Chiziane, Tendencia de Re-Concentracao e Re-Centralizacao Administrativa em Mocambique
Chiziane, Tendencia de Re-Concentracao e Re-Centralizacao Administrativa em Mocambique
Chiziane, Tendencia de Re-Concentracao e Re-Centralizacao Administrativa em Mocambique
ADMINISTRATIVA EM MOÇAMBIQUE
Introdução
desconcentração, promovendo a modernização e a eficiência dos seus serviços sem prejuízo da unidade de acção e dos
poderes de direcção do Governo », n°2 « A Administração Pública promove a simplificação de procedimentos
administrativos e a aproximação dos serviços aos cidadãos».
1
feita através da Lei n°8/2003, de 19 de Maio, que estabelece o conteúdo ou o
significado do princípio da desconcentração na organização e funcionamento dos
Órgãos Locais do Estado, no artigo 3, n°13 e pelo Decreto do Conselho de Ministros
n°11/2005, de 10 de Junho, que fixa as disposições regulamentares concretizadoras
daquele princípio, quer através do artigo 4, n°1 e do artigo 158, que fixa as regras
sobre o processo de transferência de competências. Nesta ultima disposição se
apregoa que a transferência de competências exercidas por qualquer órgãos centrais
do Estado para os órgãos locais do Estado deve operar-se de forma gradual4.
2
Governadores Provincias/Governos Provincias e Administradores
Distritais/Governos Distritais.
2001 a Reforma do Sector Público, através do qual se reconheceu a necessidade de reduzir a sobreposição de estruturas
administrativas, isto é, a reprodução dos órgãos centrais ao nível local, a imperiosidade de acelerar o processo de
transferência de determinadas competências dos órgãos do Estado para os órgãos municipais.
3
administrativa (II) e depois, demonstraremos a existência de focos de “re-
centralização” administrativa no Direito pátrio (III).
1. Período Colonial
9 Vide CISTAC, G. Manual das Autarquias Locais, Imprensa Universitária - UEM, 2001; CHAMBULE A “ A Organização
Administrativa de Moçambique”, Ed, o autor, 2000.
10 CAETANO, M. “Estudos da História da Administração Pública Portuguesa”, Coimbra Editora, Coimbra, 1994, p.
496.
4
metrópole dos centros de decisão sobre as questões consideradas estratégicas, mas
também duma forte centralização interna dentro de cada província ultramarina, uma
vez que o Governador-geral e o seu governo, detinham as principais competências ao
nível do território11.
Durante o período colonial, o primeiro esforço de institucionalização da
descentralização foi feito através do Decreto de 1 Dezembro de 186912, e o relatório
de apresentação do Decreto reconhecia a necessidade de se avançar nesse sentido,
assim, escrevia o Relator Rebello da Silva “persuadindo de que o estado de algumas das nossas
possessões não só consentia mas aconselhavam a reforma das instituições administrativas na parte em
que uma prudente descentralização podia conceder à iniciativa local acção mais ampla…A metrópole
emancipa-as de toda a tutela e reconhece-lhes a maioridade e a capacidade. Se não souberem
aproveitar-se da concessão, imputem a si a culpa”.
A Carta Orgânica do Ultramar Português aplicava às possessões então
consideradas avançadas, como era o caso de Moçambique: os princípios da
descentralização, iniciativa e acção local e emancipação da tutela. Todavia, esta obra
legislativa não foi executada, por duas razões; uma excessiva reprodução da estrutura
das instituições colonias às da Metrópole e a centralização13.
Existiam, na província de Moçambique, corpos administrativos ( Câmaras
municipais, comissões municipais, juntas locais) que gozavam de uma certa
autonomia. Todo este sistema, que sofreu transformações e ajustamentos ao longo do
tempo permaneceu até a altura da independência. Mas o balanço dado por alguns
autores sobre a actividades destes corpos, do ponto de vista da democracia local,
permanece negativo. Com efeito, certos autores puderam observar que a natureza
autoritária do regime colonial, aliada à necessidade de forte domínio sobre as então províncias
ultramarinas, conduzia a que mesmo as denominadas estruturas municipais então existentes fossem
5
uma simples extensão do poder central. A sua autonomia era reduzida, como eram reduzidas as suas
competências quase inexistentes os meios financeiros próprios14.
CHIZIANE, E. “10 anos de Descentralização em Moçambique: os caminhos sinuosos de um processo emergente”, FD-
NEAD, UEM, Maputo, 2008. Para mais desenvolvimentos, o autor recomenda a consulta de José Oscar MONDEIRO
«Em busca do Reencontro entre Estado Necessário e a Sociedade Real» in Revista Jurídica, FD-UEM, Vol V., pp. 57-70.
