Relações de Emprego No Campo - Fleury

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1

MARIA DAS GRAAS PRADO FLEURY

RELAES DE EMPREGO NO CAMPO: AS DIVERSAS


FORMAS DE CONTRATAAO E A REESTRUTURAO
PRODUTIVA

Dissertao apresentada para fim de


obteno do grau de Mestre no Curso de
Mestrado em Direito Agrrio da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de
Gois (UFG), sob orientao da
Professora Doutora Vilma de Ftima
Machado.

Goinia,
dez. 2010
2

Relaes de emprego no campo: as diversas formas de contratao e a


reestruturao produtiva

Dissertao apresentada para fim de


obteno do grau de Mestre no Curso de
Mestrado em Direito Agrrio da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Gois
(UFG), sob orientao da Professora Doutora
Vilma de Ftima Machado.

Dissertao defendida e aprovada em 10 de dezembro de 2010, pela Banca


Examinadora constituda pelos professores:

__________________________________________ Avaliao:_____
Professora Doutora Vilma de Ftima Machado
Universidade Federal de Gois

__________________________________________ Avaliao:_____
Professor Doutor Eriberto Francisco Bevilaqua Marin
Universidade Federal de Gois

_________________________________________ Avaliao:_____
Professor Doutor Jos Cludio Monteiro de Brito Filho
Universidade Federal do Par - UFPA
Universidade da Amaznia - Unama

Avaliao Final:_____
3

Aos meus filhos, Maria Cristina e Arthur,


razo maior da minha vida.
Ao Marco Tlio, namorado, amigo e companheiro.
Aos meus pais, Paulo e Ruby,
pelo exemplo, pela dedicao e pelos
ensinamentos.
s minhas irms, Maria Aparecida e Maria de
Lourdes, minhas melhores amigas.
Seba, minha segunda me.
4

AGRADECIMENTOS

Professora Vilma, por me ter adotado como orientanda; por exigir de mim
mais e mais leitura e estudo; por nunca se mostrar satisfeita com a minha dissertao;
pelos ensinamentos; e, principalmente, pela amizade que nasceu dessa convivncia.

Ao Professor Eriberto, por ter aceitado compor as bancas da qualificao e


da defesa; pelos ensinamentos; pelo incentivo (quase uma ordem), para que eu
participasse da seleo para o Mestrado; pela amizade com que pude contar desde
quando iniciamos nossas carreiras de docentes na UFG.

Ao Professor Jos Cludio, por ter, prontamente, aceitado compor a banca


da defesa, deslocando-se de Belm at Goinia; e pelas observaes, sugestes e
questionamentos, que sero feitos e, certamente, enriquecero esta dissertao.

Aos Professores Cleuler, Nivaldo e Pedro Srgio (em ordem alfabtica) pelos
ensinamentos; pelo estmulo e incentivo para que eu cursasse o mestrado, o que
representa para mim uma demonstrao de confiana a que eu espero corresponder; e
pela amizade nesses anos como colegas docentes desta Casa.

Ao Professor Rabah por ter aceitado participar da banca de qualificao; pelo


zelo e minudncia na leitura da dissertao; e pelas valiosas observaes e sugestes.

Aos colegas do Mestrado em Direito Agrrio, pelo convvio e pela amizade,


especialmente quanto queles, cujas amizades so mais intensas.

Aos professores e servidores da Faculdade de Direito da Universidade


Federal de Gois.

Aos colegas do Ministrio Pblico do Trabalho, pela ajuda e compreenso.


5

Aos amigos e colegas da Superintendncia do Trabalho e Emprego em


Goinia; ao Hlder, Auditor Fiscal do Trabalho do MTE no Distrito Federal; ao Jos
Maria e ao Milton Heinen, da FETAEG; ao Bruno, meu sobrinho e afilhado; Sejana,
minha sobrinha; Domitila; e Lourrayne; pelas diferentes formas de ajuda e
colaborao que todos prestaram, de maneira a possibilitar a concluso desta
dissertao.

Ao Marco Tlio, aos meus filhos, meus pais e minhas irms, pela ajuda e
pacincia nesses dois anos do curso de mestrado.

Faculdade de Direito da UFG, onde tenho a honra de lecionar, onde me


graduei, tornei-me especialista e agora almejo tornar-me mestre.
6

[...] no h ningum entre os mortais que no se alimente do


produto dos campos. Quem os no tem, supre-os pelo trabalho,
de maneira que se pode afirmar, com toda a verdade, que o
trabalho o meio universal de prover s necessidades da vida,
quer ele se exera num terreno prprio, quer em alguma parte
lucrativa cuja remunerao, sai apenas dos produtos mltiplos da
terra, com os quais ela se comuta. [...] A terra, sem dvida,
fornece ao homem com abundncia as coisas necessrias para a
conservao da sua vida (Encclica Rerum Novarum).
7

RESUMO

Trata-se de dissertao que tem como foco principal o estudo, no Estado de Gois, das
relaes de emprego no campo e seus desdobramentos. O desrespeito aos direitos do
trabalhador do campo tem-se perpetuado atravs dos tempos. Somente com a
promulgao da Constituio da Repblica de 1988, trabalhadores urbanos e rurais
tiveram tratamento legal igualitrio. O trabalho escravo que esteve presente por mais de
trezentos anos da histria do Brasil, ainda se perpetua por intermdio de prticas de
trabalho anlogas s de escravo. A chegada das relaes capitalistas de trabalho ao
meio rural constituiu mais um agravante na condio do trabalhador rural. Relao de
emprego uma das espcies de relaes de trabalho, e, para melhor contextualiz-la
como forma de prestao de servios subordinada, distinta do trabalho autnomo e de
outras formas subordinadas de prestao de servios, descrevem-se o disciplinamento
jurdico do contrato de emprego do rurcola e dessas outras formas de prestao de
servios. Nos ltimos anos, duas leis foram editadas criando regras especficas para
disciplinar o vnculo de emprego rural. Ambas decorrem do fato de que a demanda de
mo-de-obra no campo, hoje, ocorre em determinadas fases da produo. O aumento
de produtividade, decorrente da modernizao das atividades agrrias, eleva a
eficincia do sistema, contudo, reduz a gerao de emprego. No implica,
necessariamente, aumento do nmero de postos de trabalho. Por isso, o maior
problema enfrentado hoje, atinente ao emprego no campo, diz respeito ao empregado
volante ou boia-fria. A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale v o direito
como uma integrao normativa de fatos segundo valores. Permite uma anlise
elucidativa da problemtica do rurcola empregado, com a verificao das
condicionantes decorrentes do processo histrico e das decorrentes da reestruturao
produtiva, para, em seguida, analisar-se a lei trabalhista compreendida em seu trplice
sentido: fato, valor e norma, luz dos princpios constitucionais da funo social do
imvel rural e da dignidade da pessoa humana. Ao final, conclui-se que a questo do
emprego no campo extrapola o mbito trabalhista. Depende de mudanas culturais e de
alterao na distribuio fundiria. Sem uma viso do empregado enquanto ser humano
digno, o que implica o cumprimento da funo social do imvel rural, e sem uma melhor
distribuio da terra, no se resolver a questo do rurcola empregado. Por ltimo, so
abordadas as perspectivas que se apresentam para o trabalhador rurcola empregado,
em Gois. A dissertao estrutura-se em trs captulos. O primeiro, no qual se faz um
relato da histria do Brasil e de Gois e um estudo dos meios de produo no
desenrolar desse perodo histrico. O segundo, em que so caracterizadas as formas
de prestao de servios -autnoma e subordinada- e descrito o tratamento jurdico-
legal dado ao dispndio da fora de trabalho, sob as diversas formas em que se
apresenta, com enfoque preponderante no trabalho do empregado rural. O terceiro, em
que analisada a situao do trabalhador rural, especialmente do empregado rural no
Estado de Gois, tendo em vista os princpios da funo social do imvel rural e da
dignidade da pessoa humana, sob a tica da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel
Reale.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Relaes de emprego. 2. Trabalho. 3. Reestruturao


produtiva. 4. Campo. 5. Empregado.
8

ABSTRACT

This is a dissertation wich main focus is the study, in the state of Gois, of the
employments relations in the field and its relateds.The disrespect to the workers rigths
in the field has been perpetuated through the years. Only after the brasilian Constitution
of 1988, rural and urban workers received the same legal treatment. The slavery that
has been present for more than three hundred years can still be found through work
practices that look like it.The arrival of the capitalist relations to rural area brougth more
damage to the condition of the rural worker. The employment relation is a specie of the
work relation itself and, to better contextualize it as a kind of subordinate service
installment, different from the autonomous work and of other forms of subordinate
service contribution, it is described the juridical discipline of the rural employment
contract and of this other forms of service installment. In the last years, it was edited
two laws creating specific rules to discipline the bond of rural employment. Both of them
came from the fact that the demand of labor in the, nowadays, occurs in specific steps of
production. The increase of productivity, caused by the modernization of agrarian
activities raises the efficience of the system, but reduces the creation of employment. It
does not necessarily implies the increase of work posts. Therefore, the biggest problem
faced today, related to the emloyment in the rural area, is the bia fria employee.
Miguel Reales Three dimension theory of Rigth sees the rigth as a normative
integration of fact according to values. It allows an explainable analises of the rural
employment problems, containing the elucidation of the conditions that came from the
historical process and from the productive recovering, to, in the next step, analise the
work law undestood in its three meanings: fact, value and norm, based in the
constitutional principles of social function of the rural land and the dignity of human
been. At the end, it is concluded that the question of work in the field goes far away from
the work area. It depends of cultural changes and of the land distribution. Without a
vision of the employee as a dignous human been, wich implies the fullfielment of the
social function of the land, and without a better distribution of it, it is not possible to solve
this problem. At last, it is analised the perspectives that shows themselves to the rural
employees in Gois. This dissertation is built up in three chapters. The first one, in
which is related the history of Brasil and Gois and a study about the production ways in
this period. The second one, when the services types autonomous and subordinate -
are characterized and is described the legal and judicial treatment, due to the
expenditure of labor, in the various ways in which it is presented, focusing on the work of
rural employees. The third chapter, in which is analyzed the situation of the rural
employee, focusing the rural employee in Gois, in view of the principles of social
function of rural property and dignity of the human being, from the perspective of the
Tridimensional Theory of Law of Miguel Reale.

KEYWORDS: 1. Employment relation. 2. Work. 3. Productive recovering. 4. Field. 5.


employee.
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LISTA DE SIGLAS

AEAEG - Anurio Estatstico agropecurio do Estado de Gois


AQAB - Atlas da Questo Agrria Brasileira
CANG Colnia Agrcola Nacional de Gois
CAI Complexo Agroindustrial
CC Cdigo Civil
CF Constituio Federal
CLT Consolidao das Leis do Trabalho
CNA Confederao Nacional da Agricultura
CTPS - Carteira de Trabalho e Previdncia Social
DUDH - Declarao Universal dos Direitos Humanos
ET Estatuto da Terra
ETR Estatuto do Trabalhador Rural
EUA Estados Unidos da Amrica
FAESP Federao da Agricultura do Estado de So Paulo
FETAEG Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Gois
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Servio
GFIP Guia de Recolhimento do FGTS e Informaes Previdncia Social
GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrria
IN Instruo Normativa
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INDA Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrrio
INSS Instituto Nacional de Servio Social
JK Juscelino Kubitschek
MIRAD Ministrio da Reforma Agrria e Desenvolvimento
MP Medida Provisria
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
NIT Nmero de Inscrio do Trabalhador
NR Norma regulamentadora
10

OIT Organizao Internacional do Trabalho


ONU Organizao das Naes Unidas
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio
PNRA Plano Nacional de Reforma Agrria
PSD Partido Social Democrata
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
SIT Secretaria de Inspeo do Trabalho
SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia
SUDECO Superintendncia de Desenvolvimento do Centro Oeste
SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA Superintendncia de Poltica Agrria
UDN Unio Democrtica Nacional
UDR Unio Democrtica Ruralista
UFG Universidade Federal de Gois
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
11

SUMRIO

INTRODUO............................................................................................................14
1 A TERRA, O TRABALHADOR RURAL E OS MEIOS DE PRODUO: BREVE
RELATO HISTRICO ............................................................................................... 22
1.1 O BRASIL ............................................................................................................ 23
1.1.1 O Brasil Colonial: a implantao do modelo latifundirio e escravista ............. 24
1.1.2 O Brasil Imprio: a lei de terras, trabalho livre e terra cativa ............................ 30
1.1.3 O Brasil Repblica ............................................................................................ 33
1.1.3.1 A Repblica Velha: o agravamento da concentrao fundiria e o sistema de
colonato ..................................................................................................................... 33
1.1.3.2 A Era Vargas: a verso brasileira do fordismo/keynesianismo e o imaginrio do
homem do campo...................................................................................................... 37
1.1.3.3 Os governos populistas: as lutas camponesas pela terra e pelos direitos
trabalhistas do rurcola .............................................................................................. 43
1.1.3.4 A ditadura militar: o Estatuto da Terra e a modernizao agrcola ................ 49
1.1.3.5 A Nova Repblica: o MST e os assentamentos de trabalhadores rurais ...... 51
1.2 GOIS: PECULIARIDADES NA OCUPAO E EXPLORAO DA TERRA .... 54
1.3 A REESTRUTURAO PRODUTIVA E OS MEIOS DE PRODUO AGRCOLA
.................................................................................................................................. 64
1.3.1 Os meios tradicionais de produo agrcola..................................................... 65
1.3.2 A modernizao conservadora ......................................................................... 69
1.3.2.1 O modelo fordista/taylorista de bases keynesianas ...................................... 71
1.3.2.2 O xodo rural e a modernizao agrcola...................................................... 73
1.3.3 A reestruturao produtiva ............................................................................... 77
1.3.3.1 O neoliberalismo ........................................................................................... 79
1.3.3.2 A globalizao ............................................................................................... 80
1.3.3.3 O toyotismo ................................................................................................... 82
1.3.3.4 A flexibilizao ............................................................................................... 83
1.3.3.5 A reestruturao produtiva e as suas consequncias no campo .................. 84
12

2. O TRABALHADOR RURAL NO DIREITO POSITIVO ........................................... 87


2.1 O TRABALHADOR RURAL QUE POSSUI A FORA DE TRABALHO E OS MEIOS
DE PRODUO: O CAMPONS ............................................................................ 90
2.1.1 O campons proprietrio .................................................................................. 96
2.1.2 O campons posseiro....................................................................................... 98
2.1.3 O campons que tem o uso ou a posse temporria da terra............................ 99
2.1.3.1 O campons arrendatrio ............................................................................ 102
2.1.3.2 O campons parceiro .................................................................................. 106
2.1.4 O campons comodatrio .............................................................................. 109
2.1.5 O campons agregado ................................................................................... 109
2.2 O TRABALHADOR RURAL QUE POSSUI APENAS A SUA FORA DE
TRABALHO: O EMPREGADO ................................................................................ 112
2.2.1 As normas internacionais acerca do empregado rural ................................... 116
2.2.2 As normas constitucionais acerca do empregado rural .................................. 121
2.2.3 As normas infra-constitucionais acerca do empregado rural .......................... 125
2.2.4 O contrato de emprego do rurcola ................................................................. 129
2.2.4.1 O empregado contratado por prazo indeterminado ou empregado permanente
................................................................................................................................ 130
2.2.4.2 O empregado contratado por prazo determinado........................................ 133
2.2.4.2.1 O empregado safrista: o contrato de safra ............................................... 134
2.2.4.2.2 O empregado trabalhador rural por pequeno prazo: boia-fria, volante
temporrio ............................................................................................................... 139
2.2.4.3 O empregado do consrcio simplificado de produtores rurais..................... 146
2.3 OUTROS TRABALHADORES RURAIS ............................................................ 154

3. O RURCOLA EMPREGADO NO ESTADO DE GOIS...................................... 161


3.1 UMA ANLISE SOB A TICA DO TRIDIMENSIONALISMO DE MIGUEL REALE
................................................................................................................................ 162
3.1.1 O elemento ftico ........................................................................................... 170
3.1.1.1 Condicionantes decorrentes do processo histrico ..................................... 171
3.1.1.2 Condicionantes decorrentes da reestruturao produtiva ........................... 175
13

3.1.2 O elemento valorativo .................................................................................... 176


3.1.2.1 Princpio da funo social do imvel rural ................................................... 180
3.1.2.2 Princpio da dignidade da pessoa humana.................................................. 185
3.1.3 A lei trabalhista compreendida em seu trplice sentido: fato, valor e norma ... 194
3.2 O PERSPECTIVAS PARA O RURCOLA EMPREGADO NO ESTADO DE GOIS
................................................................................................................................ 196
3.2.1 O rurcola empregado contratado por prazo indeterminado ........................... 197
3.2.2 O rurcola empregado contratado por prazo determinado .............................. 199
3.2.3 O empregado do consrcio simplificado de produtores rurais........................ 205
3.2.4 O rurcola empregado no contexto amplo de todos os trabalhadores rurais .. 208

CONCLUSO.......................................................................................................... 211
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 218
APNDICE .............................................................................................................. 230
ANEXOS ................................................................................................................. 231
14

INTRODUO

Em novembro de 1997, o Ministrio Pblico do Trabalho realizou diligncia


em propriedade rural, com a participao de auditores fiscais do Grupo de Fiscalizao
Mvel do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) e de agentes da Polcia Federal,
para apurar denncia de trabalho escravo. Ao chegar ao local, a colheita do feijo j
havia sido concluda, razo pela qual poucos trabalhadores foram encontrados.
Contudo, foi informado que, durante a colheita, l havia aproximadamente 1.000 (mil)
trabalhadores. Na propriedade, plantava-se feijo, milho e tomate irrigados, em trs
lavouras anuais. Os alojamentos, j abandonados, eram feitos de pau a pique e lona
preta, sem refeitrio ou sanitrio, com piso de terra batida e camas do tipo catre,
revelando as pssimas condies em que os trabalhadores tinham sido abrigados. A
cultura irrigada por meio de pivs-central resulta na colheita de toda a rea plantada
praticamente ao mesmo tempo, levando necessidade de arregimentao de
trabalhadores, muitas vezes de outras unidades da federao, feita por intermdio dos
chamados gatos. De igual modo, foi possvel verificar que em outras pocas, vrias
pessoas e famlias residiam na propriedade, o que se pde perceber pelo nmero de
casas e alojamentos existentes, em sua maioria desocupados ou utilizados para outros
fins. Aps esta primeira diligncia, outras foram realizadas, na mesma e em outras
propriedades, e o contato com o trabalhador rural deu a oportunidade de conhecer a
precariedade de suas condies de trabalho. A partir de ento, os questionamentos
acerca das condies de trabalho na zona rural passaram a constituir motivo de
reflexo.1
Para que se possa pensar a problemtica do trabalho no campo e do
tratamento dado a ele pelo ordenamento jurdico, faz-se necessrio retomar alguns
conceitos relativos epistemologia jurdica. A cincia do direito estuda o fenmeno
jurdico tal como ele se concretiza no espao e no tempo (REALE, 2002, p.17). Pode-
se dizer que a cincia do Direito uma forma de conhecimento positivo da realidade

1
Procedimento Investigatrio n. 179/1997, convolado no Inqurito Civil n. 159/1998, pela Portaria n.
15, de 05 de junho de 1998: primeira diligncia por mim realizada nos dias 03 a 05 de dezembro de
1997, acompanhada do grupo mvel de fiscalizao do Ministrio do Trabalho, representado pelos
Auditores Fiscais do Trabalho Thomaz Jamisson Miranda da Silveira e Paulo da Cruz Alves Lopes
(dados colhidos no respectivo inqurito).
15

social segundo normas ou regras objetivadas, ou seja, tornadas objetivas, no decurso


do processo histrico (REALE, 2020, p. 17). Tem como objeto a conduta humana em
sociedade. Por isso, para o estudo das relaes de emprego no campo, h
necessidade de inseri-las no contexto mais amplo das relaes de trabalho no campo,
de como tais relaes ocorreram no decorrer da histria e do tratamento dado
questo agrria.
O Brasil, desde a colonizao, considerado um pas essencialmente
agrcola. A despeito desta vocao agrcola, as mazelas do trabalhador do campo tm-
se perpetuado atravs dos tempos. Primeiramente, houve a utilizao da mo-de-obra
escrava, tanto indgena, quanto negra. Em seguida, com a extino do trfico de
escravos e a necessidade de substituio dessa mode-obra, intensificou-se a vinda
de imigrantes, que passaram a trabalhar, principalmente, em regime de colonato.
Nessa trajetria, do trabalho escravo ao trabalho livre, a propriedade da terra
manteve-se nas mos de poucos: os latifundirios. Os latifndios tinham e tm uma
produo voltada para o mercado mundial (monocultura caf, cana, soja etc.), ficando
a agricultura de subsistncia a cargo da agricultura familiar ou do trabalhador rural,
geralmente agregado/empregado da grande propriedade, que trabalha em regimes de
parceria, arrendamento, meao, e outras formas de concesso de uso, ou como mo-
de-obra assalariada.
A inveno da mquina a vapor, na Europa do sculo XVIII, e a sua
aplicao na indstria e, posteriormente, na agricultura alteraram, no s os mtodos
de trabalho, como, tambm, as relaes de trabalho. A explorao sistemtica dos
trabalhadores ocasionou o nascimento de duas classes, cujos interesses so
antagnicos: a proletria e a capitalista. A classe capitalista impe ao proletariado a
orientao a ser seguida. Tambm no meio rural, a chegada do capitalismo fez com
que se alterassem as relaes de trabalho. O campons, subjugado lgica do capital,
tornou-se um trabalhador assalariado. Perdeu sua independncia, sua terra, sua
moradia, seus instrumentos de trabalho e tornou-se um proletrio. Para ele, restaram as
seguintes opes: ou permanece no campo como assalariado do capitalista burgus;
ou parte em busca de trabalho na cidade, provocando o xodo rural; ou vive na cidade
16

e trabalha no campo, na condio de volante, boia-fria etc. Esse rural assalariado pode
laborar para o empregador de forma permanente ou temporria.
No que se refere legislao relativa ao trabalhador rural, no incio da
colonizao vigeram, no Brasil, as Ordenaes portuguesas. Quando o fim da
escravido mostrava-se prximo, comearam a ser editadas as primeiras leis que
procuraram disciplinar as relaes de trabalho no campo. Eram leis civis. Somente
quando o trabalhador rural passou a ser um assalariado, que se fizeram necessrias
leis trabalhistas para disciplinar o emprego no campo.
A regulamentao dos direitos do empregado rural chegou somente em 02
de maro de 1963, com a Lei n. 4.214 (vinte anos aps o advento da Consolidao das
Leis do Trabalho - CLT), substituda, dez anos depois, pela Lei n. 5.889, de 08 de
junho de 1973, ainda em vigor. Contudo, somente com a promulgao da Constituio
da Repblica, em 1988, trabalhadores urbanos e rurais tiveram tratamento legal
igualitrio, relativamente aos direitos decorrentes da relao de emprego.
Ademais, a Carta Magna, expressamente, disps, no art. 186, que o
cumprimento da funo social do imvel rural ocorre quando a propriedade rural
atende, simultaneamente, aos requisitos de aproveitamento racional e adequado, assim
como de utilizao adequada dos recursos naturais e preservao do meio ambiente e
de observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho e de explorao
que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. Mas, passados vinte e
dois anos da promulgao da Constituio, praticamente nada foi feito, no sentido de se
cumprir o comando constitucional.
Aduz-se que nos ltimos anos, duas leis foram editadas criando regras
especficas para disciplinar o vnculo de emprego rural. Estas leis, para alguns, trazem
solues para a precria situao do rurcola empregado; para outros, representam
formas de perpetuar este estado de precariedade.
O fato, por si s, de, nos ltimos anos, terem sido editadas as duas normas
citadas (Lei n. 10.256, de 09 de julho de 2001, e Lei n 11.718, de 20 de junho de
2008, esta resultante da converso da Medida Provisria n. 410, de 28 de dezembro
de 2007), visando disciplinar as relaes de emprego no meio rural, j demonstra que
se trata de tema, cuja discusso relevante e atual.
17

A violncia no campo, em decorrncia dos conflitos envolvendo proprietrios


e rurcolas no cessa. O desrespeito aos direitos dos trabalhadores uma constante,
tanto que, matria publicada na Folha de So Paulo, em 26.03.2010, quando essa
dissertao j estava sendo redigida, noticia que levantamento da Confederao
Nacional da Agricultura (CNA), em 1.020 fazendas, verificou que sequer 1% (um por
cento) dos empregadores rurais cumpre a legislao trabalhista.
Por outro lado, os aumentos de produtividade decorrentes da modernizao
e mecanizao das atividades agrrias elevam a eficincia do sistema, contudo, em
quase todas as situaes, reduzem a gerao de empregos, haja vista que o aumento
na produo no implica, necessariamente, aumento do nmero de postos de trabalho,
ocasionando mais problemas para o trabalhador rural.
Essa pesquisa ter, ento, como objeto de investigao a relao de
emprego no campo. Como problematizao, o questionamento acerca das implicaes
decorrentes da reestruturao produtiva na contratao do empregado, nas diversas
modalidades previstas no ordenamento jurdico.
A delimitao do tema quanto matria est no trabalho do rurcola
empregado; no espao, direciona-se o estudo s relaes de emprego no Estado de
Gois; no tempo, tal delimitao d-se pela anlise contempornea das diversas
modalidades de contratos de emprego, tendo em vista a reestruturao produtiva.
Ressalta-se que a competncia para legislar em matria trabalhista privativa da
Unio, nos termos do art. 22, I, da CF/88. Assim, ainda que o presente estudo dirija sua
observao ao Estado de Gois e s atividades agrrias desenvolvidas no Estado,
estar-se- trabalhando com uma legislao de mbito nacional.
A linha de pesquisa do Programa de mestrado da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Gois UFG a Histria e Evoluo Jurdica da Posse e
Propriedade da Terra no Centro-Oeste, tendo como rea de concentrao o Direito
Agrrio. Devem ser buscadas respostas s questes nascidas da relao entre o
homem, a terra e o desenvolvimento sustentvel.
A pertinncia do tema, relaes de emprego no campo, relativamente linha
de pesquisa do Programa de Mestrado est evidenciada na prpria conceituao de
Direito Agrrio, como o conjunto sistemtico de normas jurdicas que visam disciplinar
18

as relaes do homem com a terra, tendo em vista o progresso social do rurcola e o


enriquecimento da comunidade (BORGES, 1998, p. 17). Somente o ser humano
sujeito de direitos, no fosse a existncia do homem, no faria sentido falar-se em
histria e evoluo jurdica da posse e da propriedade da terra.
Tambm o trabalhador rural empregado, surgido com a proletarizao do
trabalho no campo, parte desse contexto, ainda que no tenha o uso ou a posse da
terra. Isso no elimina a ligao ntima que h entre o empregado rurcola e o Direito
Agrrio. O estudo das relaes de emprego no campo, pelas diversas formas de
contratao previstas, entrelaa-se com a questo da posse e da propriedade da terra.
A mo-de-obra rurcola ir modificar-se conforme se modificarem as questes relativas
posse e propriedade da terra, assim como se alterar, tambm, conforme se
transmudarem os meios de plantio e cultivo da terra: os meios de produo. Tanto
assim o , que o assalariamento ou proletarizao do rurcola fenmeno decorrente
das mudanas na forma de explorao da terra.
Como se v, a abordagem passar pela histria e evoluo da posse e da
propriedade do imvel rural e pelas graves demandas sociais da decorrentes.
O trabalho de pesquisa far-se- por meio de uma pesquisa terica qualitativa
descritiva, com utilizao do mtodo dedutivo. Tal mtodo apresenta-se adequado ao
desenvolvimento desta dissertao, por partir de argumentos gerais, considerados
verdadeiros e inquestionveis, para se chegar a concluses que decorrero das
premissas estabelecidas. adequado, tambm, por permitir a utilizao do referencial
terico escolhido (Teoria Tridimensional do Direito), que ser tomado como teoria base
para o desenvolvimento do estudo do tema objeto da pesquisa. Como mtodo auxiliar
ser utilizado o mtodo histrico. Para tratar das relaes contemporneas de emprego
no campo, far-se- um relato histrico do trabalho no campo, desde a colonizao do
Brasil at os dias atuais.
A cincia jurdica, enquanto cincia humana e mais especificamente cincia
social aplicada, essencialmente valorativa. O normativismo jurdico Kelseniano, que
tentou isentar a cincia jurdica do valor, vem cedendo espao s teorias ps-
positivistas e culturalistas, que retomam a concepo de que o valor essencial ao
estudo da cincia do direito.
19

Adepto dessa linha de pensamento o jusfilsofo brasileiro Miguel Reale,


desenvolveu a teoria da tridimensionalidade especfica do direito, conferindo contornos
prprios tridimensionalidade do direito, segundo os quais o direito uma cincia
histrico-cultural e compreensivo-normativa e sua normatividade desenvolve-se em
razo dos fatos e valores sociais, porque s assim possvel ordenar a conduta
humana e, consequentemente, a vida do homem em sociedade.
Por compartilhar esse entendimento e por no vislumbrar a possibilidade de
se desvincular a cincia do direito dos elementos fticos e valorativos, adota-se, como
referencial terico deste trabalho, a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale.
Tem-se como objetivo geral da pesquisa, o estudo e anlise contemporneos
da relao de emprego do rurcola no Estado de Gois, no contexto da reestruturao
produtiva. Os objetivos especficos, por sua vez, so: o conhecimento do processo
histrico relativo questo agrria no Brasil, especialmente em Gois, sob os aspectos
fundirio, produtivo e humano; o conhecimento da estrutura produtiva agrria
contempornea, especialmente no Estado de Gois; a descrio da legislao
pertinente ao trabalhador rurcola e, de forma mais minuciosa do rurcola empregado; a
avaliao das condicionantes decorrentes do processo histrico e da reestruturao
produtiva, sob a tica da teoria tridimensional do direito e dos princpios da funo
social do imvel rural e da dignidade da pessoa humana.
O primeiro captulo, cuja abordagem corresponde ao primeiro objetivo, ser
exploratrio, no sentido de buscar o conhecimento do objeto de investigao, e constitui
o elemento ftico, sob a tica do tridimensionalismo realiano.
O desenvolvimento da dissertao ter, ento, como ponto de partida um
relato da histria do Brasil e da histria de Gois, em que ser dada relevncia aos
aspectos fundirios e de utilizao de mo-de-obra, mas sempre os relacionando com
os principais fatos histricos do perodo. Esses relatos histricos vinculam-se ao fato, j
mencionado, de que a cincia do Direito uma forma de conhecimento da realidade
social, de acordo com normas ou regras tornadas objetivas, no decurso do processo
histrico. O processo histrico, alm de estar presente na positivao do direito,
tambm ser utilizado como mtodo auxiliar no desenvolvimento da pesquisa.
20

Sero estudadas, tambm, no primeiro captulo, as questes relativas aos


meios de produo e s polticas econmicas no campo, com a preocupao de se
conceituar o que seja reestruturao produtiva, assim como de demonstrar como ela se
insere no contexto das atividades agrrias. Igualmente, far-se- uma breve retomada
histrica em que sero vistos os meios tradicionais de produo; a modernizao
agrcola dos anos 1960-70 e o xodo rural. De forma concisa, ser visto como as
teorias keynesianas, tayloristas e fordistas influenciaram e estiveram presentes no
processo produtivo agrrio brasileiro, at se chegar globalizao, flexibilizao,
neoliberalismo, acumulao flexvel e toyotismo, de maneira a se verificar o que se
entende, neste contexto, por reestruturao produtiva.
O segundo captulo ter natureza descritiva, com escopo de caracterizar o
objeto da pesquisa, e corresponder ao elemento normativo, sob a tica da Teoria
Tridimensional do Direito. Sero vistas, primeiramente, as formas como podem ser
realizadas as atividades de trabalho no campo, quem so os trabalhadores do campo e
como eles despendem sua fora de trabalho, se de forma autnoma ou subordinada,
para, em seguida, se verificar qual o tratamento jurdico dado em cada uma dessas
situaes, ou seja, como o direito disciplina as diversas formas de dispndio da fora de
trabalho pelo homem, com o enfoque principal no dispndio da fora de trabalho pelo
empregado. Para tanto, ser feito um levantamento da legislao que diz respeito ao
trabalhador rural, de forma a permitir uma viso sistemtica das normas que regem o
trabalho no campo. Ser dada nfase legislao relativa ao rurcola empregado. O
estudo das demais formas de contratao nas atividades rurais, por sua vez, permitir
maior preciso na caracterizao da relao de emprego, distinguindo-a das outras
formas de relaes de trabalho no campo.
No terceiro e ltimo captulo, cuja natureza explicativa/compreensiva,2
sero realizadas anlises com fundamento na teoria tridimensional do direito de Miguel
Reale, referencial terico adotado. Nesse captulo, prope-se verificar a implicao-
polaridade existente entre fato e valor, de cuja tenso resulta o momento normativo,

2
Para Miguel REALE, enquanto as cincias naturais so explicadas, as cincias culturais so
compreendidas, porque finalsticas ou teleolgicas. Nesse sentido: [...] no pertinente s cincias
culturais, a Sociologia inclusive, a explicao teleolgica se insere na estrutura da compreenso, a
qual pressupe um contedo valorativo e relaes de meio a fim [...] (destaques do original) (REALE,
2000, p. 210).
21

como soluo superadora e integrante nos limites circunstanciais de lugar e tempo [...]
(destaques do original) (REALE, 1994a, p. 57).
Primeiramente, sero vistas as condicionantes decorrentes do processo
histrico e, num segundo momento, as condicionantes decorrentes da reestruturao
produtiva, para, em seguida se analisar a lei trabalhista compreendida em seu trplice
sentido: fato, valor e norma, luz dos princpios constitucionais da funo social do
imvel rural e da dignidade da pessoa humana. Ainda neste captulo, sero abordadas
as perspectivas que se apresentam para o trabalhador rurcola empregado.
Por ltimo, sero expostas as concluses a que se chegou, acerca do
problema proposto, especialmente acerca das perspectivas para a contratao do
rurcola empregado, de forma a garantir-lhe uma vida digna, em que sejam respeitados
os valores sociais do trabalho e cumprida a funo social do imvel rural. No h que
se olvidar de que a questo do emprego no campo no pode ser vista dissociada da
questo do trabalhador rural lato senso e da prpria questo agrria, de modo geral.
22

1 A TERRA, O TRABALHADOR RURAL E OS MEIOS DE PRODUO: BREVE


RELATO HISTRICO

[...] as primeiras manifestaes desse tipo de reflexo


provavelmente precedem qualquer documento escrito
e se confundem com o ato histrico pelo qual o olhar
europeu se defrontou pela primeira vez com o espao
natural brasileiro. No momento mesmo desse encontro
j deviam estar presentes conjecturas e pensamentos
balizados por dois elementos significativos: uma
natureza exuberante e praticamente virgem de um
lado e, do outro, uma reflexo poltica sobre como
usufru-la, tendo em vista as projees econmicas e
geopolticas do poder europeu em expanso
(destacou-se) (PDUA, 1992, p. 13-4).

O Direito corresponde a algo que foi vivido atravs dos tempos. Portanto, o
Direito possui contedo histrico e deve ser analisado pelo conjunto de seus
significados. Se qualquer conhecimento humano desguarnecido da dimenso histrica
seria um conhecimento duvidoso e mutilado, o que dizer do conhecimento do Direito
que exprime o viver, o conviver do homem. O conhecimento do Direito no pode, pois,
jamais, prescindir de sua dimenso histrica, sob pena de se tornar um conhecimento
equivocado (REALE,1994a, p. 80). A historiografia o espelho no qual o homem
temporalmente se contempla, adquirindo plena conscincia de seu existir, de seu atuar
(REALE, 1994a, p.80).
A histria, por sua vez, no pode ser pensada como algo concludo, como
enumerao de fatos pretritos, porque [...] o passado s existe enquanto h
possibilidade de futuro [...] e o futuro que empresta sentido ao presente vindo a
converter-se em passado. O presente representa, pois, a [...] tenso entre passado e
futuro, o dever ser a dar peso e significado ao que se e se foi, estabelecendo [...]
uma correlao fundamental entre valor e tempo, axiologia e histria (destaques do
original) (REALE, 1994a, p. 81). Da a necessidade de se conhecer ou de se relembrar
como se processou a organizao da vida econmica e social do Brasil no decorrer de
seu processo histrico.
23

Na primeira fase de sua histria, de acordo com o sistema de colonizao


europia, no caso, com o sistema de colonizao portuguesa, a agricultura tropical foi a
maneira encontrada pelos colonizadores para dar valor econmico s terras
descobertas, garantindo-lhes a posse, por meio do povoamento (NOVAIS, 1990, P. 48).

1.1 O BRASIL

O que se convencionou denominar histria do Brasil teve incio com o


descobrimento, cuja verso oficial relata que Pedro lvares Cabral recebeu a
incumbncia de ir s ndias, repetindo o feito de Vasco da Gama, porm, em razo dos
ventos [ou da ausncia de ventos], suas embarcaes afastaram-se da costa da frica,
aportando em terras at ento desconhecidas: o litoral brasileiro (BASTIDE, 1975, p.
19). A verso oficiosa, por sua vez, conta que, na realidade, a misso de Pedro lvares
Cabral era, justamente, sair em busca de novas terras que possussem riquezas a
serem exploradas por Portugal (BASTIDE, 1975, p.19). O fato que, uma vez
descoberto, no foram encontradas, de incio, no Brasil, riquezas que interessassem a
Portugal. Os trinta primeiros anos aps o descobrimento (1.500-30) foram de relativo
abandono, exceto pela extrao do pau-brasil (SILVA, 1990, p. 26-7).
A propsito, o nome primeiramente dado s terras descobertas, Terra de
Santa Cruz, foi substitudo por Brasil, nome do pau de tinta, o pau-brasil, primeira fonte
de explorao.

[...] a vitria final do nome Brasil significou uma verdadeira faanha em termos
simblicos, pois logrou deslocar a designao original de Terra de Santa Cruz,
passando por cima da ideologia religiosa que constitua um dos pilares do
processo colonizador. [...] Pois o pau-brasil no era uma rvore qualquer, mas
sim o primeiro elemento da natureza brasileira passvel de ser explorado em
larga escala para benefcio do mercantilismo europeu (destaque do original)
(PDUA, 1992, p. 18).

Nesse perodo da histria do Brasil, denominado pr-histria do Brasil, no


houve propriamente colonizao, apenas explorao extrativa (BASTIDE, 1975, p. 20;
FRYRE, 2008, p. 58). Decorridos alguns anos, no entanto, as rvores de tinta tornaram-
24

se valiosas (BASTIDE, 1975, p. 20). Ademais, o comrcio de Portugal com o Oriente


passava por crise que se acirrava cada vez mais (SILVA, 1990, p. 28). Esses fatores
fizeram com que, em 1530, os portugueses dessem incio efetiva colonizao do
Brasil, cujo territrio foi dividido em capitanias hereditrias, que foram entregues a
particulares e eram transmitidas por herana ao varo primognito do donatrio.

1.1.1 O Brasil Colonial: a implantao do modelo latifundirio e escravista

Assim, retomou-se a experincia feudal, no Brasil do sculo XVI. A costa foi


repartida em quatorze partes com aproximadamente o mesmo tamanho e as terras,
compreendidas entre linhas horizontais traadas a partir do litoral, foram doadas a
nobres ou a guerreiros, com a denominao de Capitanias Hereditrias. Os donatrios
dessas capitanias tinham direito de concesso de sesmarias e a misso de fundar
aldeias e povoar os domnios, introduzindo a agricultura, na qual trabalhariam os ndios
feitos escravos (BASTIDE, 1975, p. 28).
As sesmarias, instituto cujas origens entrelaam-se com as das terras
comunais3 do municpio medievo so provenientes de Portugal e constituem o tronco do
qual se ramificou a propriedade imvel no Brasil (LIMA, 1988, p. 15).
A espinha dorsal do sistema colonial est no monoplio do comrcio entre a
metrpole e a colnia. Contudo, havia uma preocupao maior dos colonizadores em
proteger o seu imprio colonial contra eventuais invases de outras potncias
colonizadoras (NOVAIS, 1990, p. 51). A explorao da monocultura da cana-de-acar
permitiria tanto a proteo do territrio, quanto o comrcio rentvel dos produtos
coloniais.
Mas foi o fato de os portugueses, de incio, no terem encontrado no Brasil
riquezas a serem exploradas, como ouro, prata, marfim, que fez com que realizassem
aqui um novo tipo de colonizao, a colnia de plantao, cujas caractersticas so a
base agrcola e a permanncia do colono na terra (FREYRE, 2008, 79).

3
Antiqssimo costume, nalgumas regies da pennsula, prescrevia fossem as terras de lavrar da
comuna, divididas segundo o nmero de muncipes, e sorteadas entre estes para serem cultivadas e
desfrutadas, ad tempus, por aqueles aos quais tocassem (LIMA, 1988, p. 15).
25

A produo colonial se ajusta por isso s necessidades da procura europia.


Da a colonizao agrcola do sculo XVI ter-se orientado para o intertrpico
americano; as condies geogrficas do mundo tropical permitiam a
implantao de uma economia agrcola complementar agricultura temperada
da Europa. [...] Onde no foi, portanto, possvel dedicar-se desde logo
minerao dos metais nobres, como na Amrica espanhola, a colonizao se
especializa na produo dos produtos agrcolas tropicais. Destes, o acar
ocupava no incio do sculo XVI uma posio excepcional no mercado europeu
(NOVAIS, 1990, p. 51).

O sistema implantado pelos portugueses deixava a cargo dos donatrios das


capitanias todos os riscos advindos de sua explorao, razo pela qual poucas
lograram xito. Fracassadas as capitanias, em dezembro de 1548, o regime foi
suprimido e Tom de Sousa foi enviado ao Brasil, na condio de governador-geral,
instalando na Bahia a capital da Colnia, e tendo, como uma de suas funes, distribuir
sesmarias queles que desejassem nelas se estabelecer e plantar mandioca, milho,
fumo, e, principalmente, cana-de-acar (BASTIDE, 1975, 21-2).
Nesse incio de ocupao territorial e de formao da grande propriedade
rural (1.532-1.600), utilizou-se a mo-de-obra indgena para o trabalho da terra. O ndio
feito escravo do senhor de engenho foi o primeiro trabalhador rural, a primeira mo-de-
obra do latifndio monocultor. Nesse contexto, a conquista da terra, sua
monopolizao, bem como a organizao compulsria da mo-de-obra indgena, eram
imperativos para o sucesso da empresa4 colonial (LINHARES; SILVA F. C. T., 1999, p.
52).
A metrpole necessitava obter margem de lucro muito ampla. Por isso, a
mo-de-obra utilizada deveria ser compulsria, semi-servil ou escravista. A utilizao de
um sistema de trabalho livre ficava impossibilitada, haja vista que, [...] pela abundncia
do fator terra, seria impossvel impedir que os trabalhadores assalariados optassem
pela alternativa de se apropriarem de uma gleba, desenvolvendo atividades de
subsistncia (NOVAIS, 1990, p. 59). E essa apropriao implicaria [...] a constituio
de ncleos autrquicos ou quase autrquicos de economia de subsistncia, em

4
Fernando Antnio Novais tambm se utiliza em seu texto O Brasil nos quadros do antigo sistema
colonial dos termos empresa e empresrio, para se referir metrpole colonizadora e aos
colonizadores propriamente ditos, razo pela qual se optou por se manter a terminologia mesmo nas
citaes indiretas ou parfrases (NOVAIS, 1990).
26

absoluta contradio com as necessidades e estmulos da economia europia em


expanso (NOVAIS, 1990, p. 59).
No entanto, o ndio no se adaptou aos canaviais da mesma forma que o
africano viria a adaptar-se, posteriormente.

5
A enxada que no se firmou nunca na mo do ndio nem na do mameluco ;
nem o seu p nmade se fixou nunca em p-de-boi paciente e slido. Do
indgena quase que s aproveitou a colonizao agrria do Brasil o processo da
6
coivara , que infelizmente viria a empolgar por completo a agricultura colonial
(FREYRE, 2008, p. 163).

Alm disso, a populao indgena foi se reduzindo consideravelmente, em


razo do extermnio e da escravizao, decorrentes das guerras de conquista das
terras do serto, que aconteceram, principalmente, do Cear ao sul da Bahia
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 54). Desde o final do sculo XVI at aproximadamente
1640, deu-se uma dramtica reduo da populao indgena, compelindo os colonos
portugueses a buscar formas alternativas de trabalho. Optou-se, ento, pela escravido
africana, experincia j havida no Portugal metropolitano e nas ilhas atlnticas, que, em
terras brasileiras, deu origem a um lucrativo trfico de escravos entre as costas da
frica, a Bahia, Pernambuco e o Rio de Janeiro (LINHARES; SILVA, 1999, p. 58).
Assim que, a partir de 1.600 tem incio o escravismo colonial clssico com
o trfico de africanos feitos escravos, para trabalharem nos engenhos de cana-de-
acar do Brasil.
Os negros eram trazidos da frica para o Brasil nos pores dos navios
negreiros denominados tumbeiros. Cada navio transportava entre 200 e 700 negros. A
viagem entre a frica e o Brasil demorava de 35 a 120 dias, variao decorrente no s
da localidade de partida e chegada do navio como, tambm, das calmarias e
intempries ocorridas durante o percurso.

Dessa longa travessia e das condies precrias falta de alimentao e gua,


grande concentrao de pessoas derivava a alta taxa de mortalidade.

5
Mameluco: no Brasil, [...] mestio de branco com ndio ou de branco com caboclo (HOUAISS, 2001,
p. 1.827).
6
Coivara: Quantidade de ramagens a que se pe fogo nas roadas para desembaraar o terreno e
adub-lo com as cinzas, facilitando a cultura [...] (HOUAISS, 2001, p. 756).
27

Situao que levou o rei Dom Pedro II, ao final do sculo XVII, a regulamentar o
comrcio negreiro, desde a proporo de espao para cada escravo at o
clculo de mantimentos para alimentar os cativos trs vezes ao dia. A
quantidade de mantimento deveria ser calculada de acordo com a durao da
viagem que variava conforme a distncia e o regime de ventos. Com isso a
Coroa evitava prejuzos num dos mais lucrativos negcios de todos os tempos:
o comrcio de seres humanos escravizados (LOIOLA, 2009, p. 58).

A distribuio de terras, neste perodo, continuou ocorrendo por meio das


concesses de sesmarias. Mas as sesmarias ficavam restritas, na maioria das vezes,
aos candidatos a latifndios que, possuindo maior trnsito junto ao poder, dispunham-
se a percorrer os trmites burocrticos. Para os demais, era prefervel apossar-se de
um pedao de terra e cultiv-lo, a percorrer a hierarquia da administrao pblica, para
obter uma concesso (LIMA, 1988, p. 41).
Ademais, a legislao das sesmarias sofreu transformaes na Colnia. No
mais se obedecia ao velho preceito de que no se dessem terras a uma pessoa em
extenso maior do que ela pudesse aproveitar ou, melhor dizendo, cultivar (LIMA, 1988,
p. 39). Somado a isso, a concesso de terras para o estabelecimento de engenhos de
acar havia que ser feita a pessoa que tivesse posses suficientes no s para a
construo do engenho, mas, tambm, para a construo das torres e fortificaes
necessrias sua defesa e de seus moradores (LIMA, 1988, p. 40).
Essa forma de distribuio fez com que o lavrador, a quem de regra no
eram concedidas sesmarias, comeasse a se apossar das reas existentes entre os
limites das grandes propriedades ou ento de terras distantes, que sequer
interessariam aos latifundirios, to remotas que eram, sem que sobre elas detivessem
qualquer ttulo, dando incio s possesses (LIMA, 1988, p. 47).
Mesmo com a ocorrncia do apossamento de terras, em termos de previso
legal, durante os primeiros trezentos anos de colonizao portuguesa, de 1.532 a
1.822, a questo fundiria no Brasil esteve sob a gide do instituto das sesmarias e a
principal fora de trabalho foi a mo-de-obra escrava sob o regime escravista
(primeiramente do ndio e depois do africano).
Mas, nesse perodo de explorao da mo-de-obra escrava houve mudanas
na economia da colnia. O ciclo econmico da cana-de-acar entrou em declnio e o
28

Brasil viveu o apogeu do ciclo do ouro (1750-70), cuja explorao, como metal nobre
que era, constitua o objetivo primeiro da empresa colonial.
E se a cana-de-acar foi responsvel por toda uma civilizao rural, com
seus engenhos, candombls de negros e conventos, o ouro foi responsvel por uma
civilizao urbana, diferente da primeira, mas como aquela, tambm construda com os
ps e as mos dos africanos civilizao localizada na provncia central montanhosa
que tomaria mais tarde o nome de provncia de Minas Gerais (BASTIDE, 1975, p. 112).
Foram os homens pobres de So Paulo, desbravando o territrio brasileiro
por montanhas e florestas desconhecidas, em busca de uma cidade do ouro da qual os
indgenas falavam, que primeiramente pisaram nas areias aurferas das Minas Gerais.
Mas a notcia de que havia sido descoberto ouro no Brasil, logo chegou a Portugal e,
rapidamente, o paulista chocou-se com o portugus. Na disputa pelas riquezas, os
paulistas foram derrotados. A terra descoberta por eles foi, ento, separada da
provncia de So Paulo, passando a constituir uma nova provncia, a provncia de Minas
Gerais (BASTIDE, 1975, p. 112-3).
A explorao da mo-de-obra escrava prosseguiu nesse perodo, porque
foram eles, os escravos africanos, os encarregados da extrao do ouro.
A descoberta do ouro trouxe modificaes na estrutura social do Brasil: a
Colnia que at ento fora essencialmente rural, torna-se tambm urbana. Nas cidades,
surge a classe mdia, desconhecida do Brasil rural. Nessa poca, os Estados Unidos
da Amrica tornaram-se independentes da Inglaterra (1786), levando a que os
brasileiros comeassem a pensar na libertao. Por outro lado, o controle de Portugal
sobre a Colnia, que, at ento, havia sido muito pequeno, aps a descoberta de ouro
e de diamantes, tornou-se extremamente rgido. , portanto, pela conjugao desses
fatores, que tm incio, na classe mdia urbana, as aspiraes pela independncia,
presentes na conspirao liderada por Tiradentes, a Inconfidncia Mineira (1789-92)
(BASTIDE, 1975, p. 31).
No entanto, a independncia do Brasil de Portugal ainda tardou a vir. Em
1.808, a corte portuguesa mudou-se para a Colnia, em razo da invaso dos
franceses em Portugal. Com a instalao da corte no Rio de Janeiro, muitos
melhoramentos foram realizados: criaram-se universidades, misses de artistas
29

vieram... e o brasileiro tomou gosto pela instruo, pelas discusses intelectuais e pela
poltica (BASTIDE, 1975, p. 32).
As transformaes foram operando-se, de tal forma que, dez anos depois da
chegada da corte portuguesa, a colnia enriquecia e prosperava, os hbitos tinham
mudado no Rio de Janeiro e, na Europa, a ameaa de Napoleo tornara-se apenas
uma lembrana distante (GOMES, 2007, p. 259). Mas o abandono que vivia Portugal
fez com que o retorno da corte se tornasse uma exigncia por parte dos portugueses
que l permaneceram.
A metrpole encontrava-se cansada da guerra, amorfa, empobrecida e
humilhada em razo da ausncia da corte, ao passo que o Brasil, pelas mesmas
razes, vivia um perodo de esperana e otimismo em relao ao futuro (GOMES, 2007,
p. 270). Foi assim, que, em abril de 1821, o rei teve que deixar, contra a sua vontade, a
cidade do Rio de Janeiro, que se encontrava completamente transformada, e voltar
para Portugal, deixando seu filho D. Pedro I como vice-rei. O Brasil teve medo, ento,
de que fosse restabelecido o Pacto Colonial, que lhe era to prejudicial. Assim, em 07
de setembro de 1822, um ano e meio aps o retorno da corte portuguesa, D. Pedro I,
de forma a no permitir que terceiros proclamassem a independncia, proclamou-a ele
mesmo:

D. Pedro, sentindo que no poderia impedir a proclamao da Independncia,


preferiu que esta se verificasse com ele e no contra ele, tomando a frente do
movimento que se esboava. Ao grito clebre que pronunciou nos campos do
Ipiranga: Independncia ou Morte! O Brasil inteiro vibrou em 1.822 e separou-se
da metrpole para formar um imprio encabeado por D. Pedro I (destaque do
original) (BASTIDE, 1975, p. 32).

Um pouco antes da proclamao da independncia, em 17 de junho de


1822, havia sido expedido ato pondo fim ao regime das sesmarias, que, alis, nada
mais fez do que ratificar um fato j consumado. A partir de ento, prevaleceu, por trinta
anos, o regime de posse das terras devolutas, que j vinha acontecendo na prtica, e
se estendeu at o advento da Lei de Terras, de 1.850.
30

Apoderar-se de terras devolutas e cultiv-las tornou-se cousa corrente entre os


nossos colonizadores, e tais propores essa prtica atingiu que pde (sic),
com o correr dos anos, vir a ser considerada como modo legtimo de aquisio
do domnio, paralelamente a princpio, e, aps, em substituio ao nosso to
desvirtuado regime das sesmarias. [...] Depois da abolio das sesmarias,
ento, a posse passou a campear livremente, ampliando-se de zona a zona,
proporo que a civilizao dilatava a sua expanso geogrfica. Era a
ocupao, tomando o lugar das concesses do Poder Pblico, e era,
igualmente, o triunfo do colono humilde, do rstico, desamparado, sobre o
senhor de engenho ou fazendas, o latifundirio sob o favor da metrpole. A
sesmaria o latifndio inacessvel ao lavrador sem recursos. A posse , pelo
contrrio ao menos nos seus primrdios -, a pequena propriedade agrcola,
criada pela necessidade, na ausncia de providncia administrativa sobre a
sorte do colono livre, e vitoriosamente firmada pela ocupao (LIMA, 1988, p.
51).

Mas se antes de 1.822, a ocupao da terra dava-se pelo lavrador, aps


1.822, com a extino do regime das sesmarias, ao que parece, a posse impregnou-se
do esprito latifundirio disseminado pelo regime das sesmarias, e passou a abranger
fazendas inteiras, reas muitas vezes mais extensas que as sesmarias. As divisas eram
marcadas pelos posseiros onde melhor lhes conviesse (LIMA, 1988, p. 58). Nota-se que
j se encontrava arraigada na sociedade brasileira, a tendncia para a grande
propriedade. Nos dizeres de Ruy Cirne LIMA extinto o regime das sesmarias, a posse
comea a servir-lhe de veculo, e fora diz-lo- qualquer sistema territorial lhe teria
servido para o mesmo fim (LIMA, 1988, p. 58).

1.1.2 O Brasil imprio: a lei de terras, trabalho livre e terra cativa

No sculo XIX, o Brasil comeou a viver um novo ciclo econmico. O Pas


conheceu o ciclo do caf. Pode-se afirmar que: [...] o acar revelou-nos o sculo XVII;
o ouro, o sculo XVIII. O caf confunde-se com a histria do sculo XIX e com o incio
do sculo XX (BASTIDE, 1975, p. 128). O ciclo do caf comeou no nascer do sculo
XIX, tanto que por ocasio da independncia, o Brasil j exportava 186.000 sacas de
caf (BASTIDE, 1995, p. 128). e, diferentemente das civilizaes da cana-de-acar e
do ouro, especialmente da civilizao do ouro, a civilizao do caf foi mais duradoura
e, no perodo em que floresceu, o Pas passou por muitas transformaes culturais.
31

Foi, tambm, com a civilizao do caf que a Provncia de So Paulo,


finalmente, enriqueceu. At, ento, apesar de ter sido responsvel pela conquista de
quase todo o interior do Brasil, por meio do movimento das bandeiras, assim como foi
responsvel pelo descobrimento das minas de ouro, de onde os paulistas foram
expulsos pelos portugueses, So Paulo permanecia pobre. Mas a opulncia veio com o
caf, que criou no Sudeste7 uma sociedade semelhante que o acar criara no
Nordeste (BASTIDE, 1975, p. 129).
O caf foi, ainda, o responsvel pelo surgimento do latifndio na provncia de
So Paulo (BASTIDE, 1975, p. 130). E mais, foi o caf que levou os escravos africanos
para terras paulistas. So Paulo, que nos sculos XVI e XVII, tinha feito uso da mo-de-
obra indgena, mais na condio de servos do que de escravos, veio a utilizar-se da
mo-de-obra dos escravos africanos com o surgimento das lavouras de caf (BASTIDE,
1975, p. 130-1).
E foi durante o ciclo do caf, em 1.850, que foi editada a Lei n. 601, de 18
de setembro Lei de Terras -, que tinha o objetivo de regularizar a questo fundiria,
tanto no que se refere s sesmarias, quanto no que diz respeito s posses ou
ocupaes, possibilitando aos interessados a obteno de uma titularidade eficaz e
definitiva.
A Lei de Terras foi editada em um momento histrico em que
desenvolvimento significava pensar e agir de forma semelhante da Inglaterra. E essa
forma de pensar semelhante da Inglaterra inclua a abolio da escravido, que
escandalizava muitos intelectuais liberais. O moderno deveria impor-se, em
substituio ao atraso latino-americano (LINHARES; SILVA, 1999, p. 61).
Em seu texto, a par de vedar a aquisio de terras devolutas por outro ttulo
que no fosse o de aquisio (art. 1), possibilitava, no art. 3, a legitimao das
posses mansas e pacficas, adquiridas por ocupao primria, ou havidas do primeiro
ocupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual
do respectivo posseiro, ou de quem o represente (LEI n. 601/1850). Contudo, a Lei de
Terras representou, na realidade, o alargamento da possibilidade de expropriao de
terras ocupadas pelos camponeses negros, ndios ou mestios (LINHARES; SILVA,

7
Roger Bastide, utiliza-se de Sul para se referir ao Sudeste (BASTIDE, 1975, p. 129).
32

1999, p. 64). Com ela, a terra foi coisificada, passou a ser objeto de compra e venda.
At ento, a terra no possua valor, o que tinha valor eram os escravos, cuja
quantidade era indicativa das posses de seu proprietrio.

[...] num regime de terras livres, o trabalho tinha que ser cativo; num regime de
trabalho livre, a terra tinha que ser cativa. No Brasil, a renda territorial
capitalizada no essencialmente uma transfigurada herana feudal. Ela
engendrada no bojo da crise do trabalho escravo, como meio para garantir a
sujeio do trabalho ao capital, como substituto de expropriao territorial do
trabalhador e substituto da acumulao primitiva na produo da fora de
trabalho. A renda territorial surge da metamorfose da renda capitalizada na
pessoa do escravo; surge, portanto, como forma de capital tributria do
comrcio, como aquisio do direito de explorao da fora de trabalho. A
propriedade do escravo se transfigura em propriedade da terra como meio para
extorquir trabalho e no para extorquir renda. A renda capitalizada no se
constitui como instrumento de cio, mas como instrumento de negcio
(MARTINS, 1979, p. 32).

Paralelamente questo fundiria, permaneciam as presses da Inglaterra


pela abolio da escravatura. Em 1.827 o Brasil assinou conveno com a Inglaterra
obrigando-se a suprimir o trfico de escravos. Em 1.831, foi expedida lei que
assegurava liberdade a todos os escravos que entrassem no Brasil, estabelecendo
pena de priso e multa para os traficantes (SANTOS, H. O., 2005, p. 418). Em
04.09.1.850, foi editada a Lei Euzbio de Queiroz, que ps fim ao trfico transatlntico
de negros, provocando o desabastecimento de mo-de-obra para as plantaes de caf
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 64). Em 1.871, editou-se a Lei do Ventre Livre; em 1.885,
a Lei dos Sexagenrios; e, finalmente, em 13.05.1.888, a Princesa Isabel, assinou a Lei
urea, abolindo a escravido no Brasil.
Com a libertao dos escravos, as terras, cujo valor venal, at ento, era
praticamente nulo, apesar de desde o advento da Lei n. 601/1850 quase quarenta
anos antes - j serem comercializveis, adquiriram efetivamente valor (MARTINS, 1979,
p. 25). O trabalho livre inseriu a terra no comrcio e este foi o embrio da questo
agrria no Brasil.
33

1.1.3 O Brasil Repblica

Os acontecimentos que se seguiram abolio da escravatura, como a


supresso do trabalho servil, que uniu os interesses dos proprietrios rurais, atingidos
em sua economia com a libertao dos escravos, aos da classe mdia, constituda,
principalmente, de integrantes do exrcito, precipitaram a proclamao da Repblica.
Com essa unio, foi possvel aos republicanos ascender ao poder, sem que houvesse
derramamento de sangue (BASTIDE, 1975, p. 35).

Os negros libertados, porm, refluem dos campos para as cidades


abandonando as colheitas de caf; arruinados desse modo, pois o governo no
lhes d uma compensao pelo prejuzo sofrido, os fazendeiros apiam o
movimento republicano. A classe mdia, que se desenvolveu com a
urbanizao e se consolidou no decorrer do sculo XIX, agita-se; ela constitua
sobretudo o grosso do exrcito, que lhe servia, desde a Guerra do Paraguai, de
modo de ascenso social. Tal classe mdia, ainda pouco numerosa, ficaria
certamente impotente diante da classe dirigente dos proprietrios rurais, se esta
quisesse opor-se. A supresso do trabalho servil, reunindo os interesses do
exrcito com os dos proprietrios, atingidos profundamente em sua economia
pela fuga de seus antigos escravos, permitiu aos republicanos tomar o poder
sem derramamento de sangue. O Imperador Pedro II amava bastante seu pas
para se agarrar ao trono e permitir que um movimento de impacincia popular
degenerasse em revolta sangrenta. No tinha filho homem que lhe sucedesse.
Foi morrer na Europa, cercado da venerao e da estima at mesmo dos que o
tinham destronado (BASTIDE, 1975, p. 35).

E, da mesma forma que D. Pedro I optou por proclamar a independncia,


quando percebeu ser esta inevitvel, tambm quando da proclamao da Repblica, D.
Pedro II buscou soluo que evitasse o conflito: retornou para a Europa.

1.1.3.1 A Repblica Velha: o agravamento da concentrao fundiria e o sistema


de colonato

Proclamada a Repblica, em 1.889, promulgou-se a primeira Constituio


republicana, em 1891. Essa Constituio teve como modelo a norte americana, de
cunho liberal. Assegurava, pelo menos teoricamente, o pleno funcionamento dos
poderes executivo, legislativo e judicirio e o equilbrio entre a Unio e os Estados
34

Federados. Na prtica, desde o incio da Repblica, o executivo Federal, apoiado pelos


executivos estaduais, sobreps-se aos demais poderes, e organizou os interesses
polticos, de forma a garantir a hegemonia agrrio-exportadora (LINHARES; SILVA,
1999, p. 96).
A Constituio de 1.891, em seu art. 64, transferiu para o domnio dos
Estados Federados as terras devolutas, exceto aquelas que estivessem em uma poro
do territrio indispensvel defesa das fronteiras. Tambm manteve a intangibilidade
do direito de propriedade (art. 72, 17). V-se que a propriedade territorial no Brasil
concentrava-se, cada vez mais, nas mos da aristocracia rural (SODERO, 2006, p.
261).

Terras sob controle do Estado Imperial eram, ento, alvos principais dos
interessados em apoderar-se destes bens. No podemos afirmar, entretanto, a
inexistncia de uma poltica de terras na Repblica Velha. Se houvera uma total
omisso no tocante incorporao dos ex-escravos vida nacional, o mesmo
no se dava com relao terra. Deu-se uma intensa atividade voltada para a
transferncia de patrimnio fundirio da Unio para os estados e para os
particulares, legitimando toda espcie de apossamento feita pelos grandes
proprietrios depois de 1850, num processo bastante semelhante ao operado
pelos liberais no Mxico. neste sentido que podemos afirmar que a Repblica
Velha foi um dos momentos de pico da formao dos grandes latifndios no
pas a partir do patrimnio pblico. O ponto de partida de tal processo a
prpria Constituio Federal de 1891 que, em seu artigo 64, garantia a
transferncia das terras pblicas para o patrimnio dos estados da federao,
dando-lhes a prerrogativa de legislar sobre o tema. Assim, abria-se ao poder
local, oligrquico e coronelista, a possibilidade de legitimar suas aes de
aambarcamento fundirio. Originava-se, desta forma, mais uma corrida em
direo formao de amplos domnios fundirios no pas, reafirmando-se a
ordem latifundiria (LINHARES; SILVA, 1999, p. 76).

Dessa forma, a Repblica Velha teve papel primordial na formao de


grandes latifndios no Brasil, especialmente, na formao de latifndios a partir das
terras pblicas.
E no foi s a Constituio que incentivou tal prtica, tambm a Lei que
[Orava] a Receita Geral da Repblica, de 1891, iniciou uma srie de dispositivos, que
foram repetidos em praticamente todas as leis oramentrias posteriores, objetivando
regularizar a situao dos arrendatrios, que eram, na realidade, grandes proprietrios
de terras pblicas. As terras pblicas ocupadas por esses fazendeiros o foram sem que
eles pagassem qualquer valor por elas e sem que houvesse qualquer mecanismo de
35

legitimao. Por isso, eles procuravam, com a mudana de regime, legalizar a situao
em que se encontravam (LINHARES; SILVA, 1999, p. 76).
A Repblica Velha possibilitou a ascenso de grupos oligrquicos regionais,
detentores do poder econmico e do prestgio advindo dos latifndios. Tais grupos
apossavam-se das instituies poltico-administrativas e judicirias, de forma a exercer
o controle da vida social na regio por eles dominada (LINHARES; SILVA, 1999, p. 95).
Surgiram, ento, diversos movimentos sociais de cunho religioso, que se
insurgiam contra a ordem estabelecida. Esses movimentos j vinham ocorrendo desde
a passagem do Imprio para a Repblica. Propunham, direta ou indiretamente, a
instalao de uma nova forma de organizao social. Os mais conhecidos foram
Canudos, na Bahia; Contestado, no Paran; e dos Muckers, no Rio Grande do Sul,
cujas abrangncias terminaram por extrapolar a regio em que eclodiram. Esses
movimentos, por questionarem a ordem estabelecida pelas classes dominantes, foram,
todos eles, duramente reprimidos (MACHADO, p.9).
Nessa poca, tambm, intensificou-se o movimento migratrio, haja vista a
interrupo do trfico de escravos e a demanda de mo-de-obra nas fazendas de caf.
Com a proclamao da Repblica, buscando dinamizar a vinda de imigrantes europeus,
transferiu-se para a tutela dos Estados a responsabilidade pela colonizao e pela
imigrao, conforme os desgnios do federalismo que considerava o poder central
incompetente para atender s necessidades regionais e locais. Estados com recursos
suficientes para atrair imigrantes lucraram com essas medidas, como o caso de So
Paulo (PETRONE, 1997, p. 97).
Contudo, a maioria dos estados no tinha condies de arcar com as
despesas da vinda dos imigrantes o que ocasionou uma diminuio na entrada de
estrangeiros no Brasil, e levou a que o governo federal tomasse medidas que
viabilizassem a continuidade da imigrao. Em decorrncia dessa dificuldade dos
estados federados, o Governo da Unio, sem desvincular das administraes estaduais
a responsabilidade pelo processo de imigrao, tomou, a partir de 1907, uma srie de
medidas com intuito de possibilitar a imigrao e a colonizao, haja vista que, a maior
parte dos estados no o havia feito, quer por inexistncia de meios, quer por ausncia
de infra-estrutura de apoio. Com isso, o nmero de imigrantes, a partir de 1908, cresceu
36

bastante e atingiu o seu pice, em 1913, ano em que o Brasil recebeu 192.683
imigrantes (PETRONE, 1977, p. 99).
Mas no se pode olvidar de que a histria da imigrao no Brasil sempre
apresentou duas tendncias8, no que se refere utilizao da mo-de-obra dos
imigrantes: ou os trabalhadores eram aproveitados na grande lavoura, como nos
Estados de So Paulo e Minas Gerais, ou iam para os ncleos coloniais, como nos
Estados do sul (PETRONE, 1977, p. 96).

Desde o perodo joanino tem-se introduzido imigrantes europeus, no


portugueses, no Brasil, tendo em mente principalmente o povoamento de
vastas reas desabitadas com um tipo humano semelhante ao campons
europeu policultor, em pequena propriedade. J na dcada de 1820, aparece a
dicotomia entre as formas de utilizao do imigrante no pas: o brao para a
grande lavoura em substituio ao escravo e a sua localizao em pequenas
propriedades. Nessa dcada, depois da fundao de So Leopoldo no Rio
Grande do Sul, tentou-se localizar imigrantes alemes na provncia de So
Paulo, dando-se pequenos lotes de terra no serto de Santo Amaro e no Rio
Negro. Contra essa tentativa, tomada pelo governo central, se levantou o
Senador Nicolau de Campos Vergueiro, no Conselho de Presidncia da
Provncia, clamando que no interessava um empreendimento desse tipo que
tanta despesa acarretava, quando na realidade, se precisava de braos para a
grande lavoura. Durante toda a histria da imigrao para o Brasil, se
encontram essas duas tendncias ou se entrechocando ou coexistindo
pacificamente, conforme os interesses dos homens que estavam no poder
(PETRONE, 1977, P.96).

No sul do pas, principalmente, tentou-se, com certo xito, a formao da


pequena propriedade rural, objetivando uma estrutura agrria oposta baseada em
latifndios monocultores. O recrutamento de colonos deu-se, de incio, principalmente
nas Ilhas dos Aores, onde, ante o exguo territrio do arquiplago, havia excesso de
populao. A quase inexistncia de utilizao de mo-de-obra escrava, a propriedade
muito subdividida, a populao etnicamente homognea e a inexistncia de hierarquia
marcada por classes sociais so caractersticas desta forma de colonizao
diferenciada da do restante do pas (SODERO, 2006, p.261).

