Cultura de Estupro PDF
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AS ATUALIZAÇÕES E A PERSISTÊNCIA
DA CULTURA DO ESTUPRO NO BRASIL
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
JEL: Y80.
SINOPSE
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................7
2 PEDAGOGIAS DO DESEJO......................................................................................11
7 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS..............................................................................23
REFERÊNCIAS...........................................................................................................27
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR...............................................................................28
1 INTRODUÇÃO
É sempre urgente para mulheres formular argumentos que comuniquem por que
e como é grave viver com o medo e o perigo de ser potencialmente violada o tempo
inteiro. A perenidade dos abusos é conhecida, contudo, observa-se uma disputa de
narrativas cada vez que um caso desses vem a público. Parece sempre necessário, então,
descrevê-los de forma distinta daquela em que são abordados em alguns noticiários,
discutindo como e por que meninas e mulheres são as vítimas, não só de um homem,
mas de um coletivo que compartilha valores e práticas de masculinidade. Ou seja,
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defende-se que os casos divulgados sejam acolhidos e observados a partir de uma lente
mais ampla, e é isso que tentaremos realizar aqui, iniciando com a descrição de duas
situações que, apesar de distintas, se articulam e abrem a discussão sobre os muitos
meandros da cultura do estupro.
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Esses dois casos possuem elementos comuns e é sobre eles que se desenvolverá a
análise subsequente. Quando se discute a cultura do estupro, se fala tanto sobre estupros
como sobre abusos cotidianos e amplamente naturalizados que são sofridos por meninas
e mulheres. Neste trabalho, será discutido um tipo de pedagogia do desejo que cristaliza
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2 PEDAGOGIAS DO DESEJO
4. Essa é a fórmula geral e é como, a partir das opiniões veiculadas sobre os casos, assim como na literatura sobre o
assunto, notamos que hegemonicamente as relações de poder se cristalizam nas práticas. Contudo, tendo em conta que as
relações hierárquicas de gênero não são necessariamente vividas em corpos de homens e mulheres adultos(as) cisgêneros
e heterossexuais, essa relação se reproduz com outros atores. Ademais, hegemonias não são universais, existindo outros
tipos de relações dissidentes e hierárquicas. Nas histórias contadas sobre abusos, por exemplo, nota-se que o polo ativo
pode ser ocupado por mulheres adultas heterossexuais ou lésbicas e o objeto de desejo pode ser uma criança, mais
frequentemente meninas, mas também meninos.
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Episódios de abuso e estupro, quando reconhecidos como tal, seja em relação a crianças
ou mulheres adultas, podem ser analisados do ponto de vista da crescente importância
atribuída ao desvio individual de determinados homens. Vigarello (1998), refletindo
sobre o status do crime de estupro na França, afirma que o estupro passa a ser aventado
como um crime contra a pessoa a partir do final do século XIX, quando também a
figura do estuprador passa a ser delineada como sujeito problemático. Em um primeiro
momento, as questões aventadas para definir a figura do criminoso eram de ordem
social: seriam, então, homens de contextos pouco urbanizados, sem escolaridade,
com determinado perfil e raça. Em um momento posterior, além dos problemas
de ordem social, foram agregadas a esse construto de um perfil suspeito as noções
de desvio de personalidade.
O caso da participante do Master Chef Júnior diz muito sobre essa discussão.
Começando pela reação inicial ao assédio perpetrado contra a participante do programa,
notamos duas questões que delimitavam a ofensa sentida pelos usuários do Twitter. No
momento em que foram feitos comentários explícitos que sexualizavam seu corpo e
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nos quais homens adultos demonstravam desejo de manter relações sexuais com ela,
muitos usuários reagiram “em defesa” da menina. Os argumentos utilizados nessa defesa
destacavam que se tratava de uma criança e que esse tipo de comentário era absolutamente
inapropriado, mais que isso, os homens foram acusados de estarem cometendo um crime
conhecido como pedofilia e foram lembrados das consequências legais de falar e assediar uma
criança em termos sexuais, inclusive na internet. Muitas pessoas escreveram, ainda, sobre
o nojo que estavam sentindo ao ler esses comentários; outras se disseram envergonhadas
por dividirem o mesmo país que esses homens pervertidos. Nessas interpretações, além de
estarem cometendo um crime, os homens possuíam um desejo doente, já que a pedofilia
é ainda entendida como uma sexualidade adoecida, em termos psicológicos, e, dentro
dessa lógica, também para os comentadores do Twitter, apenas homens que desviam da
normalidade poderiam sentir desejo por uma criança.
