Mediação e (M) Educação - Discursos e Práticas PDF

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Mediao e(m) educao: discursos e prticas

Mediation and/in education: speeches and practices

Ana Maria Costa e Silva

(a)

(a) Universidade do Minho Instituto de Educao, Braga Portugal, [email protected] A autora


doutorada em Cincias da Educao, professora e investigadora na Universidade do Minho. Os seus
trabalhos de docncia e pesquisa centram-se no campo dos Estudos Curriculares, com especial nfase nos
saberes socioprofissionais e construo de identidades e no mbito da mediao socioeducativa, sendo
coordenadora do Mestrado em Mediao Educacional e Superviso na Formao da Universidade do Minho
e Investigadora Responsvel de um projecto de investigao na rea da mediao socioeducativa.

RESUMO
Este texto centrar-se- numa reflexo em torno da apropriao e mobilizao lingustica
e praxeolgica da palavra mediao, nomeadamente em contextos educativos. Apesar
das prticas mais formais ou formalizadas de mediao serem ainda recentes entre ns
tm cerca de duas dcadas elas tm-se evidenciado em contextos diversos dos mais
especificamente escolares ou educativas em sentido mais abrangente, ainda que, como
temos salientado, qualquer prtica de mediao uma prtica fundamentalmente
educativa e social. A mediao uma actividade educativa, pois o objectivo essencial
proporcionar uma sequncia de aprendizagem alternativa (nomeadamente entre pessoas
em conflito, explcito ou implcito) superando o estrito comportamento reactivo ou
impulsivo, contribuindo para que os participantes no processo de mediao adoptem
uma postura reflexiva. tambm uma actividade social, pois promove a
compreensividade entre os diferentes participantes no processo de mediao, defende a
pluralidade, as diferentes verses sobre a realidade e fomenta a livre tomada de
decises e compromissos, contribuindo para a participao democrtica e para a coeso
social. Nesta interveno intentaremos discernir sobre esta diversidade conceptual e
praxeolgica associada mediao, as suas potencialidades e condicionamentos e,
sobretudo, reflectir sobre os desafios educacionais e opes curriculares na escola que a
mobilizao de dispositivos de mediao nos contextos escolares/educacionais colocam,
no deixando de, nesta reflexo, (r)elevar o papel dos actores participantes neste
processo de educao para a autonomi(a)zao, cidadania e responsabilidade criativa e
construtora de relaes e interaces potenciadores de desenvolvimento pessoal e
social.
Palavras-Chave: Mediao, Educao, Mediadores, Programas Curriculares Integrados

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Mediao e(m) educao: discursos e prticas

ABSTRACT
This text will focus on a reflection on the appropriation and mobilization praxeological
language and the word mediation, particularly in educational contexts. Despite the more
formal practices or formalized mediation are still fresh among us - have about two
decades - they have been shown in various contexts of school, or more specifically
educational in the widest sense, although, as we have pointed out, any practice
Mediation is essentially an educational and social practice. Mediation is an educational
activity, because the primary purpose is to provide a sequence of alternative learning
(particularly between people in conflict, express or implied), overcoming the strict
reactive or impulsive behavior, contributing to the participants in the mediation process
to adopt a reflexive posture. It is also a social activity, because it promotes
comprehensiveness among the participants in the mediation process, supports the
plurality, the different versions of reality and encourages the free decision-making and
appointments, contributing to democratic participation and social cohesion. In this text,
we attempted to discern on this conceptual diversity and praxeological associated with
mediation, its potential and constraints, and above all reflect on the challenges in the
educational and curricular options school that the mobilization of mediation devices in
school contexts / educational place, not leaving, this reflection (r) increasing the role of
actors participating in this process of education for empowerment, citizenship and
responsibility and creative builder relationships and potential interactions of social and
personal development.
Key-Words: Mediation, Education, Mediators, Integrated Curricular Programs

Introduo
O ttulo deste artigo tem como inteno situar-nos no mago da relao da

mediao com a educao, sem deixar de discernir sobre os discursos e as prticas.