8
No mesmo sentido IANNI, citando pronunciamento de Campos Sales, que dizia distinguir dois tipos de
imigrao: os operrios agrcolas, que se colocam, satisfeitos, a servio da grande lavoura, nas
fazendas, e os colonos propriamente ditos, os pequenos proprietrios, que povoam os ncleos
coloniais e que dificilmente tomariam outro destino (IANNI, 1984, p. 226).
37

Mas voltando aos rumos tomados pela Velha Repblica, o caf terminou por
ser o responsvel por uma revoluo poltica. O poder nacional que se concentrava no
nordeste do pas, com os senhores de engenho, transferiu-se para o sudeste, com os
bares do caf do Rio de Janeiro e de So Paulo. Com o advento da Repblica, o
poder ficou apenas nas mos de So Paulo, cujos fazendeiros de caf aliaram-se aos
criadores de gado das Minas Gerais, para dirigirem o pas.
O Presidente da Repblica escolhido deveria ser proveniente de um e de
outro desses estados, alternadamente, ou seja, So Paulo elegia o presidente e, na
eleio seguinte, Minas Gerais o elegia. Sob o aspecto social, no havia praticamente
nenhuma mudana com essa alternncia, uma vez que eram eleitas pessoas que
tinham os mesmos interesses, alm de pensamentos e sentimentos muito semelhantes,
quando no idnticos (BASTIDE, 1975, p. 138-9). Imps-se, na poca, a chamada
poltica do caf com leite, liderada pelos Estados de So Paulo e Minas Gerais,
respectivamente. O primeiro, representando os fazendeiros do caf, e o segundo, os
criadores de gado leiteiro.

1.1.3.2 A Era Vargas: a verso brasileira do fordismo/keynesiano e o imaginrio


do homem do campo

A Revoluo de 1930 culminou com a deposio do Presidente da Repblica


Washington Lus, em 24 de outubro de 1930, e impediu a posse do presidente eleito
Jlio Prestes, com a conseqente assuno de Getlio Vargas ao governo, em 03 de
novembro de 1930, pondo fim chamada Repblica Velha. Foi o resultado da
rearticulao das foras polticas e sociais, como as oligarquias dissidentes,
segmentos que reivindicavam participao poltica, como, a classe mdia, setores da
burguesia urbana e os militares (MENDONA, 1990, p. 260).
O apoio do exrcito deu-se pelo movimento denominado tenentismo.
Tratava-se de movimento de jovens oficiais voltados para a purificao das Foras
Armadas e da sociedade como um todo, defendia uma maior centralizao do Estado,
a uniformizao legislativa e o ataque oligarquia paulista (MENDONA, 1990, p. 259-
60). Esses jovens, nada tinham contra o sistema republicano em si, ou contra o
38

capitalismo, apenas entendiam que a Repblica estava sob o controle das pessoas
erradas. Os tenentistas e a oligarquia dissidente constituram os principais grupos de
apoio a Getlio Vargas.
No por acaso a Revoluo de 1930 aconteceu durante a grande depresso
de 1929-33. Pode-se dizer, inclusive, que a depresso econmica do perodo de 1929-
33 foi um dos acontecimentos de maior relevncia do sculo passado, j que, no s
ps em evidncia o carter precrio dos princpios do liberalismo econmico, como,
tambm, precipitou acontecimentos polticos importantes em muitos pases (IANNI,
1984, p.192).
No Brasil, no foi diferente. A crise revelou as limitaes da economia
primria exportadora e antecipou o fim do Estado Oligrquico que perdurou durante os
trinta primeiros anos do sculo XX. Assim, da mesma forma que no se pode atribuir,
exclusivamente, grande depresso a causa desses acontecimentos, no se pode
desconhecer a contribuio que ela teve para que eles aflorassem mais rapidamente
(IANNI, 1984, p. 193).
No que se refere questo econmica, com a crise mundial, houve uma
queda substancial no volume e no preo dos principais produtos de exportao
brasileiros, todos eles produtos primrios (IANNI, 1984, p. 197). Nos anos
imediatamente anteriores crise, o caf, por exemplo, representava, mais de 70% do
valor total das exportaes do pas (IANNI, 1984, p. 198). Tudo isso fez com que a
crise na exportao exigisse que o Estado interviesse na economia (IANNI, 1984, p.
201). Uma das formas de interveno foi a desvalorizao cambial, com o objetivo de
possibilitar a manuteno dos rendimentos dos agricultores cafeeiros. Mas a
desvalorizao da moeda teve tambm outro efeito: o encarecimento das importaes,
cujos produtos eram quase todos manufaturados. Com a alta dos preos dos produtos
importados, o brasileiro passou a comprar os similares nacionais, estimulando a
produo da indstria local. Em sntese, ao desvalorizar a moeda nacional, o governo
desencadeia uma sequncia de reaes, as quais se transformaram [...] em aumento
da demanda de manufaturados nacionais (IANNI, 1984, p. 202).
Criaram-se, tambm, condies para as mudanas polticas: como a culpa
da crise foi atribuda ao governo oligrquico de Washington Lus, a populao passou a
39

discutir e a contestar a forma oligrquica de governar. Esse contexto possibilitou que a


Revoluo fosse vitoriosa. Mas no foi s isso. Alm de ter criado as condies para a
mudana poltica e as transformaes relativas organizao produtiva e
industrializao, foi, ainda, com a Revoluo de 1.930, que foram criadas condies
que permitiriam fossem realizadas transformaes no ordenamento agrrio.
Maria Yedda LINHARES e Francisco Carlos Teixeira da SILVA entendem ter
sido a Revoluo a responsvel pelo afastamento de setores dominantes do poder: as
elites agrrias de Minas Gerais, So Paulo e Rio de Janeiro. Assim, foram criadas, pela
primeira vez na histria do Brasil, as condies para uma verdadeira alterao no
ordenamento agrrio (1999, p. 103).
No setor agrcola, houve transformaes. Apesar de as exportaes terem
refludo, porque o preo dos produtos despencou e inexistia mercado para eles, houve
um crescimento significativo da demanda interna por alimentos e matrias-primas. A
necessidade de suprir de alimentos as cidades e a criao da cesta bsica de
alimentao dos trabalhadores serviram para reorientar a agricultura para o mercado
interno. Dessa forma, foi valorizada a produo de alimentos e incentivada a formao
de ncleos coloniais policultores (LINHARES; SILVA, 1999, p. 104-5).
Por isso, no correto afirmar que Vargas priorizava o trabalho urbano e a
participao operria, esquecendo-se do campo. Havia toda uma face varguista voltada
para o campo e para os seus trabalhadores (LINHARES, SILVA, 1999, p. 103).
Contudo, Vargas optou por, primeiramente, construir uma base urbana ampla, para,
depois, partir para a conquista do campo. Mas, em razo da demora na implementao
de transformaes no campo, aps 1930, acontecem, ao mesmo tempo, a ao poltica
real e a ao poltica imaginria: a incorporao dos camponeses poltica nacional
ocorre no imaginrio, por meio de imagens positivas do homem do campo e de seu
trabalho (LINHARES; SILVA, 1999, p. 111).
Mesmo sem desconhecer que Vargas tivesse preocupaes com o campo,
necessrio admitir que a Revoluo de 1930 teve como principais caractersticas as
temticas relativas ao trabalho urbano, organizao desse trabalho pelo Estado e aos
limites da participao poltica dos trabalhadores (LINHARES; SILVA, F. C. T., 1999, p.
103). Partia de uma concepo fordista, pela qual havia que se reorganizar todo o
40

cotidiano do trabalhador (vida familiar, diverso, economia domstica) e no s o


espao da fbrica. Assim, todo esse conjunto comps o projeto de normatizao do
trabalho, porque ele era necessrio a que houvesse sucesso no interior da fbrica
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 103).
Todavia, a Revoluo de 1.930 no representou um confronto da burguesia
industrial com as classes agrrias, em um paralelo, por exemplo, com a Revoluo
Francesa. No. Ela foi obra da oligarquia agrria dissidente, uma reao da maioria
social e poltica do Pas contra o domnio econmico e poltico de uma minoria. Mas,
ainda assim, o poder que se instalou desarticulou o pacto que havia entre a oligarquia
agroexportadora e o mercado mundial (SILVA, A. M. C., 2004, p. 62-3). Porm, no
enfrentou as velhas estruturas fundirias, como tpico das revolues burguesas
clssicas (SILVA, A. M. C., 2004, p. 61).
Por outro lado, a Revoluo teve o mrito de estimular a migrao de capital
do setor primrio para o secundrio, de forma a dar incio industrializao do Pas.

Em certo sentido, a cidade venceu o campo com a Revoluo de 30, numa


vitria ainda precria. Em plano mais geral, a confluncia das crises poltica e
econmica havia preparado a liquidao do Estado Oligrquico no Brasil. Nos
anos imediatamente posteriores a 30, o poder poltico no foi mais exercido em
termos exclusivos. Desde ento, plantadores e exportadores de caf tiveram
que repartir o poder poltico com outros grupos sociais (destaque do original)
(IANNI, 1984, p. 200-1).

A imigrao, por sua vez, to presente na Repblica Velha, deixou de ser


incentivada pelo governo de Vargas. O interesse era em povoar e colonizar o Pas com
os prprios brasileiros. Ademais, o trmino da primeira repblica coincidiu com um
momento decisivo, no que diz respeito ao movimento migratrio, quer nacionalmente
quer internacionalmente. No plano interno, o Brasil, seguindo os rastros dos Estados
Unidos da Amrica (EUA), impe restries entrada de imigrantes, ao mesmo tempo
em que se reduzem as foras centrfugas das populaes europias. Nas dcadas de
1920 e 1930, percebe-se que a tendncia do europeu para a emigrao transocenica
diminui bastante. H, pois uma coincidncia entre as polticas governamentais de
restrio entrada de estrangeiros e o arrefecimento do europeu em relao
emigrao (PETRONE, 1977, p. 97).
41

Como se v, diversas foram as alteraes provenientes da era Vargas:


criaram-se as justias do trabalho (ainda como contencioso administrativo) e eleitoral; o
cdigo eleitoral, que previa o voto secreto e o direito de voto das mulheres. No se
pode desconhecer que a estrutura do Estado modificou-se profundamente aps 1930.
Tambm nesse perodo ocorreu a Revoluo Constitucionalista de So
Paulo (1932), combatida sem trguas pelos tenentes, que foram vitoriosos. Mas, essa
vitria dos militares, terminou por representar, uma derrota poltica para Vargas, que foi
obrigado a convocar as eleies para a Constituinte de 1933-1934 (CAMARGO, 1981,
p. 136).
E as mudanas decorrentes do projeto de Vargas continuariam, porque
depois de sete anos no poder, no final de 1937, com as eleies para presidente
marcadas para janeiro do ano seguinte, e com o pas passando por um perodo de
grande instabilidade poltica, Getlio Vargas deu um golpe de estado e instaurou, em 10
de novembro, a ditadura no pas. O regime que se instalou recebeu o nome de Estado
Novo.
Muitos dos projetos de Getlio Vargas vieram a concretizar-se no Estado
Novo. As relaes entre capital e trabalho continuaram modernizando-se: os direitos
trabalhistas foram reconhecidos pelo ordenamento jurdico, com a edio da CLT,
aprovada em 1943, por meio do Decreto-Lei n. 5.452, de 1 de maio. Instituiu-se o
salrio mnimo, pelo Decreto-Lei n. 2.162, de 04 de julho de 1940. Foram criadas
empresas estatais, como a Companhia Siderrgica Nacional e a Petrobrs.
Tambm foi com o Estado Novo que teve incio a denominada marcha para o
oeste. Havia uma preocupao com o interior do Pas, mas tambm uma convenincia
em ocup-lo.

[...] mesmo sob a presso intensa da imperiosidade da modernizao da


agricultura como meio de viabilizao e financiamento do projeto fordista entre
ns, evitava-se um rompimento com os setores agrrios tradicionais, optando-
se por um trabalho na fronteira (na fsica, a fronteira agrcola, e na fronteira
poltica, o limiar do rompimento com os interesses agrrios oligrquicos), pela
colonizao dos espaos vazios e regulao exclusiva do trabalho induzido nos
projetos, evitando uma incorporao universal ao mundo do trabalho fordizado
(destacou-se) (LINHARES; SILVA, 1999, p. 112-3).
42

Dessa forma, foi deixada de lado a questo da terra e da redistribuio da


terra nas reas j ocupadas, e a atuao do Estado voltou-se, convenientemente, para
os vazios do Centro-Oeste, do nordeste e da Amaznia. Trata-se da marcha para o
oeste e do estmulo colonizao, por meio da implantao das colnias agrcolas
nacionais.
Quanto ao tenentismo, muito do que o movimento almejava no foi
implementado por Getlio. Praticamente o que restou da herana tenentista foram as
Colnias Agrcolas Nacionais, cujos resultados foram modestos; o Estatuto da Lavoura
Canavieira, de 1941, que no chegou a ser implementado satisfatoriamente; o direito
dos rurcolas sindicalizao, previsto no Decreto-Lei n. 7.038, de 10 de novembro de
1944, j que a CLT no era aplicvel a eles (nas regies de plantaes de cana-de-
acar, apenas os trabalhadores das usinas tinham assegurados os direitos
trabalhistas) (CAMARGO, 1981, p. 142).
Contudo, o que foi postergado de forma mais radical foi a reforma agrria.
Justifica-se: os interesses que podiam ser atingidos com a sua realizao eram
organizados e firmes, ao passo que, os seus beneficirios eram frgeis e desarticulados
(CAMARGO, 1981, p. 141). Por isso, a maior conquista do Estado Novo com relao ao
campo foi a mudana da imagem do homem do campo.

Uma das conquistas mais perenes da poltica do Estado Novo para o campo foi
[...] a imposio da integrao produtiva do homem do campo como condio
prvia para o desenvolvimento. O imaginrio popular brasileiro fora
sobrecarregado por representaes de um trabalhador forte, habilidoso e
oprimido. Tal construo mental implicava a suposio, assumida quase como
senso comum, da necessidade da superao da injustia social como tarefa
imediata da sociedade brasileira (LINHARES; SILVA, 1999, p. 160).

Assim, pode-se concluir que a Era Vargas, a despeito de pretensamente


possuir cunho burgus, no conseguiu implantar no Brasil uma democracia burguesa
slida e estvel. Centrou-se na industrializao e na concesso de direitos sociais para
os trabalhadores urbanos, uma vez que, no campo, a democracia era frgil e a
instabilidade poltica grande. No solucionou os problemas estruturais da economia.
No alcanou a estabilidade poltica. No retirou o Estado da crise (SILVA, A. M. C.,
2004, p. 68). Mas, ainda assim, promoveu transformaes que esto presentes na
43

organizao do pas at os dias de hoje, da, sua importncia. E no que se refere ao


campo, se no promoveu a reforma agrria, fez com que as oligarquias passassem a
dividir o poder com outros grupos sociais.
A primeira metade do sculo XX representou a gradual insero do Brasil no
sistema capitalista, pelo menos no que diz respeito ao Brasil urbano. At ento, mesmo
aps independente, o Brasil havia servido formao do capitalismo moderno, sem que
estivesse propriamente nele inserido. [...] , pois possvel assinalar as conexes que
vinculam a colonizao europia e o antigo sistema colonial, seja com a poltica
econmica mercantilista, seja com a etapa de formao do capitalismo moderno o
capitalismo comercial que ento caracterizava a vida econmica e social da Europa
(NOVAIS, 1990, p. 56).
Foi na primeira metade do sculo XX, portanto, que o Brasil, gradualmente,
foi se inserido no sistema capitalista, o qual, j h algum tempo, auxiliava a construo,
sem, contudo, dele fazer parte.

1.1.3.3 Os governos populistas: as lutas camponesas pela terra e pelos direitos


trabalhistas do rurcola

Em 1945 foram realizadas eleies, nas quais Eurico Gaspar Dutra, militar
ligado ao regime Vargas, foi eleito presidente. Em 1946, promulgou-se a nova
Constituio brasileira, a quinta desde a independncia.
Esse perodo de 1945-51 representou um interregno nas tendncias
estatizantes da poltica econmica, propiciando a articulao das foras conservadoras
favorveis a que se arrefecessem os esforos de investimento no setor de bens de
produo e de infra-estrutura. No chegou a haver um total desmantelamento do
intervencionismo estatal, mas uma estagnao na tendncia centralizadora da
economia (MENDONA, 1990, p. 273-4).
Mas a abertura poltica teve outras conseqncias: levou rearticulao dos
representantes municipais e estaduais, e, com isso, volta do coronelismo. No Estado
Novo tinha havido um controle do coronelismo que, com a nova ordem democrtica, e
com as disputas eleitorais, reapareceu, com toda fora (CAMARGO, 1981, p. 143).
44

Na gesto de Dutra, merece registro, ainda, o encaminhamento ao


Congresso Nacional, em 30 de junho de 1947, de mensagem acompanhada de projeto
de Reforma Agrria de autoria de Afrnio de Carvalho. O projeto da Lei Agrria era
bastante moderado e, ainda assim, morreu nas mos do deputado relator Joo
Mangabeira (CAMARGO, 1981, p. 144).
Em 1951, Getlio Vargas reassumiu o governo brasileiro, agora eleito pelo
voto direto e secreto, mediante uma votao expressiva, e governou o Brasil at 24 de
agosto de 1954, quando se suicidou e assumiu o vice-presidente Caf Filho.
No perodo de 1950-60, foi retomado o debate que se iniciara no primeiro
governo Vargas, acerca de como deveria ser o desenvolvimento brasileiro. Colocavam-
se dois caminhos: expandir o mercado interno, opo nacional desenvolvimentista, ou
abrir-se ao mercado externo, com aceitao do capital estrangeiro para financiar a
industrializao, opo pelo entreguismo [ou liberalismo] (LINHARES; SILVA, 1999, p.
159).
A democracia havia se reinstalado no pas logo aps o trmino da segunda
grande guerra (1945), quando o mundo foi dividido em dois blocos, em razo da disputa
por reas de influncia, entre EUA e Unio Sovitica (URSS), a denominada guerra fria.
E, se no plano internacional, o mundo estava polarizado pela guerra-fria, no plano
interno, essa polarizao refletia-se na disputa entre as opes nacionalista e liberal
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 39).
O nacionalismo, chamado de nacional-desenvolvimentismo, foi a opo
escolhida. O campo tornou-se o centro das questes relativas ao desenvolvimento
nacional. Exigia-se que fosse feita a reforma agrria, porque ela seria indispensvel
para o desenvolvimento brasileiro. Era necessrio produzir mais alimentos e mais
matrias primas. Ao mesmo tempo, havia muita tenso no campo, decorrente das
questes trabalhistas. Alm das injustias e desmandos que sempre caracterizaram o
campo brasileiro, havia um novo padro de desenvolvimento que modificava os
mecanismos tradicionais. A CLT, apesar de no se aplicar ao trabalhador rural, passou
a ter um papel muito importante nos conflitos rurais: fez com que o homem do campo
passasse a ter uma postura mais batalhadora, mais combativa (LINHARES; SILVA,
1999, p. 160).
45

Em 31 de janeiro de 1956, assumiu o poder Juscelino Kubitschek (JK) com o


lema 50 anos em 5, ou seja, 50 anos de progresso em 5 de governo. Seu plano de
governo, ou plano de metas, inclua cinco setores: energia, transporte, indstria,
educao e alimentao. Alm dessas metas, havia uma meta maior, a construo de
Braslia.
No geral, o governo de Juscelino Kubitschek foi marcado pela tranquilidade
poltica e prosperidade econmica. Com relao produo industrial, foi um perodo
de crescimento, que corrobora a prioridade dada indstria no plano de metas do
presidente. Foi no governo de Juscelino que se deu a abertura para o capital
estrangeiro. O Estado participava da economia com o suporte do capital estrangeiro
(MENDONA, 1990, p. 288-9). Pode-se dizer que o governo Kubitschek foi o
responsvel, seno pelo endividamento externo brasileiro, pelo menos pelo grande
crescimento desse endividamento.
Quanto questo agrria, mais propriamente quanto reforma agrria, se o
presidente, no incio de seu governo, mostrou-se sensvel causa, logo se
apresentaram dificuldades polticas, que impediram que prosperassem projetos nesse
sentido (CAMARGO, 1981, p. 154-5). As questes fundirias foram, ento, deixadas de
lado, o que fez com que eclodisse uma srie de acontecimentos, decorrentes da
presso social por modificaes na estrutura ento vigente, e da urgncia na soluo
para as questes do campo, principalmente nas regies menos desenvolvidas.
No Nordeste, comearam a ser criadas as Ligas Camponesas que,
primeiramente, tinham objetivo de assistncia mtua e, pouco a pouco, passaram a
atuar como associaes polticas de lavradores. Assim, a transformao da Sociedade
Agrcola e Pecuria dos Plantadores de Pernambuco em liga camponesa (fato ocorrido
em 1955) simboliza a metamorfose do lavrador em campons. Paralelamente criao
das ligas, e, mesma poca, comearam a surgir os sindicatos rurais. Isso significava
que estava ocorrendo uma redefinio poltica das relaes de trabalho no campo
(IANNI, 1984, p. 212).
A IV Conferncia Rural Brasileira (realizada em Fortaleza, em fevereiro de
1956) aprovou algumas recomendaes, como a da instituio da Lei Agrria, com
previso de desapropriao da terra por interesse social, e a da criao do Estatuto do
46

Trabalhador Rural, com a fixao de jornada de oito horas para os trabalhadores rurais,
estabilidade, contratos individuais ou coletivos de trabalho (CAMARGO, 1981, p. 156).
Esse pleito resultou na constituio, no Congresso Nacional, em maro de 1956, de
comisso para elaborar o Cdigo do Trabalhador Rural, cuja trajetria na tentativa de
aprovao foi uma sucesso de tentativas, fracassos, apresentao de substitutivo, at
a rejeio, no Congresso, em junho de 1957 (CAMARGO, 1981, p. 160).
Rejeitada a extenso dos direitos trabalhistas ao trabalhador rural, o governo
desistiu da aprovao do Estatuto do Trabalhador Rural, para pr em prtica soluo
que permitisse conciliar mais facilmente os diversos posicionamentos dos
representantes no Congresso Nacional: a aprovao e execuo do projeto da
Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
A SUDENE representou no Nordeste uma nova estrutura de poder. A sua
criao representou a chegada da Revoluo de 1930 no (sic) Nordeste [porque] a
continuidade do desenvolvimento capitalista no pas e naquela regio exigia a
reestruturao do poder regional [...] (IANNI, 1984, p. 216). Tambm constituiu
mecanismo de arrefecimento do inconformismo e da revolta do campesinato, [...] no
sentido de controlar ou dominar as tenses crescentes na regio. Alis, a SUDENE no
foi seno uma das solues dadas ao agravamento das contradies polticas no
Nordeste (IANNI, 1984, p. 210-1).
Ainda que no plano poltico, a implantao da SUDENE possa ser vista como
um avano moderado, ela contribuiu para consolidar amplos setores de consenso
reformista, que condena[vam] com veemncia as velhas oligarquias, [e]
populariza[vam] [...] as Ligas Camponesas e Francisco Julio como smbolos do
protesto que romp[ia] uma secular apatia (CAMARGO, 1981, p. 167).
Conforme prometido em campanha eleitoral, faltando menos de um ano para
o encerramento de seu governo, JK, em 21 de abril de 1960, inaugura Braslia e
transfere para o planalto-central a Capital Federal. Como se ver, a mudana da Capital
teve papel importantssimo nos rumos do desenvolvimento do Pas nos anos que se
seguiram sua inaugurao, mormente quanto ao Centro-Oeste, de forma geral, e ao
Estado de Gois, em particular.
47

Em 1960, realizaram-se eleies presidenciais, para a escolha do sucessor


de Juscelino. Jnio Quadros foi eleito presidente pela UDN, com a maior votao em
nmeros absolutos que um poltico brasileiro obtivera at ento. Como vice-presidente,
foi eleito Joo Goulart, candidato por outra chapa: a aliana entre PSD e PTB, a
coligao vitoriosa nas eleies anteriores, como permitia a lei eleitoral da poca.
O curto perodo de governo de Jnio Quadros foi objeto de inmeras
interpretaes, que buscam entender e esclarecer o seu governo ambguo e o porqu
da sua renncia. Com freqncia, so apontadas como causas, a poltica interna
conservadora e a poltica externa de no-alinhamento ou progressista, como sendo a
contradio bsica e fatal. Contudo, se bem observados os sete meses de governo de
Jnio Quadros, verifica-se que as modificaes profundas que pretendia fazer no plano
social o conduziram renncia (CAMARGO, 1981, p. 168).
Para se prosseguir na anlise dos acontecimentos histricos relativos ao
governo de Jnio Quadros, importante fazer uma reflexo acerca da estrutura fundiria
e da utilizao de mo-de-obra rural na dcada de 1960. Os latifndios (propriedades
com mais de 1000 ha) correspondiam a 47,3% da rea ocupada com propriedades
agrcolas, mas, em nmero de propriedades, representavam apenas 9% do total, ao
passo que as pequenas propriedades (propriedades com menos de 100 ha)
representavam 89,6% do nmero total de propriedades e ocupavam uma rea de,
apenas, 20,2%. Ocorria um descompasso, tambm, no que concerne produo e
utilizao da mo-de-obra. O maior nmero de trabalhadores concentrava-se nas
pequenas propriedades, que eram responsveis tambm pela maior parte da produo,
especialmente de alimentos. Dentre as pequenas propriedades, apenas os stios (50 a
100 ha) utilizavam mo-de-obra assalariada. As mdias propriedades (rea entre 100 e
1000 ha), por sua vez, ocupavam 32,5% da rea e representavam 9,5% do total das
propriedades. Tinham como caracterstica o alto investimento de capitais e a elevada
comercializao da produo. Tambm utilizavam mo-de-obra assalariada. Por fim,
ainda no que se refere produo e utilizao de mo-de-obra, a grande
propriedade, cuja dimenso varia muito de regio para regio, era responsvel,
poca, por, apenas, 11,5% da produo e empregava, somente, 7% da mo-de-obra
rural ativa (LINHARES; SILVA, 1999, p. 169-70).
48

Jnio Quadros mostrou-se sensvel questo agrria. Disps-se a aplicar


ao mundo rural uma multiplicidade de medidas que varia[vam] da penalizao tributria
ao confisco, redistribuindo as riquezas em funo da produtividade e dos investimentos
de capital e de trabalho, de maneira tal que [fosse] punido o absentesta, o especulador
ou o inepto, em favor daquele que efetivamente trabalha[va] a terra (CAMARGO, 1981,
p. 172).
Constituiu-se um grupo para estudar a elaborao do estatuto da terra, cujos
trabalhos s foram concludos em 1962, j no governo parlamentar de Joo Goulart e
Trancredo Neves. A reforma agrria impe-se tambm como uma inadivel soluo
poltica que permitir a consolidao do regime democrtico (CAMARGO, 1981, p.
173).
claro que os proprietrios rurais organizaram-se e ficaram alertas aos
acontecimentos. E, em 23 de agosto, dois dias antes de Jnio renunciar, o PSD rejeitou
o substitutivo do projeto de reforma agrria de autoria do Deputado Jos Joffily. Em 25
de agosto de 1961, sete meses aps sua posse, Jnio Quadros renuncia e o pas fica
entregue a uma das mais graves crises da Repblica (CAMARGO, 1981, p. 178).
Assume o vice-presidente, Joo Goulart, que se encontrava na China
poca da renncia. Jango enfrentou, em seu curto governo, uma grave crise de
legitimidade (CAMARGO, 1981, p. 188). Tanto os liberais da urbana UDN, quanto uma
parte do PSD, partido de feies mais conservadoras, de razes ruralistas, tinham medo
das reformas propostas por ele (LINHARES; SILVA, 1999, p. 172).
Propunha-se passar a limpo a herana colonial brasileira, com a realizao
de reformas de base, como, reforma agrria, reforma bancria e reforma universitria.
O primeiro passo dado nesse sentido foi a aprovao, em 1963, do Estatuto do
Trabalhador Rural (ETR), decorrente da criao, em 1962, da Superintendncia de
Reforma Agrria (SUPRA). A aprovao do ETR significou uma tomada de posio, no
sentido de que a questo central no campo9 era a extenso dos direitos trabalhistas aos
rurcolas e, no, a distribuio de terras (LINHARES; SILVA, 1999, p. 172-3).

9
Representou a opo leninista (anticampesinista) para o antigo debate entre Lnin e Chaynov:
descampesinistas versus campesinistas, respectivamente (LINHARES; SILVA,
1999, p. 173).
49

A questo agrria era grave, sobretudo no nordeste. Em 15 de maro de


1964, Jango enviou ao Congresso Nacional um projeto de reforma agrria, no qual se
previa a desapropriao de terras improdutivas, sob o fundamento de que o direito de
propriedade tinha limites e no autorizava a manuteno de terras improdutivas. O
projeto sequer chegou a ser votado, porque na madrugada entre os dias 31 de maro e
1 de abril de 1964, os militares derrubaram o governo de Joo Goulart (LINHARES;
SILVA, 1999, p. 180-2).

1.1.3.4 A ditadura militar: o Estatuto da Terra e a modernizao agrcola

A ditadura teve incio em abril de 1964 e, logo aps o golpe, acreditava-se


que a interveno militar seria rpida, haja vista que objetivava, apenas, a realizao de
uma reforma econmica, do controle da inflao e do fim da corrupo (SILVA, 1999, p.
322). Mas os militares terminaram por permanecer no poder por vinte anos.
Assim que assumiram, impuseram a ordem mediante forte prtica repressiva.
Qualquer manifestao a favor da reforma agrria, por exemplo, era identificada como
ato subversivo. Mas, mesmo assim, os militares tiveram que se preocupar com a
questo agrria, seja porque os posseiros que resistiam expropriao dos pecuaristas
e madeireiros os pressionavam, seja porque as reas de pequenas propriedades
familiares no sul do pas esgotaram-se. Mas a preocupao central do regime militar
com o campo originava-se na busca da segurana e consolidao do novo modelo
econmico (LINHARES; SILVA, 1999, p. 184).
Os governos militares no podiam contrariar os interesses dos grandes
proprietrios de terra que os tinham apoiado no momento do golpe. Por isso, ante a
necessidade de aumentar a produtividade da agricultura brasileira e conter o xodo
rural, adotaram uma poltica que no provocasse conflitos (ARAJO, 2005, p. 39). A
forma encontrada, foi a criao de uma legislao de poltica agrria para o pais, assim
como de um rgo encarregado de implement-la, o que foi viabilizado com a
aprovao do Estatuto da Terra (ET), em 1964. Com a edio do ET, foram criados o
Instituto Brasileiro de Reforma Agrria (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento
Rural (INDA). Tais rgos tiveram suas atribuies absorvidas pelo Instituto Brasileiro
50

de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), cuja criao deu-se pelo Decreto-Lei n.


1.110, de 09 de julho de 1970 (INCRA, 2009). O ET, a despeito de advindo de um
governo ditatorial, , ainda hoje, o que de mais avanado j se fez no pas, em termos
de poltica agrria. Porm, no se pode dizer o mesmo quanto aos projetos de
colonizao agrcola desenvolvidos pelo INCRA nesse perodo (ARAJO, 1999, p. 41).
Igualmente, foram os militares que promoveram a modernizao agrcola,
tida como modernizao conservadora, em que o Estado, financiado pela comunidade
financeira internacional, por meio de uma poltica de crdito, possibilitou o aumento da
produtividade agrcola, sem realizao de reforma agrria. Foi a revoluo verde, que
consistiu na introduo de mquinas e implementos agrcolas, associada utilizao
intensiva de defensivos qumicos, fertilizantes, sementes hbridas e outras inovaes
semelhantes (ARAJO, 2005, p. 39).
Em 13 de dezembro de 1968, o General Costa e Silva edita o Ato
Institucional n. 5 (AI-5), conferindo amplos poderes ao Presidente da Repblica para
decretar o recesso dos Poderes Legislativos Federal, estaduais e municipais, para
decretar Estado de Stio, para intervir nos Estados e Municpios e para suspender
direitos polticos dos cidados, dentre outras atribuies, levando a que o regime
endurecesse ao extremo.
Com a morte do General Costa e Silva, o General Emlio Garrastazu Mdici
assume a presidncia, governando de 1969 a 1974, perodo considerado o mais radical
da ditadura militar (SILVA, 1999, p. 327).
Em 1970 o governo militar mostrava-se forte e consolidado, haja vista o
milagre econmico e a conquista do tricampeonato de futebol, mas, no governo
seguinte, o regime comea a demonstrar fraquezas (SILVA, 1999, p. 329). A crise do
petrleo, a partir de 1973, e as conseqncias dela na economia interna, levaram a que
o governo seguinte (Geisel), pressionado pela opinio pblica, iniciasse, de forma lenta
e gradual, o processo de abertura poltica (SILVA, 1999, p. 330-1). Joo Batista
Figueiredo, ltimo general-presidente, durante o seu governo, 1979 a 1984, concede a
anistia poltica, exigida pela sociedade, e acelera as transformaes institucionais
relativas retomada do regime democrtico (SILVA, 1999, p. 332). Em 15 de janeiro de
51

1985, o Colgio Eleitoral consagra Tancredo Neves presidente do Brasil. Tem incio,
ento, a Nova Repblica.

1.1.3.5 A Nova Repblica: o MST e os assentamentos de trabalhadores rurais

A Nova Repblica tem incio com o governo Sarney, restando frustrada a


expectativa nacional depositada na coligao que elegera Tancredo Neves, em razo
de seu inesperado falecimento. Logo no incio do governo Sarney, foi estabelecido o
Plano Nacional de Reforma Agrria (PNRA) e criado o Ministrio da Reforma Agrria e
Desenvolvimento (MIRAD). Havia uma previso de que seriam assentados, em uma
rea de 130.000.000 hectares, pelo menos 1.500.000 famlias, de um total de 4.500.000
trabalhadores rurais sem terra, pertencentes a um conjunto de 12.000.000 de
trabalhadores rurais expropriados (LINHARES; SILVA, 1999, p. 195).
De incio, tambm, a Nova Repblica j convivia com uma contradio: havia
um consenso aparente da necessidade de realizao da reforma agrria e de sua
vinculao democratizao do Pas; a assembleia constituinte apreciava o texto da
CF/1988, que dispunha de mecanismos que possibilitavam a realizao dessa reforma;
mas, concomitantemente, o Presidente da Repblica incentivava a formao do
centro, frente conservadora integrante da Assembleia Constituinte, cujo objetivo era
impedir que fosse aprovada qualquer mudana estrutural na sociedade brasileira.
Tambm, nesse perodo, forma-se uma das mais fortes bancadas parlamentares
interpartidrias do pas, presente at os dias de hoje, a Unio Democrtica Ruralista
(UDR), que alberga, dentre seus objetivos, o de impedir a realizao da reforma agrria
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 195). Nesse perodo nasceu, ainda, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
O MST surgiu, em 1984, com um invejvel poder de mobilizao, e com
objetivo de integrar, ao processo de cidadania, por meio do acesso terra, uma parcela
dos excludos. Defende a desapropriao das terras improdutivas. Para os homens e
mulheres do movimento, a cidadania plena s ser alcanada quando obtiveram o
acesso terra e a democratizao das condies de trabalho (MST, 2009).
52

V-se que a forma de luta j havia se modificado. No eram mais os


posseiros tentando manter e regularizar suas posses e, sim, os sem-terra,
trabalhadores rurais expropriados de suas posses e de suas propriedades, ocupando
terras improdutivas.
Na Nova Repblica os atos de violncia no campo continuaram sendo uma
constante. Dentre os crimes que mais chocaram o Pas, podem ser mencionados: em
1986, o assassinato do Padre Josimo de Morais (vigrio de So Sebastio do
Tocantins), morto na defesa de posseiros ameaados por jagunos; em 1988, em data
prxima das festividades natalinas, foi assassinado, em sua prpria casa, Chico
Mendes, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Estado do
Acre, e lder dos seringueiros desta mesma cidade; em 1991, foram assassinados o
lder do sindicato de Nova Iguau, no Rio de Janeiro, e o Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Par; em 1995, na fazenda Santa Elina, em
Corumbiara, Rondnia, foram mortos pela Polcia Militar, aproximadamente quarenta
sem-terra; em 1996, aconteceu o conflito de Eldorado dos Carajs, no Par, no qual a
PM abriu fogo contra homens, mulheres e crianas; em 1998, tambm no Estado do
Par, prximo a Eldorado dos Carajs, foram assassinados dois lderes do MST,
Onalcio Arajo Barros e Valentim Serra, depois de j haverem comunicado s
autoridades de que estavam sendo perseguidos e ameaados (LINHARES; SILVA,
1999, p. 197-202).
Por outro lado, o primeiro PNRA, entre 1985 e 1989, assentou, em nmero
de famlias, apenas, 6,4%, aproximadamente, da meta pr-estabelecida. Tambm em
rea desapropriada, o resultado foi decepcionante: aproximadamente 10% da rea que
se pretendia originalmente desapropriar. Nos governos Fernando Affonso Collor de
Mello (1990-1992) e Itamar Franco (1993-1994), a situao agravou-se ainda mais,
sendo que, s houve um aumento significativo no nmero de assentamentos, no
primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1994-1998). Mas, o aumento no nmero
de famlias assentadas no governo Fernando Henrique Cardoso no significa uma viso
diferente da de governos anteriores acerca da Reforma Agrria. O maior nmero de
famlias assentadas resulta, to-somente, em uma poltica do Estado brasileiro, de
gerenciamento dos conflitos agrrios (CAUME, 2000, p. 68-9).
53

Dados mais recentes acerca da violncia no campo do conta de que


continuam acontecendo assassinatos. Em 12 de fevereiro de 2005, foi assassinada a
missionria americana, naturalizada brasileira, Irm Dorothy Stang (74 anos), em
Anapu, PA. Dorothy Stang foi morta por pistoleiros, por ordem de fazendeiros e
madeireiros. A missionria incentivava e apoiava a criao de projetos de
desenvolvimento sustentvel, que aliavam produo e proteo ao meio ambiente. No
ano de 2005, no qual Dorothy Stang foi assassinada, de janeiro a agosto, j tinham sido
assassinados vinte e oito trabalhadores rurais, nmero maior do que os vinte e sete
assassinatos cometidos no ano de 2004 (CPT, 2010).
Em 2006, os dados da Comisso Pastoral da Terra (CPT) mostram que
houve 1.657 conflitos no campo com violncia, resultando em trinta e nove
assassinatos, trinta torturados, novecentos e dezessete presos e setecentos e quarenta
e nove trabalhadores agredidos e/ou feridos (AQAB, 2010).
Em 2010, o INCRA divulgou novo levantamento acerca dos assentamentos
para fim de reforma agrria. De acordo com os nmeros oficiais, em sete anos de
governo do Presidente Luiz Incio Lula da Silva, 574,6 mil famlias foram assentadas
em uma rea total de 46,7 milhes de hectares. Os dados oficiais indicam, tambm, que
esses assentamentos representam 55% de tudo o que foi feito na rea da reforma
agrria em 40 anos de existncia do INCRA. A soma da rea dos assentamentos j
realizados demonstra que 84,3 milhes de hectares de terra, que correspondem a 10%
do territrio nacional, foram destinados Reforma Agrria (BEM PARAN, 2010).
No entanto, para a direo do MST no h motivos para comemorao, uma
vez que os nmeros esto aqum das metas que o governo havia se proposto atingir.
Ademais, alega o MST, que, nesse nmero, foram includos como assentamentos
novos, reas de regularizao fundiria e recolocao de pessoas atingidas por
barragens, o que, uma vez deduzido, reduziria o nmero de novos assentados para 200
mil famlias. De igual forma, os lderes do movimento criticam o fato de a maioria dos
novos assentamentos localizarem-se na Regio Amaznica, sendo que as famlias
acampadas concentram-se nas Regies Sul e Sudeste (MST, 2010).
Como se v, a questo do acesso terra permanece sem soluo, ainda que
se tenham modificado a forma de luta e as aes governamentais.
54

1.2 GOIS: PECULIARIDADES NA OCUPAO E EXPLORAO DA TERRA.

A ocupao e explorao do territrio goiano guardam semelhanas com as


que se deram na maior parte do pas, mas, possuem, tambm, suas peculiaridades.
A primeira dessas peculiaridades, diz respeito poca da ocupao. As
penetraes em territrio goiano tiveram incio no final do sculo XVI, de forma esparsa,
decorrentes da caa ao ndio, mas no chegaram a fixar o homem ao solo (SILVA,
2001, p. 17). A ocupao efetiva do territrio goiano s comeou com a busca do ouro e
de pedras preciosas no interior do Brasil, realizada pelo movimento das bandeiras, que
remonta o final do sculo XVII, comeo do sculo XVIII. Assim, enquanto a faixa
litornea do territrio brasileiro, especialmente entre as regies que hoje formam o
Nordeste e as que constituem o Sudeste, comeou a ser ocupada pelos portugueses, a
partir de 1.500 (incio do sculo XVI), a ocupao de Gois comeou em 1700, ou seja,
o que se conhece por histria de Gois teve incio 200 anos aps o incio da histria do
Brasil.
O movimento das bandeiras surgiu em So Paulo e constitua-se de grupos
de paulistas brancos, mestios e ndios, cujo objetivo era a explorao do serto
brasileiro (BASTIDE, 1975, p. 28). As expedies dos bandeirantes, por um lado, foram
devastadoras, porque destruam o que viam pela frente, pilhando povoados e misses
dos jesutas, mas, por outro lado, fizeram com que a fronteira das posses portuguesas
avanasse cada vez mais para o interior, possibilitando que fosse delineado, j no
sculo XVII, o mapa do Brasil contemporneo (BASTIDE, 1975, p. 29).
As primeiras expedies deram-se no sculo XVII, mas foi a partir da
confirmao da existncia de ouro em minas de Cuiab, no incio do sculo XVIII
(1719), que se intensificou o interesse pela explorao das novas terras (AGUIAR,
2003, p. 19).
As bandeiras adentraram o Estado, em busca de ouro, pelo sul. Tambm as
Minas Gerais expandiram-se, penetrando o territrio goiano pelo sul, atravs da regio
denominada Desemboque que, em 1818, passou a pertencer quela provncia,
constituindo-se no Tringulo Mineiro (AGUIAR, 2003, p. 26).
55

Apesar das dificuldades, j havia, no sculo XVIII, interligaes de Gois


com Maranho, Pernambuco, Mato Grosso, Par, alm de Minas Gerais [e So Paulo].
O Par e o Maranho eram alcanados por meio do Rio Tocantins, partindo de Porto
Real10 (AGUIAR, 2003, p. 20).
Para o norte do Estado, importante, tambm, eram as ligaes com as
provncias do Nordeste, quer pelo comrcio desenvolvido entre as provncias, quer pelo
intercmbio cultural, j que o goiano do norte do Estado identificava-se mais com o
nordestino do que com o goiano do sul (AGUIAR, 2003, p. 29).
O sul do Estado usufruiu de maiores facilidades do que o norte, na
integrao ao mercado brasileiro. Nem a criao da Comarca do Norte solucionou os
problemas locais, fazendo com que, em 14 de setembro de 1821, os nortenses
instalassem um governo independente, que no veio a ser reconhecido pelo imperador,
causando grandes constrangimentos aos goianos do norte (AGUIAR, 2003, p. 25).
Gois pertenceu Capitania de So Paulo at 1.744, quando ocorreu o
desmembramento. Isso, apesar de se levar seis meses para vir de So Vicente at o
povoado de explorao de ouro mais prximo em terras goianas (AGUIAR, 2003, p. 20).

Considerada como parte da Capitania de So Paulo, a regio das minas dos


Goyazes foi governada inicialmente por Bartolomeu Bueno, que ostentava o
ttulo de capito-mor at 1734. No ano de 1744, foi criada a capitania de Gois.
No entanto, seu primeiro governador, dom Marcos de Noronha, o Conde dos
Arcos, s viria a estabelecer-se no local cinco anos mais tarde (CHAUL, 2010,
p. 34).

O auge do ciclo do ouro durou apenas meio sculo, mas teve importncia
primordial no que se refere unidade brasileira. Conforme salienta Roger BASTIDE, o
ciclo do ouro representou o centro de gravidade do Brasil colonial, na medida em que
atraiu para o interior do pas, uma populao estvel e urbanizada, vinda de todas as
partes j ocupadas do territrio brasileiro e tambm de Portugal (BASTIDE, 1975, p.
29).

10
Hoje Porto Nacional no Estado do Tocantins. O antigo vilarejo, primeiramente denominado Pontal,
passou a chamar-se Porto Real, ainda durante o Brasil Colnia, Porto Imperial, no Brasil Imprio, e
Porto Nacional, depois de proclamada a Repblica (Portal de informaes e servios do Estado do
Tocantins. Disponvel em: <http://to.gov.br/m/porto-nacional/938>. Acesso em: 24 nov. 2010).
56

Quando a atividade mineradora perdeu fora, parte da populao que se


fixara em territrio goiano, nele permaneceu, e buscou outras formas de sobrevivncia.

O sculo XIX encontra Gois numa fase de transio da atividade de


minerao, responsvel pelo seu aparecimento no contexto da economia
brasileira, para as atividades ligadas agropecuria. O ouro ainda se fazia
presente dentre as atividades econmicas da poca, embora j de maneira
residual, enquanto a lavoura e a pecuria se firmavam, embora de forma
limitada, inclusive pela dificuldade de escoamento da produo, o que denotava
a precariedade da integrao da Colnia, bem como a fragilidade da demanda
interna e exterior (AGUIAR, 2003, p. 39).

A decadncia da minerao terminou por significar a perda da base de


fixao de parcela da populao que viera para Gois resultando na reduo,
empobrecimento e ruralizao dessa populao. Contudo, nas primeiras dcadas do
sculo XIX, a atividade agropecuria j se encontrava estabelecida e percebiam-se
indcios de crescimento populacional (AGUIAR, 2003, p. 42).
Aps a decadncia da minerao, Gois comeou, ento, lentamente, um
processo de expanso das atividades agropecurias. A estrutura fundiria foi-se
firmando com base na grande propriedade. Quase toda a populao vivia na zona rural,
vinculada, em sua maioria, atividade pecuria. A lavoura existente era a de
subsistncia (MACHADO, p. 5).
Na pecuria, reside outra peculiaridade do desenvolvimento histrico do
Estado de Gois. Enquanto na faixa litornea do Pas, aps os primeiros trinta anos
caracterizados pelo extrativismo do Pau-Brasil, predominou a explorao agrcola
monocultora direcionada ao mercado externo, em Gois, estabeleceram-se grandes
unidades praticantes de uma pecuria de carter extensivo (CAUME, 2005, p. 12).
A proximidade com a regio Sudeste fez com que a incorporao do Estado
ao desenvolvimento capitalista do Pas, ficasse vinculada s necessidades daquela
regio, para a qual, o caf, cultivado para fim de exportao, era o principal produto.
Essa proximidade foi determinante, tambm, no maior desenvolvimento das regies sul
e sudeste do Estado, relativamente s demais. Mas, a precariedade das vias de
transporte impedia que se intensificassem as relaes comerciais entre o Estado de
Gois e a Regio Sudeste do Pas, especialmente no que diz respeito aos produtos
57

agrcolas, uma vez que o gado no necessitava de meio de transporte, j que se auto-
transportava (MARIN, 2005, p. 107).
A situao modificou-se com a chegada da ferrovia. A Estrada de Ferro
Mogiana havia chegado a Araguari em 1896; em 1909, a Estrada de Ferro Paulista
chegou a Barretos; e, finalmente, em 1913, a Estrada de Ferro Gois ligou o Estado de
Gois ao de Minas Gerais. Nesse mesmo ano, a Rede Mineira de Viao tambm
chegou a Gois.

O sculo XIX trouxe grandes mudanas, dando ocupao uma nova


perspectiva, uma vez que a prpria terra era esperana de riqueza. [...] Nas
11
duas ltimas dcadas do sculo XIX, e principalmente na dcada de 1990
(sic), o interesse pelas obras pblicas tornou-se mais intenso: abertura e reparo
de estradas, construo e reparo de pontes [...] e j no final do sculo a ferrovia
passava a ser interesse maior, notadamente dos produtores do Sul-Sudeste.
Assim, medida que a economia do Sudeste do Pas foi tornando-se mais
pujante, Gois foi se integrando atravs da produo voltada para o
abastecimento da populao envolvida com o caf, o que, aliado urbanizao,
resultava no aumento da demanda por alimentos. A integrao de Gois ao
mercado nacional fez-se, desse modo, dentro de um quadro j visto, de
dependncia, mas preservando muitas das caractersticas que lhe so prprias,
em razo de suas condies fsico-geogrficas e culturais, tendo ainda como
importante a forte presena e resistncia indgena (AGUIAR, 2003, p. 26-7).

A ferrovia teve um papel importante no desenvolvimento do Estado: facilitou


o escoamento dos produtos goianos at os mercados do litoral e possibilitou a
ocupao agrcola do territrio goiano, com o povoamento de grandes reas da regio
meridional do Estado. Vrios povoados surgiram entre 1888 e 1930, em decorrncia
dessa ocupao, alm de dez municpios: Planaltina, Orizona, Bela Vista, Corumbaba,
Itumbiara, Mineiros, Anicuns, Trindade, Cristalina, Pires do Rio, Caldas Novas e Buriti
Alegre (SILVA, 2001, p. 25).
Novo impulso decorreu da expanso das frentes cafeeiras, que traziam
consigo as culturas de gneros alimentcios. O Estado havia despertado do longo
perodo de estagnao econmica no qual mergulhara aps a queda da minerao.
Tambm colaborou com esse impulso desenvolvimentista do Estado, a expanso da
indstria brasileira na Regio Sudeste, que necessitava de mercados internos para os
seus produtos (DAYRELL, 1974, p. 50).
11
Trata-se da dcada de 1890 e, no, 1990.
58

No que se refere ao emprego da mo-de-obra, o final do sculo XIX, comeo


do sculo XX, trouxe mudanas, decorrentes da abolio da escravatura. Era
necessria a existncia de leis que regulamentassem o trabalho livre. E, sob esse
aspecto, o que aconteceu no Estado de Gois, no foi diferente do que houve no
restante do Pas: elaboraram-se leis que permitiam que o empregador mantivesse o
domnio sobre seus empregados, ou seja, o patronato cercou-se de todas as garantias
para que o trabalho livre no lhe trouxesse nus demasiado.
Editou-se a Lei n. 11, de 20 de junho de 1892, Lei de Locao de Servios,
com vigncia no territrio do Estado de Gois12, ou Lei do Camarada, como era
conhecida, que regulamentava a prestao de servios pastoris, agrcolas, domsticos
e de transporte de tropas (MARIN, 2005, p. 105). Na teia tecida em oito captulos,
distribudos em 59 artigos, institua-se uma outra modalidade de trabalho escravo,
atravs de um sofisticado mecanismo de endividamento do trabalhador (MARIN, 2005,
p. 108).
Essa lei estabelecia, dentre outras regras, uma jornada de 12 horas de
trabalho, das 6h00 s 18h00; previso de descanso aos domingos e dias santos, mas
admitia que, se necessrio, o patro poderia requisitar o trabalho nesses dias (MARIN,
2005, p. 109); previso de pena de priso para aquele que, sem justo motivo,
recusasse-se a trabalhar e para aqueles que estimulassem a organizao de greve
(MARIN, 2005, p. 110-1). Por outro lado, no havia na lei qualquer restrio ao trabalho
de crianas e adolescentes, nem qualquer previso de frias para os trabalhadores.
Mas, o mais grave eram a dvida, o livro de conta-corrente e a carta de declarao
negativa de dbitos, que estabeleciam o regime de escravido por endividamento
(MARIN, 2005, p. 110).
Outro ponto de coincidncia entre o processo histrico do Brasil e de Gois
diz respeito aos movimentos sociais de cunho religioso. Em Gois, eclodiu o movimento
denominado Santa Dica, Anjos ou Calamita dos Anjos, que, apesar de pequeno,

12
A Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, previa: Art. 34 Compete
privativamente ao Congresso Nacional: [...] 23) legislar sobre direito civil, comercial e criminal da
Repblica e o processual da Justia Federal; [...]. Portanto, lei sobre locao de servios, matria de
Direito Civil, seria da competncia legislativa privativa da Unio, restando vedado aos estados
federados legislar sobre a matria, tanto que o Cdigo Civil de 1916 veio a regular essa espcie
contratual nos art.. 1.216 a 1.236.
59

demonstra a resistncia dos desfavorecidos em relao s imposies da classe


dominante, por meio de uma organizao que pregava uma forma de viver livre das
leis terrenas (MACHADO, p. 9).

Santa Dica aparece como curandeira nos primeiros anos da dcada de 1920,
na regio da Lagoa, nas proximidades do Rio do Peixe, no Municpio de
Pirenpolis onde vivia com sua famlia. Aps ser acometida de uma grave
enfermidade foi dada como morta. Ressuscitou, no entanto, no momento em
que estavam dando-lhe banho durante os preparativos do corpo para o enterro.
Desde ento, passou a sofrer ausncias ou transes, momentos em que perdia
sua conscincia e passava a receber mensagens divinas, se transformando em
mensageira dos anjos. [...] Seus milagres e curas foram rapidamente
conhecidos em outras localidades atraindo para o local um crescente nmero
de adeptos, formando em pouco tempo um vilarejo. [...] As atividades de cura,
palestras e profecias foram realizadas por mais de dois anos (1923-1925), at
que o movimento fosse dissolvido pelo governo estadual atravs de interveno
policial. As hostilidades aos integrantes do movimento dos anjos, [...]
comearam a aparecer [...] quando, principalmente os coronis da regio,
identificaram nas idias e atitudes dos integrantes do grupo de seguidores da
Santa, aspectos que prejudicavam diretamente seus interesses (destaques do
original) (MACHADO, p. 9-10).

Com a Revoluo de 1930, comeou a haver mudanas nas relaes de


trabalho. Em Gois, o interventor, Pedro Ludovico Teixeira, expediu o Decreto n. 411,
de 23 de dezembro de 1930, declarando antijurdica a Lei n. 11/1892 e transferindo
para a Segurana Pblica a responsabilidade de fiscalizar o adimplemento dos
contratos de prestao de servios, especialmente no que se refere ao endividamento
dos trabalhadores (MARIN, 2005, p. 111-2).
Porm, o Decreto 411/1930 foi declarado inconstitucional, com a
promulgao da Constituio de 1934 (MARIN, 2005, p. 112), que trouxe a primeira
regulamentao das relaes de trabalho, de abrangncia nacional, ainda que restrita
aos setores urbano e industrial.
Foi nesse perodo de mudanas no Pas, decorrentes da Revoluo de 1930,
que veio a concretizar-se uma ideia que desde o incio da ocupao do Estado sempre
esteve presente: a da mudana da capital. A ideia da mudana da capital esteve
presente em todos os caminhos que a histria de Gois trilhou, desde os descaminhos
do ouro quando surgiu a necessidade de alterar o marasmo global da regio, rica em
minrios e pobre em motivaes sociais (CHAUL, 2010, p. 224). Mas, no momento
60

poltico subsequente Revoluo de 1930, a mudana da capital passou a significar


uma forma de ascenso ao poder. Significar algo moderno. Representar o progresso.
Seria, para o Estado de Gois, um divisor de guas, que separaria o novo Estado do
velho Estado de Gois (CHAUL, 2010, p. 231).

[...] podemos constatar a transposio do tema campo e cidade para serto e


litoral. No lugar da decadncia e do atraso, temos a modernidade construda no
serto Goinia. Desta forma se fazia crer que o novo Brasil superava o velho,
dominado pelo litoral. A interiorizao preconizada a partir da Marcha para o
Oeste se solidificava com a mudana da nova capital (destaques do original)
(CHAUL, 2010, p. 254).

A Marcha para o Oeste seria a concretizao da interiorizao do Pas, que


representaria uma forma de modernidade na selva, fato que no possua qualquer
precedente. E Goinia seria a capital do serto (CHAUL, 2010, p. 254).
Gois representava mais do que um mercado de consumo promissor,
representava, ainda, a possibilidade de soluo para o problema da terra, da prpria
posse do territrio nacional, como forma de resposta a eventuais pretenses
internacionais. Neste contexto, tambm se procurava dar soluo para os problemas do
trabalhador levando-o para regies mais promissoras e possibilitando-lhe a posse da
terra, sem comprometer a estrutura agrria da faixa litornea, j ocupada (DYRELL,
1974, p. 69).
poca, a preocupao desenvolvimentista e a situao internacional
alertavam para a possibilidade de atentado Segurana Nacional e fizeram com que se
concretizasse a Marcha para o Oeste. Ademais, os resultados do censo de 1940,
segundo o qual a situao demogrfica brasileira encontrava-se abaixo das
expectativas nacionais, acentuaram as preocupaes com as possveis pretenses
estrangeiras. Para se povoar as regies despovoadas do Brasil, a nica via de acesso
seria pelo sul, atravs do Planalto Central. Assim, em visita Goinia, em 07.08.1940,
Getlio Vargas mencionou de forma clara que se tornara imperioso localizar no centro
geogrfico do Pas poderosas foras capazes de irradiar e garantir a nossa expanso
futura. E continuou o discurso dizendo que Gois deveria tornar-se o celeiro do Pas,
por se apresentar com as energias revigoradas e possuir populao que estava
61

aumentando consideravelmente, o que se tornaria ainda mais intenso quando os


grandes cursos de gua que regem o planalto [...] [transformassem-se] em ligao
econmica entre o Norte e o Centro do pas (DYRELL, 1974, p. 45).
Dessa forma, o territrio do Centro-Oeste, antes abandonado, passou a
representar o ideal mximo no projeto de desenvolvimento do Pas. Como se pode
depreender, o Oeste apresentava-se como a nica opo de penetrao da corrente de
povoamento, j que a conquista do Norte s seria possvel atravs do Oeste. Dentro
da Marcha para o Oeste, Goinia seria a metfora [...] [deste] Brasil grande, do novo,
do progresso, a representao do novo tempo que se estruturava nos horizontes
nacionais (CHAUL, 2010, p. 256).

Goinia expressava a modernidade e o progresso, e amalgamava o urbano e o


rural. Uma parcela da sociedade da poca com voz na poltica local escondia o
fazendeiro por trs do profissional liberal. O mdico, o advogado, o
farmacutico, o engenheiro, o bacharel etc., quase todos ligados estrutura
fundiria, procuravam por si mesmos ou por meio de seus representantes, uma
mudana nos quadros da poltica estadual. Difundiam a ideia de que o velho
os grupos polticos depostos tinha cedido lugar a uma nova ordem, de novos
homens, que, entre jalecos e leis, remdios e construes, dirigiam o Estado
guiados por uma nova mentalidade: mais progressista, mais moderna, mais
dinmica (CHAUL, 2010, p. 256).
.

No incio dos anos 1960, novo impulso desenvolvimentista adveio da


mudana da Capital do Pas para Braslia. O territrio do novo Distrito Federal foi
destacado do territrio do Estado de Gois.
A partir de 1964, teve incio o processo de modernizao do setor
agropecurio. Entre 1971 e 1975, Gois integra-se de maneira mais efetiva economia
nacional, haja vista a expanso das reas de agropecuria e o aumento de
produtividade (AEAEG, 2005).
O processo de mudana havido no final da dcada de 1980 e na dcada de
1990, tanto na forma de luta pela terra, como tambm na implantao das polticas de
redistribuio de terras pelo Estado brasileiro, com base nos assentamentos de
trabalhadores rurais sem terra, ocorreu, em Gois, de maneira semelhante ao que se
deu no restante do Brasil (CAUME, 2000, p. 51).
62

Nessas dcadas, as ocupaes de terras improdutivas pelos trabalhadores


rurais sem-terra passaram a representar a principal forma de luta dos trabalhadores,
apesar de persistirem, ainda, os meios tradicionais de luta, baseados na resistncia dos
camponeses expropriao de suas terras. Essa resistncia dos camponeses os
levava a serem vtimas constantes da prtica de violncia (CAUME, 2000, p. 56).
Porm, existiram ganhos decorrentes desses conflitos. Em Gois, vrios dos
assentamentos de trabalhadores rurais sem-terra decorreram da luta desses
trabalhadores pelo direito terra. Citam-se os projetos Riacho, em Stio DAbadia
(1993); Esusa, em Alto Paraso; Atalaia, em Monte Alegre de Gois; e Noite Negra, Cu
Azul e Mucambo, em Minau, todos estes de 1995 (CAUME, 2000, p. 56).
Nesse perodo, no final da dcada de 1980, mais precisamente com a
promulgao da Constituio de Repblica de 1988, aconteceu outro novo impulso no
processo de desenvolvimento, com a diviso do Estado. A criao do Estado do
Tocantins permitiu um maior avano econmico ao Estado de Gois, principalmente no
que se refere ao setor agropecurio, uma vez que o territrio que coube a Gois foi
justamente o melhor servido de estradas, mais povoado etc. (AEAEG, 2005).
O Estado de Gois hoje o retrato do processo histrico por ele vivenciado.
As caractersticas peculiares ao seu desenvolvimento esto presentes, tanto na
estrutura fundiria do Estado, quanto nas relaes de trabalho no campo.
Conforme salienta David Jos CAUME, a Regio Centro-Oeste a nica do
Pas em que o peso da agricultura patronal, em nmero de estabelecimentos, maior
do que o da agricultura familiar. Isso decorre do processo histrico de sua ocupao,
com base em grandes propriedades que praticavam a pecuria extensiva. Assim,
enquanto no restante do Pas, o nmero de estabelecimentos de agricultura familiar
maior do que os de agricultura patronal, a despeito de a agricultura patronal ocupar
rea total muito superior ocupada pela agricultura familiar, em Gois, a agricultura
patronal prepondera tanto em nmero de estabelecimentos, quanto em rea ocupada, e
neste quesito, a desproporo ainda maior do que nas outras regies (2005, p. 12-3).
Ademais, diferentemente do restante do Pas, a agricultura familiar do
Centro-Oeste responsvel por menos de 10% (dez por cento) do total da produo
agropecuria, sobressaindo-se, apenas, no que diz respeito cultura da mandioca, cuja
63

presena significativa, sendo, a agricultura familiar, responsvel por,


aproximadamente, um tero da produo total (CAUME, 2005, p. 14).
O sul do Estado de Gois juntamente com a Regio Sul do Pas, o Estado de
So Paulo e o sudoeste de Minas Gerais formam a regio que concentra maior
diversidade, dinamismo e produtividade da agropecuria brasileira, tanto em relao a
produtos para o mercado interno quanto para o mercado externo. Mas, se na parte sul
desta regio, predominam as relaes camponesas de produo, na parte norte, onde
est localizado o sul do Estado de Gois, predominam as relaes de assalariamento
(AQAB, 2008).
Tais caractersticas repercutem, tambm, na forma de utilizao da mo-de-
obra, uma vez que, no Pas, de um modo geral, a agricultura familiar responsvel por
mais da metade do pessoal ocupado no setor, ao passo que na Regio Centro-Oeste,
esse percentual fica pouco acima dos 30% (trinta por cento) (CAUME, 2005, p. 13-4).
Na regio do agronegcio dos cerrados, apesar da grande produo,
produtividade e diversidade, inegvel a existncia de terras ociosas ou com prtica
pecuria muito extensiva, alm da maior concentrao da terra (AQAB, 2008). E o que
se presencia nessa regio, a transformao dessas reas ociosas e subutilizadas em
lavouras de cana-de-acar, sendo que mesmo as reas desta regio utilizadas com
outras culturas tm sido transformadas em canaviais (AQAB, 2008).
Corroborando o que foi afirmado, entre os investimentos privados previstos
para o perodo de 2010 a 2013 o acar e o etanol figuram em primeiro lugar,
totalizando o montante de R$ 17.051.280.000,00 (dezessete bilhes, cinquenta e um
milhes e duzentos e oitenta mil reais), que representam 53,54% (cinquenta e trs
inteiros e cinquenta e quatro centsimos por cento) do total a ser investido no Estado,
neste perodo (CAMINHOS-2011-GOIS, 2010, p. 17).
No que se refere ao campesinato, o Atlas da Questo Agrria Brasileira,
menciona a existncia, no Pas, de trs campesinatos: o campesinato do Sul,
caracterizado por uma agropecuria variada, dinmica, de alto grau de produtividade e
grande produo, proveniente da colonizao europeia no Sul do Pas; o campesinato
do Nordeste, que faz uso de meios precrios de produo e possui baixa produtividade,
decorrentes, em grande parte, da ineficincia das polticas estatais, em superar as
64

dificuldades advindas do clima rido; e o campesinato amaznico, que possui presena


marcante de nordestinos camponeses, que para l migraram em busca de uma vida
melhor, quando dos incentivos para a ocupao da Amaznia. Neste campesinato
predominam atividades extrativistas e produo agropecuria para abastecimento
regional. Outra caracterstica deste campesinato a intensa violncia por ele sofrida,
conseqncia do avano das grandes propriedades sobre as terras dos camponeses
(AQAB, 2008).
Como se v, no que se refere ao campesitato, o Estado de Gois e o Centro-
Oeste, como um todo, sequer so mencionados. No que no exista campesitato na
regio Central do Brasil, mas a sua relevncia pequena se comparada do restante
do Pas, pois o que predomina, no campo, a mo-de-obra assalariada a servio do
grande produtor ou da agroindstria.

1.3 A REESTRUTURAO PRODUTIVA E OS MEIOS DE PRODUO AGRCOLA

A expresso reestruturao produtiva ganhou destaque quando passou a ser


utilizada para designar a reestruturao da produo no capitalismo, e vista por
alguns autores como produto da revoluo cientfica e tecnolgica dos anos 60/70, com
a gesto de polticas microeconmicas13 que visam modificar a relao capital-trabalho
no interior das empresas (MACAMBIRA, 1998, p. 11).
A necessidade dessa reorganizao decorrente da crise vivida pelo
capitalismo. nessa acepo que a expresso empregada neste trabalho: mais
especificamente, a reestruturao produtiva no campo, e suas implicaes nas relaes
de emprego do trabalhador rural.
Os meios de produo agrcola so todos os instrumentos e condies que
possibilitam a produo (OLIVEIRA, 1986, p. 85). Para a agricultura, a terra o principal
meio de produo, sem a qual resta inviabilizado qualquer tipo de cultura.
Os meios de produo agrcola, utilizados no decorrer do processo histrico,
integram esse processo histrico e representam, tambm, elementos fticos que

13
Microeconomia: cincia que trata do modo como as entidades individuais que compem a economia,
consumidores privados, empresas comerciais, trabalhadores, grandes proprietrios de terras,
produtores de bens ou servios, particulares etc. atuam reciprocamente (HOUAISS, 2001, p. 1.916).
65

condicionam a situao atual do campo. Contudo, optou-se por abordar em um tpico o


processo histrico relativo terra e ao trabalhador rural no Brasil; em outro, esse
mesmo processo histrico no Estado de Gois; e neste tpico as questes relativas
reestruturao produtiva e aos demais meios de produo.
Para bem se compreender como se organiza a produo agrcola no mundo
contemporneo, no contexto da reestruturao produtiva, faz-se necessrio conhecer
esse processo no decorrer da histria.
De incio, preciso ter-se em mente que, em meados do sculo XX, a
produtividade agrcola no Brasil era uma das mais baixas do mundo. poca eram
cultivados vinte milhes de hectares por dez milhes de trabalhadores, ou seja, havia
uma proporo de um trabalhador para cada dois hectares de terra cultivada, ao passo
que, nos EUA, oito milhes de trabalhadores cultivavam cento e noventa milhes de
hectares, o que representa uma proporo de um trabalhador para 23,75 hectares, ou
seja, um trabalhador para quase vinte e quatro hectares de terra cultivada (LINHARES;
SILVA, 1981, p. 132). Como se percebe, em meados do sculo passado, no Brasil, as
tcnicas de cultivo ainda eram muito precrias.