6
com as comunidades locais, devido a usurpação dos recursos pertencentes as
comunidades e a exclusão dos indivíduos de participarem activamente na vida sócio-
económica e política17.
financeiros da reforma dos órgãos locais em Moçambique, Maputo, Dezembro de 1990, p.4.
20 Lei n. 5/78, de 22 de Abril, Regulamenta as funções, tarefas, composição e funcionamento dos Governos Provincias
Provincias, BR, n.48, I Série, 2 Suplemento; Lei n. 6/78, de 22 de Abril, Extingue todos os corpos administrativos,
nomeadamente as Câmaras Municipais e Juntas Locais, e os Serviços de Administração Civil, BR, n.48, I Série, 2
Suplemento; Lei n.7/78, de 22 de Abril, Cria os Conselhos Executivos das Assembléias Distritais e Conselhos Executivos
das Assembléias de Cidade, BR, n.48, I Série, 2 Suplemento.
21
Vide o Preâmbulo da Lei n°5/78, de 22 de Abril. Mais precisamente se estabelece que a lei nº5/78, visaava «…
regular as funções, tarefas, composição e funcionamento dos Governos Provinciais».
7
Lei nº5/78, do seu artigo 7, sobre as competências do Governador Provincial, e do
seu artigo 11, sobre as competências do Governo Provincial, demonstram-nos uma
inexistência de poderes decisórios investidos àqueles órgãos. Os artigos em questão
anunciam como “competências”: a direcção do governo, a apresentação de relatórios,
a orientação de actividades, a preparação de sessões de trabalho, a elaboração de
propostas de plano e orçamento, etc. Ora, o que acabamos de descrever são tarefas,
funções, mas não poderes de tomar decisões. Pois, só haveria poder decisório si os
órgãos locais tivessem o poder de criar, modificar ou extinguir direitos, afectando com
a sua acção o ordenamento jurídico, quer dizer, se por exemplo, tivessem o poder de
autorizar pedidos sobre a terra, licenciamento comercial, turistico ou industrial,
modificar licenças diversas ou revogar-las. Enfim, os órgãos locais eram meros
tarefeiros ou executores de decisões centralmente tomadas.
O princípio da dupla subordinação22 das Direcções Provincias ao Governo
Provincial e aos Ministérios respectivos representava um forte obstacúlo a
materialização de uma governação local coordenada e unida, vários conflitos ocorriam
no quadro da aplicação deste princípio, pois é dificil conceber em termos de caricatura
uma mulher com dois maridos.
Este sistema perturbou o desenvolvimento do espírito de iniciativa nos níveis
inferiores de governação, pois não tinham o poder de decisão e faltava lhes os
recursos técnicos e financeiros. Nas palavras do Professor CISTAC23 este sistema de
administração local levou a uma fragilidade e deficiente gestão de instituições locais com efeitos
negativos na qualidade de serviços prestados à população.
22
Artigo 25, nº1, da Lei nº5/78, de 22 de Abril.
23 CISTAC, G., op. cit., p. 33.
8
3. Aspectos recentes: meados dos anos 80 aos nossos dias…
Programa de Reabilitação Económica e Programa de Emergencia, Publicada no BR, I Série, n°37, 4°Suplemento, de
22/09/87.
27 Lei n°13/92, de 14 de Outubro, aprova o Acordo Geral de Paz, publicada no BR, I Série, n°42, Suplemento, de
14/10 /92.
28 Vide artigo 9, alinéa a) da Lei n°2/87, de 19 de Janeiro, da Assembleia Popular, publicada BR, I Série, n°4, 30/01/87 :
9
Em maio de 1992, o Governo aprovou o Programa de Reforma dos Órgãos
Locais (PROL) que tinha por objectivo a reformulação do sistema de administração
local do Estado vigente e a sua transformação em órgãos locais com personalidade
jurídica própria distinta do Estado, dotados de autonomia administrativa e financeira,
infraestrutura e meio ambiente.
Nos finais dos anos 1980 e no início dos anos 1990, no contexto das reformas
estruturais, da revisão constitucional, e o processo de paz, o Governo reconheceu a
descentralização do sistema político administrativo como um dos pressupostos para
uma governação mais eficaz e um desenvolvimento mais sustentável.
No quinquénio 1994-1999, a transformação mais significativa na administração
moçambicana que se repercutiu na própria estrutura do Estado e no papel dos
cidadãos perante a coisa pública consistiu no lançamento do processo de
descentralização.
