Neste trabalho, o arquiteto inicia sua
trajetria investigativa
referente evoluo da cidade
colonial mineira e s
particularidades de sua
arquitetura. Sua idia era
mostrar como as cidades
coloniais surgiram a partir da
existncia de um caminho
principal chamado de estrada-
tronco, e das conurbaes
sucessivas que ocorreram, o
que explicaria o modelo urbano
das cidades mineiras.

Sylvio trabalha tambm nesta obra a tese de que no seria
verdadeiro classificar como plenamente autnticas a
arquitetura brasileira ou mineira, uma vez que seriam
oriundas da adaptao da arquitetura reinol, transposta para
a colnia. Todavia, DANGELO observa que no decorrer do
texto, o autor acaba enveredando-se em um discurso
diferente, tendendo a demonstrar o valor e a autonomia da
arte mineira no universo cultural brasileiro (2006:114). Com
base nas particularidades sociais e econmicas que
produziriam o fenmeno da arte mineira, Sylvio defende que a
nossa arquitetura, adaptando-se s dificuldades impostas
pelo ambiente hostil e pelo isolamento geogrfico, acabou
construindo, com um carter original, suas realizaes
arquitetnicas.
21

Contudo, ser em Arquitetura Colonial Mineira que Sylvio
tratar mais diretamente de questes ligadas arquitetura,
discutindo os modelos civis e religiosos da arquitetura do
perodo colonial em Minas Gerais. A anlise promovida por
este texto buscou reunir a interpretao funcional modernista
para a arquitetura civil descrio tipolgica e plstica para
entender a evoluo da arquitetura religiosa mineira.
Deixando-se influenciar pelos parmetros racionalistas, Sylvio
compara a arquitetura domstica mineira com os ideais da
racionalidade modernista vigente no perodo da produo dos
seus textos.

Segundo DANGELO, o arquiteto chega a uma concluso geral
no tocante ao fenmeno arquitetnico mineiro: o processo de
construo das igrejas e a evoluo do partido arquitetnico
so fruto das relaes sociais que regeram o processo de
implantao da igreja mineira nas suas diversas fases. De
modo que os estudos da arquitetura setecentista mineira
interessariam no s arte, como tambm s cincias sociais
e econmicas (2006:115).

Ainda dentro do conjunto de obras relativas a histria da
arquitetura, destacam-se outras produes. Em Arquitetura
no Brasil: sistemas construtivos, Sylvio apresenta uma anlise
nica dos processos construtivos na poca colonial mineira,
esclarecendo sua feitura. Este trabalho, segundo Celina
Borges, tornou-se um verdadeiro manual para os que se
dedicam a trabalhos de restaurao dos monumentos
mineiros (VASCONCELLOS, 1983:13). Destacam-se ainda, na
referida categoria, as seguintes publicaes de Sylvio:
Arquitetura. Dois Estudos, que trata da teoria da arquitetura,
bem como da arquitetura colonial mineira; Noes sobre
Arquitetura, constituda por vrios artigos publicados na
imprensa mineira sobre temas ligados arquitetura e Capela
22
Nossa Senhora do que realiza um levantamento sobre a
capelinha de Sabar.

Analisando vrios estudos acerca da arquitetura setecentista
mineira, DANGELO conclui que definitivamente, foi Sylvio de
Vasconcellos o que mais contribuiu para o desenvolvimento
de uma metodologia de anlise mais pertinente sobre as
bases da cultura arquitetnica em Minas Gerais no sculo
XVIII, avano inclusive sobre um processo de anlise esttica
amadurecida (2006: 120).

Segundo BRASILEIRO (2007), foi por meio das crnicas e
artigos de jornal publicados no Estado de Minas que a atuao
pblica de Sylvio de Vasconcellos alcanou dimenso mais
significativa. Nestes textos, Sylvio, por meio de uma
linguagem mais simplificada, dialoga com o pblico leigo,
mais amplo, rompendo com o universo fechado da academia.
Para SOUZA (1995), estes textos tinham a finalidade de
chamar a ateno para problemas da arquitetura pouco
considerados pelo homem do povo. A temtica discutida,
porm, no se restringiu arquitetura. Ao contrrio, mostrou-
se ampla, abarcando todas as dimenses do humano: paixes,
medos, relaes de trabalho, os modos de viver mineiro, os
modos de viver americano. No por acaso, os textos de Sylvio
ganharam a ateno e o apreo de muitos belo-horizontinos,
de modo que habituaram-se a falar de seus escritos,
saudando-se com a mesma pergunta: j leu o Sylvio hoje?
(VASCONCELOS, 19-).

Os artigos publicados na imprensa, j quando Sylvio
encontrava-se no exlio, foram reunidos no livro Noes sobre
Arquitetura. J em Crnicas do Exlio, publicao pstuma,
ele trata de diversos aspectos da vida americana e de suas
lembranas de Minas e do Brasil.

23
Analisando esta categoria de publicao de Sylvio, SOUZA
(1995) afirma que grande parte dos seus artigos possui
importncia direta e definidora na anlise da obra
arquitetnica daquele arquiteto. Esta afirmao comprovada
por meio da anlise de um artigo chamado A Famlia Mineira e
a Arquitetura Contempornea. Neste texto, Sylvio insiste na
idia de que a arquitetura geradora de modo de vida.
Portanto, se a arquitetura residencial se modifica, mudam
tambm os hbitos familiares. Exemplificando essa
afirmao, ele demonstra como, em Belo Horizonte,
ocorreram grandes alteraes na rotina da cidade e nas suas
prticas de sociabilidade como conseqncia direta da
construo da Pampulha.

Finalmente, deve-se lembrar aqui a faceta de Sylvio como
crtico da produo arquitetnica contempornea a ele. O
estudo da arte colonial mineira tornou-se importante fonte de
inspirao para que ele elaborasse seus escritos de crtica
arquitetura ento realizada em Belo Horizonte e no Brasil,
bem como para a elaborao de seu iderio modernista e de
seus projetos arquitetnicos. Nas palavras de SOUZA: todas
essas boas influncias do passado e o que elas continham de
sugesto, Sylvio soube traduzir nos seus projetos (1995:115).
Os textos que tratam de crtica arquitetnica, e que
expressam os preceitos modernistas de Sylvio, encontram-se
distribudos em vrios livros e artigos. A leitura dessas obras
demonstra o descontentamento de Sylvio para com a
arquitetura que fora desenvolvida em Belo Horizonte, desde
sua criao at os anos de 1950. Para ele, tratava-se de uma
enxurrada de elementos e estilemas retirados do passado,
muitas vezes conjugados aleatoriamente, segundo o sabor
popular (BRASILEIRO, 2007:2). O neocolonial, por exemplo,
manifestao arquitetnica tpica dos anos 20 e 30 da capital
mineira, era visto pelo arquiteto como uma apropriao
anacrnica e descontextualizada de chafarizes, janelas e
24
varandas, inspiradas nas igrejas coloniais e reaproveitadas na
arquitetura residencial. De modo que, somente passado o
delrio ecltico, Sylvio acredita ser possvel resgatar a
verdade arquitetnica, como se as expresses de fins do
sculo XIX e incio do sculo XX no passassem de um hiato
entre o colonial e o modernismo (BRASILEIRO, 2007:3).

Contrapondo-se arquitetura acima citada, Sylvio percebe na
casa colonial mineira, com toda a sua rusticidade, um
verdadeiro exemplo de arquitetura: Eis a nossa arquitetura
tradicional domstica. Funcionalmente caracterizando pela
boa distribuio das composies claras e limpas, definidas,
bem molduradas e rtmicas (VASCONCELLOS, 1960:44). De
modo que, o mais simples dos espaos arquitetnicos abriu
caminho para o racionalismo abraado pelos modernistas:
estes tipos com seus esteios de pouca seco, os cheios
jogando bem com os vazios, faz lembrar perfeitamente as
solues de nossa arquitetura moderna. A pureza, a
franqueza das solues so as mesmas, o mesmo esprito
(Citado por BRASILEIRO, 2007:8).

Ao sobrepor temporalidades, Sylvio de Vasconcellos emergiu
como um dos maiores defensores da aproximao modernista
com a mineiridade colonial, representada, dentre outras
obras, pelo Grande Hotel de Ouro Preto (1938), o Clube
Diamantina (1950), Escola Jlia Kubitschek (1951) e o Hotel
Tijuco (1951-53). Ele acreditava que

Assim como nas Minas, o barroco mineiro se casaria com o
iluminismo cartesiano para ensejar uma arquitetura local
peculiar, agora o rigorosismo funcionalista courbusiano se
casaria com a desenvoltura imaginosa nacional para buscar a
mesma autenticidade local que havia constitudo a glria de
Antnio Francisco Lisboa. (VASCONCELLOS, 1968:165)

Da passagem acima depreende-se que Sylvio de Vasconcellos,
ao acompanhar todo o crescimento da arquitetura modernista
no Brasil, acreditava que havamos alcanado o mesmo
25
sucesso do barroco mineiro. MENDONA e MALARD (2005)
ressaltam que, no momento em que a arquitetura moderna
era criticada como sendo ultrapassada, Sylvio j antecipava o
que hoje vem sendo discutido a respeito do valor simblico-
nacional da arquitetura brasileira e o seu carter inovador,
desde seu incio na dcada de 20 at 60.

Os artigos de Sylvio demonstram tambm o momento de
orientao funcionalista daquele pensador da arquitetura.
Para BRASILEIRO (2007), o artigo Como saber se sua casa
boa ou ruim reflete claramente a inteno catequtica de
Sylvio que prescrevia os elementos da boa e moderna
residncia. Esta deveria contemplar os aspectos funcionais
desde a implantao sobre o terreno at a posio do
mobilirio nos cmodos. Com tempo, todavia, as anlises
crticas realizadas por Sylvio indicam uma reviso na
concepo funcionalista da casa e uma aproximao aos
princpios organicistas.

