O Espectador No Teatro de Não-Ficção
O Espectador No Teatro de Não-Ficção
O Espectador No Teatro de Não-Ficção
e s p e c t a d o r n o t e a t rroo d e n o - f i c o
M arcelo
Soler
polticos so tratados como personagens e vivem nas telas dramas que os tornaro heris ou
viles, segundo, obviamente, os interesses da
rede de comunicao que os exibe. Esses recursos atenuam o impacto do que assistimos, passando a nos entreter da mesma maneira que
uma novela o faz. Tudo pode, inclusive, virar
um espetculo e desse modo apresentar uma estrutura que prioriza a eficcia visual em detrimento do aprofundar das questes abordadas
(Barbero, 1978).
Contraditoriamente, ainda que em moldes ficcionais, a no-fico1 se apresenta nesse
contexto como recorte objetivo e imparcial dos
fatos. O drama novelesco do poltico no
telejornal adquire status de realidade pelo simples fato de estar no telejornal.
Passa a ser importante uma reflexo sobre a posio de espectador em uma proposta
de no-fico no teatro, em especfico de Teatro Documentrio, num momento histrico em
que a espetacularizao da realidade nos impele
a esperarmos que tudo tenha um tratamento
Termo utilizado na linguagem audiovisual para designar a produo que possui um formato caracterstico e um tipo de comprometimento com a realidade diferente da produo ficcional. Documentrios,
reportagens jornalsticas, propagandas institucionais, filmes cientficos recebem essa denominao.
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ficcional e, ao mesmo tempo, ainda que impregnada por isso, a no-fico insurja como retrato
imparcial dessa mesma realidade.
H pouco material bibliogrfico publicado em lngua portuguesa sobre o que se chama
Teatro Documentrio, disposio daqueles
que por algum motivo se deparem com essa
proposta esttica e pretendam investigar em
profundidade suas caractersticas e potencialidades. O mesmo acontece em termos de proposies prticas de qualquer ordem. Diferentemente do Brasil, grupos de inmeros pases
vm se dedicando na atualidade a pesquisas em
torno do Teatro Documentrio. No comeo de
2007, por exemplo, o grupo alemo Rimini
Protokll esteve no Brasil e apresentou em So
Paulo, no Sesc Avenida Paulista, o espetculo
Chcara Paraso que consistia numa forma
de instalao que mesclava o documental e o
ficcional, mostrando biografias de pessoas que
em algum momento de sua vida atravessaram o
universo policial.2 H mais de 10 anos o trabalho do Rimini se relaciona investigao de
prticas documentrias.
Entretanto, encenaes como essa so rarssimas nos palcos brasileiros.
Por isso, antes de qualquer discusso relacionada a Teatro Documentrio, torna-se necessrio conceituar que tipos de prticas recebem
essa qualificao.3
Se os discursos artsticos, em alguma instncia, se valem de documentos como fontes
primrias no seu processo de elaborao, nem
todos eles tm a intencionalidade, tanto em seus
Termo cunhado por John Grierson na Inglatera dos anos 30 para designar um tipo de representao
cinematogrfica que faz uso de testemunhos da realidade, como documentos e depoimentos, em sua
elaborao discursiva.
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Logo, o dado no-ficcional s ser percebido como tal quando a platia, previamente ou
durante a prpria encenao, signific-lo desse
modo. No basta o ato de documentar se o espectador, protagonista da experincia artstica,
no percebe o que frui como documentrio.
Um espectador que, informado, chega
para assistir a uma encenao documentria recebe a obra de maneira totalmente diferente
daquela que faria frente a uma obra de fico.
Mesmo com a pretenso ilusionista do realismo
e do naturalismo, aps assistirmos a uma encenao nesses moldes, sabemos que estamos
diante de algo ficcional. Ainda que completamente envolvidos e identificados6 com o que
presenciamos, nossa relao diferente na fruio de um discurso no-ficcional.
Se ouvirmos a narrao de uma tortura
por parte de um ator, sabendo que o texto um
produto ficcional, por exemplo, teremos uma
relao com o que assistimos totalmente diversa daquela que experimentamos quando nos
informado que o texto trabalhado pelo ator foi
transcrito de depoimentos de ex-presos polticos torturados no perodo militar. Sem qualquer
juzo de valor sobre o impacto de cada cena, a
obra que faz uso de um documento chega aos
espectadores com um dado a mais: as palavras
proferidas pelo ator, independentemente da
Sobre o efeito de identificao no teatro interessante a perspectiva de Denis Gunoun que afirma ser,
depois do advento do cinema, muito difcil consegui-lo.
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Por conseqncia, ao pensar documentrio nessa perspectiva o entendimento do papel de espectador no acontecimento artstico se
distancia do de receptor contemplativo e passa
a ser o de co-autor, que dialoga e atribui significado ao que assiste. Considera-se, pois, a atividade dos espectadores, como algo ativo, um
criar-ativo.
preciso, em um museu, por exemplo,
que o visitante esteja disponvel para se colocar em dilogo com a obra (e o artista), debruando-se diante da pintura ou da escultu-
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O prprio discurso da cincia entendido como imparcial. Uma pesquisa cientifica sempre motivada
por interesses e se refere a um entendimento do sujeito histrico sobre o fato estudado.
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ao mesmo tempo, status de realidade no-fico, atenuando a fora dos acontecimentos histricos sobre as pessoas.
Ficamos com a provocao e tambm
com ela reafirmamos a importncia contempornea da no dissociao entre o fazer e o fruir
teatro, num movimento que entende o espectador como parceiro indispensvel para que se
efetive o acontecimento teatral, seja ele sob a
gide da fico ou da no-fico.
Referncias bibliogrficas
AUMONT, Jacques (org.). A esttica do filme. Campinas, Papirus, 1995.
_______. A Imagem. Campinas, Papirus, 2002.
BARBERO, Jess M. Comunicacin Massiva: discurso y poder. Quito, poca, 1978.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 2007.
DESGRANGES, Flvio. A Pedagogia do Espectador. So Paulo, Hucitec, 2003.
_______. Pedagogia do Teatro: provocao e dialogismo. So Paulo, Hucitec, 2006.
GUNOUN, Denis. O Teatro Necessrio? So Paulo, Editora Perspectiva, 2004.
MEC. Parmetros Currculares Nacionais de Geografia e Histria, 1996.
RAMOS, Ferno P. Mas afinal o que mesmo documentrio? So Paulo, Editora Senac, 2007.
ROSENFELD, Anatol. Prismas do Teatro. So Paulo, Editora Perspectiva, 1993.
RESUMO: O artigo pretende refletir sobre a posio de espectador em uma proposta de nofico no teatro, em especfico de Teatro Documentrio. Apontam-se as peculiaridades da proposta
esttica que recebe a qualificao de documentria, sobretudo em termos de sua recepo, inserindo-a num momento histrico no qual a espetacularizao da realidade nos impele a esperarmos que
tudo tenha um tratamento ficcional, associando, ao mesmo tempo, as produes em no-fico a
retratos imparciais dessa realidade.
PALAVRAS-CHAVE: teatro documentrio, pedagogia do teatro, recepo teatral, documentrio.
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