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penal para crimes de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e crimes
hediondos (como o estupro) pela Câmara dos Deputados. A revista Veja estampou
uma capa com a foto dos quatro adolescentes (o que é proibido constitucionalmente)
e outros meios de comunicação passaram a pautar a necessidade da redução da
maioridade penal. A proposta de redução da maioridade foi acatada pela Câmara dos
Deputados e seguiu para o Senado. A impunidade de menores e a monstruosidade de
determinados homens jovens de periferia viraram notícia. As meninas, ainda, foram
retratadas como boas estudantes que haviam sido brutalmente violadas. Nesse caso, a
narrativa da grande mídia não hesitou em divulgar o fato como um estupro.
A noção de que existe uma cultura sexual e erótica que instiga o abuso e o estupro,
justificando suas ocorrências e colocando em dúvida as vítimas, permite que se supere
uma discussão puramente acusatória e personalizada do abuso e do estupro – que
atribuiria esses crimes à ação isolada de determinados “homens errados” ou “homens
doentes” – e se avance em direção a uma reflexão sobre as condições em que se produz
o abuso sexual recorrente e historicamente persistente de crianças, meninas e mulheres.
Se não se der esse passo narrativo, corre-se um sério risco de restringir a discussão a
acusações, as quais são frequentemente agenciadas por discursos racistas e classistas,
sem, ainda, abordar as reais dimensões da cultura do estupro.
Estima-se que “a cada ano, no mínimo 527 mil pessoas são estupradas no Brasil.
Desses casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia” (Cerqueira e Coelho,
2014, p. 5). A partir dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan) e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus),
do Ministério da Saúde, de 2011 (apud Cerqueira e Coelho, 2014), estima-se que
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88,5% das vítimas de estupro são do sexo feminino e 51% dos casos ocorrem com
pessoas de cor preta ou parda. De todos os estupros que chegam à rede de saúde, 70%
vitimam crianças e adolescentes. Além disso, do número total de pessoas vitimadas,
mais da metade possuía menos de 13 anos (Cerqueira e Coelho, 2014). Outro dado
que coaduna com esse é a procura pelo serviço de aborto legal: 36% de todos os abortos
legais realizados foram de adolescentes vítimas de estupro (Madeiro e Diniz, 2016).
Ainda de acordo com os dados trabalhados por Cerqueira e Coelho (2014), entre
as crianças estupradas, 81,2% eram meninas e 18,2% meninos. O estupro de meninos
tem sido invisibilizado no debate público, apesar de ser consideravelmente recorrente.
A campanha #primeiroassédio voltou a chamar atenção para tais abusos. Já quando
se trata de adolescentes e mulheres adultas, o fenômeno afeta quase exclusivamente
pessoas do sexo feminino. Entre vítimas adolescentes, 93,6% são meninas; já entre
adultos, 97,5% são mulheres (Cerqueira e Coelho, 2014).
Entre agressores, destaca-se que 15% dos estupros foram cometidos por mais de
um agressor. A maioria dos algozes é do sexo masculino: 96,6% no caso de estupros
contra adolescentes e adultos e 92,55% no caso de crianças. O maior número de
mulheres na figura de agressoras se dá no caso de estupros de crianças, 1,8%. Ainda
nesse tipo de estupro, 1,28% dos casos foi cometido por pessoas de ambos os sexos, e
em 4,36% dos casos, a informação era desconhecida (Cerqueira e Coelho, 2014).
Apesar de o Sinan ser a mais antiga e completa fonte de dados existente sobre
os estupros, é necessário ter muito cuidado ao utilizá-la, uma vez que ela registra
apenas casos que tiveram consequências físicas e fizeram com que a vítima procurasse o
hospital. No caso de abusos domésticos, as dinâmicas de violência podem se estabelecer
de maneiras diversas, envolvendo ou não agressões diretas. Além disso, a procura pelo
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hospital por profilaxia em relação a doenças e/ou gravidez pode ser maior no caso de
agressores desconhecidos. De maneira geral, estima-se que todos os bancos de dados
existentes sobre estupro sejam limitados e que os casos são mais recorrentes do que se
pode mensurar.
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de como era para as meninas e mulheres terem sido formadas como mulheres em um
espaço no qual os assédios eram uma constante.