A mudana de Sylvio de Vasconcellos para os Estados Unidos
permitiu-lhe tambm rever as crticas que antes fizera ao
ecletismo, questionando, inclusive, a ausncia de proteo
dos imveis pertencentes a este estilo:
(...) onde esto as construes dos sculos XIX e XX? Que
houve no Brasil neste perodo que no deixou pegada?
Por que estranha razo sobreviveram os conjuntos
coloniais e desapareceram todos os traos materiais dos
sculos dezenove e vinte?
Muito mais coisas se realizaram no Brasil, de capital
importncia para o futuro entre 1800 e 1950 do que nos
trs sculos anteriores. No entanto, babamos com o
nosso barroco, persistimos em construir casas
coloniais e nenhuma ateno concedemos ao perodo
de nosso Imprio e Repblica.
Nos Estados Unidos, qualquer conjunto de casas com
mais de cinqenta anos de idade j olhado com
respeito. Mesmo que no inclua elementos de
importncia arquitetnica. O que importa o conjunto, o
aspecto geral, o testemunho de uma vida e tempo
desaparecidos.
26
Quando chegar o ano dois mil o Brasil ter diante de si
esta coisa estranha: cidades coloniais de um lado, e
cidades moderninhas por outro. Nada no meio. Ento os
brasileiros se perguntaro assustados: onde est a
arquitetura que esteve aqui? (VASCONCELLOS, 1974)

Esse processo de amadurecimento da crtica arquitetnica,
assim como do fazer arquitetnico de Sylvio, podem ser
melhor apreendidos atravs da leitura dos vrios artigos e
livros por ele escritos. Segue abaixo a indicao de suas
principais obras:
Livros:
- Vila Rica: Formao e Desenvolvimento. BH: Instituto
Nacional do Livro, 1951.
- Arquitetura no Brasileira .Sistemas Construtivos. BH:
Editora Universitria, 1959.
- Formao das Cidades da Regio Aurfera Brasileira.
BH: Editora Universitria.
- Minas, Cidades Barrocas. SP: Universidade de So
Paulo, 1969.
- Vocabulrio Arquitetnico. BH: Editora Universitria,
1961.
- Mineiridade: ensaio de caracterizao. BH: Imprensa
Oficial, 1968.
- Arquitetura, dois temas. Porto Alegre: Instituto do Livro,
1960.
- Notas Sobre Arquitetura. BH: Editora Universitria.
- Arquitetura Colonial Mineira. BH: 1957.
- Pinturas Mineiras e Outros Temas.
- Vida e Obra de Antnio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
- Crnicas do Exlio. BH:[S.l.]: Littera Maciel, [19- ].
- Capela de Nossa Senhora do . Belo Horizonte, 1964.
- Noes sobre Arquitetura. BH, 1968.
- Arquitetura Dois Estudos. Goinia: MEC/SESU/PIMEG-
ARQ/UCG, 1983.

27
Artigos
- Contribuio para o estudo de arquitetura civil em Minas
Gerais. Revista Arquitetura e Engenharia Jul/Ago 1946 n. 02
p. 30-35; Nov/Dez 1946 n. 03 p. 42-49; Mai/Jun 1947 n. 04 p.
34-38; Set/Out 1947 n. 05 p. 5
- O barroco no Brasil. Revista Amrica Jan/Ago 1974 n.
01-10 p. 48-64
- Sistemas Construtivos adotados na arquitetura do Brasil. Revista
Arquitetura e Engenharia 1951 p. 01-53

- Notas sobre a arquitetura religiosa mineira. Revista Arquitetura e
Engenharia Jul/Set 1951 n. 18 Ano: III p. 41-44
- Do Av ao neto a casa mineira mudou. Revista Minas Gerais
Jul/Ago 1969 n. 02 Ano: I p. 50-53

- Como cresce Belo Horizonte? Revista Arquitetura e Engenharia
Nov/Dez 1947 n. 06 p. 51-53

- Pequena apreciao, talvez injusta sobre Belo Horizonte. Revista
Social Trabalhista 12 de dezembro de 19+47 p. 16-19

- Formao urbana do arraial do Tejuco. Revista do IPHAN. 1975 n.
18

- Arquitetura em Portugal. Revista Acrpole. Dez 1965 n. 324 p.
32-35

- Problema habitacional: cidades industriais. Revista Acrpole Ago
1966 n. 331 p. 42-44

- Inqurito nacional de Arquitetura. Revista Arquitetura e
Engenharia Jan 1963 n. 7 p. 33-40

- Jos Pedro S, escultor mineiro. Revista Arquitetura e Engenharia
Set/Out 1952 n. 23 p. 53-55

- Estrutura social e estrutura urbana. Revista Arquitetura Dez 1967
n. 66 p. 14-16

- Roteiro para o estudo do barroco em Minas Gerais. Revista
Arquitetura Dez 1968 n. 78 p. 14-18

- O cotidiano: arte e arquitetura. Revista Arquitetura Jan 1966 n.
43 p. 25-26

- Urbanizao da Amrica Latina - Marginalizao. Revista
Arquitetura Jun 1966 n. 48 p. 12-13

28
- Residncia em Belo Horizonte. Revista Arquitetura e Decorao
Mar/Abr 1956 n. 16 Ano: III p. 41-44
- Silvio sempre presente: tempos de menino na cidade. Revista
Pampulha Jul/Set 1980 n. 03 p. 44-45

- Aspectos em detalhes da arquitetura em Minas Gerais. Revista
Arquitetura Dez 1964 n. 38

- A arquitetura colonial mineira. Revista Primeiro seminrio de
estudos mineiros UFMG 1959

- Carta para a revista. Revista Arquitetura e Engenharia Nov/Dez
1955 n. 14

- Residncia. Revista Arquitetura e Engenharia Nov/Dez 1951 n. 37
p. 18-21

- Crtica de arte e arquitetura. Revista Arquitetura e Decorao,
1957, n. 40 Ano: I


A faceta intelectual de Sylvio no pode ser restringida sua
produo bibliogrfica. Isto porque foi como intelectual que
este arquiteto esteve frente de vrias instituies e de vrios
projetos de pesquisa. Seu vasto e diversificado conhecimento
foi responsvel por lev-lo presidncia do Instituto dos
Arquitetos do Brasil (IAB), seo Minas Gerais, ao Instituto
Histrico Geogrfico de Minas Gerias (IHG-MG), ao conselho e
curadoria do Museu de Arte de So Paulo (MASP),
Associao de Crticos de Arte do Brasil e da Associao
Internacional de Crticos de Arte e Direo do Instituto
Cultural Brasil- Estados Unidos (ICBEU). Entre 1964 e 1965
ele foi arquiteto-associado ao Servio de Planejamento
Territorial da Frana. Em 1966, exerceu no Chile o cargo de
Chefe da Unidade de Urbanismo do Centro de
Desenvolvimento Econmico e Social para a Amrica Latina.
Radicado nos Estados Unidos atuou entre 1971 e 1973 como
Especialista em desenvolvimento urbano nas Organizaes
dos Estados Americanos (OEA), em Washington e na Cidade
do Mxico. Ainda na OEA, entre os anos de 1973 e 1977,
desenvolveu diversos trabalhos como consultor para assuntos
de cultura brasileira, preservao do patrimnio artstico e
29
histrico e desenvolvimento urbano. Em 1978, recebeu uma
bolsa do U.S. National Endowment for the Umanities para
estudo e verso par ao ingls de documentos selecionados do
sculo XVIII mineiro.

De todas as instituies pelas quais Sylvio de Vasconcellos
passou, foi, sem dvidas no Instituto do Patrimnio Histrico e
Artstico Nacional onde ele mais desenvolveu sua veia
pesquisadora, encontrando o espao propcio para o
aprimoramento de seus conhecimentos sobre a histria da
arquitetura e do urbanismo mineiro. Sua longa experincia
como gestor dessa instituio, merece, portanto, uma
apresentao mais detalhada.
30
O Gestor

Posse de Sylvio como diretor da Escola de Arquitetura da UFMG.
Fonte: Revista AP, 1995, Ano 1, n 1.

Sylvio de Vasconcellos, por indicao de Rodrigo de Mello
Franco de Andrade, foi o primeiro superintendente do Instituto
do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - Distrito de
Minas Gerais. Sua longa trajetria nesta instituio, onde
entrou como tcnico ainda antes de se tornar arquiteto,
estende-se de 1939 a 1969, quando se exila nos Estados
Unidos.

Sua atuao como superintendente do IPHAN/MG foi
marcada, sobretudo, pela realizao do primeiro grande
estudo do conjunto arquitetnico da cidade de Ouro Preto,
levando a cabo os trabalhos de conservao e restaurao de
bens culturais coloniais mineiros. Foi, portanto, durante os
anos em que Sylvio de Vasconcellos esteve frente do
IPHAN/MG que Outro Preto tornou-se, efetivamente, alvo de
polticas pblicas em prol de sua preservao. Estas polticas
pblicas, por sua vez, imprimiram em Ouro Preto, de maneira
quase irreversvel, as marcas da concepo de patrimnio
histrico defendida pelo IPHAN, no seu momento primeiro de
existncia.
31

De modo que a maneira como as polticas de proteo na
cidade de Ouro Preto foram encaminhadas por Sylvio de
Vasconcellos contam, no s a histria da proteo de um dos
maiores conjuntos de bens culturais do Brasil, como revela-
nos os princpios e as naes acerca do que patrimnio e do
que se deve preservar que nortearam os anos inicias do
IPHAN.

As primeiras aes do IPHAN nos centros tombados, desde
sua criao em 1937 at a dcada de 1960, trataram a cidade
como expresso esttica. Esta atuao inicial refletiu nos
critrios adotados para intervenes e obras novas e
influencia at hoje as polticas preservacionistas e o
entendimento que as comunidades urbanas tm sobre o valor
das cidades como patrimnio.

