Bruni De-Interpretatione-Recta PDF
Bruni De-Interpretatione-Recta PDF
Bruni De-Interpretatione-Recta PDF
Mauri Furlan
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Universidade Federal de Santa Catarina
DE INTERPRETATIONE DA TRADUÇÃO
RECTA1 CORRETA
(1420) (2011)
1
O texto latino aqui utilizado foi estabelecido por Hans Baron, 1928, mas com alterações na di-
visão de parágrafos, realizadas pelo tradutor.
2
Protógenes, Apeles e Aglaofonte, célebres pintores gregos, sendo Apeles (séc. IV a.C.) o mais
conhecido por ter retratado Filipe II e Alexandre Magno. Nenhuma de suas pinturas chegou até
nós.
ergo uehementiores uisi sumus, tóteles, que são mais belos e elegan-
hanc nos causam nouerit permouis- tes que qualquer pintura. Se a al-
se, quae profecto talis est, ut, etsi guém parecemos um tanto veemen-
modum transgressi fuissemus, ta- tes, saiba que nos perturbou esta
men uenia foret nobis haud imme- causa, a qual por certo é de tal mon-
rito concedenda. ta que, ainda que tivéssemos extra-
polado o limite, contudo, deveria
ser-nos concedida vênia não imere-
cidamente.
Sed non sumus transgressi Mas não extrapolamos o limi-
modum iudicio nostro, sed quamuis te, a nosso ver, e, embora indigna-
indignantes modestiam tamen hu- dos, conservamos a moderação e a
manitatemque seruauimus. Sic humanidade. Reflita, pois, assim:
enim cogita! An ego quicquam in Acaso eu disse algo contra os cos-
mores illius dixi? An in uitam? An tumes dele? Acaso, contra sua vida?
ut perfidum, ut improbum, ut libi- Acaso o censurei por pérfido, ím-
dinosum illum reprehendi? Nihil probo, libidinoso? Nada disto, por
profecto horum. Quid igitur in illo certo. O que, portanto, censurei ne-
reprehendi? Imperitiam solummo- le? Apenas sua imperícia nas letras.
do litterarum. Haec autem, per Por Deus, que repreensão é esta,
deum immortalem, quae tandem ui- afinal? Acaso não pode alguém ser
tuperatio est? An non potest quis um bom homem, e contudo não co-
esse uir bonus, litteras tamen aut nhecer profundamente as letras ou
nescire penitus aut non magnam il- não possuir aquela grande perícia
lam, quam in isto requiro, peritiam que reclamo para isto? Eu não disse
habere? Ego hunc non malum ho- que ele era um mau homem, mas
minem, sed malum interpretem es- um mau tradutor. O que igualmente
se dixi. Quod idem fortasse de Pla- talvez eu dissesse de Platão, se qui-
tone dicerem, si gubernator nauis sesse ser timoneiro de um navio e
esse uellet, gubernandi uero periti- não tivesse perícia para timoneá-lo.
am non haberet. Nihil enim de phi- Eu não depreciaria nada de sua filo-
losophia ei detraherem, sed id so- sofia, mas apenas criticaria que fos-
lummodo carperem, quod imperi- se um timoneiro imperito e inepto.
tus et ineptus gubernator esset.
Atque ut tota res ista latius E para que tudo isso possa ser
intelligatur, explanabo tibi primo, mais amplamente entendido, expla-
quid de hac interpretandi ratione nar-te-ei em primeiro lugar o que eu
sentio. Deinde merito reprehensio- penso sobre o método de traduzir.
nes a me factas docebo. Tertio me Em seguida, mostrarei as repreen-
in reprehendendo illius errata doc- sões merecidamente feitas por mim.
tissimorum hominum morem obse- Em terceiro lugar, mostrarei que, ao
ruasse ostendam. repreender os erros dele, observei o
costume de homens doutíssimos.
