Anais Do 5º Congresso Do Conhecimento

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Anais - Outubro - 2015

ISSN 1984-7807

05
ANAIS • 2015
DIRETORA RESPONSÁVEL/EDITORAÇÃO Olga de Sá
REVISÃO Sônia Maria Gonçalves Siqueira

COORDENAÇÃO GERAL Polyana Zappa


SECRETÁRIA Maria Aparecida S. Boncristiano

EDIÇÃO Setembro - 2015


ORGANIZAÇÃO CONTEÚDO Olga de Sá,
Cristina Lino
Polyana Zappa
Sônia Siqueira

1ª CAPA e 4ª CAPA Anais do 5º Congresso Integrado do conhecimento

TEMA Vida e Tecnologia: Fronteiras e Perspectivas

PERIODICIDADE Bienal

DIAGRAMAÇÃO Isabelle Seabra Domingos


ADMINISTRAÇÃO Isabelle Assunção

IMPRESSÃO/ACABAMENTO Gráfica & Editora Santa Teresa


Tel.: 12 2124-2890 / [email protected]

AQUISIÇÃO Av. Dr. Peixoto de Castro, 539 - Vila Celeste


Cep. 12.606-580 - Lorena - SP
Tel.: 12 2124-2849

CONTATOS [email protected]
[email protected]

ESSA PUBLICAÇÃO FOI PATROCINADA PELA CAPES - PAEP

Congresso Integrado do Conhecimento: Valores, Inovação e Tecnologia


(5. 14/15/16/17 Out.:2015 - Lorena-SP)
Anais do 5º Congresso Integrado do Conhecimento: Valores, Inovação e Tecnologia - Lorena-SP
Instituto Santa Teresa, 2015.

ISSN: 1984-7807

1.Congresso: FATEA
2.Sá, Olga de,
EDITORIAL
Profa. Dra. Olga de Sá
Aqui estão os Anais do 5º. Congresso Integrado do Conhecimento. O
Congresso teve pleno êxito com cerca de 2.000 participantes, sem contar
as visitas às Mostras de Extensão Universitária e Pós-graduação.
A 14 de setembro, aconteceu o 2º. Fórum Internacional da Ciência
e Tecnologia, no Teatro Teresa Dávila, das 19h30 às 21h, com a Mesa
Redonda: Educação, Ciência e Tecnologia. Participantes: Dra. Beatriz Rubin
Napolitano, Dr. Giovanni Dolib, Dr. Paulo Sérgio Sena e Me. Maria Cristina
Marcelino Bento.
O 3º. Seminário Interno do PIBID e o Encontro de Iniciação Científica
também contaram com uma participação significativa de Professores e
alunos, de dentro e de fora da Fatea.
À noite, as conferências preencheram seus objetivos e a única falha
a lamentar-se é que a maioria dos palestrantes apresentou suas “falas”
com ótimo desempenho, provocou a participação dos presentes, mas não
entregou seus textos para publicação.
Publicamos aqui os que nos enviaram e vamos imprimir um volume, o
6º, da coleção Ensaios, em que esses textos serão divulgados.
Dos Eventos acontecidos, durante o Congresso, destacamos dois muito
significativos:
O 2º. Soap Box ou carros movidos à gravidade, pois não têm motor e
são feitos para descer ladeiras. É um projeto dos alunos do 3º. Design, sob
a orientação do Prof. Dr. Nelson Tavares Matias.
A aluna vencedora foi Elisa Pimentel.
O evento aconteceu das 21h às 22h30, na rua Joaquim Azevedo Figueira,
rua lateral ao prédio da Fatea.
O Evento do encerramento do 5º. Congresso foi o Design Fashion (DIF),
projeto dos alunos do 2º, Design, que este ano teve como tema Insetos.
O desfile seguiu o formato padrão de desfiles de moda convencionais,
com passarela, espectadores, área reservada aos jurados e à imprensa. O
responsável foi o Prof. Paulo Vinícius de Omena Pina.
Realizou-se no Jardim Interno da Fatea à noite, das 21h às 22h30.
3º SEMINÁRIO INTERNO PIBID

Realizou-se, dentro da programação do 5º congresso, o 3º Seminário


Interno PIBID.
No dia 15 de setembro, no Auditório São José, das 17h às 18h30,
aconteceu a Mesa Redonda sobre Metodologias ativas de aprendizagem,
coordenada pelo Prof. Dr. Nelson Matias Tavares.
No dia 16 de Setembro, à tarde, das 17h às 18h30, a Mesa redonda
sobre Metodologias, foi coordenada pelo Prof.Dr. Messias Borges Silva.
No dia 17 de Setembro, das 17h às 18h30, a Mesa Redonda foi
coordenada pelo Prof. Dr. Darwin Mota.
No dia 14 setembro, no auditório São José, das 19h às 21h, a Mesa
Redonda Juventudes e Atitudes: percepções e vivências sobre o estudo,
sob a responsabilidade da Prof. Me. Rosana Montemór.
Iniciou-se 2º Mostra de Extensão Universitária no 5º Congresso nos
porticos da FATEA, por meio de paineis e comunicação oral. Como também
a X Mostra de Pós –graduação.
Encontro de Iniciação
Científica
XII Encontro de Iniciação Científica teve uma programação variada e intensa, desde o
dia 15 de setembro, de manhã, nas diversas salas da FATEA com o apoio de mediadores
competentes e disponíveis, como consta na Programação do EIC.
PROGRAMAÇÃO DO ENCONTRO

terça-feIra – 15/09
SeSSão oral – Sala 43 / horárIo: 11h – 12h

horárIo título DoS traBalhoS


Elaboração de um Instrumento do Processo de Enfermagem Baseado
11h – 11h15 na Teoria de Dorothea Orem

A Percepção da Mulher em Relação à Vivência do Câncer de Mama e


11h15 – 11h30 Colo de Útero

Análise de Alterações Hematológicas nos Portadores de


11h30 – 11h45 HIV/AIDS decorrentes da Infecção e do uso de Antirretroviral em um
Município do Interior Paulista

Idoso Institucionalizado - Revisão Bibliográfica da Assistência de


11h45 – 12h Enfermagem

terça-feIra – 15/09
SeSSão oral – Sala 44 / horárIo: 11h – 12h

horárIo título DoS traBalhoS


11h – 11h15 Qualidade de Vida: Revisão Bibliográfica do Idoso Institucionalizado

Os Desafios do Cuidar: Revisão Bibliográfica sobre Cargas e


11h15 – 11h30 Satisfações do Cuidador de Idosos

Perfil dos Pacientes que Realizaram Teste Rápido de Hepatites B e C


11h30 – 11h45 em uma Unidade de ESF do Interior Paulista

Medidas Preventivas contra Osteoporose/Osteoartrite ao Idoso:


11h45 – 12h Revisão de Literatura

10 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


terça-feIra – 15/09
SeSSão PaInel – PórtIco horárIo: 11h – 12h

título DoS traBalhoS


Qualidade de Vida, Aspectos Sociodemográficos e Clínicos de Pessoas com Feridas Crônicas

Cuidados Paliativos: Revisão Emergente e Urgente do Conceito

Educação em Saúde no Contexto da Alta Hospitalar de Paciente de Unidade de Terapia Intensiva

Conhecimento de Enfermagem no Processo de Doação de Sangue e Serviço de Hemoterapia

Difusão do Método da Ovulação Billings entre Acadêmicas de uma Faculdade Privada do


Interior do Estado de São Paulo

terça-feIra – 15/09
aBertura ofIcIal – DIreção e comISSão organIzaDora SeSSão oral – Sala 43
horárIo: 21h – 22h15

horárIo título DoS traBalhoS


A Deficiência Mecânica do Concreto Poroso e seu Fortalecimento
21h – 21h15 com Aplicação de Nanotubos de Carbono

Desenvolvimento do Marketing Empresarial por Meio das


21h15 – 21h30 Ferramentas de Qualidade numa Empresa do Setor Metal Mecânico

Expressão Heteróloga e Caracterização Bioquímica de uma


21h30 – 21h45 Endoglucanase Gh12 Não-Específica de Aspergillus Terreus Linhagem
Nih2624

Mercado de Trabalho na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e


21h45 – 22h Litoral Norte: Estudo em Guaratinguetá

22h – 22h15 Estudo Etnobotânico do Limão: Um Levantamento Bibliográfico

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 11


terça-feIra – 15/09
SeSSão oral – Sala 44 / horárIo: 21h – 22h15

horárIo título DoS traBalhoS


Dom Bosco, o Educomunicador dos Tempos: Seus Sonhos como
21h – 21h15 Ferramenta Educativa

As Transformações na Grade De Programação Da Rede Globo: Uma


21h15 – 21h30 Reflexão Baseada No Contexto Histórico

21h30 – 21h45 A Rádio como Propagadora de Notícias

21h45 – 22h A Bíblia em Aplicativos para Dispositivos Móveis

Uma Canoa Sobre o Rio - Travessias em Diálogo entre Guimarães


22h – 22h15 Rosa e Mia Couto

terça-feIra – 15/09
SeSSão oral – Sala 45 / horárIo: 21h – 22h15

horárIo título DoS traBalhoS


Fluency in English: Uma Experiência entre os Cursos de Licenciatura
21h – 21h15 em Pedagogia e Letras

21h15 – 21h30 Fotografia de Rua: Uma Análise do Cotidiano e suas Memórias

Historicising Market Halls in Brazil and Hungary: Estudo do Mercado


21h30 – 21h45 Central de São Paulo e Budapeste

Identidades por meio da Fotografia: A História Revivida pela


21h45 – 22h Memória

22h – 22h15 Paisagem, Geografia E Desenvolvimento Urbano

12 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


terça-feIra – 15/09
SeSSão oral – Sala 46/ horárIo: 21h – 22h30

horárIo título DoS traBalhoS


21h – 21h15 Maçonaria: Por Trás de uma Venda

21h15 – 21h30 Memórias Coletivas

O Jornalismo como Mediação entre Ficção e Realidade na Telenovela


21h30 – 21h45 “Amor à Vida”

O Webdocumentário como Fonte de Estudo para Alunos do Curso de


21h45 – 22h Segurança do Trabalho

22h – 22h15 Planejamento e Reestruturação da Marca Carvão Flora

22h15 – 22h30 Plano de Marketing para a Academia Desportiva Manthiqueira

terça-feIra – 15/09
SeSSão PaInel – PórtIco / horárIo: 21h– 22h

título DoS traBalhoS


Proposta de Sequência Didática para Gênero Discursivo Ensaio

Os Operadores Argumentativos Adversativos no Gênero Discursivo Crônica de Rubem Braga

O Desenvolvimento da Habilidade Escrita em Língua Inglesa: Construção de Conceitos,


Rede de Significações e Contextos de Pesquisa

O Conto Fantástico Flor, Telefone, Moça de Carlos Drummond de Andrade como


Desencadeante na Formação de Leitores

Contos: Instrumento para Formação dos Discentes

Colorindo o Futuro

A Filosofia na Gramática Tradicional

Retrofit Sustentável: Adaptação de Edificações com Técnicas Sustentáveis

Análise de uma Área Degradada por Resíduos Industriais

Arte e Poética da Vida e Obra do Artista Plástico Mestre Messias Neiva: Uma Referência de
Luta pelo Empoderamento Social

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 13


Estratégia de Marketing na Dell Computer

Análise de uma área degradada por resíduos industriais

Produção de Enzimas Ligninoliticas por Fungos Basidiomicetos a Partir de Biomassa


Lignocelulósica Proveniente de Resíduos Agroindustriais: Uma Revisão

quarta-feIra – 16/09
SeSSão oral – Sala 43 / horárIo: 21h – 22h15

horárIo título DoS traBalhoS


21h – 21h15 A Formação do Professor Alfabetizador e a Linguística

A Tradução da Peça Henrique IV, de William Shakespeare, por


21h15 – 21h30 Péricles Eugênio da Silva Ramos

21h30 – 21h45 Comunicação e Tecnologia na Escola por meio da Mídia

21h45 – 22h Crônica Argumentativa: Uma Abordagem Discursiva

22h – 22h15 A Tragédia de Eloá: A Autorregulação Ética do Jornalismo Nacional

quarta-feIra – 16/09
SeSSão oral – Sala 44 / horárIo: 21h – 22h

horárIo título DoS traBalhoS


A Logística Reversa das Embalagens de Caixas de Papelão e seu
21h – 21h15 Impacto Ambiental

21h15 – 21h30 Acessibilidade em Ambiente Hoteleiro para Público Idoso

21h30 – 21h45 Conjunto Habitacional Desenvolvido a Partir de Containers

Estudo Interdisciplinar de Viabilidade de Aplicação do Tijolo de Solo-


21h45 – 22h Cimento na Construção Civil: Economia Aliada a Sustentabilidade

14 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


quarta-feIra – 16/09
SeSSão oral – Sala 45/ horárIo: 21h – 22h30

horárIo título DoS traBalhoS


A Migração Nordestina e a Contribuição para o Desenvolvimento do
21h – 21h15 Vale do Paraíba

Assédio Moral: As Consequências de uma Conduta Antiética para a


21h15 – 21h30 Saúde do Trabalhador

21h30 – 21h45 Literatura: Arte Causadora de Metanoia

Voluntariado: O Amadurecimento do Jovem com o Trabalho


21h45 – 22h Voluntário

Por Linhas e Bordados: Um Estudo da Indumentária da Minissérie


22h – 22h15 Auto da Compadecida

Romeu e Julieta Ultrapassa a Fronteira da Escrita e Chega ao


22h15 – 22h30 Multiletramento

quarta-feIra – 16/09
SeSSão oral – Sala 46 / horárIo: 21h – 22h15

horárIo título DoS traBalhoS


Tratamento de Esgoto Sanitário: Uma Solução Simples e Ecológica de
21h – 21h15 Interesse Social

Luminárias led como Alternativa Sustentável para a Iluminação


21h15 – 21h30 Pública Brasileira

Planejamento Urbano e Plano de Mobilidade Urbana: O Quadro


21h30 – 21h45 Atual na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte

O Crowdfunding no Mercado Editorial do Brasil: Como Criar Boas


21h45 – 22h Campanhas para Manter a Atratividade do Projeto

Projeto de Reforma da Praça Maria Polidoro na Cidade de Lorena -


22h – 22h15 São Paulo

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 15


quarta-feIra – 16/09
SeSSão oral – Sala 47/ horárIo: 21h – 22h30

horárIo título DoS traBalhoS


21h – 21h15 Uso de Dispositivos Móveis por Crianças – Um Estudo de Caso

21h15 – 21h30 O Ensino de Inglês Baseado no ESP

O Uso da Web como Ferramenta Interativa em Sala de Aula no Ensino


21h30 – 21h45 Superior

Novas Perspectivas para a Vida do Jovem de Cachoeira Paulista


21h45 – 22h através do Rádio

Análise Verbovisual: A Representação da Mulher em uma Propaganda


22h – 22h15 de Absorvente de 1953

22h15 – 22h30 Apagão da Arquitetura em Habitações Populares Brasileiras

quarta-feIra – 16/09
SeSSão PaInel – PórtIco / horárIo: 21h – 22h

título DoS traBalhoS


Estratégia de Marketing na Dell Computer

Implementação e Testes de Voip utilizando Snep Livre

Desenvolvimento de Kits Didáticos e Pedagógicos Utilizando as Ferramentas Kansei e


Permatus

Avaliação da Ecoeficiência na Estação de Tratamento de Efluentes de uma Empresa de


Bordas Melamínicas do Vale do Paraíba

De Projetos Arquitetônicos e Urbanísticos para um Bairro - Jardim Sustentável

Deficiência Intelectual: Uma Proposta de Ensino Utilizando a Literatura de Cordel em Sala


Inclusiva

A Língua Estrangeira e Utilização no Mercado de Trabalho: Uma Experiência no Ensino


Médio

16 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Just in Time: Sistema Toyota e Hyundai

Fatores de Influência no Planejamento e Controle da Produção para Competitividade


Empresarial

Lean Manufacturing – Sistema Toyota de Produção: Implantação e Aplicação em uma


Empresa do Ramo Automotivo

Ferramentas para Melhoria da Qualidade

Utilização da Matriz GUT na Análise do Processo da Coleta de Materiais Recicláveis

Habitação de Interesse Social: Necessidade Populacional ou Política?

O Desenvolvimento da Leitura Crítica por meio do Gênero Discursivo: Caricatura

Uma Sequência Didática para o Ensino da Compreensão e Produção Oral em Língua Inglesa

O perfil do engenheiro de produção na área de manutenção industrial das empresas de


metal mecânica no século XXI

quarta-feIra – 17/09
SeSSão PaInel – PórtIco / horárIo: 21h – 22h

APRESENTAÇÃO DOS PROJETOS


Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação


- PIBITI

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio – PIBIC-EM - Cota
2014-15

Editais Universais Faixas A e C MCTI – CNPq

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID – CAPES

Programa Ciência sem Fronteiras – CsF – CNPq – CAPES

Projetos Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP - 2015

Programa de Iniciação Científica: Institucional e Voluntário - PIC – 2014-15 – FATEA

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 17


conferêncIaS Do congreSSo e meSaS-reDonDa
(InfelIzmente nem toDoS enVIaram SuaS
PaleStraS)
15 DE SETEMBRO
manhã Palestrante: Érico Fernandes Fileno
Local: Aud. São José
Professor (a) da sala: Darwin Mota
Palestra: Auditoria no SUS – realidade e Vagas: 150
perspectivas Inscritos: 95
Palestrante: Maristela S. Macedo de Aluno responsável: Adrielly (Design)
Paula Santos
Local: Auditório São José Palestra: Inovação do mercado na
Horário: 8h30 às 9h30 Geopolítica do Brasil
Professor (a) da sala: Ana Beatriz Morita Palestrante: Juvenil Pereira da Silva
Vagas: 150 Local: Sala 51 – Prédio Mazzarello
Inscritos: 130 Professor (a) da sala: Norio
Vagas: 50
noIte Inscritos: 43
Aluno responsável: Marcos
Palestra: Usos e Aplicações da Biologia
Molecular Palestra: Sustentabilidade, Inovação e
Palestrante: Fábio Antônio Colombo Negócio – desafios e oportunidades
Local: sala 52 – Prédio Mazzarello Palestrante: Carlos Pedro Staudt
Professor (a) da sala: Cláudio Donato Local: Sala 57 – Bloco Mazzarello
Vagas: 50 Professor (a) da sala: Érica Bizaio
Inscritos: 46 Vagas: 50
Aluno responsável: Jaqueline Inscritos: 41
Aluno responsável: Larissa
Palestra: Cuidados no uso das plantas
medicinais Palestra: Relações conceituais em
Palestrante: Marcos Roberto Furlan ontologias e sistemas de classificação
Local: Auditório Clarice Palestrante: Walter Moreira
Professor (a) da sala: Ricardo Mendonça Local: Sala 39 – Prédio Teresa de Jesus
Vagas: 91 Professor (a) da sala: Cristina Lino
Inscritos: 60 Vagas: 40
Aluno responsável: Renan Inscritos: 33
Aluno responsável: Luis Cleverton
Palestra: Produção do Abrigo
Coletivo Contemporâneo – Desafios e Palestra: A atuação da psicologia
Perspectivas ã população em situação de rua
Palestrante: Vinicius Barros Barbosa Palestrante: Patrícia Constatino
Local: Teatro Teresa D’Ávila Local: sala 55 – Prédio Mazzarello
Professor (a) da sala: José Ricardo Professor (a) da sala: Ciliana Antero
Flores Vagas: 50
Vagas: 300 Inscritos: 45
Inscritos: 120 Aluno responsável: Danilo
Aluno responsável: Lucas Villar
Palestra: Redes de Comunicação,
Palestra: Inovações através do Design desafios de uma autêntica cultura do
– Uma visão humana muda muita coisa encontro

20 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Palestrante: Marcius Tadeu Maciel
Nahur
Local: sala 56 – Prédio Mazzarello
16 DE SETEMBRO
Professor (a) da sala: Pe. Pedro Cunha Local: Sala 20
Vagas: 50 Vagas: 70
Inscritos: 30 Inscritos: 55
Aluno responsável: Francielli Professor (a) da sala: Neide Arruda
Aluno responsável: Diego Gonçalves
Palestra: Técnicas didáticas sobre as
linguagens tridimensionais
manhã
Palestrante: Francine Cunha Palestra: Gestão para Enfermeiros
Local: sala 38 Prédio Teresa de Jesus Palestrante: Vanderlei Carlos Pupin
Professor (a) da sala: Deise Carelli Local: Auditório São José
Vagas: 40 Palestra: Amamentação e o Uso da
Inscritos: 36 Tecnologia
Aluno responsável: Rodolfo Palestrante: Ana Cláudia de Lima Lara
Local: Auditório São JoséHorário: 9h30
Palestra: Jornalismo – a vida após a às 10h30
faculdade Professor (a) da sala: Ana Beatriz Morita
Palestrante: Olacir Renato Rosa Dias Vagas: 150Inscritos: 100
Local: sala 50 – Prédio Mazzarello
Professor (a) da sala: Eriberto
Vagas: 50 noIte
Inscritos: 17
Aluno responsável: Bruna Palestra: Uma jornada pelos métodos
de descoberta e planejamento de novos
Palestra: Publicidade e Propaganda – a fármacos
vida após a faculdade Palestrante: Diogo Teixeira de Carvalho
Palestrante: José Fróes Local: Auditório Clarice
Local: sala 53 – Prédio Mazzarello Professor (a) da sala:
Professor (a) da sala: Jefferson Moura Vagas: 91Inscritos: 37
Vagas: 50 Aluno responsável: Luis Cleverton
Inscritos: 24
Aluno responsável: Mayara Palestra: Peptídeos Bioativos no plasma
de Acanthoscurria rondoniae
Palestra: O telejornalismo, a televisão Palestrante: Katie Cristina Takeuti
e as mídias interativas – diferenças Riciluca
entre o entretenimento, jornalismo e a Local: Sala 52
publicidade televisiva Professor (a) da sala: Ricardo Mendonça
Palestrante: Breno Rocha Vagas: 60Inscritos: 39
Local: Aud. Pasin Aluno responsável: Marco
Professor (a) da sala: Giane Carvalho
Vagas: 120 Palestra: A Fotogrametria na
Inscritos: 53 preservação do Patrimônio Cultural
Aluno responsável: Paola Lopes Palestrante: Livia Vierno Rodrigues de
Moura
Mesa redonda: Humor na Literatura Local: Sala 50 – Prédio Mazzarello
Palestrante: Gerson T. dos Santos/ Paulo Professor (a) da sala:
C. C. Lopes/Olga de Sá/ Vera Bastazin Vagas: 30Inscritos: 15
Aluno responsável: Ana Carolina

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 21


Palestrante: Maria Aparecida C.
Palestra: A Arquitetura e a sua atuação Magalhães Borges da Silva
Palestrante: Carlos Alberto Carvalho Local: Sala 53 Prédio Mazzarello
Local: sala 20 Professor (a) da sala: José Luiz Miranda
Professor (a) da sala: Barbara Nunes Vagas: 60Inscritos: 38
Vagas: 64Inscritos: 51 Aluno responsável: Rodolfo
Aluno responsável: Jaqueline
Palestra: Metodologias Ativas
Palestra: Construções de alto padrão – Palestrante: Messias Borges Silva
desafios e soluções Local: sala 57 Prédio Mazzarello
Palestrante: Emílio Antônio Farah Professor (a) da sala: Cláudia Lysia
Local: Aud. Pasin Vagas: 48Inscritos: 45
Professor (a) da sala: Ingrid Aluno responsável: Larissa
Vagas: 120Inscritos: 94
Aluno responsável: Diego Palestra: Evolução doa acervo analógico
para o digital
Palestra: Biônica e Biomimética aplicada Palestrante: Flaviane Miliano
ao Design Local: sala 55 Prédio Mazzarello
Palestrante: Moacyr Ennes Amorin Professor (a) da sala: Cristina Lino
Local: sala 56 Prédio Mazzarello Vagas: 50Inscritos: 20
Professor (a) da sala: Darwin Mota Aluno responsável: Lucas Villar
Vagas: 60Inscritos: 35
Aluno responsável: Andrielle Palestra: Inovações, desafios para a
competitividade empresarial
Palestra: O humor em Clarice Lispector Palestrante: Altair Emboava de Araújo
Palestrante: Olga de Sá Local: sala 51 Prédio Mazzarello
Local: Sala 54 Prédio Mazarello Professor (a) da sala: Henrique Galvão
Professor (a) da sala: Olga Arantes Vagas: 42Inscritos: 41
Vagas: 70Inscritos: 45 Aluno responsável: Marcos
Aluno responsável: Larissa
Mesa Redonda: O futuro e as tecnologias
Palestra: Memórias Coletivas na Comunicação
Palestrante: Cladenir Dias Palestrante: Edvaldo Souza/ Eduardo
Local: sala 38 Prédio Teresa de Jesus Spinelli/ Franthiesco Ballerini
Professor (a) da sala: Neide Arruda Local: Teatro
Vagas: 40Inscritos: 9 Mediador: Miguel Adilson de Oliveira
Aluno responsável: Francieli Júnior
Vagas: 300Inscritos: 120
Palestra: O uso do celular como Aluno responsável: Luis Cleverton
ferramenta educativa, uma produção
audiovisual
Palestrante: Diego de Magalhães
Barreto
Local: Aud. São José
Professor (a) da sala: Giane Carvalho
Vagas: 150Inscritos: 75
Palestra: O professor de língua na
contemporaneidade: Competências e
desafios

22 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Professor (a) da sala: André Benine

17 DE SETEMBRO Vagas: 300


Inscritos: 160
Aluno responsável: Marco

manhã Palestra: Os benefícios dos games para a


educação
Palestra: Vivência administrativa de um Palestrante: Roberto Todor
ambulatório sob a ótica do enfermeiro Local: Sala 20
estomaterapeuta Professor (a) da sala: Nelson Matias Tavares
Palestrante: Cláudia Regina de Souza Santos Vagas: 64
Local: Auditório São José Inscritos: 45
Horário: 8h30 às 9h30 Aluno responsável: Adrielle
Professor (a) da sala: Ana Beatriz Morita
Vagas: 120 Palestra: Gestão pública e os desafios para
Inscritos: 92 os profissionais de assistência social
Palestrante: Iolanda Elias da Silva
Palestra: Postura e Ética Profissional Local: Sala 53
Palestrante: Márcia Cristina A. Da Silva Professor (a) da sala: Henrique Galvão
Rubez de Castro Vagas: 60
Local: Auditório São José Inscritos: 52
Horário: 9h30 às 10h30 Aluno responsável: Larissa
Professor (a) da sala: Ana Beatriz Morita
Vagas: 120 Palestra: Processo criativo na literatura em
Inscritos: 95 tempos de Internet: Muda alguma coisa?
Palestrante: Joaquim Maria Guimarães
noIte Botelho
Local: Aud. São José
Professor (a) da sala: Neide Arruda
Palestra: Fármacos como poluentes: o que Vagas: 150
sabemos e quais os desafios Inscritos: 65
Palestrante: Fábio Kummrow Aluno responsável: Danilo
Local: sala 56 Prédio Mazzarello
Professor (a) da sala: Rosana Montemor Palestra: Os 4 elementos da natureza: A
Vagas: 60 educação do sensível como presença na
Inscritos: 27 formação perceptiva das crianças
Aluno responsável: Jaqueline Palestrante: Ana Letícia Penedo
Palestra: Bioinvasão: um inimigo silencioso Local: Aud. Pasin
Palestrante: Flávio de Vasconcelos Camargo Professor (a) da sala: Deise Carelli
Local: sala 54 Vagas: 121
Professor (a) da sala: Ricardo Mendonça Inscritos: 60
Vagas: 64 Aluno responsável: Francieli
Inscritos: 43
Aluno responsável: Diego Palestra: Influências para a escolha
profissional
Palestra: A cidade que se deseja e os Palestrante: Silvana Soares
trabalhos de conclusão Local: Sala 55
Palestrante: Diego Portas Professor (a) da sala: Maria Joana
Local: Teatro Vagas: 50

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 23


Inscritos: 36 Aluno responsável: Paola
Aluno responsável: Gustavo Palestra: Fotografia de Rua
Palestra: Roteiro: o texto nos diversos meios Palestrante: João Carlos dos Santos Ataíde
– Televisão, cinema e teatro Local: sala 52
Palestrante: Caio de Andrade Professor (a) da sala: Ingrid
Local: aud. Clarice Vagas: 60
Professor (a) da sala: Stela Maris Inscritos: 50
Vagas: 91 Aluno responsável: Luis Cleverton
Inscritos: 66
Aluno responsável: Rodolfo Palestra: Projeto Goeldi – Instituição e Arte
Palestrante: Lani Goeldi
Palestra: Eventos – da Intuição ã Experiência Local: Sala 50
Palestrante: Professor (a) da sala: Cristina Lino/Daniela
Local: Sala 57 Cassal
Professor (a) da sala: Marcus Augusto Vagas: 30
Vagas: 48 Inscritos: 18
Inscritos: 32 Aluno responsável: Bruna

24 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


SUMÁRIO

25 Artes
35 Biologia
67 Educação
117 Comunicação
175 Enfermagem
187 Farmácia
197 Literatura
arteS
m emórIaS coletIVaS
claDenIr DIaS De lIma
reSumo
A oficina Metamorfoses do Desejo é uma pesquisa artística e pedagógica que tem
por objetivo promover o intercâmbio entre as diversas linguagens da arte, como
fotografia, artes plásticas, expressão corporal e apropriação de imagens da internet,
configurando uma hibridação de sistemas artísticos (VALENTE, 2008).
PalaVraS-chaVe
Arte do corpo; Hibridismo; Vivências Coletivas; Arte e Tecnologia; metamorfoses.

aBStract
The workshop Metamorphoses of Desire (within the Collective Memories) is an
artistic and pedagogical research that aims to promote the exchange between the various
languages of art, such as photography, fine arts, body language and appropriation of
images from the internet, configuring a hybridization of artistic systems (VALIANT, 2008).
KeYWorDS
Body art; Hybridism; Collective Experiences; Art and technology; Metamorphoses.

A arte toma muitos rumos, diversifica de arte, mas promover a experimentação


sua linguagem e retrata o tempo e a reflexão como pontos de partida para
mantendo sua essência de ser arte, de ser a compreensão da arte. Por este motivo,
mistério numa complexidade inesgotável, o trabalho coletivo foi valorizado na
rica de interpretações e percepções produção da série Memórias Coletivas,
diversas. Tais características levam a pois todos podem contribuir de acordo
crer que a arte seja um campo distante com o seu repertório nas reflexões e
da ciência, ou algo absolutamente expressões que, somadas às teorias já
restrito a um grupo sensível, cujos dons existentes na arte, podem propiciar uma
o aproximariam dessa capacidade de compreensão além do senso comum.
expressar, ler e vivenciar fenômenos Segundo Barbosa, uma “sociedade só é
estéticos. Acreditando que todos possam artisticamente desenvolvida quando ao
ter uma vivência artística, não apenas lado de uma produção artística de alta
os dotados de “dom”, essa pesquisa qualidade há também uma capacidade
possibilitou momentos de reflexão e de entendimento desta produção pelo
produção artística a pessoas iniciantes público” (1998, p.4) – concordamos com
em arte, demonstrando que a arte está esse pensamento, porém, na medida
além da técnica, principalmente no que de se desejar antes uma capacidade de
diz respeito à arte contemporânea. compreensão do que de entendimento,
O objetivo da pesquisa não é formar pois arte produz um movimento que
artistas e nem banalizar o conceito de obra lida com a percepção, sensações e

28 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


sentimentos, que se instaura no domínio computador através de dispositivos de
do sensível sobre o inteligível. síntese bidimensional (scanner, câmara
Os estudos e a produção das obras de vídeo) apresentam as seguintes
da série Memórias coletivas foram possibilidades criativas: representação
realizados tendo como principio gerador: da representação; montagem, colagem e
o fotógrafo, o projetista e o modelo, tais bricolagem; interação e fluidez:
conceitos se fundamentam em Barthes
(2011), onde o Operatoré é o fotógrafo, [...] esses procedimentos utilizados pelos
o Spectatoré o projetista ou aquele que artistas da modernidade são dilatados,
seleciona o que quer ver e o Spectrum, ampliados e qualificados com as novas
pessoa a ser fotografada - o modelo. tecnologias que permitem dar os mais
Tendo como principio essa estrutura variados tratamentos à imagem, como
de produção os grupos aos quais foram se esta fosse uma cenografia. Resultam,
propostas as vivências revezavam-se ora assim, imagens fictícias e/ou hibridas.
como fotógrafo, outrora como modelo (PLAZA e TAVARES, 1998, p.196)
ou como próprio projetista de imagens.
Essa mudança de papéis possibilitou Como essa pesquisa trata de uma
que os participantes pudessem vivenciar criação coletiva, é importante ressaltar
três momentos distintos na elaboração que seus resultados são imprevisíveis.
e produção das obras, resultando assim Essa imprevisibilidade é reforçada pelo
em fotografias que priorizavam ou o caráter de processo, pois os resultados
enquadramento ou o conceito ou o serão construídos à medida que as
próprio gosto estético do modelo que vivências forem ocorrendo; e também por
direcionava onde e como gostaria de ser existir a possibilidade dos participantes
fotografado. criarem expressões plásticas utilizando
Tendo como prioridade a mediação do o corpo como suporte, já que ele será
corpo para a experimentação estética do o veículo da experiência estética – fato
público, tais vivências ficaram marcadas esse que trará a sua formatividade
em suas memórias e cujos resultados (PAREYSON, 1993) para o processo de
obtidos foram transpostos e apropriados criação.
para a criação do artista-propositor DENI Nesse sentido, a pesquisa revela uma
DIAS em outras mídias, colocando em “hibridação interformativa” (VALENTE,
evidência a produção colaborativa, o 2008), cujo conceito esclarece a
processo coletivo de criação e o próprio qualidade híbrida de obras produzidas em
conceito de autoria das obras produzidas. processos colaborativos e cooperativos.
Estes conceitos apresentados ficam mais Adentramos, por essa via, no universo
claros na produção contemporânea, das imagens híbridas, na medida em
pois para os artistas contemporâneos, que as imagens produzidas pelos
a utilização da tecnologia torna-se uma participantes das vivências constituem
ferramenta a mais para sua expressão e um grande repertório de imagens que
que, dentre as múltiplas possibilidades o artista-propositor utiliza para compor
de produção digital, podemos destacar, um corpo híbrido e em metamorfose, no
em concordância com Plaza e Tavares, qual comparecem e se articulam essas
que as imagens adquiridas pelo diversas formatividades.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 29


o roteIro e o ProtagonISmo Da PerSonagem
caIo De anDraDe
reSumo
Conhecer profundamente as personagens que darão estrutura ao texto de uma
peça e/ou roteiro de cinema e/ou televisão pode abrir vários e inusitados caminhos
para contar a mesma história

PalaVraS-chaVe
Personagem; Roteiro; Texto; Cinema; Televisão; Teatro, Argumento

aBStract
Deep Knowing the characters that give structure to the text of a play and / or film
script and / or television can open multiple and unusual ways to tell the same story

KeYWorDS
Character; Script; Text; Film; Television; Theater; Argument

Os Olhos Verdes do Ciúme que autonomia a ponto de se recusar a entrar


escrevi em 2001 (para inaugurar em cena.
o teatro do Centro Cultural Justiça
Federal, no Rio de Janeiro), tinha como Os Olhos Verdes do Ciúme – D. Pedro
argumento a troca de correspondência e a Barral.
entre D. Pedro II e a Condessa de
Barral. Terminada a pesquisa, prestes As cartas trocadas entre D. Pedro
a escrever a peça, tomei uma decisão: II e a condessa de Barral me levaram a
as duas personalidades históricas eram escrever a peça. O Imperador e sua súdita
tão contundentes, tão portentosas, tão conviveram oito anos, quando a condessa
vivas (embora mortas há mais de um assumiu a educação das princesas Isabel e
século), que resolvi não transformá- Leopoldina. De 1856 a 1864, demonstrou
las em personagens. Falei dos dois, nas uma dedicação intensa, dando conta aos
quarenta páginas do texto, mas não os Imperadores de tudo que dizia respeito
coloquei no palco. Essa experiência fez às suas pupilas. E enquanto educava as
com que, pela primeira vez, me atentasse princesas, a condessa exerceu verdadeira
para um fato: como a personagem pode fascinação sobre D. Pedro. A graduada
ser maior que sua história ou, como ela serviçal o conquistou por sua inteligência
mesma pode conduzir com propriedade incomum, seu espírito atilado e suas
e desenvoltura seu próprio enredo se conversas sobre as obras científicas
for analisada com cuidado, pesquisada e literárias que tanto encantavam o
com afinco e observada com atenção. governante. Ela não o admirava menos.
Que uma personagem pode adquirir Admiração mútua que culminou em

30 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


discreto e proibido amor.Em 1864, ano invariavelmente, de uma possível crise de
do casamento das princesas, deixando inspiração - uma vez que é preocupante
de existir a razão que a prendia ao Brasil, delegar o processo de escrever ao
D. Luisa Margarida Portugal de Barros - nosso estado de espírito. Nem sempre
condessa de Barral e Pedra Branca - fixou podemos atrasar a entrega de um
residência na França, quando começa trabalho por indisposições criativas.
uma intensa troca de correspondência Criar, estofar, envolver a personagem em
entre ela e o Imperador, que duraria até sua própria história a liberta: ela ganha
1891, ano da morte de ambos - a dela carta de alforria, fica livre, anda e se
em janeiro, a dele em dezembro. vira sozinha. Sem a construção segura
Amor nascido da admiração, quando de uma personagem os diálogos podem
ambos já estavam em plena maturidade, soar falsos, pouco convincentes. O que
compromissados e carnalmente fieis nos aproxima do humano são nossas
aos seus respectivos cônjuges, ao que atitudes mais viscerais, mais corriqueiras,
parece, souberam driblar as armadilhas mais prosaicas. Por isso é preciso trazer
da paixão, transformando o radiante as personagens para seu universo mais
encontro em platônica e inventada íntimo. Um universo criado pelo autor,
convivência, uma vez que moravam em usando da ficção para intervir, muitas
países diferentes. Algumas folhas, no vezes, numa trajetória biográfica, como
entanto, revelam que, mais tarde, ao o que fiz em Os Olhos Verde do Ciúme
se encontrarem sozinhos em Atenas – já que D. Pedro e a Barral realmente
- ela viúva e ele desacompanhado - a existiram e parte do trabalho de
Imperatriz estava fazendo tratamento construção das personagens em questão
de saúde, na Alemanha - acabaram por já estava lá, nos livros de história.
consumar o romance, que permaneceu
secreto até o ano de 1948, quando o O homem é ele próprio e sua
Marquês de Barral, neto da condessa, circunstância – (Ortega y Gasset).
descobriu parte das cartas, no castelo da
família. A frase do filósofo espanhol pode ser
Argumento. Roteiro. Personagens. um ponto de partida para exercitar o
O roteiro, o texto, a peça, seja lá o processo de inserção de uma personagem
nome do aparato dramatúrgico que dará no mundo idealizado pelo roteiro. A
sustentação à montagem, filmagem, personagem e sua circunstância. Começo
gravação etc., nasce de uma ideia, uma pelo que chamo de macro-universo.
inspiração que, transcrita, chamamos A época (um momento do mundo –
de argumento. O argumento organiza a atualidade, um período entre guerras,
construção do roteiro, o caminho seguido um ciclo historicamente instigante, um
pelas personagens. Muitas vezes, porém, lugar no futuro etc.), o ano, o país, a
a história flui sem balizamentos. O medo cidade, o bairro, o dia e até a hora em
ou a sensação de que ideias nasçam que ela nasceu – o que gera um signo no
confinadas, a tal falta de inspiração zodíaco, divertidamente consultado.
ou mesmo o turbulento e imperioso O caminho seguinte é dar à
dinamismo intuitivo - que atravessa personagem uma família (ou não dar,
regras -, pode prescindir do argumento dependendo, é claro, das circunstâncias),
e se afastar de fronteiras pré-concebidas. um trabalho, uma relação amorosa,
Em todos os casos, no entanto, o amizades, uma atividade, grau de
processo de construção da personagem instrução, talvez uma religião, uma função
é fundamental. Personagens, lúcida no mundo e no roteiro. Aproximando a
e criativamente elaboradas, dão lente surgem as primeiras impressões,
credibilidade e consistência ao roteiro. os primeiros julgamentos: trata-se de
Personagens bem pensadas nos livram, uma pessoa honesta? Qual o seu grau de

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 31


afetividade? E de perversidade? É preciso uma restauração (embora o próprio D.
acreditar, sempre, que criar uma vida Pedro acreditasse que a república fosse
para a personagem não a enclausura, um caminho sem volta). Mesmo assim,
mas a liberta. Uma personagem livre alguns de seus súditos mantinham a
deixa de ser um encosto para se tornar esperança de carregar o Imperador de
companheira de jornada na construção volta, uma possibilidade que, naquele
da trama. momento de fragilidade republicana,
Colocadas todas as lentes, parecia possível e perturbadora.
aproximando o máximo possível, indo e A trama corre por aí: Ethel, movida
voltando, começamos, finalmente, a ver pelo monstro de olhos verdes – alcunha
o mundo e as suas circunstâncias através do velho e birrento ciúme - tenta fazer
do olhar daquela pessoa que acabou de com que Dominique reconsidere sua
ser criada. Temos um guia, um inventário decisão de viver somente para a esposa,
capaz de nos ajudar a conduzir nossa enquanto ameaça revelar para jornais
história com mais segurança, fluidez e republicanos o amor secreto da mãe de
credibilidade. seu amado pelo Imperador do Brasil,
Retomando o processo de escrita de evitando assim (através de um escândalo
Os Olhos Verdes do Ciúme. amoroso), um possível contragolpe
O ciúme que nomeia a peça e estimula monárquico.
os conflitos de minha história inventada Depois de fazer uma tremenda
nasceu do amor bélico e fictício da pesquisa sobre D. Pedro e a Barral
atriz inglesa Ethel Havelock pelo belo comecei, imediatamente, a me cercar
aristocrata Horace Dominique. No meu das personagens ficcionais – Ethel,
texto, a balzaquiana e atormentada atriz Dominique (que também tinha uma
- envenenada pelo ciúme - tenta resgatar trajetória real uma vez que fora o único
a paixão deixada no passado por seu filho da condessa com seu marido, o
jovem amante, que a trocou por uma conde de Barral), de Tibério e Fiona,
união arranjada e conveniente. Munida inventados para ajudar Ethel a arquitetar
de perigosa dose de vingança - que brota seu desastrado plano. O quarteto - Ethel,
com facilidade do coração enciumado Dominique, Fiona e Tibério - cresceram
-, Ethel tenta destruir o casamento de tanto, a época e local em que a peça
Dominique, na tentativa desesperada de acontecia (final do século XIX, em Paris
reviver seus dias felizes. - onde D. Pedro estava exilado) eram tão
D. Pedro e a Barral, Ethel e Dominique ricos em fatos e arrebatamentos que, aos
- uma história nada teria a ver com a poucos, fui prescindido da presença dos
outra se Dominique não fosse, na vida dois supostos protagonistas: D. Pedro e
real, filho da condessa e se o objeto a Barral – o que me abriu uma nova e
de chantagem usado por Ethel para nunca pensada possibilidade: escrever
reconquistar o seu amado não fosse o texto sem trazer as personagens
- aí dentro da ficção urdida por mim - históricas para o palco. Isso me permitiu
parte das cartas que a condessa recebia um viés novo, inusitado, que não havia
do Imperador e que, graças a uma previsto quando pensei o argumento.
fatalidade, caíram nas mãos da atriz. Quando, finalmente, comecei a
Documentos que poderiam destruir escrever a trama, a construir os diálogos,
a impoluta e, até então, inabalável estava tão movido, tão contaminado
reputação do sensato soberano, homem com a desenvoltura e autonomia das
ilibado e extremado pai de família. No personagens que o texto fluía por
início de nossa aventura republicana caminhos inusitados.
o novo regime ia tão mal das pernas, Desde o momento em que conheci a
que existia o medo real de uma nova troca de cartas entre D. Pedro e a Barral
investida da monarquia, uma retomada, intui que aquele poderia ser um mote

32 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


interessante para uma peça, mas tive lado e escrever um livro.
medo de produzir um texto didático, Aos poucos, no entanto, a reverência
cheio de datas e exacerbadas referências, histórica, o arcabouço acadêmico (li
engessado no tempo e parecido com teses e artigos sobre o segundo período
uma desastrosa aula de história. imperial), a admiração quase patriótica
Por um momento, enquanto dos primeiros dias, foi se transformando
passava as tardes no Museu Imperial em instigante intimidade - comecei a
de Petrópolis, pesquisando as cartas conhecer tão bem aquela gente que para
(grande parte delas está armazenada nos mim já não se tratava do imperador do
arquivos do museu), imaginava que tudo Brasil ou da condessa que o servia, mas de
aquilo poderia ser uma armadilha fatal: um casal apaixonado, preso por grilhões
os fatos que iam sendo descobertos sociais, ali pedindo, humanamente, que
eram tão interessantes e desconhecidos eu ajudasse a revelar ao mundo sua
que me deu vontade de deixar a peça de imprevista e delicada forma de amar.

a cIDaDe que Se DeSeja e oS


traBalhoS De concluSão

DIego anIBal PortaS


reSumo
Focaliza a diferença entre trabalhos de conclusão de curso e a cidade que se deseja.

PalaVraS-chaVe
Arquitetura; Formatura; Escolas de Arquitetura.

aBStract
It focuses on the difference between the completion of course work and that you wish.

KeYWorDS
Architecture; Graduation; Architecture schools.

À diferença de muitos outros dependendo dos distintos cursos do país


sistemas acadêmicos o brasileiro define, em termos teóricos e/ou práticos, dito
e estimula em consequência, um certo de maneira mais simples, poderá ser
tipo de reflexão para celebrar o ritual uma monografia escrita ou um trabalho
de formatura de um arquiteto. Nosso de projeto urbano e/ou arquitetônico
sistema exige do aluno que está prestes desenhado.
a receber seu diploma a escolha de um Outros sistemas não permitem aos
tema de pesquisa ou investigação; este alunos dos cursos de arquitetura esta
tema ou questão poderá ser respondido, escolha. Há aqueles que nem sequer têm

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 33


um trabalho final de graduação como do século XX, podemos ver semelhanças.
ritual de finalização e outros que definem Pensar em Fernando Távora, Álvaro Siza
o tema para o trabalho de formatura. Vieira, Eduardo Souto de Moura e tantos
O nosso exige do aluno essa escolha, discípulos nos deixa ver a importância da
invenção, reflexão e pensamento. tradição e do cruzamento do ensino e das
obras arquitetônicas na escola do Porto.
SoBre curSoS e eScolaS Não parece em vão que Álvaro Puntoni,
Os diferentes cursos de arquitetura no formado na FAU-USP em 1987, na hora
Brasil, muitos deles bastante recentes, de refletir sobre escolas, cite a resposta
podem ser vistos como uma recente e de Souto de Moura quando questionado
crescente massificação do ensino de sobre a relação que ele teria com seus
arquitetura1. O número e a origem dos predecessores. Souto respondia: Existe
estudantes se alterou substancialmente. continuidade, porque negar o legado de
Esse cenário é bem distinto dquele pessoas inteligentes seria uma estupidez.
que deu origem a uma notável Puntoni então afirma: Não abdicar de
arquitetura brasileira no século XX, me uma inteligência construída talvez seja o
refiro às das escolas carioca e paulista. ponto de partida para o estabelecimento
Isto nos permite refletir sobre a diferença de um possível e desejável denominador
entre cursos de arquitetura e escolas comum na Arquitetura Contemporânea
de arquitetura. As escolas podem estar Brasileira.4
presentes e ativas nos cursos dentro das Parece um caminho astuto para se
universidades, no entanto, transbordam pensar em escolas.
qualquer limite de um curso; sem
querer me alongar, tentarei ilustrar esta SoBre o arquIteto neceSSárIo
afirmação a partir do que foi chamada de Suponho que a chave para tranquilizar
escola carioca, com nomes destacados as consciências de aqueles que sonham
e relevantes como os de Lucio Costa, em ser um arquiteto estrela ou algo
Oscar Niemeyer, Eduardo Affonso Reidy parecido seria a convicção que a meta
ou os irmãos Roberto. A relevância e é ser um arquiteto necessário5. Esta é
afinidade da produção arquitetônica dos a resposta de Juan Herreros quando
integrantes da escola foram a substância questionado sobre a diferença entre
para que houvesse a possibilidade do seu uma arquitetura espanhola de destaque,
reconhecimento e importância cultural. reconhecida internacionalmente e
No entanto, é conhecida a distância que produzida em poucos escritórios, e uma
houve entre os cursos de arquitetura e outra, uma arquitetura corrente, menos
estes arquitetos. preocupada com a excepcionalidade, e
O caso da escola paulista2 é diferente. que possivelmente represente 90% da
Arquitetos importantes encabeçados arquitetura produzida na cidade.
pela relevante e complexa figura de Herreros continua:
Vilanova Artigas geraram, através
das obras e de uma intensa atividade O que significa ser um arquiteto
acadêmica, afinidades de ideais que necessário? [...] e como os arquitetos
permearam a faculdade de arquitetura podem participar dos processos de
da universidade de São Paulo, a FAU USP. câmbio ainda que isso exija descer ao
Talvez isto explique em grande parte a terreno da negociação de interesses
convergência que há entre arquitetos complexos e contraditórios? O que estou
contemporâneos paulistas, muito menos querendo dizer é que a arquitetura
comum em outros lugares do Brasil3. Se estelar se movimenta em um território
prestamos atenção ao cenário português de certa limpeza de paixões e se produz

34 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


protegida pela sua extrema singularidade vitalidade, continuidade e confiança em
e é por isso algo irreal. Útil e interessante nossos jardins, em nossas cidades, se
mas irreal...6 (tradução minha). nos apresenta como um caminho a ser
construído, um caminho pouco suntuoso,
Muitos de nossos interesses estão na uma alternativa. Assim a exigência ou
arquitetura excepcional, ela sempre tem estimulo do sistema acadêmico brasileiro
sido uma fonte, elas podem se constituir permite, também, dedicarmos nossa
em parte dos alicerces para outra atenção à essa arquitetura, e nós da a
arquitetura, a do 90%. A arquitetura oportunidade para nós repensarmos
que vivemos todos os dias nos deveria como cursos, como escolas, e para
interessar muito; podemos enxergá- refletirmos sobre qual é a cidade que se
la como um patrimônio coletivo, mas deseja e qual o nosso real papel nela.
não apenas como usuários, senão
como participantes e produtores desse notaS
patrimônio. Em síntese, a cidade com 1 Servem de referência os dados da última
seus edifícios, suas calçadas, suas competição da premiação Opera Prima de
árvores, suas praças, largos, sacadas, 2015. A premiação teve como base 7633
portas, janelas, degraus, maçanetas... trabalhos de final de graduação de 148 cursos
A produção de nossas cidades e quais cadastrados. Ver editorial Revista Projeto
nossas muitas e diversas possibilidades Design 420 de abril de 2015, p.58.
de participação ativa. 2 ZEIN, Ruth Verde, A Arquitetura da Escola
Paulista Brutalista 1953-1973. Tese de
maS qual é eSSa cIDaDe? Doutorado, Faculdade de Arquitetura de Rio
Os últimos anos, de grande Grande do Sul, Porto Alegre e São Paulo,
quantidade de construção, foram 2005.
uma oportunidade em grande medida 3 WISNIK, Guilherme. Disposições Espaciais
desperdiçada de melhorar a vida de [In] Coletivo, Cosac Naify, São Paulo, 2006, p.
muitas pessoas. A Construção de nossas 170-180.
4 PUNTONI, Álvaro. Pensando em escolas.
cidades, salvo poucas exceções, tem
MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo,
produzido ou reforçado segregação,
n.2, Belo Horizonte/Brasília, 2006, p.12.
separação, descontinuidades,
5 Juan Herreros em entrevista a Fernando
desagregação, esvaziamentos e conflitos. Diez. Revista Summa + n.99, Buenos Aires.
Parece existir em termos globais, como 2009, p. 4-27.
afirma Herreros, uma crise de valores 6 Idem, Ibidem. Ainda vale ressaltar a
onde se acredita em qualquer tipo de importância dada por Herreros à arquitetura
construção como em um progresso7. excepcional como aquela que permite
Em nossos tempos onde a sobriedade, a instaurar o debate e assim a arquitetura
singeleza e o reconhecimento do outro necessária obter atenção, segundo Herreros,
parecem sinônimo de pobreza, se torna as duas arquiteturas devem ser vistas como
muito mais quixotesco pensar em um complementos.
arquiteto (necessário) como se fosse um 7 Idem. Ibidem.
jardineiro que saiba capinar, preparar a 8 ABALOS, Iñaki, HERREROS, Juan, Por uma
terra, escolher espécies, plantá-las para nova naturalidade, Sete micromanifestos, [in]
depois deixar que o tempo faça sua Revista Noz 3, Editada por alunos do CAU
parte8, até inclusive como Iñaki Abalos PUC Rio, Rio de Janeiro, 2007 (1984) p.22.27.
nos adverte, saber perceber quando 9 ABALOS, Iñaki, Bartelby, el arquitecto.
sua presença não é necessária9. Pensar [in] Díario el País, 2007. http://
nestes jardineiros, que sendo muitos, elpais.com/diario/2007/03/10/
possam ajudar a cuidar e recuperar babelia/1173485179_850215.html

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 35


BIologIa
u SoS e aPlIcaçõeS Da BIologIa molecular
faBIo antônIo colomBo
reSumo
O objeto de estudo são as informações genéticas contidas nos organismos, incluindo as
interações entre o DNA, RNA e síntese de proteínas, bem como essas interações são reguladas.

PalaVraS-chaVe
PCR; qPCR; Aplicações Moleculares.

aBStract
The object of this study are the genetic information contained in organisms, including the
interactions between DNA, RNA and protein synthesis, and these interactionsare regulated.

KeYWorDS
PCR, qPCR; Molecular Application.

A biologia molecular é um ramo da biolo- desenvolveu a lei da hereditariedade,


gia que estuda a vida em escala molecular, e onde as características hereditárias eram
se preocupa com a compreensão das intera- transportadas para células filhas. Friedrich
ções entre os diversos sistemas de uma célula. Miescher, em 1869 descobriu a presença do
O objeto de estudo são as informações gené- ácido nucleico das células, porém somente
ticas contidas nos organismos, incluindo as em 1915, Thomas Morgan, relacionou a
interações entre o DNA, RNA e síntese de pro- ligação dos genes com os cromossomos. Em
teínas, bem como essas interações são regula- 1950, Rosalind Franklin começou a desvendar
das. O fluxo de informação do código genético a estrutura do DNA pelo uso de técnicas
segue uma sequencia conhecida como Dogma de difração de raios X, levando a supor que
Central da Biologia Molecular, onde a molécu- a estrutura do DNA apresentasse cadeias
la de DNA é capaz de se replicar dando origem helicoidais. Baseados nos estudos de Rosalind,
a novas moléculas, idênticas as originais. A o zoólogo James Watson e o físico Francis
molécula de DNA pode ainda ser transcrita em Crick, demonstraram a forma tridimensional
uma molécula de RNA, onde serve como mol- da molécula de DNA, onde mais tarde foi
de. Na molécula de RNA se encontra o código confirmada a forma semiconservativa do
utilizado para organizar a sequencia de ami- DNA, onde características genéticas serão
noácidos que serão usados na produção de passadas para as gerações futuras. Em 1975,
proteínas, no processo chamado de tradução. Frederick Sanger desenvolveu um método
Na tradução ocorre a união dos aminoácidos de sequenciamento de DNA que ficou
sendo obedecida a ordem de códon apresen- conhecido como método de Sanger, sendo
tados em um RNA mensageiro. um dos métodos mais utilizados atualmente,
Não é possível dizer exatamente quando utilizando inibidores de reação pelo uso
a biologia molecular teve seu inicio, porém de terminadores de cadeia. Allan Maxam
alguns eventos foram marcantes para o e Walter Gilbert desenvolveram um novo
seu progresso. Um dos pontos principais método baseado em clivagem química. Uma
ocorreu em 1865, quando Gregor Mendel das principais técnicas utilizadas atualmente

38 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


é a reação em cadeia da polimerase (PCR), quantidade de produto e do input de DNA é
que foi idealizada pelo químico americano mais consistente. Por este motivo os dados
Kary Mullis em 1983. Mullis desenvolveu um de fluorescência são geralmente recolhidos
processo através do qual o DNA poderia ser desde o início do processo de amplificação.
multiplicado artificialmente (in vitro) através Em 1996, o pesquisador Ian Wilmut
de ciclos repetidos de duplicação cuja reação clonou o primeiro mamífero adulto, a ovelha
seria catalisada pela DNA polimerase, criando Dolly. Mas somente em 2001, Francis Collins
múltiplas cópias de DNA, por replicação e Craig Venter divulgaram o sequenciamento
enzimática, sem necessitar de um organismo do genoma humano levando a biologia
vivo. A reação utiliza dois oligonucleotideos molecular a um novo patamar de excelência,
iniciadores que hibridam com cadeias opostas sendo considerada a caso único da história das
e flanqueiam a sequência de DNA a amplificar. ciências, por apresentar o desenvolvimento
No fim de um ciclo de PCR obtêm-se duas intelectual mais rápido.
novas cadeias de DNA para cada alvo da A biologia molecular pode ser aplicada
dupla cadeia. Assim, duas novas cadeias são a diversas disciplinas e atividades como, por
sintetizadas a partir da cadeia molde em cada exemplo, pesquisa, medicina, agricultura,
ciclo completo da técnica de PCR, fazendo indústria e na sociedade em geral. Na pesquisa
com que se dê um crescimento exponencial, é utilizada no desenvolvimento de métodos
havendo ao fim de n ciclos, 2n vezes mais de diagnóstico de muitos agentes infecciosos,
cópias do que havia no início. como a identificação e quantificação de carga
Em 1985, Alec Jeffreys desenvolveu viral, controle de tratamento e genotipagem
a técnica de impressão digital por DNA, de cepas. No caso de bactérias, além da
possibilitando os exames de criminalística e de identificação de cepas, podem ser realizados
paternidade, onde se analisam semelhanças testes moleculares para reconhecimento de
dos respectivos materiais genéticos. A PCR resistência bacteriana, ou em organismos de
em tempo real, também conhecida como PCR crescimento lento ou não cultiváveis. Ainda
quantitativa simplesmente qPCR, foi descrita pode ser utilizada para o diagnóstico diferencial
pela primeira vez em 1993, por Higuchi e seus de doenças parasitárias que apresentam
colaboradores. Montaram um sistema ao qual características clínicas semelhantes, na
acoplaram uma câmara de vídeo, de modo a elucidação de surtos, escolha de tratamento
monitorizar a PCR durante todos os ciclos. Este e genotipagem. Também e utilizado para
mecanismo permitia-lhes detectar o aumento a pesquisa de alterações genéticas, como
da fluorescência durante a reação, devido à mutações, diagnóstico pré-natal e câncer.
ligação do brometo de etídio às moléculas de No ramo da medicina, a biologia
DNA de dupla cadeia recém-sintetizadas. O molecular é muito utilizada no ramo
procedimento é semelhante ao da técnica da forense, como identificação de pessoas em
PCR convencional diferindo essencialmente desastres, desaparecidos, solução de crimes,
numa característica inovadora: a possibilidade paternidade ou parentesco, se utilizando de
de quantificação em tempo real do DNA regiões variáveis em locais específicos dentro
amplificado, em cada ciclo de amplificação. do genoma. Na agricultura, a engenharia
Neste método, as fases de amplificação, genética auxilia no melhoramento genético
detecção e quantificação são totalmente de plantas, promovendo maior resistência a
automatizadas, ocorrendo em simultâneo e insetos, a herbicidas, ou inclusão de vitaminas.
em tempo real. Os compostos fluorescentes Na indústria, novos produtos tem sido
adicionados ao DNA geram um sinal de desenvolvidos, como vacinas de DNA, criação
fluorescência que é diretamente proporcional de novas linhagens celulares, camundongos
à quantidade de produto amplificado ao longo knockout e biologia regenerativa.
das diferentes fases. A fase de crescimento Mestre e Doutor em Ciências, na área de
exponencial é considerada a melhor para se Pesquisas Laboratoriais em Saúde Pública,
estudar a reação devido à elevada eficiência pela Coordenadoria de Controle de Doenças
registrada, uma vez que a relação entre a do Estado de São Paulo.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 39


S uStentaBIlIDaDe , InoVação e negócIoS :
D eSafIoS e o PortunIDaDeS
carloS PeDro StauDt
reSumo
Abordagem do tema da sustentabilidade, partindo de dois grandes desafios da atual
civilização: o enfrentamento da mudança acelerada do padrão climático e a adoção de
um novo modelo de desenvolvimento com premissas sustentáveis.

PalaVraS-chaVe
Sustentabilidade; Clima; Combustível; Energia; Meio Ambiente.

aBStract
Approach to the theme of sustainability, from two major challenges of modem
civilization: the confrontation of accelerated climate pattern change and the adoption
of a new model of development with sustainable premises.

KeYWorDS
Sustainability; Climate; Fuel; Energy; Environment.

muDançaS clImátIcaS registraram 42ºC na Suíça, causando


A mudança climática é inerente ao milhares de vítimas fatais, principalmente
equilíbrio dinâmico do planeta. Porém crianças e idosos.
esse processo natural está sendo A primeira ocorrência de um furacão
fortemente acelerado por uma ação no Atlântico sul se deu no Brasil, no litoral
antrópica, principalmente pela queima de Santa
de combustíveis fósseis (carvão mineral, Catarina em 2004 (furacão Catarina),
petróleo e gás natural), a partir de meados causou muitos estragos e vítimas. Em
do século XX. Mumbai na Índia em 2005 no período das
O gás carbônico liberado na queima monções choveu quase mil milímetros em
desses combustíveis potencializa o efeito apenas 24 horas.
estufa. Daí decorre o aquecimento global, Recentemente no verão de 2013/2014
e este por sua vez acelera a mudança do no hemisfério sul, uma forte onda de calor
padrão climático. Os efeitos são cada vez que se prolongou por vários dias atingiu
mais perceptíveis através dos eventos principalmente as populações da Austrália,
climáticos extremos, mais frequentes e da Argentina e do Brasil.
intensos: ondas de calor e de frio, chuvas Uma reversão mesmo que parcial
torrenciais, estiagens prolongadas, desse processo exige mudanças radicais
furacões e ciclones. do atual modelo energético baseado nos
Alguns eventos ocorridos neste século combustíveis fósseis. Torna-se premente
merecem registro. A onda de calor que a maior participação de fontes renováveis
varreu a Europa Ocidental no verão de de energia. Principalmente as fontes solar,
2003. Nesse episódio os termômetros eólica e de biomassa. Além do uso mais

40 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Figura 1 – Emissões per capita de CO2, para países e cidades (Fonte: Almanaque Abril).

racional e eficiente da energia, por parte das emissões de CO2 por parte dos
da indústria, do comércio, dos serviços e países membros da Convenção-Quadro
também no âmbito residencial. da ONU sobre Mudança do Clima
Observa-se na fig. 1 que os Estados (UNFCCC, na sigla em inglês). Os dois
Unidos em 2010 detinha a marca de maiores emissores de carbono, China
16,9 tCO2 por habitante.ano. Pode-se e Estados Unidos, estão acenando com
afirmar que este país tem um elevado metas audaciosas.
padrão de consumo de energia e uma
alta dependência de combustíveis
fósseis. Mesmo a União Europeia que DeSenVolVImento SuStentáVel
está num patamar bem mais baixo,
8,1 tCO2 por habitante.ano, ainda está O Desenvolvimento Sustentável
bem acima da média mundial que é da pode ser considerado uma utopia
ordem de 5 tCO2 por habitante.ano. a ser perseguida. Tal e qual a busca
Nota-se que no caso do Brasil pelo impacto socioambiental nulo
os valores apresentados não estão das atividades econômicas. Torna-se
considerando as emissões oriundas entãonecessário e urgente repensar e
da mudança de uso do solo, ou seja, agir para um novo modelo civilizatório,
da derrubada e queimada da floresta, mais harmonizado com o meio
que ocorreprincipalmente da região ambiente, e com menor exigência
amazônica. de recursos naturais. Sem esquecer
Para que os efeitos - os eventos das áreas já impactadas no passado
climáticos extremos - fossem e as atuais que exigem recuperação
minimizados a um patamar mais ambiental e em muitos casos um
seguro, a média mundial deveria ser resgate dos prejuízos socioculturais.
de 2 tCO2 por habitante.ano. Reduzir e Irei abordar o desenvolvimento
reequilibrar esses padrões é um mega sustentável tomando como referência
desafio para a ONU e os seus países a pegada ecológica e o IDH.
membros. Pode-se calcular a pegada ecológica
No próximo mês de dezembro, Paris de um país, de uma cidade ou
sediará a COP 21 a Conferência das simplesmente de um único indivíduo.
Partes. Uma oportunidade única de Para tal considera-se a extensão
estabelecer um novo acordo climático territorial, medida em hectares para
com metas significativas de redução atender as suas necessidades, como

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 41


Figura 2 – Pegada ecológica e Biocapacidade, por região, em 2003. (fonte: Planeta Vivo WWF - 2006)

estilo de vida e padrão de consumo. situação inversa.


Quanto menor a pegada ecológica Já o IDH surgiu como um contraponto
de um país, por exemplo, maior a sua ao PIB, pois considera o índice de
sustentabilidade ambiental ao longo desenvolvimento humano de uma
do tempo. sociedade, considerando três dimensões:
Na fig. 2 observa-se a pegada renda, saúde e educação. Quanto maior
ecológica e a biocapacidade de várias o IDH (escala de 0 a 1) maior a qualidade
regiões do planeta. Nota-se no caso de vida da população.
da América do Norte que a sua pegada A partir da fig. 3, verifica-se um grande
ecológica já superou em muito a sua descompasso entre os dois indicadores.
biocapacidade. Isto significa dizer que Ou seja, os países que detêm os maiores
essa região não conseguiria manter o IDHs tambémcarregam as maiores
seu atual padrão de consumo e modo pegadas ecológicas. O inverso também
de vida sem a importação de insumos e é verdadeiro, como é o caso dos países
alimentos de outras regiões. Já a região em desenvolvimento.Para atender os
da América Latina e Caribe apresenta critérios mínimos de sustentabilidade

Figura 3 - Comparação entre a Pegada Ecológica de cada país e o Índice deDesenvolvimento Humano - IDH (2008). A cor dos
pontos identifica a região geográfica, e o diâmetro é proporcional a sua população. (fonte: Planeta Vivo WWF – 2010)

42 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


deveríamos ter um IDH maior que 0,8 serviço, processo, ou modelos de gestão,
euma pegada ecológica menor que 2 pode ser uma inovação. Desde que
hectares. Na América do Norte tem-se percebido e reconhecido pelos seus
um IDH em torno de 0,9 e uma pegada usuários. A inovação pode ser de ordem
ecológica maior que 10 ha. Reverter essa incremental ou radical (disruptiva). No
diferença não é uma tarefa simples. caso da incremental a inovação acontece
No mês de setembro será apresentado de maneira contínua, representada por
na assembleia geral da ONU em Nova pequenos avanços sem uma modificação
York o documento elaborado a partir da expressiva.
RIO+20 (2012) intitulado Objetivos do Já a inovação radical provoca um
Desenvolvimento Sustentável. impacto significativo no mercado, e nos
Vale destacar a declaração do seus usuários. Se apresenta como um
conselheiro sênior de Políticas novo paradigma, um novo conceito . Daí
Públicas do Programa da ONU para o podem surgir novos modelos de negócio.
Desenvolvimento (PNUD),Paul Ladd: Inovar requer profissionais que
“Somos a primeira geração que tem pensem fora da caixa, ultrapassando os
os recursos e tecnologias para eliminar paradigmas vigentes e os preconceitos.
a pobreza, mas somos provavelmente a A cultura organizacional, o ambiente
última geração que pode impedir que a de trabalho, e estruturas enxutas são
mudança global do clima destrua tudo o determinantes. A seleção de talentos
que temos.” nessas organizações é menos formal. A
Isso resume a importância do atual equipe de inovação com essas qualidades
momento frente ao desenvolvimento percebe melhor as tendências e desenha
sustentável e inclusivo. Este ano os cenários mais factíveis. A gestão do
líderes mundiais têm a oportunidade conhecimento é a chave para essa
histórica de alavancar (ganhar escala) mudança.
asimportantes transformações que já Já as empresas que trabalham com
estão em curso nas áreas econômica, altos níveis de controle, excelência
ambiental e sociocultural. nas suas operações a qualquer custo,
e somado a isso tem um olhar mais
voltado para dentro, apresentam
InoVação e SuStentaBIlIDaDe riscos consideráveis em relação a sua
Desenvolver um novo produto,
perenidade.

Figura 4 - Ondas da inovação (Fonte: Infográfico da Fundação Dom Cabral)

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 43


Vivemos um momento de transição papel de destaque nesse processo,pois
para os negócios. Várias empresas estão estão mais próximasdosconsumidores.
aprendendo a trabalhar e valorizar ativos Nesse sentido seus
intangíveis (marca, reputação, imagem, processoseatividadespassam por
inovação conceitual).Estão percebendo constanteavaliação e questionamento,
que competir com base na produção não só através dos produtos
de bens de uso intensivo de insumos comercializados mas das práticas de
(energia, água, matéria-prima), afeta a atendimento.
capacidade de reposição e impacta na
poluição do meio em que vivemos. DeSafIoS
A fig. 4 apresenta as várias ondas de Para falar de desafios nos campos da
inovação tecnológica a partir da revolução sustentabilidade, inovação e negócios
industrial. De lá para cá já foram 5 ondas. me inspirei na ótima pesquisa de 2012
Agora estamos vivendo a sexta onda de elaborada pela revista Idea Sustentável
inovação. Note que a sustentabilidade se “Dez desafios da gestão sustentável nas
apresenta como conceito e não como um empresas”
avanço tecnológico. O primeiro grande desafio rumo à
Porém esse novo conceito está sustentabilidade é perguntar como a
norteando os avanços em diferentes empresa está agindo de maneira proativa
áreas, desde a tecnológica, a de gestão em relação aos serviços da natureza
pública e empresarial, passando pelo essenciais à vida e os negócios, como
nosso próprio comportamento. Não há o ar e água de qualidade, o solo fértil,
mais espaço para avanços incrementais, a conservação e proteção das florestas
e principalmente dissociados da a da biodiversidade e o aquecimento
sustentabilidade. global, e também como interage com a
comunidade onde atua.
negócIoS e SuStentaBIlIDaDe Se a empresa já tem uma boa
Pode-se considerar um negócio resposta para o primeiro desafio significa
sustentável como sendo aquele que gera que a sustentabilidade já começa a
valores que ultrapassam a dimensão fazer parte da sua estratégia. Atributos
econômica chegando as dimensões socioambientais consistentes deverão
ambiental, sociocultural. Ou seja, tenha estar embutidos nos seus produtos e/ou
um perfil ético e coerente em relação aos serviços. Essa é uma exigência crescente
seus impactos sobre o planeta e na busca tanto na cadeia de valor quanto para
por reduzi-los. sociedade.
As grandes empresas já incentivam A sustentabilidade ganha força
e valorizam fornecedores com essas dentro da empresa quando gerida
características. A própria sociedade de forma transversal, ou seja, todas
mais informada e consciente exerce as áreas participam do processo com
sua escolha considerando os critérios responsabilidades e contribuições. Isso
citados. potencializa a percepção e prospecção de
Hoje como estratégia empresarial novos negócios. Importante é entender
deve-se estabelecer o diálogo e a sustentabilidade de maneira sistêmica,
transparência não só com os seus isto é, olhar para a cadeia produtiva como
acionistas e parceiros comerciais mas um todo e a interação entre os seus elos.
também e sobretudo com a sociedade, Essa nova caminhada motiva e engaja
mídia, governo,comunidade, entre todos os colaboradores, porém deve-se
outros públicos. tomar cuidado para que o discurso não
Asempresasvarejistas tem um tome o lugar da ação. As ações devem

44 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


ser comunicadas de maneira clara e Surgem também oportunidades de
transparente. Essa comunicação primeiro negócios para o comércio de alimentos
deve chegar aos colaboradores para mais nutritivos, menos processados
então ser de conhecimento do público (redução de aditivos) e os orgânicos
externo. Além de identificar qual é esse (sem agrotóxicos). Cabe lembrar dos
público externo, deve-se estabelecer um alimentos não transgênicos, apesar
bom diálogo. da propaganda dos fabricantes de
No processo de superação desses sementes transgênicas, boa parte dos
desafios ocorrerão mudanças de ordem consumidores prefere não arriscar
cultural. A maneira de agir e pensar e exige de maneira legitima que os
passará por uma mudança de paradigmas. produtores e fabricantes de alimentos de
Não menos importante tem-se o desafio origem transgênica disponibilizem essa
de identificar e preparar as lideranças informação na embalagem ou no local
para conduzir essas transformações nas de venda.
empresas. As empresas que operam com maior
A percepção de mudança vem longa consciência socioambiental reduzindo
data. Cinco séculos antes de Cristo o seus impactos estão sendo reconhecidas
pensador grego Heráclito afirmou, “Nada e valorizadas. Porém as estratégias de
é permanente, exceto a mudança.” marketing devem estar alinhadas com as
Atualmente passamospor mudanças práticas da empresa. Muitas empresas
cada vez mais rápidas do ponto de vista são tentadas a valorizar em demasia
do conhecimento e da tecnologia. pequenas ações, ou seja, tendem a vender
Porém mais do que isso tudo, uma imagem fantasiosa que pode ser
mudar o modelo mental e a maneira questionada até pelo CONAR (conselho
de fazer negócios é o maior de todos os nacional de autorregulamentação
desafios, tanto para a sociedade, para os publicitária) ou até mesmo ser percebida
governantes, quanto para as empresas, pelo consumidor.
pois os problemas são cada vez mais A responsabilidade socioambiental
complexos e exigem soluções de mesma exige uma visão além dos limites da
ordem. empresa. Olhar para a cadeia de valor
Oportunidades (tendências) tanto a montante quanto a jusante, isto
Para tratar das oportunidades é, avaliar as práticas dos fornecedores
nos campos da sustentabilidade, e dos clientes respectivamente, e da
inovação e negócios me orientei pelo logística e demais atividades envolvidas.
ótimo estudo da Next “8 tendências Mercadorias produzidas localmente
de sustentabilidade para pequenas e tem atraído os consumidores, pois passam
microempresas” publicado em 2014 na a mensagem de maior autenticidade e a
revista Idea Sustentável. ideia de pertencimento. Isso valoriza a
O comércio de alimentos saudáveis comunidade local, gera renda, transmite
vem ganhando força e velocidade. O a cultura, as tradições e os costumes.
modelo de fastfoods vem perdendo Essas são apenas algumas das novas
terreno, pois não reconhecem a oportunidades de negócios inovadores e
novas exigências do consumidor bem que agregam valor socioambiental.
informado e consciente sobre o efeito de
certos alimentos na saúde das pessoas. conSIDeraçõeS fInaIS
Crescem então as oportunidades das As empresas que querem avançar
redes do tipo slowfood, por exemplo, nesse novo século devem atentar para
que trabalham com lanches e refeições os novos desafios de um mundo cada vez
mais saudáveis. mais complexo e de uma sociedade cada

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 45


vez mais bem informada e consciente fdc.org.br/professoresepesquisa/nucleos/
dos problemas socioambientais a serem Documents/infografico_inovacoes_
enfrentados, sem esquecer da urgência ambientais.pdf>. Acesso em: junho 2015.
que as mudanças exigem. Kruglianskas, Isak., Aligleri, Lilian., Aligleri,
Inovação com bases sustentáveis, é Luiz Antonio. Gestão Socioambiental:
um bom começo para um novo modelo Responsabilidade e Sustentabilidade do
de negócio. Isso exigirá entre outras Negócio - São Paulo: Atlas, 2009.
coisas, um comportamento ético e LSE Cities. Cidades e Mudanças Climáticas.
responsável diante de todas as formas Disponível em:<https://lsecities.net/media/
de vida que habitam o planeta. objects/articles/cities-and-climate-change/
pt-br/>. Acesso em: junho 2015.
referêncIaS Organização das Nações Unidas -
Abranches, Sérgio. Neve, calor e mudança ONU. Objetivos do Desenvolvimento
climática. Disponível em: <http://www. Sustentável – ODS. Disponível em: <http://
ecodebate.com.br/2014/01/24/neve-calor- nacoesunidas.org/pnud-lanca-video-que-
e-mudanca-climatica-artigo-de-sergio- explica-os-objetivos-de-desenvolvimento-
abranches/>. Acesso em: junho 2015. sustentavel/>. Acesso em: julho 2015.
Almanaque Abril. Gráficos e Tabelas – Revista Idea Sustentável. Dez Desafios da
Meio Ambiente. Disponível em: <https:// Gestão Sustentável nas Empresas. Disponível
almanaque.abril.com.br/graficos_e_tabelas/ em: <http://www.ideiasustentavel.com.
Meio%20Ambiente>.Acesso em: julho 2015. b r / 2 0 1 2 / 0 1 / d ez - d e s af i o s - d a - ge sta o -
Associação Nacional de Pesquisa e sustentavel-nas-empresas/> Acesso em:
Desenvolvimento das Empresas Inovadoras junho 2015.
- Anpei. Glossário da inovação. Disponível Revista Idea Sustentável. Estudo Next -
em: <http://www.anpei.org.br/web/anpei/ 8 tendências de sustentabilidade para
glossario-4>. Acesso: junho 2015. pequenas e microempresas. Disponível
Barbieri, José Carlos., Cajazeira, Jorge em: <http://www.ideiasustentavel.com.br/
Emanuel Reis. Responsabilidade Social arquivos/IS36.pdf>. Acesso em: junho 2015.
Empresarial e Empresa Sustentável: da teoria WWF Brasil. Planeta Vivo 2006. Disponível
à prática – São Paulo: Saraiva, 2009. em: <http://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/
Carta Capital. Entenda a COP 21 e as downloads/wwf_brasil_planeta_vivo_2006.
disputas em jogo. Disponível em:<http:// pdf> Acesso em: junho 2015.
www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do- WWF Brasil. Planeta Vivo 2010. Disponível
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Dow, Kirstin., Downing, Thomas E. O Atlas da sumario_rio20_final.pdf>. Acesso em: junho
Mudança Climática – São Paulo: PUBLIFOLHA, 2015.
2007.
Fundação Dom Cabral. Infográfico - Inovações
Ambientais. Disponível em: <http://www.

46 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


cuIDaDoS noS uSoS De PlantaS meDIcInaIS
marcoS roBerto furlan
reSumo
Trata dos cuidados no uso dos fitoterápicos das plantas medicinais, em geral, seu
registro e cultivo.

PalaVraS-chaVe
Plantas medicinais; Fitoterápicos; Micro-organismos.

aBStract
Care in the use of herbal medicinal plants , in general , your registry and cultivation.

KeYWorDS
Medicinal Plants ; Herbal Medicines ; Micro- organisms .

Atualmente, não há dúvidas sobre Todos os medicamentos fitoterápicos


o acentuado crescimento no uso das industrializados para serem comercializa-
plantas medicinais ou dos fitoterápicos, dos devem estar registrados na ANVISA.
sendo estes últimos os medicamentos Para se certificar de que o fitoterápicos
obtidos, de acordo com a ANVISA (2015), possui este registro, deve ser verificado
quando se emprega princípio-ativo, se na embalagem consta o número de
exclusivamente, derivados de drogas inscrição do medicamento no Ministério
vegetais. da Saúde. Há a possibilidade de buscar
Quanto aos fitoterápicos, se usados o registro do produto no site da ANVISA,
corretamente e com recomendação de consultando o link:http://www7.anvisa.
profissional da saúde, habilitado para gov.br/datavisa/Consulta_Produto/con-
a prescrição dos mesmos, são eficazes sulta_medicamento.asp.
quanto às indicações na bula. Quando se usa a planta medicinal
A ANVISA cita que os fitoterápicos in natura ou na forma caseira de chás,
xarope ou sucos, por exemplo, alguns
[...] são caracterizados pelo conhecimento passos devem ser seguidos. O primeiro
da eficácia e dos riscos de seu uso, é a necessidade da determinação correta
como também pela constância de de qual doença a pessoa está acometida
sua qualidade, e são regulamentados e o acompanhamento de profissional da
no Brasil como medicamentos saúde habilitado para o tratamento. Usos
convencionais,apresentando critérios caseiros para problemas mais simples
similares de qualidade, segurança e são comuns, mas o usuário deve ficar
eficácia, requeridos pela ANVISA para atento, pois pode estar usando a planta
todos os medicamentos” (ANVISA, 2015). de forma inadequada ou até mesmo a
planta errada.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 47


A identificação precisa também é por exemplo), relacionados ao cultivo
imprescindível, sendo necessário saber (espaçamento, presença de pragas,
seu nome científico e procurar artigos de época de plantio e de colheita, processo
pesquisa que comprovem a sua eficácia. de secagem e de beneficiamento, por
No dia a dia, usamos o nome popular para exemplo) e á genética da planta.
denominar as plantas medicinais, pois ele São muitos os fatores, tanto bióticos
é de fácil memorização e, muitas vezes, quanto abióticos, que influenciam os
indica algumas de suas características, teores de princípios ativos. Dentre
como, por exemplo, época em que ocorre os exemplos, o estresse hídrico é um
com mais frequência (cipó-de-são-joão que pode ser manejado de modo a
e erva-de-são-joão), local de origem proporcionar melhor condição para
(boldo-do-chile e aroeira-do-sertão), que a planta produza concentração
sabor (erva-doce, amargosa e erva- adequada de bioativos.
amarga), outra utilidade (vassourinha), O estresse hídrico altera aspectos
cor da flor (picão-roxo e picão-branco), fisiológicos essenciais para a planta,
devido a abrir a flor em determinados tais como: a fotossíntese, a abertura e o
horários (reloginho) e destacando seu fechamento dos estômatos; o transporte
poder medicinal (espinheira-santa e de substâncias no interior da planta,
capim-santo). o crescimento e a expansão foliar, e,
Também é comum a utilização de consequentemente, tanto o metabolismo
nomes populares, que copiam nome primário quanto o secundário.
de remédios (aspirina, novalgina, Outro fator que provoca variação
ampicilina, insulina e cibalena, por de princípios ativos é a produção de
exemplo), por serem utilizadas como fitoalexinas, as quais são substâncias
plantas para as mesmas finalidades produzidas após o ataque de micro-
terapêuticas do medicamento alopático. organismo ou de insetos e dano
Ou plantas que recebem denominações mecânico, por exemplo. Essa informação
de outras que são famosas pelo uso. Há para a fitoterapia é essencial, porque é
várias espécies que recebem o nome de comum cultivar as plantas medicinais em
arnica, algumas são denominadas de um local onde serão irrigadas e adubadas;
boldo, melissa e aroeira, dentre várias onde receberão tratos culturais, de
outras denominações. maneira que não possibilitem a ação
Para consultas sobre a comprovação de defesa e, consequentemente, não
científica ou indicações, é imprescindível produzam o princípio ativo, caso este
a denominação científica, a qual é seja uma fitoalexina.
universal e específica para uma planta. Como exemplo de fitoalexina, pode ser
Para saber informações sobre uma citado o resveratrol da uva, do amendoim
espécie, como a espinheira-santa, a ou da amora, dentre outras espécies.
busca deverá ser feita utilizando o seu Na uva, como já estudada, a substância
nome científico Maytenus ilicifolia. é sintetizada na casca, como resposta
A ação medicinal de uma planta é contra dano mecânico, irradiação de luz
devida aos seus compostos bioativos, ultravioleta e infecção causada pelos
os quais são produzidos pela planta fungos Botrytis cinerea e Plasmopora
para que a mesma se proteja de viticola.
algum estresse. Essas substâncias são Outro fenômeno quanto à influência
geradas no metabolismo secundário na produção de princípios ativos está
(ou especializado) e sofrem significativa relacionado à interação inseto-planta,
influência de fatores climáticos e edáficos quando a planta aumenta a produção
(água, luz, temperatura e acidez do solo, de alcaloides, por exemplo, para a sua

48 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


defesa. Ou seja, poderá haver maior influenciam a qualidade medicinal. Não é
produção dessas substâncias em plantas recomendável coletar plantas medicinais
atacadas. junto a locais que recebem aplicações de
É importante verificar as alterações agrotóxicos, de estradas e de lixos.
que ocorrem quanto à composição Folhas e flores de plantas medicinais
química, principalmente com relação são secas à sombra, e logo que se tornem
aos princípios ativos responsáveis pela quebradiças deverão ser armazenadas
ação farmacológica. Conhecer aspectos em locais arejados, limpos e escuros.
relacionados à forma de reprodução Devem ser evitadas plantas medicinais
dos vegetais é essencial na produção de murchas e mofadas.
plantas medicinais, pois influencia na Quanto às dosagens e formas de uso,
variação dos teores de princípios ativos. elas devem ser seguidas rigorosamente e
Plantas com flores hermafroditas recomendadas por profissional da saúde.
têm mais oportunidades de serem O uso errado, além de ser ineficaz, pode
autopolinizadas, e, portanto, produzirem causar efeitos adversos. As plantas
descendentes com menor variação de que possuem substâncias que são
princípios ativos. Quando a espécies perdidas sob altas temperaturas devem
é apomítica, isto é, gera sementes só ser maceradas. As raízes e cascas são,
com a participação do gineceu (parte geralmente, preparadas por decocção.
feminina da flor), há menor variação de Folhas e flores tenras são preparadas por
compostos bioativos nos descendentes infusão.
de uma planta matriz. As espécies dioicas Importante também destacar que
são as que mais produzem descendentes tanto a planta medicinal quanto o
com considerável variabilidade genética fitoterápico, podem reduzir o efeito
entre si e, consequentemente, também de tratamento médico, isto é, podem
com muita variação entre os seus interagir com o medicamento sintético.
princípios ativos. Isto ocorre porque as A pessoa que faz tratamento com
plantas dioicas possuem exemplares esse medicamento deve relatar para o
somente com flores masculinas, e outros profissional da saúde todas as plantas
somente com flores femininas, o que, que usa. Quem fez cirurgia, por exemplo,
obrigatoriamente, faz com que ocorra deve comunicar a seu médico o uso de
fecundação cruzada (alogamia). Isto é, plantas com antecedência, pois alguns
uma planta “masculina” irá fornecer medicamentos fitoterápicos podem
pólen para a planta feminina. São interferir com o anestésico ou causar
muitos os fatores bióticos e abitóticos hemorragia.
que podem afetar a produção de
princípios ativos, e, consequentemente, referêncIa
a eficácia terapêutica dependerá dessas ANVISA. Fitoterápicos. Disponível em: www.
influências. anvisa.gov.br/medicamentos/fitoterapicos/
Além dos anteriormente citados, poster_fitoterapicos.pdf. Acesso em: 20 de
outros fatores deverão ser seguidos. agosto de 2015.
A correta colheita e o correto armaze-
namento são aspectos importantes que

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 49


e Volução Do a cerVo a nalógIco Para o
D IgItal : o tratamento Da Imagem
flaVIane gregórIo mIllIano
reSumo
O acervo de uma emissora de TV passou por diversas mudanças, desde o filme de 16
mm até a fita de armazenamento de dados LTO, do manuseio físico das fitas ao arquivo
digital, com o gerenciamento de espaço em servidores, aprimorando o tratamento da
imagem, buscando a localização e recuperação dos vídeos. Neste contexto, o presente
artigo tem por objetivo apresentar as mudanças ocorridas através de experiência e
análise de bibliografia que abordem o tema proposto.