No primeiro momento de atuao desta instituio, as cidades
mineiras foram selecionadas pelos modernistas para o
exerccio da busca da identidade nacional. Isto porque a
arquitetura colonial era entendida como a primeira expresso
autenticamente brasileira e, conforme j visto nos textos de
Sylvio de Vasconcellos, fonte de inspirao para a arquitetura
moderna. Foi neste contexto que Ouro Preto tornou-se
patrimnio nacional e referncia de patrimnio histrico.
Nesse processo, quase todas as referncias da evoluo da
cidade posteriores ao sculo XVIII frontes, platibandas,
elementos eclticos foram retiradas, uma vez que o
colonial foi eleito como marca dessa nacionalidade e as
novas edificaes deveriam diluir-se no conjunto.

Foi imbudo deste entendimento que Sylvio de Vasconcellos,
em 1949, realizou um inventrio de Ouro Preto com o objetivo
de executar um amplo estudo da cidade para apropriao de
um plano de trabalho. Neste trabalho foram cadastrados 693
32
imveis em conjuntos que ele julgou de interesse e que
abrangem os seguintes bairros ou regies: Cabea, Rosrio,
Centro, Pilar, Carmo, Palcio, Antnio Dias, So Francisco,
Lages, Dores e Alto da Cruz. Este material consta de fichas
divididas por distrito onde cada uma das edificaes,
identificadas por seu endereo e levantamento fotogrfico
classificada quanto ao nmero de pavimentos e estado de
conservao, atentando par a urgncia ou prioridade das
obras (VIEIRA, 2006).

As concluses mais importantes desse estudo foram: a
constatao de grande nmero de ruas e becos
desaparecidos, fechados, com construes novas ou
incorporados a casas imediatas; o grande nmero de casas
que desapareceram ou foram demolidas para novas
construes ou no e o nmero diminuto de casas novas em
terrenos vazios. A constatao era de um verdadeiro estado
de runa dos prdios em geral (VIEIRA, 2006:21).

Para a restaurao das edificaes, Sylvio previu despesas e
estabeleceu critrios a considerar para a escolha das
edificaes que seriam contempladas: aspecto legal, aspecto
geral que abrange o esttico e o tcnico; aspecto psicolgico
(logradouro mais importante ou mais transitvel, prximo a
monumentos, logradouros afastados, restauraes que
perturbam o conjunto) e aspecto econmico (proprietrios
mais pobres, casas mais instveis, moradores mais ricos,
casas mais inestticas). Tambm Lcio Costa escreveu sobre
os critrios para a escolha das edificaes e sugeriu, dentre
as casas que apresentavam maior interesse do ponto de vista
arquitetnico ou urbanstico, as mais centrais ou que se
achassem prximas de monumentos mais importantes,
excluindo aqueles cujos proprietrios teriam recursos
(VIEIRA, 2006).

33
importante destacar a extrema preocupao com a fachada
e a cobertura evidenciada nas prticas restaurativas e a
indicao de elementos tipolgicos entendidos como
setecentistas: cobertura em duas guas, com telha colonial e
cumeeira paralela rua; esquadrias em madeira, janelas do
tipo guilhotina, ambas com pintura em tinta a leo; fachada
caiada, normalmente de branco. Os critrios adotados
buscavam a preservao da arquitetura colonial, do autntico,
mas geralmente restringiam-se ao exterior das edificaes.

Em ofcio em 1952, Rodrigo de Mello Franco de Andrade
evidenciou a preocupao com o exterior das edificaes ao
esclarecer para Sylvio de Vasconcellos sobre a demolio
total ou parcial das edificaes no conjunto arquitetnico
tombado de Ouro Preto:

Essa proibio categrica se estende (....) apenas com relao
estrutura e arquitetura exterior das construes, podendo
ser permitidas demolies de paredes e elementos internos
de edifcios, em casos de necessidade ou convenincia, exceto
se se tratar de imveis de particular valor individual, histrico
ou artstico.(Citado por VIEIRA, 2006:50).

Portanto, o IPHAN-MG, sob a gesto de Sylvio de
Vasconcellos, ao recriar a prtica da restaurao, elegeu um
padro com vis estetizante de uma fase de Ouro Preto,
indicando o uso de elementos tipolgicos. Essa prtica
continuada gerou, inclusive, um padro para toda a cidade o
que VIEIRA (2006) chama de arquitetura pseudocolonial no
qual se outorgou fachada um papel primordial com objetivo
de conservar a imagem da cidade. Esse falso colonial repete
exteriormente o padro colonial de tradio portuguesa:
cobertura em duas guas com cumeeira paralela rua e telha
colonial; fachada caiada de branco, portas e janelas em
madeira, do tipo guilhotina, com pintura de tinta a leo em
cores primrias e caixilhos de vidro em branco, elementos de
ferro pintados de preto (VIEIRA, 2006).
34

A consolidao da tipologia pseudocolonial apresenta-se
como conseqncia de um processo de mitificao do
monumento histrico. O IPHAN promoveu uma imagem
tradicional de Ouro Preto na medida em que se preocupou em
manter fachadas com aspecto colonial. Essa imagem colonial
foi introjetada e encontra-se, ainda hoje, no inconsciente
coletivo dos ouro-pretanos.

Sylvio de Vasconcellos, obviamente, foi um homem de seu
tempo e, em sintonia com este e com a mentalidade
dominante entre os gestores do patrimnio histrico
brasileiro, colaborou para a promoo dessa imagem
tradicional de Ouro Preto. Foi necessrio um maior
amadurecimento da poltica de proteo do patrimnio e da
prpria concepo do que um bem cultural passvel de
preservao para que a crtica aos parmetros e princpios
norteadores do IPHAN, em sua fase inicial, se realizasse.
Crtica esta que, alis, foi feita pelo prprio Sylvio de
Vasconcellos quando, j no exlio, reviu a importncia de
outras manifestaes arquitetnicas que, goste-se ou no,
fizeram parte da nossa histria, fato este que no pode ser
simplesmente ignorado.

Por fim, fundamental registrar que, para alm da
implantao de polticas de proteo dos bens culturais de
Ouro Preto, o estudo realizado por Sylvio de Vasconcellos
atravs do IPHAN/MG foi fundamental para a construo de
toda a sua obra terica acerca da arquitetura colonial mineira.
Neste sentido, pode-se dizer que o Sylvio gestor do patrimnio
e o Sylvio intelectual no se diferenciam nem se separam, ao
contrrio, completam-se perfeitamente.


35
O arquiteto

Sylvio em 1941. Fonte: Revista AP, 1995, Ano 1, n 1.

A produo arquitetnica de Sylvio de Vasconcellos iniciou-se
na dcada de 40, quando ainda era estudante, projetando
principalmente residncias em Belo Horizonte. Juntamente
com Raphael Hardy Filho, projetou sua prpria residncia, em
1942, que, logo em seguida, em 1945 recebeu um segundo
pavimento, com projeto de autoria de Juscelino Ribeiro da
Fonseca. Este projeto significativo pelo fato de ser sua
prpria residncia, revelando uma escolha pessoal muito
prxima arquitetura colonial.


Sylvio no jardim de sua casa na Rua Caldas n47.
Fonte: Revista AP, 1995, Ano 1, n 1.
36

Para falar do Sylvio arquiteto, necessrio falar do que estava
acontecendo na arquitetura, no Brasil e no mundo, e de como
ele se apropriou dos sintagmas do movimento moderno ao
criar a sua arquitetura moderna mineira.

O Modernismo pode ser definido como um movimento esttico
surgido na dcada 20, do sculo passado, marcado por uma
mentalidade renovadora, que se manifestou nas artes
plsticas, literatura e arquitetura. Vivenciado em vrios
pases, no Brasil, o movimento modernista teve incio quando,
no Rio de Janeiro cidade denominada pan brasileira por
Gilberto Freire, surgiu uma elite de escritores, pintores,
escultores e msicos que negava o academicismo e buscava
uma linguagem prpria (GUIMARAES,1954). Marcado por
caractersticas singulares, resultantes do somatrio das
novas linguagens que surgiam na Europa e das tradies
populares brasileiras, esse movimento foi aqui abraado por
representantes tanto da intelectualidade do Pas, quanto das
tradies populares mais genunas. Carlos Drummond de
Andrade, Manuel Bandeira, Mrio de Andrade, Emiliano Di
Cavalcanti, Cndido Portinari, Heitor Vila-Lobos, Noel Rosa,
Carlos Cachaa, Paulo Portela e Ary Barroso eram, ento,
artistas dessas duas esferas da produo cultural do Brasil
que perceberam a importncia desta interao. Era uma nova
percepo do mundo, que passava a permear tanto a
produo, quanto a recepo dessa nova arte, nascida sob
aplausos, espanto e protestos.

No mbito da arquitetura, o movimento moderno, inaugurado
pela Semana de Arte Moderna no Brasil, em 1922, no havia
amadurecido a ponto de produzir uma obra, havendo, ento,
apenas desenhos, ou seja, utopia. Esse movimento esttico
arquitetnico, tambm chamado de arquitetura moderna, s
se manifestaria mais tardiamente, a partir de um sistema de
37
significao, de uma linguagem bastante identificvel,
nitidamente influenciada pela pintura cubista, pela Bauhaus e,
sobretudo, pelos princpios caractersticos da arquitetura de
Le Corbusier, principalmente por obras produzidas nas
dcadas de 20 e 30, naquela considerada sua fase herica.

