4930 Autarquias em Angola PDF
4930 Autarquias em Angola PDF
4930 Autarquias em Angola PDF
AslakOrre,Chr.MichelsenInstitute
Introduo:Teorizandoogradualismonocontextodadescentralizao
Na sequncia das eleies gerais de 2012, Angola est pronto para entrar num
perodo de grandes transformaes na rea da governao local. A introduo da
reformaautrquicasegundooMinistrodaAdministraodoTerritrioprevistapara
20151 ser de certeza a mudana mais importante na governao local, desde a
independncia. Quando as autarquias forem criadas, os Angolanos vo pela primeira
vezelegerpolticosparagerirogovernolocal.Noentanto,aConstituioprev,nas
suas normas transitrias, a introduo gradualista das autarquias e polticos e
tecnocratas do governo actual enfatizam, desde h muitos anos, a necessidade do
processo de descentralizao e desconcentrao ser guiado pelo princpio de
gradualismo.
A expresso gradualismo parece algo pacfico, pouco controverso ou at banal
significando apenas que as coisas se faro poucoapouco e no tudo de uma vez
mas implicaes, da sua aplicao, no contexto poltico e constitucional angolano,
podemserdiversas,namedidaemqueaaplicaoprogressivadasautarquiaslocais
seja em relao ao territrio ou em relao as matrias de governao. . Urge, por
tanto, discutir com algum pormenor qual o significado do gradualismo na
governaolocalemAngola.
A criao de autarquias em Angola responde necessidade essencial de qualquer
Estado moderno de criar instituies de governao descentralizada. Simplesmente
nopossvelrespondersdemandasdemilhesdecidados,nopossvelgarantir
direitoseserviospblicosparamilhesdepessoasenopossvelconsolidaruma
basetributriauniversalizada,semquehajaummnimodeautonomia,capacidadee
sofisticaoburocrticalocalpararespondersexignciasdoscidados.Ahistriados
Estados evidencia que os rgos do Estado central tiveram que fortalecer a sua
capacidadeburocrticae institucional ao nveldescentralizado. Da, em particular no
fimdoltimosculo,adescentralizaoterrecebidomuitaatenonateorizaodo
desenvolvimento, nomeadamente colocando forte entusiasmo sobre os grandes
benefcios que a descentralizao iria criar. Um governo descentralizado seria mais
prximo dos eleitores; mais responsvel (accountable); mais eficaz na satisfao dos
interesses dos muncipes, prestandolhes melhores servios, sejam pobres ou ricos.
VerentrevistadeBornitodeSousa,MinistrodaAdministraodoTerritrio,aaExpanso,6deAbril,2012,e
notciadaAngop,25deOutubrode2012.
Logolevantaramsedvidas(CrookandManor1999).Emgrandeparte,ooptimismo
tomavacomopontodepartidaquetodosconvergiramnodesejodedescentralizar.
Recentemente, os estudos dos resultados dos processos de descentralizao tm
sidomenosencorajadores,devidoaofactodestes,muitasvezes,noterempassado
do nvel retrico para a prtica . Houve mesmo um retornar do pndulo e
actualmentebastanteliteraturavisaexplicarouteorizarosdesapontamentosatravs
de processos de recentralizao ou mesmo estratgias para enredar a
descentralizao ou tornla num instrumento dos executivos que por muito tempo
tmdominadoosseusEstados(ONeill2003;Dickovick2011;PoteeteandRibot2011).
Nesteartigonoseespeculasobreasrazesexplicativasdalentidodoprocessode
descentralizaoemAngolaeosadiamentosdaimplementaodasautarquias.Oque
se pretende analisar a introduo das autarquias, no seu contexto histrico,
utilizando a experincia de autarquizao de Mozambique como um espelho para
Angola.
Ao contrrio dos tericos da descentralizao dos anos 1990 que se inspiraram nas
expectativasideolgicas,2esteestudobaseiasenorealismohistricoqueestudaa
governaolocalnoseucontextohistricoedemaneiracomparativa.Autorescomo
Mamdani (1996), Herbst (2000) e Boone (2003) olhavam sempre qualquer reforma
corrente na governao local nos pases Africanos como uma nova volta na dana
histrica entre os nveis centrais e locais emque a capacidade do nvel central em
imporasuaordemnosterritriosperifricosdoEstado,comparadacomospases
mais avanados, bastante reduzida. A descentralizao no , nessa ptica, uma
novidade. A novidade nos anos 1990 era o verniz ideolgico (positivo) associada
descentralizao. Enquanto todos os pases Africanos tm as suas especificidades
institucionais e socioeconmicas a comparao revela isto os pases Africanos
tambmseconfrontamcomdesafiosquesocomunseespecificamenteafricanos.A
experincia colonial era comum, o modo de colonialismo era diferente. A
descolonizao aconteceu mais ou menos na mesma altura, com variaes sim, mas
sobretemasrecorrentes.