PalaVraS-chaVe
Acervo audiovisual; Tratamento de imagem; Acervo de TV; Recuperação de imagem;
Imagem em movimento

aBStract
The collection of a TV station has undergone several changes since the film 16mm
to the L TO data storage tape, the physical handling of tapes to digital file, with the
space management on servers, improving the treatment of the image, seeking to find
and retrieve vídeos. ln this context, this paper aims to present the changes through
experience and literature analysis that address the theme.

KeYWorDS
Audiovisual Acquis; Lmage Treatment; Tv Acquis; Lmage Recovery; Moving Image.

a Imagem usando um microscópio solar.


O emprego contemporâneo da Mas, foram os irmãos Lumière
palavra imagem definido por Joly que alcançaram este objetivo com
(1996) é relacionado à mídia, àquela cinematógrafo desenvolvido por eles.
anunciada, criticada, comentada, A primeira exibição pública ocorreu
onipresente, que faz parte do cotidiano, em 28 de dezembro de 1895, em Paris.
tornando-a sinônimo de televisão e Os primeiros filmes exibidos eram
publicidade. extremamente curtos, sem som e em
A imagem que iremos tratar neste preto e branco.
estudo é a imagem televisiva, não a Pinto afirma que “seus próprios
imagem voltada à publicidade, mas sim fundadores não acreditavam que
aquela que informa, que documenta a essa nova invenção tivesse futuro
realidade. como espetáculo, achavam que logo
O primeiro registro que temos da as pessoas se cansariam”, e hoje
tentativa de se colocar a imagem em podemos afirmar que esta foi uma visão
movimento, foi em 1779, quando o equivocada dos irmãos Lumière, pois a
médico Marat fez uma projeção da tecnologia foi se desenvolvendo, até a
imagem de insetos vivos sobre uma tela criação da televisão, na década de 30,

50 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


e hoje é o meio de comunicação mais imagens e outros para o áudio.
popular no mundo. Este tipo de filme era o
Em relação à imagem em movimento, mesmo utilizado nas reproduções
é possível dizer que esta registra a vida cinematográficas da época e exibido
em espaço e tempo determinados, através do telecine, que Balan (2012)
sendo o documento que mais se define como:
aproxima da perspectiva “realista” que
cada ser humano visualiza. [...] conjunto de equipamentos composto
Diversas mídias são integradas por dois projetores de filme bitola 16 mm,
ao conjunto das possibilidades de um projetor de slides duplo, que permitia
armazenamento (suporte), sendo que a mudança de um slide para outro sem
sua guarda e divulgação obedecem a espaços pretos na imagem e uma câmera
propósitos segundo as necessidades e de TV de alta qualidade, superior às
objetivos das instituições. câmeras de estúdio, que transformavam
No caso de uma emissora de as imagens óticas em imagens eletrônicas
televisão, o registro da imagem ocupa que poderiam ser transmitidas.
lugar de destaque, exigindo que se
observem suas características. Em 1956, a empresa Ampex
Assim, seu tratamento não deve Corporation, que era fabricante
ser feito de maneira idêntica aos de gravadores de áudio em fita
documentos textuais. Sartre apud magnética, inovou ao lançar o primeiro
Averbuck (1984) afirma que as equipamento para gravação de áudio e
relações do autor com o universo da vídeo em fita magnética, não havendo
TV significariam um campo novo, um mais a necessidade de tudo ser ao vivo
desafio a ser enfrentado seriamente na televisão com a criação do videotape
pelo intelectual. Ainda, destaca que (Balan, 2012).
é preciso decifrar a imagem como se A primeira fita magnética a ser
decifra um texto, ou seja, encontrar um utilizada como arquivo foi a Quadruplex,
sentido, significações fornecidas pela com bitola de duas polegadas e pesava
imagem, já que em televisão coexistem oito quilos.
os dois elementos, texto e imagem, o Como consequência da evolução da
que exige uma nova leitura, diferente tecnologia, visando uma padronização, a
da leitura de imagem fotográfica ou de Society of Motion Picture and Television
um romance. Engineering criou o Time Code – também
Para tanto, é necessária uma conhecido como TC, que é um padrão
releitura, pois se lida com um novo de codificação de tempo cronológico,
texto, onde há uma coexistência destes representado em horas, minutos,
dois elementos responsáveis pelo segundos e quadros/frames. Este padrão
dinamismo da televisão. usa o sinal eletrônico na faixa de áudio
para armazenar estas informações e
o acerVo analógIco sincronizar o tempo.
O acervo analógico de uma emissora Na década de 70 as emissoras
de TV já passou por diversas fases no que passaram a utilizar as fitas magnéticas
tange o tipo de suporte utilizado para o U-Matic, com bitola ¾ de polegada, da
armazenamento de sua memória. empresa Sony, que era acondicionada em
Na década de 50, as emissoras de um estojo, diminuindo o tamanho e peso
TV começaram a guarda de material em das fitas, trazendo maior praticidade
filmes de 16 mm e em preto e branco, na gravação e armazenamento destas.
sendo que havia filmes apenas para as Entretanto, algumas edições ainda eram

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 51


feitas em Quadruplex de uma polegada, novos recursos em seu processo de
pois a qualidade da fita U-Matic era transmissão, proporcionando aos seus
inferior. telespectadores melhor qualidade
Porém, as fitas mais antigas, como de áudio e vídeo, agregando dados à
a Quadruplex e U-Matic, oferecem a transmissão, permitindo a interatividade
localização por TC, mas este sempre se e a recepção em dispositivos fixos e
inicia no zero quando a fita é inserida móveis.
no VT, não importa em qual ponto a fita O Brasil adotou o padrão japonês
esteja. de transmissão de TV Digital, o ISDB-T
Em meados da década de 70, a Sony (Integrated Services Digital Broadcasting
lançou a BetaMax e a JVC as fitas VHS. Terrestrial), que possibilita maior
Na década de 80, a Sony lançou mobilidade e portabilidade frente
as fitas com sistema BetaCam, com ½ ao padrão americano e europeu,
polegada de bitola, e qualidade superior Pederneiras, 2006.
as fitas já existentes. O tratamento das imagens ganhou
Posteriormente, foi lançado a agilidade com a digitalização da TV, pois
BetaCam Digital, em 1993, formato que não há necessidade de fitas magnéticas
ainda é utilizado atualmente em algumas para o seu armazenamento, todos
emissoras. os vídeos ficam armazenados em um
O último formato de fita magnética a servidor e acessíveis a todos a qualquer
ser lançado na década de 90 foi a DVCam, momento através de um sistema de
com bitola de ¾ de polegada. gerenciamento destes arquivos.
Para o gerenciamento das fitas e seu Oliveira et al. (2009, p.3) afirmam que
conteúdo, existem alguns softwares de o telespectador passa de um modelo
gerenciamento de Acervo de TV que passivo para um modelo ativo, que tem
contemplam campos de catalogação e o poder de decidir o que quer assistir e
indexação que são únicos neste tipo de o de interagir com o conteúdo, podendo
organização, como o tipo de mídia, bitola “até mesmo produzir e compartilhar
da fita e time code. conteúdos, o que representa uma
Todo este processo é baseado quebra de paradigma em relação à TV
na ficha de decupagem que é feita convencional”.
pelo profissional do Acervo ou pela Com a multiplicidade de conteúdo
produção do programa, devendo conter multimídia e dos serviços ofertados pela
informações precisas, como data de TV Digital, surgem os metadados, com os
exibição, descrição dos momentos do quais
programa (entrevistas, matérias, links,
participações especiais) todas com time [...] é possível tratar serviços de conteúdo
code, além dos profissionais envolvidos, digital em uma plataforma de TVD de
o que será visto mais a frente. forma eficiente e com qualidade” (Alves
Além deste processo de catalogação et al., 2006, p.1).
e indexação ser restrito aos profissionais
do Acervo, a pesquisa também é feita por Neste sentido, Araújo e Ricarte (2010,
estes profissionais, devendo o usuário p.1) explicam como a tecnologia utilizada
aguardar que a pesquisa seja realizada, pelos metadados pode ajudar neste
pois, há o manuseio físico da fita, além do momento:
processo de empréstimo/devolução delas.
o acerVo DIgItal A tecnologia de metadados pode
Com o advento da tecnologia, ser uma alternativa para lidar com
a televisão passa a incorporar esta complexidade de serviços e

52 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


conteúdos digitais de forma prática e em baixa resolução (Proxy).
eficiente. Metadados são dados que
complementam as informações digitais O MAM tem como diferencial sua
dos conteúdos multimídia com o objetivo arquitetura, que possibilita navegação
de melhor descrevê-los, facilitando a simultânea de várias estações, inserção
estruturação e gerenciamento de grandes de metadados e marcações tanto nas
volumes de informação. estações de administração como nas
estações de visualização e pesquisa do
Rayers (2005) ainda afirma que o usuário.
“arquivamento é o principal processo Assim, a preservação digital é um
para a reutilização de metadados, pois os conjunto de atividades ou processos
arquivos são a base para uma pesquisa que visa garantir o acesso à informação/
detalhada”. conteúdo a longo prazo, em formatos
A utilização destes metadados, digitais, com diferentes metodologias
fornecidos durante todo o processo de “que preconizam a preservação do objeto
produção, edição e exibição do vídeo, conceitual, por meio de conversões e
enriquecem a pesquisa e a torna mais encapsulamento” (Barreto, 2007, p. 19).
fidedigna a suas origens, tendo em Os métodos estruturados de
vista que evita incertezas durante o representação compacta do conteúdo
processamento do material. com a recuperação e pesquisa via texto
Os metadados se transformam em busca moldar
uma peça chave para a comunicação
e recuperação da informação em um os dados de forma que todas as
mundo de bits. Seu conteúdo se relaciona informações estejam disponíveis de
com o padrão middleware nacional maneira clara e rápida para os usuários
Ginga, como qualquer outro, além de que a estão requisitando, além de
trazer informações indispensáveis para tornar transparentes as informações
sua transmissão e futuro arquivamento pertinentes sobre os dados (metadados)
(Giglio et al., 2011, p. 12 e 13). (Barreto, 2007, p. 24), acentuando, assim,
Para tanto, a TV Digital utiliza a sua importância frente a recuperação dos
plataforma denominada MAM (Media assets em um acervo digital.
Asset Management), mundialmente
adotada pelas emissoras de televisão, O processo de decupagem e
que permite o gerenciamento de arquivos indexação do acervo digital se assemelha
online, near-line e dos metadados dos ao analógico no que tange a importância
arquivos que estão off-line. e complexidade da atividade, mas há
a vantagem de não haver necessidade
Rams (2013) discorre sobre o conceito da mídia física para fazer este processo,
de Asset, que toma uma nova dimensão visto que os arquivos estão on-line,
com a adição da camada de metadados disponíveis em um servidor para que o
no MAM, que possibilita a “catalogação profissional da informação possa assistir,
dos conteúdos nos sistemas digitais catalogar e indexar com as informações
para depois poder realizar pesquisas pertinentes ao seu conteúdo.
complexas que permitiram encontrar A catalogação será melhor esplanada
esses planos que eram necessários para no próximo item.
a edição ou automatizando o envio dos A indexação pode ser feita de forma
conteúdos aos servidores de emissão”, ampla, do tema geral do asset, mas
sendo que este é um sistema único, que também de forma específica de imagens
trabalha, a todo momento, com arquivos de destaque, personalidades, locais.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 53


O que antes era feita com a marcação fluxo de trabalho.
de TC em uma planilha de decupagem, Cada hora de gravação em arquivo
hoje podemos fazer com a inserção MXF com taxa de bit rate de 50 Mbps,
de marcadores no vídeo, também ocupa em média 26 Gb de espaço para
conhecidos como Mark points, que armazenamento no servidor. Assim,
ficam visíveis a todos os usuários, pensando em uma emissora que tenha
proporcionando ir direto ao trecho que 12 horas de programação diária própria
se deseja assistir ou fazer o download. a ser arquivada, o Acervo irá ocupar por
Há também as marcações pontuais no dia 312 Gb e mais de 9 Tb por mês de
vídeo, em que é inserido um marcador espaço.
indicando que naquele ponto há uma Com efeito, a preocupação que
imagem importante. anteriormente era só com o espaço
Embora não exista mais a necessidade físico, com armários e estantes, passa a
do Acervo adquirir as fitas magnéticas ser com o espaço para o armazenamento
para a gravação e arquivamento de virtual, pois o gerenciamento não é mais
imagens, há agora a preocupação de só do banco de dados, mas do conjunto,
como armazenar todo o conteúdo online, software e espaço virtual, além do
em servidores, que deverão ter cada vez espaço que as racks dos servidores irão
mais capacidade de armazenamento, o ocupar no Acervo.
que acarretará em um alto custo para Pensando nesta linha de
aquisição/manutenção de storages armazenamento, tanto dos vídeos,
robustos. quanto dos metadados, o Acervo
Atualmente, existem diversos passa a utilizar a fita LTO – Linear Tape
formatos de arquivo que são utilizados Open, que é uma fita com tecnologia
em TV Digital, contudo, iremos destacar para armazenamento de dados que
o arquivo tipo MXF - Material eXchange pode comportar de 2,5 Tb a 3 Tb com
Format, que suporta em seu formato compressão e 1,4 Tb a 1,5 Tb sem
áudio, vídeo e metadados. compressão no modelo LTO 5, facilitando
A criação e o desenvolvimento do assim a preservação e recuperação do
encapsulamento MXF é resultado do arquivo.
trabalho original do Pro-MPEG Forun, Uma grande vantagem da utilização
estabelecendo a gestão de metadados das fitas LTO, é que o seu gerenciamento
e interoperabilidade dos conteúdos em é feito pelo MAM, sendo possível alterar
diferentes fases de produção, unificando os metadados dos assets que já estão
assim, todo o processo na televisão em LTO, sem a necessidade de que a fita
digital (Martins, 2011). esteja no drive. Estas informações serão
Rayers (2005) afirma que o MXF atualizadas automaticamente, quando a
“é o formato para troca de arquivos fita for utilizada.
e também uma maneira de juntar, Todo o conteúdo analógico poderá
em um único arquivo, metadados e ser digitalizado e inserido no MAM. Esta
essência. Também é projetado para ser digitalização pode ser feita on-demand,
enviado como stream”, representando sendo inserida ao sistema conforme a
significativa vantagem para troca de necessidade dos usuários, ou, ainda,
arquivos, uma vez que o trabalho pode pode se digitalizar todo o acervo,
ser enviado com todas as suas meta aproveitando a catalogação já existente
informações, gerando economia de para o novo software.
tempo e financeira, já que se evita a
reentrada de dados, proporcionando
maior interoperabilidade e melhoria do

54 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


o tratamento Da Imagem: catalogação e Devemos acrescentar a esta operação
InDexação como será feita a sua representação
No que tange o tratamento das escrita e posterior recuperação da
imagens, a imagem em movimento informação imagética, por parte do
requer um tratamento diferenciado do usuário e profissional da informação.
que é dado para o texto. Não se deve O objetivo do profissional da infor-
simplesmente transpor as normas de mação deve ser o de analisar exclusi-
análise e de leitura documentária que vamente a imagem e seu referente,
atribuímos ao texto, visto que não só o tentando ser imparcial, não deixando
tipo de informação fornecida é diferente, sua subjetividade inferir na análise. En-
como também o suporte e a estrutura tretanto, a descrição das imagens não
física do material não são iguais. deixa de ser intrinsecamente subjetiva
O objetivo da análise é obter em virtude da separação do que é de-
uma representação do documento notativo, significado comum, e conota-
audiovisual, que possa ser armazenada tivo, significado cultural, ao qual às vezes
e recuperada pelo sistema, esta recorremos para fixar seu significado ou
representação ainda é prioritariamente para sua contextualização.
textual e deve cumprir três funções A catalogação é feita de forma linear,
básicas, a seguir descritas, das quais as usando um sistema de gerenciamento,
duas primeiras são comuns a todo tipo que pode ser adquirido de diferentes
de documentos, e a terceira específica empresas. Contudo, este software deve
dos documentos audiovisuais: contemplar campos referentes: ao
• Proporcionar um conjunto título da matéria ou programa, à data
de dados que identifiquem de exibição, ao tempo total, ao tipo de
inequivocamente o documento; mídia no qual o material está gravado,
• Apresentar uma representação no caso do Acervo Analógico, e ao tipo
de seu conteúdo semântico; de arquivo/extensão, no Acervo Digital.
• Proporcionar uma representação Ainda, deve informar se o vídeo contém
das imagens e/ou sons que ou não áudio, quantos canais de áudio
contém o documento. possui, se é colorido ou preto e branco,
Ao contrário dos textos, que a análise espaço para inserir a decupagem,
é feita através do título, orelha, índice e guia para informações relacionadas
resumo, as imagens precisam e devem ao direito de uso de imagem e voz dos
ser analisadas integralmente, já que entrevistados, guia de indexação.
não há como analisá-las somente pela No caso do Acervo Digital, o software
retranca atribuída a elas, que muitas ainda deverá exibir informações técnicas
vezes não dizem nada de seu conteúdo. do arquivo, como data e horário de criação
A Análise Documentária de Imagens do arquivo, tamanho do arquivo, formato
em Movimento objetiva a identificação e resolução do vídeo, código no software,
do conteúdo informacional da imagem. localização do arquivo, tanto em relação
O que ela significa ou expressa não é as pastas quanto ao local físico – online,
oferecido somente pela imagem, mas off-line ou near line, bem como número
também pela sua estrutura dentro de visualizações e downloads.
da reportagem que está envolvida, Igualmente deverá fornecer campos
compreendendo um outro processo para inserção de informações de
de identificação, resultando em dois acessibilidade, como Closed Caption e
processos de análise, ou seja, o dá Audiodescrição, que são exigências das
análise da matéria, programa ou take e o leis de acessibilidade e regulamentação
da análise da imagem isolada. da TV Digital.
No processo de decupagem faz-se

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 55


uma leitura das imagens, criando-se uma possibilitar constantes atualizações,
descrição textual e linear de seu conteúdo, obedecendo sempre e logicamente às
traduzindo em palavras o conteúdo políticas fixadas.
visual e sonoro do documento, da forma A indexação via tesauros é uma
mais objetiva possível, não podendo ser operação que requer um efetivo
deixado de lado o aspecto formal do trabalho intelectual, que envolve análise,
texto. No Acervo Analógico é necessária síntese e representação como operação
sempre a marcação do TC de todos os central para determinar os assuntos dos
momentos, o que não é obrigatório no documentos, o que reveste de inúmeras
Acervo Digital, tendo em vista que neste dificuldades o trabalho do profissional
há a facilidade de se utilizar a barra de (Cintra e Kobashi, 2004).
rolagem, permitindo a navegação de No processo de indexação os
forma rápida por todo o vídeo. Deve- documentos são representados por
se ainda, em ambos, discriminar os conceitos, dependendo do grau de
movimentos de câmaras (Panorâmica ou exaustividade pretendido.
Pan, Travelling, Zoom), enquadramentos Especificamente no caso de
(Close, Super Close, Plano Geral, Plano documentos audiovisuais, a indexação
Aberto, Plano Americano e Plano Médio), tem também como propósito a rápida
se a imagem é diurna ou noturna, locais, localização de determinada imagem, sem
o sexo das pessoas envolvidas, vinhetas, que seja preciso assistir diversas fitas.
links, matérias, blocos, roll. No caso de Entretanto, para que isso ocorra é
sonoras, registra-se o nome e a profissão necessário conhecer as expectativas
do(a) entrevistado(a) ou da instituição a do usuário, a empresa ou entidade a
que pertence e, sempre que possível, do qual está ligado o acervo, de modo
que trata a entrevista; que se tenham referências quanto ao
Feito esse processo, deve-se assistir aprofundamento necessário a ser dado
ao vídeo sem interrupções, na íntegra, na indexação.
para assim definir o seu assunto e facilitar Portanto, o primeiro passo é definir
o processo de indexação. qual o parâmetro para indexação deve
Todo este processo tem por objetivo ser usado, qual a finalidade e o grau de
não somente de ordenar aquilo que os especificidade que se deseja dar aos
olhos veem nos poucos segundos de termos de entrada. Isto poderá abranger
cada plano, mas identificar os elementos dois tipos de indexação:
necessários para encontrar os referentes • Indexação simples: informações
adequados através da representação descritivas do item (créditos
textual destas imagens, ou seja, a de repórteres, apresentadores,
indexação. cinegrafistas, entrevistados, etc.).
Indexação de um documento é • Indexação plano a plano ou take
a operação que complementa a sua a take: informações descritivas da
classificação. Sua linguagem pode ser imagem.
formulada através de um tesauro, ou • Um processo cuidadoso
seja, uma linguagem documentária, cujo de indexação permite uma
vocabulário é controlado, tendo como representação consistente e
objetivo afunilar a representação e o uma recuperação adequada, seja
resultado da pesquisa. ela sonora, textual ou visual. E
O tesauro é um instrumento esta indexação terá sempre que
através do qual se pretende eliminar as articular-se à volta de três pontos
ambiguidades da terminologia, como chave distintos:
também normalizar as descrições das • Extrair o título, a data, o
imagens. Ele deve ser flexível para apresentador, os repórteres, os

56 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


repórteres cinematográficos, o em relação ao ato global no
programa, o TC da matéria ou qual a imagem se insere: a
programa e o tempo de duração; documentação audiovisual leva
• Representar as imagens com a esta peculiaridade, ou seja,
palavras que mais se aproximem a “dupla indexação”, também
da realidade, tentando descrever chamada “indexação de dois
o movimento dos personagens, níveis”;
da câmera e os objetos envolvidos Por último, deve-se descrever o
no processo de decupagem, bem ambiente no qual o ser vivo se encontra,
como representá-los através quer seja elemento natural ou artefato.
da indexação, indexando o seu Se a descrição responde às perguntas
assunto principal e imagens QUEM (seres vivos), ONDE (ambiente),
relevantes; QUANDO (tempo), ONDE (espaço), O
• Recuperar informações que foram QUE (ação) e COMO (técnica), podemos
proferidas, assuntos e/ou tema e supor que nenhum detalhe realmente
imagens específicas que foram importante tenha sido esquecido (SMIT,
veiculados nos programas e/ou 1987)
reportagens através da busca
pela sinopse, título, data e perfis conSIDeraçõeS fInaIS
(identidades e/ou assuntos). A evolução da televisão atingiu de
Para que seja possível responder forma positiva o acervo, agilizando todo
funcionalmente aos três critérios acima o processo de catalogação, indexação
descritos terá de se ter em conta que e recuperação das imagens e vídeos da
a análise se trata de Imagens, Vídeos, emissora.
Palavras ou Sons. O Acervo Analógico nunca perderá
Assim, esta representação de forma sua importância frente ao Digital,
concisa e ordenada é que irá orientar pois nele temos a memória, a vida da
a recuperação da informação de modo emissora, que poderá ser digitalizada e
eficiente e satisfatório. integrar o acervo digital, contribuindo
O levantamento de palavras para para a preservação do vídeo.
a representação documentária pode A colaboração e interação do usuário
acontecer a partir de uma série de no Acervo Digital é um dos pilares que
observações sugeridas por Smit (1987, norteiam a nova ferramenta disponível,
110 e 111) com a atribuição de metatags, que
• Questões técnicas da produção passam a ser pesquisáveis por todo o
da imagem (vista aérea, pan, drop grupo, almejando um acervo completo
out ...); e acessível para todos os profissionais
• Localização da imagem no espaço envolvidos.
– termos geográficos ou então Entretanto, a não padronização da
descrição do lugar; terminologia pode prejudicar todo o
• Localização da imagem no tempo trabalho desenvolvido pelo setor, pois,
– tempo histórico; ao se fazer uma busca simples, esta irá
• Quando a imagem focaliza seres resultar em inúmeros registros, visto que
vivos, estes devem ser descritos o sistema buscará o termo em todos os
com certas precisões: idade, sexo, campos disponíveis, podendo atrasar a
raça, atitude, tipo de roupa; localização da imagem desejada, pois,
• As ações destes seres vivos não trabalhar com imagens implica trabalhar
podem ser esquecidas, mas com mais detalhes e principalmente,
descritas em função daquilo com informações menos evidentes e
que a imagem mostra e não subjetivas.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 57


Assim, os usuários deverão passar por Conteúdo Multimídia Interativo No Ambiente
workshops para que conheçam e sejam Digital Televisivo. In: CONGRESSO BRASILEIRO
capazes de realizar buscas em campos DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 34., 2011,
específicos, filtrando e agilizando sua Curitiba. Anais eletrônicos... Recife: Intercom,
localização, indo ao encontro com 2011. Disponível em: <http://www.intercom.
mesma linha de trabalho do profissional org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-
da informação de modo que seja 2816-1.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2015.
minimizada a possibilidade de haver MARTINS, J. Gestão de ficheiros MXF
ambiguidades na sua leitura, análise, EVS-OpenCube – Sistemas de televisão
indexação e recuperação. baseados em ficheiros MXF. Produção
Profissional – Revista de Comunicação e
referêncIaS Técnica Audiovisual, n. 157, mai., 2011.
AVERBUCK, L.(Org.). Literatura em tempo de Disponível em: < http://www.evs.com/sites/
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CINTRA, A. M. M., KOBASHI, N. Y. Linguística e CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA
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JOLY, M. Introdução à análise da imagem. eletrônicos... Curitiba: Intercom, 2009.
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Acesso em: 10 mar. 2015 . TV e uso de metadados. SET – Revista de
BALAN, W. C. Um Breve Olhar pela Evolução Radiodifusão, v. 21, n. 81, 2005. Disponível
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Produção Profissional, Editora Bollina, abril ed81_smpte.htm>. Acesso em: 15 mar. 2015.
2012. Disponível em: http://www.willians. RECORD, 60, preserva evolução das
pro.br/textos/Um_breve_olhar_pela_ tecnologias de TV. Disponível em:
evolucao_da_TV_no_Brasil.pdf >. Acesso <http://acervo.estadao.com.br/noticias/
em: 10 jun. 2015. acervo,record-60-preserva-evolucao-das-
GIGLIO, K., et al. Metadados como Viabilidade tecnologias-de-tv,9295,0.htm>. Acesso em:
Para Organização e Gerenciamento de 15 mai. 2015.

58 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


P ePtíDeoS BIoatIVoS no P laSma De
a canthoScurrIa ronDonIae
KatIe crIStIna taKeutI rIcIluca
reSumo
Atividades antimicrobianas foram detectadas na hemolinfa da aranha Acanthoscurria
rondoniae. Um novo peptídeo antifúngico, rondonina, foi purificado por cromatografia
liquida de alta performance (CLAE-FR). Rondonina tem como sequência primária IIIQYEGHKH
e massa molecular de 1236.776 Da. Esse peptídeo tem identidade com a porção C-terminal
da subunidade “d” da hemocianina da aranha Aphonopelma hentzi (Eurypelma californicum)
e Acanthoscurria gomesiana. O peptídeo sintético apresentou característica idêntica ao
isolado, confirmando sua sequência. O peptídeo sintético foi ativo somente contra leveduras.
Esses dados nos levam a acreditar que a atividade antifúngica detectada no plasma dessas
aranhas tem como resultado o processamento enzimático da proteína respiratória de muitos
quelicerados. Muitos estudos sugerem que a hemocianina está envolvida no sistema imune
dos artrópodes, e a atividade desde fragmento reforça essa ideia.

PalaVraS-chaVe
Peptídeos Antimicrobianos; Fragmento da hemocianina; Rondonina; Plasma;
Aranha caranguejeira.

aBStract
Antimicrobial activity were detected in the hemolymph of Acanthoscurria rondoniae
spider. A new antifungal peptide, rondonina was purified by high performance liquid
chromatography (RP-HPLC). Rondonina IIIQYEGHKH has the primary sequence,
molecular mass of 1236.776 Da. This peptide has identity with the C-terminus of subunit
“d” portion of the Aphonopelma hentzi spider hemocyanin (Eurypelma californicum)
and Acanthoscurria gomesiana. The synthetic peptide showed characteristic identical
to the isolated, confirming its sequence. The synthetic peptide was only active against
yeast. These data lead us to believe that the antifungal activity detected in the plasma
of these spiders results in the enzymatic processing of respiratory protein of many
quelicerados. Many studies suggest that hemocyanin is involved in the immune system
of arthropods, and activity since fragment reinforces this idea.

KeYWorDS
Antimicrobial Peptides; Fragment of hemocyanin; Rondonina; Plasma; Tarantula spider.

1 - IntroDução distribuição e sobrevivência são prima-


Os invertebrados podem ser encon- riamente devido ao sistema imune que
trados em quase todos os habitats no eficientemente reconhecem e comba-
mundo. Uma vez que muitos inverte- tem potencialmente microrganismos (Cf.
brados vivem em ambientes nos quais Söderhäll and Cerenius, 1998). Os inver-
microrganismos coexistem, sua ampla tebrados apenas possuem imunidade

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 59


inata, que é considerada como primeiro comparados com os PAM catiônicos,
mecanismo de defesa (Cf. Hoffman et al, muito pouco é conhecido sobre como
1999). peptídeos aniônicos agem (Cf. Steffen
Uma característica da imunidade et al, 2006; Silva et al, 2009; Harris et al,
inata é a produção de substâncias 2009).
antimicrobianas, as quais são geralmente Enquanto muitos PAMs são derivados
peptídeos ou polipeptídeos (Cf. Hancock de uma proproteina biologicamente
and Diamond, 2000). Muitos desses inativa que é processada em um estado
peptídeos antimicrobianos (PAMs) têm ativo, alguns PAMs são derivados de
sido reconhecidos como componentes grandes, e proteínas funcionais, como a
importantes da defesa não especifica ou hemoglobina (Cf. Fogaça et al, 1999; Lai et
sistema imune inato em uma variedade al, 2004; Mak et al, 2004; Ullal et al, 2008)
de organismos e têm sido isolados e e hemocianina (Cf. Destoumieux-Garzon
caracterizados de plantas e animais, et al, 2001; Lee et al, 2002). Hemocianinas
incluindo insetos, moluscos, crustáceos, de artrópodes são compostas por
anfíbios, aves, peixes, mamíferos e subunidades heterogêneas na faixa
humanos (Cf. Boman, 1991; Hoffman and de 75kDa que combinam para formar
Hertu, 1992; Boman, 1995; Haeberli et al, um único hexâmero (1x6) ou múltiplos
2000). Muitos peptídeos antimicrobianos hexâmeros (2-8x6), dependendo da
foram isolados de veneno e hemolinfa de espécie e das condições fisiológicas (Cf.
artrópodes venenosos como escorpiões Markl, 1986). A hemocianina da tarântula
e aranhas (Cf. Cociancich et al¸ 2003; norte-americana Aphonopelma hentzi
Ehret-Sabatier et al, 1996). A hemolinfa é um complexo 24-mer de proteínas
dos invertebrados é a principal fonte que consiste em dois dodecâmeros
de peptídeos antimicrobianos (Cf. idênticos com uma massa molecular de
Hetru et al, 1998; Iwanaga et al, 1998). aproximadamente 1800kDa (Cf. Shneider
O primeiro estudo bioquímico de et al, 1977; Markl et al, 1979; Markl et
peptídeos antimicrobianos em aranha al, 1980; Markl, 1986). A formação do
demonstra a presença de um peptídeo complexo 24-mer requer a agregação
antibacteriano na hemilinfa do escorpião de sete diferentes subunidades com
Leiurus quinquestriatus (Cf. Cociancich uma constante estequiométroca com
et al¸ 2003) e Androctonos australis (Cf. quatro copias das subunidades a,d,e,f,g
Ehret-Sabatier et al, 1996). Gomesina e duas copias da subunidades b,c (Cf.
foi o primeiro peptídeo isolado de Markl, et al, 1981; Markl, 1986). Uma
hemócitos de aranha (Cf. Silva Jr, 2000). vez que peptídeos antimicrobianos
Outros peptídeos antimicrobianos foram foram caracterizados em hemócitos de
encontrados no plasma de camarão A. gomesiana e A. rondoniae pertence
(Cf. Destoumieux-Garzon et al, 2001), ao mesmo gênero, nós escolhemos essa
lagostin (Cf. Lee et al, 2002), no plasma espécie para olhar a presença desses
da aranha A. gomesina, chamado peptídeos. Sendo assim, nesse estudo,
theraphosinina (Cf. Silva Jr, 2000) e na reportamos a primeira purificação e
hemolinfa total de Agelena labyrinthica caracterização de um fragmento de
(Cf. Yigit and Benli, 2008). Esses peptídeos hemocianina com atividade antifúngica
são relativamente pequentos, com carga em aracnídeos.
positica (catiônico) e anfipáticos (Cf.
Jenssen et al, 2006; Strominger, 2009) e
geralmente interagem com a membrana
externa dos microrganismos decido a sua
carga negativa (Cf. Kamysz et al, 2003)

60 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


2 - materIal e métoDoS Especial de Toxinologia Aplicada (LETA),
Insituto Butantan.
2.1 - Animais e coleta de hemolinfa
2.3 – Ensaio de inibição em meio
Para os experimentos, foi utilizada líquido
a aranha Acanthoscurria rondoniae, de
ambos os sexos, mantida no biotério Para a atividade antimicrobiana
do Laboratório Especial de Toxinologia (antibacteriana e antifúngica) utilizamos
Aplicada do Instituto Butantan (São Paulo). o ensaio de inibição de crescimento em
Todas as aranhas utilizadas nos meio líquido (Cf. Bulet et al., 1993). A 10
experimentos foram coletadas sob µL ou 20 µL da fração a ser testada ou
Licença Permanente para coleta de de água (controle), aplicados em poços
material zoológico nº 11024-3 - IBAMA de uma microplaca, adiciona-se 90 ou
e Autorização Especial de Acesso ao 80 µL de meio de cultura contendo
Patrimônio Genético nº 001/2008. uma suspensão de uma cultura de
A hemolinfa (aproximadamente 0,5 microorganismo em fase logarítima.
mL / aranha), de animais de diferentes A medida de absorbância das culturas
estágios de desenvolvimento e sexo, após 18 horas de incubação a 30oC foi
foi coletada de animais previamente realizada em um leitor de microplaca
resfriados, por punção do vaso dorsal, Victor3 (1420 Multilabel Counter/Victor3
utilizando-se seringa apirogênica. Para – Perkin Elmer) a 595 nm. A mínima
evitar a degranulação dos hemócitos e concentração inibitória (MCI) foi expressa
consequente coagulação da hemolinfa, como intervalo de concentrações [a]-
esta foi coletada na presença de tampão [b], onde [a] é a máxima concentração
citrato de sódio (NaCl 0,45M; glicose do peptídeo testada na qual os
0,1M; citrato trissódico 30mM; ácido microorganismos estão crescendo e [b] é
cítrico 26 mM; EDTA 10mM), ph 4,6 a menor concentração que causa 100%
(2 volumes de hemolinfa:1 volume de de inibição do crescimento.
tampão) (Cf. Söderhäll e Smith, 1983).
2.4 - Purificação da rondonina do
2.2 - Microrganismos plasma

As bactérias Gram negativas O plasma, após ser coletado


Escherichia coli SBS 363, E. coli ATCC separado dos hemócitos foi diluído
25922 e Pseudomonas aeruginosa em água ultrapura acidificada (ácido
ATCC 27853 (Strain Boston 41501), e as trifluoracético (TFA) 0,05%) (20 vezes o
bactérias Gram positivas Micrococcus volume da hemolinfa coletada). A solução
luteus A270, Staphylococcus aureus ATCC foi mantida sob agitação constante
29213 e S. epidermides ATCC 12228. A num banho de gelo por 30 minutos e
levedura Candida albicans (MDM8) e centrifugado a 16.000 xg, a 4ºC, por 10
Isolados clínicos (agentes de candidiase) min, o sobrenadante obtido foi aplicado
Trichosporon sp IOC 4569, Candida em duas colunas descartável SEP-PAK
krusei IOC 4559, C. glabrata IOC 4565, C18 ligadas em série, equilibradas com
C. albicans IOC 4558, C. parapsilosis água acidificada, com o objetivo de pré-
IOC 4564, C. tropicalis IOC 4560 and purificar os peptídeos antimicrobianos.
C. guilliermondii IOC 4557. Beauveria Três estágios de eluição foram realizados,
bassiana, fungo filamentoso isolado de utilizando-se sucessivamente diferentes
aranha mumificada coletada em campo, concentrações de acetonitrila (5%, 40% e
depositados na coleção do Laboratório 80%) em água acidificada.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 61


As frações obtidas na etapa anterior com a ferramenta MaxEnt3 (disponível
foram concentradas em uma centrífuga a no software MaxLynx 4.1) para que os
vácuo, ressuspendidas em água ultrapura íons com mais de uma carga fossem
e submetidas à cromatografia líquida de convertidos em monocarregados. O
alta eficiência (CLAE). A purificação por assinalamento dos valores de m/z
CLAE foi realizada a uma temperatura correspondentes as series –y e –b foi
constante, utilizando o sistema UFLC- feita com o auxilio do aplicativo “Peptide
Shimadzu. A absorbância foi monitorada Sequencing” (MassLynx 4.1-Waters).
a 225 nm. A fração de 40% foi aplicada
em uma coluna de fase reversa semi- 2.6 - Síntese da rondonina
preparativa Júpiter C18 e a eluição foi
realizada por gradiente de acetonitrila Rondonina sintética foi obtida
em água acidificada 2 a 60% por 60 min, pela síntese em fase sólida usando
sob um fluxo de 1,5 ml/min. o procedimento Fmoc (Cf. Atherton
As frações correspondentes aos and Sheppard, 1989). O peptídeo foi
picos foram coletadas manualmente, purificado por CLAE-FR semi-preparativa
concentradas em uma centrífuga a vácuo, (Shim-pack Prep-ODS 5ux 20mm x
e reconstituídas em água ultrapura e 250mm Shimadzy CO.) e a pureza e
avaliadas no ensaio de inibição em meio identidade do peptídeo confirmada por
líquidos para a detecção dos peptídeos espectrometria de massa MALDI-TOF e
antimicrobianos. CLAE-FR analítica.

2.5 - Análise por espectrometria de 2.7 - Atividade Fungicida da rondonina


Massas da rondonina
Blastoconídeos de Candida albicans
Inicialmente, 0,35 µL da amostra em MDM8 foram ressuspendidos em um
água Milli-Q foi misturado em 0,35 µL meio de crescimento pobre contendo
de cristais de ácido, usando-se o ácido dextrose de batata 1,2% (m:v) (Difco;
α-ciano-4-hidroxicinâmico como matrix half strength) (PDB) (concentração final:
e depositados sobre a lâmina (slide) e 104 células/ml). Alíquotas de 80 µL dessa
deixado sob a bancada para evaporar. suspensão foram distribuidas em poços
Após estarem secas, as amostras são de uma microplaca contendo 20 µL de
sublimadas com o uso do laser (337nm) água ou da fração e incubados a 30 oC.
e se ionizam pela aquisição de prótons Após diferentes tempos de incubação (0,
ou elétrons. 10 min, 1 h, 3 h, 5 h, 8 h, 10 h, 12 h, 18
A estrutura primária do peptídeo foi h e 24 h), alíquotas dessa suspensão (10
determinada por meio da técnica de µL) foram coletadas e os blastoconídeos
sequenciamento de novo (Cf. Cantú et contados utilizando-se Câmara de
al., 2008; Seidler et al., 2010) dos seus Newbauer. Para determinar a viabilidade
espectros de fragmentação obtidos por dos blastoconídeos, alíquotas coletadas
ESI-Q-ToF/MS (eletrospray ionization- (30 µL) foram semeadas em meio Luria
quadrupole-time of flight/mass Bertani (LB) com Agar 1,5% e incubados
spectrometry) em um equipamento a 37ºC por 18 horas.
Q-ToF Ultima API (Micromass) acoplado
a uma fonte de cromatografia liquida 2.7 - Ensaio Hemolítico
em nano escala nano ACQUITY
UltraPerformance LC® (Waters). A atividade hemolítica do peptídeo
Os espectros de dissociação induzida sintético foi testada contra eritrócitos
por colisão (DIC) contra moléculas de humanos em microplaca de 96 poços
gás inerte (Ar) foram deconvoluidos com fundo em “U”. O sangue de um

62 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


doador saudável, coletado na presença obtido foi centrifugação foi submetido
de um tampão de citrato de sódio a extração em fase sólida em colunas
(150 mM; pH 7,4) foi centrifugado por descartáveis Sep-Pak C18 em três
15 min a 700 xg, lavado três vezes e sucessivas extrações com o aumento
ressuspendido em PBS (NaCl 137 mM, da concentração de acetonitrila (5%,
KCI 2,7 mM, Na2HPO4 10 mM, KH2PO4 40%, 80%). O material eluído a 40%
1,76 mM; pH 7,4). A solução do peptídeo de acetonitrila foi submetido a CLAE-
num volume de 50 µL foi testada em FR, que resultou em frações com
triplicata a concentrações de 67 a 0,1 atividade antimicrobiana. Todas as
µM em diluições seriadas adicionando- frações foram analisadas no ensaio de
se mais 50 µL de uma solução 3% (v/v) inibição de crescimento em meio liquido
de eritrócitos em PBS. A microplaca foi usando M. luteus, E. coli e C.albicans.
centrifugada por 5 min a 700 xg após Nós encontramos nove frações com
ter sido incubada por três horas a 37 atividade antimicrobiana, mas somente
ºC. O sobrenadante foi transferido e a fração quatro, nomeada rondonina foi
usado para a medida de absorbância (λ caracterizada.
= 414 nm) em um leitor de microplaca
Victor3 (1420 Multilabel Counter/ 3.3 – Concentração mínima inibitória
Victor3 – Perkin Elmer). As medidas (CIM) da rondonina
de absorbância do sobrenadante para
0 e 100% de hemólise foram obtidas A CIM do peptídeo sintético foi
com 50 µL da solução 3% de hemácias testada contra bactérias Gram-negativas,
em 50 µL de PBS e Triton X-100 0,05%, gram-positiva, leveduras e fungos
respectivamente. O valor da absorbância filamentosos. Rondonina apresentou
a 414 nm das hemácias em PBS e Triton atividade contra todas as leveduras
X-100 0,05% foi determinado pela média testadas e um fungo filamentoso.
da triplicada (modificado de HAO ET AL., Entretanto nenhuma atividade pode ser
2009) detectada contra bactérias na faixa de
concentração testada (acima de 67uM).
3 – reSultaDoS Comparamos esses resultados com
gomesina sintética feita por Cf. Silva et
3.1 - Atividade antimicrobiana da al. 2000 e Yamane, 2010. Rondonina
rondonina pode ser um peptídeo especifico para
leveduras.
O peptídeo sintético foi testado
usando três bactérias Gram-positivas, 3.4 – Análise por espectrometria de
três bactérias Gram-negaticas, sete massas
leveduras e 2 fungos filamentosos.
Rondonina foi testada numa faixa de A análise por MALDI-TOF revelou uma
concentração de 0,1 a 67 uM e mostrou única molécula com massa de 1236.776
atividade contra todas as sete leveduras Da. De acordo com a metodologia de Cf.
e um fungo filamentoso. Budnik et al. 2004 sequenciamento de
novo dessa molécula revelou uma sua
3.2 – Purificação da rondonina do sequência primária de dez aminoácidos,
plasma IIIQYEGHKH, que mostrou identidade
O plasma foi coletado, com a região C-terminal da subunidade
aproximadamente 10 mL e dissolvido “d” da hemocianina da tarântula A.
em água ultrapura acidificada, como hentzi (Theraphosidae) (Cf. Voit et al,
descrito anteriormente. O sobrenadante 2000). Além disso, quando comparado

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 63


com um banco de dados de genoma imune em aracnídeos é menos estudado
parcial, rondonina mostrou identidade que Limulus polyphemus (Iwanaga,
com C-terminal da subunidade “d” e 1998). A expectativa de vida de muitos
90% de similaridade (ILIQYEGHKH) com invertebrados é tão longa quanto
a subunidade “f” da hemocianina de A. aos vertebrados, apesar dos desafios
gomesiana (http://www.compsysbio. contínuos de patógenos. Todos animais
org/partigene/). Portanto, nesse estudo, pluricelulares são sujeitados a frequentes
reportamos a primeira purificação e desafios microbianos e o ataque de
caracterização de um fragmento de endo e ectoparasitas. Além das defesas
hemocianina com atividade antifúngica contra predadores, a sobrevivendia
em aracnídeos. depende da presença de um sistema
imune eficiente que pode rapidamente
3.5 - Ensaio antifúngico de rondonina remover ou inativar organismos
patogênicos. O sistema imune das
As propriedades antifúngicas da caranguejeiras é particulamente
rondonina foram determinadas pelos interessante, por que, além de ter uma
métodos de contagem pela camara expectativa de vida de mais de 20 anos
de Neubauer e placa. Quando o (Cf. Jenssen, 2006), tarântulas também
sintético foi incubado com C. albicans são filogeneticamente muito antigas com
na concentração duas vezes maior que fósseis datando do período Devoniano
a respectiva CIM, nenhum conídeo (400 milhões de anos atrás).
viável foi detectado após 10 minutos. Neste trabalho purificamos nove
E como pudermos verificar na curva de moléculas com atividade antimicrobiana
crescimento, rondonina foi capaz de que nunca foram antes descritas do
inibir o crescimento de C. albicans MDM8 plasma da aranha A. rondoniae. Somente
quando comparada com o controle. uma molécula foi isolada e caracterizada.
Rondonina, um peptídeo caracterizado
3.6 - Citotoxicidade em eritrócitos com antifúngico que inibe o crescimento
humanos de C. albicans MDM8 em dez minutos
e exibe atividade fungicida, como
Ensaio hemolítico foi usado para em estudos anteriores como alguns
avaliar a toxicidade do peptídeo contra agentes antifúngicos como anfotericina
eritrócitos humanos in vitro. Incubando B, fluconazol e LY303366 mostrou que
eritrócitos (p/v) com diferentes fluconazol e LY303366 são fungiostáticos
concentrações de rondonina for 3 horas e anfotericina B possui atividade fungicida
a 37°C não foi verificada alteração na com redução em ≥ 3 log10 comparado
DO a 414nm. Triton x-100 foi usado ao inóculo inicial (Cf. Klepser, 1998).
como controle positivo e considerado Portanto, rondonina não apresentou
como 100% de hemólise. PBS foi usado hemólise quando testada contra
como controle negativo e considerado eritrócitos humanos, tem identidade com
como 0% de hemólise. Os resultados o fragmento C-terminal da subunidade
demonstraram que rondonina não é “d”da hemocianina de A. hentzi e A.
hemolítico. gomesiana e 90% de similaridade com
o fragmento da subunidade “f” de A.
4 – DIScuSSão gomesiana diferenciando apenas no
segundo aminoácido da sequencia:
Considerando os estudos de sistema Cf. ILIQYEGHKH, Lee et al., 2002
imune em invertebrados, o conhecimento também encontraram um fragmento
do mecanismo envolvido na resposta de hemocianina , chamado astacidina

64 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


1, no plasma do lagostim Pacifastacus Esses resultados sugerem que, como
leniuscullis, que consiste de 16 observado em crustáceos, a clivagem da
resíduos de aminoácido com sequência hemocianina e a produção de fragmentos
FKVQNQHGQVVKIFHH-COOH, com com atividade antimicrobiana também
massa molecular de 1945.2 Da, e possui ocorre em aranhas como primeira linha
atividade antimicrobiana. de defesa contra infecções. Muitos
Cf. Destoumieux-Garzon et al., 2001 estudos sugerem que hemocianinas
mostrou que no plasma do camarão con- estão envolvidas no sistema imune dos
tem uma classe de restritos (poli)peptí- artrópodes. A atividade do fragmento de
deos com massas moleculares variando hemocianina descoberto nesse trabalho
de 1753.2 Da por peptídeo de Penaeus reforça essa ideia.
vannamei, que consiste de 23 resíduos A identificação e caracterização
de aminoácidos com sequência de FE- de novas substâncias podem levar ao
DLPNFGHIQVKVFNHGEHIHH; 7982.4 Da desenvolvimento de novas drogas que
para um resíduo N-terminal com sequên- eliminam microrganismos patogênicos
cia VTDGDADSAVPNLHHENTEYNHYGSH- resistentes. Este peptídeo tem
GVYPDK e resíduo parcial de 32 aminoá- atividade contra isolados clínicos que
cidos, com massa molecular de 8.362,8 causam candidiase, um dos patógenos
Da, com uma sequência NH2-terminal oportunistas responsáveis por infecções
LVVAVTDGDADSAVPNLHENTEYNHYGSH- nosocomiais que colonizam a mucosa
GVY que revelou uma perfeita homologia humana (Cf. Odds et al., 2001). Leveduras
com a região C-terminal da hemocianina do gênero Candida são significantes
de Penaeus, essas duas moléculas foram devido a sua alta frequência nas quais
encontradas em Penaeus stylirostris. colononizam e infectam os humanos.
Neste caso, especula-se que camarões Cepas de Candida são encontradas no
podem usar a hemocianina, abundante e trato gastrointestinal em 20-80% da
prontamente disponível em seu plasma, população adulta saudável. Além disso,
para produzir nas primeiras horas de aproximadamente 20-30% das mulheres
uma infecção, fragmentos C-terminal tem colôniss de Candida em suas vaginas
com ampla atividade antifúngica. (Cf. Dignani et al, 2003). O aumento da
Isto dá a hemocianina uma função prevalência das infecções em devido
potencial à imunidade dos crustáceos, a AIDS epidêmica, quimioterapia,
servindo como substrato para a geração transplantes de órgãos e medula e
de (poli) peptídeos antifúngicos que procedimentos invasivos hospitalares
possam contribuir para a eliminação de (Cf. White et al 1998, Yang e Lo, 2001)
microorganismos no plasma. Isto pode por causa do superuso de agentes
ser estabelecido se o mecanismo que antifúngicos, como fluconazol (Cf. Yang
leva à clivagem parcial da hemocianina e Lo, 2001). Devido ao seu pequeno
fizer parte do sistema imune do camarão tamanho, rondonina pode ser sintetizado
e na medida em que esse processo rapidamente e pode eliminar leveduras
pode estar envolvido em uma resposta em dez minutos. Não é toxico contra
antimicrobiana imediata e sistêmica no eritrócitos humanos como observado
camarão. Nossos resultados nos levam nesse estudo. Portanto, rondonina
a sugerir que a clivagem da hemocianina pode representar uma nova estratégia
e produção de fragmentos peptídicos para o desenvolvimento de drogas que
com atividade antimicrobiana também neutralizam ou inibem patógenos.
ocorram em aranhas como primeiro
passo de sua defesa contra uma infecção,
como o observado em crustáceos.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 65


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ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 67


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68 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


eDucação
o ProfeSSor De línguaS na
contemPoraneIDaDe : comPetêncIaS e DeSafIoS
marIa aParecIDa caltaBIano
reSumo
Sobre as competências e desafio, na contemporaneidade, de um professor de línguas.

PalaVraS-chaVe
Línguas-Professor; Motivação; Estratégias de ensino

aBStract
On skills and challenge, in contemporary times, a language teacher.

KeYWorDS
Language-Teacher; Motivation; Teaching strategies.

Em uma fala sobre competências crucial que todo professor entenda o


e desafios de um profissional nos dias mundo em que vive...” [...] “não se pode
de hoje, certamente encontraríamos transformar o que não se entende” (p.
palavras como gestão, globalização, 31).1 E ainda, citando Gee: (1994:190), o
tecnologias, diversidade, flexibilidade, mesmo autor observa:
talvez crise, entre outras. E se tratamos de
competências e desafios de um professor [...] aqueles envolvidos na educação
de línguas, poderíamos acrescentar linguística têm duas escolhas:
ainda: motivação, estratégias de ensino, ou colaboram com sua própria
saberes, construção de conhecimento, marginalização ao se entenderem como
colaboração, preconceito, educação, ´professores de línguas´ sem nenhuma
ética, cidadania... Escolhas e destaques conexão com questões políticas e sociais
são implicam exclusão de tantas [...] ou percebem que, tendo em vista
outras mais. O tema – o professor na o fato de trabalharem com linguagem,
contemporaneidade - tem sido tratado estão centralmente envolvidos com a
por estudiosos da área, sob perspectivas vida política e social (p.33).
diversas. Selecionamos aqui alguns
aspectos para discussão e reflexão. (Não) Somos apenas professores
Pesquisadores chamam a atenção de línguas? Qual é a nossa relação do
para necessidade de o professor com o que está acontecendo ao nosso
conhecer, não somente o seu aluno, mas redor? E o mundo globalizado em que
também o seu contexto de atuação, que vivemos? Podemos separar o ensino de
engloba a sala de aula, a escola, o bairro, conteúdos (que talvez seja o esperado
o ambiente do aluno e o mundo que o por muitos que não são da área de
cerca. Moita Lopes já dizia, em 2003: “É educação) da realidade que nos cerca?

70 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Como deve ser nossa atuação frente a essas imagens, charges e vídeos que
tantos estímulos visuais, auditivos... e as circulam na mídia digital, nos celulares,
(novas) tecnologias que surgem a cada com os quais convivemos diariamente,
momento? além das próprias mensagens que
Falar do presente implica de certo recebemos e enviamos. Motivados
modo olhar também para o passado, pelo fato de poderem trazer para a sala
mudanças aconteceram. Ao refletir sobre de aula um objeto tão presente no seu
o papel do professor de línguas nos dias cotidiano, certamente nossos alunos irão
de hoje, não podemos deixar de compará- contribuir com prazer. As figuras e fotos,
lo com o que ele representava há algumas que acompanham os textos encontrados
anos e mais ainda, há algumas décadas. nos livros e materiais didáticos que
Em uma busca na internet, podemos utilizamos, têm sido pouco exploradas,
encontrar facilmente imagens, charges, elas possuem muitas vezes um papel
quadrinhos, figuras das mais diversas que apenas ilustrativo, estão relacionadas ao
fazem referências ao salário do professor conteúdo e objeto de ensino da unidade.
(por exemplo, com bordões como: - E o Acredito que a utilização de atividades
salário, ó...), às atitudes de pais, de alunos que propõem comparação entre um
em sala de aula, um “antes” e “depois” “antes” e “depois”, trazendo ilustrações
que comparam comportamentos em e situações específicas do cotidiano
diferentes décadas, que de certo modo escolar, entre objetos mais antigos e os
representam como a sociedade via e vê atuais, pode provocar muita discussão
o docente. Infelizmente o professor da e envolvimento por parte dos alunos
escola básica, que é o grande responsável do ensino básico e dos professores-
pela formação dos alunos, dos nossos aprendizes.
filhos e netos, não tem recebido o devido Como referido, a diversidade é um
valor, como todos sabem, pela nossa dos temas presentes nos dias de hoje, em
sociedade. Por outro lado, docentes todas as áreas. Como inseri-lo em aulas
do ensino superior, de outras áreas, de línguas? Entre outras, consideramos
são ainda mais valorizados quando são imprescindível trabalhar a questão do
também professores... Que bom! Nada preconceito de todos os tipos e quanto
contra qualquer profissão. Entretanto, ao aspecto linguístico, a variação e
todos aqueles “somente” professores já preconceito linguísticos, tanto em língua
ouviram, mais de uma vez, com certeza, materna quanto em línguas estrangeiras
perguntas como: - Você só dá aula? Não (referidas na literatura também como
trabalha? Ao ouvir recentemente essa línguas adicionais) são itens que devem
pergunta, fiquei muito admirada por ela ser contemplados nos nossos cursos.
ainda ocorrer. Considero este um dos Como o material didático tem introduzido
grandes desafios no momento atual: - o tema para o aluno e para o futuro
que o professor da escola básica volte a docente? Como ir além dos sotaques e
ser profissional reconhecido e valorizado. da escolha de qual variedade ensinar?
E como podemos colaborar para que isso Quais as comunidades que utilizam a
aconteça? Mudanças não ocorrem de língua, objeto de nosso estudo? E como
imediato, é preciso fazer a nossa parte são utilizadas? Qual é o papel da língua
e continuar a investir na formação dos que ensinamos e aprendemos?
professores de todos os níveis e que Ao discutir diversidade, é importante
reflexões críticas sobre o seu papel de também trazer para reflexão o mundo
educador façam parte dos cursos a eles sem fronteiras do momento atual.
destinados. Sem fronteiras pelo acesso imediato
Entre outras propostas, podemos aos acontecimentos de todo o planeta
levar para discussão em sala de aula devido às tecnologias digitais de

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 71


informação e comunicação e pelo grande Quanto aos desafios do professor
número de imigrantes, falantes de outras (de línguas) na contemporaneidade,
línguas, que por motivos variados vão sabemos que são muitos; os mesmos
de uma região a outra, de um país a docentes, ao responderem sobre os
outro e estão também ao nosso lado e desafios, apontando a necessidade de
presentes nas nossas instituições e salas “mudança da mentalidade dos alunos de
de aula. Pesquisas nos últimos anos como vêem a escola pública” e de “saber
têm investigado o cenário multilíngue, fazer uso das tecnologias de ponta”, nos
multicultural do contexto brasileiro dão indicativos da situação da educação
(entre outras, Cavalcanti, 1999; 2011)3 no contexto brasileiro e do papel das
, destacando a relevância da inclusão tecnologias nos dias de hoje. São temas,
do tema em cursos de formação de como referido inicialmente, que devem
professores. estar presentes nas discussões em cursos
Quanto às competências, o termo tem de formação de professores que levam a
sido definido por vários autores, entre uma reflexão crítica.
eles Perrenoud (2001)4, que considera
competência como a “capacidade de agir referêncIaS
de uma forma relativamente eficaz em CAVALCANTI, M. C. Estudos sobre
uma família de situações”. Educação Bilíngue e Escolarização em
Em um levantamento informal (junho Contextos de Minorias Linguísticas no
2015) com docentes do ensino básico Brasil. Revista Delta, 15 Especial, 1999
sobre as competências necessárias para (p. 385-417). Disponível em: www.scielo.
um professor, a partir das respostas, br/delta
podemos classificá-las, a princípio, em CAVALCANTI, M. C. Multilinguismo,
duas grandes categorias: uma referente Transculturalismo e o (Re)conhecimento
ao processo ensino-aprendizagem, que de Contextos Minoritários, Minoritarizados
envolve o domínio do conteúdo (“ter e Invisibilizados: O que isso tem a ver
domínio das regras gramaticais”), das com a Formação de Professores e com
estratégias de ensino (“propor atividades Professores em Serviço. In MAGALHÃES,
mais lúdicas”, “motivar os alunos”), o M.C.C. e FIDALGO, S. S. (orgs.) Questões
conhecimento da interação professor- de Método e de Linguagem na Formação
aluno e da dinâmica de sala de aula Docente. Campinas, SP: Mercado de
(“compreender a dificuldade dos alunos”, Letras, 2011 (p.171-185).
“ser mais rígido”, “ser presente”). E outra GEE, J. P. Orality and literacy: From the
categoria relacionada à própria prática savage mind to ways with words. In:
e formação profissional (“organizar o MAYBIN, J. (Org.). Language and literacy
tempo para preparar as aulas”, “saber in social practice. A reader. Clevedon:
lidar com as tecnologias e mudanças Multilingual Matters, 1994., p. 168-192.
de comportamento”, “desenvolver LOPES, L. P. Moita. A nova ordem
projetos”). Tais categorias vão ao mundial, os Parâmetros Curriculares
encontro das competências e “famílias Nacionais e o ensino de Inglês no Brasil:
de situações” referidas por Perrenoud a base intelectual para uma ação política.
(2011): In: BARBARA, L.; RAMOS, R. C. G.
(Org.). Reflexão e ações no ensino-
“Organizar e estimular situações de aprendizagem de línguas. Campinas:
aprendizagem; Envolver os alunos em Mercado de Letras, 2003. p. 29-57.
suas aprendizagens; Utilizar as novas PERRENOUD, P. Dez novas
tecnologias; Gerar sua própria formação competências para uma nova profissão.
contínua (p. 1-2). Pátio. Revista pedagógica (Porto Alegre,
Brasil), n° 17, Maio-Julho, 2001, p. 8-12.

72 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


BenefícIoS DoS gameS Para a eDucação
roBerto toDor
reSumo
As tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs) vêm avançando de
forma continuada e se amalgamando à cultura de uma grande parcela da juventude
mundial, inclusive a brasileira. Nesse artigo, citamos o processo pelo qual está passando
os espaços de ensino-aprendizagem, do qual, aos poucos, estão acolhendo a demanda
desse público-alvo, de jovens estudantes, que desejam estar “conectados” durante suas
atividades escolares. Contudo, muitos games com suas habilidades e competências
têm contribuído para o aprendizado e podem cumprir muitas tarefas, inclusive a de
reaproximar estudantes que estejam desestimulados com o ensino do dia-a-dia.

PalaVraS-chaVe
Games; Tecnologias digitais; Ensino-aprendizagem.

aBStract
Information and communication digital technologies have been consistently moving
forward and impacting a segment of the youth population across cultures, including
Brazil. In this paper we examine the transformations occurringinthefieldofeducation,both
fromateachingandalearning perspective. These two arenas have gradually been taking on
current demands from their target audience, the youth, who desire to stay “connected”
while performingtheirtypicalschoolwork. Asaresult,manyeducationalgames emphasizing
particular skills contribute tolearning and can end up playing a number of roles, one of
wich is to reengage demotivated students in their day to day learning activities.

KeYWorDS
Games; Digital technologies; Teaching and Learning.

IntroDução sua narrativa. Sem que haja nenhuma


Os jogos cooperativos e convencio- intenção em desqualificar os outros
nais são ferramentas de aprendizado meios, igualmente importantes para a
respeitados no âmbito da educação, já sociedade do conhecimento, apenas
os jogos eletrônicos ou games, como exaltando o diferencial dos games com
inovação, vem a apresentar um diferen- suas interações e simulações.
cial em relação aos meios tradicionais Com isso, muitos jovens aprendizes,
de entretenimento como filmes, livros, não só devido aos games, mas também
música, porque distintamente desses a todo universo digital, se sentem mais
meios, pelo fato dos games oferecerem confortáveis com os equipamentos do
interatividade. Em vez de simplesmente que com seus professores e pais. Para o
assistir a um filme,ler um l ivro, ou a matemático americano Seymour Papert
ouvirmúsica, o jogador se mantém ati- (1994), entender tal relacionamento será
vamente envolvido no game, como um crucial para a nossa habilidade de moldar
personagem atuante que interfere em o futuro.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 73


Nesse processo, ao nos apropriarmos se referir ao jogo eletrônico ou jogo digital.
de novos paradigmas para o aprendizado Curiosamente no Brasil, os jogadores das
desses jovens estudantes, vamos de en- gerações mais recentes que já cresceram
contro ao um novo campo de conhecimen- com a oferta de games, se referem a eles
to onde se apresenta uma das ferramentas apenas como jogos.
digitais que vem proporcionando mudan- Os g ames se estabelecem como
ças na relação do ensino-aprendizagem: os p rodutos d e d iversão e entreteni-
games educativos. mento, mas apesar disso, também pas-
Esse artigo vem contrapor-se a um sam a servir como um excelente instru-
problema que a educação formal não mento de informação e aprendizagem.
tem acompanhado as mudanças impos- De acordo com Papert (1993), o uso do
tas pela “sociedade do conhecimento”, computador deveauxiliarnesseprocess
de acordo com Silva (2010), em função odeconstruçãodeconhecimentos,como
da percepção de que a informação, a uma poderosa ferramenta educacional,
comunicação e o conhecimento gera- adaptando os princípios do construtiv-
dos tornam-se recursos estratégicos e ismo cognitivo de Jean Piaget, a fim de
os agentes transformadores dessa so- melhor aproveitar-se o uso de tecnolo-
ciedade. Com o avanço da tecnologias gias para essas gerações de jovens.
digitais da informação e comunicação A escola p recisa d esempenharopa-
(TDICs), suas mídias e seus p rodutos pel de p repararos estudantes p ara
deslumbrantes, as crianças, os jovens e acompanhar essas mudanças d o mun-
inclusive os adultos se encantam com do contemporâneo. E não basta p rover
seus constantes lançamentoseinova- o p rofessor com conhecimento sobre
ções.Famíliasinteirasvêmdesvendandoa- computadores. Segundo José Armando
cultura informática que, por sua vez, Valente (1991) a instituição deve propi-
com o advento dos games esse proces- ciar a vivência de uma experiência que
so pareceu simples, segundo o educador contextualize o conhecimentoque ele
Silva (2010), o que provocou a acultura- constrói. A implantaçãoda informática
ção às novas tecnologiasd a informação. educacional, como auxiliar no processo
Consequentemente,osp edagogose educ de construção de conhecimento, implica
adores passaram a ser cobrados p or mudanças na escola que vão além da
seus aprendizes, q u e p recisam alin- formação do professor, ao envolver além
har aquilo q u e melhor sabem fazer de alunos e professores, os administra-
em seus campos de conhecimento com dores e a comunidade de pais.
esta nova realidade.
O Brasil, por sua vez, carece de mais o game eStaBelece uma noVa cultura munDIal
objetos digitais de aprendizagem na Com o passar dos anos, os jogos e a
nossa língua e que sejam tematizados tecnologia da informação evoluíram, con-
com os padrões culturais das regiões tribuindo um para o outro, a ponto de
brasileiras. Afinal, o país tem sido exposto estabelecerem uma nova cultura contem-
a informações de um mundo que foi se porânea que, hoje, envolve milhões de
tornando cada vez mais “digital” ao longo pessoas pelos quatro cantos do planeta.
dos anos 1980. No número global de vendas, 2012-
Nesse processo de digitalização, o vid- 2016, o mercado de games deve
eogame se populariza como item de en- crescer ainda mais em t o dos o s
tretenimento e passa a ser chamado de segmentos,saltandodos U S$66bilhões
“game” por todo o seu público mundial, para U S$86 bilhões, segundo a New-
inclusive no Brasil. Por essa razão, o artigo zoo (Centro Internacional de Pesquisa de
passa a adotar a nomenclatura de game ao Jogadores de Games). O s smartphon

74 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


es,porsuaflexibilidade,estãonocentro Segundo o Instituto de Pesquisas
de todasas conexões entre os produ- Americano Gallup, foi contabilizado no
tos eletrônicos. Segundo Ana Pereti, final do ano de 2013, que há 1 bilhão de
diretora de marketingda Sony Mobile jogadores ativos no mundo. Esse processo
Brasil, o mercadode smartphones é de engajamento com as mídias e os games
o q u e mais cresce no Brasil e que ven- é reforçado pelo depoimento de Camargo:
deu 19 milhões de unidades em 2012.
Além de que a Sony e a Microsoft tem Antigamente usava-se o celular focado
investido nesse segmento. em produtividade, trabalho. Hoje ele se
A tecnologia digital da informação consolida como uma plataforma de en-
e comunicação (TDICs) caracteriza-se tretenimento e os games foram funda-
como uma nova tecnologia intelectual, mentais para essa expansão” afirma Guil-
que nos permite potencializar não ape- herme Camargo, professor do curso de
nas nossa memória, mas também dife- Game Marketing da ESPM-SP e sócio-CEO
rentes formas de raciocínio. Tanto para da Sioux (ADNEWS, 2013).
Mattar (2010) como para Levy (2000), as
transformações tecnológicas que se pro- Porém, a relação dos usuários com
liferam estão criandouma nova cultura, as mídias interativas vai além da neces-
q u e está revolucionandoa nossa ma- sidade em adquirir conhecimento, mas
neira d e interagir com os objetos, as in- d e criar experiências. Por sua vez, essas
formações, as pessoas, o meio ambiente experiências têm gerado novos paradig-
e o mundo. mas e o universo digital nos proporciona
constantes descobertas que vão muito
Cultura[Lat.cultura]sf.Ocomplexodos além da linearidade dos livros e do au-
padrõesdecomportamento,das crenças, diovisual. Para Bonsiepe (1997), designer
dasinstituições,dasmanifestaçõesartístic e acadêmico canadense, são tamanhas
as, intelectuaisetc., transmitidos coleti- as transformações tecnológicas e suas
vamente. consequências sociais,éticas, culturais,
interação e experiência.
Fonte: Dicionário Aurélio
Em relação a qualidade tecnológica
a ser aplicada à educação, o americano
Segundo Jenkins (2006), jornalista
James Paul Gee (2005), que é referência
americano e pesquisador de mídias, a
mundial no uso de games em educação,
expressão cultura participativa contrasta chama a atenção para a disparidade
com as noções mais antigas sobre a pas- que a cultura do videogame pode ger-
sividade dos espectadores dos meios de ar, em função de restrições de acesso
comunicação. Ao invés de colocarmos os para a população mais pobre e menos
produtores e consumidores de mídia com instrumentalizada. E Prensky (2010) sug-
distintas atribuições, os consumidores ere que o processo de adaptação a novas
têm assumido um novo papel, como uma tecnologias podem se iniciar no âmbito do-
espécie de co-produtores e até mesmo co- méstico até que seja materialmente viável
autores. Essa dinâmica é v iabilizada p ela nos ambientes de ensino público e partic-
p ossibilidade de u ma real interatividade ular. Enquanto isso, de acordo com o game
do produto com o u suário, e do u suário designer americano, deve-se priorizar um
com outros usuários, o que faz com que currículo digital doméstico para essa gera-
mais pessoas se interessem e sigam de- ção de alunos que estão familiarizados ou
terminadas regras para que o sistema, são ávidos usuários das TDICs.
qualquer que seja, funcione de forma efici- Entretanto, já é possível comprar
ente e contínua. Assim, o universo digital no Brasil um dispositivo móvel capaz
envolve cada vez mais adeptos. de substituir o computador, que, para

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 75


Goularte (2010) está com os seus dias
contados. Esse fato tem propiciado para
as crianças e jovens a criação de novos
hábitos.
Em pesquisa apresentada no Campus
Party 2014 para a criadora de games
Sioux, levantada pela Blend e o Núcleo
de Estudos e Negócios em Marketing
Digitalda ESPM, foi feito um levanta-
mento em que smartphones foram es-
colhidos p or 8 3 % dos entrevistados
como melhor p lataforma p ara se jogar
e 8 2 % dos pais costumam jogar games Fonte: Chris Crowford (1984)
com seus filhos. Não surpreendente-
mente os alunos têm requisitado o mov- bela e interessante, então é arte. Se for
imento para levar a tecnologia para a pago com dinheiro, é entretenimento.
sala de aula, mais que seus professores. Esse entretenimento não é interativo,
Os games, de maneira geral, corre- caso seja um livro, filme ou semelhante,
spondem a um fenômeno contemporâneo é interativo. Brincadeiras podem não
que necessita ser estudado e compreen- ter metas, nesse caso são brinquedos,
dido pelos impactos positivos que apre- ou se tiverem metas, tornam-se desa-
sentam. Para Gallo (2007), parte de sua fios. Um desafio sem um competidor é
dimensão cultural abrange não apenas um um quebra-cabeça, já um desafio com
potencial expressivo social como, também, competidor gera um conflito/disputa.
educacional. Se essa disputa não permite um ataque
As mudanças que ocorrem na or- real, então é uma competição, se per-
ganização e na produção de conheci- mitir, então é um game.
mento, segundo o ciberteórico francês Em outras palavras, nessa taxonomia,
Pierre Lévy (2000), criam a b ase de um game é uma expressão criativa que se
uma nova sociedade, na qual o saber faz dinheiro, é interativa, tem metas, tem
passa a ser entendido como o produto competidores e permite ataques reais.
de negociações coletivas que envolvem O que esses quatro games t ão d istintos
pessoas e artefatos tecnológicos. SimCity, Angry Birds, Wii Bowling, e Call
of Duty t êm em comum? É que todos
O que os games têm de diferente são simulações, respectivamente, uma
que os destacam de outras atividades cidade em construção, pássaros que são
de entretenimento? arremessados, bolas de boliche jogadas e
Afinal, o que o game têm que outras soldados em suas missãoes. Portanto, a
atividades dinâmicas ou lúdicas não têm? simulação é u ma possibilidade nos g ames
Por que tipo de experiência passamos que, além de atuar de forma graficamente
ao jogar um game que difere de outras realista, oferece meios para que o usuário
atividades? O pesquisador americano em interfira na ação, porém, sem colocar a sua
ludosofia e game designer,Chris Crawford integridade física em risco.
(1986), fazendo uso de um organograma, Além da p ossibilidade d a simula-
a seguir, nos apresenta uma possível ex- ção v irtual, Prensky (2010, p .85), em
plicação pelo o que nos faz desejarmos seu livro “Aprendizagem baseada em jo-
jogar mais uma vez. gos digitais” sugere várias outras razões
Crawford construiu um organo- pelas quais as pessoas p referem os
grama a partir da expressão criativa. games,aoinvés de outras atividades de
Se for produzida simplesmente para ser

76 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


entretenimento, pois: ndizagem e educação, que segundo
▪Os games costumam ser mais rápi- Silva (2010), tornaram-se burocratas
dos e apresentam mais reações; do saber-produto, da escola-fábrica.
▪Os games podem ser jogados Por essa razão, há uma grande
contra pessoas reais, e se não hou- demanda para a criação de novas
ver nenhuma disponível, contra a in- metodologias educacionais e prepara-
teligência artificial, ou seja, o próprio ção do corpo docente para se apropri-
computador; ar dessa nova cultura tecnológica tão
▪Omundointeiro(istoé,qualqueru apreciada por seus alunos, das quais
mqueestiveron-line)está disponível os professores podem se beneficiar.O
como possível jogador; sociólogoMarcoSilva (2010), se refere
▪Os games podem ser jogados em a esse alunocomonovo espectador
níveis diferentes de desafio; que está se acostumando a tela mul-
▪Os games conseguem mais e tiforme, cada vez menos instrumental
melhores representações gráficas e em busca de um processo comuni-
(imagens, cenários e animações); cacional complexo de modificação e
▪Os games podem ser atualizados controle sobre os acontecimentos.
quase que instantaneamente; “A educação pode ser apoiada
▪Os games podem ser personaliza- pelo uso de jogos e outras mídias in-
dos para atender ao gosto e a vontade terativas, especialmente para temas
de cada jogador; que freqüentemente são difíceis de
▪Os games podem lidar com um entender e visualizar”, disse Rik Eber-
número infinito de conteúdo. hardt (2014), gerente do laboratório
de game design do MIT, em entrevista
Nesse contexto, o universo dos para o Jornal O GLOBO, Caderno de
games, produto das TDICs têm nos Educação (2014).
ofertado uma possibilidade virtual e Assim como Eberhardt, cada vez
agilidade em processos que envolvem mais professores e especialistas na
conteúdos específicos, que até a pou- área percebem que educar vai muito
co inexistia. além dos clássicos giz e lousa da sala
de aula. Utilizar games, que aliam as-
gameS: Seu PotencIal eDucacIonal pectos lúdicos a conteúdos pedagógi-
Em torno da virada do século XXI, cos, pode auxiliar tanto no processo
os games se estabeleceram mundial- de aprendizagem das disciplinas tradi-
mente como um produto de diversão cionais quanto no desenvolvimento
e entretenimento. Nas regiões mais integral dos alunos. Não é a toa, es-
favorecidas do planeta, as crianças colas de todo o mundo têm incluído
têm aprendido a manipular celulares os games educativos, jogos sérios de
(smartphones) e tablets antes mesm entretenimento e simuladores em sua
odeaprenderafalar,alémdosjovensqu metodologiapedagógicanosmaisvari-
edesfrutam porhoras,alguns excessiv adosníveisdeensino.Sãomecânicas
amente,comseusdispositivosmóveiso clássicas dos tradicionais games de
usobreseuscomputadorese consoles entretenimento que os alunos en-
de games. contram em seus dispositivos móveis,
Com todo esse encantamento, cri- consoles, computadores domésticos
anças e jovens têm feito uso de novos ou nas lan houses, e adaptados para
paradigmas de comunicação, mídia os conteúdos dos currículos escolares.
e lazer, se distanciando, e muito, das O surgimento de aprendizagem
tradicionais metodologias de apre- baseada em games, segundo o game

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 77


designer americano Marc Prensky na criação, não necessariamente no-
(2010), surgiu nas últimas décadas do vas técnicas de “ensinagem”, mas de
século cenários inovadores de aprendizagem,
20, quando houve um boom da próprios à audiência e às demandas de
tecnologia global. As gerações de es- nosso tempo.
tudantes que estãonos últimos anos O desafio de educadores, pedago-
da escola,parte da populaçãomundial gos, designers instrucionais e game de-
com acessoa tecnologia, viveram suas signers é desenvolver games educativos
vidas inteiras com acesso a tecnolo- com um acompanhamento pedagógico
gia - não apenas computadores, mas para que os estudantes aprendam brin-
também com a música, vídeos digi- cando ou brinquem aprendendo.
talizados, telefones celulares, video-
games e uma série de outros aparel- Benefícios da aprendizagem base-
hos mais sofisticados. Devido a esse ada em jogos digitais
acesso à tecnologia, o game designer A aprendizagem baseada em jogos
afirma que digitais (DGBL, na sigla em inglês “Digi-
tal Game Based Learning”), explica
Os estudantes de hoje pensam e se infor- Prensky (2010), é um método de en-
mam em processos fundamentalmente sino queincorporaconteúdoeducativo-
diferentes do que seus antecessores. ouprincípiosdeaprendizagematravésde
(Prensky, 2012, p.23) games, com o objetivo de envolver os
alunos. As aplicações de aprendizagem
Como a consultora americana em baseada em jogos digitais recorrem à
educação Patricia Deubel (2006), que teoria construtivista de ensino. Os jo-
recomenda, por exemplo, RPGs (role- gos sérios, jogos casuais e simuladores
playing games), simulações e jogos de podem oferecer propósitos que vão
aventura, porque muitas vezes é válido além do entretenimento - eles podem
apelar para o desenvolvimento de mais ser usados para o ensino.
de uma habilidade, como por exemplo: Aaprendizagemtradicionalémuita
vocabulário, leitura, visão periférica svezespassiva,masosgames mantêm
e rapidez mental. Um bom exemplo o alunofocado porque o leva a agir e,
de RPG é a plataforma brasileira OJE então, a reagir com base na questão
(www.acre.oje.inf.br), que funciona a que ele recebe. Aprender fazendo é
partir de uma narrativa de aventura, mais divertido, mais envolvente, e
com a estrutura de uma rede social, muitomaiseficaz.Ecom ousodas TDICs,
onde os personagens acessam uma var- os preparam para participarda socie-
iedade de jogos digitais e objetos de dade tecnológica e globalizada do sé-
aprendizagem, articulando habilidades culo 21
cognitivas e colaborativas. Os desafios
da aventura incluem jogos casuais, jo-
gos de leitura e enigmas inspirados
agreganDo Valor aoS gameS eDucatIVoS
No universo educacional, já são con-
na matriz de competências do ENEM
hecidas e praticadas atividades lúdicas
(Exame Nacional do Ensino Médio), or-
em meio às tradicionais. Entretanto,
ganizados como uma experiência lúdica
quais seriam as vantagens apresenta-
transformadora do desejo de aprender.
das pelas mídias digitais ou mais pre-
Já Luciano Meira, criador da plata-
cisamente pelo game educativo, que é
forma OJE, comenta em um vídeo no
especificamente o nosso objeto de pes-
portal do projeto que a narrativa e a
quisa?
aventura podem gerar na motivação e

78 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Fonte: O autor

São muitas as vantagens, e com as sua vez, nos oferecem novos e dinâmi-
quais foi organizado o diagrama a se- cos meios interativos, nos conduzindo
guir, composto a partir de três campos a novas tecnologias educacionais para
de conhecimento (tecnologia, educação atrair, envolver, auxiliar e informar nos-
e ciência) e constituindo o que chama- sos estudantes em uma aprendizagem
mos de cérebro do game educativo. que contribui para sua futura formação
Partindo de uma linha pedagógica, profissional. O construcionismo efende
a que se insere a aplicação dos games q u e uma maior aprendizagem p ode
educativos, precisamos considerar o uso ser p roporcionada aos alunos com o
da proposta construtivista de Piaget, mínimo de interferência de um instrutor
que levou Papert (1986) à pedagogia do ou professor.
pensamento construcionista, conceitu- Como parte desse contexto, os games
ando o indivíduo, além de ser responsáv- se revelam como objetos transacionais,
el pela construção de seu conhecimento, d e acordo com Schwartz (2014), o u
e poder utilizarferramentasp arafacili- seja, é fundamental entender que a
taressep rocesso.Assim,oprodutodessa proposta de sua narrativa é através de
construção pode ser apresentado, uma construção cognitiva e não apenas
debatido, examinado e admirado. O como um texto de formato determinado.
matemático e educador americano co- Games educativos oferecem versa-
menta que a metodologia educacional tilidade ao educar divertindo, e também
que prioriza os textos escritos e impres- podem aprimorar as habilidades cogniti-
sos como ferramentas indispensáveis vas e psicomotoras. Embora a aprendizag
ao ensino, deve ser repensada e incluir ematravésdejogospossasermuitoeficaz,o
as tecnologias da informação que, por sgameseducativos podem se tornar uma

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 79


distração, levando os alunos a se torna- moincluir seu nome, sua foto o u criar
rem demasiadamente focados na ativi- avatares, escolher seus perfis prediletos
dade lúdica e não no aprendizado. Por para a apresentação etc. Como usuário, é
outro lado, pode se tratar de uma vanta- possívelpersonalizarmuitascoisasnainter-
gem fazendo com que o game produza netesobretudonosgames.Para educação
o efeito favorável de uma aprendizagem podemos oferecer aos alunos o controle
tangencial e envolver diversas h abili- para que eles personalizem a sua edu-
dades d e aprendizado sem que o aluno cação e determinem por si só, de que
perceba que está, na prática, estudando. forma vão aprender. Os próprios alunos
Para Mattar (2010) é um conceito, em (usuários) ficam livres para descobrir, cri-
que não prevalece o que você aprende ar e ordenar os aprendizados, conforme,
ao ser ensinado diretamente, mas o que eles próprios determinarem, assumindo
aprende ao ser exposto a coisas. papéis ativos nos games.
Para isso, precisamos de objetos de Essa autonomia do aluno-usuário nos
aprendizado como os games educativos, conduz à aprendizagem ativa, que pos-
porque além de muito eficientes em abor- sibilita ao aluno jogar de acordo com o
dar de forma lúdica as questões das áreas seu entendimento pessoal, tempo e pro-
de conhecimento e suas disciplinas do ficiência. O aluno se sente empoderado
tradicional currículo escolar, eles também por essa autonomia, q u e o conduz a
são eficazes ao apresentar temas trans- umasensaçãode auto-aprendizado,mais
versais aos alunos. Esses temas expressam excitante e envolvente q u e as au-
conceitos, valores básicos à democracia las tradicionais. Dessa forma, o game se
e à cidadania e, também, obedecem a transforma em um recurso didático a fa-
questões importantes e urgentes p ara vor da educação, segundo Valente (2010),
a sociedade contemporânea. A ética, focado no processo de construção, cujo
o meio ambiente, a saúde, o trabalho caminho pode ser determinado pelo
e o consumo, a o rientação sexual e próprio aluno, em conjunto com seus
a p luralidade cultural não são disciplinas pares e sob a orientação d e seus pro-
autônomas, mas temas que permeiam to- fessores, o q u e propiciará a educação
das as áreas do conhecimento,eestãosend na direção d e um novo design instrucio-
ointensamentevividospelasociedade,pelas nal, um ensino simultaneamente sério e
comunidades, pelas famílias, pelos alunos divertido, respeitando-se as capacidades
e educadores em seu cotidiano. Recente- e os potenciais dos alunos.
mente, surgiram demandas sobre Orien- De acordo com Mattar (2010), a inter-
tação para o Trânsito, Mobilidade Urbana atividade entre o aluno e os games, é mú
e Educação Financeira, cujos temas estão tua,sendoojogadorconstantementeconvi
se tornando políticas públicas. Entretanto, dado,poresse objetodigitalde aprendiza-
seja para as disciplinas tradicionais como gem, a participar de forma ativa e estra-
para os temas transversais, precisamos tégica, motivando-o a progredir em suas
desenvolver um aprendizado que en- conquistas e a seguir para novas fases do
volva o aluno de hoje, que requisita tanto game com novos desafios a vencer.
se identificar com sua cultura local, assim Para além dos games, esse ambiente
como, ter acesso à informação de todos os digital e hipermídia ainda propicia ao
cantos do mundo. aluno a possibilidade de simular ativi-
Os alunos de hoje, fazem parte das dades experimentais, educacionais (de
gerações Y, Z e Alfa, que tem se habitua- esportivas a vôos espaciais) e reações
do com a oferta do mercado consumidor, físico-químicas (de água a elementos
a personalizar desde seus objetos pes- explosivos),dispensandoum ambiente-
soais a suas ferramentas d igitais, co- físicoexperimental oua confecçãode