Segundo o arquiteto Eduardo Mendes Guimares, autor de
importantes obras modernistas de Belo Horizonte, das quatro
correntes advindas direta ou indiretamente do cubismo, quais
sejam, o purismo francs (de Le Corbusier); o construtivismo
(de Malewitsch); o protomodernismo (de Marinetti e SantElia)
e o neoplasticismo (de Theo Van Doesburg e Piet Mondrian),
apenas a primeira e a ltima alcanaram um grau maior de
influncia e ligao com a arquitetura moderna. Quanto
origem da arquitetura moderna, afirma ainda que, embora
sua gnese esteja bem mais distante no tempo, o
neoplasticismo ocupa uma posio de importncia mpar no
conjunto histrico e destaca Mies Van der Rohe, como o mais
criativo de seus representantes, tendo sido aquele que
reeditou os princpios fundamentais dessa corrente, aps
Theo Van Doesburg.

Em 1927, Gregori Warchavchik projetou a sua Casa Moderna,
em So Paulo, considerada como o primeiro cnone da
arquitetura moderna brasileira. Todavia, essa construo no
utilizava os novos padres construtivos da poca, como o
concreto armado e, sim, alvenaria de tijolos. Esse evento
levaria Hugo Segawa a considerar que Warchavchik inseriu o
Brasil no mapa da arquitetura mundial logo no incio dos anos
de 1930 (SEGAWA,1998). Nesse contexto, Warchavchik foi
posicionado na historiografia da arquitetura como o iniciador
da arquitetura moderna no Brasil, no obstante a vinda de Le
Corbusier, em meados da dcada de 30, tenha sido o evento
catalisador do processo de discusses em torno das teorias
38
do modernismo, ento j conhecidas pelos jovens arquitetos
atuantes no Pas.

A partir dos anos 30, um novo arranjo na composio da elite
dirigente do Pas, at ento predominantemente agrria,
incorporou o segmento industrial e a massa urbana em sua
vida poltica. Durante o governo de Getlio Vargas, de 1930 a
1945, a mentalidade conservadora das classes dominantes
ainda prevalecia, mas mudanas na estrutura administrativa,
somadas ao progressivo adensamento das cidades, ao
progressivo incremento do parque industrial nacional, dentre
outras transformaes, criaram as condies favorveis para
o desenvolvimento da arquitetura modernista no Brasil.

No plano ideolgico, o projeto poltico nacional
desenvolvimentista, determinado a inserir o Pas no cenrio
mundial, incorporou os princpios modernistas e a arquitetura
foi, neste contexto, instrumentalizada para promover aquela
insero, passando a ser identificada como signo do
progresso. Se inicialmente essa nova arquitetura foi recebida
com grande averso pelos arquitetos mais conservadores, o
mesmo no aconteceu na esfera governamental, que passou a
adot-la nas edificaes pblicas, o que acabou por abrir um
caminho para que a arquitetura modernista
2
se implantasse
de forma definitiva no Pas, consolidando-se como uma
arquitetura com vocabulrio regionalizado singular. Alm
disso, o vnculo estabelecido entre polticos e jovens
arquitetos facilitou a produo arquitetnica de qualidade e de
solues tcnicas inovadoras, de forma diferente daquelas
estabelecidas academicamente. Soma-se ainda, como
observa BRUAND (1981), o carter de extrema personalizao
do poder, sobretudo em relao construo de edifcios
pblicos, que influenciou consideravelmente a arquitetura

2
Utilizam-se como marcos cronolgicos da arquitetura modernista no Brasil, 1937, ano do projeto do Ministrio da Educao,
no Rio de Janeiro e 1960, ano da inaugurao de Braslia.
39
brasileira e em particular a arquitetura moderna, quando
polticos com poderes quase ilimitados, como Gustavo
Capanema e Juscelino Kubitschek, impuseram suas vontades
e deram boas oportunidades de trabalho a arquitetos que se
fizeram presentes no momento.

Data desse perodo a criao do Ministrio da Educao, que
agrupou em escala federal as atividades essenciais ao
desenvolvimento do Pas, antes relegadas responsabilidade
dos vrios Estados. As escolas assumiram nova importncia,
ao mesmo tempo em que universidades comeavam a ser
criadas, iniciando uma evoluo que s veio a se acelerar aps
a queda do ditador em 45. A arquitetura moderna, portanto,
que comeava a tomar impulso, encontrou ali um campo de
ao que lhe foi generosamente aberto. O Edifcio do
Ministrio da Educao e Cultura Pblica, no Rio de Janeiro,
foi projetado em 1936, segundo risco original de Le Corbusier,
sob encomenda do Ministro Gustavo Capanema. Concludo em
1945, considerado um marco do surgimento da chamada
nova arquitetura no Brasil, tendo sido o primeiro edifcio
com partido em lmina alta com fachadas de vidro e brise-
soleil, articulada com um volume baixo sobre o terreno e
envolta por espaos verdes, que tambm recebeu o primeiro
projeto paisagstico modernista do Pas. Esta edificao foi
concebida por Lcio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leo,
Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy e Ernani
Vasconcellos e teve, ainda, a consultoria de Le Corbusier.

Mas, no obstante a importncia dessa obra, Oscar Niemeyer
no a apreende como um exemplar genuno da arquitetura
brasileira, estabelecendo uma linha divisria entre uma
arquitetura moderna e outra, tambm moderna, mas de
carter nacionalista: se o prdio do Ministrio projetado por


40
Le Corbusier constituiu a base do movimento moderno no
Brasil, a Pampulha permitam-me diz-lo que devemos o
incio da nossa arquitetura, voltada para a forma livre e
criadora que at hoje a caracteriza (XAVIER, 1987:231) e
Lcio Costa, em 1951, vislumbrou a Pampulha como um
marco divisor; um rumo diferente que assegurou uma nova
era (SEGAWA, 1998:96). Ela, por certo, seria a primeira
grande aventura modernista experimentada por esses
profissionais e, tambm, pelo Pas.

Primeira experincia de planejamento urbanstico no Brasil,
Belo Horizonte foi erigida na regio onde antes houvera o
arraial do Curral del Rei. Contrapondo-se ao arruamento
sinuoso e ao casario colonial da velha capital, Ouro Preto, o
projeto da nova cidade foi idealizado sob princpios racionais
positivistas, de acordo com o chamado urbanismo cientifico,
de influncia haussmanniana, que previam vias pblicas
retilneas e ocupao setorizada nas zonas. O funcionamento
da cidade adviria no de uma ocupao espontnea, mas
antes na interao de suas zonas, cada qual com suas
especificidades. Os esforos da Comisso Construtora da
Nova Capital concentraram-se, prioritariamente, na
edificao da zona urbana, rea esta destinada s instituies
da administrao pblica estadual, acomodao do
funcionalismo pblico e ao comrcio e servios necessrios
cidade.

O vnculo com a Paris de Haussman pode ser ainda percebido
na dissociao entre a inteno do projeto e a realidade
implementada: enquanto na capital francesa, segundo
Benvolo, a escala grandiosa das novas avenidas minimizou a
imponncia dos monumentos que o projeto pretendia
destacar, na capital mineira, a topografia ondulosa tornou
mais orgnico o traado geomtrico, distorcendo os ngulos
retos e os eixos rgidos criados no papel. Pode-se tambm
41
perceber no desenho original de Belo Horizonte uma certa
similaridade com a cidade jardim howardiana
3
, que ainda viria
a existir na Inglaterra, no incio do sculo XX. Isto pode ser
notado atravs de caractersticas como o zoneamento das
funes no espao, a integrao entre ferrovia e cidade, a
conteno do ncleo urbano dentro de um limite proposto (a
atual avenida do Contorno), os cintures agrcolas circulando
este limite e a integrao entre natureza e cidade. Devido
grande presena de vegetao em seu espao urbano, como,
por exemplo, os Fcus Benjamina na avenida Afonso Pena e o
Parque Municipal Amrico Renn Giannetti, Belo Horizonte
receberia, algumas dcadas aps sua inaugurao, o epteto
Cidade Jardim.

O desenho urbano de Belo Horizonte est vinculado, em suas
origens, a iderios modernos e inovadores de urbanizao, o
que contribuiu, dentre outros fatores, poca de sua
construo, para sentimentos antagnicos de entusiasmo e
desconfiana com relao nova cidade que iria surgir. Em
meio a descrenas e foras opositoras a esse
empreendimento oneroso e ambicioso, a cidade, ou pelo
menos parte dela, foi construda e inaugurada em 1897, j sob
o signo da mudana e da modernidade. A cidade se imps de
modo a negar toda uma herana do passado, excluindo tudo
aquilo que lembrasse as formas barrocas dos tempos
coloniais, passando estas a serem relacionadas ao atraso e ao
provincianismo.