Assim, foi elaborado um anteprojecto da lei sobre o « Quadro Institucional dos
10
Distritos Municipais », que definia as bases do modelo de descentralização que se
pretendia erguer. Este anteprojecto de lei continha regras sobre a definição de
munícipio, tipos, competências, composição, poderes tutelares do Estado, etc. Em
1994, o Conselho de Ministros debateu o anteprojecto, e fez as suas opções, e
subsequentemente o submeteu à apreciação e aprovação da Assembleia da República,
o que se concretizou na sua 8° Sessão, realizada em Agosto de 1994. Assim, foi
aprovada a Lei n°3/94, de 13 de Setembro: que aprova o quadro institucional dos
distritos municipais30.
O modelo estruturado pela Lei n°3/94, de 13 de Setembro, é um modelo que
do ponto de vista político-normativo, se descreve como polarizado através de técnicas
de descentralização administrativa, patrimonial e financeira, inovatório, sem excessiva
ambição..., atento às realidades sociológicas, centrado num sistema de governo
municipal de cariz presidencial, moderadamente intervencionado pelo Estado e de
aplicação gradual31. Esta Lei permite enfim, a participação da sociedade civil, das
comunidades locais na tomada de decisões e gestão locais, prosseguindo os seus
interesses próprios de acordo com a sua inserção territorial.
11
Recenseamento, da Tutela Administrativa e das Finanças Locais, etc).
A evolução recente da gestão administrativa centralizada para uma gestão
publica descentralizada será analisada abordando sucessivamente: a aprovação do
“Pacote Autárquico” em 1997 (1), os textos normativos complementares do “Pacote
Autárquico”, aprovados entre 2003 – 2006 (2) e a apresentação da primeira “grande”
tentativa de revisão do “Pacote Autárquico” realizada em 2007 e 2008 (3).
33
CISTAC, G., op. cit., p. 36.
34 Publicada no Boletim da Republica n°07, I Série, 2°Suplemento, de 18/02/1997.
35 Publicada no Boletim da Republica n°22, I Série, 2°Suplemento, de 28/05/1997.
36 Publicada no Boletim da Republica n°22, I Série, 2°Suplemento, de 28/05/1997.
37 Publicada no Boletim da Republica n°22, I Série, 2°Suplemento, de 28/05/1997.
12
6) Lei n°8/97, de 31 de Maio: que define as normas especiais que regem a
organização e o funcionamento do Município de Maputo39;
7) Lei n°9/97, de 31 de Maio: que define o estatuto dos titulares e dos
membros dos órgãos das autarquias locais40;
8) Lei n°10/97, de 31 de Maio: que cria municípios de cidades e vilas em
algumas circunscrições territoriais41;
9) Lei n°11/97, de 31 de Maio: que define e estabelece o regime jurídico-
legal das finanças e do património das autarquias42;
10) Lei n° 22/97, de 11/11: Altera o artigo 112 da Lei n 2/97, de 18 de
Fevereiro43;
11) Decreto do Conselho de Ministros n°35/98, de 07 de Julho:
Estabelece os princípios fundamentais dos regimentos das assembleias
municipais44;
13
legislação complementar e a revisão pontual do “Pacote Autárquico”. É, assim que
surge aquilo que podemos chamar a segunda geração de textos normativos do “Pacote
Autárquico”:
14
3) Decreto do Conselho de Ministros n°46/2003, de 17 de Dezembro:
Estabelece os procedimentos de transferência de funções e
competências dos órgãos do Estado para as autarquias locais48;
4) Decreto do Conselho de Ministros n°65/2003, Designa o
representante da Administração do Estado nas circunscrições
territorias cuja área de jurisdição coincide total ou parcialmente com a
autarquia local49;
5) Decreto do Conselho de Ministros n°51/2004, de 01 de Dezembro:
Aprova o Regulamento de Organização e Funcionamento dos Serviços
Técnicos e Administrativos dos Municípios50;
6) Diploma Ministerial (MAE) n°80/2004: Aprova o Regulamento de
Articulação dos Órgãos das Autarquias Locais com as Autoridades
Comunitárias51;
7) Decreto do Conselho de Ministros n°33/2006, de 30 de Agosto:
Aprova o quadro legal de transferencia de funções e competencias dos
órgãos do Estado para as autarquias locais52;
8) Decreto do Conselho de Ministros n°35/2006, de 06 de Setembro,
Aprova o Regulamento de Criação e Funcionamento da Polícia
Municipal53;
15
avaliação da implementação do legislação autárquica que ditou aquilo que podemos
chamar a primeira grande tentativa de revisão do “Pacote Autárquico”, feita em bloco,
isto é, incindo sobre os grandes pilares da municipalização, como seja, os poderes dos
órgãos, os direitos e deveres dos eleitos locais, a tutela administrativa, as finanças
autárquicas e o sistema tributário autárquico. Eis o conjunto de textos que alteram o
«Pacote Autáquico» à partir de 2007:
1) Lei n°6/2007, de 09 de Fevereiro: que altera o regime jurídico da tutela
administrativa sobre as autarquias locais estabelecido na Lei n°7/97, de
31 de Maio54;
2) Lei n°15/2007, de 27 de Junho: que altera a Lei n°2/9755;
3) Lei n°21/2007, de 01 de Agosto: introduz alterações aos artigos 15, 16,
17, 18 e 19, da Lei n°9/97, de 31 de Maio que define o estatuto dos
titulares e dos membros dos órgãos das autarquias locais56; e
4) Lei n°1/2008, de 16 de Janeiro: define o regime financeiro, orçamental e
patrimonial das autarquias locais e o sistema tributário autárquico e
revoga a Lei n°11/1997, de 31 de Maio57;
16
voluntarismo do trabalho prestado pelas assembleias municipais, a afirmação do
princípio da tutela de legalidade e a racionalização e optimização das finanças
municipais e do sistema tributário autárquico.