I. I.
tum, si uerba attendas, aliud, si fazer] e mos [uso, costume] sabe até
consuetudinem, perierunt. Idem est mesmo o leitor inculto; o que, po-
de ceteris, quae supra posuimus, rém, significa o todo, é outra coisa.
cum aliud uerba, aliud sententia ue- Desiderati miles centum, se te aténs
rborum significet. Deprecor hoc às palavras, é uma coisa [cem sol-
negationem dicit. Rudis autem lec- dados desejados], se ao uso, “pere-
tor et inexercitatus perinde capiet, ceram”. O mesmo acontece às ou-
quasi illud uelit, quod deprecatur, tras que colocamos acima, quando
etsi interpretandum sit: contrarium as palavras significam uma coisa,
mihi dicet, quam littera habeat, de outra, a sentença das palavras. De-
qua transfert. precor hoc [afasto isso por meio de
rogos] quer dizer negação. Um lei-
tor inculto e inexperiente, porém,
entenderá exatamente como se se
desejasse aquilo que se rejeita, e se
tiver que traduzir me dirá o contrá-
rio do que contem a obra da qual
traduz.
Iuuentus et iuuenta duo sunt, Iuuentus e iuuenta são duas
quorum alterum multitudinem, alte- palavras, das quais uma significa
rum aetatem significat. “Si mihi fo- “multidão”, a outra, “idade”. “Si
ret illa iuuenta”, inquit Virgilius; et mihi foret illa iuuenta”3 [Se eu ti-
alibi: “primaeuo flore iuuentus vesse aquela juventude], disse Vir-
exercebat equos”; et Liuius: “arma- gílio; e em outra passagem: ‘pri-
ta iuuentute excursionem in agrum maeuo flore iuuentus exercebat
Romanum fecit.”– Deest et abest: equos”4 [na primeva flor a juventu-
Alterum uituperationem, alterum de se exercitava nos cavalos]; e Tito
laudem importat. Deesse namque Lívio: “armata iuuentute excursio-
dicimus, quae bona sunt, ut oratori nem in agrum Romanum fecit” 5
uocem, histrioni gestum; abesse [com a juventude armada fez uma
autem uitia, ut medico imperitiam, incursão em território romano]. –
causidico praeuaricationem. Poena Deest [falta] e abest [está ausente]:
et malum affinia uidentur; sunt au- um implica reprovação, o outro,
tem longe diuersa. Nam dare poe- elogio; dizemos deesse [faltar] às
nas: subire est ac perpeti; dare au- coisas que são boas, como a voz de
tem malum est: alteri inferre. Con- um orador, o gesto de um ator;
tra uero: Quid alienius uideri potest abesse [estar ausente], porém, aos
quam recipio et promitto. Sunt ta- defeitos, como a imperícia de um
men interdum eadem. Cum enim médico, a prevaricação de um ad-
dicimus recipio tibi hoc, nihil aliud vogado. Poena [pena, castigo] e ma-
significamus quam promitto. Pos- lum [desgraça, mal] parecem afins;
sem innumerabilia paene huius ge- são, contudo, em muito diferentes.
3
Virgílio, Eneida, V, 397-398: “si mihi quae quondam fuerat quaque improbus iste / exsultat
fidens, si nunc foret illa iuuentas”.
4
Virgílio, Eneida, VII, 162-163: “ante urbem pueri et primaeuo flore iuuentus / exercentur equis
domitantque in puluere currus”.
5
Tito Lívio, História de Roma, III, 8,7: “Fabius praeerat urbi; is armata iuuentute dispositisque
praesidiis tuta omnia ac tranquilla fecit.”
6
Juvenal, Sátiras, II, 100, a partir de Virgílio, Eneida, XII, 94.
7
Início do prólogo da Medéia de Ênio, citado pelo autor da Rhetorica ad Herennium, II, 22, 34.
8
Aristóteles, Ética a Nicômaco, VIII, 1, a partir de Homero, Ilíada, X, 224.
9
Aristóteles, Política, III, 1278a, 9. Homero, Ilíada, IX, 648.