3
Ebenezer Howard publicou em 1898 o livro Tomorrow: A Peaceful Path to Social Reform - que seria republicado em 1902 sob
o ttulo Garden-cities of Tomorrow onde, em busca de uma soluo para os problemas ambientais e sociais da cidade ps-
industrial, estabelece o conceito cidade jardim. De cunho socialista, a obra prope a unio entre os benefcios do campo e do
meio urbano, atravs do projeto de cidades novas. Sugere ento um modelo formal de cidade, onde sociedade e natureza esto
equilibradas de tal forma a oferecer uma vida ideal ao homem: a healthy, natural, and economic combination of town and
country life. Seus diagramas de cidade apresentam ento uma cidade circular, onde vrios anis concntricos, cortados por
ruas radiais, correspondem a um zoneamento das funes. A partir do centro tem-se: jardim circundado por edifcios de uso
coletivo destinados sade, cultura e administrao pblica; parque circundado por palcio de cristal, onde se desenvolvem as
atividades de pequeno comrcio e lazer coberto; setor residencial e de jardins; grande avenida, onde se situam equipamentos
como escolas e igrejas; outro setor residencial e de jardins; setor para indstrias, mercados, lojas, depsitos e servios
localizados ao longo de uma estrada de ferro circular e; finalmente, um cinturo verde, ocupado por reas naturais e fazendas
ou stios produtivos. Dispes ainda sobre o planejamento e funcionamento econmico e social da cidade jardim, discursando
sobre questes como a propriedade, o crescimento demogrfico, o controle pblico sobre as construes e a liberdade
econmica.
42

Vieram os primeiros anos da nova Capital e as dificuldades
econmicas, acirradas pela Primeira Guerra Mundial,
desaceleraram seus crescimentos econmico e urbano, que
foram retomados nos anos que se seguiram ao trmino da
Guerra. Em 1917, com a inaugurao de ramais ferrovirios
de bitola larga para o oeste e para o vale do Rio Doce, foi feita
a articulao da cidade com outras reas do Estado,
reforando-se sua importncia no escoamento de recursos
minerais para o porto de Vitria, no Esprito Santo. A
retomada do crescimento acelerou o processo de migrao
populacional. A populao da Capital saltou de 55,5 mil
habitantes, em 1920, para 140 mil no incio dos anos 30, e
atingiu 214 mil, em 1940. No ncleo central, um ritmo
acelerado de construo dava incio a um processo de
substituio de edificaes daquela cidade to jovem e j to
ultrapassada. Assim foi demolido o Mercado Municipal para
dar lugar Feira de Amostras, enquanto consolidava-se a
concentrao hospitalar de Santa Efignia e a rea central
como o centro comercial e financeiro, com o aparecimento de
grandes casas bancrias mineiras como o Banco do Comrcio
e Indstria de Minas Gerais 1925, o Banco da Lavoura 1925
e o Banco Mineiro 1928. As atividades industriais
continuavam concentradas na rea central, observando-se a
instalao de algumas indstrias na regio dos bairros Carlos
Prates e Cachoeirinha.

At os anos trinta, os investimentos mais significativos na
infra-estrutura de Belo Horizonte haviam sido destinados
zona urbana, em conformidade com projeto original da Capital
que, desde seus primeiros anos, vinha sendo modificado com
ocupaes desordenadas na zona suburbana, principalmente
leste e oeste.


43

A Revoluo de 30 e o novo arranjo da composio da elite
poltica dirigente do Pas, at ento predominantemente
composta pela elite agrria, determinou a incorporao do
segmento industrial e da massa urbana em sua vida poltica.
As cidades, que progressivamente vinham conquistando o
status de lugar da produo industrial, do operariado, do
crescimento demogrfico tornam-se objetos de ateno e de
aes polticas e urbansticas. Belo Horizonte, ento com
trinta e poucos anos de idade, via seu parque industrial
incrementar-se e seus limites estenderem-se para alm da
avenida do Contorno. A cidade, que nascera planejada em
traos geomtricos, via, ento, sua forma orientada por
impulsos naturais, que segundo a percepo de Sylvio de
Vasconcellos, faziam-na assemelhar-se ao antigo Curral del
Rei ( VASCOCELLOS, 1947:52).

Belo Horizonte comeava a ganhar ar de metrpole. Em sua
rea central concentravam-se as principais referncias da
administrao pblica, comerciais e financeiras, enquanto
instituies fabris iam surgindo em reas distantes, tornando-
se epicentros de novos bairros e vilas operrias. A Capital
havia crescido, como haviam crescido tambm seus
problemas infra-estruturais e sociais, que passavam a
merecer maior ateno do poder pblico. Se at ento, a zona
urbana havia sido objeto das iniciativas pblicas, aps 1930,
todavia, uma srie de medidas seriam tomadas para se tentar
organizar o espao tambm fora do permetro da Avenida do
Contorno, em contraposio ao pouco interesse por aquela
rea at ento (GOUGH, 1994:47) Os investimentos na infra-
estrutura da zona suburbana buscavam implementar
melhorias tais como calamentos de vias pblicas,
saneamento bsico, transporte e incentivo ao lazer e
cultura, alm de estabelecer um controle do crescimento
urbano, por parte da municipalidade.
44

A dinamizao da economia trouxe a retomada de
investimentos na rea da construo civil. Inicia-se o processo
de verticalizao da avenida Afonso Pena, o mais importante
eixo comercial e financeiro da cidade. Surgem os arranha-
cus art dco, como o Ibat, o primeiro edifcio da cidade,
seguido pelos Mariana, Acaiaca, Sulacap e outros. Sob o
esprito de renovao e de modernidade, casas residenciais e
comerciais tambm ganham novas fachadas geometrizadas,
em substituio s eclticas.

No perodo em que Juscelino Kubitschek foi prefeito de Belo
Horizonte (1940-1945), deu-se incio a uma mudana de
enfoque no conceito de administrao pblica. Foi em sua
gesto que a idia de modernizao, presente na construo
do Ministrio de Educao e Sade, no Rio de Janeiro, se
consubstanciou na capital mineira, sendo reforada por uma
ao concreta na estrutura da cidade e nas tipologias das
edificaes que aqui foram construdas. Tambm foi nessa
poca que a cidade consolidou sua expanso para alm do
traado original, com a abertura de vias urbanas, como as
avenidas radiais Teresa Cristina, Francisco S e Silviano
Brando, capazes de arejar a regio central
4
e suprir as
necessidades de expanso da Capital.

A herana do modernismo constituiu-se num fator crucial na
trajetria da arquitetura de Belo Horizonte. O pensamento
moderno, caracterizado por um novo olhar, uma nova esttica
da geometria pura e da clareza funcional, j havia sido
trabalhado no estilo art-dco, com fachadas revestidas em p
de pedra e ornamentada com motivos geomtricos, iniciando
um processo de racionalizao construtiva e de alisamento
das superfcies, que foi empregado, em 1935, no mais

4
PIMENTEL, Thas Velloso Cougo. Prefcio do mito. In: Museu Histrico Ablio Barreto- Juscelino Prefeito 1940 1945 - Belo
Horizonte: Prefeitura Municipal, 2002.
45
importante prdio municipal, o da Prefeitura, e acabou
abrindo espao para uma arquitetura racionalista, para o uso
de formas geomtricas elementares juntamente com o
emprego de elementos da arquitetura colonial brasileira; para
a consolidao de uma arquitetura influenciada por formas
orgnicas.

A convite do prefeito, Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer e
Roberto Burle Marx conceberam, nos anos 40, a Pampulha,
um bairro para a elite industrial emergente, localizado no
vetor norte da cidade, onde j havia uma represa iniciada em
1936, pelo ento prefeito Otaclio Negro de Lima (nome atual
da via de 18 km que a contorna). Para Juscelino Kubitschek,
seu idealizador, a construo da Pampulha transcendia a
questo material, serviria tambm aos propsitos esttico e
de fruio:

A Pampulha estava l desafiando minhas reservas de
imaginao. Um prefeito no deve pensar to somente em
coisas prticas. A beleza, sob todas as formas, precisa fazer
parte de suas cogitaes. Numa cidade, vivem massas
humanas que sentem que so capazes de emoes e que,
portanto, no prescindem de estimulantes espirituais. Em
face daquele desafio, o que pretendia era aliar o til ao
agradvel: criar um centro de turismo e faz-lo, emprestar
uma ressonncia de poesia iniciativa municipal (KUBTCHECK)

A Pampulha era um complexo turstico e de lazer, dotado de
espaos de uso pblico, dos quais a cidade era carente, tendo
por o entorno da lagoa artificial cuja barragem se conclua
(1938), e onde deveriam ser edificados um Cassino, o Iate
Clube, um hotel (obra no executada), a Igreja de So
Francisco de Assis e a Casa do Baile, obras realizadas entre
1941 e 1945.

O jornalista Cludio Bojunga, em sua biografia de JK, afirma
que no h modernizao poltica sem formas modernas e


46
que toda a trajetria e plano de ao poltica de Juscelino
sintetizam a crena nesse paradigma. Sendo assim, suas
realizaes denotavam uma formao esttica, tendo
Juscelino praticado a poltica como a arte do impossvel,
sempre agindo no limite da impossibilidade e mostrando aos
brasileiros que eles so capazes de realizar muito alm do
que imaginavam. Portanto, a criao do complexo da
Pampulha, inaugurou um modo de fazer poltica em que as
formas concretas da arquitetura foram tornadas o meio ideal
para se consolidar um plano de governo, e foi atravs dela que
as idias passaram a ser representadas e fixadas no
imaginrio coletivo.

Na experincia da Pampulha, o arquiteto e o paisagista
incorporaram composio purista racionalista as formas
sinuosas, dando arquitetura um carter barroco, definido
por barroco modernista
5
. Fosse como marco de ousadia,
fosse como reflexo de uma sociedade que evoluiu e se
atualizou s novas necessidades que quele instante se
impunham, a arquitetura moderna desenvolveu um de seus
principais desdobramentos quando da realizao daquele
conjunto arquitetnico.

Belo Horizonte entrava ento no cenrio nacional da
arquitetura modernista brasileira, atravs da figura de 0scar
Niemeyer, o mais importante desta poca ( CAVALCANTI:
246).

No entanto, outros arquitetos em Belo Horizonte j discutiam
a nova arquitetura. Sylvio de Vasconcellos dizia: mesmo
antes da Pampulha eu j brigava em favor da arquitetura
moderna. Essa postura vinha sendo gestada nos primeiros
sales de arte que j contavam com a participao de

5
Para uma anlise maior do termo ver Monte-Mor (1994)
47
arquitetos como Nicola Santolia, Raphael Hardy Filho, Virglio
de Castro, Romeo de Paoli, Shakespeare Gomes entre outros
que trabalhavam na capital mineira. O primeiro salo
aconteceu no poro do Cine Brasil, em 1936, e considerado,
segundo Ivone Luzia Vieira, como o marco concreto da
instaurao do Movimento Modernista em Minas Gerais. Foi
uma conscientizao poltica dos artistas sobre a necessidade
da criao de um mercado de artes na capital, de uma escola
no-acadmica e da oficializao dos Sales da Prefeitura, a
partir de 1937. Dando continuidade aos sales de arte, em
1944, foi realizada por Juscelino Kubitschek, a exposio de
arte moderna com carter cosmopolita, articulando o
movimento local ao nacional.