1.3.1 Os meios tradicionais de produo agrcola

Apesar do pouco conhecimento que se tem acerca de como se cultivava a


terra no Brasil colnia,14 pelo que se sabe, a utilizao de tcnicas ultrapassadas uma
constante desde o incio da colonizao. Esse pouco que se conhece est voltado para
o cultivo da cana-de-acar. Ou seja, se h muitas dificuldades em se recuperar as
tcnicas utilizadas no cultivo destinado exportao, no que se refere produo de
alimentos, essas dificuldades tornam praticamente impossvel a reconstruo dessas
tcnicas (LINHARES; SILVA, 1981, p. 136).
Na viso de Gilberto FREYRE, o portugus quando chegou ao Brasil teve
que mudar radicalmente o sistema de sua lavoura. Tanto o clima, quanto a temperatura
e as condies fsicas e qumicas do solo, no possibilitavam o cultivo da mesma forma

14
Conforme assinalam Maria Yedda LINHARES e Francisco Carlos Teixeira da SILVA, a histria
econmica brasileira no tem dedicado ateno s tcnicas de cultivo ou foras produtivas, exceto
alguns poucos estudiosos como Alice P. Canabrava e Srgio Buarque de Holanda (1981, p. 136).
66

como se fazia em Portugal. Segundo ele, sob esse aspecto, o colonizador ingls nos
EUA contou com facilidades muito maiores, porque encontrou condies semelhantes
s que tinha na Inglaterra (2008, p. 76-7).
Continua, afirmando que o solo do pas, no geral, no era apropriado ao
cultivo de espcies variadas. Pelo contrrio, tratava-se de solo spero, intratvel,
impermevel, rebelde disciplina agrcola, exceto as pores de terra preta ou roxa,
estas, sim, de qualidade excepcional. Tambm os rios, no facilitavam a atividade
agrcola e a fixao das famlias, porque, no s aconteciam enchentes arrasadoras,
como, tambm, secas esterilizantes. Alm de tudo isso, havia a dificuldade de transpor
os matagais, infestados de insetos, larvas e vermes nocivos ao homem, o que
dificultava o transporte dos produtos agrcolas (FREYRE, 2008, p. 77).
Para o colonizador portugus, no foi fcil a tarefa de cultivar a terra da
Colnia, mesmo considerando que, dentre todos os povos colonizadores, os
portugueses eram os que possuam maior proximidade com o clima tropical. Por isso,
pode-se dizer que o trabalho desenvolvido pelos portugueses foi muito diferente do que
deixam transparecer os autores que narram a exuberncia da natureza no Brasil.
O portugus tambm no era um exmio agricultor15. E, se o portugus no
era um bom agricultor, o ndio menos ainda. Este possua natureza nmade, por isso
no era dado s experincias agrcolas, pouco conhecendo de tcnicas de plantio.
Ademais, o pouco conhecimento de plantio transmitido pelos indgenas aos
portugueses o foi pelas ndias: o conhecimento de sementes e razes, outras
rudimentares experincias agrcolas, transmitiu-a ao portugus menos o homem
guerreiro que a mulher trabalhadora do campo ao mesmo tempo que domstica
(FREYRE, 2008, p. 164).
Srgio Buarque de HOLANDA tambm ressalta o aspecto da pouca
intimidade dos portugueses com o cultivo da terra. Porm, no considera que as
condies por eles encontradas no Brasil fossem demasiado adversas. D maior nfase
ao fato de as tcnicas praticadas pelos portugueses, no cultivo da cana-de-acar,
produto que deu incio agricultura brasileira, serem devastadoras. Afirma que se torna
difcil, inclusive, chamar de agricultura a esses processos introduzidos no cultivo da

15
Existiam excees, como Duarte Coelho, grande agricultor (FREYRE, 2008, p. 86).
67

cana-de-acar para os engenhos, que teriam se prestado, apenas, a tornar ainda mais
nocivos os mtodos indgenas rudimentares (2003, p. 49).
O que se sabe que os europeus adotaram, na Colnia, o sistema de
agricultura praticado pelos indgenas, o que representou, pode-se dizer, um retrocesso,
relativamente ao que era praticado em Portugal j h algum tempo (LINHARES; SILVA,
1981, p. 139). Por que motivo, no Brasil, como, alis, em toda a Amrica Latina, os
colonizadores europeus retrocederam, geralmente da lavoura de arado para a de
enxada, quando no se conformaram simplesmente aos primitivos processos dos
indgenas? (HOLANDA, 2003, p. 67).
Em grande parte, deve-se escassa disposio dos imigrantes ibricos para
as lidas agrcolas e questo do atraso na utilizao das tcnicas de cultivo. Mas
ocorre que colonos europeus vindos de outras regies tambm no se mostraram muito
mais avanados do que os portugueses, no que se refere ao cultivo da terra. Em razo
disso, acredita-se que, alm desse, outros fatores devem ter influenciado na regresso
dos colonizadores, na adoo das tcnicas de cultivo (HOLANDA, 2003, p. 67).
Os descendentes dos colonos alemes e italianos foram, geralmente, mais
interessados do que os luso-brasileiros em fazer uso de tcnicas de agricultura
fundadas sobre mtodos aperfeioados, mas, mesmo eles, terminavam por utilizar
tcnicas rudimentares.

Duas causas explicam suficientemente, a persistncia dos mtodos mais


primitivos de lavoura nas colnias alems do Sul do Brasil. A primeira est em
que essas colnias se acham distribudas, em sua maioria, ao longo da regio
serrana e ocupam encostas de morro, em direo aos vales. A prpria
conformao do terreno probe, nesses casos, o emprego do arado. Por outro
lado, parte dos colonos instalados em plancies acabou lavrando suas terras
maneira europia. Mas nem todos. Muitos permaneceram e ainda permanecem
fiis enxada. A razo est esta a segunda causa invocada para explicar a
persistncia dos processos primitivos em que a experincia de vrios
lavradores mostrou como o emprego do arado muitas vezes contraproducente
em certas terras tropicais e subtropicais (HOLANDA, 2003, p. 69).

Ao que parece, a razo do insucesso decorria do fato de que os europeus


praticavam uma aradura mais profunda, que no era apropriada ao tipo de solo
brasileiro, uma vez que sepultava a tnue camada de hmus existente sobre o terreno
pobre. Assim, uma vez descoberta a causa do insucesso, a aradura passou a ser
68

realizada na superfcie, o que propiciava a obteno de melhores resultados


(HOLANDA, 2003, p. 69).
Mas a adoo dos processos de cultivo indgenas e, tambm, o cultivo dos
mesmos gneros alimentcios cultivados pelos indgenas constituram, por outro lado,
motivo do sucesso da agricultura de subsistncia no Brasil. Os principais produtos
cultivados eram: milho, mandioca, feijes, abbora, batata doce, car, amendoim,
pimenta e banana. A base da lavoura indgena eram a mandioca, o milho e a batata
doce (LINHARES; SILVA, 1981, p. 137-8).
O sistema de preparo da terra era bem semelhante ao forest fallow pousio
prolongado com revestimento florestal em que se procede derrubada de uma parte
de mata virgem, aps o que, procede-se queimada, coivara16 e ao plantio que
acontecia quando caam as primeiras chuvas de inverno. Esse sistema de cultivo j
havia sido abandonado na Europa, inclusive em Portugal, h mais de mil anos, mas, a
abundncia de terras no Brasil, possibilitou a volta a uma agricultura que no mais se
praticava na Europa (LINHARES; SILVA, 1981, p. 138-9).
Os instrumentos utilizados eram rudimentares. Consistiam em machado de
pedra e pau ou chuo de cavar. Machados de ferro e foices eram raros e custavam
muito caros. Assim, da mesma forma que se apropriaram do sistema de cultivo dos
indgenas, os portugueses passaram a utilizar os instrumentos rudimentares que eles
usavam (LINHARES; SILVA, 1981, p. 140).
Se comparadas as lavouras brasileira e americana, do sul dos Estados
Unidos, na segunda metade do sculo XIX, verificar-se-o muito mais diferenas do
que semelhanas. Os fazendeiros que vieram dos Estados Confederados para o Brasil,
por volta de 1866, assustaram-se com os processos primitivos, ainda em uso na
agricultura brasileira. A eles se tem atribudo no se sabe se com razo, ou no, o incio
da utilizao de arados, cultivadores, rodos e grades nas propriedades rurais de So
Paulo (HOLANDA, 2003, p. 52).
A utilizao do recurso das queimadas acontecia de forma indiscriminada. Ao
que parece, os colonos estabelecidos em mata virgem acreditavam ser to premente

16
Queimada feita depois de realizada uma primeira queimada, relativamente qual tinham sido reunidas
as sobras formando montes espaados, que eram submetidos a outra queimada (LINHARES; SILVA
F. C. T., 1981, p. 140).
69

fazer uso dessa prtica que no lhes vinha lembrana a existncia de outros mtodos
de desbravamento. No lhes ocorria confrontar a produtividade de um hectare de terras
desmatado por outros processos com o rendimento do mesmo pedao, quando
submetido ao fogo (HOLANDA, 2003, p. 67). E semelhante confronto revela[ria], por
exemplo, que a colheita do milho plantado em terra onde no houve queimadas duas
vezes maior do que em roados feitos com auxlio do fogo (destaque do original)
(HOLANDA, 2003, p. 68).
No que se refere ao desgaste excessivo imposto ao solo, este tambm pode
ser atribudo ao fato de os portugueses e seus descendentes no serem adeptos do
cultivo da terra. Talvez por isso, mesmo comparados a outros povos colonizadores, que
tambm fizeram uso da mo-de-obra escrava no plantio de monocultura em grandes
propriedades, os portugueses, provavelmente, tenham sido os que mais exigiram do
solo e muito pouco fizeram para compensar o desgaste (HOLANDA, 2003, p. 51-2).
Essa forma predatria e rudimentar de cultivo da terra pouco se alterou no
decorrer dos anos. A abundncia de terras fez com que os homens que as cultivavam
se descuidassem ou pouco se preocupassem com a produtividade. Por isso, como
mencionado no incio deste tpico, em meados do sculo XX, a produtividade agrcola
no Brasil era uma das mais baixas do mundo.

1.3.2 A modernizao conservadora

A modernizao da agricultura brasileira, que se deu no final da dcada de


1960 e na dcada de 1970, denominada modernizao conservadora. Isso porque, a
opo foi por aumentar a produtividade, introduzir novas tecnologias, com a utilizao
de insumos e fertilizantes, de sementes selecionadas e de agrotxicos eficientes, mas
sem a realizao de reforma agrria. Esse processo de modernizao, cuja
necessidade comeou a ser sentida em meados do sculo passado, veio a ser
implementado durante a ditadura militar.
As principais caractersticas do processo de modernizao da agricultura
brasileira, conforme Srgio LEITE, consistiram na:
70

adoo do padro tecnolgico moderno, calcado basicamente no binmio


qumica mineral - mecanizao; aumento da produo e da produtividade, sem
que disso decorresse aumento de renda dos trabalhadores; manuteno da
estrutura fundiria, com aumento de tendncia concentrao; expanso do
crdito rural, privilegiando grandes produtores localizados na regio Centro-Sul;
[prtica] de juros reais baixos e mesmo negativos, chegando a igualar e superar
o produto interno bruto do setor; formao dos CAI [complexos agroindustriais],
com ampla integrao industrial, inclusive dos setores agropecurios;
integrao do capital financeiro com os capitais agroindustriais e agro-
comerciais; transformao dos bens agrrios, terra e gado principalmente, como
resultado dessa integrao, em poderosos ativos financeiros, homogeneizando
as taxas e interesses do capital no campo e na cidade; territorializao da
burguesia, com investimentos macios de grandes grupos financeiros e
industriais em terras sob a cobertura de incentivos fiscais dados pelo Estado; [e]
internacionalizao da agricultura brasileira, com a entrada em grande
quantidade de vrios itens, alm do caf, no comrcio mundial (soja, laranja,
sucos, aves, enlatados etc.) (LEITE apud LINHARES, SILVA, 1999, P. 190-2).

Realizou-se, ento, nas dcadas de 1960 e 1970, um processo de


modernizao cujo objetivo era propiciar um salto no padro agrrio da poca, com um
significativo aumento na produtividade, de forma tal, que fosse esvaziada a luta pela
terra, ou seja, de forma que os conflitos decorrentes das lutas camponesas deixassem
de ser tema nacional. O atraso seria superado pela modernizao e, no, pela luta de
classes. claro, que a implantao do modelo no se deu sem que houvesse acirrada
resistncia imposio governamental (LINHARES, SILVA, 1999, p. 188).
Mas sob um regime altamente repressivo, por bvio, que a modernizao
conservadora dos anos 1970 aconteceu conforme planejado pelos militares e no
alterou as relaes de poder no campo. A grande propriedade continuou exercendo o
mesmo papel na organizao agrria, funcionando, muitas vezes, como reserva para
especulao ou sendo explorada de forma extensiva. Quanto propriedade familiar,
parte dela foi excluda pelo processo de modernizao, enquanto outra parte manteve-
se, mas permaneceu com muitas de suas antigas caractersticas, como: dependncia
da grande propriedade, pobreza dos agricultores e precariedade de acesso aos meios
de produo (COSTA, 2005, p. 199).
71

1.3.2.1 O modelo fordista/taylorista de bases keynesianas

Terminada a segunda grande guerra, vivenciou-se no mundo, de 1945 a


1968-70, um perodo estvel, no que se refere s relaes capital-trabalho. Nessa
poca, o modelo fordista/taylorista impunha-se estabelecendo uma produo e uma
forma de trabalho massificados, mas, apesar disso, a produo era homognea e o
Estado participava significativamente do setor privado, estatizando ou tornando pblicos
os servios essenciais (GONALVES, 2002, p. 58).

[No Brasil], em 1945 viveu-se o fim da II Guerra Mundial e o fim do Estado


Novo, com mudanas fundamentais na sociedade brasileira. De um lado, a
participao brasileira na guerra ocidentalizou o pas e os grandes debates
internacionais. A guerra fria passa, ento, a ser internalizada (destaque do
original), com desdobramentos nacionais de tpicos processos em
desenvolvimento na Europa e Estados Unidos [...]. De outro lado, as mudanas
introduzidas por Vargas, em especial a opo pela industrializao, mostravam-
se - malgrado o papel conservador da Constituinte de 1946 irreversveis. O
retorno de Vargas ao poder, entre 1951 e 1954, bem como a atuao de
Juscelino Kubtschek, no fim da dcada, acelerariam as mudanas bsicas da
economia brasileira em direo a um modelo econmico baseado nos supostos
do fordismo-keynesiano (destacou-se) (LINHARES; SILVA, 1999, p. 148).

O modelo fordista-taylorista teve origem no incio do sculo passado. O


17
taylorismo prope uma separao entre a organizao das tarefas e a sua execuo,
ou seja, quem organiza e decide como deve ser feito, no quem executa. Trata-se da
parcelizao das tarefas. Alm dessa parcelizao, o taylorismo caracteriza-se por um
rgido controle do trabalho. Isso faz com que o homem/trabalhador no passe de uma
engrenagem de todo o complexo processo cujo domnio da mquina (ROMITA, 2005,
p. 28).
Henry Ford18 foi o primeiro a pr em prtica as teorias de Taylor. Da a
denominao fordimo-taylorismo. No apenas as colocou em prtica, como tambm
lhes acrescentou elementos. Lanou a produo em srie e implantou a
estandardizao das peas que compem o conjunto. Como forma de melhor
17
Taylorismo a denominao das prticas organizacionais de trabalho na indstria desenvolvidas por
Frederick Taylor, engenheiro estadunidense que, em 1911, escreveu o livro Princpios de
administrao cientfica, no qual expe sua teoria.
18
Fordismo a denominao das prticas organizacionais do trabalho, introduzidas pelo empresrio
americano Henry Ford, decorrentes de um aperfeioamento da teorias de Taylor.
72

aproveitar o tempo do operrio na fbrica, criou a esteira mvel, que leva ao operrio o
que ele necessita para o seu trabalho no momento exato em que so exigidos. As
vantagens em ganhos so evidentes, mas os inconvenientes esto vista: o carter
parcelado do trabalho se acentua e o operrio fica sujeito a um ritmo desumano,
fadiga e aos acidentes e doenas profissionais (ROMITA, 2005, p. 28). Foi essa forma
de trabalho que foi imortalizada por Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos, no
qual ele foi ator e diretor.
O Keynesianismo,19 por sua vez, prega o pleno emprego e a interveno do
Estado na economia como forma de viabiliz-lo. Surgiu quando o Estado liberal entrou
em crise. Taylorismo, Fordismo e Keynesianismo so teorias que surgiram poca da
segunda revoluo industrial20. Essas teorias impuseram-se no decorrer do sculo
passado. Fordismo e taylorismo foram as principais ideologias orgnicas da produo
capitalista no Sculo XX, tornando-se modelos produtivos do processo de
racionalizao do trabalho capitalista no sculo passado (destaque do original)
(ALVES, 2007, p. 156). Fordismo/taylorismo representaram a hegemonia da fbrica e
havia um compromisso com uma forma de desenvolvimento fundamentada no
keynesianismo. Mas esse modelo no conseguiu incorporar as variveis psicolgicas
do comportamento operrio racionalidade na produo, o que viria a ser feito,
posteriormente, pelo toyotismo (ALVES, 2007, p. 167).
O modelo fordista/keynesiano foi implementado no Brasil, conforme
permitiram as condies do Pas. Nos Estados Unidos, no perodo de 1933 a 1937,
Franklin Roosevelt, para retirar o Pas da crise de 1929-1930, implementou uma poltica
de forte interveno na economia, o New Deal (uma associao de polticas

19
Economista ingls, que criticava o liberalismo e pregava a interveno do Estado na economia. No
que se refere grande depresso de 1929, defendeu o investimento dos estados em obras pblicas,
como maneira de aumentar a oferta de emprego e estimular a reativao da economia. Afirmava que
esta seria a nica forma de os pases sarem da grande depresso. Foram suas teorias que
inspiraram o New Deal (novo acordo), o plano de recuperao nacional, colocado em prtica por
Roosevelt, como forma de debelar a crise de 1929-33, nos Estados Unidos.
20
Segunda revoluo industrial o perodo que vai de 1870 a 1914, no qual a energia eltrica passa a
ser utilizada na produo, ocasionando um rpido desenvolvimento tecnolgico que acelera a
produo, levando fabricao de ao, mquinas e ferramentas, equipamentos de energia eltrica e
produtos qumicos;houve crescimento do setor de transportes e melhoria das estradas de ferro; mas a
produo acelerada levou tambm crises de superproduo, porque havia perodos em que os
mercados no conseguiam absorver os produtos oferecidos (Alceu L. PAZZINATO; Maria Helena V.
SENISE, Histria moderna e contempornea, 2002, p. 186).
73

keynesianas com prticas fordistas, que garantiram a transformao do mundo do


trabalho, que passou a ser sustentado pelo consumo em massa), do qual se originou o
que veio a ser chamado de Estado do Bem Estar Social ou The Welfare State
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 133).
Em situao semelhante, Getlio Vargas, dirigente de um pas com
condies muito diferentes das dos EUA, no qual a classe operria ainda era
embrionria, em que no havia poupana interna que pudesse impulsionar os
investimentos, em uma poca em que no havia oferta de capitais externos, para sair
da crise, teve que se utilizar do nico mecanismo do qual dispunha: o Estado. O Estado
intervencionista (LINHARES; SILVA, 1999, p. 133-4).
Maria Yedda LINHARES e Francisco Carlos Teixeira da SILVA denominaram
de fordismo possvel construo do mercado interno promovida por Vargas. Esse
fordismo possvel significou o desenvolvimento de uma massa urbana que servisse de
mercado de consumo e a implantao da legislao trabalhista, de forma a criar um
fordismo perifrico (LINHARES; SILVA, 1999, p. 107). Vargas concentrou suas
reformas no meio urbano.
No Brasil, o modelo fordista/keynesiano s chegou ao campo quando da
modernizao conservadora gestada nos governos populistas do perodo que vai de
1940 a 1960 quando teve incio o xodo rural e, colocada em prtica pelos militares,
na dcada de 1970, quando as relaes capitalistas chegaram ao efetivamente ao
campo, com o assalariamento dos trabalhadores, e quando o estado intervencionista
possibilitou aos grandes proprietrios de terra, crdito fcil, para aquisio de
implementos e insumos agrcolas.

1.3.2.2 O xodo rural e a modernizao agrcola

Na dcada de 1940, tornaram-se visveis os sinais de uma mudana


estrutural no Brasil. Foi nessa poca que a populao rural brasileira comeou a
reduzir-se percentualmente. Em 1940, 68,6% da populao viviam na zona rural, j, em
1950, a populao rural representava 63%. Ao mesmo tempo, os grandes centros
74

urbanos comearam a ter dificuldades para abastecer a populao (LINHARES; SILVA,


1999, p. 131).
O acentuado crescimento da populao urbana e o aceleramento da
industrializao havidos na dcada de 1950 esto relacionados, tambm, com o
crescimento do xodo rural. Diminuram os braos no campo, ao mesmo tempo em que,
nas cidades, aumentaram as pessoas a serem alimentadas (ARAJO, 2005, p. 37).
Para se ter uma ideia de quo brutal foi o processo de urbanizao, basta verificar que
em aproximadamente 50 anos, a populao que era predominantemente rural [80%
residiam no campo], passou a predominantemente urbana. Os nmeros do conta de
que, em 2005, 4/5 ou 80% da populao brasileira, que j superava os 180 milhes de
habitantes, concentravam-se nos centros urbanos. Esse processo de deslocamento
campo-cidade, que se fez em um pouco mais de 50 anos no Brasil, na Europa,
demandou mais de 200 anos, e, nos Estados Unidos, mais de 100 anos (ARAJO,
2005, p. 50).
O movimento migratrio campo-cidade est ligado diretamente aos fatores
de expulso do trabalhador do campo, como, por exemplo, estrutura econmica do
campo, mas no se pode desconhecer que existiam, tambm, [e ainda existem], muitos
fatores de atrao nos centros urbanos (DINCO E MELLO, 1978, p. 68).
Em Gois, como se v na tabela abaixo, em sessenta anos, mais do que se
inverteu, o percentual de residentes no campo/cidade: 82,8% no campo, em 1940, para,
apenas, 12%, em 2000, o que significa que em 2000, 87,8% residiam nos meios
urbanos.

POPULAO RESIDENTE NO ESTADO DE GOIS


ANO TOTAL URBANA % RURAL %
1940 826.414 142.110 17,2 684.304 82,8
1960 1.913.289 575.325 30,0 1.337.964 70,0
1980 3.859.602 2.401.491 62,2 1.458.111 37,8
2000 5.003.228 4.396.645 87,8 606.583 12,0
Obs: entre 1980 e 2000 h que ser considerada a diviso do Estado de Gois (AEAEG, 2005).

Em meados da dcada de 1950, teve incio, tambm, o debate acerca do


porqu da baixa produtividade da agricultura brasileira e da necessidade de se
75

promover a modernizao da agricultura. Uma corrente atribua parcela da culpa da


baixa produtividade estrutura fundiria (Caio Prado Jnior, Celso Furtado), enquanto
outra, diferentemente, entendia que a baixa produtividade da agricultura podia ser
explicada somente pelas polticas pblicas, que privilegiaram o setor industrial em
detrimento do setor agrrio, e pela abundncia de terras e de mo-de-obra que
direcionaram o processo para a utilizao desses fatores (Nicholls, Schuh). Igncio
Rangel coloca-se entre os dois grupos mencionados, uma vez que identifica problemas
na estrutura agrria brasileira, mas entende vivel uma soluo que no dependa de
reformas estruturais. Nessas discusses, prevaleceu a posio da corrente que
defendia que a modernizao da agricultura poderia ser feita mediante uma revoluo
tecnolgica, com utilizao de insumos modernos, sem necessidade de se alterar a
estrutura agrria (SANTOS, 1988, p. 146).
Admitiu-se, tambm, que o aumento na produo agrcola teria que ser feito
no pelo aumento da rea agricultvel, mas, sim, pelo aumento na produtividade, uma
vez que a s expanso da fronteira agrcola no seria suficiente para aumentar a oferta
de produtos na proporo necessria para atender demanda. Como resultado desses
estudos, a partir de meados da dcada de 1960, comeou a ser colocada em prtica a
poltica de modernizao da agricultura (SANTOS, 1988, p. 132).
A soluo encontrada foi instrumentalizada pela adoo dos pacotes
tecnolgicos, que nos EUA levaram chamada revoluo verde. Englobavam o uso
intensivo de mquinas e implementos de grande porte, uma nova gerao de
fertilizantes qumicos, de sementes modificadas, de herbicidas, vacinas, hormnios e
produtos veterinrios em geral (ARAJO, 2005, p. 25-6).
A implementao desse pacote modernizante conseguiu, sem dvida,
aumentar a produtividade agrcola, mas trouxe consigo diversas outras consequncias.
Se por um lado, a produtividade agrcola por hectare saltou para nveis anteriormente
inimaginveis, [por outro], este aumento de produtividade teve um alto custo (ARAJO,
2005, p. 42). A utilizao intensiva do pacote tecnolgico levou ao desgaste precoce
dos solos, com a consequente reduo da capacidade de absoro de nutrientes, o que
fez com que fosse necessria a utilizao de cada vez mais insumos e defensivos, de
forma a evitar o declnio da produtividade, e, no mais, para buscar o seu aumento. Por
76

outro lado, comearam a ser frequentes as ocorrncias de intoxicao e


envenenamentos de produtores e, [principalmente], de trabalhadores em razo da
utilizao desses produtos (ARAJO, 2005, p. 47).
V-se que a produo efetivamente modernizou-se, mas no s se
mantiveram, como se agravaram, as pr-existentes questes sociais no campo. O
financiamento dessa modernizao privilegiou os grandes proprietrios de terra21 e fez
concentrar, ainda mais, a estrutura fundiria, ao mesmo tempo em que, as novas
tecnologias exigiam menor quantitativo de mo-de-obra, levando a que se intensificasse
ao extremo o xodo rural (ARAJO, 2005, p. 42).
As mudanas na estrutura produtiva redundaram em mudanas tambm nas
relaes de trabalho. Tanto foram alteradas as relaes de trabalho na produo
familiar, quanto nas empresas capitalistas. Nesse momento, foi criado um verdadeiro
proletariado rural.
Por outro lado, para que se alcanassem esses resultados de aumento de
produtividade, o Estado teve que intervir de forma massiva para impulsionar a
modernizao agrcola e promover a integrao da grande propriedade na estrutura de
produo agroindustrial. Incentivou-se a criao de grandes empresas capitalistas na
agricultura, principalmente em novas reas: na Amaznia, com os estmulos
provenientes da SUDAM; no Nordeste, com estmulos da SUDENE; e do Programa de
Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), nas regies dos cerrados (SORJ;
WILKINSON, 1983, p. 178-9).
A modernizao na agricultura brasileira aconteceu, ento, com forte
interveno estatal, num modelo econmico fordista-keynesiano, no qual os
financiamentos subsidiados do governo destinavam-se aos grandes proprietrios, que
tinham como oferecer garantia pelo dinheiro recebido, o que acentuou a concentrao
fundiria.
Contudo, essa modernizao aconteceu tardiamente, se comparada de
outros pases. Disso resultou que, mal o campo conseguira absorver as transformaes

21
Os financiamentos para aquisio de terras, para plantio, para aquisio de mquinas e implementos
agrcolas, assim como de defensivos e fertilizantes, a cargo do Banco do Brasil, s eram concedidos
aos grandes proprietrios, j que era necessrio que o patrimnio garantisse a dvida (ARAJO, 2005,
p. 42).
77

decorrentes da modernizao conservadora, de vis taylorista/fordista, com forte


intervencionismo (keynesianismo), j se via diante de outras transformaes, estas
decorrentes da reestruturao do capital, sob influncia do toyotismo, como se ver a
seguir.

1.3.3 A reestruturao produtiva

A partir de meados da dcada de 1970, o mundo do trabalho passou a viver


provavelmente a sua maior crise desde que nasceu a classe trabalhadora e o
operariado na Inglaterra no sculo XVIII. O quadro que levou a essas alteraes
envolve um conjunto de fatores que provocou transformaes tanto no movimento
sindical, quanto no movimento operrio. Por isso, a compreenso desse quadro torna
necessria a anlise de todos os elementos que o compuseram (ANTUNES, 2007,
p.177).
Pode-se resumir esse processo, com as seguintes observaes: houve uma
crise estrutural do capital, que acentuou seus traos destrutivos; o Leste Europeu
sucumbiu, levando a que parte da esquerda se socialdemocratizasse; esse processo
aconteceu justamente quando a prpria social democracia encontrava-se em crise;
ademais, a essa poca, o projeto social e poltico neoliberal expandia-se, fazendo com
que fosse seriamente atingido o mundo do trabalho, em vrias de suas dimenses
(ANTUNES, 2007, p.180).
Em decorrncia desse quadro, o capital, em resposta sua crise estrutural,
na passagem do sculo XX para o sculo XXI, procedeu a transformaes no processo
produtivo, que tiveram significativas repercusses no mundo do trabalho, especialmente
no que se refere substituio do modelo taylorista/fordista. Havia, tambm,
necessidade de conter os movimentos sindicais. Por outro lado, ao mesmo tempo em
que ocorriam mudanas no mundo do trabalho, resultantes da necessidade de se
reestruturar a produo, surgia o neoliberalismo como consequncia da grave crise
vivida pelo capitalismo nos anos 1970 e das grandes dificuldades por que passava o
Estado de bem-estar social (ANTUNES, 2007, p. 180-1).
78

Acresa-se a esse quadro, o desenvolvimento tecnolgico, a microeletrnica,


a informatizao, que possibilitaram, ou melhor, levaram globalizao. Todos esses
fatores tm alterado de maneira profunda no s as relaes de produo, mas o
mundo do trabalho como um todo.
Conforme Dalton Melo MACAMBIRA, a ordem mundial contempornea
possui dois aspectos marcantes, quais sejam, o neoliberalismo, cujas polticas
macroeconmicas22 buscam uma reestruturao do papel do Estado, e a reestruturao
produtiva, que objetiva a modificao da relao capital-trabalho no interior das
empresas (MACAMBIRA, 1998, p. 11).
Portanto, enquanto o neoliberalismo diz respeito ao papel do Estado e
caracteriza-se por ser um conjunto de ideias que prope que o Estado transfira suas
atribuies para a iniciativa privada (MACAMBIRA, 1998, p. 12), a reestruturao
produtiva diz respeito transio do modelo taylorista/fordista para o modelo toyotista
ou ps-fordista, decorrente de uma mudana no processo de acumulao do capital,
provocada pelo conjunto de transformaes que fez surgir novas tecnologias, como a
microeletrnica, a informtica, a robtica, a informao via satlite e a automao
flexvel (MACAMBIRA, 1998, p. 13).
Os processos de reestruturao produtiva do capitalismo ocorrem de tempos
em tempos. No sculo passado, as teorias fordistas-tayloristas marcaram as inovaes
no mundo do trabalho. Foi um demorado processo em que se procederam s
mudanas scio-organizacionais e tecnolgicas que alteraram a forma de produo em
setores da indstria e dos servios (ALVES, 2007, p. 155).
Atualmente, o mundo passa por uma nova reestruturao produtiva. Esse
processo engloba inovaes interiores produo capitalista (organizacionais,
tecnolgicas, e scio-metablicas) e inovaes exteriores produo capitalista,
necessrias a que se complete o complexo da reestruturao produtiva: as inovaes
econmicas e geoeconmicas (a macroeconomia neoliberal e os novos territrios e

22
Macroeconomia: ramo da economia que estuda, em escala global e por meios estatsticos e
matemticos, os fenmenos econmicos e sua distribuio em uma estrutura ou em um setor,
verificando as relaes entre elementos como a renda nacional, o nvel dos preos, a taxa de juros, o
nvel da poupana e dos investimentos, a balana de pagamentos e o nvel de desemprego (Antnio
HOUAISS, Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa, 2001, p. 1.805).
79

espaos do mercado mundial); as inovaes poltico-institucionais (as formas do Estado


neoliberal); e as inovaes culturais (o ps-modernismo) (ALVES, 2007, p. 156-7).

1.3.3.1 O neoliberalismo

Convencionou-se chamar de neoliberalismo23 aplicao prtica das


diversas experincias mundiais de reestruturao do papel do Estado (MACAMBIRA,
1998, p. 12). A profunda crise do capitalismo nos anos 1970 e as enormes dificuldades
vivenciadas pelo Estado de bem-estar, serviram de reforo s ideias do novo
liberalismo.
O neoliberalismo surge, ento, como alternativa hegemnica crise de trs
modelos de Estado materializados no ps guerra: o Estado do bem-estar social, o
Estado socialista e o Estado desenvolvimentista, cujo modelo de desenvolvimento
industrial se deu via substituio de importaes (caso brasileiro) (MACAMBIRA, 1998,
p. 12).
Existe um conjunto de idias que caracteriza o liberalismo e que defende a
transferncia das atribuies do Estado (pblico) para a esfera do mercado (privado),
chamado por alguns autores de Estado Mnimo, a despeito das grandes diferenas
entre ele e o Estado Liberal do sculo XIX. No se trata, pois, da reedio do Estado
Liberal, que entrou em crise nos anos 1930. O novo liberalismo parte do pressuposto
de que o Estado deve se ausentar como rgo regulador das questes sociais, mas
deve ser profundamente interventor quando se tratar de defender os interesses do
capital, justamente para evitar a repetio do desastre de 1929 (destacou-se)
(MACAMBIRA, 1998, p. 13).
As grandes potncias procuraram convencer os pases perifricos acerca do
discurso ideolgico da reduo do papel do Estado. Essa doutrina neoliberal possui um
receiturio que repousa nos seguintes pilares: privatizao das atividades estatais,
incluindo no s a privatizao de empresas pblicas, como, tambm, a desestatizao
de atividades administrativas, tais como o servio penitencirio, o Banco Central, a

23
O texto que deu origem aos postulados neoliberais foi o Caminho da Servido, escrito por Hayek, em
1944, cujo ttulo, refere-se aos comentrios sobre o papel do Estado feitos por Alexis De Tocqueville
em seu famoso escrito Democracia na Amrica (MACAMBIRA, 1998, p. 11).
80

Receita Federal etc; poltica de desregulamentao, ou seja, reduo da atividade


reguladora do Estado na economia (em geral) e nas relaes de trabalho (em
particular): flexibilizao de direitos sociais dos trabalhadores; retirada do Estado como
instrumento regulador das relaes capital-trabalho, oferta-demanda etc.; fim das
atribuies sociais do Estado; poltica de abertura da economia ao capital internacional:
eliminao incondicional das reservas de mercado e do protecionismo econmico, com
a imposio de uma poltica de abertura dos mercados ou das fronteiras econmicas,
no caso dos pases dependentes (MACAMBIRA, 1998, p. 12-3).
O neoliberalismo apresenta-se, assim, como um discurso ideolgico das
grandes potncias para a periferia do mundo capitalista. Em termos mundiais, o
receiturio neoliberal comeou a ser posto em prtica na Inglaterra, no governo de
Thatcher, em 1979, seguida pelos EUA, com Reagan, em 1980, vindo a consolidar-se
com a queda do muro de Berlim, em 1989, e o fim da URSS, em 1991. No Brasil, teve
incio, justamente quando, no mundo, ele se consolidava, ou seja, dez anos mais tarde,
em 1990, com o governo Fernando Affonso Collor de Mello (1990-1992, prosseguindo
no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) (MACAMBIRA, 1998, p. 13).
Ironicamente, o Brasil, aps viver mais de vinte anos de ditadura militar,
retoma a democracia e, em outubro 1988, promulga uma nova Constituio, que
consagra uma gama de direitos sociais, como nenhuma constituio ptria garantira at
ento, para, menos de dois anos depois, comear a fazer uso do receiturio neoliberal,
que, em muitas situaes vai de encontro aos valores consagrados na Carta Magna,
levando, inclusive, realizao de diversas emendas Constituio.

1.3.3.2 A globalizao

O fenmeno da globalizao no original. No decorrer da histria da


humanidade ele se manifestou sob roupagens diferentes, para cada poca em que se
fez presente.
Na antiguidade, globalizao significava o domnio decorrente das
conquistas territoriais e da subjugao de povos, como, por exemplo, na Grcia e em
Roma. Na poca moderna (sc. XV), tornou-se mais audacioso, envolvendo a
81

conquista de continentes, possibilitada pelo avano das navegaes, e a expanso do


comrcio de alm-mar. Na Europa dos sculos XVII e XVIII, a ascenso da burguesia
conferiu-lhe influncia econmica, poltica e social, levando a que se expandissem o
mercantilismo e o colonialismo europeu. No sculo XIX, o fenmeno da globalizao
esteve ligado expanso do capital, ao estreitamento das relaes entre economias,
ao fato de os fatores de produo terem se internacionalizado. Portanto, o ineditismo da
globalizao est, to-somente, na expresso hoje utilizada para designar o fenmeno
(CUNHA, 2004, p. 69-70).
O conceito de globalizao engloba trs aspectos: o globalismo, a
globalidade e a globalizao, propriamente dita. O globalismo diz respeito dimenso
econmica da globalizao, segundo a qual o mercado que conduz a dinmica
poltica e social. O Estado deve ser visto como uma empresa. A globalidade vincula-se
existncia de uma produo transnacional, influncia que ela tem no mercado de
trabalho, nas crises internacionais, na proteo ao meio ambiente, quer dizer, em todas
as questes que surgirem no Estado nacional, mas cuja projeo tenha repercusso
mundial. Por fim, a globalizao, propriamente dita, expresso que terminou por
englobar os demais aspectos, diz respeito a um momento do capitalismo em que se
vive em uma sociedade mundial, muito embora no exista um governo ou regime
poltico mundial que possa impor-se a essa sociedade mundial (MORATO, 2003, p. 8-
10).
Globalizao um conjunto de fatores que impem a mudana dos padres
de produo, fazendo surgir uma nova diviso internacional do trabalho. Talvez, melhor
fosse denomin-la internacionalizao da produo e do trabalho. Compreender-se- a
globalizao mais facilmente se forem relacionados os seus traos caractersticos. A
fbrica tradicional, baseada nas concepes taylorista e fordista, substituda por
organizaes flexveis, baseadas em noes toyotistas, de relaes contratuais, entre
capitalistas e trabalhadores, flexibilizadas. Torna-se vivel a explorao de atividades
econmicas em vrias partes do mundo, em razo da melhoria dos meios de transporte
e de comunicao, ao mesmo tempo em que se incrementa o deslocamento de capitais
de um pas para outro. A economia passa a desenvolver-se mundialmente, como nunca
se vira antes. Processos de integrao e celebrao de tratados de livre comrcio
82

provocam a internacionalizao do Estado. Fragmentam-se as atividades produtivas


(ROMITA, 2005, p. 29).
Como mencionado, a fbrica tradicional fordista/taylorista substituda pela
fbrica toyotista.

1.3.3.3 O toyotismo

O toyotismo representa uma forma de expanso do capitalismo, que surgiu


na fbrica da Toyota, no Japo, aps o trmino da segunda grande guerra. Tem se
difundido no mundo, tanto em pases centrais, quanto em pases perifricos, impondo
uma forma de produo diferente e, sob alguns aspectos, contrria quela estabelecida
pelo modelo taylorista/fordista. Suas principais caractersticas so: a produo
heterognea e vinculada demanda, ou seja, flexvel; o trabalho do operariado em
equipe, exercendo, cada trabalhador, vrias funes; a adoo do princpio do just in
time, que significa o melhor aproveitamento possvel do tempo de produo; a
introduo, nos estoques, do sistema de kanban, que a utilizao de placas ou
senhas de comando para a reposio do estoque, j que no toyotismo trabalha-se com
um estoque mnimo; e a horizontalizao, que transfere para terceiros (terceirizao)24
grande parte das atividades, anteriormente realizadas na prpria fbrica (ANTUNES,
2007, p. 181-2).
claro que essa forma de produo trouxe consequncias, dentre as quais,
podem ser citadas: a reduo do proletariado fabril estvel; o crescimento do novo
proletariado, o proletariado precarizado; o crescimento do trabalho feminino; a excluso
dos jovens e dos idosos do mercado de trabalho; a incluso de crianas nesse mesmo
mercado de trabalho; o crescimento dos assalariados mdios e dos prestadores de
servios; e a expanso do trabalho social combinado,25 que consiste na participao, no

24
Na fbrica fordista cerca de 75% do trabalho e da produo so executados em seu interior, ao passo
que, na fbrica toyotista, somente 25% desse trabalho e produo acontecem no interior da fbrica
(ANTUNES, 2007, p. 181-2).
25
Trabalho social combinado foi a denominao atribuda por Marx forma de trabalho que envolve
trabalhadores de diversas regies em um mesmo processo de produo ou em uma mesma
prestao de servios (ANTUNES, 2007, p. 183).
83

processo de produo ou de prestao de servios, de trabalhadores de diversas


partes do mundo (ANTUNES, 2007, p. 182-3).
O toyotismo constituiu-se, pois, no principal mecanismo de mudana no
processo de acumulao do capital, quando foram abandonados os princpios do
modelo taylorista/fordista para se adentrar no ps-fordismo ou toyotismo.

1.3.3.4 A flexibilizao

A necessidade de reorganizao da produo, ou seja, a necessidade da


reestruturao produtiva decorreu da crise vivida pelo capitalismo. Contudo, alm da
crise vivida pelo capital, houve fatores que possibilitaram a reestruturao da produo,
na forma como ela vem acontecendo. Esses fatores incluem mudanas no processo de
acumulao do capital, provocadas pelo conjunto de transformaes que fez surgir
novas tecnologias, como a microeletrnica, a informtica, a robtica, a informao via
satlite e a automao flexvel (MACAMBIRA, 1998, p. 13).
A reestruturao do capital buscava uma maior lucratividade, o que implicava
a retomada da competitividade. Para se retomar a competitividade, fazia-se necessria
a reduo dos custos de produo. Como o trabalho humano compe os custos da
produo, a empresa, para se tornar mais competitiva, de forma a sair da crise, teria
que reduzir os custos do trabalho humano, e, para isso, flexibilizar as relaes de
trabalho (BEHRING, 2008, p. 214). As empresas passaram, ento, a defender que a
legislao dos diversos pases fosse alterada, a fim de contemplar essas modificaes.
Flexibilizao um neologismo utilizado em lugar da expresso
flexibilidade,26 para indicar a acomodao do mercado de trabalho s rpidas
transformaes econmicas e tecnolgicas (CUNHA, 2004, p. 116). Designa as
modificaes e adaptaes do Direito do Trabalho atual fase do capitalismo. um
rtulo que resume as pretenses das empresas, relativas reduo da regulamentao
dos direitos dos trabalhadores, objetivando o atendimento de seus prprios fins

26
Flexibilidade substantivo que significa qualidade do que flexvel ou malevel (HOUAISS, 2001, p.
1356)
84

econmicos. Varia de pas para pas, dependendo da legislao de cada um deles, por
isso um termo aberto e polissmico (CUNHA, 2004, p. 116).
Srgio Pinto MARTINS conceitua flexibilizao como sendo o conjunto de
regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as
mudanas de ordem econmica, tecnolgica, poltica ou social existentes na relao
entre o capital e o trabalho (2004, p. 25).
E prossegue afirmando que flexibilizao no pode confundir-se com
desregulamentao, que, por sua vez, significa desprover de normas heternomas as
relaes de trabalho (MARTINS, 2004, p. 26). Enquanto na flexibilizao reduz-se a
interveno do Estado e alteram-se regras existentes, mediante a participao de
entidades de classe (sindicatos), mas mantida a proteo legal mnima; na
desregulamentao retira-se a proteo do Estado ao trabalhador e, por isso, a lei
deixa de existir (MARTINS, 2004, p. 26).
No Brasil, a prpria Constituio de 1988, que de cunho social,
contemplou, no art. 7, em alguns incisos, hipteses de flexibilizao, como, por
exemplo, no inciso VI (irredutibilidade de salrio, salvo o disposto em conveno ou
acordo coletivo), XIII (durao do trabalho normal no superior a oito horas dirias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensao de horrios e a reduo da
jornada, mediante acordo ou conveno coletiva de trabalho), XIV (jornada de seis
horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo
negociao coletiva).
A flexibilizao , portanto, o vis da reestruturao produtiva que interfere
diretamente na relao de emprego e nos direitos do trabalhador empregado.

1.3.3.5 A reestruturao produtiva e suas consequncias no campo

No campo, o mecanismo de expanso do capital acontece de forma diferente


da que ocorre no meio urbano, nas indstrias. No campo, a expanso do capital ocorre,
muitas vezes, pela sujeio da renda ao capital. E essa sujeio da renda ao capital
tanto ocorre pela compra e venda da terra quanto pela subordinao da produo
camponesa. Portanto, nem sempre h, formalmente, uma sujeio do trabalho ao
85

capital. O conceito que vincula a expanso do capital sujeio do trabalho ao capital


foi formulado em funo da indstria, cujos atributos e especificidades so muito
diferentes dos presentes na agricultura (OLIVEIRA, 1986, p. 13).
Essa diferena na forma como as relaes capitalistas de produo
acontecem na indstria e na agricultura explica o porqu da permanncia e, at
mesmo, da expanso do campesinato na agricultura mesmo no modo capitalista de
produo. Isso quer dizer que o prprio capital cria e recria relaes no-capitalistas de
produo (OLIVEIRA, 1986, p. 13).
Portanto, no que a reestruturao produtiva no esteja presente no
campo. Ela apenas manifesta-se de forma diferente. A descentralizao, a terceirizao
e a organizao de trabalho em rede esto presentes tambm no campo. Manifestam-
se por meio de cooperativas de trabalho e por meio de sistemas integrados de
produo. As cooperativas de trabalho e as demais formas precrias de contratao do
trabalhador rural constituem forma de sujeio do trabalho ao capital, ao passo que os
sistemas integrados de produo so exemplos de sujeio da renda ao capital,
mantenedores do campesitato.
Para Dorothe Suzanne RDIGER a vertente toyotista no campo, "a
economia globalizada, que traz consigo o emprego flexvel e intermediado dos
trabalhadores, e o investimento em tecnologia no campo (2005, p. 90) constitui fator de
precarizao do trabalho rural, que aliado sazonalidade inerente ao trabalho agrcola,
da origem ao:

uso das mais diversas formas de contratao de trabalho flexvel e


intermediada. A rede no campo resultado tanto da descentralizao produtiva
para fazer frente concorrncia global, quanto da aplicao de antigas formas
de solidariedade vicinal para resolver os problemas da sazonalidade do trabalho
rural (RDIGER, 2005, p. 90).

Como se v, tambm no campo esto presentes as transformaes


decorrentes da nova reestruturao do capital. Constitui-se de todo um receiturio que
envolve desregulamentao, flexibilizao, terceirizao, cujo objetivo a precarizao
do trabalho. No mundo capitalista, o capital tem valor e o trabalho no. O trabalho s
tem valor na parcela imprescindvel para a reproduo [...] [do] capital. Mas, como o
86

capital necessita do trabalho para se auto-valorizar, no pode, nunca, elimin-lo. Pode


diminuir sua fora, precariz-lo, mas nunca elimin-lo (ANTUNES, 2007, P. 177).
E no campo, essas conseqncias terminam sendo mais drsticas do que no
meio urbano, quer pela sazonalidade da agricultura, que representa dificuldades, quer
pelo fato de que, no Brasil, os direitos dos trabalhadores rurais so menos observados,
levando a que estes trabalhadores fiquem mais desprotegidos.
87

2. O TRABALHADOR RURAL NO DIREITO POSITIVO

Todo homem tem direito ao trabalho, livre escolha


do emprego, a condies justas e favorveis de
trabalho e proteo contra o desemprego. Todo
homem, sem qualquer distino, tem direito a igual
remunerao por igual trabalho. Todo homem que
trabalha tem direito a uma remunerao justa e
satisfatria, que lhe assegure, assim como sua
famlia, uma existncia compatvel com a dignidade
humana [...] (DUDH, art. 23).

Quando se fala em trabalho, e trabalho designa uma atividade realizada pelo


ser humano, necessrio se ter em mente que o trabalho pode ser realizado ou
prestado de diversas maneiras. Para o Direito, importante diferenciar as diversas
formas de trabalho, j que cada uma delas ter um regramento jurdico distinto. Pode-
se dizer que o termo trabalho gnero ao qual pertencem diversas espcies.
O direito do trabalho brasileiro adota como principal critrio para a distino
entre as vrias modalidades de relaes de trabalho e a aplicao da tutela jurdica
respectiva a existncia da subordinao (SILVA, 2004, p. 13).
Subordinao substantivo que exprime o ato ou efeito de subordinar-se;
ordem estabelecida entre as pessoas e segundo a qual umas dependem das outras,
das quais recebem ordens ou incumbncias; dependncia de uma(s) pessoa(s) em
relao a outra(s) [...] (HOUAISS, 2001, p. 2.626). Trabalhador subordinado aquele
que presta servios por conta e ordem alheia: presta servios para terceiros.
Presentes a subordinao e os demais elementos caracterizadores da
relao de emprego no eventualidade, onerosidade e pessoalidade , tem-se um
contrato de emprego, ou de trabalho, uma vez que a terminologia consagrada para
design-lo faz uso da expresso genrica, da, contrato de trabalho estrito senso ser
igual a contrato de emprego; e, contrato de trabalho lato senso, envolver diversas
outras formas de prestao de servios.
O empregado trabalha por conta e risco alheios, ou, dizendo de outra forma,
o empregado trabalha por conta e risco do empregador. H uma intensa ligao, com
nexo de causalidade entre o poder hierrquico e o risco: como o empregador/produtor
88

que conduz o processo produtivo e a execuo do trabalho, a obteno de lucro ir


variar na proporo direta da eficincia da administrao. Por outro lado, o empregado
trabalhar, por conta do produtor, e receber sua remunerao, independentemente de
qualquer risco (SANTOS,2000, p. 140).
O empregado o trabalhador subordinado por excelncia, ainda que existam
formas de trabalho subordinado que no configurem relao de emprego, como a
hiptese, por exemplo, do trabalhador eventual.
O trabalho tambm pode ser autnomo, quando realizado por quem
dotado da faculdade de determinar as prprias normas de conduta, sem imposies de
outrem [...] (HOUAISS, 2001, p. 351).
As diversas formas pelas quais o trabalhador rural denominado esto
ligadas maneira como se d a prestao dos servios. Essas denominaes variam
tambm conforme a regio do pas e conforme a poca.
Primeiramente, tratar-se- do campons. Campons um adjetivo que
designa o que relativo ou pertencente ao campo. O termo utilizado, ainda, para
designar quem que vive e/ou trabalha no campo e quem pertence a um grupo social
formado por pequenos fazendeiros e trabalhadores rurais de baixa renda.
Campons , pois, expresso genrica, que identifica tanto aquele que no
sendo proprietrio de terras labora no campo, quanto o pequeno proprietrio rural, mas,
refere-se ao trabalhador rural autnomo.
Da mesma forma, rural, do latim ruralis, de rus (campo), [um adjetivo]
empregado para designar ou se referir a tudo que pertence ao campo, do campo ou
da agricultura. [...] empregado na mesma significao de rstico (SILVA, D. P., 1996,
p. 156). Tambm designa quem ou aquele que se ocupa da vida agrcola; proprietrio
campesino, lavrador.
Trabalhador rural ou rurcola designa a pessoa que labora a terra, seja o
pequeno proprietrio, seja o trabalhador no proprietrio, tratando-se igualmente de
expresso genrica, que pode designar, inclusive, o trabalhador rural subordinado.
J, o termo proletrio proveniente do latim proletarius e designava, entre
os romanos, a classe dos cidados que, por sua pobreza, estavam isentos de qualquer
contribuio fiscal, cabendo-lhes, no entanto, o dever de procriar (dar proles), para que
89

fornecessem os filhos para preenchimento dos claros abertos nos exrcitos, mantidos
pelo Estado. Diziam-se, por isso, proletarii, porque lhes cabia dar cidados (proles)
Repblica. [...] Na linguagem atual, designa o operrio ou o trabalhador, que aplica
suas atividades no trabalho manual ou mecnico, como empregado. o obreiro
(SILVA, 1996, p. 470). A designao atual aplicada por extenso para designar o
cidado que s tem para viver a remunerao percebida pelo dispndio de sua fora de
trabalho. O trabalhador rural subordinado um proletrio, porque vende a sua fora de
trabalho a terceiros.
No campo existe trabalho autnomo e trabalho subordinado. O campons, o
agricultor familiar so trabalhadores autnomos. O empregado, o boia-fria, o volante
so trabalhadores subordinados. O trabalho livre subordinado no campo teve incio com
a chegada das relaes de capital ao campo: a surgiu o assalariamento ou a
proletarizao do trabalhador rural.
Nesta dissertao, a abordagem est centrada no trabalhador empregado,
ou seja, a pessoa fsica que prestar servios de natureza no eventual a empregador,
sob dependncia deste e mediante salrio, conforme conceituao constante do art. 3
da CLT. E, em conceito especfico para o trabalhador empregado rural, nos termos do
art. 2 da Lei n. 5.889/1973, toda pessoa fsica que, em propriedade rural ou prdio
rstico, presta servios de natureza no eventual a empregador rural, sob dependncia
deste e mediante salrio.
Ainda que o objeto de estudo seja o empregado rural, para que se
compreenda o contexto no qual este empregado insere-se dentre as demais formas de
relaes de trabalho, necessrio que sejam delineados, tambm, os traos
caracterizadores dos demais trabalhadores rurais. Para tanto, a seguir, tomando por
base a classificao de trabalhador em autnomo e subordinado, sero trazidos os
conceitos e as caractersticas tanto do trabalhador rural autnomo, quanto do
subordinado, assim como se proceder ao estudo da legislao aplicvel a cada uma
dessas situaes.
90

2.1 O TRABALHADOR RURAL QUE POSSUI A FORA DE TRABALHO E OS MEIOS


DE PRODUO: O CAMPONS

Da mesma maneira como necessrio estudar as demais formas de trabalho


no campo, para melhor caracterizar o trabalho com vnculo empregatcio, tambm faz-
se necessrio, antes de adentrar as figuras jurdicas aplicveis ao trabalhador rural
autnomo, descrever as caractersticas desse trabalhador e de como ele realiza suas
atividades campesinas.
O trabalhador rural que possui a fora de trabalho e os meios de produo27
dito trabalhador autnomo, porque ele no depende da direo de outra pessoa para
produzir. Ele prprio decide como, quando, o que, e de que forma produzir.
Foi visto que o termo campons designa o que relativo ou pertencente ao
campo e, ainda, aquele que vive e/ou trabalha no campo, servindo para identificar tanto
a pessoa, que no sendo proprietria de terras, labora no campo, quanto o pequeno
proprietrio rural. Portanto, o termo campons, designa, de forma mais apropriada, o
trabalhador autnomo, proprietrio ou no das terras nas quais labora.
Historicamente, o conceito do campons est vinculado a uma estrutura
produtiva que associa famlia, produo e trabalho. A famlia , ao mesmo tempo,
proprietria dos meios de produo e fora de trabalho no estabelecimento produtivo
(CARVALHO, 2005, p. 27). Para Caio PRADO JNIOR, camponeses so
trabalhadores e pequenos produtores autnomos que, ocupando embora a terra a
ttulos diferentes (proprietrios, arrendatrios, parceiros), exercem a sua atividade por
conta prpria (1966, p. 204). Com conceito semelhante, Horcio Martins de
CARVALHO entende que:

os camponeses so produtores livres de dependncia pessoal direta so


autnomos-, sua sobrevivncia de homens livres lhes impe laos de
solidariedade cuja quebra ou enfraquecimento ameaam seu modo de vida;
esses laos mais primrios so os de parentesco e de vizinhana que os levam
a procurar se agrupar em comunidade, a busca de sua permanncia e
reproduo numa mesma terra [..] (destaques do original) (2005, p. 94).

27
Meios de produo: objetos sobre os quais se trabalha e todos os instrumentos e condies que
permitem o ato de produo (OLIVEIRA, 1986, p. 85).
91

Por isso, o vnculo do campons com o capital no estabelecido atravs


da venda de sua fora de trabalho ao capitalista (MARTINS, J. S., 2002, p. 60).

Diversamente do que acontece com o operrio, cujo trabalho diretamente


dependente do capital, o trabalho do campons um trabalho independente. O
que o campons vende no sua fora de trabalho e sim o fruto de seu
trabalho, que nasce como sua propriedade. Isso porque ele ainda dispe de
instrumentos de produo. Desses instrumentos, o mais importante a terra.
Mesmo que ela no seja sua, que ele a alugue de um proprietrio, que pague
uma renda da terra, ainda assim, durante o perodo de vigncia do aluguel dela,
usar como se fosse sua. Na verdade, ele alugou meio de produo, como
poderia alugar as ferramentas, as mquinas, a casa. Em princpio, ele quem
decide o que fazer na terra (destaque do original) (MARTINS, 2002, p. 60).

Essa a principal diferena entre o rurcola autnomo, chamado campons,


e o rurcola subordinado, o empregado: enquanto o primeiro vende o que produz, o
segundo vende o dispndio de sua fora de trabalho.
Do descobrimento do Brasil at o final do sculo XIX, a principal mo-de-
obra rural era a mo-de-obra escrava, qual se negava a condio de sujeito de
direitos, uma vez que tratada como coisa, ou seja, objeto de direito. A mo-de-obra dita
escrava, era mo-de-obra subordinada, porm, no livre. A mo-de-obra livre era a
camponesa, que veio a tornar-se mais representativa com a chegada dos colonos
imigrantes, ou seja, com a instituio do trabalho livre. Mas nem todos eles eram
camponeses, porque, no Brasil, sempre houve dois tipos de imigrantes: os operrios
agrcolas (empregados), que trabalhavam na grande lavoura, e os colonos
propriamente ditos, pequenos proprietrios, que povoavam os ncleos coloniais
(camponeses).
Porm, se por um lado o sistema portugus de doao de terras no
favorecia o surgimento do campesinato, por outro, no o impedia totalmente, uma vez
que era pouco significativa a vigilncia ou represso, no impossibilitando que fossem
ocupadas terras virgens. Havia, sim, o controle das terras por parte dos latifundirios,
nas regies em que eram plantadas as culturas de exportao. Mas, os homens livres
pobres ou os negros fugitivos podiam se estabelecer serto adentro, em regies ainda
no ocupadas, e l fazer suas roas, margeando rios ou caminhos, ampliando a
fronteira agrcola e mantendo-se na retaguarda da ocupao portuguesa (LINHARES;
SILVA, 1981, p. 130).
92

Tambm nas reas de produo para exportao, h indcios de que era


permitido aos escravos cultivarem para o prprio sustento e, at mesmo, produzir
excedentes para venda. As repetidas determinaes, de que se tem conhecimento,
para que se concedesse o sbado livre aos escravos a fim de que estes buscassem o
seu sustento e para que se reservassem terras para o cultivo da mandioca, o po da
terra (LINHARES; SILVA, 1981, p. 131), levam a esta concluso.
O campesinato no Brasil apresenta um modelo original, que reflete as
peculiaridades da histria da agricultura brasileira, seu passado colonial, a dominao
da grande propriedade, a escravido e a existncia de uma enorme fronteira de terras
livres a ser ocupada. A grande propriedade dominou toda a histria brasileira. Foi ela
que recebeu os incentivos da poltica agrcola, para fim de modernizao, de forma a
garantir sua reproduo. Por isso, o campesinato - a agricultura familiar - sempre
ocupou um segundo lugar, uma posio inferior na sociedade brasileira. Pode-se dizer
que a histria do campesinato brasileiro uma histria de lutas para obter um espao
na sociedade e na economia do pas (CARVALHO, 2005, p. 36).
Ocupar um segundo lugar para o campesinato brasileiro significou, no s a
preterio nas polticas agrcolas, mas, tambm, a necessidade de ocupar somente as
terras que no interessavam aos grandes proprietrios. Enquanto a fronteira agrcola
ainda estava se deslocando, esses trabalhadores iam sendo empurrados cada vez mais
para o interior do pas. Atualmente, como a fronteira agrcola e a fronteira poltica
praticamente j se encontraram, a situao do campons tornou-se mais difcil, uma
vez que ele no tem mais para onde recuar, no tem como ocupar terras mais
distantes.
Em razo desse deslocamento constante, o campons brasileiro no criou
razes em um determinado lugar. Ao contrrio, desenraizado, migrante, itinerante.
A histria dos camponeses-posseiros pode-se dizer que seja uma histria de
perambulao, ao passo que a histria dos camponeses-proprietrios do sul uma
histria de migraes. Estes foram trazidos da Europa para o Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, So Paulo e Esprito Santo h cem anos. H pouco mais de trinta anos
deslocaram-se para as regies novas do Paran, para depois migrarem para Mato
Grosso e Rondnia. Tanto o deslocamento do posseiro quanto o deslocamento do
93

pequeno proprietrio so determinados fundamentalmente pelo avano do capital sobre


a terra (MARTINS, 1983, p. 17).
Quanto ao vnculo com a terra, o modo mais caracterstico do relacionamento
do campons o da propriedade. na condio de proprietrio que ele assegura o
carter independente de seu trabalho. Mas, h, tambm, distintos modos de ser
inquilino do proprietrio da terra, de ser o que se chama de arrendatrio (MARTINS,
2002, p. 61), fazendo uso do termo arrendatrio em acepo no jurdica.
O arrendamento um dos contratos agrrios tpicos, previstos no Estatuto da
Terra, mas na linguagem no jurdica, comum a utilizao do termo para referir a
diversas formas de posse da terra, como expe Maria Conceio DINCAO E MELLO:
o termo arrendatrio usado na linguagem corrente [...], num sentido muito amplo:
refere-se a qualquer indivduo que recebe temporariamente um pedao de terra para
trabalhar, independentemente de qualquer referncia ao que ele oferece em troca
(1978, p. 54). Assim, utilizando agora dos termos tcnicos, alm de proprietrio, o
campons pode ser, tambm, arrendatrio, parceiro, agregado, comodatrio, posseiro
ou possuidor, e demais formas que lhe permitam a explorao autnoma da terra.
Nessas situaes, em que o rurcola trabalha de forma autnoma, sendo ou
no proprietrio da terra, a relao jurdica existente de Direito Agrrio ou de Direito
Civil.
Anos atrs, eram comuns situaes, hoje mais raras, em que contratos
agrrios ou civis eram combinados com a prestao de servios de forma subordinada,
o que propiciava, e, quando ainda acontece, continua propiciando (porque essas
situaes tornaram-se mais raras, mas ainda existem), a ocorrncia de fraudes aos
direitos do trabalhador, j que, de forma contumaz, o empregador procura esconder a
relao de emprego, sob o argumento de que h uma parceria, um arrendamento, um
comodato.
A prestao de servios de forma subordinada tornou-se frequente com a
chegada das relaes capitalistas ao campo. A produo agrcola inseriu-se no
capitalismo e o trabalhador rural tornou-se um assalariado. Anteriormente, as relaes
de trabalho existentes no campo, eram relaes de trabalho no-capitalistas.
94

por isso que vamos encontrar no campo brasileiro, junto com o processo geral
de desenvolvimento capitalista que se caracteriza pelas relaes de trabalho
assalariado, os boias-frias, por exemplo, a presena das relaes de trabalho
no-capitalistas como, por exemplo, a parceria, o trabalho familiar campons,
etc. (OLIVEIRA, 1994, p. 46).

Essas modificaes nas relaes de trabalho no campo, com o surgimento


do trabalhador rural assalariado, levaram a que muitos afirmassem que isso
representaria o fim do campesinato. Mas o transcurso do tempo demonstrou que o
campesinato sobrevive, mesmo diante de uma produo agrcola capitalista.
A insero da produo agrria no sistema capitalista no eliminou o
campesinato. Pelo contrrio, paralelamente ao surgimento e crescimento do
assalariamento no campo, cresceu, tambm, o trabalho campons. Em outras
palavras: a expanso do trabalho assalariado tem trazido consigo a expanso do
trabalho familiar (OLIVEIRA, 1994, p. 52).
Corroborando o que se afirmou, interessante observar que, no final da
dcada de 1980, assistiu-se, no Brasil, tanto ao aumento do trabalho assalariado no
campo, como ao aumento, tambm, do trabalho familiar. Trata-se, contraditoriamente,
de duas faces do trabalho rural: se por um lado, nos estabelecimentos com mais de
1.000 ha, so encontrados praticamente s trabalhadores assalariados, sejam eles
trabalhadores temporrios ou permanentes; nos estabelecimentos de at 100 ha,
predomina o trabalho familiar campons (OLIVEIRA, 1994, p. 65).
Bernard SORJ e John WILKINSON entendem que no padro de acumulao
da dcada de 1980, a produo agrcola passa a ser subordinada agroindstria
(1983, p. 167), de forma tal, que a produo familiar que consegue sobreviver aceita as
imposies que o sistema agroindustrial lhe coloca, e que, na medida que (sic) as
[aceita], vo modificando suas determinaes, as bases de seu funcionamento, a sua
especificidade material e ideolgica, transformando-se crescentemente num agente
integrado na sociedade capitalista (1983, p. 170).
Pode-se dizer que o campons, desde que o sistema de produo capitalista
chegou ao campo, um agricultor que se encontra pressionado pelo processo
capitalista. muito dependente do mercado e da agroindstria. O papel da pequena
produo tradicional est sendo redefinido. Se bem que ainda ocupe lugar importante
95

como produtor de alimentos, sua importncia, como produtor direto, tende a decrescer e
a ser substituda por pequenos produtores capitalizados e empresas capitalistas
(SORJ; WILKINSON, 1983, p. 177-8).
Por fim, necessrio observar que, no Brasil, o termo campons
desapareceu da linguagem oficial. O emprego da palavra assumiu a conotao de
atraso no campo. Tambm desapareceu do dicionrio da Agronomia e das Cincias
Sociais. Atualmente, a preferncia pela utilizao da expresso agricultor familiar, de
fcil identificao, vinculada ao nmero de trabalhadores familiares e no familiares e
ao nmero de meses trabalhados fora do grupo familiar. A opo pela adoo da
expresso nas esferas oficiais (Lei n. 11.326, de 24 de julho de 2006: estabelece as
diretrizes para a formulao da Poltica Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos familiares rurais) facilita a utilizao da estatstica, haja vista a sua
capacidade de tornar homognea uma categoria bastante complexa e diversificada
(CARVALHO, 2005, p. 34).

Fala-se de uma agricultura familiar como um novo personagem, diferente do


campons tradicional, que teria assumido sua condio de produtor moderno:
propem-se polticas para estimul-los, fundadas em tipologias que se baseiam
em sua viabilidade econmica e social diferenciada. Mas afinal, o que vem a ser
uma agricultura familiar? Em que ela diferente do campesinato, do agricultor
de subsistncia, do pequeno produtor, categorias que at ento, circulavam
com mais freqncia nos estudos especializados? [...] (CARVALHO, 2005, p.
26).

Essa mudana terminolgica no ocorreu por acaso, ocorreu porque


conveniente. Ocorreu porque o campons metamorfoseado em agricultor familiar perde
a sua histria de resistncia, perde a sua pertincia, e se torna um sujeito conformado
com o processo de diferenciao que passa a ser um processo natural do capitalismo
(CARVALHO, 2005, p. 25). O campons agora denominado agricultor familiar, perde a
sua identidade.
A partir dessa compreenso geral acerca do que seja o campons, pode-se
passar, ento, s diversas figuras jurdicas que contemplam a relao do campons
com a terra.
96

2.1.1 O campons proprietrio

O Estatuto da Terra conceitua a propriedade familiar28, e, com esse conceito,


termina por conceituar tambm o agricultor familiar proprietrio o campons
proprietrio -, como sendo aquele que direta e pessoalmente explora com sua famlia
propriedade familiar, de forma que essa explorao absorva toda a fora de trabalho do
grupo familiar, garantindo-lhes a subsistncia e o progresso social e econmico e,
eventualmente, necessitando e fazendo uso da fora de trabalho de terceiro.
Como a relao mais comum do campons/agricultor familiar com a terra
na condio de proprietrio, neste tpico destinado ao campons proprietrio abordar-
se-, tambm, o disciplinamento legal da agricultura familiar. Mas a agricultura familiar
pode ocorrer mesmo quando a famlia agricultora no proprietria da terra e a cultiva
porque detm, de alguma forma, que no na condio de proprietrio, a sua posse.
A Lei n. 11.326, de 24 de julho de 2006, estabeleceu as diretrizes para a
formulao da Poltica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares
Rurais. No art. 3 enumera os requisitos exigidos para o enquadramento como
agricultor familiar e empreendedor familiar rural, dispondo ser necessrio que o
agricultor:

Art. 3 [...]
I no detenha, a qualquer ttulo, rea maior do que 4 (quatro) mdulos fiscais;
II utilize predominantemente mo-de-obra da prpria famlia nas atividades
econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III tenha renda familiar predominantemente originada de atividades
econmicas vinculadas ao prprio estabelecimento ou empreendimento;
IV dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua famlia.

Conforme 2 do mesmo artigo, so considerados beneficirios da referida


lei, tambm, os silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores, que atenderem os
requisitos nela estabelecidos.

28
Art. 4, II: Propriedade familiar, o imvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e
sua famlia, lhes absorva toda a fora de trabalho, garantindo-lhes a subsistncia e o progresso social
e econmico, com rea mxima fixada em cada regio e tipo de explorao, e eventualmente
trabalhado com a ajuda de terceiros (ET, art. 4, II).
97

A Lei n. 11.326/2006 estabelece, ainda, que Poltica Nacional da Agricultura


Familiar e de Empreendimentos Familiares Rurais observar os princpios da
descentralizao; da sustentabilidade ambiental, social e econmica; da equidade na
aplicao das polticas, respeitando os aspectos de gnero, gerao e etnia; e da
participao dos agricultores familiares na formulao e implementao da poltica
nacional da agricultura familiar e empreendimentos familiares rurais (art. 4).
Igualmente, visando atingir seus objetivos, a Poltica Nacional da Agricultura
Familiar e de Empreendimentos Familiares Rurais cuidar de promover o planejamento
e a execuo das aes, compatibilizando as seguintes reas: crdito e fundo de aval;
infra-estrutura e servios; assistncia tcnica e extenso rural; pesquisa;
comercializao; seguro; habitao; legislao sanitria, previdenciria, comercial e
tributria; cooperativismo e associativismo; educao, capacitao e profissionalizao;
negcios e servios rurais no agrcolas; e agroindustrializao.
Agricultor familiar proprietrio, nos termos da conceituao de proprietrio
constante do art. 1.228 do CC, aquele que tem a faculdade de usar, gozar e dispor
da coisa, e o direito de reav-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha. aquele que detm todos os poderes do domnio.
O direito subjetivo de propriedade concerne relao jurdica complexa que
se forma entre aquele que detm a titularidade formal do bem (proprietrio) e a
coletividade de pessoas (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 168). O domnio, por sua
vez, diz respeito relao material direta e imediata da coisa ao poder do seu titular,
[...] pelo exerccio das faculdades de uso, gozo e disposio (FARIAS; ROSENVALD,
2009, p. 169). Portanto, nas situaes em que o proprietrio detiver a propriedade plena
de um bem, todos os poderes do domnio concentrar-se-o em uma nica pessoa
(FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 168).
Ademais, estabelece o CC nos pargrafos do art. 1.228, que o direito de
propriedade deve ser exercido de forma a respeitar as finalidades econmicas e sociais
da propriedade, e o meio ambiente, ou seja, o direito de propriedade deve ser exercido
de forma a que a propriedade cumpra sua funo social.
J foi mencionado anteriormente, que a maneira mais comum de
relacionamento do campons com a terra na condio de proprietrio. Na condio
98

de proprietrio, o agricultor familiar, pelo menos quando trabalhar em sua propriedade,


no trabalhar por conta alheia, no prestar servios a terceiros, pelo contrrio, ele
poder ser tomador de servios, ou seja, eventualmente, ele poder fazer uso da mo-
de-obra de terceiros, conforme previsto no citado dispositivo do Estatuto da Terra art.
4, II.
Por isso, descabe alongar acerca do tratamento legal dado ao campons
proprietrio, uma vez que o trabalho por ele despendido em sua propriedade no
tangencia com o trabalho do empregado, ainda que, muitas vezes, em termos de
organizao social, ele se enquadre como hipossuficiente, da mesma forma que o
empregado enquadra-se como tal.

