Bruno Tolentino e A Poética Classicizante - O Caso de A Balada Do Cárcere - Érico Nogueira (USP) PDF
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classicizante: o caso de A
balada do cárcere
Érico Nogueira
Universidade Federal de São Paulo
Classicismo pós-cabralino
E
m matéria de poesia e poética, os anos noventa do século
XX talvez possam descrever-se, no Brasil, como a década
de João Cabral de Melo Neto, ou, mais exatamente, como
o período culminante de sua canonização, iniciada em 1942
com a publicação de um então promissor volume de estreia1.
Príncipe dos poetas brasileiros desde a morte de Drummond
em 1987, e ganhador, em 1990, do prestigiosíssimo Prêmio
Camões, Cabral teve a obra completa2 lançada pela primeira
vez em 1994, e uma segunda e atualizada edição em dois
volumes de sua poesia completa3 em 1997, publicações essas
que, secundadas pela aclamação de poetas, críticos e professores
universitários do porte de Haroldo de Campos4, João Alexandre
Barbosa5 e Antonio Carlos Secchin6, entre tantos outros, lhe
1
Cf. Candido, 2002, p. 135-142.
2
Cf. Melo Neto, 1994.
3
Cf. Melo Neto, 1997.
4
Cf. Campos, 2000.
5
Cf. Barbosa, 2001.
6
Cf. Secchin, 1999.
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O adjetivo classicus, em latim, cujo sentido original é “de primeira
classe ou grandeza”, foi aplicado por Aulo Gélio (125 d. C. – 180 d.
C.) para descrever os autores modelares, que deviam ser imitados e
glosados por quem quer que aspirasse à correção do idioma. Desse
modo, autor ou poesia clássicos são simplesmente os de primeira
classe ou ordem, que se erigem em modelo ou norma para os demais.
Todas as poéticas classicizantes, a de Tolentino inclusive, apresentam,
em alguma medida, essa pretensão normativa ou modelar. Cf.
Curtius, 1993, p. 253-256.
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15
Cf. Lausberg, 2008, p. 552-554.
16
Cf. Simas Rabello, 2014.
17
Cf. B onnefoy , 1992. Cf. também, para uma sucinta e exata
apresentação da poética de Bonnefoy, Simpson, 2006, p. 19-32.
18
Tolentino, 2002, p. 84.
19
Cf. Pessoa, 1974, p. 142: “Eu, porém, antes diria que a poesia é uma
música que se faz com ideias, e por isso com palavras”.
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Tolentino, 2002, p. 83.
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Poesia e Conhecimento de Si
De um ponto de vista histórico-biográfico, a publicação
de A balada do cárcere em 1996 pode ser interpretada como a
mais consistente resposta do autor a uma querela iniciada
dois anos antes nas páginas de O Estado de São Paulo, e à qual o
professor John Milton, em artigo inteligente e imparcial, muito
corretamente chamou “a guerra das traduções”23. Para além
de pura (e acerba) altercação sobre tradução literária, contudo,
a querela entre Augusto de Campos e Bruno Tolentino foi
21
Cf. Siscar, 2013, p. 110.
22
Tal enumeração não é nem pretende ser exaustiva, e inclui nomes
como o brasileiro Alberto da Cunha Melo e o português António
Franco Alexandre, entre outros.
23
Cf. Milton, 1996, p. 13-26.
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24
Cf.Milton, 1996, p. 21: “Enquanto a linguagem de Augusto de
Campos [durante a querela] é a de alguém que está ‘no centro’ e que
quer ficar lá, a linguagem de Bruno Tolentino é de alguém que quer
entrar, que quer tomar o lugar que Augusto de Campos atualmente
ocupa. Uma grande ironia é que Augusto de Campos frequentemente
usa o termo ‘vanguardista’ para se descrever, enquanto defende o
poder que conquistou. Mas é impossível para um poeta que já tem
um certo sucesso ficar sempre na vanguarda”. Ainda que se note,
talvez, uma pequena queda de prestígio da poética de Campos
– que hoje divide a primazia universitária com uma espécie de
multiculturalismo tupiniquim –, e uma pequena elevação da de
Tolentino – que apenas começa a ser objeto de estudos acadêmicos –,
a situação que John Milton descreve em 1996 é basicamente a mesma
em 2014. Por isso mesmo, é justo mencionar aqui a pesquisa que
Juliana Perez tem desenvolvido sobre a poesia de Bruno Tolentino.
Professora de literatura alemã na Universidade de São Paulo, o
trabalho de Perez tem ajudado bastante a preencher essa lacuna
bibliográfica. Para maiores informações sobre os artigos já publicados,
vide bibliografia final.
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25
Cf., a propósito, sobre a transformação do projeto concretista, de
vanguarda em status quo,Milton, 1996, p. 20.
26
Cf. Tolentino, 1996, p. 9: “E, malgrado a grandiosidade dos negro
spirituals, por exemplo, mantenho que só a poesia, a linguagem
profunda de uma raça, tem a amplitude de meios capazes de dar à
complexidade da condição humana aquela dimensão de verticalidade
correspondente às grandes perplexidades da alma”.
27
Cf. Lausberg, 2008, p. 507-511.
28
Tolentino, 1996, p. 11.
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Cf. Tolentino, 2002, p. 25: “... mais claramente que em todas as artes,
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Cf. Tolentino, 1996, p. 126: “Foi uma coisa fabulosa, tenho saudades
daquele tempo [da prisão] que enriqueceu minha vida pessoal e
revolucionou minha percepção das artes da linguagem. Prenderam
um esteta e soltaram um poeta!”.
31
Muito sucintamente, saiba-se que Tolentino, que então vivia
na Inglaterra, foi lá condenado a onze anos de prisão por tráfico
internacional de entorpecentes, sentença de que chegou a cumprir
a metade, de setembro de 1987 ao início de 1993, ano em que foi
deportado para o Brasil.
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Cf. Horácio, 1984, v. 309-311: Scribendi recte sapere est et principium et
fons. / Rem tibi Socraticae poterunt ostendere chartae, / uerbaque prouisam
rem non inuita sequentur. “Ser sabedor é o princípio e a fonte do bem
escrever. Os escritos socráticos já te deram ideias e agora as palavras
seguirão, sem esforço, o assunto imaginado.” A menção a Sócrates vem
bastante a calhar, e é indício eloquente de que a sabedoria assinalada
por Horácio é antes de tudo e sobretudo o socrático conhecimento de si.
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Resumo
Se uma tendência classicizante distingue a produção de
vários dos mais representativos poetas brasileiros do último
quarto de século, a poesia de Bruno Tolentino (1940-2007),
pela repercussão que causou, talvez valha por emblema
de toda a tendência. Desse modo, o que pretendemos,
primeiro, é fazer sucinto apanhado da poética do autor, tal
e como aparece no mais longo e importante ensaio crítico
que escreveu, e, depois, mostrar brevemente como A balada
do cárcere, cuja segunda edição se encontra no prelo, é uma
possível expressão concreta dos mesmos princípios teóricos.
Abstract
If a classicizing trend is the hallmark of some of the best and
most prestigious poetry produced in Brazil during the last
25 years, so Bruno Tolentino’s work is worth considering
as a symbol or quintessence of this whole trend. Therefore
this paper is, first, a brief study of his most important essay
on poetics and, second,an analysis of A Balada do Cárcere as
a possible expression of his poetic principles.
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