No fim dos anos 40, os impactos do crescimento econmico e
da administrao empreendedora de JK se fazem sentir no
espao urbano belo-horizontino para alm da criao da
Pampulha, do embelezamento e melhoria da infra-estrutura
das reas centrais e perifricas. Nesse perodo, tambm
implementado o bairro da Cidade Jardim, cujo conceito foi
inspirado nas idias de Howard, para quem a concretizao
destas idias implicaria na criao de cidades com reas
residenciais de baixa densidade e com predominncia de
reas verdes. Em 1904, havia sido criada a cidade de
Letchworth; em 1909, Hampstead e, em 1919, Welwyn - todas
as iniciativas obtiveram grande sucesso e influenciaram o
urbanismo em diversos pases. O planejamento destas
cidades ficou a cargo dos arquitetos Raymond Unwin e B.
Parker. Raymond Unwin publicou os resultados das
experincias de Letchworth e Hampstead no livro Town
Planning in Practice, que constitui um verdadeiro manual de
composio urbana e cuja ampla divulgao contribuiu para a
teorizao do desenho urbano e para o conhecimento das
idias da cidade jardim, influenciando o urbanismo em todo o
mundo, no perodo entre as duas guerras. Para Jos M. R.
48
Garcia Lamas, a cidade jardim representa um momento de
ruptura com a cidade tradicional, propondo modelos
alternativos para a cidade moderna. Com a construo do
bairro Cidade Jardim, em 1950, em Belo Horizonte,
consolidou-se mais uma vez a vocao para o novo, presente
ao longo de toda a trajetria da cidade. Em seus lotes amplos
e generosos foram construdas edificaes de inspirao
modernista num perodo em que a sua utilizao traduzia, ao
mesmo tempo, um sentido de alinhamento com uma
vanguarda arquitetnica mundial e ostentao de poder
econmico, capaz de tornar realidade aquele iderio.

O bairro da Cidade Jardim foi ocupado rapidamente, tendo
sido todas as suas casas construdas praticamente juntas - e
quase todas seguindo o movimento moderno -, constituindo-
se, segundo MONTE MOR (1994:21), no principal bairro
residencial da (nova) elite dominante. Concebido pelo
engenheiro Lincoln Continentino, na gesto do prefeito Jos
Oswaldo de Arajo (1938/40), o bairro Cidade Jardim fazia
parte de um plano maior de urbanizao da cidade, que no
foi realizado em sua ntegra. Segundo CASTRIOTA (2000.), se
destacavam neste Plano de Urbanismo da Cidade as
seguintes premissas: conteno do crescimento da cidade
dentro do permetro atual; criao de grandes avenidas rdio-
cntricas ligando as reas urbanas s suburbanas;
zoneamento da cidade atravs da especializao de reas em
usos restritos; e reforma dos arruamentos no edificados,
buscando imprimir nos bairros o carter de cidade celular,
provendo-os de servios urbanos, de modo a torn-los
independentes do centro. Deste projeto original, que
apresentava uma ntida influncia do conceito de cidade
jardim desenvolvido por Ebenezer Howard, apenas o bairro
Cidade jardim Fazenda Velha (atual Cidade Jardim) foi
49
executado, com algumas modificaes
6
, na gesto seguinte,
de JK.

Ocupando a regio junto avenida do Contorno, prxima
sede da Fazenda Velha, nico edifcio remanescente do antigo
Curral Del Rei, este novo bairro caracterizou-se por uso
exclusivamente residencial, longos quarteires retangulares e
de pouca profundidade, lotes amplos, recuos frontais e
laterais generosos e presena abundante de vegetao, seja
nos passeios pblicos ou nos terrenos particulares. A
qualidade de vida e o status gerados por esta urbanizao
diferenciada, assegurada por legislao especfica,
impulsionaram a ocupao da rea pela elite poltica e
econmica da poca. Como conseqncia, proliferaram no
bairro Cidade Jardim, nas dcadas de 40 e 50, manses de
inspirao clssica e ecltico-pitoresca e, como nos indica
MONTE-MOR (1994:21), principalmente, as novas casas
modernas dos arquitetos de vanguarda da precoce escola de
arquitetura local: Eduardo Guimares e Sylvio de
Vasconcellos, os mais famosos, mas tambm Nelson Marques
Lisboa, Osvaldo de Santa Cruz Nery e muitos outros.

Desta forma, Cidade jardim e Pampulha estabeleceram, com
sua arquitetura moderna e seu tratamento paisagstico dos
vazios urbanos, um novo padro de morar em Belo Horizonte.
Esse padro foi adotado tambm em outros bairros da cidade
como Sion, Serra, So Lucas, Gutierrez, Santo Agostinho,
entre outros, graas atuao dos arquitetos modernistas,
entre eles, Sylvio de Vasconcellos.

O Modernismo inaugurou na Capital cinqentenria, um novo
tempo na vida belo-horizontina no qual, como apontou Sylvio
de Vasconcellos, a populao tomou contato com situaes

6
Dentre as modificaes, destaca-se a no execuo de um parque local, envolvendo a antiga sede da fazenda Velha e
desenrolando-se ao longo das margens do Crrego do Leito, que cortava a rea no eixo onde hoje se encontra a Av. Prudente
50
diferentes da vida provinciana, situaes que foravam o
encontro de classes sociais absolutamente diversas, como a
criao dos novos espaos coletivos de lazer da Pampulha: o
Iate Clube, o Cassino. Este perodo foi marcado pelo
fortalecimento do processo de industrializao e pela
consolidao urbana no Brasil e, neste contexto, a produo
da arquitetura voltou-se para o aproveitamento e a
assimilao de recursos tcnicos, desencadeando uma
reavaliao de seus possveis relacionamentos com as
estruturas urbanas existentes.

O ano de 1945, em que teve fim a Segunda Guerra Mundial,
correspondeu a uma data-chave no processo histrico do
Brasil e merece destaque na periodizao do Modernismo,
tendo tido grande influncia em nossa economia e
mentalidade e, como nos apontam, Antnio Cndido e Jos
Aderaldo Castello, em obra que analisa o Modernismo na
literatura brasileira:

Fazendo-nos entrar na era industrial, formando um
proletariado numeroso, que passou a exigir sua participao
na vida poltica, liquidando nas reas adiantadas o
mandonismo local. Ao voltarem as liberdades democrticas
abafadas pelo regime ditatorial de 1937, inclusive as da
imprensa, o Pas verificou, meio atnito, que tinha ingressado
numa fase nova, de industrializao e progresso econmico-
social acelerado, que nos vai agora transformando
rapidamente em potncia moderna, apesar dos graves e
perigosos problemas do subdesenvolvimento. ( CNDIDO,
1997:11).

Ocorreu a uma significativa transformao nas prticas
culturais
7
, nas formas de sociabilidade, na escala de valores
sociais. E como estas transformaes influram ou
condicionaram as novas formas de morar, a arquitetura

de Morais.
7
A expresso prtica cultural considerada neste trabalho, no sentido da tradio antropolgica (Morgan, Boas, Frazer,
Durkheim, Mauss, Lvi-Strauss etc), definida por Michel de Certeau (1996, p.347) como sistemas de valores subjacentes que
estruturam as tomadas de posturas fundamentais da vida cotidiana, que passam despercebidos conscincia dos sujeitos, mas
so decisivos para a sua identidade individual e de grupo.

51
residencial? Com as mudanas de comportamento, de
hbitos sociais em que j se recebem estranhos e a casa no
mais o refgio ou o esconderijo que resguarde as
aparncias e com os novos recursos tecnolgicos, a
arquitetura modernista foi se configurando atravs de uma
nova linguagem, de uma nova sintaxe: a casa j no mais
estanque, fechada ou cbica, mas acolhedora, aberta e
franca ( VASCONCELLOS, 1963). Com uma grande fora
transformadora, o modernismo se estendeu pelas dcadas
seguintes, quando foram consolidados os tipos e tambm os
modismos que caracterizam este estilo arquitetnico na
cidade.

Segundo Sylvio de Vasconcellos (1963), excetuando-se
algumas variantes de concepo plstica com tendncias ora
art-nouveau, ora chalet, a arquitetura produzida em Belo
Horizonte, entre 1897, ano de sua fundao, e 1930
caracterizou-se, basicamente pelos seguintes aspectos:

Construo junto rua com platibanda; jardins, quando
existentes, laterais; extensos pomares aos fundos; plantas
organizadas em duas partes (visitas e ntima), com as funes
domsticas polarizadas pela copa; pavimento quase sempre
nico, embora elevado do solo por pores de ventilao ou de
uso precrio. ( VASCONCELLOS, 1963)

Vasconcellos aponta como prenncio de uma evoluo
arquitetnica a estrutura de ferro utilizada nos apoios e
abobadilhas, bem como na estrutura das coberturas em vidro
das varandas.

Por volta de 1930, modificaes substanciais j se
manifestavam na arquitetura residencial belo-horizontina.
Vasconcellos atribui estas modificaes ao uso do cimento,
por vezes j em concreto armado, e s novas concepes
plsticas viabilizadas por esta tecnologia. Surgem, neste
52
perodo, as formas ditas cbicas, os vos providos de
esquadrias metlicas basculantes; as lajes e as marquises.

As casas so mais compactas e j recuadas do alinhamento
da via pblica, em sua maioria no limite mnimo de trs
metros preconizado pelo regulamento de obras local. Baixa
para trs metros o p-direito interno, aparecem terraos
descobertos e principia a haver maior preocupao quanto
decorao interna.( VASCONCELLOS, 1963)

A dcada de 30 foi marcada, tambm, pela pluralidade de
manifestaes arquitetnicas: ecletismo, art dco, cubismo (j
se fazendo notar a uma certa depurao da forma) ou o
chamado estilo p-de-pedra, decorrente do uso deste
revestimento, normanda, bungalow, californiana, misses ou
neocolonial. Evidencia-se nesta ltima a inspirao de
natureza nacionalista, uma busca de revalorizao das
tradies, da identidade nacional em meio a tantas influncias
europias e americanas.

