A Globalização: Objeto Cultural Não Identificado - Texto de Nestor Garcia Canclini

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A globalização imaginada

Texto de Nestor Garcia Canclini


Tradução livre de Silvia Gattai

Cap. 2 – A globalização: objeto cultural não identificado.

Internacionalização – transnacionalização e globalização

A internacionalização se inicia no século XVI com as grandes navaegações e a


colonização da América Latina pelos países europeus. O que hoje é chamado de mercado
mundial é uma idéia foi sendo construida ao longo dos séculos, desde as narrações de
Marco Polo e Alexander von Humboldt até os relatos dos imigrantes e comerciantes dos
séculos XIX e XX. Naquela época os bens e mensagens consumidos em cada país eram
produzidos nele mesmo. As informações e objetos oriundos de outros países tinham que
passar pela alfândega , submeter-se às leis e controles que protegiam a produção do
próprio país. Na internacionalização, as pessoas ficavam sabendo de outras partes do
mundo ou compravam produtos oriundos de outros países, tendo como base sua cidade,
seu estado e seu país.

A transnacionalização é um processo que vai se formando por meio da


internacionalização da economia e da cultura, mas vai um pouco além disso. A partir da
primeira metado do século XX inicia-se a construção de organismos, empresas e
movimentos cuja sede não está exclusiva e principalmente em uma nação. As empresas
Phillips, Ford e Peugeot, por exemplo, envolvem vários países e se movimentam com
bastante independência com relação aos países e populações com os quais se vinculam.
Mas, neste movimento, as interconexões que fazem levam a marca das nações das quais
se originam. Os filmes norte-americanos de Hollywood mostraram ao mundo a visão
americana das guerras e da vida cotidiana; as telenovelas mexicanas e brasileiras
emocionaram a italianos, chineses e muitos outros com a forma como as nações que
produziram estas obras concebiam a coesão e a ruptura familiares.
A globalização foi sendo construída neste processos de internacionalização e
transnacionalização, através da intensificação de dependências recíprocas entre os
países, o crescimento e a aceleração das redes econômicas e culturais que operam em
uma escala mundial e sobre uma base mundial. Para se construir a desterritorialização
do dinheiro, da produção de bens e mensagens compondo um mercado mundial, foram
necessários satélites, desenvolvimento de sistemas de informação, manufatura e
processamento de bens com recursos eletrônicos, transporte aéreo, trens de alta
velocidade e serviços distribuidos em todo o planeta. Neste mercado, as fronteiras
geográficas se tornam porosas e as alfandegas se tornam inoperantes. Ocorre então uma
interação mais completa e interdependente entre focos dispersos de produção, circulação
e consumo.

A tecnologia tem uma papel facilitador neste processo. Os novos fluxos


comunicacionais e informatizados engendraram processos globais, associados a fortes
concentrações de capitais industriais e financeiros, a desregulamentação e a eliminação
de restrições e controles nacionais que dificultavam os negócios e transações
internacionais.

Todo esse movimento entre países envolvendo a tecnologia, os bens e as


finanças, foi acompanhado por uma intensificação de fluxos migratórios e turísticos
que favoreceram o surgimento de linguas e imaginários multiculturais. Nestas
condições, é possível, além de exportar filmes e programas de televisão de um país para
outro, construir produtos simbólicos globais, sem marcas nacionais específicas, ou com
várias de uma vez só, como os filmes de Steven Spielberg, os videojogos e a música-
mundo.

Estas dimensões economicas, financeiras, migratorias e de comunicação da


globalização são integradas por vários autores que afirmam que a globalização é um
novo regime de produção de espaço e de tempo.
Duas questões surgem a partir desta conceituação de globalização. A primeira
delas refere-se a denominação deste processo, será que ao invés de ser um processo
denominado globalização, não deveria ser mundialização, pois não há uma visão
unánime a respeito deste fenômeno, há muitas controvérsias conceituais. A segunda
questão diz respeito a dúvidas sobre os resultados do dito processo de globalização. Esta
abertura e integração internacional é benéfica para todos? O agravamento de
desemprego, contaminação, violência, narcotráfico, quando a liberalização global se
subordina a interesses privados, leva a pensar na necessidade de que a globalização seja
politicamente conduzida e que a disputa entre os grandes capitais seja regulada por meio
dos organismos internacionais regionais como a União Européia ou o Mercosul.

A globalização é inevitável? Em que nível é produtiva? É desejável em todos


os aspectos da produção, da circulação e do consumo?
São dúvidas que vários teóricos levantam sobre a globalização.