Apesar da abrangncia do campo e da diversidade de perspectivas sobre ambos os

domnios e, consequentemente, das suas relaes, o que exigiria uma discusso muito
mais ampla do que a que iremos aqui salientar, pensamos poder identificar alguns dos

desafios que se colocam aos contextos educativos actuais, nomeadamente aos contextos

escolares, assim como algumas potencialidades da mediao, enquanto aco mltipla e

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formadora, nesses mesmos contextos. Neste sentido, apresentaremos uma proposta de


um programa de mediao integrado no currculo do ensino bsico.

Reflexes em torno da apropriao lingustica da palavra mediao


frequente encontrarmos associado ao conceito de mediao representaes e

prticas diferenciadas. Algumas, abrem o conceito e alargam-no a prticas informais,

coincidentes com ideologias polticas, religiosas ou com o voluntariado social. Outras,


remetem para intervenes muito especficas e definidas dentro de limites muito

estritos no mbito da resoluo alternativa de conflitos, dispondo de referenciais


tericos mais instrumentais e tecnicistas.

A mediao encontra-se, ora associada a um paradigma (GREMMO, 2007),

ora a uma metodologia, ora a uma aco mltipla (que supe atitude e actividade

instituda) (TRIBY, 2007), a uma funo ou, simplesmente, a um instrumento. , por

isso, reconhecida como um conceito nmada, que assume actualmente um expressivo


sucesso (PRAIRAT, 2007).

Podemos admitir que esta abrangncia de representaes e de prticas pode ter

na origem duas ordens de razes: por um lado, a trajectria histrica da mediao, por
outro lado, as demandas de uma sociedade que, num curto perodo de tempo, tem vindo
a sofrer alteraes profundas na sua organizao, nas suas condies e nos seus valores.

Tomando como referncia a trajectria histrica da mediao, Bonaf-Schmitt

(2009) identifica quatro momentos importantes e distintos.

Um primeiro momento, que situa no incio dos anos setenta, e em que a mediao

aparece associada a uma justia informal, alternativa para os que tinham menos

recursos econmicos, que surge com maior evidncia nos Estados Unidos, mas tambm
em Frana.

Um segundo momento, situa-se em meados da dcada de oitenta, com a

autonomizao relativa da mediao e o seu alargamento a distintos contextos, como


os bairros, a famlia e a mediao penal. A mediao assume um consenso como forma
no jurisdicional de resoluo de litgios, mas ainda concebida como uma prtica
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muito prxima da conciliao e da arbitragem, pelo que s posteriormente se vai


autonomizar relativamente a estas duas prticas.

Em meados dos anos noventa mais evidente a autonomizao da mediao

relativamente a outras prticas alternativas de resoluo de conflitos, assim como a sua

institucionalizao com visibilidade na criao de diversas Associaes de Mediadores em

diferentes pases. Em Portugal, a dcada de noventa claramente a que marca a


apropriao progressiva da mediao em documentos legais e normativos vrios, com
continuidade e ampliao na dcada actual1.

Actualmente, e desde finais da dcada de noventa, segundo Bonaf-Schmitt

(2009), a mediao estar numa quarta fase, a da hegemonia paradoxal, que no a


reduz a mera prtica alternativa de resoluo de conflitos, mas coloca-a no palco da
regulao social. Conforme j referimos noutro momento, a mediao, nomeadamente

a mediao socioeducativa, assumida cada vez mais como um slogan mobilizador, um


remdio e um referente das polticas sociais, dando conta da sua importncia, ao ser
reconhecida como uma actividade para assegurar a gesto das diferenas e dos
diferendos e a coeso social (SILVA & MOREIRA, 2009, p. 7).

Tendo em considerao a trajectria histrica da mediao, mas tambm as

caractersticas da sociedade actual, poderemos talvez mais facilmente compreender as