Só nos resta concluir este ponto, concordando com VALA58, quando afirma
que o sistema de descentralização no país tem o “desafio de se erguer num contexto
marcadamente centralizado”.
Administração publica, mesmo nos casos em que não se impõe à subordinação. Observei , em Pemba, em Julho de
2007, por ocasião de uma acção de formação dos órgãos locais do Estado, Directores Distritais de Montepuez e
Mocimboa da Praia apresentarem guias de autorização de viagem à Pemba, passadas pelos Directores Provinciais e não
pelo Administrador. Na verdade, o artigo artigo 44 da Lei n°8/2003, de 19 de Maio, estabelece que « os directores de
serviços distritais subordinam-se ao Administrador Distrital… » (o sublinhado é nosso). Segundo, presencie por ocasião
do Seminário « Turismo e Desenvolvimento Local » realizado pelo NEAD em Outubro de 2006, o Presidente do
Conselho Municipal a « Pedir autorização” informal ao Governador para viajar à Lisboa. Tratou-se da manifestação da
submissão à figura mais representativa do « Centralismo Provinciano». O Governador.
61
Publicada no Boletim da República, n°48, I Série, 2° Suplemento, de 22/04/1978.
62
Publicada no Boletim da República, n°48, I Série, 2° Suplemento, de 22/04/1978.
17
administrativa assente no modelo administrativo de concentração de poderes nos
órgãos centrais do Estado. Os órgãos locais do Estado (de nível Provincial e Distrital)
apenas funcionavam como executores das decisões centralmente tomadas. A Lei
n°5/78, estabelece apenas tarefas para os governos provincias e distritais. Estamos
em face da primazia de uma perspectiva apenas executiva e não dicisória dos órgãos
locais.
Ademais a Lei n°5/78, de 22 de Abril, estabelece o princípio da dupla
subordinação dos Directores Provincias, que assim se subordinavam simultaneamente
ao Ministro da área e ao Governador. Este princípio criou muitas dificuldades de
coordenação da acção governativa local por parte do Governador Provincial.
Em maio de 1992, o Governo aprovou o Programa de Reforma dos Órgãos
Locais (PROL) que tinha por objectivo a reformulação do sistema de administração
local do Estado vigente. E, no dia 25 de Junho de 2001, o Governo de Moçambique
lançou formalmente a “Estratégia Global de Reforma do Sector Público (Estes
momentos foram aflorados acima). Com estes pressupostos foi aprovada a Lei no
8/2003, de 19 de Maio, Lei dos Órgãos Locais do Estado63: que estabelece os
princípios, normas de organização, competências e funcionamento dos órgãos locais
do Estado.
O artigo 57 da Lei n°8/2003, revogou as Leis n°s 5/78 e 7/78 de 22 de Abril,
alterando assim, os princípios de organização e funcionamento dos órgãos locais, o
relacionamento dos órgãos locais e os órgãos centrais e o relacionamento dos órgãos
locais e as comunidades.
É assim que, sobre os princípios organizatórios dos orgãos locais se estabelece
o teor da desconcentração e da desburocratização. Com efeito, o artigo 3, da Lei
n°8/2003, dispõe “a organização e funcionamento dos órgãos locais do Estado obedecem aos
princípios da desconcentração e da desburocratização, visando o descongestionamento do escalão central
18
e a aproximação dos serviços públicos às populações, de modo a garantir a celeridade e a adequação às
realidades locais”.
Racionalizou-se a estrutura orgânica do Governo Provincial e Distrital,
evitando-se a reprodução ao nível local dos organismos do aparelho do Estado
Central, segundo o artigo 8, da Lei n°8/2003. A definição da estrurura passa a
obedecer aos critérios da necessidade, potencialidades e capacidade de
desenvolvimento da provincia ou do distrito.