Um dos argumentos fundamentais de Mamdanique se debrua sobretudo sobre a
experincia dos pases anglfonos, que a governao descentralizada era uma
estratgia comum dos regimes coloniais no tempo do indirect rule (dominao
indirecta). No lhes importava o despotismo local dos chefes tradicionais, e os
chefesforamdelegadospoderesecompetnciassignificativasparagovernarodiaa
dianassuascomunidades.Bastavaqueessessemantivessemfiissupremaciados
De certa forma, houve uma convergncia temporria de vrios correntes ideolgicos que favorecia a
descentralizaocomomodelodedesenvolvimento.Porumlado,houveooptimismodaesquerdaocidentalque
via na descentralizao uma maneira de fortalecer o povo perante os Estado dominado pelos interesses das
elites.Poroutrolado,oBancoMundialeoutrospropagantesdadescentralizaovianelaumamaneirademelhorar
osserviosenomesmotempoconteropodercentraldoEstadoelimitarasuaintervenonomercadolivre.
oficiaiscoloniais(Mamdani1996:3761).Poisagovernaodescentralizadanouma
novidade e hoje, como no tempo colonial, a questo a de saber se levar a
despotismo ou democracia local, a de analisar a quem beneficiam as reformas
nopelaretricaemqueasreformassoembrulhadas,masnasuaprtica.
No caso de Angola, a preocupao principal a discutir, neste artigo, se o
gradualismo vai, eventualmente, significar uma bifurcao do Estado e a contnua
divisoentreomeioruraleurbano.
A seguir este artigo comea por recordar as principais caractersticas da governao
localactualeasautarquias,assimcomoestovisadasnaConstituio.Ligaremoslogo
osignificadodogradualismocomoproblemadabifurcaodoEstadoqueumdos
problemas historicamente herdados e que comum em muitos pases Africanos.
Primeiro farse uma recapitulao terica do problema e segundo olhs para um
exemplo concreto e bastante relevante para Angola, que o caso de Moambique.
Finalmente, o artigo atrevese a sugerir uma maneira alternativa de pensar em
gradualismoedescentralizaodemocrtica.
OpasAfricanomaiscentralizado
Angola possivelmente o pas Africano mais centralizado quer olhemos para o
sistemapoltico,administrativooufinanceiro.excepcionalacentralizaofinanceira,
severificarmoscomoareceitafiscalangariadalocalmenterecolhidapeloMinistrio
dasFinanasedepositadanaContanicodoTesouro(CUT)talcomoexcepcionala
maneira como o investimento pblico dirigido da capital do pas. Uma das
consequncias,bastanteprovvelmasnoinevitvel,aformidvelconcentraoem
Luandadasdespesaspblicascorrentesedoinvestimentopblico(Rocha2010).Com
arecentenfasecolocadonoprocessodedesconcentrao,omunicpioalcanouo
estatutodeunidadeoramentalnoOramentoGeraldEstado(OGE).Noestenovo
estatutonotemresultadonadisponibilidadedegrandesfundos,poisagrandeparte
dosinvestimentospblicostendemaserimplementadoscomoprogramasprovinciais
oumesmocentrais.Em20072008,aproximadamente68municpiosforamdotadasde
umaverbacorrespondenteacincomilhesdedlaresamericanosabrindoassimum
relacionamento directo entre os administradores municipais e o Ministrio das
Finanas,ultrapassandoassimonvelprovincial(Orre2009;Santos2012a:5).Nofoi
publicado (ao nosso conhecimento) nenhuma avaliao dos resultados desta
experincia de desconcentrao, mas acabou por ser sol de pouca dura, pois o
programa foi descontinuado e substitudo pelo actual Programa Municipal Integrado
deDesenvolvimentoRuraleCombatePobreza(PMIDRCP),quepassouasergeridoa
partir da Casa Civil do Presidente da Repblica3 (Santos 2012b:89), o que faz que a
mocentralsemantenhamuitofortenagestodessesprogramas.
Aomximo,esseprogramapodefinanciarobrasnosmunicpiosatUSD2,5milhes.
Angola tambm se distingue, mesmo comparado com os seus pares Africanos, pelo
seu grau de centralizao politicoadministrativa. A Constituio de 2010 confere ao
Presidente da Repblica a prerrogativa de nomear os governadores e os vice
governadores nas provncias. Actualmente, isto significa que mais que 70 lderes da
governaocentralnoterritriosodirectamentenomeadospeloPR.Umgovernador
, segundo, o artigo n 201, representante da administrao central na respectiva
Provncia, a quem incumbe, em geral, conduzir a governao da provncia. A
Constituio remete por tanto s futuras autarquias criarem instituies que
represente os cidados locais, j que os governadores respondem poltica e
institucionalmente perante o PR (artigo 201, CRA). Os governadores, sendo assim os
confids do PR, nomeiam, por sua vez, todos os administradores municipais e
comunais (e ainda os seus adjuntos), embora sob consulta do Ministro da
AdministraoTerritorial.AConstituionoprevofuncionamentodaadministrao
municipal ou comunal (j que a administrao local do Estado feita pelo governo
provincial).Noentanto,segundoamaisrecenteLeisobreosrgosdaAdministrao
Local do Estado (Lei 17/10), o relacionamento dos administradores municipais e
comunais com o governador provincial assimilvel ao deste com o PR, pois estes
representamogovernadornosseusrespectivosterritriosesoresponsveisperante
quemosnomeiam,isto,osseussuperioreshierrquicos.
