O Coeficiente de Arte de Marcel Duchamp
O Coeficiente de Arte de Marcel Duchamp
O Coeficiente de Arte de Marcel Duchamp
O “coeficiente de arte”
de Marcel Duchamp:
uma antropologia
da arte conceitual
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Arruinar. Urinar
Marcel Duchamp
O que chamamos de objeto de arte, e muitos outros objetos que não clas-
sificamos como arte, possui uma força ou um poder de fascínio porque
consideramos esses objetos como indicadores do que as pessoas que o
fabricaram e utilizaram tinham em mente. Assim a Mona Lisa nos permite
apreender tanto as intenções do pintor de produzir um belo objeto que
vai impressionar algumas pessoas, as intenções da mulher, ela mesma, de
seduzir e de ironizar, as da mulher sendo representada como sedutora irô-
nica, a vontade ou a resistência do artista a ilustrar o humor que o modelo
quer ver representado, a intenção do colecionador de encomendar o ob-
jeto, de mostrar a sua riqueza ou a beleza das mulheres sobre as quais ele
exerce o seu poder, as intenções do estado francês de mostrar seu poder e
sua riqueza através da aquisição e da exposição deste objeto... Todos estes
espíritos são, conscientemente ou inconscientemente, representados aqui
através da obra de Leonardo Da Vinci. (GELL,1998, p. 163)
E é assim que se vê, de acordo com Gell, o poder do objeto de arte. Se as obras são
“redes de intenções”, vemos que um objeto de arte continua a se abrir a novas redes
enquanto ele é visto e/ou utilizado.
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Por exemplo, a intervenção que Marcel Duchamp faz no quadro da Mona Lisa é
uma nova camada de intenção que podemos entender como uma forma de revisitar
a história da arte e, concomitantemente, uma (ir)reverência a Leonardo da Vinci e à
arte em geral. Com L.H.O.O.Q, Duchamp ataca a mulher representada, a sua ironia
sedutora e a sua suposta virtude e ataca também a própria história da arte. O artista
reativa toda a rede de intenções de Da Vinci e adiciona a ela novas intenções: o bi-
gode, a mensagem codificada e uma reflexão sobre a reprodução da obra de arte e a
autenticidade. Com o bigode, Duchamp tem a intenção de revelar o homem que se
esconde atrás dessa mulher, a possibilidade de ver um autorretrato de Leonardo da
Vinci e, talvez, a intenção de revelar a homossexualidade do pintor, já que ela (ele) tem
“fogo no rabo” (l.h.o.o.q em francês é abreviação para “elle a chaud au cul”). Quando
um artista trabalha a partir da obra de arte de um outro artista, as redes de intenções
[ galeria | STÉPHANE MALYSSE ]
REFERÊNCIAS
DUCHAMP, Marcel. Duchamp du signe: écrits. Paris: Flammarion, 1975.
GELL, Alfred. Art and agency: an anthropological theory. Oxford: Claredon Press, 1998.