80 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


protótipos. Nesse ambiente, os simula- Jane McGonigal (2012), porque elas nos
dores estimulam a prática e possibili- envolvem completamente, e porque o
tam a transferência do aprendizado e envolvimento intenso é o estado emo-
de habilidades do mundo real, com a cional mais prazeroso, gratificante e sig-
vantagem de que os erros fazem par- nificativo que podemos vivenciar.
te desse aprendizado e não oferecem Para o psicólogo Csikszenmihályi,
perigo ao aprendiz, como, por exemplo, através de atividades autotélicas podem-
fazer transfusões de sangue ou misturar os atingir o “fluxo”, estado em que nos
elementos químicos. colocamos totalmente imersos e ab-
Tanto os simuladores e games educa- sorvidos por um desafio. O fluxo se dá
tivos como os games de entretenimento quando mantemos uma sinergia entre o
podem ser encontrados na internet, gra- nível d e dificuldade d a realizaçãode
tuitamente, com seus links específicos uma atividade, e o d esenvolvimentode
ouagrupados em portais de g a mes. habilidades necessárias p ara atingir a
Também p odemos encontrar games sua realização. Assim como“fluxo”, d e
educativos p roduzidos p orempre- acordo com McGonigal (2012), alguns
sasprivadas, organizados em platafor- criadores de games têm adotado a pala-
mas adaptativas, tornando-se potenciais vra italiana “fiero”, tradução literal para
ferramentas de aprendizado, em que orgulho, para descrever o que sentimos
todo o processo do aluno-jogador é reg- ao triunfarmos sobre a adversidade,
istrado pelo sistema da plataforma con- similar a uma expressão física universal
forme ele vai jogando. Esse acompanha- quando erguemos os braços sobre as
mento, para Papert (1986), permite que cabeças e gritamos ao celebrarmos algo
seaprendamaisedemaneiramaisefetiva,t que foi superado.
endoocontroleconscientedo processo de
aprendizagem, tanto para os estudantes Se nos sentirmos capazes de corresponder
como para o beneficio de seus professo- ao desafio, estaremos altamente
res que através das estatísticas organiza- motivados, extremamente interessados
das pela plataforma, podem fazer aval- e positivamente envolvidos em situações
iações tantoindividualmente comode estressantes. E esses são os estados
t oda a classe. A lém disso, p ode-se emocionais decisivos que equivalem ao
organizar plataformas com games coleti- bem- estar geral, e que os tornam a
vos, convidando a interação entre várias razão pela qual os atuais games d e maior
pessoas, incentivando o trabalho em sucesso são tão viciantes e suscetíveis
equipe, e também proporcionando um a mudar o nosso humor. (MCGONIGAL,
ambiente livre que permita o reforço de 2012, p.41)
diversas competências.
Independente do interesse de um alu- Portanto, um bom game é uma opor-
no-jogador em buscar um game educa- tunidade para proporcionar essa experiên-
tivo individual ou coletivo, para os game cia e p rovocar u ma emoção positiva
designers, prevalece o foco em desen- p elas suas conquistas. E com todo esse
volver um jogo que seja atraente, en- envolvimento, segundo Schwartz (2014),
volvente e ensine ao mesmo tempo. Há gerado pelas dinâmicas dos games com
o termo científico, cunhado pelo psicólo- seus feedbacks, balanceamentos e rec-
go húngaro Csikszenmihályi (1988), e ompensas, ainda estimulados por meios
atribuído ao envolvimento e interesse em audiovisuais e sonoros, geram a liberação
uma atividade denominada autotélica. de dopamina (o principal neurotrans-
Procuramos realizar atividades autotéli- missor humano que causa a sensação-
cas, segundo a game designer americana dealegriaeprazer). Segundo McGonigal

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 81


(2012), ao conquistar algo que é muito fação ao indivíduo (BORUCHOVITCH; BZU-
difícil para os jogadores, como um q u e- NECK, 2004).
bra-cabeçaouterminarumacorridaentreo Contudo, há um contra ponto, uma es-
sprimeiroslugares,nosso cérebros liberam tratégia para provocar tanta empolgação e
um poderoso coquetel, que além da do- envolvimento em alunos ao jogar, que
pamina, produz norepinefrina e epinefri- é o uso de motivação extrínseca, que
na. Essas três substâncias neuroquímicas corresponde a estímulos externos ao indi-
combinadas produzem u ma sensação víduo e que o motivam a realizar alguma
d e satisfação, o rgulho e d e alerta. atividade ou tarefa. A execução da tarefa,
Se o game p rovocar risos, o jogador por si só, pode deixar de ser o motivo prin-
produzirá ainda mais dopamina. Para a cipal de seu interesse para, então, passar a
escritora Elizabeth Gilbert a definição de ser o intuito de obter recompensas.
felicidade, comenta McGonigal (2012), é Ruiz (2004) classifica em quatro os ti-
consequência do esforço pessoal e quan- pos de recompensas extrínsecas que po-
to mais trabalharmos para vivenciarmos dem ser ofertadas no ambiente escolar:
as recompensas intrínsecas, mais fortes 1. Recompensas materiais: prêmios,
se tornarão nossas capacidades internas objetos, dinheiro, itens comestíveis
de fabricar felicidade. etc.
Éimportante esclarecer,que as rec- 2. Atividadesrecompensadorase p r
ompensas intrínsecas nãotêm como ob- ivilégiosespeciais:oportunidades
jetivo principal chegar em primeiro, fazer especiais ao jogador, uso de eq-
mais pontos ou vencer uma batalha entre uipamentos, escolha de uma ativi-
exércitos. Por essas razões, sua aplicação dade etc.
é tão apreciada em metodologias educa- 3. Reconhecimentos: colocação em
cionais, pois apresentam um propósito, ranking, certificados, elogios etc.
no caso de games, como construir des- 4. Recompensasp orp artedoprofes
deum objetoouatéumacidade,pilotaru sor:atençãoespecial,tratamento
maviãooumisturarelementos químicos diferenciado, participar de outras
reagentes, encontrar itens misteriosos ou atividades com o professor etc.
encaixar imagens para desvendar algum Essas recompensas externas pro-
desafio. Dessa forma, o mérito do game é porcionam métodos simples, diretos e
a própria experiência da dinâmica, ouse- práticos, por sua rápida percepção aos
ja, amotivação intrínseca, que estimu- resultados da partida. Contudo, os edu-
laarealizaçãod edeterminadas atividades cadores q u estionam o u sode fatores
consideradas interessantes, atraentes ou motivacionais externos, pois, q u ando
capazes de fornecer algum tipo de satis- relacionadoscomaaprendizagem,podem

MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA MOTIVAÇÃO EXTRÍNSECA


Promoção do interesse do
Estímulos internos Estímulos externos
individuo
Objetivos da atividade Fim em si mesmo Obter resultado
Recompensas ou punições
Ausentes Presentes
externas
Relacionamento com a
Integral Arbitrário
aprendizagem

82 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


resultaremumaprendizado mecanicista fazendo pensar, tanto em games
(BORUCHOVITCH, 2004). com partidas rápidas ou bem ex-
Para melhor compreender e visualizar tensas. Ex.: Age of Empires
as diferenças entre motivação intrínseca • Trabalho físico – que nos exer-
e extrínseca, Aguiar (2010) apresenta cita fisicamente.Ex.: Dance Dance
um quadro que ilustra uma tabela adap- Revolution
tada a partir dos conceitos propostos • Trabalho de descoberta – que
por Boruchovitch e Bzuneck e Malone trata do nosso prazer de investi-
e Lepper (1987): gar de forma ativa objetos e es-
Portanto, por meioda motivaçãoin- paços não familiares. Ao explorar
trínseca, a p articipaçãodopróprio alu- misteriosos ambientes, como em
no em seu processo de aprendizagem, games de RPGs.Ex.: Fazgame
configura-se como a recompensa prin- • Trabalho em equipe – que enfa-
cipal, sem necessitar de apelações ex- tiza a cooperação em grupo. Ex.:
ternas, internas ou premiações por seu World of Warcraft
cumprimento,masissonãoexclui os es • Trabalho criativo – que trata de
tímulosextrínsecos,questionados p or desenvolver um trabalho artístico
educadores, que podem potencializar a criação de casas ou persona-
significativamente a motivação para a gens. Ex.: The Sims
realização de uma determinada tarefa Do trabalho como atividade do cotidi-
(BORUCHOVITCH, 2004). ano ao trabalho profissional, os games
Qualquer que seja a tarefa e o valor de entretenimento e educacionais vem
de sua experiência, os games educativos cumprindo vários papéis, com suas ferra-
e simuladores proporcionam aos joga- mentas individuais ou coletivas, jogando
dores uma sensação de envolvimento e ou simulando, com motivação intrínseca
empolgação, que se sobrepõem a sensa- ou extrínseca, favorecidos pela presença
ção de um trabalho árduo, sério ou até das TICS em casa e nas escolas.
mesmo obrigatório. Sobre essa relação d os games com
SegundoJaneMcGonigal(2012),esses o trabalho, segundo Prensky (2010),
tiposdetrabalhoassumem formas dife- em 2004 foi apresentada uma tese da
rentes em tempos diferentes para cada Universidade de Harvard, baseada em
indivíduo. E para atender a suas deman- milhares de entrevistas, de que joga-
das individuais, há décadas os games dores de games são executivos diferen-
tem se desenvolvido e oferecem cada tes e mais bem-sucedidos que os de-
vez mais tipos distintos de trabalho, mais, porque:
como o: • São bons na solução colaborativa
• Trabalho de desafios – nos ori- de problemas;
enta à ação e nos empolga não • Têm forte senso de competência;
apenas com a possibilidade de • Adoram informações;
sucesso como também de um fra- • Sentem-se confortáveis em as-
casso espetacular. sumir riscos calculados;
• Ex.: Gran Turismo • Realizam bem várias tarefas;
• Trabalho de distração – é comple- • Aprendem de maneira dinâmica;
tamente previsível, entretanto • Pensam globalmente;
nos ocupa a mente para uma ativ- • Esperam que as soluções proven-
idade com um resultado claro.Ex.: ham deles próprios.
Farm Ville Pois, então, nos questionamos, que
• Trabalhomental –quepotenciali- games são esses que podem contribuir
zanossasfaculdadescognitivasnos tanto para a educação e o preparo profis-

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 83


sional dos alunos? A seguir, selecionamos cano diz que não há uma só maneira,
e sugerimos alguns exemplos do que está fórmula ou receita para conseguir essa
disponível no mercado e na internet. integração, pelo contrário, é necessário
um espaço para muito pensamento cria-
recomenDaçõeS De gameS eDucatIVoS tivo.
O Brasil é o maior mercado de games Contudo, a maneira com que os
da América Latina e o 11º do mundo, se- games educativos estão sendo dis-
gundo a Acigames (Associação Comercial, ponibilizados é bem variada, pois os
Industrial e Cultural de Games). Dados da games podem tanto estar disponíveis
Google mostram que há 54 milhões de individualmenteparaseremjogadosnoc
gamers no Brasil, sendo que desse total, omputador,tablet,celularouaté mesmo
46 milhões são jogadores online. Além em consoles. Também podem estar or-
disso, dos 100 maiores canais em número ganizados em um único portal ou plata-
de assinantes, 29 deles são sobre jogos, forma que contém dezenas de outros
alcançando games de plataforma adaptativa que
22 milhões de pessoas. fornece estatísticas para alunos e pro-
Apesar de apresentar esse potencial, fessores. A seguir, comentamos sobre a
o educador João Mattar (2010) comenta peculiaridade das ferramentas digitais
que o p aís nãooferece os mesmos fo- disponíveis no Brasil e no exterior para
mentos governamentais na p roduçãode acessar os games educativos.
games de entretenimento como em Nessa pesquisa, limitamos a cinco
outros países, e menos ainda para a exemplos de cada tipo de ferramenta
produção de games educativos. digital de games educativos, como uma
Segundo MarkPrensky (2012), preci- amostragem dentre tantas disponíveis
sa existir uma integração entre o g ame e na rede. São elas: plataformas de games
a aprendizagem, de forma que o jogador educativos (contém dezenas de games
aprenda se divertindo ou se divirta apre- vinculados a um sistema adaptativo e in-
ndendo algo. Apesar de muitos pesquisa- terativo d e um só d esenvolvedor), portal
dores tentarem, o game designer ameri- de games educativos (contém centenas

RECOMENDAÇÃO DE GAMES EDUCATIVOS

Aplicativos de
Plataformas Portal de Mini-games Software de
Jogos Sérios de games para
de Games Games e Jogos Sérios Autoria (Game
Entretenimento Dispositivos
Educativos Educativos Educativos Engine)
Móveis

Alberta Blood Typing Capoeira


Kiduca ABCya Abc Words
Government Game Legends

Alphabet Car
Mangahigh Escola Digital Cidade Verde Civilization Brain Rush
Lite

Mito Da
OJE Funbrain Minecraft Fazgame Cut The Rope
Caverna

Ludo Operação
Vivaz The Sim City Mit Game Lab Letroca
Educativo Cosmos

World Math Smart


My Math Tríade Zoo Tycoon Toca Tea Party
Day Notebook 11

84 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


de games de diversos desenvolvedores), Tantoesse p ortal comooutros con-
mini-gameseducativos,g ameseducativos tém uma amplavariedade de games,
,g amessériose aplicativosp ara dispositi- exercícios e atividades e, alguns d eles,
vos móveis. ainda disponibilizam artigos e mate-
Além desses exemplos, segue mais al- rial de apoio para p rofessores e pais.
guns games sérios, listados por Prensky Dessa forma, eles são de g rande aju-
(2010) e Schwartz (2014), que podem da, sendo que alguns desses portais ou
auxiliar e estimular o aluno nas seguintes plataformas de games também ofer-
disciplinas ou temas transversais: ecem acompanhamentoestatísticodo-
Biologia (evolução) – Spore <htpp:// andamentodeseusalunosconformevão
www.spore.com> jogando seus games e fazendo suas
Ciências (aquecimento global) – Cli- atividades.
mate Defense Para auxiliar o usuário (estudante,
<htpp://www.play.google.com/store/ professor ou pais) a identificar o tipo de
apps/details?id=org.aurochdigital.gameth- objeto digital que esteja procurando, os
enews> portais oferecem filtros específicos que
possibilitam essa seleção. Ao oferecer
Aplicativos de games para Dispositivos uma maior quantidade de filtros não sig-
Móveis nifica, necessariamente, mais eficiência
Ciências (ecologia) – Sim Earth na busca ou na boa qualidade do mate-
<htpp://www.freegameempire.com/ rial sugerido.
games/SimEarth>
Física (mecânica) – The Incredible concluSão
Machine James Paul Gee (2005), referência
< h t p p : / / w w w. t e c h s p o t . c o m / mundial no uso de games em educa-
downloads/5852-the-incredible-ma- ção, chama a atenção para a dispari-
chine-2> Física (energia) – Ludwig dade que a cultura do videogame pode
<htpp://www.playludwig.com/pt-br> gerar, em função de restrições de acesso
Geografia – Conflitos Globais para a população mais pobre e menos
<htpp://www.conflict-global-storm. instrumentalizada. Apesar do atraso
softonic.com.br/download> História – tecnológico, os alunos brasileiros estão
Age of Empires <htpp://www.ageofem- começando a se favorecer pela presença
pires.com/> Inglês – Fun Test It <htpp:// das TICS que estão se tornando política
apps.facebook.com/funtestit/> Química pública em todo o Brasil, o que permite,
– Space Chem <htpp://www.zachtron- cada vez mais, um crescente número de
ics.com/> alunos, seja dentro ou fora da escola, po-
dendo fazer uso de games educativos.
Apoio ao docente: selecionando Além d e se manter conectadoa d i-
games para seus alunos versas m ídias, os alunos u sam seus
Nas últimas décadas, muitas institu- celulares com alguma frequência, para
ições públicas e empresas privadas, pelo tirar fotos de conteúdos ou deveres de
mundo, vêm desenvolvendo portais de casa, escritos sobre os quadros negros
objetos digitais educacionais para es- ou brancos, ao invés de copiá-los no ca-
tudantes e professores. No Brasil, em derno. À medida q u e o p reço d esses
2014, por exemplo, foi lançado um por- p equenos computadores cai, eles vãose
tal com uma oferta de objetos digitais t ornando onipresentes n asmãos d os
educacionais mais recentes, chamado aprendizes.Boa p arte d os alunos já
Escola Digital, uma iniciativa do Instituto u tilizam seus smartphones para trocar
Inspirare de São Paulo. informações escolares com seus colegas

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 85


de classe através do grupo da turma no parcela de gamesproduzidosparaomer-
Whatsapp, portanto, porque não incor- cadocomercialtambémpodeoferecer
porar esse dispositivo móvel como ferra- oportunidades de aprendizado d e um
menta educacional e desenvolver games aluno. Infelizmente, ainda n ão são
educativos para esses dispositivos a fim muitos os títulos em língua portuguesa
de exercitá-los com os conteúdos de suas e é por essa razão que foram apresen-
disciplinas escolares? tados títulos estrangeiros reconhecidos
Uma parcela das instituições esco- e premiados em seus países por sua ex-
lares públicas ainda não está instrumen- celência e que servem de exemplo para
talizada digitalmente, mas seus estu- demonstrar o que já é aplicado pelo
dantes estão paramentados com seus mundo.
smartphones ou com computadores Em relação à contribuição dos games
ligados a internet em casa, na maioria para a formação educacional, pude con-
dos domicílios brasileiros. Em função statar uma valorização de algumas em-
dessa realidade, Prensky (2010) e Mat- presas e instituições sobre funcionários
tar (2010) sugerem utilizar o espaço que tem o hábito de jogar. Prensky
doméstico para iniciar o processo de (2010), por exemplo, cita que estudos
renovação das metodologias educacio- em hospitais mostram que os jogadores
nais. A pesquisa realizada demonstra são cirurgiões melhores e em relação a
que se os estudantes brasileiros dedica- outras áreas p rofissionais sãoindivíduos
rem 50 minutos diários a games educa- q u e buscam novas ideias e estraté-
tivos, das 3,7 horas diárias que dedicam gias; têm melhor facilidade em superar
ao uso de diferentes mídias em casa, crises e apresentam melhor poder de
terão um ganho de um dia de aula por decisão. É com essa v isão q u e o d e-
semana. senvolvedor d e g ames canadense John
Ao me deparar com novos paradigmas Baker, em entrevista para o Jornal O
para a metodologia educacional, tendo GLOBO em janeiro de 2014, observa um
por base olivro A escola tem futuro? do estudo recente da Hart Research Associ-
educador português Rui Canário (2010), ates que mais de três em cada quatro
onde questiona, por que a escola, por se empregadores dizem que querem insti-
tratar de uma invenção humana recente, tuições de ensino que coloquem mais
não pode ser reinventada? ênfase em ajudar os alunos a desenvolv-
Comosestudosqueembasaremapre er os cinco principais resultados de apre-
sentedissertação,foipossível constatar ndizagem: o pensamento crítico, solução
o quanto se deve passar do modelo de de problemas complexos, comunicação
aprendizado “adequado a todos”, em escrita e oral, e aplicou conhecimento
que estudantes de uma mesma turma em contextos do mundo real.
usam o mesmo conteúdo e precisam
aprendernamesmavelocidade,paraalgo Com o s g a m es educativos estamos
maispersonalizadoatravésdeum ensino b u scando fundir o design, a educação
adaptativo, que leve em consideração e a tecnologia para inovar o ambiente
o ritmo individual de cada estudante, de aprendizado, buscando soluções que
onde uma das questões é a implementa- envolvam tanto os alunos quanto os
ção de métodos de ensino baseados em professores.” Roberto Todor, 2015
mecânica de games.
Muitos games são produzidos com referêncIaS
aderência a áreas de conhecimento e AGUIAR, Michelle. Jogos Eletrônicos Educa-
ao currículo escolar, entretanto, é sem- tivos: instrumento de avaliação focadonas
pre bom ressaltar que uma grande fasesiniciais d o processodedesign.Disserta-

86 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


ção apresentada ao Programa de Pós-Grad- PAPERT, S. A Máquina das Crianças. Porto
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ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 87


InfluêncIaS Para a eScolha ProfISSIonal na
juVentuDe
SIlVana SoareS
reSumo
O objetivo da pesquisa é analisar as influências sobre a escolha profissional na
juventude. Faz parte da vida humana a busca e a procura do seu espaço social no
mundo do trabalho, neste sentido, é pertinente conhecermos as influências que
ocorrem no processo de escolha profissional na juventude para identificarmos os
fatores que envolvem essa questão da vida da juventude. A pesquisa se desenvolve
a partir dos referenciais teóricos que iluminam a construção do conhecimento em
relação às juventudes, considerando especialmente a dimensão sociológica. Para
analisar as influências da escolha profissional é realizado um estudo exploratório por
meio de uma entrevista com uma jovem graduada. A pesquisa possibilitou realizar
um resgate da história dessa jovem, contextualizar o conjunto do tempo histórico e
social da sua condição juvenil e da sua experiência em relação à escolha profissional.
Os resultados da pesquisa demonstram alguns fatores que influenciam a escolha
profissional: a orientação familiar, conversas com amigos, a experiência de trabalho
como um fator que pode auxiliar e influenciar significativamente nas opções, que
muitos jovens realizam.

PalaVraS-chaVe
Juventude; Trabalho; Escolha Profissional; Educação.

aBStract
The objective of the research is to analyze the influences on the professional choice
in youth. It’s human life search and search of their social space in the working world,
in this sense, it is pertinent to know the influences that occur in professional selection
process in youth to identify the factors surrounding this issue of youth life. The research
is developed from theoretical references that illuminate the construction of knowledge
in relation to youths, especially considering the sociological dimension. To analyze the
influences vocational choice is an exploratory study conducted through an interview
with a senior couple. The research made it possible to perform a rescue of the history
of this young contextualize the whole historical and social time of their youth condition
and experience in relation to vocational choice. The survey results demonstrate some
factors influencing career choice: a family-oriented, conversations with friends, work
experience as a factor that can help and influence significantly the options that many
young people do.

KeYWorDS
Youth; Job; Career Choice; Education.

88 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


IntroDução o período de tempo durante o qual
Atualmente, com as transformações a identidade é construída a partir de
e mudanças socioculturais da sociedade, recursos e significados que estão social
os profissionais da educação sentem-se e historicamente disponíveis. Assim,
interpelados a conhecer melhor esses novas gerações criam novas identidades
contextos nos quais as juventudes e novas possibilidades para a ação.A
estão inseridas. A construção de uma consciência geracional assumiu grande
concepção teórica de educação e de importância por permitir que o tempo
uma perspectiva curricular, que atenda biográfico e o tempo social sejam
às necessidades educativas dos jovens, interligados e, por outro lado, permite
deve considerar o conhecimento mais que a dimensão da reflexividade seja
aprofundado dessas necessidades e introduzida na análise da dinâmica
dos apelos educativos, que emergem a geracional e nos processos de mudança
partir da vida juvenil, da vida dos jovens. social. O conceito de consciência
Sendo assim, é pertinente conhecer geracional apresenta dois componentes
esses contextos de vida, tendo em vista, importantes: a historicidade e o vínculo
construir futuramente perspectivas estreito com a dimensão da experiência.
educativas a partir dessas necessidades. Essa consciência geracional promove
No pensamento teórico sobre o conceito um contato profundo com o tempo
de gerações, encontramos na formulação da vida e favorece uma análise das
sociológica de Mannheim, as bases relações intergeracionais. A memória
sociais e existenciais do conhecimento das experiências é formada não somente
em relação ao conceito de gerações como pelas lembranças pessoais, mas também
processo histórico-social. Mannheim por aquelas que foram transmitidas
considerou gerações como dimensão pelas gerações anteriores. (Cf. 1982,
analítica profícua para o estudo da apud FEIXA; LECCARDI, 2010, p. 190-
dinâmica das mudanças sociais. As 191).A perspectiva histórica e social para
gerações podem ser consideradas a análise e estudos das gerações poderá
como resultado de descontinuidades contribuir significativamente para um
históricas e, portanto, de mudanças. O maior conhecimento das juventudes.
que demarca uma geração não é a data O resgate da experiência biográfica, a
de nascimento, mas a parte do processo própria história da vida relacionada com
histórico que jovens da mesma idade- o conjunto do tempo histórico social,
classe de fato compartilham. (Cf. FEIXA; nos permite confrontar a condição real
LECCARDI, 2010, p. 185-203). ou a realidade juvenil. Esse confronto
Abrams amplia o pensamento de favorece a identificação de elementos
Mannheim. O sociólogo aprofundou e culturais, sociológicos, entre outros
expandiu a noção de histórico social da aspectos da vida juvenil.
geração ao relacioná-la com a identidade. Faz parte da vida humana a busca
Indica uma íntima relação entre o e a procura do seu espaço social no
tempo individual e o tempo social. O mundo do trabalho. Neste sentido, é
tempo individual e o tempo social como pertinente conhecermos as experiências
construções históricas. A dimensão dos jovens no momento em que fazem
social e individual é investigada dentro opções em relação com sua profissão,
de um modelo de referência histórico- possibilitando uma maior percepção
social. O autor define identidade como dos meios acadêmicos desse aspecto e
consciência do entrelaçamento da consequentemente a sua contribuição
história individual e da história social. para o âmbito das políticas públicas
A geração, no sentido sociológico, é da educação e até mesmo para o
desenvolvimento das políticas do

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 89


trabalho. Neste sentido, a pesquisa primárias. As relações sociais se definem
exploratória terá como objetivos: em virtude dos atributos culturais que
conhecer algumas experiências de vida especificam a identidade, fortalecimento
de uma jovem em relação à sua escolha da identidade cultural, busca e
profissional e identificar as influências necessidade de se construir um novo eu
que aconteceram nesse processo.A coletivo. Na hipótese de que o espaço
jovem Rafaela (nome fictício), com a organiza o tempo e a sociedade em redes,
qual entrei em contato, é de Cachoeira espaço e tempo foram transformados
Paulista, SP. (Atualmente residem em e o efeito combinado é o paradigma da
Lorena – SP). Ela nasceu em 1987, tem 24 tecnologia da informação e as formas
anos. A entrevistada é do sexo feminino. e processos sociais induzidos pelo
Atualmente, trabalha como professora, processo de transformação histórica. (Cf.
contratada por um ano, em uma Escola CASTELLS, 2009)
Municipal da cidade de Lorena, SP. A economia informacional/global
Concluiu o Curso de Pedagogia em 2009, se organiza em torno de centros de
é solteira e não tem filhos. Frequenta mando e controle, capazes de coordenar,
a religião cristã católica. Mora com inovar e gerir as atividades das redes
sua mãe e um irmão. Sua família é de empresariais. As inovações científicas
classe média baixa, a mãe é professora se encontram no centro de todos os
e o irmão é Técnico de Edificações e processos econômicos. Constata-se a
frequenta o ensino superior. A jovem formação de redes, interconectando em
relata durante a entrevista que perdeu escala global. A comunicação eletrônica
o pai ainda na adolescência. Ela sempre permite uma nova divisão do trabalho
estudou em escola pública e concluiu a partir de uma colaboração entre
o Ensino Superior em uma faculdade firmas e localidades, multiplicação de
privada. redes industriais globais, trabalho à
distância, descentralização urbana.A
contextualIzação hIStórIca e SocIal Era Informacional provocou uma nova
Não podemos contextualizar a vida sociedade baseada no conhecimento e
da juventude sem antes percorrermos os organizada em torno de redes. Processo
contextos socioculturais da sociedade, do caracterizado pelo domínio estrutural
tempo de existência da jovem que será do espaço de fluxos. A nova economia
entrevistada, considerando que, esse global e a sociedade informacional
contexto sofre constantes mudanças e emergente favorecem as mega-cidades
interfere diretamente na vida humana. que articulam a economia global,
Encontramos, na atualidade, um conectam as redes de informações e
contexto de grandes transformações concentram o poder mundial. A inovação
provocadas pela globalização e a tecnológica se estendeu pelo mundo,
revolução tecnológica. O crescimento porém, a desregulação provocou uma
dos meios de comunicação e informação nova economia da comunicação e trouxe
possibilitou a formação de redes de como consequência o crescimento e o
comunicações, especialmente entre os desenvolvimento econômico de uma
grandes centros mundiais. O núcleo das parte do mundo por outro lado, a maioria
transformações, na revolução atual, é a da população mundial foi excluída dos
revolução das tecnologias da informação, grandes polos de desenvolvimento
do processamento e comunicação da econômico. (Cf. CASTELLS, 2002. p. 15-
informação. A integração do mundo, em 19).
redes globais, favoreceu a formação de O processo de globalização constitui
comunidades virtuais, e a construção de um fenômeno multifacetado que
uma ação social em torno de identidades abraça as várias dimensões da vida da

90 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


sociedade. Hoje, a produção cultural se uma das causas que afeta a taxa e a
realiza de modo industrializado, circula qualidade do crescimento econômico,
em redes transacionais de comunicação, contrariamente ao que se acreditava, ou
superando as barreiras dos territórios seja que o baixo crescimento era o que
nacionais e favorecendo uma cultura produzia desigualdade. (UNESCO, 2007,
global. Existe um confronto entre as P. 19, apud REDE SALESIANA DE ESCOLAS,
culturas locais e o contexto global, a 2008, p.55).
existência de um modelo econômico
neoliberal que consagra o mercado Contextualizando o período do
como o grande regulador de todas as nascimento e do crescimento da
atividades, provocando desigualdades entrevistada constatamos que ao final
na distribuição de riquezas. Um modelo dos anos 80, o Brasil, estava mergulhado
econômico, que explora as riquezas na estagnação econômica e beirava à
naturais, provoca a contaminação e hiperinflação. Nesse contexto os ideais
depredação do ambiente, causando neoliberais em curso, encontraram
uma má qualidade de vida para toda espaço para a era liberal no Brasil. A
a comunidade. Conforme reconhece a supremacia crescente do mercado, do
UNESCO: financeiro e do privado, sobre o público.
(Cf. BRITO; MENDES, 2004).
As políticas econômicas constituem a Na década de 80, até meados dos
variável explicativa mais importante do anos 90, o Brasil encontrava-se em um
aumento ou diminuição da pobreza, período de instituição da democracia e
assim como da maior ou menor equidade se preocupava em formar modelos de
na distribuição de renda [...], as políticas desenvolvimento. Como a inflação estava
macroeconômicas, nos últimos anos, fora de controle, procura inserção na
não tiveram o efeito benéfico esperado: economia mundial. Como o crescimento
uniformizaram-se os desenhos de da globalização avançou rapidamente e
políticas nos distintos países, quando havia uma evidente defasagem entre as
a realidade reclamava diversidade; empresas brasileiras e suas concorrentes
as medidas estabilizadoras foram internacionais em relação ao nível
excessivamente recessivas, afetando em tecnológico, as empresas brasileiras se
grande medida a produção e o emprego; a prepararam para entrar na competição.
sequência das reformas não foi adequada Abertura e continuidade no Brasil, e
(não se criaram instância de supervisão continuidade de uma liberalização
suficiente e de modo simultâneo com comercial. Com o plano real entram em
os processos de desregulamentação); vigor as políticas de integração comercial
incentivaram-se as privatizações, do Mercosul, em andamento, a Alca e
antes que a iniciativa privada pudesse iniciativas de integração regional. Essa
materializar-se; começou-se a pensar integração sul-americana foi uma resposta
em redes de proteção social quando os às exigências da nova dinâmica mundial
pobres já haviam aumentado em grande pelo processo de globalização. O Brasil
quantidade. O resultado da aplicação passou por um processo de abertura
destas políticas foi uma concentração comercial de grande importância na
maior da riqueza, o aumento da exclusão década de 90, tendo como ganho um
social, da desocupação, da informalidade maior crescimento. (Cf. AVERBUG, ECO 90)
e da precariedade do emprego, fatores Na virada do século XX, o quadro
que repercutiram negativamente na começou a ser revertido com a busca
capacidade produtiva e de crescimento pelo Ministério da Ciência e Tecnologias
dos países. Hoje, as análises coincidem e do Ministério do Desenvolvimento,
ao reconhecer que a desigualdade é pela inovação tecnológica. Com isso,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 91


ocorreram importantes mudanças, melhores condições de moradia,
como o crescimento e inovação na apresentam crescimento e melhoria.
indústria brasileira. Porém, o país ainda A agenda econômica da década de
se encontra em defasagem nas áreas 90 baseia-se na busca de estabilidade
tecnológicas. O Brasil se encontra econômica e competitividade
inserindo-se lentamente no mundo das internacional caracterizada por menor
grandes transformações. (Cf. CAMPOS; ênfase na importância e na relevância
CULLEF; MARCON, 2009). do setor da indústria nacional.
A década de 1990 apresentou (SCHWARTZMAN, 2002).
crescimento econômico. O ápice foi Schwartzman, considera alguns
atingido em 1994, com a implantação elementos importantes de atualidade do
do plano real. Houve um controle da Brasil:
inflação, que por mais de 30 anos, foi um - Os efeitos sociais da competição
dos principais problemas da economia internacional reduzem o emprego formal
brasileira. O plano real provocou de e a estabilidade no emprego, aumentando
imediato, queda na inflação, propiciou a as oportunidades de trabalho autônomo
aceleração do crescimento econômico. e no setor de serviços, num ambiente
(Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO que valoriza as habilidades educacionais
DO BRASIL, 2002, p.17).Essa época e profissionais.
representou um período de grandes - A educação básica é reconhecida
transformações na sociedade brasileira. como uma das áreas bem sucedidas da
A política econômica implementada no política social dos últimos anos. O acesso
Brasil, nos anos 90, foi configurada a à educação básica é quase universal, no
partir de uma nova estratégia neoliberal entanto, se constata uma baixa qualidade
de desenvolvimento capitalista. A de ensino. O Brasil tem menos de 10%
ideologia neoliberal funcionou como uma de sua população, mais jovem, no ensino
superestrutura ideológica de dominação, superior.
baseada na retórica de que o mercado é o - O desemprego é baixo,
mais eficiente organizador da sociedade. mas o subemprego é alto.
Houve uma política de abertura - A questão de gênero, ou da discriminação
comercial e uma abertura econômica. (Cf. sexual, não se desenvolveu muito, apesar
MARQUES GEUNARI, 2001). das diferenças de renda, ocupação e
Nos últimos anos, a presença das oportunidades de trabalho entre sexos.
mulheres no mercado de trabalho foi - As mulheres estão entrando em
acentuada, especialmente nos serviços grande número no mercado de trabalho,
básicos e nas funções de direção e de no entanto, tendem a conseguir
nível superior. Essa situação causou empregos menos prestigiados e
mudanças no comportamento da lucrativos.
sociedade como a maternidade adiada, Neri (Cf. 2012), analisa as mudanças
o menor número de filhos, o aumento sociais ocorridas no Brasil e aponta
do padrão de consumo familiar e o que a partir de 2003, os que foram
maior investimento em educação. (Cf. mais marginalizados na sociedade
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DO BRASIL, brasileira foram: as mulheres, os negros,
2002, p.18). os analfabetos e nordestinos, que
Embora algumas condições sociais conquistaram maiores aumentos na
tenham piorado nos últimos anos, em renda e mostra o surgimento de uma
especial as ligadas à qualidade de vida, nova classe média.
em grandes áreas metropolitanas, a As percepções e elaborações
maioria dos indicadores sociais básicos, acadêmicas sobre as juventudes, na
como instrução, expectativa de vida, atualidade, nos auxiliam nesse processo

92 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


de contextualização da juventude a de valores que a sociedade não soube
partir de uma visão teórica. A forma de realizar; eles introjetam essas imagens,
apresentar a cronologia humana passou como processo iniciado no período entre
por algumas mudanças. Até o início as duas guerras. Na década de 1950, será
do século XVI, as crianças não eram acentuada a insistência sobre o tema
diferenciadas dos adultos, não havendo da degeneração do mal social que está
preocupação social com essa fase do neles. Na década de 1960, prevalece
desenvolvimento da pessoa. Não existia o elemento otimista, a representação
uma distinção de faixa etária.Somente no de um novo universalismo, de sujeitos
século XX, a criança deixa de ser misturada capazes de redesenhar o mundo segundo
com os adultos e de aprender a vida critérios de liberdade e justiça. O
em contato com eles, sendo inventada, desenvolvimento de uma cultura juvenil
então, uma condição especial. Após a I a partir da escolarização prolongada
Guerra Mundial, em 1914, a juventude e a formação de um mercado para os
virou um imenso fenômeno, em que os jovens fornecerão os elementos bases
combatentes das frentes de batalha se para a formação de uma cultura juvenil
colocaram contra as velhas gerações de consumista. Na América, por volta de
retaguarda. Iniciava-se então uma época 1950, especialmente a emergência de
em que a adolescência era tida como a uma juventude como metáfora social se
idade favorita. (Cf. ARIES, 1978). O curso reafirma com um discurso que a sociedade
da vida como construção social e cultural conduzia sobre si mesma e sobre as
é demostrado por DEBERT (2000, p.47) próprias inquietudes, entrelaçando
ao ressaltar que: significativamente a realidade social
e cultural da sociedade americana.
[...] a idade cronológica, nas sociedades Identificamos nessa análise que os
ocidentais, é estabelecida por um aparato elementos do problema da rebeldia
cultural, um sistema de adaptação juvenil, a liberdade sexual, a questão
independente e neutro em relação à de gênero, os conflitos geracionais, as
estrutura biológica e à incorporação dos múltiplas culturas juvenis, parecem estar
estágios de maturidade. Os critérios e muito presentes no contexto juvenil. Até
normas da idade cronológica são impostos mesmo no próprio discurso dos jovens
nas sociedades ocidentais não porque que constatam a complexidade do ser
elas disponham de um aparato cultural jovem na sociedade. Especialmente, o
que domina a reflexão sobre os estágios conflito em relação aos valores familiares
da maturidade, mas por exigência das leis e os valores da sociedade.
que determinam os deveres e direitos do
cidadão. (2.000, p. 47). A juventude trata-se de uma categoria
social e histórica e, por outro lado, diz
Passerini (Cf. In Levi; Schimitt, respeito a uma condição experimentada
1996), analisa a juventude como uma de maneira singular pelos indivíduos.
metáfora da mudança social a partir dos Para elucidar esse argumento, a analogia
debates sobre jovens na Itália Fascista a outra etapa da vida é conveniente,
e nos Estados Unidos da década de por talvez encontrar-se mais bem
1950 e demonstra como o conceito equacionada frente a essa dubiedade: a
de jovem reúne em si os problemas infância diz respeito a uma construção
e as preocupações da sociedade em social, embora, ser criança se traduza na
seu conjunto. O jovem como conceito experiência de transformações corpóreas,
simbólico revela-se o concentrado das psíquicas e comportamentais vividas
angústias da sociedade. Acentua-se a (há mais, ou menos tempo) de maneira
sua fragilidade, enquanto depositário heterogênea pelos indivíduos segundo os

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 93


lugares, situações e momentos históricos. sociocultural na vida juvenil trazem
(ATTTIAS-DONFUT, apud SOUZA, 2009, como consequência fundamental uma
p.17). fragmentação. O fluxo televisivo ajuda
a compreender as rupturas e as formas
O debate sobre os jovens representa de gancho que apresentam as novas
de várias maneiras um dos temas por experiências culturais dos jovens. A
meio dos quais a sociedade reflete programação televisiva se vê marcada
sobre si mesma. O jovem como conceito pela descontinuidade que introduz
simbólico revela-se o concentrado das a permanente fragmentação – cujos
angústias da sociedade. Conforme modelos estéticos e de rentabilidade
encontramos em algumas análises: são apresentados na publicidade.(Cf.
BARBERO, 2002, p.4, apud ESCOLAS
Na sociedade contemporânea, de SALESIANAS DA AMÉRICA, 2008, p.26).
fato, a juventude não é mais somente A não linearidade atual e a fragmentação
uma condição biológica, mas uma apresentam modelos sem padrões, de
definição cultural. Incerteza, mobilidade, alta valorização do aqui e do agora, a que
transitoriedade, abertura para mudança, se somam as características próprias de
todos os atributos tradicionais da uma juventude mergulhada nas redes
adolescência como fase de transição de comunicação, (Cf. FEIXA, 2002, p.34,
parecem ter se deslocado bem além apud ESCOLAS SALESIANAS DA AMÉRICA,
dos limites biológicos para tornarem-se 2008, p.37) de acordo com o aspecto
conotações culturais de amplo significado fundamental da etapa da juventude
que os indivíduos assumem como parte constituída pela formação da identidade
de sua personalidade em muitos estágios própria. É nesta fase que surgem os grupos
da vida. (MITTERAUER, 1986; ZIEHE, ou sociedades juvenis, os quais oferecem
1991, apud MELUCCI, 1996, p.9). ao jovem a possibilidade da autonomia
do mundo adulto e começam a seguir
Uma reflexão sociológica em torno de orientações normativas e simbólicas que
gerações de futuro sombrio: os jovens permitem o falar de culturas juvenis. (Cf.
sem expectativas de futuro. O autor ESCOLA SALESIANA DA AMÉRICA, 2008,
aponta que a entropização entre os p. 26). As culturas juvenis se referem à
jovens pode levar a movimentos sociais maneira em que as experiências sociais
gerados por sentimento de indignação, dos jovens são expressas coletivamente.
quando os sistemas educativos e o O jovem é influenciado pelo meio e com
mercado de trabalho não garantem a isso se identifica um conjunto amplo de
realização das aspirações de muitos culturas juvenis. (Cf. FEIXA, 1998, p.34,
jovens. A dificuldade de inserção apud ESCOLA SALESIANA DA AMÉRICA,
profissional leva a sentimento de 2008, p.34).
desilusão e descrença e a dificuldade No interior de cada uma dessas
de imaginar um futuro de esperança. A microsociedades, diversas manifestações
partir de uma compreensão sociológica, simbólicas são reordenadas e
se observa que essa realidade conduz recontextualizadas, atingindo como
os jovens a realizar manifestações resultado a construção de um estilo
de indignação de diversas condutas, juvenil. Essas condutas têm, além
tumultos e violência provocados por da busca de uma identidade, muito
um sentimento de exclusão, uma de certa resistência social frente à
incapacidade de antecipação do futuro realidade da globalização do mundo,
e por uma desesperança. (Cf. MACHADO, que uniformiza as condutas das pessoas
2012). de uma sociedade que cede espaços
Os impactos do contexto às leis de mercado, colocando em risco

94 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


as identidades nacionais. A aprovação Os problemas existenciais emergem
de certos espaços como verdadeiros como a perda do sentido da vida, a
territórios juvenis, caracterizados por perda da esperança, os desafios da
concentrar bares, praças e campos pós-modernidade como o relativismo,
de futebol, a ação de grafiteiros, em ceticismo e secularização, o hedonismo,
que os jovens marcam os nomes dos o individualismo, a valorização da
grupos com que se identificam, são afetividade, do sentimento, do prazer
manifestações de identidade pessoal e imediato, da busca material desenfreada.
dos sentimentos dos grupos de pertença. (Cf. SAAVEDRA, 2006, p. 123-143).
Percebe-se também a manifestação O contexto sociocultural da
da sua identidade com o próprio corpo atualidade apresenta-se de forma
e a inscrição do seu distintivo, o uso muito complexa. A situação, os cenários
das perfurações corporais (piercings) sempre mais evidentes da globalização e
ou tatuagens (tatoo), manifestações de perspectiva política neoliberal trazem
de construção da identidade em um diversas consequências mais negativas
mundo fragmentado e globalizado.As do que positivas. Percebemos as
manifestações culturais juvenis, de uma diferenças sociais e econômicas sempre
verdadeira tribalização como expressão mais claras entre os países ricos e os
da subjetividade, também buscam afeto, mais pobres. O fenômeno da mobilidade
novos tipos de relações que rompem com humana interfere na vida das pessoas
a racionalidade. Volta-se para o tribal, que precisam viver a insegurança de
o afetivo-emocional, compensando a inserção em outros contextos culturais,
desagregação das grandes urbes. (Cf. sociais e econômicos. A globalização da
ESCOLA SALESIANA AMÉRICA, 2008, p. economia cria um modelo cultural único,
28). fazendo com que as regiões percam
A identidade parece ser um problema a própria identidade. A globalização
de fundo da sociedade. Os problemas favorece a troca e a interação entre
de natureza estrutural modificaram os povos, especialmente no que
a estrutura da família, da educação, se refere ao desenvolvimento das
da ocupação, das instituições com novas tecnologias da informação, que
consequências inevitáveis sobre o possibilitam a comunicação e a troca
plano da construção da identidade de informações e conhecimentos de
juvenil. Foram mudados os critérios de uma forma intensa. Ao mesmo tempo,
definição da identidade, não somente os meios de comunicação provocam
do tipo objetivo, externo ao indivíduo um comportamento consumista e um
(identificação ao papel), mas do tipo mesmo modelo cultural.
subjetivo, a partir de dentro. A procura
da identidade não segue mais um a eScolha ProfISSIonal
modelo proposto ou imposto do externo A entrevista teve em vista abordar
(identidade pré-constituída), mas do primeiramente questões que pudessem
interno, subjetivo, a ser construído. demonstrar alguns elementos do
A construção da identidade se torna contexto-sócio cultural da vida de
complexa em uma sociedade que Rafaela, procurando elementos de
não oferece sistemas de significados contextualização das suas experiências
unitários e nem um universo de valores de vida, da relação da jovem Rafaela com
ideais e projetos que deem significado a sociedade e o seu tempo histórico. Para
à vida. Portanto, existe a construção de isso, perguntamos para Rafaela: Como
uma identidade frágil e incompleta. (Cf. você vê a experiência de ser jovem hoje?
CUORE, 2000, p. 205). Ela responde:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 95


Acho que hoje em dia ser jovem é liberal, na qual o jovem pode aproveitar
um pouco complicado. Às vezes fazemos para realizar diversas experiências
algumas escolhas e assumimos alguma que a sociedade proporciona como
posição diferente daquelas que todos os possibilidades de escolhas: sexo, drogas,
jovens fazem e somos incompreendidos, tabaco, álcool. Na sua reflexão aparece
somos chamadas de careta, velha, a perspectiva de que essas experiências
além do mundo. Alguns assuntos entre podem produzir uma felicidade falsa e
os amigos são complicados. O mundo salienta que fazer opções diferentes do
oferece várias escolhas não muito legais, que a sociedade apresenta e viver de
existem as mídias que influenciam nessas forma mais consciente é um ato corajoso.
escolhas, incentivando o consumismo, No final fala sobre algo positivo: que
banalizando assuntos como sexo, drogas. estão existindo mais possibilidades de
As músicas com letras e ritmos eróticos trabalho. Melucci (Cf. 1996) apresenta a
etc.. Depois vem os amigos que convidam ideia dessa pluralidade de possibilidades
para festas, amigos que normalmente já de experiências de que o jovem pode
fazem uso de álcool, tabaco, quando não participar e a incerteza que gera todas
drogas e que colocam apelidos de careta, essas experiências na construção de sua
velho em quem prefere não se envolver, identidade:
com quem a família fica mais atenta.
Então, eu acho que ser jovem consciente O passo da mudança, a pluralidade
de suas escolhas, hoje em dia, é um ato das participações, a abundância de
corajoso.Hoje temos mais oportunidade possibilidades e mensagens oferecidas
de trabalho. aos adolescentes contribuem todos para
Quando foi questionada sobre a debilitar os pontos de referência sobre os
experiência da vida escolar Rafaela quais a identidade era tradicionalmente
acabou retratando mais algumas ideias construída. A possibilidade de definir
sobre o tema da sexualidade: O trauma uma biografia contínua e torna-se cada
que me lembro do período escolar é que vez mais incerta. [...] Aprendendo como
eu era muito tímida. Quando fui para empreender estas passagens – um
o oitavo ano, fui para uma sala que problema de escolha, incerteza e risco
não tinha a maioria dos meus amigos, – os adolescentes reativam no resto da
aqueles com que eu tinha estudado sociedade a memória da experiência
desde que era mais nova. Esse ano foi humana dos limites e da liberdade.
terrível. Passei o ano inteiro sem abrir a (MELUCCI, 1996, p.9-11).
boca dentro da sala de aula. Só falava
presente ou na hora do intervalo quando O discurso da jovem parece reforçar o
me reunia com os amigos de outros anos. que Passerini, (Cf. In Levi; schimitt, 1996),
Foi a primeira experiência que tive com apresenta: a ideia de reconhecimento da
meninas da minha idade que já tinham juventude como metáfora social, de um
namorado. As meninas já namoravam discurso da sociedade sobre si mesma.
e estavam interessadas nos meninos. Ou seja, a fala da jovem representa
Isso me assustava. Essa turma não um discurso da própria sociedade que
conversava sobre o assunto. vive buscando continuamente novos
Constatamos logo de inicio na fala paradigmas, novos modelos de relações,
da jovem a compreensão de uma sofrendo o vazio de valores e sentido,
condição de vida juvenil complicada. questionando-se sobre a sua história
Indica conflitos de valores entre o que existencial, a sua relação com a cultura
acredita como sendo importante e bom de consumo na sociedade industrial.
para si e o que a sociedade apresenta. Outro aspecto solicitado durante
Demonstra a visão de uma cultura juvenil a entrevista contribui para uma

96 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


contextualização do que se passa no a questão da sexualidade.
interior da vida da jovem em relação à Como situamos anteriormente sobre
questão da sexualidade. Ao questionar o contexto das novas tecnologias da
sobre como Rafaela via a questão da comunicação, outra questão abordada
sexualidade responde: na entrevista foi o relacionamento com
Acho que também é complicado. Não as redes de interação social: Como é
gosto de falar muito. Muitas das minhas a sua relação com as tecnologias da
amigas já são mães; a sexualidade está informação? A entrevistada Rafaela
muito banalizada. Prefiro não falar. responde:
As minhas amigas foram mães muito Quando eu tinha 13 ou 14 anos fiz um
jovens. Encaro com naturalidade. Mas, curso de datilografia e ter um computador
prefiro outra atitude. Eu vejo que hoje era um sonho muito distante. Fui começar
em dia o sexo está muito banalizado, a usar o computador com 18 anos, quando
tudo é permitido. Até alguns pais já estava na faculdade. Fiz um curso
cobram de seus filhos quando não têm básico, mas o que aprendi foi por conta
namorado/a como uma vizinha minha própria. Encontrei algumas dificuldades
que desconfia que sua filha seja lésbica com os programas diferentes. Mas, não
porque tem 15 anos e prefere ficar na tenho medo de aprender e de perguntar.
sua casa estudando a sair e arrumar um Recorro ao meu irmão. Mas, não desisto
namorado. Acho que pelo fato de hoje de aprender algo que não sei. Eu uso o
ser tudo normal e permitido nas relações computador três horas por dia, durante
afetivas. Uma amiga minha ia se casar a semana. No final de semana uso por
e falou: Se não der certo eu separo. mais tempo. Eu uso skype para conversar
Parece que hoje, nada mais foi feito para com a minha família que mora longe,
durar para sempre. As novelas e outros com uma amiga minha que mora fora
programas de televisão influenciam essa do Brasil, porque eu aprendo o espanhol
questão. com ela por vídeo e uso facebook para
No discurso de Rafaela sobre a postar fotos, ter contato com os amigos
questão da sexualidade podemos distantes. Tenho muitas crianças no
identificar uma concepção que se meu facebook e às vezes fico um pouco
preocupa com a banalização, ou seja, as assustada, porque vejo a criança na sala
compreensões insignificantes sobre a de aula de um jeito e depois com o que
sexualidade, os preconceitos a respeito da elas postam, algumas bobeiras, me sinto
homossexualidade feminina, a dificuldade assim assustada.
de fidelidade nos relacionamentos Podemos constatar na fala da jovem
afetivos, as relações afetivas e a gravidez a transformação social no campo das
na adolescência. Passerini (Cf. in: Levi; tecnologias da informação, no seu
schimitt, 1996) analisa as questões de período de existência. Ela nasce e cresce
gênero na sociedade americana nos em uma sociedade na qual a economia
anos 50 e constata o quanto a mulher informacional e as redes de tecnologias
americana sofria a repressão social, a começam a se popularizar na vida da
expressão da feminilidade sujeita a regras sociedade brasileira. Demonstra não
estabelecidas. E vemos concretamente possuir o domínio completo dessas redes
essa complexidade sobre a sexualidade, tecnológicas, mas procura se inteirar
especialmente para a mulher. A fala de e conhecer. Está conectada em rede,
Rafaela deixa transparecer ainda esses estabelece relações comunicacionais
mesmos conflitos da mulher com a com a família, amigos e alunos. Retrata
sexualidade, a indicação de que os meios que não compreende o universo dos
de comunicações sociais transmitem valores e as formas comunicacionais
valores ou contra valores culturais sobre transmitidas pelos seus alunos (crianças

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 97


do Ensino Fundamental) nas redes preocupado por eu agir daquela maneira.
sociais. Considera essas comunicações Nenhum professor se preocupou por
como insignificantes e às vezes com um estar escondidinha num cantinho. Não
baixo nível de valores. A possibilidade do me procuraram para saber o motivo.
uso desses meios para o aprendizado de Algumas questões da entrevista foram
uma língua estrangeira. voltadas diretamente para a identificação
Em relação ao seu futuro Rafaela das influências em relação à escolha
diz que: Na verdade eu espero que seja profissional: Como realizou a sua escolha
tranquilo, que eu esteja trabalhando, profissional? Rafaela diz:
que eu tenha a minha casa própria, Quando terminei o terceiro ano
a minha independência financeira. eu queria fazer faculdade, mas não
Também imagino poder viajar mais, para sabia direito o que queria, minha mãe
fora do Brasil e conhecer outras culturas. era professora, mas eu não queria
Mas, não consigo me imaginar casada, ser professora. Fiz um cursinho pré-
com filhos. Penso mais na questão da vestibular que tinha orientação e testes
independência. para ver qual curso tinha mais o meu
Podemos perceber a preocupação perfil. Pesquisei na internet os que mais
com o trabalho no futuro, o sonho de me interessaram. Escolhi o curso de
uma realização econômica e a conquista biblioteconomia e prestei vestibular. A
de uma independência econômica. segunda opção foi letras. Quando prestei
Apesar de Machado Pais (Cf. 2012) vestibular para biblioteconomia ainda
indicar uma completa falta de esperança não tinha certeza do que queria. Como
no futuro para os jovens, encontra-se na não abriu turma para esse curso optei por
fala da jovem uma leve incerteza sobre Letras. Gostava de português, literatura,
o futuro, mas sinaliza uma esperança poesia. Comecei a fazer o curso. Fui
de poder realizar-se no trabalho e na fazendo porque gostava, não tinha
dimensão econômica. nenhum estágio para saber o que eu
Rafaela relata sua experiência na queria; me sentia meio perdida. Fiz essa
vida escolar: Do Pré eu não me lembro escolha porque gostava, mas não me via
muita coisa. Mas, sempre fui boa aluna, trabalhando com adolescentes. Estava
esforçada e responsável. Tirava boas perdida Isso me deixava confusa e sem
notas e era elogiada nas reuniões de saber mesmo o que eu estava querendo.
pais. Sempre participei dos projetos da Tranquei a faculdade e fui para Vassouras
escola, recital de poesias. Essas coisas no período de férias. Na casa do tio, tinha
eu sempre gostei. No segundo ano do uma prima que fazia fisioterapia, fui
Ensino Médio, meu pai faleceu e mudei de conversar com ela, assisti aulas para ver
escola. Foi a melhor fase da minha vida se me interessava. Achei melhor voltar e
escolar. Foi um ano gostoso. Fiz novos esperar para ter certeza. Para não fazer
amigos, (mantenho contato até hoje) a minha mãe gastar mais. Quando voltei
tive bons professores que se tornaram arrumei um serviço perto de casa numa
grandes amigos. Não tinha vergonha escola. Eu auxiliava a professora no
de ir apresentar trabalho. A interação maternal. Era um serviço temporário, um
da sala com amizades ajuda bastante. jeito de ganhar um dinheirinho a mais
É importante o professor trabalhar com como um meio de não pedir tantas coisas
alunos tímidos. Meus anos de faculdade para minha mãe. Mas me apaixonei pelas
foram tranquilos. Também fui dedicada e crianças, pela escola e a diretora me disse
tenho ex-professores que hoje considero para fazer pedagogia que no próximo
como amigos queridos com quem ainda ano me daria uma sala de aula. A partir
mantenho contato. Acho curioso não daí não me via fazendo outra coisa que
ter tido um professor que tenha se não fosse esse trabalho. Voltei para a

98 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


faculdade e entrei no curso de Pedagogia. elas são uma forma de encarar o desafio
A busca da escolha profissional é um provimento de algum tipo de rendimento
momento árduo de incertezas em relação e a almejada independência (que
ao próprio projeto de vida profissional reencontrei nos dados da pesquisa que
que o jovem deverá realizar. A sociedade analisei). Ora, nesse sentido, transições
oferece uma grande diversidade de ocupacionais são comuns no ingresso
possibilidades de escolhas. Mas, nem ao trabalho dos jovens ou dos novos
sempre é fácil desenhar o projeto de demandantes, para trata-los de modo
vida em meio a incertezas geradas pela geral e mais adequando, como bem o
angústia de escolher a profissão com sugere, (CASTEL 2001, apud GUIMARÃES,
que mais se identifica e o pensar sobre o 2004).
próprio projeto de vida profissional.
Os jovens pobres também querem
A perspectiva temporal do adolescente ter acesso ao trabalho e não postergam
tornou-se um tema interessante de essa busca para um tempo futuro.
pesquisa, porque a biografia dos dias de Para muitos, a ocupação remunerada
hoje tornou-se menos previsível, e os é a melhor condição de criação da
projetos de vida passaram mais do que possibilidade de um tempo livre
nunca a depender da escolha autônoma mais prazeroso e do acesso ao lazer
do indivíduo. [...] Para o adolescente predominantemente mercantilizado (Cf.
moderno, por outro lado, a relativa BRENNER ET AL., 2005; apud SPOSITO;
incerteza da idade é multiplicada por CORROCHANO, 2005).A possibilidade de
outros tipos de incerteza que derivam tornar-se independente dos pais é algo
simplesmente dessa ampliação de comum entre os jovens, independente
perspectivas: a disponibilidade de do nível de escolaridade, da renda, do
possibilidades sociais, a variedade de sexo, do tipo de trabalho realizado.
cenários nos quais as escolhas podem ser Além da autonomia aparece também
situadas.(Cf. MELUCCI, 2012) a possibilidade de comprar coisas, o
trabalho como necessidade, dignidade
A constatação da procura por trabalho e realização pessoal. (Cf. CORROCHANO,
e uma pequena remuneração como 2005). Pelo relato da entrevistada
questão de foro íntimo, movida pelo identificamos que um dos elementos
desejo de ganhar certa independência, que pesou na sua decisão sobre a
o que significa, pelo menos em parte, escolha profissional está relacionado
acesso a certos itens de consumo, com a questão econômica e a decisão de
como lanches e roupas de marca. (Cf. trabalhar para ter autonomia econômica.
CARNIELLI; ALMEIDA, 2010). No processo da escolha podemos
identificar as diversas situações que
Os estudos sobre trajetórias de jovens envolvem o processo da escolha
chamam a atenção para a especificidade profissional. A minha mãe já tinha
do movimento de ingresso juvenil no vontade que eu fizesse pedagogia, só que
mercado de trabalho, ao menos no que eu não tinha interesse. Pesquisei vários
concerne às classes média e popular. cursos, conversei com as pessoas. Mas
Mecanismos informais de intermediação ela me deixou escolher sozinha. Quando
são, dentre eles, os mais poderosos decidi mesmo e decidi que ia fazer
instrumentos para dar inicio, de modo pedagogia ela me incentivou bastante.
protegido e supervisionado por redes de Ela sempre me mostrou o lado bom do
familiares, de conhecidos e de amigos, às ser professora e não me desencorajou
incursões no mercado de trabalho (Leite, como outras pessoas. Alguns me falaram
2000 e 2003, apud Guimarães, 2004); que ser professora ganha muito pouco.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 99


Constatamos a completa ausência essa oportunidade, não teria gostado
de programas organizados pelo tanto, não teria noção do que era. Mas,
poder público em relação aos ela me deixou bem à vontade.
jovens que deverão realizar uma Nesse relato, compreendemos que
escolha profissional. (Cf. SPOSITO; a experiência do trabalho, mesmo
CORROCHANO, 2005). Essa ausência de sendo uma possibilidade temporária
programas sociais que atendam a um influi significativamente na escolha
processo de desenvolvimento social profissional da jovem. Depois da
continua gerando a desigualdade social experiência de trabalho na escola
e a negação do direito à cidadania e o como auxiliar descobriu que gostou
acesso especialmente à educação.O da profissão de ser professora. Ao
jovem se sente completamente perdido, analisar a noção de trabalho, a partir
indeciso diante de um futuro incerto. do ponto de vista da história social das
Se a família não tiver condições de gerações, as autoras Canielli e Almeida
oferecer um espaço de busca pela (Cf. 2010) realizam uma pesquisa com
realização profissional, o jovem se grupos geracionais, pais, mães e filhos,
encontra totalmente sem apoio e sem mostrando as ambiguidades percebidas a
possibilidades de encontrar espaços partir do ponto de vista da história social
para uma realização profissional, para das gerações. O significado prático da
a conquista de um trabalho. Conforme noção de trabalho acompanha clivagens
afirma Corrochano (Cf. 2005) falta um geracionais que são, ao mesmo tempo,
apoio e acompanhamento do jovem na familiares e sociais. A partir da análise
construção de suas trajetórias no mundo da pesquisa podemos concluir que existe
do trabalho e no mundo da educação. uma mentalidade clara por parte da
No relato encontramos a presença e classe social popular de que o trabalho
colaboração da família e amigos para o contribui para um desenvolvimento
difícil momento de decisão sobre o futuro moral do jovem ou como cita a autora,
profissional. Os quadros de orientações uma estratégia educativa. Poderíamos
e influências ampliam-se com a busca de citar como a possibilidade de uma
informações sobre as possibilidades de experiência que auxilia o jovem na sua
cursos e exercícios da própria profissão. escolha profissional. Após a decisão de
Informações que pesquisei na internet ser professora e trabalhar na educação a
e informações sobre onde poderia entrevistada não pensa em fazer outras
trabalhar. Entrei no site da faculdade opções de escolhas profissionais. Apenas
e vi a carga horária, quais as matérias continuar o aperfeiçoamento profissional
que tinha. Quando escolhi fazer o curso na área iniciada. Ás vezes eu penso em
de Pedagogia eu tinha mais informações terminar a faculdade de letras, mas é
porque estava trabalhando na escola apenas para acrescentar com o que
com professores e colegas. Conversava eu for trabalhar com as crianças, para
com minha mãe, com a professora que eu poder fazer projetos de leitura, alguma
auxiliava. Tive mais informações quando coisa que me acrescente e ajude a
optei por pedagogia. Constatamos a melhorar, pretendo fazer pós-graduação
possibilidade de trabalhar como um direcionada à educação. Os projetos
fator quase que determinante da sua relacionados com um desenvolvimento
escolha profissional.Foi o dia a dia com profissional se restringem à perspectiva
as crianças, o carinho que sentia por elas. escolhida.
A professora com quem eu trabalhava Para concluirmos a entrevista, a
me deixava ser professora, aplicar as jovem foi questionada sobre o que
atividades. Foi essa experiência do dia aprendeu com as gerações anteriores,
a dia. Talvez se ela não tivesse me dado o que pretende transmitir e o que

100 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


não pretende passar para as gerações conSIDeraçõeS
futuras. A partir da pesquisa exploratória
No relato sobre o que aprendeu realizada, por meio da entrevista de
com a geração anterior encontramos uma jovem, podemos perceber que
claramente um aprendizado sobre os vários elementos influenciam a escolha
valores. Esses valores considerados como profissional. Alguns desses elementos
algo que são um diferencial na relação de influências identificados na pesquisa
com outras pessoas e que constituem são: A busca de informações por meio
os referenciais centrais para a própria das tecnologias da informação e a sua
conduta. Eu aprendi a ser como sou hoje. utilização, o diálogo com a família e
Percebo que tenho valores que outras a orientação familiar, conversas com
pessoas não têm. Aprendi com minha amigos, a experiência de trabalho como
família valores como o respeito, ser feliz um fator que pode auxiliar e influenciar
com o que somos e não com o que temos. significativamente na escolha.
Converso muito com minha vó, minha Identificamos a ausência de políticas
mãe. A minha mãe sempre me dizia que públicas e de ações educativas na
tudo tem seu tempo, que deveria ser orientação profissional da jovem
criança. Percebo que as minhas atitudes entrevistada. A jovem teve oportunidade
refletem o que aprendi com eles. de alguma orientação formal, mas não
A entrevistada pretende transmitir foi suficientemente significativa a ponto
o que aprendeu: Procuro mostrar para de ser um auxilio para sua decisão.
os meus alunos o valor da amizade, o A experiência de trabalho foi um fator
respeito com as pessoas, a educação, evidente que contribuiu para a escolha
coisas simples como dizer obrigada, profissional da entrevistada. Essa
pedir licença. Pequenas coisas. Digo experiência poderia ser um caminho
para minha mãe que quero ensinar pelo alternativo para as organizações públicas
menos a metade do que ela me ensinou. e instituições educativas pensarem
Pretendo passar o que aprendi com na possibilidade de experiências de
exemplos. atividades práticas para que os jovens
A entrevistada não pretende possam amadurecer a sua escolha
transmitir para as próximas gerações profissional.
as experiências negativas que teve.
Acho que das coisas que vivi e que não referêncIaS
pretendo transmitir é que meu pai era AVERBUG, André. Abertura e Integração
muito explosivo. Achava que as coisas Comercial Brasileira. Disponível em: http://
deveriam ser resolvidas com gritos etc. www.bndespar.com.br/siteBNDES/export/
Acredito que se deve respeitar e resolver sites/.../eco90_02.pdf, acesso, outubro de
pelo próprio respeito e não pelo medo. 2012.
Odeio esse ditado: Faça o que mando, CAMPOS, Antonio Carlos et alii; O Brasil no
mas não faça o que eu falo. Educamos contexto mundial da inovação tecnológica.
pelo exemplo. Então, procuro ser calma. Pesquisa e Debate, SP, Volume 20, n. 1 (35) p.
Se tiver filhos pretendo não bater, não 73-96, 2009.
gritar. Acabamos traumatizando as CASTELLS, MANUEL. A Sociedade em rede. 6ª
crianças. Não pretendo transmitir uma Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
educação autoritária.O que foi marcado CORROCHANO, Maria Carla. Entrevista:
negativamente torna-se uma experiência Trabalho e juventude. Cadernos de Psicologia
de vida e que não fará parte do que será Social do Trabalho, 2005, vol. 8, p. 99-104.
transmitido. CUORE, Pina Del. Identitá e alterità. Rivista di
Scienze dell´Educazione. Roma, n. 38, p. 201-
234. 2000.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 101


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102 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


o uSo Do celular como ferramenta
eDucatIVa : u ma ProDução auDIoVISual
DIego De magalhãeS Barreto
reSumo
Nos dias de hoje, educadores precisam-se adequar à realidade e utilizar as tecnologias
(como inovação) em sala de aula. Um dos aparelhos que pode auxiliar nas atividades é
o celular. Assim, o objetivo deste estudo é discutir o uso do aparelho celular como uma
ferramenta educativa, principalmente, como um instrumento de produção audiovisual.

PalaVraS-chaVe
Celular; Ferramenta educativa; Produção audiovisual.

aBStract
Today, educators need to adapt to reality and use technologies (innovation) in the
classroom. One of the devices that can assist in the activities is the cell. The objective of
this study is to discuss the use of the mobile device as an educational tool, particularly
as an audiovisual production tool.

KeYWorDS
Phones; Educational Tool; Audio-Visual Production.

IntroDução Assim, o objetivo deste estudo


O mundo contemporâneo atravessa é discutir o uso do aparelho celular
inúmeras modificações econômicas, como uma ferramenta educativa,
sociais, políticas, culturais e educacionais. principalmente, como um instrumento
No âmbito escolar, as mudanças de produção audiovisual.
chegaram há alguns anos, mas ainda
estamos nos adaptando a elas. Em meio ProDução auDIoVISual
a essa mudança, contamos, nos dias Os produtos audiovisuais,
atuais, com as novas tecnologias. independentemente do local da sua
Dentre as inúmeras possibilidades e veiculação, necessitam de planejamento.
recursos, temos o celular, um aparelho Desta forma, esse processo pode dividir-
com diversas funções, e que pode vir a se em três estágios: pré-produção,
ser utilizado em sala de aula como uma produção e pós-produção.
ferramenta pedagógica. Entretanto, no A pré-produção é a fase inicial
Estado de São Paulo, conforme consta da criação do vídeo, em que, além
no Decreto nº 52.625, de 15 de janeiro de escrever a ideia inicial e todos os
de 2008, determina-se a proibição do detalhes do vídeo, deve-se preparar todo
uso do celular pelos alunos das escolas o material para que possa ser colocado
do sistema estadual de ensino durante o em prática. De acordo com Lucena
horário das aulas. (Cf. 2012), é neste estágio que toda

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 103


pesquisa é realizada, servindo assim Encabeçadas pelas funções de agenda nos
como fundamentação de ideias para o celulares, que se mostraram tão práticas
desenvolvimento de um roteiro claro e a ponto de fazer que muitas pessoas
bem definido acerca de seus objetivos e abandonassem o hábito de decorar
de seu público-alvo. números telefônicos, as funcionalidades
Na segunda fase, a de produção, é que logo se diversificaram: vieram as
acontecem as gravações e as captações mensagens instantâneas, as câmeras
de imagens, seguindo o que foi descrito fotográficas incorporadas, os tocadores
no roteiro. de mp3, os filmes (DANTAS, 2009, p. 5).

Quando você filma/grava, você usa ação, E com o surgimento deste aparelho,
iluminação, ângulos, enquadramento e popularizou-se a expressão convergência
movimentos de câmeras para reduzir a digital, que Edmundo Brandão Dantas (Cf.
ambiguidade – se as imagens não fossem 2009, p.5), define como [...] a tendência
ambíguas você filmaria/gravaria tudo em de unificar vários produtos/serviços
plano geral. Quando edita, você deve de tecnologia numa só plataforma ou
montar as imagens para fazer o máximo de produto, de modo a simplificar a vida do
sentido possível; e quando tiver contado usuário.
o máximo da história que conseguiu com Milhares de utilidades em um único
imagens, você envia a mensagem com aparelho: tirar fotos, fazer vídeos,
som. O som é o equivalente em televisão ouvir músicas, assistir filmes, transferir
à etiqueta do quadro, à identificação arquivos e dados, acessar a Internet,
do cartão-postal e a legenda do jornal enviar e receber e-mails, fazer transações
(WATTS, 1999, p.90). bancárias, instalar aplicativos para
acessar as redes sociais, entre outros.
A combinação de planos e
enquadramentos cria a movimentação Com essa verdadeira mudança de
que faz com que a imagem ganhe vida paradigma, fica difícil imaginar algum uso
na tela e deixe de ser apenas o registro digital que não esteja já incorporado ao
de uma situação e adquira características celular, ou que não esteja em vias de ser
criativas e artísticas. integrado. Carregar vários apetrechos e
Por fim, na pós-produção, o material dentre eles o celular é algo cada vez mais
gravado passa por análise e edição final: inusitado. Já há quem tenha substituído o
nela ocorrem a montagem das imagens, relógio de pulso pelo celular, receba seus
a inserção da trilha sonora e dos efeitos e-mails onde estiver, tire e envie fotos,
especiais. Essa fase é imprescindível para armazene músicas preferidas, utilize
prender a atenção do espectador. o celular como despertador e agenda
Para Lucena (Cf. 2012), a tecnologia eletrônica, sincronizada à agenda de
digital conta hoje com câmeras fáceis de uma secretária. O segredo está em tirar
operar, que oferecem recursos variados, o máximo de proveito desses aparelhos,
como é o caso do aparelho celular. como forma de melhorar ao máximo o dia-
a-dia. Esse é apenas o início de utilização
celular muito mais intensa do que a que se faz
O aparelho celular foi inventado hoje. Já é possível fazer pagamentos
para a comunicação bidirecional por meio do celular, o que torna várias
com mobilidade. Entretanto, outras transações comerciais mais seguras (uma
funcionalidades vieram acopladas ao vez que são gravadas, criptografadas e
aparelho e evoluindo com o avanço da não exigem que se ande com dinheiro
tecnologia. no bolso). Os celulares também podem

104 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


ser utilizados para localização de carros uma pesquisa.
e até de pessoas, com a incorporação de O uso da câmera, do mesmo modo,
softwares que permitem o rastreamento pode ser de grande importância para
de cada aparelho e a respectiva localização a adaptação de contos, textos, filmes,
georeferenciada. É possível também documentários entre outras atividades.
realizar exames de eletrocardiogramas
simplificados transmitidos pelo celular, A câmera, em arte como uma forma
o que melhora a qualidade de vida de de registrar as cenas de um teatro, por
pessoas que necessitem de cuidados exemplo, e mandar para o blog da escola
de cardiologista, mas que residam em direto do celular, a filmadora também
regiões mais afastadas (DANTAS, 2009, poderá ser bem útil a filmar as cenas
p.5-6). de cada personagem, assim como o
gravador que pode auxiliar nos ensaios
As mudanças chegaram há alguns da fala de cada pessoa em seu papel
anos, mas ainda estamos nos adaptando de personagem. A filmadora também
a elas, não só na vida social como pode ser usada na aula de português,
também na escolar. em trabalhos que pedem para o aluno
entrevistar uma pessoa, e o gravador
o uSo Do celular como ferramenta eDucatIVa como uma maneira de corrigir o próprio
No século XXI, com avanços modo de se falar, como uma autoajuda
tecnológicos significativos, em particular para si mesmo melhora a fala em
a disseminação da Internet, a escola tem relação à linguagem correta. (BENTO e
como desafio formar cidadãos críticos CAVALCANTE, 2013, p.114).
que saibam transformar informação em
conhecimento básico.
Segundo Martha Gabriel, Assim, são várias atividades que
podem ser desenvolvidas com o aluno
[...] a principal função do professor é em parceria com o professor. Entretanto,
de provedor de conteúdo, no cenário fazemos a ressalva de que o papel do
tecnológico atual [...] o professor, professor está não só em inserir o aluno
que antes funcionava como um filtro nessa nova tecnologia, mas também em
de conteúdo, passa a ter um valor propiciar situações em que ele trabalhe
essencial como interface, para auxiliar com o diferente, como afirma Gabriel
na navegação de informações. (GABRIEL,
2013, p.104). [...] temos que reconhecer que a maior
parte do aprendizado acontece em
Desta forma, as tecnologias grupos e que a colaboração é o caminho
educacionais têm como papel auxiliar do crescimento, [...], é necessário que os
o processo de ensino-aprendizado, hábitos das instituições se adaptem aos
promovendo uma aprendizagem crítica e habitats que elas ocupam.
significativa. [...] Dessa forma, os conteúdos
Dentre as inúmeras ferramentas educacionais precisam ser pensados
que podem ser utilizadas em sala de nesse novo modelo que favoreça e
aula, destaca-se o celular. Ele pode atenda mais as necessidades específicas
ser usado de várias formas como em de cada aluno do que a padronização
pesquisas rápidas pela Internet, em que era característica dos modelos
aplicativos específicos como tradutores, predominantemente passivos (GABRIEL,
calculadoras e agenda, e também para 2013, p.101-03).
compartilhar em redes sociais dados de

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 105


conSIDeraçõeS fInaIS do informal; provê avaliação e feedback
Considera-se que, com a produção imediatos; facilita o aprendizado
de vídeos (adaptados) de outros textos personalizado; melhora a aprendizagem
(como contos) com o uso do celular, contínua; melhora a comunicação;
haja o enriquecimento do conteúdo e maximiza a relação custo-benefício da
possibilite a realização da atividade sem educação. (VIVIAN E PAULY, 2012, p. 5).
dificuldade por parte dos alunos. Desta
forma, a atividade passa a ser significativa referêncIaS
e, de acordo com Vygotsky (2004, p.171), BENTO, Maria Cristina Marcelino;
não sendo um conhecimento inútil. Diz o CAVALCANTE, Rafaela dos Santos Tecnologias
pensador russo: móveis em educação: o uso do celular na
sala de aula. ECCOM, v.4, n.7, jan./jun. 2013,
Se eu conservo na memória milhares de p.113-120.
conhecimentos úteis mas não posso usá- DANTAS, Edmundo Brandão. Mídia
los no momento necessário e adequado, eletrônica, novas mídias e sustentabilidade.
tais conhecimentos serão em mim um 2009. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.
peso pesado. (VGGOSTSKY, 2004, p. 171). pt/pag/dantas-edmundo-midia-electronica-
novas-midias-sustentabilidade.pdf>. Acesso
Além disto, corrobora-se com Vivian em: 14 jul. 2015.
e Pauly que apontam alguns motivos GABRIEL, Martha. Educar: a (r) evolução
anotados pela Organização das Nações digital na educação. São Paulo: Saraiva, 2013.
Unidas para a Educação, a Ciência e a LUCENA, Luís Carlos. Como fazer
Cultura (UNESCO) para a valorização do documentários: conceito, linguagem e prática
uso dos celulares com um recurso na sala de produção. São Paulo: Summus, 2012.
de aula: VYGOTSKY, Lev Semenovich. Psicologia
pedagógica. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes,
Amplia o alcance e a equidade em 2004.
educação; melhora a educação em áreas VIVIAN, Caroline Deprá; PAULY, Evaldo Luis. O
de conflito ou que sofreram desastres uso do celular como recurso pedagógico na
naturais; assiste alunos com deficiência; construção de um documentário intitulado:
otimiza o tempo na sala de aula; permite Fala sério!. Colabor@ – Revista Digital da
que se aprenda em qualquer hora e CVA – Ricesu, v.7, n.27, fev. 2012.
lugar; constrói novas comunidades de WATTS, Harris. Direção de Câmera: um
aprendizado; dá suporte a aprendizagem manual de técnicas de vídeo e cinema. São
in loco; aproxima o aprendizado formal Paulo: Summus, 1999.

106 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


oS quatro elementoS Da natureza:
a eDucação Do SenSíVel como PreSença na
formação PercePtIVa DaS crIançaS
ana letícIa PeneDo
reSumo
Relato de práticas realizadas com crianças na educação formal e não formal. A
produção do homem e sua relação com a natureza, vista a partir do entendimento do
mundo como uma unidade composta por quatro elementos essenciais. Os conteúdos
de Arte organizados a partir de um fio condutor composto por estes elementos: água,
fogo, ar e terra.

PalaVraS-chaVe
Educação do sensível; Espiritualidade; Tradição; Temperamentos; Antroposofia;
Símbolos; Elementos da natureza

aBStract
Report of the practices performed with children in formal and non-formal
education. The production of man and his relationship with nature, examined from
the understanding of the world as a unit consisting of four essential elements. The art
content organized from a thread consists of these elements: water, fire, air and earth.

KeYWorDS
Sensitive education; Spirituality; Tradition; Temperaments; Anthroposophy;
Symbols; Elements of nature.