Com a Lei n°8/2003, o Distrito passou a ter um papel ainda mais importante
no quadro da administração local. De facto, o artigo 12 da Lei n o 8/2003 define o
distrito como "a unidade territorial principal da organização local do Estado e a base da
planificação do desenvolvimento económico, social e cultural da República de Moçambique". Essa
afirmação significa que, num processo gradual, todas as actividades que tenham uma
relação directa com a qualidade de vida das populações locais deverão passar para a
responsabilidade do distrito.
O artigo 30, n°s 3 e 4 e o artigo 44 da Lei n°8/200364, eliminaram o princípio
da dupla subordinação dos órgãos locais, designadamente do Director Provincial e do
Director Distrital65 aos Ministros da área e ao Governador ou Administrador. Com
efeito, a Lei n°8/2003, de 19 de Maio, estabelececeu, assim, o princípio da
subordinação individual ou única, isto é, os Directores Provincial e Distrital hoje só se
subordinam a um unico chefe, autoridade. Este aspecto é bastante inovador.
O conjunto de poderes entregues aos órgãos locais é relativamente importante:
gestão de recursos humanos, planificação e execução orçamental, embora tal deva
ocorrer de forma infelizmente gradual, segundo o artigo 185 do Decreto do Conselho
64 Artigo 30, n°3, da Lei n°8/2003, dispõe “os directores províncias subordinam-se ao Governador Provincial », n°5
dispõe «os directores provincias prestam contas das suas actividades ao Governador e ao Governo Provincial », n°6 « os
directores provincias prestam informação sobre os aspectos fundamentais da sua actividade aos Ministros que
superintendem nos respectivos sectores ou ramos de actividade » (os sublinhados são nossos). Artigo 44 da Lei
n°8/2003, estabelece « os directores dos serviços distritais subordinam-se ao Administrador Distrital, sem prejuízo da
orientação técnica e metodológica dos órgãos do aparelho de Estado de escalão superior… ».
65 O Director Distrital na Lei n°5/78, subordinava-se ao Director Provincial e ao Ministro da área.
19
de Ministros n°11/2005. Entretanto, é discutivel a legalidade ou constitucionalidade
deste princípio, tendo em conta que aquele princípio não é estabelecido nem na
Constituição de 2004, muito menos na Lei n°8/2003, de 19 de Maio.
O Decreto do Conselho de Ministros n°11/2005, de 11 de Junho, regulamenta
a Lei n°8/2003, fixando as regras que asseguram a concretização: do princípio da
desconcentração de competências, da nova orgânica dos Governos Provincias e
Distritais, do princípio do relacionamento entre os órgãos centrais e locais, etc.
Indicam-se de forma exaustiva as competências do Governador, Governo Provincial e
Secretário Permanente Provincial. Igualmente se detalham os poderes funcionais do
Administrador, do Governo Distrital e Secretário Permanente Distrital.
Contudo, nota-se que devido as limitações provocadas pelo princípio do
gradualismo, os poderes decisórios e executivos importantes, continuam a ser
exercídos pelos órgãos superiores do Estado, por exemplo, na área da gestão da
terra66, do licenciamento comercial, industrial, pesqueiro, turismo e gestão de estradas.
66 No ambito do artigo 22 da Lei n°19/97, de 01 de Outubro: que aprova a Lei de Terras, o Administrador Distrital não
tem nenhum poder de atribuir, conceder, direitos sobre a terra. Embora, o Adminsitrador tenha sob seu poder a gestão
de extensos territórios e uma considerável população.
67 AMARAL, D.F., op. cit., p. 656.
20
Importa ter presente que a concentração ou desconcentração têm como pano
de fundo a organização vertical dos serviços públicos, consistindo basicamente na
ausência ou na existência de distribuição vertical de competência entre os diversos
graus ou escalões da hierarquia68.
mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos
concentrada.
68 Idem, p. 656.
69 Ibidem, p. 658.
70 Ibidem, p. 658.
21
A criação pelo Presidente da República da Autoridade Nacional da Função
Pública (ANFP)71, em conformidade com o artigo 16, sobre (orientações e instruções
executivas) determina que “a Autoridade Nacional da Função Pública emana
orientações e instruções de carácter executivo, nomeadamente para os Secretários
Permanentes (SPs) em todos os escalões territoriais, …que periodicamente lhe
prestarão contas da sua actividade…”. (o sublinhado é nosso).
22
uma clara “re-concentração” de competências pelos órgãos centrais (neste caso pela
extinta ANFP) de assuntos que já estavam entregues ao Governador Provincial ou ao
Administrador Distrital, pela Lei n°8/2003, de 19 de Maio.