Referimos aqui alguns desses documentos normativos que permitiram o enquadramento da figura do
mediador e da mediao socioeducativa enquanto prtica formal regulamentada. O primeiro documento
em Portugal com referncia figura do mediador o Despacho n 147/96 de 8 de Julho, Despacho que
define os Territrios Educativos de Interveno Prioritria e que prev no mbito do desenvolvimento dos
respectivos projectos o recurso a animadores/mediadores. No mesmo ano, o Despacho Conjunto n 132/96
de 27 de Julho aprova o programa de tempos livres para jovens e crianas do ensino bsico e secundrio e
da educao pr-escolar, prevendo que estas actividades sejam desenvolvidas por mediadores
desempregados inscritos nos Centros de Emprego. Em 1998 publicado um diploma que reconhece a
figura do mediador e o desempenho das funes de mediador cultural para a educao: o Despacho
Conjunto n 304/98, de 24 de Abril. Em 1999 o Despacho Conjunto n 942/99, de 3 de Novembro vem
regular a situao dos mediadores e animadores culturais. Finalmente, em 2000, o Despacho Conjunto n
1165/2000 da Presidncia da Repblica do Conselho de Ministros, do Ministrio do Trabalho e da
Solidariedade Social e do Ministrio da Educao cria um grupo de trabalho para avaliar o papel dos
mediadores nas escolas e proceder ao levantamento de necessidades de mediadores nas mesmas. A Lei n
105/2001 define o estatuto legal do mediador sociocultural. Em 2007, a Portaria n. 817/2007 de 27 de
Julho regulamenta as funes do mediador pessoal e social, no mbito dos Cursos de Educao e Formao
de Jovens e Adultos.
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prticas to diversas que podem encontrar-se sob a denominao de mediao, diluindoa em actividades que j no relevam da competncia da gesto de conflitos, mas sim

da comunicao, da educao, da segurana, o que aumenta a confuso conceptual


(BONAF-SCHMITT, 2009, p. 19). Ou seja, se por um lado a mediao fez um percurso de

consolidao e institucionalizao progressivo, assiste-se actualmente a uma certa


mudana de trajectria que, a par da proliferao de campos, a desviam do seu ethos

inicial, de tcnica especfica na resoluo de conflitos, predominantemente racional,


para um novo modo de regulao social, onde predomina a lgica comunicacional.

neste contexto que poderemos melhor enquadrar e compreender as diversas

perspectivas e modelos de mediao que abrem o conceito para alm de uma tcnica
especfica no quadro de resoluo alternativa de conflitos, conferindo-lhe, tambm,

visibilidade enquanto processo cooperativo e mesmo preventivo no domnio da cultura


de cidadania e educao para a paz.

A mediao abrange, assim, contextos mais amplos dos que a reduz(iam)em a uma

dimenso preponderantemente tcnica e instrumental de mobilizao de estratgias


especficas, com expresso no modelo de soluo de problemas (Burgess & Burgess,

1997), caracterizado pela procura de snteses reconciliadoras centradas no contrato e na

interveno a curto prazo, com etapas sequenciais bem definidas: identificao do

problema, sua histria e suas causas, estabelecimento de objectivos alternativos


tangveis e sua concretizao e avaliao dos resultados (CAETANO, 2005).

Podemos percepcionar outras prticas de mediao, que se inserem no que

Tricoire (2002) denomina de mediao de segunda ordem, ou seja, sustentadas em


modelos construtivistas, cujos objectivos vo para alm da dimenso curativa ou

reparadora, centrada na resoluo dos problemas, para perspectivas preventivas,


renovadoras e mesmo criativas (GUILLAUME-HOFNUNG, 2005), com objectivos de
transformao dos indivduos e das situaes. A mediao tende a ser um fim em si

mesma e no apenas um meio, uma cultura de mudana social (TORREMORELL, 2008),


suportada por um esprito mediativo que supe a incorporao de categorias de

pensamento complexo para entender o que tendemos a simplificar e que procura o


aproveitamento dos microespaos que a instituio deixa livres para introduzir prticas

concretas de participao e de trabalho mediativo, independentemente da emergncia


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do conflito (ZABATEL, 1999, p. 148). neste sentido, que tambm Bonaf-Schmitt


(2009, p. 24) se refere mediao como uma nova forma de aco, que anuncia novas
formas de coordenao das relaes dos actores entre si [] numa lgica comunicacional

na medida em que o papel do mediador consiste em mobilizar todas as formas


processuais para favorecer a comunicao entre as partes, a sua intercompreenso.

Pensamos que este o grande desafio da sociedade actual face mediao, na

medida em que os contextos sociais e organizacionais, pelo modo societrio de

organizao que os caracteriza, revelam dificuldades na comunicao e dfices de


intercompreenso entre os sujeitos que colaboram para a emergncia de conflitos e, se

no forem trabalhados e apropriados, tendem a desenvolver-se colocando em risco a


convivncia saudvel e o desejvel desenvolvimento pessoal e social.