IntroDução e Educação na ECA/USP. Mas foi, sem


O trabalho apresentado é o relato de dúvida, o contato direto com as crianças
uma relação construída ao longo de anos durante tanto tempo, o que fez brotar
com as crianças. Em 1982, ao concluir a as verdadeiras reflexões, as dúvidas e as
Faculdade de Comunicação, preferi abrir mudanças de paradigmas com relação à
uma escola de arte para crianças. Filha educação do sensível.
de artista e autodidata em arte, troquei a Aos poucos, comecei a perceber nas
publicidade pela aventura da educação, crianças pequenas que entravam na
movida por uma pergunta que até hoje escola, uma espécie de agitação diferente.
me intriga: arte se ensina? Mostravam, com seu desassossego, as
Durante o percurso de formação grandes transformações que sofremos
profissional frequentei, e ainda nos últimos anos.
frequento, os mais variados lugares. Da
antiga Escolinha de Arte do Brasil no Como conseguir “montar” um quebra
Rio, ao curso de pós-graduação em Arte cabeça em forma de um indivíduo inteiro,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 107


num mundo que valoriza a pressa, a universalidade. Expressa, ao mesmo
falta de contato consigo próprio e com tempo, o concreto, o visível, o aparente, o
os outros, dando pouca importância aos criado, ao contrário do número três, que
ritmos biológicos próprios ou da natureza, espelha o transcendental, o espiritual,
supervalorizando o intelecto e o poder? o abstrato, o divino. Nas palavras de
Platão: “O ternário é o número das
Vivemos numa época que apesar ideias; o quaternário, o da realização das
dos avanços tecnológicos e científicos ideias”. Esta concepção parece radicar-
menospreza o que nossos antepassados se no inconsciente coletivo, porquanto
nos ensinaram, o que os mitos o mesmo simbolismo aparece em todas
nos contaram e o resultado é um as civilizações, inclusive entre povos
desenraizamento conosco próprio e com indígenas e tribos africanas. (REZENDE,
a terra. Onde nos perdemos? As crianças 2009, p, 49).
são certamente os sinalizadores de
um caminho! (PEREIRA, Maria Amelia, Mais do que símbolos ou conceitos
entrevista 2006). abstratos, os quatro elementos referem-
Junto com a inquietação das crianças, se às forças vitais que se manifestam em
brotaram as perguntas e a necessidade toda a criação e que podem ser perce-
de uma reflexão mais cuidadosa para as bidas pelo sentido físico. Constituem a
questões diárias. Foi neste movimento base da astrologia e de todas as ciências
de busca que acabei encontrando os ocultas e abrangem também tudo aquilo
elementos essenciais desta pesquisa a que percebemos com o olhar, tudo aquilo
partir de cursos como a Arte do Brincante que experimentamos. A terra é sólida, a
para Educadores, no Instituto Brincante água é líquida, o ar é gasoso e o fogo é
e, um pouco mais tarde, o Seminário plasma ou energia irradiada e, portanto,
para professores Waldorf, na escola concluímos que a mistura desses elemen-
Rudolf Steiner. tos compõem tudo o que nos cerca.
Acredito que o depoimento do A medicina antiga já se baseava
percurso descrito acima, feito para chegar nestes quatro elementos para classificar
à pesquisa, possa ser um facilitador os tipos humanos, associando-lhes
para o entendimento das questões certas doenças ou predisposições físicas
abordadas. A prática em sala de aula e mentais. Por essa razão, a importância
viveu uma grande transformação. O foco do elemento ao qual alguém pertence
do trabalho com as crianças passou a ser, determina também sua manifestação
não só o ensino da arte, mas a criação de psicológica e energética.
uma relação com o sensível, o estar no Muitas culturas incluem os elementos
mundo de forma mais integrada com o nas suas tradições filosóficas, religiosas
espaço do sagrado da infância. ou mitológicas. No Tibete, por exemplo,
O trabalho apresentado, as construções chamadas de estupas,
desenvolvido há vários anos em sala de são gigantescos símbolos da estrutura
aula com as crianças do 3º ano do ensino da criação. Sua base é um grande cubo
fundamental1, ganhou um novo sentido representando a terra, sobre o qual
no Festival de Arte Serrinha2, com o repousa uma esfera que representa a
ateliê das crianças. água. No alto da esfera há uma estrutura
semelhante a uma espiral simbolizando
oS quatro elementoS e aS traDIçõeS o elemento fogo. Bem no topo há uma
meia-lua representando o ar e sobre
Desde a Antiguidade e em várias a qual existe uma pequena esfera
civilizações, o número quatro tem um indicando o éter, que para os tibetanos
simbolismo especial: o da plenitude, é a força primária da qual emanam todas
da totalidade, da abrangência, da as outras. A estupa representa o alicerce

108 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


básico da cosmologia tibetana, portanto, em sinal de gratidão, pois foram eles os
os elementos eram considerados como artesãos modeladores e moldes do tecido
as energias fundamentais do Cosmos. chamado corpo, feito de fios perfeitos da
Nas bandeiras tibetanas de oração terra, água, fogo e ar, entrelaçando-os
também aparecem os quatro elementos, em sete níveis do tom que somos,
acrescidos de mais um que representa assentando o organismo, os sentimentos,
o espaço, o céu. Funcionam como uma as sensações e os pensamentos que
forma de medicina, um apelo silencioso comportam um Ser, parte da Grande
ao que temos em nós. A cor azul Música Divina. (1998, p.14).
simboliza o espaço, o céu; a branca, o ar,
as nuvens; a vermelha, o fogo; a verde, a Ainda sobre a relação dos povos
água, a natureza e a amarela, a terra. Na indígenas com o equilíbrio entre o corpo
tradição, as bandeiras são penduradas e a alma, JECUPÉ esclarece:
ao ar livre, deixando que o vento leve
as orações para os espaços sagrados, Os povos indígenas brasileiros, mais
representam boa sorte, energia de vida precisamente os Tupinambá e os Tupy-
e desejos de realizações. Guarani, descendem de ancestrais
Na cultura da Índia, encontramos chamados pelos antigos de Tubuguaçu,
uma visão parecida para os elementos, que detinham uma certa sabedoria da
presente nas escrituras sagradas do alma, ou seja, do ayvu, o corpo-som
Bhagavad Gita e nas bases filosóficas do Ser. A partir dessa sabedoria ligada
da medicina Ayurvédica. O conceito dos à ciência do sagrado, desenvolveram
elementos também aparece na medicina técnicas – na verdade, intuíram técnicas
chinesa, a Acupuntura. – de afinar o corpo físico com a mente
Há também referências aos elementos e o espírito. [...] entendem o espírito
na antiga filosofia grega, na teoria como música, uma fala sagrada [...]
renascentista dos quatro humores que se expressa no corpo; este, por sua
e dos temperamentos humanos, na vez, é flauta [...] veículo por onde flui o
tradição zen-budista e na cosmogonia canto que expressa o Avá (o ser-luz-som-
suméria. Em todas elas, os elementos música) que tem sua moradano coração.
são considerados, não como símbolos Essa flauta é feita da urdidura de quatro
ou conceitos abstratos, mas como as angás-mirins (pequenas almas), que
energias fundamentais do Cosmos: as fazem parte dos quatro elementos:
forças vitais que compõem toda a criação. terra, fogo, água e ar. Eles precisam estar
Cada elemento representa um tipo afinados [...] por isso fez-se o Jeroky,
básico de energia e consciência, operando a dança, com o fim de afinar todos os
em cada um de nós. Correspondem às espíritos pequenos do ser. (1998, p.14).
necessidades básicas: alimento (terra),
ar, água e calor (fogo).
Na Grécia Antiga, os elementos oS temPeramentoS
correspondiam naturalmente às
capacidades do Homem: física (terra), A teoria clássica dos temperamentos
intelectual (ar), estética ou emocional foi formulada por médicos gregos,
(água) e moral ou espiritual (fogo). contemporâneos de Platão e Aristóteles,
Na tradição dos povos indígenas também ligados à teoria dos quatro
brasileiros também encontramos uma elementos. Hipócrates, o pai da medicina
relação direta com os elementos da antiga, afirmou que havia quatro
natureza, como escreveu JECUPÉ: temperamentos básicos do ser humano,
de acordo com a predominância de um
É da natureza do índio reverenciar os dos quatro humores. De acordo com
ancestrais, os antepassados. Faz isso REZENDE:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 109


O conceito de humor (khymós, em
grego), na escola hipocrática, era de O estado de saúde dependeria da
uma substância existente no organismo, mistura equilibrada dos quatro humores,
necessária à manutenção da vida e que poderiam alterar-se por ação de
da saúde. Inicialmente, fala-se em causas externas ou internas.
número indeterminado de humores. Na Europa da Idade Média e da
Posteriormente, verifica-se a tendência Renascença, desenvolveu-se a teoria dos
de simplificação, reduzindo-se o número quatro elementos, conectando-a com os
de humores para quatro, com seu quatro temperamentos básicos conforme
simbolismo totalizador: o sangue, a os ensinamentos de Hipócrates. Citando
fleuma, a bile amarela e a bile negra. novamente REZENDE:
(2009, p. 50).
Segundo a doutrina dos quatro humores,
o sangue é armazenado no fígado e
Assim, os temperamentos estariam levado ao coração, onde se aquece, sendo
diretamente ligados aos humores: o considerado quente e úmido; a fleuma,
sanguíneo, devido ao sangue; o bilioso que compreende todas as secreções
ou colérico, devido à bile amarela; o mucosas, provém do cérebro e é fria e
fleumático ou linfático, devido à fleuma úmida por natureza; a bile amarela é
ou pituita (isto é, os mucos e líquidos secretada pelo fígado e é quente e seca,
incolores como a linfa); o melancólico enquanto a bile negra é produzida no
ou nervoso, devido à bile negra (humor baço e no estômago e é de natureza fria
aparentemente imaginário). e seca.
A doutrina dos quatro humores encaixava-
Tabela 1 se perfeitamente na concepção filosófica
da estrutura do universo. Estabeleceu-se
Fleumático Colérico uma correspondência entre os quatro
(linfa ou fleuma) (bile amarela) humores com os quatro elementos
(terra, ar, fogo e água), com as quatro
Sanguíneo Melancólico qualidades (frio, quente, seco e úmido) e
(sangue) (bile negra) com as quatro estações do ano (inverno,
primavera, verão e outono). (2009, p. 5).
Fonte: dados organizados pela autora a partir
do texto

Tabela 2

Quatro Quatro Quatro Época ideal para


Estações do ano
Temperamentos Elementos Qualidades o trabalho

Melancólico Terra Frio e seco Outono Primavera

Fleumático Água Frio e úmido Inverno Verão

Quente e
Sanguíneo Ar Primavera Outono
úmido

Colérico Fogo Quente e seco Verão Inverno


Fonte: esquema organizado pela autora a partir do texto

110 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


oS temPeramentoS na antroPoSofIa concentração;
O filósofo, educador e artista Rudolf -a de temperamento melancólico
Steiner (1861-1925) criou uma linha de apresenta uma relação oposta com o
pensamento que enfoca o homem além corpo, parece carregar um fardo, não
de seu aspecto material. A Antroposofia, consegue fazer uso do próprio corpo
uma concepção filosófica que aborda o e cria um mundo imaginário em que
conhecimento do ser humano aliando fé gosta de se isolar, está relacionada ao
e ciência, defende a ideia da constituição elemento terra;
quaternária do homem, caracterizada -a fleumática tende a permanecer
pela presença de um corpo físico, um acomodada, sem interesse pelo que
corpo etérico, um corpo astral e um eu. acontece ao redor, apresenta uma
preponderância às características fluidas
do elemento água;
A ciência moderna, materialista, -a colérica é aquela que tenta se
mecanicista e, na medida do possível, impor em todas as ocasiões, é estourada,
‘exata’, procura enquadrar o ser humano ligada ao elemento fogo.
num sistema de regras e interpretá-lo É importante deixar claro que é
aplicando-lhe leis vigentes na química, na raro encontrar uma pessoa com um
física, na biologia, na psicologia animal. determinado temperamento de forma
[...] A Antroposofia enfoca o ser humano pura. Em geral, coexistem numa mesma
sob um ângulo mais amplo, embora personalidade traços de dois ou mais
seu raciocínio e seus métodos não temperamentos. O conhecimento de
deixem de ter o mesmo rigor científico. cada um ajuda o professor a compreender
Procurando entender a entidade os alunos e seu comportamento, além de
humana, constataremos, à primeira indicar diferentes formas de atuação em
observação, que seu corpo é constituído sua relação com cada um deles. LANZ,
pelas substâncias ou elementos químicos esclarece:
que também formam o mundo ao nosso
redor. O mesmo carbono, oxigênio, cálcio, Um dos meios recomendados por Rudolf
ferro etc.. acham-se na constituição de Steiner consiste em agrupar os alunos na
ambos. (LANZ, 1998, p. 15). sala de aula conforme os temperamentos,
sentando-os juntos. Desse modo os
Steiner combateu a Educação sanguíneos, por exemplo ficariam mais
massificada, valorizando as calmos, cansando-se mutuamente
características individuais. Adotou o com sua turbulência; e os fleumáticos,
conceito de quatro temperamentos exasperados pela indolência de seus
básicos, descritos inicialmente por respectivos vizinhos, ficariam mais
Hipócrates (460-377 a. C.), para explicar ‘nervosos’ dentro de suas possibilidades.
por que crianças em estágios similares (1998, p. 74).
de desenvolvimento reagem a estímulos
de formas diferentes. Defendeu a ideia A medicina antroposófica, assim
de que os temperamentos devem ser como a pedagogia, trabalha com a
considerados quando se planeja a forma ideia de que, conhecendo mais sobre
de transmitir o conhecimento. cada temperamento predominante, é
Na sua concepção, os temperamentos possível equilibrar-se e entender melhor
podem ser descritos com as seguintes o outro. Como vimos, o temperamento é
caracterizações: uma qualidade interna característica de
- a criança sanguínea, também cada pessoa e pode ser relacionado aos
chamada de aérea, parece ter o corpo quatro elementos da natureza:
leve e ágil, acima do chão, de um modo
geral apresenta pouca capacidade de

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 111


Tabela 3

Temperamentos Elementos Formas de Relação dos temperamentos com


manifestação o corpo

Melancólicos Terra frio e seco corpo físico

corpo emocional ou
Fleumáticos Água frio e úmido astralsistemaglandular

corpo mental
Sanguíneos Ar quente e úmido sistema nervoso

corpo vital ou etérico sangue


Coléricos Fogo quente e seco

Fonte: esquema organizado pela autora a partir do texto

Apesar de todos apresentarem e a comunicação entre as pessoas.


um pouco dos quatro tipos, em cada Para Jung, a Teoria dos Quatro
indivíduo prevalece um temperamento Elementos é uma metáfora alquímica
diferente. É esse ‘tempero’ que influencia para explicar o processo de formação e de
as formas de como o indivíduo reage integração da psique humana.Ele aplica
perante os outros e o mundo. O tipo a sabedoria milenar dos alquimistas ao
de temperamento interfere em tudo o processo de formação da identidade,
que o indivíduo faz, desde seus hábitos, fugindo da visão meramente cientificista.
do sono, até sua alimentação. O que se A alquimia, que vem do antigo Egito,
espera é que, com o passar dos anos, contém ensinamentos práticos e teóricos
esses elementos consigam entrar em de transformação e aperfeiçoamento da
harmonia. matéria.
Com relação à aparência física, os De acordo com sua teoria, o
quatro temperamentos costumam se consciente conhece quatro modos
manifestar nas pessoas da seguinte essenciais de percepção, isto é, funções
forma: que se expressam de maneira diferente,
-os melancólicos geralmente são com mais ou menos força, em cada
pessoas altas e encurvadas, indivíduo: a função do pensamento,
-os fleumáticos indivíduos médios e que ele relaciona com o ar; a função do
roliços, sentimento, ligada à água; a da sensação,
-os sanguíneos proporcionais em com a terra e a da intuição, com o fogo.
peso e estatura, Cada função pode ser vivida tanto
-os coléricos, pessoas baixas e de uma maneira introvertida quanto
compactas. extrovertida. Para o indivíduo, uma
combinação das quatro funções resulta
em uma abordagem equilibrada do
oS quatro elementoS e aS funçõeS PSíquIcaS mundo:
- uma função que nos assegure de
Carl Gustav Jung (1875-1961), que algo está aqui (sensação);
um dos autores que mais estudou a - uma segunda função que estabeleça
personalidade humana, pesquisou as o que é (pensamento);
relações do homem com o mundo externo - uma terceira função que declare

112 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


se isto nos é ou não apropriado, se
queremos aceitá-lo ou não (sentimento); A sensação constata a presença das
- e uma quarta função que indique de coisas que nos cercam e é responsável
onde isto veio e para onde vai (intuição). pela adaptação do indivíduo à realidade
Entretanto, ninguém desenvolve objetiva. O pensamento esclarece
igualmente bem todas as quatro o que significam os objetos. Julga,
funções. Cada pessoa tem uma função classifica, discrimina uma coisa da
fortemente dominante, e uma função outra. O sentimento faz a estimativa dos
auxiliar parcialmente desenvolvida. objetos. Decide do valor que têm para
Assim, podemos entender cada nós. Estabelece julgamentos, mas a sua
modo de percepção, relacionado com o lógica é toda diferente. É a lógica do
elemento correspondente: coração. A intuição é uma percepção via
inconsciente. É apreensão da atmosfera
Tabela 4 onde se movem os objetos, de onde
Modo de percepção Elementos vêm e qual o possível curso de seu
sensação terra desenvolvimento. (SILVEIRA, 1994, p.55)
pensamento ar
sentimento água A partir dos conceitos trabalhados,
intuição fogo podemos estabelecer uma relação entre
os elementos da natureza e as teorias
Fonte: esquema organizado pela autora a abordadas, como mostra a tabela 5.
partir do texto acima
Tabela 5:
POVOS INDÍGENAS STEINER
ELEMENTOS DA JUNG CORPO/MENTE/ (DESENVOLVIMENTO DA
NATUREZA ESPÍRITO CRIANÇA-SETÊNIOS)
Materialidade Vitalidade física Corpo físico (nascimento)
Contato com o (base da coluna Alimentação, metabolismo,
TERRA outro Bater o pé direito) sono
Corpo etérico (até 7 anos)
Vontade
Permeável às influências do
Sensibilidade Vitalidade emocional mundo externo, força vital,
ÁGUA afetividade (umbigo) troca dos dentes, memória e
Dançar solta as más raciocínio
águas Escolaridade 7 anos
Sentimento Corpo astral (de7 a 14 anos)
(coração) Sentimento
AR Intuição União das partes Fantasia/emotividade
Internas/externas Ceu/ Puberdade (14 anos)
terra
Pensamento Eu (de 14 a 21 anos)
(psíquico) Pensamento
FOGO Pensamento Plexo (vasos e nervos) Busca do ideal
pequeno sol do ser Maioridade (21 anos)

Fonte: resumo esquemático organizado pela autora a partir dos conceitos descritos no texto

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 113


a teorIa na PrátIca A água acolhe e dissolve o que está
A partir do suporte teórico rígido. Está ligada ao emocional, ao
apresentado, foi desenvolvida uma afetivo, à sensibilidade e à memória. É
metodologia de trabalho com o objetivo o tom da vitalidade emocional. Quando
de harmonizar cada elemento e está em seu fluxo natural, manifesta
aprofundar a relação com a educação do o bem estar emocional e estimula a
sensível. criatividade. A fluidez da água geralmente
O trabalho com os materiais, as está relacionada com a lua, com o sono,
histórias e as imagens estimulam com o que está no fundo, o querer. A
diferentes formas de expressão. Ao umidade é o caminho do feminino, o
lado das histórias, as obras dos artistas poder criador universal. A relação da
alimentam a prática diária e estimulam serpente com o rio aparece como símbolo
conversas animadas sobre arte e universal na origem de muitas mitologias.
os materiais usados para fazer arte. Para os sumérios, antiga civilização da
Enfocando a relação com a natureza, em Mesopotâmia, a imagem do rio era ligada
busca de uma educação mais consciente à serpente. Para os gregos, também o
em que tudo faz parte do todo, a oceano está relacionado com a imagem
espiritualidade e o respeito com o que do rio-serpente, representado como um
nos cerca. titã, que cercava e envolvia a terra.
Contar histórias, ouvir música, olhar A imagem do fogo está ligada à
a natureza, contemplar uma imagem iluminação, à presença consciente.
e brincar são fios da mesma trama Geralmente está relacionado com o sol,
tecida com as crianças. Reafirmam a a vigília, o pensar. Vimos que na tipologia
importância de trabalhar e assumir psicológica de Jung, o fogo corresponde
uma postura comprometida com uma à função da intuição, a uma maneira de
Educação Sensível. conhecer, ver e penetrar a realidade.
É pela intuição que nos aproximamos
da essência de uma situação, das suas
possibilidades, do seu significado num
contexto mais amplo. Intuir é um
processo criativo. É o pensamento que
não é da razão. Na mitologia Héstia
representa a chama da vida, em grego
significa passar pelo fogo ou consumir.
A figura mítica representa tanto uma
presença espiritual, como um fogo
sagrado que proporcionava iluminação,
calor e aquecimento para o alimento.
Héstia era a única a ser cultuada em
todas as casas e em todos os templos.
Nenhum lar e nenhum templo ficava
santificado sem a sua presença. É o fogo
Fonte: Princípio norteador do trabalho da que desenvolve os afetos e cria vínculos.
autora Na tradição dos povos mais antigos
o ar aparece como a união do ceu com
a terra, das partes interna e externa do
A relação com os mitos e a força ser. Geralmente está relacionado com o
simbólica de cada elemento passaram a sonho, a ancestralidade. JECUPÉ, afirma:
fazer sentido e a fundamentar a prática,
criando diferentes relações com o O sonho na tradição dos índios brasileiros
universo da criança. é um momento sagrado em que o

114 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


espírito está livre, em que ele realiza da identidade da criança, iniciado no
várias tarefas: purifica o corpo físico, sua ano anterior, e vai além, englobando
morada; viaja até o mundo ancestral; voa a percepção e a relação sensível com o
pela aldeia; e às vezes vai até as margens mundo que a cerca.
do futuro, assim como caminha pelas O conteúdo de Arte passa a ser
trilhas do passado. (1998, p. 56). desenvolvido ao longo do 3º ano, a
partir de um fio condutor com o foco na
Na tipologia de Jung o elemento ar produção do homem e sua relação com a
corresponde à função do pensamento, natureza, vista a partir do entendimento
é o elemento mais tipicamente humano. do mundo como uma unidade composta
A terra está ligada ao corpo, aos pelos quatro elementos essenciais.
sentidos e aos objetos com os quais nos Para tanto, o trabalho acontece a partir
relacionamos. É a terra que dá forma, de histórias, do contato com obras
solidez e estrutura a tudo o que existe. de diferentes artistas e do processo
Corresponde à função da sensorialidade de criação com o uso de diferentes
na tipologia de Jung, é o elemento materiais.
mais estável e seguro, o que estabelece
maior relação com a realidade. Na
mitologia grega a imagem da deusa
Deméter ou Ceres, está ligada aos ciclos
da natureza e ao amadurecimento dos
grãos. Separada de sua filha Perséfone
por Hades, durante nove meses do ano
teria o direito de viver com a filha, mas
durante três meses esta deveria retornar
para a companhia do marido. Durante
a ausência da filha, Deméter chorava, a
terra se tornava fria e não produzia nada,
dando origem ao inverno. Quando a filha
retornava, Deméter fazia a natureza
florescer, iniciando a primavera.
Sua imagem mítica, ligada à
perpetuação da natureza, protege os
nascimentos e os casamentos. Ensinou
aos homens as artes de arar, plantar e
colher, e às mulheres a arte de fazer o Estamos trabalhando com o elemento
pão. fogo. Sua força de transformação,
mudança e destruição. O assunto
é tão perigoso e delicado quanto o
oS quatro elementoS na eDucação formal próprio contato físico com o fogo. Já
O enfoque escolhido para o ensino fizemos chá, num ritual de iniciação
de Arte na sala de aula apresenta ao elemento e também derretemos o
especificidades de acordo com cada giz nas velas. O frio da estação faz com
ano/série, podendo se relacionar com que a proximidade com o calor ganhe
os conteúdos abordados pelas outras um significado maravilhoso. Estamos
disciplinas e com o desenvolvimento da falando do equilíbrio, da necessidade do
linguagem da criança. calor e das transformações. O fogo mexe
Assim, a relação com os quatro muito com o afetivo e também com a
elementos da natureza, desenvolvida nas razão. No começo do ano, abordamos
aulas de Arte com os alunos do 3º ano do a água. Durante o ano todo trabalho os
ensino fundamental, amplia o enfoque elementos com os pequenos, trazendo

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 115


a espiritualidade e o respeito com o que completa, para começar novamente,
nos cerca. Em agosto os ventos trarão o numa espiral ascendente, rumo a outras
ar e o artista convocado será Portinari, descobertas.
com seus meninos voadores em balanços
e gangorras. No final do ano ficaremos Não precisamos correr sozinhos o risco
com a terra e fecharemos o ciclo com da aventura, pois os heróis de todos os
os pés fincados no chão com Rubens, tempos a enfrentaram antes de nós.
Matuck e Frans Krajcberg e sua eterna O labirinto é conhecido em toda a sua
luta pela natureza. (Ana Letícia, registro extensão. Temos apenas que seguir a trilha
do caderno de anotações diárias, 06 de do heroi, e lá, onde temíamos encontrar
junho de 2007). algo abominável, encontraremos um
deus. Onde esperávamos matar alguém,
O enfoque para cada elemento é mataremos a nós mesmos. Onde
dividido ao longo dos quatro bimestres imaginávamos viajar para longe, iremos
do ano. A pesquisa citada anteriormente ter ao centro de nossa existência. E lá,
orientou a escolha da época ideal para o onde pensávamos estar sós, estaremos na
trabalho com cada um deles. companhia do mundo todo. (CAMPBELL,
No primeiro bimestre, época das Joseph, 1990, p. 131).
chuvas, o trabalho desenvolvido gira em
torno do elemento água, quando são oS quatro elementoS na eDucação não formal
abordadas as imagens do rio, do peixe – feStIVal De arte SerrInha
e do barco. Embaladas por variadas O ateliê das crianças, desenvolvido
histórias da tradição oral, são feitas desde 2012 no Festival de Arte Serrinha,
pinturas, desenhos e dobraduras de acontece nos meses de julho. Com o foco
peixes e barcos. no sensível e na relação com os quatro
No segundo bimestre o tempo elementos da natureza, é alimentado
mais frio cria um clima intimista, ideal pela arte e a livre experimentação,
para experimentar e refletir sobre o com propostas lúdicas que permitem
fogo. Quando são feitas conversas vivenciar experiências sensoriais e
sobre a descoberta do fogo, seus estéticas. A natureza é quem dá o tom
perigos e utilidades, sua capacidade de das brincadeiras com a água, o fogo, o ar
transformação e iluminação. e a terra.
No terceiro bimestre, época dos Tem como objetivos oferecer para
ventos, é a vez do ar, com sua capacidade as crianças a oportunidade de se
de fazer voar, sonhar e brincar. São relacionarem com os trabalhos de arte
construídos vários brinquedos simples em exposição permanente na Fazenda
como: a piabinha voadora, o cata-vento, Serrinha e interagirem com as atividades
o avião de papel, pássaros e bolhas de culturais que acontecem durante o
sabão. Talvez seja o elemento mais perto festival. Além de vivenciarem variadas
da infância, época ideal para apreciar possibilidades de experiências sensíveis
a série de pinturas e desenhos sobre com a arte, a partir da interação com o
as brincadeiras infantis, de Cândido espaço da fazenda e a natureza, através
Portinari. de brincadeiras, passeios, histórias e
No quarto bimestre, com a entrada da criações.
primavera, a natureza ganha os enfeites O lugar do sensível, próprio para
dados pela deusa Deméter. É quando o fazer arte, contar histórias, ouvir música
elemento terra aparece e traz com ele a e brincar. Espalhadas por todos os
segurança do chão, a verticalidade das cantos da fazenda, a natureza e a arte
árvores e a firmeza das raízes. É hora de alimentam a prática da experimentação
pegar o barro, de crescer com as copas e da liberdade, estimulam passeios,
e respirar os novos tempos. O ciclo se criações e conversas animadas.

116 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Diferente do trabalho realizado na
educação formal, o ateliê acontece conSIDeraçõeS fInaIS
durante 15 dias, com atividades ao ar O texto apresentado teve a intenção
livre, de forma intensa e direta com a de refletir sobre o trabalho desenvolvido
natureza do lugar. A inspiração veio direto com as crianças, suas mudanças e seus
da prática em sala de aula, mas acontece novos direcionamentos. Por meio de
de forma mais complexa, vivenciando os uma fundamentação teórica baseada
movimentos de expansão e contração, em diferentes pesquisas, vivências e
sugeridos pelo próprio espaço. autores, foram construídos conceitos
Ao longo dos dias, o trabalho é que passaram a estruturar o ensino com
desenvolvido de maneira flexível, o foco na educação do sensível.
apesar de existir um planejamento Retomando a pergunta arte se ensina?,
geral das ações. O ritmo da fazenda, a lançada há mais de 30 anos quando
temperatura, a disposição das crianças e começamos o trabalho no primeiro
a programação do dia é que vão orientar ateliê com crianças, acrescentamos a ela
as escolhas. novas reflexões: o que da arte se ensina,
Numa tarde luminosa, por exemplo, as como se ensina e o que não se ensina?
crianças inventaram uma brincadeira com Podemos dizer que arte ensina a pensar,
sombras. Pegaram uma grande folha de a sentir, que provoca o pensamento para
papel, desenharam a sombra projetada outras relações com o mundo. De acordo
ao longo da folha e transformaram em com Paulo Freire, o papel do educador é
uma grande serpente. Em outro dia, estabelecer um diálogo entre ensino e
inspirados pela obra Nau, de Eduardo aprendizagem, ensina enquanto aprende
Srur (um grande barco, parecido com e aprende enquanto ensina.
um barquinho de papel, que fica no No convívio diário com as crianças
meio do lago da fazenda), fizeram várias é importante cultivar a riqueza de suas
dobraduras de barcos, cada um enfeitado relações com tudo o que as cercam.
com desenhos, nomes e poesias, para Trabalhar com educação é ter como
serem soltos ao lado do grande barco no referência esta delicada relação com o
lago. mundo e cuidar para que a chama do
encantamento esteja sempre acesa.
Um espaço capaz de abrigar o universo
da infância, onde o tempo ganha outra O que se opõe ao descuido e ao descaso
dimensão. Longe da correria da rotina em é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é
que nossas crianças estão envolvidas, uma atitude. Portanto, abrange mais que
um tempo para o ‘agora eu era...’. um momento de atenção. Representa
Tempo dos quintais, das brincadeiras uma atitude de ocupação, preocupação,
e do ócio. [...] As idades das crianças de responsabilização e de envolvimento
variaram bastante, de 1 até 13 anos.Foi afetivo com o outro. (BOFF, 1999, p.33).
interessante ver todas juntas brincando,
como num grande quintal. Naturalmente
o espaço de toda a fazenda proporcionou referêncIaS
a vivência equilibrada com todos os BOFF, Leonardo. Saber Cuidar Ética do
elementos da natureza. O ritmo do humano - compaixão pela terra. Petrópolis/
trabalho variou entre momentos de RJ: Editora Vozes, 1999.
contração, com as histórias, músicas CAMPBELL, Joseph. O Poder do mito. São
e desenhos, e de expansão, nas Paulo: Palas Athena, 1990.
caminhadas ao ar livre, brincadeiras e COUSINEAU, Phil (organização e
passeios. (PENEDO, registro do ateliê com apresentação). A jornada do herói: Joseph
as crianças na Serrinha, 2012). Campbell vida e obra. São Paulo: Ágora, 2003.
FREIRE, Paulo. Das relações entre a

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 117


educadora e os educandos. São Paulo: Olho REZENDE, JM. À sombra do plátano: crônicas
d’água, 1991. de história da medicina. São Paulo: Editora
JECUPÉ, Kaka Werá. A terra dos mil povos. Unifesp, 2009. Dos quatro humores às quatro
São Paulo: Editora Peirópolis, 1998. bases. p. 49-53.
JUNG, C.G. O Homem e seus símbolos – Rio SILVEIRA, N. Jung: vida e obra. 14. ed. Rio de
de Janeiro: Nova Fronteira – 1964. Janeiro: Paz e Terra, 1994.
LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf – Internet:
Caminho para um ensino mais humano. São PEREIRA, Maria Amelia Pinho. Conversando
Paulo: Antroposófica,1998. com a educadora Péo.
PENEDO, Ana Letícia. Caderno de anotações (entrevista feita por Deborah Dubner)
diárias sobre as aulas. 2007. - Blog Itu.com.br -(http://www.itu.
PENEDO, Ana Letícia. Registro do ateliê com c o m . b r /c o n t e u d o / d e t a l h e . a s p ? c o d _
as crianças na Serrinha. 2012. conteudo=9158&adm=1), 2006
PEREIRA, Maria Amelia Pinho. Casa Redonda
- uma experiência em educação. São Paulo:
Editora Livre Conteudo, 2013.

técnIcaS DIDátIcaS SoBre a lInguagem


trIDImenSIonal
francIne Da cunha
A tridimensionalidade quando estudada na escola, mais especificamente com alunos
do 4º ao 7º ano, precisa contribuir –se em uma pesquisa empírica, visto que a definição
teórica não dá a noção da amplitude do tema. Portanto quando se fala em técnicas
didáticas sobre a linguagem tridimensional o intuito é pensar sobre uma sequencia
de atividades práticas que, possibilitam desenvolver um estudo abrangendo desde as
questões a respeito da representação tridimensional, como a técnica clássica/acadêmica
da perspectiva aplicada em desenhos e pinturas, até a maneira contemporânea de se
perceber a tridimensionalidade a partir das novas tecnologias, como os vídeos 3D, por
exemplo, passando ainda pelas noções de escultura/modelagem. No que se refere à
construção de conceitos e técnicas a partir da experiência prática em arte, o autor
que embasa o trabalho e Dewey (2010); para aspectos da aprendizagem significativa,
Martins , Picosque, Guerra (1998) ; para a relação do tridimensional e a tecnologia
Plaza e Tavares (1998); entre outros. O objetivo deste trabalho é orientar profissionais
que lidam com alunos do ensino fundamental, a fim de contribuir com suas práticas,
com foco específico no ensino de arte, mas podendo gerar projetos interdisciplinares
que agregariam a construção de outros conceitos mais abrangentes.

118 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


comunIcação
the BIg reVolutIon:o futuro e aS
tecnologIaS na comunIcação
eDuarDo SPInellI
reSumo
O artigo trata do futuro, modelado pelas tecnologias de comunicação e de como as
agências têm que reinventar seu modelo de negócio.

PalaVraS-chaVe
Comunicação; Tecnologias; Repensamento.

aBStract
The article deals with the future, shaped by communication technologies and how
the agencies have to reinvent their business model.

KeYWorDS
Communication; Technologies; Rethinking.

O mundo mudou. As pessoas de “disruption”, ou seja, uma ruptura na


mudaram. A forma como as pessoas forma de pensar, planejar, criar, produzir
assistem à TV, ouvem música, fazem e entregar soluções de comunicação.
compras e se relacionam entre si e com O formato tradicional do comercial
as marcas mudou. E como não poderia de 30 segundos deu lugar aos vídeos
deixar de ser, a comunicação também no YouTube, cada vez mais populares
mudou. e compartilhados. O desafio é chegar
As pessoas, principalmente, as novas ao consumidor em todos os pontos de
gerações, estão conectadas o tempo contato. Menos invasão, mais relevância.
todo à internet, se comunicam por meio No mundo todo, o digital revolucionou
de redes sociais e aplicativos (Facebook, as relações entre as pessoas e as marcas.
WhatsApp, Instagram, Snapchat etc.) Hoje, não existe mais a linha que
e utilizam seus gadgets (smartphones, separava o online do offline. Prova disso,
tablets, notebooks, entre outros) para são algumas tendências apontadas na
estudar, trabalhar ou para realizar edição do Festival de Cannes deste ano:
qualquer atividade diária. O wi-fi tornou- a internet das coisas, os wearables, a
se uma necessidade básica. realidade virtual, a robótica, a inteligência
Nesse contexto, a comunicação teve artificial, o Big Data e o - já não tão novo
que acompanhar a mudança da sociedade assim - storytelling.
e o surgimento de um novo perfil de Já a agência teve que reinventar o
consumidor, mais conectado, mais bem seu modelo de negócio. No futuro, ela
informado e muito mais exigente. Um será um híbrido de agência, de startup
consumidor que se informa antes de tecnológica e de produtora de conteúdo.
comprar e que, se não fica satisfeito, Se no passado, a agência criava soluções
reclama nas redes sociais. de comunicação para o cliente, a partir
A publicidade passou por um processo de hoje, ela precisa criar soluções de

120 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


negócios. E essa solução pode ser um estratégicas, relevantes e imprescindíveis
anúncio, um aplicativo ou um produto. É para o sucesso dos negócios.
uma questão de sobrevivência. A agência Depois da Revolução Industrial, da
que não se adaptar a esse novo cenário Revolução Digital e da Informação, é hora
está em vias de extinção. de vivermos a maior revolução de todos
Hoje, o desafio das agências é provar os tempos: a do “repensamento”. E a
aos anunciantes que elas são cada vez mais máxima de Steve Jobs continua valendo:
“Think Different” (Pense Diferente).

o e nSIno Do j ornalISmo cultural no


Século 21
franthIeSco BallerInI
reSumo
A disciplina de Jornalismo Cultural está presente em pouquíssimas faculdades de
Comunicação Social do Brasil. No entanto, sua ausência na grade curricular leva ao mercado
profissionais despreparados para cobrir esta que é uma das seções de maior índice de
leitura de jornais, revistas e sites. O presente artigo pretende investigar os problemas, a
prática e as propostas de soluções para a docência do jornalismo cultural no país.

PalaVraS-chaVe
Jornalismo Cultural; Comunicação Social.

aBStract
The discipline Cultural Journalism is present in a very few schools of Brazil’s Social
Communication. However, its absence in the curriculum leads to the market unprepared
professionals to cover this which is one of the highest sections of reading newspapers,
magazines and websites. This article intends to investigate the problems, the practice

KeYWorDS
Cultural Journalism; Social Communication.

A situação é corriqueira e tampouco de um famoso cantor de jazz, ou do livro


nova nas redações de jornais, revistas, de uma grande poetiza brasileira. Ocorre
portais e telejornais. Um estagiário que, na sua formação acadêmica, o tal
é contratado e, quando formado, é repórter teve um semestre de Cultura
formalizado como repórter na editoria Brasileira e outro de História da Arte.
de cultura. Seu editor lhe pede para ir à Isso porque o repórter fez uma das mais
coletiva de lançamento da Bienal, ou de conceituadas faculdades de jornalismo
um novo filme francês, ou do novo CD do país. Inseguro, ele decide o óbvio:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 121


apoiar-se fortemente no press-release Historicamente, como lembra
entregue na coletiva – ou enviado antes Marques de Melo (Cf. 2003), foi o impacto
por email – e também nas declarações do jornal diário europeu que motivou
que os artistas farão no dia. Com o a incursão universitária do jornalismo,
tempo, ganha mais confiança e começa tornando-o objeto de reflexão
a esboçar uma ou outra pergunta nas intelectual. No entanto, nos primeiros
coletivas. Mas se for obrigado a fazer uma anos do estudo, principalmente no século
exclusiva com o artista, bem, a sorte está 18, o jornalismo ainda era tratado como
lançada. Se o repórter gostar da área, objeto para uma elite. Isso só vai mudar
vai procurar ler e estudar o assunto. Se na segunda metade do século 18, com o
não gostar, estará colaborando para uma aumento da burguesia, que necessitava
cobertura cultural superficial e pouco de informações mais rápidas e atuais,
agregadora de informação e reflexão. eclodindo demandas de capacitação de
Este cenário é muito comum no produtores de notícia. Enquanto nos
jornalismo cultural, não só brasileiro, Estados Unidos, a primeira iniciativa de
mas no mundo inteiro. Mesmo países formação jornalística surge em 1869,
mais desenvolvidos têm problemas no Washington College (Virgínia), na
sérios de bagagem cultural de seus Europa a experiência começa em 1806,
repórteres, reproduzindo estereótipos na Universidade de Breslau, Alemanha.
sobre as culturas alheias e pouco Enquanto nos Estados Unidos a intenção
refletindo sobre o estado da arte do era modesta – apenas aperfeiçoar
próprio país. Mas como resolver este tipógrafos e ampliar o conhecimento
problema se, quase sempre, as grades de artes e ciências – na Europa o perfil
das faculdades de jornalismo refletem era mais academicista, querendo criar
a importância que se dá para cada área uma ciência da imprensa. As escolas
no mercado? Ou seja, priorizam-se cada permanentes de jornalismo despontam
vez mais matérias como Assessoria de na virada do século 19 para o século 20,
Imprensa e Comunicação Mercadológica, na Universidade de Zurich e na Escola
porque elas formam a base para quem Superior de Jornalismo de Paris, esta
hoje mais emprega no mercado. Além cujo fundador, Albert Batailler, fecha
disso, conta-se nos dedos o número de uma importante parceria com o jornal Le
especializações na área de jornalismo Figaró, quando então justificou que
cultural no Brasil, ou em História da Arte.
Então, como entregar ao mercado [...] o jornalismo converteu-se numa
bons profissionais para cobrir cultura e carreira [...] é preciso organizar os
entretenimento? Como encerrar este quadros de reserva e tornar menos
ciclo vicioso, já tão refletido nos capítulos penosos os anos de aprendizagem aos
anteriores: a imprensa, que reforça jovens que se sintam na vocação; e para
clichês, alimenta o consagrado sem isso é necessário que a educação geral se
muita reflexão, reproduz na mídia o que a complete com a educação profissional.
assessoria de imprensa mais convincente (BATALLIER)
vender ou o que os demais veículos
estão abordando. Como tornar a cultura No entanto, havia quem afirmasse
– e não só o entretenimento – atraente publicamente que faculdades de
novamente para começar a ser pauta jornalismo não eram necessárias para
constante nas novas plataformas digitais aprender a área, como Frederic Hudson,
– blogs, portais, redes sociais etc.? diretor do The York Herald. Foi só Joseph
O ensino do jornalismo cultural Pulitzer, diretor da cadeia jornalística
levanta uma série de questões, que serão do New York World, rumar para o lado
discutidas aqui neste trabalho. contrário, ao dizer que era

122 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


[...] naturalmente a redação o lugar do conhecimento, a segunda formava
indispensável à formação profissional do repórteres para a pequena imprensa.
jornalista, como o hospital à do médico No Brasil, os jornais primeiramente
e o foro à do advogado. Mas o médico começaram a escalar bachareis em
e o advogado não encetam a prática direito para trabalharem nas redações.
sem antes pelos bancos das faculdades. Isso fez com que até algumas faculdades
Porque só o jornalista é dispensado de de Direito incluíssem disciplinas de
saber a sua teoria ou de saber alguma texto para aumentar as chances de seus
coisa?, (PULITZER) formandos em campos extrajurídicos.
Chegou num ponto, no século 19, em
Pulitzer, se comprometia, nos seus que as redações estavam dominadas
jornais, a contratar quem tinha formação por bachareis desta área, criando uma
na área, tendo doado US$ 2 milhões para luta de classes interna entre redatores
a universidade que se comprometesse a e repórteres, estes últimos, às vezes,
educar jovens jornalistas. As negociações sem formação alguma. O primeiro curso
com a Universidade de Harvard não de jornalismo do Brasil só irá surgir nos
foram para frente, conforme Rizzini (Cf. anos 1930, por iniciativa do dirigente
1953), então Pulitzer publica um ensaio da Associação Brasileira de Imprensa,
– The College of Journalism – e defendia Costa Rego, que funda a Faculdade de
a tese de que: Jornalismo na Universidade do Distrito
Federal (UDF, no Rio de Janeiro), sob
[...] nada de ensinar tipografia ou gerência, orientação educacional de influencia
nada de reproduzir com triviais variações francesa. No entanto, trata-se de
o curso de uma escola comercial. Isso um pioneirismo controverso, pois há
não é de âmbito universitário! A ideia é poucos documentos confiáveis que
a de trabalhar para a comunidade, e não comprovam que cursos específicos
para o comércio, e não para o indivíduo, de jornalismo e publicidade entraram
mas unicamente para o público. A em funcionamento na UDF, a partir de
Escola de Jornalismo deve ser, no meu 1937. Além disso, duraram pouco, com a
conceito, uma escola não comercial e ascensão de Getúlio Vargas ao poder e o
mesmo anticomercial. Deve ressaltar os
início do regime autoritarista do Estado
princípios, o conhecimento e a cultura
Novo. Por isso, é mais comum atribuir o
pioneirismo do ensino do jornalismo no
às expensas do negócio, se necessário.
Brasil à Fundação Cásper Líbero, como
Deve construir ideais, mantendo a
veremos mais adiante.
contabilidade no seu lugar, e fazer da alma
A partir de então, as faculdades
do jornalista a alma do jornal. (PULITZER)
de comunicação no Brasil viveram
constantes movimentos pendulares, ora
O resultado foi o surgimento de
para o pragmatismo norte-americano,
dois modelos de ensino de jornalismo
ora para o academicismo europeu. Mas
nos Estados Unidos: escolas de pós-
houve nomes como Luiz Beltrão, no
graduação, adotadas a partir de 1910
Recife, e Pompeu de Souza, no Planalto
por instituições como a Universidade
Central, que mais tarde iriam pensar em
de Colúmbia – que ganhou a doação
modelos próprios (brasileiros) para o
milionária de Pulitzer – e escolas
ensino do jornalismo.
de graduação, implementadas, por
Quanto ao ensino do jornalismo
exemplo, em 1908 na Universidade do
cultural no Brasil, ele ainda não é uma
Missouri. Enquanto a primeira preparava
disciplina curricular na grande maioria
editores e analistas de grande imprensa,
das faculdades de Comunicação Social,
recrutando estudantes de outras áreas
exceto poucas iniciativas, como a

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 123


Faculdade de Comunicação Social Cásper ética, teorias de comunicação etc..
Líbero (São Paulo), a Universidade de É imprescindível, também, que os
Caxias do Sul (RS) e a Universidade jornalistas culturais sejam sensíveis
Federal do Rio Grande do Sul (RS). Há diante das obras culturais. Neste
mais especializações, como da Fundação ponto, objetividade jornalística nem
Armando Álvares Penteado (FAAP-SP), da sempre é desejável, o tal relato frio e
Universidade Católica de Pernambuco, burocrático. É preciso incluir elementos
da Universidade Federal do Maranhão e sensíveis, mas sem perder contato com
da Universidade Metodista de São Paulo o acontecimentos em si. Em resumo, é
etc.. preciso sempre respeitar os ingredientes
Mas mesmo nos cursos de jornalismo básicos – precisão, clareza, concisão
cultural, pouco se vê de integração e cultura – mas o resto depende da
do ensino das artes. Assim como os liberdade criativa de quem escreve, que
jornais são divididos em editorias, no no caso da crítica, pode transformar o
ensino também é bem comum separar texto em uma segunda obra de arte.
as produções estéticas – cinema, É por essa razão que muitos veículos
teatro, música, literatura, dança etc. No insistem em contratar especialistas para
entanto, para um jornalista cultural que textos específicos, como escritores para
escreve sobre cinema, é fundamental ter escrever sobre literatura, cineastas para
referências de teatro, literatura, história, escrever sobre cinema ou dramaturgos
filosofia etc. Do contrário, correrá o risco sobre teatro, o que não deixa de criar um
de girar em falso dentro da própria área, campo de tensão entre o jornalista e o
quando o artista talvez esteja dialogando especialista, ainda mais numa profissão
fortemente com as outras expressões que, vez ou outra, deixa de exigir diploma
artísticas. com o vento da legislação. O principal
A pesquisadora Isabelle Anchieta de argumento contra a obrigatoriedade do
Melo, em texto sobre a formação do diploma é que o curso de jornalismo não
jornalista cultural, elenca os ítens que dá uma especialização necessária para
considera importantes na formação
cobrir a área. Um argumento evidente-
deste profissional, que são:
mente falho, uma vez que a faculdade
precisa dar a base para uma prática jor-
Da importância de ser um bom
nalística eficiente, ética e responsável. A
mediador cultural, traduzindo de
especialização pode vir de disciplinas in-
forma clara e reflexiva informações
trodutórias que o aluno, posteriormente,
complexas; - Da importância pública e da
pode complementar com uma pós-grad-
responsabilidade de sua profissão sobre a
uação ou mesmo com outra faculdade.
conformação do real e da cultura na vida
Para o jornalismo cultural, a especializa-
cotidiana das pessoas; - Da necessidade
ção é fundamental, para evitar textos-fãs,
de uma formação humanística sólida
com pouco debate, bajuladores, pautas
para que compreenda a cultura à sua
muito atreladas a datas comemorativas
volta tanto na esfera local quanto global;
e assessorias de imprensa e seus press-
- Da significância de sua mediação para
releases. Uma boa formação é funda-
aproximar as pessoas da poética da vida,
mental para o jornalista ter coragem de
tanto no que possui de estético como de
remar contra a maré, ir contra a opinião
ético e político. (MELO, 2007)
do público quando necessário, buscar
diversidade da cobertura ou mesmo in-
Idealmente, portanto, a pesquisadora
dependência intelectual. Mas, fora isso,
sugere que o jornalista tenha disciplinas
a presença de especialistas da área só
que formem este embasamento,
enriquece o jornalismo cultural, que é
como filosofia, história, antropologia,

124 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


uma ferramenta interpretadora e reflexi- de contestação e de forte crítica social.
va da cultura local, nacional e mundial. Ao analisar as críticas de Jean-Claude
Mas além dos especialistas, os próprios Bernardet desta época, Magno (Cf.
acadêmicos, esporadicamente, escrevem 1999) atribui ao trabalho crítico analisar
para alguns veículos de comunicação, o a linguagem cinematográfica, mas
que tem dois efeitos, talvez contrários. também orientar o público sobre seu
O primeiro, positivo, é ter dado maior significado social. A crítica era uma arma
profundidade nas análises críticas, talvez para a compreensão da própria cultura
até mais que muitos críticos, especial- brasileira. Nas palavras de Espinal, sobre
mente porque pesquisadores acadêmi- cinema, a função do crítico é ajudar o
cos sabem que toda opinião deve ser espectador a ser dialogador crítico ante
fundamentada com fatos ou reflexões. as mensagens cinematográficas, já que
O segundo, negativo, é a impressão de se trata de uma arte que fornece ideias
textos chatos, cheios de jargões, com e visões de mundo e, portanto, não pode
pouco estilo e pouco atrativo para leitura ser considerada apenas entretenimento
de leigos, muito comum, por exemplo, passivo e inocente.
nos cadernos dominicais, como o Mais!,
da Folha de S. Paulo, e, eventualmente, [...] a crítica não me dá o que devo pensar,
em revistas como Piauí. E estilo e atra- mas me estimula para que pense. A crítica
tividade da leitura são fundamentais cinematográfica não dá a resposta, mas
para cobrir o fosso que existe entre algu- pretende ativar o espectador para que
mas artes – chamadas de eruditas – e o ele responda. (ESPINAL, 1976)
grande público, de modo a tornar mais
equilibrada a cobertura destes cadernos, O autor acredita ainda que uma
hoje maciçamente voltada para o entre- crítica só deve ser lida após ver o filme.
tenimento. Do contrário, a crítica lida fará com que
Moritz Müller-Wirth, editor do jornal o espectador veja o filme sob a lente
alemão Die Zeit, não vê contradição interpretativa do crítico e, além disso,
entre ser jornalista e ser especialista. a crítica lida antes perde sua função
Ao mesmo tempo em que acha que os já que o espectador é impossibilitado
textos acadêmicos devem se tornar mais de dialogar com aquelas ideias por
claros, pois estamos vivendo uma era desconhecer a obra criticada. Alguns
que valoriza a rapidez da leitura, Moritz atribuem outra função aos críticos: a de
diz, sobre jornalista e especialista: a educadores. András Szantó aponta uma
perícia é importante para o primeiro, mas pesquisa feita com 160 críticos de arte
a especificidade não lhe é conveniente, nos Estados Unidos em que foi feita a
porém, segundo ele, know-how, pergunta você se vê como um educador,
senso crítico são pré-requisitos para o e vê seu trabalho como o de um
jornalista. educador?. O resultado foi de que mais
Quando não há a figura do acadêmico de 90% concordavam que o papel do
no veículo, o crítico por vezes faz o crítico é também educador. A pesquisa
papel de formador de novos públicos, levantou uma polêmica entre os próprios
e não apenas informador. Em períodos críticos, uns dizendo que os críticos não
importantes da história brasileira, como poderiam se ver como sacerdotes, outros
durante a ditadura militar, o crítico afirmando que o nível de conhecimento
também se incumbia de não deixar o sobre as artes é tão baixo nos EUA que o
público ser manipulado facilmente. Isso crítico tem, sim, um papel educacional.
porque a própria crítica mudava conforme Ao que Szantó diz:
o novo contexto da cultura, uma cultura

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 125


[...] é verdade que o crítico é, em certo Moraes (Cf. 2007) acredita que a crítica
sentido, um educador. Mas também é não deva tratar da mesma maneira o
importante lembrar que um jornal não é jovem artista daquele consagrado. O
uma instituição educacional. O crítico não jovem artista tem direito de errar e as
é um professor falando aos alunos. Deve críticas não podem pegar tão pesado
haver uma parceria mais equitativa entre com ele. Já o artista consagrado deve
o jornalista e o público. (SZANTO, 2007) ter sua obra analisada em perspectiva
das obras anteriores e cobrado em
Apesar de não usar a palavra educador, qualidade igual ou superior do que já fez.
o crítico de cinema da revista norte- A condescendência com o consagrado é
americana Time, Richard Schickel, em um um desserviço tanto ao leitor quanto ao
artigo intitulado Not everybody’s a critic artista. A propósito do tema discutido
(Nem todos são críticos), publicado no acima, Moraes acha sim que a crítica tem
jornal Los Angeles Times, diz que leitores um papel educacional.
de uma boa crítica saem dela sabendo
mais do que quando começaram a ler, [...] penso que a crítica só justifica
gratos pelo encontro com um intelectual sua existência se contribui para a
sério. São leitores inteligentes, que alfabetização visual do público. Só é
não leem para confirmar os próprios válida se é exercida para esclarecer as
preconceitos ou ignorâncias. E o crítico intenções e os objetivos poéticos da obra.
vai além, ao dizer que (MORAES, 2007)

[...] criticar – ou seu primo humilde, Espinal (Cf. 1976) também atribui à
resenhar – não é uma atividade crítica um caráter educacional, ao ter
democrática. É, ou deveria ser, uma como função ensinar o público a criticar,
iniciativa de elite, idealmente feita por em vez de apenas fornecer conteúdos.
indivíduos que trazem algo para o grupo Assim, a crítica não pretende em
além de suas opiniões apressadas e primeiro lugar dar ideias, mas formar
instintivas de um livro (ou outro objeto uma consciência crítica...
cultural). É o trabalho que requer gosto O programa Rumos Itaú Cultural fez um
disciplinado, conhecimento histórico interessante mapeamento sobre o ensino
e teórico e um profundamente justo do jornalismo cultural no Brasil em 2008
senso da obra do autor por completo, – que, embora datado, contém dados
além de outras qualidades. Opinião – ou que transbordam seu tempo de pesquisa.
dedão para cima, dedão para baixo – é o No artigo Jornalismo Cultural – O Ensino
que menos importa no ato de criticar. É da Disciplina (2008), os pesquisadores
muito comum que as melhores críticas Nísio Teixeira, Margareth Assis Marinho
não venham com sequer uma palavra de e Marina Magalhães, utilizando dados
juízo, porque o maior negócio de uma do Ministério da Educação, lembram
crítica é iniciar um diálogo inteligente que o debate sobre a prática e ensino do
sobre o trabalho em questão, começando jornalismo começou no 1º Congresso de
uma discussão que pode durar, em alguns Jornalistas, em 1918, mas que o primeiro
casos, anos, talvez séculos, (SCHICKEL, curso livre de jornalismo foi criado por
2007, tradução nossa). Vitorino Castelo Branco em 1943 na
Associação dos Profissionais de Imprensa
Educadores ou não, o importante é de São Paulo (Apisp). Já o primeiro curso
lembrar que a função da crítica é apontar superior de jornalismo começou na
equívocos, problemas, erros e qualidades Faculdade Cásper Líbero em 1947, em São
de uma obra de arte. Mas Angélica de Paulo, embora a profissão do jornalista

126 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


só tenha sido regulamentada em 1969, quase todo, a conceituação de cultura, de
durante o regime militar, como forma de indústria cultural, para posteriormente
controlar a comunicação num período abordar artes, cinema, música, literatura,
sem liberdades de expressão. A Escola teatro, televisão, relacionando-as com o
de Comunicações e Artes da USP surgiria jornalismo. Em geral, o foco maior está
em 1966 por iniciativa do professor Júlio nos temas mais cobertos pela imprensa,
Garcia Morejón e, posteriormente, sob o além da história do jornalismo cultural
comando do professor José Marques de e os gêneros e subgêneros – crônica,
Melo. reportagem, crítica, resenha, biografia,
A estrutura dos cursos foi revista livro-reportagem e romance.
nos anos 1980, especialmente por O projeto também delineia, por
conta de anacronismos da época da meio de diversas entrevistas feitas com
ditadura militar. O novo currículo agora professores de jornalismo cultural no
incluía jornalismo, relações públicas, Brasil inteiro, qual seria o perfil ideal
Rádio e TV, publicidade e propaganda, da disciplina de jornalismo cultural nas
cinema e produção editorial, todas com faculdades. Primeiramente, acredita que
disciplinas obrigatórias e optativas. Uma as disciplinas que deveriam vir antes dela
das optativas foi a disciplina de cultura seriam: Antropologia, Estética e Cultura de
brasileira, a partir de 1984. A utilização Massa, História da Comunicação, História
desta proposta curricular foi até 1997, da Arte, Sociologia, Técnicas de Entrevista
quando novamente houve uma revisão e Reportagem e Jornalismo Literário.
das diretrizes. A partir de então, havia Em seguida, delinearam-se os tópicos
uma nova matriz curricular, um tronco fundamentais da disciplina, que seriam:
comum para todas as habilitações, Conceito de cultura e de jornalismo
além de prever estágios e atividades cultural; História do conceito de cultura;
complementares. Com isso, segundo História do conceito de jornalismo cultural;
dados do Ministério da Educação, o Dilema e tensões; Ficção x realidade; Alta
jornalismo chegava no século 21 em cultura x baixa cultura; Cultura popular x
356 cursos espalhados pelo Brasil: 25 cultura erudita; Local x global; Gêneros
no Norte, 56 no Nordeste, 31 no Centro- textuais e discursivos do jornalismo
Oeste, 183 no Sudeste e 61 no Sul. cultural; Crônica; Crítica; Reportagem;
Segundo pesquisa do projeto Rumos, há Perfil; Ensaio; Resenha; Artigo.
126 disciplinas que abordam jornalismo Antonio Hohlfeldt, do comitê
cultural e áreas correlatas, mas apenas selecionador do projeto Rumos Itaú
16 – no retrato daquele momento – Cultural, chegou a uma conclusão
abordavam o tema com exclusividade. interessante sobre o ensino da disciplina
Ou seja, o jornalismo cultural ocupa no Brasil, contrastando as exigências das
menos de 13% da grade dos cursos redações versus a formação do jornalista.
de jornalismo. Destas 16 disciplinas
exclusivas de jornalismo cultural, 14 Aliás, [...] nas faculdades de comunicação
estão nas faculdades particulares e quase todo jovem estudante gosta de
apenas duas nas faculdades públicas, responsabilizar-se por matérias referentes
uma no Rio de Janeiro e outra no Rio ao campo do jornalismo cultural, e, nas
Grande do Sul. Segundo conclusões redações, o foco muitas vezes é destacado
do projeto, os currículos de jornalismo para a área, como se ela apresentasse
preferem disciplinas de áreas tangentes, menores exigências. São raras as
como cultura de massa, cultura brasileira, publicações, como a Folha de S. Paulo,
estética etc.. O plano de ensino das que fazem exigências complementares ao
disciplinas de jornalismo cultural foca, profissional do setor, como, por exemplo,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 127


um curso de especialização ou mesmo de Coordenadora da pós-graduação de
pós-graduação plena, evitando, assim, Jornalismo Cultural da FAAP, em São
aquelas perguntas insípidas sobre início Paulo, Edilamar Galvão diz que estes
de carreira, ou a total ignorância do cursos de extensão nem sempre abrem
entrevistador a respeito do entrevistado turma, tornando iniciativas como essas
etc.. (HOLEFELDT) pouco sistematizadas ou esporádicas.

O perfil do ensino do jornalismo Tenho uma clara sensação de que o


cultural no Brasil é ponto de divergência jornalismo cultural perdeu importância
de opiniões para os especialistas da área. não só pelo ensino, mas como reflexo
Jorge Tarquini, jornalista, professor e do mercado, com cadernos dominicais
com grande experiência no comando de como o Mais! desaparecendo. Mas se
cursos de jornalismo cultural, acredita chamarmos o jornalismo cultural de
que a área tem ganhado espaço nobre entretenimento, então ele nunca esteve
nos currículos de diversos cursos mas, ao tão forte, pois mesmo as revistas de
mesmo tempo, tem causado a impressão celebridades divulgam indiretamente
de que jornalismo cultural é elitismo. o teatro, o filme ou o livro do artista. O
que não me parece jornalismo cultural
O jornalismo cultural ensinado não como um todo, pois este debate os
procura o pluralismo, mas reproduz vícios aspectos culturais da obra, e isso me
que vemos no jornalismo praticado nos parece cada vez mais raro. O jornalismo
veículos: ou acha que cultura é o que cultural está virando jornalismo de
nasce da produção popular ou vai ao serviço e divulgação, e menos de
outro extremo, o da erudição inalcançável prospecção, de atitudes, de inserção
para 99% das pessoas, (TARQUINI) de intelectuais, de reflexão de questões
sociais, políticas sob a ótica da cultura.
Tarquini, ainda sente falta de Há um mantra de encurtar os textos até
uma maturidade em como abordar nas revistas de cultura! Parece que as
academicamente a área, pois, para ele, empresas jornalísticas sentem que estão
o ensino acadêmico não deve refletir desenvolvendo produtos para quem não
o mercado, mas experimentar, inovar. gosta de ler. E tudo isso reflete no meio
Sérgio Rizzo, jornalista, crítico de cinema acadêmico. (EDILAMAR GALVÃO)
de veículos como Folha de S. Paulo e
professor da área, também percebe um José Salvador Faro, doutor em
nítido avanço da disciplina pelo menos Ciências da Comunicação pela USP,
nos cursos do Sudeste, onde leciona, especialista no ensino de História,
comparado com as grades aplicadas no Comunicação e Cultura, não vê grandes
final do século 20. No entanto, Rizzo valorizações do jornalismo cultural nos
acredita que, ainda que o jornalismo currículos universitários até hoje, ainda
cultural esteja inserido como disciplina na mais após o fim de cadernos culturais de
graduação, ele será apenas introdutório, domingo de jornais como O Estado de S.
tornando importante para o jornalista Paulo e Folha de S. Paulo.
que esteja ou queira trabalhar na área
buscar cursos de extensão. Os Planos de Ensino das faculdades não
De qualquer forma, em uma perspectiva focam em jornalismo cultural porque,
de 30 anos, penso que houve avanços, mas acredito, mal sabem o que é isso, pois
ainda tímidos. Não me parece que o tema confundem com entretenimento. O
esteja incluído entre as prioridades dos resultado é a saída para o mercado de
cursos de graduação. (SÉRGIO RIZZO) alunos sem alicerce intelectual. O meio

128 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


acadêmico é um reflexo do mercado, No entanto, a internet quebrou isso, tirou
mas ele também vai refletir o mercado a verticalização e tudo virou horizontal
posteriormente. (FARO) via Google. Popularizou e democratizou a
crítica cultural, mas pode também correr
Isso não significa que tenha havido o risco de empobrecimento, perda de
uma diminuição do interesse dos alunos referência. (FARO)
pela área. Mas Tarquini sente, por
exemplo, um interesse maior na área O ensino do jornalismo cultural é um
de moda e esportes – especialmente na desafio para as instituições e docentes da
década da Copa do Mundo e Olimpíadas área. Sérgio Rizzo diz que, quase sempre,
no Brasil. Por isso acha tão urgente as instituições que possuem a disciplina a
dessacralizar o jornalismo cultural, oferecem no máximo em dois semestres,
trazendo-o mais perto das pessoas e do com uma ou duas aulas semanais, o que
público. Sérgio Rizzo sente exatamente torna complexa a missão de habilitar o
a mesma coisa, um interesse maior em aluno a cobrir a área.
esporte, tanto para homens quanto
mulheres. Para muitos alunos, terá sido a primeira
vez em que será apresentada uma
E mesmo entre os que manifestam abordagem de cultura que vá além do
interesse em se dedicar à cobertura gostei & não gostei, a um repertório
cultural, identifico lacunas de formação que vá além das obras de consumo
relacionadas à fragilidade da educação popular, principalmente aquelas que
básica brasileira ao tratar de cultura e circulam na televisão e as chaves de
à falta de hábitos culturais – pouco ou leitura que conectem a produção cultural
nenhum consumo regular de literatura, à sociedade em que ela tem origem e
para qual se destina. Alunos que tiveram
teatro, artes visuais e cinema – em muitas
no Ensino Médio experiências mais
famílias. (SÉRGIO RIZZO)
significativas com artes ou cujas famílias
têm hábitos culturais que lhes foram
Isso reflete no campo da pós- transmitidos lidam mais facilmente
graduação, na qual Edilamar Galvão com esses aspectos, mas grande parte
também sente pouca procura no século é apresentada nesse momento a eles,
21. (SÉRGIO RIZZO)

Na FAAP, por exemplo, o perfil de Rizzo, acrescenta a importância da


alunos que procura a pós-graduação instituição de ensino pensar na formação
em jornalismo cultural não foi alunos cultural ao longo dos quatro anos de
de jornalismo, grande parte fez história, graduação – e não somente dentro da
dança, artes, filosofia e procuram a disciplina – por meio de cineclubes,
pós para desenvolvimento de projetos grupos de teatro, visitas a museus e
individuais e nem sempre para se inserir galerias, debates, seminários e cursos
no mercado específico da área ou, no de extensão. Sozinha, a disciplina de
máximo, para adquirir conteúdo para jornalismo cultural não faz milagre.
montar um blog. (EDILAMAR GALVÃO) Dessacralizar continua sendo o
maior desafio de Tarquini no ensino do
Mas apesar do interesse maior em jornalismo cultural. É preciso tirá-lo do
outras áreas por alunos, é o jornalismo patamar hermético e inalcançável, o
cultural que preserva, segundo Faro, a que espanta o aluno, o leitor, internauta,
força e credibilidade do veículo, por meio espetador e ouvinte. Para Edilamar, no
de articulistas, textos refinados. entanto, é a falta de repertório que mais

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 129


dificulta o ensino do jornalismo cultural, jornalismo deve ser somado ao interesse
especialmente em pós-graduações. individual do aluno para assuntos que
fujam do feijão com arroz e podem levá-
Sinto que o teatro, a poesia, o livro lo a uma redação. (FARO)
tem virado cada vez mais consumo de
especialista, o que faz o aluno chegar Rizzo acredita na formação
com pouco repertório. A cultura deveria aprimorada do aluno que venha do
ser objeto de consumo generalizado e o Ensino Médio com algum repertório, cuja
jornalismo cultural seria um instrumento família o incentive a práticas culturais
poderoso de afirmar a cultura como e, principalmente, que tenha interesse
objeto público e não objeto de próprio em cavar conhecimento na área.
especialistas. (EDILAMAR GALVÃO) Para a pós-graduação, Edilamar aponta
como fundamental levar uma bagagem
Faro, por sua vez, dá um testemunho de história, economia, cultura geral etc.
importante. Ele diz que ministra a
disciplina de Cultura Contemporânea O desafio do jornalismo é diversidade,
no primeiro ano da faculdade, para qual foco e profundidade aliado a alguma
migram alunos das melhores escolas especialidade. Nenhuma faculdade dá
particulares. conta de entregar um repertório completo
ao aluno sem que ele corra atrás em
Eles têm ao menos noção de quem são os paralelo. Sempre achei desejável que o
autores que peço para ler, mas a reação futuro jornalista fizesse duas faculdades
é quase sempre negativa a leituras mais ou desenvolvesse um ponto de estudo
complexas, como Ortega & Gasset. O paralelo à graduação. O estudante de
meu blog tem 106 mil visitantes por mês, jornalismo tem que se mover pelos
mas basta eu colocar um texto um pouco interesses e usar a faculdade como guia,
maior ou mais hermético que os alunos finalizador do processo. A faculdade dá
reclamam que está difícil. A universidade o mapa do universo da cultura e o aluno
é o momento para ler tais referências decide qual caminho guiar. (EDILAMAR
que, se deixadas para frente, agravam GALVÃO)
a compreensão de conceitos básicos
para a prática jornalística. Sinto que a Embora haja pouco conhecimento
maioria dos alunos passa os quatro anos interno sobre a prática do jornalismo
de jornalismo sem ler um livro completo. cultural fora do Brasil, em geral os
(FARO) especialistas apontam para a Europa e
os Estados Unidos como detentores de
A bagagem que os alunos trazem para uma tradição maior na área. Edilamar
as faculdades de comunicação é de fato sente uma força maior do jornalismo
um dos entraves mais sérios nas aulas de literário nos EUA e Tarquini levanta
jornalismo cultural. Tarquini lembra que a Universidade de Colúmbia e de
de pouco adianta lecionar 100 horas da Navarra como detentoras de ótimos
disciplina se o aluno chega sem nunca cursos da área, embora ele lembre que
ter lido um clássico, se nem se lembra mesmo nestas instituições o jornalismo
da última vez que entrou num museu, econômico e político têm maior procura.
nunca foi a um concerto etc.. No Brasil, outro ponto delicado no
ensino do jornalismo cultural tem a
O que a graduação tem que dar é ver com a prática de distribuição de
ferramental para que ele atue como um disciplinas para os professores do curso.
bom jornalista. Aí, um bom curso de O ideal é que cada professor fique

130 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


com as disciplinas que mais dominam Conhecimentos horizontais, portanto. E
– condizentes com sua formação que, ao mesmo tempo, invistam também
acadêmica e de mercado. Mas na em conhecimentos verticalizados,
prática, o coordenador do curso tem explorando mais a fundo áreas, artistas,
que se virar com a disponibilidade de correntes e tendências que sejam do seu
horários que os professores lhe dão – ou interesse. (SERGIO RIZZO)
mesmo delegar disciplinas a professores
de outra área porque o mesmo não tem Já para quem tem interesse em buscar
um docente para aquela especificidade. uma pós em jornalismo cultural para só
Tarquini afirma que, infelizmente, há depois tentar atuar no mercado da área,
poucos jornalistas ou professores com Edilamar Galvão sugere que o candidato
especialização em jornalismo cultural, escolha uma área de humanidades para
obrigando os cursos a escalarem ter uma formação mais sólida, como
professores competentes de outra área literatura brasileira, escultura etc.
para preencher esta lacuna, ou qualquer
outra especialidade. E Rizzo completa Não porque ele só vai falar disso na
dizendo que, se o coordenador ou diretor carreira, mas para ter uma experiência
do curso tiver formação na área, terá um de profundidade e para capacitá-lo a
cuidado maior na escalação da disciplina tornar vigilante para quando tratar de
e com os professores que a ministram. um tema que não seja sua especialidade.
Desta forma, quando ele for escrever
Caso contrário, ela tenderá a ser algo que não seja sua especialidade,
distribuída como são quase todas as vai pensar duas vezes antes para não
disciplinas em cursos de jornalismo: escrever bobagem porque sabe muito de
olha-se para o lado, vê-se quem está uma área e vê que muita gente escreve
disponível e tem mínimo interesse, besteiras sobre o tema que ele domina
e vamos lá. Se houver experiência (Edilamar GALVÃO)
acadêmica e profissional significativas,
será um bônus. Já na pós-graduação da Eilamar acrescenta ainda a
área, a escolha obviamente precisa ser importância de um espírito curioso,
criteriosa. (SERGIO RIZZO) atento e distraído ao mesmo tempo,
lendo um pouco sobre tudo de diversos
Na FAAP, o curso é bem estável, há assuntos.
trocas com parcimônia de professores,
(Edilamar GALVÃO) Uma vez na área, não pode se acomodar,
Para os futuros ingressos a é preciso investir, seja em visitas guiadas
especialistas em jornalismo cultural, com artistas em pinacotecas, seja se
que almejam uma vaga em veículos integrando ao circuito de pessoas que
tradicionais ou nas novas mídias, Tarquini podem virar fontes e até empregadores.
diz que o candidato deve se preocupar (EDILAMAR GALVÃO)
com o bom jornalismo, antes de qualquer
área específica e, em paralelo, preencher Já Faro vê um bom caminho a
todas as lacunas da formação cultural investir na Internet que, para ele, é
que puder. Rizzo sugere ao candidato uma plataforma que até mesmo os
que expanda seus horizontes culturais educadores pouco sabem usar com os
consumindo não apenas sua área de alunos.
preferência, combinando uma agenda de
diferentes gêneros da literatura, cinema, Mais da metade das pessoas já usa
teatro, artes visuais. a internet para se informar, mas as
instituições pouco aproveitam a internet

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 131


para contextualizá-la, potencializar a se ensina. O que consigo perceber é que
reflexão. Fazer cursos complementares precisamos formar pessoas ainda mais
como história, letras e filosofia é criativas para um mercado bem instável,
importante, mas é também fundamental ainda em processo de achar uma saída
ser autodidata, ter intimidade com financeiramente viável. (EDILAMAR
tendências culturais, tanto históricas GALVÃO)
quanto contemporâneas. (FARO)
José Salvador Faro, por sua vez, volta
Faro sente que os docentes têm suas previsões para as novas diretrizes
pouco interesse em ministrar aulas do jornalismo, implementadas a partir
de jornalismo cultural, que tem de 2015, abrindo caminho para a revisão
pouca atratividade, comparado com o do ensino do jornalismo. E acrescenta
jornalismo mais informativo, hard news. uma interessante reflexão:
Mas para ele, o déficit de formação
acadêmica não existe apenas no O jornalismo tem um problema no ensino
jornalismo cultural. porque parte da sua fundamentação
vem da comunicação e parte vem
Se o jornalista econômico é pautado pelo do desconstrucionismo da prática.
mercado financeiro e pelo entrevistado, No jornalismo cultural, pensa-se na
ele vira refém da fonte. Mas no jornalismo indústria cultural, por exemplo. Como
cultural isso é ainda mais grave, pois lida o aluno vai trabalhar na prática o que
com ideias, história da cultura etc.. (FARO) a teoria nega? Negando o que ela faz
na prática? As novas diretrizes tentam
Para as próximas décadas do blindar um pouco o jornalismo e seu
século 21, o cenário para o ensino do viés prático. Pois é como se o jornalista
jornalismo cultural divide opiniões. saísse da faculdade com uma consciência
Sérgio Rizzo gostaria de ver uma maior infeliz, pois aparentemente as teorias de
aproximação de um formato de ensino comunicação negam a prática. Mas nem
que combine prática e reflexão, em toda teoria de comunicação é pessimista
sintonia com a produção cultural e da quanto aos rumos práticos do jornalismo,
comunicação, cenário este que não é uma questão de repensar a aliança
parece uma tendência no momento. entre teoria e prática em prol da melhor
Já Tarquini deseja que o ensino do formação do futuro jornalista. (FARO)
jornalismo cultural neste século desça
do salto e dialogue mais com o mercado, Sobre estas novas diretrizes do
sem perder a valiosa formação de base. jornalismo citadas por Faro, vale
Para ele, só esta comunhão tornará o um momento de reflexão, dada sua
jornalismo cultural mais relevante e importância para o redirecionamento do
acessível ao interlocutor. No universo ensino da área no Brasil. Aprovadas no
das pós-graduações da área, Edilamar final de 2013, mas em vigor a partir de
Galvão vê como tendência laboratórios 2015, elas não foram bem recebidas por
de projetos para testarem no mercado, todos os órgãos representativos do setor.
especialmente de multimeios. E embora falem da profissão no geral,
todas as suas novas orientações afetam
A grande pergunta é: qual será o modelo diretamente o modus operandi do
de jornalismo cultural no século 21? jornalismo cultural. Umas das principais
Pois sim, estamos falando de formação críticas é justamente o distanciamento
acadêmica, já que o modelo deste século em relação ao pensamento teórico da
vai influenciar diretamente a forma como comunicação – que ainda que às vezes

132 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


critique a prática, fomenta a formação Universidade do Colorado, Winsconsin,
de jornalistas com capacidade reflexiva Rutgers, Berkeley e Cornell têm se
– e também o desestímulo à pesquisa movimentado para ou fechar o curso de
acadêmica, acentuando a formação jornalismo ou recriá-lo com ligação às
técnica e prática. Ciro Marcondes Filho ciências da computação, como se fosse
(Cf. 2014), professor de jornalismo da uma graduação em mídias, nas palavras
USP, cita a opinião de Pedro Pomar, de Sodré:
editor da revista da Adusp, que afirma
que a comissão para a aprovação das Assim, o jornalismo, foco bicentenário
novas diretrizes da liberdade de expressão consagrada
pela Declaração dos Direitos do Homem
[...] teria ignorado as proposições da e do Cidadão e ratificada pela Primeira
Unesco, em sua publicação de 2010, Emenda da Constituição dos Estados
que fazia referência à preparação dos Unidos, tende a ser desconsiderado como
estudantes para serem críticos em um conteúdo democrático em benefício
relação ao seu próprio trabalho e ao de da ideia de um serviço ao consumidor, o
outros jornalistas. (MARCONDES FILHO, que dá ensejo a algo como um jornalismo
2014) de dados. (SODRÉ, 2014)

Já o sociólogo, jornalista e professor Por sua vez, José Arbex Jr. editor da
de Comunicação da UFRJ, Muniz Sodré Caros Amigos e chefe do departamento
(Cf. 2014), acha absurda a separação do de jornalismo da PUC-SP, acredita que as
jornalismo e da comunicação, mas expõe novas diretrizes têm o
uma razão contemporânea a isso: as
mídias eletrônicas: [...] indiscutível mérito de apontar as
especificidades do jornalismo como um
A palavra de ordem é velocidade, e não campo do conhecimento que não deve
espírito republicano. Desde a década e não pode ser diluído na geleia geral da
final do século passado, a tecnologia Comunicação Social. (ARBEX, 2014)
digital passou a impulsionar e consolidar
a fragmentação dos públicos da mídia No entanto, ele acha que estas
anterior sob as formas de individualidades diretrizes reduzem o ensino do jornalismo
comunicantes ou interativas. A antiga a um conjunto de práticas adequadas às
interação, regida pelo modelo de uma necessidades das grandes empresas e ao
massa anônima e heterogênea, dá lugar ‘mercado’ em geral, esvaziando qualquer
à interatividade, que implica um processo possibilidade de reflexão crítica. O
gradativo de apropriação da tecnologia escritor e historiador Juremir Machado
da comunicação pelos usuários. O fundo da Silva diz ainda que não se trata de
coletivista do modelo de massa anônima defender mais teoria e menos prática aos
transforma-se no de um individualismo formandos de jornalismo, mas sim uma
de massa. O que conta aqui não é a formação cultural mais sólida.
opinião argumentada, mas a opinião
emocional e afetual, (SODRÉ, 2014) Um estudante não poderia sair de
qualquer faculdade de jornalismo sem ter
Sodré, lembra que a tendência de levar visto Cidadão Kane, A Montanha dos Sete
o jornalismo mais para o lado da prática Abutres, Todos os Homens do Presidente
do que da reflexão comunicacional não e mais tantos filmes do gênero. Também
é exclusividade do Brasil. Nos Estados não poderia se formar sem ter lido o
Unidos, desde 2010, instituições como a clássico A Sangue Frio, de Truman Capote,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 133


e Ilusões Perdidas, de Balzac. Não se Por fim, Eugênio Bucci ressalta que
trata de ter ouvido falar, de o professor as novas diretrizes não deixam claro
ter citado, mas de ter visto, lido, discutido aquilo que foi criticado por alguns dos
e escrito sobre eles. O grande desafio não especialistas aqui mencionados.
é teórico nem prático, mas, conforme a
palavra do momento, de repertório. Não Não vejo onde as diretrizes curriculares
parece que as novas diretrizes tenham cerceiem essa formação (crítica). O
encontrado mecanismo para forçar essa que nos faltava era uma visão mais
porta robusta. (SILVA, 2014) clara do que é a imprensa, e essa visão,
embora não seja a ideal (no meu modo
As novas diretrizes pedem que os cursos de ver), começa a aparecer com as
de jornalismo sejam 50% de aulas práticas novas diretrizes. E vamos deixar claro:
ou em laboratórios. Também força a os cursos de jornalismo no Brasil são
separação do curso em relação aos demais ruins. São infelizmente precários. Nossa
da Comunicação Social, já que muitas tarefa, como professores, é aprimorá-
faculdades fazem um primeiro ano misto, los o quanto antes. Nisso, as diretrizes
ou seja, unindo alunos de Jornalismo, podem ser úteis. [...] Francamente, acho
Relações Públicas e Publicidade. O que não há cisão entre defensores da
estágio passa a ser obrigatório para os comunicação e ‘separatistas’. Examinei
alunos e o Trabalho de Conclusão de bem esse ponto. Há, sim, passagens
Curso será desenvolvido individualmente, em que se afirma uma autonomia do
e não mais em grupo, inviabilizando, por jornalismo em relação à comunicação,
exemplo, documentários ou programas mas isso é positivo e desejável, não
experimentais de rádio e televisão. Sobre encontrarmos no documento nenhuma
a formação dos futuros professores de defesa de cisão ou de separação radical.
jornalismo, as Novas Diretrizes (Cf. 2014) (BUCCI, 2014)
dizem:
Após essa breve reflexão sobre as
Com a finalidade de tornar compatíveis novas diretrizes, é importante lembrar
o requisito da titulação do corpo também que uma formação cultural
docente e a necessidade de aderência deficitária do profissional de comunicação
às disciplinas ministradas, a Comissão de não só leva a um jornalismo fraco, pouco
Especialistas recomenda a criação de um reflexivo e pouco atento a todos os
Programa Nacional de Aperfeiçoamento lados dos fatos, mas leva também a uma
Docente destinado às novas gerações de formação de fracos futuros docentes,
professores de Jornalismo. Muitos foram girando negativamente um ciclo de má
titulados pelos cursos de pós-graduação formação profissional e acadêmica. É
da área teórica de Comunicação ou de preciso urgentemente que as faculdades
disciplinas conexas, sem ter exercido de comunicação, seja qual for a
plenamente a profissão e não raro sem o disciplina, deixem claro aos seus alunos
domínio cognitivo da sua especificidade. que a cultura é a lente que enxergamos o
Concomitantemente, deve ser mundo, é um poderosíssimo instrumento
fomentada, nas Escolas de Comunicação, de poder, que economia, política, saúde
a abertura de cursos de mestrado e ou qualquer outra área é diretamente
doutorado com áreas de concentração influenciada por hábitos culturais.
em Jornalismo, para atender à demanda Quem sabe se incutirmos bem esta ideia
crescente de novos professores para os nos discentes – e também em alguns
cursos de graduação e de projetos de docentes distraídos – começamos aos
pesquisa científica na área. poucos mudar a forma como os futuros

134 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


comunicadores abordam e divulgam e não necessariamente em história, artes
elementos da indústria cultural, sendo ou cinema. 2) oferecer um texto atraente,
assim um primeiro passo para leitores com estilo e envolvente ao leitor, a tal
mais exigentes e um jornalismo cultural escrita criativa. 3) garantir que – em
mais transformador do que o próprio casos de textos informativos – todas os
jornalismo político ou econômico. lados sejam ouvidos ou tenham chances
E não se pode esquecer também dos de se manifestar, mesmo no jornalismo
eternos temas polêmicos envolvendo cultural. 4) garantir a isenção de quem
o ensino do jornalismo no Brasil: escreve, sem partidarismos, ainda que
a regulamentação da profissão e a isso seja apenas um universo ideal,
necessidade de diploma para atuação embora mais próximo do jornalista do
na área. Sobre a primeira, altamente que do artista, historiador ou cineasta,
criticada por datar da ditadura militar por conta dos próprios princípios de
como forma de controle da comunicação sua formação. 5) oferecer ao leitor e ao
no país, é importante que qualquer veículo pautas e temas que obedeçam
regulamentação do jornalismo – se os preceitos básicos do jornalismo
necessário – seja feito não para engessar (atualidade, proximidade, relevância
seu ensino ou prática, mas para fornecer etc.), o que não necessariamente
diretrizes acadêmicas e com forte é do escopo preocupacional de um
comunicação com o mercado, sem profissional de outra área.
nunca esquecer do repertório teórico e Em suma, me parece óbvio que a
reflexivo. Qualquer intuito que fuja disso participação de um especialista em nada
me parece pantanoso e duvidoso. Já a anula a importância do jornalista nas
necessidade de diploma para a atuação redações, e isso remete ao ensino e à
no jornalismo, prefiro aqui falar apenas da formação deste profissional, formação
área de jornalismo cultural, tema do livro. cujas especificidades nenhuma outra
Grupos de mídia – com claros interesses área oferece. Como se disse antes,
particulares, especialmente trabalhistas as outras áreas são complementos e
– defendem a liberdade de contratarem aprofundamentos importantes, mas
especialistas em vez de jornalistas como nunca poderão substituir a base: a
colaboradores, a se dizer, historiadores e formação acadêmica do jornalista.
artistas para escreverem sobre, digamos,
o aniversário da Semana de Arte referêncIaS
Moderna ou escritores para analisarem ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo: o
o novo livro de um autor famoso, ou jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo:
mesmo um diretor cinematográfico para Companhia das Letras, 1993.
analisar a nova estreia das telas. É claro ABREU, Alzira Alves de (org.). A imprensa em
que o conhecimento de especialista de transição. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
todos eles é válido para o leitor. Mas Vargas, 1996.
qual é o ônus que o mesmo leitor vai ABREU, Alzira Alves de. A modernização da
pagar por ter uma matéria escrita por imprensa (1970-2000). Rio de Janeiro: Jorge
um historiador, artista ou cineasta em Zahar, 2002.
vez de um jornalista cultural? Me parece ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max.
óbvio que a formação em jornalismo – e Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro:
a especialização em jornalismo cultural – Jorge Zahar, 1985.
são necessárias para: 1) ter mais chances ALZAMORA, Geane. O que pauta o jornalismo
de viabilizar um texto claro, coerente e cultural contemporâneo? Suplemento
coeso ao leitor, tudo técnica que se deve Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte:
aprender na faculdade de comunicação, 2012.

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140 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


conVergêncIa mIDIátIca DIgItal:
o ProceSSo De Planejamento e geStão DoS
conteúDoS teleVISIVoS
eDValDo olécIo De Souza
reSumo
Neste trabalho, serão delineadas diretrizes, tendências e perspectivas dos
conteúdos audiovisuais diante das novas necessidades da indústria de conteúdo.
Suas ramificações e potencialidades serão ampliadas por meio do fortalecimento
do mercado de produção e das ferramentas que dialogam com essa linguagem e as
reflexões do mundo midiático.
Tais análises são citadas na busca de um entendimento mais aprofundado das
implicações filosóficas e culturais sobre a subjetividade do homem na construção de
estruturas e bases para o planejamento e gestão dos conteúdos televisivos no futuro.

PalaVraS-chaVe
Gestão; Televisão; Negócio; Comunicação; Mídia; Mercado.

aBStract
In this work, guidelines, trends and perspectives of audiovisual content on the new
requirement from content industry been outlined. Their ramifications and potentialities
been enlarged on strengthening of the production market and the tools that dialogue
with this language and reflection of world media.
Such analyzes are cited on search for a deeper meaning of the philosophical and
cultural implications about the subjectivity of man in the building structures and bases
to planning and management of broadcasting content in the future.