Tais controvérsias e dúvidas levam o autor a algumas conclusões:

1. A globalização não é um paradígma científico, nem econômico, no sentido de


que não possui um objeto de estudo claramente definido, nem oferece um
conjunto coerente e consistente de saberes, consensado intersubjetivamente por
especialistas e que podem ser validados por referências empíricas.
2. A globalização não é um paradígma político, nem cultural, pois não constitui o
único modo possível de desenvolvimento. A globalização, mais que uma ordem
social ou um único processo, é resultado de múltiplos movimentos, em parte
contraditórios, com resultados abertos, que implicam diversas conexões “local-
global e local-local”.

Os conhecimento disponíveis sobre globalização consitutem um conjunto de


narrativas, obtidas mediante aproximações parciais, em muitos pontos divergentes.
Observa-se que esta precariedade se oculta atrás da bibiliografia recente
sobre o tema. Por uma lado, há explicações que reduzem a globalização quase a
um sinônimo de neo-liberalismo e, portanto, ponto de partida sobre o qual não há
dúvidas, um pensamento que estaria acima de lutas ideológicas. Busca utilizar um
único modelo para países desenvolvidos e subdesenvolvidos que queiram fazer parte
da economia mundial.

Os aspectos centrais deste paradígma são a economia de mercado, o


multipartidarismo, a abertura das economias nacionais ao exterior, a livre
circulação do capital, a proteção da propriedade intelectual, o equilibrio fiscal e
a liberdade de imprensa.

Quem não se amolda a este modelo como Iraque, Iran, Libia, Albania,
seriam exilados da história. Outros países que tentam adaptar-se estariam
confirmando com sua readaptação a validade universal deste paradígma, como China,
Cuba e Vietnan. Esta é a visão de alguns intelectuais, do Grupo dos Sete, de empresas
e bancos do primeiro mundo que estão conduzindo a política econômica. As crises
deste modelo em vários países, como México desde 1994, Russia e Sudeste asiático
em 1997, no Brasil em 1998 e os conflitos sociais agravados em todas as partes do
mundo, geram dúvidas sobre a consistência e benefícios deste modelo.

A outra posição que esconde a deficiência do saber sobre globalização é a


daqueles que não se preocupam com o fato da globalização não ser um pardígma
científico, entendem que existem vários e diferentes narrativas de fatos
globalizados ou globais.

Mas afinal, o que é a globalização? Talvez a fragmentação seja uma


característica da globalização, dos processos globalizadores. Talvez globalização
seja um conjunto de processos de homogeinização e, por outro lado, de fracionamento
articulado do mundo, que reordeanam as diferenças e as desigualdades, sem eliminá-
las.
Vários cientistas no mundo necessitam utilizar metáforas para descrever a
globalização, como se fossem conceitos: sociedade amébica , aldeia global,
terceira onda, disneylandia global, tecnocosmo, nova Babel, shopping center
global.

Os fatos da economia mundial, como os acordos de livre comércio e os


organismos de integração regional, desempenham o papel de um sintoma no qual
projetamos nossas decepções das aventuras modernas e as esperanças do que
poderíamos encontrar nisto que se chama globalização. Nem nos acordos mais
amplos e planejados de unificação, como o europeu, se resolvem ou previnem-se
os efeitos negativos e nem se chega a arranjos duradouros em questões sociais e
de mercado. Ainda mais difícil é organizar zonas de livre comércio, nas quais são
esquecidos aspectos como políticas de emprego, migratória, de relações
interculturais. Nestas zonas a negociação econômica é feita rapidamente sem
tempo para compatibilizar os sistemas sociais e políticos, como por exemplo no
Mercosul. Nestes momentos de negociação é que surgem, entre os funcionários
que operacionalizam o processo, as metáforas e relatos para explicar a situação.
O estudo do cotiadiano destas negociações internacionais torna visíveis os
“corpos culturais” que diferenciam, por exemplo, ingleses e latinos.

Para falar de globalização é necessário falar de gente que migra ou viaja, que
não vive onde nasceu, que troca bens e mensagens com pessoas desconhecidas, ve
cinema e televisão de outros países ou conta histórias em grupo sobre o país que
deixou. Se reune para celebrar algo desconhecido ou se comunica por correio
eletrônico com outros, os quais não sabe quando voltará a ver. De certo modo,
sua vida está em outra parte. Pensar a globalização a partir de relatos que
mostram , junto com sua existência pública, a intimidade dos contatos
interculturais sem os quais não seria o que é.

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