No podemos, contudo, sem querermos adoptar uma posio purista ou radical

face ao que , ou pode ser a mediao, deixar de registar que se pode correr o risco de

uma hegemonia sem limites ao querer incluir todas as prticas comunicacionais no

mundo da mediao, considerando que por isso se encontram salvaguardadas e


reconhecidas socialmente. Pensamos que esta tendncia perigosa, do mesmo modo
que qualquer tendncia hegemnica que tenda para a descaracterizao do que , pode
ou deve ser a mediao, pese embora a possamos reconhecer em diferentes prticas e
sob a assuno de distintos modelos (SILVA & MACHADO, 2009).

Dispositivos de mediao e currculo em contextos educativos

A partir do enquadramento conceptual e praxeolgico e da trajectria

histrica da mediao, a que sucintamente nos acabmos de referir, podemos melhor

compreender o sentido que a mediao, enquanto aco mltipla (Triby, 2007), poder
realizar nos contextos educativos e, especificamente, nos contextos escolares.

Retomando as diferentes perspectivas tericas e prticas, podemos

reconhecer que a mediao nos contextos escolares pode concretizar essa aco
mltipla numa perspectiva preventiva, mesmo criativa, de promoo do sucesso escolar

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prevenindo o insucesso e o abandono escolar na promoo de interaces inexistentes


ou fragilizadas entre os actores e os micro-espaos da comunidade educativa. Podemos

tambm reconhecer-lhe um papel preventivo/formador e/ou resolutivo na abordagem


de situaes de conflito e indisciplina.

Ao longo das duas ltimas dcadas pode constatar-se uma ateno crescente aos

fenmenos conflituais, presentes nos mais diversos contextos, mormente nos contextos

educativos escolares. Esta ateno, tem na sua origem, fenmenos de diversa natureza e
expresso, com frequncia dando visibilidade s consequncias evidenciadas em
comportamentos de indisciplina, agresso ou violncia que atingem os ambientes
socioeducativos nos contextos escolares.

Esta realidade, que em Portugal se comeou a reflectir mais acentuadamente na

ltima dcada, comeou a atrair especial ateno em diferentes pases, nomeadamente

em Espanha e em Frana, na dcada de 90 do sculo anterior, altura em que estes


fenmenos se revelam com incidncia crescente.

Apesar de, com frequncia, existir uma relao negativa com o(s) conflito(s),

tanto a nvel individual como no interior dos grupos e mesmo das organizaes, facto
que decorre em grande medida de caractersticas culturais, muitas vezes acentuadas
com a educao ao procurar ocultar a existncia do conflito, reprimi-lo, ou mesmo,

sancion-lo , no podemos existir sem conflitos porque eles fazem parte da natureza
humana e social.

As diferenas de opinies, interesses, necessidades, objectivos que nos

caracterizam e a natureza das interaces sociais tornam inevitvel a emergncia de

perspectivas distintas, desacordos, incompatibilidades e conflitos que podem converterse em comportamentos desajustados socialmente e em experincias desestruturantes a
nvel pessoal.

Contudo, tambm verdade, e cada vez mais reconhecido por diversos autores,

que o conflito desempenha um papel relevante, constituindo um elemento das situaes


de crise, de rotura, de desequilbrio, que so inerentes ao desenvolvimento dos
indivduos, dos grupos e das instituies (CARITA, 2005). neste contexto que vrios
especialistas defendem a interveno educativa no campo da gesto e transformao
dos conflitos reconhecendo o seu potencial positivo nas relaes interpessoais, intra e

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intergrupais e intra e interinstitucionais (ibidem, pp. 92-93), tomando como caminho a

seguir no a negao do conflito, mas a sua transformao, conduzindo-o de um modo


produtivo (ibidem).

Os contextos educativos so contextos de excelncia para os abordar e trabalhar,

numa perspectiva integradora, de desenvolvimento pessoal e social e, nesse sentido,

com um forte pendor educacional e formador. Neste mbito, consideramos que os


programas de mediao em contexto escolar so uma opo j adoptada em diferentes

pases (JOHNSON & JOHNSON, 1994; BONAF-SHMITT, 2004; TORREGO, 2000; JARES,

2002; AMADO & FREIRE, 2002; CARITA, 2005) e que em Portugal vem tendo uma
implementao ainda muito reduzida, mas progressiva.