As primeiras manifestaes modernistas surgem na dcada
de 40. Neste perodo, ocorrem iniciativas de ordem poltico-
econmica que influiro na produo da arquitetura, do
espao urbano. Os grupos de renda mdia passam a contar
com um sistema de financiamento de construo, promovido
pela poltica habitacional implementada pelo Governo Federal,
atravs da Caixa Econmica Federal, o que contribuiu para um
significativo crescimento da cidade, segundo testemunha
Sylvio de Vasconcellos. A ordem construir residncias de
dimenses e custo reduzidos, com plantas mnimas e pouca
folga para embelezamento. Predomina, ento, o chamado
chalet ou pseudocolonial, com pequenos alpendres de acesso,
trs quartos de trs por trs metros, sala, copa, cozinha e
banho, dispostos em duas alas longitudinais, com os quartos
separados em um dos lados. No se verificam substantivas
mudanas de partido, planta, programa ou na vida domstica,
mas importante assinalar algumas alteraes: os lotes
53
passam ser mais e mais subdivididos, tendo suas frentes
reduzidas; abandonam-se os quintais, pomares e galinheiros;
a estrutura de ferro e a cobertura em vidro das varandas
desaparecem; ocorre a substituio da telha cermica
francesa pela colonial, semi-cilndrica; surge o uso dos tacos
nos pisos; aparecem as jardineiras nas janelas; as garagens e
as salas de jantar passam a ser cotidianamente utilizadas,
tambm como salas de visitas, que ganham um uso
especializado: escritrio. A casa foi, deste modo, abrindo-se
aos poucos aos estranhos, como conclui Sylvio de
Vasconcellos.

Sylvio foi precursor da divulgao dos ideais da arquitetura
moderna, como forma de resgate da verdade arquitetnica.
Para ele, a arquitetura que se fazia at a dcada de 40 em
Belo Horizonte, representada pelo ecletismo e o neocolonial,
correspondia a um amontoado de elementos arranjados
aleatoriamente, dispostos ao gosto popular, sem critrio e
conceito. Sobre a arquitetura Neocolonial, teceu crticas
severas:

Transplantando para a casa formas de monumentos,
chafarizes principalmente, detalhes de igrejas, etc. e
decorando-a com elementos tambm retirados de lugares
muito diferentes daqueles onde foram aplicados, nada pior se
poderia conseguir e nada mais deprimente para a nossa
arquitetura colonial de fato. No caso tpico fizeram do chafariz
um lado da casa: onde havia a inscrio colocaram almofadas
de azulejos, onde havia a carranca de boca aberta para a gua
puseram a janela, do tanque fizeram jardineira para flores e
as mesmas pinhas e conchas colocaram encimando a
platibanda. De lado abre-se a varanda com arco ou a chamada
curva colonial, porm, sustentado por colunas s vezes
torsas e de capitis exticos inspiradas (mal-inspirao) nas
colunas de altares. Estava a o neocolonial que se
esparramou pelas cidades (Belo Horizonte, coitada) e outras,
antecipando o misses, o californiano, o mi casita.
(VASCONCELLOS, 1946b, p.47-48).

Ainda em 1940, a linguagem modernista, principalmente
aquela de traos racionalistas de sintaxe corbusiana, comea
54
a se manifestar em Belo Horizonte. Para Sylvio de
Vasconcellos, a Pampulha, marco inicial dessa nova
arquitetura, introduzira na cidade o hbito do esporte, da vida
ao ar livre, a comunicabilidade entre estranhos, ou seja, a
experincia de uso de espaos coletivos pblicos e de novas
formas de sociabilidade. Esta mudana de hbitos e costumes
iria influenciar de modo significativo a arquitetura da casa
belo-horizontina.

As salas de visitas se abrem e ganham maiores dimenses,
aperfeioam-se cozinhas, tornadas mais funcionais, e os
cmodos sanitrios tornam-se mais confortveis. As paredes
ganham transparncia com o uso do vidro, deixando de ter
funo estrutural, passando a ser apenas painis de
fechamento, caracterstica viabilizada pelo novo sistema
construtivo e estrutural tipo esqueleto, pelos princpios
corbusianos da fachada livre e da planta livre. Uma
significativa mudana ocorre na espacializao da casa, em
decorrncia da conjugao da sala de estar com a de jantar,
gerando fluidez espacial e criando ambientes mais amplos,
onde de fato a famlia se demora, abandonando a cozinha e os
quartos. [...] J se recebem mais estranhos, e a casa no
mais o refgio ou o esconderijo que resguarde as aparncias.
(VASCONCELLOS, 1963). Segundo BRASILEIRO (2007), a casa
projetada por Sylvio era concebida com o objetivo da
comodidade, no sentido de se chegar a uma adequao do
espao s funes a serem ali exercidas, considerando os
resultados produzidos pelos elementos materiais
constituintes sobre o vazio. Ou seja, um ser considerado
cmodo se os elementos envoltrios que o delimitam
oferecem a dimenso, o conforto trmico e acstico, a
luminosidade, a possibilidade de um arranjo correto do
mobilirio, dentre outros atributos.

55
Os jardins de composio livre ganham notoriedade e, em
muitos casos, integram-se s salas de estar. Como um jardim
de carter ntimo e mais preservado surge novamente o ptio
de tradio mourisca, presente tambm na arquitetura
colonial. As casas recuam-se mais da via pblica, com
jardins de pelo menos dez metros de profundidade. Os
quintais, agora cimentados ou ladrilhados, perdem sua funo
anterior, transformando-se em espaos de brincar, lavar
roupa, de jogos ou piscina. O setor de servio, antes uma
edcula destacada da casa, localizada nos fundos, incorpora-
se a esta e melhorado qualitativamente. As garagens
passam a ser necessrias no s como abrigos dos
automveis, mas tambm, eventualmente como varandas. Os
quartos aumentam de tamanho e surge uma nova categoria
de espao: a sute do casal. As janelas passam a ser de correr
(preferencialmente s de abrir), de vidro, com venezianas; as
plantas tendem a ser compostas de formas retangulares,
sendo possvel o uso de coberturas em terraos
impermeabilizados de uma s gua; os interiores so
fartamente iluminados e as cores vivas e contrastantes
substituem a discrio dos tons cremes ou rosados.

Como bem observa Sylvio de Vasconcellos, com estas
categorias, com a ordenao e setorizao do espao
domstico que ganha zonas pblicas, sociais, surge o
chamado quarto de costura, destinado a ocultar a baguna e
abrigar os guardados. Esta categoria de espao marca uma
transio e reveladora do conflito entre os velhos hbitos,
vestgios do passado que permanecem, e a nova forma de
morar, o novo habitar modernista. O quarto de costura o
espao ntimo da desordem que deve ser escondido, porque
transgride as normas da boa conduta, da casa exemplar,
impecvel em organizao e eficincia. A desordem da casa
depe contra o carter da prpria famlia. Sobre o quarto de
costura, Sylvio destaca:
56

Como a casa est toda aberta, aparece a necessidade de,
pelo menos, uma pea que atenda s reminiscncias de
hbitos antigos: o quarto de costura, que, na realidade, o
quarto de baguna, uma espcie de play-room americano,
onde se faz tudo o que no pode ser feito nas demais peas da
construo e onde se guardam todos os guardados:
costurar, estudar, brincar, roupa velha, embrulhos, etc.
(VASCONCELLOS, 1961:18).

Todas estas transformaes descritas por Vasconcellos
apontam para uma reflexividade entre a casa e a vida
cotidiana, o senso de intimidade, privacidade, domesticidade e
sociabilidade (atributos do conforto), noes ligadas ordem
simblica da arquitetura.

A crena no poder transformador da arquitetura e do
urbanismo tpica da utopia modernista, incentivada pela
promessa do desenvolvimento industrial: a arquitetura se
abre em sorrisos e toda a populao se torna tambm mais
feliz. Esta afirmao de Sylvio de Vasconcellos revela sua
viso apaixonada, apologtica e romntica do surgimento da
arquitetura modernista na cidade.

Segundo MENDONA (2005), a arquitetura modernista
brasileira foi peculiar por absorver o modernismo
internacional, sem, contudo, ignorar as razes locais. Desta
forma, a brasilidade aproxima-se mineiridade, consolidada
desde o Brasil colnia, atravs de uma arquitetura inovadora
e que se tornou referncia mundial. Lcio Costa iniciou esse
processo com a adaptao dos preceitos corbusianos
arquitetura colonial em um projeto de consolidao da
identidade nacional. A fora poltica governamental,
principalmente de JK, foi uma grande aliada para que Oscar
Niemeyer afirmasse a brasilidade, inicialmente no conjunto
modernista da Pampulha em 1942. Mas com o arquiteto
Sylvio de Vasconcellos que percebemos essa fuso da
arquitetura modernista internacional com a arquitetura
57
colonial mineira, filtrando e misturando tendncias.
Observando, principalmente, os projetos residenciais de Sylvio
de Vasconcellos, entre 1942-1969, nota-se uma gradativa
mudana dos materiais e mtodos empregados,
acompanhando a evoluo tecnolgica da poca. Entretanto,
sua caracterstica pessoal, voltada para a histria de Minas
Gerais, mostra uma arquitetura ligada s razes locais sem,
contudo, ser uma cpia do passado. Diferente de Oscar
Niemeyer, ele mostra que h outras maneiras de sintetizar o
velho e o novo, e que a sua escolha, mais contida e no por
isto menos criativa, revela que Minas ainda pode ser
referncia para o pas. Neste sentido, conclui-se que o
modernismo brasileiro inovador por ser tardio, assim como
foi o barroco mineiro, atingindo uma ascenso, em uma poca
em que, internacionalmente, o modernismo j no era mais
novidade. Aqui, ao contrrio, foi, justamente, a partir de 1940,
que o modernismo ganhou fora, inicialmente em obras do
governo, mas que atingiu dimenses ainda maiores ao ser
incorporado pela sociedade em suas habitaes,
disseminando a semente modernista em todo o pas.

