Taine PDF
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APRESENTAO
Gostaramos de falar de como a Histria pode ser mobilizada politicamente com
o intuito de construir um projeto de Estado que unifique a nao. Este no um tema
novo, todavia acreditamos que ainda tem seu encanto.
A ideia seria resgatar um ambiente ou um vocabulrio poltico (Pocock) em que
o tema das divises polticas (ou lutas de classes) passou a dominar o debate poltico
francs, chegando a um limite perigoso com a Guerra franco-prussiana de 1870. A
guerra com os prussianos foi utilizada como um ndice da fraqueza da nao francesa2.
Em jogo estava o fim do II Imprio, a possvel restaurao republicana ou um retorno
dinstico Orlans (derrubados em 1848). Houve mais: o debate vivo entre o esprito
religioso (defensor do Antigo Regime) e o esprito filosfico e cientfico (ligado
Revoluo Francesa, em seus desdobramentos, tais como os direitos do Homem, a
igualdade, a fraternidade universal e a ideia de nao como uma negao da
desigualdade aristocrtica e do passado histrico francs).
A guerra com a Prssia era para muitos a esperana de realizar a Frana
Prometida, apesar do contedo da esperana variar de acordo com o grupo poltico em
questo. Para uns, a esperana era a repblica de 1793 ou 1848 que colocaria fim s
desigualdades sociais. Para outros, o resultado da guerra poderia acabar com o
1
Professor adjunto do Departamento de Cincias Humanas da Faculdade de Formao de Professores da
UERJ.
2
Os liberais se dividiam entre crer na potncia francesa ou esperar a derrota que derrubaria o imperador
Napoleo III. Os republicanos radicais de Paris (e os socialistas da capital) esperavam uma derrota
francesa que possibilitasse uma repblica nos moldes das Revolues de 1848. Por fim os
conservadores temiam os excessos de Paris, chegando mesmo a desejar que em caso de derrota, o que
ocorreu, o exrcito prussiano invadisse a capital e pusesse fim ao tumulto radical no pas. Vide a
bibliografia para maiores referncias.
3
Hippolyte Adolphe Taine (1828-1893), intelectual e historiador francs.
4
Ver de Hippolyte Taine: Noveaux Essais de Critique et d`Histoire.Paris, Hachette, 1866. Usamos a
verso eletrnica disponvel no site da Bibliothque Nationale de France: gallica.bnf.fr
5
Ideia semelhante em Ernest Renan, o historiador como capaz de apresentar os diferentes tipos de vida do
passado. Ver a obra citada de Franois Hartog (p. 109).
6
Usamos a expresso em sentido semelhante ao de Srgio Buarque de Holanda em: O atual e o inatual
de Leopold Von Ranke in: Ranke. So Paulo, tica, 1979, p. 8. Coleo Grandes Cientistas Sociais.
7
Ideia aparece em Hartog referida a Fustel de Coulanges. Ver a obra citada.
TESES
a) As divises polticas.
Este um ponto muito importante nas cartas do perodo que antecede e atravessa
a Comuna de Paris. Referncias aos radicais de Paris, aos vermelhos e aos socialistas
so comuns e insistem em um quadro poltico marcado pelo antagonismo entre a
postura destes grupos e a reao que esta provoca: a possvel converso dos moderados
a uma ditadura que mantenha a ordem, como a de Napoleo III. O mais importante
que esta ditadura no um signo de potncia, e sim de fraqueza. Ela o retrato de um
pas fraco, silencioso e inerte. Uma Frana facilmente massacrada por uma Prssia
organizada, disciplinada e eficiente (Taine, 1905).
Em carta Madame Taine de 17 de maro, comenta sua leitura de quatro textos
polticos no publicados de Ernest Renan sobre a situao poltica francesa. Nestes,
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Hartog cita um texto em que Fustel tambm trata do sufrgio em duas etapas. Taine teria se resignado a
este, depois de ter sido contra (como um monarquista). No tivemos acesso s fontes que permitiram a
Hartog descrever esta passagem {Hartog, 2003, p. 65}.
9
A distino de Victor Hugo, presente em Mmoires d`un crime, sobre o golpe de Luis Napoleo, remete
ao tema de uma repblica preocupada unicamente com satisfaes pessoais, ambies, cargos e
salrios. Um tema que reencontraremos com Taine mais adiante.
10
Benjamin Constant dizia durante o Diretrio que a Assembleia Nacional francesa criou constituies
que tratam dos direitos dos franceses e no de seus deveres, enfraquecendo a nao. Ver: Fragments
d`um ouvrage abandone sur la possibilit d`une constitution rpublicaine dans un grand pays. Paris,
Aubier, 1991.
11
Vide as notas sobre as vantagens de um Estado limitado de Taine em: Extraits des notes prparatoires
pour les Origines de la france Contemporaine {Taine, 1905, p. 354}.
12
Hartog fala em uma mobilizao de Taine e Renan em 1871: a Frana precisa da verdade {Hartog,
2003, p. 56}.
13
Argumento semelhante pode ser encontrado em Considrations sur la France de Joseph de Maistre.
14
Ver, especialmente, o segundo volume da Dmocratie en Amrique, publicado em 1840.
PROJETOS
a) A Histria
Vimos acima que a histria deveria constar da educao poltica do povo, por
intermdio da ao dos intelectuais desde que estes no cassem em especulaes
metafsicas.