KeYWorDS
Management; Broadcasting; Business; Communication; Media; Market.

aS tenDêncIaS e PerSPectIVaS DoS conteúDoS interligadas por inovações tecnológicas.


teleVISIVoS DIante DaS tecnologIaS De
As novas redes de comunicação têm
muito mais força que suas antecessoras
comunIcação. — as redes de transporte e de energia.
O avanço da internet nos levou a novos
O processo de globalização deste início modos de produção, multiplicando a
de século caracteriza a sociedade pelo capacidade do mercado e da economia
uso e aplicação da informação a fim de de se expandirem no espaço e tempo.
alcançar um conhecimento, sobretudo, Nessa era da hiperconectividade e do
segundo um padrão complexo de redes fluxo intenso de informação, a quantidade

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 141


não é o que importa para a sociedade, mas às grandes ondas de investimentos
sim, a relevância do que a marca tem a ocasionadas, nos anos de 1980, com o
oferecer. fim da Guerra Fria, às desestatizações
Segundo Castells (Cf. 1999), estamos no setor de telecomunicações e à
vivendo uma revolução da tecnologia flexibilização das regulamentações
da informação. Tal revolução teria sido que restringiam a concentração na
impulsionada pelos grandes avanços indústria da comunicação, na esteira do
tecnológicos das últimas décadas do surgimento de novas tecnologias (TV a
século XX. Essa revolução seria um cabo, transmissões via MMDS, redes de
evento histórico da mesma importância dados e voz).
da Revolução Industrial do século XVIII. Com essa penetração eminente das
tecnologias digitais nas atuais mídias,
O que caracteriza a atual revolução ocorre uma mudança significativa nos
tecnológica não é a centralidade de paradigmas da produção audiovisual.
conhecimentos e informação, mas Logo, essas mudanças não estão
a aplicação desses conhecimentos limitadas a implementos de qualidade
e dessa informação para a geração de imagem e som em alta definição. Elas
de dispositivos de processamento/ influenciam a própria concepção de um
comunicação da informação, em um ciclo programa televisivo e causam impacto
de realimentação cumulativo entre a em todo o processo de produção,
inovação e o uso. (CASTELLS, 1999, p. 69). exibição e difusão de conteúdos.
Nesse sentido, a produção de
Nesse sentido, a evolução tecnológica, conteúdos digitais passa a ser
constante cada vez mais no nosso dia- estruturada, levando-se em conta tal
a-dia, requer novos planejamentos, convergência entre as diversas mídias,
acomodações e modelos de negócio conforme corrobora CASTRO:
que reformulem a sociedade, a mídia, a
educação, a política, a ciência, a cultura, A convergência diz respeito a uma
a nova maneira de viver o espaço e o mudança tecnológica profunda que
tempo ao redor. deverá transformar a relação do modelo
Oque a revolução tecnológica de negócios no campo da comunicação
introduz em nossa sociedade não é tanto [...]. Trata-se de uma convergência
uma quantidade de novas máquinas, também na produção e oferta de
mas sim um novo modo de relação conteúdos digitais, na criação de novos
entre os processos simbólicos (cultural) formatos audiovisuais para uso conjunto
e as formas de produção de bens e ou em diferentes plataformas digitais.
serviços: um novo modo de produzir, (2008, p. 53).
confusamente associado a um novo
modo de comunicar (Cf. BARBERO, 2006, Normalmente, um produto televisivo
p.54). é criado para atender uma oferta de
Dentro desse processo de público-alvo bastante diverso. De
globalização, é notável no século XXI fato, acompanhar as mudanças de
a importante convergência entre as comportamento social e de identificação
tecnologias de informação e o campo da com a vida do público é vital para a
comunicação midiática. sobrevivência de conteúdos televisivos,
A convergência constitui um fenômeno além de ser uma oportunidade de
recente, embora de largo alcance, com mercado.
desdobramentos econômicos, políticos, Nesse caso, a nova configuração da
sociais e culturais. Sua origem remonta indústria de conteúdo para televisão

142 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


- com o aumento no volume de obras de TV em geral. Os países emergentes
produzidas, sobretudo pela demanda devem conduzir esse processo de
das cotas de programação brasileira crescimento no acesso à internet e
na TV por assinatura e a influência também à crescente penetração de
das mídias sociais - exige uma maior smartphories e tablets.
profissionalização na produção Assim, a Netflix e outras plataformas
independente, realinhamento nos fluxos de conteúdo apresentam às pessoas mais
de distribuição e consequentemente uma maneira de assistir seus conteúdos
reestruturação no modelo de negócio. favoritos. A lógica possibilita novos
Nesse sentido, com a inserção das espaços e absorve mais espectadores e
tecnologias de informação e detecção seguidores da marca e/ou produto.
(criação) de novas demandas por A importância do monitoramento das
parte da audiência, o mercado exige conversas ligadas à programação da TV na
conteúdos cada vez mais complexos internet já chama a atenção de gigantes
e específicos, ou seja, assinala como como o instituto de pesquisa Nielsen. A
tendência a segmentação de mercado e empresa desenvolveu uma métrica em
consequentemente de conteúdos. parceria com o Twitter que mostra a
Assistir à TV aberta ou TV por influência das postagens na rede social
assinatura e, ao mesmo tempo, acessar sobre a audiência de uma atração. No
plataformas digitais como o Twitter Brasil, já existem startups, como Tuilux,
em busca de informações adicionais à Qual Canal e TV Square, que oferecem o
atração é um comportamento cada vez ibope social de um programa.
mais comum entre os brasileiros. Segundo o estudo “Wher, Networks
Nesse caso, a fragmentação, mais do Network: TV Gets Sociatl” realizado pela
que gerar novas formas de organização Viacom Internacional Media Networks,
da televisão, induz a uma nova relação que investigou a relação entre televisão
entre os indivíduos e a coletividade. e uso de redes sociais, há três principais
Com o surgimento e rápido fatores motivadores dessa nova
crescimento das mídias sociais, ficou experiência televisiva: funcionalidade,
cada vez mais fácil o contato direto de popularidade e diversão.
uma marca com o consumidor. Antes, A pesquisa global contou com
este caminho acontecia por meio da usuários de mídias sociais dos EUA, além
mídia tradicional e agora as novas de comunidades on-line em países como
tecnologias incorporam-se no mercado EUA, Reino Unido e Alemanha e Brasil.
da comunicação e expandem as Os espectadores se envolvem,
possibilidades. em média, em 10 atividades com
Esse contexto faz uma grande relacionadas à TV em plataformas de
diferença no modo como as pessoas mídia social, incluindo: interação com
consomem conteúdo e os grupos de amigos e fãs (72%), seguindo/ curtindo
mídia e mercados publicitários estão os perfis de um programa de TV (57%),
antenados ao alinhamento de projetos compartilhando ou recomendando
para integrar a programação e a internet. (61%), assistindo clipes completos ou
Uma pesquisa anual da Deloitte trailers (61%), buscando informações
(Cf. 2013), empresa internacional de e horários de exibição dos programas
consultoria, demonstrou que a oferta (66%) e jogando ou inscrevendo-se para
de mais plataformas para se assistir concorrer a brindes (49%).
conteúdo em vídeo — como tablets, Para Daniel Heaf, executivo digital
laptops e outros aparelhos — na verdade da BBC Worldwide, em participação no
pode estar intensificando o consumo Fórum Brasil de Televisão 2013, um dos

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 143


principais fatores de sucesso é estar em num filme, ser expandida pela televisão,
todas as partes da cadeia de valor. romances e quadrinhos; seu universo possa
ser explorado em games ou experimentado
Operamos em todas as partes da mídia como atração de um parque de diversões.
e essa é a razão pela qual somos bem Cada acesso à franquia deve ser autônomo,
sucedidos no digital. Estamos no YouTube, para que não seja necessário ver o filme
temos plataforma on-demand no Netflix para gostar do game, e vice-versa. Cada
e nos games. Estamos em todas as partes produto determinado é um ponto de
da cadeia de valor. acesso à franquia como um todo (JENKINS,
2008, p. 135).
Além de pensar na audiência
tradicional, os profissionais precisam
aprender a lidar com a extensão da Ou seja, para se produzir conteúdos
audiência em outras plataformas, ou voltados para essa nova realidade, é
seja, adotar o conceito de transmídia no preciso explorar a gama de produtos
planejamento de seus produtos. convergentes disponibilizados, na qual as
Na transmídia são utilizadas as mais pessoas acabam indo atrás do que mais
diversas plataformas de mídia, buscando lhe interessam e estão relacionados com
sempre alcançar o público-alvo e os o seu cotidiano e, assim, elas deixam de
objetivos do projeto, podendo ser em atuar como meros espectadores e se
um lançamento ou no posicionamento transformam em colaboradores.
de uma marca, na mudança de conceitos Nesse sentido é preciso ampliar a
ou mesmo no aumento das vendas de lógica de integrar mídias e passar a
determinado produto ou serviço, desde integrar contextos de vida, aproximando,
que exista uma interligação entre todas de fato, o cotidiano do consumidor.
as plataformas de mídia e o público A compreensão obtida por meio
interaja em mais de um tipo de mídia de de diversos tipos de mídia sustenta
forma sinérgica. uma profundidade e intensidade de
Henry Jenkins utilizou o termo experiências, motivando mais consumo.
transmídia pela primeira vez em artigo Sendo assim, oferecer novos níveis
da revista Technology Review, em de revelação e experiência renova a
2003. Três anos mais tarde aperfeiçoou franquia e sustenta a fidelidade do
o conceito no livro Cultura da consumidor. A lógica econômica de uma
Convergência, publicado no Brasil em indústria de entretenimento integrada
2008. horizontalmente — isto é, uma indústria
Interessado especificamente no filme em que uma única empresa pode ter
Matrix, o autor dizia que a experiência raízes em vários diferentes setores
dos irmãos Wachowski se expandia midiáticos — dita o fluxo de conteúdos
além das telas do cinema, constituindo- pelas mídias (Cf. JENKINS, 2008, p.l3S)
se numa narrativa transmidiática Aliado a isso, fatores de qualidade,
(Transmedia Storytelling). valor da marca e custo benefício são
fundamentais para definir a escolha do
Uma história transmidiática se desenrola conteúdo que será consumido. Logo,
através de múltiplos suportes midiáticos, reforçar a competição, experimentação e
com cada novo texto contribuindo de o modelo de negócio sustentável à base
maneira distinta e valiosa para o todo. Na barata e financiável se torna um desafio
forma ideal de narrativa transmidiática, primordial e estratégico.
cada meio faz o que faz de melhor — a fim Portanto, devemos abordar novas
de que uma história possa ser introduzida estratégias de gestão centrada em

144 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


posturas de mercado, onde os conteúdos referêncIaS
tornam-se uma questão fundamental,
integrando oportunidades, dados dos BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette.
programas e compreendendo as receitas Comunicação digital: educação, tecnologias
que estes poderão gerar levando em e novos comportamentos. São Paulo:
consideração quantas e quais espécies Paulinas, 2008.
de micro nichos de serviços são BLOG VIACOM. Disponível em: http://blog.
economicamente viáveis, compatíveis e viacom.com/2013/10/consumer-insights-
aceitáveis para tal negócio. when-tv-gets-social/. Acesso em: 10 de junho
Mediante tal contexto, deve se de 2015.
criar uma proposta de narrativas que CASTELLS, M.. A sociedade em rede: a era da
acompanhe a evolução das novas informação: economia, sociedade e cultura.
plataformas tecnológicas e englobe toda São Paulo: Paz e Terra, 1999.
a cadeia produtiva, tomando o cuidado FÓRUM BRASIL DE TV 2013. Disponível em:
para que o consumidor que optar por http://forumbrasiltv.com.br/2013/. Acesso
não acompanhar todas as vertentes não em: 10 de junho de 2015.
fique perdido do produto principal. INSTITUTE DELOITTE. Disponível em:
Essas características, aliadas à http://www2 .deloitte.com/content/dam/
prática da regionalização da produção Deloitte/global/Documents/Technology-
e experimentação de novos formatos Media-Telecommunications/dttl-tmt-
e conteúdos, proporcionam impactos ustmt2ol 3vcsurvey-09201 3.pdf. Acesso em:
diretos na circulação da informação, 10 de junho de 2015.
principalmente no que tange à pesquisa JENKINS, Henry. Cultura da convergência.
e inovações nos gêneros e formatos, São Paulo: Editora Aleph, 2006.
criando uma cultura de segmentação JENKINS, Henry. Transmedia storytelling.
com a pluralidade necessária para Moving characters from books to films to
retratar o seu povo e promover a reflexão videogames can make them stronger and more
de seus telespectadores. compelling. Technology Review, Disponível
A linguagem digital, além de em: http://www. technologyreview.com/
permitir a universalização dos bens biotech/1 3052. Acesso em: 10 de junho de
e serviços, inovações de formato, 2015.
conteúdos, qualidade e possibilidade MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades,
de portabilidade, abrirá caminhos para identidades, alteridades: mudanças e
uma identificação mais apurada do perfil opacidades da comunicação no novo
do telespectador, o que aumentará o século. In: MORAES, Dênis (org.). Sociedade
poder de penetração da publicidade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
e consequentemente da economia, VILCHES, Lorenzo. A migração digital. São
convergindo aspectos da radiodifusão, Paulo: Edições Loyola, 2003
da informática e das telecomunicações
num único serviço: a TV interativa.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 145


BIoInVaSão, um InImIgo SIlencIoSo
fláVIo De VaSconceloS camargo
reSumo
Todas as espécies possuem uma distribuição natural determinada basicamente por sua
distribuição espacial e temporal, em geral marcada pela constante movimentação e pelo
intercâmbio entre os genes dessas espécies, resultando em um equilíbrio entre as migrações
e extinções. Esses processos naturais acontecem quando barreiras biogeográficas ou
filtros biológicos são transpassados ou de alguma maneira vencidos, o que vem ocorrendo
com maior frequência nos últimos dois séculos, criando uma nova dinâmica, alterando
a composição e distribuição principalmente da fauna marinha devido ao processo de
transporte de pessoas e mercadorias ao longo do mundo ou em sistemas de cabotagem.

PalaVraS-chaVe
Biodiversidade; Água de lastro; Distribuição; Invasão; Competição.

aBStract
All species have a natural distribution determined basically by their spatial and temporal
distribution, generally marked by constant movement and the exchange between the genes
of those species, resulting in a balance between migrations and extinctions. These natural
processes occur when biogeographical barriers or biological filters are somehow overcome,
what has been happening with greater frequency in the last two centuries, creating a new
dynamic, changing the composition and distribution of marine fauna, mainly due to the
process of transport of persons and goods throughout the world or cabotage systems.

KeYWorDS
Biodiversity; Ballast Water; Distribution; Invasion; Competition.

A distribuição espacial e temporal acontecer, o perfil de migrações mudou


dos organismos é marcada pela devido à ação antrópica extensiva,
movimentação e a dinâmica ambiental, contribuindo negativamente para uma
que influenciam, de maneira direta, a grande parte de ecossistemas e ambientes
composição das espécies, resultando principalmente quando levamos em conta
em um equilíbrio natural entre as taxas a mudança da biota local e de grande
migratórias e extinções. Esses processos parte da biodiversidade.
naturais acontecem quando barreiras Sendo assim os seres humanos ao
biogeográficas são transpassadas, longo de sua história principalmente com
podendo ocorrer em escalas geológicas o grande avanço tecnológico alcançado
ou em períodos curtos de poucos anos. proporcionaram uma aceleração no
Entretanto, nos últimos dois séculos, uma processo de distribuição de muitos grupos
nova dinâmica movida pela ação antrópica animais. O transporte de espécies por
vem mudando a composição natural longas distâncias e de modo rápido vem
dessas espécies e sistemas. Apesar desses contribuindo para eliminar ou reduzir as
eventos naturais ainda continuarem a barreiras naturais que sempre separaram

146 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


os ecossistemas e mantiveram sua mecanismo mais eficiente de dispersão
integridade. de organismos marinhos e de água doce.
De acordo com a Bioinvasão é Várias espécies sobrevivem na água de
o ato ou efeito de um ou mais organismos lastro, devido principalmente à quantidade
invadirem e se estabelecerem em de estágios larvais que asseguram de
ambientes onde não haviam registros certa maneira sua sobrevivência durante o
anteriores para a espécie. (SOUZA et al., período de transporte pelos vetores e, ao
2009) serem deslastradas, podem obter sucesso
e promover alterações no equilíbrio
Nos últimos dois séculos vem surgindo ecológico da área receptora. Portos
uma nova biogeografia marinha, mudando situados em áreas protegidas, como
a distribuição de espécies nos mares do baías e estuários, são mais suscetíveis ao
planeta. Nesse sentido existem dois tipos processo. Atualmente, é possível associar a
de invasão de uma espécie para uma água de lastro como sendo um importante
área onde não existiam: a) expansões, vetor para os registros de introdução de
que ocorrem naturalmente, e b) as alguns grupos biológicos como: bactérias,
introduções, que ocorrem por atividades fitoplâncton, zooplâncton, macroalgas
humanas intencionais ou não. e zoobentos. Invariavelmente a água de
Dessa maneira as distribuições lastro mesmo trocada próximo das áreas
geográficas de animais marinhos são receptoras não apresentam 100% de
o resultado de processos naturais eficiência nessa troca. A total esterilização
complexos e são moldadas ao longo dessa água não é economicamente
do tempo geológico. A dispersão viável, mas a adoção de um sistema de
geográfica dos invertebrados marinhos, gerenciamento e controle pode reduzir a
em especialmente aqueles com possibilidade de introdução de espécies
desenvolvimento larvar, é basicamente indesejáveis.
resultado do transporte por correntes No Brasil, o grande número de portos
oceânicas, e seus padrões de distribuição e a variedade de ecossistemas constituem
são limitados pelas características a primeira barreira para a execução
biológicas e ecológicas das espécies (Cf. rápida e eficiente de leis e diretrizes que
ALVES et.al., 2006). regulamentem a descarga de águas de
Essas transposições geralmente lastro. O monitoramento do ambiente
ocorrem primeiramente pela dificuldade é imprescindível para o controle e o
de observar os organismos devido ao gerenciamento do problema. Sendo assim
tamanho pequeno e de habito críptico o pré-requisito para qualquer tentativa
Camargo et al. (Cf. 2010), o que favorece de controle está no conhecimento da
o transporte por meio de um vetor o que fauna e da flora locais, identificando as
segundo e Souza et al. (Cf. 2009), pode ser espécies endêmicas e determinando
denominado por qualquer meio que sirva a presença, distribuição e abundância
de veículo para transporte de espécies de de espécies exóticas. Dessa maneira
um local doador para um local receptor. é possível observar que a diversidade
São vetores: navios, plataformas, diques biológica distribuída no mundo apresenta
secos, bóias de navegação e flutuantes, uma tendência a uma maior similaridade
aviões-anfíbio e hidroaviões, canais, diminuindo a heterogeneidade, o que
aquários públicos, pesquisa (científica ou deve promover a perda da biodiversidade,
não), detritos marinhos flutuantes, pesca, causando a deterioração dos ecossistemas
inclusive aqüicultura marinha, aquarismo, em geral.
restauração e equipamentos de recreação.
Nesse sentido, o aumento do tráfego referêncIaS:
marítimo e o uso de grandes navios
têm feito da água de lastro, geralmente ALVES, D. F. R., COBO, V. J. & MELO, G. A. S.
utilizada para obter maior estabilidade Extension of the geographical distribution of
e ajudar na propulsão e em manobras, o some brachyuran and porcellanid decapods

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 147


(Crustacea) to the coast of the State of São of São Paulo state. Pan-American Journal of
Paulo. Revista Brasileira de Zoologia, 23(4): Aquatic Sciences, v. 5, p. 169-172, 2010.
1280-1283, 2006. SOUZA, R.C.C.L.; CALAZANS, S.H. & SILVA, E.P.
CAMARGO, F. V. ; ALVES, D.F.R. ; COBO, V. Impacto das Espécies Invasoras no Ambiente
J. Range extensions for three majoid crabs Aquático. Ciência e Cultura, 61: 35-41, 2009.
(crustacea decapoda Brachyura) on the cost

reDeS tecnológIcaS De Informação e


comunIcação : oS DeSafIoS contemPorâneoS
De uma autêntIca cultura Do encontro
marcIuS nahur
reSumo
Este texto pretende discutir os enormes desafios contemporâneos de uma autêntica
cultura do encontro na era das redes tecnológicas de informação e de comunicação.
Traz uma reflexão filosófica sobre a imponência da racionalidade tecnológica, que une
pensamento abstrato e experiência concreta, afirmando-se já não ser mais possível
desconectar a ideia de poder e progresso de uma realidade virtual construída no seio
da sociedade da informação e da comunicação, concebida como um novo paradigma
econômico, social e cultural.Nesse ambiente virtual inundado de fluxos intensos e
velozes de imagens, palavras e sons, as redes sociais não devem ser entendidas apenas
como redes de máquinas conectadas, mas, sobretudo e especialmente, como redes de
pessoas prudentes, inclinadas para uma autêntica cultura do encontro com o outro,
pautada por relações de cooperação, compartilhamento e cuidado com o próximo, em
que não fiquem distantes os transcendentais do belo, do bem e da verdade.

PalaVraS-chaVe
Informação; Conhecimento; Comunicação; Redes; Encontro.

aBStract
This paper discusses the enormous contemporary challenges of an authentic culture
of the meeting in the era of technological networks of information and communication.
It brings a philosophical reflection on the grandeur of technological rationality that
unites abstract thinking and concrete experience, asserting itself no longer be possible
to disconnect the idea of power and progress of a virtual reality constructed within
the information and communication society, conceived as a new economic, social and
cultural paradigm. That flooded the virtual environment of intense and rapid flows
of images, words and sounds, social networks should not be understood merely as
machines connected networks, but above all and especially as networks of prudent

148 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


people, inclined to an authentic culture of meeting the other, marked by relations of
cooperation, sharing and caring with others, in that they are not far from the beautiful
transcendental, goodness and truth.

KeYWorDS
Information; Knowledge; Communication; Networks; Meeting.

IntroDução associação entre os valores cosmopolitas,


Não é tão fácil refletir a respeito trazidos pelos meios de informação e
do impacto produzido pela tecnologia, comunicação, vão se combinando de
nos últimos tempos, sobre as muitas muitas e múltiplas formas, compondo
dimensões da vida humana. uma profunda experiência singular e
Assiste-se a uma mudança, sem heterodoxa da vida nos tempos atuais.
precedentes, na estrutura mais íntima Os processos de massificação são
da própria experiência das relações somente aqueles vistos ou observados
humanas, gerada por algum veículo no espetáculo midiático cotidiano ou
poderoso de informação e comunicação. eles têm formas mais sutis que influem,
É certo que a difusão rápida e quase decisivamente, no destino dessa época
instantânea de ideias, conceitos e do mundo virtual? Como se pode saber
valores tem disseminado pautas de em que acreditam os seres humanos, na
comportamento ou padrões de cultura, era atual da alta tecnologia, quando os
através de todos os quadrantes do mundo. tão poderosos meios de informação e
Nunca antes, os próprios equipamentos de comunicação bombardeiam, o tempo
tecnológicos se difundiram tanto, por toda todo, o imaginário das pessoas mais ou
parte do globo, como nos tempos atuais. menos conscientes desse movimento
Trata-se de uma difusão que, aliás, tem avassalador? Como entender as novas
se verificado de maneira bastante intensa formas de relacionamentos com o
e crescente, de modo a provocar uma mundo e com os outros? Como é que
nova experiência quase desconcertante tudo isso está ligado às estruturas da
no cotidiano das pessoas. Estão tantos superespecialização dos processos
envolvidos nesse processo, a sacudir o produtivos do capitalismo e escudado
mundo com tanta rapidez, que já não se nos meios poderosos de informação e de
dão conta do que está acontecendo e os comunicação, suportes indispensáveis da
fatos parecem caminhar muito na frente própria economia do consumo de massa?
dos hábitos mentais de pensar a respeito Em suma, qual a atitude do homem
da própria realidade. diante desse quadro oferecido pela
Alguns pensadores, baseados apenas evolução tecnológica até agora? E o
na observação superficial de que a futuro desse mesmo homem dentro de
tecnologia está se alastrando com rapidez, um cenário virtual estonteante? Que
por toda parte - o que é óbvio -, e de que caminhos poderão ser revistos para a
os costumes ligados a essa tecnologia vida humana num futuro mais próximo
também se espalham pelos vários cantos ou remoto? Qual a perspectiva final que
do mundo - o que também é evidente -, se vislumbra nesse cenário, em termos
de maneira simplória, dizem que o mundo de reflexão filosófica realista, mas não
segue na direção de se transformar numa pessimista, diante de uma visão mais
espécie de aldeia global. ampla desse tempo-espaço tecnológico
A reflexão parte de uma perspectiva com vistas ao presente-futuro da própria
apenas ostensiva dos fatos, pois o que humanidade?
se passa é muito mais complexo, já que a Para se enfrentar esse último

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 149


questionamento, que condensa todos informação e de comunicação, com o
os outros anteriores, inicialmente, será propósito de uma conexão tecnológica
abordada a era tecnológica e a nova total, capaz de encurtar o tempo e
concepção filosófica por ela introduzida o espaço das relações entre os seres
na sociedade atual. humanos. (Cf. MANACORDA, 1982, p. 20).
Em seguida, torna-se imperioso Está em franca gestação uma nova
tratar da sociedade da informação e do sociedade, baseada nas redes sociais,
conhecimento, como um novo paradigma mediante o uso de ordenadores
da vida contemporânea. tecnológicos. Nessa sociedade,
Após isso, a reflexão se voltará os intercâmbios principais são os
para a mudança cultural trazida pela fluxos frenéticos de informações e
alta tecnologia da informação e da comunicações, incluindo aspectos até
comunicação, acarretando uma nova mesmo alienantes e marginalizadores.
forma de compreensão da realidade. A liderança está com os detentores
Na etapa subsequente, será desse poder, com seus processamentos
indispensável colocar em pauta a automáticos e sofisticações tecnológicas.
discussão em torno da própria realidade, (FORESTER, 1992, p. 321).
agora vista como uma espécie de A sociedade tecnológica ainda está
construto pela via extraordinária de um pouco longe de já ser universal em
fragmentos e segmentos multifacetários. plenitude, como até se acredita, mas o é
Dentro desse cenário, torna-se em potencial, no sentido de que se tornou
inevitável passar, então, para a análise uma condição sem a qual não mais se
da realidade da própria rede social, tida concebem o poder e o progresso.
como uma envolvente profecia de um Parece não haver dúvidas de que poder
mundo novo de relações humanas. e progresso tecnológicos dependem do
Por fim, será discutido o desafio de estabelecimento de certa relação entre
se transformar, no mundo atual, a rede o pensamento abstrato e a experiência
de máquinas em uma rede de pessoas, concreta. Por sua vez, essa relação só
compartilhando uma autêntica cultura do pode ser instituída por um tipo particular
encontro com o próximo. de raciocínio: aquele que prioriza
proposições quantificáveis e exige que as
a era tecnológIca: uma VIraVolta fIloSófIca explanações se submetam à confirmação
A tecnologia contemporânea, ou refutação de fatos veiculados aos
sobretudo a das últimas décadas, alterou turbilhões. (Cf. ARON, 1965, p. 65).
o curso da experiência humana de hoje, Os pensadores da tecnologia atual se
de modo substancial, considerados os julgam, talvez, mais racionais do que os
padrões comportamentais até ontem seus predecessores, porque conjugam
conhecidos. melhor o pensamento abstrato com a
Os poderosos meio de informação e experiência cotidiana, por causa de seu
comunicação, cada vez mais aprimorados, modo de interrogarem a realidade e de
estão imprimindo uma mudança no sua convicção de que a inteligibilidade
espírito da época em curso, cujo impacto do mundo deve ter mesmo essa base
na vida humana supera tudo quanto filosófica bem determinada. Em outras
se possa imaginar. Nessa nova era, são palavras, a racionalidade tecnológica
apreciadas as formas intangíveis de está relacionada com a metodologia, no
poder, apresentadas em pacotes de sentido mais amplo do termo. Por seu
informação, e veículos de comunicação turno, a metodologia está ligada ao que se
como potentes ativos intelectuais. (Cf. pode chamar de uma concepção filosófica
RIFKIN, 2009, p. 97-98). da verdade, esta confirmada pelo critério
Vive-se na guerra das galáxias, um prevalente do resultado pragmático do
planeta salpicado de redes mundiais de sucesso alcançado com a informação e a

150 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


comunicação. revolução tecnológica deu origem ao
Essa racionalidade tecnológica está chamado informacionalismo, tornando-
em alta no mundo atual, sempre como se assim a base material dessa nova
meio e fim em si mesma. E tudo indica sociedade, em que se tornaram supremos
já não ser mais possível desconectar os valores da liberdade individual e
a ideia de poder e de progresso da da comunicação aberta. No reino do
realidade construída, em tempo-espaço informacionalismo, as tecnologias
tecnológico, dentro da sociedade da ganham um papel de destaque em
informação e do conhecimento. todos os segmentos sociais, permitindo
o entendimento da nova estrutura
SocIeDaDe Da Informação e Do conhecImento: social - sociedade em rede - e, por via de
um noVo ParaDIgma consequência, de uma nova economia,
O modo como se dá a relação entre na qual a tecnologia da informação é tida
público e privado, que começou na como uma ferramenta indispensável na
época do surgimento da imprensa, manipulação da informação e construção
mudou bastante no século XX, desde do conhecimento pelos indivíduos, pois
que surgiram a microeletrônica e os a geração, processamento e transmissão
computadores, tudo com o rótulo de da informação torna-se a principal fonte
revolução da informação. Informar não de produtividade e poder. (Cf. CASTELLS,
significa apenas relatar os fatos, mas 1999, p. 21).
também formar a mente. A importância da Esse poder é observado, sobretudo,
informação já era apreciada, claramente, na produção econômica e na cultura
em alguns círculos políticos e científicos material desta nova sociedade, que
no século XVII, mas foi ressaltada ainda apresenta três características básicas:
mais na sociedade comercial e industrial polifuncionalidade, flexibilidade e redes
dos últimos séculos, quando as noções de descentralizadas. (Cf. LOJKINE, 2002, p.
velocidade e distância sofreram profundas 13-15).
transformações. (Cf. BRIGS; BURKE, 2004, Diz-se que a sociedade em rede,
p. 193). propriamente, não seria um modismo,
É possível dividir o debate sobre mas uma profunda mudança na
a sociedade da informação em duas organização da vida, podendo ser
grandes linhas: a primeira, constituída considerada um novo paradigma técnico-
pelos teóricos defensores do pós- econômico. Essa nova era pode ser lida
industrialismo, pós-modernismo e do como um fenômeno global, porque afeta
modo informacional do desenvolvimento, as atividades sociais e econômicas nos
que acreditam que esse novo modelo mais diversos lugares, haja vista que suas
marca o surgimento de uma nova estruturas e dinâmicas são atingidas, em
ordem social, cuja característica básica profundidade, pela infraestrutura das
é o fluxo de informações de uma forma informações disponíveis. Duas dimensões
nunca antes imaginada; a segunda, se destacam nessa nova sociedade: a
configurada por aqueles que apontam ser político-econômica e a social. A primeira
a nova ordem social contemporânea um pode ser explicada pela metáfora de uma
processo contínuo e evolutivo da própria boa estrada, já que facilita a entrada e saída
sociedade, embora reconheçam que a de fluxos de informações, proporcionando
utilização da informação nas diversas mais e melhores empreendimentos em
atividades e esferas humanas tenha determinadas localidades. A segunda
atingido patamares incomparáveis com pode ser entendida pela amplitude que as
qualquer outra época. informações têm em termos de interação
De algum modo, não se deixa de e integração entre indivíduos espalhados
reconhecer o modo informacional de pela superfície do globo e até mesmo com
desenvolvimento, quando se diz que a quem se encontra fora da órbita terrestre,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 151


nas estações espaciais. garantia que disso resulte conhecimento,
Nesse contexto extraordinário, muito menos conhecimento qualificado.
é possível destacar as principais Mesmo que se queira falar de
características desse novo paradigma revolução tecnológica, é preciso ter clareza
informacional. A informação é a sua de que ela não se opera apenas com
matéria-prima, existindo uma ligação disseminação horizontal de informações
simbiótica entre ela e a tecnologia, uma em fluxo frenético.As informações
espécie de relação de complementaridade constituem a base do conhecimento, mas
entre ambas. A capacidade de penetração a sua aquisição implica, antes de mais
dos efeitos das novas tecnologias está nada, o desencadear de uma série de
consubstanciada no poder de influência operações intelectuais, capaz de tornar as
exercido pelos meios eletrônicos na vida diversas informações relacionadas entre
social, econômica e política da sociedade. si em conhecimento, criando uma rede de
A lógica das redes, que facilita a interação significações aprendidas e apreendidas
entre todos, pode ser implantada em todos pelos sujeitos. No entanto, embora
os tipos de processos e organizações. A exista uma relação entre informação e
sua flexibilidade se afirma pela enorme conhecimento, há também uma distinção
potencialidade de configurar, alterar e entre ambos:
reorganizar as informações. E há uma
convergência de tecnologias específicas Informação é todo o dado trabalhado,
para um sistema bastante integrado, em útil, tratado, com valor significativo
que o contínuo processo de aproximação atribuído ou agregado a ele, e com um
entre os diferentes campos tecnológicos sentido natural e lógico para quem usa a
resulta da sua lógica comum de produção informação. O dado é entendido como um
da informação, de modo que os seus elemento da informação, um conjunto de
usuários possam exercer um papel ativo letras, números ou dígitos, que, tomado
na produção do conhecimento. (Cf. isoladamente, não transmite nenhum
CASTELLS, 1999, p. 31-33). conhecimento, ou seja, não contém um
Todas essas características estão significado claro. Quando a informação é
ligadas, de certo modo, ao processo de ‘trabalhada’ por pessoas e pelos recursos
democratização do conhecimento, fazendo computacionais, possibilitando a geração
surgirem novos espaços para a busca de cenários, simulações e oportunidades,
e o compartilhamento de informações pode ser chamada de conhecimento. O
num processo de desterritorialização do conceito de conhecimento complementa
saber, visto não existirem barreiras de o de informação com valor relevante e
acesso a ideias, valores, bens e serviços de propósito definido. (REZENDE; ABREU,
no ciberespaço. O importante nessa nova 2000, p. 60).
sociedade não é a tecnologia em si, mas
a ampla possibilidade de interação que A finalidade das redes sociais de
proporciona a cibercultura, a cultura comunicação do século XXI será, pois,
digital. (Cf. LÉVY, 1996, p. 21-23). tentar assegurar e ampliar a primazia
Não obstante os meios eletrônicos da construção do conhecimento, numa
tenham se tornado poderosos canais de sociedade em que o fluxo de informação é
comunicação horizontal, independente vasto e abundante. Para que a sociedade
da classe social dos indivíduos, a da informação possa ser considerada
realidade é que, muitas das vezes, ainda uma sociedade do conhecimento é
ficam de fora todos aqueles que não têm imprescindível que se enxerguem
condições de acesso, e não são poucos os critérios para se organizar e selecionar
excluídos, mesmo nos dias atuais; além as informações. Assim, não basta ser
disso, o próprio acesso à informação, para embalado e moldado, simplesmente,
aqueles tantos que podem tê-lo, não é pelas torrentes de informações

152 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


disponíveis no mundo virtual. valores, experiências e significados
Não há dúvidas de que as novas compartilhados que sustentam a cultura
tecnologias da informação e da dos povos, já que o global invade o
comunicação, que tanto potencializam o local. Acontece que a economia digital
conhecimento, estão determinando um incorpora até mesmo o tempo livre, que
largo passo para uma nova era da história não era objeto de relações comerciais, de
da humanidade. Todavia, não se ignora tal modo que se tem uma comercialização
que há também uma tecnocracia que traz onipresente, em que toda experiência
não só impactos ideológicos, políticos, humana fica mercantilizada. A
econômicos e sociais, bem como efeitos sociedade da informação implica maior
colaterais na própria cultura, que também individualismo e a tecnologia aparece
se torna objeto dessa globalização digital. como substituta das relações humanas
e sociais, acarretando uma distorção
na elaboração coletiva de ideais. A
a muDança cultural: noVa rePreSentação Da cultura se converte, cada vez mais, em
realIDaDe experiência de vida que pode ser objeto
A cultura pode ser entendida no de embalagem e venda. Da mesma forma
sentido de múltiplas relações que que já se falou sobre a vinculação entre
conformam as experiências vividas pelos o econômico, o cultural e o tecnológico e
indivíduos e pela comunidade, como sua incidência no mundo do trabalho, hoje
um mosaico de significações. Como ser a vinculação entre o econômico, o cultural
cultural, o homem está imerso nesse e o tecnológico tem impacto imediato no
emaranhado complexo, dentro de sujeito consumista contemporâneo. (Cf.
alguma cultura peculiar, de modo que a LYON, 2000, p. 161).
comunicação entre ele é sempre criação e A força dos meios eletrônicos
transmissão de valores e significados. digitais, nesse momento da história
Todos os âmbitos da cultura da humanidade, está em forjar uma
são transmissores de significado impactante cultura comunicacional. O
social. A cultura que, há séculos, postulado já conhecido é o seguinte: o
esteve desvinculada das relações de meio é a mensagem. (Mcluhan, 1993,
intercâmbio, na atualidade, está imersa p. 11). Agora, esse postulado chega a
nessas relações, pois há uma mudança se converter em o meio é a massagem.
de grande envergadura, a ponto de se A cultura do consumismo absorveu a
dizer que a publicidade e a propaganda cultura tradicional e, atualmente, se
já são intérpretes e transmissoras de emprega todo o aparato tecnológico
certos significados culturais, de modo para mercantilizar a própria experiência
que a era do capitalismo informacional humana, chegando a se falar de indústria
não elabora apenas bens e serviços, da experiência. (Cf. RIFKIN, 2000, p. 196).
mas também produções culturais. (Cf. As culturas de base, constituídas
Rifkin, 2000, p. 235). Com o aumento e durante milênios, estão sendo
extensão das tecnologias da informação suplantadas em suas tradições por outras
e da comunicação, na vida cotidiana, formas e valores culturais transmitidos
todas as formas de relações estão se através dos novos meios de comunicação.
mercantilizando, inclusive, a própria A cultura já não se identifica com a
cultura. A cultura perde sua ancoragem memória coletiva, a expressão do espírito
comunitária e fica reduzida a um fugaz e popular, a manifestação da consciência
raso entretenimento comercial, pois no social, o conhecimento e o exercício de
mercado só impera a utilidade e o valor da valores próprios, hábitos e normas de
mercadoria. Esse processo não deixa de convivência, que dão identidade a uma
representar certa ameaça para as culturas comunidade. (Cf. Gonzales Manet, 1999,
tradicionais, com seus sentimentos, p. 23). Toda essa mudança cultural traz

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 153


para o homem moderno outra percepção e imerso numa multiplicidade de relações
do mundo, atraindo-o para uma nova com os outros, mantidas de formas muito
representação da própria realidade diversas pelos meios tecnológicos mais
circundante. sofisticados.
A nova era tecnológica reporta a uma
mudança de constituição e conformação
a realIDaDe: um conStruto Por fragmentoS e da realidade. Pode-se dizer que há
SegmentoS multIfacetárIoS uma vertiginosa passagem do mundo
A modernidade se estabeleceu tipográfico moderno para o mundo
como um tempo-espaço de progressiva eletrônico pós-moderno, em que a
transparência e como projeto de informação e a comunicação digitais
emancipação da humanidade. parecem dar os contornos da realidade
O trânsito para a pós-modernidade em sua totalidade, até mesmo das
estabeleceu um giro na objetividade, na relações pessoais, que se tornam uma
racionalidade e no conhecimento, acres- experiência ao mesmo tempo múltipla,
centando que nada é alheio a seu proces- complexa e contraditória. (Cf. MORAIS,
so nem a seu tempo-espaço, de modo que 1971, p. 13).
a verdade não é apenas aquilo que se tem Não é necessário tanto esforço
por real, mas tambémum construto virtu- reflexivo para verificar que valores
al por fragmentos e segmentos multifac- ou pautas de cultura pertencentes a
etários. A pós-modernidade se constroi segmentos tão variados e alastrados,
nesse novo universo tecnológico, virtual e de maneira muito rápida, numa mesma
da informação eletrônica mundial. As tec- geração, não demorariam a trazer choques
nologias da informação e da comunicação uns com os outros, por vezes de modo
eletrônica possibilitam a transmissão de disparatado, através de conflitos íntimos
uma visão global da experiência, da cul- e profundos nem sequer suspeitados.
tura e da história, haja vista que existem É verdade que os valores antigos ou
diversas histórias e múltiplas construções tradicionais nunca se desfizeram de todo,
do passado na consciência e na imagina- e, mesmo agora, na era da alta tecnologia
ção coletiva. O curso unitário ou totaliza- eletrônica, os conflitos de valores antigos
dor da história se perdeu, não para abar- e novos ainda se realizam em planos
car outras perspectivas, mas para voltar a profundos da mente. (Cf. Morais, 1971, p.
se encontrar numa contemporaneidade 17). Entretanto, um fato é bem visível: o
complexa, elaborada na sociedade global da atividade ininterrupta dos poderosos
da informação. (Cf. VATTIMO, 1987, p. 16- meios ou processos das novas tecnologias,
18). no sentido de difundir as suas pautas de
O novo capitalismo da informação ou valores.
pós-moderno produz o câmbio dos ante-
riores valores ligados à produção indus- a reDe SocIal: ProfecIa De um munDo noVo
trial por novos valores relacionados com É preciso sempre perguntar como
o consumo massificado e as relações pes- vive a humanidade. Antes de qualquer
soais se perdem na teia de redes labirín- indagação sobre a comunicação, deve-se
ticas. Criou-se uma forma muito diferente tentar compreender onde se vive, qual
de consciência relacional no universo da é o contexto em que os seres humanos
interatividade da interconexão total, na se relacionam e como o fazem. Qual é a
chamada aldeia global. (Cf. CHOMSKY; DI- experiência de comunicação que se vive
ETRICH, 1997, p. 9). a cada dia? Como vive o mundo hoje,
Assiste-se a um mundo que morre num tempo-espaço em que as redes
frente a outro tipo de mundo que nasce: comunicativas envolvem o globo?
o sujeito está mais vinculado ao tempo- O panorama comunicativo, aos
espaço do virtual, transformado em real, poucos, converteu-se numa espécie

154 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


de ambiente de vida para muitos. O de encontro solidário entre todos.
mundo vai se tornando sempre menor Solidariedade não é apenas uma virtude
e, aparentemente, as pessoas estão que se pode ter ou não. Ela é uma espécie
mais perto umas das outras. Os amigos de lei suprema do universo, porque há
das redes sociais estão sempre na uma relação de tudo com tudo, em todos
distância de um simples clique: muito os pontos, em todos os momentos. Em
pouco esforço é necessário para se obter tudo há uma interdependência.
imagens e notícias de pessoas a quem se
está ligado. Todos estão mais conectados Dizem-nos os etnoantropólogos que o
e interdependentes. Todavia, é inevitável salto da animalidade para a humanidade
a indagação: é suficiente multiplicar ocorreu no momento em que nossos
as conexões para se desenvolver a ancestrais começaram a levar o que
compreensão recíproca entre as pessoas caçavam para o grupo, de modo a dividir
e as relações autênticas? Não é por outra o alimento fraternalmente entre si. A
razão que se diz: solidariedade e a cooperação é que
permitiram a sociabilidade, o surgimento
É claro que temos multiplicado as da linguagem, e definem o ser humano
possibilidades de comunicar, de receber como sócio, como companheiro-
informações, de transmitir notícias. Mas filologicamente, aquele que comparte o
podemos realmente dizer que cresceu a pão. (BOFF, 2003, p. 31).
capacidade de nos compreender, ou talvez,
paradoxalmente, nos compreendermos Assim, os humanos são seres
cada vez menos? (BENTO XVI apud de solidariedade. O que importa é
FRANCISCO, 2014, p. 14). transformar esse dado objetivo de
cooperação universal num projeto
Não basta essa comunicação global pessoal. Só assim cada um se afinará
para superar as divisões; ao contrário, com a lógica do universo, tornando-se
mesmo hoje unido pelas redes, o mundo benevolente, e não destrutivo.
vive o paradoxo de estar dividido. Mas,
essa divisão, que é global, também não reDe De PeSSoaS: não De máquInaS
deixa de ser local, com tantos contrastes Os desafios desse encontro solidário
entre incluídos e excluídos do acesso a entre todos são gigantescos. O progresso
bens e serviços que assegurem o mínimo levou a receber mais informações do que
existencial para a dignidade humana. Não se pode bem discernir e melhor avaliar.
é por outro motivo que se tem observado: Os interesses econômicos por trás
são poderosos. Muitas pessoas estão
A cultura da comunicação não pode excluídas de conexões e de tecnologias
conviver com a cultura do descartável, melhores. Entretanto, os desafios
porque comunicar significa hoje, precisam ser enfrentados, e não devem
essencialmente, não a simples transmissão bloquear os encontros. O mundo há de
da mensagem, mas o fato de condividi-la. ser compreendido e orientado. Há uma
(FRANCISCO, 2014, p. 15). utopia realista de um mundo melhor.
A rede é uma conquista mais humana
As redes que unem e conectam os do que tecnológica. A rede não é feita de
seres humanos devem impulsioná-los fios, tubos e cabos. A rede digital pode
para uma visão de um mundo bem diverso ser lugar rico de humanidade; não rede
daquele que se tem à frente, tão cheio de de máquinas eletrônicas, mas de pessoas
fissuras, tão repleto de divisões. humanas.
Em certo sentido, a rede é a profecia de É preciso voltar ao homem e
um mundo novo, também porque deve ser perseguir as categorias de estrutura
capaz de oferecer maiores possibilidades (corpo, psiquismo e espírito), de relação

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 155


(objetividade, intersubjetividade e das redes de relação, de proximidade.
transcendência) e de unidade (realização Trata-se também de testemunhar o que
e pessoa), entendendo que a antropologia se comunica, assumindo o envolvimento
filosófica delineia a de quem está do outro lado. Significa
[...] figura conceptual do ser do homem tocar a outra pessoa, permanecendo
segundo sua estrutura e segundo as suas consciente desse contato. A comunicação
relações fundamentais, ou seja, no seu deve assegurar que somos humanos, e
ser-em-si - esse in se- e no seu ser-para- não máquinas, compartilhando nossa
outro - esse ad alium vel aliud. (VAZ, 1992, humanidade de muitas formas, até mesmo
p. 141). por meio de máquinas tecnológicas.
É fato que a comunicação, nos dias
Na categoria da pessoa realiza-se de hoje, tende para a manipulação e o
a síntese da região estrutural com a consumismo. Tal é a sensação que se tem
região relacional do ser humano. A vida quando há bombardeios por rajadas de
humana é, por si, uma rede, mesmo sem imagens sedutoras ou apelativas.
computadores, celulares e satélites. No No entanto, é perigoso não perceber
entanto, essas tecnologias da informação que ser invadido frontalmente e se tornar
e da comunicação podem ajudar a se viver impotente para resistir ou indignar-se
como rede as experiências de vida. Se contra uma manipulação alienante, é
não contribuem para os seres humanos como ser agredido de maneira brutal.
acolherem melhor uns aos outros, se não Enfim, é bem atual a imagem do homem
ajudam a crescer em humanidade e na abandonado às margens das estradas,
compreensão recíproca, aqueles meios agora chamadas de estradas digitais, à
tecnológicos não tornam as pessoas mais espera de uma boa comunicação.
próximas umas das outras. Quando não se O comunicador-pessoa é, pois,
vive a proximidade, não se responde a uma o convidado a ir ao encontro desse
vocação humana de compartilhamento. abandonado marginal, com aproximação
Significa dizer que a internet pode e presença significativa em sua vida, pois
oferecer maiores possibilidades de não são apenas as técnicas e estratégias
encontro e solidariedade entre todos, e comunicativas em si que garantirão beleza,
isso é algo muito bom [...]. (FRANCISCO, bondade e verdade da comunicação.
2014, p. 8). A rede pode ser entendida, assim,
É crucial estimular a colher na rede como peculiar periferia existencial, repleta
o sinal de um dom e de uma vocação de humanidade, que cultiva a esperança
da humanidade, para que seja mais de um mundo melhor como sentido da
próxima e unida. É o desafio de descobrir vida humana. O poder da comunicação
e transmitir a possibilidade de se viver é o da proximidade. Obviamente, é
misturado no encontro que gera apoio possível aproximar-se bem ou mal. Nesse
e participação, capaz de enfrentar o cruzamento de relações interpessoais,
turbilhão caótico e desagregador de uma o erro da comunicação é a própria
miríade de palavras, sons e imagens do rejeição de tornar-se bem próximo, na
multiverso virtual da rede. proximidade do bem, enfrentando a falsa
Como este ser próximo se manifesta no realidade de um estranho perto, do qual
ambiente criado pelas novas tecnologias era melhor manter distância, a menos que
digitais? seja para ser objeto de manipulação com
O conceito de comunicação tem seu mesquinhos interesses, medíocres ideais
eixo não sobre a mensagem, e muito e perigosas ideologias. Esse é o desafio de
menos sobre as técnicas, mas sim sobre se comunicar numa rede de proximidade,
pessoas que se comunicam. Comunicar-se sem perder o horizonte transcendente
não quer dizer apenas transmitir a simples dos mais elevados valores que podem
mensagem, mas condividi-la no interior ser transmitidos e recebidos na galáxia

156 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


virtual, que não podem ser desconectados humanas, gerada por algum poderoso
dos fundamentos indeclináveis do belo, meio de informação e de comunicação.
do bem e do verdadeiro que pavimentam Tornam-se inevitáveis
o melhor caminho do mundo real. Para questionamentos sobre a atitude
tanto, não pode faltar na rede a própria do homem diante desse quadro de
estrutura do ato humano em seus quatro vertiginosa evolução tecnológica e sobre
graus distintos: a intenção, que significa a o real presente-futuro da humanidade,
direção da vontade para uma finalidade; dentro de um estonteante cenário virtual.
o conselho, em que a vontade, após fixar Tudo indica que a tal racionalidade
a vista no fim a atingir, passa à escolha tecnológica, cada vez mais, está em
dos meios, ponderando-os mediante um alta no mundo atual, apresentando-se
ato de deliberação; o consentimento, que como meio e fim em si mesma. Como
conduz à formulação de juízos, cada qual consequência, acredita-se já não ser mais
apresentando uma ação como apreciável possível desconectar a ideia de poder
sob certo aspecto, fazendo reconhecer e de progresso da realidade construída
nela certa beleza, bondade e verdade; dentro da sociedade da informação e do
e, a eleição, entendida como um ato conhecimento. Parece que o propósito
comum do intelecto e da vontade em decidido e definitivo das redes sociais
cooperação para uma qualificada decisão. de comunicação é assegurar e ampliar a
(Cf. AQUINO, 1980, p. 1281-1283). primazia da construção do conhecimento,
É por isso que se pode dizer que não o seu capital intelectual, numa sociedade
pode faltar na rede a virtude intelectual em que o fluxo de informação é vasto e
e moral da prudência. Como virtude abundante.
intelectual, ela não ajuda apenas a Não há dúvidas de que as novas
conhecer o que é reto, mas também tecnologias da informação e da comuni-
a saber aplicá-lo às circunstâncias cação, que potencializam o conhecimen-
concretas, de modo a conduzir ao melhor to, estão determinando um passo bas-
fim. Nesse sentido, ela é uma reta razão tante largo para uma nova era da história
da ação. Como virtude moral, a prudência da humanidade. Contudo, não se deve
é reguladora da própria conduta humana, ignorar que há também uma tecnocracia
moderando seus desvios e excessos, já reinante, capaz de gerar intensas reper-
que ela participa da vida racional e é até cussões ideológicas, políticas, econômi-
mesmo capaz de aperfeiçoá-la. cas e sociais, bem como efeitos colaterais
Alcança-se uma grande conquista na própria cultura, que acaba se tornando
tecnológica quando uma engenhosa e objeto de massificação digital global.
espantosa rede de máquinas se torna, A cultura corre o risco de perder sua
a cada dia, um meio aperfeiçoado de ancoragem comunitária e se reduzir a um
formar uma gigantesca rede de pessoas fugaz entretenimento comercial, pois no
prudentes, dentro de uma autêntica deus mercado e no paraíso consumista só
cultura do encontro solidário com o impera a utilidade e o valor da mercadoria.
próximo. Esse processo não deixa de representar
certa ameaça para as culturas locais, com
concluSão seus sentimentos, valores, experiências
Seria um equívoco imaginar facilidade e significados compartilhados, que
na reflexão a respeito do impacto sustentam a própria cultura dos povos.
produzido pela tecnologia, nos últimos É a cultura tecnológica do mundo
tempos, nas mais diversas dimensões da eletrônico pós-moderno, inundado de
vida humana. fragmentos e segmentos de informação e
São observadas mudanças, sem de comunicação, que dá os contornos da
precedentes, na estrutura mais íntima realidade em sua totalidade, até mesmo
da própria experiência das relações das relações pessoais.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 157


A rede social converte-se em uma ARON, Raymond. A era da tecnologia. Rio de
espécie de profecia de um mundo Janeiro: Cadernos Brasileiros, 1965.
novo. Multiplicam-se as possibilidades BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos
de transmissão, em alta velocidade, fundamentos. Petrópolis: Vozes, 2003.
de informações e comunicações, BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história
mas permanece o enorme desafio de social da mídia: de Gutemberg à Internet.
compreensão mútua e reciprocidade Trad. de Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de
entre tantos por todos os cantos do Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
globo. A rede é profecia de um mundo CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede - a
novo, porque deve ser capaz de oferecer era da informação: economia e cultura. Trad.
maiores possibilidades de encontro, de Ronei de Venâncio Majer e Jussara Simões.
solidariedade e cooperação. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
Não se deve ser ingênuo em imaginar CHOMSKY, N; DIETRICH, H. La aldea global.
que os desafios dessa cultura do Navarra: Txalaparta,1997.
encontro, na era tecnológica, podem ser FORESTER, T. Sociedade de alta tecnologia.
superados com facilidade. Para isso, antes Madrid: Siglo XXI de España, 1992.
de tudo, é preciso compreender que a GONZALES MANET, E. Identidad y cultura en
rede é uma conquista mais humana do la era de la globalización. La Habana: Pablo
que tecnológica. Ela não é feita de tubos, de la Torriente Editorial, 1999.
fios e cabos, mas de ideias e valores. Não LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Trad. de Paulo
é uma rede de máquinas eletrônicas, mas Neves. São Paulo: Editora 34, 1996.
de pessoas humanas. LOJKINE, Jean. A revolução informacional.
A rede pode ser vista como uma Trad. de José Paulo Netto. São Paulo: Cortez,
notável periferia existencial, repleta de 2002.
humanidade, que cultiva a esperança LYON, D. Postmodernidad. Madrid: Alianza
do mundo real melhor como sentido da Editorial, 2000.
vida. Esse é o desafio de informar e de MANACORDA, P. El ordenador del capital:
se comunicar numa rede de proximidade razón y mito de la informática. Madrid: Blume
humana, sem perder o horizonte Rdiciones, 1982.
transcendente dos mais elevados valores MCLUHAN, M. La Galaxia Gutemberg: génesis
da verdade, do bem e do belo que podem del nomo typographucus. Barcelona: Círculo
ser transmitidos na galáxia virtual. de Lectores, 1993.
Há uma inegável conquista MORAIS, Pessoa de. O desafio da era
tecnológica, mas um verdadeiro triunfo tecnológica. Rio de Janeiro: Civilização
tecnológico ocorre quando a espantosa Brasileira, 1971.
rede de máquinas se qualifica como PAPA FRANCISCO. Comunicação a Serviço
um meio extraordinário de formar uma de uma Autêntica Cultura do Encontro:
gigante rede de pessoas inclinadas para mensagem para o 48º Dia Mundial das
uma autêntica cultura do encontro Comunicações Sociais. São Paulo: Paulus,
cooperativo, compartilhado e cuidadoso 2014.
com o próximo. REZENDE, D. A.; ABREU, A. F. Tecnologia
da informação aplicada a Sistemas de
Informações Empresariais. São Paulo: Atlas,
referêncIaS 2000.
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. de RIFKIN, J. La era del acceso: la revolución de
Alexandre Correa. 2. ed. Porto Alegre: Escola la nueva economia. Barcelona: Paidós, 2000.
Superior de Teologia São Lourenço de Brindes: VATTIMO, G. El fin de la modernidad.
Sulina; Caxias do Sul: Universidade Caxias do Barcelona: Gedisa, 1987.
Sul, 1980. v. II. VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia
Filosófica II. São Paulo: Loyola, 1992.

158 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


InterfaceS entre aS relaçõeS
conceItuaIS na cDD e naS ontologIaS :
elementoS Para análISe
Walter moreIra
reSumo
As ontologias e os sistemas de classificação guardam semelhanças de estrutura
e de propósitos, sendo ambas organizadas pelo princípio das classes e destinadas
à organização e representação do conhecimento para fins de seu uso produtivo.
A identificação e a análise das relações de complementaridade entre esses dois
sistemas de organização do conhecimento pode favorecer a produção de sistemas de
classificação mais detalhados e formalizados em conformidade com os requisitos da
web semântica e pode também, por outro lado, fornecer aos ontologistas instrumental
teórico-metodológico da teoria da classificação para o estabelecimento das relações
lógico-semânticas entre os conceitos. Desse modo, propôs-se como objetivo para essa
pesquisa identificar, sistematizar e comparar as relações conceituais identificadas na
CDD, 23ª edição, com a tipologia de relações semânticas presentes em ontologias, essas
observadas de modo genérico. Trata-se de pesquisa de caráter teórico-exploratório e
visa a contribuir para a ampliação do conhecimento existente acerca das relações entre
as formas ditas “tradicionais” de organização do conhecimento, observando-se mais
especificamente a CDD, e as ontologias, tomadas como exemplo de novas propostas
que foram possibilitadas pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação.
O mapeamento das relações conceituais em ambos os sistemas de organização do
conhecimento, guardadas as diferenças estruturais e de propósitos, permite observar
em que sentido o recurso da formalização e da explicitação das relações conceituais
necessários às ontologias pode favorecer a organização estrutural hierárquica da CDD.

PalaVraS-chaVe
Teoria da classificação; Classificação bibliográfica; Classificação Decimal de Dewey;
Ontologias; Relações conceituais.

aBStract
Ontologies and classification systems are similar in their structure and purpose,
both of which are organized by the principle of classes, intended for the organization
and representation of knowledge for the purpose of its productive use. The
identification and analysis of the complementarity relationships between these
two knowledge organization systems (KOS) may facilitate the production of more
detailed and formalized classification systems in accordance with the semantic web
requirements and can also, moreover, provide ontologies developers with theoretical
and methodological instruments of classification theory used to establish the logical-
semantic relations between the concepts. Thus, it was proposed as the objective for
this research to identify, classify and compare the conceptual relationships identified in

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 159


DDC, 23rd edition, with the type of semantic relationships present in ontologies, these
observed in general terms. This is a theoretical and exploratory research and aims to
contribute to the expansion of existing knowledge about the relationship between
said “traditional” forms of organization of knowledge, noting specifically the DDC,
and ontologies, taken as examples of new proposals, made possible by advances in
information and communication technologies. The mapping of conceptual relationships
in both organization systems of knowledge, keeping in mind the structural differences
and purposes allows to observe in what sense the application of formalization and
explicitness of conceptual relationships necessary to ontologies may improve the
hierarchical structural organization of CDD.

KeYWorDS
Classification theory; Bibliographic classification; Dewey Decimal Classification;
Ontologies; Conceptual Relationships.

1 IntroDução da classificação no que se refere aos


Os sistemas de organização do princípios e metodologias aplicados
conhecimento (KOS, do inglês knowledge à organização e representação do
organization systems) têm sido conhecimento e observando-se,
amplamente estudados por diversos igualmente, o conjunto de conhecimentos
campos, tais como a ciência da informação, acumulado pela prática bibliotecária
a organização do conhecimento, a de utilização dos KOS, tais como os
documentação, a inteligência artificial, tesauros e os sistemas de classificação
a engenharia de software, a engenharia bibliográfica, torna-se fundamental
linguística, entre outros. Na ciência da verificar as inter-relações entre a teoria
informação, tais estudos consideram, da classificação e uma possível teoria das
normalmente, sua condição de ontologias.
instrumentos potencialmente capazes Há que se reconhecer, evidentemente,
de facilitar e tornar mais eficazes a a relativa insuficiência dos sistemas de
organização e a representação da classificação bibliográfica, observados
informação em sistemas de recuperação de modo geral, para a organização de
da informação, tais como as bibliotecas recursos digitais (HJORLAND, 2012).
digitais e o ambiente mais amplo da web A Classificação Decimal de Dewey
semântica, de modo geral. (CDD), por exemplo, tomada em muitos
Nesse cenário, a compreensão contextos como sinônimo de classificação
ontológica dos sistemas de classificação bibliográfica, tem recebido críticas nesse
tem sido igualmente motivo de sentido. Essa possível “inadequação”,
investigações2, como aparece, por entretanto, pode ser verificada em
exemplo, em Soergel (1999), Choi qualquer outro instrumento nascido
(2008), Slavic e Civallero (2011)3; Mai “analógico” e que não manifestavam,
(2003; 2011), Madsen e Thomsen em sua origem, inclinação para a
(2009), Green e Panzer (2010; 2011). interoperabilidade digital.
Tais estudos consideram, normalmente, A mudança provocada pela
a semelhança de propósitos como o “presença” de objetos dinâmicos, digitais
elemento fundamental que aproxima e virtuais não é, evidentemente, uma
ontologias e sistemas de classificação. questão exclusiva da biblioteconomia.
Considerando-se o conjunto de Na área co-irmã da arquivologia, e.g.,
conhecimentos acumulados pela teoria autores como Schwartz (1995) e Cook

160 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


(2012), têm chamado a atenção para a mais precisa da CDD, especialmente no
reflexão sobre os novos rumos teóricos que se refere às relações semânticas
e sobre a metodologia de uma área de que abriga e suas possibilidades de
conhecimento e de prática que assentou, formalização.
tradicionalmente, seu objeto de estudo e Considerando-se que as relações
sua concepção epistemológica no modelo semânticas, principalmente as
impresso. Muitas das questões que hierárquicas, também formam o núcleo
provocam a arquivologia, aliás, povoam estruturante das ontologias, acredita-se
também o dia-a-dia mais corriqueiro a tal compreensão fortalecerá o diálogo
das pessoas, como, e.g., a que envolve a entre esses dois instrumentos no que se
autenticidade do documento digital. refere à organização e representação do
Em comum, sistemas de classificação, conhecimento para fins de acesso e uso.
topic maps, tesauros, taxonomias, A pesquisa também visa a contribuir
ontologias e outros KOS, apresentam para a construção de uma análise crítica
todos uma parte terminológica, na sobre a eficácia dos instrumentos de
qual os conceitos são interligados por organização do conhecimento utilizados
relações hierárquicas, associativas e em sistemas documentários, apontando
outras. A quantidade e a diversidade as possíveis aplicações de recursos
nas relações conceituais determina o metodológicos das ontologias em suas
grau de complexidade do KOS. Assim, construções.
observando-se grosso modo, uma Considerando-se o cenário
taxonomia é estruturalmente mais apresentado e os objetivos propostos,
simples do que um tesauro e este mais essa reflexão possui caráter teórico-
simples que uma ontologia, por exemplo. exploratório e visa a contribuir para a
Apesar de vários avanços na tipologia ampliação do conhecimento existente
das relações conceituais e de algumas sobre as relações entre as formas
exceções, a base hierárquica ainda forma ditas tradicionais de organização do
a estrutura predominante nesses KOS. conhecimento, observando-se mais
Nesse cenário, a efetiva compreensão especificamente a CDD, e as ontologias,
das relações conceituais, tomadas como tomadas como exemplo de novas
ponto de inflexão entre os diferentes propostas que foram possibilitadas pelo
KOS (MOREIRA, 2012), torna-se, sem avanço das tecnologias de informação e
dúvida, um elemento indispensável para comunicação.
a construção de sistemas de organização A discussão serve também de
e representação do conhecimento mais fundamento para o estudo em
eficazes. desenvolvimento (MOREIRA, 2015)
Observando-se as relações de que visa à formalização das relações
empréstimo, nem sempre declaradas, conceituais verificadas na CDD em
entre os diferentes KOS e, em linguagem Web Ontology Language
particular, entre ontologias e sistemas (OWL).
de classificação, incluídos os tesauros,
propõe-se como objetivo para essa 2 organIzação e rePreSentação Do
reflexão identificar, sistematizar e conhecImento
comparar as relações conceituais O campo da organização e
identificadas na CDD, 23ª edição, com representação do conhecimento, em seu
a tipologia de relações semânticas aspecto aplicado, é legitimado por meio
presentes em ontologias, observando-se dos seus instrumentos de organização,
essas de modo mais amplo. representação e recuperação da
A presente proposta traz como informação, tais como os sistemas de
potencial contribuição a compreensão classificação, as listas de cabeçalhos de

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 161


assuntos, os tesauros, as taxonomias, na ciência da informação a disciplina com
as ontologias. Em comum, tais a qual mantém as principais relações
instrumentos descrevem e organizam de interface. Na acepção mais literal de
relações conceituais e primam pelo Kiel (1994), organizar o conhecimento
controle terminológico, como meios significa tornar o conhecimento um
para organizar, representar, recuperar a “órgano” (do grego organon, cujo sentido
produzir conhecimentos. remete ao de instrumento), visando
Desse modo, a organização do a atender determinados interesses
conhecimento é encarada como uma identificados.
disciplina científico-aplicada, “cujo O conhecimento é uma das questões
objetivo é melhorar a circulação da mais antigas da humanidade. Dele
informação dentro e por meio de ocupou-se, inicialmente, a filosofia
sistemas mediadores – os centros de antiga, quando os gregos, no que se
seleção, armazenamento, recuperação pode considerar como os rumores do
e disseminação de informação – para conhecimento científico, deixaram
produzir novo conhecimento e/ou de contemplar o universo para tentar
facilitar o acesso ao [conhecimento] efetivamente compreendê-lo, esforço
existente” (GARCÍA MARCO, 1993, p. que, sem ser abandonado pela filosofia,
100, tradução livre). tem sido repetido diuturnamente pela
Tomando-se por base o pensamento ciência.
de Hjorland (2008), a organização do Com o conhecimento filosófico
conhecimento pode ser compreendida surge também a necessidade de
em sentido amplo e em sentido estrito. Em propostas de modelos de organização
sentido amplo, diz respeito à organização do conhecimento (não do modo
social do conhecimento, ao modo como como a ciência da informação os
o conhecimento é estruturado com compreende hoje, naturalmente),
o fim de atender às identificações de como condição e fundamento para a
disciplinas e profissões. Em sentido apropriação e o desenvolvimento de
estrito a organização do conhecimento novos conhecimentos. Essa questão
compreende atividades como descrição ocupou diversos pensadores no período
documental, indexação e classificação que se estende da Antiguidade até a
executadas em bibliotecas, bases de Idade Contemporânea, passando a ser
dados bibliográficos, arquivos e outros compartilhada pela biblioteconomia e
tipos de ‘instituições de memória’, por pela documentação, a partir do final do
bibliotecários, arquivistas, especialistas século XIX, com aprofundamento gradual
em informação, especialistas em das questões teóricas que envolvem a
determinados assunto, bem como por classificação (SAN SEGUNDO MANUEL,
algoritmos computacionais e leigos 1996; BROUGHTON, 2004; ANJOS, 2008).
(HJORLAND, 2008, p. 86, tradução livre). Esquadrinhando-se o efeito
Observando-se, portanto, o aspecto cumulativo e multiplicador do
representacional presente nesta conhecimento e considerando-se que é
concepção, o qual pode ser destacado preciso que haja condições francas para
na expressão “descrição documental, sua produção (incluindo sua circulação),
indexação e classificação”, opta-se, é essencial registrá-lo e organizar seus
nesse texto, pelo termo “organização recursos. A noção de registro, nesse
e representação do conhecimento” caso, está em correspondência com a
(ORC) para se referir à organização que defendem Smit e Barreto (2002)
do conhecimento em sentido estrito. quando se referem às garantias de
Compreendida nesse sentido, a permanência da informação no tempo
organização do conhecimento encontra e no espaço. Dentre as várias acepções

162 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


de “conhecimento”, portanto, destaca- refere-se, na condição de teoria, a um
se a que se refere ao conhecimento complexo conjunto de proposições e
objetivo (ou objetivado), registrado em princípios desenvolvidos em consonância
documentos; aquele a que se refere o com a prática. Trata-se, portanto, de um
“terceiro mundo” de Popper, conforme conjunto de generalizações (sistema de
descrito por Capurro (2003): “A ontologia postulados), princípios (convenções) e
popperiana distingue três ‘mundos’, regras de procedimentos (metodologia)
a saber: o físico, o da consciência ou (ANJOS, 2008). Uma teoria, grosso modo,
dos estados psíquicos, e o do conteúdo refere-se a um conjunto logicamente
intelectual de livros e documentos, em organizado de conhecimentos que se
particular o das teorias científicas”. relacionam entre si e que funciona
como “moldura geral de referência”
2.1 teorIa Da claSSIfIcação e cDD (SANTAELLA, 2001) para explicar algum
A classificação, ao lado da fato ou fenômeno. Nesse sentido, a teoria
representação descritiva e da indexação, da classificação também se relaciona à
é uma das atividades centrais da previsão, determinando as condições
organização do conhecimento formais a que qualquer classificação
(HJORLAND, 2012). Tomada em outro bibliográfica deve obedecer.
sentido, a classificação é também Os sistemas de classificação podem
uma das operações condicionantes ser tipificados considerando-se alguns
da compreensão de qualquer fato ou critérios específicos. Conforme a
fenômeno. A habilidade ou faculdade característica ou qualidade escolhida,
de apreender o sentido de algo, sendo classificam-se em naturais e artificiais;
uma operação de natureza cognitiva, considerando-se o campo de
demanda identificação e ordenação, conhecimento, podem ser classificados
tanto em relação ao indivíduo quanto em enciclopédicos ou especializados;
aos espaços coletivos de produção do tomando-se por base a finalidade, ou
conhecimento. seja, suas aplicações, subdividem-se
O avanço no processo de popularização em bibliográficos e científicos; atendo-
das bibliotecas públicas e universitárias se ao seu modelo de estruturação
verificado no final do século XIX criou o das categorias ou classes podem
cenário ideal para o surgimento de novas ser classificados em enumerativos,
técnicas de organização e representação semienumerativos ou analítico-sintéticos
do conhecimento, visando à ampliação (BROUGHTON, 2004).
do seu acesso e sua circulação. Assim, a Os sistemas puramente enumerativos
organização do conhecimento científico (se ainda são necessários) são cada
dá origem ao conjunto de teorias e vez mais raros. Mesmo a CDD, que já
metodologias destinadas à organização fora tomada como exemplo de sistema
e representação do conhecimento enumerativo por excelência, vem se
registrado (também científico em alguns tornando, a cada edição, mais flexível
casos, as categorias não são excludentes). e tem recebido investimentos na
As classificações bibliográficas são, desse disponibilização de recursos de análise/
modo, as filhas “mais ou menos legítimas, síntese, principalmente em sua edição
mais ou menos bastardas” (CAMPOS, online. A moderna teoria da classificação,
1978, p. 3) das classificações científicas, principalmente após as contribuições de
pois a ordem dos livros reproduz e legítima Bliss e Ranganathan, tem reservado duras
a ordem das disciplinas nos currículos das críticas à insuficiência representacional
universidades (BURKE, 2003). dos sistemas puramente enumerativos,
O que se convencionou denominar notadamente por sua incapacidade de
teoria da classificação, no escopo da lidar com a complexidade inerente aos
biblioteconomia e da documentação, processos representacionais.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 163


As classificações bibliográficas outros termos, o que é verdadeiro para
são ordinariamente compreendidas a classe também é verdadeiro para a
de forma restritiva, clivadas por sua divisão e para a seção, numa forma
finalidade prática: ordenar fisicamente de herança atributiva em cadeia. Esse
os documentos com base no assunto processo de herança, denominado força
que contemplam. Aos tesauros hierárquica, ocorre tanto por meio da
seriam reservadas outras funções no notação utilizada pelo sistema como
processo, como as que dizem respeito à pelo modo como se apresenta em sua
indexação realizada pelo profissional e à estrutura.
recuperação da informação pelo usuário. A proposta subsidiária a essa reflexão
É preciso recordar sempre, entretanto, pesquisa busca escapar do olhar míope e
a complexidade do aspectos cognitivos enganador que tende a aceitar a simples
envolvidos no processo todo e as bases sobreposição de instrumentos.
epistemológicas que subjazem à tarefa
aparentemente ingênua de determinar 2.2 ontologIaS
o ângulo de abordagem (aspecto) do De modo semelhante ao que ocorre
assunto tratado bem como a classe a que com outros KOS, considerando-se sua
o documento irá “pertencer”. interface de vocabulário controlado, as
Apesar de se configurar com um ontologias também demandam, como
sistema amplamente utilizado, com condição essencial à comunicação e
um espectro teórico abrangente e um reuso, acordo terminológico-conceitual
processo histórico longevo, a CDD, em relação à construção e uso dos
cuja primeira edição data de 1876 e sistemas conceituais que pretendem
que se encontra, desde 2011, na 23ª representar. A definição oferecida
edição, ainda não é absolutamente por Borst (1997, p. 12, tradução livre)
coerente na aplicação das relações capta esse quadro: uma ontologias
hierárquicas admitidas pelo sistema. é uma especificação formal de uma
As relações previstas nesse sistema, conceitualização compartilhada.
conforme apontado por Mitchell (2001), A noção de acordo terminológico-
contemplam as relações hierárquicas conceitual assemelha-se à noção de
de natureza genérica, partitiva e de “compromisso ontológico” proposta por
instância. Essa tipologia de relações, Quine (1975). Esse conceito requer a
contudo, comparando-se com o modo compreensão das relações entre teoria,
como são explicitadas as relações objeto e ontologia como elementos que
conceituais nos tesauros e nas ontologias, são característicos de sua formação.
não é fácil e prontamente identificável Assim, o uma teoria, conforme sua
na tabela de classificação. Muitas vezes, relação com o conceito queniano, refere-
a extensão da notação e o aspecto visual se a
(endentamento) fazem crer na existência uma coleção consistente de crenças
de hierarquia entre os termos quando, ou afirmações, expressas numa
na verdade, não se verifica esse tipo de determinada linguagem, acerca do
relação. segmento em questão […] Os objetos com
O princípio que atesta a presença das os quais uma teoria está ontologicamente
relações hierárquicas na CDD é, conforme comprometida são precisamente aqueles
denominado no próprio código de objetos cuja existência é assumida, de
classificação, o princípio da hierarquia, forma explícita ou implícita, pela teoria
(MITCHELL et al., 2011). De acordo com (Cf. BRANQUINHO; MURCHO; GOMES,
esse princípio, as classes subordinadas 2005, p. 149).
(subclasses) herdam os atributos das Para que a teoria possa ser
classes superordenadas (classes). Em considerada verdadeira, portanto,

164 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


depende da veracidade das crenças compreender as diferentes naturezas
que expressa, bem como de suas dessas relações.
consequências lógicas, e demanda um A relação entre termos ocorre no nível
conjunto de objetos (uma ontologia) que da expressão (significante) e é controlada
a constitua. por meio relações de equivalência. Nesse
O compromisso ontológico, tipo de relação estabelece-se no KOS uma
então, é assumido em caráter de conexão entre os conjuntos de termos
convencionalidade ou de acordo, mas preferidos e termos não-preferidos
demanda sua expressão formal por meio admitidos pelo sistema, conforme alguns
de uso da lógica. A formalização lógica critérios explícitos. Embora esse tipo
também é condição para a organização de relação seja tão importante quanto
conceitual de ontologias informacionais a relação conceitual, não se ocupa dela
(Cf. BAX; COELHO, 2012). neste trabalho.
Sem a explicitação das relações Além das relações que são
conceituais não haverá possibilidade de estabelecidas entre termos preferidos
inferências, pois, diferentemente dos e termos não preferidos, pode-se
humanos, a máquina não é capaz de estabelecer uma rede de relações
ler os contextos e criar, por si mesma, entre os conceitos, o que equivale a
novas regras de inferências a partir de dizer que tais relações operam apenas
elementos implícitos. com o termo preferido. Considerando-
As ontologias não precisam, como se que os conceitos não possuem
condição lógica necessária, aderir ao existência concreta, a visualização das
paradigma clássico dos sistemas de relações conceituais ocorre por meio
organização do conhecimento (Cf. dos termos que os representam. Assim,
GREEN; PANZER, 2010) e nem mesmo as relações identificadas por TG, TE e
compartilhar dos tipos de relações TR (respectivamente, termo genérico,
hierárquicas enumerados no parágrafo termo específico e termo relacionado) no
anterior. A tipologia de relações é, de tesauro também representam as noções
fato, mais rica nas ontologias e, dadas as de conceito genérico, conceito específico
características desse tipo de instrumento e conceito relacionado.
de organização do conhecimento, não As relações conceituais podem
apresentam as intenções enumerativas ser classificadas por diversos modos,
de alguns sistemas de classificação conforme a perspectiva ou a norma que
bibliográfica. Nas ontologias de domínio se adota. No Quadro 6 apresenta-se uma
ou de tarefa, e.g., as relações conceituais tipologia de relações conceituais conforme
podem ser tratadas de modo ad hoc, isso as normas: ISO 704 – Terminology work –
é, diferentes ontologias podem definir principles and methods (INTERNATIONAL
diferentes tipos de relações (Cf. GREEN; ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION,
PANZER, 2010, p. 163, tradução livre). 2000); ISO 25964-1 – Information
and documentation- Thesauri and
3 aS relaçõeS conceItuaIS interoperability with other vocabularies -
Há dois tipos de relação que part 1: Thesauri for information retrieval
são necessárias ao efetivo controle (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
terminológico nos KOS: a relação entre STANDARDIZATION, 2011); ANSI-NISO
termos e relação entre conceitos. Ainda Z39.19 - Guidelines for the construction,
que seja difícil diferenciar esses tipos de format and management of monolingual
relação na prática, já que os conceitos são controlled vocabularies (AMERICAN
representados por termos e conceitos NATIONAL STANDARDS INSTITUTE, 2005)
e termos estabelecem entre si uma e conforme a classificação de Wuster
relação de interdependência, é preciso (BARROS, 2004) e Arnzt e Pitch (1995).