Em termos gerais, a versatilidade do uso do espao, a fluidez,
a linguagem arquitetnica e estrutural conferindo unidade e
expresso ao objeto, associados a uma arquitetura ligada s
razes locais (arquitetura colonial mineira) so temas que
constituem a potica modernista que se manifesta nos
projetos do arquiteto elencados neste estudo.

A seguir, apresentamos a lista dos imveis pertencentes ao
estudo elaborado, com a indicao do grau de proteo
sugerido pela GEPH, qual seja, Registro Documental ( RD) ou
tombamento ( T):
1. Rua Paulo Simoni, n 54 Santo Antnio ( RD)
2. Rua Califrnia, 150, esq. com Buenos Aires, 363 - Sion
(T)
58
3. Rua Montevidu, 643 Sion (T)
4. Rua Caldas, 47 Carmo (T)
5. Rua Luz, 168 Serra (T)
6. Rua Luz, 206 Serra (RD)
7. Rua Bernardo Figueiredo, n 205 Serra (RD)
8. Rua Bernardo Figueiredo, n 47 Serra (RD)
9. Rua Alumnio, 129 Serra (T)
10. Rua Alumnio, 145 Serra (T)
11. Rua Alumnio, 157 Serra (T)
12. Rua Alumnio, 169 Serra (T)
13. Rua Alumnio, 179 Serra (T)
14. Rua Cames, 123 Serra (T)

Imveis pertencentes ao Conjunto Urbano Bairro Cidade
Jardim:
15. Avenida do Contorno 7871 - Cidade Jardim (T)
16. Rua Manoel Couto, n 339 Cidade Jardim (T)
17. Rua Manoel Couto, 182 Cidade Jardim (T)
18. Rua Olmpio de Assis, 77 - Cidade Jardim (T)
19. Rua Olmpio de Assis, 333 - Cidade Jardim (T)
20. Rua Sinval de S, 586 - Cidade Jardim (T)
21. Rua Sinval de S, 639 - Cidade Jardim ( T)
22. Avenida do Contorno, n 7510 Lourdes ( T)

Imveis pertencentes a outros conjuntos urbanos protegidos:
23. Rua da Bahia,1723 ICBEU (tombado)
24. Rua Gonalves Dias, 1581 antigo DCE-UFMG
(tombado)
25. Rua da Bahia Capela Verda Farrar ( tombado)
26. Rua Gonalves Dias, 1354 - Ed. MAPE ( T)
27. Rua Joaquim Murtinho n 135, esquina com Quintiliano
Silva - Santo Antnio ( T)
28. Rua Bueno Brando, 84 Floresta ( tombado)

Bens Mveis e Integrados:
59
29. Monumento Aleijadinho - Campus UFMG ( T)

Imveis demolidos:
30. Rua Carangola, 439 Santo Antnio
31. Rua Paracatu, 1161 Santo Agostinho
32. Av. do Contorno, 4120 Esquina com Rua Rio Doce, So
Lucas Registro Documental aprovado pelo CDPCM-BH .
33. Rua Felipe dos Santos, entre Ruas So Paulo e Rio de
Janeiro Lourdes
34. Rua Antonio Aleixo, n 200 - Lourdes
35. Rua Alvarenga Peixoto, 1027 Lourdes
36 - Rua Eduardo Porto, 502 - Cidade Jardim
Rua Eduardo Porto, 452 - Cidade Jardim
60
Justificativa para proteo

Acontece que, de fato, toda a arte atual no ocidente trilha caminhos
excessivamente intelectualizados, assentada em formas mentais de
tal modo hipertrofiadas que leva ao desprezo do lado humano que
lhe intrnseco. No caso da arquitetura o aspecto humano ento
primacial, pois que casas jamais devem ser feitas para serem
admiradas, mas sim para que nelas vivam pessoas.
(VASCONCELLOS, 1961, p.18).


O presente texto rene informaes que visam justificar a
proteo do conjunto de obras de Sylvio de Vasconcellos.
Como restou provado, o referido arquiteto legou-nos uma
produo intelectual importantssima, sendo considerado um
dos mais destacados estudiosos da arquitetura colonial
mineira, bem como teorizador da produo arquitetnica
desenvolvida em Belo Horizonte entre 1950 e 1970. Alm
disto, Sylvio foi, nas palavras de Suzi de Mello arquiteto por
excelncia, tanto por sua excepcional cultura quanto pela
abrangncia de seu pensamento ldico, em que a arquitetura
est sempre presente e se destaca como o elemento
fundamental e sintetizador de toda cultura humana atravs
dos tempos (Citado por SOUZA, 1995:118). De modo que, as
edificaes por ele projetadas, para alm de sua excelncia
arquitetnica, refletem o amadurecimento de sua crtica a
arte de projetar, constituindo importante registro da corrente
modernista mineira.





61
Bibliografia


BRASILEIRO, Vanessa Borges. A Casa uma Mquina de
Morar (?): Anlise das Residncias Modernistas de Sylvio de
Vasconcellos. Caderno de Arquitetura. PUC Minas. No prelo.

___________________________ Guisa de Indagaes. IN:
Sylvio de Vasconcellos: um arquiteto para alm da forma.
Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Ps-
graduao em Histria. Tese de doutorado (ainda no
defendida). 2007.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contempornea no Brasil. So
Paulo: Perspectiva, 1981.

CANDIDO, Antnio e CASTELLO, Jos Aderaldo. Presena da
literatura brasileira: histria e crtica, modernismo. Vol. 2, Rio
de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997, pg.11


CASTRIOTA, Leonardo. Regulamentao ADE Cidade
Jardim. Estudo no publicado realizado para a Prefeitura de
Belo Horizonte, 2000.

CAVALCANTI, Lauro. Guia de arquitetura 1928-1960, pg. 246.


DANGELO, Andr Guilherme Dornelles. A Cultura
Arquitetnica em Minas Gerais e seus Antecedentes em
Portugal e na Europa: Arquitetos, Mestres-de-obras e
Construtores e o Trnsito de Cultura na Produo da
Arquitetura Religiosa nas Minas Gerais Setecentistas.
Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Ps-
graduao em Histria. Tese de doutorado. 2006.

GOUGH, Philip Foz-Drummond, O contrapeso da ordem: o
desenvolvimento espacial de Belo Horizonte (1897-1964),
dissertao de mestrado (mimeo), 1994.


GUIMARAES, Eduardo Mendes. Forma e Contedo na
Arquitetura Contempornea. Belo Horizonte, tese de concurso
para provimento de ctedra na Escola de Arquitetura da
UFMG, 1954.

Kubtchek, Juscelino. A escalada poltica, meu caminho para
Braslia. VII.


62
MENDONA, Roxane Sidney Resende de. MALARD, Maria
Lcia. A Mineiridade da Arquitetura Modernista Brasileira. 6
Seminrio DOCOMOMO Brasil. Niteri | 16 a 19 de novembro
de 2005.
http://www.docomomo.org.br/seminarios%206%20Niteroi%20
sumario%20autores.htm. Pesquisado em 05 de dezembro de
2007.
http://www.arq.ufmg.br/modernismomg. Pesquisado em 06
de dezembro de 2007.

MONTE MR, Roberto Lus de Melo. Belo Horizonte: A cidade
planejada e a metrpole em construo In: Belo
Horizonte:espaos e tempos em construo, CEDEPLAR, PBH
(Belo Horizonte) 1994, pg 21.

OLIVEIRA, Cleo Alves Pinto de. PERPTUO, Maini de Oliveira.
Setenta e Cinco Anos da Primeira escola de Arquitetura do
Brasil. Vitruvius, novembro de 2005.
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp336.asp.
Pesquisado em 05 de dezembro de 2007.

PIMENTEL, Thas Velloso Cougo. Prefcio do mito. In: Museu
Histrico Ablio Barreto- Juscelino Prefeito 1940 1945 - Belo
Horizonte: Prefeitura Municipal, 2002.

SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil: 1900 1990. So
Paulo: EDUSP Editora da Universidade de So Paulo, 1998,
pg.54.


SOUZA, Renato Czar Jos de. Sylvio de Vasconcellos. Revista
AP. Abril de 1995. Ano I, n 1.

VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura Dois estudos. Porto
Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1960.

___________________________ Como cresce Belo
Horizonte IN: Arquitetura e Engenharia, n6, Ano I,
nov/dez, 1947, Belo Horizonte, pg. 52.

_____________________________________. Noes sobre
arquitetura. Belo Horizonte, Escola de Arquitetura da UFMG,
1963.


_____________________ Mineiridade: ensaio de
caracterizao. Belo Horizonte, 1968.

____________________ Jornal Estado de Minas, Turismo, p.
1, 19 de abril de 1974.
63

____________________ Arquitetura Dois Estudos. Goinia:
MEC/SESU/PIMEG-ARQ/UCG, 1983.

VIEIRA, Liliane de Castro. As Tipologias Arquitetnicas de
Ouro preto no sculo XX: estudo comparativo entre inventrios
de 1949 e 2002. Salvador: Faculdade de Arquitetura da UFBA.
Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo.
Dissertao de Mestrado, 2006.


XAVIER, Alberto (org.). Arquitetura Moderna Brasileira:
depoimento de uma gerao. So Paulo: Pini, 1987, pg.231


64
Anexos

Você também pode gostar