10
Aristóteles, Ética a Nicômaco, II, 9, 1109b10. Homero, Ilíada, 3, 156-160.
qui ad exemplum picturae picturam por dolo, mas por ignorância. Co-
aliam pingunt, figuram et statum et mo, pois, os que pintam um quadro
ingressum et totius corporis for- a imitação de outro quadro tomam
mam inde assumunt nec, quid ipsi dele a figura, a postura, o movimen-
facerent, sed, quid alter ille fecerit, to e a forma do corpo inteiro, e não
meditantur: sic in traductionibus refletem sobre o que eles mesmos
interpres quidem optimus sese in fariam, mas sobre o que um outro
primum scribendi auctorem tota fez, assim nas traduções, o bom tra-
mente et animo et uoluntate co- dutor, contudo, se converterá no au-
nuertet et quodammodo transfor- tor primeiro do escrito com toda sua
mabit eiusque orationis figuram, mente, espírito e vontade, e de certo
statum, ingressum coloremque et modo o transformará, e refletirá so-
liniamenta cuncta exprimere medi- bre como expressar a figura, a posi-
tabitur. Ex quo mirabilis quidam ção, o movimento e a cor da oração
resultat effectus. e todos os traços. Disto resulta um
certo efeito admirável.
Nam cum singulis fere scrip- Com efeito, uma vez que qua-
toribus sua quaedam ac propria sit se todos os escritores têm um certo
dicendi figura, ut Ciceroni ampli- estilo seu e próprio, como Cícero a
tudo et copia, Sallustio exilitas et magnificência e a abundância, Sa-
breuitas, Liuio granditas quaedam lústio a secura e a brevidade, Tito
subaspera: bonus quidem interpres Lívio uma sublimidade algo áspera,
in singulis traducendis ita se con- o bom tradutor, contudo, se confor-
formabit, ut singulorum figuram mará assim a cada um a ser traduzi-
assequatur. Itaque, siue de Cicero- do, de modo a seguir o estilo de ca-
ne traducet, facere non poterit, quin da um. Por isso, se traduzir Cícero,
comprehensiones illius magnas não poderá agir de modo a não to-
quidem et uberes et redundantes mar seus longos períodos ricos e re-
simili uarietate et copia ad supre- dundantes com similar variedade e
mum usque ambitum deducat ac abundância até a última frase, e ora
modo properet, modo se colligat. acelerá-los, ora restringi-los. Se ver-
Siue de Sallustio transferet, necesse ter Salústio, terá por obrigação so-
habebit de singulis paene uerbis iu- pesar quase que cada palavra indi-
dicium facere proprietatemque et vidual e perseguir sua propriedade e
religionem plurimam sequi atque máxima exatidão e, por conta disso,
ob hoc restringi quodammodo at- restringir-se de certo modo e anular-
que concidi. Siue de Liuio traducet, se. Se traduzir Tito Lívio, não pode-
facere non poterit, quin illius di- rá agir de modo a não imitar seu es-
cendi figuram imitetur. Rapitur tilo. O tradutor é, pois, arrastado pe-
enim interpres ui ipsa in genus di- la própria essência para o modo de
cendi illius, de quo transfert, nec dizer daquele do qual traduz, e não
aliter seruare sensum commode po- poderá de outra forma preservar
terit, nisi sese insinuet ac inflectat adequadamente o sentido se não pe-
per illius comprehensiones et ambi- netrar e se retorcer através das ora-
tus cum uerborum proprietate ora- ções e períodos daquele com a pro-
tionisque effigie. Haec est enim op- priedade das palavras e a imitação
tima interpretandi ratio, si figura do discurso. Este é um excelente
primae orationis quam optime con- método de traduzir: preservar ao
Hanc tibi, o dilecte amor, nostra A ti, ó dileto amor, cantamos essa
pro facultate, quam pulcherrime optime- palinódia, de um modo quase poético, o
que ualuimus, poetico quasi more palino- quanto pudemos na forma mais bela e ex-
diam cecinimus. Quare et antedictorum celente, segundo nossa capacidade. Por is-
ueniam praesta, et horum gratia mihi pro- so, concede o perdão pelos ditos anterior-
pitius assiste. Tum, si quid indignum tuo mente, e por causa deles assiste-me bene-
numine a Phaedro et me dictum sit, Lysi- volamente. Pois, se algo indigno à tua di-
am huius disputationis patrem accusans, vindade foi dito por Fedro e por mim, que
ab huiusmodi sermonibus desistere facias, possas, acusando Lisias, o pai desta dispu-
et ad philosophiam quemadmodum frater ta, fazê-lo desistir dos discursos deste gêne-
eius Polemarchus uersus est, ita illum co- ro, e, assim, volta-o à filosofia, como seu
nuerte. Haec ipsa et ego deum oro, o So- irmão Polemarco se voltou. Estas mesmas
crates. Tuum uero sermonem iam pridem coisas também eu rogo a Deus, ó Sócrates.