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 165


Quadro 1 – Tipologia das relações Há, evidentemente, outros autores
conceituais que se dedicam à questão e que
apresentam tipologias variadas, mas
Autor Relações conceituais agrupando-se as relações conceituais
apresentadas no Quadro 1 em categorias,
- hierárquicas têm-se que as relações entre os conceitos
--- genéricas obedecem, basicamente, a dois critérios:
ISO 704 a hierarquia e a associação.
--- partitivas
As relações hierárquicas são
- associativas estabelecidas entre dois conceitos
- hierárquicas quando o espectro semântico de um
--- genéricas deles encaixa-se completamente no
espectro semântico do outro. Conforme
--- partitivas a posição dos conceitos na relação
ISO 25964-1
--- instância hierárquica, isto é, conforme o nível
--- polihierárquicas de generalidade ou de especificidade
dos conceitos, estes assuem entre si
- associativas relações de superordenação (a classe) e
- equivalência de subordinação (o membro ou a parte).
- hierárquicas Uma relação hierárquica (genérica ou
partitiva) é, comparativamente à relação
--- genéricas associativa, mais fácil de compreender.
--- instância Tal compreensão é facilitada inclusive
ANSI-NISO --- partitivas pelos recursos de visualização, como
ilustra a Figura 1.
Z39.19 --- polihierárquicas
- associativas Figura 1 – Relação hierárquica
--- na mesma hierarquia
--- em hierarquias animais
TE mamíferos
diferentes mamíferos
- lógicas TG animais
--- gênero-espécie
Wuster Fonte: INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
- ontológicas
STANDARDIZATION (2011)
--- todo-parte
- hierárquicas Há recursos, inclusive, para
--- abstração (também diferenciar, quando necessário, as
chamadas de lógicas ou relações hierárquicas genéricas (Figura
2) e as relações hierárquicas partitivas
genéricas) (Figura 3).
--- ontológicas (também
Arntz e Picht
chamadas de partitivas ou Figura 2 – Relação hierárquica genérica
parte-todo) ratos
- não hierárquicas TGG roedores
--- sequenciais roedores
--- pragmáticas TGE ratos

Fonte: INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR


Fonte: Dados da pesquisa
STANDARDIZATION (2011)

166 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Figura 3 - Relação hierárquica partitiva objetos ou materiais
venenos /
/ propriedades
sistema nervoso central toxicidade
definidoras
TGP sistema nervoso
sistema nervoso artefato / partes
TEP sistema nervoso central (quando isso não instrumentos óticos
se qualifica como / lentes
Fonte: INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR relação hierárquica)
STANDARDIZATION (2011) ligação por patógenos /
dependência causal doenças
objeto ou processo
Uma relação associativa, mais herbicidas / plantas
/ contra-agente
dependente de situações contextuais
do que as relações hierárquicas, nunca é conceito / unidade corrente elétrica /
facilmente definida. A norma ISO 25964, de medida ampere
por exemplo, a define pelo recurso da termo composto /
exclusão, assim, uma relação associativa substantivo que é
répteis / répteis
“abrange associações entre pares de seu foco (quando
fósseis
conceitos que não estão relacionados não há relação
hierarquicamente, mas são associados hierárquica)
semântica ou conceitualmente a tal organismo ou
ponto que a ligação entre elas precisa ser substância
explicitada no tesauro, com o fundamento derivados ou bronze / cobre
de que pode sugerir termos adicionais
produzidos a partir
ou alternativos para uso na indexação
de outro
ou recuperação” (INTERNATIONAL
ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION,
2011). A questão que se coloca, portanto, Fonte – INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
é política e envolver decidir quais os STANDARDIZATION (2011)
graus ou níveis de conexão semântica
serão considerados no sistema.
Os tipos de relações associativas mais Essas tipologia de relações
comumente encontrados na prática, associativas é apontada na norma – e
conforme a norma ISO para a elaboração nesse trabalho, por extensão, – apenas
de tesauros, são: como exemplificação, como ilustração
para a que se compreenda a natureza
Quadro 2 - Exemplos de relação associativa desse tipo de relação conceitual. Há
outras compilações, como em Lancaster
Descrição Exemplo (2002, p. 66) e Cintra et al. (1994, p. 48-
51), em que se podem verificar outros
disciplina ou modelos de relações associativas.
campo de estudo / silvicultura/florestas As relações lógicas do tipo gênero-
fenômeno estudado espécie podem ser sustentadas por
operação ou termostato / concepções teóricas ou epistemológicas.
processo / agente controle de Há, por exemplo, fundamentos
ou instrumento temperatura científicos, dados pela zoologia, para a
ação / produto tecelagem / roupas subordinação da espécie leão ao gênero
mamífero. Tais relações podem ser
ação / destinatário
cultivo / colheita verificadas apenas no plano conceitual
ou alvo
já que não existe mamífero na realidade

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 167


empírica. Já as relações ontológicas, Figura 4 – Relação que satisfaz o teste
segundo a concepção wusteriana, todos-e-alguns
referem-se a propriedades dos objetos
no mundo empírico, nesse sentido estão
relacionados os conceitos de todo e de
sua parte, como se verifica, por exemplo,
entre relógio e ponteiro.
Se, por um lado, em tesauros e
sistemas de classificação bibliográfica Fonte: INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
as relações entre os conceitos podem STANDARDIZATION (2011)
ser meramente apontadas (embora
isso não seja desejável) por meio de Figura 5 - Relação que não satisfaz o
recursos visuais como o endentamento, teste todos-e-alguns
por exemplo, deixando o processo maior
de inferência por conta do usuário do
sistema, nas ontologias todas as relações
devem ser detalhadas e formalizadas em
relação a sua natureza e o compromisso
ontológico assumido. Nesse sentido,
citam-se os exemplos de Marcondes
e Campos (2008, p. 123), quando se Fonte: INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
referem à relação partitiva: e que visam STANDARDIZATION (2011)
a estabelecer entre classes, categorias e
conceitos.
infers apontados, isso nas ontologias No caso apresentado na Figura 4
devemos identificar que tipo de parte há uma genuína relação hierárquica
e de todo esses termos representam, genérica porque é verdadeiramente
por exemplo: se é um objeto integral/ possível afirmar que alguns membros da
componente, como: roda é uma parte do classe birds (pássaros) são conhecidos
carro; se é um membro/coleção, como: como parrots (papagaios) e que
uma árvore é parte de uma floresta, mas todos os parrots, são, por definição
mantém uma identidade própria; se é e independentemente do contexto,
massa/porção, como: o pedaço de uma birds. A Figura 5, na sequência, ilustra
torta. um exemplo contrário, em que não há
No caso das relações hierárquicas uma relação hierárquica genérica lógica
genéricas, por exemplo – também e corretamente estabelecida, pois do
mesmo modo como alguns membros da
chamadas de relações “Is A” nas classe parrots são reconhecidos como
ontologias – há a possibilidade de aplicar pets (animais de estimação), alguns, mas
teste lógico e verificar sua validade, não todos, os pets são parrots.
com o chamado teste todos-e-alguns, As relações hierárquicas, dadas suas
apresentados nas normas ANSI Z39.19 características e seus critérios mais
(AMERICAN NATIONAL STANDARDS claramente identificáveis e passíveis de
INSTITUTE, 2010) e ISO 25.964 descrição, adaptam-se mais facilmente
(INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR aos processos de raciocínio automático
STANDARDIZATION, 2011), conforme das ontologias. Nessas, a maior
ilustrado nas Figuras 4 e 5. dificuldade no tratamento das relações
conceituais reside no modo como se
dá a identificação e a formalização
das relações associativas. Isso vale,

168 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


aliás, também para os tesauros. A esse próprios processos de construção de
respeito, MARCONDES e CAMPOS representações do conhecimento,
(2008, p. 123) ilustram: seja por parte do produtor, seja
por parte do usuário da informação
[...] as relações associativas (relações (MOSTAFA; MOREIRA, 1999). Há,
funcionais) que no tesauro somente evidentemente, avanços significativos
são identificadas pelo simbolismo (TA/ nas abordagens socioconstrutivistas e
TA), [...] nas ontologias elas são mais sociointeracionistas do objeto da ciência
explicitadas e expressam o tipo de da informação e de suas metodologias e
relacionamento que existe entre os dois instrumentos.
termos, ou seja, não adianta, como nos Observando-se, entretanto, o
tesauros, somente indicar que no âmbito referencial teórico metodológico
da Ciência da Saúde existe uma relação acumulado, ainda faltam contribuições
associativa entre um Barbeiro e a Doença mais efetivas da ciência da informação
de Chagas, ou seja entre uma entidade e para a compreensão do problema
um processo, mas que o relacionamento referente à organização das relações
que se coloca entre esses dois elementos lógico-semânticas entre conceitos no
é aquele onde uma entidade transmite que se refere à construção e manutenção
uma doença. de ontologias. Reconhecendo-se,
evidentemente, o avanço registrado
A noção de sistema implica que no domínio da ciência da computação,
as relações entre os conceitos sejam comunga-se com crítica de Marcondes e
ordenadas por um princípio lógico- Campos (2008, p. 121):
semântico absolutamente coerente. A
consistência e qualidade do sistema será [...] apesar de propostas de linguagens
e ferramentas de representação e
determinada, portanto, pela qualidade
construção de ontologias no domínio
dessas relações, observando-se sua
Ciência da Computação, estas propostas,
consistência interna. em geral, ainda não contemplam
Há quem considere, ou que pelo diretrizes satisfatórias de identificação
menos discuta, a possível superioridade dos conceitos e relacionamentos
das ontologias em relação aos tesauros entre estes, de criação de definições
e aos sistemas de classificação, consistentes, nem tampouco de
nos processos de organização e modelização de domínios associados. Por
representação do conhecimento conseqüência, as ferramentas têm pouco
(QIN; PALING, 2001; GARCÍA JIMÉNEZ, a contribuir no sentido de orientação do
2004). Um dos principais motivos para usuário no processo de construção da
essa superioridade estaria na maior ontologia, assim como em diretivas para
diversidade e qualidade na identificação a construção de ontologias de qualidade.
(explicitação) e na descrição das relações
conceituais, observadas como inerentes Embora não haja nos estudos de
ao detalhamento exigido na formalização ciência da informação, metodologias
dessas relações. Outros argumentos específicas para a construção de
incluem a possibilidade de reuso ontologias, conforme atesta o estudo
das ontologias e a capacidade desse de Sales (2006), que continua atual, é
instrumento de operar em sistemas possível encontrar na produção científica
heterogêneos. sobre organização do conhecimento,
A ciência da informação brasileira mais especificamente, referenciais
(e não só a brasileira) tem atrelado, bastante significativos para a construção
desde a década de 70, a compreensão de sistemas de classificação, de sistemas
dos processos cognitivos aos seus conceituais e de terminologias.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 169


4 relaçõeS conceItuaIS na cDD e naS maiúscula inicial no caso da ontologia
filosófica (Ontologia) e de minúsculas
ontologIaS: comParaçõeS
no caso das ontologias computacionais.
Na década de setenta, quando os
Nesse trabalho opta-se pela não
tesauros ainda eram, relativamente,
distinção tipográfica, acreditando-se
novidade (apesar de terem surgido na
que a desambiguação é resolvida pelo
década de cinquenta), no momento em
contexto e, quando necessário, pelo uso
que suas comparações com os sistemas
de qualificadores.
classificação até então eram necessárias
A ontologia desponta como
para a construção da identidade
preocupação filosófica a partir da
do conceito emergente, Grolier
metafísica aristotélica. No conjunto
compreendia-os como classificações
das divisões didáticas da filosofia, a
que não ousavam dizer o próprio nome,
ontologia (teoria do ser) ocupa lugar
classificações disfarçadas (ANJOS, 2008,
ao lado da estética (teoria do belo), da
p.138). Nessa mesma linha, Campos
ética (teoria da moral), da epistemologia
(1978, p. 4) declara não entender “por
(teoria do conhecimento) e da lógica
que [os tesauros] não são chamados de
(teoria do raciocínio). Trata-se nessa
classificações” e cita também Grolier, para
acepção, naturalmente, do ser que
quem os tesauros seriam classificações
é realmente e que se opõe ao que
que não ousam dizer o próprio nome
parece ser, à aparência. Dessa forma
[...] e que a proliferação dos mesmos é
a ontologia é definida como o estudo
sintoma do crescimento desordenado e
ou conhecimento do ser, dos entes ou
anárquico de classificações dissimuladas.
das coisas tais como são em si mesmas,
Soergel (1999, p. 1120, tradução
real e verdadeiramente. A ontologia
livre), segue a mesma linha de raciocínio,
é, desse modo, a própria filosofia e o
quando compara classificações e
conhecimento do ser, pois representa a
ontologias,
passagem das opiniões sobre as coisas
Uma classificação, por qualquer
sensíveis mutáveis para o pensamento
outro nome, ainda é uma classificação.
sobre as essências imutáveis.
O uso de um termo diferente é
Na condição de artefatos
sintomático da falta de comunicação
computacionais, as ontologias têm
entre as comunidades científicas. O
sido compreendidas pela ciência da
vasto campo de conhecimento sobre
informação e pela ciência da computação
estrutura da classificação e sobre modos
de forma distinta da que a filosofia
de apresentação de classificações
realiza. O elemento fundamental da
desenvolvidos em torno das
distinção reside na sua característica
classificações bibliográficas e na ciência
de aplicação. Enquanto a ontologia
da informação de modo mais amplo e o
filosófica visa à elaboração de grandes
enorme capital intelectual incorporado
concepções independentes de aplicação
em muitos esquemas de classificação e
imediata, a ontologia computacional
tesauros é largamente ignorado.
compreende os micromundos, com um
Considerada em quaisquer de seus
número de conceitos limitados por suas
aspectos, quer seja como disciplina da
aplicações e são destinadas à resolução
filosofia ou como artefato computacional,
de problemas específicos. Enquanto
as ontologias desempenham funções
a filosofia centra suas preocupações
de sistemas de categorização que
ontológicas na descrição das coisas
possibilitam a organização e a
que existem no mundo, a aplicação de
representação do conhecimento.
ontologias no domínio da representação
Normalmente, os conceitos de ontologia
computacional do conhecimento é
filosófica e ontologia computacional
bem mais modesta, pois entende
são diferenciados por meio do uso de

170 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


pragmaticamente que o que existe é os quais organizam o conhecimento. As
apenas o que pode ser representado ontologias podem ser utilizadas como
(GRUBER, 1995). Nesse último caso, as base para a produção de sistemas de
preocupações ontológicas restringem- classificação mais complexos e mais
se a domínios específicos e visam à coesos, por conta do tratamento que
compreender o conceito inserido em dispensam (que precisam dispensar)
um determinado domínio, tarefa ou às relações conceituais, à semelhança
aplicação, podendo inclusive optar por da utilização da abordagem facetada
apenas uma de suas facetas em função na classificação. É preciso observar,
de um determinado compromisso entretanto, o recorte epistemológico que
ontológico. irá diferenciar o modo como as ontologias
Defende-se, juntamente com Smith e as classificações aproximam-se de um
(2004), que se corre o risco de realizar dado fenômeno. Na condição de artefato
um uso improlífico do termo “ontologia” de modelagem conceitual as ontologias
se isso ocorrer totalmente desvinculado visam a oferecer uma representação
da compreensão filosófica. Assim como simplificada do conhecimento sobre um
as classificações bibliográficas são determinado fenômeno, enquanto o
tributárias das classificações filosóficas, sistema de classificação apresenta sua
buscando nestas as bases lógicas e subdivisão em classes com vistas a sua
epistemológicas para a organização do utilização para a ordenação de objetos
conhecimento, acredita-se, portanto, (MADSEN; THOMSEN, 2009).
que não se pode desenvolver ontologias Ainda que não se considere que
computacionais sem o necessário aporte as ontologias sejam classificações
da ontologia filosófica e sem considerar disfarçadas – parafraseando Grolier
também os avanços registrados pela – considera-se imprescindível fugir
teoria da classificação. da taxonomia mais tradicional das
A abordagem ontológica das relações semânticas que CDD expressa,
classificações filosóficas oferece consideradas basicamente hierárquicas,
ferramentas metodológicas para que a conforme a compreensão mais usual.
classificação bibliográfica seja realizada A ampliação e a efetiva compreensão
de modo consistente, o mesmo se da tipologia de relações semânticas
aplica, evidentemente, às ontologias desse instrumento de organização
computacionais (MARCONDES, 2013). Há e representação do conhecimento,
que se atentar também a inconsistência bem como sua formalização, permite
dos sistemas de classificação aproximá-lo mais das ontologias e
enumerativos de base não filosófica. compreender, nessa intersecção, suas
Sobre esse aspecto, observa-se que, efetivas colaborações. Conforme o
as discussões sobre as relações entre mapeamento tipológico realizado por
ontologias computacionais e ontologias Mitchell (2001), as relações expressas na
filosóficas ainda são abordadas em CDD, cujas ocorrências se dão por meio da
regime de exceção, tomando-se como notação e da estrutura do sistema, são do
exemplo (no sentido de ilustração e não tipo hierárquicas (gênero-espécie, todo-
de modelo) os trabalhos de Sowa (2000), parte e instância), poli-hierárquicas, de
Smith (2004) e Marcondes (2013). equivalência e associativas. Tais relações
As ontologias distinguem-se dos são identificáveis na tabela principal
sistemas de classificação pelos seus (schedules) e em suas notas, nas tabelas
propósitos e não há que se confundi- auxiliares (tables), no índice relativo e
los, mas ambos podem beneficiar-se também no manual de uso da CDD.
mutuamente dos resultados e dos Uma das críticas mais comumente
modelos teórico-metodológicos com aplicadas à CDD diz respeito aos

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 171


aspectos limitadores dos sistemas de relação num sistema que é organizado
enumerativos. Esse é, realmente, por classes. Uma instância, nesse tipo
um aspecto que deve ser observado. de organização, questiona a própria
Numa avaliação mais criteriosa, sistemática da estruturação, pois se o
contudo, é preciso observar também conceito não funciona como unidade
que embora o número de entradas concentrada de conhecimento formando
enumerados no sistema seja finito uma classe, não possui, nessa acepção,
(25.000, conforme a análise de Mitchel poder de representatividade. Conforme
em 2001), ele pode ser enriquecido previsto na introdução da CDD, texto que
pelo potencial de construção de novas também lhe serve de manual de uso:
relações conceituais pelo recurso da Na CDD, as classes básicas são
síntese, o que dá ao sistema também um organizadas por disciplinas ou campos
aspecto analítico-sintético. de estudo. No nível mais amplo, a CDD
Do mesmo modo que há é dividida em dez classes principais,
inconsistências nas relações que juntas cobrem todo o universo do
hierárquicas apresentadas na CDD conhecimento. Cada classe principal é
, conforme já analisado por Lara (1993), dividida em dez divisões, e cada divisão
entre outros, também há inconsistências em dez seções [...] (MITCHEL et al., 2011,
nas ontologias, como se pode verificar na p. xliv).
análise que Smith faz da Open Biomedical As relações de instância, na condição
Ontologies (OBO), de relações hierárquicas, são, portanto,
admitidas no sistema. Uma relação
[...] O problema é que quando a OBO de instância, conforme a definição da
e ontologias similares incorporam tais INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
relações [conceituais], elas o fazem STANDARDIZATION (2011), relaciona um
normalmente de modo informal, muitas conceito geral, como uma classe de coisas
vezes não fornecendo qualquer definição, ou eventos, e uma instância individual
de modo que as interconexões lógicas dessa classe, que é frequentemente
entre as várias relações empregadas não representada por um nome próprio.
são claras e mesmo as relações ‘is_a’ Verifica-se esse tipo de relação entre o
e ‘part_of’ nem sempre são usadas de par de termos indicados na Figura 6.
forma consistente tanto dentro como
entre ontologias (SMITH, 2005, p. 2). Figura 6 – Exemplo de relação de
instância
Embora seja possível encontrar
na CDD, vários exemplos de relações regiões montamhosas { classe
de instância (como a indicação de Alpes { instãncias
Yellowstone National Park, como Himalaia
instância de local), sua utilização
não deixa de causar estranheza, Fonte: INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
principalmente quando se compara STANDARDIZATION (2011)
um sistema de classificação com um
tesauro. Nesse instrumento, a instância
é raramente utilizada (considerando-se a Ainda que os conceitos Alpes e
admissibilidade de seu uso), porquanto Himalaia estejam hierarquicamente
não se pode dizer seguramente que uma subordinados a regiões montanhosas,
instância represente uma classe ou uma eles não representam tipos ou partes
subclasse. No caso da CDD, é preciso de regiões montanhosas, casos em
admitir, minimamente, o questionamento que se evidenciaram, respectivamente,
sobre a natureza hierárquica desse tipo relações hierárquicas genéricas ou

172 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


relações hierárquicas partitivas. Ambos de classificação são absolutamente
os conceitos citados no exemplo necessários, pelo que trazem de
representam instâncias individuais, conhecimento acumulado (teorias e
ocorrências que podem ser tomadas metodologias), para o tratamento dos
como objetos individuais relacionados problemas referentes à organização
ao objeto geral que subsome os dois do conhecimento, notadamente no
conceitos. contexto das bibliotecas, onde têm um
O uso de relações hierárquicas na CDD uso consagrado. É preciso conceder o
e também na CDU, foi objeto de análise benefício da dúvida, entretanto, sobre
na dissertação de mestrado de Lara sua exatidão em aplicações num cenário
(1993). Esse estudo demonstra que é que envolve recursos digitais complexos
muito comum, mas não necessariamente e formas híbridas de documentos. Esse
aceitável, nesse tipo de instrumento o projeto afastar-se-ia do espírito científico
uso de mais de uma categoria de divisão se lançasse tais dúvidas de modo
na construção de hierarquias, o que fere irrefletido e superficial, por isso mesmo
o princípio lógico da disjunção. devem ser consideradas nesse momento
Na CDD, além das relações apenas como elementos motivadores de
hierárquicas de gênero/espécie e todo/ investigação.
parte, é possível também observar a Considerando-se, portanto, a
presença de outras relações conceituais, modernidade da teoria da classificação
como as relações associativas, o que em vista das novas questões que lhe
torna questionável (LARA, 1993) a são colocadas – notadamente pelas
afirmação de que esse sistema seja ontologias, mas também por outros
baseado em lógica aristotélica, conforme recursos, como as folksonomias –
se encontra em boa parte da literatura. torna-se necessário investir numa
Embora tomadas em sentido nova compreensão dos sistemas de
ligeiramente diferente, a indicação classificação bibliográfica e investigar
de instância nas ontologias também continuamente sobre seu papel no
não é ponto pacífico. Consideradas cenário que envolve a organização e
as ontologias como instrumentos de circulação de recursos digitais, bem como
representação do conhecimento, é sobre os diálogos que pode manter com
o próprio conceito de representação artefatos de natureza computacional
que entra em jogo quando se tomam como as ontologias. Desse modo,
as instâncias como elementos apresentam-se os objetivos a seguir.
potencialmente representativos ou
definitórios de uma classe ou categoria.
Ocorre, contudo, que as ontologias
referêncIaS
AMERICAN NATIONAL STANDARDS
nem sempre se aplicam a domínios
INSTITUTE. National Information
específicos de conhecimento e por este
Standards Organization. ANSI/NISO
motivo não podem se beneficiar sempre
Z39.19-2005 (R2010) - Guidelines for the
da integridade nocional aparente que
construction, format and management
caracteriza um determinado campo
of monolingual controlled vocabularies.
conceitual ou semântico.
Bethesda: NISO Press, 2010.
ANJOS, Liane dos. Sistemas de
5 conSIDeraçõeS fInaIS classificação do conhecimento na
Observando-se, então, as ontologias filosofia e na biblioteconomia: uma visão
em relação aos aspectos que herdam dos histórico-conceitual crítica com enfoque
sistemas de classificação, mesmo que nos conceitos de classe, de categoria e
tal herança não seja sempre declarada, de faceta. Tese (Doutorado em Ciência
é possível afirmar que os sistemas da Informação) – Universidade de São

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 173


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v. 6, n. R46, p. 1-15, 2005. seminário realizado pelo UDC Consortium
SOERGEL, Dagobert. The rise na Holanda, em 2011, cuja temática foi
of ontologies or the reinvention of “Classification and ontology” e que teve
classification. Journal of the American como eixos os seguintes (em tradução
Society for Information Science, v. 50, n. livre): 1) O papel da classificação e
12, p. 1119-1120, oct., 1999. ontologia na web; 2) Classificações e
SOWA, J.F. Knowledge representation: ontologias em seus próprios termos;
Logical, philosophical, and computational 3) A classificação encontra a web; 4)
foundations. Pacific Grove: Brooks/Cole, Classificação e ontologias em assuntos
2000. específicos; 5) Categorias e relações:
elementos-chave de ontologias; 6) A
modelagem de conceitos e estruturas
em classificações analítico-sintéticas;
7) Transformando e estendendo os
sistemas de classificação.

176 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


enfermagem
amamentação e o uSo Da tecnologIa
ana cláuDIa De lIma
reSumo
A sociedade contemporânea está inserida em uma realidade caracterizada por
um grande avanço tecnológico. As inovações no setor saúde interagem fortemente
com o setor científico. A evolução da informática permite a veiculação de informações
de maneira efetiva e rápida. É um dos instrumentos a serem utilizados afim de que
campanhas de promoção da saúde atinjam diversas camadas socioculturais. Campanhas
para o incentivo ao aleitamento materno são disseminadas por meio desses meios de
informações, a fim de que atinja um maior número de pessoas possíveis. O aleitamento
materno é o alimento básico e suficiente para o crescimento e desenvolvimento da
criança, possibilitando proteção contra desnutrição, diarreia, infecções, enterocolite
necrotizante e septicemia, diminuindo, dessa forma, a mortalidade infantil. Este
estudo tem como objetivo investigar na literatura a evolução da tecnologia em saúde
e a inserção do aleitamento do mundo contemporâneo. Trata-se de uma revisão
bibliográfica baseada na literatura especializada através de consulta a artigos científicos
selecionados por meio de busca no banco de dados do scielo e da bireme, a partir das
fontes Medline e Lilacs. Verificou-se que houve inúmeros progressos na medicina e
tratamentos em saúde, mas o aleitamento materno existe desde o início dos registros
humanos e é responsável pela diminuição da mortalidade e agravos de saúde infantil.

PalaVraS-chaVe
biodiversidade; Água de lastro; Distribuição; Invasão; Competição; Aleitamento materno.

aBStract
Contemporary society is embedded in a reality characterized by a great technological
advancement. The innovations in the health sector interact strongly with the scientific
sector. The evolution of computing allows the airing of information effectively and
quickly. The evolution of computing allows the airing of information effectively and
quickly. Is one of the instruments to be used so that health promotion campaigns to reach
various socio-cultural layers. Campaigns to promote breastfeeding are disseminated
through these means of information in order to reach a greater number of people
possible. Breastfeeding is the staple food and enough for the growth and development
of the child, providing protection against malnutrition, diarrhea, infections, Necrotizing
Enterocolitis and septicemia, decreasing the infant mortality rate. This study aims to
investigate in the literature the evolution of technology in health and the insertion of
the suckling of the contemporary world. This is a literature review based on specialized
literature through the query selected scientific articles via search in the database of the
scielo and bireme, sources Medline and Lilacs. It was found that there were numerous
advances in medicine and health treatments, but breastfeeding has existed since
the beginning of human records and is responsible for the decrease in mortality and
diseases of child health

KeYWorDS
Biodiversity; Ballast Water; Distribution; Invasion; Competition; Breastfeeding

178 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


INTRODUÇÃO disseminadas por meio desses meios de
A sociedade contemporânea está informações a fim de que atinjam um
inserida em uma realidade caracterizada maior número de pessoas possíveis.
por um grande avanço tecnológico. A A amamentação e suas vantagens
tecnologia pode ser considerada como um têm sido amplamente discutidas na
processo constituído por um conjunto de literatura. O aleitamento materno é
ações abstratas e concretas com objetivos o alimento básico e suficiente para
determinados. Esta tecnologia está o crescimento e desenvolvimento
presente em todo processo de trabalho da criança, possibilitando proteção
em saúde, desempenhando papel contra desnutrição, diarreia, infecções,
fundamental na prática da medicina. enterocolite necrotizante e septicemia,
As inovações no setor saúde interagem diminuindo, dessa forma, a mortalidade
fortemente com o setor científico. Por um infantil. (Cf. Venancio, Monteiro, 1998)
lado, a infraestrutura científica é origem Constitui-se como uma das fases
de um fluxo de informações que apoia o mais significativas da relação mãe-bebê.
surgimento de inovações, que afetam a Possibilita a construção do vínculo, do
prática médica e a saúde: em linhas gerais, afeto, tão necessário para o crescimento
novos medicamentos, novos equipamen- e desenvolvimento pleno da criança. (Cf.
tos, novos procedimentos clínicos, novas Alves, Oliveira, 2002).
medidas profiláticas e novas informações. O aleitamento materno atua
Por outro, a prática médica e a atuação promovendo um bom desenvolvimento
do setor saúde em geral são origem de do sistema imune, protegendo-a de
um fluxo de informações inverso e con- infecções e doenças respiratórias, além de
stituem-se em um enorme e crescente re- ser um alimento completo. É uma técnica
positório de questões, achados empíricos simples e com baixo custo financeiro. Para
e práticas bem-sucedidas que precisam a mulher, previne a ocorrência do câncer
ser explicadas e compreendidas. (Cf. Albu- mamário e ovariano, auxilia na involução
querque, SOUZA, 2004). uterina, retarda a volta da fertilidade e
Nos dias atuais existe um contínuo aperfeiçoa a mulher em seu papel de mãe,
desfilar de novidades tecnológicas, pois permite um maior contato entre mãe
decorrentes dos avanços conquistados e filho, aumentando assim o vínculo de
pelas ciências médico-biológicas, surgidas ambos. (Cf. Ichisato, Shimo, 2001).
principalmente desde a metade do Ao longo dos anos houve uma valori-
século XX. Novos equipamentos, novos zação do aleitamento materno, tornando
procedimentos clínicos e novas medidas as pessoas mais conscientes dos benefí-
profiláticas fazem parte de um acervo cios que proporciona às mães e às crian-
de novas informações que conferem ao ças. O aleitamento materno não deve ser
setor da saúde ser um dos setores da responsabilidade exclusiva das mães, mas
economia mundial que mais tem crescido sim de todo um conjunto: família, profis-
nos últimos tempos. (Cf. Drumond, 2007). sionais de saúde, ambiente social etc..
Essa evolução tecnológica traz Amamentar deve ser uma decisão
inúmeros benefícios, tanto em relação à tomada pela mulher, conscientemente,
saúde quanto se tratando de qualidade embora essa conscientização muitas
de vida; também promove impactos na vezes não aconteça, por despreparo da
economia e na sociedade em geral. equipe profissional, banalização do ato,
A evolução da informática permite a etc. Desconstruir valores/significados que
veiculação de informações de maneira estão enraizados é complexo e demorado,
efetiva e rápida. É um dos instrumentos a porque são valores que hoje não servem
serem utilizados a fim de que campanhas ou não são aceitos, mas que fizeram parte
de promoção da saúde atinjam diversas de um saber geral. (Cf. Juruena, Malfatti,
camadas socioculturais. Campanhas para 2009).
o incentivo ao aleitamento materno são Mediante o apresentado, este estudo
tem como objetivo investigar na literatura

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 179


a evolução da tecnologia em saúde e médicos chineses, Itoua To e Pien Tsio
a inserção do aleitamento, no mundo (287d.C.) estudaram medicina na Grécia e
contemporâneo. Cecília, na Ásia Menor. Conta-se que esses
médicos teriam transplantado a perna
materIal e métoDo de um soldado que acabara de morrem
Trata-se de uma revisão bibliográfica em outro home, que tinha perdido a
baseada na literatura especializada por perna naquele mesmo dia. Hoje são os
meio de consulta a artigos científicos padroeiros dos médicos cirurgiões. (Cf.
selecionados, através de busca no banco Neto, 2010).
de dados do scielo e da bireme, a partir Houve muitas tentativas de transfusões
das fontes Medline e Lilacs. sanguíneas, sem sucesso, até a descoberta
Inicialmente foi realizada uma busca dos diferentes tipos de sangue, suas
sobre a evolução tecnológica da medicina, compatibilidades e incompatibilidades.
tendo por objetivo obter um histórico da Transplantes de órgãos não vitais foram
mesma e em seguida sobre amamentação, praticados significativamente durante o
seus benefícios e peculiaridades durante século, como medida paliativa nos casos
os tempos. de queimadura. (Cf. NETO, 2010).
Na busca inicial foram considerados os Transplantes de córnea começaram
títulos e resumos a fim de selecioná-los em 1905, sendo consolidada a prática
como trabalho de interesse. em 1944, quando o primeiro banco de
Utilizado como critério de inclusão, olhos mundial foi inaugurado: o Hospital
artigos dos anos de 1997 a 2014. Manhattan de Olhos, Ouvidos e Garganta.
Encontrados 32 artigos referentes A eficácia do tratamento, nas últimas
aos assuntos estabelecidos, 19 foram décadas do século XX chegou a mais de
separados e destacada uma síntese sobre 95% dos receptores de transplante de
os aspectos de maior interesse. córnea. (Cf. NETO, 2010).
Durante as décadas de 60, 70 e 80 foram
aVançoS tecnológIcoS na meDIcIna desenvolvidos fármacos com boa ação
Uma transformação profunda nos imunossupressora a fim de proporcionar
sistemas de saúde no mundo todo os transplantes de órgão como uma terapia
tem acontecido nos últimos anos. efetiva. O transplante renal foi o primeiro
Novas abordagens terapêuticas, novos transplante de órgão largamente utilizado
conhecimentos médicos, esclarecimento no tratamento de falência terminal de
da população acerca dos fatores de riscos órgãos. Durante o final do século XX e
aos agravos de saúde, aumento das início do século XXI, aperfeiçoaram-se as
ferramentas de informação agregados técnicas que possibilitaram o transplante
à prática assistencial, possibilitam a de outros órgãos vitais, como coração,
extensão de atendimento em áreas fígado, pulmão etc. (Cf. NETO, 2010).
antes não praticáveis. Os investimentos Com a introdução da circulação
feitos em novas tecnologias, resultam extracorpórea, permitiu-se que o coração
em capacidade de resolução cada vez de fosse acessível à cirurgia, levando à
maior impacto. São várias descobertas correção das malformações congênitas,
e aperfeiçoamento que permitiram esse revascularização e outros tipos de
avanço. (Cf. QUEIROZ, BARBOSA, 2003). correções. (NETO, 2010).
Os transplantes foram um dos maiores Outro grande avanço da saúde, foi
êxitos da medicina, deixando de ser a possibilidade da fertilização artificial.
um procedimento arriscado para ser O desenvolvimento das técnicas de
uma intervenção terapêutica eficaz em reprodução, medicamente assistidas, veio
pacientes com doenças crônicas, terminal trazer a possibilidade real de filhos aos
ou aguda fulminante. casais com problemas de infertilidade. (Cf.
Relatado desde os primórdios da DEMASI, 2010).
sociedade, em Gênesis é encontrado A Engenharia Genética é o termo
o primeiro doador, Adão. Depois, dois utilizado que descreve o conjunto de

180 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


técnicas modernas em biologia celular materno exclusivamente até o sexto mês
que permite a identificação, manipulação de vida e complementado com outros
e multiplicação de genes em organismo alimentos até 2 anos ou mais, mas é
vivos. (Cf. BERNARDY, FAGUNDES, verificado que somente 35% das crianças
AVANCI, 2011). recebem aleitamento materno exclusivo
O desenvolvimento da Engenharia durante os quatro primeiros meses de
Genética permite que se estabeleçam vida. (Cf. UNICEF, 1993).
quais são os genes humanos e suas É o mais completo alimento para o
funções no organismo, possibilitando bebê, atuando como agente imunizador,
então, a prevenção, intervenção e/ou acalma a criança no aspecto psicológico,
controle de doenças. Abriu-se o caminho tem a vantagem técnica por ser
para o domínio humano nas áreas de operacionalmente simples, é de baixo
transmissão de herança genética e custo financeiro, protege a mulher contra
sistema nervoso na área de reprodução. câncer mamário e ovariano, auxilia na
(Cf. BERNARDY, FAGUNDES, AVANCI, involução uterina, retarda a volta da
2011). fertilidade e permite a otimização da
A descoberta dos raio-X, no final mulher em seu papel de mãe. (Cf. RICCO,
do século XIX, e sua aplicação com fins 1995).
diagnósticos no início do século XX, Os problemas relacionados com a
marcaram a história da medicina. Logo amamentação no contexto da alimentação
surgiu a ultrassonografia, tomografia infantil são relatados desde antigamente,
computadorizada, ressonância nuclear evidenciados pela grande quantidade de
magnética, cintilografia, fibroendoscopia, crianças abandonadas em instituição de
que proporcionaram melhorias na caridade, ao longo de vários séculos e
identificação dos problemas e melhor durante tempos economicamente difíceis,
assertividade nos diagnósticos. como já se verifica na Antiguidade. (Cf.
Descoberta surpreendente foi também BOSI, MACHADO, 2005).
a potencialidade das células troncos, que O Código de Hammurabi (cerca de
se diferenciam em qualquer tecido do 1800 a. C) continha regulamentações
organismo e sua utilização na terapêutica sobre a prática do desmame, significando
de muitas doenças degenerativas. amamentar criança de outra mulher, na
A psicofarmacologia, permitiu um forma de aluguel. Há referências na Bíblia
progresso no tratamento de doenças sobre a prática do aleitamento materno.
mentais, melhorando a qualidade de vida Hipócrates declarou que somente o leite
desses pacientes, que antes só tinham da própria mãe é benéfico, o de outras
como destino o isolamento em celas de perigosas. Publicações Europeias do final
hospitais psiquiátricos. (Cf. REZENDE, do período medieval também exaltam a
2009). importância do aleitamento materno para
Ainda há desafios, entre eles o a infância. (Cf. BOSI, MACHADO, 2005).
câncer e a síndrome de imunodeficiência A construção do formato de
adquirida (AIDS), mas há grandes alimentação infantil se formou de
avanços de conhecimento sobre essas influências políticas, econômicas e
áreas. Enquanto a solução ainda não culturais, como o tipo de colonização.
é apresentada, existe um avanço e Com a colonização, as portuguesas
aperfeiçoamento na medicina preventiva, trouxeram o hábito da utilização das
diagnósticos mais rápidos e tratamento amas-de-leite, sendo que as escravas
precoce que permitem maiores chances negras desempenhavam essa função. A
de sobrevida. (Cf. REZENDE, 2009). dieta da criança, que não tinha qualquer
distinção da dieta dos adultos entre os
aleItamento materno colonizadores europeus, passou a contar
O UNICEF (Fundo das Nações Unidas com papas e alimentos semi-sólidos, com
para a Infância) preconiza que todos os a influência das mulheres africanas. (Cf.
bebês sejam amamentados com leite MONTEIRO, NAKANO, 2011).

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 181


Durante o século XVIII, havia a defesa ecuta um exercício que proporciona o de-
do aleitamento natural, com mamadas senvolvimento da musculatura e ossatura
fixadas, que deveriam ser apenas quatro bucal, proporcionando o desenvolvimento
por dia. Com a recusa das mulheres em harmônico, direcionando o crescimento
amamentar seus filhos, em 1784, surge a correto de estrutura, importantes como
primeira recomendação do médico inglês seio maxilar para a respiração e fonação,
Underwood, para se utilizar o leite de vaca desenvolvimento do tônus muscular etc..
ao invés do leite materno. (Cf. MONTEIRO, (Cf. SERRA, PORDEUS, ROCHA, 1997)
NAKANO, 2011). Para as mães há também muitos
Com a descoberta, em 1839, que o benefícios, como satisfação do instinto
leite de vaca era mais rico em proteína maternal, redução do estresse e mau
que o leite materno, havia o discurso humor, pois há a liberação do hormônio
preferencial pelo leite de vaca. Nas ocitocina e sensação de bem-estar,
primeiras décadas do século XX, as retorno da forma física, menor risco
indústrias americanas já se destacavam na de desenvolver artrite reumatoide,
produção do leite artificial. (Cf. ZUÑIGA, diminuição do risco de câncer do epitélio
MONTEIRO, 2000). ovariano e mamário.
Pressões comerciais, mudança no
estilo de vida da mulher, mudanças no conSIDeraçõeS fInaIS
formato familiar, levou à diminuição do Como descrito, houve inúmeros
aleitamento materno. Em 1961 a 1973, progressos na medicina e tratamentos em
o desmame precoce associado a outros saúde, mas o aleitamento materno existe
fatores como a má nutrição infantil, desde o início dos registros humanos
elevaram a taxa de mortalidade em até e é responsável pela diminuição da
45%. (Cf. ZUÑICA, MONTEIRO, 2000). mortalidade e agravos de saúde infantil.
Com essa nova realidade, retoma-se o Inserido em um contexto em que na
movimento de incentivo ao aleitamento sociedade há grande avanços tecnológicos,
materno, que segue até os dias atuais. o aleitamento é uma prática com grandes
Giugliani e Lamunier dizem: benefícios e baixo custo e não necessita
de uso da tecnologia.
Apesar de todo o avanço científico e dos Há de se observar que houve, durante
esforços de diversos organismos nacionais os anos, uma pressão muito grande por
e internacionais, as taxas de aleitamento parte das indústrias de leite artificial,
materno no Brasil, em especial as de permeando ainda no saber popular a
amamentação exclusiva, estão bastante equivalência nutricional ao leite materno.
aquém do recomendado. A mediana de Atualmente, a mulher exerce
amamentação no Brasil é de 10 meses, e também o papel de chefe de família e/
de amamentação exclusiva, de apenas 23 ou tem atividades extra-lar. O mercado de
dias, contrastando com a recomendação trabalho exige disponibilidade da mulher/
internacional de amamentação exclusiva mãe em seu emprego, competindo com
por 6 meses e complementada por 2 anos os homens no mercado de trabalho de
ou mais. (Cf. 2004). modelo masculino.
É necessário que haja o esclarecimento
O Aleitamento materno não só dos seus direitos, quando exerce seu papel
proporciona para o bebê o conforto de mãe/nutriz, como disponibilidade de
de suas necessidades satisfeitas, mas horário para amamentação, local para
também o prazer de ser segurado pelo coleta e conservação do leite materno.
braço da mãe, sentir seu cheiro, seus Embora a decisão de amamentar
carinhos, permitindo que compense o seja pertinente somente as mulheres,
vazio decorrente da separação repentina é necessário que se compreendam os
e bruta após o pós-parto. (Cf. ZAVASCHI, diversos aspectos sociais em que ela está
1991). inserida, seus desafios e possibilidade
Durante a amamentação, a criança ex- e que se avaliem as condições e

182 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


dificuldades que as mulheres enfrentam BERNARDY Katieli, FAGUNDES Laidines
para amamentar, independentemente Seibel, AVANCINI Maria Francisca Ribas.
de sua intensidade, não as omitindo nem Uso de engenharia genética na prevenção
as subestimando e sim as equilibrando e de doenças e escolha do sexo dos filhos.
adequando. XVI Semináro Interinstitucional de Ensino,
Pesquisa e Extensão. Unicruz; 2011.
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10, supl. 2, p. s337-s345, Dec. 2010 .

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 183


VIVêncIa aDmInIStratIVa em um amBulatórIo
SoB a ótIca Do enfermeIro eStomateraPeuta
clauDIa regIna De Souza SantoS
reSumo
O artigo trata do relato de experiência da Enfermeira Estomaterapeuta diante da
implantação do ambulatório de Estomaterapia, enfocando aspectos administrativos e
manuseio de situações de conflito relativos à falta de recursos humanos e de materiais.

PalaVraS-chaVe
Administração; Enfermeiro; Estomaterapia; Ambulatório.

aBStract
The article comes from case studies of Nurse Stomatherapist on the implementation
of the Stomatherapy clinic, focusing on Administrative and handling aspects of conflict
situations concerning the lack of human and material resources.

KeYWorDS
Directors; Nurse; Stomatherapy; Outpatient Clinic.

IntroDução emocionais.
O gerenciamento do serviço de Na implantação de um serviço
enfermagem engloba procedimentos de enfermagem, tanto a prática do
que incluem o cuidar, gerenciar, instruir cuidar quanto o ato de administrar, são
e investigar (Cf. Sanna, 2007). Para que importantes para que o resultado seja
isso ocorra, é necessário ao enfermeiro satisfatório. Conforme Hausmann (Cf.
planejar, o que implica no norteamento 2006), o cuidado efetivo está presente
dos passos por meio da tomada de quando existe coordenação do processo
decisão sobre o que fazer antes de iniciar de trabalho e para Sanna (Cf. 2007), o
as ações. Conforme Santos (Cf. 2007), o enfermeiro destaca-se como sendo o
planejamento é composto de fases como profissional ímpar com autoridade nos
o Planejamento Estratégico, relativo à sistemas empregados nesse processo,
organização de modo geral. O Tático, que que são o planejamento, a tomada de
estabelece os objetivos e o Operacional, decisão, a supervisão e a auditoria.
no qual as metas são traçadas além do A qualidade dos serviços, incluindo
uso dos recursos humanos e materiais. análise de custos, satisfação da clientela
Para Montezeli ET AL (Cf. 2011), e profissional especializado, é fator
a administração inclui o cuidado essencial para a obtenção de resultados
propriamente dito, ou seja, o dia a dia do positivos. Esses componentes também
enfermeiro, ultrapassando o tecnicismo foram importantes na implantação do
e de certa forma, incorporando o Ambulatório de Estomaterapia.
conhecimento e atitudes racionais e A especialidade de Estomaterapia

184 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


é única do enfermeiro e está voltada arterial e a neuropatia como
ao cuidado de pessoas com estomias, consequências diretas de doenças
feridas agudas e crônicas, fístulas, como a hipertensão arterial e
drenos, catéteres e incontinências anal e diabetes mellitus. Além dessas,
urinária. O início dessa especialidade no aqueles que apresentam sequelas
Brasil deu-se em 1998, sob a coordenação de Acidente Vascular Encefálico
da Enfermeira Estomaterapeuta (ET) (AVE), os quais permanecem
Vera Lúcia C. G. Santos, na Escola de imobilizados em suas camas,
Enfermagem da Universidade de São adquirindo úlceras por pressão;
Paulo (Cf. SOBEST, 2015). • Assistência especializada às
A iniciativa de implantação de um pessoas com estomas intestinais
ambulatório de Estomaterapia na rede e urinários, visando a diminuir as
publica, especificamente na Secretária complicações de pele e estomas;
de Saúde do município de Pouso Alegre • Assistência especializada às
(MG), partiu inicialmente da necessidade pessoas com incontinências,
de tratar os pacientes com lesões, de evitando diminuir dermatite
maneira sistematizada, com recursos associada à incontinência e
humanos especializados e materiais situações vexatórias causadas
de qualidade. Posteriormente, seguiria pelas perdas;
o serviço de estomias e por último de • Análise do Custo x benefício dos
incontinência. equipamentos para realização
Esse estudo descreve a vivência dos curativos, entre outras.
do enfermeiro Estomaterapeuta O local para o funcionamento foi
na implantação do ambulatório de sugerido pela enfermeira da vigilância
Estomaterapia em uma cidade do sul sanitária, por meio de seu conhecimento
de Minas Gerais, o qual teve inicio em referente às normas técnicas especificas
outubro de 2002. Tem como objetivo quanto à sala de tratamento de lesões
oferecer informações sobre o aspecto bem como para atendimento a pacientes
administrativo desse serviço. com estomas. Ele funcionou durante
cinco meses nas dependências da
policlínica Municipal, e logo após, foi
2. DeSenVolVImento transferido para uma unidade básica
A ideia da implantação desse serviço de saúde recém-construída e passou
teve início com diálogo entre duas a ocupar duas salas, ou seja, uma para
enfermeiras da rede pública de Pouso realização da consulta de enfermagem
Alegre, lotadas na vigilância sanitária e juntamente com os procedimentos
outra na unidade básica de saúde. práticos e outra para acondicionamento
A fase do planejamento iniciou-se com dos equipamentos para estomas
a escolha do local e a realização de um e prontuários, mantendo-se assim
projeto, justificando seu funcionamento. atualmente.
Alguns ítens foram abordados como: Na etapa de organização, uma das
• Norma operacional da assistência decisões estava direcionada aos recursos
à saúde NOAS SUS 01/2001, que materiais, incluindo tipos de dispositivos
amplia as responsabilidades dos a serem usados nas lesões. Essa fase
municípios na atenção básica, foi marcada por justificativas quanto
respeitando o acesso universal e ao uso de coberturas, apontando os
o atendimento mais próximo de benefícios. Para os gestores, que na
sua moradia; maioria das vezes não são enfermeiros, é
• Assistência especializada a imprescindível descrever as vantagens da
pacientes com lesões causadas disponibilidade das coberturas ao invés
por insuficiência venosa e de produtos, considerados obsoletos,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 185


aumentando dessa forma o custo dos com isso o trabalho teve de ser
procedimentos de curativos. dividido da seguinte maneira:
O serviço de estomias não era • Os curativos eram realizados nos
coordenado por enfermeiro e o mesmo dias de segunda e quarta-feira.
apenas distribuía os equipamentos, • Os procedimentos com estoma
sendo necessário assumir esse às terças, quintas e sextas- feiras.
trabalho. Esse serviço, além de fornecer • Os familiares e pacientes
equipamentos para os pacientes receberam explicações quanto
residentes em Pouso Alegre, também aos curativos e materiais para sua
atendia a pacientes de outras 34 cidades realização em domicílio.
pertencentes à Superintendência • As visitas domiciliares deveriam
Regional de Saúde Pouso Alegre. Os ter agendamento prévio, de pelo
pacientes e ou familiares buscavam as menos uma semana.
bolsas uma vez ao mês com profissional • Os equipamentos para estomas
de outra área que não era enfermeiro. eram distribuídos apenas nos dias
Para obter resultados concretos da de atendimentos para estomas.
assistência de enfermagem às pessoas • As reuniões com pacientes com
com lesões e com estomas, foram estomas eram realizadas a cada
realizadas ações como: três ou quatro meses.
• Preparação dos prontuários; • Limpeza e esterilização de
• Escolha de instrumentos para instrumentais às quartas-feiras.
avaliação;
• Recursos materiais como noVoS DeSafIoS
armários, mesas, cadernos para Como implantar um ambulatório
agendamento das consultas, de Estomaterapia sem possuir um
computador, telefone, profissional com especialidade nessa
impressora, quadro de aviso, área?
arquivos de mesa e arquivos com Na busca de conhecimento
gavetas, além de outros materiais especializado, no ano de 2003, a
para escritório; enfermeira desse serviço concluiria o
• Divulgação entre os enfermeiros, curso de Estomaterapia na UNITAU na
para encaminhamento dos cidade de Taubaté (SP). Nesse período,
pacientes com lesões e para os algumas medidas como a alteração do
hospitais locais, quanto ao serviço horário de funcionamento teve de ser
de estomas; modificado, levando os atendimentos
• Aquisição de um técnico ou a acontecerem aos sábados no período
auxiliar de enfermagem e de um de estágio integral do curso, que foi um
auxiliar administrativo. mês. Outra barreira transponível foi a
• No início, muitos desafios compra de coberturas, dando início à
foram vivenciados. A falta de nova fase no tratamento de lesões, a
funcionários e de materiais qual permanece até os dias atuais.
adequados para se trabalhar, Foram confeccionados os protocolos
fez com que o número de dos serviços de tratamento de lesões
atendimentos fosse reduzido. e cuidados com estoma. Em 2014, o
O ambulatório funcionou protocolo de tratamento de lesões foi
durante algum tempo apenas revisado pela enfermeira ET e recebeu
com a enfermeira ET, realizando auxilio de outros profissionais, incluindo
os procedimentos práticos e um médico e duas enfermeiras,
administrativos. Essas restrições sendo que uma delas está cursando
não foram impedimentos para Estomaterapia.
início e continuidade do serviço; No decorrer dos anos, foi

186 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


disponibilizada uma auxiliar ocorresse, os enfermeiros das cidades
de enfermagem e uma auxiliar que possuíam pacientes com estomas,
administrativa e com isso as reuniões receberam capacitação prática ministrada
com estomizados passaram a ser pela enfermeira Estomaterapeuta no
mensais, bem como os atendimentos ambulatório de ET. Estes eram convidados
para curativos, ou seja, todas as tardes. a participar das consultas de enfermagem
As visitas tornaram-se mais frequentes, dos próprios pacientes iniciando dessa
possibilitando avaliações com prazo de forma laços de confiança entre eles e os
tempo menor, incidindo em início de pacientes. Além dessa capacitação, outra
tratamento mais rápido. teve início em 2012 por meio de palestras
Com a implantação do Programa de abrangendo temas direcionados a
Estratégia de Saúde da Família (PESF), estomas. Esse evento é gratuito, acontece
os enfermeiros foram capacitados pela uma vez ao ano e conta com a cooperação
enfermeira ET para assistirem os pacientes da Câmara Municipal de Pouso Alegre, da
com lesões de forma sistematizada, Superintendência Regional de Saúde e da
fazendo uso das coberturas. Dessa Secretaria da Saúde, além das empresas
forma, atualmente os pacientes realizam fornecedoras dos equipamentos para
o tratamento em uma unidade próxima estomas e dos palestrantes convidados.
de sua residência. O Ambulatório de Detalhando mais o serviço de
Estomaterapia continua a dar suporte estomas, todos os pacientes do Centro
especializado aos enfermeiros, quando é de Referência a pessoas com estomas,
solicitado. são avaliados pelo enfermeiro no mínimo
três vezes ao ano. Quanto aos pacientes
DeScentralIzação Do SerVIço De eStomaS de outras cidades, a regra é a mesma
A assistência em estomas tomou sendo efetuado pelos enfermeiros das
proporções maiores, tornando-se próprias cidades dos pacientes e as
um Centro de Referência às pessoas avaliações encaminhadas ao Centro de
com estomas intestinais e urinários. referência em Pouso Alegre, para que
Na busca pelo início da assistência conste no prontuário de cada um, que
em incontinência, foi proposta a continuam recebendo acompanhamento
descentralização do serviço de estoma, do enfermeiro.
que visou a capacitar os enfermeiros
das cidades atendidas no ambulatório InícIo Do SerVIço De IncontInêncIa
e transferir as consultas periódicas para Essa descentralização da assistência
serem realizadas nas próprias cidades em estomas de pacientes de outras
dos pacientes, evitando que os mesmos cidades proporcionou a abertura do
percorressem longas distâncias para serviço de incontinência em 2012, por
serem avaliados e recebessem seus meio da liberação de vagas. Atualmente
equipamentos. Ficou decidido que a o Ambulatório de Estomaterapia
primeira e segunda consulta seriam funciona nas três áreas propostas pela
de responsabilidade da enfermeira do especialidade. Dentro do serviço de
ambulatório, com acompanhamento incontinência, realiza-se atendimento
obrigatório dos enfermeiros àqueles com incontinência urinária
representantes de cada cidade. A e anal por meio de protocolo de
mudança ocorreu durante o ano de 2011 atendimento em técnicas conservadoras
e foi autorizada pela Secretaria da Saúde e comportamentais.
e pela Superintendência Regional de As pessoas com lesão medular
Saúde de Pouso Alegre, obtendo ótimos recebem orientação quanto ao
resultados, com continuidade nos dias cateterismo intermitente limpo e de
atuais. demora e materiais para sua execução,
Para que a descentralização bem como ensinamentos para prevenção

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 187


da úlcera por pressão entre outros. O a desgaste da equipe e do atendimento.
serviço de atendimento aos lesados Saber enfrentar os problemas com
medulares está em fase de organização. serenidade auxilia, no dia a dia, a
A demanda acontece por meio de execução do trabalho.
encaminhamento espontâneo por meio
de cartazes de divulgação do serviço e concluSão
encaminhamento de outros profissionais O Ambulatório de Estomaterapia
de saúde. possui, atualmente, 185 pacientes que
Outro atendimento oferecido é o realizam tratamento para lesões, fístulas,
acompanhamento aos pacientes com drenos, estomas e incontinências.
estomas respiratório e gástrico sob a Os desafios no gerenciamento são
forma de fornecimento de materiais contínuos. A persistência em melhorar
(frascos, equipos para alimentação, o serviço, o estudo constante e a
catéteres para aspiração traqueal), o qual flexibilidade dentre outros, possibilita
ainda merece atenção em seu aspecto até os dias atuais sua continuidade.
organizacional.
No que diz respeito à dispensação de referêncIaS:
equipamentos, algumas intercorrências HAUSMANN, M. Análise do processo de
acontecem dificultando a regularidade Trabalho gerencial do Enfermeiro em um
de entrega dos mesmos. Houve períodos hospital privado no município de São Paulo:
que essa dispensação foi prejudicada possibilidades para o gerenciamento do
por terceiros, como paralização da cuidado. 2006. 111 f. Dissertação - Escola de
fiscalização dos produtos em portos, Enfermagem, Universidade de São Paulo. São
mudança de local e pessoas que Paulo. 2006. Disponível em: <file:///C:/Users/
os distribuíam além de questões Claudia/Downloads/Monica_Hausmann%20
administrativas. Nesse período, apesar (1).pdf>. Acesso em 29 de junho de 2015.
do estoque de equipamentos, houve MONTEZELI, J.H.M.; PERES, A.M.;
diminuição da quantidade de bolsas BERNARDINO, E. Demandas institucionais e
oferecidas aos pacientes ao mês, levando de cuidado no gerenciamento, de enfermeiros
à substituição dos equipamentos em um pronto socorro. Revista Brasileira de
preferenciais, causando situações Enfermagem, Brasília, v. 64, n. 2. p. 348-54.
desconfortantes. Atualmente o serviço 2011.
funciona sem problemas. SANNA, M.A. Os processos de trabalho
Todos os enfermeiros das outras em Enfermagem. Revista Brasileira de
cidades têm ciência do apoio quanto à Enfermagem, Brasília, v. 60, n. 2. P. 221-4,
educação continuada do enfermeiro ET, mar-abr. 2007.
em qualquer momento, restando apenas SANTOS, S.R. Administração aplicada à en-
agendar horário no centro de referência. fermagem. JOÃO PESSOA. 3ª edição. Ideia.
Além das reuniões com os pacientes 2007. 237 p. Cap. 3. O processo de Plane-
com estomas, são promovidas atividades jamento. p. 60-69. Disponível em: http://
de lazer como almoços, jogos, música e pt.slideshare.net/eustoliasantos/roadmin-
festas típicas no decorrer do ano. istracaoaplicadaaenfermagem2Acesso em 1
Atualmente devido licença médica da de julho de 2015.
auxiliar de enfermagem, o setor voltou SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTOMATERAPIA.
a ter atendimentos em curativos apenas SOBEST. Disponível em:http://www.sobest.
em dois dias da semana, não alterando o org.br/index.php?option=com_content&vie
restante do serviço. w=article&id=23&Itemid=46. Acesso em 28
A administração envolve vários de junho de 2015.
procedimentos e tomadas de decisões.
A flexibilidade é uma atenuante na
prevenção de conflitos, os quais levam

188 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


farmácIa
fármacoS como PoluenteS:o que SaBemoS e
quaIS oS DeSafIoS
fáBIo KummroW
reSumo
Os fármacos são uma classe diferenciada de contaminantes de interesse emergente,
porque são desenvolvidos para ter efeitos biológicos e para ter certa resistência
à degradação biótica e abiótica. Assim, existe elevada probabilidade de que esses
contaminantes sejam biologicamente ativos também para espécies-não alvo. Apesar
do aumento das investigações sobre a presença dos fármacos nos ambientes, pouco
se sabe sobre os efeitos tóxicos resultantes da presença fármacos nos compartimentos
ambientais para os seres humanos e para a biota aquática e terrestre. Contudo os
efeitos já correlacionados com a presença de baixas concentrações de fármacos nos
ambientes são: 1) toxicidade direta; 2) indução de resistência bacteriana; 3) Interferência
endócrina; 4) genotoxicidade. Porém para que se possam conduzir processos de
avaliação de risco realísticas e eficientes é urgente a necessidade do desenvolvimento
de protocolos para a avaliação de efeitos crônicos de fármacos, dos seus produtos
de transformação e das suas misturas. Como desafios para serem vencidos a curto,
médio e longo prazo estão: a melhoria dos sistemas de tratamento visando à maior
eficiência na degradação dos fármacos; a educação e treinamento da população e dos
profissionais de saúde visando ao uso racional de medicamentos; e por fim pesquisa
e desenvolvimento de fármacos que causem menores impactos ambientais visando
à substituição de moléculas críticas. Mais estudos sobre a ocorrência ambiental e
toxicidade de fármacos para organismos não-alvo são urgentes.

PalaVraS-chaVe
Contaminantes emergentes; Toxicidade de misturas; Uso racional de medicamentos.

aBStract
The drugs are a different class of contaminants of emerging concern because they
are designed to have biological effects and to have some resistance to biotic and abiotic
degradation. So, there is high probability that these contaminants are biologically active
also for non-target species. Despite the increase in investigations about the presence of
pharmaceuticals in the environment, little is known about the toxic effects resulting from
the presence of pharmaceuticals in environmental compartments for humans and aquatic
and terrestrial biota. However the effects already correlated with the presence of low
concentrations of pharmaceuticals in the environment are: 1) direct toxicity; 2) induction
of bacterial resistance; 3) endocrine interference; 4) genotoxicity. However in order to
conduct realistic risk processes assessment and efficient it is urgent the need of the
development of protocols for the assessment of chronic effects of drugs, their products
and their mixtures. As challenges to be overcome in the short, medium and long term are:
the improvement of systems of treatment aimed at increased efficiency in the degradation
of drugs; the education and training of the population and health professionals aimed at
the rational use of medicines; and finally the research and development of drugs that

190 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


cause lower environmental impact aimed at replacing critical molecules. More studies on
the environmental occurrence and toxicity of drugs for non-target organisms are urgent.

KeYWorDS
Emerging contaminants; Toxicity of mixtures; Rational use of medicines.

IntroDução de medicamentos, tanto para o


Contaminação ambiental pode ser tratamento de doenças quanto ao
definida como a presença de substâncias uso de medicamentos veterinários
químicas em locais onde normalmente empregados na produção animal para
não ocorreriam, ou ainda, acima das suas garantir a qualidade e a quantidade de
concentrações naturais. Já a poluição alimentos necessários para atender essa
é a contaminação que resulta ou pode população. Tal consumo crescentemente
resultar em efeitos biológicos adversos de medicamentos, aliado a uma
às comunidades (Cf. Chapman, 2007). Os frequentemente incompleta remoção
contaminantes de interesse emergente desses compostos, tanto inalterados
podem ser definidos como substâncias quanto metabolizados, em estações
de ocorrência natural, ou compostos de tratamento de esgotos e efluentes,
químicos e/ou materiais produzidos tem acarretado na ampla disseminação
pelo homem, que foram encontrados de fármacos nos compartimentos
recentemente ou que se suspeite da ambientais (Cf. Heberer, 2002; Santos et
presença nos diferentes compartimentos al., 2010).
ambientais, e cuja toxicidade ou Os fármacos e outros produtos
persistência são passiveis de afetar farmacêuticos emergiram como
negativamente a biota (Cf. Sauvé; contaminantes ambientais a partir do
DESROSIERS, 2014). Estes compostos não final do século XX em decorrência do
são necessariamente novos, e podem rápido desenvolvimento de instrumentos
estar sendo lançados no ambiente há analíticos automatizados e com
muito tempo, porém a preocupação elevada sensibilidade (Cf. Taylor; Senac,
com os seus efeitos nocivos para a 2014). Nesse sentido as melhorias e o
saúde humana e para os ecossistemas só desenvolvimento das técnicas analíticas
ocorreu recentemente (Cf. Horvat et al., tornaram possível entender a distribuição
2012;. Sauvé; Desrosiers, 2014). dos resíduos de fármacos em diversos
Entre os contaminantes de interesse tipos de matrizes ambientais, permitindo
emergente, os fármacos têm recebido identificar as classes terapêuticas mais
grande atenção da comunidade relevantes tanto do ponto de vista de
científica e a ocorrência de mais de ocorrência como de toxicidade (Cf.
200 princípios ativos já foi descrita em Santos et al., 2010).
ambientes aquáticos (Osorio et al., no Os fármacos, ao contrário de muitos
prelo). Espera se ainda que a presença outros contaminantes ambientais, são
e as concentrações ambientais de concebidos para possuírem mecanismos
fármacos continuem aumentando, se de ação fisiológicos particulares, isto
considerarmos o aumento crescente da é, para alterarem funções fisiológicas,
população mundial e da sua expectativa e para resistirem à inativação antes
de vida, fatores que contribuem de exercerem os efeitos terapêuticos
diretamente para a demanda crescente pretendidos. Portanto, existe uma
elevada probabilidade de que esses

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 191


contaminantes sejam biologicamente utilizados ou vencidos (Cf. Garric, 2013),
ativos também para espécies-não diretamente no sistema de esgoto
alvo (Cf. Vasquez et al., 2014). Além ou depositados em aterros. Somente
disso, os fármacos são continuamente recentemente a contaminação de
introduzidos, em concentrações na faixa fontes industriais, via lançamento de
de ng L-1 a μg L-1, principalmente nos efluentes, passou a receber atenção (Cf.
ambientes aquáticos (Cf. Bila; Dezotti, Fick et al., 2009) e serem consideradas
2003; SANTOS et al., 2010), e assim relevantes do ponto de vista de impactos
esses contaminantes passaram a ser ambientais. Já as potenciais vias de
considerados como pseudo-persistentes introdução dos produtos farmacêuticos
(Cf. Daughton; Ternes, 1999). utilizados em criação animal são os
Mas é importante ressaltar que a lançamentos diretos, sua disposição, a
ocorrência de fármacos no ambiente aplicação de excretas como fertilizantes
ainda esta cercada de muitas perguntas e sua dissolução direta em corpos d’água
sem resposta, como por exemplo, qual onde há aquicultura (Cf. Jones et al.,
o seu real potencial de causar efeitos 2004).
biológicos relevantes para a flora, fauna e Santos et al. (Cf. 2010), no seu
seres humanos, entre eles a interferência artigo de revisão, destacam as classes
endócrina e outros tipos de efeitos terapêuticas com maior ocorrência nos
deletérios considerados importantes (Cf. compartimentos ambientais. Entre elas
Fatta-Kassinos et al., 2011), como por merecem destaque: anti-inflamatórios
exemplo genotoxicidade. não-esteroidais (16%), antibióticos (15%),
anti-hipertensivos (12%), anti-lipêmicos
fonteS De contamInação (12%), hormônios (9%), antiepilépticos
(8%), ansiolíticos (4%), antidepressivos
amBIental Por fármacoS e claSSeS (4%), anti-neoplásicos (4%), antiácidos
teraPêutIcaS De ImPortâncIa (3%), contrastes para raio-X (3%) e outras
amBIental classes (10%).
Normalmente, produtos Apesar do aumento das investigações
farmacêuticos para uso humano sobre a presença dos fármacos em
e veterinário são considerados diferentes matrizes ambientais, pouco se
separadamente na avaliação de riscos sabe sobre os efeitos tóxicos resultantes
devido a diferenças nas suas rotas de dos fármacos presentes no ambiente
ingresso nos compartimentos ambientais. para os seres humanos e para a biota
Enquanto as fontes de fármacos de uso aquática e terrestre. E, uma lacuna de
humano tendem a ser pontuais, as de conhecimentos ainda maior recai sobre
uso veterinário normalmente são difusas os potenciais efeitos toxicológicos de seus
(Cf. Jones et al., 2004). A principal via de produtos de transformação, sejam eles
contaminação ambiental por fármacos de metabólitos, conjugados ou produtos de
uso humano é a sua excreção urinária ou degradação. Uma vez que alguns desses
fecal, na forma inalterada ou de produtos produtos de transformação vêm sendo
de biotransformação (que podem ser detectados em amostras ambientais,
ativos), via lançamento de esgotos mostrando-se, por vezes, recalcitrantes e
domésticos e hospitalares, que mesmo em concentrações maiores do que seus
tratados, ainda podem conter elevada compostos parentais (Cf. Oosterhuis et
carga desses contaminantes (Cf. Boxall, al., 2013), investigações sobre o potencial
2004). Outra fonte de contaminação de ecotoxicológico desses produtos e de
grande importância são os descartes suas misturas são indispensáveis (Cf.
inadequados de medicamentos não Evenidou et al., 2015).

192 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


efeItoS nocIVoS DoS fármacoS dos efeitos crônicos, causados por
PreSenteS no amBIente baixas concentrações de fármacos para
Os fármacos liberados no ambiente organismos que, frequentemente, estão
podem causar toxicidade (cuja extensão expostos por grande parte do seu ciclo
depende do composto em questão) de vida. E, embora os fármacos ocorram
virtualmente em qualquer nível da nos compartimentos ambientais na
hierarquia biológica, ou seja, células, órgãos, forma de misturas complexas, ainda são
organismos, população, ecossistemas, escassos os estudos sobre os efeitos das
ou à biosfera. E, além dos efeitos tóxicos misturas de fármacos ou de fármacos
diretos, certas classes de fármacos, como com seus produtos de transformação.
por exemplo, os antibióticos, mesmo Assim o desenvolvimento de protocolos
em baixas concentrações podem causar para avaliação da toxicidade de misturas
alterações irreversíveis no genoma de contendo fármacos é uma necessidade
microrganismos, podendo induzir a seleção urgente (Cf. GODOY et al., 2015).
de linhagens resistentes aumentando a Contudo os efeitos que já estão mais
sua patogenicidade (Cf. KLAVARIOTI et al., bem estabelecidos e correlacionados
2009). com as concentrações ambientais dos
Os fármacos podem interagir com fármacos são: 1) toxicidade direta
quatro categorias principais de alvos devido à interação entre o fármaco e o
biológicos que são os receptores, organismo – célula – órgão – organismo –
as enzimas, os canais iônicos e os população – ecossistema (considerando
transportadores, podendo causar sua modos de ação semelhantes); 2)
inibição ou indução. Estudos recentes resistência bacteriana com seleção
demostraram que genes que codificam genética das espécies mais patogênicas
vários alvos biológicos de diferentes ao ser humano; 3) interferência
fármacos são expressos em diferentes endócrina levando ao desequilíbrio
filos, muitas vezes com elevado grau hormonal e feminilização de algumas
de homologia, e que a maior parte espécies; 4) genotoxicidade (agentes
dos receptores e sistemas enzimáticos anticancerígenos) (Cf. SANTOS et al.,
presentes na espécie humana também 2010).
estão presentes em peixes e outros
vertebrados. Contudo, para invertebrados PrIncIPaIS DeSafIoS relacIonaDoS
ainda não está claro o quanto esses alvos com a contamInação amBIental
desempenham funções similares aquelas Por fármacoS
de organismos de outros níveis tróficos. Apesar de que não haja evidências
Além disso, os fármacos podem exercer de efeitos agudos decorrentes das
efeitos seus efeitos em organismos não- concentrações ambientais dos fármacos,
alvo por mecanismos distintos aos que mesmo na forma de misturas, ainda
atuam nas espécies alvo (Cf. GARRIC, faltam informações, principalmente
2013). sobre a toxicidade crônica dos próprios
A maior parte da informação fármacos, dos seus produtos de
sobre os efeitos de fármacos para as transformação e das misturas desses
espécies não-alvo é gerada em testes compostos para que possa ser realizada
de toxicidade aguda, porém na maior uma avaliação realística dos riscos dos
parte dos casos as concentrações fármacos presentes nos compartimentos
ambientais desses contaminantes está ambientais para o homem e para as
muito abaixo daquelas necessárias espécies não-alvo. Outra importante
para induzir efeitos agudos. Assim é lacuna esta relacionada com a
necessário ampliar o conhecimento

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 193


investigação do modo de ação dos affecting human and environmental health?
fármacos em diferentes espécies da EMBO reports, v. 5, p. 1110-1116, 2004.
biota terrestre e aquática. CHAPMAN, P.M. Determining when
Assim, no momento é importante contamination is pollution - Weight of
desenvolver estratégias para a evidence determinations for sediments and
redução do ingresso de fármacos effluents. Environment International, v. 33,
nos compartimentos ambientais, p. 492–501, 2007.
e consequentemente diminuir a DAUGHTON, C.G.; TERNES, T.A.
exposição das diferentes espécies Pharmaceuticals and personal care products
a esses contaminantes. De acordo in the environment: agents of subtle change?
com Kümmerer (Cf. 2009) medidas Environmental Health Perspectives, v. 07, p.
que podem ser implantadas a curto e 907-938, 1999.
médio prazo estão relacionados com EVGENIDOU, E.N.; KONSTANTINOU, I.K.;
o desenvolvimento de técnicas de LAMBROPOULOU, D.A. Occurrence and
tratamento mais eficientes visando à removal of transformation products of PPCPs
remoção dos fármacos presentes, por and illicit drugs in wastewaters: A review.
exemplo, em efluentes domésticos, Science of the Total Environment, v. 505, p.
hospitalares e industriais. Ainda como 905-926, 2015.
medidas para serem tomadas a médio FATTA-KASSINOS, D.; MERIC S.; NIKOLAOU,
prazo estão aquelas relacionadas com a A. Pharmaceutical residues in environmental
educação da população e treinamento waters and wastewater: current state of
dos profissionais de saúde, como por knowledge and future research. Analytical
exemplo, a promoção do uso racional and Bioanalytical Chemistry, v. 399, p. 251-
de medicamentos, e a longo prazo é 275, 2011.
necessário pensar o desenvolvimento FICK, J.; SÖDERSTRÖM, H.; LINDBERG,
de novos fármacos com menor potencial R.H.; PHAN, C.; TYSKLIND, M.; LARSSON,
poluidor, permitindo assim a substituição D.G.J. Contamination of surface, ground,
de muitas moléculas consideradas and drinking water from pharmaceutical
críticas e que estão atualmente em uso. production. Environmental Toxicology and
Por fim, o estabelecimento de Chemistry, v. 28, p. 2522-2527, 2009.
protocolos de novos testes para GARRIC, J. Emerging issues in ecotoxicology:
avaliação toxicológica e ecotoxicológica pharmaceuticals and personal care
de fármacos e misturas precisam ser products (PPCPs). In FERARD, J.F.; BLAISE,
desenvolvidos e validados. Com isso será C. Encyclopedia of aquatic ecotoxicology,
possível obter os dados que ainda estão Springer, Dordrecht, p. 407-427, 2013.
faltando para a realização de processos GODOY, A.A.; KUMMROW, F.; PAMPLIN,
de avaliação de risco realísticas e precisas P.A.Z. Occurrence, ecotoxicological effects
que permitirão embasar políticas e and risk assessment of antihypertensive
medidas de controle efetivas para a pharmaceutical residues in the aquatic
proteção da população humana e dos environment - A review. Chemosphere, v.
ecossistemas. 138, p. 281-291, 2015.
HEBERER, T. Occurrence, fate and removal
referêncIaS: of pharmaceutical residues in the aquatic
BILA, D.M.; DEZOTTI, M. Fármacos no meio environment: a review of recent research
ambiente. Química Nova, v. 26, p. 523-530, data. Toxicology Letters, v. 131, p. 5-17, 2002.
2003. HORVAT, A.J.M.; PETROVIĆ, M.; BABIĆ, S.;
BOXALL, A.B.A. The environmental side PAVLOVIĆ, D.M.; AŠPERGER, D.; PELKO,
effects of medication: How are human and S.; MANCE, A.D.; KAŠTELAN-MACAN, M.
veterinary medicines in soils and water bodies Analysis, occurrence and fate of anthelmintics

194 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


and their transformation products in the OSORIO, V.; LARRAÑAGA, A.; ACEÑA, J.;
environment. Trends in Analytical Chemistry, PÉREZ, S.; BARCELÓ, D. Concentration and
v. 31, p. 61-84, 2012. risk of pharmaceuticals in freshwater systems
JONES, O.A.H.; VOULVOULIS, N.; LESTER, are related to the population density and the
J.N. Potential ecological and human health livestock units in Iberian Rivers. Science of
risks associated with the presence of the Total Environment, no prelo.
pharmaceutically active compounds in the SANTOS, L.H.M.L.M.; ARAUÚJO, A.N.;
aquatic environment. Critical Reviews in FACHINI, A.; PENA, A.; DELERUE-MATOS, C.;
Toxicology, v. 34, p. 335-350, 2004. MONTENEGRO, M.C.B.S.M. Ecotoxicological
KLAVARIOTI, M.; MANTZAVINOS, D.; aspects related to the presence of
KASSINOS, D. Removal of residual pharmaceuticals in the aquatic environment.
pharmaceuticals from aqueous systems by Journal of Hazardous Materials, v. 175, p. 45-
advanced oxidation processes. Environment 95, 2010.
International, v. 35, p. 402-417, 2009. SAUVÉ, S.; DESROIRERS, M. A review of what
KÜMMERER, K. The presence of is an emerging contaminant. Chemistry
pharmaceuticals in the environment due Central Journal, v. 8, p. 15, 2014.
to human use - present knowledge and TAYLOR, D.; SENAC, T. Human pharmaceutical
future challenges. Journal of Environmental products in the environment -The “problem”
Management, v. 90, p. 2354-2366, 2009. in perspective. Chemosphere, v. 115, p. 95-
OOSTERHUIS, M.; SACHER, F.; TER LAAK, 99, 2014.
T.L. Prediction of concentration levels of VASQUEZ, M.I.; LAMBRIANIDES, A.;
metformin and other high consumption SCHNEIDER, M.; KÜMMERER, K.; FATTA-
pharmaceuticals in wastewater and regional KASSINOS, D. Environmental side effects of
surface water based on sales data. Science pharmaceutical cocktails: What we know and
of the Total Environment, v. 442, p. 380-388, what we should know. Journal of Hazardous
2013. Materials, v. 279, p. 169-189, 2014.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 195


uma jornaDa PeloS métoDoS De DeScoBerta
e Planejamento De noVoS fármacoS
DIogo teIxeIra carValho
reSumo
Pretende-se com esta exposição apresentar e discutir, de forma ilustrada com os ex-
emplos mais relevantes, os métodos históricos e modernos de obtenção de novos fár-
macos, demonstrando a todo o tempo a importância da interdisciplinaridade quando se
aplicam as estratégias de Química Medicinal na pesquisa de novas opções terapêuticas.
Apresentam-se, ainda, resultados de pesquisas nesta direção feitas pelo nosso grupo de
pesquisa na UNIFAL-MG.

PalaVraS-chaVe
Química Farmacêutica; Fármacos; Química Medicinal.

aBStract
This exhibition aims to present and discuss, as illustrated with relevant examples,
historical and modern methods of obtaining new pharmaceuticals, demonstrating all the
time the importance of interdisciplinarity when apply the strategies of Medicinal Chem-
istry in the research of new therapeutic options. Feature also results in this direction
made by our research group on UNIFAL-MG.

KeYWorDS
Pharmaceutical Chemistry; Drugs; Medicinal Chemistry.

O avanço científico, em todas as suas de moléstias diversas.


vertentes, possibilitou ao ser humano Tecnicamente falando, medicamento
melhoria indiscutível em sua qualidade é o termo empregado para designar
de vida, garantindo-lhe mais conforto, o produto farmacêutico pronto para
segurança e, de modo destacável, maior o uso e que contém, além do fármaco
entendimento quanto ao processo (que é a substância que possui o caráter
saúde-doença e, assim, quanto aos medicamentoso), substâncias muitas
diversos ângulos pelos quais podem-se vezes inertes destinadas a conferir
planejar os recursos terapêuticos. propriedades organolépticas adequadas
Dentre as diversas formas de ou características técnicas tais que
terapias utilizadas para a restauração permitem a formulação do agente
das condições biológicas conhecidas terapêutico na forma de comprimidos,
por saúde, existe um espaço brilhante drágeas, soluções e outras formas
ocupado pelos medicamentos, ainda farmacêuticas.
vistos por leigos como substâncias que Neste contexto, tem-se por objetivo
misteriosamente possuem o poder de com esta apresentação expor e discutir
prevenir, curar e auxiliar no diagnóstico as diferentes fontes de fármacos, ou seja,

196 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


das substâncias fundamentais de que se da morfina). Além disso, possibilitaram
compõem os medicamentos. que as mesmas fossem domadas, ou
Historicamente, os primeiros seja, transformadas estruturalmente
fármacos não eram utilizados na forma para gerarem derivados mais potentes
isolada como os conhecemos hoje. Pelo farmacologicamente e menos propensos
contrário, eram empregados na forma a causarem efeitos colaterais, como
de misturas complexas, como o ópio (o exemplo, anestésicos locais derivados da
qual contém o analgésico morfina) ou cocaína (Cf. BARREIRO, FRAGA, 2008).
extratos de glândulas de mamíferos (os Com os progressos sentidos na área
quais possuíam hormônios de efeitos da Química Orgânica, uma miríade
diversos). Grande parte do pouco de novos compostos bioativos foi
que havia disponível nos primórdios construída. Isso fez com que os fármacos
da terapêutica medicamentosa foi sintéticos ocupassem, e até atualmente
descoberta de forma empírica, muitas o fazem, o primeiro lugar no ranking
vezes sem nenhuma racionalidade. da classificação de fármacos segundo
Com o passar dos séculos, a a sua fonte de origem, perfazendo
Química e a Biologia, especialmente a no momento percentagem vultuosa.
Botânica, desenvolveram-se de maneira Foi neste ínterim que surgiram, sem
vertiginosa, o que permitiu a criação serem planejados para tais fins, os
de técnicas extrativas, de identificação antibacterianos da classe das sulfas, os
e mesmo de síntese química que hoje ansiolíticos benzodiazepínicos e os anti-
possibilitam o uso dos princípios ativos histamínicos de primeira geração (Cf.
puros contidos nestas matrizes biológicas, WERMUTH, 2008).
como foi o caso dos antibióticos beta- Contudo, com o desenvolvimento
lactâmicos e tantos outros elaborados intenso paralelo da Bioquímica e dos
por micro-organismos do ambiente (Cf. Métodos Computacionais Aplicados à
MAHADY et al., 2008). Biologia e Química, um novo cenário
Como se vê, os recursos naturais foram foi vislumbrado: o planejamento de
e são ainda fontes importantes, senão fármacos sob medida, em outras palavras
essenciais, para a descoberta de novos desenvolvidos racionalmente a partir do
fármacos (Cf. Colegate, MOLYNEUX, conhecimento íntimo da microestrutura
2007). Com enfoque especial nas plantas, do alvo molecular com o qual deveria
muitos fármacos utilizados atualmente interagir. Isso possibilitaria a criação
derivam destas espécies, direta ou in silico de candidatos a fármacos com
indiretamente. Das plantas são obtidas a afinidade ideal pelos biorreceptores
substâncias geralmente de estruturas envolvidos com a condição patológica a
bastante complexas e de difícil obtenção ser tratada (Sant’Anna, 2009). Diversas
de forma sintética em laboratório. Como histórias de sucesso exemplificam o
resultado disto, muitas vezes possibilitam emprego certeiro desta estratégia, desde
ações farmacológicas por mecanismos seu início (anti-hipertensivos como o
de ação distintos dos convencionais (Cf. enalapril) até fases mais adiantadas
NEWMAN, CRAGG, 2012). (inibidores de proteases e integrases do
O amadurecimento da Química HIV).
Orgânica Sintética foi responsável por Nosso grupo de pesquisa junto à
permitir que não só essas moléculas UNIFAL-MG tem dado sua colaboração
naturais fossem copiadas em formatos no cenário de pesquisa por candidatos
mais simples, para evitar a exploração a novos fármacos, em especial
não-sustentável de recursos naturais (vide antimicrobianos, apoiando-se no uso de
derivados sintéticos simplificados a partir parte dos métodos descritos neste artigo,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 197


em especial a modificação estrutural de referêncIaS
substâncias naturais com o intuito de ABRÃO, P. H. O.; PIZI, R. B.; DE SOUZA, T.
lhes aperfeiçoar o potencial biológico. B. Synthesis and biological evaluation of
Principalmente, destacam-se os trabalhos new eugenol Mannich bases as promising
realizados com o produto natural antifungal agents. Chemical Biology &
eugenol, ao qual é associada grande Drug Design (Print), 2014. doi: 10.1111/
variedade de ações biológicas, como cbdd.12504.
antimicrobiana, antiviral, antiparasitária, BARREIRO, E. J. L., FRAGA, C. A. M. Química
anti-inflamatória, anticonvulsivante, Medicinal: as bases moleculares da ação dos
anestésica e analgésica. Recentemente, fármacos. Porto Alegre: Artmed, 2008.
relatamos a atividade interessante de COLEGATE, S. M.; MOLYNEUX, R. J. Bioactive
alguns destes derivados como agentes natural products: detection, isolation, and
antibacterianos e antifúngicos que structural determination. 2 ed. CRC Press,
podem ser vistos como substâncias de 2007.
grande potencial para prosseguimento MAHADY, G. B.; HUANG, Y.; DOYLE, B. J.;
em outros estudos mais avançados (Cf. LOCKLEAR, T. Natural products as antibacterial
ABRÃO et al., 2014; SOUZA et al., 2014). agents. Studtgart Natural Products
As tendências atuais se apoiam em Chemistry, v.35, p.423-444, 2008.
conhecimentos sólidos e aprofundados NEWMAN, D. J.; CRAGG, G. M. Natural
products as sources of new drugs over the 30
da Biologia Molecular. Através do
years from 1981 to 2010. Journal of Natural
emprego de informações derivadas
Products, v.75, n.3, p.311-335, 2012.
do genoma, proteoma e metaboloma
SANT’ANNA, C. M. R. Métodos de modelagem
deverão surgir no futuro fármacos molecular para estudo e planejamento
engenhosos capazes de atuar ao mesmo de compostos bioativos: uma introdução.
tempo nos múltiplos pontos de regulação Revista Virtual de Química, v.1, n.1, p.49-57,
dos processos patológicos e fazê-lo sem 2009.
o custo de efeitos adversos debilitantes SOUZA, T. B.; ORLANDI, M.; COELHO, L. F. L.;
que não raro acompanham as opções MALAQUIAS, L. C. C.; DIAS, A. L. T.; CARVALHO,
terapêuticas nos dias de hoje. R. R.; SILVA, N. C.; CARVALHO, D. T. Synthesis
Enfim, as novas gerações deverão and in vitro evaluation of antifungal and
vivenciar um ambiente ainda mais cytotoxic activities of eugenol glycosides.
evoluído na área de fármacos em Medicinal Chemistry Research, v. 23, p.496–
comparação ao que se vê atualmente. 502, 2014.
Por outro lado, espera-se também que WERMUTH, C. G., ed. The Practice of
outros desafios naturalmente devam Medicinal Chemistry. 3 ed. New York:
surgir, como novas patologias e micro- Academic, 2008.
organismos super-resistentes, condições
estas que farão com que o ser humano
experimente a necessidade de passos
mais ousados rumo ao conhecimento.

198 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


lIteratura
a graDação Do humor na crônIca BraSIleIra
gerSon tenórIo DoS SantoS
reSumo
O objetivo deste artigo é discutir as diferentes gradações que o humor pode adquirir
nas mais diversas crônicas brasileiras desde o seu surgimento. Desde sua origem a crôni-
ca – um texto leve e curto publicado em jornais, revistas e periódicos – tem sido marcada
pelo humor. Porém, este varia consideravelmente na maneira de abordar seu objeto.
Para realização da análise foi selecionado um corpus de três crônicas das cem presentes
no livro As cem melhores crônicas brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos San-
tos. Tais crônicas foram selecionadas por representarem a ironia, a sátira e o gracejo, as
três modalidades do cômico tais como discutidas por André Jolles em sua obra Forma
Simples, que é a base teórica deste trabalho.

PalaVraS-chaVe
Crônica; Humor; Ironia; Sátira; Gracejo.

aBStract
The purpose of this article is to discuss the different gradations that humor can get in
several Brazilian chronicles since its inception. Since its beginnig, the Brazilian chronicle
– a light and short text published in newspapers, magazines and periodicals – has been
marked by humor. However, this varies greatly in the way it approaches their subject.
To perform the analysis a corpus of three crhonicles were selected among one hundred
published in the book As cem melhores crônicas brasileiras, organized by Joaquim Fer-
reira dos Santos. These chronicles were selected because they represent irony, satire and
grace, the three modes of the comic such as discussed by André Jolles in his work Simple
Forms, which is the theoretical basis of this work.

KeYWorDS
Brazilian Chronicle; Humour; Irony; Satire; Grace.

IntroDução encontramos nas poesias ou nos contos,


O objetivo deste trabalho é discutir pois estas assumem diferentes formas e
os vários níveis de humor que podem estilos, porém uma coisa lhes é comum:
ser encontrados na crônica brasileira são publicadas em jornais, revistas,
ao longo de sua história. A crônica, por periódicos e, mais recentemente, em
excelência um texto curto, trata das blogs e sites literários. E, justamente, o
minudências do cotidiano normalmente traço cômico a tem acompanhado desde
com leveza e humor, que pode ser os primórdios, basta que se atente às
irônico, satírico, lírico. Muitos textos que crônicas de Machado de Assis, Lima
se publicam como crônicas nem sempre Barreto, José de Alencar, Olavo Bilac,
têm as características literárias que João do Rio, que inauguraram este
gênero múltiplo e tipicamente brasileiro.