No h, por tanto, nenhum dispositivo constitucional ou legal que garanta que os
lderespolticoadministrativoslocaisprestemcontasaosseusmuncipes.importante
salientar que neste ponto, a prtica polticoadministrativa no parece fugir muito
legislaovigente.oquesepodeconstataremestudosnosmunicpios(Orre2009).
Angola,porisso,umdospasesmaiscentralizados,emtermosfinanceirosepolitico
administrativos,emtodaafrica.4
Devoluo,desconcentrao,gradualismoeabifurcaodoEstado
AdescentralizaoemAngolapodetomarduasvias.Umadelasaautarquizao,que
vai ser estudada em baixo e referese ao processo de criao e implementao de
autarquias.Seriaestaaviaquerepresentariamaisumadescentralizaodemocrtica.
A outra via o que na terminologia Angolana tende a ser referido como
desconcentrao, o que significa continuar a administrar os municpios atravs de
representantes da administrao central mas colocando mais recursos financeiros e
humanos ao dispor desses escales inferiores da administrao local do Estado
centralista. Os esforos e a prtica do governo angolano tm at hoje em dia sidos
focadosnestavia.DaqueoMinistrodaAdministraoTerritorial,BornitodeSousa,
EmMoambique,osistemadegovernaotambmmuitocentralizadozonasrurais,emboraosrgosLocaisdo
Estadononveldistrital(quecorrespondeaomunicpioemAngola)devamepodemangariarfundoslocalmente
queseusamnofinanciamentodeplanosconcebidoslocalmente.Moambiquetambmavanoucoma
autarquizaodascidadesem1998.
OMinistrocitado:Consideramosumdesafioreduziroaparelhocentralereforarosmunicpios...e...aviso
serpriorizaramunicipalizao,isto,acriaodequantosmunicpiossemostraremnecessriosparaaproximar
osserviosaoscidados.Aindacitado: ...necessrioquetodostenhamemprimeiralinhaaimportncia que
constituiomunicpio,comoelementodacadeiadegovernaoquepermiteumamaiorproximidadeeumamaior
participaodoscidadosnaresoluodosseusproblemas.(Expanso,6deAbril,2012)
muitosserviosurbanos.Naszonasrurais,oconceitodeserviospblicoseraquase
inexistente,enohaviahiptesenenhumadeelegeroadministradorlocal,poiseste
eranomeadodoEstadocentralerespondiaperanteoEstadocentral.
Na sua anlise, Mamdani conclui que os regimes pscoloniais enfrentaram a
bifurcao do Estado de maneira diferente, mas no a conseguiram eliminar. Seria
demais referir todo o argumento aqui, mas por via de concluso, a soluo para os
regimesdenacionalismoradical(Mamdani1996:291)oEstadodoMPLAcontava
se entre estes visavam eliminar o despotismo descentralizado associado s
chefaturas.Mesmoassim,acabaramporsubstituirodespotismodescentralizadocom
o centralismo no muito menos autoritrio. Tipicamente, tirando a euforia inicial da
independncia e o poder popular, a administrao local do Estado acabou por ser
umamquinaburocratizadaecentralizadaepoucoviradaasatisfazerasnecessidades
dapopulaolocal.Pelaincapacidadedeprestarserviospblicosedemarcarasua
presenamaisquenominalmente(emparticulardurantetemposdeguerra),oEstado,
emAngola(tantocomo,porexemplo,emMoambique)acaboupor,poucoapouco,
aceitaropapeldoschefestradicionaisnagovernaolocal(Orre2010).Nascidades,
ondeogovernoteveumapresenaforte,oscidadosrespondiamperanteosistema
jurdico e judicial do Estado, nas zonas rurais os usos e costumes continuavam
dominantes.
seguro dizer que esta a situao que se vive em Angola hoje em dia. Se restar
alguma dvida, a prpria Constituio a consagra, nomeadamente nos artigos 223 e
224. Voltaremos j a esse assunto. Constituiuse por tanto, uma legislao e sistema
administrativo para as cidades, e outro para as zonas rurais que o domnio das
autoridadestradicionais.Atendnciatemsidoestaemvriospasesnafricaaustral
recentemente.
AsautarquiaseogradualismonaConstituiode2010
Embora a implementao das autarquias j tenha sido prevista a partir da Lei
Constitucional de Setembro de1992, houve relativamente pouco debate em Angola
sobreasuarealizao:Qualodesenhoinstitucional?Qualosistemaeleitoral?Quais
atribuies, prerrogativas e competncias iriam ter uma autarquia? Quais fontes de
rendimentoiriamserconcedidassautarquias?Comoiriaconviveredividirtarefase
autoridade com os representantes dos rgos locais do Estado? Estas e outras
perguntas so muito pertinentes a ponderar e discutir para um pas como Angola,
porque as suas respostas tero, com certeza consequncias das mais variadas, at
mesmonodiaadiadopovoAngolano.