Quando nos referimos a programas de mediao em contextos educativos,

estamos a pensar na mediao enquanto estratgia formadora e preventiva e no apenas


como mera estratgia de gesto e resoluo de conflitos nos contextos escolares. Apesar

de ser uma estratgia que se tem revelado importante na gesto e resoluo alternativa
de conflitos, podemos encontrar na mediao potencialidades de interveno mais

amplas, integradoras e complementares2 que vrias experincias tm reconhecido como


fundamentais no domnio da educao para a responsabilidade, para a cidadania e para
a paz.

Neste sentido, conforme temos vindo a defender (SILVA, 2010), identificamos trs

condies importantes que devem ser consideradas na concepo e implementao


destes programas: i) uma perspectiva abrangente e integrada de preveno: preveno

primria, preveno secundria e preveno terciria; ii) uma perspectiva participada


na qual seja contemplado o envolvimento mais alargado possvel dos diferentes actores
dos contextos educativos: rgos de gesto, alunos, professores, outros profissionais dos

contextos educativos, funcionrios, encarregados de educao; iii) uma perspectiva


Devemos salientar, a este propsito, que so vrios autores a sustentarem o mbito da mediao em
nveis mais abrangentes de interveno, entre eles Six e Guillaume-Hofnung, quando se referem aos
diferentes domnios da mediao. Six (2003) fala de mediao criativa, renovadora, preventiva e curativa.
Guillaume-Hofnung (2005), refere-se mediao das diferenas e mediao dos diferendos, salientando
que a mediao no se restringe ao estrito nvel curativo ou de resoluo de conflitos.
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temporal alargada mdio, longo prazo e no apenas centrada no curto prazo, ou na


resoluo dos problemas e conflitos no imediato.
a

Ao defendermos estas condies como importantes, temos como pressupostos que

mediao

se

constitui

como

uma

aco

mltipla,

com

potencialidades

(trans)formadoras, cujo objectivo formar para a responsabilidade e cooperao, a

partir da elevao da auto-estima e da autonomia. Esta formao no se pode reduzir a


uma estrita interveno curativa, de reposio da ordem ou restabelecimento da
comunicao, mas deve assentar na finalidade de uma educao para os valores ou,

como define Charney (1993), num currculo para a literacia tica atravs do qual se
ensine e se aprenda a dar e a receber ateno e a cuidar e cooperar com os outros. A

escola, na sua funo educativa, deve assumir para alm da transmisso cultural do
conhecimento, o desenvolvimento de capacidades e competncias essenciais para a
participao responsvel dos novos cidados.

Esta condio assume a relevncia da interveno educativa na formao para os

valores e para as atitudes, com nfase na aprendizagem cooperativa, em que se valoriza

o aprender a ser e a viver em comum de forma responsvel, um dos pilares da educao


do sculo XXI que o Relatrio para a Unesco sublinha. Assume, igualmente, uma

perspectiva integrada de preveno em trs frentes: preveno primria; preveno


secundria;

preveno

terciria

(AMADO

&

FREIRE,

2002,

p.

5),

as

quais

simultaneamente concorrem para a promoo do desenvolvimento pessoal e social dos

alunos e da qualidade de vida e do bem-estar social das escolas em geral. Neste


sentido, o programa de mediao deve constituir-se como parte integrante dos Projectos
Educativo e Curricular da Escola.

A nvel da preveno primria, identificamos trs mbitos importantes a

considerar: i) o dos contedos curriculares, que devero integrar a formao em valores


numa perspectiva abrangente e crtica, clarificadora para decises mais fundamentadas

e autnomas; ii) o das estratgias de aprendizagem, com nfase na perspectiva


educativa centrada no desenvolvimento de competncias de comunicao e interaco,

como saber ouvir o outro, saber cooperar com o outro, saber aceitar as opinies
diferentes da sua, e nas oportunidades de participao tanto na sala de aula, como na

vida escolar em geral; iii) o da participao colectiva e cooperante na vida da escola,


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dos diferentes agentes educativos, com nfase para o envolvimento dos encarregados de
educao e dos professores, de modo a serem tambm eles referncias de cooperao e

participao efectiva para os seus educandos. Neste mbito, sublinhamos a importncia


da participao activa na elaborao dos regulamentos, nas assembleias de turma e de
escola e nas associaes de pais.