2.1.2 O campons posseiro

O campons possuidor todo aquele que tem de fato o exerccio, pleno ou


no, de algum dos poderes inerentes propriedade (CC, art. 1.196). Poderes inerentes
propriedade so os direitos de uso, gozo e disposio.
O posseiro pode adquirir a propriedade do bem de que tem a posse, por
meio da usucapio, que modo originrio de aquisio da propriedade, decorrente da
posse prolongada da coisa (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 273).
Especificamente quanto aquisio da propriedade da terra pelo campons
possuidor, h, desde a Constituio de 1934, previso da usucapio rural, naquela
Carta prevista no art. 125, que dispunha: todo brasileiro que, no sendo proprietrio
rural ou urbano, ocupar, por dez anos contnuos, sem oposio nem reconhecimento de
domnio alheio, um trecho de terra de at dez hectares, tornando-o produtivo por seu
trabalho e tendo nele a sua morada, adquirir o domnio do solo, mediante sentena
declaratria devidamente transcrita.
Depois desta primeira previso, o dispositivo no mais abandonou a
legislao ptria. Apesar de inexistente na Constituio de 1967 e na Emenda n. 1 de
1969, a essa poca j constava da legislao ordinria - Estatuto da Terra-, no art. 98,
vindo a constar tambm na Lei n. 6.969, de 10 de dezembro de 1981, que dispe,
99

dentre outras providncias, sobre a aquisio, de imveis rurais, por usucapio


especial.
Atualmente, consta do art. 191 da CF/1988, nos seguintes termos: aquele
que, no sendo proprietrio de imvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco
anos ininterruptos, sem oposio, rea de terra em zona rural, no superior a cinquenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua famlia, tendo nela sua
moradia adquirir-lhe- a propriedade.
Essa previso da usucapio especial rural, que j foi denominada, tambm,
de usucapio agrria e usucapio rstica, objetiva, justamente, conferir a titulao
formal do bem, o ttulo de proprietrio, quele que j seu possuidor, privilegiando o
pequeno agricultor, que no possui outra propriedade rural ou urbana e que cultive a
terra ocupada, mediante trabalho seu e de sua famlia.
Contudo, tambm esse campons, em relao terra da qual posseiro,
no trabalhar para terceiro de forma subordinada, da mesma forma que o pequeno
proprietrio. Tambm o campons posseiro um agricultor familiar.

2.1.3 O campons que tem o uso ou a posse temporria da terra

O Estatuto da Terra, Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, no Captulo


IV Do Uso ou da Posse Temporria da Terra - do Ttulo III, art. 92 a 96, trata dos
contratos de arrendamento e parceria, cuja regulamentao detalhada encontra-se no
Decreto n. 59.566, de 14 de novembro de 1966. Tambm o art. 13 da Lei n. 4.947, de
06 de abril de 1966, que, dentre outras providncias, fixa normas de direito agrrio e
dispe sobre o sistema de organizao e funcionamento do Instituto Brasileiro de
Reforma Agrria (IBRA),29 estabelece regras acerca dos contratos agrrios.
O CC de 1916 disciplinava tanto o arrendamento quanto a parceria. O atual
CC no trata desses contratos, j que deixou para o ET, norma especial, disciplin-los.

29
O IBRA foi criado pelo Estatuto da Terra, juntamente com o Instituto Nacional de Desenvolvimento
Agrrio INDA-, que, em 09 de julho de1970, foram fundidos em um s rgo, o Instituto Nacional de
Colonizao e Reforma Agrria INCRA (disponvel em:
<http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=270&It
emid=288>, acesso em: 19 de ago. 2010).
100

Isso porque, o direito agrrio regido por princpios prprios, resultando que tambm
as regras contratuais se diferenciam das do direito civil.
A Lei n. 4.947/1966, no art. 13, dispe que os contratos agrrios regulam-
se pelos princpios gerais que regem os contratos de direito comum, no que concerne
ao acordo de vontade e ao objeto, mas, no que se refere proteo do hipossuficiente
ou dbil econmico, cuidou de trazer regras prprias.
So limites impostos aos contratos agrrios, fundamentalmente: os que
dizem respeito obrigatoriedade da existncia de clusulas que assegurem a
conservao dos recursos naturais da terra e que assegurem a proteo social e
econmica do arrendatrio ou do parceiro outorgado; a proibio renunciabilidade,
pelo arrendatrio ou pelo parceiro outorgado, aos direitos que lhes so conferidos por
lei; e, proibio da prtica de usos e costumes predatrios da economia agrcola
(BORGES, 1998, p. 69).
Por isso, nos contratos agrrios, resta bastante mitigado o princpio da
autonomia da vontade. Ainda que no direito atual, tambm nos ramos tradicionais do
direito privado, a soberania da vontade - pacta sunt servanda tenha sido abrandada,
no direito agrrio, em razo dos limites impostos vontade das partes, ela
praticamente nula (BORGES, 1998, p. 69).
Os artigos 92 a 94 do Estatuto da Terra traam as regras gerais relativas aos
contratos agrrios. O artigo 92 dispe que o uso e a posse temporria da terra devem
ser exercidos em virtude de contrato expresso ou tcito, estabelecido entre o
proprietrio e os que nela exercem atividade agrcola ou pecuria, sob forma de
arrendamento rural, de parceria agrcola, pecuria, agroindustrial e extrativa [...].
Relativamente a esse dispositivo, faz-se a primeira ressalva ao texto legal, uma vez que
ele menciona que o contrato ser firmado entre o proprietrio e os que nela exercem
atividade agrcola ou pecuria. O art. 92 do Estatuto da Terra comete uma visvel
erronia, quando fala apenas em proprietrio a figurar num dos plos da relao
contratual de que se cuida. Do mesmo modo est no art. 93. Na verdade, tambm o
possuidor, como, por exemplo, o usufruturio, pode perfeitamente ceder o uso do
imvel a outrem, para ser explorado em atividade agrria (destaque do original)
(MARQUES, 2004, p. 224). O equvoco da redao foi corrigido quando da elaborao
101

do Decreto regulamentador (Decreto n. 59.566/1966), que corretamente prev que o


arrendador ou o parceiro outorgante poder ser o proprietrio ou quem detenha a posse
ou tenha a livre administrao de um imvel rural. Portanto, no necessariamente ser
o proprietrio que se encontrar na posio de arrendador ou de parceiro outorgante.
Arrendamento rural e parceria rural so contratos agrrios tpicos ou
nominados. Existem, ainda, os contratos agrrios inominados, aos quais, por expressa
disposio legal ( 1 do art. 13), tambm so aplicveis, as regras do caput do art. 13
da Lei n. 4.947/1966.
A extenso das disposies restritivas da autonomia da vontade a qualquer
contrato agrrio, bem demonstra o sentido protetivo do direito agrrio.
Mas, ainda no que se refere tutela jurdica do trabalhador, os contratos
agrrios assemelham-se aos contratos de emprego, porque dizem respeito mesma
questo social. No entanto, se se trata de verdadeiros contratos agrrios e a sua
execuo se d de forma correta, no tm a mesma natureza do vnculo empregatcio.
O que os confunde so os seus desvirtuamentos (SANTOS, 2000, p. 141).
Saulo Emdio dos SANTOS salienta que o direito agrrio, especialmente
quando disciplina os contratos agrrios, preocupou-se com os que exploram a terra
temporariamente e buscou assegurar-lhes o mnimo necessrio a uma vida digna,
porm, sem liber-los de fazer uso racional da terra e torn-la produtiva. Em ambas as
mencionadas oportunidades de intervencionismo estatal [contratos agrrios e relaes
de emprego], o legislador pretendeu valorizar o ser humano e o seu trabalho, bem
como incrementar o crescimento econmico. Acrescenta, ainda, que, para se definir se
o contrato de direito agrrio ou de direito do trabalho, ho que ser verificadas a forma
como o trabalho prestado, a distribuio dos riscos no caso de insucesso e a maneira
como retribudo o servio prestado (2000, p. 139).
Alm do mais, salienta o autor mencionado, que j hora do direito agrrio
positivo tratar dos contratos inominados, os quais proliferam na prtica cotidiana do
fenmeno scio-econmico, devendo faz-lo de uma maneira mais objetiva e
especfica (SANTOS, 2000, p. 140). Cita como exemplos de contratos agrrios
inominados, o contrato em que o agricultor recebe a terra bruta para desbravar,
plantar, auferir o lucro e em seguida devolver com pastagem formada; e os contratos
102

de produo integrada, pelos quais as indstrias financiam, orientam e fornecem


insumos aos produtores rurais, mediante exclusividade na compra da produo
integrada, com compensao com aqueles bens e servios fornecidos (SANTOS,
2000, p. 140).
No caso desses contratos agrrios, caso sejam autnticos contratos de
arrendamento ou de pareceria, ou mesmo, um autntico contrato agrrio inominado, o
trabalho executado pelo rurcola (arrendatrio ou parceiro outorgado) ser na condio
de trabalhador autnomo, mas, muitas vezes, formalizam-se contratos dessa natureza,
como forma de encobrir o vnculo de emprego.

2.1.3.1 O campons arrendatrio

O arrendamento est conceituado no art. 3 do Decreto n. 59.566, de 14 de


novembro de 1966, nos seguintes termos:

Art. 3 Arrendamento rural o contrato agrrio pelo qual uma pessoa se obriga
a ceder outra, por tempo determinado ou no, o uso e gozo de imvel rural,
parte ou partes do mesmo (sic), incluindo, ou no, outros bens, benfeitorias e
ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de explorao
agrcola, pecuria, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuio
ou aluguel [...].

Possui a mesma feio da locao, mas, apesar de no haver uma distino


legal acerca da utilizao das duas expresses, arrendamento, vai-se firmando como
termo empregado para designar a locao de propriedade imobiliria rstica ou prdio
no urbano, ao passo que a expresso locao, tem sido utilizada para designar a
locao de prdios urbanos e a de bens mveis (SILVA, 1996, p.201).
instituto de direito obrigacional, cuja principal distino em relao
parceria diz respeito ao arrendatrio possuir o direito de uso e gozo do imvel rural,
enquanto que o parceiro outorgado possui, apenas, o uso do prdio rstico.
No arrendamento, o cedente do prdio rstico denominado arrendador e, a
pessoa que recebe o prdio em aluguel, chamada arrendatrio. O arrendador pode
ser o proprietrio, o usufruturio, o usurio ou o possuidor, enfim, quem tenha a livre
103

administrao do imvel rural (BORGES, 1998, p. 75). J o arrendatrio a pessoa ou


o conjunto familiar, representado pelo seu chefe (BORGES, 1998, p. 75). A importncia
de se permitir que o arrendatrio possa ser a pessoa ou o conjunto familiar, neste caso
representado pelo seu chefe, reside na no extino do contrato quando da morte do
chefe, uma vez que permitido a outra pessoa prosseguir na execuo do contrato,
desde que rena condies para tanto (BORGES, 1998, p. 76).
Os prazos mnimos para o contrato de arrendamento so de: trs anos, para
explorao de lavoura temporria ou de pecuria de pequeno e mdio porte; cinco
anos, para explorao de lavoura permanente ou de pecuria de grande porte para cria,
recria, engorda ou extrao de matrias-primas de origem animal; e, sete anos, para
explorao florestal (DECRETO n. 59.588/1966, art. 13, II, a). Tais prazos visam
assegurar a conservao dos recursos naturais e, tambm, conceder ao arrendatrio
um perodo mnimo que lhe permita retorno financeiro com a explorao da atividade
agrcola, pecuria ou extrativa.
Caso o contrato de arrendamento seja pactuado por prazo indeterminado,
presume-se que tenha sido acordado pelo prazo mnimo de trs anos (ET, art. 95, II, e
DECRETO n. 59.566/1966, art. 21, caput). Os arrendamentos, tambm, s se
encerraro depois de concluda a colheita, inclusive quanto colheita de plantas
forrageiras temporrias cultivveis, mesmo quando firmados por termo certo (ET, art.
95, I, e DECRETO n. 59.566/1966, art. 21, 1).
Quanto remunerao devida pelo arrendatrio, a lei tambm cuidou de
estabelecer regras protetivas, vedando que, qualquer que seja a forma de pagamento,
o valor a ser pago exceda a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imvel,
includas, as benfeitorias que entrarem na composio do contrato [...] (ET, art. 95, I).
Em se tratando de arrendamento parcial, que recaia apenas em glebas selecionadas
para fins de explorao intensiva de alta rentabilidade, a remunerao poder ser de
at 30% (trinta por cento) sobre o referido valor (ET, art. 95, XII).
O contrato de arrendamento, embora no com muita freqncia, pode
encobrir uma relao empregatcia, quando o suposto arrendatrio sofre interferncia
administrativa do arrendador (subordinao) e esse ltimo chama para si o risco do
104

insucesso na produo (SANTOS, 2000, p. 141). Mas no s essa situao pode


demonstrar a existncia de subordinao do arrendatrio em relao ao arrendador.
A forma como se d o pagamento do aluguel da terra, pode levar a uma
reduo na autonomia do arrendatrio. Assim, se o arrendatrio dispe de plena
liberdade para usar a terra, e paga o arrendante em dinheiro, de regra, lhe
assegurada a necessria autonomia para tomar todas as decises relativas a seu
empreendimento. Contudo, quando se trata de arrendamento de terras para a lavoura,
com objetivo de produo agrcola, e o proprietrio da terra o empresrio de sua
lavoura, o arrendatrio costuma ter sua autonomia totalmente comprometida. Nesses
casos, o aluguel quase sempre pago em mercadoria e quem escolhe o que deve ser
plantado o proprietrio da terra. Ademais, a despeito de o valor do aluguel ser fixo,
como o arrendador tem interesse em comprar o restante da produo, termina por
impedir que o arrendatrio cultive gneros alimentcios para sua subsistncia. Outro
sistema que compromete a autonomia do arrendatrio o sistema de fornecimento. A
existncia desse sistema decorre do fato de o arrendatrio, quase sempre, ser
descapitalizado. Da, o arrendador fornece ou o dinheiro, ou os insumos necessrios ao
plantio. Tambm nessa hiptese o arrendatrio torna-se refm do arrendador, uma vez
que o fato de o pagamento do financiamento ser feito em gneros produzidos, conforme
previsto no pargrafo nico do art. 93 do ET,30 termina por obrigar o arrendatrio a
plantar o que determina o arrendador (DINCO E MELLO, 1978, p. 57-8).
Contudo, ainda assim, a frequncia da m utilizao do contrato de
arrendamento bem menor do que a da do de parceria. Essa perda de autonomia pelo
campons significa um desvirtuamento do arrendamento, porque, se ele perde
autonomia, passa a trabalhar de forma subordinada e, se assim ocorre, o campons se
proletariza, torna-se um assalariado, devendo seu trabalho ser remunerado como tal.
Nessa situao, configura-se um falso arrendamento.

30
[...] Pargrafo nico. Ao proprietrio que houver financiado o arrendatrio ou parceiro, por inexistncia
de financiamento direto, ser facultado exigir a venda da colheita at o limite do financiamento
concedido. observados os nveis de preo do mercado local (Estatuto da Terra, art. 93, pargrafo
nico).
105

At agora se falou do arrendatrio hiposuficiente em relao ao arrendador.


Mas outra situao comea a tornar-se comum: o arrendamento de terras por
arrendatrio que no se enquadra na condio de dbil econmico.
Maria Conceio DINCO E MELLO, em 1978, j mencionava a existncia
de arrendamento de terras por grandes proprietrios. Cita o arrendamento de pastos
para a engorda de gado. O arrendatrio, nesse caso, preferia investir seu capital na
compra de mais cabeas de gado ou na realizao de outros negcios, do que na
compra da terra, muito cara na regio [So Paulo]. O arrendador, por sua vez, seria
dono de mdia propriedade, que se encontrava descapitalizado e, assim,
impossibilitado de explorar sua propriedade (1978, p. 57-8).
Mas, nos dias atuais, situaes similares tm acontecido com frequncia. A
agroindstria tomou conta do campo e a ela nem sempre interessa a titularidade da
terra. Por outro lado, muitos so os pequenos e mdios proprietrios, que, sem
condies de explorar sua terra, optam por arrend-la.
Por isso, j se fala em arrendamento agroindustrial, assim como se fala em
arrendamento agrcola, pecurio e extrativo. O objetivo desse arrendamento a
utilizao da terra ou da terra e das benfeitorias l existentes, para instalao de
agroindstria de beneficiamento de produtos agrcolas, pecurios ou vegetais, hiptese
em que o arrendador o proprietrio ou o legtimo possuidor do bem arrendado (SILVA,
2010).
Nesse caso, a preocupao outra: a legislao agrria dispe de
mecanismos de proteo ao arrendatrio, haja vista a presuno legal de que ele seja
hipossuficiente em relao ao arrendador. Como lidar, agora, com a situao inversa,
ou seja, com a situao em que o hipossuficiente o arrendador, principalmente em
face de uma legislao fundamentada em hiptese contrria?
106

2.1.3.2 O campons parceiro

A parceria rural conceituada, como sendo:

[...] o contrato agrrio pelo qual uma pessoa se obriga a ceder outra, por
tempo determinado ou no, o uso especfico de imvel rural, de parte ou partes
do mesmo (sic), incluindo, ou no, benfeitorias, outros bens e ou facilidades,
com o objetivo de nele ser exercida atividade de explorao agrcola, pecuria,
agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria,
recria, invernagem, engorda ou extrao de matrias-primas de origem animal,
mediante partilha de riscos de caso fortuito e da fora maior do
empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas propores
que estipularem, observados os limites percentuais da lei (DECRETO n.
59.566/1966, art. 13, II, a).

Depreende-se do conceito legal que a parceria difere-se do arrendamento,


porque o cessionrio (parceiro outorgado) e o cedente (parceiro outorgante) partilham
tanto os lucros quanto os riscos e eventuais perdas, alm de, na parceria, o cessionrio
ter direito, apenas, ao uso do bem imvel.
Como visto, os nomes das partes na parceria so concedente ou parceiro
outorgante e concessionrio ou parceiro outorgado. O parceiro outorgante pode ser o
proprietrio, o usufruturio, o usurio ou o possuidor, ou seja, quem tiver a livre
administrao do imvel rural, enquanto o parceiro outorgado pode ser a pessoa ou o
conjunto familiar. Como j mencionado quando se tratou do arrendamento, a
importncia de se permitir que o parceiro outorgado possa ser a pessoa ou o conjunto
familiar, representado pelo seu chefe, reside na no extino do contrato quando da
morte do chefe, uma vez que permitido a outra pessoa prosseguir na execuo do
contrato, desde que rena condies para tanto.
Tambm quanto parceria, o ET estabelece o prazo contratual mnimo que,
neste caso, de trs anos, seja qual for o tipo de parceria. Presume-se, tambm, de,
no mnimo, trs anos, o contrato de parceria pactuado sem determinao de prazo (AT,
art. 95, I e II, e DECRETO n. 59.566/1966, art. 13, II, a). Igualmente, em havendo
colheita por fazer, o contrato prorroga-se at que esta seja concluda, tendo em vista o
disposto no art. 96, VII, do ET, que estabelece serem aplicveis parceria as normas
relativas ao arrendamento rural, no que couber.
107

O art. 96, VI, do ET, nas alneas a a g, fixa os percentuais mximos a que
tem direito o parceiro outorgante, na participao dos frutos da parceria, nos seguintes
termos:

Art. 96 [...]
VI [...]
a) 20% ( vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua;
b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada;
c) 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e
moradia;
d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto bsico de
benfeitorias, constitudo especialmente de casa de moradia, galpes,
banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;
e) 50% (cinquenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o
conjunto bsico de benfeitorias enumeradas na alnea d deste inciso e
mais o fornecimento de mquinas e implementos agrcolas, para atender
aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de trao, e, no caso
de parceria pecuria, com animais de cria em proporo superior a 50%
(cinqenta por cento) do nmero total de cabeas objeto de parceria;
f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuria ultra-extensiva
em que forem os animais de cria em proporo superior a 25% (vinte e
cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meao do leite e a
comisso mnima de 5% (cinco por cento) por animal vendido;
g) nos casos no previstos nas alneas anteriores, a quota adicional do
proprietrio ser fixada com base em percentagem mxima de 10% (dez
por cento) do valor das benfeitorias ou dos bens postos disposio do
parceiro [...]

A figura do parceiro mais frequente em situaes nas quais o proprietrio


da terra tem como objetivo a prpria lavoura, porque lhe propicia uma rentabilidade
maior. A meao a forma de parceria mais utilizada, porque o empresrio tem um
controle mais efetivo sobre a produo, j que ele encarregado do fornecimento dos
adubos, sementes e inseticidas (DINCO E MELLO, 1978, p. 64).
Mas, muitas situaes podem comprometer a autonomia do parceiro. Uma
delas o frequente endividamento para com o patro; outra o fato de, em muitas
situaes, o trabalhador vender sua produo ao parceiro outorgante e pagar as dvidas
contradas com ele tambm com a entrega de parte da produo; porm, o que mais
lhe retira autonomia a obrigatoriedade de cultivar apenas o produto para o qual foi
contratado (DINCO E MELLO, 1978, p. 65). Nesse caso, o campons fica
impossibilitado de cultivar produtos para seu consumo e subsistncia. Privado de toda
e qualquer independncia na sua ao, e ganhando o mnimo necessrio sua
108

sobrevivncia, o parceiro nada mais do que um assalariado disfarado (DINCO E


MELLO, 1978, p. 65). A ausncia de independncia implica a no transferncia efetiva
da posse da terra, descaracterizando o contrato de parceria.
O ET no ignorou a existncia dessas prticas, tanto que, no que se refere
parceria, expressamente a diferenciou da falsa parceria:

Art. 96 [...]
4. Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro
e parte em percentual na lavoura cultivada ou em gado tratado, so
considerados simples locao de servio, regulada pela legislao trabalhista,
sempre que a direo dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade
do proprietrio, locatrio do servio a quem cabe todo o risco, assegurando-se
ao locador, pelo menos, a percepo do salrio mnimo no cmputo das duas
parcelas.

O dispositivo transcrito louvvel no sentido de alertar para as falsas


parcerias, muito comuns na zona rural, mas lhe falta tcnica, na medida em que, o
contrato regulado pela legislao trabalhista o contrato de emprego e, no, a locao
de servios, esta regulada pelo direito civil e hoje denominada prestao de servios.
Ademais, estabelece um valor mnimo a ser pago a esse trabalhador, correspondente
ao salrio mnimo (somadas as parcelas pagas em espcie e em utilidades), sem
observar o disposto no pargrafo nico do art. 82 da CLT, que estabelece que, pelo
menos 30% do salrio mnimo tm que ser pagos em espcie, ou seja, a parcela paga
in natura no pode exceder a 70%.
O contrato de parceria o mais utilizado para encobrir o vnculo
empregatcio. O empregador, buscando fugir dos encargos trabalhistas e da burocracia
que envolve a contratao de um empregado, e o empregado, em razo da
necessidade ou do interesse em ganhar mais, pactuam uma relao de trabalho, na
qual o trabalhador recebe a terra para cultivar, de forma a que ambos partilhem a
produo, mas o trabalhador entra somente com a sua mo-de-obra.
109

2.1.4 O campons comodatrio

A expresso commodum datum quer dizer aquilo que se d para proveito ou


comodidade de outrem. Assim, o contrato de comodato aquele em que uma parte d
uma coisa para proveito da outra parte (VENOSA, 2007, p. 167). Conforme previsto no
CC de 2002, art. 579 o comodato o emprstimo gratuito de coisas no fungveis.
Perfaz-se com a tradio do objeto. Trata-se de emprstimo de uso, uma vez que o
comodante mantm o domnio da coisa ou de outro direito que lhe permita dar a coisa
em comodato, enquanto o comodatrio recebe, unicamente, a posse da coisa dada em
comodato. A coisa dada em comodato no fungvel, ou seja, coisa que no se pode
fazer substituir por outra da mesma espcie, qualidade e quantidade (art. 85 do CC)
(VENOSA, 2007, p. 167).
O emprstimo, comodato, tem origem no direito romano, assim como o
arrendamento e outros contratos agrrios. Contudo, o arrendamento tem objetivo de
obteno de uma renda, o que o diferencia do comodato. O comodato a entrega
gratuita de um imvel rural ao comodatrio [...] (OPTIZ; OPTIZ, 2000, p. 149).
Excetuada a questo da gratuidade, comodato e arrendamento assemelham-se.
Igualmente, se o comodato toma a forma de um contrato agrrio, mesmo sendo diverso
do arrendamento e da parceria, estar sujeito regra do art. 39 do Dec. 59.566/1966,
no sentido de que devam ser observadas as regras aplicveis aos contratos agrrios
tpicos (OPTIZ; OPTIZ, 2000, p. 151).

2.1.5 O campons agregado

O instituto da agregao (mais comum nos Estados de Minas Gerais, Gois,


Bahia e Mato Grosso) surgiu dos usos e costumes do homem do campo no seu
relacionamento com o tomador dos seus servios. Trata-se de instituto que no
encontra previso no ordenamento jurdico, sendo necessrio conjugar os contratos de
comodato e de parceria, e a legislao trabalhista rural, para se chegar ao tipo de
avena denominada agregao (BRAZ, 1996, p. 73).
110

A agregao presume o princpio da autonomia da vontade das partes, que cria


relaes jurdicas. As partes so livres para pactuar, e essa liberdade
pressupe a capacidade jurdica, indispensvel a qualquer contrato. [...] Na
agregao est pressuposta a prestao, pelo agregado, de servios de
natureza eventual, sem vnculo empregatcio, mediante justa remunerao.
Nela ainda se contm, como complemento necessrio e do interesse direto do
agregado, a parceria agrcola ou pecuria, que se realiza em reas de terras
distintas das que lhe so cedidas a ttulo de comodato, para plantao ou
criao, com partilha dos frutos havidos nas propores pactuadas (BRAZ,
1996, p. 74-5).

O agregado um precarista que se estabelece em um imvel rural pela


vontade expressa do proprietrio, a ttulo de comodato, para auxiliar ou promover
atividade econmica (BRAZ, 1996, p. 74).
A agregao assemelha-se ao regime de colonato que vigeu nas fazendas
de caf do oeste de So Paulo, a partir do final do sculo XIX.

O colonato constitui-se nas fazendas do caf, do chamado Oeste paulista,


principalmente a partir de 1870. Sob esse regime de organizao das relaes
de produo, a famlia que contratada para trabalhar na fazenda, na pessoa
do seu chefe. O fazendeiro paga salrio ao chefe da famlia, pelo trabalho
executado no preparo da terra, plantio, replantio, limpa, apanha do caf etc.
Mas obriga-se a dar-lhe casa gratuita e alguma terra para plantio de verduras,
legumes e cereais, ou a criao, tudo para o consumo da famlia ou eventual
comrcio. O regime de colonato combina o salrio com a produo para a auto-
subsistncia do assalariado e seus familiares. Isso implica que o produtor era
induzido a trabalhar diretamente na produo da prpria fora de trabalho
(IANNI, 1984, p. 230).

Como se v, no regime de colonato havia uma conjugao de comodato com


trabalho assalariado. Para Jos de Souza MARTINS, as relaes de trabalho
conhecidas por colonato no podem ser definidas como relaes de trabalho
assalariado, haja vista a sua singularidade. Nessas relaes, a retribuio do
trabalhador decorria da combinao de trs elementos: um valor fixo que era pago pelo
trato do cafezal; outro valor, varivel, pago proporcionalmente quantidade de caf
colhido; e, por fim, os ganhos decorrentes da produo de alimentos para a prpria
subsistncia, cujos excedentes eram comercializados. Ademais, no colonato o trabalho
no era individual, mas, sim, familiar (1979, p. 18-9).
No se v, no caso do colonato, a presena da parceria, na composio do
contrato, o que caracterstica da agregao. Por outro lado, tambm o agregado no
111

um trabalhador individual. Ele contratado juntamente com sua famlia, tanto que,
dentre as obrigaes do tomador dos servios do agregado, inclui-se o fornecimento de
moradia para a residncia exclusiva da famlia do agregado, com rea suficiente para o
plantio de horta e para a criao de pequenos animais (BRAZ, 1996, p. 94).
Como dito, o contrato de agregao no tem previso legal. Poder-se-ia
enquadr-lo dentre os contratos agrrios inominados. Nessa hiptese, estaria sujeito a
todas as limitaes impostas aos contratos de arrendamento e parceria. Mas mesmo as
partes sofrendo limitaes impostas autonomia da vontade, a agregao propicia,
mais do que qualquer outro contrato, a prtica de fraude contra o trabalhador. Isso
porque, a agregao prope que o trabalhador coloque-se, ao mesmo tempo, na
condio de subordinado e de autnomo. E isso no possvel. Com efeito, esse
trabalhador ser subordinado no s quando prestar servios eventuais, que muito
provavelmente no sero eventuais, mas tambm na condio de comodatrio e na de
parceiro outorgado.
Ademais, o 4 do art. 96 do ET, acrescido pela Lei n. 11.443/2007, que
trata da falsa parceria, aplicvel, tambm, ao contrato de agregao. Tal dispositivo
menciona situaes em que o pagamento efetuado parte em dinheiro e parte em
percentual da lavoura cultivada ou em gado tratado, hipteses que sero consideradas
simples locao de servio, regulada pela legislao trabalhista, sempre que a direo
dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietrio, locatrio do
servio a quem cabe todo o risco [...]. Como visto, a conjugao da parceria com a
prestao de servios de forma subordinada, j suficiente para enquadrar o contrato
na regra transcrita, sujeitando-se a ela, tambm, a conjugao do comodato com a
parceria e com a prestao de servios subordinadamente, levando a que o contrato
esteja sujeito legislao trabalhista. Esse enquadramento legal representa a no
admisso do contrato de agregao como modalidade de contrato agrrio aceita pela
legislao vigente.
112

2.2 O TRABALHADOR RURAL QUE POSSUI APENAS A SUA FORA DE


TRABALHO: O EMPREGADO

O foco dessa pesquisa so as relaes de emprego no campo, portanto,


deve ser estudado o trabalhador rural empregado, esse assalariado que proliferou com
a chegada ao campo das relaes capitalistas.
O trabalho subordinado assalariado, da forma como conhecido hoje adveio
com a revoluo industrial, quando surgiu o proletariado, no sentido mesmo de
trabalhador que s pode contar com a sua prpria fora de trabalho. Esse trabalhador
subordinado e assalariado no detm os meios de produo, por isso ele vende a outra
pessoa (terceiro) sua fora de trabalho. Por isso, tambm, diz-se que o proletrio
trabalha por conta alheia.
De acordo com o processo histrico descrito por Marx, o capitalismo, por um
lado, cria o trabalho assalariado e, por outro, separa o trabalhador livre dos meios e
instrumentos de produo. Isso acontece tambm no campo. O avano do capitalismo
no campo faz com que o campons perca seu pedao de terra, seus instrumentos de
trabalho e se proletarize. A esse ex campons resta, ento, permanecer no campo
como assalariado ou buscar a cidade para trabalhar na indstria (LINHARES; SILVA,
1999, p. 30).
Para Octavio IANNI, desde 1888, quando a escravido foi banida, o
relacionamento do Estado com a mo-de-obra agrcola a histria da proletarizao do
trabalhador rural. Afirma, ainda, que essa proletarizao, que implica a separao entre
a propriedade dos meios de produo e a propriedade da fora de trabalho, no
ocorreu de forma contnua, pelo contrrio, descontnua e contraditria, mas ainda
assim, progressiva (1984, p. 221). Menciona que nas fazendas de caf paulista, ao
lado do colono, assalariado permanente residente nas terras da fazenda, havia o
camarada. Este era um assalariado temporrio, empregado nas ocasies de
desmatamento, apanha ou secagem do caf e mesmo em outras atividades (destacou-
se) (IANNI, 1984, p. 231-2). Tambm Jos de Souza MARTINS afirma que, no Brasil,
colono passou a ser sinnimo de empregado. Por oposio ao escravo, o colono entra
113

na produo do caf pela valorizao do trabalho, no s porque o trabalho fosse uma


virtude da liberdade, mas porque era condio da propriedade (1979, p. 60).
O trabalhador assalariado, o empregado, regra geral deve trabalhar de forma
permanente, ou no eventual, fazendo uso da terminologia legal. princpio de Direito
do Trabalho a continuidade do vnculo empregatcio. Mas o trabalhador assalariado do
campo, na atualidade, quase sempre, um trabalhador temporrio, ou seja, a forma de
contratao do empregado rurcola foge regra geral do contrato de emprego, que a
da indeterminao do prazo. Ocorre que nem sempre foi assim: houve poca em que
havia muito trabalhador permanente no campo.
H no muitos anos atrs, o nmero de empregados permanentes era bem
maior, tanto que os grandes proprietrios possuam muitas casas em suas terras, de
forma a abrigar toda a famlia do trabalhador rural, e mantinham, inclusive, escolas para
os filhos dos trabalhadores. A Lei n. 5.889/1973 prev:

Art. 16 Toda propriedade rural, que mantenha a seu servio ou trabalhando em


seus limites mais de cinqenta famlias de trabalhadores de qualquer natureza,
obrigada a possuir e conservar em funcionamento escola primria,
inteiramente gratuita, para os filhos destes, com tantas classes quantos sejam
os grupos de quarenta crianas em idade escolar.

Mas com a modernizao agrcola, com a substituio do homem pela


mquina, pouqussimos so os empregados permanentes em estabelecimentos
agrcolas. Para os parmetros atuais, quase impossvel se imaginar que um
proprietrio necessite manter em sua propriedade escola com uma ou mais de uma sala
de aulas para quarenta alunos. Porm, quando da edio da CLT, h menos de setenta
anos atrs, essa situao no s era possvel, como era uma realidade. Hoje, os
empregados rurais so, em grande parte, temporrios.
que a modernizao dos processos produtivos leva necessidade
desigual da fora de trabalho durante o ciclo produtivo. Dessa forma, a mecanizao e
a utilizao de insumos podem ter como conseqncia a necessidade de um menor
nmero de trabalhadores durante o plantio, ao passo que, poca da colheita, no
estando essa etapa da produo mecanizada, aumentar a necessidade da fora de
trabalho. E mais, ainda que ocorra de forma desigual, dependendo do tipo de produto e
114

do nvel de mecanizao do produtor, a reduo da necessidade de mo-de-obra no


campo uma tendncia geral. Disso decorre que o trabalho assalariado temporrio
passou a ser a forma mais importante de trabalho assalariado rural no Brasil. Os
assalariados permanentes, por sua vez, tendem a continuar dentro da fazenda, porque
so trabalhadores mais qualificados, como tratoristas e mecnicos, e executam
atividades nas quais seus servios so necessrios durante todo o ano (SORJ;
WILKINSON, 1983, p. 180).
Dentre esses assalariados temporrios, podem-se distinguir, ainda, duas
formas diferentes de trabalho: o resultante do assalariamento da pequena produo
tradicional (pequenos proprietrios, posseiros, arrendatrios), que se emprega em
determinadas pocas do ano, e aquele que depende totalmente da venda de sua fora
de trabalho, mora em vilas ou cidades, e que eventualmente trabalha no campo e
tambm trabalha na cidade (SORJ; WILKINSON, 1983, p. 170).
Esse assalariado proveniente da pequena produo tradicional tem uma
situao melhor, uma vez que o vnculo de emprego apenas um acrscimo no ganho
necessrio ao seu sustento, j que ele trabalha tambm como autnomo, situao em
que detm os meios de produo e a fora de trabalho.
Estudo elaborado pela Federao dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado de Gois FETAEG por sua vez, classifica os volantes ou boias-frias em
quatro tipos. Alm das duas formas de trabalho j mencionadas (os pequenos
produtores, que se empregam como assalariados rurais em determinadas pocas do
ano; e os rurbano, o rurcola que migrou para a cidade, mas ainda volta ao campo em
determinadas pocas, como trabalhador rural temporrio), existiriam aqueles que se
deslocam nos perodos de safra, retornando depois ao ponto de origem (na zona rural),
e os que buscam continuamente melhores condies de trabalho, afastando-se, cada
vez mais, de seu ponto de origem (FETAEG, 1977, p. 12).
O fato que este trabalhador rural temporrio, que um assalariado, um
trabalhador subordinado, dentre todos os rurcolas, o que tem seus direitos mais
desrespeitados. No s seus direitos de trabalhador, mas, tambm seus direitos
enquanto ser humano. No raro, desrespeitado em sua dignidade de pessoa humana.
Isso porque, o fato por si s de no lhe serem pagos os direitos trabalhistas j o impede
115

de alcanar um mnimo de dignidade. Ademais, comum que esse trabalhador tenha


que residir em abrigos improvisados, que no oferecem condies mnimas de higiene,
que tenha que se alimentar de forma inadequada, que seja arregimentado em um local
para trabalhar em outro, situaes estas que configuram violao sua dignidade
enquanto pessoa.
A leitura da obra de Maria Conceio DINCO E MELLO, Os boias-frias:
acumulao e misria (1978), acerca da condio dos boias-frias, na regio da Alta
Sorocabana, revela como a narrao ainda atual, como reflete a realidade dos boias-
frias hoje, inclusive no Estado de Gois. A no ser pela melhoria no transporte,
atualmente realizado em nibus, e por um aumento na formalizao do vnculo de
emprego, nada se alterou nesses mais de trinta anos.
A denominao boia-fria, dada ao trabalhador temporrio ou volante, advm
do fato de que esse trabalhador, normalmente, reside na cidade e trabalha no campo e,
por isso, tem que levar para o local de trabalho a marmita com a refeio, que costuma
ser ingerida fria, ante a impossibilidade de ser aquecida. Mas h temporrios que no
so boias-frias, porque ficam alojados no local da prestao dos servios, onde
preparam suas refeies (DINCO E MELLO, 1978, p. 109).
A caracterstica mais marcante desse trabalhador, no entanto, no o fato
dele ingerir sua refeio fria, mas, sim, o fato de no ver formalizado o seu vnculo de
emprego, o que o deixa ao desamparo de qualquer direito trabalhista (DINCO E
MELLO, 1978, p. 110).
A demanda por esse tipo de mo-de-obra ocorre, de forma mais intensa, na
poca da colheita. Isso, no s porque a colheita acontece mais ou menos ao mesmo
tempo nas diversas propriedades, como, tambm, porque o produto necessita ser
colhido o mais rapidamente possvel, de forma que no haja prejuzo na sua qualidade.
Nesse perodo, os gatos recrutam os trabalhadores nas cidades, oferecendo trabalho
em voz alta, informando quanto esto pagando por arroba. Estacionam os caminhes
[nibus] de transporte no local em que esto anunciando o trabalho, de forma que o
trabalhador sobe e desce dos caminhes [nibus], buscando aquele cujo empregador
tem a melhor oferta (DINCO E MELLO, 1978, p. 110).
116

No incio da colheita, h trabalho para todos. Mas medida que a colheita


vai se realizando, a oferta de trabalho reduz-se e comeam a sobrar trabalhadores nos
pontos. [...] Se sobra gente, no adianta achar ruim. Volta pra casa. Esse dia fica sem
trabalho (DINCO E MELLO, 1978, p. 112). Quando no poca de colheita, a
demanda de trabalho muito menor e o prprio produtor convoca os volantes. No
aparece a figura do gato. Fora da colheita, as tarefas atribudas aos volantes so: as
de carpas, construes de benfeitorias nas fazendas, cercas, mangueiras, derrubadas
de mata, preparo da terra, quando no h trator, e plantio (DINCO E MELLO, 1978,
p. 114-5).
Esses trabalhadores cumprem uma jornada exaustiva, porque, normalmente,
ganham por produo. Costumam descansar aos domingos, mas, se necessrio,
trabalham tambm nesse dia. No tm direito a frias remuneradas. Por no terem o
vnculo de emprego formalizado, esto sujeitos a todas as formas de abuso e
explorao. Ademais, o trabalho em condies anlogas de escravo, costuma
acontecer, justamente, em relao a esses temporrios, que, muitas vezes, so
arregimentados em outra unidade da Federao, o que contribui ainda mais para que
fiquem suscetveis a todo tipo de explorao.
Por isso, o maior desafio do direito do trabalho, tem sido a regulamentao
legal desse tipo de vnculo de emprego, ou seja, trazer para a formalidade esses
trabalhadores rurais temporrios, como se ver a seguir.

2.2.1 As normas internacionais acerca do empregado rural

As normas internacionais aplicveis ao trabalhador rural so, basicamente,


as provenientes da Organizao Internacional do Trabalho OIT -, da mesma forma
que para o trabalhador urbano. A OIT foi criada depois da 1 Grande Guerra. Sua
previso constou do art. 23 do Pacto da Sociedade das Naes, tambm conhecida
como Liga das Naes. Posteriormente, com o desaparecimento da Sociedade das
Naes, a Organizao Internacional do Trabalho, permaneceu inclume e passou a
integrar a Organizao das Naes Unidas ONU.
117

As normas provenientes das convenes da OIT destinam-se, regra geral, ao


trabalhador empregado, mas, algumas convenes, expressamente, preveem sua
aplicao a todos os trabalhadores, como o caso da Conveno n. 11 da OIT31, que
a primeira acerca de trabalho rural, e assegura a todas as pessoas ocupadas na
agricultura os mesmos direitos de associao e unio dos trabalhadores na indstria,
assegurando tambm a revogao de qualquer disposio legislativa ou outra que
tenha por efeito restringir esses direitos em relao aos trabalhadores agrcolas (art.
1) (SSSEKIND, 2007, p. 36).
A conveno da OIT n. 1232, aprovada na 3 reunio da Conferncia
Internacional do Trabalho, assim como a nmero 11, assegura a todos os assalariados
agrcolas a extenso dos benefcios das leis e regulamentos que tm por objeto
indenizar as vtimas de acidentes ocorridos no trabalho ou no curso do trabalho (art. 1)
(SSSEKIND, 2007, p. 38).
Em 1951, na 34 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, foi
aprovada a conveno n. 9933, sobre os mtodos de fixao de salrio mnimo na
agricultura, pela qual os membros da OIT que a ratificaram obrigaram-se a instituir ou a
conservar os mtodos apropriados que permitam fixar os totais mnimos de salrios
para os trabalhadores empregados nas empresas de agricultura e assim tambm as
ocupaes conexas (art. 1,1) (SSSEKIND, 2007, p. 124). Permite aos signatrios
que a ratificaram determinar as empresas, as ocupaes e as categorias de pessoas
s quais sero aplicados os mtodos de fixao dos salrios mnimos (art. 1, 2)
(SSSEKIND, 2007, p. 124). Tambm permite que sejam excludas da aplicao da

31
Aprovada na 3 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, em Genebra, em 1921, tendo
entrado em vigor no plano internacional em 11.05.1923. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 24, de 29.05.1956, ratificada em 25.04.1957 e promulgada pelo Decreto n. 41.721, de
25.06.1957, com vigncia nacional a partir de 25.04.1958 (Arnaldo SSSEKIND, Convenes da OIT
e outros tratados, 2007, p. 36).
32
Aprovada na 3 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, em Genebra, em 1921, tendo
entrado em vigor no plano internacional em 26.02.1923. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 24, de 29.05.1956, ratificada em 25.04.1957 e promulgada pelo Decreto n. 41.721, de
25.06.1957, com vigncia nacional a partir de 25.04.1958 (Arnaldo SSSEKIND, Convenes da OIT
e outros tratados, 2007, p. 38).
33
Aprovada na 34 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, em Genebra, em 1951, tendo
entrado em vigor no plano internacional em 29.05.1953. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 24, de 29.05.1956, ratificada em 25.04.1957 e promulgada pelo Decreto n. 41.721, de
25.06.1957, com vigncia nacional a partir de 25.04.1958 (Arnaldo SSSEKIND, Convenes da OIT
e outros tratados, 2007, p. 124).
118

conveno, total ou parcialmente, as categorias de pessoas s quais essas


disposies so inaplicveis, em virtude de suas condies de emprego, tais como os
membros da famlia do empregador por ele empregados (art. 1, 3) (SSSEKIND,
2007, p. 124). Ademais, estabelece que a legislao nacional, quer por meio de leis,
quer por convenes coletivas ou sentenas arbitrais poder permitir o pagamento
parcial do salrio mnimo in natura34 nos casos em que este modo de pagamento
desejvel ou de prtica corrente (art.2) (SSSEKIND, 2007, p. 125).
Em 1975, na 60 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, foi
aprovada a Conveno n. 14135, cuja aplicao tambm no se limita aos
trabalhadores empregados, estendendo-se aos arrendatrios, parceiros e pequenos
proprietrios. Dispe o art. 2, 1, da Conveno n. 141:

para efeito da presente Conveno, a expresso trabalhadores rurais abrange


todas as pessoas dedicadas, nas regies rurais, a tarefas agrcolas ou
artesanais ou a ocupaes similares ou conexas, tanto se se trata de
assalariados como [...] de pessoas que trabalhem por conta prpria, como
arrendatrios, parceiros e pequenos proprietrios (SSSEKIND, 2007, p. 236).

Quanto aos arrendatrios, parceiros e pequenos proprietrios, a Conveno


restringe sua aplicao queles cuja principal fonte de renda seja a agricultura e que
trabalhem a terra por conta prpria ou exclusivamente com ajuda de seus familiares, ou
recorrendo eventualmente a trabalhadores suplentes, desde que no empreguem
mo-de-obra permanente; ou no empreguem mo-de-obra numerosa, com carter
estacionrio; ou no cultivem suas terras por meio de parceiros ou arrendatrios (art.
2, 2) (SSSEKIND, 2007, p. 237). Depreende-se do texto transcrito que o intuito da
norma convencional foi proteger o arrendatrio, parceiro ou pequeno proprietrio
quando estes se mostrarem hipossuficientes, da mesma forma que se protege o
empregado por ser ele considerado hipossuficiente em relao ao empregador.

34
Art. 9 Salvo as hipteses de autorizao legal ou deciso judiciria, s podero ser descontadas do
empregado rural as seguintes parcelas, calculadas sobre o salrio mnimo: a) at o limite de 20%
(vinte por cento) pela ocupao da moradia; b) at 25% (vinte e cinco por cento) pelo fornecimento de
alimentao sadia e farta, atendidos os preos vigentes na regio [...] (Lei n. 5.889/1973).
35
Aprovada na 60 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, em Genebra, em 1975, tendo
entrado em vigor no plano internacional em 24.11.1977. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 05, de 1.04.1993, ratificada em 27.09.1994 e promulgada pelo Decreto n. 1.703, de
17.12.1995, com vigncia nacional a partir de 27.09.1995 (Arnaldo SSSEKIND, Convenes da OIT
e outros tratados, 2007, p. 235).
119

Ademais, existem convenes que no so especficas para trabalhadores


rurais, mas tm aplicao a eles. Podem ser citadas as Convenes n. 29 (abolio do
trabalho forado), 95 (proteo do salrio), 97 (trabalhadores migrantes), 98 (direito de
sindicalizao e de negociao coletiva), 103 (amparo maternidade), 105 (abolio do
trabalho forado), 132 (frias anuais remuneradas), 138 (idade mnima para admisso
no emprego), 148 (contaminao do ar, rudo e vibraes), 155 (segurana e sade dos
trabalhadores), 170 (segurana no trabalho com produtos qumicos), 171 (trabalho
noturno), 182 (proibio das piores formas de trabalho infantil e a ao imediata para a
sua eliminao), dentre outras.
As Convenes n. 29 e 105, de aplicao geral, assumem relevncia no que
se refere ao trabalhador rural, uma vez que tratam da abolio do trabalho forado e, no
Brasil, o trabalho forado acontece, predominantemente, no campo, nas atividades
agrrias.
A Conveno n. 29,36 no art. 2 conceitua o que seja trabalho forado ou
obrigatrio, para fins de cumprimento da prpria conveno, como sendo todo trabalho
ou servio exigido de um indivduo sob ameaa de qualquer penalidade e para o qual
ele no se ofereceu de espontnea vontade (art. 2) (SSSEKIND, 2007, p. 55).
Pela Conveno n. 29, os membros da OIT que a ratificaram obrigam-se a
suprimir o emprego do trabalho forado ou obrigatrio sob todas as suas formas no
mais curto prazo possvel (art. 1) (SSSEKIND, 2007, p. 55). Contudo, esta
conveno menciona a supresso do trabalho forado ou obrigatrio no menor prazo
possvel, sem fixar qual esse prazo. Ademais, fixa regras no sentido de que todo o
trabalho forado ou obrigatrio exigido a ttulo de imposto ou por interesse pblico deve
ser progressivamente abolido, o que, por si s, pressupe no s a sua existncia,
como a tolerncia com a sua prtica por mais algum tempo.

36
Aprovada na 14 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, em Genebra, em 1930, tendo
entrado em vigor no plano internacional em 1.05.1932. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 24, de 29.05.1956, ratificada em 25.04.1957 e promulgada pelo Decreto n. 41.721, de
25.06.1957, com vigncia nacional a partir de 25.04.1958 (Arnaldo SSSEKIND, Convenes da OIT
e outros tratados, 2007, p. 55).
120

A OIT adota, ento, em 17 de janeiro de 1959, a Conveno n. 10537,


segundo a qual os seus membros que a ratificaram comprometeram-se a suprimir o
trabalho forado ou obrigatrio, e a no recorrer ao mesmo sob forma alguma:

Art. 1 Qualquer membro da Organizao Internacional do Trabalho que


ratifique a presente conveno se compromete a suprimir o trabalho forado ou
obrigatrio, e a no recorrer ao mesmo (sic) sob forma alguma:
a) como medida de coero, ou de educao poltica ou como sano
dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opinies polticas, ou
manifestem sua oposio ideolgica ordem poltica, social ou econmica
estabelecida;
b) como mtodo de mobilizao e de utilizao de mo-de-obra para fins de
desenvolvimento econmico;
c) como medida de disciplina de trabalho;
d) como punio por participao em greves;
e) como medida de discriminao racial, social, nacional ou religiosa
(SSSEKIND, 2007, p. 134-5).

Ademais, nos termos do art. 2, os membros da OIT que ratificaram a


Conveno n. 105 comprometeram-se a adotar medidas eficazes, no sentido da
abolio imediata e completa do trabalho forado ou obrigatrio (SSSEKIND, 2007, p.
135), conforme nela descrito.
E o Brasil, no que se refere ao trabalho escravo, apesar das vrias
denncias de ocorrncias ainda verificadas, foi um dos primeiros pases do mundo a
assumir internacionalmente [em 1985] a existncia da escravido contempornea [...]
(AUDI, 2005, p. 224) e, em decorrncia disso, a criar mecanismos de combate a esse
mal, o que implica o reconhecimento, pelos rgos internacionais, em especial pela
OIT, do esforo despendido nesse sentido.
Os compromissos assumidos pelo Brasil nos tratados e convenes
internacionais por ele firmados, ratificados, promulgados e vigentes internamente so
trazidos para a legislao interna, regra geral, em nvel de lei ordinria. Mas h que se
mencionar que a Emenda Constitucional (EC) n. 45, de 08 de dezembro de 2004,
acrescentou o 3 ao art. 5 da Constituio da Repblica, dispondo que: os tratados e

37
Aprovada na 40 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho, em Genebra, em 1957, tendo
entrado em vigor no plano internacional em 17.01.1959. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 20, de 30.04.1965, ratificada em 18.06.1965 e promulgada pelo Decreto n. 58.822, de
14.07.1966, com vigncia nacional a partir de 18.06.1966 (Arnaldo SSSEKIND, Convenes da OIT
e outros tratados, 2007, p. 134).
121

convenes internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada


Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos
respectivos membros, sero equivalentes s emendas constitucionais, ou seja, tero
mesma hierarquia da norma constitucional.
Por fim, importante ressaltar que as primeiras convenes a entrarem em
vigor no Brasil, tiveram vigncia interna a partir de abril de 1958, o que significa que,
anteriormente, no havia vigente nenhuma norma internacional destinada ao
trabalhador rural.

2.2.2 As normas constitucionais acerca do empregado rural

A Constituio de 1988 inovou na proteo jurdica do trabalhador. J no art.


1, relaciona, como um dos princpios fundamentais da Repblica Federativa do Brasil,
os valores sociais do trabalho.
Inovou, especialmente, quanto proteo jurdica do trabalhador rural, tanto
no que se refere poltica agrcola e fundiria e reforma agrria, cuja orientao de
carter marcantemente social, quanto no que diz respeito aos direitos assegurados ao
trabalhador, os chamados direitos sociais.
Os art. 6 a 11 da Constituio, inseridos no Captulo II, Dos Direitos Sociais,
do Ttulo II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, dispem acerca do tratamento
jurdico dado ao trabalhador. O art. 6 enumera os direitos sociais, ao passo que o art.
7 dispe acerca dos direitos do trabalhador subordinado (empregado), estabelecendo,
expressamente, em seu caput que os direitos nele relacionados so aplicveis aos
trabalhadores urbanos e rurais. Afasta, portanto, qualquer possibilidade de se dar
tratamento diferenciado a trabalhadores urbanos e rurais, como no passado.
Mas essa ateno dispensada aos trabalhadores no esteve presente em
todas as Constituies que antecederam atual. Muitas delas, no que se refere
proteo do trabalhador, pouco ou nada dispunham.
A Constituio do Imprio, de 1824, no art. 179 do Ttulo 8, que tratava das
disposies gerais e garantias dos direitos civis e polticos dos cidados brasileiros,
dispunha, no inciso XXIV, que nenhum gnero de trabalho, de cultura, indstria, ou
122

comrcio pode ser proibido, uma vez que no se oponha aos costumes pblicos,
segurana, e sade dos cidados.
O inciso XXV do mesmo art. 179, por sua vez, punha fim s corporaes de
ofcio, o que permite concluir que estas existiam, e estavam sendo abolidas em razo
da nova ordem, de cunho liberal, que se instalava.
A primeira Constituio republicana, de 1891, no 24 do art. 72, inserido na
Seo II (Declarao de Direitos) do Ttulo IV (Das Qualidades do Cidado Brasileiro)
garantia o livre exerccio de qualquer profisso moral, intelectual e industrial.
V-se que essas constituies no trataram propriamente do trabalhador
empregado. A Constituio de 1934 foi, ento, a primeira a tratar do empregado e o fez
no art. 121 do Ttulo IV, que cuidava da Ordem Econmica e Social. Especificamente
quanto aos trabalhadores rurais, dispunha, em seu 4:

Art. 121 [...]


4 O trabalho agrcola ser objeto de regulamentao especial, em que se
atender, quanto possvel, ao disposto neste artigo. Procurar-se- fixar o
homem no campo, cuidar da sua educao rural, e assegurar ao trabalhador
nacional a preferncia na colonizao e aproveitamento das terras pblicas.

Observe-se que no eram garantidos aos rurcolas os mesmos direitos do


trabalhador urbano, uma vez que a regulamentao do trabalho agrcola deveria
atender, o quanto possvel, o disposto no caput do artigo.
A Constituio de 1934, art. 122, inovou, tambm, ao prever que para dirimir
questes entre empregadores e empregados, regidas pela legislao social, fica
instituda a Justia do Trabalho, qual, contudo, no se aplicavam as regras
estabelecidas para o Poder Judicirio, o que significa que a Justia do Trabalho era
modalidade de contencioso administrativo, no integrante do Poder Judicirio.
Ainda que no tenham sido efetivamente implementados e ainda que no se
trate de previso constitucional, importante registrar, no que se refere proteo do
Estado na soluo de conflitos, que no incio da Repblica Velha, em 1907, houve a
primeira tentativa de constituio de rgos jurisdicionais trabalhistas, sendo que ela se
dirigia, justamente, ao trabalhador rural, demonstrando o quo antigos so os conflitos
123

rurais, at porque o pas era, poca, essencialmente agrcola. O Decreto n. 1.637


previa a instituio dos Conselhos Permanentes de Conciliao e Arbitragem, a serem
constitudos no mbito dos sindicatos, para dirimir as divergncias e contestaes
entre o capital e o trabalho (art. 8) (FERRARY et al, 1998, p. 178).
A Constituio de 1937, editada durante o Estado Novo, tratava dos direitos
dos trabalhadores nos art. 136 a 139, que estavam inseridos em Captulo da Ordem
Econmica, assegurando aos trabalhadores, praticamente os mesmos direitos que a
anterior constituio assegurava, sem, contudo, cuidar especificamente do trabalhador
rural.
Na seqncia, tem-se a Constituio de 1946, que no art. 157, inserido no
ttulo que dispunha acerca da Ordem Social e Econmica, enumerava o rol de direitos
dos trabalhadores. Destes incisos, apenas o inciso XII, referia-se expressamente ao
trabalhador rural ao garantir estabilidade, na empresa ou na explorao rural, e
indenizao ao trabalhador despedido, nos casos e nas condies que a lei estatuir
(destacou-se).
A Constituio de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1/1969, nos art. 158 e
165, respectivamente, inseridos, ambos, no Ttulo relativo Ordem Econmica e Social,
tambm enumeravam os direitos assegurados aos trabalhadores subordinados, sem,
contudo, mencionar especificamente o trabalhador rural.
Pois bem, a Constituio de 1988, alm de ampliar o rol dos direitos mnimos
dos trabalhadores, cuidou desses direitos no mesmo ttulo em que so relacionados os
direitos individuais. Elaborada dentro de uma concepo de retomada dos valores
ticos no Direito, adotou uma sistemtica diferente de todas as demais Constituies
nacionais anteriores, disciplinando, logo em seguida aos princpios fundamentais, os
direitos e garantias fundamentais, subdivididos em: direitos e deveres individuais e
coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos polticos e partidos polticos. Em vez
de iniciar tratando da organizao do Estado e dos Poderes, inicia relacionando os
direitos fundamentais, que so os que mais diretamente incidem sobre a posio
jurdica dos cidados.
Para CANOTILHO, direitos fundamentais:
124

no so um compartimento isolado dentro da Constituio, antes fazem parte


integrante do conjunto da ordem constitucional, estando organicamente ligados
aos restantes domnios constitucionais (CANOTILHO; MOREIRA, 1991, p. 99).

E continua:

o regime constitucional dos direitos fundamentais no permite o seu


enquadramento exclusivo por qualquer das concepes dominantes dos direitos
fundamentais [...] de entre as vrias concepes dos direitos fundamentais a
que se poderiam reconduzir certos aspectos do regime constitucional
concepes liberal, social, institucional, democrtico-funcional, socialista -, duas
delas balizam privilegiadamente a concepo constitucional: o conceito liberal e
o conceito social [...] (CANOTILHO; MOREIRA, 1991, p.100-1).

Acrescente-se o que afirmam Ana Paula Tauceda BRANCO38 e Jos Cludio


Monteiro de BRITO FILHO39, no sentido de que os direitos fundamentais so direitos
humanos positivados, como se v a seguir, nas palavras de Ana Paula Tauceda
BRANCO:

Os direitos fundamentais do homem so aqueles direitos buscados por todos os


povos e que vieram a ser positivados num dado ordenamento, numa
convergncia entre jusnaturalismo e juspositivismo; [...] na qualidade de
autnticos Direitos Humanos Fundamentais de segunda dimenso, h de ser
cobrada, exigida uma providncia, uma prestao do Estado quanto
efetividade das normas classificadas como direitos sociais [...] (2007, p. 46).

Os direitos fundamentais sociais estabelecem as condies mnimas


aplicveis s relaes de emprego e situaes equiparveis (como, por exemplo, no
caso do trabalho no campo, aos arrendatrios e parceiros, que efetivamente sejam
hipossuficientes, relativamente ao arrendador ou parceiro outorgante).
Direitos sociais so direitos humanos de segunda dimenso, dentre eles os
direitos do trabalhador subordinado, mas tambm outros, como os enumerados no art.
6 da Constituio, quais sejam, o direito educao, sade, moradia, ao lazer.
Diferentemente dos direitos de primeira dimenso, ditos negativos, os direitos sociais
exigem uma prestao positiva (BRITO FILHO, 2004, p. 48).

38
V. Ana Paula Tauceda BRANCO, A coliso de princpios constitucionais no direito do trabalho, 2007,
40- 53.
39
V. Jos Cludio Monteiro de BRITO FILHO, Trabalho decente: anlise jurdica da explorao do
trabalho, trabalho forado e outras formas de trabalho indigno, 2004, p. 47-54.
125

O texto constitucional em vigor quer pela amplitude de direitos assegurados,


quer pela sistematizao adotada emprestou relevncia mpar aos direitos do
trabalhador, alando-os ao nvel de direitos fundamentais.
E, especialmente quanto ao trabalhador rural, expressamente consignou que
ele goza dos mesmos direitos assegurados aos trabalhadores urbanos, implicando a
retirada do mundo jurdico, de qualquer norma infra-constitucional que confira ao
rurcola tratamento diferenciado.
No satisfeito, o legislador constituinte, no captulo destinado poltica
agrcola e fundiria e reforma agrria, estabelece, nos incisos do art. 186, os
requisitos, a serem atendidos, concomitantemente, a fim de que o imvel rural cumpra
sua funo social, apenando a violao da referida obrigao com a desapropriao por
interesse social (art. 184). Tais requisitos so: o aproveitamento racional e adequado; a
utilizao adequada dos recursos naturais e a preservao ambiental; a observncia
das disposies que regulam as relaes de trabalho e a explorao que favorea o
bem-estar dos proprietrios e trabalhadores. Esses requisitos so elementos essenciais
ou sub-funes da funo social do imvel rural.
Contraditoriamente, o texto constitucional vigente, no art. 185, estabelece
no ser suscetvel de desapropriao para fim de reforma agrria a propriedade
produtiva (BRAGA, 1991, p. 111). Porm, o fato, por si s, de ser produtiva a
propriedade no deve ser considerado suficiente para vedar a possibilidade de
desapropriao, porque no significa que a funo social do imvel rural esteja sendo
cumprida.

2.2.3 As normas infra-constitucionais acerca do empregado rural

As disposies que regulam as relaes de trabalho, dentre elas a de


emprego, mencionadas no inciso III do art. 186 da CF/88 (funo social), constam, em
sua maioria, de normas infraconstitucionais, leis ordinrias, sendo que apenas os
preceitos mnimos so assegurados constitucionalmente.
A competncia para legislar em matria trabalhista privativa da Unio, nos
termos do art. 22, I, da CF/88. Dessa forma, o trabalhador empregado tem em leis
126

federais a regulamentao infraconstitucional de seus direitos. De igual modo, compete


privativamente Unio legislar sobre direito civil e agrrio (art. 22, I, da CF/88), razo
pela qual o trabalhador eventual e o autnomo, assim como o arrendatrio e o parceiro,
igualmente tm seus direitos, em sua maioria, regulamentados por leis ordinrias
federais.
Isso significa que os trabalhadores regidos pela CLT, os que esto sob a
gide do Estatuto da Terra (ET) e os que tm seus contratos regulados pelo CC
possuem regramento legal igualitrio em todo o territrio nacional. Assim, sob a tica do
ordenamento jurdico, o trabalhador goiano e seus contratos de trabalho esto sujeitos
s mesmas regras que se impem para os trabalhadores rurais do restante do pas.
At a primeira metade do sculo XX, as questes jurdicas hoje objeto de
estudo pelo Direito do Trabalho e pelo Direito Agrrio estavam todas sob a gide do
Direito Civil. As primeiras regulamentaes do trabalho livre no Brasil diziam respeito
prestao de servios ou locao de servios, como era designada usualmente.
Na esfera do Direito Civil, hoje, podem ser citados os seguintes contratos
comuns nas atividades rurais, quais sejam, a prestao de servios, a empreitada e o
comodato. So contratos previstos no Cdigo Civil utilizados, com frequncia nas
contrataes para realizao de atividades rurais.
O Cdigo Civil de 1.916 tinha previso da locao de servios (art. 1.216 a
1.236), que corresponde ao contrato de prestao de servios no CC em vigor; da
empreitada (art. 1.237 a 1.247) e do comodato (art. 1.248 a 1.255), mantidos no atual
Cdigo, com algumas modificaes; e, tambm, da locao de prdio rstico
arrendamento - (art. 1.211 a 1.215) e das parcerias rurais agrcola e pecuria, art. 1.410
a 1.415 e art. 1.420 a 1.423, respectivamente.
Com a edio do Estatuto da Terra, o arrendamento e a parceria, passaram
a ser por ele disciplinados, j que so contratos tipicamente agrrios. Assim, o novo CC
no regulamentou essas modalidades contratuais, cujo disciplinamento, de forma
coerente, permaneceu, apenas, no Estatuto da Terra.
A Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, editada durante o
Estado Novo, dispe acerca dos direitos do trabalhador empregado, mas, quando de
sua promulgao, excluiu, expressamente, a aplicao de seus preceitos aos
127

trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que exercendo suas funes


diretamente ligadas agricultura e pecuria, no sejam empregados em atividades
que, pelos mtodos de execuo dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas
operaes, se classifiquem como industriais ou comerciais (CLT, art. 7, b).
Na exposio de motivos da CLT, consta:

estatuiu a Consolidao que aos trabalhadores rurais se aplicam as regras


bsicas do contrato individual do trabalho, inclusive o aviso prvio, no lhes
atingindo, porm, o regime de garantias em caso de resciso, a que no
tenham dado motivo, nem o instituto da estabilidade. A essa concluso chegou
a Comisso, em voto preponderante, sob a alegao de serem imprescindveis
maiores esclarecimentos das exatas condies das classes rurais, inibidas, no
momento, por falta de lei, da representao sindical dos respectivos interesses
(CLT, exposio de motivos, item 73). [...] em seu relatrio manifesta a
comisso, consequentemente e em princpio, a sua restrio quanto ao projeto
do Cdigo Rural, publicado no Dirio Oficial de 16 de janeiro ltimo, na parte
referente ao Contrato de Trabalho, objeto preciso desta Consolidao e no de
um Cdigo em que, com exclusividade, deveriam ser tratados os problemas
relativos produo na agricultura e em atividades conexas (CLT, exposio de
motivos, item 74).

Como se depreende do texto transcrito, aos empregados rurais aplicavam-


se, apenas, as disposies relativas ao Contrato de Trabalho, previstas nos art. 442-67
e 487-91, conforme expressamente previsto no art. 505 do mesmo diploma legal.
certo que o dispositivo que exclui a aplicao das normas celetistas aos
trabalhadores rurais no foi recepcionado pela Constituio em vigor, em razo do
disposto no caput do art. 7.
Mas o que se pretende demonstrar que a regulamentao dos direitos do
empregado rural demorou a chegar: a primeira conveno da OIT, ratificada pelo Brasil,
entrou em vigor em 1958. Em se tratando de legislao interna, o Estatuto do
Trabalhador Rural, Lei n. 4.214, de 02 de maro de 1963, foi a primeira norma vigente.
Ou seja, a regulamentao no veio em 1943, juntamente com a regulamentao dos
direitos trabalhistas do trabalhador urbano, nem no Governo de JK quando, em junho
de 1957, a proposta do Estatuto do Trabalhador Rural foi rejeitada pelo Congresso
Nacional. O Estatuto terminou sendo aprovado no Governo de Joo Goulart, em pleno
confronto entre Jango e o Congresso em torno de uma reforma agrria com emenda
128

constitucional, que muito amedronta[va] as foras de resistncia ao Janguismo


(CAMARGO, 1981, p. 157).
Dessa forma, a aprovao do Estatuto do Trabalhador Rural representou
antes um meio de aquietar as reivindicaes ou de protelar as tentativas de aprovao
de uma reforma agrria, do que o reconhecimento pelo Congresso da necessidade de
aprovao de uma lei que melhorasse as condies do trabalhador rural.

[...] s poder ser definitivamente aprovada no contexto ps-juscelinista, onde a


presso reformista propaga-se pelas massas rurais alterando a primitiva
correlao de foras polticas sob hegemonia dos ruralistas. nesse contexto
que ser aprovada a proposta de Ferrari de mais fcil absoro diante do novo
equilbrio entre os partidos, mais favorvel ao PTB (CAMARGO, 1981, p. 157).

O Estatuto do Trabalhador Rural foi substitudo, dez anos depois, pela Lei n.
5.889, de 08 de junho de 1973, ainda em vigor, relativamente aos dispositivos
recepcionados pelo ordenamento constitucional vigente. Anteriormente, mas aps o
advento da CLT, devem ser citadas as leis n. 605, de 05 de janeiro de 1949, que
dispe sobre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salrio nos dias
feriados civis e religiosos; e 4.090, de 13 de julho de 1962, que institui a gratificao de
natal, ambas aplicveis ao empregado rural.
Nos ltimos anos, duas leis foram editadas criando regras especficas para
disciplinar o vnculo de emprego rural. Estas leis, para alguns, trazem solues para a
precria situao do rurcola empregado; para outros, representam formas de perpetuar
este estado de precariedade.
As duas leis editadas (Lei n. 10.256, de 09 de julho de 2001 e Lei n 11.718,
de 20 de junho de 2008, esta resultante da converso da Medida Provisria (MP) 410,
de 28 de dezembro de 2007) com escopo de resolver a questo do rurcola empregado
tm propostas diferentes. A primeira, o consrcio de produtores rurais, busca um
vnculo de emprego mais duradouro para o empregado, quando possibilita que vrios
empregadores se organizem como empregador nico. A segunda, o contrato de
trabalhador rural por pequeno prazo, por sua vez, desobriga o empregador de
formalidades relativas ao contrato de trabalho, inclusive, em determinada situao, da
assinatura da CTPS, garantindo, contudo, os direitos trabalhistas e a contagem do
129

tempo de servio para todos os fins, objetivando formalizar o maior nmero possvel de
vnculos de emprego.
Por fim, deve ser salientado que a Lei 5.889/1973, art. 17, estabelece que os
seus dispositivos so aplicveis, no que couber, aos trabalhadores rurais no
compreendidos na definio [de empregado], que prestem servios a empregador
rural. E o Decreto 73.626/1974, art. 14, complementando o dispositivo citado,
estabelece que as normas referentes jornada de trabalho, trabalho noturno, trabalho
do menor e outras compatveis com a modalidade das respectivas atividades aplicam-
se aos avulsos e outros trabalhadores rurais que, sem vnculo de emprego, prestam
servios a empregadores rurais. Com isso, evidencia-se a preocupao do legislador
com o trabalhador rural hipossuficiente, seja ele empregado ou no.