admiror. Quam ualde superiori antecellit; Na verdade, já admiro muito teu discurso.
ut iam uereri incipiam, ne Lysias mihi exi- Quanto supera ao anterior! A ponto de eu
lis exanguisque uideatur si pergat ad hunc começar a temer que Lisias venha a me pa-
tuum alium suum conferre. recer pobre e fraco se continuar a contrapor
a este teu um outro seu.
11
Endimião, em versões distintas na mitologia grega, por solicitação da Lua, teria sido agracia-
do por Júpiter com o sono eterno, preservando, contudo, sua juventude. Ou, por ter desrespeita-
do Juno, teria sido castigado por Júpiter com o sono perpétuo.
Non enim ex eo, quia saepe au- Não por termos muitas vezes ouvido
diuimus aut saepe uidimus, sensum acce- ou muitas vezes visto, adquirimos os senti-
pimus, sed contra habentes usi sumus, non dos, mas pelo contário, possuindo-os usa-
utentes habuimus. At uirtutes acquirimus mo-los, e os possuímos não os usando. Mas
operando prius, quemadmodum et in aliis as virtudes, adquirimo-las primeiramente
artibus. Quae enim oportet postquam didi- obrando, como acontece também entre as
cerimus facere, ea faciendo addiscimus, outras artes. Pois, aquilo que é necessário
ceu fabricando fabri et citharam pulsando fazer depois que tivermos aprendido,
citharedi; sic iusta agendo iusti et modesta aprendemos fazendo-o, como os construto-
modesti et fortia fortes efficiuntur. res ao construir, e os citaristas ao tocar a cí-
tara; assim, agindo com justiça se fazem os
justos, com moderação, os moderados, e
com bravura, os bravos.
ribus non bene erit qui ita curantur, sic ne bom. Mas a maioria não faz assim. Na ver-
illorum animis qui ita philosophantur. dade, voltando-se para as palavras e os de-
bates, pensam que filosofam e que, deste
modo, se tornam homens bons: imitando os
doentes que ouvem atentamente as palavras
dos médicos, mas que nada fazem daquilo
que lhes foi prescrito. Assim como não es-
tarão bem os corpos daqueles que assim se
tratam, do mesmo modo, as almas daqueles
que assim filosofam.
Videmus, inquit, homines acquirere Vemos, ele diz, que os homens não
et tueri non uirtutes externis bonis, sed ex- adquirem e conservam as virtudes mediante
terna uirtutibus, ipsaque beata uita - siue et os bens externos, mas os bens externos me-
gaudio posita est, siue in uirtute, siue in diante as virtudes, e a própria vida feliz –
ambobus - magis existit moribus et intel- encontre-se ela seja na alegria, seja na vir-
lectu in excessum ornatis, mediocria uero tude, seja em ambas as duas – está mais pa-
externa possidentibus, quam his qui exter- ra os adornados ao máximo com caráter e
norum plura possident quam opus sit, mo- inteligência, e que, contudo, possuem mo-
ribus uero intelligentiaque deficiant. destos bens externos, do que para os que
possuem mais bens externos do que seja
necessário, mas carecem de caráter e inteli-
gência.