200 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Porém, é pouco dizer que são cômicas À disposição mental que gera o Chiste
ou humorísticas. É necessário que chama-se cômico. De acordo com Jolles,
entendamos que existem vários níveis para que se possa desfazer pelo cômico
de humor, que vão desde o riso mais o objeto repreensível uma condição
escancarado e facecioso até o lirismo necessária é que haja uma insuficiência. “
leve que nos alegra a alma e nos faz
sentir esperançoso em meio a tantas Na medida em que esforce por desfazer o
desgraças que marcam o nosso cotidiano. repreensível a partir de sua insuficiência,
O corpus analisado é composto de três ou a insuficiência a partir dela mesma, o
crônicas selecionadas entre as cem chiste recebe o nome de zombaria (grifo
presentes no livro As cem melhores do autor). (JOLLES, 1976, p. 211).
crônicas brasileiras, organizado por
Joaquim Ferreira dos Santos: Queixa de Há duas formas de zombaria de
defunto, de Lima Barreto; O inferninho acordo com a distância existente entre
e o Gervásio, de Stanislaw Ponte Preta e o objeto repreensível desfeito e o
Homem no mar, de Rubem Braga (todas zombador que o desfaz: sendo maior,
em anexo). A escolha de tais crônicas temos a sátira; sendo menor, temos a
deve-se ao fato de representarem, ironia.
respectivamente, a ironia, a sátira e o Para Jolles, a sátira é uma zombaria
gracejo, as três modalidades do cômico dirigida ao objeto que se repreende ou
tal como discutido por André Jolles em se reprova e que nos é estranho (Jolles,
sua famosa obra Formas simples, a base 1976, p 211). Há uma recusa, uma
teórica utilizada neste trabalho. reprovação, uma oposição a este objeto
por parte do zombador, pois ele nada
tem em comum com ele.
a IronIa, a SátIra e o gracejo na VISão De Já a ironia, por sua vez, troça do que
anDré jolleS repreende, mas não se opõe ao objeto
Para Jolles (Cf. 1976), o chiste é a forma troçado, pois há nela uma manifestação
simples que melhor permite entender de simpatia, de compreensão e espírito
como uma certa disposição mental se de participação.
atualiza de diferentes maneiras segundo
os povos, as épocas e os estilos. Jolles O trocista tem em comum com o objeto de
entende uma forma simples como gestos sua troça o fato de ser afetado por aquilo
verbais elementares que têm origem nas de que zomba; ele próprio o conhece,
disposições mentais básicas do homem mas reconhecendo a sua insuficiência, e
diante do mundo e da vida. São dessas mostra-o a quem não parece conhecê-lo.
formas simples que se originam as formas (JOLLES, 1976, 211)
literárias mais complexas. O chiste é,
segundo Jolles (Cf. 1976, p. 206), a forma A ironia, ao contrário da sátira, que é
de desata coisas, que desfaz nós. Ou destruidora, tem um caráter pedagógico,
seja, o chiste abole o sentido normal por mostrar uma intimidade e uma
que usamos para nos comunicar no dia- familiaridade entre o superior e o inferior.
a-dia e por meio de jogos de palavras Jolles ainda aponta que o chiste e o
cria duplos sentidos, suspendendo cômico assumem outra forma que não
momentaneamente a ligação entre a zombaria quando tem o propósito de
o locutor e o ouvinte. O desenlace descarregar a tensão da vida. Neste caso,
espirituoso do chiste, que ocorre de o cômico não se opõe ao repreensível
maneiras múltiplas na linguagem, e ao insuficiente, mas ao severo, ao
também se aplica, segundo Jolles, à austero, ou seja, a tudo o que na vida
lógica e à ética. implica rigidez. Assim, acentua, Jolles,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 201


problema de calçamento de uma rua –
Na medida em que o cômico e o chiste de uma forma bastante irônica e cínica.
pretendam desanuviar uma tensão A exemplo de outras crônicas suas, Lima
na vida e no pensamento, libertar Barreto é bastante crítico com relação
o espírito, já não se lhes pode dar o aos projetos excludentes e autoritários
nome de zombaria e é preferível falar de modernização da capital da República.
de gracejo (grifo do autor). (JOLLES, 1976, Porém, a crítica na crônica não mira
P. 213). somente os descalabros da prefeitura,
mas toda uma situação social em que
os pobres e desvalidos se assujeitam
Assinala, ainda, Jolles que o gracejo aos desmandos do poder capitalista e às
substitui a zombaria quando o propósito inculcações ideológicas religiosas, como
do cômico não é se reportar a um caso ocorre em seus romances e contos.
particular, mas a um estado geral, pois o O tom usado na crônica é tipicamente
aspecto negativo do cômico associado à humorístico em função da maneira como
zombaria deixa de existir, dando lugar ao Lima Barreto lida com a ironia. Escolhe,
sentido positivo do gracejo provocado por exemplo, como personagem um
pelo relaxamento ou pela supressão de pobre homem, Antônio da Conceição,
uma tensão. que depois de morto lhe envia uma carta
Porém, embora Jolles separe as duas endereçada ao prefeito da cidade. Na
intenções do cômico, a de zombaria e carta, de maneira bastante mordaz, o
a de gracejo, ressalta que no chiste há defunto se orgulha de sua pobreza, do
uma unidade dualista em que esses dois fato de como lustrador de móveis nunca
elementos encontram-se inseparáveis e ter dado trabalho às autoridades públicas
interdependentes: (Nunca exerci ou pretendi exercer isso
que se chama os direitos sagrados de
Mesmo quando um chiste tenha a cidadã) e de ser apartidário, pois seu
finalidade de desfazer uma realidade objetivo era alcançar o céu. Para tanto,
repreensível num caso individual, a diz que viveu uma
consequência disso é libertar-nos de uma
tensão geral. A sátira mais mordente vida santa e obedecendo às predicas do
e a ironia mais amarga continuam Padre André do Santuário do Sagrado
desempenhando essas duas tarefas; por Coração de Maria, em Todos os Santos,
muito graves que sejam as feridas ou a conquanto as não entendesse bem
afronta que se inflige a um inimigo (na por serem pronunciadas com toda a
sátira) ou a si mesmo (na ironia), ambas eloquência em galego ou vasconço.
liberam o espírito, por outro lado, de uma (BARRETO in: SANTOS, 2005, p. 32)
tensão interior. E, inversamente: mesmo
quando se tem a intenção primordial Porém, devido aos buracos da Rua
de desfazer uma tensão pelo cômico, o José Bonifácio, em Todos os Santos,
chiste mais inocente parte sempre de por onde o cortejo teve que passar
um objeto e de um caso particular cuja com seu corpo em direção ao cemitério
insuficiência se desata. (JOLLES, 1976, p. de Inhaúma, chegou todo cheio de
213-214) arranhaduras no céu ao que São Pedro
o interpelou achando que havia brigado
depois de morto, o que contrariava a
a crônIca IrônIca De lIma Barreto informação que tinha de que o morto era
Publicada em 20 de março de 1920, bem-comportado. Com isso, mandou-o
a crônica Queixa de defunto, de Lima purificar-se um pouco no inferno,
Barreto, trata de uma questão social – o gerando a indignação do morto que

202 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


escreve a carta acusando o prefeito da antes, de comunhão e de solidariedade,
cidade por sua desdita. pois o zombador e zombado estão
A ironia do texto decorre da maneira visceralmente atados pela mesma sorte
como Lima Barreto usa ficcionalmente que perpassa o humano e prepara o
a inversão morte/vida para atacar tanto amanhã, um amanhã mais aberto ao riso
um problema banal do cotidiano da franco e de simpatia.
cidade do Rio de Janeiro daquela época
quanto o comodismo e a inculcação
ideológica religiosa. Naturalmente, como a crônIca SatírIca De StanISlaW Ponte Preta
todo texto irônico, o de Lima Barreto Embora a crônica de Stanislaw Ponte
exige não um leitor pacífico como o Preta também seja de um cômico que
personagem da crônica, mas alguém que gera a zombaria, possui características
saiba compreender a mensagem escrita muito diferentes das de Lima Barreto.
ao contrário e possa ativar seu senso Seu traço mais marcante é a sátira, pois
crítico, como era esperado do leitor de como bem viu Jorge Sá (Sá, 1987, p.
uma revista progressista e inovadora 30), Stanislaw Ponte Preta pertence à
como a Careta. linhagem do poeta satírico Gregório de
A ironia, como vimos com Jolles, é Matos. Stanislaw Ponte Preta, aliás, é
uma forma de zombaria que não busca uma pele que o autor veste para travestir
destruir seu objeto de reprovação, mas, seu verdadeiro nome, Sérgio Porto.
ao contrário, demonstra em relação Este escritor-personagem também
a esse objeto uma manifestação de ficou famoso por criar vários outros
simpatia, de compreensão, o que gera personagens em suas crônicas, como Tia
seu caráter pedagógico. No crônica de Zulmira, primo Altamirando, Rosamundo
Lima Barreto, fica evidente que não se e Osvaldo, que lhe permitem traçar,
busca um humor cáustico, destruidor, em numa linguagem coloquial e giriesca, um
que o zombador é superior é estranho ao panorama cáustico dos absurdos que
que se zomba. Lima em seu clássico texto compõem a realidade carioca e nacional
para uma conferência não proferida O da década de 50 e 60. Publicou, por
destino da literatura já havia dito qual exemplo, na década de 60 vários textos
era, para ele, o papel da literatura: sob o epíteto de FEBEAPÁ (Festival de
Besteira que Assola o País) para criticar
Fazendo-nos assim tudo compreender; de maneira corrosiva, entre outras
entrando no segredo das vidas e das coisas, os desmandos do poder político.
coisas, a Literatura reforça o nosso O próprio Stanislaw se refere a suas
natural sentimento de solidariedade com crônicas como escritos levianos, dando
os nossos semelhantes, explicando-lhes a medida de como estas atuam para a
os defeitos, realçando-lhes as qualidades produção de humor escancarado, fácil,
e zombando dos fúteis motivos que nos desconstrutor, o que leva seu leitor a um
separam uns dos outros. Ela tende a deleite imediato por meio das caricaturas
obrigar a todos nós a nos tolerarmos e a realizadas por deste escritor farsante.
nos compreendermos; e, por aí, nós nos A crônica O inferninho e o Gervásio é
chegaremos a amar mais perfeitamente uma boa representante do tipo de humor
na superfície do planeta que rola pelos crônico desfilado por Stanistaw Ponte
espaços sem fim. (BARRETO, 1921) Preta nos jornais cariocas e colhidos em
vários volumes, muitos organizados por
O humor irônico de Lima ele mesmo. De cara, veste a máscara de
Barreto, assim, tem um caráter um narrador dissimulado:
grandiloquente, não de separação, ou
de descaracterização do zombado, mas O cara que me contou esta história não

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 203


conhece o Gervásio, nem se lembra quem palhaço! (PONTE PRETA in: SANTOS,
lhe contou. Eu também não conheço 2005, p. 126)
o Gervásio nem quem teria contado a
história ao cara que me contou, portanto, Nisto o motorista do táxi vai em
conto para vocês, mas vou logo explicando defesa do marido, dizendo:
que não estou inventando nada. (PONTE
PRETA in: SANTOS, 2005, p. 124) – Dr. Gervásio, não faça cerimônia: o
senhor querendo eu dou umas bolachas
Também já é possível divisar o tipo de nessa vagabunda, que ela se aquieta logo.
linguagem utilizada pelo cronista, muito (PONTE PRETA in: SANTOS, 2005, p. 126)
coloquial e próxima ao registro falado.
Em seguida passa a narrar a história Como se percebe, a crônica tem um
de um sujeito que possuía uma mulher caráter claramente de zombaria satírica,
amélia, que pouco saía, mas que no dia pois visa à destruição do objeto da
do aniversário de casamento dos dois é comicidade. Diferentemente do texto
convidada, por drama de consciência do de Lima Barreto, em que o caráter
marido, a jantar fora. O jantar – prometia literário irônico visa à solidariedade,
o Gervásio – seria da maior bacanidade aqui o tom é de escracho, de riso
(PONTE PRETA in Santos, 2005, p. 124). solto e deslavado, sem nenhum tipo
Depois de declinar de vários lugares de proximidade entre o zombador e
sugeridos pelo marido, enquanto objeto da zombaria. Naturalmente, há
rodavam no táxi, a esposa viu o letreiro uma atitude repreensível gerada por
de um inferninho desses onde o diabo uma insuficiência, como é típica da
não entra para não ficar com complexo zombaria, mas na crônica de Stanislaw
de inferioridade (PONTE PRETA in: Santos, essa repreensibilidade não encontra eco
2005, p. 125) e disse ao marido que de comunhão com o cronista, que já de
jantariam ali. Embora o marido objetasse início conta a história pela boca de outros
não ser ali um lugar para ela, a mulher e o tempo todo escarnece da situação
quis jantar ali mesmo, pois sempre tivera prosaica e grotesca do marido “canalha”
curiosidade de ver como era um negócio e da mulher amélia, ingredientes
daqueles por dentro. Já na entrada, o antitéticos, como acontece na ironia,
porteiro saiu-se com um Boa-noite, Dr. mas que, diferentemente desta, tem
Gervásio, marotíssimo (PONTE PRETA in: um tom cáustico, de ridículo. O cronista-
Santos, 2005, p. 125); O maitre d’hotel bufão, como se fosse um protegido do
perguntou-lhe se queria a mesa de rei, tem carta branca para satirizar o
sempre e o garçom lhe ofereceu o uísque, mundano, sentindo-se assim superior
que não foi autorizado pela esposa, àquilo de que zomba. Embora haja um
e o prato de sempre (um franguinho componente crítico nesta e em várias
desossado), que foi difícil de engolir, crônicas de Stanislaw, esta não alça voo
pois parecia feito de palha. Ainda, por mais amplos e nem visa a uma dimensão
cima, o pianista foi à mesa e perguntou de futuridade, de esperança, como vimos
a Gervásio se não queria dançar com sua com a crônica de Lima Barreto.
dama aquele samba reboladinho. Até o
fim, a única atitude do marido foi pagar a crônIca gracejante De ruBem Braga
a conta e sair de fininho. Já no táxi, a As duas crônicas antes analisadas
mulher engrossou com o marido: são, como vimos, representantes da
zombaria em sua dupla faceta. Porém,
– Seu moleque, seu vagabundo! Então há na história da crônica brasileira
é por isso que você se esforça tanto, crônicas que não necessariamente
fazendo extras, não é mesmo? Responde, têm um tom de zombaria, mas, antes,

204 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


captam o lirismo das ações cotidianas, descrever a paisagem, mas faz com que
dos costumes e hábitos do homem o leitor a sinta, como se fosse o próprio
moderno na azáfama de seu mundo cronista:
agitado, egoísta, mesquinho, excludente
e muitas vezes irracional. Podemos De minha varanda vejo, entre árvores e
objetar se tais crônicas são humorísticas telhados, o mar. Não há ninguém na praia,
como as que vimos. A resposta seria que resplende ao sol. O vento é nordeste,
não, mas é inegável que seu tom de e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das
leveza, de lirismo cria em nós uma águas, pequenas espumas que marcham
ruptura momentânea com o mundo das alguns segundos e morrem, como bichos
agruras, da necessidade e da exclusão alegres e humildes; perto da terra a onda
que vivenciamos cotidianamente nas é verde. (BRAGA in: SANTOS, 2005 p. 108)
grandes cidades. Esta leveza desata os
nós não só da linguagem cotidiana que Note-se o trabalho com a fricativa /v/
procura incansavelmente seu objeto nas palavras varanda, vejo, vento, vai,
para locupletar-se, mas de toda a ação que se associam às sibilantes surdas /s/
humana, criando um estado de graça presentes no final das palavras águas,
que procura libertar-nos das tensões pequenas, espumas, alguns, bichos,
de nosso dia-a-dia. Daí vem humor alegres e humildes, formando um tecido
gracioso e instaurador de um tempo sonoro que assemelha ao barulho do mar.
que chamamos em outro trabalho de Note-se, ainda, a reverberação de ar,
kairótico (Cf. Santos, 2005) em oposição presente em mar, nas palavras varanda
ao cronológico. e árvores, realizando uma aproximação
Rubem Braga, considerado por dos sentidos destas palavras, como se
muitos estudiosos da literatura brasileira, não houvesse indissociabilidade entre
como o maior cronista de todos perfila- elas. Há ainda a bela metáfora das ondas
se nesta linhagem de cronistas líricos, que marcham e morrem como bichos
como podemos notar em inúmeras de alegres e humildes. A personificação
suas crônicas e em especial nesta que presente em marcham também remete
passamos a analisar, chamada Homem por paronomásia a murcham, realizando
no mar. no eixo do paradigma uma criativa
O resumo da crônica nos dá já de dialética entre o nascer e o morrer.
pronto o caráter conciso e poético da No segundo parágrafo, ao descrever
narrativa: o narrador, de sua varanda, o homem nadando, o cronista reitera
admira um homem nadando no mar e mais uma vez a poeticidade que retira
com ele se solidariza em todos os seus tanto da sonoridade da palavra espumas
movimentos. A cena é trivial; trata-se de quanto de sua imagem em contraste
um fato banal, que pode ser observado com o corpo humano:
por qualquer um que se ponha a
uma certa distância da praia para espumas são leves, não são feitas de
acompanhar um nadador. Porém, na nada, toda sua substância é água e vento
crônica de Rubem Braga essa banalidade e luz, e o homem tem sua carne, seus
que poderia perder-se em meio a tantos ossos, seu coração, todo seu corpo a
acontecimentos triviais de nosso dia-a- transportar na água. (BRAGA in: SANTOS,
dia ganha um lirismo e um significado 2005, p. 108)
digno dos grandes literatos.
O início da crônica, por exemplo, Ou seja, todo o peso do corpo se
possui um ritmo e um trabalho com torna leve e dócil quando em contato
a sonoridade das palavras, além da com a água. Lembremo-nos que para
metáfora, que não apenas buscam Tales de Mileto, o primeiro dos filósofos

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 205


da physis, a terra repousava sobre a positivo do gracejo, da captação da poesia
água, o elemento primordial sustentador em uma cena banal. Na crônica, embora
do cosmos. haja um observador e um observado; um
No terceiro parágrafo, o cronista sujeito (escritor) e seu objeto (nadador),
demonstra admiração e solidariedade a distância entre ambas é mínima é quase
pelo nadador também de uma forma ínfima. O sentimento de solidariedade
poética e lírica: aproxima o cronista de um desconhecido
que ele trata como irmão (e no seu
Não sei de onde vem essa admiração, íntimo, espera que o desconhecido
mas encontro nesse homem uma nobreza também o trate assim). O gracejo
calma, sinto-me solidário com ele, suspende a gravidade, a severidade com
acompanho o seu esforço solitário como que lidamos com a vida e nos possibilita
se ele estive cumprindo uma bela missão. espreitar pelas fissuras do real dimensões
(BRAGA in: SANTOS, 2005, p. 108) insuspeitadas de nossa vida cotidiana. A
raiz de gracejo é graça, que não significa
Note-se o jogo de palavras entre somente alegria, riso, mas também
solidário e solitário. Ao lermos a gratuidade, desobrigação, solidariedade
segunda palavra, é inevitável que o eco e cooperação. Naturalmente, o gracejo
da primeira se sobreponha e acabemos torna o fardo da vida mais leve e fácil de
por ressignificar o sentido de solitário levar. Talvez porque nossos irmãos ao
no texto. O nadador não está sozinho; longe a nos espreitarem ajudem-nos a
ao longe, seu admirador como que nada carregá-lo.
com ele, confere-lhe uma remota energia
que ata observador e observado numa conSIDeraçõeS fInaIS
grande onda. As modalidades de humor aqui
O sentimento de solidariedade analisadas e representadas pelas três
é acentuado no parágrafo seguinte crônicas selecionadas naturalmente
a ponto de o cronista delimitar um não esgotam as nuances do humor da
ponto (um telhado vermelho) até onde crônica brasileira. Mas, ao seguirmos
ele possa contribuir para a tarefa do a orientação de Jolles em sua análise
nadador. Então, no parágrafo que segue sobre o Chiste, consideramos que
dá por encerrada sua contribuição, essas três modalidades sejam as
reconhecendo a grandeza da missão mais representativas ao analisarmos
do nadador: Agora não sou mais o universo da crônica nacional. Não
responsável por ele; cumpri o meu dever, podemos desconsiderar também, como
e ele cumpriu o seu. Admiro-o (BRAGA ressalta Jolles, que mesmo a ironia e a
in SANTOS, 2005, p. 109). O último sátira, igualmente ao gracejo, também
parágrafo sela a intimidade solidária que têm a função de desanuviar a tensão da
se dá entre o cronista e o desconhecido vida, bem como o fato que num texto
nadador em termos de um sentimento irônico pode haver sátira e vice-versa.
de irmandade: “Não desço para ir esperá- Isto é muito comum nas mais variadas
lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou crônicas brasileiras. Porém, consideramos
meu silencioso apoio, minha atenção nesta análise a gradação maior desta ou
e minha estima a esse desconhecido, a daquela modalidade. Também é preciso
esse nobre animal, a esse homem a esse destacar que as crônicas aqui analisadas
correto irmão”. servem somente como modelos desta
A crônica de Rubem Braga certamente tendência, não significando que todas as
não possui um aspecto negativo que crônicas dos autores destacados seguem
mereça uma repreensibilidade; ao a mesma orientação da análise. Assim,
contrário o que se pode notar é o aspecto há sátira em outras crônicas de Lima

206 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Barreto; há lirismo e poesia em algumas
crônicas de Stanislaw Ponte Preta anexoS
(especialmente quando escreve como
Sérgio Porto) e há ironia e sarcasmo em queIxa De Defunto
várias outras crônicas de Rubem Braga. lIma Barreto
Além disso, é preciso considerar que Antônio da Conceição, natural desta
estas modalidades estão presentes nas cidade, residente que foi em vida, a
mais variadas crônicas brasileiras, muitas Boca do Mato, no Méier, onde acaba de
vezes marcando o estilo de seus autores. morrer, por meios que não posso tornar
A ironia, por exemplo, é uma constante público, mandou-me a carta abaixo que
nas crônicas de Machado de Assis, Lima é endereçada ao prefeito. Ei-la:
Barreto, João do Rio, Luis Fernando Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Veríssimo, entre outros; já a sátira é Doutor Prefeito do Distrito Federal. Sou
marcante em Stanislaw Ponte Preta, um pobre homem que em vida nunca deu
Lourenço Diaféria, Millôr Fernandes, trabalho às autoridades públicas nem a
Mário Prata, etc. Quanto ao gracejo, elas fez reclamação alguma. Nunca exerci
vamos encontrá-lo com maior força em ou pretendi exercer isso que se chama os
Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo direitos sagrados de cidadão. Nasci, vivi
Mendes Campos, Vinícius de Moraes, e morri modestamente, julgando sempre
Carlos Drummond de Andrade, Mario que o meu único dever era ser lustrador
Quintana, muitos deles poetas. de móveis e admitir que os outros os
tivessem para eu lustrar e eu não.
referêncIaS Não fui republicano, não fui florianista,
BARRETO, Lima. O destino da Literatura. não fui custodista, não fui hermista,
Revista Sousa Cruz, n. 58-59, out/nov 1921. não me meti em greves, nem em cousa
Acessível em http://www.portalsaofrancisco. alguma de reivindicações e revoltas; mas
com.br/alfa/lima-barreto/o-destino-da- morri na santa paz do Senhor quase sem
literatura.php. Acessado em 4 de setembro pecados e sem agonia.
de 2015. Toda a minha vida de privações e
JOLLES, André. Formas simples: legenda, necessidades era guiada pela esperança
saga, mito, adivinha, ditado, caso, memorável, de gozar depois de minha morte um
conto, chiste. São Paulo: Cultrix, 1976. sossego, uma calma de vida que não sou
SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 1987 capaz de descrever, mas que pressenti
(série Princípios) pelo pensamento, graças à doutrinação
SANTOS, Gerson Tenório dos. Desconstruindo das seções católicas dos jornais.
Sísifo: o tempo kairótico da crônica. Revista Nunca fui ao espiritismo, nunca fui
Kalíope, São Paulo, ano 1, n. 2, 2005, p. 58- aos bíblias, nem a feiticeiros, e apesar
71. de ter tido um filho que penou dez anos
SANTOS, Joaquim Ferreira dos (organização nas mãos dos médicos, nunca procurei
e introdução). As cem melhores crônicas macumbeiros nem médiuns.
brasileiras. São Paulo: Objetiva, 2005. Vivi uma vida santa e obedecendo às
prédicas do Padre André do Santuário do
Sagrado Coração de Maria, em Todos os
Santos, conquanto as não entendesse
bem por serem pronunciadas com toda
eloquência em galego ou vasconço.
Segui--as, porém, com todo o rigor
e humildade, e esperava gozar da mais
dúlcida paz depois de minha morte.
Morri afinal um dia destes. Não descrevo

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 207


as cerimônias porque são muito atender e mandou que me fosse purificar
conhecidas e os meus parentes e amigos um pouco no inferno.
deixaram-me sinceramente porque eu Está aí como, meu caro Senhor
não deixava dinheiro algum. E bom, Doutor Prefeito, ainda estou penando
meu caro Senhor Doutor Prefeito, viver por sua culpa, embora tenha tido vida
na pobreza, mas muito melhor é morrer a mais santa possível. Sou, etc., etc.
nela. Não se levam para a cova maldições Posso garantir a fidelidade da cópia a
dos parentes e amigos deserdados; só aguardar com paciência as providências
carregamos lamentações e bênçãos da municipalidade.
daqueles a quem não pagamos mais a Esta rua foi calçada há perto de
casa. cinquenta anos a macadame e nunca
Foi o que aconteceu comigo e estava mais foi o seu calçamento substituído.
certo de ir direitinho para o Céu, quando, Há caldeirões de todas as profundidades
por culpa do Senhor e da Repartição que e larguras, por ela afora. Dessa forma,
o Senhor dirige, tive que ir para o inferno um pobre defunto que vai dentro do
penar alguns anos ainda. caixão em cima de um coche que por ela
Embora a pena seja leve, eu me rola sofre o diabo. De uma feita um até,
amolei, por não ter contribuído para ela após um trambolhão do carro mortuário,
de forma alguma. A culpa é da Prefeitura saltou do esquife, vivinho da silva, tendo
Municipal do Rio de Janeiro que não ressuscitado com o susto.
cumpre os seus deveres, calçando Comigo não aconteceu isso, mas o
convenientemente as ruas. Vamos balanço violento do coche machucou-
ver por quê. Tendo sido enterrado no me muito e cheguei diante de São Pedro
cemitério de Inhaúma e vindo o meu cheio de arranhaduras pelo corpo. O
enterro do Méier, o coche e o acompanha bom do velho santo interpelou-me logo:
mento tiveram que atravessar em toda a — Que diabo é isto? Você está todo
extensão a Rua José Bonifácio, em Todos machucado! Tinham-me dito que você
os Santos. era bem-comportado — como é então
Esta rua foi calçada há perto de que você arranjou isso? Brigou depois de
cinquenta anos a macadame e nunca morto?
mais foi o seu calçamento substituído. Expliquei-lhe, mas não me quis
Há caldeirões de todas as profundidades atender e mandou que me fosse purificar
e larguras, por ela afora. Dessa forma, um pouco no inferno.
um pobre defunto que vai dentro do Está aí como, meu caro Senhor
caixão em cima de um coche que por ela Doutor Prefeito, ainda estou penando
rola sofre o diabo. De uma feita um até, por sua culpa, embora tenha tido vida a
após um trambolhão do carro mortuário, mais santa possível. Sou, etc., etc. Posso
saltou do esquife, vivinho da silva, tendo garantir a fidelidade da cópia a aguardar
ressuscitado com o susto. com paciência as providências da
Comigo não aconteceu isso, mas o municipalidade. (BARRETO in: SANTOS,
balanço violento do coche machucou- 2005, p. 32-33)
me muito e cheguei diante de São Pedro O inferninho e o Gervásio
cheio de arranhaduras pelo corpo. O Stanislaw Ponte Preta
bom do velho santo interpelou-me logo: O cara que me contou esta história
— Que diabo é isto? Você está todo não conhece o Gervásio, nem se
machucado! Tinham-me dito que você lembra quem lhe contou. Eu também
era bem-comportado — como é então não conheço o Gervásio nem quem
que você arranjou isso? Brigou depois de teria contado a história ao cara que me
morto? contou, portanto, conto para vocês,
Expliquei-lhe, mas não me quis mas logo vou explicando que não estou

208 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


inventando nada. Saíram do táxi e, já na entrada,
Deu-se que o Gervásio tinha uma o porteiro do inferninho saiu-
esposa desses ditas amélias, embora se com Boa-noite, Dr. Gervásio
gorda e com bastante saúde. Porém, marotíssimo. Felizmente a mulher não
Mme. Gervásio não era de sair de ouviu. O pior foi lá dentro, o maitre
casa, nem de muitas badalações. Um d’hotel abriu-se no maior sorriso e
cineminha de vem em quando e ela perguntou:
ficava satisfeita. — Dr. Gervásio, a mesa de sempre? —
Mas deu-se também que o Gervásio e foi logo se encaminhando para a mesa
fez 25 anos de casado e baixou-lhe um de pista.
remorso meio chato. Afinal, nunca Gervásio enfiou o macuco no
passeava, a coitada, e, diante do remoer embornal e aguentou as pontas, ainda
de consciência, resolveu dar uma de crédulo na inocência da mulher. Deu
bonzinho e, ao chegar em casa, naquele uma olhada para ela, assim como quem
fim de tarde, anunciou: não quer nada, e não percebeu maiores
— Mulher, mete um vestido complicações. Mas a insistência dos
melhorzinho que a gente vai jantar fora! serviçais de inferninho é comovedora.
A mulher nem acreditou, mas Já estava o garçom ali ao pé do casal,
pegou a promessa pelo rabo e foi se perguntando:
empetecar. Vestiu aquele do casamento — A senhorita deseja o quê? — e, para
da sobrinha e se mandou com o Gervásio o Gervásio: — Para o senhor o uísque de
para Copacabana. O jantar — prometia o sempre, não, Dr. Gervásio?
Gervásio — seria da maior bacanidade. A mulher abriu a boca pela primeira
Em chegando ao bairro que o vez, para dizer:
Conselheiro Acácio chamaria de floresta — O Gervásio hoje não vai beber. Só
de cimento armado, começou o problema vai jantar.
da escolha. O táxi rodava pelo asfalto — Perfeito — concordou o garçom. —
e o Gervásio ia lembrando: vamos ao Neste caso, o seu franguinho desossado,
Nino’s? Ao Bife de Ouro? Ao Chauteau? não é mesmo?
Ao Antonio’s? Chalet Suisse? Le Bistrô? O Gervásio nem reagiu. Limitou-
A mulher — talvez por timidez — ia se a balançar a cabeça, num aceno
recusando um por um. Até que passaram afirmativo. E, depois, foi uma dureza
em frente a um inferninho desses onde engolir aquele frango que parecia feito
o diabo não entra para não ficar com de palha e matéria plástica. O ambiente
complexo de inferioridade. A mulher foi ficando muito mais para urubu do que
olhou o letreiro e disse: para colibri, principalmente depois que
— Vamos jantar aqui. o pianista veio à mesa e perguntou se o
— Aqui??? — estranhou Gervásio. — Dr. Gervásio não queria dançar com sua
Mas isto é um inferninho! dama aquele samba reboladinho.
— Não importa — disse a mulher. — Daí para o fim, a única atitude
Eu sempre tive curiosidade de ver como daquele marido que fazia 25 anos de
é um negócio desses por dentro. casado e comemorava o evento foi pagar
O Gervásio ainda escabriou um a contar e sair de fininho. Na saída, o
pouquinho, dizendo que aquilo não era porteiro meteu outro Boa-noite, Dr.
digno dela, mas a mulher ponderou Gervásio, e abriu a porta do primeiro táxi
que ele a deixara escolher e, por isso, estacionado em frente.
era ali mesmo que queria jantar. Vocês Foi a dupla entrar na viatura e o
compreendem, né? Mulher-família tem motorista, numa solicitude de quem está
a maior curiosidade para saber como é acostumado a gorjetas gordas, querer
que as outras se viram. saber:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 209


— Para o hotel da Barra, doutor? uma bela missão. Já nadou em minha
Aí ela engrossou de vez: - Seu presença uns trezentos metros; antes,
moleque, seu vagabundo! Então é por não sei, duas vezes o perdi de vista,
isso que você se esforça tanto, fazendo quando ele passou atrás das árvores,
extras, não é mesmo? Responde, mas esperei com toda confiança que
palhaço! reaparecesse sua cabeça, e o movimento
O Gervásio quis tomar uma atitude alternado de seus braços. Mais uns
digna, mas o motorista encostou o carro, cinquenta metros, e o perderei de vista,
que ainda não tinha andado cem metros, pois um telhado o esconderá. Que ele
e lascou: nade bem esses cinquenta ou sessenta
— Dr. Gervásio, não faça cerimônia: o metros, isto me parece importante, é
senhor querendo eu dou umas bolachas preciso que conserve a mesma batida de
nessa vagabunda, que ela se aquieta sua braçada, que eu o veja desaparecer
logo. (PONTE PRETA in: SANTOS, 2005, p. assim como o vi aparecer, no mesmo
124-126) rumo, no mesmo ritmo, forte, lento,
sereno. Será perfeito; a imagem desse
homem no mar homem me faz bem.
ruBem Braga É apenas a imagem de um homem,
De minha varanda vejo, entre árvores e eu não poderia saber sua idade, nem
e telhados, o mar. Não há ninguém na sua cor, nem os traços de sua cara.
praia, que resplende ao sol. O vento é Estou solitário com ele, e espero que
nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no ele esteja comigo. Que ele atinja o
belo azul das águas, pequenas espumas telhado vermelho, e então eu poderei
que marcham alguns segundos e morrem, sair da varanda tranquilo, pensando –
como bichos alegres e humildes; perto ” vi um homem sozinho, nadando no
da terra a onda é verde. mar; quando o vi ele já estava nadando;
Mas percebo um movimento em um acompanhei-o com atenção durante
ponto do mar; é um homem andando. todo o tempo, e testemunho que Le
Ele nada a uma certa distancia da nadou sempre com firmeza e correção;
praia, em braçadas pausadas e fortes; esperei que ele atingisse um telhado
nada a favor das águas e do vento, e vermelho, e ele atingiu”.
as pequenas espumas que nascem e Agora não sou mais responsável por
somem parecem ir mais depressa do ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu
que ele. Justo: espumas são leves, não o seu. Admiro-o. Não consigo saber em
são feitas de nada, toda sua substância que reside, para mim, a grandeza de sua
é água e vento e luz, e o homem tem sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum
carne, seus ossos, seu coração, todo seu gesto a favor de alguém, nem construindo
corpo a transportar na água. algo útil; mas certamente fazia uma coisa
Ele usa os músculos com uma calma bela, e a fazia de um modo puro e viril.
energia; avança. Certamente não Não desço para ir esperá-lo na praia e
suspeita que um desconhecido o vê e o lhe apertar mão; mas dou meu silencioso
admira porque ele está nadando em uma apoio, minha atenção e minha estima a
praia deserta. Não sei de onde vem essa esse desconhecido, a esse nobre animal,
admiração, mas encontro nesse homem a esse homem, a esse correto irmão.
uma nobreza calma, sinto-me solidário (BRAGA in: SANTOS, 2005, p. 108-109)
com ele, acompanho o seu esforço
solitário como se ele estivesse cumprindo

210 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


ProceSSo crIatIVo na lIteratura em temPoS
De Internet . m uDa alguma coISa ?
joaquIm marIa guImarãeS Botelho
reSumo
Este trabalho discute se o advento da Internet interferiu no processo da criação
literária. Trabalhando com as duas etapas principais da produção literária, quais sejam a
motivação e os meios, traçam-se comparações que possam instigar o leitor a avaliar seu
próprio método. Para fundamentação, analisam-se duas obras pertinentes: Filosofia da
Composição, de Edgar Alan Poe, e O decálogo do perfeito contista, de Horácio Quiroga.

PalaVraS-chaVe
Processo criativo; Internet; Literatura, Linguagem.

aBStract
This work discusses whether the advent of the Internet has been interfering in the
process of literary creation. Dealing with the two main steps of literary production,
which are the motivation and the means, comparisons are made in order to instigate the
reader to assess his own writing method. Two pertinent books served as grounds for this
article: Poe’s Philosophy of Composition and Quiroga’s Decálogo del perfecto cuentista.

KeYWorDS
Creative process; Internet; Literature; Language.

1. IntroDução de modo que o investimento inicial fica


Das gravações rupestres em pedra, diluído no tempo. Não há casebre ou
o homem evoluiu para a escultura dos choupana brasileira sem um aparelho
totens e estátuas, para contar a sua de rádio. Mais: pesquisas mostram que
história e o que pensava do mundo e de o rádio é o mais eficiente veículo - cada
si mesmo. Depois vieram as tintas nos aparelho atinge 25 pessoas, contra os
pergaminhos e nos papeis, as primeiras 8 atingidos pelos jornais e revistas, e
máquinas de datilografia, as prensas e mesmo os 12 atingidos por um televisor.
o computador. Alguma coisa mais virá, Pois surgiu a televisão. Exige produção
podemos estar certos. Isso, quanto aos cara e é infinitamente mais fascinante.
instrumentos. Passou a exercer papel hipnótico na
Quanto aos meios, a comunicação sociedade moderna, mas não desbancou
de massa ganhou um extraordinário o rádio. Para muita gente, a chegada
tambor com o advento do rádio. É um da TV anunciava o fim do mundo, para
veículo barato, não tem barreiras a não a comunicação. A massificação ficou
ser aquelas impostas pela geografia manifesta, a superficialidade passou a ser
dos morros e das serras, seu sistema de o ingrediente, o conteúdo cedeu espaço
distribuição requer pouca manutenção, ao entretenimento, o show tomou o lugar

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 211


da reflexão. A notícia virou produto de tempo. Responde à seguinte pergunta:
consumo – rápido, mas inconsistente. Como escrevo?
Como em quase todos os outros aspectos
da vida ocidental, o invento se rendeu à Vamos voltar um pouco para a
supremacia do poder, e a notícia seguiu motivação literária.
os mesmos moldes. Até a chegada da A escritora Ruth Guimarães, da
Internet. Criado para fins de pesquisa Academia Paulista de Letras, buscou
acadêmica, caiu no gosto do público inquirir de si mesma, numa crônica
geral e passou a ser o instrumento chamada Processo, as suas razões para
preferencial de informação. Mais ainda, escrever. Propôs, para si mesma, uma
a velocidade se sobrepôs à qualidade. A série de perguntas:
linguagem é a mais coloquial possível.
Trocam-se os sinônimos preciosos pelo Para quê e para quem escrevo?
mais medíocre discurso em nome do Indago de mim mesma e encontro
chamado entendimento geral. E a língua numerosas respostas, possivelmente
se vulgariza, os temas são frívolos, as nenhuma correta.
autorias são desprezadas sob o título Para obter honra e glória?
de autor desconhecido. A literatura Para dizer tudo o que penso?
divulgada às mãos cheias — mais ou Para me aproximar do semelhante?
menos como queria Castro Alves — é Para tentar derrubar o muro que
inconsequentemente apócrifa. O principal separa um ser de outro ser?
desserviço que a Internet vem prestando à Para aprender o sortilégio da vida,
produção intelectual é o uso e o abuso de que, de outro modo, não alcanço?
não pedir licença. Sem leis, sem proteção, Para justificar esta minha existência?
a Internet anulou o copyright (©). Para deixar impressos no mundo os
Mas chega de reclamação. Há muita traços da minha passagem?
coisa boa sendo produzida na chamada E ela mesma conclui, ao final da
web-esfera. Principalmente na literatura. crônica:
Mas o que mudou, com a Internet, no Depois que escrevo, passo a limpo.
processo de criação literária? Depois de pronto o texto, para ser
publicado, dado à luz, não o perfilho mais.
2. ProceSSo crIatIVo na lIteratura Fora de mim, não tem já aquela quente
Em qualquer tempo, em qualquer singularidade do instante em que eu o
meio, há duas etapas no processo de concebia e gestava, em paixão e silêncio.
criação literária. Não significa sequer o quanto vivo a vida,
A primeira é a motivação. Nesse nem quanto a amo.
processo discursivo forma-se o eu Escreverei, hoje, para hoje? Que é
narrativo. Responde à seguinte pergunta: quanto dura uma crônica de jornal? Para
Por que escrevo? Aqui, temos algumas amanhã? Para daqui a um ano? Para
opções de escolha: gênero, tema, apelo daqui a uma década, que é quanto dura –
do público e da época. O autor delineia quem sabe? – um livro?
o leitor a quem quer se dirigir e pré- Não sei. Realmente não sei. Continuo
formaliza o conteúdo da mensagem, tecendo o meu casulo.
elemento já estudado por Jauss na sua Em meus textos, onde estou? Do que
teoria da recepção. dou testemunho, certamente, é que eu
A segunda etapa do processo criativo estava mesmo aqui, enquanto os escrevia.
é o aspecto instrumental da palavra. Portanto, infere-se daí que é preciso
São os meios, que atendem às questões haver um projeto para uma obra.
prosaicas da escrita: à mão, à máquina ou Mesmo que o autor deixe a história fluir
no computador? Lápis ou caneta? Tudo espontaneamente, há que haver um
isso tem a ver com o conforto físico, a plano. Começo, meio e fim.
ergonomia, a serenidade, a economia de Receita?

212 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Não existe. O processo criativo uma relação de todos eles, com os nomes
funciona diferentemente para pessoas e as características de cada qual. Assim
diferentes. os personagens começam a existir desde
Clarice Lispector escrevia com a logo. Vão adquirindo personalidade...
máquina no colo. [...] Quer saber de uma coisa? Quando
Hemingway escrevia em pé. Immanuel escrevo, procuro imitar o incrustador que,
Kant também. aos pedacinhos, faz o admirável conjunto
Gabriel García Marquez primeiro fazia de sua obra.
ponta em uma dúzia de lápis, antes de
começar a escrever. Autran Dourado:
Mas há pressupostos para a produção
literária. Os dois mais importantes: Em geral, organizo o livro antes de estar
correção ortográfica e técnica adequada. pronto. Quando me vem uma ideia súbita,
Afinal, literatura é, antes de tudo, minha tendência inicial é correr para
linguagem. casa, sentar e escrever. Por isso, onde eu
estiver, ando sempre com um caderninho
2.1 DePoImentoS no bolso. Planejo, tomo notas, até que
Para Moacir Scliar, da Academia surja a forma. Leio uma porção de livros
Brasileira de Letras, o processo do fazer auxiliares. Estudo, faço fichas, lista de
literário, como é atividade consciente, palavras boas. Deixo que a ideia súbita
envolve método, procedimento e rotinas. cresça e germine dentro de mim, crie sua
(SCLIAR, 2007, v. 2, p. 13-14) própria forma.
Ignácio de Loyola Brandão, da
Academia Paulista de Letras, diz isto: Chico Buarque:

Escritores são pessoas maníacas e Quando escrevo um livro, trabalho sem


obcecadas. Quando estão produzindo parar, até dormindo. Às vezes, viajo para
alguma coisa, comem, dormem, bebem e ter sossego, às vezes, fico por aqui mesmo,
transam com o texto. Só o texto importa, mas mando dizer que estou na fazenda,
nada mais. Por instantes, escritores vivem. embora não tenha fazenda. Quando
Depois, por instantes escrevem. Em que começo a escrever sei exatamente o
ponto vida e escritura se separam e onde que vão acontecer depois. Só que depois
se mesclam, se confundem, quando não acontece outra coisa... (BUARQUE, 2007,
sabe mais o que é vida ou literatura? v. 2, p. 84).
Na verdade, literatura é vida e vida é
literatura. (BRANDÃO, 2007, v. 2, p.15). Vamos à Argentina. Adolfo Bioy
Casares escreveu isto:
Adélia Prado confessa:
Em geral componho mentalmente a
Eu escrevo e não sei como é que surge, não. história antes de começar a escrever,
Desejo expressar aquilo. Quando vou fazer por gosto de inventar e também por
um texto, a minha única preocupação é a prudência, para livrar-me da ansiedade
fidelidade absoluta ao que estou sentindo. de saber se poderei ou não resolvê-la
[...] Rigorosamente falando, o texto não é de modo aceitável”. A outra parte do
meu. [...] Não sou dona nem dou ordens à meu modestíssimo método consiste
poesia, sou serva dela e ela simplesmente em escrever diariamente. Italo Svevo
se escondeu. (PRADO, 2008, v. 3, p. 31-36). tinha razão: “Não há melhor maneira de
escrever com seriedade do que rabiscar
Amadeu de Queiroz: um pouco todos os dias.

Logo que imagino um romance, crio os Vamos a Portugal. Agustina Bessa-Luís


seus personagens e, antes do mais, faço escreveu:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 213


sobre o processo de escrita desse poema
Trabalho com disciplina e respeito a em específico, Poe acaba discorrendo
vontade dos meus personagens, tão sobre uma série de fatores envolvidos
reais como objeto de inspiração... Os no processo de produção literária. E é
personagens ultrapassam muitas vezes justamente daí que se pode dizer que
as barreiras que lhes ofereço. Às vezes deriva a grande importância deste ensaio
tenho que matá-los para me livrar de dentro da obra de Poe.
suas críticas e exigências... Não reescrevo, Vamos ver alguns de seus
infelizmente. Não me levo tão a sério que ensinamentos:
pretenda ser perfeita.
Há vantagem de começar uma obra
Vamos à Inglaterra. O depoimento de literária pelo final. Uma vez pronto o
Aldous Huxley é este: final, tudo o que virá a ser escrito deve
contribuir para a ideia de consequência,
Escrevo um capítulo por vez, descobrindo de causalidade. O final é o objetivo a ser
meu caminho à medida que prossigo. alcançado, mas como esse objetivo já foi
Tenho apenas uma ideia geral e, então, a alcançado, resta agora criar os incidentes,
coisa se desenvolve, enquanto escrevo. as intrigas, o enredo que explicará de
[...] Mas jamais estou inteiramente certo forma verossímil aquele ponto culminante
quanto ao que irá ocorrer no capítulo da obra.
seguinte, enquanto não o escrevo. A originalidade, ponto importante de uma
obra literária, não é fruto de um impulso,
Vamos à França. Paul Valéry foi de uma intuição, mas de um trabalho
sintético: árduo, e para alcançá-la é necessário mais
Os primeiros versos te dão os deuses, o negação do que invenção.
resto tu tens que fazer. (INTERNET).
E uma curiosidade: Resumindo o pensamento de Poe:
O escritor Stephen King costuma dizer, • Comece seu texto literário pelo final;
em suas entrevistas, que, num bom livro • Não subestime a importância da
de terror, é preciso haver treze sustos. originalidade;
• Emocione o leitor;
3. concluSão: teorIzaçõeS • Tenha consciência do efeito
Alguns autores tentaram, digamos pretendido com seu texto;
assim, organizar esses processos. • Escolha a extensão, o tom, a
O mais famoso é, talvez, o norte- linguagem, a temática do seu texto
americano Edgar Allan Poe, no ensaio A literário a partir do efeito aspirado;
Filosofia da Composição. Ele descreveu o • Tenha total domínio dos recursos
processo que seguiu para compor o seu artísticos existentes.
poema mais famoso, O corvo. Pretendeu,
assim, provar que escrita poética não Mas talvez a melhor tentativa de
é um resultado de inspiração, mas de organização de atitudes para o processo
trabalho do autor. criativo esteja no Decálogo do contista
O ensaio A Filosofia da Composição perfeito, do uruguaio Horácio Quiroga.
foi publicado em 1846, na Graham’s Vou usar e abusar da análise feita pelo
Magazine, revista da Filadélfia da qual meu amigo Fábio Lucas, da Academia
Edgar Allan Poe foi editor entre 1841 e Paulista de Letras, que comentou na sua
1842, e na qual ainda chegou a publicar publicação mais recente, Um livro cheio
outras obras suas mais tarde. Nesse de prosa, o decálogo do escritor uruguaio.
ensaio, Poe fala sobre a escrita de seu (Cf. LUCAS, 2015, 101-105).
poema O Corvo, que havia sido publicado
no ano anterior com grande aclamação Vamos ver o que escreveu Horácio
pública e de crítica. Contudo, mais do que Quiroga:

214 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


com que o desejas. Ama tua arte como
1. Crê num mestre - Poe, Maupassant, amas tua amada, dando lhe todo o
Kipling,Tchekhov - como na própria coração.
divindade. Quiroga nega o triunfo e elogia o
Toda obra, lembra Fábio Lucas, se desejo. Não vamos nos esquecer de que
forma das limalhas de outras leituras. ele é um homem dos anos 1900. Mas
Que seria do perfeito contista brasileiro creio eu que tem razão em dizer que
sem Machado de Assis, Guimarães Rosa, criar é como amar – há armadilhas pelo
Clarice Lispector, Murilo Rubião e [...] caminho, e sofrimento também. Lembro-
Veiga, por exemplo? E acrescento eu: me de um romance que escrevi e que
lemos os mestres, também, com o apoio devo lançar ainda em 2015. O tema é
da fortuna crítica, de qualidade, produzida por demais tocante para mim. Quando
sobre a obra desses mestres. Mas é consegui completar a última frase, sentei-
fundamental, sempre, ir ao original. Uma me para reler o texto todo. Sobreveio
crítica que se faz a Quiroga, em relação a tal emoção que fechei a última página
este primeiro mandamento, é a sugestão soluçando. Passei meses sem coragem de
de que o autor se algeme a um mestre, retomar o romance. Há poucas semanas
quando o que se espera é que voe. Mas é consegui finalizar o trabalho e o entreguei
certo que a melhor maneira de aprender ao editor.
é buscar os mestres. Depois se pode voar. 5.Não comeces a escrever sem saber,
desde a primeira palavra, aonde vais.
2.Crê que tua arte é um cume Num conto bem feito, as três primeiras
inacessível. Não sonhes dominá-la. linhas têm quase a mesma importância
Quando puderes fazê-lo, conseguirás sem das três ultimas.
que tu mesmo o saibas. O escritor lúcido aprende a lição
A arte literária é produto de uma de planejar um efeito sobre o leitor e
construção, paciente arquitetura de conseguir alcançá-lo. Todas as palavras da
palavras e enredos, diz Fábio Lucas. composição devem estar submetidas ao
Não podemos nos acomodar com nossa mesmo objetivo. E nada deve sobrar ou
produção literária, acreditando havermos faltar. Como diz o meu amigo Menalton
chegado ao ápice. E digo eu: o escritor, Braff, se aparece no texto menção a uma
como todo artista, deve ser um eterno espingarda, em algum momento um tiro
insatisfeito. Deve buscar superar o mestre, vai ter que ser disparado.
dizer algo mais e melhor do que ele, ou
até pôr em dúvida o seu pensamento. 6.Se queres expressar com exatidão
Isso é crescer, literariamente. esta circunstância - “Desde o rio soprava
um vento frio” -, não há na língua dos
3.Resiste quanto possível à imitação, homens mais palavras do que estas para
mas imita se o impulso for muito expressá-la. Uma vez senhor de tuas
forte. Mais do que qualquer coisa, o palavras, não te preocupes em avaliar se
desenvolvimento da personalidade é uma são consoantes ou dissonantes.
longa paciência. Fábio Lucas lembra que o estilo é
Deve-se, em primeiro lugar, exercer individual, com suas expressões-chave,
a criação com liberdade. Mas pode-se recorrências (harmônicas ou não). É
imitar, de modos muito criativos. Pela necessário que o leitor reconheça nos
sátira ou ironia, pela crítica, paródia pormenores o arcabouço da peça inteira.
ou paráfrase. A citação, em si, já é uma (Cf. LUCAS, 2015, 101-105). É o que eu
imitação, uma tomada de empréstimo, chamo de personalidade literária. Mesmo
um pedido de socorro. nas escolhas das imitações que se permite
fazer, o eu-autor estará dentro delas. A
4.Nutre uma fé cega, não na tua recomendação de Quiroga, em síntese, é
capacidade para o triunfo, mas no ardor esta: encontre o seu próprio estilo.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 215


7.Não adjetives sem necessidade, pois 10. Ao escrever, não penses em teus
serão inúteis as rendas coloridas que amigos nem na impressão que tua história
venhas a pendurar num substantivo débil. causará. Conta como se teu relato não
Se dizes o que é preciso, o substantivo, tivesse interesse senão para o pequeno
sozinho, terá uma cor incomparável. Mas mundo de teus personagens e como se
é preciso achá-lo. tu fosses um deles, pois somente assim
A lição mais preciosa, aqui, é esta: obtém-se a vida num conto.
Mas é preciso achá-lo. É o talento que Este é o culto do real da escrita. Não
precisa da ajuda do esforço. Graciliano é a escrita do real. Lembrem-se dos
comparava o escritor às lavadeiras de questionamentos de Ruth Guimarães
Alagoas: depois de lavar e esfregar bem, para si mesma. O autor, associado ao
elas espremem a roupa até que não reste mundo de sua criação, adota a visão de
nela nenhuma gota de água. É isso. Dizer uma de suas criaturas. Convive com elas.
apenas o necessário. E dá um trabalho Respira o ar que oxigena a atmosfera
danado enxugar o texto. O adjetivo tem artística. Isso é natural. Portanto, viva o
sua função e alguns escritores sabem que é natural.
utilizá-lo muito bem. A questão é não Mas, em matéria de conselho literário,
exagerar. O exagero é um pecado em ninguém superou, a meu ver, Rainer
qualquer escritura. Maria Rilke, em Carta a um Jovem Poeta,
8.Toma teus personagens pela mão quando afirmou: Se puderes viver sem
e leva-os firmemente até o final, sem escrever, não escreva.
atentar senão para o caminho que Em suma, não importa a plataforma
traçaste. Não te distraias vendo o que eles – papel, discos rígidos, nuvem – a
não podem ver ou o que não lhes importa. criação literária permanece com seus
Não abuses do leitor. Um conto é uma pressupostos. Os processos podem ser
novela depurada de excessos. Considera diversos, mas não dependem dos meios,
isto uma verdade absoluta, ainda que não nem a eles se subordinam. Literatura,
o seja. em síntese, é a celebração da linguagem.
Outra vez entra em cena o Dentro ou fora da Internet.
planejamento. E a recomendação é até
óbvia. Elucubrações, acrescentamentos,
filosofemas, só cabem se servirem referêncIaS
para reforçar elementos necessários à LUCAS, Fábio. Um livro cheio de prosa. São
narrativa. Lembrem-se das lavadeiras de Paulo: Giordanus, 2015, p. 101-105.
Alagoas e do tiro da espingarda. GUIMARÃES, Ruth. Processo in: Jornal O Vale,
edição de 22 de maio de 2014, caderno Viver.
9.Não escrevas sob o império da SCLIAR, Moacir in: “Como escrevo?” Org. José
emoção. Deixa-a morrer, depois a revive. Domingos de Brito, v. 2. São Paulo: Novera,
Se és capaz de revivê-la tal como a viveste, 2007.
chegaste, na arte, à metade do caminho. BRANDÃO, Ignácio de Loyola in: Como
Muitos autores aliviam sua alma e escrevo? Org. José Domingos de Brito, v. 2. S.
sua pena lançando-as no papel. E não se Paulo: Novera, 2007.
deve desdenhar do valor da emoção na PRADO Adélia in: RICCIARDI, Giovanni.
narrativa. Mas a emoção da escrita deve Biografia e criação Literária. v. 3: Entrevistas
ser construída, recolhida na tranquilidade. com escritores mineiros. Ouro Preto: UFOP,
Muitas obras perderam porque o autor 2008.
escreveu no calor dos acontecimentos. QUEIROZ, Amadeu de in: PEIXOTO, José
Virou jornalismo. Por isso mesmo é bom Benedito Silveira. Falam os escritores.
deitar o texto à gaveta, chorar bastante o Curitiba: Editora Guaíra, 1941.
que tocou na alma e, depois, recuperada DOURADO, Autran in: MACIEL, Nahima.
a paz de espírito, voltar ao trabalho. Brasília: Jornal Correio Braziliense, 2 de

216 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


novembro de 1997. Paris Review. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
BUARQUE, Chico in: Org. José Domingos de VALÉRY, Paul in: TELLES, Gilberto Mendonça.
Brito, v. 2. São Paulo: Novera, 2007. Artigo “Experimentação poética de Bandeira”.
CASARES, Adolfo Bioy in: NEGREIROS, José. Disponível neste endereçoeletrônico: https://
Rio de Janeiro: Jornal O Globo, 25 de outubro periodicos.ufsc.br/index.php/travessia/
de 1991. article/viewFile/17520/16099
BESSA, LUÍS Augustina in: ALMINO, João. Uma POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. (Trad.
artesã do detalhe. São Paulo: Jornal Folha de Oscar Mendes e Milton Amado). São Paulo:
S. Paulo, 18 de junho de 2000. Caderno Mais, Globo, 1999. 3. ed. revista.
p. 30. QUIROGA, Horário. O decálogo do perfeito
HUXLEY, Aldous in: COWLEY, Malcom. contista.
Escritores em ação. As famosas entrevistas a RILKE, Rainer Maria. Carta a um jovem poeta.

a eScrIta De rIcarDo guIlherme DIcKe:


DIStoPIa , utoPIa e ecocrítIca
carloS nogueIra
reSumo
A obra do escritor brasileiro Ricardo Guilherme Dicke convida-nos a refletir sobre as re-
lações entre o ser humano, a Natureza e o Ambiente, e sobre o lugar da literatura nesta re-
lação, em que se articulam questões ontológicas, sociais, éticas, ambientais e tecnológicas.

PalaVraS-chaVe
Ficção; Literatura; Arte; Tecnologia; Natureza; Ambiente, Dicke.

aBStract
The work of the Brazilian writer Ricardo Guilherme Dicke invites us to reflect on the
relationship between humans, nature and the environment, and about the place of lit-
erature in this relationship, in which ontological, social, ethical, environmental and tech-
nological issues fit together.

KeYWorDS
Fiction; Literature; Art; Technology; Nature; Environment.

Alguma crítica literária notou já que várias adaptações (espetáculos teatrais


o escritor brasileiro Ricardo Guilherme e pelo menos um documentário), vários
Dicke (Mato Grosso, 1936-2008) é, ainda estudos académicos (por exemplo:
hoje, quase um desconhecido, tanto no Miguel, 2001 e 2007, e Barbosa, 2006) e a
Brasil como em Portugal. Isto apesar da criação do Grupo de Estudos em Literatura
qualidade da sua obra, que suscitou já e Cultura de Mato Grosso: RG-Dicke;

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 217


apesar dos prémios e distinções que o horizonte humano e metafísico dos
autor recebeu ao longo de uma carreira narradores e das personagens interage,
literária de cerca de quarenta anos; direta ou indiretamente, com o universo
apesar das palavras de reconhecimento natural e ambiental. A busca ontológica
de escritores como Guimarães Rosa; e do eu, narrador ou personagem, não se
apesar de lhe ter sido atribuído, em 2004, faz sem interpretações éticas e estéticas
na Universidade Federal de Mato Grosso, sobre a Natureza.
o título de Doutor Honoris Causa, que se Antes de avançarmos, concretizemos
acrescentou quer aos títulos de bacharel esta leitura com alguns exemplos.
e licenciado em Filosofia e mestre em Em Madona dos Páramos (1982), as
Estética, quer a várias especializações personagens são criminosos que se
(pintura, desenho ou cinema). evadem da prisão e procuram a terra
Esta contradição entre uma obra prometida: a terra da Figueira-Mãe,
maior e o seu desconhecimento por parte onde esperam encontrar paz e igualdade.
do grande público tem uma explicação Marginais e marginalizados, eles
simples: Dicke viveu sempre distante empreendem uma peregrinação física
dos dois maiores centros literários e e espiritual pelo sertão; enfrentando
culturais do Brasil, o Rio de Janeiro e São a Natureza inclemente e agreste, eles
Paulo; e nunca abdicou de uma escrita predispõem-se a enfrentar interiormente
muito própria que, pela exigência e as grandes questões éticas, morais e
considerável extensão de alguns livros, metafísicas.
lhe impediu o acesso às maiores editoras. N’O Salário dos Poetas (2000), as
À margem dos principais circuitos de imagens de beleza e fecundidade da
divulgação e distribuição, Dicke pagou Natureza contrapõem-se às imagens
um preço elevado para manter a sua de um Paraíso arruinado pela ação do
identidade: não viu sua obra reconhecida Homem, que assim se corrompe cada
como merecia (apesar de, nos dois vez mais moral e socialmente e se
últimos anos de vida, alguns dos seus condena a uma morte espiritual e física
títulos terem sido editados por duas certa. As pragas de insetos e do fogo não
editoras que entraram em parceria). Daí vêm do Ceu; é o ser humano, pervertido
a responsabilidade acrescida da crítica e corruptor, que as provoca:
literária, que não pode demitir-se de
contribuir para a promoção de escritores Mas agora é de noite, e a tarde passou
como este. como uma sombra levando o atentado e
A nossa leitura situa-se na linha a arruaça, noite que balança nas águas
dos poucos estudos sobre a obra de negras do rio, que se escureceu com
Ricardo Guilherme Dicke, mas apresenta as nuvens de gafanhotos alastrando
uma revisão que visa a tornar ainda por sobre o dia, as moscas que zanzam
mais evidente a importância deste tontas tecendo redes de imponderáveis
autor. Os romances e os contos deste bochornos, os cachorros penados que
escritor devem ser lidos à luz de tópicos latem sem fim naquelas quebradas
universais como a condição humana, a modornosas e as queimadas que avançam
religião, a política ou o progresso, e de com a inexorabilidade dos destroços do
respostas como a denúncia, a ironia e a Destino por sobre as sombras verdes
sátira; contudo, não se pode ignorar que da vegetação dos portos de Cabra […]
todos os temas e motivos são tratados (DICKE, 2000, p. 30).
de acordo com uma visão do mundo em
que a Natureza e o Ambiente ocupam um Toada do Esquecido (2006) é também
lugar central. Desde o primeiro romance um romance sobre a natureza humana e
do autor, O Deus de Caim (1968), o sobre o ser humano no meio ambiente

218 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


destruído pelo Homem e pela tecnologia A série de acontecimentos, ligados
que ele criou. O narrador não participante de modo causal e encerrados com
e as personagens, em fuga pelo sertão de o desenlace irreversível, tem menos
Mato Grosso com o ouro da companhia importância do que a exploração do
de mineração, reagem a um elemento universo interior das personagens e a
que surge obsessivamente em toda a sua relação com o tempo. A valorização
narrativa: uma paisagem desolada e sem da memória e a miscigenação de
vida que desencadeia ou intensifica o pensamento reflexivo e história ficcional
diálogo de cada um consigo mesmo. O refletem-se na fragmentação discursiva e
espaço físico, evocado ou descrito com na descontinuidade da ação.
frequência e sempre com elementos que As personagens usam máscaras
se repetem, obriga o leitor a questionar- e fantasias do Carnaval boliviano de
se, desde o início, sobre o valor de Oruro. Esta técnica tem implicações
passagens como esta: na economia do romance, mas o seu
valor ultrapassa o plano das estratégias
Ao longe, os horizontes carbonizados narrativas. Devemos interpretar esta
parecem lançar um infinito uivo opção dentro da questão dos arquétipos
circular de imenso calor, hórrido e seco, da psique humana, entendidos como
abandonada boca que guaia e se ri «processos psíquicos transformados
de tudo zombeteiramente. Nenhuma em imagens ou padrões primordiais do
árvore em todo o perímetro até a boca comportamento humano», na definição
dos horizontes que uivam. Eles ouvem de Carl Gustav Jung (JACOBI, 1976, p. 44).
esse uivo e se calam no seu coração. O Cavaleiro, Zabud Malek ou o Deus das
Tudo queimado. Têm medo não desta Moscas, Mestre Gepetto ou La Muerte e
terra queimada, mas dos homens El Diablo estabelecem um pacto: cada um
que a queimaram, que levaram sua deve ocultar a sua identidade. Elpenor
madeira para ninguém sabe onde, que e Palinuro, que chegam mais tarde, são
assassinaram esta terra órfã de tudo. obrigados a fazer o mesmo: o primeiro
(DICKE, 2006, p. 18). fantasia-se de morcego e o segundo de
serpente.
Este não é um romance típico de Mas as máscaras não são meros
ação, já que o enredo, sem intrigas adereços que poderiam ser substituídos
paralelas nem diferentes níveis por outros. Constituem símbolos de
narrativos, é simples e linear: a fuga uma consciência mítica que Ricardo
de seis personagens pelo sertão mato- Guilherme convoca com o objetivo de
grossense, depois de um roubo não explorar as grandes questões universais:
programado, e a morte misteriosa e os sentidos da vida e da morte, do bem e
abrupta de cada uma delas. Privilegiam- do mal, do eu e do outro, do Homem, da
se, numa estrutura narrativa muito Natureza e de Deus.
original, as vozes da personagem e do A máscara é, afinal, neste romance,
narrador, o tempo e o espaço interiores; e uma imagem de quem se oculta sob
também se privilegia o espaço físico, que, ela. Através da máscara, vemos as
sobretudo para o Cavaleiro e o narrador, características mais marcantes das
é motivo de meditação ontológica e personagens e fases da experiência
crítica sociocultural e política. mítica da humanidade. Nuns casos, a
Este cruzamento de vozes dá origem máscara diz a essência da personagem;
a uma rede de digressões, a reflexões noutros, representa arquétipos: o
pessoais que se complementam Cavaleiro é um revoltado que luta contra
ou contradizem enquanto eventos o tempo histórico com a sua capacidade
singulares dentro da ação principal. de imaginar um mundo novo através

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 219


da literatura e das artes em geral. conhece pelo que sente e deseja.
O isolamento leva-o a transcender- Não há muitas indicações geográficas
se, eleva-o; indignado e amargurado concretas que situem a ação no espaço.
mas culto e idealista, ele representa a Sabemos apenas que as personagens
possibilidade de regeneração do mundo. viajam pelo sertão de Mato-Grosso
El Diablo é, enquanto máscara e enquanto e que passam por alguns lugares
assassino silencioso de todos os que o específicos: «Vieram fugindo delas,
acompanham, o representante do Mal desde O Esquecido, à beira do rio
(conotação que também se associa às Madeira, no Guaporé» (DICKE, 2006,
máscaras da serpente e do morcego). La p. 20). Esta indecisão sobre os lugares
Muerte está presente para lembrar que a exatos em que as personagens se
morte é o maior castigo, a maior punição, movem contrasta, como dissemos, com
mas também uma consequência natural a descrição constante e repetitiva do
da vida. A máscara do Deus das Moscas, espaço; abundam os momentos em que
complementada pela presença constante se diz, com mais ou menos pormenores,
destes insetos na narrativa, impõe ao que «as desoladas paisagens» «se vão
humano uma desfiguração grotesca sucedendo, sem terminar nunca» (DICKE,
que lhe retira qualquer pretensão de 2006, p. 13).
dignidade e acentua a crítica ao Homem As informações temporais, também
e à sociedade moderna. numerosas, não são mais precisas do
Todavia, há um anseio comum a todas que as do espaço. As várias referências
as personagens: o de, transcendendo históricas e sociais, que remetem
o tempo pessoal e histórico, cada um para a década de 80 do século XX,
entrar num tempo e num espaço onde trazem alguma estabilidade semântica
seja possível (re) encontrar o passado ao romance, mas não há uma única
longínquo que se viveu ou que se queria informação cronológica exata. Deste
ter vivido. A viagem destas personagens tratamento do tempo e do espaço vem
é uma luta contra o tempo (creem-se a ideia de separação e fechamento
perseguidos) e contra o Tempo que espacial, e de angústia de cada um no
corrói e mata. seu período histórico e no Tempo:
O tópico do espaço é o que primeiro
determina, nesta obra, a categoria do já não sei há quanto tempo estamos aqui
tempo. A crítica literária portuguesa e viajando, o tempo se perdeu atrás de
brasileira, preocupada sobretudo com uma cortina de semanas, talvez meses, os
o campo espiritual, costuma estar mais dias se foram, para onde foram? (DICKE,
atenta ao tempo do que ao espaço 2006, p. 13).
físico. Tem sido assim também nos
poucos estudos consagrados a Ricardo São muitas as questões que se cruzam
Guilherme Dicke, que salientam o tempo em Toada do Esquecido: o mundo
como problema do ser dos protagonistas globalizado, a cidade e o campo, a
e o espaço como mera paisagem de economia, as tecnologias da informação,
fundo. Mas, neste romance, o tempo o excesso de notícias, a literatura e as
psicológico e o Tempo como questão artes, a exploração do Homem pelo
metafísica não se desligam do espaço Homem, a condição humana e a sua
como lugar onde se dá a viagem, porque ligação a temas universais como a vida e
é no território que a consciência de cada a morte, o eu e o outro ou o amor e o
personagem se abre ao sentimento, ao ódio. Todo o texto, tanto o discurso do
pensamento e à imaginação. O desejo narrador como as falas das personagens,
de sair de um espaço que asfixia conduz é uma projecção de consciências que
cada um a querer substituir o que tem e se procuram compreender a si próprias

220 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


convocando estas grandes questões. natureza humana que se projetam na
Aquela que surge mais obsessivamente, paisagem natural e com ela dialogam.
embora nem por isso a mais notada pela Este livro desloca o paradigma da
crítica que se tem ocupado de Ricardo literatura do eu para o da literatura
Guilherme Dicke, é a da destruição da do eu no ambiente natural, e,
Natureza e do Homem: consequentemente, para o paradigma
da literatura sobre a Natureza e o meio
– […] E ninguém sabe. E todo este deserto ambiente. Os problemas ontológicos,
que eles estão construindo… Em redor ideológicos e sociais das personagens
das estradas estes campos mortos, todas e do narrador são equacionados a par
as árvores cortadas e não repostas cuja dos problemas do ambiente natural. A
madeira é enviada para os Estados Unidos alienação das personagens em relação
e ninguém sabe (DICKE, 2006, p. 33). à Natureza intensifica a sua alienação
em relação ao espaço e ao tempo. A
A perturbação de quem fala ou pensa morte do meio natural não traz apenas
reflete-se no modo como a paisagem a neurose de cada personagem: também
desolada é vista, mas a paisagem, promove e acolhe a morte física de todas
em si mesma apocalíptica, também elas.
intensifica a angústia dos corpos e Real e simbólica, a paisagem de Toada
das consciências. Esta consciência do do Esquecido projeta uma imagem
narrador e das personagens sobre o apocalíptica do fim do mundo, anuncia
meio natural estimula a introspecção e o fim destas personagens, que o mestre
o autoconhecimento. Neste processo, Gepetto vê premonitoriamente, e prediz
o leitor é convidado a recordar que há o fim do nosso mundo: «está tudo
sempre uma correspondência entre si em silêncio imenso sob aquele campo
e a Natureza. Mais descritivas ou mais comburido e morto e ele pensa de
reflexivas, mais curtas ou mais torrenciais, repente: sobre o campo morto, homens
as referências contínuas à terra morta mortos» (DICKE, 2006, p. 22). A leitura é
e enegrecida pelo fogo acentuam literal e alegórica: ninguém ignora que
a denúncia e a reflexão ambiental o Brasil é hoje um dos arquétipos do
sociocultural e política que todo o texto desequilíbrio ambiental e do desrespeito
é. A paisagem desolada não é um mero do ser humano por si próprio e pela
cenário da ação; acompanha e explica Natureza.
os pensamentos, os sentimentos e as A mulher é, muitas vezes, a protetora
emoções do narrador e das personagens, da Natureza e da vida, mas nesta narrativa
que se expressam num discurso em que não há qualquer condescendência em
se combinam ou alternam o popular relação ao feminino. A mulher entra na
e o culto, o oral e o erudito, o registo crítica ao homocentrismo e na crítica à
caudaloso e a frase aforística. cultura patriarcal e matriarcal: El Diablo
A inquietação das personagens é, afinal, como todos suspeitavam, uma
suscita constantemente a inquietação mulher que assassina todos os seus
dos leitores. Pelo ato de leitura, somos companheiros de viagem. Ela põe em
chamados a intervir num mundo prática o que a inexorável cronologia,
de paisagens mortas, de «campos o Tempo, cumpre: a morte de cada
carbonizados e queimados, enegrecidos, elemento vivo. O espaço fechado,
eriçados de tocos pretos, onde não circular, que é o território por onde eles
há vida» (DICKE, 2006, pp. 53-54). As viajam determina a concretização do
obsessões, os medos e as asfixias das maior medo de cada um, que se vê, ao
personagens não são apenas lugares nas longo de todo o texto, como ser-para-a-
suas paisagens interiores; são lugares da morte. (Cf. Heidegger, 1989, p. 17).

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 221


Em Ser e Tempo (1927), Martin que poderá trazer o fim do Homem e do
Heidegger (1889-1976) desenvolve a mundo natural («apocalipse» significa,
ideia de que a morte não é apenas o em termos bíblicos, «revelação» e, por
fim irreversível para o qual cada um de extensão, «destruição»). Mas, enquanto
nós caminha. A morte dá a cada pessoa que no Apocalipse um novo ceu e uma
a possibilidade de, enfrentando-a com nova Terra emergem da ruína2, neste
coragem e com um projeto de vida, romance não se dá a ressurreição
construir uma existência mais autêntica. universal da natureza e dos homens.
É no Cavaleiro que este tema da filosofia Os sentimentos de renovação que
de Heidegger mais se actualiza, já que, vêm de uma paisagem verde não
vendo-se como ser-para-a-morte, ele existem nesta narrativa senão muito
atinge um estado de transcendência que pontualmente. Predominam a luz
o coloca diante do seu ser. cinzenta do dia, que incide sobre uma
A experiência temporal do humano paisagem negra, carbonizada, e a
é, nestas narrativas, o resultado de escuridão da noite. O tempo cronológico
uma experiência espacial extrema e meteorológico é interminável, pesado.
e derradeira. Não é o Tempo como Contudo, em «Direção a Rondônia, a Vila
cronologia que mata: o que leva à Bela», onde é «tudo diferente» (Dicke,
falência ontológica e à morte é o espaço 2006, p. 55), as personagens «Sentam-
físico e social. se sob um enorme jatobazeiro, cujos
As personagens, à deriva pelo espaço frutos cheiram» (Dicke, 2006, p. 55), e
negativo da memória, negam-se a si o apelo da Natureza chega-lhes através
próprias, sem tempo (porque morrem) dos sentidos:
para atribuírem sentidos às imagens de
morte que as atormentam. Oprimidas A estrada nova fica para trás. E com ela
pelo espaço visível, elas estão perdidas os tristes campos carbonizados. Daqui a
para si mesmas e para os outros. Cuiabá, por todo este perímetro só tocos
Nenhuma interação humana existe entre de árvores queimadas, tudo negro, tudo
elas durante a viagem, cada uma vive queimado, nada em pé, só devastação
perdida dentro de si mesma e morre e destruição. Nem pássaros, nem coisa
sozinha. O Cavaleiro é a única exceção. viva, nem nada. Entram numa região
A antecipação da morte singulariza diferente: aqui crescem grandes árvores
(Dicke, 2006, p. 263) esta personagem, onde ninguém tocou. Direção a Rondônia,
confronta-a radicalmente com o seu a Vila Bela, tudo diferente. (DICKE, 2006,
presente, o seu passado e o seu futuro, p. 55).
levando-a a procurar a sua verdade no
tempo e na linguagem. Mas ninguém, nem El Diablo,
A paisagem e a canção «Toada do alcançará este paraíso. Ele (ela) morre
Esquecido», sinédoques de um mundo num acidente de automóvel e o ouro,
em acelerado processo de destruição, espalhado ao longo do caminho, é
anunciam e dizem um apocalipse. devolvido à terra. O arquétipo do paraíso,
Mas não se trata de um apocalipse do mundo autêntico, ficará apenas na
desencadeado pela «ira de Deus»1, que memória de cada um.
pune a Babilónia (a Roma pagã) com Toada do Esquecido é uma narrativa
pragas e cataclismos. A ecocatástrofe polifónica. As vozes do narrador e
de Toada do Esquecido tem como das personagens alternam, dialogam,
únicos agentes os seres humanos e a fundem-se de modo quase imperceptível;
sua tecnologia e gestão do território e e evocam pensamentos de nomes
dos recursos. Os campos devastados célebres da música, da literatura ou da
pelo fogo são a revelação do Apocalipse pintura. Apenas os deíticos de pessoa

222 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


gramatical marcam a passagem entre esquecido e pensa, melancolicamente,
os vários discursos; como na vida, o «nas aflições da Terra», da «Mãe-Terra»
enunciador acolhe, de modo consciente protetora, que sucumbe às mãos da
ou inconsciente, enunciados de outrem, cidade e da civilização:
combina ou confunde o passado e o
presente, projeta-se no futuro, constroi e O que aconteceu com este oco de
desconstroi identificações e alteridades. matas que não acabaram com ele,
A mudança de espaço, de paisagem, embutido dentro dos centros dos campos
é uma mudança espaciotemporal. O carbonizados, esqueceram ou ficou
espaço em que estas personagens se para ser destruído depois? Aqui deve
movem suscita reflexões sobre lugares haver pássaros e bichos. E os habitantes
de poder (a comunicação, os governos, dessas casas mortas em redor? Aguça
as ideologias…) e de marginalização. os ouvidos e ouve: distantes cantares de
O desespero indignado do narrador e galos e ladrares de cães. Mugidos de bois
do Cavaleiro tem uma explicação que e vacas. A Moringa, perdida no meio dos
é insistentemente referida ao longo de campos esturricados, oásis no coração
todo o romance: para que uns vivam das sangrantes queimaduras da Mãe-
bem, muitos vivem mal; para que uns Terra. (DICKE, 2006, p. 61)
vivam com conforto e com abundância
de tudo, muitos vivem com muito pouco Não usamos o termo distopia apenas
e, como nos diz Mônica Elizabeth Zanol em termos de pensamento e visão do
de Matos no ensaio Lição de Síntese, são mundo. Este texto é, enquanto género
remetidos para «uma zona de fronteira, literário, uma Distopia: representa um
geográfica mas também simbólica»; no mundo natural e social cuja desagregação
caso, esse espaço situa-se «entre o Brasil acentua a tendência do ser humano para
e a Bolívia, entre a civilização e a solidão» o desequilíbrio. O lugar sem lugares
(2010, p. 89). que é a paisagem carbonizada que ele
Este texto pode ser visto como atravessa traz a sua morte espiritual e
alegoria de um mundo cada vez mais real física.
e provável: um mundo apocalíptico, que é Há, na abordagem crítica deste
o resultado da separação entre o Homem texto, que estabelecer uma relação
e a Natureza. As imagens de destruição de entre Distopia (processo discursivo) e
um meio natural específico promovem a Ecocrítica (estudo das intersecções entre
visão de desastres ambientais futuros e a literatura, a cultura e a sociedade, e
de uma nova (des) ordem mundial. a Natureza e o Ambiente). Uma leitura
A paisagem desolada, sem vida, sem através da metodologia da ecocrítica
pássaros, acorda os demónios destas literária (Cf. Glotfelty; FROMM, 1996)
personagens e do narrador. Todos é fundamental para uma compreensão
desejam outro lugar, aspiram a uma mais profunda desta obra. Ou poderemos
ecotopia. O leitor nunca se distancia da não ver o que é evidente: aqueles que
distopia, trazida pela ambição desmedida, os poderes socioeconómicos e políticos
pela negligência e pela ignorância, que usam para enriquecer não são os únicos
cerca as personagens e o narrador; todos explorados e marginalizados. Também a
são estranhos numa terra estranha, num Natureza é explorada e marginalizada,
novo mundo negativo. São personagens também ela sofre a dominação da
em fuga, à deriva, sem lugar, e, por isso, sociedade de consumo e da tecnologia.
em perda espiritual e física. No «lugar Hoje, quando pensamos numa
habitado de gente chamado A Moringa» sociedade ideal, já não podemos deixar
(Dicke, 2006, p. 57), o Cavaleiro vê-se de ter em conta, de modo consciente,
numa espécie de paraíso perdido ou a questão da preservação ambiental.

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 223


Nenhuma eutopia pode esquecer liberdade no ouro que levam consigo,
uma revisão das ideologias que não mas também a projetam no reencontro
admitem novos modelos de crescimento com a Natureza verde; todos sentem,
económico e tecnológico. Toada do em especial o narrador e o Cavaleiro,
Esquecido descreve e denuncia, revela que não há harmonia interior sem o
e antecipa o que pode vir a acontecer equilíbrio dos elementos naturais:
a uma escala ainda mais global: a crise
ambiental, o colapso ecológico, o fim O Cavaleiro olha pela janela da
do Homem. Nesta representação e Kombi: campos desolados de novo
nesta sensibilização reside grande parte que passam, nenhuma árvore, tudo
da dignidade e do empenhamento da cortado desapiedadamente, nenhum
literatura dos nossos dias. pássaro, nenhum bicho, nada.
Os fatores de desordem da paisagem, Campos carbonizados. O dia passando
do narrador e das personagens não são irremediavelmente e uma grande tristeza
meramente locais. As vozes da rádio, se instala no coração do Cavaleiro a olhar
com referências ao capitalismo, ao essa imensa desolação que vai até aos
lucro fácil, à exploração, dizem-nos que horizontes. Um céu de chumbo paira
o problema é humano e internacional. sobre suas cabeças. (DICKE, 2006, p. 79).
Este texto cria no leitor um conflito
moral que o leva a considerar o que, de As referências carnavalescas não
tão repetido de maneira não expressiva, se reduzem às máscaras do carnaval
é esquecido: vivemos num tempo em boliviano usadas pelas personagens.
que é necessário tomar decisões; ou Todo o romance é, na atitude de espírito
mudamos de paradigma económico e das personagens e do narrador e na
social e salvamos o meio ambiente ou linguagem, carnavalesco. Em todo o
destruímo-nos enquanto seres morais e texto se cruzam o culto e o popular, o
físicos. alto e o baixo, o sublime e o grotesco,
A morte ou a revolta da Natureza já e se misturam a sátira, a ironia, a
está a determinar a nossa condenação paródia e o humor com o discurso mais
e a nossa morte. Se a Natureza como sério e meditativo. A cultura oficial e
Utopia passar definitivamente a Distopia, massificadora é, como acontecia no
não há, para a espécie humana, qualquer carnaval da Idade Média analisado por
possibilidade de salvação. O mundo Mikhail Bakhtin (1895-1975), objeto
verde para o qual se moviam estas de uma desconstrução simbólica. No
personagens é, no mundo empírico, cada estudo Rabelais and His World (1965),
vez mais escasso. Daí a mensagem deste este autor defende que o humor popular
romance: se a tendência de alienação e o grotesco da Idade Média e do
do ser humano em relação à Natureza Renascimento são as duas grandes forças
e ao Ambiente persistir, a ecocatástrofe do espírito irreverente de oposição
que tantos anunciam chegará mais cedo à ideologia e à cultura dominantes.
do que se espera. Criticar a tradição Bakhtin, cuja teoria sobre a cultura do
homocêntrica dominante é, assim, riso está, em grande parte, na génese do
contribuir para a possibilidade de uma romance europeu, deixa bem claro que
mudança real. Rabelais aconselha o leitor a assumir o
Entre a Natureza e a mente há, riso e a sátira como terapias face a uma
em vez de separação ou oposição, civilização moderna opressora. É esta
reciprocidade. A morte da Natureza precisamente a estratégia de Ricardo
significa a devastação física, psicológica Guilherme Dicke. Contra a opressão
e moral do ser humano. As personagens do mundo moderno, que exclui e
de Toada do Esquecido veem a sua marginaliza uns e beneficia outros, resta

224 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


ao narrador de Sinfonia Equestre e às Por aqui tudo foi mato virgem onde
personagens, em particular ao Cavaleiro, cantaram pássaros em bosques imensos
uma espécie de riso satânico e uma e uivaram feras, onde passaram índios,
linguagem cáustica e justiceira. onde o Sol, a Lua e as estrelas iluminaram
O Cavaleiro, que os poucos estudiosos em mitológicos tempos. Malditos
de Ricardo Guilherme Dicke veem como os tempos em que se acabou toda e
uma projeção autobiográfica do autor, qualquer mitologia, onde só há sombras
insurge-se contra os lugares-comuns de mitologias. E malditos aqueles que
da civilização. Evade-se da paisagem e deixaram árida a alma dos homens.
do mundo imaginando um futuro em (DICKE, 2006, p. 79).
que a literatura, a música, a arte e a
Natureza sublime são o único mundo É significativo este lamento
verdadeiramente humano: amargurado perante o fim de «toda e
qualquer mitologia». Sem o mato-jardim
– Eu compraria todos os livros, quadros e em que tudo se criava e organizava, dá-
discos do mundo, retirar-me-ia para uma se a impossibilidade da nostalgia do
cidade que se deitasse sobre campos Jardim do Éden simbólico. O Cavaleiro
floridos, na maravilhosa Espanha, num fica sem poder projetar as suas imagens
castelo de Burgos ou Mérida, que fosse do Paraíso e, por isso, cai na amargura e
perto também do mar, Barcelona ou na raiva. Mircea Eliade lembra-nos que
Costa Brava, renunciaria às pompas do a nostalgia deste espaço é de todos os
mundo a escutar eternamente música e tempos e lugares. As imagens que dele
a ler todas as obras literárias do mundo, criamos
com professores dignos de línguas,
reuniria a maior biblioteca do mundo, [...] exprimem a nostalgia dum passado
a maior discoteca do mundo e a maior mitificado transformado em arquétipo»;
pinacoteca do mundo, e naquele silêncio e este «“passado” significa não só a
ante os campos floridos e diante do mar saudade dum tempo desaparecido
adentraria todos os segredos… (DICKE, mas também uma infinidade de outros
2006, p. 53). sentidos; exprime tudo o que poderia
ter sido mas não foi, a tristeza de toda a
O Cavaleiro reage ao isolamento e existência, que só é ao deixar de ser outra
ao desamparo que vêm do excesso de coisa (ELIADE, 1961, p. 17).
destruição da Natureza criando uma
Utopia. Fechado dentro de si, ele usa O Cavaleiro, que sofre de um
também a liberdade do pensamento sentimento agudo de alienação do
e a liberdade da palavra, da sátira e da sentido da vida, é um homem culto e
ironia, do humor ácido e do grotesco, do civilizado. No lugar que ele idealiza, a
burlesco e do feio: Natureza é, como no Jardim do Éden,
sublime; mas a sua imagem do Paraíso
O Juízo Final chegou – diz o pastor em é de unidade do eu com a Natureza, o
Quito – ameaçante no rádio, problema conhecimento e as artes: como Adão e
mortal, mundial. E moscas, muitas Eva, que contrariaram a vontade de Deus
moscas. E cheiro de merda velha que sai e comeram da árvore da ciência do bem
do carro (DICKE, 2006, p. 111). e do mal, ele deseja conhecer «todos os
segredos» (Dicke, 2006, p. 53). Cavaleiro
Denuncia o fim dos mitos que tudo cristão das cruzadas na Terra Santa (pelo
criavam, expõe a apatia e a mentira do menos na máscara que enverga), ele é,
mundo, acusa e amaldiçoa: assim, um rebelde que contraria o que
se espera dele: que se mantenha fiel aos

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 225


desígnios insondáveis de Deus. efemeridade; o porco, de que mestre
O Cavaleiro é a personagem mais Gepetto se compadece enquanto o mata,
trágica deste romance. Ele busca o parece vingar-se deles, ao provocar-lhes
Éden, a bem-aventurança, mas também uma forte diarreia que os submete ao
deseja o conhecimento: o conhecimento poder da Natureza invisível, microscópica
que implicou o fim do Paraíso bíblico, (as bactérias que apodreceram a carne
e que, no seu caso, quer contrariar os do porco).
vícios e a ambição descontrolada da A grande questão subjacente ao conto
sociedade. Conhecimento e beleza como Sinfonia Equestre é, mais uma vez, a dos
revelação da verdade e da justiça são, confrontos pela posse da terra. Também
para o Cavaleiro, caminhos para o bem por isso, um dos temas desta narrativa
e a remissão dos erros do ser humano. é o da relação entre a personagem
O Paraíso do Cavaleiro é povoado por principal e a Natureza. Janis Mohor, a
nomes de referência de áreas da cultura protagonista, para vingar a morte do
e da arte como a literatura, a música, pai, assassinado pelo turco Tariq Muza,
a pintura ou a filosofia. Ele acrescenta atravessa o sertão de Mato Grosso a
ao mito do Paraíso perdido, enquanto cavalo. Acompanhada por Belizário,
expressão de uma tendência universal, um contador de histórias, Janis sofre
de um inconsciente coletivo, a sua e procura compreender por que razão
mitologia pessoal. o seu pai, um homem alto e robusto,
Os animais desta narrativa só parece ter permitido que um turco
ocasionalmente aparecem fora do baixo e fraco o envenenasse e matasse
contexto da «arca de Noé» que é o trailer lentamente. Como no romance Toada
da carrinha (a Kombi) em que viajam: do Esquecido, e como noutras obras do
autor, só a percepção física e espiritual
Sob a lua, mãe dos sonhos, começam a da Natureza apazigua a personagem. É
passar estranhos pássaros que dão uma no jardim da Fazenda Mutum, «Lugar
espécie de risada bruxuleante que os ideal para fazer poemas», «Pedaço do
deixa mais aflitos e depois novamente cai Céu» (Dicke, 2006, p. 144), que Janis
o silêncio, que é como uma espécie de pai encontra alguma pacificação:
dos deserdados (DICKE, 2006, p. 43).
Selvagens ou domesticados, todos eles Sob as árvores se estendia uma sombra
exibem as misérias destas personagens e enorme e profunda, espessa e terna
do humano: o galo, que, quando canta, que edulcorava tudo o que dela se
afasta os «maus espíritos» (Dicke, 2006, aproximava. Frutas adocicavam as
p. 43), diz-lhes que existe a morte e o sombras. Um bentevi esburacava um
medo, o desconhecido e a angústia; o mamão e assobiava e periquitos comiam
papagaio, que repete incansavelmente duma manga madura (DICKE, 2006, p.
expressões como «mundo horrível» e 144).
«fim do mundo», parece escarnecer de
cada um deles e da condição humana; Colocando a personagem no meio de
o cão, que é geralmente silencioso, às uma fauna e de uma flora esplendorosas,
vezes «uiva noites e noites», trazendo- Ricardo Guilherme Dicke vem lembrar,
lhes arrepios «pelas espinhas, como o mais uma vez, que o ser humano não
prenúncio de algo perdido que ainda não pode salvar-se senão através da literatura
sabem o que é, logo saberão» (Dicke, e de uma integração forte na Natureza:
2006, p. 43); as moscas, atraídas pela
«merda» das personagens e dos animais, Pássaros pelos matagais cantavam e
desfiguram grotescamente o humano cantavam em miríades e trançavam seus
e reduzem-no à sua animalidade e cantos com os poemas que Janis dizia. E

226 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


à frente da piscina cresciam mangueiras, Tudo anda em círculos» (Dicke, 2006,
goiabeiras, ateiras, mamoeiros, coqueiros p. 164). Na Fazenda Mutum, os cavalos,
dando frutos, cujas extensões ofereciam tanto os que estavam nas cavalariças
uma sombra doce. Constante e denso como os que pastavam nos campos,
rumor de folhas em galhadas espessas se pararam de comer e começaram a
entrechocando. Aqui era um lugar onde relinchar estranha e lugubremente; e os
seu pai gostava de vir (DICKE, 2006, p.
144). horizontes em torno das duas fazendas se
punham a girar em círculos alaranjados:
O jardim-paraíso em que Janis procura era a Sinfonia Equestre, em seus três
proteção, alimento e transformação é movimentos, abarcando tudo, infinita,
uma imagem da Terra-paraíso que pode eternamente (Dicke, 2006, p. 164).
salvar a humanidade, se a humanidade
souber viver em harmonia com ela. Enigmático, este episódio parece
O horror e o desgosto causados pela concretizar o desejo de Janis: a sua
morte violenta do pai ligam-na à imagem comunhão mística com a Natureza.
arquetípica do Jardim-Paraíso e criam Este acontecimento não é puramente
um espaço psíquico em que ela se panteísta nem apenas materialista: não
reconhece. A decadência do mundo se dá aqui a superioridade da realidade
da personagem é uma metáfora da divina, entendendo-se Deus como
decadência do sertão; e o jardim que existência que, diferente e superior
Janis recebe em legado é metáfora do à realidade imanente, tudo recobre
passado mítico que ela, reconhecendo a (panteísmo). Mas tão-pouco se verifica
disparidade entre a realidade presente e só a imanência da realidade divina
a realidade passada, intui. (materialismo). Há, simultaneamente,
A personagem, tal como o narrador a espiritualização e a materialização da
e o Cavaleiro de Toada do Esquecido, Natureza, do eu e do divino.
reage negativamente à imagem real Também o turco Tariq Muza, que
do Paraíso degradado. A discussão de morre na sua Fazenda ao mesmo tempo
terras (Dicke, 2006, p. 140) corrompe a que Janis, se interroga sobre o sentido da
Natureza e o Homem, quebra a unidade vida e da morte: «a morte não dói, o que
entre o ser humano e as coisas naturais. dói é a vida» (Dicke, 2006, p. 164). No
Antes de morrer, Janis diz: «Seja qual for monólogo suscitado pela proximidade
o meu destino após a morte, sei que meu da morte, Tariq fala de uma ordem
espírito navegará vivente da Eternidade cósmica em que «a morte é para todos»
infinita» (Dicke, 2006, p. 163); e pensa e em que, para aqueles que sabem viver
em pelo sonho, «a vida vale a pena» (Dicke,
cavalos puxando trenós, cavalos puxando 2006, p. 165); é este “sonho maravilhoso
tílburis, cavalos puxando arados, cavalos e sublime que embalsama as narinas de
nos exércitos, cavalos de faroeste, cavalos um perfume insidioso e profundo que nos
anões, cavalos árabes, cavalos manga- leva ao fundo do Paraíso» (Dicke, 2006,
larga, cavalos campolinas, cavalos quarto- p. 165). O ser humano e os elementos da
de-milha, cavalos domésticos, cavalo de Natureza comungam do Todo, a mulher e
São Jorge (DICKE, 2006, p. 163). a água equivalem-se e o homem é fogo.
Há uma geometria perfeita a presidir a
A morte de Janis desencadeia «algo tudo o que existe: «Tudo o que o homem
cósmico» (Dicke, 2006, p. 164) que ela faz é medido pelo quadrado» (Dicke,
própria pressentira pouco antes de 2006, p. 164); «A morte das mulheres é
pronunciar as últimas palavras: «– O a morte das águas. A morte do homem é
mundo é redondo e anda em círculos. a morte do fogo» (DICKE, 2006, p. 164).