Ainda em 1866, Taine, refere-se a Jefferson, revolucionrio e estadista dos
Estados Unidos. Este dizia que os franceses caram pelo caminho por no querer
aprender a marchar. Aprende-se a marchar atravs das lies da histria e pelo manejo
dos negcios {Taine, 1966, p. 178}15. Chamamos a ateno para a nfase neoromana na
necessria aprendizagem da coisa pblica, especialmente em sociedades democrticas.
O projeto histrico da gerao de 1870 seria a defesa de uma escrita em nome do
futuro, uma forma dominante que era a histria nacional (Hartog, 2003). Os novos
mtodos da histria deveriam ser mobilizados para a construo de um pas que no se
dividisse em monarquistas e republicanos, religiosos e filosficos (Idem, ibidem).
No caso de Taine, a proposta de sua histria da Revoluo Francesa
demonstrar as origens do desenraizamento, pelo abandono das tradies francesas. Cabe
demonstrar como se deu a ciso entre o velho e o novo.
Assim como Fustel de Coulanges, apresentado por Hartog, o objetivo poltico
ensinar aos franceses que sua histria uma: nacional e no divisvel em ideologias e
grupos. A diferena reside que em Fustel, segundo Hartog, o elogio aristocracia desde
a redao de A Cidade Antiga, estava na sua capacidade de conservar o essencial da
tradio, ainda que aparente ceder aos homens {Hartog, 2003, p. 43}. A opo por um
ponto de vista aristocrtico seria a explicao da histria da Frana (Idem, ibidem, p.
68}.
15
Jefferson, tude historique sur la Dmocratie amricaine, par Cornelis de Witt.
b) A Repblica
H uma carta de Taine au directeur du journal Le Temps de fevereiro de 1872.
Esta prope a distribuio gratuita de exemplares do jornal nas provncias (mesmo que
passados alguns dias da publicao). Isto permitiria equilibrar a fora dos jornais
vermelhos, criando um ambiente de discusso que possibilite uma melhor educao
poltica do povo, livrando-o dos irresponsveis. Uma discusso entre as vrias
profisses das cidades, entre as vrias experincias, estimulando mesmo as associaes
voluntrias {Taine, 1905, pp. 180-185}.
Gostaramos de lembrar que mesmo sendo um conservador, Taine no fala na
proibio da circulao dos jornais socialistas (aqueles que propagam ideias abstratas).
Quer, como bom liberal, que se estimule a discusso atravs da imprensa. Todavia,
como um bom republicano, est atento dificuldade de acessos dos pobres a um maior
nmero de opinies e pensa na distribuio gratuita. No apela ao Estado benfeitor, mas
ao diretor do jornal, lembrando-o, talvez, do interesse que este como um bom burgus
tem de que o povo em uma repblica livre no se torne facilmente manipulvel por
determinadas correntes.
Resumindo, apela sociedade para a soluo de um problema que est presente
em seus diagnsticos polticos e em suas vises de historiador. Quer consertar o erro
descrito em suas Origines de la France Contemporaine.
Em seus comentrios sobre o sufrgio universal, podemos ver que as suas
crticas residem na ausncia deste clima de discusso local, de vida municipal. No se
pode acabar com esta modalidade de eleio nas repblicas democrticas, pois um
direito do povo. preciso pensar em educ-la, responsabiliz-la, ensin-la que os
CONCLUSO
Este artigo foi o resultado de um primeiro contato com Hippolyte Taine. Por
coincidncia, ou no, os trechos do autor que tivemos oportunidade de ler nos deixaram
com dvidas em relao s avaliaes de Georges Lefebvre (de Taine como historiador
da Revoluo Francesa) e de Hartog (de Taine como membro da gerao de 1870). Esta
hesitao diz respeito fcil identificao do autor com correntes burguesas contra-
revolucionrias e conservadores. Alguns dos trechos por ns citados so indcios de que
existe algo alm da identificao de Taine com estas posturas. Chamamos, de forma
provisria, este algo de um republicanismo diferente, prximo ao que acreditamos estar
presente tambm em Tocqueville (Oliveira Jr., 2003). Nos trechos que tivemos acesso
h uma grande simpatia terica de Taine pelas formulaes de Tocqueville,
especialmente na segunda Dmocratie (1840) e em L`Ancien Rgime (1856).
Ainda que apenas esboado, este pequeno projeto de educao poltica prtica
do povo, pode ser evocado como uma possibilidade de reformar a democracia e
construir um pas forte, com um povo que participa e discute, como na referncia ao
modelo europeu que Taine contrape ao asitico (passivo e obediente). Acreditamos
que este ponto problematiza o conservadorismo burgus de Taine, ainda que no o
elimine.
Antes de encerrar, gostaramos de esclarecer que a presena de valores ligados
tradio respublicana ou neoromana no significa que o autor considerado seja
republicano (como defensor de uma forma de governo). Tocqueville tinha simpatias
BIBLIOGRAFIA
ANCEAU, ric. La France de 1848 1870: entre ordre et mouvement. Paris, Livre de Poche,
2002.
GOOCH, George P. Histria e Historiadores en el siglo XIX (1913). Mexico, Fondo de Cultura
Econmica, 1977.
HARTOG, Franois. O Sculo XIX e a Histria: o caso Fustel de Coulanges (1998). Rio de
Janeiro, UFRJ, 2003.
TAINE, Hippolyte. Nouveaux Essais de Critique et d`Histoire. Paris, Hachette, 1866. Verso
eletrnica disponvel no site da Bibliothque Nationale de la France: gallica.bnf.fr
WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas Cincias Sociais in: COHN, Gabriel
(org.) Weber. So Paulo, tica, 1997. Coleo Grandes Cientistas Sociais.