Contingit uero, ut boni quidem uiri Acontece, pois, que homens certa-
maxime hunc magistratum deuitent, prauis mente bons evitam ao máximo essa magis-
autem nequaquam tutum sit illum commit- tratura, porém, de forma alguma é seguro
tere, cum ipsi potius indigeant custodia et confiá-la aos perversos, quando eles mes-
carcere, quam alios debeant custodire. mos precisam mais de custódia e cárcere do
que podem vigiar os outros.
II. II.
12
Bruni possivelmente se equivoca, pois uma das hipóteses contemporâneas de maior peso so-
bre as traduções de Aristóteles aponta o nome de Roberto Grosseteste (1168-1253) como tradu-
tor ao latim da Ética a Nicômaco (a tradução mais criticada por Bruni), e o de Guilherme de
Moerbeke (1215-1286) como o tradutor da Política, em 1260. Mas tal equívoco também pode
ser explicado pelo fato de que a tradução realizada por Roberto Grosseteste foi revisada por
Guilherme de Moerbeke.
“honorabilitas” dicendum fuit, sed cias. Pois devia ser dito census, não
“census”; hoc est enim conueniens honorabilitas; este é o nome conve-
nomen et Graeco proprie corres- niente e propriamente correspon-
pondens, “honorabilitas” autem in- dente em grego; honorabilitas, po-
conueniens ac penitus alienum. rém, é inconveniente e totalmente
Ciuitates enim Graecorum ferme inoportuno. Pois quase todas as ci-
omnes censu moderabantur. Romae dades dos gregos eram governadas
quoque census fuit a Seruio Tullio segundo o censo. Também em Ro-
rege constitutus. Diuisit enim ciui- ma, o censo foi instituído pelo rei
tatem non secundum regiones, sed Sérvio Túlio. Dividiu a cidade não
secundum censum, faciens unum conforme as regiões, mas conforme
corpus eorum ciuium, qui habebant o censo, criando uma só classe da-
censum supra centum milia aeris, queles cidadãos que tinham um cen-
aliud corpus habentium censum a so acima de cem mil asses, outra
centum milibus ad septuaginta classe dos que tinham um censo de
quinque, tertium eorum, qui habe- 100 mil a 75 mil asses, uma terceira
bant censum a septuaginta quinque dos que tinham um censo de 75 mil
milibus ad quinquaginta; et ita des- a 50 mil asses, e assim em escala
cendens usque ad quinque milia pe- descendente até chegar a 5 mil as-
ruenit. Infra eum numerum sine ses. Abaixo deste número deixou
censu reliquit, quasi tenues et im- sem censo, como se fossem fracos e
potentes. Ex censu autem, quae desvalidos. A partir do censo, pois,
domi et militiae subeunda forent estabeleceu os encargos que deveri-
onera, constituit. Quia uero patri- am ser aportados na paz e na guerra.
monia uel minuuntur uel augentur, Contudo, porque os patrimônios
de quinquennio in quinquennium diminuem ou aumentam, estabele-
recenseri constituit. Id quinquen- ceu que se recenseasse de cinco em
nium “lustrum” appellarunt; magis- cinco anos. Chamaram a este quin-
tratus uero, qui censui praeessent quênio de lustrum [lustro]; e os ma-
“censores” dicti sunt. Apud Grae- gistrados que presidissem ao censo
cos uero censores dicuntur “timi- foram chamados censores. Entre os
tae” et census “timima” uocatur. gregos, contudo, os censores são
Sed bonus ille interpres ista non le- chamados timetai, e o censo, time-
gerat. Verum pro censu “honorabi- ma. Mas aquele bom tradutor não
litatem” somniauit, nouum faciens havia lido isso. Na verdade, deva-
uerbum a se ipso, quod nemo ante neou honorabilitas no lugar de cen-
posuerat. sus, criando por si mesmo uma nova
palavra que ninguém antes empre-
gara.