75A aprovação do Decreto do Conselho de Ministros n°6/2006, de 12 de Abril, publicado no Boletim da Republica, Iª Série,
n°15, I° Suplemento, de 12 de Abril de 2006;
23
pelo princípio estabelecido no artigo 12, n°1 da Lei n°8/2003, que estabelece que “o
Distrito é a unidade territorial principal da organização e funcionamento da
administração local do Estado e a base da planificação do desenvolvimento
económico, social e cultural da República de Moçambique” e a estrutura orgânica do
Governo distrital, que é de 4 serviços distritais mínimo e 6 máximo, conforme, o
artigo 47 do Decreto do Conselho de Ministros n°11/2005.
24
da transferência de competências dos órgãos centrais para os órgãos
locais do Estado...
77 Cfr. Artigo 139, n°1, da Constituição da Republica de Moçambique, “aos órgãos centrais compete, de forma geral, as
atribuições ao exercício da soberania, a normação das matérias do âmbito da lei e a definição de politicas nacionais”.
78 Vide artigo 2, n°.2, do Decreto do Conselho de Ministros n.°33/2006, de 30 de Agosto.
25
do Estado para os órgãos locais do Estado implica uma boa planificação do
financiamento do processo de tranferência de competências ao nível do Orçamento
do Estado (OGE), como impõe o artigo 158, nº2 alinea a) do Decreto nº11/2005. Os
OGE de 2006-2009 não fazem referencia a previsão de verbas para suportar o
exercício de competências transferidas para os órgãos locais do Estado.
puros, conceitos absolutos – ou existe uma, ou existe a outra, ao passo que, em sentido politico – administrativo, os
conceitos de centralização e descentralização são conceitos relativos: é tudo uma questão de grau.
26
No plano politico-administrativo, dir-se-á que há centralização segundo o
Professor Diogo Freitas do Amaral “quando os órgãos das autarquias locais sejam
livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, quando devam obediência
ao Governo ou ao partido único ou quando se encontrem sujeitos a formas
particularmente intensas de tutela administrativa, uma ampla tutela de mérito”82. A
manifestação da “re-centralização” representa uma inclinação a favor de uma
administração, no plano politico-administrativo predominantemente centralizado.
27
descentralização com diferentes tempos e não-uniforme nacionalmente83.
Inicialmente o processo de municipalização seria integral, isto é, a escala de todo o
territorio do Estado Moçambicano, de acordo com as intenções da Lei n°3/94, que
cria os Distritos Municipais84, ou seja, estavamos em presença do abandono do
princípio do gradualismo.
Assim, a Lei n°2/97, no seu artigo 5, n°2, avança os critérios para a criação
de cada tipo município pela Assembleia da República, onde se inclui: a) factores
geográficos, demográficos, económicos, sociais, culturais e administrativos; b)
interesse de ordem nacional ou local em causa; c) razões de ordem histórica e cultural;
d) avaliação da capacidade financeira para a prossecução das atribuições que lhe
estiverem cometidas.
83
AfriMAP e OSISA “Moçambique: Democracia e Participação Política” Open Society Institute, 2009, RSA, p. 150.
84Esta Lei foi revogada, pela Lei n°2/97.
85 Vide para mais detalhes: AfriMAP e OSISA, op. cit., p. 151.
28
n°1 da CRM-2004. Segundo esta disposição o Poder Local tem como objectivos
organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade e
promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da democracia….
Será que o artigo 5, n°2 da Lei n°2/97 é conforme aos artigos 250, n°186 da
e 271, n°1 ambos da CRM-2004? Ou seja, será o princípio do gradualismo fixado pelo
legislador ordinário, através da Lei n°2/97 conforme à Constituição? Parece nos que
não, pelo seguinte:
86 O artigo 250, n°1, dispõe « A Administração Pública estrutura-se com base no princípio de descentralização…»
29
da autarcização, é o Estado que chama a si a responsabilidade de gestão administrativa
directa desses territórios. Esta situação traduz manifestamente uma tendência de “re-
centralização”, por se estar a contrariar o princípio constitucional de afirmação do
poder local, estabelecido nos artigos 250, n°1 e 271, n°187 da CRM-2004.
A base legal para aprovação do referido decreto terá sido, o n°1 do artigo 152º
da Constituição da República (1990). O artigo 197º da Constituição (1990) estabelecia
que “a lei garante as formas de organização que as autarquias locais podem adoptar
para a prossecução de interesses comuns”. Neste contexto, a Lei n°2/97 de 18 de
Fevereiro veio estabelecer que a autonomia administrativa compreende, entre outros,
os poderes de “criar, organizar e fiscalizar serviços destinados a assegurar a
prossecução das suas atribuições”.
01 de Dezembro.
30
autonomia local garantido no artigo 250, n°1 da CRM – 2004 e ao principio da
competência normativa reservada ao legislador, por força do artigo 275/5, que
passamos a transcrever “ a organização, a composição e o funcionamento dos órgãos
executivos ( das autarquias locais) são definidos por lei”.