Mesmo se a Constituio de 2010, veio dar resposta a uma boa parte das perguntas
supra colocadas, e isto com apenas um debate pblico mnimo sobre o assunto, ela
determinaummodeloespecfico,fechandoaportaparaoquedeveriaconstituiruma
discussopblicasignificativa.Maisproblemticoaindaofactodonveldedetalhe
constitucionaltornarmaisdifcilfazerajustesinstitucionaisapsaimplementaodas
autarquias.Aconstituiopreludia,porisso,umaflexibilidadeinstitucionalquepoder
seiaprovarvaliosacasoaimplementaoeaprticarevelassemdificuldades.
Recapitulamos aqui os principais parmetros ditados pela Constituio. A autarquia
Angolana ter uma assembleia composta por representantes dos cidados locais. Os
representantessoeleitosemeleieslocaisondetodoscidadoslocaispodemvotar.
Nessa mesma eleio livre, directa, secreta e peridica tambm se vai eleger um
presidente da autarquia. O presidente elegerse da mesma maneira (bastante
idiosincraticaAngolana)queoPresidentedaRepblicaeleito,isto,ocabeadalista
mais votada para a Assembleia tornase presidente da autarquia. O executivo da
autarquiaorgocolegialcompostodoseulder,opresidente,edossecretriospor
elenomeadosquepoliticamenteresponsvelperanteaassembleiaautrquica.
A Constituio Angolana de 2010 introduz, no seu artigo 242 n 1, a seguinte
disposio final: A institucionalizao efectiva das autarquias locais obedece ao
princpio do gradualismo. Parece uma afirmao que pouco diz, alm do bvio que
nosepodefazertudodeumavez.Mascontinuanon2:
OsrgoscompetentesdoEstadodeterminamporleiaoportunidadedasuacriao,o
alargamento gradual das suas atribuies, o doseamento da tutela de mrito e a
transitoriedadeentreaadministraolocaldoEstadoeasautarquiaslocais.
Concretizando assim o significado do gradualismo, este pargrafo visa duas
ambiguidadescentraisquesodestinadasacausarmuitapolmicanosanosquevm.
Primeiro,afirmaqueumalei(futura)vaideterminarquandoe,necessariamente,onde
sevaiintroduzirumaautarquiaisto,grudualismogeogrfico.Segundo,opargrafo
dita que num perodo de transio as tarefas atribudas s autarquias possam ser
transferidasgradualmente,oquechamaremosgradualismofuncional.
Abrimosaquiumparnteseparacomentarque,decertaforma,aConstituio(como
tantos outros) introduz princpios que podem ser mutuamente contraditrios. A
Constituio no diz explicitamente que o voto para escolher os representantes do
governo local (autrquico) um direito. A questo que se coloca a de saber se o
gradualismosignificaquealgunsAngolanospodemvotarparaelegerogovernolocal,
enquanto outros Angolanos no podem (ou tm que esperar at que o gradualismo
eventualmenteosfaacidadosdeumaautarquia).Enfim,ogradualismovaiouno
vaichocarcomoutrosprincpiosconstitucionais?
Visto no seu conjunto, uma srie de artigos constitucionais apontam para o
universalismo e no para o gradualismo. O artigo 22 evoca o princpio da
universalidade,significandoquetodososcidadostmosmesmosdireitosedeveres.
Oartigo23garanteaigualdadequetodossoiguaisperantealei,equeningum
podeserprejudicadoouprivilegiado(mesmoseemrazodoseulocaldenascimento
oucondioeconmica).Oartigo52criaumanormaparticularmenteforte:Todoo
cidado tem o direito de participar na vida poltica e na direco dos assuntos
pblicos, directamente ou por intermdio de representantes livremente eleitos.
Finalmente,oartigo54garanteque[T]odoocidado,maiordedezoitoanos,temo
direitodevotaresereleitoparaqualquerrgoelectivodoEstadoedopoderlocale
dedesempenharosseuscargosoumandatos,nostermosdaConstituioedalei.A
nfase foi introduzida pelo autor para chamar ateno aos pargrafos que, ao nosso
ver, de forma legaloretrico indicam o contrrio ao princpio de gradualismo
geogrfico na introduo das autarquias. Isto , esses pargrafos sugerem que os
direitos autrquicos devem ser introduzidas ao mesmo tempo para todos os
cidados.
Parajdeixaremosparaaslutaspolticasejurdicasainterpretaodessespargrafos.
Seguiremos,emvezdisto,utilizandocomparativamentealgumasexperinciasdas
cinciaspolticaseparadiscutirospontostericosrelevantesparaocasodeAngola.
Embora no sendo o foco deste artigo, vale a pena uma nota para chamar ateno
paraumexemplo,aonossover,desobredeterminaoconstitucionalemAngola.Ao
consagrarqueoexecutivoautrquicoprovmdospolticoseleitosparaaassembleia
autrquica existe a possibilidade duma excessiva politizao da autarquia. Em
qualquerpas,comgovernoslocaisfuncionais,deveseencontrarumequilbrioentreo
poderpolticolocaleopoderadministrativoesteltimocompostopelosoficiaise
funcionriosqueeventualmentetrabalharonaprestaodeserviosautrquicos(nas
reasdesaneamento,educao,sade,ambiente,etc.).AConstituioAngolananada
dizsobreacomposiodaadministraoburocrticadaautarquia(oquenoconstitui
em si qualquer problema, pois isto pode ser determinado por lei comum) mas sim
garante que a liderana autrquica vai ser alterada com cada ciclo eleitoral, o que
pode criar distrbios e descontinuidade na administrao. Uma tarefa que se coloca
perante a administrao local de Angola a sua despolitizao, seno mesmo
despartidarizao, e o estabelecimento duma administrao local da coisa pblica
baseado em meritocracia. O equilbrio apropriado balano fino na governao
local supramencionado, o resultado da negociao entre a opinio profissional dos
funcionriospblicoseaopiniopolticadospartidos.Apreocupaoaquianfase
do lado da politizao das autarquias e a ausncia total de discusso da
profissionalizaodamesmaautarquia.