2.2.4 O contrato de emprego do rurcola

As regras contratuais de emprego do trabalhador rural e as do trabalhador


urbano so praticamente as mesmas. Tanto que, na CLT, desde sua edio, h norma,
expressa, no sentido de que se aplicam aos rurcolas empregados os dispositivos
celetistas concernentes ao contrato individual de emprego (art. 505 da CLT). Por isso,
no perodo em que ainda no havia lei trabalhista especfica para o empregado do
campo, quanto ao contrato de trabalho, o rurcola no ficava desamparado da proteo
legal.
O art. 505 da CLT prev a aplicao ao rurcola empregado, no s das
normas relativas ao contrato individual de trabalho (art. 442-456), mas, tambm,
daquelas relativas remunerao (art. 457-467) e ao aviso prvio (art. 487-491). Haja
vista a abrangncia da CLT, a Lei n. 5.889/1973 no se estendeu na normatizao do
contrato de emprego do rurcola. Tem previso expressa, no entanto, relativamente ao
contrato de safra (art. 14) e ao contrato de trabalhador rural por pequeno prazo (art.
14A). Ambos, espcies de contrato por prazo determinado, peculiares ao trabalho rural,
e ambos, objeto de estudo em tpico prprio.
Hiptese de contrato de emprego especfica do rurcola empregado a da
contratao de trabalhadores pelo consrcio simplificado de produtores rurais. Nesse
130

caso, trata-se de figura peculiar ao contrato de emprego no campo, inserida na


legislao trabalhista h cerca de dez anos, cuja anlise mais detida tambm ser
objeto de tpico prprio.

2.2.4.1 O empregado contratado por prazo indeterminado ou empregado permanente

O princpio da continuidade da relao de emprego orientou o legislador


celetista no sentido de estabelecer, como regra geral, a contratao por prazo
indeterminado. Uma leitura descuidada do art. 443 da CLT pode levar a entendimento
diferente, uma vez que ele dispe que o contrato individual de trabalho pode ser
acordado tcita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado
ou indeterminado, o que pode conduzir concluso de que permitido optar
livremente pela contratao a termo, o que no verdade. Os pargrafos do art. 443
limitam a disposio contida no caput do artigo e expressamente enumeram as
hipteses em que permitida a contratao com termo pr-fixado.
Conforme acentua Maurcio Godinho DELGADO, o princpio da continuidade
prope como regra geral o contrato trabalhista por prazo indeterminado, uma vez que
este o que melhor concretiza o direcionamento pela continuidade da relao
empregatcia (DELGADO, 2007, p. 211).
Sendo o contrato de trabalho de trato sucessivo, presume-se a contratao
por prazo indeterminado, cabendo parte interessada, produzir prova contrria a essa
presuno, demonstrando que o contrato foi celebrado com termo preestabelecido
(SSSEKIND et al, 1993, p. 251).
Parte do pressuposto de que a permanncia do vnculo empregatcio
propiciar a integrao do trabalhador na estrutura da empresa. Somente com a
integrao na estrutura de empresa que so asseguradas ao trabalhador melhores
condies de trabalho, elevao dos direitos trabalhistas, conquista de promoes e de
vantagens decorrentes do tempo de servio. Ademais, nos contratos longos, tende a
haver, por parte do empregador, um maior investimento na educao e
aperfeioamento profissional do empregado. Por fim, o trabalhador que mantm um
contrato duradouro, tem mais facilidade em se afirmar socialmente. E isso muito
131

importante para quem vive da contraprestao paga em razo da fora de trabalho


despendida. A relevncia do princpio mostra-se ainda maior, porque se sabe que
grande parte da populao ativa no mundo ocidental, atualmente, vive da
contraprestao percebida pelo dispndio de sua fora de trabalho (DELGADO, 2007,
p. 210-1).

A minimizao da chamada rotatividade da mo-de-obra to comum nestes


tempos de desemprego e de multiplicidades de espcies de contratos a prazo
certo um desafio permanente. Assim, ao contrrio do que pensam alguns, no
perdeu sentido a doutrina do princpio da continuidade da relao de emprego
ou princpio da manuteno do contrato, cujo fundamento a integrao do
trabalhador na estrutura e na dinmica da empresa, fenmeno com inmeros
benefcios no s sociais, mas igualmente para os meios de produo
(PANCOTTI, 2005, p. 375-6).

O princpio da continuidade da relao de emprego ainda de suma


importncia para o Direito do Trabalho, apesar de ter perdido fora com a introduo do
Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS) - criado pela Lei n. 5.107, de 13 de
setembro de 1966, com vigncia a partir de 1 de janeiro de 1967-, quando restou
enfraquecido o sistema da estabilidade decenal. O FGTS fez da dispensa sem justa
causa ato potestativo do empregador. Com a promulgao da Constituio de 1988, foi
revogado o sistema estabilitrio e mantido, apenas, o do FGTS. Mas o legislador
constituinte buscou proteger a dispensa arbitrria ou sem justa causa, por meio de
indenizao compensatria, a ser regulamentada por lei complementar. No ato das
disposies constitucionais transitrias, regulamentou, provisoriamente, a proteo
contra a despedida arbitrria ou sem justa causa, fixando multa, devida para essa
hiptese, no percentual de 40% sobre os depsitos do FGTS. Ocorre que vinte e dois
anos aps a promulgao da Constituio de 1988, ainda no foi editada a lei
complementar regulamentadora da proteo contra a despedida arbitrria ou sem justa
causa, que continua restrita regulamentao provisria.
Mas o trabalhador rural no tinha garantida a estabilidade decenal40 pela Lei
n. 5.889/1973, nem pela CLT, que no se aplicava a ele. O art. 20 da Lei 5.889/1973
dispe, apenas, que lei especial dispor sobre a aplicao ao trabalhador rural, no que

40
Apenas o revogado Estatuto do Trabalhador Rural, Lei n. 4.214/1963, previa, no art. no art. 95, a
estabilidade decenal para o rurcola empregado.
132

couber, do regime do Fundo de Garantia do Tempo de Servio. Com a promulgao da


Constituio Federal de 1988, foram igualados os direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, ocasio em que deixou de existir a estabilidade decenal, e a nica proteo
contra a despedida arbitrria ou sem justa causa, pelo menos at que seja
regulamentado o inciso I do art. 7, passou a ser o FGTS, a que tm direito, tambm, os
trabalhadores rurais.
Por outro lado, o contrato de trabalho por prazo indeterminado relativo a
trabalhador rural, est cada vez mais raro.

A modernizao tecnolgica, ao atingir todas as fases do processo produtivo


(associada ao incipiente processo de inovaes biolgicas), elevou a diferena
entre tempo de trabalho e tempo de produo tornando a demanda por mo-de-
obra centralizada em determinadas fases do ciclo produtivo e reduzida em
outras. [...] Diante da prpria dinmica do trabalho rural, que oscila entre os
perodos de safra e entressafra, o que ocorre principalmente nas pequenas
propriedades rurais, que carecem, com freqncia, de demanda suficiente para
abranger o curto perodo da safra, tornou-se difcil tambm para os
empregadores a contratao permanente e direta de empregados rurais
(LEMES, 2005, p. 45).

Contudo, permanecem situaes em que a contratao, ordinariamente, d-


se por prazo indeterminado, como, por exemplo, na pecuria. Da mesma forma, as
culturas permanentes exigem um determinado nmero de empregados contratados por
prazo indeterminado.
Quanto caracterizao do contrato de trabalho rural, a melhor forma de
faz-la pelo local da prestao dos servios. Assim, tratar-se- de contrato de
trabalho rural, se os servios so prestados em propriedade rural ou prdio rstico
(esteja ele localizado ou no na zona rural), de forma no eventual, onerosa,
subordinada e com pessoalidade, da mesma forma que ser considerado empregado
rural a pessoa que os executa, desde que se trata de atividade agro-econmica. Ou
seja, so excludas das atividades consideradas objeto de contrato de trabalho agrrio,
aquelas realizadas em espao fsico de indstria, situada em propriedade na zona rural,
que transforme o produto agrcola e lhe retire a natureza de matria prima (FERREIRA,
2005, p. 405).
Da mesma forma, no so considerados empregados rurais aqueles que
trabalham em chcaras de lazer, como caseiros ou jardineiros, ou na residncia dos
133

proprietrios, realizando trabalhos domsticos. Para a caracterizao do contrato de


trabalho rural e do empregado rural, alm da execuo das atividades em prdio
rstico, necessrio faz-se a realizao de atividades de natureza agro-econmica
(FERREIRA, 2005, p. 407).

2.2.4.2 O empregado contratado por prazo determinado

Como anteriormente mencionado, a CLT, no caput do art. 443, estabelece


que o contrato individual de trabalho poder ser acordado tcita ou expressamente,
verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado. Os 1 e 2
desse artigo expressamente estabelecem as hipteses nas quais se admite a
contratao com termo final predeterminado, quais sejam: servios cuja natureza ou
transitoriedade justifique a predeterminao do prazo; atividades empresariais de
carter transitrio; e contrato de experincia.
Alm das hipteses que constam do art. 443 da CLT, h previses de
contratos por prazo certo, que cuidam de situaes especiais, podendo-se citar, sem
pretenso de exaurir a questo: a do trabalhador contratado para obra ou servio certo
(Lei n.. 2.959, de 17.11.1956); a do contrato por prazo determinado para admisses
que representem acrscimo no nmero de empregados da empresa (Lei n. 9.601, de
21.01.1998); a do contrato de trabalho temporrio (Lei n. 6.019, de 04.01.1974); o do
menor aprendiz (art. 428 da CL T); a do profissional desportivo (Lei n. 9.615, de
24.03.1998) e as duas hipteses previstas na Lei n. 5.889/1973, quais sejam, o
contrato de safra e o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo.
O contrato por prazo determinado, justamente por constituir exceo regra
geral que a indeterminao do prazo na contratao, necessita ser perfeitamente
caracterizado, uma vez que o rurcola contratado por prazo determinado, em tese,
detm menos direitos trabalhistas do que aquele contratado por prazo indeterminado
[...] (SANTOS, 2005, p. 423). E dentro dessa linha de raciocnio, o mesmo autor
explicita que desaconselhvel a forma verbal para esses contratos, haja vista a
eventual necessidade de se fazer prova quanto efetiva contratao a termo certo.
Lembra, ainda, que para o direito, o que se presume o ordinrio, o comum, o habitual,
134

ao passo que, o extraordinrio, o excepcional, deve ser provado por quem o alega, e,
no caso, o excepcional a contratao a termo certo (SANTOS, 2005, p. 421).

2.2.4.2.1 O empregado safrista: contrato de safra

No que se refere contratao por prazo determinado do rurcola, a Lei n.


5.889/1973, prev o contrato de safra e o contrato de trabalhador rural por pequeno
prazo, que so contratos por prazo determinado peculiares ao trabalho no campo.
O j revogado Estatuto do Trabalhador Rural, Lei n. 4.214/1963, no tinha
previso de contrato por prazo determinado para a situao de servios temporrios na
agricultura, dependentes das variaes sazonais da atividade agrria. Assim, a
contratao por prazo determinado para realizao de atividades agrrias sujeitas a
essas variaes dava-se com base na CLT, art. 443.
A primeira regulamentao especfica neste sentido foi a do Decreto-Lei n.
761, de 14.08.1969, que, no art. 1 dispunha que se entendia estipulado por prazo
determinado todo contrato de trabalho de safrista que sucedesse, em qualquer tempo, a
outro de durao limitada e, no pargrafo nico desse mesmo artigo, estabelecia que
era considerado safrista o empregado, inclusive trabalhador rural, cujo contrato tivesse
sua durao dependente de variaes estacionais da atividade agrria. Ressalte-se
que o conceito de safrista no era restrito ao rurcola, alcanando igualmente o trabalho
agroindustrial vinculado ou dependente da atividade agrria (PANCOTTI, 2005, p.
394).
Com a promulgao da Lei 5.889/1973, que contempla em seu texto o
contrato de safra, foram expressamente revogados, tanto o Estatuto do Trabalhador
Rural, Lei n. 4.214/1963, quanto o Decreto-Lei n. 761/1969.
Desde a promulgao da Lei n. 5.889/1973, h nela a previso do contrato
de safra e, na CLT, a de contrato por prazo determinado. Discute-se, ento, se o
contrato de safra seria um tipo autnomo de contrato por prazo determinado ou se seria
espcie do contrato por prazo determinado genrico, previsto no art. 443 da CLT,
enquadrando-se na previso constante do 1 daquele dispositivo que prescreve que o
termo final do contrato poder depender da execuo de servios especializados, da
135

realizao de certo acontecimento suscetvel de previso aproximada ou de um termo


prefixado, neste caso, desde que vinculado variao sazonal advinda da atividade
agrria (SILVA, 2005, p. 354-5).
A despeito da existncia de divergncia doutrinria, prevalece o
entendimento de que o contrato de safra modalidade da previso geral de contrato
por prazo determinado (art. 443 da CLT),41 cuja vigncia depende das variaes
estacionais da atividade agrria (SILVA, 2005, p. 371).
Contudo, h que se salientar a incompatibilidade do contrato de safra com o
contrato de experincia, j que ambos so contratos por prazo determinado, no sendo
razovel que o contrato de safra, que possui caractersticas prprias, abrigue outro
contrato a termo, o contrato de experincia. Possvel, sim, a utilizao do contrato de
experincia em atividades rurais, mas para outra modalidade de contratao
(MARTINS, 2000, p. 179-80).
Outra questo controvertida, diz respeito conceituao do que se considera
safra. Dispe a Lei n. 5.889/1973, no pargrafo nico do art.14, que se considera
contrato de safra o que tenha sua durao dependente de variaes estacionais da
atividade agrria.
O Decreto n. 73.626, de 12 de fevereiro de 1974, que regulamenta a Lei n.
5.889/1973, tambm trata do contrato de safra, dispondo:

Art. 19 Considera-se safreiro ou safrista o trabalhador que se obriga


prestao de servios mediante contrato de safra.
Pargrafo nico - Contrato de safra aquele que tenha sua durao
dependente de variaes estacionais das atividades agrrias, assim entendidas
as tarefas normalmente executadas no perodo compreendido entre o preparo
do solo para o cultivo e a colheita.

Observe-se que a conceituao do que sejam variaes estacionais das


atividades agrrias consta somente do decreto regulamentador. Por isso, pode-se
argumentar que o decreto extrapolou a lei, o que vedado e implicaria a invalidade da

41
Contrato de safra O contrato de safra um tipo de contrato a termo, dependendo das variaes dos
perodos de colheita. O despedimento de empregado, em razo do esgotamento progressivo da
lavoura produzida, no constitui motivo para torn-lo por prazo indeterminado e onerar o contratante
com os encargos da decorrentes. Recurso parcialmente conhecido e provido (TST RR 329.876, 4 T,
Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho DJU 4.2.2000 p. 325).
136

disposio regulamentadora, no que se refere ao entendimento de que o perodo da


safra alcanaria as tarefas compreendidas entre o preparo do solo para o cultivo e a
colheita (SILVA, 2005, p. 358-9).
A questo complica-se mais, porque inexiste preciso na conceituao do
que seja safra. O Dicionrio HOUAISS da Lngua Portuguesa, ao conceituar safra,
consigna que etimologicamente a origem do termo obscura, mencionando a forma
histrica afra, do sculo XV [...]. Como significado diz ser o conjunto dos produtos
agrcolas de um ano; colheita [...] (2001, p. 2.495). O Vocabulrio Jurdico de De
Plcido e SILVA, apresenta significao semelhante, segundo a qual de origem
ignorada, exprime o vocbulo no somente, na linguagem agrcola, o sentido de
colheita, como, em outras atividades, o resultado ou a produo obtida em determinada
oportunidade (destaques do original) (1996, p. 161).
Veja-se que a conceituao constante, quer do Dicionrio Houaiss da Lngua
Portuguesa, quer do Vocabulrio Jurdico de De Plcido e Silva restringe o significado
de safra colheita ou produo de uma determinada cultura.
Lus Carlos C. M. Sotero da SILVA, por sua vez, esclarece que,
juridicamente, h dois sentidos para o termo safra: um restritivo e outro extensivo.
Assim, safra em sentido restrito corresponderia colheita, ou seja, produo agrcola
de determinada cultura, ao passo que safra em sentido amplo englobaria todo o ciclo
produtivo, desde o preparo do solo, seguido do plantio ou semeadura, polinizao,
manuteno da cultura (controle de plantas daninhas e pragas, adubao, irrigao
etc.) at a colheita, propriamente dita (2005, 357 e 360).
Dentre as duas correntes, uma restritiva e outra extensiva do sentido do
termo safra, sobressalta a superioridade da tese mais liberal,42 segundo a qual, em
consonncia com o Decreto Regulamentador, o contrato de safra abrange no s a
colheita, mas tambm os perodos precedentes de preparo do solo e plantio com a qual
estejam vinculados (SILVA, 2005, p. 359).

42
Prazo determinado. Configurao. Tarefas compreendidas entre o preparo do solo e a colheita,como
despendoamento, quebra e descasque do milho, faz configurar como sendo de safra o contrato, com
determinao de prazo (art. 19, pargrafo nico, do Decreto n. 73.626/1974) (TRT PR 4 T. RO
10.862/1996. Rel. Armando de Souza Couto).
137

Sendo assim, o contrato de safra pode abranger o processo agrcola em sua


totalidade, desde o preparo do solo at a colheita, como tambm uma ou alguma das
fases do ciclo, no necessariamente a colheita.
Descaracteriza, contudo, o contrato de safra, a permanncia do vnculo aps
encerrada a colheita, que a etapa final do ciclo. Nesse caso, o contrato ser tido como
contrato por prazo indeterminado. Da mesma forma, tido como contrato por prazo
indeterminado, o firmado para a execuo de servios a serem prestados na
entressafra ou os diversos contratos firmados de forma ininterrupta, para execuo de
servios em perodos sucessivos de safra e entressafra (SILVA, 2005, p.362;
PANCOTTI, 2005, p. 398).
Diferentemente, no descaracterizam o contrato de safra, as contrataes
sucessivas para perodos descontnuos, ou seja, as diversas contrataes de um
mesmo empregado por um mesmo empregador, para trabalhar nas safras de 2003,
2004 e 2005, por exemplo. Nesse caso, se encerrado o perodo de cada safra, houver a
interrupo da prestao de servio e o empregador, pagar ao empregado as verbas
devidas em razo do trmino do contrato a termo, no h que se falar em unicidade do
vnculo (SILVA, 2005, p.364; PANCOTTI, 2005, p. 397).
Porm, essa conceituao ampliada de safra no pode ser aplicada s
culturas permanentes ou de longo ciclo produtivo, relativamente s quais a existncia
da colheita no pressupe a ocorrncia de todo o ciclo produtivo. Culturas permanentes
e culturas temporrias43 encontram-se conceituadas no Decreto n. 55.891, de 31 de
maro de 1965, que regulamenta o Captulo I do Ttulo I e a Seo III do Captulo IV do
Ttulo II do Estatuto da Terra.
Em lavouras como as de cana-de-acar, caf, laranja, limo, figo, uva etc.,
que possuem ciclo produtivo longo, a safra corresponde colheita [e nessa hiptese, o
conceito de safra o restrito]. Quanto a esses produtos, terminada a colheita, restam,
apenas, os tratos culturais, aps os quais se aguardar a prxima colheita, j que no
haver plantio. A lavoura ser renovada depois de algumas colheitas ou alguns anos.

43
lavouras permanentes e temporrias, compreendendo o tipo de explotao vegetal (...), qualquer que
seja a finalidade, o ciclo de cultura (curto, mdio ou longo) e a natureza do produto, de plantas
herbcias ou arbreas, mas no florestais, e independentemente da espcie, do nmero, da poca e
dos perodos das colheitas (inciso II do art. 14 do Decreto n. 55.891, de 31/03/1965).
138

Quando da renovao, a, sim, haver o preparo do solo, replantio, tratos culturais e,


novamente, a expectativa de diversas colheitas. No caso da cana-de-acar, por
exemplo, faz-se o replantio a cada quatro ou cinco anos, dependendo da qualidade e
conservao do solo, das condies climticas, da variedade da cana plantada etc.
(PANCOTTI, 2005, p. 395-6).
Diferentemente, tratando-se de lavouras temporrias ou lavouras brancas,
como so chamadas as lavouras de curto ciclo produtivo, como algodo, arroz, milho,
feijo, soja, tomate e outras, anualmente, so cumpridas todas as etapas do ciclo
produtivo, da safra, considerado o conceito de safra do Decreto n. 73.626/1974, quais
sejam: preparo do solo, plantio, tratos culturais e colheita.
Mas existem, tambm, as lavouras que permitem mais de um plantio no ano.

Algumas lavouras permitem replantio no s anual, mas semestral: amendoim,


feijo, milho, arroz, tomate, etc. Nessas lavouras, o preparo do solo,
dependendo da poca de incio das chuvas, pode ter incio em final de julho a
setembro de cada ano, com o imediato plantio, seguindo-se os trabalhos
culturais e a colheita dentro de poucos meses. No incio do ciclo subseqente
(dezembro e fevereiro), repete-se o preparo do solo e plantio, seguidos de
tratos culturais e finalizando com a colheita (PANCOTTI, 2005, p. 396).

Ademais, como j mencionado, no caso da pecuria, regra geral, a


contratao ser por prazo indeterminado, contudo, h a possibilidade de contratao
por obra certa,44 quando se tratar de construo de cercas ou currais ou de contratao
para o perodo de abate de gado (PANCOTTI, 2005, p. 396).
A despeito da existncia da previso do contrato de safra na Lei n.
5.889/1973, em 2007, o Governo Federal editou a MP 410/2007, posteriormente
convertida na Lei n. 11.718/2008, que acrescentou o art. 14 A Lei n. 5.889/1973,
criando o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo. Essa nova modalidade de
contratao, na maior parte das vezes, ser utilizada para a realizao de atividades
que sofrem variaes estacionais. Da, o questionamento acerca da necessidade de se
criar um novo tipo de contrato, quando se poderia fazer uso da figura do prprio

44
O contrato de trabalho por prazo determinado por obra certa est previsto 1 do art. 443 e na Lei n.
2.959, de 17 de novembro de 1956, assemelhando-se muito ao contrato de empreitada, mas neste
no h subordinao (Lei n. 2.959, de 17 de novembro de 1956).
139

contrato de safra.

2.2.4.2.2 O empregado trabalhador rural por pequeno prazo: boia-fria, volante,


temporrio

O trabalhador rural chamado volante ou bia-fria exerce atividades rurais de


carter temporrio e enquadra-se dentre os trabalhadores empregados, cuja
subordinao muito grande, ao passo que a pessoalidade bastante reduzida, h
ponto de, em certos momentos, parecer no existir pessoalidade. Por isso, vem sendo
tratado pelos empregadores rurais como um trabalhador eventual. Da a necessidade
do novo contrato por prazo determinado dito por pequeno prazo, uma vez que o
contrato de safra no se adqua s exigncias atuais do trabalho rural em atividades
temporrias.
A configurao da relao de emprego ou do vnculo empregatcio decorre
da existncia simultnea de quatro caractersticas: onerosidade, no eventualidade,
pessoalidade e subordinao. No que se refere aos elementos pessoalidade e
subordinao, observa-se que, em muitas situaes, h uma inverso, no sentido de
que, quanto maior a pessoalidade, menor a subordinao, e vice-versa, ou seja, quanto
maior a subordinao, menor a pessoalidade. Assim, para o empregador, o agrnomo
por ele contratado como empregado em sua propriedade, o foi em razo de suas
qualidades pessoais, por isso, no ser fcil substitu-lo. Mas, a subordinao a que
este agrnomo est sujeito inversamente proporcional pessoalidade que existe do
empregador em relao a ele, o que lhe permitir alguma liberdade em relao ao
horrio de incio e trmino da jornada, bem como lhe possibilitar tomar certas decises
independentemente de prvia anuncia do empregador. Por outro lado, o volante
arregimentado pelo gato para trabalhar na colheita, estar submetido a um alto grau de
subordinao, que o impede, inclusive, de cumprir sua tarefa fora do setor estabelecido
pelo fiscal de turma, mas a pessoalidade do empregador relativamente a ele to
reduzida, que se torna praticamente nula, o que permite que, em no comparecendo
para pegar a conduo que o levar ao trabalho, possa ser substitudo por outro volante
que esteja aguardando por emprego.
140

[...] a relao de emprego sempre personalssima. Por mais humilde que seja
a funo do trabalhador, o empregador o admite tendo em vista suas
qualidades pessoais. [No entanto, pode-se] estabelecer uma relao inversa
entre o grau de dependncia hierrquica e a pessoalidade da relao de
emprego. [...] medida que se sobe nos escales funcionais, essa
subordinao disciplinar diminui, em proporo direta maior soma de
responsabilidades tcnicas ou diretivas atribudas ao trabalhador. Ao contrrio,
quanto ao carter intuitu personae da relao de emprego, para os
trabalhadores de menor categoria, so menos relevantes sua identidade
pessoal e suas qualidades individuais. medida, porm, que o trabalhador
sobe na escala funcional da empresa, mais diretamente importam suas
qualidades, como consequncia natural das funes que lhe so atribudas
(destaques do original) (RUSSOMANO, 1991, p. 58).

O fato de a pessoalidade ser reduzida faz com que seja mais fcil, no s
substituir esse empregado, como, tambm, trat-lo como se fosse trabalhador eventual.

J no meio rural, o trabalhador eventual conhecido como volante. O exemplo


atual do trabalhador volante o chamado boia-fria. A rigor, o boia-fria um
empregado rural, ainda que temporrio [...]. Sucede, porm, que os
empregadores, com o objetivo de fraudar os direitos de tais trabalhadores e
baratear o custo da mo-de-obra, utilizam-se de todos os meios a fim de evitar
o trabalho contnuo e assduo. [...] evitando que os boias-frias utilizem
seguidamente o mesmo caminho que os leva ao local de trabalho, obrigando-
os a trabalhar para vrios empregadores, logram demonstrar a eventualidade
na prestao de servios [...] (destaques do original) (MANUS, 2007, p. 72).

Mas esse tipo de trabalho no pode ser considerado eventual45, uma vez que
o trabalhador eventual o trabalhador cujos servios no coincidem com os objetivos
que a empresa busca alcanar no desenvolvimento de sua atividade econmica
(SILVA, 2004, p. 47). Exemplifica-se, com a hiptese de um eletricista que v executar
servios em uma fbrica de produtos alimentcios, em que o servio prestado no
coincidente com os objetivos da atividade empresarial (SILVA, 2004, p. 47), o eletricista,
nessa hiptese, um tpico exemplo de trabalhador eventual.
Como forma de garantir os direitos trabalhistas ao empregado rurcola que
realiza atividades temporrias, que vinha sendo tratado como se fosse um trabalhador
eventual, recebendo, apenas, a remunerao relativa aos dias trabalhados, pensou-se

45
So caractersticas do trabalhador eventual: descontinuidade ou no permanncia em uma instituio
com nimo definitivo; impossibilidade de fixao jurdica a uma fonte de trabalho; em razo da
descontinuidade, da pluralidade de tomadores e da inconstncia; curta durao de cada trabalho
prestado (SILVA, 2004, p. 47).
141

na formulao de uma nova forma de contratao no campo, na qual o empregado


perceberia todos os direitos trabalhistas correspondentes aos dias efetivamente
trabalhados, mesmo quando inferiores a uma quinzena. Por outro lado, seriam
reduzidas as exigncias para a efetivao do contrato, de forma a facilitar a
formalizao do vnculo pelo empregador.
O contrato de trabalhador rural por pequeno prazo foi previsto,
primeiramente, na Medida Provisria n. 410, de 28 de dezembro de 2007. Em 20 de
junho de 2008, a Medida Provisria, que acrescentou o artigo 14A Lei n. 5.889/1973
foi, com algumas alteraes, convertida na Lei n. 11.718, que criou o contrato de
trabalhador rural por pequeno prazo, alm de estabelecer normas transitrias relativas
aposentadoria do trabalhador rural e de prorrogar o prazo de contratao dos
financiamentos rurais que especifica.
A Medida Provisria n. 410/2007 foi editada em atendimento a pleito da
Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CONTAG (PALMEIRA
SOBRINHO, 2010, p. 1). Regulamentou um tipo de contrato que objetiva formalizar o
vnculo de emprego dos chamados boias-frias ou volantes (MARTINEZ, 2009, p. 7).
Tambm para o Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais do Estado de
Gois esta realidade representa preocupao h anos. Grande parte dos trabalhadores
assalariados rurais no tem garantidos os direitos mnimos previstos na legislao.
Esses trabalhadores so chamados de boia-fria, volante, peo de trecho e outras
denominaes, na tentativa de descaracterizar o vnculo de emprego (HEINEN, 2008,
p. 2).
A MP 410/2007 contemplou parcialmente a proposta do Movimento Sindical.
Continha previso, no 3 do art. 14A, que foi acrescido Lei n. 5.889/1973, de que o
contrato de trabalhador rural por pequeno prazo no necessitaria ser anotado na
Carteira de Trabalho e Previdncia Social ou em Livro ou ficha de registro de
empregados, mas, se no houvesse outro registro documental, seria obrigatria a
existncia de contrato escrito com o fim especfico de comprovao para a fiscalizao
trabalhista da situao do trabalhador.
Quando da tramitao da MP no Congresso Nacional, a redao original
sofreu modificaes, inclusive em razo de reivindicaes do Movimento Sindical de
142

Trabalhadores Rurais, que entendia salutar a simplificao da formalizao contratual


com a dispensa da assinatura da CTPS, mas desde que condicionada expressa
autorizao em conveno ou acordo coletivo (HEINEN, 2008, p. 5).
A Lei n. 11.718/2008, como se ver, acatou as sugestes e tornou mais
segura a situao do trabalhador, modificando o art. 14A, de forma a somente permitir a
no assinatura da CTPS quando houver autorizao em norma coletiva, alm de, nessa
situao, ser necessria a formalizao de contrato escrito, em duas vias.
Do voto do Deputado Assis do Couto, relator, no Congresso Nacional, do
projeto de converso da MP 410/2007 em lei, tambm consta o seguinte:

a Medida Provisria n 410, de 2007, o resultado de exaustivas negociaes


estabelecidas entre representantes dos trabalhadores rurais e o Governo
Federal, e traz importantes mudanas nas regras trabalhistas e previdencirias
aplicadas aos assalariados rurais. Representa um esforo no sentido de reduzir
a informalidade dos trabalhadores rurais, em especial, daqueles que
desempenham trabalhos temporrios de curta durao, contratados por
empregador rural pessoa fsica.
Sabe-se que atualmente existe (sic) mais de trs milhes de trabalhadores e
trabalhadoras rurais sem carteira de trabalho assinada, o que corresponde a
70% desse pblico. Esse quadro retrata a angstia e as dificuldades que os
trabalhadores e trabalhadoras rurais enfrentam para ter acesso aos direitos
previdencirios e trabalhistas, tornando-os cada vez mais vulnerveis e
desprotegidos socialmente (MENSAGEM 1.040/2007 e 192/2007, p. 10).

Como visto, a Lei n. 11.718/2008 acrescentou o art. 14A Lei n.


5.889/1973, com previso de outra modalidade de contrato por prazo determinado para
o rurcola: o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo. Somente o
produtor/empregador pessoa fsica, proprietrio ou no, poder celebrar esse tipo de
contrato. Destina-se a atividades de natureza temporria, no podendo a sua durao
exceder de dois meses, no perodo de um ano. Caso isso ocorra, a contratao ser
considerada por prazo indeterminado. No que se refere previdncia social, a inscrio
ser feita automaticamente, a partir da incluso do nome do trabalhador na Guia de
Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Servio e Informaes Previdncia
Social (GFIP), razo pela qual a no incluso do nome do empregado implica a
presuno da inexistncia da contratao por essa modalidade de contrato, admitindo-
se, contudo, a comprovao da existncia de relao jurdica diversa, que poder ser
143

feita por qualquer meio admitido pelo direito. O trabalhador rural assim contratado ter
assegurados todos os direitos trabalhistas e a isonomia salarial em relao ao
trabalhador permanente, sendo que o clculo das parcelas devidas ser feito dia a dia e
os valores sero pagos diretamente ao trabalhador, mediante recibo.
A principal inovao trazida pela lei, porm, foi a possibilidade de
formalizao do contrato de trabalho sem a assinatura da CTPS. Para fazer uso dessa
possibilidade, o contrato ter que adotar a forma escrita, conter duas vias, dele devendo
constar: a identificao do empregador e do imvel rural em que o trabalho ser
realizado, com a respectiva matrcula; a identificao do empregado, com indicao do
nmero de inscrio do trabalhador (NIT); e a remisso existncia de autorizao
expressa em conveno ou acordo coletivo da categoria, para a realizao desse tipo
de contrato. Caso no sejam preenchidos esses requisitos, a formalizao do contrato
dever ser feita conforme a regra geral, mediante a anotao da CTPS e de ficha ou
livro de registro de empregados.
As alteraes trazidas pela Lei 11.718/2008 so recentes e por isso no
existem ainda muitos estudos a respeito delas. Mas, os que existem, em sua maioria,
criticam a nova lei, por entender que ela representa uma forma de precarizao do
emprego do rurcola.
Antenor J. VAROLLA, Auditor fiscal do Trabalho, dentre outras crticas MP
410/2007, afirma que a matria regulada na MP j est normatizada na Lei n.
5.889/1973, que prev o contrato de safra, cuja durao depende das variaes
estacionais da atividade agrria. Quanto eliminao da exigncia de assinatura da
CTPS, entende que ela retira do trabalhador rural a garantia de diversos direitos
previstos na CLT, alm de ter carter discriminatrio, haja vista que os demais
trabalhadores urbanos e rurais permanecero tendo direito assinatura da CTPS e ao
registro do contrato em Livro ou Ficha de Registro de Empregados. Por outro lado, a
dispensa dessas formalidades, especialmente do registro em Livro ou Ficha de Registro
de Empregados, dificultar enormemente o trabalho da fiscalizao. Sob a tica do
empregado, afirma que a medida representa precarizao da relao de emprego, uma
vez que dispensa, por exemplo, a realizao de exames admissionais, e alerta para o
fato de que os trabalhadores, quando prejudicados, tero que ajuizar reclamaes
144

trabalhistas baseadas exclusivamente em prova testemunhal, j que dificilmente


podero contar com a inspeo do trabalho na regularizao da prtica de infrao
trabalhista cometida pelo empregador (2008, p. 6).
Zu PALMEIRA SOBRINHO, Juiz do Trabalho, tambm em anlise MP
410/2007, relata que o Governo Federal a editou sem que tivesse havido qualquer
debate com a sociedade e justificou a edio com a necessidade de incluir, no regime
previdencirio, os trabalhadores rurais de pequeno prazo. Afirma que o motivo no
convenceu, porque a assinatura da CTPS no empecilho a que o trabalhador rural
goze da proteo previdenciria ou a que seja includo no regime do FGTS. Acrescenta
que a MP tende a facilitar a fraude, j que a CTPS, por concentrar as informaes
funcionais do trabalhador, evita, por exemplo, que uma pessoa que esteja recebendo
auxlio doena ou seguro desemprego venha a ser contratada. Por fim, afirma que a
norma editada representa uma desvalorizao da CTPS, que um smbolo das
relaes formais de trabalho no Brasil (2010, p.1-2).
Natlia SENA e Andressa Batista de OLIVEIRA aduzem que a Medida
Provisria n. 410/2007, da qual se originou a Lei n. 11.718/2008, formalmente e
materialmente inconstitucional. Quanto ao aspecto formal, alegam que a MP no
preencheu os requisitos de urgncia e relevncia, j que a sua finalidade era a criao
de mecanismos que [promovessem] e [facilitassem] a formalizao dos contratos de
trabalho envolvendo esses trabalhadores assalariados rurais, em particular, os que
trabalham em atividades de curta durao (EXPOSIO DE MOTIVOS DA MP
410/2007, item 7). Assim, sob o aspecto formal, a despeito de convertida em lei, advem
de MP inconstitucional. Materialmente, a dispensa de assinatura da CTPS representa
afronta ao princpio da igualdade, porque trata diferentemente trabalhadores urbanos e
rurais. Dessa forma, ao dispensar a assinatura da CTPS, a norma, alm de tratar
desigualmente trabalhadores urbanos e rurais, contribui flagrantemente para a
precarizao das relaes de emprego no campo (2008, p. 521-4).46
No entanto, os trabalhadores volantes esto satisfeitos com a nova lei,
conforme se depreende de matria publicada no Suplemento do Campo do Jornal O

46
V. no mesmo sentido Gustavo Felipe Barbosa GARCIA, Contrato de trabalho rural por pequeno prazo
e precarizao das relaes de trabalho no campo, 2009.
145

Popular, em 1 de agosto de 2008, logo aps a edio da Lei n. 11.718/2008, em


matria relativa aos empregados rurais e nova lei, traz os seguintes relatos:

Jos Expedito Rodrigues, 48 anos, trabalha em lavouras temporrias de milho e


tomate industrial desde que se entende por gente, como ele mesmo define. O
trabalho duro e exige grande esforo fsico. Analfabeto, ele no v
perspectivas de deixar a atividade. Quando no est ocupado em alguma
colheita, busca alguns bicos para complementar a renda na regio de Pontalina,
onde mora. Desde a safra anterior, quando entrou em vigor a MP 410, Jos
passou a ter acesso a algunes (sic) benefcios antes nem imaginados. O
sindicato dos trabalhadores rurais do municpio celebrou uma conveno
coletiva, e os patres passaram a pagar, proporcionalmente, direitos
trabalhistas como frias e dcimo terceiro salrio. Os empregadores recolhem
contribuio do FGTS, e passaram a descontar dos trabalhadores contribuies
para o INSS [...]. Maria de Lourdes Rodrigues Sousa, 44 anos, tem histria
parecida. Sempre trabalhou na lavoura e estudou pouco. Para ela, a nova
legislao para contratos de curto prazo apresenta vantagens, mas a
preocupao com a reduo dos postos de trabalho parece apagar boa parte
da alegria com as conquistas (destacou-se) (JORNAL O POPULAR, 2008).

Como se v, os trabalhadores afirmam que a situao deles melhorou com o


advento da nova lei; afirmam que passaram a ter mais direitos. Ora, os trabalhadores
que so tutelados pelo contrato de trabalhador rural por pequeno prazo so os boias-
frias ou volantes. So trabalhadores que se encontravam margem da legislao
trabalhista. Por isso, no tiveram quaisquer direitos suprimidos, porque, como bem
salienta Milton HEINEN no se desmantela o que sequer existe. [...] A regra
predominante nas contrataes de trabalhadores para servios sazonais no meio rural
a completa informalidade (HEINEN, 2008, p. 6). E continua afirmando que:

[...] pensar na aplicao das normas gerais relativas formalizao dos


contratos, inclusive com o entendimento de que possvel exigir em qualquer
circunstncia, a formalizao de contrato por prazo indeterminado, significa no
resolver e, alm disso, agravar o problema atual da excluso de benefcios
sociais ao trabalhador rural (HEINEN, 2008, p. 6).

Admitir que a Lei n. 11.718/2008 benfica aos empregados rurais


contratados por pequeno prazo, no significa negar direitos trabalhistas a eles ou trat-
los de forma desigual: significa garantir-lhes os direitos da legislao trabalhista, ainda
que de forma proporcional aos dias trabalhados, j que, at ento, nenhum direito lhes
146

estava sendo concedido. Por outro lado, isso no implica entender que no se deva
buscar maior proteo e melhor soluo jurdica para o disciplinamento legal desses
trabalhadores.

2.2.4.3 O empregado do consrcio simplificado de produtores rurais

Foi em meados da dcada de 1990, em decorrncia do desamparo em que


se encontrava o trabalhador rural, especialmente o chamado boia-fria, e das
dificuldades que se apresentavam aos empregadores na formalizao do contrato de
trabalho, mormente em relao s atividades de curta durao para as quais sequer o
contrato de safra mostrava-se adequado, que surgiu a figura do hoje denominado
Consrcio Simplificado de Produtores Rurais.
Tambm a experincia desastrosa de intermediao de mo-de-obra por
meio de cooperativas rurais, levou a que se buscassem solues para a contratao no
campo.
O Consrcio Simplificado de Produtores Rurais surgiu, portanto, da
necessidade de se dar soluo para a informalidade no campo, assim como da
necessidade dos empregadores rurais de viabilizarem a formalizao da contratao de
trabalhadores para atividades de curta ou curtssima durao. Por isso, somente aps
as primeiras experincias, foram expedidas normas que deram ao Consrcio contorno
jurdico.
Como anteriormente mencionado, nos ltimos anos foram editadas duas leis
como o objetivo de criar opes para a contratao do rurcola e evitar a informalidade.
Uma delas, a mais antiga, justamente a que regulamenta o consrcio simplificado de
produtores rurais. Com o consrcio, buscou-se um mecanismo que reduzisse os
entraves burocrticos para os empregadores e, at mesmo, reduzisse as rescises
contratuais e, com isso, os gastos com pagamento de direitos trabalhistas nessas
rescises e, ao mesmo tempo, possibilitasse ao empregado um vnculo empregatcio
mais duradouro, seno um vnculo com prazo indeterminado, j que ele prestaria
servios para diversos empregadores, de forma escalonada.
147

As tentativas de contratao de trabalhadores rurais por um grupo de


empregadores/produtores rurais surgiram quase que simultaneamente nos Estados de
So Paulo e do Paran, em meados da dcada de 1990.
Tem-se notcia de que, em 1995, por intermdio da Federao da Agricultura
do Estado de So Paulo (FAESP), foi tentada a implantao do modelo no Estado de
So Paulo. Contudo, entraves legais previdencirios47 inviabilizaram a sua
implementao (PEDROSA, 2004, p. 82-3).
Na mesma poca, a Cooperativa de Produtores Rurais de Rolndia-PR
ajustou conduta perante o Ministrio do Trabalho e Emprego obrigando-se a utilizar na
colheita da cana-de-acar apenas trabalhadores contratados diretamente e, como
forma de viabilizar essa contratao direta, foi buscada uma soluo para a questo,
que teve resultado satisfatrio decorrente da atuao dos advogados Mrio Campos de
Oliveira Jnior e Srgio Roberto Giatti Rodrigues, que obtiveram liminar que adequava
a alternativa legislao previdenciria (PEDROSA, 2004, p. 83).
Tambm o advogado Dirceu Galdino, de Maring-PR, no ano de 1994, emitiu
parecer nesse sentido, em resposta a consultas formuladas por cooperativas agrcolas
que objetivavam regularizar a contratao de mo-de-obra por seus fornecedores
(LEMES, 2005, p. 54).
Merece meno a realizao, em maio de 1999, do Seminrio Internacional
Novas Formas de Contratao de Mo-de-Obra no Campo,48 em Campinas-SP,
promovido pelo Ministrio Pblico do Trabalho e pela OIT, no qual foram discutidas
propostas para a regularizao dos vnculos de emprego dos trabalhadores rurais,
tendo, nessa oportunidade, merecido destaque a proposta do consrcio, poca, ainda
denominado condomnio de empregadores (RABELO, 2007, p. 55).
As dificuldades iniciais para a implantao do novo modelo diziam respeito
ao aspecto previdencirio, uma vez que, se no havia dvidas acerca da possibilidade
47
A previdncia posicionou-se, poca, no sentido de que o consrcio teria que ser tributado como
pessoa jurdica, o que oneraria os produtores. Mediante interveno da sociedade organizada,
inclusive da OIT, e do MTE, terminou por se chegar a um consenso, enquadrando-se os produtores
consorciados como pessoa fsica, para fim de recolhimento da contribuio previdenciria, sendo, tal
entendimento, normatizado na Circular INSS 056, de 25 de outubro de 1999 (Jussara Melo
PEDROSA, Consrcio simplificado de produtores rurais: uma nova forma de contratao, 2004, p. 84-
5).
48
Estive presente aos debates do citado seminrio, na condio de participante, como representante da
Procuradoria Regional do Trabalho da 18 RegioGois.
148

legal de se formar o consrcio, prevalecia o entendimento de que ele constituiria uma


empresa prestadora de servios, devendo, portanto, suportar os mesmos encargos
incidentes sobre a pessoa jurdica urbana, o que no era conveniente aos produtores
rurais, que teriam um nus maior.
Superadas as dificuldades, foram editadas as Portarias do Ministrio do
Trabalho e Emprego de n. 107, de 06 de julho de 1999, que criou o grupo gestor de
implantao do condomnio de empregadores rurais (GICER), e de n. 1.964, de 1 de
dezembro do mesmo ano, que orienta a ao dos auditores fiscais, quando da
fiscalizao do consrcio de empregadores rurais.
Em 24 de setembro de 1999, foi firmado, na Procuradoria Regional do
Trabalho da 15 Regio, o denominado Pacto Rural de So Paulo, que estabeleceu as
bases para a difuso do contrato de equipe patronal rural. A expectativa, poca, era
de imediata criao de aproximadamente trezentos mil empregos rurais (DAMIANO,
2001, p. 1.210-1).
O INSS editou as Circulares de n. 53 e 56, de 29 de setembro e 25 de
outubro de 1999, respectivamente, sendo que a de nmero 56 retifica a de nmero 53 e
estabelece as condies necessrias expedio de matrcula a dois ou mais
empregadores rurais, pessoas fsicas, para fim de recolhimento da contribuio
previdenciria. O INSS editou tambm a Circular de n. 113, de 24 de julho de 2000, e
as Instrues Normativas de n. 60, de 1 de novembro de 2001, 68, de 10 de maio de
2002, e 100, de 18 de dezembro de 2003, que revogou as duas anteriores.
Em 9 de julho de 2001, foi editada a Lei n. 10.256, diploma legal que, a par
de tratar da contribuio devida Previdncia pela agroindstria, acrescentou o art. 25
A Lei n. 8.212, de 23 de julho de 1991 , equiparando ao empregador rural pessoa
fsica o consrcio simplificado de produtores rurais. No entanto, at a presente data,
no foi votado, pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei n. 3.811/2.000, que estatui
normas reguladoras do trabalho rural e altera a Lei n. 5.889/1973, de forma a prever,
em seu art. 3, como empregador, a unio de produtores rurais.
Como visto, o Consrcio tem como finalidade a contratao coletiva de
trabalhadores rurais por produtores/empregadores rurais.
149

Muito se discutiu acerca da denominao que deveria receber essa nova


figura de empregador rural: registro de empregados em nome coletivo de
empregadores, pluralidade de empregadores rurais, condomnio de empregadores
rurais, consrcio de empregadores rurais, dentre outros.
Conforme Nelson MANNRICH, nenhuma das denominaes propostas
reflete, com fidelidade, a nova figura jurdica. Condomnio, por exemplo, denominao
imprpria, uma vez que designa instituto de direito real, que significa comunho de
propriedade, sendo que a hiptese ora em questo trata da unio de produtores rurais
com o nico fim de realizar contratao de empregados em conformidade com a
legislao trabalhista. Por outro lado, no se pode falar propriamente em Consrcio,
instituto regulado pela Lei das Sociedades por Aes, que representa uma forma de
concentrao empresarial, ao passo que a figura do empregador nico constituda
pela unio de produtores rurais, necessariamente pessoas fsicas, que assumem, de
forma conjunta e solidria, a responsabilidade pela contratao de empregados rurais
(2000, p. 396).
Quanto s denominaes pluralidade de empregadores rurais e registro de
empregados em nome coletivo de empregadores, ambas padecem de um mesmo
defeito: no mencionam o requisito da solidariedade entre os empregadores rurais
(VILLATORE, 2005, p. 434).
Maurcio MAZUR, a despeito de entender que o termo Consrcio no o
ideal, concorda com a sua utilizao, haja vista que:

[...] dentre os propostos este o nico nome que consegue veicular a ideia de
uma reunio solidria de empregadores, pelo que acredito o mais apropriado,
embora destitudo da exata tcnica jurdica. Ademais sinttico, de usual
pronncia e fcil lembrana, servindo inclusive para a melhor divulgao do
modelo, especialmente no meio rural (2002, p. 41).

Assim, na esteira do pensamento de Nelson MANNRICH [...] na falta de uma


denominao original, o mais importante o aperfeioamento do sistema (2000, p.
396).
No que se refere conceituao, pode-se afirmar que o Consrcio consiste
na unio de produtores rurais, pessoas fsicas, com finalidade nica de contratar
trabalhadores rurais, nos termos do art. 1, pargrafo nico, da Portaria n. 1.964/1999
150

do MTE. Seus integrantes podero ser condminos, parceiros, arrendatrios,


empreiteiros e comodatrios, desde que pessoas fsicas, j que no h exigncia legal
de que sejam, necessariamente, proprietrios.
A Lei n. 10.256/2001, que alterou a Lei n. 8.212/1991 e acresceu a ela o
art. 25 A, por seu turno, estabelece que equipara-se ao empregador rural pessoa
fsica, o consrcio simplificado de empregadores rurais formado pela unio de
produtores rurais pessoas fsicas, que outorgar, a um deles, poderes para contratar,
gerir e demitir trabalhadores, para prestao de servios, exclusivamente, aos seus
integrantes, mediante documentos registrados em cartrio de ttulos e documentos.
A natureza jurdica do consrcio contratual com responsabilidade solidria
de dimenso dualista, pois envolve obrigaes trabalhistas e previdencirias
(PEDROSA, 2004, p. 88).
Para constiturem o consrcio, os empregadores rurais interessados devero
celebrar um pacto de solidariedade, nos termos previstos nos art. 264 e 265 do Cdigo
Civil, devendo constar do pacto qual de seus integrantes ir gerir o grupo. Esse pacto
deve ser registrado em cartrio de ttulos e documentos. Aps o registro, proceder-se-
sua matrcula no Cadastro Especfico do INSS CEI (art. 25 A e , da Lei
8.212/1991).
Uma vez constitudo, os contratos de trabalho devero ser formalizados,
mediante assinatura das CTPS dos trabalhadores em nome do produtor rural designado
gestor do consrcio seguido da expresso e outros.
No h regra expressa quanto ao nmero de produtores necessrios
formao do consrcio, sendo que este nmero deve ser definido em funo do
tamanho e da distncia das propriedades, da diversidade de culturas e do nmero de
trabalhadores necessrios.
Enumeram-se as seguintes vantagens do consrcio para o empregador: a
desburocratizao nas formalizaes dos contratos de emprego; a diminuio da
concorrncia entre empregadores rurais, em razo da isonomia salarial praticada pelos
membros do consrcio; a estrutura comum de gerenciamento dos empregados rurais; o
pagamento dos salrios e de outros encargos proporcionalmente utilizao dos
servios de cada empregado; e a facilidade de negociao e de formalizao de acordo
151

coletivo de trabalho junto s entidades sindicais da categoria, dentre outras


(VILLATORE, 2005, p. 436-7).
Para o trabalhador/empregado, tem-se, principalmente, a vantagem da
formalizao do vnculo, evitando a informalidade; a efetivao, em parte das
contrataes, de uma contratao por prazo indeterminado; uma maior garantia do
adimplemento das obrigaes trabalhistas, haja vista o pacto de solidariedade entre os
empregadores, dentre outras.
Citam-se, tambm, vantagens para terceiros, como, por exemplo, para a
fiscalizao, pela facilitao dos trabalhos, em razo da centralizao da documentao
na sede do consrcio e para o INSS, pelo aumento da arrecadao decorrente da
formalizao dos contratos de trabalho (VILLATORE, 2005 p. 437).

Questo que tambm enfrenta posicionamentos distintos na doutrina refere-


se figura da unio de produtores rurais como empregador nico.

Para Nelson MANNRICH, no h necessidade da existncia de lei especial


que preveja a unio de pessoas fsicas/produtores rurais para fim de contratao direta
de empregados, uma vez que o art. 3 da Lei n. 5.889/1973, j alcanaria tal situao.
Acrescenta que o fato de vrios empregadores, conjuntamente, contratarem o
empregado, constitui vantagem para este, que tem garantido o registro de sua CTPS e
os seus direitos trabalhistas, assim como o cumprimento das normas de sade e
segurana, a que se obrigam, solidariamente, todos os produtores empregadores
(2000, p. 395).

Tambm Jussara Melo PEDROSA entende que essa forma de contratao


no contraria o disposto no art. 3 da Lei n. 5.889/1973. Acrescenta que iro figurar
como empregadores, no s uma pessoa fsica, mas vrias pessoas fsicas vinculadas
por meio de um pacto de solidariedade, com objetivo de utilizar mo-de-obra de
empregados contratados por eles, na medida de suas necessidades (2004, p. 83).
Diferentemente, Dorothe Suzanne RDIGER entende no ser possvel
enquadrar a unio de produtores rurais no conceito de empregador rural, quer no
conceito dos art. 3 e 4 da Lei n. 5.889/1973 quer no do art. 2, 1, da CLT. Afirma
que, nos termos da legislao brasileira, h necessidade de que o empregador seja
152

uma pessoa fsica ou jurdica, ou uma figura a estas equiparada por lei, o que no
ocorre no caso do consrcio, uma vez que este no se enquadra como pessoa jurdica,
de acordo com o art. 44, I, do Cdigo Civil, mantendo a pluralidade de sujeitos (2005, p.
94). E conclui afirmando:

[...] a misria no campo e a exigncia de produtividade de pequenos produtores


rurais fazem do consrcio de empregadores rurais uma soluo prtica para um
problema social. No entanto, a contradio entre a manuteno das
personalidades e do patrimnio distintos de cada um dos consorciados e a
unio para a consecuo de determinados interesses dificulta a conceituao
enquanto empregador (RDIGER, 2005, p. 96).

Contudo, como j dito, mais importante do que enquadrar o Consrcio dentre


as figuras jurdicas conhecidas ou dentre os conceitos legais existentes, como no caso
do conceito de empregador rural, viabilizar a formalizao dos contratos de trabalho
dos empregados rurcolas.
A despeito das polmicas doutrinrias, o Consrcio Simplificado de
Produtores rurais uma forma de contratao que obteve a aprovao quase que
unnime dos setores e personagens envolvidos. Apresenta vantagens tanto para o
empregado, quanto para o empregador e para o prprio Estado.
Aurlio PIRES, em publicao de 2001, evidencia que em So Paulo, o
surto de criao de Consrcios crescente, o que autoriza a afirmar que a idia se
concretizou ensejando a formao de milhares de contratos, tudo levando a acreditar
que essa nova alternativa rene condies de representar e concretizar a moderna e
eficaz alternativa, que se procurou atingir com sua criao (2001, p. 1.209).
Contudo, apesar de todas as vantagens apresentadas por essa forma de
contratao e de todo o incentivo que rgos governamentais, como, por exemplo, o
Ministrio Pblico do Trabalho e o Ministrio do Trabalho e Emprego deram formao
desses grupos de produtores rurais, conforme acentua Milton Incio HEINEN:

o Consrcio de empregadores rurais pessoas fsicas no alcanou os resultados


desejados. De fato, foi pequena, at o momento, a opo por essa modalidade de
organizao visando a contratao de empregados rurais. Provavelmente a pouca
utilizao se deve justamente s dificuldades de organizar a prestao de servios
para tomadores que, em sua maioria, no possuem uniformidade de servios e de
necessidades de mo-de-obra (2008, p. 5).
153

Marco Antnio Csar VILLATORE, em publicao de 2005, apresenta as


seguintes estatsticas acerca do Consrcio Simplificado de Produtores Rurais: a
existncia de um total de 103 consrcios, distribudos em nove estados federados e no
Distrito Federal, envolvendo 3.446 empregadores e 65.587 empregados, sendo que no
Estado de Gois havia, poca, 2 consrcios, dos quais faziam parte 44
empregadores/produtores e 626 empregados/trabalhadores (2005, p. 433).
Conforme se pode depreender dos dados referidos, o consrcio ficou longe
de corresponder s expectativas iniciais de criao, apenas no Estado de So Paulo,
de 300.000 empregos.
Ademais, buscando atualizar os dados relativos ao Consrcio Simplificado de
Produtores Rurais, fez-se contato com o escritrio de advocacia Oliveira e Giatti
Advogados, que havia fornecido, em 2005, ao Prof. Marco Antnio Csar VILLATORE,
os dados relativos ao nmero de consrcios e de empregadores e empregados neles
envolvidos, tendo a resposta recebida ao e-mail enviado, o seguinte teor:

efetivamente, at algum tempo atrs, mantnhamos dados acerca dos


Consrcios de Empregadores, dados esses obtidos atravs do prprio
Ministrio do Trabalho e Emprego (Secretaria de Relaes de Trabalho em
Braslia).
O prprio MTE mantinha esses dados, pois poca havia um interesse muito
grande de divulgao desse sistema de contratao de trabalhadores, que se
apresentava como um sistema seguro e eficaz, tanto para o trabalhador, como
para o empregador, e foi amplamente divulgado e incentivada (sic) por aquele
rgo governamental, desde 1.999 at aproximadamente 2002.
Digamos que hoje, a matria em questo no mais to recente e o interesse
por sua divulgao diminuiu, seno desapareceu e j h muito no
conseguimos atualizar os dados que mantemos. Creio que hajam (sic) outras
prioridades.
poca a prioridade era a regularizao das relaes de trabalho precrias.
Como (...) deve se lembrar, havia a proliferao de Cooperativas de Trabalho
no meio rural, dentre outros modelos que precarizavam ainda mais as relaes
de trabalho, especialmente no meio rural. No site do MTE havia informaes
acerca da matria, mas hoje no consegui localiz-las (RODRIGUES, 2010).

Como se depreende, se poca em que o Conscio estava sendo visto


como a soluo para a formalizao do emprego no campo, ele no atendeu s
expectativas referentes ao nmero de empregos gerados, hoje, ao que tudo indica (j
154

que no se dispe de dados atualizados, em razo do arrefecimento da discusso


acerca da matria), o nmero de consrcios e, consequentemente, de empregados e
empregadores neles envolvidos, deve ter-se reduzido muito.

2.3 OUTROS TRABALHADORES RURAIS

Existem trabalhadores rurais que, pela forma como despendem sua fora de
trabalho no se enquadram propriamente quer como autnomos (camponeses) quer
como empregados rurais. Tambm, existem aqueles que so tpicos empregados, mas
cujo vnculo formal com o tomador dos servios se d a outro ttulo, justamente para
encobrir a relao de emprego. Dentre esses trabalhadores rurais, podem ser citados: o
trabalhador avulso, o trabalhador cooperado, o empreiteiro e o prestador de servios.
O trabalhador avulso, por disposio constitucional, tem os mesmos direitos
que o trabalhador com vnculo empregatcio permanente (art. 7, XXXIV, da CF/2008).
Nos termos do disposto no art. 12, VI, da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991,
trabalhador avulso aquele que presta a diversas empresas, sem vnculo
empregatcio, servios de natureza urbana ou rural [...] ou, de acordo com a doutrina,
todo aquele que, sindicalizado ou no, presta servio de natureza urbana ou rural, sem
vnculo empregatcio, a diversas empresas, com intermediao obrigatria do sindicato
da categoria (VIANNA, 1999, p. 121).
Recentemente, em 27 de agosto de 2009, foi sancionada a Lei n. 12.023,
que dispe sobre as atividades de movimentao de mercadorias em geral e sobre o
trabalho avulso fora dos portos49 (tradicionalmente o trabalhador avulso executa
atividades porturias). Referida lei, no art. 1 estabelece que as atividades de
movimentao de mercadorias em geral exercidas por trabalhadores avulsos [...], so
aquelas desenvolvidas em reas urbanas ou rurais sem vnculo empregatcio, mediante
intermediao obrigatria do sindicato da categoria, por meio de Acordo ou Conveno
Coletiva de Trabalho para execuo das atividades (destacou-se). No art. 2 dispe
acerca das atividades consideradas movimentao de mercadorias em geral:

49
A Lei n. 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, dispe sobre o regime jurdico da explorao dos portos
organizados e das instalaes porturias, e d outras providncias.
155

Art. 2 [...]
I cargas e descargas de mercadorias a granel e ensacados, costura,
pesagem, embalagem, enlonamento, ensaque, arrasto, posicionamento,
acomodao, reordenamento, reparao da carga, amostragem, arrumao,
remoo, classificao, empilhamento, transporte com empilhadeiras,
paletizao, ova e desova de vages, carga e descarga em feiras livres e
abastecimento de lenha em secadores e caldeiras;
II operaes de equipamentos de carga e descarga;
III pr-limpeza e limpeza em locais necessrios viabilidade das operaes
ou sua continuidade (LEI n. 12.023/2009).

O avulso um tipo de trabalhador eventual, cuja intermediao da fora de


trabalho, tradicionalmente, sempre foi feita pelo sindicato profissional da categoria
(DELGADO, 2007, p. 341). Em sendo uma espcie de trabalhador eventual, seu
trabalho subordinado, ou seja, o que exclui esse tipo de trabalho do vnculo de
emprego , justamente, a eventualidade, uma vez que os demais requisitos esto
presentes tanto no trabalho avulso quanto no trabalho do empregado.
O avulso no se confunde com o empregado, porque sua relao de trabalho
no contnua, depende de ser designado pelo sindicato ao qual a mo-de-obra
requisitada. Tambm se difere do autnomo, porque no assume os riscos da atividade
empreendida. Apesar de no ter vnculo empregatcio com o tomador dos servios,
subordinado a ele, ao passo que o autnomo no trabalha sob subordinao. O
trabalhador avulso no empregado nem do tomador de servios nem do sindicato que
faz a intermediao da mo-de-obra, trata-se de uma forma de terceirizao, j que h
a intervenincia de um terceiro sindicato entre o tomador e o prestador dos servios.
Contudo, um tipo de terceirizao prevista na legislao ptria desde 1966,50 ou seja,
no se trata de terceirizao advinda da precarizao das relaes de emprego,
ocorrida a partir da dcada de 1990.
O trabalhador cooperado e as cooperativas de fornecimento de mo-de-obra,
por sua vez, disseminaram-se a partir de 1994, quando foi acrescido, pela Lei n. 8.949,
de 09 de dezembro, o pargrafo nico ao art. 442 da CLT, dispondo que qualquer que
seja o ramo da atividade da sociedade cooperativa, no existe vnculo empregatcio
entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de servio daquela.

50
O Decreto-Lei n. 3, de 27 de janeiro de 1966, disciplinava as relaes jurdicas do pessoal que
integrava o sistema de atividades porturias (disponvel em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del1003.htm>, acesso em: 28 set. 2010).
156

A lei alteradora da CLT criou uma presuno de ausncia de vnculo


empregatcio, como forma de favorecer o cooperativismo, contudo, no previu
instrumento para impedir eventuais fraudes legislao trabalhista (DELGADO, 2007,
p. 328).
O apoio e estmulo ao cooperativismo esto previstos na Constituio da
Repblica, no 2 do art. 174. A Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, define a
poltica nacional de cooperativismo e institui o regime jurdico das sociedades
cooperativas. No se nega, nem se desconhece a importncia do cooperativismo, que
estimulado e incentivado tambm pela OIT51. Mas ocorre que o acrscimo do pargrafo
nico ao art. 442 da CLT, na prtica, prestou-se a facilitar a criao de falsas
cooperativas de mo-de-obra, cujo nico escopo fraudar os direitos trabalhistas dos
prestadores de servios, pseudo-cooperados.
Assim, se se trata de verdadeira cooperativa, as relaes de trabalho do
cooperado esto fora do mbito do Direito do Trabalho. Por outro lado, tratando-se de
falsa cooperativa, a prestao de servios do pseudo-cooperado, provavelmente, dar-
se- na condio de empregado.
Para se determinar se uma cooperativa verdadeira ou falsa, j que a
simples regularidade formal no se mostra suficiente a admiti-la com verdadeira, haja
vista o princpio da busca da verdade real, orientador do Direito do Trabalho, deve se
verificar, sob a tica trabalhista, a presena, ou no, dos elementos caracterizadores do
vnculo de emprego, quais sejam, a onerosidade, a no eventualidade, a pessoalidade
e a subordinao; sob a tica da legislao das cooperativas, por sua vez, deve ser
observada a presena dos princpios da dupla qualidade e da retribuio pessoal
diferenciada.
Pelo princpio da dupla qualidade, o cooperado h que ser, ao mesmo
tempo, cooperado e cliente da cooperativa, ou seja, a cooperativa deve prestar servios
diretamente pessoa a ela filiada, e, no somente a terceiros. Essa prestao de
servios da cooperativa aos associados est prevista no art. 7 da Lei de Cooperativas

51
Em 20 de junho de 2002, foi aprovada, na 90 Conferncia Mundial do Trabalho da OIT, a
Recomendao sobre a promoo das cooperativas, em substituio Recomendao n. 127, de
1966.
157

que estabelece que as cooperativas singulares52 se caracterizam pela prestao direta


de servios aos associados (LEI n. 5.764/1971). Por esse princpio, o associado,
necessariamente, um dos beneficirios centrais dos servios por ela prestados
(DELGADO, 2007, p. 330).
O princpio da retribuio diferenciada, por sua vez, significa que as
vantagens conferidas s cooperativas pelo ordenamento jurdico decorrem, justamente,
do fato de as cooperativas possibilitarem ao cooperado a percepo de vantagem
pessoal decorrente da realizao de sua atividade autnoma, superior quela que seria
obtida, caso o trabalhador no fosse cooperado. Foi com a propagao das
cooperativas de mo-de-obra, a partir de dezembro de 1994, que tal princpio passou a
ser objeto de pesquisas e estudos mais aprofundados, uma vez que, anteriormente ao
surgimento deste tipo de cooperativas, era to bvio o atendimento ao princpio que os
estudiosos no tinham, ainda, se detido no seu estudo (DELGADO, 2007, p. 330-2).
O fenmeno das falsas cooperativas de mo-de-obra proliferou Brasil afora
da segunda metade da dcada de 1990 primeira metade da dcada de 2000,
inclusive no meio rural, onde foram organizadas inmeras cooperativas de mo-de-
obra, com o nico objetivo de propiciar ao empregador furtar-se ao pagamento dos
direitos trabalhistas devidos a seus empregados, sob a alegao de que se tratava de
servio prestado por cooperado. A atuao eficiente dos rgos pblicos (Ministrio do
Trabalho e Emprego, na fiscalizao; Ministrio Pblico do Trabalho, no ajuizamento de
aes civis pblicas; e Justiado Trabalho, no julgamento das aes individuais e das
aes civis pblicas que envolviam a matria), no entanto, foi eficaz na represso a tais
prticas ilegais, fazendo com que se reduzisse o nmero dessas falsas cooperativas.
Essas cooperativas, no meio rural, geralmente eram utilizadas na prestao de servios
realizadas por rurcolas volantes.
A empreitada, por sua vez, est prevista nos art. 610 a 626 do CC. Trata-se
de locatio conductio operis, ou contrato de obra, pelo qual o contratado/empreiteiro
obriga-se a entregar a obra pronta e acabada ao contratante. Pode ocorrer de duas

52
Cooperativas singulares so as previstas no inciso I do art. 6 da Lei n. 5.764/1971 e diferenciam-se
das cooperativas centrais ou federao de cooperativas (art. 6, II) e das confederaes de
cooperativas (art. 6, III). A estrutura corresponde, adotando um raciocnio analgico, estrutura dos
sindicatos, federaes e confederaes.
158

formas: pela contratao unicamente da atividade do empreiteiro ou pela contratao


da atividade do empreiteiro com o fornecimento dos materiais necessrios execuo
da obra. forma de contratao muito comum na construo civil, mas que pode,
tambm, ocorrer no campo.
O empreiteiro um trabalhador autnomo, mas, no necessariamente, ser
um campons, nos termos da conceituao adotada. Isso porque, esse empreiteiro
pode viver na cidade e trabalhar tanto na cidade quanto no campo. Mas, tambm,
poder ser um pequeno agricultor que, alm de trabalhar no seu pedao de terra,
trabalha para terceiros mediante contrato de empreitada. Como exemplos comuns de
empreitada na zona rural, tm-se a construo e reparo de cercas, a capina e a
roagem de pasto.
O contrato de prestao de servios est previsto nos art. 593 a 609 do CC.
O art. 593 inicia esse disciplinamento dispondo que a prestao de servios que no
estiver sujeita s leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se- pelas disposies deste
Captulo, ou seja, antes de cuidar das regras prprias prestao de servios j trata
como residuais as hipteses de prestao de servios que sero alcanadas por aquela
espcie contratual.
Com efeito, o contrato de prestao de servios foi o contrato do qual se
originou o contrato de emprego, da a semelhana entre as duas previses legais.
Historicamente, essa figura contratual foi denominada locao de servios, porque
proveniente do contrato romano locatio conductio operarum, pelo qual o indivduo
coloca disposio de outrem, durante certo tempo, seus prprios servios, em troca
de retribuio (VENOSA, 2007, p. 193). No CC de 1916, a previso contratual recebia
a denominao de locao de servios, em razo de sua origem romana. Tambm o
contrato de emprego tem suas razes na locatio conductio operarum.
No Brasil, quando da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre,
foram editadas as primeiras leis reguladoras da denominada, poca, locao de
servios. Citam-se as leis de 13 de setembro de 1.830, que objetivava regular o
contrato escrito de prestao de servios por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora
do Imprio, que cuidava desse tipo de prestao de servios tambm no que se refere
s relaes de trabalho rural; e a de n. 108, de 11 de outubro de 1837, que tratava dos
159

contratos de locao de servios de colonos, estabelecia as hipteses de justa causa


para a resciso contratual, e previa o sistema recursal.
Mas, voltando ao direito atual, Slvio de Salvo VENOSA, quando cuida de
diferenciar prestao de servios e outros contratos, afirma que a maior dificuldade
doutrinria distinguir a prestao de servios da empreitada. Em ambos os casos
ocorre uma atividade pessoal em favor de outrem (2007, p. 197). Porm, a prestao
de servios assemelha-se, ainda mais, com o contrato de emprego do que com a
empreitada, porque a empreitada corresponde locatio conductio operis do direito
romano, ou seja, na empreitada contrata-se a obra completa e acabada, o objetivo
finalstico, ao passo que na prestao de servios e no contrato de emprego, contrata-
se a atividade do obreiro, por determinado perodo.
Diferenciar a prestao de servios da relao de emprego no fcil.
Ambos os contratos pressupem uma contraprestao ou remunerao pelo servio
prestado, ambos, so pessoais (o que se depreende, no caso da prestao de servios,
pela interpretao dos art. 605 e 607 do CC53). Porm, no que diz respeito
pessoalidade, na prestao de servios admite-se que o prestador se faa substituir,
desde que haja anuncia do tomador (art. 605), hiptese inadmissvel se se tratar de
relao de emprego (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 242). Quanto
eventualidade, a prestao de servios pode ocorrer de forma eventual ou no
eventual. Em sendo no eventual h coincidncia, tambm, com os requisitos da
relao de emprego. Por isso, resta o requisito da subordinao para diferenciar as
duas espcies contratuais: ou seja, se a prestao de servios se der de forma
subordinada, pessoal, onerosa e no eventual, trata-se de empregado. Por outro lado,
se no houver subordinao ou, em outras palavras, se o prestador de servios for
autnomo, tratar-se- do contrato de prestao de servios constante do CC.
A prestao de servios de forma autnoma na zona rural difcil de ser
caracterizada, haja vista que as atividades desempenhadas pelos trabalhadores rurais
so realizadas de forma subordinada. Vislumbram-se pouqussimas hipteses de

53
Art. 605 Nem aquele a quem os servios so prestados, poder transferir a outrem o direito aos
servios ajustados, nem o prestador de servios, sem aprazimento da outra parte, dar substituto que
os preste. [...] Art. 607 O contrato de prestao de servios acaba com a morte de qualquer das
partes. [...] (CC).
160

prestao autnoma de servios rurais, que possam ser contratadas na forma dos art.
593 a 609 do CC, podendo-se exemplificar com os servios de veterinrios, agrnomos,
passveis de serem prestados sem subordinao.
Com relao a essas outras formas de prestao de servios rurais,
importante salientar que se caracterizadas como contratos agrrios estaro sujeitas s
normas protetivas do ET, por fora do disposto no 1 do art. 13 da Lei n. 4.947/1966,
e estaro sujeitas, tambm, ao disposto no art. 17 da Lei n. 5.889/1973, que dispe,
expressamente, que as suas normas so aplicveis, no que couber, aos trabalhadores
rurais no compreendidos na definio de empregado, que prestarem servios a
empregador rural. Por outro lado, se caracterizadas como contratos trabalhistas estaro
sujeitas legislao do Direito do Trabalho.
161

3. O RURCOLA EMPREGADO NO ESTADO DE GOIS

preciso ainda que se tenha claro que o leque de


conflitos que hoje se desenrolam no campo brasileiro,
mesmo quando possuem como eixo o trabalho
assalariado, o emprego rural, muitas vezes se
qualificam em funo dos ecos que se projetam dessa
estrutura fundiria concentradora e da cultura
predatria e autoritria que a partir dela se constituiu.
exatamente o que nos salta aos olhos quando nos
pomos a refletir sobre a permanncia em nossa
sociedade de prticas vinculadas ao chamado
trabalho escravo, forado ou degradante (ARAJO,
2005, p. 27).