Quod autem inquit “licere E quando disse “licere abiura-
abiurare magistratum”: dubito, ne re magistratum” [é permitido abju-
uerbum “abiurare” non recte sit po- rar o cargo público], duvido que a
situm; praepositio enim ad uerbum palavra abiurare esteja empregada
“iuro” addita “falsum iuramentum” corretamente; pois uma preposição
significare uidetur, ut periurare, adjungida ao verbo iuro parece sig-
deierare, abiurare. Sallustius de nificar “falso juramento”, como per-
Sempronia creditum “abiurauerat”; iurare [jurar em falso], deierare
caedis conscia fuerat. “Abiurare [comprometer-se com juramento
creditum” est: falso iuramento se a falso], abiurare [negar com jura-
13
Salústio, A Conjuração de Catilina, XXV, 4: “Sed ea saepe antehac fidem prodiderat, credi-
tum abiurauerat, caedis conscia fuerat, luxuria atque inopia praeceps abierat.”
debet tamen ex bono et aequo sic “A lei escrita é assim, porém deve
intelligi, et aliud ex rigore iuris, ser entendida de acordo com o bom
aliud ex aequitate.” Et alibi inquit: e o equânime, por um lado segundo
“Ius est ars boni et aequi.” Cur tu o rigor da lei, por outro segundo a
ergo mihi “epiichiam” relinquis in equanimidade”. E em outro lugar
Graeco, uerbum mihi ignotum, diz: “A lei é a arte do bom e do
cum possis dicere “ex bono et equânime”. Por que tu, pois, me
aequo”, ut dicunt iurisconsulti nos- deixas em grego epieikeia, palavra
tri? Hoc non est interpretari, sed para mim desconhecida, quando po-
confundere, nec lucem rebus, sed des dizer ex bono et aequo, como
caliginem adhibere. dizem nossos jurisconsultos? Isso
não é traduzir, mas confundir, nem
lançar luz às coisas, mas trevas.
Quid dicam de suauitate ac Que dizer da suavidade e da
rotunditate orationis, qua quidem in harmonia do discurso, nas quais
re plurimum laborasse Aristoteles Aristóteles parece certamente haver
in Graeco uidetur. Hic autem inter- se empenhado muito em grego?
pres ita dissipatus delumbatusque Nisso o tradutor é tão dispersivo e
est, ut miserandum uideatur, tan- desleixado que é lastimável consi-
tam confusionem intueri. Taedet derar tamanha confusão. Cansa-me
me plura referre. Est enim plena in- relatar outras questões. E a tradução
terpretatio eius talium ac maiorum dele está cheia de tais e ainda de
absurditatum et delirationum, per maiores absurdos e delírios, pelos
quas omnis intellectus et claritas il- quais todo entendimento e clareza
lorum librorum miserabiliter trans- daqueles livros são transformados
formatur fiuntque ii libri ex suaui- miseravelmente, e tais livros tor-
bus asperi, ex formosis deformes, nam-se de suaves ásperos, de for-
ex elegantibus intricati, ex sonoris mosos deformes, de elegantes in-
absoni et pro palaestra et oleo la- trincados, de sonoros ábsonos, e em
crimabilem suscipiunt rusticitatem: vez de graça e apuro assumem uma
ut, si quis apud inferos sensus sit rusticidade deplorável, a tal ponto
rerum nostrarum, indignetur et do- que, se alguma sensibilidade há no
leat Aristoteles libros suos ab im- outro mundo com respeito às nossas
peritis hominibus ita lacerari, ac coisas, Aristóteles se indigne e se
suos esse neget, quos isti transtule- condoa de que livros seus sejam as-
runt, ac suum illis nomen inscribi sim maltratados por homens inábeis,
molestissime ferat. Haec igitur ego e negue serem seus os que estes tra-
tunc reprehendi et nunc etiam re- duziram, e suporte com muitíssimo
prehendo. pesar que se escreva seu nome sobre
eles. Isso, pois, eu então lhe criti-
quei, e ainda agora critico.
III. III.
Referências bibliográficas
14
Em todos os manuscritos conservados, o texto é interrompido aqui. A julgar pelo que Bruni
propunha no prefácio, a obra ficou incompleta em sua terceira e última parte.