31
nº51/2004, pois que o mesmo vem manifestamente limitar a autonomia que havia
sido conferida por outros diplomas legais. E, assim, sugere-se a revogação do Decreto
n°51/2004 ou a Declaração de inconstitucionalidade do mesmo89.
O gradualismo está a ser lento do que o que se esperava, até porque não se tem
uma visão clara sobre a sua verdadeira natureza. Esta é uma situação crítica que
89
Posição igualmente defendida pelos Consultores da H. Gamito, Couto, Gonçalves Pereira, Castelo Branco &
Associados “Recomendações para a Revisão do Pacote Autárquico” Maputo, 2006, p. 19 -20.
90Decreto do Conselho de Ministros n°33/2006, de 30 de Agosto, publicado no Boletim da República, Iª Série, n°35,
1°Suplemento, de 30 de Agosto de 2006.
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demanda uma maior explicitação da visão e do timing da implementação da
transferência de competência do Estado para as Autarquias Locais, bem como a
criação de novos Municípios91.
91 Consultores da H. Gamito, Couto, Gonçalves Pereira, Castelo Branco & Associados, op. cit., p. 21 et sgts.
92 A Lei n°6/2007, de 09 de Fevereiro, foi publicada no Boletim da República, Iª Série, n°6, Suplemento, de 09 de Fevereiro de 2007.
93
Para mais detalhes consultar: ANDRADE, J. “A revogação dos actos administrativos”, 2 edição,
Coimbra Editora, 1985, p. 55 e sgts. A propósito da tutela revogatória, o autor refere que “se trata
de uma revogação praticada por órgão integrado em pessoa colectiva distinta”.
94
AMARAL, D. F. op. cit., p. 705.
33
irregularidades, uma vez apurada a existência dessas irregularidades, é necessário
aplicar as respectivas sanções, ora o poder de aplicar essas sanções, quer à pessoa
colectiva tutelada, quer aos seus órgãos ou agentes, é a tutela sancionatória”.
95 Idem, p. 706.
34
autárquicos pela entidade tutelar
96 Lei n°15/2007, de 27 de Junho, foi publicada no Boletim da República, Iª Série, n°26, Suplemento, de 27 de Junho 2007.
35
alínea q) estabelecia-se que compete ao Conselho Municipal “Estabelecer a
numeração dos edifícios e a toponímia” e o antigo artigo 45, n.3 alínea s) dispunha
que “compete à Assembleia Municipal, sob proposta ou a pedido de autorização do
Conselho Municipal: Estabelecer o nome de ruas, praças, localidades e lugares no
território da autarquia local” (alterado).
Com a Lei n°15/2007 alterou-se o artigo 45, n.3 alínea s), passando a dispor-se
o seguinte: “Compete à Assembleia Municipal, propor a entidade competente
(autoridade tutelar) a atribuição ou alteração do nome de ruas, praças, localidades e
lugares de território da autarquia local, ouvido o Conselho Municipal”.
Esta alteração representa a mais gritante demonstração pelo Legislador de
pratica de actos recentralizadores, pois, devolve ao governo central a responsabilidade
de decidir em ultima instância sobre um assunto que a Lei n°2/97, tinha entregue aos
órgãos autárquicos. Assim, com a aprovação da Lei n°15/2007 materializou-se um
acto desconforme ao principio geral da autonomia administrativa das autarquias locais
estabelecido nos artigos 271/1 e 275/5 da CRM – 2004.
Mais uma vez, com esta Lei verifica-se uma afronta ao principio da
subsidiariedade aflorado acima, que estabelece que as funções e competências devem
ser exercidas pelo órgão da administração melhor colocado para as prosseguir, neste
caso Município esta melhor colocado, sem intromissão de ninguém, para dar nomes
de ruas ou praças municipais.
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Considerações finais
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irreversíveis no país, apesar da variação do grau de intensidade da sua implementação,
devido a opção politica que se lhes pode dar em cada momento.
Nesta medida, o país deve dar passos corajosos, no sentido de materializar o
princípio da desconcentração administrativa, por um lado, prevista no artigo 3, n°1, da
Lei n°8/2003. É preciso passar da letra à acção. Este princípio tem um alcance e
sentido profundo, com boas intenções. Ele resulta de uma radiografia do
Moçambique real, onde se destaca a necessidade de racionalizar estruturas administrativas,
evitar a reprodução desnecessária dos órgãos centrais ao nível local e a necessidade da promoção de
uma administração de proximidade e célere (Reforma do sector Publico, 2001). Por isso é
curial a promoção do princípio da desconcentração administrativa e a busca incessante
de soluções para a sua materialização.