Neste captulo sero realizadas as anlises da questo do emprego no


campo, com fundamento na Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale,
referencial terico adotado. Como se depreende da leitura desta dissertao, grande
parte das dificuldades em se solucionar a questo do empregado rural decorre do
processo histrico e do processo produtivo agrrios, vivenciados no Brasil. As
consequncias desses processos reafirmam a coerncia da teoria de Reale, que v o
direito como uma integrao normativa de fatos segundo valores. Por isso, prope-se
realizar esta anlise, como forma de melhor elucidar a problemtica por que passa hoje
o rurcola empregado.
Para tanto, primeiramente, sero expostos os elementos caracterizadores do
pensamento de Reale e traadas as distines de sua teoria em cotejo com as demais
teorias tridimensionais, a fim de que se possa, com fundamento no seu
tridimensionalismo concreto e dinmico, verificar, relativamente s relaes de emprego
no campo, as condicionantes decorrentes do processo histrico e as condicionantes
decorrentes da reestruturao produtiva, para, em seguida, analisar a lei trabalhista
compreendida em seu trplice sentido: fato, valor e norma, luz dos princpios
constitucionais da funo social do imvel rural e da dignidade da pessoa humana. Por
ltimo, sero abordadas as perspectivas que se apresentam para o trabalhador rurcola
empregado, especialmente no Estado de Gois.
162

3.1 UMA ANLISE SOB A TICA DO TRIDIMENSIONALIMO DE MIGUEL REALE

A natureza tridimensional do direito objeto de estudo por diversas teorias,


que evidenciam a existncia de trs elementos presentes na experincia jurdica, que,
quase sempre, so indicados pelas expresses: fato, valor e norma (REALE, 1994a, p.
23). A viso do direito como fato cultural constitudo por esses trs fatores essenciais
comum, poder-se-ia dizer, a vrias ou a todas as doutrinas tridimensionais (CZERNA,
1999, p. 52). H, porm, aspectos que as diferenciam.
A Teoria Tridimensional do Direito,54 conforme desenvolvida por Miguel
REALE, diferencia-se das demais, por ser concreta e dinmica, ao passo que as outras
tm carter genrico ou abstrato (fazem uma anlise em separado de fato, valor e
norma),55 ou especfico (superam a anlise em separado de fato, valor e norma, ou
seja, correlacionam os trs elementos, mas o fazem de uma forma esttica).56

Fato, valor e norma esto sempre presentes e correlacionados em qualquer


expresso da vida jurdica, seja ela estudada pelo filsofo ou o socilogo do
direito, ou pelo jurista como tal [...] A correlao entre aqueles trs elementos
de natureza funcional e dialtica, dada a implicao-polaridade existente entre
fato e valor, de cuja tenso resulta o momento normativo, como soluo
superadora e integrante nos limites circunstanciais de lugar e tempo [...]
(REALE, 1994a, p. 57).

Considerando o direito [...] [como] uma integrao normativa de fatos


segundo valores (1994a, p. 119), Reale acrescenta que se fosse perguntado a Kelsen
o que direito, este responderia que direito norma jurdica e no nada mais do que
norma (1994a, p. 118), ao passo que ele, Reale, preferiria dizer que a norma jurdica
a indicao de um caminho, porm, para percorrer um caminho, [deve-se] partir de
determinado ponto e ser guiado por certa direo: o ponto de partida da norma o fato,
54
Conforme o prprio Miguel Reale, em prefcio obra de Jos Renato Gaziero Cella Teoria
tridimensional do direito de Miguel Reale -, quatro obras haviam sido editadas [at ento], sobre a sua
teoria: duas no estrangeiro - La teora de los valores de Miguel Reale, de Angeles Mateos Garca, e
Teora integral del derecho em el pensamiento de Miguel Reale, de Javier Garca Medina; e duas no
Brasil - O pensamento filosfico e jurdico de Miguel Reale, de Renato Cirell Czerna, e a obra ento
prefaciada, Teoria tridimensional do direito de Miguel Reale (CELLA, 2009, p. 13).
55
Tridimensionalimo genrico ou abstrato: Julius Stone, Gustav Radbruch (tridimensionalismo genrico
antinmico) (REALE, 1994b, p. 512).
56
Tridimensionalimo especfico: wilhelm Sauer, Jerome hall (o primeiro, dando nfase ao valor e, o
segundo, ao fato social) (REALE, 1994b, p. 513).
163

rumo a determinado valor (1994a, 118-9). E conclui dizendo que foi dessa forma que
comeou a elaborar a sua teoria tridimensional, segundo a qual direito no apenas
norma, como pretende Kelsen, nem s fato como querem os marxistas ou os
economistas, e, tambm, no primordialmente valor, como entendem os tomistas,
adeptos do direito natural: o Direito a concretizao da ideia de justia, na
pluridiversidade de seu dever-ser histrico, tendo a pessoa como fonte de todos os
valores (1994a, p. 128).
E como consequncia da viso do Direito como a concretizao da ideia de
justia que se entende que a primeira intuio do Direito foi em termos de Justia, ou,
se quisermos empregar palavras de nossos dias, em termos axiolgicos (destaque do
original) (REALE, 1994b, p. 503).
Foi sem descuidar de que a intuio primeira do direito foi em termos de
valor, mais propriamente do valor justia, que se desenvolveu a Teoria Tridimensional
do Direito, conforme proposta por Miguel REALE, em que existem duas condies
necessrias a que haja uma correlao unitria e concreta entre fato, valor e norma:

uma se refere ao conceito de valor, reconhecendo-se que ele desempenha o


trplice papel de elemento constitutivo, gnoseolgico e deontolgico da
experincia tica; a outra relativa implicao que existe entre o valor e a
histria, isto , entre as exigncias ideais e a sua projeo na
circunstancialidade histrico-social como valor, dever ser e fim. Do exame
dessas duas condies que resulta a natureza dialtica da unidade do Direito
[...] (destaques do original) (REALE, 1994b, p. 543).

No que se refere primeira condio, Angeles Mateos GARCA57 afirma que


o centro do pensamento jusfilosfico de Reale encontra-se na sua concepo dos
valores (GARCA, 1999, p. 100). Em sua teoria, o ser humano o elemento
fundamental, mas a pessoa, para Reale, um ser essencialmente axiolgico. [...] A
vida especificamente humana cultural e por isso mesmo axiolgica, fruto das
diferentes transformaes que o homem imprime na natureza (GARCA, 1999, p. 101).

57
Autora de A teoria dos valores de Miguel Reale: fundamento de seu tridimensionalismo jurdico, obra
publicada a partir da parte final de sua tese de doutorado, que versou sobre o pensamento filosfico e
filosfico-jurdico de Miguel Reale. Angeles Mateos Garca doutora cum laude da Universidade
Complutense de Madri, perante a qual defendeu sua tese de doutorado (nota explicativa elaborada a
partir da nota dos editores da referida obra, publicada pela Editora Saraiva, em 1999).
164

E, por entender a vida humana como cultural, Reale parte da constatao


de que o termo cultura est transformando-se em paradigma (destaques do original)
(GARCA, 1999, p. 103). As interpretaes da cincia e da histria oferecidas por ele
conduzem sua concepo do mundo, que se baseia, justamente, nesse novo
paradigma filosfico, a cultura, da culturologia filosfica (marco de acesso
compreenso do mundo e da vida) e culturalismo (corrente de pensamento que
reconhece a importncia da cultura como paradigma) (GARCA, 1999, p. 103-4).
Miguel Reale prope, ento, uma compreenso plural do processo histrico
denominada de historicismo axiolgico [ou culturalismo] (2000, p. 263), que constitui a
segunda condio necessria a que haja uma correlao unitria e concreta entre fato,
valor e norma. De acordo com essa concepo, os termos cultura, histria e axiologia
relacionam-se de maneira complementar e dialtica, de tal forma que cada um deles
conduz, necessariamente, ao outro (GARCA, 1999, p. 46).

Entre valor e realidade no h, por conseguinte, um abismo; e isto porque entre


ambos existe um nexo de polaridade e implicao, de tal modo que a Histria
no teria sentido sem o valor: um dado ao qual no fosse atribudo nenhum
valor, seria como que inexistente; um valor que jamais se convertesse em
momento da realidade, seria algo de abstrato ou de quimrico. Pelas mesmas
razes, o valor no se reduz ao real, nem pode coincidir inteiramente,
definitivamente, com ele: um valor que se realizasse integralmente converter-
se-ia em dado, perderia a sua essncia que a de superar sempre a
realidade graas qual se revela e na qual jamais se esgota (destaques do
original) (REALE, 1994b, p. 207).

A natureza dialtica do Direito resulta, pois, da implicao58 existente entre o


valor e a histria; da implicao entre as exigncias ideais e a sua projeo histrico-
social. Por isso, a dinmica presente no tridimensionalismo realiano eminentemente
dialtica. Os termos que a informam se polarizam59 numa tenso fecunda e sempre
aberta, implicando-se reciprocamente sem se anular um no outro [...] (CZERNA, 1999,
p. 53). E precisamente a ausncia da estrutura dialtica que impede que as teorias

58
A implicao uma das caractersticas do valor, assim como a bipolaridade: do fato de os valores
serem bipolares decorre que eles implicam-se reciprocamente, ou seja, nenhum valor realiza-se sem
que influa, direta ou indiretamente, na realizao de outros valores (Cf. Miguel REALE, Filosofia do
direito, 1994, p.189).
59
Vide nota anterior.
165

tridimensionais estticas absorvam a unidade do Direito como processo histrico-


cultural (CZERNA, 1999, p. 53).

A dialtica da implicao e polaridade, que estrutura a relao entre sujeito e


objeto, colhe-se, por sua vez, na conscincia da tenso perene entre os dois
termos, instauradora da infinita possibilidade de ulterior conhecimento, em que
o futuro assumido no presente, precisamente como funo dessa
possibilidade aberta, como sua expresso projetada daqui para alm, em que a
suprema unidade do esprito humano a meta antecipada, mas ao mesmo
tempo no esgotada num agora que se tornaria meramente emprico, e sim
transformada, desde j, em fermento do processo do conhecimento em sua
continuidade, aproximao nunca concluda, de uma identidade sujeito-objeto
[...] (destaque do original) (CZERNA, 1999, p. 55).

A dialtica de implicao e polaridade ou o processo dialtico de


complementaridade defendido por Reale adequado no s ao estudo da experincia
jurdica, mas compreenso da prpria cultura, cuja natureza , tambm,
essencialmente dialtica. Para ele, a concepo de Hegel e Marx acerca da dialtica,
baseada na noo dos opostos, simplista, havendo aspectos culturais no alcanados
por ela, j que a correlao entre elementos no ocorre somente entre elementos
opostos. Diferentemente, possui amplitude muito maior, de forma a amoldar-se ao
domnio a ser interpretado, concretizando-se conforme a natureza da realidade em que
ser aplicada (CELLA, 2009, p. 80-1). A correlao entre aqueles trs elementos [fato,
valor e norma] de natureza funcional e dialtica, dada a implicao-polaridade
existente entre fato e valor, de cuja tenso resulta o momento normativo, como soluo
superadora e integrante nos limites circunstanciais de lugar e tempo (destaques do
original) (CELLA, 2009, p. 82).
Mas na nomognese jurdica h tambm uma tomada de posio, isso
porque, no h apenas um nico dever ser correspondente a um valor. H um leque de
valores e um leque de caminhos que podem ser seguidos e, relativamente aos quais,
deve ser tomada uma posio. O momento normativo da conduta como conduta
jurdica corresponde formulao racional de uma preferncia, a uma medida de agir
em funo de valores a realizar ou a preservar, de modo que a normatividade implica
uma tomada de posio [...] (destaques do original) (REALE, 1994b, p. 550). Por isso,
na ordenao dos fins e dos meios h a interferncia da vontade, h a insero do
166

Poder.60 O ato de legislar implica a eleio de uma via que representar a tutela dos
interesses tidos como legtimos (REALE, 1994b, p. 551-2).

, por conseguinte, num condicionamento ftico e axiolgico que se processa a


gnese da norma de Direito: - a regra jurdica, em verdade, representa o
momento conclusivo de um processo espiritual de natureza dialtica, no qual o
fato passa pelo crivo ou pelo critrio das estimativas do Poder e se
consubstancia nos esquemas de fins que devem ser atingidos (destaques do
original) (REALE, 1994b, p. 555).

Assim, fato e valor para se comporem na experincia jurdica necessitam da


interferncia do Poder, que corresponde a um momento de deciso, como se os valores
fossem fachos luminosos que, penetrando na realidade social, se refrangem em um
sistema dinmico de normas, relativamente ao qual, a cada norma corresponde uma
deciso (REALE, 1994b, p. 555).

A elaborao de uma determinada e particular norma de direito no


expresso do arbtrio do poder, nem resulta objetiva e automaticamente da
tenso ftico-axiolgica operante em cada conjuntura histrico-social: antes
um dos momentos culminantes da experincia jurdica, em cujo processo se
insere positivamente o poder (quer o poder individualizado em um rgo do
Estado, quer o poder annimo difuso no corpo social, como ocorre na hiptese
das normas consuetudinrias), mas sendo sempre o poder condicionado por
um complexo de fatos e valores, em funo dos quais feita a opo por uma
das solues regulativas possveis, armando-se de garantia especfica
(institucionalizao ou jurisfao do poder na nomognese jurdica) (CELLA,
2009, p. 83).

Tambm a questo da vigncia liga-se questo do Poder. Por isso, no h


que se contrapor o Direito ao Poder, porque, se assim se fizer, no se compreender
qual a relao existente entre Direito e Estado (REALE, 1994b, p. 605).

Enquanto se contrapuser, sem qualquer gnero de mediao dialtica, o Direito


ao Poder, no se conseguir compreender com rigor o que especfico do
Direito ou do Estado e, por conseguinte, a relao existente entre um e outro.
Tornam-se, sobretudo, incompreensveis a validade e a positividade do Direito
sem uma correlao entre Estado e Direito [...]. Privando-se o direito de seu

60
Manteve-se a grafia de Poder, com inicial maiscula, conforme utilizada por Miguel Reale, para
designar o rgo competente para legislar. Conforme Jos Renato Gaziero CELLA, O Poder deve ser
visto aqui como ato decisrio munido de garantia especfica, sendo que possui sua eficcia de acordo
com os modelos jurdicos em que se fundamentam os estados (Jos Renato Gaziero CELLA, Teoria
tridimensional do direito de Miguel Reale, 2009, p. 66, nota 33).
167

carter de formador de Poder (machitbildenden Charakter) no existe nem


validez jurdico normativa, nem poder estatal; porm, negado ao Poder o seu
carter de revelador do Direito (rechtbildenden Charakter), no existe
positividade jurdica, nem Estado (HELLER apud REALE, 1994b, p. 605).

A vigncia, em uma concepo normativista, diz respeito, apenas, aos


requisitos formais necessrios validade da norma, quais sejam, legitimidade do rgo
legiferante, compatibilidade hierrquica, respeito distribuio de competncias,
sano, promulgao e publicao. Mas, Reale, no reduz a problemtica da vigncia
ao aspecto tcnico-formal, ainda que reconhea que seja o de maior importncia para a
dogmtica jurdica. Na viso de Reale, a vigncia implica, necessariamente, uma
referncia aos valores que determinaram o aparecimento da regra jurdica, assim como
s condies fticas capazes de assegurar a sua eficcia social (destaques do original)
(1994b, p. 597-8). Por isso, a anlise da vigncia deve ser feita correlacionando
vigncia e fundamento, assim como vigncia e eficcia (REALE, 1994b, p. 598).
O direito no um valor em si, a despeito de proceder atualizao de
valores. Fosse o direito um valor em si, houvesse, para cada exigncia axiolgica, uma
nica direo de conduta compatvel, no caberia aos seres humanos governantes
nada mais do que ter conhecimento dos fenmenos jurdicos quando de seu
nascimento e anunciar a obrigatoriedade de suas regras (REALE, 1994b, p. 598).
por existirem diversas possibilidades de escolha de valores, alm da
necessidade de atualizao desses valores durante o processo histrico, que se torna
importante a questo da positividade, ou seja, de como os preceitos jurdicos se
tornam vigentes de maneira efetiva, e no apenas aparente (REALE, 1994b, p. 599).
O termo positividade pode ser tomado em duas acepes principais [...]. Em
um primeiro sentido, Direito Positivo aquele que regula juridicamente aspiraes
concretas, de maneira que todo o Direito histrico, em seu modo concreto de
manifestar-se, Direito Positivo (REALE, 1994b, p. 599). De forma mais restrita,
podem-se designar por Direito Positivo, as normas e instituies que compem um
Direito histrico em sua existncia atual (REALE, 1994b, p. 599).
Em ambas as situaes, a positividade tem alcance mais amplo do que
vigncia ou eficcia, uma vez que o direito positivo pode manifestar-se de trs
168

maneiras: o que est vigendo, o que j vigeu e o que ir viger (REALE, 1994b, p. 599).
Ou seja, considera-se Direito Positivo, o direito que prevalece hoje, o que obrigou
anteriormente ao atual, e aquele que ainda vir a impor-se, quando no mais prevalecer
o direito de hoje.
Como se percebe, a questo da vigncia mais complexa do que o seu
aspecto tcnico-jurdico, vinculado unicamente observncia dos requisitos formais.
A positividade liga-se, pois, vigncia e eficcia e constitui uma das formas
de realizao de valores. Essa realizao de valores ocorre mediante a manifestao
da vontade, por meio da escolha de uma via, dentre as opes possveis (REALE,
1994b, p. 604).
A norma jurdica decorrente dessa composio de fato e valor, sob a
interferncia do Poder, pode ser estudada sob os aspectos de seu fundamento, de sua
vigncia e de sua eficcia, todos eles objeto de estudo da Filosofia do Direito.
A eficcia a qualidade de uma norma que diz respeito sua produo de
efeitos. Se presentes os requisitos fticos, uma norma efetiva ou socialmente eficaz.
Vigncia, diferentemente, expresso atinente ao tempo de validade da norma.
Portanto, os termos vigncia e eficcia no possuem o mesmo significado.

Vigncia e eficcia so qualidades distintas. A primeira refere-se ao tempo de


validade. A segunda, produo de efeitos. [...] A presena de requisitos fticos
torna a norma efetiva ou socialmente eficaz. [...] Discute-se, no obstante e
nesse sentido, se a ineficcia social pode tornar invlida uma norma. Kelsen,
por exemplo, chega a dizer que uma norma, sem um mnimo de eficcia, perde
a validade. A tese, contudo, no tranquila na dogmtica (FERRAZ JR., 2003,
p. 199).

Enquanto a eficcia tem um carter experimental, uma vez que se refere ao


efetivo cumprimento do Direito pelos membros da sociedade a que se destina, ao
reconhecimento [...] do Direito pela comunidade, no plano social, ou, mais
particularizadamente, aos efeitos sociais que uma regra suscita atravs de seu
cumprimento. A validade formal ou vigncia [...] uma propriedade que diz respeito
competncia dos rgos e aos processos de produo do Direito no plano normativo
(REALE, 2002, p. 114).
169

H que se analisar, tambm, a correlao entre vigncia e eficcia.

Toda norma jurdica, uma vez vigente, pode tornar-se eficaz, mesmo quando j
revogada. Poder-se- objetar que uma lei continua produzindo efeitos depois de
revogada s porque outra lei vigente manda respeitar as situaes jurdicas
definitivamente constitudas ou aperfeioadas no regime da lei anterior, ou
ento porque se deve aplicar a lei em vigor na poca em que dados fatos
ocorreram (destaque do original) (REALE, 1994b, p. 607).

Se por um lado, a norma vigente pode e, regra geral, torna-se eficaz, por
outro, a ausncia de eficcia pode levar a que uma lei, formalmente vigente, no venha
a ser cumprida, uma vez que no se ajusta aos ditames da sociedade a que se destina.
Trata-se de lei que no se positiva, por no atingir o seu momento de eficcia. Mas h,
ainda, as regras que so cumpridas, reiteradamente, de forma a atingirem o plano de
vigncia e tornarem-se positivas (REALE, 1994b, p. 609). Donde poder dizer-se que a
positividade surge tanto quando a eficcia se faz vigente, como quando a vigncia se
torna eficaz, em ambos os casos valendo o pressuposto de um valor a realizar [...]
(REALE, 1994b, p. 609).
A problemtica entre vigncia e eficcia pode acontecer de quatro formas:
quando se harmonizam vigncia e eficcia, em razo de a lei encontrar
correspondncia no meio social; quando a lei subordina-se ao processo ftico, em
razo de ser vigente, mas necessitar adequar-se ao meio social, para produzir efeitos;
quando, durante certo tempo, harmonizam-se vigncia e eficcia, mas, depois, a lei
perde a eficcia; e, por fim, quando a desarmonia entre vigncia e eficcia tamanha,
que a norma, apesar de vigente, no possui qualquer efetividade (REALE, 1994b, p.
611).
Sendo assim, cabe queles encarregados de exercer o Poder de escolha,
queles que representam o Estado, evitar a edio de normas que no reflitam a
realidade social, de forma a no levar ao descrdito no s a lei m, como as boas leis
(REALE, 1994b, p. 611), porque quando vigncia e eficcia mostram-se completamente
dissociadas, a lei, mesmo vigente, no se impe.
170

3.1.1 O elemento ftico

O Direito convive permanentemente com o carter problemtico decorrente


da necessidade de estabilidade, conseguida mediante a certeza e a segurana
jurdicas, ao mesmo tempo em que reclama pela dinamicidade do justo (REALE, 1994b,
p. 572). O elemento ftico e as exigncias ideais, o j dado na natureza e na histria,
em confronto com as perspectivas que os fatos mesmos em seu acontecer tornam
possveis (REALE, 1994b, p. 572) confirmam esse carter problemtico do Direito,
fundado em uma realidade, ao mesmo tempo, bipolar e integrante, mas, no,
irremediavelmente antinmico (REALE, 1994b, p. 572).
No irremediavelmente antinmico porque existe um ponto de equilbrio,
que justamente o momento normativo, em que fato e valor integram-se.
No se pode, pois, compreender a norma dissociada do processo histrico
em que se insere, fora do processo incessante de adequao da realidade s
exigncias ideais ou da atualizao de fins ticos no domnio das relaes de
convivncia (REALE, 1994b, p. 574). Por isso que o direito um processo aberto,
jamais se exaurindo em solues normativas de carter definitivo (REALE, 1994b, p.
574). justamente porque o Direito uma constante atualizao de valores que no se
exaure em solues imutveis. Essa permanente adequao da realidade s
exigncias ideais prpria das fontes dinamizadoras, ou seja, prpria dos valores
(REALE, 1994b, p. 574).
Uma norma no pode ser erradicada do processo de que faz parte; deve ser
interpretada no mbito de sua condicionalidade social e histrica, mas, por sua
natureza histrica mesmo, no fica presa ou ligada s circunstncias que
originariamente a condicionaram, superando-as (REALE, 1994b, p. 573).

A Cincia do Direito caminha hoje no sentido de entender a normatividade,


como um momento de atualizao de valores jurdicos. A normatividade no pode ser
esvaziada de seu sentido histrico e de seu sentido axiolgico, uma vez que uma
norma, em particular, s tem valor se integrada em um sistema (REALE, 1994b, p. 574).
Processo histrico e reestruturao produtiva so, ambos, aspectos fticos e,
portanto, ligados efetividade ou eficcia da norma, condicionando-a.
171

3.1.1.1 Condicionantes decorrentes do processo histrico

No que se refere s condicionantes decorrentes do processo histrico,


devem ser ressaltados trs pontos principais, que se correlacionam: a questo
fundiria, a produo agrcola voltada para o mercado externo e a explorao da mo-
de-obra escrava.
A trajetria da questo fundiria no Brasil teve incio com as capitanias
hereditrias e com as sesmarias, seguida da lei de terras, [da concentrao fundiria
havida na Repblica Velha], das polticas agrrias da ditadura militar, at se chegar ao
que se tem hoje, por meio da atuao da bancada ruralista61 no Congresso Nacional
(ARAJO, 2005, p. 31).
As capitanias hereditrias e as sesmarias moldaram o sistema de distribuio
de terras, baseado no latifndio, que prevalece at os dias atuais, mas esses institutos
no foram os nicos responsveis pela concentrao fundiria atual.
No decorrer da histria, a concentrao fundiria foi se agravando cada vez
mais, porque houve diversas ocasies de concentrao e de reconcentrao de terras.
Nos principais momentos histricos, em que se viveram situaes, que permitiam uma
mudana de rumo, a posio prevalecente foi a mantenedora da estrutura fundiria,
quando no a propiciadora de uma maior reconcentrao de terras.
A economia colonial, como parte da economia europia, desenvolveu-se
conforme os interesses do capitalismo comercial que deu origem prpria colonizao.
Por isso, era voltada para o mercado europeu. A produo voltada para o mercado
europeu, quando no explorava a minerao, baseava-se na explorao da
monocultura agrcola de produtos tropicais comercializveis na Europa: primeiramente o
acar, depois o tabaco, o algodo. A produo colonial subordinava-se, como um
todo, ao sistema da metrpole. E como era necessrio possibilitar ampla margem de
lucro aos empresrios metropolitanos, impunha-se a utilizao da mo-de-obra escrava
ou semi-servil. Isso porque, caso o trabalho fosse livre, seria impossvel impedir que os
trabalhadores, na presena de terra em abundncia, optassem por se apropriar de um

61
V. p. 51, a UDR constitui, hoje, o maior bloco no partidrio do Congresso Nacional.
172

pedao de terra e l praticar uma agricultura de subsistncia, contrria aos interesses e


necessidades da economia europia em expanso (NOVAIS, 1990, p. 58-9).
Escravismo, trfico negreiro e as variadas formas de servido constituem os
legados do Brasil Colnia e o eixo de formao da vida econmica e social do Brasil
colonial. A estrutura fundiria latifundiria, vinculada ao escravismo, organiza-se em
grandes empresas. Essa forma de organizao leva ao atraso tecnolgico, ao carter
predatrio, da economia colonial. A sociedade organizada em castas, com a elite
gozando de privilgios juridicamente definidos, como forma de manter a condio
escrava dos que trabalhavam na terra (NOVAIS, 1990, p. 62).
Assim, os interesses econmicos que traaram os rumos da colonizao
europia na Amrica determinaram os trs pontos primordiais em termos de
condicionantes advindas do processo histrico, quais sejam, o latifndio, a monocultura
voltada para o mercado externo e a utilizao da mo-de-obra escrava.
Sob a tica do trabalhador rural, do descobrimento at os dias de hoje, o
Brasil conviveu com 388 anos de escravido, num total de 510 anos de histria. Isso
sem contar a escravido, disfarada ou no, que persistiu aps 1888. Portanto, na
hiptese otimista de que, aps 1888, a escravido no Brasil tivesse sido totalmente
banida, tm-se 388 anos de escravido e 122 anos de trabalho livre, ou seja, o perodo
de trabalho escravo corresponde a mais de trs vezes o perodo de trabalho livre. E
claro que essa herana histrica repercute nas relaes atuais de trabalho. Mas nem
sempre esse legado visvel. aparente. No, em muitas situaes, ele est
disfarado; invisvel a um primeiro lanar de olhos. Os resqucios so, muitas vezes,
sutis, imperceptveis, e at inconscientes. necessrio reconhecer que no fcil
despir-se de toda uma forma de organizao social que perdurou por tanto tempo,
livrar-se de toda essa herana cultural.
Ademais, quando o pas preparava-se para a transio do trabalho escravo
para o trabalho livre, cercou-se de todas as garantias, de forma tal, que esses
trabalhadores livres no viessem implicar nus demasiado para os proprietrios de
terra.62 A regulamentao do trabalho livre no Brasil no final do ltimo quartel do sculo

62
Conforme o Decreto n. 2.827, de 15.03.1879, [...] a locao de servios propriamente dita, a parceria
agrcola e a parceria pecuria teriam tempo de durao do contrato [de] seis anos para brasileiros,
cinco anos para estrangeiros e sete anos para libertos, bem como [prescrevia] pena de priso para
173

XIX evidencia de incio um paradoxo: o advento da propalada libertao do trabalho


escravo se [...] [deu] via uma regulamentao rgida na contratao e na disciplina
imposta aos trabalhadores livres (MACHADO, 2003, p. 151).
Com a abolio da escravatura, houve uma nova organizao da mo-de-
obra rural: os trabalhadores livres organizaram-se na condio de colonos, agregados,
parceiros. E, em todas essas situaes, permaneceu a explorao do trabalhador pelo
proprietrio da terra. Isso, para no falar do trabalho anlogo ao de escravo, presente
ainda nos dias de hoje, em vrias regies do pas.
Como j repetidamente mencionado, os empregados rurais, trabalhadores
subordinados, s tiveram garantidos os seus direitos trabalhistas, em 1963, com a Lei n.
4.214, vinte anos depois de os trabalhadores urbanos terem conquistado esses
mesmos direitos.
Quanto queles que trabalhavam e trabalham de forma autnoma, o
tamanho do territrio do Brasil e a abundncia de terras que fez com que no se
acirrassem ainda mais os conflitos pela posse da terra. Esses trabalhadores
autnomos, a cada vez que viam os grandes proprietrios, os grileiros de terras e, mais
recentemente, a agroindstria cobiarem o seu cho, recuavam e apossavam-se de
terras mais distantes, menos desejadas. Mas chegou um momento em que no havia
como recuar mais. No havia mais terras das quais pudessem se apossar. E por isso,
que, hoje, a luta pela terra d-se por meio das ocupaes e no pelo apossamento.

A exploso da violncia no campo, ao lado da paralisia do governo federal


(tanto em promover a reforma agrria quanto em punir os crimes de fazendeiros
e jagunos), levou os sem-terra a se organizar. Reunidos no MST [...], e com o
apoio de sindicatos e da Igreja Catlica, iniciaram um amplo movimento de
invases de terras improdutivas, quer do Estado, quer de particulares. Esta a
estratgia para forar o governo a acelerar o assentamento de famlias
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 200).

O trabalho rural, no Brasil, mesmo em uma fase em que a explorao da


terra dava-se em moldes no capitalistas (apesar de o trabalho livre ter-se imposto com

casos de ausncia do locador e, ainda, para a hiptese deste prestador de servios ou locador
permanecer no estabelecimento, mas no se dispor a trabalhar. Nessas situaes, a priso era de 5 a
20 dias, sendo apenado em dobro aquele que fosse reincidente (SANTOS, 2005, p. 419).
174

a abolio da escravatura, a explorao capitalista da terra somente teve incio, no final


da primeira metade do sculo XX), j ocorria, predominantemente, mediante a utilizao
da mo-de-obra de terceiros, ou seja, mediante a compra da fora de trabalho.
Portanto, mesmo quando as relaes de trabalho e de produo capitalistas no
haviam chegado ao campo, o homem do campo, o trabalhador rural brasileiro, j vendia
sua fora de trabalho (quando no a despendia gratuitamente em prol do proprietrio de
terras), j tinha sido separado dos meios de produo, ou seja, mesmo quando as
relaes de capital no haviam chegado ao campo, sob a tica do trabalhador rural, j
havia uma explorao da mo-de-obra nos moldes impostos pelo capital. E esse fato
decorre de outro fato, o de a propriedade da terra no pertencer a quem nela labora: a
terra pertence ao grande proprietrio rural, ao empresrio rural. Por isso, no h como o
trabalhador rural deter a posse dos meios de produo, j que, no caso de trabalho no
campo, o principal meio de produo a prpria terra.
Em uma anlise sob a tica da teoria tridimensional do direito, pode-se
afirmar, em um raciocnio por similitude, que o elemento histrico,

o fato, como elemento que condiciona o agir do homem, o fator negativo, que
se contrape liberdade de iniciativa e de criao pelo statu quo. A tendncia a
constituir e a realizar fins o fator positivo ou o polo positivo do agir. Os dois,
porm, se exigem e se implicam: - a norma a centelha que resulta do contato
do polo positivo com o negativo (REALE, 1994b, p. 573).

Pode-se afirmar, ento, que no Brasil, no que se refere ao trabalhador rural,


quele que efetivamente trabalha a terra, e, no que se refere questo fundiria,
distribuio da terra, ao seu pertencimento a quem nela labora, a histria representa
esse fator negativo que tem impedido a tendncia a constituir e a realizar valores.
a escravido, em que o Brasil se formou, e que apenas duas geraes
passadas ainda conheceram, isso que se prolonga at hoje margem da lei e
imprimindo seu cunho anacrnico nas relaes de trabalho de boa parte do campo
brasileiro (PRADO JNIOR, 1982, p. 187).
Como se v, o processo histrico foi determinante em relao ao tratamento
dispensado, ainda hoje, ao trabalhador rural, seja ele autnomo ou subordinado.
175

3.1.1.2 Condicionantes decorrentes da reestruturao produtiva

A migrao campo-cidade no Brasil ocorreu num curto perodo de tempo. Na


segunda metade do sculo XX, no s a populao brasileira passou de
predominantemente rural para predominantemente urbana, como se deu o processo de
modernizao agrcola, e, logo em seguida, tiveram incio as modificaes decorrentes
da nova reestruturao do capital e suas conseqncias no campo.
O pacote tecnolgico financiado pela modernizao conservadora,
implantada pelos militares, nos anos 1960-70 estimulou de forma desenfreada a
especulao fundiria, favorecendo os grandes proprietrios de terra e aumentando
ainda mais a concentrao fundiria [...] (ARAJO, 2005, p. 26). Nessa poca,
aconteceram, ento: forte interveno estatal para o financiamento do crdito rural;
nova concentrao fundiria, j que o crdito era destinado quase que somente aos
grandes proprietrios; e o auge da evaso da populao rural. Como se percebe, a
opo dos governos militares foi pela implementao da modernizao sem reforma
agrria.
Mal o campo absorveu as modificaes decorrentes da chamada
modernizao conservadora, que, no Brasil, aconteceu tardiamente, as relaes de
produo no campo comearam a sofrer outras alteraes, agora decorrentes da nova
reestruturao produtiva.

Se olharmos o sculo XX veremos que o Keynesianismo e o neokeynesianismo


foram fagocitados pelo sistema do capital. De 1945 a 1968, apogeu do sistema
keynesiano, do welfare state, quando parecia no final dos anos [1960] que o
Estado havia controlado o capital, vimos o inverso: o capital engoliu e
desestruturou o Estado a tal ponto que criou o Estado neoliberal, que nada mais
que um Estado forte para os capitais e completamente destroado no que diz
respeito s suas atividades pblicas, coletivas e sociais. O que pblico foi
destroado e um poderoso Estado todo privatizado foi fortalecido [...]
(ANTUNES, 2010).

No campo, essa desestruturao , ainda, mais perversa. Somam-se a ela


as dificuldades decorrentes da prpria atividade agrria, como a sazonalidade, e as
oriundas da reduo de postos de trabalho decorrente da mecanizao do processo
176

produtivo. Essa desestruturao tem se manifestado no campo, sob as mais diversas


formas de precarizao do trabalho.
Pode-se afirmar, da mesma forma como se afirmou quanto s condicionantes
decorrentes do processo histrico, que a modernizao agrcola e a reestruturao
produtiva, tambm so elementos fticos, e, como tais, por um raciocnio por similitude,
podem ser tidos como elementos negativos que condicionam a conduta do homem e,
assim sendo, o seu statu quo contrape-se liberdade de iniciativa e de criao, que
representa o fator positivo ou o polo positivo do agir: [...] a tendncia a constituir e a
realizar fins (REALE, 1994b, p.473).
Da poder se afirmar, ainda, que no Brasil, a modernizao agrcola, da
forma como foi implementada, e a reestruturao produtiva, como est acontecendo,
constituem fatores que se somam m distribuio da terra, de forma a agravar a
problemtica do trabalhador rural e a questo agrria de maneira geral.

3.1.2 O elemento valorativo

Pode-se dizer que o fundamento da norma o elemento que se vincula ao


seu aspecto axiolgico. Uma norma dotada de fundamento aquela que atende as
exigncias axiolgicas da comunidade a que se destina.

Indagar filosoficamente do fundamento do Direito estudar os valores enquanto


deles resultam fins, cuja atualizao possa implicar relaes intersubjetivas;
penetrar no mundo das exigncias axiolgicas para determinar as
possibilidades de realizao de formas de coexistncia social que sejam
positivas. [...] O problema do fundamento do Direito, desse modo, [...] pe-se,
[...] no plano histrico, como formas possveis de convivncia segundo a
natureza de seu contedo axiolgico, visto como todo dever ser inseparvel
das idias de valor e de fim (destaques do original) (REALE, 1994b, p. 589).

Contudo, existem normas jurdicas imperfeitas por no serem dotadas de


fundamento tico. Essas normas, mesmo quando vigentes sob o aspecto tcnico-
formal, no so obedecidas pelos membros de uma convivncia, haja vista a ausncia
de fundamento (REALE, 1994b, p. 591-2). [...] A rigor, devem ser consideradas
perfeitas s as normas jurdicas de Direito dotadas de fundamento tico e que,
177

originadas de um processo coerente e lgico de competncias, sejam efetivamente


obedecidas pelos membros de uma convivncia [...] (destaque do original) (REALE,
1994b, p. 591-2).
Tambm existem regras advindas do arbtrio do legislador ou de valores
aparentes. Essas regras continuam sendo jurdicas, porque possuem vigncia.
Contudo, carecem de fundamento tico. Essa ausncia de fundamento leva a que a
questo da obedincia ou no s leis destitudas de fundamento tico e a sua
positividade constituam problema de relevncia no estudo do direito (REALE, 1994b, p.
592).
Neste contexto, o normativismo jurdico concreto de Reale representa sua
compreenso definitiva do problema jurdico, como expresso da correlao dialtica
de fato, valor e norma, em cada manifestao jurdica concreta, sob a tica do Direito
Positivo (GARCA, 1999, p. 122).
Reale evidencia, ainda, que o problema do fundamento do Direito est [...]
ligado ao do Direito Natural.63 Com esta expresso, [...] admite a existncia de algo
irredutvel ao Direito historicamente positivado (1994b, p. 590). Por isso, resta perquirir,
ainda, qual seria sua fundamentao do Direito, relativamente aos parmetros do
Direito Natural. Sob esse prisma, admite a existncia do Direito Natural como uma
constante histrica.

O Direito Natural tem sido uma constante histrica, no sentido de que, apesar
de todas as objees que lhe foram e so feitas, permanece sempre como um
problema inarredvel dos domnios da cognio jurdica. Mesmo nas pocas de
mais arraigado positivismo, quando parecia superada de vez a tese
jusnaturalista, [...] no se poder afirmar que, mesmo ento, a idia de Direito
Natural tenha deixado de ser um problema para se converter apenas em uma
indagao ilusria, devido persistncia inadmissvel de um equvoco
(destaques do original) (REALE, 1984, p. 1).

Reale admite, portanto, a existncia de um Direito Natural compatvel com


sua concepo axiolgica, baseada no historicismo e personalismo axiolgico. H uma

63
Reale esclarece que o termo Direito Natural parece-nos insubstituvel, apesar de lhe terem sido
dadas as conotaes mais diversas, acrescentando que at mesmo Kelsen denomina a sua teoria
da norma fundamental de Direito Natural lgico-transcendental (REALE, 1994b, p. 591, nota de
rodap n.4).
178

distncia muito grande entre o seu jusnaturalismo e o jusnaturalismo clssico,64 quer de


inspirao racionalista, idealista ou teolgica (GARCA, 1999, p. 123-4).
O conceito de Direito Natural de Reale possui carter conjetural e axiolgico.
Revela-se no processo histrico e equivale ao conjunto das condies transcendental-
axiolgicas que tornam a experincia jurdica possvel. Baseia-se na concepo
transcendental do Direito Natural, que limita o seu campo ao plano deontolgico,
diferentemente da concepo transcendente, que concebe o Direito Natural como um
arqutipo ideal, uma realidade ontolgica vlida em si mesma (REALE, 1994, p. 590).

[...] no acolho a tese de um Direito natural transcendente e a-histrico,


reconheo que certo nmero de normas atua como transcendentlia da
experincia jurdico-positiva. O Direito Natural Transcendental resulta, no meu
entender, da constatao de que o homem, atravs do processo dialgico da
histria, vai tomando conscincia de determinados valores fundamentais, como,
por exemplo, o da inviolabilidade da pessoa humana, os quais, uma vez
trazidos luz da conscincia histrica, so considerados intangveis. Tenho dito
que, assim como nas cincias biolgicas se tem reconhecido a ocorrncia de
mutaes que do origem a invariantes biolgicas, at o ponto de parecerem
inatas, da mesma forma, na experincia tico-jurdica d-se o advento de
invariantes axiolgicas, isto , de exigncias axiolgicas constantes e
inamovveis, por serem consideradas da essncia mesmo do ser humano: so
as constantes axiolgicas transcendentais do Direito, porquanto, no fundo,
foram elas que tornaram a experincia jurdica possvel (destaques do original)
(REALE, 1994, p. 109).

H, portanto, na histria da experincia jurdica, invariantes axiolgicas, que


so formas de atualizao de valores que no so corrodos pelo tempo, o que faz com
que, apesar das constantes mutaes histricas, a vida do Direito possua um ncleo
resistente, que est protegido das mudanas, quer sejam elas mudanas polticas,
tcnicas ou econmicas (REALE, 1994b, p. 590).
Esse ncleo est representado pelos princpios gerais de direito imediatos,
que so valores essenciais e conaturais a qualquer forma de convivncia ordenada:
so considerados, por conseguinte, imediatos, em relao s constantes axiolgicas de
que promanam (REALE, 2002, p. 314). Diferenciam-se dos princpios gerais mediatos,
que com eles se harmonizam e a eles se subordinam, porque estes traduzem

64
[...] o Direito Natural clssico, de fonte greco-romana, sempre fundou os princpios gerais de Direito
Natural na ideia de natureza humana, o que podia ser hoje entendido em funo das peculiaridades
do nascimento ou advento do homem sobre a face da terra (REALE, 1984, p. 15).
179

caractersticas prprias de um perodo histrico, consagradas como exigncias


jurdicas. O Direito Natural, visto como condio transcendental, lgica e axiolgica, da
experincia histrica possvel, permite que no haja ruptura entre os princpios gerais
de direito, de carter imediato, que se vinculam a valores essenciais da pessoa humana
entendida como valor-fonte de todos os valores, e os princpios gerais de direito
mediatos ou derivados, que se objetivam no decorrer do processo histrico, conforme a
civilizao ou a experincia de uma determinada nao (REALE, 2002, p. 314).
E para REALE,

princpios gerais de direito so enunciaes normativas de valor genrico, que


condicionam e orientam a compreenso do ordenamento jurdico, quer para a
sua aplicao e integrao, quer para a elaborao de novas normas. Cobrem,
desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua
atualizao prtica (2002, p. 304-5).

Observa-se que REALE no desenvolveu sua teoria tridimensional do direito


a ponto de estud-la frente dogmtica moderna65, que superou a distino entre
princpios e normas, adotando o entendimento de que norma gnero que comporta
duas espcies: os princpios e as regras. Contudo, ainda que no tenha desenvolvido
seus estudos a ponto de compatibiliz-los com a moderna dogmtica jurdica, pode-se
afirmar que no h incompatibilidade entre esta e aqueles, quer em razo de REALE
admitir a normatividade dos princpios, como expressamente menciona no trecho
transcrito; quer pela viso do direito como a concretizao de valores, o que, por si s,
j demonstra a relevncia que os princpios, enquanto enunciados normativos
valorativos ou finalsticos, assumem em sua teoria tridimensional, posio tambm
assumida na moderna dogmtica jurdica.
Os princpios gerais de direito, dentre eles, o da funo social da propriedade
e, como princpio maior, o da dignidade da pessoa humana, so, pois, preceitos
fundamentais que se desenvolvem no plano do Direito Positivo, fundados, no entanto,
em razes ticas ou mesmo de Direito Natural, mas de Direito Natural concebido, no

65
A dogmtica moderna foi desenvolvida em grande parte com base nos estudos de Ronald Dworkin e
Robert Alexy (FLEURY, 2010, p. 313).
180

como uma duplicata intil do Direito Positivo, mas, sim, em funo da experincia
jurdica (REALE, 2002, p. 305-6).

3.1.2.1 Princpio da funo social do imvel rural

Impossvel tratar da funo social do imvel sem mencionar a propriedade,


enquanto direito real e instituio histrica, cuja origem remonta a antiguidade, mas
cujo perfil tem se modificado no tempo, deixando de ser um direito absoluto, para se
tornar um direito ao qual corresponde uma gama de deveres ou obrigaes, haja vista a
funo social que lhe atribuda.
O instituto da propriedade sempre foi estudado pelo direito privado, mais
especificamente, pelo direito civil. Contudo, atualmente, tendo em vista a dogmtica
normativa constitucional e a funo social que se lhe imps, o instituto da propriedade
assume contornos traados pelo direito pblico, fenmeno, alis, que no peculiar ao
instituto da propriedade ou ao direito civil, mas a diversos outros ramos jurdicos de
direito privado.
Historicamente, tem-se que em sua origem, a propriedade da terra era
coletiva. Somente os objetos pessoais e os utenslios eram de propriedade individual.
Foi com a fixao do homem terra, em razo da atividade agrcola, que a propriedade
deixou de ser coletiva, para se tornar individual. A propriedade individual surge como o
mais amplo dos direitos reais abrangendo a coisa em todos os seus aspectos. o
direito de usar, gozar e dispor de determinado bem, excluindo de qualquer ingerncia
no mesmo (sic) todos os terceiros (BRAGA, 1991, p. 97).
No Direito Romano, a propriedade era individual, exclusiva e perptua. O
direito de propriedade era visto como um direito absoluto: o ius utendi, fruendi et
abutendi (o direito de usar, usufruir e abusar). Essa concepo romana de propriedade
exerce influncia em nosso ordenamento jurdico at os dias atuais, ainda que aos
poucos venha perdendo terreno.
Na Idade Mdia, a idia de propriedade vinha ligada de soberania nacional.
Havia uma superposio de direitos sobre o mesmo bem. No topo da escala social
encontrava-se o senhor feudal, que exercia o poder poltico e detinha o direito de
181

propriedade. Em seguida, estavam o vassalo, o servo, o semi-livre, que detinham o


direito de uso da terra. Foi na idade mdia que se passou a distinguir o domnio direto
ou eminente (pertencente ao senhor feudal) do domnio til (pertencente ao vassalo).
Havia uma hierarquia de feudos e de pessoas (BRAGA, 1991, p. 98-9).
Em 1789, com o advento da Revoluo Francesa, a propriedade retomou
feies individualistas. O Cdigo Civil Napolenico, em seu art. 544, dispunha que a
propriedade o direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, contanto
que no se faa um uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos.
No sculo XIX, o individualismo comea a perder fora. Auguste Comte
afirma que a propriedade possui, sempre, uma funo social. Karl Marx prega a
abolio da propriedade privada dos meios de produo. Ademais, a doutrina social da
Igreja Catlica tambm se posiciona contrariamente ao uso ilimitado da propriedade
privada, tendo as Encclicas Rerum Novarum, do Papa Leo XIII, Quadragesimo Anno,
de Pio XI, Mater et Magistra, de Joo XXIII, e Populorum Progressio, de Paulo VI
cumprido papel relevante nesse sentido (BRAGA, 1991, p. 99-102).
Acerca desse momento histrico, Jos BRAGA assim se expressa:

nesse processo de evoluo, perde a propriedade a sua vocao egosta, sua


excludente vocao individual. O proprietrio pode, ento, usar, gozar e dispor
da coisa de maneira exclusiva, mas o exerccio destas faculdades deve atuar
de modo a no impedir o desenvolvimento da coletividade (...) a esta altura da
evoluo do direito de propriedade, emerge a funo social, que leva os autores
e comentaristas a afirmarem que, ao lado das faculdades e poderes que
cercam aquele direito atuam limitaes e deveres que condicionam a ao do
proprietrio (destaques do original) (1991, p. 102-3).

Portanto, modernamente, a funo social do imvel rural deve ser


compreendida com fundamento na justia social, defendida pela igreja, a partir da
Encclica Rerum Novarum; no socialismo, de Karl Marx; e no solidarismo de Len
Duguit (MIRANDA, 2003, p. 26, nota de rodap), no sentido de que a terra est a
servio do homem, e no, o homem a servio da terra; mais, que a terra no uma
mercadoria, e sim, um meio de produo ou de utilidade social (MIRANDA, 2003, p.
26).
182

No que diz respeito positivao do Direito, a Constituio de Weimar de


1919 foi a primeira a condicionar o direito de propriedade: reconhece-o, mas o associa
a um dever moral (BRAGA, 1991, p. 103). A Constituio mexicana de 1917, anterior
alem, a despeito de ter cunho social, no trata propriamente da funo social da
propriedade, uma vez que estabelece a abolio da propriedade privada das terras, que
passam a pertencer ao Estado (COMPARATO, 2001, p. 185).
H que se ressaltar que apesar de o direito de propriedade ter assumido
feies sociais, a propriedade continua sendo vista como um direito individual. Todavia,
perdeu as caractersticas de direito absoluto e exclusivista, para se tornar um direito
relativo, que busca a harmonia entre capital e trabalho (BRAGA, 1991, p. 105).
Gursen de MIRANDA prefere a denominao funo social da terra (e, no,
da propriedade), que alcanaria no s a funo social da propriedade da terra, como
tambm, a funo social da posse da terra, funo social da empresa agrria etc.
(2003, p. 26).

A terra, como bem de produo, deve satisfazer a sociedade. Aquele que


trabalha a terra como posseiro, como proprietrio, como arrendatrio, como
parceiro sem-terra, como empregado rural, em suma todo e qualquer homem do
campo deve fazer a terra produzir, visando a sua satisfao e de sua famlia e o
bem da sociedade. Portanto, todo o trabalho que se realize sobre a terra deve
ter, tambm, uma finalidade social (MIRANDA, 2003, p. 26).

A terra deve pertencer a quem nela trabalha, a quem a fecunda e dela retira
o seu sustento. Estar, pois, cumprida a funo social da terra, quando se der acesso
terra a um maior nmero de pessoas, que nela vivero e trabalharo (MIRANDA, 2003,
p. 27-8).
No Brasil, a Constituio Federal de 1988 assegura, no art. 5, XXII, o direito
de propriedade, alando-o ao rol dos direitos fundamentais. No mesmo artigo, no
entanto, dispe que a propriedade atender a sua funo social (inc. XXIII),
evidenciando, portanto, que o direito de propriedade, assim como qualquer outro direito
conferido pelo legislador constituinte, no absoluto, devendo ser exercido em
consonncia com a sua funo social. Pela primeira vez, a Carta Constitucional incluiu,
dentre os direitos fundamentais, a funo social da propriedade.
183

Historicamente, a primeira Constituio brasileira a tratar da funo social da


propriedade foi a de 1946, ainda que a de 1934 tenha se referido a interesse social. As
Constituies de 1824 e de 1891 apenas garantiram o direito de propriedade, sem lhe
impor qualquer limite. A Constituio de 1934, no art. 113, 13, apresentando avano
em relao s anteriores, a par de assegurar o direito de propriedade, disps que este
no poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo. A Carta de 1937 no
mencionou o interesse social, limitando-se a dispor que a lei reguladora do exerccio do
direito de propriedade, definiria, tambm, o seu contedo e os seus limites (art. 122,
14). Ento, em 1946, o texto constitucional, no art. 141, 17, garantiu o direito de
propriedade e no art. 147 estabeleceu que o uso da propriedade condicionava-se ao
bem estar social e, ainda, que a lei poderia promover a justa distribuio da
propriedade, com igual oportunidade para todos. A Carta de 1967 consagrou como um
dos princpios da ordem econmica e social, a funo social da propriedade, disposio
mantida com a Emenda Constitucional n. 1/1969.
Verifica-se, dessa forma, que o direito de propriedade no ordenamento
constitucional brasileiro veio se modificando, de forma tal, que deixou de ser visto em
sua concepo puramente individualista, para ser encarado em sua dimenso social.
E mais, a meno ao direito de propriedade e sua funo social no
aparecem, apenas, no art. 5 da Constituio da Repblica de 1988, em que so
alados condio de princpios fundamentais. No art. 170, a Constituio da
Repblica estabelece que a ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho
humano e na livre iniciativa, deve observar os princpios enumerados em seus incisos,
dentre eles, o da propriedade privada (II) e o da funo social da propriedade (III). No
2 do art. 182, que est inserido no captulo que trata da poltica urbana, tambm dispe
que a propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exigncias
fundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor.
Mas , sem dvida, no particular da propriedade rstica, que o conceito de
funo social ganha maior dimenso e o alcance de justia social no campo
(destaques do original) (BRAGA, 1991, p. 113). A disposio especfica acerca da
funo social do imvel rural est prevista no art. 186. Observe-se que h a substituio
da expresso funo social da propriedade por funo social do imvel rural, porque se
184

exige no s do proprietrio, mas de qualquer pessoa que explore o imvel rural, que
cumpra sua funo social.
No captulo destinado poltica agrcola e fundiria e reforma agrria,
visando dar concretude ao princpio da funo social do imvel rural, a Carta Magna
estabelece, nos incisos do art. 186, os requisitos, a serem atendidos
concomitantemente, a fim de que a propriedade rural seja considerada socialmente til,
apenando a violao da referida obrigao com a desapropriao do imvel rural por
interesse social (art. 184). Tais requisitos so: o aproveitamento racional e adequado; a
utilizao adequada dos recursos naturais e a preservao ambiental; a observncia
das disposies que regulam as relaes de trabalho e a explorao que favorea o
bem-estar dos proprietrios e trabalhadores (destacou-se). Esses requisitos so
elementos essenciais ou sub-funes da funo social do imvel rural.
Contudo, contraditoriamente, a despeito de a funo social ter sido alada
condio de direito fundamental, o texto constitucional vigente, em razo do disposto no
art. 185, estabelece no ser suscetvel de desapropriao, para fim de reforma agrria,
a propriedade produtiva (BRAGA, 1991, p. 111). E, o fato, por si s, de ser produtiva a
terra, no deve ser considerado suficiente para vedar a possibilidade de
desapropriao, como se ver mais adiante.
A previso constante do inciso IV do art. 186, que diz respeito explorao
que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores, apesar de tratar do
trabalhador rural, no ser objeto de anlise especfica, haja vista o entendimento de
que, se cumpridas as disposies que regulam as relaes de trabalho no campo, ter-
se-, necessariamente, um tipo de explorao que favorece o bem-estar dos
trabalhadores. Da o atendimento de que, tal requisito, quanto ao trabalhador,
conseqncia do cumprimento do requisito anterior.
Conforme salienta Roberto Wagner MARQUESI, a locuo relaes de
trabalho, constante do inc. III do art. 186, no se resume ao servio assalariado e,
nesse passo, o trabalho quer aqui significar toda atividade braal empreendida por
aqueles que, de fato, exploram a terra, excetuada, naturalmente, a figura do titular
(destaque do autor) (MARQUESI, 2001, p. 105).
185

A Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que dispe sobre a


regulamentao dos dispositivos constitucionais relativos reforma agrria, consigna
expressamente no 4 do art. 9 que a observncia das disposies que regulam as
relaes de trabalho implica tanto o respeito s leis trabalhistas e aos contratos
coletivos de trabalho, como s disposies que disciplinam os contratos de
arrendamento e parcerias rurais.
O cumprimento da funo social do imvel rural exige, pois, o cumprimento
concomitante dos quatro requisitos citados. O cumprimento do requisito de observncia
das disposies relativas s relaes de trabalho implica, por sua vez, serem
observados os art. 6 a 11 da Constituio, que estabelecem os direitos fundamentais
sociais.

3.1.2.2 Princpio da dignidade da pessoa humana

Em termos histricos, o desenvolvimento da concepo que hoje se tem de


dignidade est ligado ao desenvolvimento dos direitos humanos e dos direitos
fundamentais.

A concepo de direitos humanos e de dignidade da pessoa humana no


existiu desde sempre, nem para todos os povos, nem em todos os lugares e
tempos da mesma maneira [...] direitos humanos e dignidade tm em comum a
busca da autonomia do ser humano e a rejeio de qualquer forma de
dominao. Mas so criados, produzidos pela sociedade e esto em
permanente processo de alterao e mudana, o qual tem sido tendente
ampliao dos direitos e universalizao (GOSDAL, 2007, p. 51).

Na Antiguidade e para o Cristianismo a ideia de dignidade colocava o


homem acima de todas as outras criaturas. Por ser imagem e semelhana de Deus, a
dignidade do homem compreendida como anterior e superior ordem jurdica
(GOSDAL, 2007, p. 52). A dignidade decorreria da vontade divina, uma vez que o
homem foi criado imagem e semelhana de Deus, manifestando-se em razo de ter o
homem, alm de um corpo, tambm uma alma (BRITO FILHO, 2004, p. 44). A
dificuldade de aceitao dessa explicao decorre da necessidade de se ter f nos
186

dogmas do Cristianismo para t-la como verdadeira, haja vista a impossibilidade de


comprovao por outros meios (BRITO FILHO, 2004, p. 45).
KANT, por sua vez, entende que as finalidades humanas ou tm preo ou
dignidade. Em tendo preo, podem ser compradas ou trocadas, em no o tendo, como
a dignidade, so atributos do homem, fazendo-o merecedor de um mnimo de direitos.
O homem, sendo um ser racional o nico capaz de fazer suas escolhas e tambm o
nico merecedor de dignidade (BRITO FILHO, 2004, p. 45).
A concepo kantiana de dignidade mostra-se importante, na medida em que
suas idias permanecem presentes em quase todos os conceitos de dignidade
encontrados, assim como contriburam para a noo de indivduo e de sujeito de direito,
ao estabelecer a inviolabilidade da conscincia individual, essencial noo de
autonomia da vontade, caracterstica exclusiva do ser humano e fundamento da
dignidade humana (GOSDAL, 2007, p. 52-3).
A vinculao histrica da idia de dignificao do homem ao trabalho advm
do desenvolvimento do capitalismo e da Reforma Protestante. At ento, o trabalho
estava associado idia de atividade vil e degradante, destinada aos escravos e
servos. Foi com o capitalismo e com a Reforma Protestante, que foi difundida a idia de
dignificao do trabalho como valor tico central da sociedade, como forma de legitimar
o sistema de apropriao privada e acumulao, presente na sociedade burguesa
recm-formada. O protestantismo no condenava a acumulao de bens e riquezas, ao
contrrio, os via como uma bno divina, em razo do dever de trabalhar (GOSDAL,
2007, p. 52-5).
As Revolues Francesa e Americana foram responsveis pelo surgimento
dos direitos humanos como direitos do indivduo em face do poder estatal. Delimitaram
uma esfera de no-interveno do Estado e representaram a emancipao dos
indivduos perante os grupos sociais a que se vinculavam (GOSDAL, 2007, p. 57-8).
Constituem, hoje, os chamados direitos individuais de primeira dimenso, como o direito
vida, liberdade e igualdade formal.
A Constituio de Weimar, por sua vez, acrescentou s liberdades
individuais, os direitos de contedo social. Sua estrutura dualista. Na primeira parte
cuida da organizao do Estado e, na segunda, trata da declarao dos direitos e
187

deveres fundamentais (COMPARATO, 2001, p. 199). Na Constituio de Weimar foram


agregados, aos direitos ditos de primeira dimenso, os direitos de segunda dimenso.
Os direitos de segunda dimenso so resultantes da influncia do
socialismo, ligados ao bem-estar social, como, por exemplo, o direito sade, ao
trabalho e educao. Mais recentemente, a eles foram acrescidos os direitos de
terceira dimenso, denominados difusos, como o direito ao meio ambiente e ao
patrimnio comum da humanidade (GOSDAL, 2007, 52 e 58-9).
Com a Declarao Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) firmou-se a
tendncia universalizao dos direitos humanos e seu cerne encontra-se, justamente,
no direito a uma vida digna (GOSDAL, 2007, p. 60). Consta de seu art. 1, que todos
os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So dotados de razo e
conscincia e devem agir em relao uns aos outros com esprito de fraternidade
(DUDH, art. 1). Considera a dignidade, acrescida de seus componentes liberdade e
igualdade, fundamento dos direitos humanos.
Assim, pelo prprio processo histrico, vislumbra-se que o princpio da
dignidade da pessoa humana princpio carregado de carga valorativa, preexistente a
qualquer texto positivado. O direito pode cuidar de assegur-lo e garanti-lo, contudo, o
valor a ser protegido pr-existe, independentemente de previso legal (SARLET, 2007,
p. 43).
Para REALE, trata-se de princpio geral do direito, comum a todo
ordenamento jurdico, porque advindo de constantes ou invariantes axiolgicas (2002,
p. 313-4).
A Constituio de 1988, no Ttulo I, art. 1, estabelece como fundamento da
Repblica Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, juntamente com a
soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
poltico.
Princpios fundamentais so aqueles que expressam opes polticas que
determinam a estrutura bsica do Estado, sua concepo ideolgica. Observe-se que
tanto o caput do art. 1, como seus incisos, especialmente os de n. I, II e V, que se
referem soberania, cidadania e ao pluralismo poltico, respectivamente, e o inciso
IV, na parte que trata da livre iniciativa, so princpios delineadores da organizao do
188

Estado brasileiro, em conformidade com a conceituao dos princpios fundamentais


referida. O inciso III, por sua vez, cuida da dignidade da pessoa humana centro
ideolgico da concepo de Estado democrtico de direito e de uma ordem mundial
idealmente pautada pelos direitos fundamentais (destacou-se) (BARROSO, 2003, p.
317).
A Carta Magna de 1988 foi o primeiro texto constitucional ptrio a reconhecer
a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro. E no se limitou
a cuidar da matria no art. 1, havendo meno ao princpio em outras partes da
Constituio como, por exemplo, no caput do art. 222, que assegura criana e ao
adolescente o direito dignidade.
Anteriormente, a Constituio de 1946 dispunha, no art. 145, pargrafo
nico, que a todos seria assegurada uma existncia digna.
Conceituar o que seja dignidade da pessoa humana no tarefa simples, a
despeito de ser fcil visualiz-la como algo real, sendo fcil tambm identificar
situaes em que foi violada. No possvel conceitu-la de forma esttica, uma vez
que um conceito esttico no alcanaria toda a gama de valores nela contidos.
Ademais, varia no tempo e no espao. Da, no se poder elaborar um conceito pronto e
acabado. A idia do que seja dignidade da pessoa humana modifica-se
permanentemente, de forma a refletir os valores que se manifestam na sociedade,
dizendo respeito no s quilo que da natureza do homem, pois assume, tambm,
dimenso cultural, razo pela qual est em contnuo processo de construo (SARLET,
2007, p. 42).
H, no entanto, certo consenso, no sentido de que para que se confira
dignidade pessoa, a ela h que ser possibilitado ter o mnimo existencial, como o
direito renda mnima, sade bsica, educao fundamental e ao acesso justia
(BARROSO, 2003, p. 324).
Thereza Cristina GOSDAL prope que

[...] a dignidade seja compreendida na atualidade sob duas dimenses, a de um


contedo de direitos mnimos e imunidades generalizadas, que torna o
trabalhador apto ao consumo de bens e servios no mercado e a de um
contedo vinculado noo de honra, de direito a uma certa forma de
tratamento e dever de determinadas condutas em reconhecimento a esse
189

direito, o que torna possvel, por exemplo, atribuir-se ao trabalhador o direito ao


trabalho, a ter respeitado seu patrimnio moral, sua intimidade, sua vida
privada, independentemente de qualquer raciocnio acerca de eventuais
prejuzos econmicos para a reparabilidade da leso dignidade (2007, p.
126).

J para Ingo Wolfgang SARLET, dignidade da pessoa humana :

[...] a qualidade intrnseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o


faz merecedor do mesmo respeito e considerao por parte do Estado e da
comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condies
existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover sua
participao ativa e co-responsvel nos destinos da prpria existncia e da vida
em comunho com os demais seres humanos (2007, p. 62).

A partir dessa noo do que seja o princpio da dignidade da pessoa humana


e de como este princpio encontra-se historicamente situado, sero citadas algumas
situaes em que h violao da dignidade da pessoa humana, mais especificamente,
violao da diginidade da pessoa do trabalhador, em razo do no-cumprimento da
funo social do imvel rural, haja vista o desrespeito ao requisito da observncia das
disposies que regulam as relaes de trabalho.
Pode-se identificar a violao do princpio da dignidade da pessoa humana
pelo descumprimento das normas que regulam as relaes de trabalho.
claro que nem todo descumprimento da legislao do trabalho implica
violao ao princpio da dignidade da pessoa humana. Devem ser diferenciados
aqueles descumprimentos que implicam violao da dignidade humana daqueles que, a
despeito de constiturem descumprimento da legislao, no tm o condo de violar a
dignidade do trabalhador. Nesse sentido, manifesta-se Thereza Cristina GOSDAL:

[...] uma compreenso da dignidade nas relaes de trabalho que seja to


ampla, compreendendo qualquer descumprimento da legislao trabalhista
como atentatrio contra a dignidade do trabalhador, esvazia de contedo o
conceito. Um trabalhador submetido a trabalho escravo, ou a revistas ntimas
pelo empregador, ou a assdio sexual, ou discriminado porque tem mais de 45
anos de idade, por exemplo, sente-se ultrajado em seus diretos de maneira
diversa e mais profunda que aquele que no tem corretamente pagas as horas
extras realizadas, ou o adicional noturno, ou a multa do FGTS (embora tudo
190

isso possa ser compreendido, numa interpretao abrangente, como justa


remunerao) (2007, p. 132).

Assim, a disposio constante da parte final do 2 do art. 9 da Lei n.