Autoridadestradicionaiseogradualismo
O discurso, e se calhar ainda a prtica, de gradualismo tambm se aplica num outro
campo da governao local em Angola, sendo esse o da relao entre o Estado e as
autoridadestradicionais,vulgosobas.6Adiferenaemrelaoaogradualismoem
relao s autarquias, neste caso, tratase de transferncia de responsabilidades,
competnciaserecursosparafigurasquenosodemocraticamenteeleitas.7
Esta problemtica tambm entra pela porta da Constituio. Uma governao
democrtica local visa criar uma entidade que toma conta de assuntos pblicos
locaisquenoseroadministradosougeridosdirectamentepeloEstadocentral(nem
pelos seus rgos desconcentrados). A autarquia funciona, por tanto, num patamar
intermdio entre o Estado e a esfera privada e da sociedade civil. o que a
Constituio Angolana refere como Poder Local. S que, a autarquia no o nico
poderlocalexistentesegundoaConstituio,porqueopoderlocalcompreende,alm
dasautarquiaslocais,asinstituiesdopodertradicional(artigo213).AConstituio
noclarificasatisfatoriamenteofenmenodopodertradicional,emborapossadar
nosumapista:
Oreconhecimentodasinstituiesdopodertradicionalobrigaasentidadespblicase
privadas a respeitarem, nas suas relaes com aquelas instituies, os valores e
normas consuetudinrios observados no seio das organizaes polticocomunitrias
tradicionaisequenosejamconflituantescomaConstituionemcomadignidadeda
pessoahumana.(artigo223,CRA)
A Constituio reconhece a existncia do pluralismo jurdico no pas, e aceita a sua
aplicao mas pouco explicita sobre onde e quando se aplica a jurisdio
tradicional.Suspeitamosquevaisernascomunidadesruraisquesevenhaaaplicar
taljurisdio.Oquesabemosqueoutorgaumpapelespecialparaoquenaprtica
tendemaserossobas,cujoautoridadeepoderrespeitadaprincipalmentenaszonas
rurais:
Asautoridadestradicionaissoentidadesquepersonificameexercemopodernoseio
darespectivaorganizaopolticocomunitriatradicional,deacordocomosvalorese
normasconsuetudinriosenorespeitopelaConstituioepelalei.(artigo224,CRA)
A questo das autoridades tradicionais em Angola vai necessariamente sofrer um
tratamento superficial neste texto. Para j, apesar de que a grande maioria de
Angolanos, no meio rural, sabe quem o soba, no nada claro que tipo de
Apartirdeagoradeixareidecolocarautoridadestradicionaisentreaspas,noporqueumtermoabsolutamente
claroouquenodeixadeserumeufemismo,masapenasporquecolocloentreaspasemnadaajudaaclarificara
matria.
7
Isto no o mesmo que dizer que as autoridades tradicionais no possam gozar de legitimidade, mas
fundamentalmentediferentequeaautarquia.Enquantoalegitimidadedaautarquiavaiseraeleiodemocrtica,
os sobas (como autoridades tradicionais) so segundo a Constituio poderes tradicionais que tem a sua
origem at antes do Estado e a Constituio. Por isso, o Estado reconhece a legitimidade das autoridades
tradicionais. Teoricamente, independentemente da legitimidade que um soba goza dentro da comunidade, ele
podeevocarasualinhagemparalegitimarseperanteoEstadoeobteroseureconhecimento.
autoridade tem ou deve ter aquele indivduo que reconhecido pelo Estado como
autoridade tradicional. E porqu tradicional, j que o soba normalmente um
indivduopagoefardadopeloEstadoeassimparecemanifestamentemoderno?Mais
relevanteparaessanossadiscusso:qualoudeveserasuajurisdioequaisassuas
competncias? Funciona essa autoridade tanto na cidade como no campo, ou ser
uma autoridade reservada para as zonas rurais? A Constituio simplesmente relega
estaimportantequestoparafuturalegislao.Aprtica,noentanto,queossobas
tm o seu domnio no meio rural, junto s terras de origem dos seus cls e
antepassados.
Carlos Feij, que teve um papel importante na elaborao da presente Constituio
Angolana,argumentanasuatesededoutoramentoquesedevetransferirdemodo
gradual competncias e poderes do Estado para os rgos do poder tradicional,
designadamenteparaasautoridadestradicionaisqueorepresentam(Feij2012:457).