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estupros, e elas mesmas sofrem com as dúvidas e as culpas incutidas por tal discurso.
Herman (1984) afirma que uma faceta da cultura do estupro é a de que as vítimas acabam
por sentir culpa e são elas também que precisam lidar simbolicamente com o discurso
que legitima a interação sexual forçada tendo em vista o comportamento da vítima.
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que ela o perdoasse, já que sabia que Deus o havia perdoado. Não havia menção às
meninas, elas não eram sujeito de seu remorso.
O Código Penal da República, que vigorou até 1940, cunhou a diferença entre
crime de estupro e atentado violento ao pudor. O estupro ocorreria quando houvesse
conjunção carnal, compreendida como a penetração do pênis de um homem na vagina
de uma mulher ou menina. Ou seja, não existiria possibilidade de homens serem
estuprados, e práticas sexuais sem penetração vaginal não eram tidas como estupro.
O crime deixou, naquele momento, de ser condicionado à “honestidade” da mulher,
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mas continuou relativizado caso a vítima fosse uma “mulher pública” ou prostituta
(Cajal e Lima, s.d.).
O Código Penal de 1940 é o que está vigente no Brasil. Nadai (2012), em sua
análise sobre esse código, aponta que o crime, na perspectiva histórica do período
em que o código foi escrito, passava a ser tratado como uma anormalidade social e
individual e que determinados sujeitos vieram a ser compreendidos como potenciais
criminosos. O estupro, ainda entendido como conjunção carnal, bem como o atentado
violento ao pudor foram categorizados como “crimes contra os costumes”. Ao analisar
o Dicionário de Direito Penal de 1974, a autora relata que a categoria costumes é
conceituada como o que é adequado na conduta sexual em termos de pudor público.
Naquele momento, a relativização do crime contra prostitutas caiu, mas permaneceu
a ideia de que para o estupro ou o atentado violento ao pudor se concretizarem era
necessário que existisse violência ou grave ameaça.
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jurídico”, que tem sido corrigido pelos juízes de duas formas principais: desclassificando
os atos libidinosos da categoria de delito e considerando-os uma contravenção penal
ou fato atípico. Ainda nessa perspectiva, a falta de habilidade técnica do legislador fez
com que, no lugar de dar importância para os atos libidinosos, os juízes passassem a
descaracterizar diversos crimes contra a dignidade sexual (Cajal e Lima, s.d.).
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um perfil de homens para o qual as consequências legais previstas não são aplicadas
e, nesses casos, a palavra da vítima tende a ser ainda mais desacreditada. Seriam os
homens classificados como “pais de família” ou “trabalhadores”.
Nadai (2012) nota, em sua leitura dos boletins de ocorrência e inquéritos policiais,
que são as violações perpetradas por desconhecidos que merecem maior atenção
investigativa e o uso de palavras incisivas, como “sexo forçado com uso de violência”.
Na própria escrita das peças, algumas palavras são destacadas em maiúsculo, como
“Desconhecido”. Fatos ocorridos dentro da dinâmica familiar tendem a ser descritos
com outra tonalidade, com frases do tipo “a vítima alega” ou com o uso frequente de
aspas. As narrativas de uma e outra ocorrência são distintas e os abusos mais comuns,
perpetrados em casa e por conhecidos, são os que mais merecem desconfiança da palavra
da vítima. O Estado brasileiro é absolutamente conivente com a cultura do estupro.
Debert, Lima e Ferreira (2008), em estudo já clássico e iniciado por Corrêa (1981),
notam que mesmo na ocorrência de homicídio de mulheres existe uma desconfiança
sobre a culpa da vítima; em tribunais de júri, é comum que as mulheres mortas sejam
investigadas em sua conduta para definir qual a pena justa dos assassinos.9
7 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
Todos os tópicos discutidos se articulam para explicar o fenômeno que tem sido chamado
de cultura do estupro. Em suma, o argumento é de que existe determinada pedagogia
do desejo que influencia as relações estabelecidas, especialmente heterossexuais, e o
próprio desejo. Dentro desse imaginário, há uma maleabilidade na categorização dos
sexos forçados, assim como do que seria uma interação baseada em flerte mútuo, ou
humilhação e abuso.
9. A lei de feminicídio (Lei no 13.104, de 9 de março de 2015), em conjunto com um protocolo de investigação, tem como
objetivo trazer uma lente de gênero para o julgamento desses casos e interromper a perpetração do hábito de julgar o
comportamento das mulheres para minimizar o crime.