Por outro lado, como foi demonstrado o princípio da autonomia administrativa
dos municípios esta a ser sistematicamente atacado, quer pela acção normativa do
legislador, assim como do Governo. É, importante que a sociedade civil lute contra
estes focos e os municípios, em particular se “rebelem” contra esta situação, pois são
os que a longo prazo mais sofrerão os efeitos nefastos da “re-centralização”. Não
existem receitas magicas para este problema, apenas se deve explorar os meios, as
garantias constitucionais, reputadas adequadas para promover a descentralização,
como por exemplo, o pedido de declaração de inconstitucionalidade, para afastar
instrumentos normativos perversos à gestão pública descentralizada.
Bibliografia
38
AMARAL, D. “Curso de Direito Administrativo”, 2 Edição, Vol.I, Almedina,
Coimbra, 2006;
39
PNUD - Moçambique « Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano –
Paz e crescimento: oportunidades para o desenvolvimento humano” Maputo,
1998.
Legislação
Lei n°2/97, de 18 de Fevereiro: que aprova o quadro jurídico para
implementação das autarquias locais;
Lei n°4/97, de 28 de Maio: que cria a Comissão Nacional de Eleições;
Lei n°5/97, de 28 de Maio: que institucionaliza o recenseamento eleitoral
sistemático para a realização de eleições e referendos;
Lei n°6/97, de 28 de Maio: que estabelece o quadro jurídico-legal para a
realização das eleições dos órgãos das autarquias;
Lei n°7/97, de 31 de Maio: que estabelece o regime jurídico da tutela
administrativa do Estado a que estão sujeitas as autarquias locais;
Lei n°8/97, de 31 de Maio: que define as normas especiais que regem a
organização e o funcionamento do Município de Maputo;
Lei n°9/97, de 31 de Maio: que define o estatuto dos titulares e dos
membros dos órgãos das autarquias locais;
Lei n°10/97, de 31 de Maio: que cria municípios de cidades e vilas em
algumas circunscrições territoriais;
Lei n°11/97, de 31 de Maio: que define e estabelece o regime jurídico-legal
das finanças e do património das autarquias;
Lei n° 22/97, de 11/11: Altera o artigo 112 da Lei n 2/97, de 18 de
Fevereiro;
Decreto do Conselho de Ministros n°35/98, de 07 de Julho: Estabelece os
princípios fundamentais dos regimentos das assembleias municipais;
40
Decreto do Conselho de Ministros n°20/2003, de 20 de Maio: Regula o
quadro institucional e financeiro em que opera a administração de estradas;
Decreto do Conselho de Ministros n°45/2003, de 17 de Dezembro: Regula
a mobilidade dos funcionarios entre a Administração do Estado e das
autarquias locais e entre estas, e clarifica a situação da relação de trabalho
dos funcionarios do Estado em actividades nas autarquias locais;
Decreto do Conselho de Ministros n°46/2003, de 17 de Dezembro:
Estabelece os procedimentos de transferencia de funções e competencias
dos orgãos do Estado para as autarquias locais;
Decreto do Conselho de Ministros n°65/2003, Designa o representante da
Administração do Estado nas circunscrições territorias cuja área de
jurisdição coincide total ou parcialmente com a autarquia local;
Decreto do Conselho de Ministros n°51/2004, de 01 de Dezembro:
Aprova o Regulamento de Organização e Funcionamento dos Serviços
Técnicos e Administrativos dos Municípios;
Diploma Ministerial (MAE) n°80/2004: Aprova o Regulamento de
Articulação dos Órgãos das Autarquias Locais com as Autoridades
Comunitárias;
Decreto do Conselho de Ministros n°33/2006, de 30 de Agosto: Aprova o
quadro legal de transferencia de funções e competencias dos órgãos do
Estado para as autarquias locais;
Decreto do Conselho de Ministros n°35/2006, de 06 de Setembro, Aprova
o Regulamento de Criação e Funcionamento da Polícia Municipal;
Lei n°6/2007, de 09 de Fevereiro: que altera o regime jurídico da tutela
administrativa sobre as autarquias locais estabelecido na Lei n°7/97, de 31
de Maio;
41
Lei n°15/2007, de 27 de Junho: que altera a Lei n°2/97;
Lei n°21/2007, de 01 de Agosto: introduz alterações aos artigos 15, 16, 17,
18 e 19, da Lei n°9/97, de 31 de Maio que define o estatuto dos titulares e
dos membros dos órgãos das autarquias locais;
Lei n°1/2008, de 16 de Janeiro: Define o regime financeiro, orçamental e
patrimonial das autarquias locais e o sistema tributário autárquico e revoga a
Lei n°11/1997, de 31 de Maio.
42