Hdecertezaforassignificativasnopasquesedigladiamcomosproblemasjurdico
legaisdeinstitucionalizaropapeldasautoridadestradicionaisnagovernaolocal.Ao
nossover,oconceitodequeopoderlocalreconhecidocomoumpoderanterior
aodoEstadoe,poristo,merecereconhecimento,nopassadeaumamistificao.Os
problemas prticos acima mencionados tero que ser atacados porque diariamente
levantamdilemasnagovernaolocalnointeriordasprovncias.Porexemplo:quem
vaiabrirumprocessocontraumruacusadodefurtoedefeitiariamaligna?OEstado
ouascortesdopoderlocal?Quemvaigarantiroseujulgamentojusto,ostribunaisda
Repblicaouasautoridadestradicionais?
Aprticacomumquefazcomqueossobaseseculos,emmuitoslugaresdeAngola,
apaream como vinculados ao Estado a segunda razo pela qual devemos prestar
lhesatenonadiscussosobreasfuturasautarquias.SegundoinformaesdoMAT,
h, em 2012, cerca de 41 mil autoridades tradicionais que recebem subsdios do
Estado, num dispndio anual de cerca de 100 milhes de dlares americanos. Em
milhares de aldeias e bairros Angolanos (como o caso em vrios outros pases
Africanos)oschefestradicionaisjogamumpapelimportantecomointermediriosem
doissentidos:a)entreoEstadoeosqueresidemnasuareasendoqualforessa
e b) entre os vivos e os antepassados. Como intermedirios tem um papel fulcral e
decisivo em vrias reas da vida da populao local. So bastante influentes em
questescomoapossedaterra,matrimnio,acusaesdecrimesefeitiaria,litgios
locaisemuitomais.Nasuagovernaoelesparticipamefectivamentenagovernao
local na prtica, e o governo completamente dependente deles em muitas zonas
ruraisoschefestradicionaisreferemsleiscodificadosdoEstadoeorientaesdo
Noperiurbano,ondeexistemsonamaiorpartedoscasosvegetativosouexercemumpapeldepolciadoregime
para controlar cidados que no lhes reconhecem papel nenhum. Para alm de que precisodizer que hojeso
sempre tidos como rgos auxiliares da administrao, sendo hierarquicamente inferiores aos administradores
respectivos,municipaisoucomunais
9
MuitosalegavamqueummotivodaFrelimoeraoseuassustocomosresultadoseleitoraisnaseleiesgeraisem
1994. Esses mostravam que a Renamo era capaz de ganhar a metade ou mais dos municpios inclusivamente
grandescidades.
Comoresultado,em1998,asprimeirasautarquiasviramaluzdodia,masapenasem
23cidadese10vilas(umaporprovncia,emregimedeexperinciapiloto).Em2008,
mais10vilasforamincludas,assimonmerototaldeautarquiaspassoupara43.Os
cidados das cidades e vilas que foram autarquizadas j gozam da possibilidade de
eleger regularmente um presidente para o conselho autrquico e os membros da
assembleiamunicipal.10Emboracomasdificuldadesemconseguirumconsensosobre
a legitimidade do processo eleitoral, e apesar dos problemas associados fraca
capacidade administrativa e financeira da grande parte delas, as autarquias esto
irreversivelmente instaladas no sistema polticoadministrativo de Moambique
(Weimer 2012b). Utilizando entre outras fontes de financiamento os impostos
recolhidos localmente, os polticos que governam as autarquias definem as suas
prioridades sempre com um olhar virado para a vontade dos eleitores locais.
Constroem postos de sade e escolas em bairros de carncia, pavimentam ruas,
embelezam parques e conseguem negociar directamente com instituies pblicas e
privadas para resolver problemas de planificao urbana. At nas vilas pequenas
funcionam, embora com as mesmas deficincias que se encontram, pelo menos
mesmaescala,emvilasqueaindanoforamautarquizadas.
Noentanto,asautarquiasforamdotadasdeumajurisdiogeogrficapequenssima
volta das zonas urbanas, enquanto as zonas rurais (com toda a populao e os
recursosnaturaisquelseencontram)aindacontinuamadministradosdirectamente
pelos rgos locais do Estado central, com administradores distritais nomeados
centralmente e que principalmente so responsveis perante os seus superiores na
hierarquia estatal, e no perante a populao local. A maioria da populao
Moambicana,secalhardoisteros,continuaavivernaszonasdistritaisquenoso
autarquias. Eles continuam a no ter a possibilidade de eleger os seus governantes
locais.
Sob forte presso interna e externa(dos doadores), o governo da Frelimo no podia
deixardereformaragovernaolocaltambmnaszonasdistritais.Porisso,durantea
ltimadcadaogovernoesforousenaaplicaodeumprocessoquedenominavam
pordesconcentrao.EsteimplicavaoreforodosrgoslocaisdoEstado,dandolhes
gradualmente mais recursos e autonomia administrativa (embora hierarquicamente
sempre dependentes das orientaes do Estado central). No contexto poltico de
MoambiquemuitasONGedoadores,emparticular,estavamcomprometidoscoma
participaopopularcomoidealparaagovernao.Porissoseriaimpossvelnocriar,
pelomenos,osvestgiosdeumaparticipaopopularinstitucionalizada.Criouse,um
poucoportodoopas,oschamosconselhoslocais.Osconselhoslocaisorganizamse
como rgos de apoio ao governo distrital mas sem terem poderes deliberativos
10
Para as eleies locais em Moambique, o eleitor tem de escolher dois boletins de voto: um para a sua
prefernciadepartido,coligaooulistadecidadosparaaAssembleiaMunicipal,ooutroparaasuapreferncia
deedil(PresidentedoConselhoMunicipal).