A nvel da preveno secundria, propomos programas de formao especficos e

mais centrados na aprendizagem de competncias de mediao, dirigidos a diferentes

pblicos que voluntariamente o queiram frequentar, integrado em actividades

curriculares e/ou extracurriculares e que podem ser dirigidos a alunos, professores,


auxiliares da aco educativa, encarregados de educao e outros profissionais. Trata-se

de uma formao que visa a aprendizagem de competncias especficas, como: saber


reconhecer a existncia de conflito; a escuta activa; a imparcialidade; a identificao e
distino de interesses e necessidades; a empatia; saber acolher as emoes e os

sentimentos dos outros; explorar interesses pessoais e dos outros; aprender a lidar com
os

conflitos

difceis

(DEUTSCH,

1990;

CARITA,

2005).

Esta

formao visa

desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e comportamentos adequados a uma

postura cooperativa que, para alm da aprendizagem adquirida pelos prprios, visa
favorecer e potenciar a interveno destes como mediadores informais no contexto
escolar.

A interveno terciria contempla a interveno especfica em casos persistentes

(AMADO & FREIRE, 2002). Ainda que os dois nveis anteriores de preveno visem

antecipar estratgias que evitem o aparecimento destas situaes, elas acabam por

emergir como consequncia de factores diversos, internos e externos escola,


perturbando o clima social da escola e a aprendizagem dos alunos.

Face a situaes de indisciplina persistente tem sido dominante nas escolas a

utilizao de estratgias disciplinadoras e punitivas, assentes numa relao competitiva


de ganhar-perder. Sabemos, tambm, que os resultados desta estratgia so muito

frequentemente temporrios e, por vezes, so fortes atractores para o absentismo e


abandono escolar.

A mediao de conflitos em contexto escolar, enquanto estratgia de gesto e

resoluo de conflitos, precisamente uma estratgia alternativa, assente numa


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metodologia que incide na relao cooperativa e em que se privilegiam a construo de

solues conjuntas, mutuamente satisfatrias para as partes em conflito, procurando


que ambas saiam vencedoras. Por outro lado, tem como objectivo abordar o conflito
numa perspectiva positiva e formadora fomentando a auto-estima, o empowerment e a
responsabilidade social, favorecendo o que Brendtro & Long (1995) denominam dos

quatro As, ou seja, Attachement, desenvolvimento de relaes sociais positivas;


Achivement, criar expectativas positivas; Authonomy, exigncia de responsabilidade;
Altruism, potenciar a interajuda e autoconfiana.

Esta interveno, habitualmente integrada no gabinete de mediao criado em

algumas escolas, deve contar com a presena de um mediador com formao especfica
e especializada em mediao.

Como referimos anteriormente, sendo uma estratgia fundamental no mbito dos

programas de mediao em contextos educativos, pensamos no dever ser exclusiva,


pelo que deve ser considerada em articulao com os diferentes nveis de preveno,
numa perspectiva integrada e abrangente.

Quadro 1 Programa de Mediao Integrado no Ensino Bsico

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Mediao e(m) educao: discursos e prticas

Nveis de
Interveno

Preveno Primria

Preveno
Secundria

Preveno Terciria

Ciclos de
escolaridade

1 Ciclo

2 Ciclo

3 Ciclo

- reas Curriculares
Disciplinares:
Metodologias e
Contedos
- reas Curriculares
no Disciplinares:
Contedos e
Metodologias
- Componentes do
Currculo:
Metodologias e
Contedos
- reas Curriculares
no Disciplinares:
Contedos e
Metodologias
- Componentes do
Currculo:
Metodologias e
Contedos
- reas Curriculares
no
Disciplinares:
Contedos
e
Metodologias

- Formao especfica
voluntria de
Professores, Auxiliares
da Aco Educativa,
Encarregados de
Educao
- Formao extracurricular voluntria
para alunos
- Formao especfica
voluntria de
Professores, Auxiliares
da Aco Educativa,
Encarregados de
Educao

Gabinete de
Mediao
(Agrupamento)