5.889/1973, no sentido de que vedada, em qualquer hiptese, a moradia coletiva de
famlias, caso seja desrespeitada implicar violao dignidade do trabalhador e de
sua famlia, uma vez que a moradia coletiva no proporciona privacidade, propicia a
promiscuidade e desrespeita a intimidade. Trata-se de exemplo no qual o no-
cumprimento de regra constante de lei ordinria configuraria violao da dignidade do
trabalhador.
Contudo, se tomarmos o art. 15 da mesma lei, de mesma hierarquia
normativa que o dispositivo retro citado, pelo qual, durante o prazo do aviso prvio, o
empregado rural ter direito a um dia por semana, sem prejuzo do salrio integral, para
procurar outro trabalho, temos que sua violao, muito provavelmente, causar danos
ao trabalhador, uma vez que esse dia dever-lhe-ia ter sido concedido para lhe
possibilitar tempo para buscar outro trabalho, evitando que ficasse desempregado.
Contudo, esse dano no assumiria propores tais, a ponto de se considerar que houve
violao da dignidade do trabalhador enquanto pessoa humana.
Diferentemente, ainda que esse no tenha sido o entendimento consagrado
no acrdo do Tribunal Regional do Trabalho da 3 Regio, o transporte de
trabalhadores em veculo destinado ao transporte de gado, possivelmente no
higienizado aps ter transportado animais, onde por certo no h assentos individuais
ou cintos de segurana, viola a dignidade do trabalhador, na medida em que viola o seu
patrimnio moral, humilha-o e lhe retira a prpria condio de pertencimento
humanidade, aos seres humanos. Por essa razo, mostra-se to agressivo, pelo menos
para aqueles que adotam a concepo de dignidade da pessoa humana aqui
expendida, o entendimento manifestado no acrdo referido, de cuja ementa consta
(GOSDAL, 2007, p. 133):

DANOS MORAIS. TRANSPORTE INADEQUADO. AUSNCIA DE OFENSA


DIGNIDADE HUMANA. (...) se o veculo seguro para o transporte de gado,
tambm o para o transporte do ser humano, no constando do relato bblico
que No tenha rebaixado sua dignidade como pessoa humana e como
191

emissrio de Deus para salvar as espcies animais, com elas coabitando sua
Arca em meio semelhante ou pior que o descrito na petio inicial (em meio a
fezes de sunos e de bovinos) (TRT 3 R., RO n. 484/2003).

E no corpo do acrdo, afirma-se o seguinte:

[...] a mera circunstncia de ter sido transportado o reclamante no meio rural,


em camionete boiadeira, dotada de gaiola protetora para o transporte de
animais, no ofende a dignidade humana (...) no restou provado nos autos que
o reclamante tenha sido transportado em meio a estrumes e fezes de animais
(porcos e gado vacum), como alegado na causa de pedir da inicial, no tendo
sido sequer alegado que o transporte nessas condies tivesse o escopo de
humilhar ou ofender o reclamante, que nunca se rebelou ou fez objeo contra
a conduta patronal, preferindo percorrer os 16 kms (sic) do deslocamento a p
ou por outro meio de transporte (TRT 3 R., RO n. 484/2003).

Nessa hiptese, a dignidade resta violada pela ausncia de condies de


sade e segurana no trabalho, colocando em risco a prpria vida do trabalhador.
Ademais, evidente o dano moral decorrente da humilhao imposta ao empregado,
merecedor do mesmo tratamento dispensado ao gado, seno de tratamento pior do que
o das crias (a perda de uma rs poder representar maior prejuzo financeiro do que a
perda do trabalhador, que a despeito de ser tratado como coisa, juridicamente no
propriedade do empregador e pode, em caso de morte, simplesmente, ser substitudo).
A explorao do trabalho da criana e do adolescente tambm constitui
forma gravssima de violao da dignidade do trabalhador, enquanto pessoa humana
que , uma vez que impede o regular desenvolvimento fsico, mental e psquico do
trabalhador.
No mbito das relaes trabalhistas no campo, exemplo mais contundente
de violao da dignidade da pessoa humana encontra-se no trabalho em condies
anlogas condio de escravo, quer se trate de trabalho forado, quer se trate de
trabalho em condies degradantes.
Pode-se conceituar trabalho escravo como sendo aquele em que h
restrio, em qualquer forma, liberdade do trabalhador, e/ou quando no so
respeitados os direitos mnimos para o resguardo da dignidade do trabalhador (BRITO
FILHO, 2004, p. 86). Na primeira parte do conceito, trata-se de trabalho escravo da
192

espcie trabalho forado, na segunda parte, trabalho escravo da espcie trabalho em


condies degradantes.
Em ambas as situaes, h violao da dignidade do trabalhador. A restrio
liberdade, por si s, suficiente para ferir a dignidade humana. No h que se olvidar
de que a Declarao Universal dos Direitos Humanos considera a liberdade e a
igualdade como componentes da dignidade humana. A reduo do trabalhador
condio anloga de escravo implica, sim, violao da dignidade da pessoa humana:

tanto no trabalho forado, como no trabalho em condies degradantes, o que


se faz negar ao homem direitos bsicos que o distinguem dos demais seres
vivos; o que se faz coisific-lo; dar-lhe preo, e o menor possvel. No h
sentido, ento, na tentativa que se vem fazendo de descaracterizar o trabalho
em condies degradantes, como se no pudesse ser indicado como espcie
de trabalho escravo (destaque do original) (BRITO FILHO, 2004, p. 86).

Tambm nos demais contratos de trabalho, que no os contratos de


emprego, quer se trate de contratos tipicamente agrrios, quer se trate de contratos
disciplinados pelo direito civil, a no-observncia das disposies que regulam essas
relaes de trabalho poder resultar em violao da dignidade da pessoa humana.
Exemplifica-se com a hiptese de violao do disposto no art. 93 do Estatuto
da Terra, constante das normas gerais para o uso ou para a posse temporria da terra,
em que vedado ao proprietrio da terra exigir do arrendatrio ou do parceiro que:
preste servio gratuito; que lhe d exclusividade na venda da colheita; que
obrigatoriamente beneficie a produo em seu estabelecimento; que obrigatoriamente
adquira gneros e utilidades em seus armazns ou barraces; assim como, que faa o
pagamento em ordens, vales, bors ou outras formas regionais substitutivas da moeda.
O no atendimento a esses comandos legais implica desrespeito dignidade
do trabalhador, haja vista que ou h restrio da liberdade do trabalhador ou o
trabalhador tratado como coisa, sendo que todas as situaes mencionadas terminam
por levar ao trabalho em condies anlogas de escravo.
Por fim, no se pode deixar de citar a possibilidade de violao ao princpio
da dignidade da pessoa do trabalhador, decorrente do conflito existente entre o
princpio da funo social do imvel rural (art. 186 da CF) e a disposio constitucional
193

constante do inc. II do art. 185 que veda a desapropriao da propriedade produtiva,


para fim de reforma agrria. Questiona-se se uma propriedade produtiva, faz uso de
mo-de-obra escrava, no exercendo sua funo social j que no respeita as
disposies que regulam as relaes de trabalho, correto ser vedada a sua
desapropriao? Qual dispositivo constitucional deve prevalecer: o art. 184, que prev a
desapropriao da propriedade que no cumpre sua funo social; ou o art. 185, que
veda a desapropriao da propriedade produtiva?
No cumprir a funo social do imvel rural em decorrncia da no-
observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho significa,
especialmente quando se tratar da no-observncia de direitos fundamentais, negar
dignidade ao trabalhador. Portanto, no deve prevalecer a interpretao de que, sendo
produtiva a propriedade, em qualquer hiptese, estaria vedada a sua desapropriao.
Por isso, na ponderao dos valores envolvidos nesse conflito de normas, h
que prevalecer a norma que contenha maior carga valorativa, ou seja, h que se
interpretar que a vedao desapropriao do imvel rural produtivo, no alcana
aquelas propriedades produtivas que fazem uso de mo-de-obra escrava, uma vez que
o princpio da funo social do imvel rural hierarquicamente superior, em termos
valorativos, norma que protege a propriedade produtiva, at porque, o seu
descumprimento, nesse caso, implica violao dignidade do trabalhador.
Deve ser observado, mais uma vez, que havendo conflito entre princpios
constitucionais, ou entre princpios e regras constitucionais, h que se lanar mo da
utilizao da nova hermenutica constitucional, que confere fora normativa aos
princpios, a fim de se buscar a soluo, no s mais justa, como mais coerente, com o
ordenamento jurdico. Ho que ser confrontados os valores protegidos por cada
princpio, de forma a concluir, no caso concreto, qual norma deve prevalecer.
Dessa forma, conferir-se- dignidade pessoa do trabalhador, por meio do
respeito s disposies que regulam as relaes de trabalho, como requisito necessrio
ao atendimento da funo social do imvel rural.
194

3.1.3 A lei trabalhista compreendida em seu trplice sentido: fato, valor e norma

A CF/1988, ao consagrar o princpio da dignidade da pessoa humana, o fez


na condio de princpio fundamental da Repblica Federativa do Brasil. J, no que se
refere funo social da propriedade (art. 5, XXIII), foi a Constituio que lhe deu
maior nfase, mormente quanto funo social do imvel rural, cuja previso especfica
consta do art. 186. Ademais, no caso do imvel rural, exige-se, no s do proprietrio,
mas de qualquer pessoa que explore o imvel rural, que cumpra sua funo social.
A origem da norma legal decorre de contnuas intenes de valor que
incidem sobre uma base de fato, refrangendo-se em vrias proposies ou direes
normativas, uma das quais se converte em norma jurdica em virtude da interferncia do
Poder (destaques do original) (REALE, 1994a, p. 124). Por outro lado, encontra-se
superada a discusso acerca da funo normativa dos princpios, donde decorre ser
pacfico, hoje, que os princpios so as normas com maior contedo axiolgico,
albergando condutas valoradas positiva ou negativamente.
Conforme ensina CANOTILHO, os princpios so normas jurdicas
impositivas de uma optimizao, compatveis com vrios graus de concretizao,
consoante os condicionantes fticos e jurdicos, enquanto as regras so normas que
prescrevem imperativamente uma exigncia (impem, permitem ou probem) que ou
no cumprida (destaques do original) (1999, p. 1087).
Os princpios constitucionais nada mais so do que condutas valoradas
positiva ou negativamente. Diferenciam-se das regras, dentre outros aspectos, por
serem valorativos ou finalsticos. Contemplam valores a serem preservados ou
coibidos ou fins a serem perseguidos (BARROSO, 1996, p. 141-2). No h
hierarquia, no sentido normativo, entre princpios e regras, porque, enquanto normas
constitucionais, encontram-se todas no mesmo plano hierrquico (BARROSO, 1996, p.
142).
Sendo assim, quando da elaborao da regra, dentre as vrias proposies
ou direes normativas possveis, ao converter uma delas em norma jurdica, o poder
legiferante dever realizar a sua interveno, escolhendo uma proposio que observe
os princpios consagrados pelo ordenamento constitucional, de forma que a regra
195

jurdica que resulte desse processo venha a possuir fundamento tico (REALE, 1994a,
p. 124).
A observncia do princpio precede a escolha da proposio propriamente
dita e representa uma reduo no leque de possibilidades que se oferecem ao
legislador, mas, ainda assim, permanecem opes em relao s quais deve ser feita a
escolha. Da mesma forma, se no se observar o princpio, adotando-se valores
contrrios aos consagrados pelo direito positivado, permanecero, ainda, opes para o
exerccio da escolha, mas essas opes carecero, todas elas, de fundamento tico. O
que se pretende observar que, uma vez que certos princpios so consagrados pelo
ordenamento, para que a regra que venha a ser editada no padea de vcio por
ausncia de fundamento, necessrio faz-se que a escolha da via que se tornar lei,
esteja dentre as proposies que possuam o contedo axiolgico presente no princpio.
Em outras palavras, o princpio representa uma primeira bifurcao, uma pr-escolha,
dentre os caminhos oferecidos ao legislador. Optando ele pelo caminho que contm os
valores consagrados pelo princpio, ter diante de si uma srie de possibilidades
normativas, que, se adotadas, gozaro de fundamento tico, porque em conformidde
com o contedo valorativo consagrado pelo princpio. Por outro lado, no escolhido o
caminho que consagra os valores presentes no princpio, ter diante de si, opes que,
se adotadas no gozaro de fundamento tico.
Dessa forma, as regras jurdicas que dizem respeito ao trabalhador rural,
quer se trate de trabalhador autnomo, quer se trate de trabalhador subordinado, tm
que, necessariamente, observar o princpio funo social do imvel rural, especialmente
quanto ao requisito da observncia das disposies que regulam as relaes de
trabalho, e o princpio da dignidade da pessoa humana. Caso isso no ocorra, essas
regras carecero de fundamento tico, o que interferir na sua vigncia.
Ademais, no que se refere interpretao e aplicao do princpio da
funo social do imvel rural, o intrprete deve se orientar pelo princpio da
proporcionalidade ou razoabilidade, princpio constitucional instrumental, bem como
fazer uso da tcnica da ponderao, aplicvel s situaes em que a subsuno
mostra-se insuficiente, mormente em situaes nas quais, no caso concreto,
envolvendo a aplicao de normas de mesma hierarquia, estas indicam solues
196

diferentes (FLEURY, 2010, P. 315-316). A utilizao desses princpios e tcnicas de


hermenutica constitucional permitir interpretar as disposies constitucionais dos art.
186 e 185, II, de forma a se entender que o fato, por si s, de ser produtivo o imvel
rural, no o exclui da possibilidade de ser desapropriado, quando no forem
observadas as demais condies necessrias ao cumprimento de sua funo social.
A observncia dos princpios constitucionais, especialmente dos princpios
da funo social do imvel rural e da dignidade da pessoa humana far com que os
valores neles consagrados levem superao do legado proveniente da escravido e
dos fatores histricos que determinaram a concentrao fundiria, assim como levar
superao dos entraves provenientes da reestruturao produtiva, de forma a que a
regra passe a conter o fundamento desejado pela comunidade a que se destina.

3.2 PERSPECTIVAS PARA O RURCOLA EMPREGADO NO ESTADO DE GOIS

A sazonalidade do trabalho agrcola inerente sua prpria natureza. O


homem no detm o controle dos fenmenos naturais. O desenvolvimento tecnolgico,
em algumas situaes, consegue minimizar as consequncias advindas dos fenmenos
naturais, mas, no, elimin-las. Por outro lado, no que se refere ao emprego rural, a
mecanizao e a economia globalizada acentuaram a sua sazonalidade, porque a
necessidade do trabalho humano, que, na agricultura, por sua prpria natureza, j era
desigual em suas diversas fases, tornou-se ainda mais desigual.
A chegada das relaes capitalistas de produo ao campo trouxe consigo o
assalariamento do trabalhador rural, a sua proletarizao. As consequncias
decorrentes dessa proletarizao do trabalhador rural, em Gois, tendem a se
intensificarem, uma vez que, no Estado, predominam as relaes de assalariamento. O
campesinato goiano no tem a mesma representatividade na produo agrcola do
Estado que tem o campesinato de outros estados e regies do Pas, em especial, o
campesinato da Regio Sul. Assim, a anlise das perspectivas para o rurcola
empregado no Estado de Gois, h que considerar, necessariamente, esse contexto.
197

3.2.1 O rurcola empregado contratado por prazo indeterminado

A situao do rurcola empregado contratado por prazo indeterminado ,


dentre os rurcolas empregados, a que enseja menor preocupao, a despeito do
percentual altssimo de ausncia de registro da CTPS. Esses trabalhadores realizam
atividades cuja demanda ocorre durante todo o ano. Muitas vezes, exercem funes
mais qualificadas, como a de tratorista, por exemplo. Por se tratar de servio no
sazonal, costumam residir no local de trabalho, o que lhes propicia a manuteno da
vida no campo a que sempre estiveram acostumados. Ademais, essas atividades, cuja
exigncia de mo-de-obra permanente, e cuja execuo do trabalho no foi
substituda pela mquina, tendem a permanecer dessa forma, ou seja, no deve haver
diminuio significativa na demanda por esse tipo de trabalhador. A reduo que tinha
que haver j aconteceu.
No caso do rurcola contratado por prazo indeterminado, o maior problema
mesmo o registro do vnculo. Nos ltimos anos, houve um aumento no nmero de
registro de empregados rurais, mas, ainda assim, muito comum que o
produtor/empregador no assine a CTPS do empregado.
Conforme estatstica elaborada a partir da Relao Anual de Informaes
Sociais (RAIS), no ano de 2009, o Estado de Gois possua um total de 62.051
empregados rurais contratados por prazo indeterminado, sendo 10.726, contratados por
pessoa jurdica e 51.325, contratados por pessoa fsica (ANEXO A). Em 2008, esse
total era de 61.004 empregados, sendo 10.694, contratados por pessoa jurdica e
50.319, contratados por pessoa fsica (ANEXO B), o que demonstra um crescimento no
nmero de registros de 1,7% de 2008 para 2009. O aumento da contratao por pessoa
jurdica foi de, apenas, 0,29%, enquanto, por pessoa fsica, foi de 2,02%. Comparando
dados da RAIS de 2003 (ANEXO C) com a RAIS de 2009 (ANEXO A), v-se um
aumento no nmero de empregados com registro na CTPS, no percentual de 27,95%,
sendo 54,15%, relativos ao aumento da contratao por pessoa jurdica, e 23,55%,
relativos ao aumento da contratao por pessoa fsica, o que indica, que nesse perodo,
houve um crescimento significativo das empresas rurais pessoas jurdicas.
198

Porm, se se comparar os dados da RAIS de 2006 (ANEXO D) com os


dados da Pesquisa Nacional por amostra de domiclio (PNAD), tambm do ano de 2006
(ANEXO E), sem desconhecer as distores que existiro, haja vista a heterogeneidade
de critrios utilizados por uma e outra pesquisa, tem-se, pela PNAD, um nmero de
114.126 trabalhadores ocupados na agropecuria, sem CTPS assinada, ao passo que
a RAIS acusa, no mesmo ano, um total de 57.010 trabalhadores com registro em
carteira, includos os contratos por prazo indeterminado e os por prazo determinado, o
que evidencia que a omisso no registro da CTPS, nas relaes de emprego no campo,
muito grande.
A no assinatura da CTPS crime previsto no art. 297, 3, I, do CP, punvel
com pena de recluso de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Mas trata-se de um crime
relativamente ao qual no h efetividade na condenao. Melhor seria no tipificar
como criminosa, conduta em relao qual o bem jurdico possa ser protegido de
outro modo (NUCCI, 2009, p. 75). Isso porque, utilizar a opo legislativa penal nessas
situaes, leva banalizao da punio, o que a torna ineficaz, haja vista o seu no
cumprimento por aqueles a quem se destina e a sua no aplicao pelos rgos
estatais encarregados de faz-la eficaz. O direito penal ramo do direito subsidirio
aos demais, devendo ser imposto somente em situaes em que no seja possvel a
composio do conflito por outros meios jurdicos coibidores de prticas ilcitas (NUCCI,
2009, p. 75).

O direito penal considerado a ltima ratio, isto , a ltima cartada do sistema


legislativo, quando se entende que outra soluo no pode haver seno a
criao de lei penal incriminadora, impondo sano penal ao infrator (NUCCI,
2009, p. 74). [...] Enfim, o direito penal deve ser visto como subsidirio aos
demais ramos do Direito. Fracassando outras formas de punio e de
composio de conflitos, lana-se mo da lei penal para coibir comportamentos
desregrados, que possam lesionar bens jurdicos tutelados (destaques do
original) (NUCCI, 2009, p. 75).

Nesse caso, a valorao para a conduta tida como negativa, no vista pela
sociedade como suficientemente condenvel a ponto de ser considerada criminosa.
No que no se tenha o ilcito como grave, mas a sua gravidade no requer a
interveno do direito penal. As condutas tidas como criminosas so aquelas mais
199

fortemente rejeitadas pela sociedade. A punio criminal constitui um agravante da


punio civil, de forma tal que nem todo ilcito civil crime, mas a todo crime
corresponde um ilcito civil ou, melhor dizendo, um ilcito no penal. Mais salutar seria,
ento, uma efetiva aplicao de penalidades administrativas e uma efetiva fiscalizao
do cumprimento da lei.
Sob a tica da teoria tridimensional do direito, a escolha do legislador na
avaliao dos diversos caminhos ou solues normativas disponveis diante de uma
exigncia axiolgica relativa a essa situao de fato, terminou por ser demasiado
rigorosa, propiciando que, diferentemente do que se pretendia, ao invs de se punir
com rigor o cometimento da infrao, se leve o ordenamento jurdico ao descrdito.
Contudo, esse trabalhador empregado contratado por prazo indeterminado
no o que tem seus direitos mais desrespeitados. A questo da ausncia de registro
muito grave e deve ser coibida, at porque dificulta a percepo dos demais direitos
trabalhistas. Mas uma prtica que tem se reduzido e, desde que haja mais
informao, mais conscientizao e, tambm, mais efetividade na fiscalizao e
aplicao da respectiva punio, continuar reduzindo-se. E, o mais importante, para a
questo do rurcola contratado por prazo indeterminado, a soluo do problema
depende, apenas, de tornarem-se efetivas as previses legais existentes. J, no diz
respeito ao rurcola contratado por prazo determinado, o volante ou boia-fria, a questo
muito mais preocupante e a soluo muito mais difcil.

3.2.2 O rurcola empregado contratado por prazo determinado

O empregado rural contratado por prazo determinado o empregado safrista


(art. 14 da Lei n. 5.889/1973) ou o trabalhador rural por pequeno prazo (art. 14A da Lei
n. 5.889/1973).
O Estado de Gois tem 246 municpios, sendo que desses 246 municpios
54 possuem sindicato de trabalhadores rurais. No entanto, desses 54 sindicatos
somente os de Piracanjuba (ANEXO F), Itabera e Rio Verde firmaram conveno
prevendo a contratao nos termos da Lei n. 11.718/2008. Existem, tambm, acordos
coletivos firmados com as empresas MONSANTO E PIONER. V-se que o nmero de
200

convenes firmadas ainda muito pequeno. Segundo Jos Maria de Lima, Secretrio
de Assalariados da FETAEG, os patres ainda resistem em contratar na forma da lei
(LIMA, entrevista, 2010).
No caso dos trabalhadores cortadores de cana, os contratos firmados so
contratos de safra (ANEXO G). Nas lavouras de cana-de-acar, assim como nas de
caf, laranja, limo, figo, uva etc., que possuem ciclo produtivo longo, a safra
corresponde colheita (acepo restrita do termo safra).
A safra da cana diz respeito apenas ao perodo da colheita, que vai de abril a
novembro. Um produtor que se utiliza da mo-de-obra de 300 a 350 trabalhadores para
o plantio da cana, para o corte (safra) necessitar de aproximadamente 2.000. Em
2010, no Estado de Gois, a mo-de-obra envolvida no corte da cana foi de 15 a
18.000 trabalhadores, mas h poucos anos atrs (aproximadamente cinco anos atrs) o
corte da cana ocupava 50.000 rurcolas: a mecanizao est diminuindo a mo-de-obra
necessria aos tratos agrcolas (LIMA, entrevista, 2010).
No que se refere arregimentao de trabalhadores em outras regies ou
mesmo em outras unidades da Federao, outro grande problema que envolve os
rurcolas volantes, a questo melhorou bastante depois que as convenes passaram a
contemplar clusulas no sentido de que se devem contratar prioritariamente os
trabalhadores do prprio municpio e de municpios circunvizinhos (LIMA, entrevista,
2010).

Clusula dcima stima - Os empregadores rurais daro preferncia


contratao de trabalhadores dos municpios sedes das usinas e destilarias, do
local da cana plantada e dos municpios vizinhos, desde que estes
trabalhadores retornem ao seu municpio ao final da jornada diria de trabalho.
Pargrafo primeiro Para eventual contratao de trabalhadores em municpios
de outros Estados ou Regies, o empregador dever consultar previamente
(por escrito) os sindicatos de trabalhadores rurais dos municpios que compem
sua rea de produo quanto existncia ou no de mo-de-obra disponvel
para o trabalho na lavoura de cana e que esteja interessada em participar do
mencionado processo seletivo, ficando registrado que, nessa hiptese, o
empregador dar preferncia aos aprovados na seleo, na conformidade de
sua opo sem que isso implique em (sic) obrigatoriedade de contratao.
Pargrafo segundo Adotando o procedimento previsto no pargrafo anterior,
os sindicatos devero se pronunciar no prazo mximo de 5 (cinco) dias [...]
(CCT do setor canavieiro, 2010, ANEXO G).
201

A incluso, nas normas coletivas, de clusulas iguais ou semelhantes


transcrita, praticamente eliminou a utilizao de trabalhadores de outras regies no
Vale do So Patrcio. No caso, por exemplo, de Rubiataba, onde existem,
aproximadamente, 3.000 cortadores de cana, e o Municpio necessita, apenas, de cerca
de 50% desse nmero de trabalhadores, o excedente emprega-se nos vizinhos
municpios de Itapaci e Goiansia (LIMA, entrevista, 2010).
No que se refere ao contrato por prazo determinado de safra, a tendncia
de reduo na sua utilizao, haja vista a necessidade do trabalhador por um perodo
cada vez menor, o que leva utilizao do contrato de trabalhador rural por pequeno
prazo, cujas regras para formalizao do vnculo so mais simplificadas.
A nova figura do contrato de trabalhador rural por pequeno prazo, por sua
vez, adveio de uma reivindicao dos prprios empregados rurais e uma reao do
ordenamento jurdico trabalhista brasileiro s mudanas de organizao de um
capitalismo globalizado, da mesma forma que o , o consrcio de produtores rurais,
como se ver a seguir. Por isso, causa estranheza que os profissionais da rea jurdico-
trabalhista o vejam como forma de precarizao da relao de emprego, por subtrair
direitos desses mesmos empregados.
Ao invs de precarizao, mediante essa forma de contrato, busca-se
garantir ao rurcola que exerce atividades temporrias, as condies e direitos prprios
de um empregado, o que lhe vinha sendo negado, h muito tempo.
Por isso, contrariamente quase totalidade dos juristas que se tm
manifestado acerca dessa nova forma de contratao, entende-se, como Milton
HEINEN,66 que, pelo menos, o novo contrato a termo est possibilitando trazer para a
formalidade uma gama enorme de empregados que se encontravam completamente
margem do ordenamento jurdico, garantindo-lhes os direitos trabalhistas
proporcionalmente aos dias trabalhados.
Ao empregador, a nova forma de contratao propicia uma maior
permanncia no emprego, evitando que o empregado v trabalhar para outro produtor
que esteja pagando mais por tarefa executada.

66
V. Milton HEINEN, Trabalho rural: mudanas na realidade e inovaes na legislao, 2008.
202

Mas, sob alguns aspectos, as crticas nova lei tm razo de ser. Com
efeito, no havia necessidade de se criar uma nova forma de contratao, uma vez que
j existia a previso do contrato de safra, para situaes em que as atividades a serem
realizadas dependessem das variaes sazonais. Poder-se-ia, simplesmente, permitir a
contratao de forma simplificada naquelas situaes em que o contrato no
ultrapassasse dois meses.
Por outro lado, apesar de no ser objetivo deste estudo o aprofundamento na
discusso da constitucionalidade ou no da MP 410/2007, efetivamente, parece que ela
no atendia aos requisitos de relevncia e urgncia que autorizam a edio dessa
espcie normativa, ainda que, bvio, tenha havido pronunciamento do relator da MP
no Congresso (MENSAGENS 1040/2007, 00192/2997, converso da MP em lei),
acerca de terem sido preenchidos tais requisitos.
No entanto, quanto possvel existncia de vcio de inconstitucionalidade
material na MP e na Lei, por ferir o princpio da igualdade, adota-se posicionamento
divergente do expendido pelos autores citados no item 2.2.4.2.1 do segundo captulo.
A CTPS, com todo o respeito e significado que possa merecer e ter, no que
se refere conquista de direitos pelos trabalhadores empregados brasileiros, nada mais
do que a forma utilizada pelo legislador para assegurar esses direitos: um meio de
prova da existncia da relao de emprego. Tambm, um documento que contm toda
a vida profissional do empregado. Mas a CTPS, por si s, no cria ou extingue direitos.
Os direitos trabalhistas pr existem e existem independentemente da existncia da
CTPS. Tanto que, rotineiramente, so reconhecidos direitos pelo judicirio trabalhista,
relativamente a empregados que no tiveram seus vnculos de emprego anotados na
CTPS. Se a CTPS no cria ou extingue direitos, no se pode dizer que a sua no
exigncia gere situao de desigualdade entre trabalhadores. Ao contrrio do que se
tem afirmado, a Lei n. 11.718/2008 possibilitou trazer para uma situao de igualdade,
trabalhadores que estavam em condies desfavorecidas. Ademais, como forma de
comprovao da existncia do vnculo de emprego, a CTPS merece ser substituda por
instrumento mais moderno e, at mesmo, mais seguro e eficaz.
A simplificao trazida pela Lei n. 11.718/2008 salutar, porque permite a
formalizao de vnculos de emprego de trabalhadores que sempre estiveram na
203

informalidade. No se desconhece a possibilidade de que ocorram abusos e fraudes na


utilizao dessa forma de contratao, mas o importante que tais condutas sejam
coibidas. Destarte, no se pode negar que a nova lei, ainda que no seja a soluo
para o problema dos vnculos de emprego no campo, represente um alento para esses
trabalhadores empregados, que sempre estiveram to margem da efetiva proteo do
ordenamento jurdico.
Por outro lado, a situao do boia-fria ou volante, enfim, daquele que executa
atividades de carter temporrio no campo um exemplo tpico dos efeitos do
toyotismo ou da reestruturao produtiva nas atividades rurais. No que o boia-fria
tenha surgido na zona rural do Brasil na dcada de 1990. No. Como j exposto, o
xodo rural e a modernizao da agricultura foram os responsveis pelo aparecimento
do rurcola volante e, sendo assim, seu surgimento remonta segunda metade do
sculo XX, quando o processo de migrao campo-cidade teve incio, acentuando-se
nas dcadas de 1960-70, quando se deu a modernizao na produo agrria.
Portanto, o surgimento do rurcola volante antecede chamada reestruturao
produtiva, mas resultado da chegada do sistema capitalista ao campo. E, mais, se a
reestruturao produtiva no a responsvel pelo advento desse tipo de trabalho, em
razo dela que ele, no s se intensificou, como, tambm, tornou-se mais desumano.
O trabalho no campo muito diferente do trabalho na fbrica ou do trabalho
urbano de um modo geral. No se podem transportar para o campo modelos de
produo em srie ou de acumulao flexvel. Tambm no fcil transportar para o
campo modelos baseados no trabalho parcelado ou no trabalho em equipe. Mesmo
assim, a reestruturao produtiva manifesta-se no campo e esta manifestao d-se
por meio da flexibilizao, da terceirizao e da precarizao das relaes de emprego.
O que provoca a precarizao das relaes de emprego no campo o sistema
capitalista, sob as diversas formas pelas quais se estrutura e se reestrutura e, no, o
contrato de trabalhador rural por pequeno prazo, introduzido no ordenamento jurdico
pela Lei n. 11.718/2008. Por isso, no se pode dizer que esses trabalhadores tenham
tido quaisquer direitos suprimidos, porque, como bem salienta Milton HEINEN no se
desmantela o que sequer existe. [...] A regra predominante nas contrataes de
204

trabalhadores para servios sazonais no meio rural a completa informalidade


(HEINEN, 2008, p. 6).
A precarizao do trabalho rural d-se sob diversas formas e atinge, de
maneira mais crtica, o empregado que presta servios temporrios. O trabalhador rural
contratado por prazo determinado , pois, a questo mais preocupante dentre as
diversas formas de contratos de emprego no campo. No somente em razo do
contrato por termo certo, que, com certeza, oferece proteo menor do que o contrato
por prazo indeterminado, mas, principalmente, pelas dificuldades a que esse
trabalhador est sujeito.
Esse trabalhador, boia-fria ou volante, um trabalhador rural sem lugar: ou
reside no meio urbano e trabalha no campo rurbano; ou um permanente migrante
da zona rural, residindo em acampamentos improvisados; ou um pequeno agricultor
que se emprega ocasionalmente este, dentre eles, o que goza de melhores
condies.
Nesse contexto, no se vislumbra soluo vivel para esse tipo de
trabalhador, unicamente no mbito da legislao trabalhista. O contrato de trabalhador
rural por pequeno prazo representa, to-somente, um paliativo, j que est longe de ser
a soluo ideal, ainda que se reconhea que signifique um avano na tentativa de
melhoria das relaes de trabalho no campo. Mas, se por um lado, ele assegura os
direitos trabalhistas ao empregado, proporcionalmente ao nmero de dias trabalhados,
por outro, no fixa o homem ao campo; representa a regularizao do vnculo de
emprego apenas em certas pocas do ano; no propicia a criao de um vnculo de
emprego duradouro e perene, de forma a promover a verdadeira insero do
empregado na empresa; e, por isso, obriga esse rurcola a migrar para as cidades,
onde ele no tem trabalho nem lugar.
O contrato de trabalhador rural por pequeno prazo significa, to-somente,
uma forma de minimizar os problemas do rurcola que exerce atividades sazonais
Significa, to-somente, garantir a esse trabalhador os direitos trabalhistas mnimos,
assim como a contagem do tempo de servio para aposentadoria. Significa to-
somente conferir um mnimo de dignidade a esse trabalhador.
205

3.2.3 O empregado do consrcio simplificado de produtores rurais

O consrcio simplificado de produtores rurais, assim como o contrato de


trabalhador rural por pequeno prazo so novas formas de contratao do rurcola, por
meio das quais a lei procurou dar soluo para a informalidade do vnculo de emprego
no campo, especialmente, para o caso do vnculo de emprego por prazo determinado,
dos trabalhadores ditos boias-frias ou volantes.
Viviane Aparecida LEMES afirma que, enquanto no setor urbano as
empresas organizam-se nos moldes da descentralizao produtiva, em que a grande
empresa montadora concentra-se em seu negcio principal, delegando os negcios
perifricos s empresas especializadas em atividades, servios de apoio ou
fornecedoras de peas (destaque do original) (2005, p. 29-30), o consrcio de
empregadores rurais, no setor rural, indicaria uma tendncia contrria, com a ocorrncia
de um movimento centrpeto, uma vez que diversos produtores rurais, pessoas fsicas,
renem-se para contratar diretamente seus empregados. Acrescenta que por meio do
consrcio haveria a centralizao da fora de trabalho, que um dos fatores de
produo, propiciando ao produtor rural a reduo dos custos de produo e aos
empregados a plena satisfao dos direitos trabalhistas (2005, p. 30).
E conclui com a afirmao de que no meio rural, a modernizao da
agricultura, com a consequente aplicao de novas tecnologias no implicou a adoo
dos princpios toyotistas; que o trabalhador adaptou-se, sim, ao novo processo
produtivo, modernizao, substituio do animal pelo trator; porm, enquanto na
indstria, o trabalho quantificvel no tempo e no espao, sendo uniforme, repetitivo e
esttico; na agricultura, ele diversificado, alternativo e varivel (2005, p. 86), o que
possibilita a no adoo dos mencionados princpios toyotistas (2005, p. 30).
Em sentido inverso, posiciona-se Dorothe Suzane RDIGER,67 que analisa
o instituto do consrcio de empregadores sob a tica de um fenmeno ligado
reorganizao da sociedade global: a rede. Lana a tese de que o consrcio de

67
Dorothe Suzanne Rdiger foi orientadora da dissertao de mestrado de Viviane Aparecida Lemes
(RDIGER, 2005, p. 86).
206

empregadores [...] [seria] uma forma de rede68 com o objetivo nico de contratao e
de gerenciamento de trabalhadores para atividades econmicas rurais
individualizadas. E acrescenta que o consrcio abriga uma contradio fundamental,
um verdadeiro paradoxo existente nas redes: a presena concomitante da
fragmentao e da organizao (RDIGER, 2005, p. 86).
Argumenta, ainda, que, no campo, a conjugao dos fatores - exigncia do
mercado globalizado e as variaes dos ciclos naturais da produo agrcola tem
levado s mais variadas formas de contratao intermediada e de trabalho flexvel.
Afirma que o toyotismo, que carrega consigo o emprego flexvel e intermediado,
constitui, apenas, um dos aspectos da precariedade do trabalho rural, no se podendo
esquecer que cada cultura tem seu ciclo, que sofre a influncia de fatores climticos e
sazonais (RDIGER, 2005, p. 94).
Assim, segundo Dorothe Suzanne RDIGER, o consrcio de
empregadores rurais um exemplo manifesto para o fato de que o ordenamento
jurdico trabalhista brasileiro est reagindo s mudanas de organizao de um
capitalismo globalizado (2005, p. 88).
A elaborao e a viabilizao do consrcio decorreram de ideias propostas
por advogados trabalhistas, que logo foram abraadas por rgos do setor pblico,
especialmente pelo Ministrio Pblico do Trabalho e pelo Ministrio do Trabalho e
Emprego, porque facilitavam o cumprimento da legislao trabalhista. No fosse todo o
apoio e o incentivo desses rgos, inclusive na busca de soluo para as pendncias
junto previdncia social, teriam sido frustradas as tentativas de organizao do
consrcio.
No se vislumbra que o surgimento de tal instituto, no meio rural, signifique
que no esteja havendo a adoo de princpios toyotistas no campo. Trata-se, sim, de
tentativa, de fugir da adoo desses princpios, de forma a preservar as conquistas dos
trabalhadores empregados, e essa tentativa de fuga decorre, justamente, do fato de
que o toyotismo j chegou ao campo. No se v o consrcio como um movimento

68
Sociedade em rede um conceito referente nova sociedade em que o carter sistmico e a
interconeco abrangem toda a sociedade. uma nova forma de organizao que tende a crescer e
vir a predominar no mundo contemporneo (RUSCHEL; RAMOS JUNIOR, disponvel em:
<http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/TecnSocGlbAirtonRuschelHelioRamos[1].pdf>, acesso em: 02
set. 2010).
207

centrpeto, contrrio descentralizao toyotista, conforme defendido por Viviane


Aparecida LEMES. V-se o consrcio, to-somente, como uma fuga ou como uma
tbua de salvao, qual se agarram aqueles que buscam garantir a sobrevivncia dos
direitos trabalhistas, nesse mundo globalizado.
Nesse contexto, o consrcio significaria, sim, um tipo de rede que abriga ao
mesmo tempo a fragmentao e a organizao. A fragmentao decorrente da
descentralizao toyotista e a organizao advinda da reao a essa descentralizao.
Entende-se que apesar de a figura do empregador nico do consrcio, no
se enquadrar em nenhuma das possibilidades previstas no ordenamento jurdico, no
h maiores complicaes que possam advir desse fato. Ademais, a figura jurdica do
consrcio contempla inmeros aspectos positivos, o que, por si s, justifica a sua
manuteno na ordem jurdica.
Mas, a constituio do consrcio convive com problemas de difcil soluo,
no que diz respeito ao pacto de solidariedade entre os produtores/empregadores e no
que concerne necessidade de escalonamento da demanda por mo-de-obra. Quanto
ao pacto de solidariedade, ele ser possvel, apenas, em regies, cujos produtores j
se conhecem h bastante tempo, de forma que haja confiana entre eles. J no que se
refere ao escalonamento da demanda de mo-de-obra, trata-se de questo de ordem
prtica, de difcil soluo, j que, em uma mesma regio, comum o cultivo dos
mesmos produtos, o que em regra levar a que a demanda por mo-de-obra ocorra
mais ou menos mesma poca. Tratando-se do cultivo de produtos diferentes, tambm
no fcil administrar esse escalonamento, o que poder inviabilizar a prpria
existncia do consrcio.
Portanto, o consrcio convive como uma dificuldade de ordem prtica (o
escalonamento da demanda de mo-de-obra) e com outra de ordem jurdica (o pacto
de solidariedade). Talvez por isso, como visto no captulo anterior, aps o entusiasmo
inicial, a criao de novos consrcios de produtores rurais arrefeceu. Mesmo
inicialmente, foi visto que, no Estado de So Paulo, no foram gerados os empregos
esperados (300.000).
A Superintendncia Regional do Trabalho em Gois, por meio de e-mail,
(MTE, 2010) informou a existncia, no Estado, em 2010, de um nico consrcio, no
208

Municpio de Goiatuba, sendo que, em 2002, havia dois consrcios no Estado de Gois,
conforme informa Daniel Botelho RABELO69, e, em 2005, tambm havia dois
consrcios, conforme noticia Maurcio Antnio Csar VILLATORE70. Por esses dados,
v-se que houve uma reduo no nmero de consrcios no Estado de Gois, onde,
essa forma de contratao, no chegou a empolgar os produtores rurais como
empolgou nos estados de So Paulo, Paran e Minas Gerais.
Assim, a previso da possibilidade de contratao no campo, por intermdio
do consrcio de produtores rurais, permanece na legislao e deve mesmo
permanecer, razo pela qual, podero ser constitudos novos consrcios e criados
empregos rurais por meio deles. Igualmente, no se discute que o consrcio oferea
inmeras vantagens, quer para o empregado, quer para o empregador, quer para o
prprio Estado. Porm, no se veem perspectivas de que ele venha a se tornar a
soluo para a questo do emprego temporrio no campo, seja pelas dificuldades
apontadas, seja porque, talvez, como consequncia dessas prprias dificuldades, a
adoo desse tipo de contratao, aps um entusiasmo inicial, no esteja mais
seduzindo os produtores/empregadores.

3.2.4 O rurcola empregado no contexto amplo de todos os trabalhadores rurais

Os direitos assegurados aos trabalhadores empregados e o prprio direito do


trabalho nasceram da luta dos trabalhadores por melhores condies de trabalho nas
indstrias, na Europa do sculo XVIII. Portanto, os direitos trabalhistas representam
uma conquista dos trabalhadores contra a explorao capitalista. O capitalismo separa
o homem dos meios de produo. No que se refere ao trabalhador urbano, essa
separao no se fez sentir de forma to brusca, porque as cidades, assim como o
proletariado urbano, so frutos do prprio capitalismo. A urbanizao sempre esteve
relacionada com o sistema capitalista, desde sua formao at a sua identidade atual,
ainda em processo de evoluo e transformao (MORATO, 2003, p. 15).

69
V. Daniel Botelho RABELO, O consrcio de empregadores no direito brasileiro, 2007, p. 68.
70
V. Maurcio Antnio Csar VILLATORE, Consrcio simplificado de empregadores rurais, 2005, p. 433.
209

J no que se refere ao trabalhador rural, a chegada do capitalismo, com a


proletarizao do campons e com a consequente separao deste trabalhador dos
meios de produo, especialmente da terra, implicou transformaes em uma forma
milenar de organizao social. Isso porque, o homem do campo, no decorrer da
histria, tradicionalmente, deteve a fora de trabalho e os meios de produo, inclusive
e, principalmente, a terra. Mas quando o capitalismo chegou ao campo, essa forma de
organizao modificou-se.

Em se tratando de formaes sociais capitalistas, estas relaes se definem,


tendo de um lado a classe dos detentores dos meios de produo, compradores
da fora de trabalho, e de outro a classe que, desprovida desses meios de
produo, obrigada a vender sua fora de trabalho para sobreviver (DINCO
E MELLO, 1978, p. 48).

Capitalistas so, ento, todas as pessoas possuidoras de capital. Na


agricultura, capitalistas so as pessoas que adquirem terras e outros meios de
produo e contratam terceiros, trabalhadores, para lhes prestarem servio. Ou seja, a
relao de trabalho entre o capitalista e o seu empregado baseia-se na explorao do
trabalho alheio, diferentemente do trabalho do campons, em que o grupo trabalha para
si mesmo (DINCO E MELLO).
Assim, os direitos trabalhistas dos trabalhadores rurais, da mesma forma que
os dos trabalhadores urbanos, asseguram a eles uma proteo mnima contra a
explorao capitalista. E no campo, essa diviso, que coloca de um lado os detentores
dos meios de produo e, de outro, os detentores da fora de trabalho, extremamente
lesiva.
Por isso, se, por um lado, seria utpico crer que se possam eliminar as
formas capitalistas de explorao e produo agrrias, da mesma forma que seria
utpico imaginar que se possa voltar a uma situao de existncia de uma populao
predominantemente rural (para que isso ocorra, haveria necessidade de
transformaes muito mais profundas), por outro, necessrio que se tenha
conscincia de que, os direitos trabalhistas, os direitos assegurados a esse proletrio
rural, o empregado, representam, to-somente, a conquista de uma proteo contra a
explorao da mo-de-obra pelo capital. Da mesma forma, necessrio que se tenha
210

conscincia de que os avanos tecnolgicos levam reduo da necessidade de mo-


de-obra no campo e de que no seria lgico, ou sequer possvel, deter esse avano
tecnolgico.
O que se faz necessrio disciplinar o avano tecnolgico e, por que no, o
prprio capitalismo, de forma a que no causem tantos danos ao ser humano. Por outro
lado, no se pode pensar a questo do trabalhador rural, sob uma tica unicamente do
trabalhador empregado, sob a tica unicamente dessa classe proletria rural. Ainda que
a proposta desta dissertao esteja voltada para o empregado rural, no h como se
proceder a uma anlise da questo do emprego no campo, de forma isolada. No h
como se pensar o rurcola empregado, sem que ele seja visto como integrante de uma
categoria maior: o trabalhador rural, sob as modalidades de trabalhador autnomo e de
trabalhador subordinado.
A soluo para os problemas do trabalhador rural demanda intervenes
outras, que fogem ao mbito do Direito do Trabalho e, extrapolam, inclusive, o mundo
jurdico. E, em sendo assim, a soluo para os problemas do trabalhador rural no
depende, apenas, da edio de novas leis que lhe assegurem direitos trabalhistas.
O mais grave problema do empregado rural reside, justamente, no trabalho
do empregado volante ou boia-fria ou qualquer denominao que se lhe d. O
empregado dito permanente poder ter solucionadas as suas questes legais-
trabalhistas mais facilmente.
No que se refere ao rurcola volante, no h como se pensar em soluo
para o campo sem que se altere a estrutura fundiria. premente que se promova a
melhoria da distribuio fundiria. S assim poder-se- fixar um maior nmero de
pessoas no campo. S assim, evitar-se- a existncia de nmero to significativo de
trabalhadores rurais volantes, de trabalhadores rurbanos, que foram expulsos do
campo, sem que fossem absorvidos pelas cidades, vindo a formar uma imensa massa
de seres humanos sem lugar, sem lar, sem terra.
211

CONCLUSO

Estrutura fundiria latifundiria, produo agrcola baseada na monocultura


voltada para o mercado externo e escravismo so os legados histricos que repercutem
na questo agrria vivenciada hoje no Pas, e, em especial, na condio do trabalhador
rural, tanto o autnomo, quanto o subordinado.
Aliados a esses trs fatores principais, tm-se um brutal processo de
migrao campo-cidade e um processo de modernizao agrcola realizado
tardiamente, no qual se optou por um modelo que no contemplava reforma agrria e
estimulava a especulao imobiliria.
Desde a edio do ETR, em 1963, revogado dez anos depois, e substitudo
pela Lei n. 5.889/1973, ainda em vigor, passando pela Constituio da Repblica de
1988, que igualou os direitos trabalhistas de empregados urbanos e rurais, at os dias
de hoje, o desrespeito aos direitos do empregado rural permaneceu uma constante.
Sequer a obrigao de formalizar o vnculo de emprego adimplida.
Na ltima dcada, com as mudanas advindas da nova reestruturao do
capital, a agroindstria difundiu-se e, a chegada de prticas toyotistas ao campo
levaram precarizao do emprego, via flexibilizao, terceirizao e
desregulamentao, que agravaram, ainda mais, a situao do empregado rural.
Neste contexto, as duas leis editadas nos ltimos anos, prevendo novas
formas de contratos de emprego no campo, representam uma reao do ordenamento
jurdico a esse agravamento da precarizao do emprego no campo e servem to-
somente de paliativos, insuficientes para solucionar os problemas do rurcola
empregado.
As duas novas formas de contratao buscam solucionar, em especial, a
questo do rurcola que trabalha em atividades temporrias, que o empregado rural
mais prejudicado por essa conjuntura. Criam mecanismos para assegurar os direitos
trabalhistas a um tipo de trabalhador que estava completamente margem da proteo
legal.
A primeira dessas leis, a que regulamenta o consrcio simplificado de
produtores rurais (Lei n. 10.256/2001), a despeito de apresentar inmeras vantagens,
212

quer sob a tica do empregado, quer sob a tica do Estado, quer sob a tica do
empregador, de difcil viabilizao. Para sua formao, imprescindvel a realizao
de um pacto de solidariedade entre os produtores que iro integr-lo. Depende da
existncia de fidcia entre esses produtores. Por outro lado, demanda alto nvel de
organizao e, at mesmo, uma correta combinao de produtos a serem cultivados
por cada empregador, ou de poca de plantio, de forma a permitir um escalonamento
na utilizao da mo-de-obra comum. Essas dificuldades fizeram com que, decorridos
pouco mais de dez anos de seu surgimento, a utilizao dessa modalidade de
contratao no tenha correspondido s expectativas nela inicialmente depositadas e o
interesse por ela tenha se arrefecido.
A segunda lei (Lei n. 11.718/2008), regulamentadora do contrato de
trabalhador rural por pequeno prazo, garante ao empregado os direitos trabalhistas
relativos aos dias trabalhados, mesmo que em nmero inferior ao de uma quinzena,
alm de simplificar a formalizao do vnculo para o empregador, com a dispensa da
assinatura da CTPS, quando h previso em norma coletiva. Mas, assim como o
consrcio, no tem tido utilizao significativa pelos produtores rurais, o que se
evidencia pelo pequeno nmero de convenes e acordos coletivos firmados no Estado
de Gois, com clusulas que o prevejam.
Como se v, as duas novas formas de contrato de emprego, pensadas e
implementadas na tentativa de solucionar o problema do empregado rural, mais
especificamente do rurcola contratado por prazo determinado o volante ou boia-fria ,
no atingiram seu intento e, apenas, amenizaram os problemas desse trabalhador.
A no-formalizao do vnculo de emprego no campo uma constante. Se o
empregado rural temporrio o mais lesado em seus direitos, o empregado
permanente tambm no v formalizado o seu contrato de emprego.
No que se refere questo fundiria, propriamente dita, e reforma agrria,
o ET, editado durante a ditadura militar, , at hoje, a legislao mais avanada de que
o Pas dispe. A no-realizao de uma melhor redistribuio fundiria decorre muito
mais da ausncia de vontade poltica em fazer valer o ET, do que do prprio
instrumento legal.
213

Ademais, a Constituio da Repblica de 1988 contemplou, em seu texto,


mecanismos que possibilitam a realizao da reforma agrria. Contudo, no se pode
olvidar de que, a lei maior contm uma antinomia quando, ao mesmo tempo em que
prev a desapropriao do imvel rural que no atenda sua funo social (art. 184 e
186), dispe que a propriedade produtiva insuscetvel de desapropriao para fim de
reforma agrria (art. 185), ignorando que o fato, por si s, de ser produtivo o imvel
rural, no implica o cumprimento da funo social.
Entretanto, a par dessa contradio, o Pas dispe, hoje, de leis
regulamentando a matria, quer sob a tica do trabalhador, quer sob a tica da
repartio da terra. O problema no reside na normatividade e, sim, na efetividade
dessas normas. necessrio que haja deciso poltica, no sentido de tornar efetivo o
princpio da funo social do imvel rural e, por consequncia, tornar efetivas as
normas que regulamentam as relaes de trabalho no campo. E, a efetividade das
normas jurdicas vincula-se s questes fticas que envolvem a sua formao.
Quando da edio do j revogado ETR, primeiro diploma legislativo nacional
a tratar da matria, houve uma tomada de posio, no sentido de que a questo central
no campo seria a extenso dos direitos trabalhistas aos rurcolas, e, no, a realizao
de reforma agrria, ou seja, tomou-se uma posio descampesinista ou
71
anticampesinista.
A edio do ETR representou, pois, uma forma de arrefecer a luta
camponesa, desviando o foco da discusso, at ento centrada na reforma agrria,
para a garantia de direitos trabalhistas.
Ocorre que a questo do emprego no campo no lograr ser solucionada
unicamente com formulaes no mbito do Direito do Trabalho.
O trabalho no campo convive com diversos tipos de dificuldades.
Primeiramente, convive com dificuldades prprias da atividade agrria, como a oferta de
trabalho vinculada sazonalidade e aos efeitos dos fenmenos da natureza. Em
segundo lugar, convive com dificuldades que decorrem das relaes capitalistas de
produo que se impem ao mundo contemporneo, a nova reestruturao do capital
no campo, que no peculiar ao Estado brasileiro.

71
V. nota 9, p. 48.
214

No Brasil, os problemas prprios da atividade agrria e aqueles decorrentes


de uma economia globalizada somam-se s dificuldades peculiares ao contexto
vivenciado pelo Pas, decorrentes do processo histrico (m distribuio fundiria,
prticas anlogas s de escravido e s de servido e cultura de desrespeito aos
direitos do trabalhador rural), tornando ainda mais perversa a condio do homem do
campo. Todas essas questes so aspectos fticos que tm interferido na efetividade
das normas que regulam o emprego no campo.
Por outro lado, a sobrevivncia e, at mesmo o crescimento do campesinato
- agricultura familiar, como vem sendo denominado-, concomitantemente introduo
das relaes capitalistas de produo na agricultura, fenmeno que no se restringe
ao Brasil. Decorre de uma contradio prpria do capital que cria e recria relaes no
capitalistas de produo e delas se alimenta.
Isso confirmado pela verificao de que, no Brasil, a despeito de todas as
mazelas do campo, a agricultura familiar tem significativa representatividade. Como se
demonstrou, o nmero de estabelecimentos de agricultura familiar maior do que o de
grande propriedade (apesar de ser muito menor em rea ocupada). Igualmente, a
agricultura familiar responsvel por mais da metade do pessoal ocupado na zona rural
e por grande parte da produo de alimentos.
Na Regio Sul do Pas, onde o campesinato melhor estruturado, em
decorrncia mesmo das diferenas histricas (j que no Sul, a colonizao italiana e
alem, levou formao de uma estrutura fundiria baseada mais no campesinato do
que na propriedade latifundiria), a agricultura familiar apresenta grande produo e
alto grau de produtividade, alm de ser dinmica e variada.
Depreende-se da, que onde o campesinato mais bem estruturado, ele
convive melhor com os efeitos do avano das relaes de capital no campo. Seria
utpico pensar que, em um mundo globalizado, seja possvel eliminar, isoladamente, as
formas capitalistas de produo. Contudo, no utpico almejar que se criem
protees ao avano do capital. E o fortalecimento do campesinato ou da agricultura
familiar um dos mecanismos capazes de propiciar esse tipo de proteo.
Um campesinato melhor estruturado melhora, tambm, a situao do
proletariado rural, cuja existncia decorre da introduo das relaes de capital no
215

campo. Isso porque, como foi demonstrado, os trabalhadores da agricultura familiar,


trabalham para terceiros como assalariados, em determinadas perodos ano. Portanto,
o crescimento e o fortalecimento da agricultura familiar implicariam a fixao de um
maior nmero de pessoas no campo. Esses camponeses trabalhariam no s no seu
pedao de terra, como, tambm, serviriam de mo-de-obra para a grande propriedade e
para a agroindstria. Disso resultaria uma diminuio de trabalhadores volantes, de
boias-frias, de trabalhadores rurbanos, que necessitam morar nas cidades e trabalhar
ora no campo, ora na cidade.
Porm, para se fazer crescer e fortalecer o campesinato faz-se necessria a
realizao de reforma agrria, a alterao na estrutura fundiria.
Os direitos trabalhistas, pelos quais se luta tanto, representam, to-somente,
uma garantia mnima contra a explorao capitalista. Se o proletariado urbano nasceu
com o capitalismo, ou seja, s existe onde existem relaes capitalistas de trabalho, a
produo agrcola e o trabalho no campo so pr-existentes ao surgimento das
relaes capitalistas de produo e realizam-se de forma plena independentemente da
existncia dessas relaes capitalistas de produo. Portanto, no se deve pensar em
soluo para o trabalhador rural lato senso, que no abranja um universo maior de
mudanas. Pretender que o trabalhador rural seja todo ele um proletrio, um
assalariado rural, almejar muito pouco para o homem do campo brasileiro.
Por isso essencial que se promova a reforma agrria, de forma a fortalecer
e fazer crescer o campesinato. O emprego no campo no iria desaparecer, porque,
para que isso ocorresse, seria necessrio eliminar, na agricultura, as relaes
capitalistas de produo. Porm, o tamanho desse proletariado rural reduzir-se-ia.
Fixar-se-ia no campo um contingente populacional maior e se atenderia melhor
funo social do imvel rural. Por fim, conferir-se-ia dignidade pessoa do trabalhador
rural.
Almejar que a lei contemple os valores constitucionalmente consagrados do
cumprimento da funo social do imvel rural e da dignidade da pessoa humana
constitui o polo positivo do agir, porque a essncia do valor superar sempre a
realidade e princpios constitucionais so normas carregadas de carga valorativa.
216

As afirmaes feitas at agora, aplicam-se ao Brasil e ao Estado de Gois,


uma vez que o processo histrico vivenciado pelo Estado de Gois semelhante ao
vivenciado pelo Brasil e a legislao trabalhista Federal, portanto, impe-se em todo o
Pas.
Contudo, no Estado de Gois, assim como em toda a Regio Centro-Oeste,
a situao , ainda, mais grave. Dentre todas as regies do Pas, o Centro-Oeste a
que possui um campesinato menos representativo. Por isso, mais necessrio, ainda,
conter, no Estado de Gois, a expanso da agroindstria e da grande propriedade rural,
assim como, mais premente desenvolver e fortalecer o campesinato. Os nmeros dos
investimentos previstos no Estado para o perodo de 2010-2013, que demonstram que
53,54% (cinquenta e trs inteiros e cinquenta e quatro centsimos por cento) desses
investimentos sero na produo da cana-de-acar e do etanol, por si s, j
demonstram quo necessria uma mudana de rumos, no que se refere ao avano da
agroindstria e da grande propriedade.
Em resumo, no que diz respeito s leis trabalhistas, necessrio torn-las
efetivas; e, para que isso acontea, devem ser minimizadas, ao mximo, as dificuldades
do trabalhador rural, decorrentes do processo histrico brasileiro; a melhor forma de
minimizar esses problemas peculiares ao Estado brasileiro com a promoo do
crescimento e do fortalecimento da agricultura familiar; e, para se promover o
crescimento e o fortalecimento do campesinato necessria a realizao de reforma
agrria.
Esse conjunto de transformaes no campo reduziria, tambm, o
assalariamento no campo, o que deve ser buscado, especialmente, por duas razes: a
primeira, porque o nmero de empregos no campo tende a se reduzir em razo da
mecanizao das atividades agrcolas, da a reduo da oferta de mo-de-obra
assalariada evitaria o crescimento do desemprego no campo e a ocorrncia de mais
migrao campo-cidade (ademais, o crescimento do campesinato demandar uma
maior necessidade de mo-de-obra); a segunda, porque no se deve almejar para o
trabalhador do campo, apenas, a condio de assalariado, ainda que devam lhe ser
garantidos os direitos trabalhistas quando ele estiver trabalhando nessa condio.
217

A questo do emprego no campo, como se demonstrou, bastante


complexa. Faz-se necessrio o cumprimento das disposies que regulam as relaes
de trabalho no campo, para que, cumpridos, tambm, os demais requisitos
constitucionais, a terra exera sua funo social. Faz-se necessrio, portanto, tornar
efetiva a legislao trabalhista. Mas, to-somente o cumprimento da legislao
trabalhista no ser suficiente a que se confira dignidade ao trabalhador rural. Para
tanto, necessrio que se promova uma melhor repartio fundiria.
218

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230

APNDICE A

ENTREVISTA JOS MARIA DE LIMA (Secretrio de Assalariados da FETAEG)

Dia 10/11/2010, s 9h00, na sede da FETAEG


Questionado por mim, acerca da utilizao do contrato de trabalhador rural por pequeno
prazo (Lei n. 11.718/2008), o Sr. Jos Maria prestou os seguintes esclarecimentos:
1) Que os patres ainda resistem em contratar na forma da lei;

2) Que existem convenes prevendo a contratao na forma da Lei n.


11.718/2008, nos municpios de Piracanjuba (lavoura branca), Itabera, Rio
Verde (municpio e Perdigo integrado oito municpios), e acordos coletivos
com a Pioner e com a Monsanto;

3) Que a conveno de Piracanjuba est vencida e a renovao ser no dia 18/11;

4) Que a safra da cana diz respeito apenas ao perodo da colheita; que da 2


quinzena de janeiro at comeo de abril ocorre o corte de muda e o plantio; que
a safra (colheita) ocorre de abril a novembro; que um produtor que se utiliza da
mo-de-obra de 300/350 trabalhadores para o plantio, no corte necessitar de
aproximadamente 2.000 trabalhadores;

5) Que em 2010, no Estado de Gois, a mo-de-obra envolvida no corte da cana foi


de 15 a 18.000 trabalhadores; que h poucos anos atrs -5 anos- eram
necessrios 50.000;

6) Que as convenes contm clusulas no sentido de que devem ser contratados


primeiramente os trabalhadores do municpio e municpios vizinhos; que essa
clusula reduziu muito a arregimentao de trabalhadores de outros locais e, at,
de outros estados;

7) Que no Vale do So Patrcio est praticamente eliminada a arregimentao; que


o Municpio de Rubiataba possui 3.000 cortadores de cana e como essa mo-de-
obra no utilizada toda ela no Municpio, que utiliza aproximadamente 50%
desse total, Rubiataba fornece trabalhadores para Itapaci e Goiansia;

8) Que o pequeno agricultor/agricultor familiar emprega-se, somente, na poca do


corte;

9) Que em 2010 Gois possui 32 usinas moendo, ao passo que h seis anos atrs,
eram apenas quatorze.

Jos Maria de Lima


231

ANEXO A
Gois - Nmero de Empregos em 31/12/09 segundo o Setor de Atividade
Econmica por Situao do Vnculo na rea Rural

CLT R/PF IND


- 25 -
CLT R/PJ IND - CLT R/PJ CLT R/PF
Trabalhador
20 - DET - 70 - DET - 75 -
rural
Trabalhador Trabalhado Trabalhad
vinculado a
rural vinculado r rural or rural
empregador
a empregador regido pela regido
pessoa fsica
pessoa juridica CLT pela CLT TOTA
Setor de Atividade Econmica por contrato
por contrato de vinculado a vinculado L
de trabalho
trabalho regido pessoa a pessoa
regido pela
pela Lei nr. juridica por fisica por
Lei nr.
5.889/73, por Tempo tempo
5.889/73, por
prazo determinad determina
prazo
indeterminado. o. do
indeterminad
o.
EXTR MINERAL - Extrativa mineral 93 135 0 3 231
IND TRANSF - Industria de
transformacao 3.840 107 1.149 2 5.098
SERV IND UP - Servicos industr de
utilidade publica 0 0 0 0 0
CONSTR CIVIL - Construcao civil 263 17 0 1 281
COMERCIO - Comercio 1.094 33 18 0 1.145
SERVICOS - Servicos 1.418 617 24 9 2.068
ADM PUBLICA - Administracao
publica 7 0 2 0 9
AGROPECUARIA - Agropecuar, 55.51
extr vegetal, caca e pesca 4.011 50.416 233 858 8
OUTR/IGN - Outros/ignorado 0 0 0 0 0
64.35
Total 10.726 51.325 1.426 873 0

Fonte: RAIS/2009 - MTE

Brasil - Nmero de Empregos em 31/12/09 segundo o Setor de Ativdade


Econmica por Situao do Vnculo na rea Rural
232

CLT R/PF IND


- 25 -
CLT R/PJ IND - CLT R/PJ CLT R/PF
Trabalhador
20 - DET - 70 - DET - 75 -
rural
Trabalhador Trabalhado Trabalhad
vinculado a
rural vinculado r rural or rural
empregador
a empregador regido pela regido
pessoa fsica
pessoa juridica CLT pela CLT TOTA
Setor de Atividade Econmica por contrato
por contrato de vinculado a vinculado L
de trabalho
trabalho regido pessoa a pessoa
regido pela
pela Lei nr. juridica por fisica por
Lei nr.
5.889/73, por Tempo tempo
5.889/73, por
prazo determinad determina
prazo
indeterminado. o. do
indeterminad
o.
EXTR MINERAL - Extrativa mineral 1.122 332 10 3 1.467
IND TRANSF - Industria de 197.4
transformacao 173.886 928 22.591 6 11
SERV IND UP - Servicos industr de
utilidade publica 136 6 3 0 145
CONSTR CIVIL - Construcao civil 1.780 902 69 45 2.796
15.08
COMERCIO - Comercio 13.516 1.235 321 13 5
34.90
SERVICOS - Servicos 27.526 6.425 764 189 4
ADM PUBLICA - Administracao
publica 1.106 7 16 0 1.129
AGROPECUARIA - Agropecuar, 1.046
extr vegetal, caca e pesca 199.613 791.228 30.185 25.209 .235
OUTR/IGN - Outros/ignorado 0 0 0 0 0
1.299
Total 418.685 801.063 53.959 25.465 .172

Fonte: RAIS/2009 - MTE


233

ANEXO - B
(INFORMAES EXTRADAS DA RAIS DO ANO DE 2008 FONTE MTE)

CLT CLT CLT CLT


R/PJ R/PF R/PJ R/PF
IND IND DET DET TOTAL
EXTR MINERAL - Extrativa mineral 64 182 0 0 246
IND TRANSF - Industria de transformacao 4.565 108 1.168 0 5.841
SERV IND UP - Servicos industr de utilidade
publica 0 0 0 3 3
CONSTR CIVIL - Construcao civil 196 35 3 20 254
COMERCIO - Comercio 1.000 51 2 2 1.055
SERVICOS - Servicos 1.126 531 18 21 1.696
ADM PUBLICA - Administracao publica 4 0 2 0 6
AGROPECUARIA - Agropecuar, extr vegetal,
caca e pesca 3.739 49.403 72 1.057 54.271
OUTR/IGN - Outros/ignorado 0 0 0 0 0
Total 10.694 50.310 1.265 1.103 63.372
234

ANEXO - C
(INFORMAES EXTRADAS DA RAIS DO ANO DE 2003 FONTE MTE)

CLT R/PJ CLT R/PF CLT R/PJ CLT R/PF


IND IND DET DET TOTAL
EXTR MINERAL - Extrativa mineral 89 142 0 0 231
IND TRANSF - Industria de transformao 1.340 25 681 37 2.083
SERV IND UP - Servicos industr de utilidade
publica 3 6 0 0 9
CONSTR CIVIL - Construcao civil 54 48 0 1 103
COMERCIO Comercio 496 56 8 0 560
SERVICOS Servicos 843 536 5 11 1.395
ADM PUBLICA - Administracao publica 51 1 0 0 52
AGROPECUARIA - Agropecuar, extr vegetal,
caca e pesca 4.082 40.725 33 283 45.123
OUTR/IGN - Outros/ignorado 0 0 0 0 0
Total 6.958 41.539 727 332 49.556
235

ANEXO - D
(INFORMAES EXTRADAS DA RAIS DO ANO DE 2006 FONTE MTE)

CLT R/PJ CLT R/PF CLT R/PJ CLT R/PF


IND IND DET DET TOTAL
EXTR MINERAL - Extrativa mineral 55 137 0 0 192
IND TRANSF - Industria de transformacao 2.682 77 1.610 4 4.373
SERV IND UP - Servicos industr de utilidade publica 7 0 0 0 7
CONSTR CIVIL - Construcao civil 69 41 1 0 111
COMERCIO - Comercio 525 45 3 0 573
SERVICOS - Servicos 788 418 16 6 1.228
ADM PUBLICA - Administracao publica 2 0 1 0 3
AGROPECUARIA - Agropecuar, extr vegetal, caca e
pesca 3.844 45.350 120 1.209 50.523
OUTR/IGN - Outros/ignorado 0 0 0 0 0
Total 7.972 46.068 1.751 1.219 57.010
236

ANEXO - E
(INFORMAES EXTRADAS DA PNAD/2006 FONTE PNAD-IBGE)
PNAD/2006 NMERO DE OCUPADOS SEM CARTEIRA ASSINADA POR SETOR DE ATIVIDADE ECONMICA, DIVISO CNAE E U.F.
SETORES DE ATIVIDADES ECONMICAS DIVISO CNAE GO
AGRCOLA AGRICULTURA, PECURIA E SERVIOS 111.004
RELACIONADOS COM ESSAS ATIVIDADES
AGRCOLA SILVICULTURA, EXPLORAO FLORESTAL E 3.122
SERVIOS RELACIONADOS COM ESSAS
ATIVIDADES
AGRCOLA PESCA, AQUICULTURA E ATIVIDADES DOS
SERVIOS RELACIONADOS COM ESSAS
ATIVIDADES
AGRCOLA TOTAL TOTAL 114.126
237

ANEXO - F
(CONVENO COLETIVA DE TRABALHO 2009/2010)

NMERO DE REGISTRO NO MTE: GO000593/2009


DATA DE REGISTRO NO MTE: 04/12/2009
NMERO DA SOLICITAO: MR050598/2009
NMERO DO PROCESSO: 46208.010476/2009-70
DATA DO PROTOCOLO: 19/11/2009

SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS PIRACANJUBA PROFESSOR


JAMIL E SANTA CRUZ DE GOIAS, CNPJ n. 02.207.314/0001-95, neste ato representado(a) por seu
Presidente, Sr(a). DORISLENA LUIZA FERREIRA;
E
SINDICATO RURAL DE PIRACANJUBA, CNPJ n. 01.245.413/0001-07, neste ato representado(a) por
seu Presidente, Sr(a). EDUARDO DE SOUZA IWASSE;
celebram a presente CONVENO COLETIVA DE TRABALHO, estipulando as condies de trabalho
previstas nas clusulas seguintes:

CLUSULA PRIMEIRA - VIGNCIA E DATA-BASE

As partes fixam a vigncia da presente Conveno Coletiva de Trabalho no perodo de 1 de outubro de


2009 a 30 de setembro de 2010 e a data-base da categoria em 1 de outubro.

CLUSULA SEGUNDA ABRANGNCIA

A presente Conveno Coletiva de Trabalho abranger a(s) categoria(s) dos empregados rurais em
atividades de safra,, com abrangncia territorial em Piracanjuba/GO.

Salrios, Reajustes e Pagamento

Piso Salarial

CLUSULA TERCEIRA - PISO SALARIAL

O piso salarial dos empregados contratados para atividades de safra, mediante contrato individual ou
coletivo, nunca ser inferior a R$ 817,50(Oitocentos e Dezessete Reais e Cinquenta Centavos)
correspondendo a R$ 27,25 (Vinte e Sete Reais e Vinte e Cinco Centavos) por dia.