aproveitoueexploroupoliticamente,conseguindooapoiodosrgulosqueviamneste
partidoumapossibilidadedeseremcompensadospelahumilhaoquelhefoiinfligida
pelaFrelimo.Poristo,nonovocontexto,aprpriaFrelimoqueparaasdissociarda
Renamo que lhes restituiu a dignidade e lhes deu as mordomias que gozavam no
tempocolonial(Orre2010).
Olhandoparaatrs,oesforodoEstadomoambicanonadesconcentrao(nasreas
distritais)temsidoigualoumaiorqueodadescentralizaodemocrtica.Areforma
de governao local de 199697, reconfirmado na Constituio de 2005, consagra a
bifurcao do Estado em Moambique. Quanto ao gradualismo, este veio perpetuar,
ou mesmo eternizar, a bifurcao do Estado. No s porque a constituio parece
sugerir que apenas cidades, vilas e povoaes so autarquizadas enquanto as zonas
ruraiseosseusresidentesficamsemprefora.Mesmoassim,foramcriadasapenas43
das 544 autarquias possveis e o alargamento da reforma a mais autarquias parece
estar cada vez mais longnquo porque a criao de mais autarquias depende
alegadamente de condies socioeconmicas ideais. O problema que quanto
menorsooscentrospopulacionaisqueeventualmenteaautarquizar,menosprovvel
que apresentem as condies scioeconmicas necessrias para se qualificarem
comoautarquias.OmodelogradualistaescolhidoporMoambiquejdeuumtironos
ps das zonas rurais ainda no autarquizadas. Se os centros urbanos prximos j
foram autarquizados, retirouse ou extraiuse, como escreveu Weimer (2012c), o
corao econmico, fiscal e administrativo de uma regio empobrecida que
permaneceumapartedodistritoeprivadaderecursosimportantes,talsejaareceita
dastransacesdomercado....
Nestetexto,incluiseMoambiquecomoumespelhoparaAngola,porqueestepas
apesardetantasdiferenasoquemaisseparececomAngola,emtermoshistricos
e polticoinstitucionais. Mais importante, j avanou com a autarquizao, pelo
menos,15anosantesdeAngola.AsliesqueseretiramparaAngolasovrias:
Efectivamente tem-se criado um sistema bifurcado do Estado. Nas cidades e
algumas vilas, os cidados podem eleger o seu governo local, e os cidados so
governados pela lei escrita. Nos distritos (as zonas rurais e a as vilas e
povoaes ainda no autarquizadas) a populao depende dos oficiais nomeados
centralmente dos governos distritais e ainda das autoridades tradicionais
(rgulos, mwenes e cabos). Esses garantem uma aplicao dos usos e
costumes como fonte de direito misturados com o direito positivo, abrindo o
caminho para bastantes situaes de arbitrariedade na aplicao da lei.
O processo de autarquizao parece estar parado. Quinze anos aps a criao das
primeiras autarquias, apenas 43 das 544 possveis foram criadas. A maioria da
populao Moambicana parece, por isto, permanentemente desprovida da
possibilidade de eleger um governo local.
A desconcentrao tornou-se um concorrente autarquizao e
descentralizao democrtica. Em vez de ser visto como um passo gradual para
Gradualismoalternativo:UmmodeloparaAngola?
OMinistrodeAdministraodoTerritrioemAngola,BornitodeSousa,foicitadonos
mediaapsumdiscursoquefeznoBailundo,emOutubrode2012:
Umaideiadequedeveramosescolherumconjuntodemunicpiosecidades,comear
poraeavanarprogressivamente.Outraideiadizqueumavezquetemosdoisanos
pelafrente,porquenoprepararmostudoefazermostudodeumanicavez?
Asuarespostapareceirnosentidodogradualismo:
...a prpria Constituio aponta para um sentido de alguma prudncia, o que no
exclui naturalmente a realizao de experinciaspiloto em 2014 ou eventualmente
antes.(Angop,25deOutubro,2012)
Aintroduodumareformagrandedemaneiragradualfaztodoosentido.Aideiade
seguirumcaminhocauteloso,emqueseintroduzainstituiesmenoscomplicadase
que permita a avaliao das primeiras experincias, teria de certeza o mrito de
melhorcorrigirerrosiniciaisdoquesetudosefizessecomoumbigbang.
Depois de definir a nossa problemtica, avanmos uma leitura da Constituio que
possa suportar outra concluso daquela referida pelo Ministro. De facto, h vrias
passagens na Constituio que se podem evocar para defender a introduo
simultnea (universal) das autarquias, e no gradualmente. Isto no exclui a
possibilidadedeavanargradualmentenatransfernciadefunes.