- Formao extracurricular voluntria


para alunos
- Formao especfica
voluntria de
Professores, Auxiliares
da Aco Educativa,
Encarregados de
Educao

Sistematizamos no quadro anterior, como poder ser integrado um programa de


mediao abrangente nos projectos Educativos e Curriculares do Ensino Bsico, tendo
em considerao os diferentes ciclos de formao e os diferentes nveis de
preveno/interveno no mbito da mediao.
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Mediao e(m) educao: discursos e prticas

Desafios educacionais e opes curriculares na escola: o papel dos actores


Este programa deve contar com a adeso dos vrios actores do contexto escolar e
integrar uma participao alargada, como alis decorre da condio apresentada
anteriormente. praticamente intil pensar em levar a cabo um programa de mediao
de forma mais ou menos isolada, sem a adeso dos rgos de gesto da escola, ou
apenas centrada nos professores, ou nos alunos.
A mediao no apenas um instrumento, uma actividade ou uma estratgia,
uma cultura que deve ser construda (Torremorell, 2008), o que s possvel com uma
ampla participao. No devemos, adoptar uma perspectiva ilusria, pensando que
desde o incio se conseguir a participao de todos, ou mesmo da maioria. Ficar a
aguardar essa maioria considerar uma justificao para adiar a interveno. No
entanto, essencial a integrao de participantes pertencentes aos diferentes grupos da
comunidade educativa, nomeadamente dos professores, dos alunos, dos auxiliares da
aco educativa, dos encarregados de educao, sendo que imprescindvel a adeso
dos rgos de gesto da escola.
Em Portugal, os mediadores socioeducativos tm sido chamados a intervir
especialmente nos contextos escolares dos diferentes nveis de ensino, que agora se
estende para a Educao e Formao de Adultos, atravs da figura do mediador pessoal
e social onde so considerados actores importantes na preveno do insucesso e do
abandono escolar e na (re)concilao dos jovens e adultos com a escola e/ou com as
formas escolares de formao-aprendizagem.
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Mediao e(m) educao: discursos e prticas

Os mediadores socioeducativos parecem ser figuras profissionais que, no


esgotando a sua interveno nos espaos escolares neles se constituem como actores
que investem no (re)estabelecimento de laos e de significados, num espao social que
se tem vindo a tornar particularmente sensvel e afectado por situaes sociais
problemticas, que se adensam, tornando-se em misses impossveis (Correia & Matos,
2001) para as figuras que tradicionalmente ocupa(va)m estes espaos, nomeadamente os
professores.
Se, por um lado, verdade que o espao escolar se tem vindo a fragilizar e, como
reconhecem Correia e Matos (2001), a favorecer a instabilizao das figuras que o
habitam, nomeadamente os alunos, os pais, os professores e mesmo a noo de currculo
escolar, por outro lado, os mesmos autores salientam a (in)disciplina como um problema
importante que no pode deixar de ser pensado e (re)situado numa dimenso distinta da
estritamente psicolgica ou moral. tambm neste domnio que os mediadores podero
revelar-se actores mobilizadores de intervenes que catapultem a (re)descoberta de
uma cultura da responsabilidade e cidadania em lugar da cultura disciplinadora e
sancionatria que, com frequncia, apenas desloca e adia a resoluo dos problemas de
comunicao e responsabilidade onde a indisciplina tem muitas vezes a sua origem.
neste contexto, que os mediadores socioeducativos denunciam o recurso a
diferentes tipos de interveno que favoream a edificao de espaos sociopedaggicos
onde a comunicao, a interaco e a intercompreenso entre os actores sejam
potenciadores da sua socializao e desenvolvimento.
Como se pode compreender, e esta uma das principais caractersticas da
mediao, o mediador um agente importante no processo de mediao para a
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identificao dos elementos centrais deste processo os protagonistas, a situao e a


comunicao mas to s o agente mobilizador da comunicao sendo atravs dela
que potencia a interaco e intercompreenso dos protagonistas com as situaes.
portanto, um agente que s adquire sentido com/entre os outros agentes/protagonistas
centrais do processo. A figura do mediador jamais assegura, por si s, a actividade de
mediao, ou aco mediativa, pois esta s se efectiva com a participao activa e
voluntria dos diversos protagonistas intervenientes na(s) situao(es).

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