CLUSULA QUARTA - DIRIA MNIMA NA JORNADA RESUZIDA

Aos empregados que prestarem servios somente em parte do dia, por exigncia do empregador, da
natureza do prprio trabalho ou por qualquer outro motivo alheio vontade do empregado, portanto, no
perfazendo as oito horas dirias, garantida a remunerao nunca inferior a diria estabelecida nesta
Conveno.

Reajustes/Correes Salariais

CLUSULA QUINTA - REAJUSTE SALARIAL


238

Os salrios dos empregados abrangidos por esta Conveno sero reajustados em conformidade com a
poltica salarial vigente.

Pagamento de Salrio Formas e Prazos

CLUSULA SEXTA - PAGAMENTO DO SALRIO

O pagamento do salrio dos empregados ser efetuado semanal ou quinzenal, conforme o costume j
praticado, sendo que os empregados contratados por safra recebero o pagamento semanalmente. Em
qualquer hiptese o pagamento dever ser efetuado em dias e horrios que observem as disposies
legais.

Pargrafo nico Aos empregados safristas dispensados antes do trmino da jornada semanal de
trabalho, garantido o pagamento de suas verbas no ato da dispensa, devendo o documento de
quitao discriminar, entre outras, as verbas proporcionais referentes a RSR, Frias com acrscimo de
1/3, 13 Salrio e FGTS.

Salrio produo ou tarefa

CLUSULA STIMA - SALRIO POR PRODUO

O valor do trabalho por produo (metro, kg, caixa, arroba, ou outra medida de aferimento da quantidade
trabalhada) ser previamente combinado entre as partes e dever obedecer aos valores mnimos abaixo
estipulados e, em se tratando de atividade especfica de safra, constar do contrato escrito, devendo os
empregadores fornecer comprovante dirio de produo semanal, conforme modelo anexo, no qual
conste a perfeita identificao das partes, a data, a quantidade produzida, o valor unitrio, incluindo
eventuais acrscimos, ficando garantido ao empregado, como valor mnimo o estabelecido nesta
Clusula.

Pargrafo Primeiro O trabalho por produo dever obedecer ao valor mnimo para o arranquio de
feijo o importe de R$ 0,0072 (Setenta e Dois Milsimos de Real) por metro linear; o valor de R$ 0,26
(vinte e seis centavos) por caixa de tomate arrancado e batido na caixa; R$ 13,08 (Treze Reais e Oito
Centavos) a tonelada de milho doce; R$n 0,26 (vinte e seis centavos) a caixa de laranja.

Pargrafo Segundo - O valor de outros servios realizados por produo ser combinado entre as
partes, garantindo-se em qualquer caso, como mnimo o valor salarial dirio.

Remunerao DSR

CLUSULA OITAVA - VALOR DO REPOUSO SEMANAL REMUNERADO

O valor do repouso semanal remunerado, no caso do empregado laborar por produo, corresponder a
1/6 (um sexto) da remunerao diria do empregado multiplicada pelo numero de dias trabalhados na
semana, desde que o empregado no tenha faltado injustificadamente na semana que ser refere.

CLUSULA NONA - TRABALHO EM DOMINGO E/OU FERIADO

Excepcionalmente, em caso de servio inadivel, ou naqueles casos onde a natureza do prprio servio
o exige, poder haver trabalho em domingo e/ou feriado, devendo o dia trabalhado, nestes casos, ser
pago em dobro, independente do direito pelo dia de descanso.
239

Outras normas referentes a salrios, reajustes, pagamentos e critrios para clculo

CLUSULA DCIMA - COMPROVANTE DE PAGAMENTO

Os empregadores fornecero a todos os seus empregados, contratatos por prazo determinado (safra) e
abrangidos por esta Conveno, comprovante (recibo) de pagamento no qual dever estar discriminado o
nome e a identificao do empregador, o nome e o numero da CTPS do empregado, o servio
executado, o perodo em dias trabalhados, cargo ou funo, o valor bruto a receber, especificando
eventuais horas-extras, o repouso semanal remunerado e outras verbas, o valor do desconto
previdencirio e outros eventuais descontos, o total liquido a receber e a data do pagamento, conforme
modelo anexo e parte integrante desta Conveno.

CLUSULA DCIMA PRIMEIRA - CONTRATOS SUPERIORES A 15 DIAS

Os empregados contratados por prazo determinado (safristas) com contrato de durao superior a 15
(quinze) dias, recebero os valores referentes a Frias, acrescidas de 1/3, e de 13 salrio, nos termos
da legislao em vigor.

CLUSULA DCIMA SEGUNDA - VNCULO INFERIOR A 15 DIAS

Os empregados safristas com vinculo de prazo inferior a 15 dias, alm das verbas normais, tero
acrescidos no ultimo comprovante (recibo) de pagamento, valores referentes a frias (com acrscimo de
1/3), 13 salrio proporcionais e FGTS.

Pargrafo nico Aos Empregados cujo vinculo contratual for inferior a 15 dias, os empregadores
pagaro 1/2 (um doze avos) da mdia salarial diria do perodo trabalhado, multiplicado pelo numero de
dias trabalhados, a ttulo de 13 salrio proporcional e, este mesmo valor, acrescido de 1/3 (um tero), a
titulo de frias proporcionais, ficando garantida esta ultima verba desde que o empregado no tenha
faltado injustificadamente na semana ou perodo a que ser refere.

CLUSULA DCIMA TERCEIRA - TEMPO DISPOSIO DO EMPREGADOR

assegurado o pagamento de salrio integral ao empregado quando este estiver disposio do


empregador e deixar de trabalhar por motivos climticos ou outros, alheios sua vontade. Em se
tratando de empregado que no reside no local dos servios, este dever permanecer pelo prazo de uma
hora no ponto costumeiro para o embarque, aguardando ser buscado pelo empregador.

Contrato de Trabalho Admisso, Demisso, Modalidades

Normas para Admisso/Contratao

CLUSULA DCIMA QUARTA - ASSINATURA DA C.T.P.S.

Os empregadores assinaro a C.T.P.S. e adotaro os demais procedimentos legais relativos regular


contratao de todos os seus empregados contratados por prazo indeterminado e daqueles contratados
por safra, com contrato especfico, cuja durao prevista de prazo superior a 30 dias.

CLUSULA DCIMA QUINTA - CONTRATOS DE SAFRA

Com os empregados contratados para a realizao de atividades de safra cuja durao prevista inferior
a 30 dias, os empregadores ficam dispensados da assinatura da C.T.P.S., celebrando contrato individual
ou coletivo, devendo o instrumento respectivo indicar a atividade especfica a ser executada e o perodo
aproximado da durao, entre outros elementos, conforme modelo em anexo e que parte integrante
240

desta Conveno, devendo o empregado e o sindicato dos trabalhadores ficar com uma via do referido
contrato.

Pargrafo Primeiro - Caso o empregador opte pelo contrato coletivo de safra, este ser celebrado com a
assistncia do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracanjuba, ficando arquivado cpia dos contratos
no referido rgo.

Pargrafo Segundo - Na modalidade contratual prevista nesta clusula no poder ocorrer prorrogao
ou renovao de contrato com os mesmos trabalhadores na mesma lavoura, sob pena da transformao
automtica do mesmo em contrato por prazo indeterminado.

Mo-de-Obra Temporria/Terceirizao

CLUSULA DCIMA SEXTA - PROIBIO DE "GATOS"

Os empregadores no utilizaro gatos na contratao de seus empregados, devendo a contratao ser


efetuada pelo prprio empregador ou por funcionrio com carta de preposto, sob pena do pagamento de
multa no valor de 30% do salrio mnimo por empregado contratado, revertendo o valor em favor destes.

Mo-de-Obra Jovem

CLUSULA DCIMA STIMA - TRABALHO DE MENORES

Em caso de utilizao de trabalho de menores, os empregadores observaro a legislao especifica em


vigor, notadamente o Estatuto da Criana e do Adolescente, a Portaria n. 88/09 do Ministrio do
Trabalho e Emprego e o Decreto n 6.481/08 , no podendo os menores serem utilizados em servios de
manuseio de defensivos agrcolas e de auxilio ou operao de mquinas agrcolas. terminantemente
proibida a contratao de menores de 16 (dezesseis) anos.

Outras normas referentes a admisso, demisso e modalidades de contratao

CLUSULA DCIMA OITAVA - PREFERNCIA PARA TRABALHADORES DO LOCAL

Os empregadores na contratao de empregados, daro preferncia aos trabalhadores do municpio


sede do imvel ou empresa rural onde sero executados os servios.

CLUSULA DCIMA NONA - COMUNICAO DE DISPENSA

A comunicao de dispensa do empregado contratado por safra e dispensado antes do trmino, dever
ser efetuada por escrito, com uma via para o empregado, sendo que neste caso caracterizar a dispensa
sem justa causa, com as conseqncias legais resultantes desta modalidade de resciso.

Relaes de Trabalho Condies de Trabalho, Normas de Pessoal e Estabilidades

Outras normas referentes a condies para o exerccio do trabalho

CLUSULA VIGSIMA - FORNECIMENTO DE FERRAMENTAS

Os empregadores fornecero gratuitamente as ferramentas necessrias execuo dos servios, sendo


estas devolvidas no final da jornada de trabalho ou do contrato de trabalho.
241

CLUSULA VIGSIMA PRIMEIRA - TRANSPORTE SEGURO E GRATUITO

Os empregadores oferecero transporte seguro e gratuito, em nibus ou em veculos adequados ao


transporte de pessoas, sendo que todos os veculos devero ter cobertura e os veculos de carroceria
alta devero ainda ter bancos fixos, escada de acesso e demais itens exigidos em lei, ficando vedada a
superlotao, devendo os veculos ser conduzidos por motoristas habilitados.

Pargrafo nico O transporte das ferramentas dever ser efetuado em compartimentos prprios e
seguros, de modo a no expor em risco a vida e a sade dos trabalhadores.

CLUSULA VIGSIMA SEGUNDA - PROIBIO DE PUNIO

Fica vedada qualquer punio ao empregado em virtude de ter reclamado direitos trabalhistas ou de ter
participado da negociao da presente Conveno Coletiva de Trabalho.

Jornada de Trabalho Durao, Distribuio, Controle, Faltas

Durao e Horrio

CLUSULA VIGSIMA TERCEIRA - JORNADA E DURAO SEMANAL DO TRABALHO

A jornada (semanal) de trabalho dos empregados abrigados por esta Conveno ser de, no mximo, 08
horas por dia e 44 horas semanais, devendo o horrio de inicio e de trmino ser combinado entre as
partes de modo a no ultrapassar a jornada mxima estabelecida.

Sade e Segurana do Trabalhador

Condies de Ambiente de Trabalho

CLUSULA VIGSIMA QUARTA - GUA POTVEL

Os empregadores fornecero gua potvel no local de trabalho, que dever ser armazenada em
recipiente que garanta a sua qualidade.

CLUSULA VIGSIMA QUINTA - SANITRIOS

Os empregadores instalaro ou disponibilizaro sanitrios fixos ou mveis nos locais de trabalho


(lavouras) em que estiverem trabalhando mais de 20 (vinte) empregados.

CLUSULA VIGSIMA SEXTA - CONDIES DE TRABALHO

Os empregadores cumpriro fielmente as normas de segurana e sade no trabalho, especificamente as


constantes da NR 31 e aplicveis nas atividades do setor.

Equipamentos de Proteo Individual

CLUSULA VIGSIMA STIMA - FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEO


INDIVIDUAL

No caso de empregadores contratarem empregados para manuseio de defensivos agrcolas, e para a


realizao de outros servios considerados insalubres, devero fornecer gratuitamente a seus
242

empregados os equipamentos de proteo individual, exigidos por lei, tais como mscara, macaco,
luvas, botas, chapu e mangotes, entre outros,etc., devendo ainda efetuar a instruo quanto ao uso
adequado dos equipamentos e a conscientizao quanto importncia dos mesmos para a segurana e
a sade no trabalho.

Acompanhamento de Acidentado e/ou Portador de Doena Profissional

CLUSULA VIGSIMA OITAVA - TRANSPORTE DO ACIDENTADO E DOENTE

Fica assegurado transporte gratuito do empregado em caso de acidentes ou de doenas graves, para o
local de atendimento mdico, reconduzindo-o at a sua residncia quando for atendido e no estiver em
condies de retornar ao trabalho, devendo o empregador comunicar o fato a famlia.

Outras Normas de Proteo ao Acidentado ou Doente

CLUSULA VIGSIMA NONA - SALRIO NO AFASTAMENTO POR DOENA OU ACIDENTE

Em casos de doena devidamente comprovada por mdico habilitado, ou em caso de acidente que
obrigue o empregado ao afastamento, o empregador se obriga a pagar normalmente o salrio dos
empregados at o 15 (dcimo quinto) dia de afastamento, devendo ainda dar andamento ao processo
junto ao rgo competente (INSS) visando a obteno do beneficio.

Pargrafo nico Em caso de acidente de trabalho, a falta de sua comunicao (CAT) ao INSS, obriga
o empregador a efetuar o pagamento integral do salrio do trabalhador durante o perodo de inatividade,
independentemente de anotaes da C.T.P.S do trabalhador.

Relaes Sindicais

Contribuies Sindicais

CLUSULA TRIGSIMA - CONTRIBUIO ASSISTENCIAL

Os empregadores descontaro de todos os seus empregados rurais safristas sindicalizados, conforme


aprovado pela Assemblia Geral da categoria realizada em 10/09/2009, o valor correspondente a uma
diria do piso ajustado nesta Conveno, no primeiro pagamento efetuado aps a contratao do
empregado, a titulo de Contribuio Assistencial. O valor descontado dever ser recolhido na Agncia
dos Correios, atravs de guia prpria fornecida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracanjuba,
no prazo de 05 dias aps o desconto nos salrios.

Pargrafo nico Os empregadores encaminharo ao sindicato beneficiado com o desconto nesta


clusula e FETAEG, dentro de 15 dias aps o desconto, a relao dos empregados contribuintes e o
respectivo desconto.

Outras disposies sobre relao entre sindicato e empresa

CLUSULA TRIGSIMA PRIMEIRA - CONTROLE DE PRODUO

Os empregadores se comprometem a repassar o total em toneladas, do peso dos produtos colhidos ao


Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracanjuba, no prazo de 05 dias do trmino do contrato de safra.
243

Outras disposies sobre representao e organizao

CLUSULA TRIGSIMA SEGUNDA - HOMOLOGAO DAS RESCISES CONTRATUAIS

As rescises contratuais dos empregados abrigados por esta Conveno, cujo vinculo for superior a 30
(trina) dias, devero ter suas quitaes homologadas pelo SINDICATO DOS TRABALHADOES RURAIS
DE PIRACANJUBA, sob pena de no ter a resciso o valor probante para fins de quitao dos dbitos
trabalhistas.

CLUSULA TRIGSIMA TERCEIRA - LIVRE AO SINDICAL

facultada a presena dos dirigentes sindicais da FETAEG e do SINDICATO DOS TRABALHADOES


RURAIS nos locais de trabalho, objetivando averiguar as condies de trabalho, os pagamentos dos
acertos aos trabalhadores e o cumprimento das normas relativas s relaes de trabalho e de emprego
constantes na legislao especfica e nesta Conveno, podendo os representantes dos referidos rgos
buscar a soluo de eventuais problemas, junto aos empregadores.

Pargrafo nico Para o ingresso nos locais de trabalho, os dirigentes sindicais faro comunicao
prvia aos empregadores ou a preposto ou administrador desta, podendo os mesmos acompanhar as
visitas.

Disposies Gerais

Mecanismos de Soluo de Conflitos

CLUSULA TRIGSIMA QUARTA - SOLUO DAS DIVERGNCIAS

As divergncias surgidas em razo de aplicao dos dispositivos desta Conveno sero resolvidas pela
interveno de seus representantes legais. No havendo soluo, os conflitos sero solucionados pela
Justia do Trabalho, nos termos da legislao vigente.

Descumprimento do Instrumento Coletivo

CLUSULA TRIGSIMA QUINTA - MULTA POR DESCUMPRIMENTO

Em caso de descumprimento de qualquer das clusulas da presente Conveno, os empregadores


estaro sujeitos ao pagamento de multa correspondente ao valor de 2/10 (dois dcimos) do piso salarial
da categoria, por dia de descumprimento e por empregado prejudicado, revertendo o valor em favor
destes.

DORISLENA LUIZA FERREIRA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS PIRACANJUBA PROFESSOR
JAMIL E SANTA CRUZ DE GOIAS

EDUARDO DE SOUZA IWASSE


Presidente
SINDICATO RURAL DE PIRACANJUBA
244

ANEXOS
ANEXO I - MODELO DE CONTRATO INDIVIDUAL DE SAFRA

CONTRATO DE TRABALHO POR SAFRA N. ...........


( EMPREGADO RURAL )

Pelo presente instrumento, a (empresa)______________________________


(nome, endereo e CGC), doravante denominada EMPREGADORA, e
________________________(empregado), portador da C.T.P.S n________,
srie n.___________ Go, residente na Rua__________________________, denominado
EMPREGADO, celebram entre si CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO POR PRAZO
DETERMINADO, NA MODALIDADE DE SAFRA, de acordo com os prazos e condies fixados nas
clusulas que seguem:

1 O EMPREGADO contratado a partir de _____/___/ 2009, por prazo determinado (safra), com
trmino coincidindo com o encerramento do servio de ............................(especificar = colheita de
tomate, ou outro servio especfico que for), trmino este, com data aproximada, previsto para ____/___/
2009.
2 O empregado contratado para exercer a funo .... (colheita de tomate), podendo
excepcionalmente, por problemas tcnicos e mediante acerto prvio entre as partes, com a presena do
sindicato da categoria profissional, realizar outras atividades.
3 A remunerao, forma e periodicidade de pagamento e demais condies, obedecero as normas
legais e as estabelecidas na Conveno Coletiva de Trabalho em vigor.
4 O empregado se compromete a cumprir fielmente o presente contrato at o trmino do servio para o
qual foi contratado.
5 A parte que rescindir o contrato antes do trmino do servio especificado, pagar outra parte,
indenizao nos termos dos artigos 479 e 480 da CLT.
6 A empregadora fornecer comunicao por escrito ao empregado, com antecedncia de 05 (cinco)
dias, notificando-o do encerramento do trabalho (safra) para o qual foi contratado e indicando a data de
comparecimento para efetuar a resciso, com observncia dos prazos legais e as condies previstas na
Conveno Coletiva. Na falta desta comunicao, e/ou na manuteno do empregado para a realizao
de outros servios, aps o encerramento da atividade objeto do presente contrato, ocorrer a automtica
transformao do contrato de safra em contrato de prazo indeterminado.
7 O empregado autoriza o desconto, em seus salrios, das importncias que lhe forem adiantadas pela
empregadora, bem como valores referentes a Contribuio Assistencial, conforme pactuado na
Conveno Coletiva.
8 E por estarem de acordo com as condies acima expostas firmam o presente contrato em duas vias
de igual teor, e na presena de duas testemunhas que tambm o assinam.
_________________- Go, _______de______________ de 2009.

____________________________
245

EMPREGADORA
____________________________

EMPREGADO

1 TESTEMUNHA - ____________________________

2 TESTEMUNHA - ____________________________

ANEXO II - MODELO DE COMPROVANTE DE PRODUO

COMPROVANTE DE PRODUO
N. _______________

Empregador: ______________________
Empregado: _______________________
Data: ____________________________
Quantidade Produzida: ____ (mts, Kg, etc)
Valor unitrio: _____________________
Percentual de Acrscimo: ____________
TOTAL: _________________________

Ass. do Responsvel:________________
246

ANEXO III - MODELO DE RECIBO PADRO DE PAGAMENTO DE SALRIO

RECIBO DE PAGAMENTO DE SALRIO - EMPREGADO RURAL ( (modelo)

EMPREGADOR: ___________________________ CGC/MF:__________________________________

EMPREGADO: _________________________ CTPS ( n e srie):____________

ATIVIDADE: ____________ (colheita de ...) _____

FORMA DE REMUNERAO: _________________ ( fixa ou produo)

PERODO: _________________ ( de .../.../... a .../.../...)

QUANTIDADE PRODUZIDA: ___________________ ( metros, Kg, Caixas...).

VALOR UNITRIO: ____________ VALOR TOTAL: _______________

RSR____________________________________________________________

OUTRAS VERBAS: - 13 Sal. Proporcional : ___________________________


- Frias Proporcionais: _____________________________
-
TOTAL BRUTO: _________________________________________________

DESCONTOS:

INSS: ___________________________________________________________

OUTROS: _______________________________________________________

LQUIDO A RECEBER: __________________________________________

( Local e Data ...............................).

ASSINATURA DO EMPREGADO____________________________________
247

ANEXO IV - MODELO DE CONTRATO COLETIVO DE SAFRA

CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO POR SAFRA N ...


(EMPREGADO RURAL)

Pelo presente instrumento, ...(nome, qualificao e endereo da empregadora), doravante


denominada empregadora, e os trabalhadores nominados e identificados em anexo, cuja relao integra
este contrato, doravante denominados empregados, assistidos pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de ................, firmam entre si CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO POR SAFRA, conforme clusulas
e condies que seguem:

Clusula 1 - Os empregados, integrantes da relao anexa, so admitidos para realizarem o servio de


..... (especificar este ou outro servio, conforme o caso), no perodo aproximado de ....... dias, a partir do
dia ..../..../...., at o encerramento da atividade acima especificada.

Clusula 2 - A jornada de trabalho dos empregados ser de 08 horas de segunda a sexta feira e de 04
horas no sbado, ficando o horrio de incio e trmino a critrio do empregador. Trabalhando alm da
durao normal da jornada, a empresa empregadora pagar os acrscimos legais.

Clusula 3 - Os empregados sero remunerados de forma fixa ou de acordo com a quantidade de sua
produo individual (Kg, tarefa, braa ou outra medida de aferimento), no devendo a remunerao diria
ser inferior estabelecida na Conveno Coletiva de Trabalho em vigor, cujo pagamento ser efetuado
em dinheiro, no encerramento da jornada semanal, ou at 24 horas aps o encerramento do servio para
o qual os empregados foram contratados.

Clusula 4 - A empregadora efetuar o pagamento dos salrios mediante recibo que garanta a perfeita
identificao das partes e das verbas que esto sendo pagas, incluindo valores a ttulo de Repouso
Semanal Remunerado na proporo de 1/6 (um sexto) da mdia salarial diria multiplicado pelo nmero
de dias trabalhados e o desconto previdencirio, conforme recibo modelo ajustado na Conveno
Coletiva.
Pargrafo nico O Repouso Semanal Remunerado, na forma como est estipulado nesta clusula,
ser pago desde que o empregado no tenha faltado injustificadamente ao servio na respectiva
semana.

Clusula 5 - Encerrado o servio (Contrato), a empregadora pagar aos empregados safristras, o valor
de 1/12 (um doze avos) do salrio dirio, multiplicado pelo nmero de dias trabalhados, a ttulo de 13
Salrio, e o mesmo valor encontrado, acrescido de 1/3 (um tero), a ttulo de Frias Proporcionais,
devendo referidas verbas constar do ltimo recibo de pagamento. Se o trabalho se prolongar por mais de
14 (quatorze) dias, a empregadora aplicar a regra legal para as verbas referidas nesta clusula.
Pargrafo nico No recibo de quitao das verbas, a empregadora incluir valor referente a FGTS,
correspondente a 8% (oito por cento) do valor salarial recebido pelo empregado no perodo trabalhado.

Clusula 6 - Os empregados e a empregadora se comprometem a cumprir fielmente as normas do


presente contrato coletivo de trabalho, das disposies de acordo coletivo de trabalho em vigor e as
disposies legais aplicveis.

Clusula 7 - A parte que rescindir o presente contrato antes do trmino do servio especificado na
clusula primeira, pagar outra parte, indenizao nos termos do que dispem os artigos 479 e 480 da
CLT.
Pargrafo nico Os empregados se comprometem a no trabalhar para outro empregador antes do
trmino da atividade especificada no presente contrato, sob pena de perderem as verbas proporcionais
ora pactuadas.
248

Clusula 8 - A empregadora se compromete a cumprir outras regras que forem pactuadas em


Conveno Coletiva de mbito Estadual e que forem mais benficas aos trabalhadores.

Clusula 9 - Os empregados signatrios do presente contrato coletivo de trabalho autorizam a


empregadora a efetuar o desconto da contribuio assistencial no valor de uma diria do piso salarial
ajustado na Conveno Coletiva, devendo o desconto constar no recibo de pagamento.

Clusula 10 - E por estarem de acordo com as condies acima expostas, firmam o presente Contrato,
em 02(duas) vias de igual teor, sendo firmado, tambm pelo Representante Sindical dos Empregados.

............................, .......de.........................de 2.009.

P/EMPREGADORA:________________________________

REPRES. DOS EMPREGADOS:_______________________

REPRESENTANTE DO STR DE .................

CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO POR SAFRA n. ........


(EMPREGADO RURAL)

EMPREGADOR: _____________________ CGC/MF: ____________________

RELAO DE EMPREGADOS:
1.NOME:_______________________________________
C.T.P.S. N e Srie: ___________________________
ENDEREO: _____________________________________________________
ASSINATURA: ___________________________

2.NOME:_______________________________________
C.T.P.S. N e Srie: ___________________________
ENDEREO: _____________________________________________________
ASSINATURA: ___________________________

3.NOME:_______________________________________
C.T.P.S. N e Srie: ___________________________
ENDEREO: _____________________________________________________
ASSINATURA: ___________________________

4.NOME:_______________________________________
C.T.P.S. N e Srie: ___________________________
ENDEREO: _____________________________________________________
ASSINATURA: ___________________________

A autenticidade deste documento poder ser confirmada na pgina do Ministrio do Trabalho e Emprego
na Internet, no endereo http://www.mte.gov.br
249

ANEXO G
CONVENO COLETIVA DE TRABALHO 2010/2011

NMERO DE REGISTRO NO MTE: GO000327/2010


DATA DE REGISTRO NO MTE: 14/07/2010
NMERO DA SOLICITAO: MR026126/2010
NMERO DO PROCESSO: 46208.003162/2010-54
DATA DO PROTOCOLO: 17/06/2010

FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO EST GOIAS, CNPJ n. 01.664.002/0001-


48, neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ELIAS D ANGELO BORGES;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ANICUNS, CNPJ n. 02.263.952/0001-23, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). MANOEL VICENTE DA SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ACREUNA, CNPJ n. 02.459.063/0001-36, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). SEVERINO JOSE SOBRINHO;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CACU, CNPJ n. 00.005.074/0001-10, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). LOURDES FREITAS DE SOUSA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CARMO DO R VERDE, CNPJ n. 01.790.179/0001-90,
neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ANTONIO RODRIGUES NETO;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CATURAI, CNPJ n. 02.101.061/0001-70, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). MANOEL JESUINO MARTINS;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CERES, CNPJ n. 02.382.851/0001-71, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ORLANDO LUIZ DA SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE EDEIA, CNPJ n. 01.459.932/0001-60, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). MONICA PEREIRA DE OLIVEIRA NUNES;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE GOIANESIA, CNPJ n. 00.002.923/0001-82, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ELISVALDO SOARES DIAS;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE GOIATUBA, CNPJ n. 02.862.589/0001-62, neste ato
representado(a) por seu Secretrio Geral, Sr(a). GERALDA MARCIANA DE SOUSA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE INDIARIA GOIAS, CNPJ n. 08.912.403/0001-19,
neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). VALDEMAR GARRIDO DE LIMA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE INHUMAS E DAMOLANDIA, CNPJ n.
00.167.411/0001-76, neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ADERCIO ALVES FERREIRA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITABERAI, CNPJ n. 01.145.598/0001-70, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). JOSE JACSON RIBEIRO;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITAGUARU, CNPJ n. 01.318.070/0001-55, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). CARLOS HENRIQUE RIBEIRO;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITAPURANGA, CNPJ n. 01.750.314/0001-74, neste
ato representado(a) por seu Secretrio Geral, Sr(a). MARCOS LEANDRO VASCONCELOS;
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DO MUNICIPIO DE ITAUCU,
CNPJ n. 02.664.332/0001-04, neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ELEANDRO
BORGES DA SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITUMBIARA, CNPJ n. 01.107.085/0001-74, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). MARIA SALETE CASTRO DA SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE JATAI, CNPJ n. 01.466.044/0001-74, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). CORIVALDO FURTADO DE OZEDA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MINEIROS, CNPJ n. 02.751.485/0001-80, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). VALDEMAR ROSA DE JESUS;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MORRINHOS, CNPJ n. 01.175.900/0001-32, neste
ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). JOAO DONIZETE NEVES SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE NAZARIO, CNPJ n. 01.373.844/0001-40, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). JOSE DOMINGOS NETO;
250

SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE NOVA VENEZA, NEROPOLIS, BRAZABRANTES,


SANTO ANTONIO DE GOIAS E GOIANIA, CNPJ n. 01.064.104/0001-22, neste ato representado(a) por
seu Presidente, Sr(a). EDIMO PESSONI;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE PONTALINA, CNPJ n. 00.005.595/0001-78, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). JOAO INACIO DUTRA NETO;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE QUIRINOPOLIS, CNPJ n. 01.466.762/0001-40, neste
ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). SEBASTIAO INACIO DA SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE RIO VERDE, CNPJ n. 01.126.424/0001-60, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). LUIZ BORGES NETO;
SINDICATO TRABALHADORES RURAIS DE RUBIATABA, CNPJ n. 00.097.915/0001-67, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). OLIMPIO ALVES DE MELO;
SIND DOS TRAB RURAIS DE SANCLERLANDIA E BURITI DE GOIAS, CNPJ n. 01.366.558/0001-58,
neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). CASSIMIRO RAIMUNDO GARCIA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE SERRANOPOLIS, CNPJ n. 02.065.878/0001-30,
neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). LUIS GONZAGA DA SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES DE TAQUARAL, CNPJ n. 01.747.534/0001-49, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). DIOMARIO JOAQUIM DE LEMOS;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE TRINDADE, CNPJ n. 02.765.733/0001-42, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ISMAEL BATISTA DA SILVA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE TURVANIA, CNPJ n. 02.078.640/0001-40, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). VALDEMAR ALVES CAETANO;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE URUACU (GO) E EXTENSOES DE BASE NOS MUN.
DE HIDROLINA (GO) E SAO LUIS DO NORTE (GO), CNPJ n. 01.493.873/0001-46, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). PEDRO PAULO DE ANDRADE;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE URUANA, CNPJ n. 02.502.003/0001-59, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). MARIO RODRIGUES BRAGA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE JANDAIA, CNPJ n. 01.177.393/0001-76, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). DAVI MARTINS ARRUDA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MONTIVIDIU GOIAS, CNPJ n. 00.269.410/0001-32,
neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). ADAO DE FREITAS FERREIRA;
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE ITAGUARI GO, CNPJ n.
09.389.427/0001-06, neste ato representado(a) por seu Secretrio Geral, Sr(a). MARIANA ALVES DE
JESUS DOS SANTOS;
E
SINDICATO DA IND DE FABRICACAO DE ALCOOL DO EST DE GOI, CNPJ n. 00.971.929/0001-68,
neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). SEGUNDO BRAOIOS MARTINEZ;
SINDICATO DA IND DE FAB. DE ACUCAR DO EST DE GOIAS - SIFACUCAR, CNPJ n.
07.580.911/0001-84, neste ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). SEGUNDO BRAOIOS
MARTINEZ;
FEDERACAO DA AGRICULTURA E PECUARIA DE GOIAS-FAEG, CNPJ n. 01.642.347/0001-09, neste
ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). JOSE MARIO SCHREINER;
SIPRA - SINDICATO DOS PRODUTORES RURAIS DE ACREUNA, CNPJ n. 25.040.031/0001-05, neste
ato representado(a) por seu Presidente, Sr(a). AFONSO HENRIQUE PIRES;
SINDICATO RURAL DE ITABEARI, CNPJ n. 00.028.563/0001-98, neste ato representado(a) por seu
Presidente, Sr(a). CARLOS ALVES DE LELES;
SINDICATO RURAL DE MONTIVIDIU, CNPJ n. 01.827.966/0001-60, neste ato representado(a) por seu
Presidente, Sr(a). LUIZ BENEDITO DA SILVA;
SINDICATO RURAL DE QUIRINOPOLIS, CNPJ n. 02.617.256/0001-78, neste ato representado(a) por
seu Presidente, Sr(a). JOSE EDUARDO FLEURY;
SINDICATO RURAL DE SANTA HELENA DE GOIAS, CNPJ n. 01.199.793/0001-82, neste ato
representado(a) por seu Presidente, Sr(a). SANTO GARCIA;
SINDICATO RURAL DE MORRINHOS, CNPJ n. 00.005.561/0001-83, neste ato representado(a) por seu
Presidente, Sr(a). TIAGO FREITAS DE MENDONCA;
celebram a presente CONVENO COLETIVA DE TRABALHO, estipulando as condies de trabalho
previstas nas clusulas seguintes:
251

CLUSULA PRIMEIRA - VIGNCIA E DATA-BASE

As partes fixam a vigncia da presente Conveno Coletiva de Trabalho no perodo de 21 de maio de


2010 a 20 de maio de 2011 e a data-base da categoria em 21 de maio.

CLUSULA SEGUNDA ABRANGNCIA

A presente Conveno Coletiva de Trabalho abranger a(s) categoria(s) dos empregados rurais do
setor canavieiro goiano, compreendendo os trabalhadores utilizados nas funes de corte de
cana para moagem, corte de cana para plantio, plantio de cana, capina, aplicao de defensivos
agrcolas, catao de bituca e nos servios de irrigao das lavouras de cana, com abrangncia
territorial em GO.

Salrios, Reajustes e Pagamento

Piso Salarial

CLUSULA TERCEIRA - PISO SALARIAL

O piso salarial da categoria dos trabalhadores na lavoura canavieira, a partir de 21/05/10, no ser
inferior a R$ 606,77 (Seiscentos e Seis Reais e Setenta e Sete Centavos) mensais.

CLUSULA QUARTA - DIRIA UNIFICADA

Respeitando-se as prticas e os acertos j existentes no mbito das empresas, que lhes garantem
remunerao superior, os empregados rurais que prestarem servios por dia e por produo, desde que
cumpram integralmente a jornada diria e salvo os casos em que a empresa dispensar o empregado
antes de cumprir integralmente a jornada, tero valor salarial dirio nunca inferior a R$ 20,23 ( Vinte
Reais e Vinte e Trs Centavos).

PARGRAFO NICO O trabalho no corte de cana apenas em parte do dia, com a obrigao do
empregado cumprir o restante da jornada em outras atividades, no pode ser adotado como prtica
normal das empresas ou com finalidade punitiva, ficando restrito a situaes eventuais e inesperadas.

Pagamento de Salrio Formas e Prazos

CLUSULA QUINTA - DIA E FORMA DE PAGAMENTO

Os empregadores rurais pagaro semanal ou quinzenalmente os salrios dos seus empregados, em


dinheiro, cheques e/ou depositando os valores em conta bancria, preferencialmente em conta-salrio ou
conta-poupana.

PARGRAFO PRIMEIRO 0 pagamento dever ser efetuado mediante contra-cheque ou recibo,


devendo o empregado receber comprovante do pagamento efetuado.

PARGRAFO SEGUNDO Neste comprovante devero estar discriminados a remunerao do


empregado, o nome do empregador, o nome e nmero do empregado, a quantia lquida paga, os dias de
servio trabalhados, a natureza do trabalho executado, o total da produo, seu valor, incluindo-se e
discriminando-se horas-extras, adicional de insalubridade e outras verbas porventura existentes.
252

PARGRAFO TERCEIRO Eventuais alteraes na periodicidade do pagamento sero precedidas de


consulta e aprovao pelos trabalhadores, mediante reunio na empresa, facultando-se a presena do
sindicato profissional respectivo.

PARGRAFO QUARTO No caso de pagamento quinzenal, este ser efetuado s sextas-feiras (ou
sbados, conforme o costume), de forma alternada e de sorte a que o pagamento ocorra efetivamente a
cada 15 (quinze) dias.

PARGRAFO QUINTO Deliberada a adoo dessa sistemtica, as empresas anunciaro sua


implementao com antecedncia de 15 (quinze) dias.

PARGRAFO SEXTO Fica mantido o sistema de pagamento mensal, obedecidos os limites da lei, aos
empregados que atualmente recebem os salrios nessa periodicidade.

Salrio produo ou tarefa

CLUSULA SEXTA - CANAS BISADAS E CANAS CRUAS

Os preos para o corte de canas "bisadas" (assim entendidas aquelas que, tendo atingido suas ideais
condies para o corte, tenham ficado pendentes de uma safra para outra), e de cana crua para moagem
e para plantio, sero negociados entre as partes, nos locais de trabalho, sendo facultada a participao
dos representantes sindicais dos trabalhadores. Em no havendo acordo, a participao desses
garantida, caso solicitada pelos trabalhadores.

CLUSULA STIMA - HORRIO PARA DIVULGAO DOS PREOS

Os preos dos servios executados por produo, sero estabelecidos previamente, mediante acordo
entre as partes interessadas e sero fornecidos pelo gerente ou fiscal do empregador rural no incio do
pega ou, no mximo, at s 09:00 (nove) horas do dia do incio do servio.

PARGRAFO PRIMEIRO Havendo outros pegas no mesmo dia, o preo ser fornecido no incio dos
mesmos.

PARGRAFO SEGUNDO Na medio da cana cortada, bem como nos demais servios que exigirem
medio, ser usada uma medida padro (compasso de 2 metros com ponta de ferro) aferida pelos
prprios trabalhadores e seus representantes sindicais e a empresa, servindo o Instituto Nacional de
Pesos e Medidas INPM como rbitro em caso de controvrsias.

PARGRAFO TERCEIRO A medio da cana ser efetuada eito a eito para cada trabalhador pelo
fiscal ou coordenador de turma.

CLUSULA OITAVA - COMPROVANTE DE PRODUO

No incio da jornada de trabalho do dia seguinte, ou no final da jornada de trabalho, se essa j for a
prtica, os empregadores fornecero a cada empregado um comprovante de sua produo diria com o
nome e nmero do empregado, o nmero de metros de servio praticado, especificando e classificando o
preo desse servio. Podero ser mantidas outras normas tradicionalmente praticadas, em casos
especiais, desde que ofeream as mesmas caractersticas de especificao acima.

PARGRAFO PRIMEIRO Os empregadores fornecero, igualmente, comprovante da produo aos


demais empregados que executam servios de produo diversos do corte de cana, bem como para os
diaristas, contendo os dados necessrios e obrigatrios dispostos no "caput" desta clusula.
253

PARGRAFO SEGUNDO Se houver necessidade da retirada da cana do canavial antes de encerrado


o corte dirio, ela ter de ser medida antes da retirada, na presena do cortador ou de seu representante,
que ser informado da medio.

CLUSULA NONA - TABELA DE PREOS

Respeitando-se as prticas locais que j garantem remunerao superior, os empregados rurais que
prestarem servios no corte de cana por produo, recebero suas remuneraes mnimas, com base no
preo da cana cortada por metro corrido ou linear, enleiradas em 5 (cinco) linhas.

Nos eitos sobre terraos, as 05 (cinco) linhas tero seus preos acrescidos, at o 3(terceiro) corte, em
25% (vinte e cinco por cento), e o 4 e 5 cortes em 5% (cinco por cento), em relao aos constantes da
tabela.

Os preos para a cana queimada obedecero seguinte tabela:

Tabela de Denominao, Classificao e Preos da cana queimada:

TIPO TONELAGEM POR PREOS POR METRO LINEAR


HECTARE EM P CADA
1 110 - 129 0.3201 0.4001
2 100 - 109 0.2801 0.3505
3 90 - 99 0.2529 0.3164
4 70 - 89 0.2135 0.2666
5 50 - 69 0.1598 0.2000
6 At 49 0.1063 0.1332

PARGRAFO PRIMEIRO As referncias acerca de tonelagem por hectare constantes da tabela,


serviro de parmetro apenas para dirimir dvidas surgidas quanto classificao, denominao e
fixao do preo da cana.

PARGRAFO SEGUNDO Os empregadores rurais que se interessarem no amontoamento da cana, se


comprometem a negociar a esse respeito com os prprios empregados.

PARGRAFO TERCEIRO Quando o corte da cana for realizado em lavoura com presena do capim
colonio, ou outra erva daninha, que dificulte os servios de corte de cana, o preo a ser pago ser
negociado entre as partes, observando-se o disposto nesta Clusula Nona. Os empregadores devero
lanar no comprovante de produo dirio do trabalhador, o percentual de acrscimo que for negociado
na hiptese prevista neste pargrafo.

PARGRAFO QUARTO Os preos para o corte de cana cuja tonelagem por hectare ultrapassar 129
(cento e vinte e nove) toneladas por hectare, tero acrscimo de 20% (vinte por cento) sobre a cana Tipo
1, da tabela desta clusula.

Remunerao DSR

CLUSULA DCIMA - DESCANSO SEMANAL REMUNERADO


254

Os empregadores pagaro aos empregados que trabalharem durante os 6 (seis) dias da semana, o
repouso semanal remunerado, assegurando-lhes, desta forma, folga remunerada aos domingos,
esclarecendo-se que os empregados que prestarem servios base de produo, tero direito de
receb-lo de acordo com a mdia salarial semanal.

PARGRAFO PRIMEIRO - A folga semanal dos trabalhadores nas atividades de catao de bituca e
irrigao, quando possvel, dever tambm, coincidir com o domingo e, nas demais situaes, de acordo
com a prtica das empresas por ocasio da assinatura desta Conveno, obedecidas as determinaes
legais.

PARGRAFO SEGUNDO Em casos especiais poder ocorrer a realizao de trabalho aos domingos,
desde que aprovado pelos trabalhadores envolvidos, remunerando na forma da lei.

Outras normas referentes a salrios, reajustes, pagamentos e critrios para clculo

CLUSULA DCIMA PRIMEIRA - RESPEITO AOS COSTUMES

Os servios de corte de cana atrs referidos, devero obedecer s normas correntes, que lhes so
prprias, conforme o uso, o sistema, os costumes e tcnicas locais.

CLUSULA DCIMA SEGUNDA - PREO PARA O PLANTIO

O preo para o trabalho de plantio e capina da cana executado por produo, ser negociado entre
empregadores e empregados rurais no prprio local de trabalho, podendo participar seus representantes.

CLUSULA DCIMA TERCEIRA - AUSNCIA REMUNERADA

Fica assegurado ao trabalhador rural o pagamento de seus salrios nos dias em que no trabalhar em
virtude de motivos alheios a sua vontade, desde que comprovada a sua presena no "ponto" costumeiro
de embarque, calculado o pagamento de acordo com a mdia salarial semanal.

PARGRAFO NICO Em caso de atraso, os empregados permanecero no ponto de embarque pelo


prazo mximo de 2 (duas) horas, aps o horrio costumeiro.

Gratificaes, Adicionais, Auxlios e Outros

13 Salrio

CLUSULA DCIMA QUARTA - PAGAMENTO DO 13 SALRIO

Aos empregados que recebem por produo, a remunerao referente a 13 Salrio ser calculada com

base na mdia da remunerao do empregado nos ltimos 06 (seis) meses ou do perodo trabalhado,

quando este for inferior, ou dos ltimos 30 (trinta) dias, caso este tenha valor superior ao da mdia

encontrada.

Comisses
255

CLUSULA DCIMA QUINTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Fica assegurado aos empregados, que exeram atividades insalubres um adicional de 20% (vinte por
cento) calculado sobre a sua remunerao diria, cessando o direito recepo desse adicional, em
caso de eliminao do risco sade ou integridade fsica do empregado, com observncia do disposto
na Norma Regulamentadora Rural NR 31 e demais normas aplicveis.

PARGRAFO PRIMEIRO Os empregadores se comprometem a fornecer, gratuitamente, os

equipamentos necessrios (luvas, mscaras, botas e outros que se tornarem necessrios ou obrigatrios)

aos empregados que desenvolvem atividades insalubres.

PARGRAFO SEGUNDO O adicional a que se refere esta clusula dever ficar discriminado no recibo

de pagamento do empregado.

Contrato de Trabalho Admisso, Demisso, Modalidades

Normas para Admisso/Contratao

CLUSULA DCIMA SEXTA - ASSINATURA DA CTPS

Os empregadores assinaro a Carteira de Trabalho de todos os empregados que lhes prestem servios,
devendo a mesma ser devolvida ao empregado, pelo empregador ou preposto, com as devidas
anotaes, no prazo mximo de 48 (quarenta e oito) horas, de acordo com o que dispe o artigo 29 da
CLT, bem como cumpriro todas suas obrigaes trabalhistas e sociais.

PARGRAFO NICO A cpia do contrato de trabalho ser entregue ao trabalhador no ato da


devoluo da CTPS.

CLUSULA DCIMA STIMA - PREFERNCIA PARA TRABALHADORES DO LOCAL

Os empregadores rurais daro preferncia contratao de trabalhadores dos municpios sedes das
usinas e destilarias, do local da cana plantada e dos municpios vizinhos, desde que estes trabalhadores
retornem ao seu municpio ao final da jornada diria de trabalho.

PARGRAFO PRIMEIRO Para eventual contratao de trabalhadores em municpios de outros


Estados ou Regies, o empregador dever consultar previamente (por escrito) os sindicatos de
trabalhadores rurais dos municpios que compem a sua rea de produo quanto existncia ou no de
mo-de-obra disponvel para o trabalho na lavoura de cana e que esteja interessada em participar do
mencionado processo seletivo, ficando registrado que, nessa hiptese, o empregador dar preferncia
aos aprovados na seleo, na conformidade de sua opo sem que isso implique em obrigatoriedade de
contratao.

PARGRAFO SEGUNDO Adotando o procedimento previsto no Pargrafo anterior, os sindicatos


devero se pronunciar no prazo mximo de 5 (cinco) dias.
256

PARGRAFO TERCEIRO Quando os empregadores contratarem trabalhadores em municpios de


outros Estados ou Regies, obedecidos os procedimentos estabelecidos nos pargrafos anteriores, no
lhes pagaro salrios diferentes dos que forem pagos aos trabalhadores da sede do local dos servios.

PARGRAFO QUARTO Nos casos de contratao de trabalhadores em municpios de outros Estados


ou Regies, o empregador fornecer alojamento gratuito, sem carter salarial, observando as normas de
segurana, sade e higiene.

CLUSULA DCIMA OITAVA - PROIBIO DE "GATOS"

Os empregadores no podero utilizar "gatos" na contratao de empregados para prestar-lhes servios


na lavoura de cana, devendo designar um preposto para represent-los perante os empregados.
Desligamento/Demisso

CLUSULA DCIMA NONA - COMUNICAO DE DISPENSA

Os empregados s sero considerados demitidos pelos empregadores se receberem comunicao por


escrito, com uma via para o empregado, sob pena de no ser considerada a demisso.

PARGRAFO NICO As rescises contratuais dos empregados abrangidos por esta Conveno
Coletiva devero ter sua quitao apresentada para homologao no Sindicato dos Trabalhadores Rurais
que representa o trabalhador, sob pena de no ter o instrumento de quitao qualquer valor probante,
assegurado, todavia, no caso dos safristas, o prazo de 10 (dez) dias para a quitao das verbas
rescisrias, contados a partir da extino do contrato de trabalho.

Mo-de-Obra Jovem

CLUSULA VIGSIMA - CONDIO ESPECIAL PARA ESTUDANTE

Fica assegurado ao empregado rural estudante o direito de se ausentar do trabalho nos perodos de
estgio ou outras atividades exigidas pela escola, considerando-se falta justificada, porm no
remunerada, desde que o empregado comprove tal situao mediante declarao ou outro documento
fornecido pela escola.

Mo-de-Obra Feminina

CLUSULA VIGSIMA PRIMEIRA - CONDIO ESPECIAL PARA A TRABALHADORA

Fica assegurado, empregada rural na lavoura canavieira, o direito de se ausentar do trabalho no


perodo menstrual, considerando-se falta justificada, porm no remunerada. Fica assegurado o
pagamento salarial correspondente, desde que fique comprovada, com atestado mdico fornecido na
forma prevista na Clusula Trigsima Primeira, sua impossibilidade de comparecimento ao trabalho
naquele perodo.

Relaes de Trabalho Condies de Trabalho, Normas de Pessoal e Estabilidades

Normas Disciplinares

CLUSULA VIGSIMA SEGUNDA - COMUNICAO DE PUNIO


257

Para aplicao da pena de suspenso ao empregado, esta ter que ser comunicada, por escrito,
indicando o dia e hora da prtica da infrao e relatando os motivos da aplicao da penalidade, e na
presena de 2 (duas) testemunhas.
Transferncia setor/empresa

CLUSULA VIGSIMA TERCEIRA - PROIBIO DE PUNIO

Fica vedada qualquer punio ao trabalhador que tenha participado da negociao desta Conveno
Coletiva de Trabalho, ou de movimento reivindicatrio ou greve, ocorrido em virtude desta negociao,
pelo cumprimento das clusulas aqui convencionadas, ou pela garantia de qualquer outro direito
legalmente assegurado, inclusive a transferncia para trabalho isolado dos demais trabalhadores da
mesma propriedade e funo, desde que o mesmo tenha atuado dentro da legalidade.

Ferramentas e Equipamentos de Trabalho

CLUSULA VIGSIMA QUARTA - FORNECIMENTO DE FERRAMENTAS DE TRABALHO

Os empregadores rurais fornecero aos seus empregados, sem nus para estes, as ferramentas (podo,
enxada, foice, afiadores, enxado), necessrios e indispensveis ao cumprimento de servios a eles
atribudos, sendo que, no ato da resciso do contrato ser descontado do empregado o valor da
ferramenta que no for devolvida ao empregador.

PARAGRAFO PRIMEIRO Os empregadores rurais fornecero, sem custos para o empregado, os


equipamentos de proteo individual exigidos por lei, tais como botas, luvas, culos, bons, e caneleiras,
os quais sero devolvidos ao empregador, por ocasio da extino do contrato de trabalho ou do trmino
da atividade que os exigiu.

PARGRAFO SEGUNDO Os empregadores disponibilizaro sempre dois pares de luvas e dois pares
de mangotes a seus empregados, possibilitando assim a higienizao destes equipamentos.

Igualdade de Oportunidades

CLUSULA VIGSIMA QUINTA - PROIBIO DE DISCRIMINAO

Fica proibida qualquer discriminao em razo de idade e sexo, oferecendo-se igual oportunidade de
trabalho a todos e a todas.

Jornada de Trabalho Durao, Distribuio, Controle, Faltas

Durao e Horrio

CLUSULA VIGSIMA SEXTA - JORNADA DE TRABALHO

A jornada de trabalho na atividade rural, ser de segunda a sbado. A jornada diria de segunda a sexta-
feira ser das 07:00 s 16:00 horas, com uma hora de intervalo para refeio e descanso e, aos sbados,
das 07:00 s 11:00 horas, facultada a pr-assinalao.

PARAGRAFO NICO Para as atividades de catao de bituca e irrigao poder ser adotado o
sistema 5x1 (cinco dias de trabalho por um de descanso), respeitando-se o limite mximo de jornada de
trabalho de 08:00 (oito) horas dirias, sem revezamento, com intervalo de 01 (uma) hora para refeio e
descanso.
258

Outras disposies sobre jornada

CLUSULA VIGSIMA STIMA - JORNADAS DIFERENCIADAS

A FETAEG e os sindicatos de trabalhadores rurais se comprometem a discutir com os empregados rurais


de suas bases, sobre a possibilidade de adoo de jornadas diferenciadas de trabalho, englobando
rotatividade de folga e trabalho aos domingos, e submeter a proposta patronal, com sua motivao,
Assemblia Geral Extraordinria da categoria profissional, no respectivo sindicato, ficando a adoo da
mencionada sistemtica condicionada aprovao da proposta pela maioria dos presentes na referida
assemblia.

Frias e Licenas

Remunerao de Frias

CLUSULA VIGSIMA OITAVA - PAGAMENTO DE FRIAS E OUTRAS VERBAS

Aos empregados que recebem por produo, a remunerao referente a frias e, em caso de extino do
contrato de trabalho, tambm das demais verbas rescisrias, ser calculada com base na mdia da
remunerao do empregado nos ltimos 06 (seis) meses ou do perodo trabalhado, quando este for
inferior, ou dos ltimos 30 (trinta) dias, caso este tenha valor superior ao da mdia encontrada.

Sade e Segurana do Trabalhador

Condies de Ambiente de Trabalho

CLUSULA VIGSIMA NONA - APLICAO DE DEFENSIVOS AGRCOLAS

A aplicao de defensivos agrcolas ser realizada observando-se a prescrio do receiturio agronmico


no que diz respeito dosagem, s condies de trabalho e proteo indispensvel para todos os
trabalhadores envolvidos na aplicao, bem como, na preservao e conservao do meio ambiente,
obedecidas as prescries legais, e o uso obrigatrio dos equipamentos de proteo, pelos empregados
e empregadores.

PARGRAFO PRIMEIRO Os empregados designados para a aplicao de defensivos agrcolas, sero


previamente submetidos a exame mdico para atestar sua aptido, sem nus para o empregado,
devendo o exame ser repetido trimestralmente, nas mesmas condies.

PARGRAFO SEGUNDO Ao final da jornada diria de trabalho, ser destinado local apropriado para
banho e troca de roupa para os empregados que desempenham essa funo.

PARGRAFO TERCEIRO Constatada a inadaptao para este servio, firmada em atestado por
mdico credenciado, o empregado ser transferido para outra funo.

CLUSULA TRIGSIMA - GUA POTVEL

Os empregadores fornecero gua potvel no local de trabalho, que dever ser armazenada em
recipiente que garanta a sua qualidade.
259

Exames Mdicos

CLUSULA TRIGSIMA PRIMEIRA - ATESTADOS MDICOS

Fica assegurado o pagamento do salrio pelos empregadores durante os primeiros 15 (quinze) dias do
afastamento do empregado por motivo de doena ou acidente, calculado de acordo com a mdia salarial
dos ltimos 07 (sete) dias trabalhados em caso de acidente e, sobre a mdia salarial dos ltimos 30 dias
trabalhados em caso de doena, ou a partir de sua admisso, quando este intervalo for inferior,
comprovado por atestado na forma da lei, firmado por mdicos ou odontlogos credenciados pelos
rgos da Previdncia Social, sem nus para o empregado.

PARGRAFO PRIMEIRO Os empregadores se comprometem a fazer uma campanha de


esclarecimento junto aos seus empregados no sentido de exigir que os emitentes do Atestado Mdico
indiquem o nmero do CID (Cdigo Internacional da Doena), evitando-se prejuzos aos mesmos.

PARGRAFO SEGUNDO Os atestados entregues at a data do fechamento (apurao) sero pagos


no prazo normal do perodo a que se referem.

PARGRAFO TERCEIRO Os empregadores ficaro desobrigados do cumprimento desta clusula a


partir do momento em que o governo assumir integralmente essa obrigao.

Outras Normas de Preveno de Acidentes e Doenas Profissionais

CLUSULA TRIGSIMA SEGUNDA - TRANSPORTE SEGURO E GRATUITO

Os empregadores rurais fornecero aos seus empregados transporte seguro e gratuito para o local de
trabalho, por motoristas habilitados, evitando-se o excesso de velocidade, observando as normas da NR
31.

PARGRAFO PRIMEIRO Os veculos utilizados pelos empregadores rurais para o transporte dos
empregados rurais at o local de trabalho, devero sair dos pontos de embarque s 6:00 horas e
regressar, s 16:00 horas, aps o expediente de trabalho, direto ao ponto de origem.

PARGRAFO SEGUNDO Excepcionalmente, quando o corte manual de cana-de-acar for concludo


antes do horrio normal de encerramento da jornada de trabalho e, portanto, antes do horrio de
regresso ao ponto de origem fixado no pargrafo anterior, o transporte de retorno ser imediato, direto ao
ponto de origem, aps o encerramento do servio, salvo nas situaes excepcionais previstas no
pargrafo nico da Clusula 4 desta Conveno.

PARGRAFO TERCEIRO Os empregados cumpriro as normas de segurana do transporte.

PARGRAFO QUARTO Os empregadores no utilizaro motoristas, que fazem o transporte dos


empregados rurais para os locais de trabalho, em outras atividades que possam comprometer a
segurana dos trabalhadores e o cumprimento dos horrios de transporte dos empregados previstos
nesta conveno.

PARGRAFO QUINTO Os horrios fixados no Pargrafo Primeiro desta clusula no se aplicam nas
situaes de trabalhadores submetidos s atividades de catao de bituca e irrigao, devendo o veculo
estar disposio para o transporte de ida e volta, nos horrios de incio e trmino das jornadas para
eles estabelecidas.
260

Outras Normas de Proteo ao Acidentado ou Doente

CLUSULA TRIGSIMA TERCEIRA - TRANSPORTE DO TRABALHADOR DOENTE

0 empregador transportar gratuitamente o empregado que sofrer acidente no trabalho ou ficar doente
em servio, para o hospital credenciado pela Previdncia Social da cidade dos servios e manter na sua
rea de produo, prximo s lavouras, posto de atendimento ambulatorial para os primeiros socorros.

PARGRAFO PRIMEIRO Em caso de acidente de trabalho de seus empregados, os empregadores se


comprometem a comunicar o acidente ao rgo competente da Previdncia Social no prazo estipulado
em lei.

PARGRAFO SEGUNDO Na hiptese de ocorrncia de um dos sinistros mencionados no caput desta


clusula o empregador efetuar, igualmente, o acompanhamento do trabalhador enfermo at o seu
adequado atendimento, garantindo, quando necessrio, o retorno empresa ou o transporte at a
residncia do empregado.

Relaes Sindicais

Acesso do Sindicato ao Local de Trabalho

CLUSULA TRIGSIMA QUARTA - LIVRE EXERCCIO DA ATIVIDADE SINDICAL

Os empregadores rurais facultaro aos Dirigentes Sindicais dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (nas
esferas de suas jurisdies), FETAEG, CONTAG e CENTRAL SINDICAL credenciada pelo STR ou
FETAEG, o comparecimento ao local de trabalho, sem prejuzo deste, para visitar ou manter contato com
os trabalhadores que prestem servios a esses empregadores, assegurando-se-lhes o livre exerccio da
atividade sindical prevista em lei, desde que o empregador ou seu preposto seja previamente
comunicado, facultando-se s entidades sindicais patronais (SRs, FAEG, SIFAEG e CNA) igual
oportunidade em relao aos empregadores.

Representante Sindical

CLUSULA TRIGSIMA QUINTA - DELEGACIAS SINDICAIS

Fica facultado aos Sindicatos de Trabalhadores Rurais instituir delegacias sindicais ou sees,
obedecidas as prescries legais, dentro de sua base territorial, para o fim de tomarem conhecimento das
sugestes com vistas a melhorar as condies de trabalho, formuladas pelos trabalhadores e encaminh-
las sua entidade sindical e ao representante patronal designado pelo empregador, prestar informaes
e assistncia aos trabalhadores e promover sua sindicalizao (art. 517, Pargrafo Segundo e 527 da
CLT), s podendo os delegados sindicais serem dispensados por justa causa. Esta estabilidade
garantida desde que o empregado no esteja no trmino do contrato de safra. Os delegados sindicais
tero que ser escolhidos em Assemblias Gerais do respectivo sindicato, dentre os trabalhadores que
prestam servios aos empregadores.

PARGRAFO NICO Fica proibida a separao do Dirigente ou Delegado Sindical de sua turma
costumeira de trabalho, e qualquer outra iniciativa patronal que prejudique a livre ao sindical, nos
limites da lei.
261

Liberao de Empregados para Atividades Sindicais

CLUSULA TRIGSIMA SEXTA - LICENA PARA PARTICIPAO EM ATIVIDADE SINDICAL

Fica assegurado o direito de se ausentar do trabalho, considerando-se falta justificada, porm no


remunerada, queles trabalhadores convocados pelos Sindicatos de Trabalhadores Rurais para
participarem de Congressos, Cursos, Conferncias, Reunies ou Seminrios convocados e realizados
pelos Sindicatos, FETAEG, CONTAG OU CENTRAL SINDICAL, pelo perodo mximo de 05 (cinco) dias
por ano, desde que feita prvia comunicao s empresas.

PARGRAFO PRIMEIRO Fica assegurada a mesma garantia para os dirigentes sindicais empregados,
regularmente eleitos e empossados, pelo perodo mximo de 10 (dez) dias, desde que o respectivo
sindicato encaminhe empresa, para esse fim especfico, o nome do dirigente, o perodo de ausncia e
sua respectiva motivao.

PARGRAFO SEGUNDO As faltas dos empregados ao servio em funo da participao nas rodadas
de negociaes da Conveno Coletiva sero consideradas justificadas, porm no remuneradas,
mediante comunicao escrita feita empresa pelo respectivo sindicato dos trabalhadores at o incio
das negociaes, limitada esta garantia a um empregado por empresa, no se aplicando esta limitao
quando se tratar de dirigente sindical.

Contribuies Sindicais

CLUSULA TRIGSIMA STIMA - CONTRIBUIO CONFEDERATIVA

Os empregadores rurais, por fora desta Conveno, descontaro dos empregados rurais que lhes
prestarem servios, em cumprimento deciso da Assemblia Estadual, realizada em 17 e 18 de abril de
2010, que aprovou a pauta de reivindicaes, a quantia equivalente ao valor de 3 (trs) dirias do piso
salarial convencionado, sobre a remunerao dos empregados no ms de junho de 2010 (dois mil e
dez), a ttulo de Contribuio Confederativa, nos termos do disposto no Precedente Normativo n 119 do
TST. O total desses valores, ser creditado diretamente na conta bancria da FEDERAO DOS
TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE GOIS - FETAEG, no prazo mximo de 10
(dez) dias, a contar do dia do desconto, para posterior rateio e distribuio aos sindicatos de
trabalhadores rurais signatrios da presente conveno coletiva.

PARGRAFO PRIMEIRO Para os empregados que no estiverem trabalhando no ms destinado ao


desconto, ser este efetuado no primeiro ms seguinte ao do incio do trabalho, procedendo-se o
recolhimento da mesma forma e nos mesmos prazos previstos nesta clusula.

PARGRAFO SEGUNDO Os empregadores encaminharo FETAEG, dentro de 15 (quinze) dias


aps o recolhimento, a relao nominal dos empregados contribuintes e o respectivo valor recolhido.

CLUSULA TRIGSIMA OITAVA - MENSALIDADE SINDICAL

Os empregadores rurais, por fora desta Conveno, descontaro de todos os seus empregados, aps
devida autorizao, a mensalidade sindical, em favor do respectivo sindicato de trabalhadores rurais,
cujos valores sero repassados conta do sindicato at o dcimo dia do ms subseqente a que se
referem.

Outras disposies sobre relao entre sindicato e empresa


262

CLUSULA TRIGSIMA NONA - AO CONJUNTA EM DEFESA DO SETOR

Os STRs e as entidades de grau superior a que os trabalhadores rurais estejam vinculados, se


comprometem a defender, em conjunto com as entidades patronais, os interesses do setor
sucroalcooleiro, mediante a efetiva participao em fruns, seminrios, debates, eventos e outras
promoes, subscrevendo e formulando reivindicaes que sero encaminhadas de forma conjunta aos
rgos governamentais.

CLUSULA QUADRAGSIMA - CAMPANHA CONTRA FALTAS

Os STRs de comprometem a desencadear uma campanha de conscientizao contra as faltas


injustificadas, esclarecendo os trabalhadores acerca dos prejuzos que tal prtica acarreta.

Disposies Gerais

Mecanismos de Soluo de Conflitos

CLUSULA QUADRAGSIMA PRIMEIRA - SOLUO DAS DIVERGNCIAS

As divergncias surgidas entre empregadores e empregados na aplicao das Clusulas desta


Conveno, sero solucionadas atravs da interveno de seus representantes legais. Quando a soluo
amigvel se tornar invivel, o conflito de interesses ser solucionado pela Justia do Trabalho, nos
termos da legislao vigente.

CLUSULA QUADRAGSIMA SEGUNDA - CONVOCAO ESPECFICA

Fica facultada, a qualquer das partes, a convocao da outra parte para a avaliao e discusso de
problemas gerais e/ou especficos e de interesse coletivo, devendo a convocao ser feita por escrito
relatando-se os motivos que a justifiquem.

Aplicao do Instrumento Coletivo

CLUSULA QUADRAGSIMA TERCEIRA - RESPEITO CONVENO

As partes convenentes se comprometem a respeitar a presente Conveno como legtimo instrumento de


regulao das relaes de trabalho e do seu indispensvel aprimoramento, sem a participao de
terceiros estranhos a este pacto coletivo.

Descumprimento do Instrumento Coletivo

CLUSULA QUADRAGSIMA QUARTA - MULTA POR DESCUMPRIMENTO

A parte convenente que infringir qualquer das Clusulas contidas na presente Conveno, estar sujeita
ao pagamento de uma multa correspondente ao valor de um dcimo (1/10) da diria vigente da categoria,
e por trabalhador, em favor da parte prejudicada.

Outras Disposies

CLUSULA QUADRAGSIMA QUINTA - PRORROGAO E REVISO


263

O processo de prorrogao e de reviso total ou parcial das Clusulas desta Conveno ser
disciplinado pelo artigo 615 e seus pargrafos, da Consolidao das Leis do Trabalho CLT.

CLUSULA QUADRAGSIMA SEXTA - EFEITO RETROATIVO

A presente Conveno, assinado o requerimento de registro e arquivamento junto Superintendncia


Regional do Trabalho e Emprego SRTE, em Goinia, produzir efeitos retroativamente a partir de 21 de
maio de 2010.

ELIAS D ANGELO BORGES


Presidente
FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO EST GOIAS

MANOEL VICENTE DA SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ANICUNS

SEVERINO JOSE SOBRINHO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ACREUNA

LOURDES FREITAS DE SOUSA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CACU

ANTONIO RODRIGUES NETO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CARMO DO R VERDE

MANOEL JESUINO MARTINS


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CATURAI

ORLANDO LUIZ DA SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE CERES

MONICA PEREIRA DE OLIVEIRA NUNES


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE EDEIA

ELISVALDO SOARES DIAS


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE GOIANESIA

GERALDA MARCIANA DE SOUSA


Secretrio Geral
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE GOIATUBA

VALDEMAR GARRIDO DE LIMA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE INDIARIA GOIAS

ADERCIO ALVES FERREIRA


264

Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE INHUMAS E DAMOLANDIA

JOSE JACSON RIBEIRO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITABERAI

CARLOS HENRIQUE RIBEIRO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITAGUARU

MARCOS LEANDRO VASCONCELOS


Secretrio Geral
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITAPURANGA

ELEANDRO BORGES DA SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DO MUNICIPIO DE ITAUCU

MARIA SALETE CASTRO DA SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ITUMBIARA

CORIVALDO FURTADO DE OZEDA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE JATAI

VALDEMAR ROSA DE JESUS


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MINEIROS

JOAO DONIZETE NEVES SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MORRINHOS

JOSE DOMINGOS NETO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE NAZARIO

EDIMO PESSONI
Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE NOVA VENEZA, NEROPOLIS, BRAZABRANTES,
SANTO ANTONIO DE GOIAS E GOIANIA

JOAO INACIO DUTRA NETO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE PONTALINA

SEBASTIAO INACIO DA SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE QUIRINOPOLIS

LUIZ BORGES NETO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE RIO VERDE
265

OLIMPIO ALVES DE MELO


Presidente
SINDICATO TRABALHADORES RURAIS DE RUBIATABA

CASSIMIRO RAIMUNDO GARCIA


Presidente
SIND DOS TRAB RURAIS DE SANCLERLANDIA E BURITI DE GOIAS

LUIS GONZAGA DA SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE SERRANOPOLIS

DIOMARIO JOAQUIM DE LEMOS


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES DE TAQUARAL

ISMAEL BATISTA DA SILVA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE TRINDADE

VALDEMAR ALVES CAETANO


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE TURVANIA

PEDRO PAULO DE ANDRADE


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE URUACU (GO) E EXTENSOES DE BASE NOS MUN.
DE HIDROLINA (GO) E SAO LUIS DO NORTE (GO)
MARIO RODRIGUES BRAGA
Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE URUANA

DAVI MARTINS ARRUDA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE JANDAIA

ADAO DE FREITAS FERREIRA


Presidente
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MONTIVIDIU GOIAS

MARIANA ALVES DE JESUS DOS SANTOS


Secretrio Geral
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE ITAGUARI GO

SEGUNDO BRAOIOS MARTINEZ


Presidente
SINDICATO DA IND DE FABRICACAO DE ALCOOL DO EST DE GOI

SEGUNDO BRAOIOS MARTINEZ


Presidente
SINDICATO DA IND DE FAB. DE ACUCAR DO EST DE GOIAS - SIFACUCAR

JOSE MARIO SCHREINER


Presidente
FEDERACAO DA AGRICULTURA E PECUARIA DE GOIAS-FAEG
266

AFONSO HENRIQUE PIRES


Presidente
SIPRA - SINDICATO DOS PRODUTORES RURAIS DE ACREUNA

CARLOS ALVES DE LELES


Presidente
SINDICATO RURAL DE ITABEARI

LUIZ BENEDITO DA SILVA


Presidente
SINDICATO RURAL DE MONTIVIDIU

JOSE EDUARDO FLEURY


Presidente
SINDICATO RURAL DE QUIRINOPOLIS

SANTO GARCIA
Presidente
SINDICATO RURAL DE SANTA HELENA DE GOIAS

TIAGO FREITAS DE MENDONCA


Presidente
SINDICATO RURAL DE MORRINHOS

A autenticidade deste documento poder ser confirmada na pgina do Ministrio do Trabalho e Emprego
na Internet, no endereo http://www.mte.gov.br.

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