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vez, tópicos frequentes tanto na narrativa das vítimas como na constituição subjetiva de
mulheres, passam a embasar e limitar boa parte dos seus engajamentos com os espaços,
as pessoas e os projetos pessoais.
Apesar de casos nos quais a violência é explícita gerarem alguma simpatia pelas
mulheres vítimas, também essa violência pode ser maleável enquanto prova. O caso
de uma menina de 16 anos violada e machucada por 33 homens, filmada, fotografada
e exposta na internet não gerou comoção de todos, ao contrário, agenciou discursos
que culpabilizavam a vítima em relação ao que ela vestia, com quem se relacionava e
se estava ou não alcoolizada ou drogada. Além disso, quando a empatia é aventada, ela
frequentemente se direciona para os pais que tiveram que ver suas filhas passarem por
isso. Não se trata de um entendimento de que o estupro é em si grave. O sofrimento
das mulheres não é partilhado.
Nada parece ser prova suficiente para garantir que um estupro seja compreendido
como grave violência, a não ser que ele embase outros posicionamentos, como a
diminuição da maioridade penal. Vítimas não merecem empatia enquanto sujeitos,
em quase nenhum caso, se boa parte dos agressores é familiar; tampouco as relações
de parentalidade são garantidoras de respeito, segurança ou acolhimento. Se casos
com provas de violência são questionados, nem a violência tipificada na lei atribui
necessariamente significado ao estupro. É como se um número enorme de narrativas
pudesse ser agenciado para ignorar crianças e mulheres quando dizem que não desejaram
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viver o que viveram. É possível pensar que existe uma resistência articulada, mesmo que
não de forma coesa e estratégica, para que se supere a cultura do estupro.
Por fim, a cultura do estupro não é uma novidade para a discussão dos estudos
de gênero e para a política das mulheres. Existem anos de produção de dados e teorias
explicativas para dar conta desse fenômeno. Ainda assim, a persistência dos casos e a
falta de um debate público ampliado, que gere consequências políticas, fazem com
que ainda seja fundamental produzir, discutir e pautar o debate público nesse tema.
Em termos gerais, parece fundamental desmantelar imaginários e práticas. Como
consequência dos argumentos trabalhados, entendemos que isso é viável a partir de
reformas pedagógicas acerca do desejo, assim como reformas relacionais que façam
com que mulheres e meninas sejam respeitadas como sujeito de seus desejos e que a
não vontade de ter uma relação ou uma interação erótica seja suficiente para definir o
que é um abuso.
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Reformas nas relações de gênero não precisam só lutar contra os altos números de
casos de estupro e abuso de crianças, meninas e mulheres e de sua posterior culpabilização
pelo Estado. Direitos fundamentais das vítimas, conquistados politicamente, podem
ainda estar sob ameaça. Não é possível ainda medir o custo do fortalecimento político
de um discurso que afirma, sem restrições, que determinadas condutas não são abusivas
e que as vítimas mentem sobre o que sofreram, mas é evidente que ele reforça um
imaginário já hegemônico. Algo talvez até mais perigoso em termos de manutenção
de hegemonias é a imposição de um modelo do que pode ou não ser discutido nas
escolas sobre as relações de gênero, levando a crer que se espera que determinadas
hierarquias (que, por sua vez, legitimam assédios) sejam mantidas e reforçadas entre as
novas gerações.
Talvez não seja exagero afirmar que os rumos recentes do Estado tenham como
consequência o fortalecimento da cultura do estupro. Projetos de lei que abordam até
mesmo o que se pode ou não ensinar para meninas e meninos e sobre feminilidades
e masculinidades parecem integrar-se numa campanha político-ideológica que visa
conservar a dinâmica social de relações entre gêneros, pela qual a cultura do estupro
se reproduz e se difunde. Essa cultura, compreendida como um universo de práticas
10. A antropóloga Débora Diniz reagiu de forma muito qualificada a essa fala. Disponível em: <http://justificando.
com/2015/11/03/eduardo-cunha-quem-e-a-mulher-mentirosa/>.
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REFERÊNCIAS
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ARIÈS, P. A história social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
ROST, M.; VIEIRA, M. S. Convenções de gênero e violência sexual: a cultura do estupro no
ciberespaço. Contemporânea Revista de Comunicação e Cultura, v. 13, n. 2, 2015.
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