Recentemente, o processo de desconcentrao em Angola tem gradualmente
fortificado os municpios como rgos de administrao local do Estado (Santos
2012b). Embora a Constituio no fale da administrao municipal esta parece
11
Podese dizer que isto que j acontece, nos termos da nova repartio de competncias entre o
municpio e a provncia, nomeadamente em relao a concesso de terra. Actualmente os
administradoresmunicipaissomenteestoautorizadosaconcederterrenosnosuperioresamilmetros
quadrados(tendencialmenteparahabitao)enquantocompeteaogovernadorautorizaraconcesso
de terras para explorao econmica superior a mil metros quadrados, quando no passado, os
administradores municipais tinham competncia para autorizar a concesso de terra para explorao
produtivaatcincohectares.
angolana parece incluir outra dvida, relacionada com o papel dado s autoridades
tradicionaisnaszonasrurais,aquem,segundoumdosautoresdaprpriaConstituio,
vogradualmenteseremtransferidosmaispoderesecompetncias.
O gradualismo no deve servir como uma desculpa para adiar a clareza sobre o
modeloaadoptar,respondendosesevoounoaszonasruraisseremincludosnas
autarquiasnumfuturoprevisvel?Voandarnadirecodaintegraoeassimilao
ou vo se separar administrativamente sob liderana dos sobas assim emulando o
perodocolonial?
Avalimosemcimaosproblemasassociadossduasformasdegradualismo,assima
suaexperinciaemMoambique.,portanto,possvelproporummodeloalternativo,
baseadoemprincpiossimplescomoosdescritosaseguir.Paraevitarabifurcaodo
Estado e a tendncia de separao rural/urbano, introduzirseia um modelo de
autarquizao gradual e universal. Isto significaria a aplicao dos seguintes
princpios:
1.Universalismogeogrfico:Asautarquiasintroduzemsesimultaneamenteemtodoo
pas, o que significa fazer eleies locais em que todos os angolanos possam votar.
Assim, nenhum cidado vai ser desprovido dum direito fundamental e importante,
consagradonaConstituio(direitodesufrgio,artigo54,CRA).
2. Gradualismo funcional: Por existir uma grande variao e diversidade em Angola
(comoemquasetodosospases)capacidadefiscal,actividadeseconmicas,quadros
nos servios pblicos, densidade populacional, escolaridade e alfabetizao cada
autarquia receberia uma dotao financeira do Estado que corresponde s suas
capacidades e s competncias a ela transferidas. Certas competncias, como por
exemplo a embelezamento de espaos pblicos, recolha de resduos slidos,
bibliotecas, construo de escolas primrias (no as despesas correntes), podem
certamente ser transferidas imediatamente para todos os Executivos Autrquicos.
Outras competncias tipicamente de responsabilidade local como a canalizao de
gua, pavimentao de vias principais, iluminao pblica, policiamento local so
possivelmenteforadoalcancedemuitasautarquiasrurais,masdentrodacapacidade
degestodosgovernoslocaisdascidadesmaiores.
3.BalanoentreoExecutivoeleitoeaAdministraoAutrquica.Ogradualismotem
sido, em Moambique, como acima argumentado, devese evitar a politizao
completa da administrao autrquica. Isto para evitar as descontinuidades que se
apliquemsetodaaassembleiaautrquicaeoExecutivosotrocadosapseleies.
importante manter uma capacidade tcnica que sustente a autarquia e os seus
servios, enquanto a direco geral dos polticos. Segundo, assim sendo, perder
umaautarquianovaiconstituirumdesastreparaopartidoperdedor,poisapenas
umnmeropequenodosseusquadrosdependentedeempregosnoExecutivo.Vai
sehabituandoqueaessnciadaautarquiaumrgopblicoqueserveoscidados
locais,nopertence,denenhumaforma,aopartidoqueagovernar.Pelocontrrio,
a autarquia permanente, enquanto o seu Executivo vai ser temporariamente
ocupadoporpolticosdecoresvariadas.
Certamente, em Moambique h os que argumentam queuma autarquia (com altos
nveis de autosuficincia e autonomia) s se pode organizar onde existir capacidade
scioeconmica, administrativa e financeira para suportar a autarquia. Mas mesmo
em Moambique, no h autarquias que sobrevive sem apoio do Estado central de
qualquer maneira, e porque que no deveriam contar com o apoio financeiro e
tcnico do Estado? E ainda, o que que sugere que um governo no eleito produz
resultadosmelhoresnasuagovernaoqueumedileleito?
EmboraabifurcaodoEstado,opluralismolegaleadiversificaogovernativaentre
aszonasurbanaseaszonasruraisprovavelmentevaicontinuaremAngolapormuito
tempo,umaautarquizaouniversalemboragradualteriaavantagemdetravara
tendnciadebifurcao.
Asvantagenssoaindaapossibilidadedeestenderodireitodeelegerospolticosque
governam localmente para toda a populao. Os governantes menos populares,
incompetentes ou ineficientes poderiam ser removidos atravs do voto. Ainda cria a
possibilidade de que partidos da oposio possam ganhar uma ou outra autarquia e
assim ganhar experincia importante para governar. Se a populao no gostar de
nenhumdospartidos,podemtambmapostaremlistasdecidadosqueseorganizam
localmente.
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