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 227


Surpreendentemente, Tariq é poeta. existir no mundo algo assim como uma
O monólogo aponta nesse sentido, mas Sinfonia Equestre: mistura de animais de
ele próprio o revela: «Sou poeta e me pedra com notas musicais ou talvez de
dou com Belizário, o poeta da Fazenda sangue vivo (DICKE, 2006, p. 166).
Mutum» (Dicke, 2006, p. 165). A Natureza
confirma que assim é: também os cavalos Ator num jardim fantástico, Jan atinge
de Tariq e os horizontes realizam a um estado de espírito que lhe permite
mesma «Sinfonia Equestre, em seus três consubstanciar-se na Natureza e na
movimentos, abarcando tudo, infinita, natureza (enigmática) do divino. Por isso
eternamente» (DICKE, 2006, p. 165). é que ele pergunta, antes de morrer, se
Em Ricardo Guilherme Dicke, os veria a face de Janis e a face de Deus.
elementos da Natureza e as imagens A morte de Jan encerra um ciclo (o da
correlatas não são apenas, como se vê, sua vida) e inicia outro (o do seu sono
símbolos do eu. A Natureza, neste conto eterno): «Tudo era sonho no grande
e em toda a escrita do autor, não é só campo onde Jan dormia para sempre»
natureza. É natureza com corpo-e-alma (DICKE, 2006, p. 167). Entretanto, tudo
que se auto-regenera: a morte de Tariq conciliando, «A chuva lavava a alma da
é celebrada por «uma chuva que lavava natureza» (DICKE, 2006, p. 167).
docemente a alma da terra» (DICKE, Toada do Esquecido & Sinfonia
2006, p. 165). Equestre opõem-se ao conformismo,
No final do conto, intensifica-se o à indiferença e aos valores ideológicos
questionamento ontológico e filosófico dominantes. A sua linguagem, variada
que, sob diversas soluções semânticas e e imprevista, é de contestação e
discursivas, acompanha todos os textos interpelação. Nenhuma técnica ou
de Ricardo Guilherme Dicke. Jan, o processo estilísticos estão à partida
marido de Janis, é agora o protagonista. excluídos da escrita de Ricardo Guilherme
Também ele, lavado por uma chuva que Dicke, que ora é provocatória e agressiva,
aprofunda e sublima «a sua imensa dor ora delicadamente lírica; ou melancólica,
pela morte da mulher», com quem, por introspectiva, e simultaneamente irónica
opção dos dois, nunca fora fisicamente e satírica. Num caso e no outro, há um
íntimo, se interroga sobre o destino trabalho bem conseguido de revitalização
de Janis (sobre o destino dos mortos): da língua portuguesa e da linguagem e
«A alma de Janis, doce e alegre, havia do estilo literários. A sua capacidade de
subido para o céu, a ver a face de Deus?» criação verbal vê-se na alternância entre
(DICKE, 2006, p. 165). a contenção da frase de recorte clássico
E também ele vive a sua Sinfonia e o derramamento da sintaxe inusitada;
Equestre, a sua comunhão com uma no uso de neologismos, termos
Natureza que é água (chuva), animal cultos, estrangeirismos e arcaísmos
(cavalo), «campo verde» (Dicke, 2006, p. mas também de regionalismos,
166), horizonte «alaranjado e violeta» brasileirismos, coloquialismos, calão e
(Dicke, 2006, p. 167), veneno e música. gíria; na invenção ou recuperação de
Jan monta um cavalo que dele se metáforas, metonímias, comparações,
aproxima com um relinchar «forte como imagens e hipálages, de oxímoros,
o som do bronze»: «o cavalo melhor pleonasmos, adjetivações ou aliterações.
e mais belo que se erguia nas patas Ricardo Guilherme Dicke recupera
traseiras e se erguia no meio da chuva» e continua a herança deixada pelos
(Dicke, 2006, p. 166). Antes de tomar o modernistas de 1922, como lembra
veneno que trazia num anel, Mônica Elisabeth Zanol dos Santos. A sua
obra, e, muito em particular, esta síntese
Por um momento ele pensou que poderia que é Toada do Esquecido & Sinfonia

228 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Equestre, constitui uma revolução Esquecido. A sua voz, abrupta como um
estética e ideológica que dialoga com corte, vertiginosa, irónica, provocadora,
Mário de Andrade, Carlos Drummond não acaba no final desta secção (de que
de Andrade, os romancistas da década transcrevemos menos de metade); as
de 30 ou com «um escritor de excepção contínuas leituras que cada frase suscita,
como Guimarães Rosa» (2010, p. 97). por não começarem nem terminarem
O cruzamento de técnicas e recursos de modo inequívoco, prolongam este
origina uma enunciação dinâmica, discurso indefinidamente.
interpelativa. Uma passagem como esta, Os problemas ecológicos e os
enérgica e performativa, mostra bem problemas humanos que se lhe associam
como este autor sabe praticar a estética não são apenas problemas científicos e
de vanguarda: tecnológicos; são também uma questão
sociocultural, moral e ética, a que livros
– Feriado: o Horror do Mundo: ruas de óleo como Toada do Esquecido & Sinfonia
e gasolina tempo morboso horas doentias Equestre podem dar uma dimensão
caras sorridentes passam na velocidade pública, política e judicial. O contributo
das rodas alegres felizes grande rumor da crítica literária, em especial da
feliz destes burgueses em caras como ecocrítica, pode ser decisivo para o
pastelões com arroto de cerveja bife e equacionamento em larga escala dos
farofa pacus assados churrascos galinhas desafios ecológicos e éticos. A literatura
fritas as caras deles estão transparentes e implícita ou explicitamente ecocêntrica
brilham como o fundo levemente verde desenvolveu sempre a nossa literacia
de uma garrafa de cerveja sol de vidro ecológica e filosófica. Hoje, através da
fosco o Sol se parece levemente com um ecocrítica, o impacto ecológico e cultural
grande sapato vermelho que pisasse os deste diálogo pode e deve ser ainda
horizontes esmagando os insetos e eles maior.
dizem: que grande sapato que está nos Toada do Esquecido e Sinfonia
pisando deixa que as horas passem deixa Equestre, apesar da visão negativa da
que o dia passe deixa que a semana corra vida e do ser humano, dizem-nos que a
que o mês transcorra que o ano voe que o literatura pode participar na construção
século deslize que o silêncio se foda deixe de um mundo novo. A solução para os
que o Sol esmague os insetos aqui nesta problemas ambientais está na ciência,
rede atravesso dias e noites horas e horas mas não está menos no pensamento,
– barca do dia – e nessa cama atravessei nas atitudes e na cultura que aplica os
as noites sem ver o Sol voando passando conhecimentos científicos e com eles se
o dia vendo apenas Deus no meu coração transforma. Se cada um de nós assumir
quando silêncio poeira dos dias lusco- cada vez mais valores e comportamentos
fusco das noites de tanto esquecimento ecológicos, podemos acreditar no futuro
que se vão para onde? E aonde vou nesta da Terra e no futuro de um dos seus
barca de olhos fechados de noite de animais: o Homem. A última frase do livro
olhos abertos de dia para onde vou? (…). Libertação Animal, de PETER SINGER,
(DICKE, 2006, p. 76). é, a este propósito, muito sugestiva: «A
forma como respondemos coletivamente
A sequência, extensa, sem qualquer a esta questão depende da forma como
pontuação entre algumas frases cada um, individualmente, lhe responde»
interrogativas, é, em si mesma, uma (2008, p. 232).
resistência às leis da ordem e da Em Portugal, no Brasil e nos outros
gramática. Trata-se de uma fala do países de língua portuguesa, não
Cavaleiro, a personagem que se ouve mais existe ainda uma tradição de análise
vezes desde a primeira frase de Toada do literária que considere a capacidade

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 229


de a literatura tratar articuladamente JACOBI, Jolande S. The psychology of C.
questões relacionadas com os G. Jung: an introduction with illustrations.
ambientes humano e não humano. Há Forward of C. G. Jung. 8th ed. New Haven:
muitas convenções e preconceitos que Yale University Press, 1976. 166 p.
impedem a compreensão da vertente MATOS, Mônica E. Z. de. Lição de síntese: uma
ambiental de inúmeros textos literários. leitura de “Toada do Esquecido” de Ricardo
Daí a importância deste romance de Guilherme Dicke, 2010. 121 f. Dissertação
Ricardo Guilherme Dicke e da escassa (Mestrado em Estudos Literários, Culturais
crítica literária que tem contribuído para e Interartes, especialidade de Literaturas de
a divulgação deste autor. Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras,
Universidade do Porto, Porto.
referêncIaS MIGUEL, Gilvone F. O entre-lugar das
BAKHTIN, Mikhail. Rabelais and his world. oposições no sertão: um estudo do romance
Bloomington and Indianapolis: Indiana “Madona dos Páramos”, 2001. Dissertação
University Press, 1984. 484 p. (Mestrado em Letras e Linguística) –
BARBOSA, Everton A. A transculturação na Faculdade de Letras, Universidade Federal de
narrativa de Ricardo Guilherme Dicke, 2006. Goiás, Goiânia.
124 f. Dissertação (Mestrado em Estudos _______________. O imaginário mato-
de Linguagem) – Instituto de Linguagens, grossense nos romances de Ricardo
Universidade Federal de Mato Grosso, Guilherme Dicke, 2007. Tese (Doutorado em
Cuiabá, 2006. Letras e Linguística) – Faculdade de Letras,
DICKE, Ricardo G. Deus de Caim. Rio de Universidade Federal de Goiás, Goiânia.
Janeiro: Edinova, 1968. SINGER, Peter (1975). Libertação animal. 2.ª
_______________. O salário dos poetas. ed. Porto: Via Ótima, 2008.
Cuiabá: Edição do Autor, 2000.
_______________. Toada do esquecido &
Sinfonia equestre. Cuiabá: Carlini & Caniato (enDnoteS)
/ Cathedral Publicações, 2006. 1 Apocalipse (16 – 1), in Novo
________________. Madona dos páramos. Testamento.
2.ª ed. Cuiabá: Carlini & Caniato / Cathedral 2 “1. Mostrou-me então o anjo um
Publicações, 2008. 474 p. rio de água viva resplandecente como
ELIADE, Mircea. Images and symbols: studies cristal de rocha, saindo do trono de Deus
in religious symbolism. New York: Sheed & e do Cordeiro. 2. No meio da avenida e
Ward, 1961. 192 p. às duas margens do rio, achava-se uma
GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (eds.). árvore de vida, que produz doze frutos,
Ecocriticism reader: landmarks in literary dando cada mês um fruto, servindo as
ecology. Athens / Georgia: University of folhas da árvore para curar as nações”
Georgia Press, 1996. (Apocalipse, 22, in Novo Testamento).
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução
de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes,
1989.

230 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


humor e IronIa no conto teorIa Do
meDalhão , De m achaDo De a SSIS
Paulo céSar carneIro loPeS
reSumo
No conto Teoria do medalhão temos a paródia de um discurso pedagógico, em que o
pai ensina, a partir de sua experiência, como o filho deve agir para triunfar na vida. No
conto, há uma inversão dos valores que seriam próprios deste discurso: o pai ensina o
filho a não pensar, a não questionar, para assim, renunciando ao ser pessoa, triunfar em
um mundo cruel.

PalaVraS-chaVe
Conto; Machado de Assis; Teoria do medalhão; Ironia; Chalaça.

aBStract
In the tale Medallion Theory have the parody of a pedagogical discourse, where the fa-
ther teaches, from your experience, how the child should act to succeed in life. In the tale,
there is an inversion of values that would own this speech: the father teaches the child
not to think, not to question, thus, giving up being a person, triumph in a cruel world.

KeYWorDS
Tale; Machado de Assis; Medallion theory; Irony; Pun.

No conto Teoria do medalhão, temos pelo fato de, no conto em questão, o


a divertida estória de um pai que, para pai estar ensinando ao filho justamente
ajudar o filho a vencer na vida, ensina- a renunciar a ser pessoa, abrir mão de
lhe um caminho que, a ser seguido, fará qualquer valor autêntico, para poder se
dele um verdadeiro idiota. Posto assim dar bem em uma sociedade perversa
de forma reduzida, o conto pode parecer onde, na prática, é proibido pensar e
um contrassenso, no entanto, o que aspirar por valores mais altos.
Machado busca mostrar é a necessidade Trata-se de um conto bastante singular,
que aquele moço teria de abrir mão de por várias razões. E estas singularidades,
qualquer pensamento crítico, até mesmo normalmente, aumentam a ironia já
de qualquer pretensão de autonomia, se indicada, presente no enredo. O próprio
quisesse triunfar naquele mundo. Há, título traz em si uma autocontradição
na verdade, uma profunda ironia que que faz dele um título extremamente
se dá pela própria lógica do enredo. irônico. Poderíamos entendê-lo, em um
Há neste, uma paródia de um processo primeiro momento, como se ele falasse
educacional, em que pai, provido de uma da teoria produzida por um medalhão, o
sabedoria advinda de sua experiência, que seria contraditório pelo fato de que o
busca instruir o filho para que este medalhão, como o conto o diz, tem como
possa, guiado por esta, realizar-se como uma de suas principais características o
individuo. A dimensão paródica se dá fato de evitar qualquer pensamento um

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 231


pouco mais profundo; ele, portanto, como se sabe, é o Brasil do século XIX,
não poderia produzir nenhuma teoria. sociedade escravocrata, na periferia do
No entanto, quem está apresentando capitalismo. Nela, a condição dos seres
a teoria é o pai, que confessa – e isto humanos é profundamente determinada
também é muito irônico – não ter pelo sistema econômico, que tem
conseguido desenvolver a imbecilidade como eixo estrutural os senhores de
necessária para tornar-se um verdadeiro escravos, que são os donos dos meios
medalhão, provavelmente por falta de de produção – exatamente os escravos
instruções de um pai prestimoso. Mas e as terras – e os próprios escravos que,
mesmo sendo do pai, não deixa de ser ao contrário dos trabalhadores do centro
altamente irônica a ideia de uma teoria do capitalismo, não apenas vendem sua
sobre a necessidade de se aprender a força de trabalho, mas são radicalmente
não pensar. alienados e eles próprios transformados
A ironia continua com o subtítulo, em coisa – do ponto de vista do sistema
ou, mais precisamente, com a indicação – pela própria escravidão.
do gênero do texto que, de fato, É dentro da lógica perversa desta
rigorosamente falando, não é um conto, sociedade que as duas personagens
mas um diálogo; e é isto que vem machadianas vivem. Elas não são
indicado logo abaixo do título. O conto, escravos, como se percebe logo de
como se sabe, é um gênero narrativo, saída, mas também não são senhores
no entanto, neste, especificamente, de escravos, como podemos ver, com
não há narrador. Não há no texto uma um mínimo de esforço, também no
voz narrativa nem mesmo para indicar início do conto, pelas palavras do pai
uma localização ou qualquer ação dos dirigidas ao filho: Vinte e um anos,
personagens. Não há nem mesmo algumas apólices, um diploma, podes
rubricas que cumpram tal função. Todas entrar no parlamento, na magistratura,
as informações nos são dadas por duas na imprensa, na lavoura, na indústria,
vozes: a de um pai que ensina, a de um no comércio, nas letras ou nas artes.
filho que aprende. E o curioso – e, não Não estão nem na ponta nem na base
custa insistir, irônico – é que, como da periferia; e isto é fundamental para
procurarei demonstrar mais adiante, este entendermos o discurso do pai. Eles
conto sem narrador pode nos ajudar a pertencem ao rol dos livres e pobres.
entender o narrador machadiano. Mas a Há diversas gradações entre estes; há
brincadeira vai ainda mais longe, pois, de aqueles que, de tão pobres, estão quase
novo, rigorosamente falando, o texto não na mesma situação que os escravos,
é um diálogo. Normalmente pensamos como Clara e Cândido Neves, do conto
no tratado discursivo, expositivo, Pai contra mãe, que, sem contar com
como forma própria de apresentação apólices ou diplomas, só podem aspirar
das teorias; há, no entanto, como se a empregos desvalorizados e mal
sabe, alguns clássicos do pensamento remunerados, e há estes, como o Janjão,
– lembremos antes de tudo de Platão – o filho em questão, que, mais do que
que as apresentam por meio do diálogo. a bons empregos, podem aspirar por
No caso de nosso conto, podemos dizer uma verdadeira ascensão social, tendo
que não se trata propriamente de um mesmo a possibilidade de mudar de
diálogo pelo fato de apenas o pai falar; classe, passando a fazer parte – para
o filho limita-se a breves concordâncias usarmos uma imagem do conto – daquele
e perguntas que não chegam a interferir pequeno número dos ganhadores da
no ensinamento do mestre. loteria da vida. De qualquer forma, no
A sociedade a que o pai se refere, tempo do conto, eles são homens livres

232 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


e pobres dentro daquela sociedade figura literária. O filho pergunta ao pai
escravocrata. Não estão, portanto, no se um medalhão não deve rir, ao que o
eixo econômico que a sustenta. Do pai, respondendo com grande humor e
ponto de vista da sociedade capitalista, ironia, apresenta uma divertida definição
que se torna uma espécie de deus em desta complexa figura. Vejamos:
função do qual os seres humanos devem -Também ao riso?
viver – e morrer, já que um falso Deus - Como ao riso?
é um ídolo e exige sacrifícios humanos - Ficar sério, muito sério...
–, eles são seres inúteis. A sociedade, - Conforme. Tens um gênio folgazão,
como já ensinava o mestre da Galileia, prazenteiro, não hás de sofreá-lo nem
deveria existir para os seres humanos e eliminá-lo; podes brincar e rir alguma vez.
não o contrário, mas como na sociedade Medalhão não quer dizer melancólico.
capitalista de então – e infelizmente Um grave pode ter seus momentos de
ainda na de hoje – não é isto que se expansão alegre. Somente, - e este ponto
dá; eles tornam-se pessoas, ou coisas, é melindroso...
desnecessárias. E é este processo de - Diga.
reificação que determina todo o discurso - Somente não deves empregar a
do pai. ironia, este movimento ao canto da
O pai não critica a sociedade, pelo boca, cheio de mistérios, inventado por
contrário, naturaliza-a, afirmando ser a algum grego da decadência, contraído
lógica da vida o que, de fato, é apenas por Luciano, transmitido a Swift e
a lógica daquele mundo. Este processo Voltaire, feição própria dos céticos e
de naturalização do real é algo constante desabusados. Não. Usa antes a chalaça,
na obra do Machado da segunda fase. a nossa boa chalaça amiga, gorducha,
Usando diversas imagens, como a mais redonda, franca, sem biocos nem véus,
famosa de todas, a dos dois exércitos que se mete pela cara dos outros, estala
postados para a batalha, disputando como uma palmada, faz pular o sangue
o campo de batatas, apresentada por nas veias, e arrebentar de risos os
Quincas Borba em Memórias póstumas suspensórios. Usa a chalaça.
de Brás Cubas. Para explicar ao filho o que ele, como
Todas elas, parece-me, são medalhão, deverá fazer no que se refere
profundamente irônicas e, como tais, à questão do humor – entendendo
deveriam nos levar a pensar que o que este no seu sentido mais genérico, que
Machado está fazendo é exatamente engloba diversas formas – o pai acaba
criticar esta visão de mundo, tão perversa fazendo uma interessante distinção
e autoritária. É verdade que em outras entre dois tipos extremados: a ironia e a
obras machadianas há uma ambiguidade chalaça. A ironia, um medalhão não deve
que muitas vezes nos leva a pensar que usar nunca; já a chalaça, sim, pode ser
o Autor, embora lamentando, realmente usada por este. E o motivo é bem claro:
veja o homem e a vida desta forma, a ironia pressupõe inteligência, reflexão;
sendo sua obra, assim, uma expressão a chalaça não, ela é evidente, provoca o
de desencanto e desesperança. riso fácil, que não exige nenhum esforço
No entanto, partindo da ironia, pode- de inteligência para ser compreendida.
se fazer uma leitura diferente. A ironia, A ironia, como diz o pai, tende mais a
na verdade, é uma figura ambígua, provocar aquele sorriso no canto da
que, muitas vezes, não deixa clara a boca do que a gargalhada. A ironia, como
posição do texto com relação à matéria se sabe, traz consigo uma crítica. Ela
tratada. No próprio texto em questão pressupõe um pacto contra uma vítima;
há uma divertida reflexão sobre esta sendo que esta – pessoa ou situação – é

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 233


criticada justamente por estar fora de ostensivo que é impossível não perceber
um padrão que, se esperaria, ela deveria o que há de negativo nesta visão.
seguir. Para reforçar esta ideia, é interessante
É verdade que se pensarmos nos destacar que, neste conto, o tipo de
autores que ele cita nominalmente como ironia que predomina não é aquela
aqueles que o filho não deveria imitar sutil, tão presente na maior parte da
– e que, pela lógica da inversão irônica obra madura de Machado, mas sim
do conto são aqueles com quem o autor uma zombaria ostensiva, sem espaço
se identifica – poderíamos talvez falar para afeto ou simpatia. O Janjão deste
em uma crítica sem esperanças e, sem conto não tem a complexidade de outras
dúvida, há algo em comum entre eles e figuras machadianas, é uma verdadeira
Machado. Mas no autor do Cosme Velho caricatura. É como tal que nos revela,
há outros aspectos. Basta lembrar que de forma evidente e sem margens, os
Pascal, por exemplo, tão detestado por mecanismos daquela sociedade. Nele, a
Voltaire, era leitura dileta de Machado, ironia com que é apresentado o discurso
chegando este a dizer que não o lia por do pai é tão evidente que o desmascara
divertimento, mas por necessidade. De desde o início. Podemos, portanto, dizer
qualquer forma, o que mais importa não que, neste texto, há realmente uma
é a intenção em si do autor, mas o que o condenação das práticas sociais daquele
texto de fato diz. E a partir do texto, como mundo revelado pelo discurso do pai.
já foi indicado, pela lógica irônica que o *
atravessa de ponta a ponta, o fato é que Posteriormente, pretendo escrever
tudo o que o pai indica ao filho deve ser uma análise minuciosa do conto, por
entendido praticamente em seu sentido meio da apresentação de sua estrutura
inverso. Quando o pai diz: usa a chalaça e de uma leitura atenta do conteúdo da
e não a ironia, deve-se entender que a longa exposição do pai, que é, no fundo
boa literatura usará preferencialmente a uma longa reflexão sobre o ser-humano
ironia e não a chalaça; e o mesmo vale e relações que o determinam, de modo
para todas as demais asserções do pai. muito específico no mundo moderno,
Sem olharmos, no momento, para em sua periferia, no Brasil do século XIX.
a especificidade de cada uma destas Agora, vou apenas apresentar uma rápida
asserções, podemos afirmar que, no reflexão sobre como este conto pode
geral, todas são feitas em função de nos ajudar a entender os narradores
um único fim: levar o filho a tornar-se machadianos. Como demonstrou
um medalhão para triunfar naquela Roberto Schwarz, há algo de comum
sociedade. Podemos dizer isto em entre todos os narradores da primeira
outras palavras: abrir mão de qualquer e entre todos os narradores da segunda
pensamento crítico, imbecilizar-se, fase de seus romances e contos, apesar
para adaptar-se a uma sociedade cruel de todas as diferenças. Os da primeira,
e autoritária, que massacra a maioria representam o ponto de vista do homem
das pessoas para o benefício de alguns livre e pobre; os da segunda, são todos
poucos; o importante não é mudar esta representantes das classes dominantes.
situação – o pai, como já o dissemos, Ora, o pai do nosso conto, apesar
a dá como natural, imutável –, o de livre e pobre, é muito diferente dos
importante, afirma ele ao filho, é estar narradores da primeira fase. Ele percebe
entre os poucos vencedores, os poucos mais profundamente a lógica perversa
beneficiados, ainda que, para isto, seja que estrutura aquele universo: o poder e
preciso se esvaziar de sua humanidade. a astúcia como determinantes de quase
No conto, isto é mostrado de modo tão todas as relações humanas. Ele está,

234 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


destarte, em um ponto equidistante dos a seguinte relação. Os “príncipes”,
dois focos narrativos. representantes que são das classes
O caminho do medalhão é, na dominantes, agem assim, como homens,
verdade, o caminho que ele indica a seu leões, raposas. Os medalhões, ou
filho – homem livre e pobre, que, como candidatos a tais, não tendo o poder
tal, não pode vencer pela força, como próprio dos que estão no topo da
leão – para que este, efetivamente, pirâmide, têm de renunciar ao modo
triunfe naquele mundo: o caminho da próprio daqueles, contentando-se com o
astúcia, da raposa. modo raposa, abrindo mão não apenas
O texto se fecha com uma divertida do ser leão, mas, o que é mais grave, até
afirmação do pai: Guardadas as mesmo do ser homem.
proporções, a conversa desta noite Os narradores da primeira fase,
vale O príncipe de Machiavelli. Em uma embora desiludidos, tentam mostrar um
primeira leitura, esta é apenas mais modo de viver com dignidade naquele
uma daquelas afirmações arbitrárias mundo. Os da segunda, do ponto de vista
e arrogantes, típicas dos narradores dos poderosos, embora entendendo
machadianos da segunda fase (sempre em parte os mecanismos perversos
lembrando que o pai do conto não daquela sociedade, buscam legitimá-la
é um deles, sendo de outra classe alegremente: o importante é você estar
social). Em Brás Cubas, por exemplo, do lado certo, o lado do cabo do chicote
só para pegarmos o caso mais famoso, e não o da ponta, como diz uma de suas
o narrador se compara, entre outros, personagens. O pai de Janjão, estando
com Moisés, na época considerado o no meio do caminho, busca indicar ao
escritor do Pentateuco, conjunto dos filho um jeito de passar, definitivamente,
cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica. para o lado dos vencedores, para assim,
Ele se compara com o autor da Bíblia, ganhando o mundo, poder ao menos
e ainda dá vantagem para si. No conto se divertir nele, apesar de toda sua
em questão, sem deixar de ser isto, é perversidade, apesar do preço a pagar: a
também mais que isto. Como se sabe, perda de sua própria alma.
no seu livro mais famoso, Maquiavel
afirma que o príncipe, os dirigentes, referêncIaS
devem combater como homens e como BOSI, Alfredo. Brás Cubas em três versões –
animais. Para lidar com as leis, usa-se o estudos machadianos. Ática: São Paulo, 2006.
modo de homem, mas, como este modo _____. Machado de Assis, o enigma do olhar.
não é suficiente, é preciso conhecer Ática: São Paulo, 1999.
também o modo dos animais, usando Alfredo Bosi et alii. Machado de Assis. Ática:
os recursos próprios a estes. E, sempre São Paulo, 1982.
segundo o pensador italiano, os dois Machado de Assis, J.M.M. Obra completa. 4v.
animais próprio aos príncipes são o Nova Aguilar, 2008.
leão, que usa a força diretamente e, por SCHWARZ, Roberto. Machado de Assis, um
meio dela, vence qualquer adversário mestre na periferia do capitalismo. Duas
com o qual se confronte, e a raposa, Cidades/34: São Paulo, 1998.
que, embora não consiga confrontar _____ Ao vencedor as batatas – forma
o lobo, sabe escapar, pela astúcia, das literária e o processo social nos inícios do
armadilhas que conseguem prender o romance brasileiro. S. Paulo: Editora 34, 2012.
leão. Este é o famoso realismo político
maquiavélico, passível, como se sabe, de
diversas interpretações. Teoria do Medalhão, de Machado de Assis
No uso feito por Machado, temos Fonte:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 235


ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de aceitar as coisas integralmente, com seus
Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II. ônus e percalços, glórias e desdouros, e
Texto proveniente de: ir por diante.
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro - Sim, senhor.
<http://www.bibvirt.futuro.usp.br> - Entretanto, assim como é de boa
A Escola do Futuro da Universidade de São economia guardar um pão para a velhice,
Paulo assim também é de boa prática social
Permitido o uso apenas para fins educacionais. acautelar um ofício para a hipótese de
que os outros falhem, ou não indenizem
teorIa Do meDalhão suficientemente o esforço da nossa
DIálogo ambição. É isto o que te aconselho hoje,
dia da tua maioridade.
- Estás com sono? - Creia que lhe agradeço; mas que
- Não, senhor. ofício, não me dirá?
- Nem eu; conversemos um pouco. - Nenhum me parece mais útil e cabido
Abre a janela. Que horas são? que o de medalhão. Ser medalhão foi o
- Onze. sonho da minha mocidade; faltaram-me,
- Saiu o último conviva do nosso porém, as instruções de um pai, e acabo
modesto jantar. Com que, meu peralta, como vês, sem outra consolação e relevo
chegaste aos teus vinte e um anos. Há moral, além das esperanças que deposito
vinte e um anos, no dia 5 de agosto de em ti. Ouve-me bem, meu querido filho,
1854, vinhas tu à luz, um pirralho de ouve-me e entende. És moço, tens
nada, e estás homem, longos bigodes, naturalmente o ardor, a exuberância, os
alguns namoros... improvisos da idade; não os rejeites, mas
- Papai... modera-os de modo que aos quarenta
- Não te ponhas com denguices, e cinco anos possas entrar francamente
e falemos como dois amigos sérios. no regime do aprumo e do compasso.
Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas O sábio que disse: “a gravidade é um
importantes. Senta-te e conversemos. mistério do corpo”, definiu a compostura
Vinte e um anos, algumas apólices, um do medalhão. Não confundas essa
diploma, podes entrar no parlamento, na gravidade com aquela outra que, embora
magistratura, na imprensa, na lavoura, resida no aspecto, é um puro reflexo ou
na indústria, no comércio, nas letras ou emanação do espírito; essa é do corpo,
nas artes. Há infinitas carreiras diante de tão-somente do corpo, um sinal da
ti. natureza ou um jeito da vida. Quanto à
Vinte e um anos, meu rapaz, formam idade de quarenta e cinco anos...
apenas a primeira sílaba do nosso - É verdade, por que quarenta e cinco
destino. Os mesmos Pitt e Napoleão, anos?
apesar de precoces, não foram tudo aos - Não é, como podes supor, um limite
vinte e um anos. Mas qualquer que seja arbitrário, filho do puro capricho; é a
a profissão da tua escolha, o meu desejo data normal do fenômeno. Geralmente,
é que te faças grande e ilustre, ou pelo o verdadeiro medalhão começa a
menos notável, que te levantes acima manifestar-se entre os quarenta e cinco
da obscuridade comum. A vida, Janjão, e cinqüenta anos, conquanto alguns
é uma enorme loteria; os prêmios são exemplos se dêem entre os cinqüenta
poucos, os malogrados inúmeros, e com e cinco e os sessenta; mas estes são
os suspiros de uma geração é que se raros. Há-os também de quarenta anos,
amassam as esperanças de outra. Isto é a e outros mais precoces, de trinta e cinco
vida; não há planger, nem imprecar, mas e de trinta; não são, todavia, vulgares.

236 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Não falo dos de vinte e cinco anos: esse de retórica, ouvir certos discursos,
madrugar é privilégio do gênio. etc. O voltarete, o dominó e o whist
- Entendo. são remédios aprovados. O whist tem
- Venhamos ao principal. Uma vez até a rara vantagem de acostumar ao
entrado na carreira, deves pôr todo silêncio, que é a forma mais acentuada
o cuidado nas idéias que houveres da circunspecção. Não digo o mesmo
de nutrir para uso alheio e próprio. O da natação, da equitação e da ginástica,
melhor será não as ter absolutamente; embora elas façam repousar o cérebro;
coisa que entenderás bem, imaginando, mas por isso mesmo que o fazem
por exemplo, um ator defraudado do uso repousar, restituem-lhe as forças e a
de um braço. Ele pode, por um milagre atividade perdidas. O bilhar é excelente.
de artifício, dissimular o defeito aos - Como assim, se também é um
olhos da platéia; mas era muito melhor exercício corporal?
dispor dos dois. O mesmo se dá com as - Não digo que não, mas há coisas
idéias; pode-se, com violência, abafá-las, em que a observação desmente a teoria.
escondê-las até à morte; mas nem essa Se te aconselho excepcionalmente o
habilidade é comum, nem tão constante bilhar é porque as estatísticas mais
esforço conviria ao exercício da vida. escrupulosas mostram que três quartas
- Mas quem lhe diz que eu... partes dos habituados do taco partilham
- Tu, meu filho, se me não engano, as opiniões do mesmo taco. O passeio
pareces dotado da perfeita inópia nas ruas, mormente nas de recreio e
mental, conveniente ao uso deste nobre parada, é utilíssimo, com a condição de
ofício. Não me refiro tanto à fidelidade não andares desacompanhado, porque
com que repetes numa sala as opiniões a solidão é oficina de idéias, e o espírito
ouvidas numa esquina, e vice-versa, deixado a si mesmo, embora no meio da
porque esse fato, posto indique certa multidão, pode adquirir uma tal ou qual
carência de idéias, ainda assim pode não atividade.
passar de uma traição da memória. Não; - Mas se eu não tiver à mão um amigo
refiro-me ao gesto correto e perfilado apto e disposto a ir comigo?
com que usas expender francamente as - Não faz mal; tens o valente recurso
tuas simpatias ou antipatias acerca do de mesclar-te aos pasmatórios, em que
corte de um colete, das dimensões de toda a poeira da solidão se dissipa. As
um chapéu, do ranger ou calar das botas livrarias, ou por causa da atmosfera
novas. Eis aí um sintoma eloqüente, do lugar, ou por qualquer outra, razão
eis aí uma esperança, No entanto, que me escapa, não são propícias ao
podendo acontecer que, com a idade, nosso fim; e, não obstante, há grande
venhas a ser afligido de algumas idéias conveniência em entrar por elas, de
próprias, urge aparelhar fortemente o quando em quando, não digo às ocultas,
espírito. As idéias são de sua natureza mas às escâncaras. Podes resolver a
espontâneas e súbitas; por mais que as dificuldade de um modo simples: vai
sofreemos, elas irrompem e precipitam- ali falar do boato do dia, da anedota da
se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo semana, de um contrabando, de uma
faro é extremamente delicado, distingue calúnia, de um cometa, de qualquer
o medalhão completo do medalhão coisa, quando não prefiras interrogar
incompleto. diretamente os leitores habituais das
- Creio que assim seja; mas um tal belas crônicas de Mazade; 75 por cento
obstáculo é invencível. desses estimáveis cavalheiros repetir-
- Não é; há um meio; é lançar mão de te-ão as mesmas opiniões, e uma tal
um regime debilitante, ler compêndios monotonia é grandemente saudável. Com

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 237


este regime, durante oito, dez, dezoito causas possíveis, um estudo infinito
meses - suponhamos dois anos, - reduzes das aptidões do sujeito reformado, da
o intelecto, por mais pródigo que seja, à natureza do mal, da manipulação do
sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio remédio, das circunstâncias da aplicação;
comum. Não trato do vocabulário, matéria, enfim, para todo um andaime
porque ele está subentendido no uso das de palavras, conceitos, e desvarios. Tu
idéias; há de ser naturalmente simples, poupas aos teus semelhantes todo esse
tíbio, apoucado, sem notas vermelhas, imenso aranzel, tu dizes simplesmente:
sem cores de clarim... Antes das leis, reformemos os costumes!
- Isto é o diabo! Não poder adornar o - E esta frase sintética, transparente,
estilo, de quando em quando... límpida, tirada ao pecúlio comum,
- Podes; podes empregar umas resolve mais depressa o problema, entra
quantas figuras expressivas, a hidra pelos espíritos como um jorro súbito de
de Lerna, por exemplo, a cabeça de sol.
Medusa, o tonel das Danaides, as asas - Vejo por aí que vosmecê condena
de Ícaro, e outras, que românticos, toda e qualquer aplicação de processos
clássicos e realistas empregam sem modernos.
desar, quando precisam delas. Sentenças - Entendamo-nos. Condeno a
latinas, ditos históricos, versos célebres, aplicação, louvo a denominação.
brocardos jurídicos, máximas, é de bom O mesmo direi de toda a recente
aviso trazê-los contigo para os discursos terminologia científica; deves decorá-
de sobremesa, de felicitação, ou de la. Conquanto o rasgo peculiar do
agradecimento. Caveant consules é um medalhão seja uma certa atitude de
excelente fecho de artigo político; o deus Término, e as ciências sejam obra
mesmo direi do Si vis pacem para bellum. do movimento humano, como tens de
Alguns costumam renovar o sabor ser medalhão mais tarde, convém tomar
de uma citação intercalando-a numa as armas do teu tempo. E de duas uma:
frase nova, original e bela, mas não te - ou elas estarão usadas e divulgadas
aconselho esse artifício: seria desnaturar- daqui a trinta anos, ou conservar-se-ão
lhe as graças vetustas. Melhor do que novas; no primeiro caso, pertencem-te
tudo isso, porém, que afinal não passa de foro próprio; no segundo, podes ter
de mero adorno, são as frases feitas, a coquetice de as trazer, para mostrar
as locuções convencionais, as fórmulas que também és pintor. De outiva, com
consagradas pelos anos, incrustadas o tempo, irás sabendo a que leis, casos
na memória individual e pública. Essas se fenômenos responde toda essa
fórmulas têm a vantagem de não terminologia; porque o método de
obrigar os outros a um esforço inútil. interrogar os próprios mestres e oficiais
Não as relaciono agora, mas fá-lo-ei por da ciência, nos seus livros, estudos e
escrito. De resto, o mesmo ofício te irá memórias, além de tedioso e cansativo,
ensinando os elementos dessa arte difícil traz o perigo de inocular idéias novas,
de pensar o pensado. Quanto à utilidade e é radicalmente falso. Acresce que no
de um tal sistema, basta figurar uma dia em que viesses a assenhorear-te do
hipótese. Faz-se uma lei, executa-se, não espírito daquelas leis e fórmulas, serias
produz efeito, subsiste o mal. Eis aí uma provavelmente levado a empregá-las
questão que pode aguçar as curiosidades com um tal ou qual comedimento, como
vadias, dar ensejo a um inquérito a costureira esperta e afreguesada, - que,
pedantesco, a uma coleta fastidiosa segundo um poeta clássico, Quanto mais
de documentos e observações, análise pano tem, mais poupa o corte, Menos
das causas prováveis, causas certas, monte alardeia de retalhos; e este

238 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


fenômeno, tratando-se de um medalhão, Em semelhante caso, não só as regras da
é que não seria científico. mais vulgar polidez mandam aceitar o
- Upa! que a profissão é difícil! retrato ou o busto, como seria desazado
- E ainda não chegamos ao cabo. impedir que os amigos o expusessem em
- Vamos a ele. qualquer casa pública. Dessa maneira
- Não te falei ainda dos benefícios o nome fica ligado à pessoa; os que
da publicidade. A publicidade é uma houverem lido o teu recente discurso
dona loureira e senhoril, que tu deves (suponhamos) na sessão inaugural da
requestar à força de pequenos mimos, União dos Cabeleireiros, reconhecerão
confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, na compostura das feições o autor
que antes exprimem a constância do dessa obra grave, em que a alavanca do
afeto do que o atrevimento e a ambição. progresso e o suor do trabalho vencem
Que D. Quixote solicite os favores dela as fauces hiantes da miséria. No caso de
mediante, ações heróicas ou custosas, é que uma comissão te leve a casa o retrato,
um sestro próprio desse ilustre lunático. O deves agradecer-lhe o obséquio com um
verdadeiro medalhão tem outra política. discurso cheio de gratidão e um copo
Longe de inventar um Tratado científico d’água: é uso antigo, razoável e honesto.
da criação dos carneiros, compra um Convidarás então os melhores amigos,
carneiro e dá-o aos amigos sob a forma os parentes, e, se for possível, uma ou
de um jantar, cuja notícia não pode ser duas pessoas de representação. Mais. Se
indiferente aos seus concidadãos. Uma esse dia é um dia de glória ou regozijo,
notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes não vejo que possas, decentemente,
põe o teu nome ante os olhos do mundo. recusar um lugar à mesa aos reporters
Comissões ou deputações para felicitar dos jornais. Em todo o caso, se as
um agraciado, um benemérito, um obrigações desses cidadãos os retiverem
forasteiro, têm singulares merecimentos, noutra parte, podes ajudá-los de certa
e assim as irmandades e associações maneira, redigindo tu mesmo a notícia
diversas, sejam mitológicas, cinegéticas da festa; e, dado que por um tal ou qual
ou coreográficas. Os sucessos de certa escrúpulo, aliás desculpável, não queiras
ordem, embora de pouca monta, podem com a própria mão anexar ao teu nome
ser trazidos a lume, contanto que os qualificativos dignos dele, incumbe a
ponham em relevo a tua pessoa. Explico- notícia a algum amigo ou parente.
me. Se caíres de um carro, sem outro - Digo-lhe que o que vosmecê me
dano, além do susto, é útil mandá-lo ensina não é nada fácil.
dizer aos quatro ventos, não pelo fato em - Nem eu te digo outra coisa. É difícil,
si, que é insignificante, mas pelo efeito come tempo, muito tempo, leva anos,
de recordar um nome caro às afeições paciência, trabalho, e felizes os que
gerais. Percebeste? chegam a entrar na terra prometida!
- Percebi. Os que lá não penetram, engole-os a
- Essa é publicidade constante, obscuridade. Mas os que triunfam!
barata, fácil, de todos os dias; mas há E tu triunfarás, crê-me. Verás cair as
outra. Qualquer que seja a teoria das muralhas de Jericó ao som das trompas
artes, é fora de dúvida que o sentimento sagradas. Só então poderás dizer que
da família, a amizade pessoal e a estima estás fixado. Começa nesse dia a tua
pública instigam à reprodução das feições fase de ornamento indispensável, de
de um homem amado ou benemérito. figura obrigada, de rótulo. Acabou-
Nada obsta a que sejas objeto de uma tal se a necessidade de farejar ocasiões,
distinção, principalmente se a sagacidade comissões, irmandades; elas virão ter
dos amigos não achar em ti repugnância. contigo, com o seu ar pesadão e cru

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 239


de substantivos desadjetivados, e tu alforjes da memória. Em todo caso, não
serás o adjetivo dessas orações opacas, transcendas nunca os limites de uma
o odorífero das flores, o anilado dos invejável vulgaridade.
céus, o prestimoso dos cidadãos, o - Farei o que puder. Nenhuma
noticioso e suculento dos relatórios. E imaginação?
ser isso é o principal, porque o adjetivo - Nenhuma; antes faze correr o boato
é a alma do idioma, a sua porção de que um tal dom é ínfimo.
idealista e metafísica. O substantivo é a - Nenhuma filosofia?
realidade nua e crua, é o naturalismo do - Entendamo-nos: no papel e na língua
vocabulário. alguma, na realidade nada. Filosofia da
- E parece-lhe que todo esse ofício é história, por exemplo, é uma locução
apenas um sobressalente para os deficits que deves empregar com frequência,
da vida? mas proíbo-te que chegues a outras
- Decerto; não fica excluída nenhuma conclusões que não sejam as já achadas
outra atividade. por outros. Foge a tudo que possa cheirar
- Nem política? a reflexão, originalidade, etc., etc.
- Nem política. Toda a questão é não - Também ao riso?
infringir as regras e obrigações capitais. - Como ao riso?
Podes pertencer a qualquer partido, - Ficar sério, muito sério...
liberal ou conservador, republicano ou - Conforme. Tens um gênio folgazão,
ultramontano, com a cláusula única de prazenteiro, não hás de sofreá-lo nem
não ligar nenhuma idéia especial a esses eliminá-lo; podes brincar e rir alguma vez.
vocábulos, e reconhecer-lhe somente a Medalhão não quer dizer melancólico.
utilidade do scibboleth bíblico. Um grave pode ter seus momentos de
- Se for ao parlamento, posso ocupar expansão alegre. Somente, - e este ponto
a tribuna? é melindroso...
- Podes e deves; é um modo de - Diga...
convocar a atenção pública. Quanto à - Somente não deves empregar a
matéria dos discursos, tens à escolha: - ironia, esse movimento ao canto da
ou os negócios miúdos, ou a metafísica boca, cheio de mistérios, inventado por
política, mas prefere a metafísica. Os algum grego da decadência, contraído
negócios miúdos, força é confessá-lo, não por Luciano, transmitido a Swift e
desdizem daquela chateza de bom-tom, Voltaire, feição própria dos cépticos e
própria de um medalhão acabado; mas, desabusados. Não. Usa antes a chalaça,
se puderes, adota a metafísica; - é mais a nossa boa chalaça amiga, gorducha,
fácil e mais atraente. Supõe que desejas redonda, franca, sem biocos, nem
saber por que motivo a 7ª companhia de véus, que se mete pela cara dos outros,
infantaria foi transferida de Uruguaiana estala como uma palmada, faz pular o
para Canguçu; serás ouvido tão- sangue nas veias, e arrebentar de riso os
somente pelo ministro da guerra, que suspensórios. Usa a chalaça. Que é isto?
te explicará em dez minutos as razões - Meia-noite.
desse ato. Não assim a metafísica. Um - Meia-noite? Entras nos teus
discurso de metafísica política apaixona vinte e dois anos, meu peralta; estás
naturalmente os partidos e o público, definitivamente maior. Vamos dormir,
chama os apartes e as respostas. E que é tarde. Rumina bem o que te disse,
depois não obriga a pensar e descobrir. meu filho. Guardadas as proporções, a
Nesse ramo dos conhecimentos conversa desta noite vale o Príncipe de
humanos tudo está achado, formulado, Machiavelli. Vamos dormir.
rotulado, encaixotado; é só prover os FIM

240 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


InterfaceS Da narratIVIDaDe: raStroS Do
humor em B artleBY , De h erman m elVIlle
Vera BaStazIn
reSumo
O presente trabalho elege como objeto de estudos uma publicação específica da obra
Bartleby, o escrivão – uma história de Wall Street, de Herman Melville (2005). A partir de
observações sobre a maneira curiosa como a obra se apresenta, nesta edição, levanta-
mos a indagação: haveria consonância entre a forma como o livro se apresenta ao leitor
e sua narrativa propriamente dita? A hipótese formulada é a de que a maneira como o
livro se apresenta antecipa o seu conteúdo narrativo. Nesta perspectiva, outra hipótese
ainda se coloca: o intrigante enredo se inscreve sob um veu sútil que tece seus fios entre
o sério e o humor.

PalaVraS-chaVe
Ironia; Humor na Literatura; Bartleby; Herman Melville; Riso.

aBStract
This article elects as the subject of study a specific publication of the work Bartleby,
The Scrivener - a Wall Street story, of Herman Melville (2005). From observations on the
curious manner in which the work appears, in this edition, we raise the question: would
there be consonance between the way the book is presented to the reader and the nar-
rative itself? The hypothesis formulated is that the book’s presentation foreshadows its
narrative content. From this perspective, yet another hypothesis arises: the intriguing
plot falls under a subtle veil that weaves its thread between seriousness and humor.

KeYWorDS
Irony; Humor in the Literature; Bartleby; Herman Melville; Riso.

Frente às prateleiras de uma livraria, composição enquanto objeto de leitura1.


um volume específico chama nossa Esse encontro com o inesperado atrai-
atenção: fechado em celofane, o livro nos, também, evidentemente, pelo autor
tem uma aparência um tanto artesanal. da obra. Afinal, para aqueles que tenham
Sua capa, rústica, parece ser em papel relativa proximidade com a literatura, é
reciclável; suas páginas são sustentadas significativo o nome de Herman Melville,
por costuras aparentes, grosseiramente autor do clássico Moby-Dick, a baleia
marcadas em linha vermelha e verde, branca, de 1851.
respectivamente em suas laterais direita O livro Bartleby, o escrivão (1853),
e esquerda. Então, como abri-lo? Para capturou-nos a atenção. Retirado da
manuseá-lo, não há alternativa senão prateleira, confirma-se sua proposta
comprá-lo, retirar o celofane protetor, e artesanal, pois o leitor é convidado a
atuar como alguém que participa de sua descosturar a capa, puxando uma linha

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 241


vermelha - que estaria lacrando a obra sua morte, um romance inédito - Billy
-, para então poder cortar as páginas, Budd - é encontrado numa lata e, então,
não refiladas, com uma espátula publicado. Posteriormente, a obra é
plástica que se encontra junto ao livro. adaptada para a ópera, para o teatro e
A capa verde, em papel reciclável, tem para o cinema. Melville escreveu ao todo
costuras expostas e arremates visíveis 11 Romances e 07 contos, destacando-se
pela margem esquerda de forma um dentre os primeiros Moby-Dick, a baleia
tanto grosseira. À margem direita branca e, entre os segundos, Bartleby,
permanecem os furos da costura desfeita o Escrivão - conto apontado por Jorge
para a abertura do livro – um pontilhado Luis Borges como uma das obras
que deixou o rastro de um trabalho precursoras de Kafka. A presente edição
realizado, agora, pelo leitor surpreso do conto reabre - por sua apresentação
com a proposta pouco singular. Assim, singular - o caso do escrivão da Wall
aos poucos, chega-se à obra e tem-se Street que tem sido estudado, ao
acesso a sua narrativa emparedada entre longo dos tempos, por diferentes áreas
páginas cinzentas que sugerem muros, do conhecimento, destacando-se a
talvez em concreto, indicando a frieza filosofia, as ciências sociais, a psicologia,
de um espaço estéril; talvez, quase sem além, evidentemente, das diversas
vida. perspectivas da crítica literária.
Observado esse conjunto de
características, a pergunta é inevitável: o a comPoSIção narratIVa
que pretende um livro que se apresenta Bartleby, título da obra, é o nome do
como este, em pleno decorrer do século protagonista do conto; alguém que se
XXI, quando o papel requintado e a candidata e é aceito para compor uma
impressão de qualidade eletrônica já são equipe num escritório de negócios, cujo
rotina e sofisticação de acesso fácil em proprietário é quem assume, desde o
qualquer livraria? À questão formulada, início, a narração do texto:
outra se impõe: haveria consonância
entre a forma como o livro se apresenta Sou um homem de certa idade [...]
ao leitor e sua narrativa propriamente um homem que desde a juventude
dita? sempre teve a mais firme convicção
A partir dessas duas problematizações, de que a forma de vida mais fácil é a
levantamos a hipótese de que a maneira melhor [...], embora numa profissão
como o livro se apresenta fala ou tradicionalmente agitada e nervosa, ou
antecipa o seu conteúdo narrativo. Nesta até mesmo tumultuada, nunca deixei
linha de investigação, outra hipótese que os problemas perturbassem a minha
ainda se coloca: o intrigante enredo se paz. Sou um daqueles advogados pouco
inscreve sob um veu sutil que tece seus ambiciosos, que nunca se dirigem a um
fios entre o sério e o humor. júri e nunca conseguem arrancar aplausos
do público [...] um homem extremamente
o eScrItor e SuaS PrIncIPaIS ProDuçõeS – meticuloso. (MELVILLE, 2005, p.1)
alguma Informação
Herman Melville (1819-1891) nasceu A auto apresentação do narrador
em Manhattan, Nova Iorque, foi escritor, oferece, entre traços de sua
poeta e ensaísta. Teve grande sucesso personalidade e seu modo de ser,
no início de sua carreira, todavia, sua algumas pistas falsas que só o desenrolar
popularidade foi decaindo ao longo dos da narrativa revelarão. Se de um lado, a
anos. Faleceu quase completamente composição textual cuidadosa apontará
esquecido, sem conhecer o sucesso de sua para um narrador extremamente
mais importante obra, o romance Moby detalhista, confirmando o homem
Dick, a baleia branca. Trinta anos após meticuloso, por outro, a forma de vida

242 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


fácil e a preservação da paz, não se que sua história seja contada, é, afinal, o
revelarão como traços reais deste ser mais estranho que conheceu ou de quem
narrativo. ouviu falar.
Entremeada à auto apresentação, o Palavras bem escolhidas, construções
narrador, logo à entrada do conto, indica frasais breves e tom de suspense vão
seu objeto de atenção para o desenrolar construindo certo impacto e curiosidade
narrativo: sobre a figura da personagem, antecipada
no título, mas resguardada, ainda, nas
A natureza de minha ocupação nos primeiras páginas. O narrador opta por
últimos trinta anos fez com que eu apresentar-se, conforme citação anterior
tivesse um contato pouco comum com – homem tranquilo, relativamente bem
certo grupo de homens aparentemente sucedido, de vida pouco fatigante, adepto
interessantes e um tanto diferentes, a da paz -; além de indicar seu espaço, seu
respeito dos quais nada, que eu saiba, entorno e seus employés (MELVILLE,
jamais foi escrito... Refiro-me aos 2005, p.1) em suas funções. Poder-se-
copistas ou escrivães. Conheci vários ia dizer que, narrador e ambientação
deles, nos negócios e em particular, e se tomam seus devidos lugares na narrativa
quisesse poderia contar muitas histórias para só então fazer entrar em cena a
que fariam sorrir os homens de boa personagem protagonista. Vejamos as
índole e chorar as pessoas sentimentais. primeiras apresentações:
Mas abri mão da biografia de todos os
outros escrivães para contar algumas [...] a minha primeira virtude era a
passagens da vida de Bartleby, que foi o prudência, e [...] a segunda o método
mais estranho de todos os escrivães que [...] O meu escritório ficava no andar de
jamais encontrei ou ouvi falar (MELVILLE, cima da Wall Street [...] de um lado via-
2005, p.1) se a parede branca [...] minhas janelas
comandavam uma visão desobstruída
Assumindo, deliberadamente, o de uma parede alta de tijolos escurecida
papel de um contador de histórias, esse pelos anos e pela sombra permanente
narrador, que se auto atribui certas [...] entre essa parede e a minha uma
características que serão colocadas enorme cisterna quadrada. [...] Na época
em xeque, ao longo do conto, avança que antecedeu a chegada de Bartlebly,
também em relação ao leitor e abre eu tinha no meu trabalho duas pessoas
espaço para o levantamento de dúvidas como copistas e um jovem promissor
em relação ao seu perfil. Poderíamos como contínuo. O primeiro Turkey, o
dizer que, entre suas falas e suas ações segundo Nippers e o terceiro Ginger Nut.
instauram-se brechas que vão conferindo (MELVILLE, 2005, p.2)
instabilidade ao tecido narrativo.
Assim, ao entrar no conto, já nas Um narrador meticuloso compõe a
primeiras linhas, o leitor sente-se refém narrativa, deixando transparecer seu
deste hábil contador de histórias. O método de composição e construindo o
estranhamento que o acometeu, no leitor que almeja para o seu conto. Nessa
primeiro contato com o livro, enquanto perspectiva, apresenta a si mesmo,
objeto, também o atinge, neste compõe o cenário, traz as personagens e,
momento, frente à declaração sobre só, posteriormente, fará entrar em cena
o contato do narrador com grupos de o protagonista em suas ações.
homens aparentemente interessantes Turkey - um inglês baixinho e obeso
e diferentes, sobre os quais nada foi (p.3), cujas roupas pareciam gordurosas
escrito, mas suas histórias poderiam fazer e cheiravam a comida. Vestia roupas
sorrir ou chorar. Entre todos os escrivães largas e amarrotadas no verão. Os
conhecidos, Bartleby, o escolhido para paletós eram execráveis; o chapéu não se

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 243


podia nem tocar (p.5) - traz, de imediato, Nippers, o segundo copista, diferente
um contraponto entre ser inglês e, ao de Turkey, é apresentado como um
mesmo tempo ser gordo, de estatura funcionário jovem e ambicioso, mas, nem
baixa e vestir-se de forma deplorável por isso com características profissionais
– características que, em princípio, se ou pessoais mais adequadas ao perfil de
contrapõem ao protótipo do homem alguém que trabalhasse em um escritório
inglês visto como magro, esguio e bem de negócios na Wall Street. Ao dizer, logo
vestido. O discurso das apresentações, de início, que ele era parecido com um
desde o início, já se inscreve com tons de pirata (MELVILLE, 2005, p.4), o narrador
ironia, ou seja, um discurso segundo que cria, no leitor, uma expectativa de
se sobrepõe ao primeiro. Caracterizando alguém esperto, ágil, traiçoeiro e, acima
ainda melhor a personagem, o narrador de tudo, que busca, incessantemente,
acrescenta: riquezas por meios ilícitos. Em relação a
essa personagem, o narrador afirma:
Pode-se dizer que, pela manhã, seu rosto
tinha um matiz florido, mas, depois das [...] vítima de duas forças malignas: a
doze [...] ardia como uma grelha cheia ambição e a má digestão [que] parecia
de brasas no Natal; [...] até às seis horas se manifestar com ataques nervosos de
mais ou menos, quando eu não mais via o mau humor e com sorrisos forçados de
dono do rosto, que alcançava o seu auge irritação, que faziam com que rangesse os
com o sol e parecia se pôr com ele, e dentes quando cometia erros ao copiar,
que no dia seguinte se levantava, atingia com praguejamentos desnecessários
o seu auge e baixava com a mesma que eram sussurrados em vez de serem
regularidade e glória [...] o período do ditos [...] e, em especial, com um
dia em que eu sentia a sua capacidade descontentamento em relação à altura
profissional afetada pelo resto das vinte da mesa em que trabalhava [...] Dentre as
e quatro horas seguintes. Não que fosse manifestações de ambição doentia estava
preguiçoso ou avesso ao trabalho [...] A seu gosto em receber visitas de sujeitos
dificuldade era que ficava propenso a sinistros vestindo casacos puídos a quem
ser ativo em excesso [...] Descuidava- chamava de clientes [...] às vezes fazia
se ao molhar a pena da caneta no negócios nos tribunais, sendo conhecido
tinteiro. Todos os borrões nos meus na porta de cadeia [...] mas, era um
documentos eram feitos depois das doze homem muito útil para mim. [...] Além
da manhã [...] às vezes, ia mais além, disso, sempre se vestia de modo elegante,
tornando-se barulhento [...] Mexia-se o que incidentalmente trazia crédito ao
desagradavelmente na cadeira; entornava meu escritório. (MELVILLE, 2005, p.5).
a caixa de areia; ao consertar suas canetas
quebrava-as em pedaços, jogando-as Ginger Nut, o terceiro funcionário,
no chão num súbito acesso de raiva; era um rapaz bastante jovem aprendiz
levantava-se; inclinava-se sobre sua mesa de Direito [...] e faxineiro, a um dólar
e joga seus papéis de um modo muito por semana [...] Dentre as tarefas que
inconveniente, um triste espetáculo [...] cumpria com maior presteza era a de
Ainda assim, [...] era alguém importante fornecer bolos e maçãs para Turkey e
para mim [...] num estilo inigualável; por Nippers (Melville, 2005, p.6). Ser aprendiz
essas razões, eu tendia a fazer vista grossa de Direito e faxineiro, ao mesmo tempo,
às suas excentricidades [...] um homem além do salário de um dólar por semana
tão civilizado, afável e reverente [...] pela são os primeiros dados que despertam
manhã, se provocado à tarde poderia a atenção do leitor. Afinal, todas as
se tornar ríspido com a linguagem, ou três informações parecem bem pouco
melhor, insolente (MELVILLE, 2005, p.3). consistentes entre si para caracterizarem
um funcionário que pretendia responder

244 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


a um sonho do pai – carroceiro – em proposta teórica de Ricardo Piglia que
ver seu filho, um dia, em atividades afirma o estatuto do conto moderno
profissionais num tribunal. como uma estrutura que agrega mais
As inconsistências na caracterização de uma história: uma aparente e outra
de cada um dos funcionários vão sendo, escondida. A verdadeira história, segundo
vagarosa e pontualmente colocadas, Piglia, deverá estar escondida no conto
tecendo um discurso de sutil ironia que que abandona o final surpreendente,
desperta no leitor o riso no canto dos exatamente como ocorrerá com Bartleby,
lábios. Se, de um lado, o que se tem são cuja narrativa cria certa tensão entre
necessidades e funções extremamente duas vertentes - o sério e o cômico –
simples como a de copistas, por outro, sem que haja nenhuma preocupação do
o narrador, enquanto patrão sujeitando- narrador em resolver o impasse. O riso é
se aos descasos e disparates de cada disfarçado e funde-se ao sério, deixando
funcionário, passa a ser algo irônico, o leitor neste limiar de efeitos.
beirando o escracho e o riso. No conjunto Mas para que essas observações
dessas primeiras composições das possam se consolidar no texto, deixemos
personagens, caberia perguntar: como as passagens pelas portas de entrada
alguém que gosta de uma forma de vida da narrativa de apresentação das três
fácil e trabalha com simples copistas, se personagens, do espaço e do próprio
sujeita a funcionários tão negativamente narrador para penetrarmos nas ações do
estranhos e pouco producentes? Poderia protagonista e respectivas observações
haver paz em um ambiente profissional daquele que o constroi – o empregador
tão conturbado? Entre a seriedade e narrador dos fatos.
dos temas – profissionais e humanos – O aumento das atividades nos
instala-se a desconfiança e o riso discreto negócios do narrador leva-o à
do leitor. necessidade de contratação de mais um
Em relação ao espaço físico, também funcionário. Em resposta a um anúncio,
acontece certa ausência de sincronia. aparece [Bartleby] à sua porta, que
Afinal, os escritórios de negócios da estava aberta, pois era verão (Melville,
Wall Street eram espaços modernos de 2005, p.7). É surpreendente a maneira
prestígio e mesmo de certa sofisticação, sutil e impactante deste narrador
na medida em que a rua já era referência introduzir sua personagem: uma figura
econômica não só em Manhattan, mas que aparece inerte,
em todo o universo financeiro do mundo
ocidental moderno. Em suas famosas levemente arrumada,
calçadas, já no final do século XIX lamentavelmente respeitável
circulavam diariamente representantes extremamente desamparada
de grandes empresas internacionais e “Era Bartleby”.
mesmo seu comércio local era voltado às (MELVILLE, 2005, p.7)
centenas de negociantes e empresários
de renome mundial. Deve-se lembrar, Entre o anúncio para contratação de
ainda, que a arquitetura de seus edifícios um novo funcionário e o aparecimento de
e espaços no entorno, longe de poderem Bartleby já ocorre certo estranhamento,
lembrar uma enorme cisterna quadrada pois, o verbo aparecer designa algo
(Melville, 2005, p.2), enraizava-se fortuito, inesperado, sem explicação
no conceito da Idade Dourada – e, neste caso, a explicação já acontece
mitologicamente conhecida como o antes do fato: houve o anúncio e, então,
período de harmonia e prosperidade. ele apareceu.
Os espaços escriturais entre as linhas Não bastasse a escolha lexical,
e entrelinhas ou falas e silêncios do designando o surgimento da
narrador trazem à nossa lembrança a personagem associado ao fato da porta

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 245


estar simplesmente aberta, porque era reticências para interpretar o que seria
verão, ela surge inerte, ou seja, estática, uma vida fácil para o perfil contextual
sem movimento, o que se choca com o deste narrador.
significado de aparecimento que envolve Na teoria dos humores, atribuída a
a ideia de uma certa ação. Esse modo de Hipócrates (séc. a. c), o corpo humano
dizer narrativo desconcerta o leitor, rompe conteria líquidos ou humores que
com seu automatismo de interpretante, estavam ligados a elementos cósmicos.
previne-o em relação à personagem, Assim, o predomínio de certos humores
cuja entrada no texto carrega também - sangue, bílis negra, amarela e fleuma
uma tríade de advérbios, iniciando - determinariam o temperamento
sequencialmente três afirmativas como ou forma de articulação do homem
se fossem versos, haja vista a extensão, com o universo nas manifestações
a composição das rimas, das relações do ar, da terra, do fogo e da água. Um
paratáticas e dos sufixos, criando ritmo contraponto, poderíamos dizer, entre
e certa musicalidade: levemente/ o visceral (de teor físico e pontual) e o
lamentavelmente/ extremamente, cósmico, que atingiria valores de um
seguidos também do que poderíamos espaço transcendental.
chamar de rimas internas: arrumada/ O tempo resgata e transforma as
desamparada. O significado desta forma ideias e conceitos sobre o humor e,
composicional de dizer narrativo situa- assim, no século XVIII, a palavra começa
se muito mais no modo de construção a assumir o sentido que tem hoje,
deste narrador do que na semântica designando um comportamento não
dessas três afirmativas, visto que no nível exatamente cerebral, mas de atitude
do significado elas parecem expressar sensível frente ao mundo e a si mesmo
muito pouco. enquanto homem. É nesse período que
O que significaria, por exemplo, a a ideia de humor adquire densidade
afirmação lamentavelmente respeitável? literária – ironia, humor e riso aliam-se
Ao que nos parece, essa afirmativa, além nas nuances textuais da ficção, apesar de
da conotação irônica, tem muito mais poderem expressar diferentes graus de
a função de compor com as afirmativas intensidade conotativa.
anterior e posterior do que significar por Se a ironia é um discurso segundo
si isoladamente. que subverte, com uma ponta de riso,
Todavia, essas observações o discurso primeiro; o humor já é um
representam apenas a entrada da tecido discursivo cujos espaços em
personagem no texto; a continuidade aberto permitem a descontração, o gozo
de seu espaço discursivo irá, com e a liberdade do ato interpretativo; o riso
certeza, reiterar esse jogo entre o dizer por sua vez, traz um grau mais amplo
esvaziado de certo significado e o modo de descontração e de livre expressão –
de dizer preenchido por significados em talvez, pudéssemos dizer que o humor e
outras dimensões, ou seja, de impacto e o riso resvalam uma forma catártica de
desconcerto para o leitor. discurso para neutralizar as tristezas da
A nosso ver, aprofundar um pouco a vida, daí também a complexidade de seu
reflexão sobre o modo de composição teor conceitual.
deste contador de histórias, leva-nos Mas, retornando a Bartleby, após
a recolher algumas ideias em relação sua enigmática aparição na narrativa, a
ao tom de humor e ironia do texto personagem assume dentro do espaço
que, insistentemente, se coloca em de ação que é o escritório de negócios -
contraponto com um tom de austeridade onde se realizava a
de um espaço físico frio e impessoal e a
seriedade de um narrador, afeito à paz [...] verificação de títulos, preparação
e à vida fácil – por mais que tenhamos de documentos para transferências e

246 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


cópia de documentos de todos os tipos, significaria Acho melhor não, ou como no
além das atividades relativas ao cargo original, em inglês, I would prefer not to?
de Oficial do Registro Público (MELVILLE, Gilles Deleuze, em Bartleby, ou a
2005, p.7), fórmula (1997) referencializa a resposta
da personagem de Melville, pontuando
uma posição de certo privilégio junto que, para além, ou mesmo antes de
ao chefe que o coloca num canto, mas, uma negativa, a frase pode expressar um
ao seu lado, para ter fácil acesso a esse desejo e, nesse sentido ela é bem mais
homem silencioso e de aspecto tão forte do que a expressão de uma simples
sossegado (idem, p.7). preferência, como poderia, também,
Os dois adjetivos utilizados pelo ser entendida: I had rather not. O que
narrador – silencioso e sossegado - este jogo de negação e afirmativa pode
abrem as portas, ironicamente, para estar indicando - como uma verdadeira
as ações que se seguem. Depois dos fórmula para evidenciar a potência das
primeiros dias, escrevendo muito – palavras - é que Bartleby no seu silêncio
como se estivesse faminto por ter algo inerte é capaz de alterar um sistema de
para copiar (idem p.9), empanturrando- comando ou da autoridade de maneira
se de documentos, Bartleby responde muito mais eficiente do que todas as
à solicitação feita pelo chefe, para a ações despropositadas dos outros
realização de um trabalho, com uma funcionários. É pelo uso da palavra
voz singularmente amena e firme: Acho que ele interfere e desestabiliza. É pela
melhor não. form(a)ula de enunciar uma resposta que
Surpreso, o patrão repete: ele mostra o quanto se pode surpreender
e abalar, pela palavra, aquilo que já está
Melhor não [...] O que quer dizer? estabelecido.
Ensandeceu? [...] “Olhei-o com firmeza. A ironia se inscreve na narrativa.
O seu rosto estava controlado, os seus Afinal, o sossego da personagem
olhos cinza obscuramente calmos. Não silenciosa, valorizado pelo patrão que
havia sequer uma ruga de preocupação o aproxima de si exatamente por essa
perturbando-o” [...] É muito estranho, qualidade, passa a ser, a partir de então,
pensei. O que fazer? [...] Alguns dias mais motivo de sua indignação e desespero.
tarde [...] chamei-o novamente. O que Eu preferia não, passa a significar, no
deseja?, perguntou dócil” e novamente sentido mais literal, optar por nada
veio a resposta: “Acho melhor não”. fazer, ficar sossegado, quieto/inerte.
(MELVILLE, 2005, p. 9). Essas oposições e/ou inversões - ter que
fazer e recusar-se a fazer (oposição) –
A resposta, de imediato, inaugura ou admirar uma qualidade do outro e
um grande nó narrativo, e, até o final ser lesado por ela (inversão), conforme
do conto, todos os fatos e ações se Bergson, (1999) são tanto cômicas
desenvolverão ao redor da mesma frase, quanto mais complexas forem enquanto
que se repetirá, tomando a cena central cenas narrativas. Assim, o que era uma
da narrativa e sobrepondo-se não só a qualidade atraente, passa a ser, ela
todas as demais ações como também ao mesma, repulsiva. Ou ainda, ao valorizar
conjunto de personagens que, ao serem uma ação ou qualidade, o patrão enreda-
apresentadas, despertaram atenção, se a si mesmo, quando essa qualidade se
pois já eram suficientemente peculiares vira contra ele próprio.
por suas esquisitices, inadequações e De maneira análoga, a resposta
excentricidades. de Bartlebly é recebida como uma
A resposta de Bartleby rouba a impertinência, uma afronta, um
cena e supera o impacto já causado, enfrentamento daquele que, ao aparecer
inicialmente, no leitor. Afinal, o que na porta, pode ter despertado o riso:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 247


apresentou-se porque encontrou a porta A narrativa posta e desdobrada por
aberta num dia de verão. Essa inversão quase meia centena de páginas articula,
do olhar sobre a personagem, também sim, um modo de dizer que tem tudo a
segundo Bergson (1999) pode ser ver com a proposta inicial de conduzir
vista como motivo de riso. A insistente seu leitor à ação. Compor a estrutura
resposta que se repetirá pela maior parte física do livro para poder, então, realizar
da narrativa, posicionando a personagem sua leitura, é tão fundamental como
Bartleby, não exatamente como alguém dialogar com o narrador e com as
que se recusa a fazer, mas alguém que se personagens, buscando entender, por
afirma ao não fazer, também significa, que esse narrador que gosta da vida
conforme o autor, uma condição de fácil e da paz envolve-se cada vez mais
complexidade e naturalidade que parece com suas personagens sem conseguir
se chocar, são conciliadas pela narrativa delas se desvencilhar, tornando a vida e
e, por isso, tornando-se cômicas. a narrativa cada vez mais complexa? O
A ironia e o riso se esboçam também que faz Bartleby repetir a mesma frase,
na configuração do espaço entre salas – em atitude, aparentemente, passiva e de
local dos funcionários vs. local do patrão. inoperabilidade num espaço de trabalho
Bartleby ocupa um limiar, ou seja, uma que não lhe traz nenhuma função digna
demarcação territorial que não lhe como ser pensante e transformador? – o
permite ditar normas, mas também, que era parecia cômico e risível, torna-se
simbolicamente, lhe dá o poder de não sério, altamente significante.
as obedecer. Sua posição de copista que Parece ficar claro, nesta narrativa, que
recusa reproduzir a cópia assemelha- o século XIX já iniciava traçar o perfil do
se a de um funcionário que assume a homem da nossa contemporaneidade;
voz do patrão para desdizer a própria já escrevia um porvir sem grandes
autoridade que este representa. perspectivas para as inevitáveis
Com traços de anti-heroi, Bartleby é a amarras que, cada vez mais, asfixiam
personagem que surpreende, incomoda, o ser. O século XIX já produzia sulcos
e desestabiliza. Se de um lado, ela discursivos na literatura que inscrevia
traz consigo a solidão, o abandono na palavra e com a palavra discursos
e os desajustes sociais do homem outros que subvertiam e, ao subverter,
moderno, expressando um contexto de conquistavam novas formas expressivas
quase desumanização – sem família, de dizer. Ironia, humor e riso são duplos
sem amigos, sem casa e realizando discursivos que adensam e enriquecem
uma atividade de total monotonia e não só a percepção, mas também as
desestímulo, por outro, ela surpreende formas interpretativas de dizer e de
pela potência da palavra que produz e constituir o homem, o seu entorno e os
pelo riso irônico que provoca em relação valores que o constituem como indivíduo
ao patrão – que, ao início da narrativa social – ser incógnito sempre à procura
se colocava como aquele que opta pela de si mesmo.
vida fácil e pela paz com que procura
viver. Poder-se-ia dizer que o humor notaS
nesta narrativa implica exatamente 1. Publicada originalmente em 1853, a
numa atitude do homem perante a vida obra em questão - Bartleby, o escrivão, de
e a si próprio, enquanto ser humano. Herman Melville - é uma edição da Cosac
Contudo, apesar de afirmar ou denunciar Naify, de 2005; hoje em sua 7ª reimpressão
aquilo que é potencialmente risível, ele (2014). O projeto e a produção gráfica são
deflagra um riso que não é forçosamente de Elaine Ramos e Mariana Tavares Geraldo,
alegre, mas ao contrário, inquietante, respectivamente.
constrangedor e, sobretudo, libertário -
diga-se, literariamente vigoroso.

248 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


referêncIaS MELVILLE, Henry. Bartleby, o escrivão. São
BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a Paulo: CosacNaify, 2005.
significação do cômico. Trad. de Guilherme de PIGLIA, Ricardo. Teses sobre o conto; Novas
Castilho. Lisboa: Guimarães Editores, 1999. teses sobre o conto. In: ____. Formas breves.
DELEUZE, Gilles. Bartleby, ou a fórmula. In: Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São
Crítica e Clínica. Trad. P.P.Pelbart. São Paulo: Paulo: Companhia das Letras, 2004.
34, 1997.

o humor em clarIce lISPector


olga De Sá
reSumo
O artigo trata do humor em Clarice Lispector, focalizando alguns textos e, princi-
palmente, A hora da estrela, excluindo outras abordagens como a ironia, o burlesco, a
sátira e a paródia.

PalaVraS-chaVe
Humor; Clarice Lispector; A hora da estrela; Mal-estar de um anjo; Metalinguagem.

aBStract
The article discusses the humor in Clarice Lispector, focusing on some texts and,
mainly, A hora da estrela, excluding other approaches such as irony, burlesque, satire
and parody.

KeYWorDS
Humor; Clarice Lispector; A hora da estrela; Malaise of an angel; Metalanguage.

Para situar nosso tema, precisamos algumas das manifestações literárias de


esclarecer o significado de alguns uma atitude gratuitamente sorridente
conceitos, que têm interface com ele ou perante a vida.
com ele podem se confundir. Não interessa, nesse caso, a sátira
Diz o Dicionário de Literatura como tal. Interessa o que, em qualquer
(Brasileira, Portuguesa, Galega e gênero literário, transparece de jocoso,
Estilística Literária), sob a direção de no sentido etimológico do termo –
Jacinto do Prado Coelho, 1969, que não quer se trate de jogo de palavras, bem
vai tratar do humorismo stricto sensu no gosto português, quer do jogo de
dos gracejadores profissionais, nem do conceitos opostos, que por contraste
humorismo no sentido britânico, mas provocam o riso, quer de uma espécie
que indicará, de modo muito sucinto, de nostalgia do lúdico, do risonho, que

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 249


leva certos autores a teorizarem sobre seja ele conto, poesia, romance, comédia
isso, quer ainda de uma ironia que é ou drama, pode ser humorístico. (Cf.
jogo de escondidas com a realidade. (Cf. PIRANDELLO, 1996).
COELHO, 1969, verbete Humorismo). Convém-nos, agora, fazer algumas
O referido Dicionário indica que distinções importantes a respeito de
nos Cancioneiros medievais aparecem outros conceitos que se limitam com o
as primeiras manifestações da graça humorismo. Por exemplo:
portuguesa, nas suas faces opostas: de Sátira- Do latim sátira (m), de lanx
um lado, a piada grosseira, o insulto satura, prato cheio de frutos sortidos,
obsceno, a alcunha, nas cantigas de que se ofereciam a Ceres, deusa das
escárnio e maldizer; do outro, o sorriso sementeiras (satum). Modalidade
travesso das cantigas de amigo, em que literária ou tom narrativo, a sátira consiste
o próprio processo adotado se presta a na crítica das instituições ou pessoas,
uma posição irônica, pois o poeta não na censura dos males da sociedade ou
raro sublinha com malícia certos traços dos indivíduos. Vizinha da comédia,
da psicologia feminina, que a si mesmo, do humor, do burlesco e cognatos,
enquanto donzela fictícia, se atribui. (Cf. pressupõe uma atitude ofensiva, ainda
COELHO, 1969, verbete Humorismo). quando dissimulada: o ataque é sua
Num ambiente como o do marca indelével, a insatisfação perante
trovadorismo, de forte consciência o estabelecido, a sua mola básica. De
artística, surge naturalmente outra onde o substrato moralizante da sátira,
forma de graça que terá larga fortuna: inclusive nos casos em que a invectiva
a autocrítica da literatura, o denunciar parece gratuita ou fruto de despeito.
de excessos, preciosismos e falsidades [...] Em qualquer de suas variedades
na obra de arte ou na posição do artista. ou instrumentos, a sátira caracteriza-
(COELHO, 1969, verbete Humorismo). se por sua efemeridade: tende a
Não é na poesia deliberadamente envelhecer e a perecer com os eventos
cômica, assevera o Dicionário, que que a suscitaram; obra de momento,
surge a inovação, mas na poesia desvanecida a conjuntura que lhe
de amor. Referindo-se aos autores motivou o aparecimento, a sátira perde
portugueses que atualizam essa graça, sentido e força à medida que o tempo
até os autores mais recentes como Sá passa. (MOISÉS, 1974, verbete Sátira).
Carneiro e Fernando Pessoa, Massaud Burlesco - O vocábulo designa as
Moisés focaliza ligeiramente a Literatura obras literárias ou teatrais que, visando
Brasileira, sublimando a veia humorística ao cômico por meio do ridículo ou da
de Machado de Assis, sem nem ao menos zombaria encerram a imitação satírica
nomear Clarice Lispector. ou parodística de obras sérias. (MOISÉS,
No livro de Luigi Pirandello, 1974, verbete Burlesco).
dramaturgo e romancista italiano, Comédia- Do grego komodia.
intitulado O Humorismo, o autor define Controvertida a origem do vocábulo
o humor como uma forma de riso grego: derivaria de kômoa, festim
melancólico que marca o caráter da popular, ou de kómas, aldeia, pois,
modernidade, em sua natureza dividida. segundo Aristóteles, os comediantes
No capítulo IV, dedicado à distinção enre tiravam seu nome de andarem os atores
O humorismo e a retórica (esta, seu maior de aldeia em aldeia, por não serem
inimigo, segundo Pirandello), afirma-se prezados na cidade. (Cf. Aristóteles, s.d./
que o humorismo tem que ir além do 1448b).
cômico e sendo ele uma qualidade da Tanto quanto a etimologia do
expressão, qualquer gênero literário, vocábulo, a gênese da comédia mergulha

250 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


em trevas: considera-se, ainda na esteira escreve que é preciso dissociar o cômico
de Aristóteles (op. Cit., 1449 a 8), que da paródia [...] O cômico é uma cor que
a comédia resulta dos cantos fálicos, acompanha geralmente a paródia, mas
erguidos em homenagem a Dioniso ou não a cor da paródia em si mesma [...]
Baco [...], deus do vinho e da inspiração A cor da paródia é uma cambiante, uma
poética. (MOISÉS, 1974, verbete miscelânea de cores. A paródia de uma
Comédia). comédia pode ser uma tragédia: o que a
Ironia- Grego eironeia, dissimulação, define é a reversão. (Cf. Sá, 1993, p.26).
interrogação dissimulada. [...] Na origem, CHALAÇA – Dito zombeteiro, gracejo
designava a arte de interrogar, com vistas de suau gosto ou isolante, caçoada,
a provocar a maiêutica, ou surgimento troça, zombaria (Aurélio)
das ideias. Sócrates praticou-a ZOMBARIA – manifestação malévola,
inicialmente [...] De onde a chamada maliciosa, por meio de risos, palavras,
ironia socrática, que consistia em propor atitudes ou gestos, com que se procura
questões dissimuladamente simples e levar ao ridículo ou expor ao desdém,
ingênuas ao interlocutor dogmático, ou menosprezo uma pessoa, instituição,
a fim de confundi-lo e mostrar-lhe a coisa etc.. e até os sentimentos. Chacota,
fraqueza das opiniões ou dos raciocínios. Caçoada, deboche, escárnio. (Aurélio)
Como o processo acabava irritando e GRACEJO – Dito espirituoso.
ridicularizando o arrogante adversário, Depois de definidos todos esses
a palavra entrou a adquirir conotação termos, vamos excluí-los de nosso
satírica. Entretanto, utilizado pelo filósofo presente trabalho sobre a escritura de
no contato com os seus discípulos moços, Clarice Lispector. Focalizaremos o humor.
sensatos e amantes da verdade, a ironia Para Pirandello existe uma
resultava no alargamento progressivo enorme diferença entre humor e os
das consciências. Modernamente, o outros procedimentos (ironia, sátira e
termo assumiu o indeciso contorno de comicidade) e, ao longo de seu livro,
figura de pensamento e de palavra. De vai falando de como a definição de
modo genérico, a ironia consiste em humor é complexa e de como muitos
dizer o contrário do que se pensa, mas enganos são cometidos ao se classificar
dando-o a entender. Estabelece um um autor satírico, irônico ou cômico de
contraste entre o modo de enunciar o humorista. [...] Pirandello afirma que
pensamento e o seu conteúdo. (MOISÉS, o humor não tem como resultado o
1974, verbete Ironia). riso fácil proveniente da advertência
Paródia- Grego paroidia, canto de uma situação oposta (cômico) e de
ao lado de outro. Designa toda dizer o contrário do que se pensa ou
composição literária que imita, cômica sente (ironia). O humor é a reflexão que
ou satiricamente, o tema ou/e a forma se faz sobre a situação oposta, sobre
de uma obra séria. O intuito da paródia o contrário. A essência do humor é o
consiste em ridicularizar uma tendência sentimento do contrário e este é gerado
ou um estilo que, por qualquer motivo, pela reflexão. (FARIA, 2007, mestrado).
se torna conhecido ou dominante. Faria continua a referir-se a
(MOISÉS, 1974, verbete Paródia). Pirandello, que compara a reflexão a
[...] as pessoas geralmente pensam um espelho, mas de água gelada; o
em paródia como burla ou sátira, frigir da água é o riso que desperta o
acepção corrente que descarto, logo de humorista; o vapor que dela exala é
saída, focalizando o sentido etimológico a fantasia frequentemente um pouco
de canto paralelo (Cf. SÁ, 1993, p. 22). fumacenta da obra humorística. E cita um
No artigo sobre Sartre, Geneviéve Idt exemplo retirado de A hora da estrela:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 251


quando Macabea se pinta como uma esses fenômenos [...] são enumerados
endemoniada (p. 75), o narrador a pinta por Bergson e unidos entre si pela
grotescamente, o que leva o leitor a rir ideia comum de que todos infringem a
da situação, mas quando percebe que o essência da vida (Cf. HOSLE, 2002, p. 36).
que levou Macabéa a se pintar daquela Na verdade, não queremos entrar por
forma foi à indiferença e o desprezo do todos os meandros do riso e do cômico.
mundo para com ela, o riso se apaga nas Já delimitamos bem nosso enfoque,
águas geladas da reflexão. (Cf. FARIA, restringindo-o ao humor. E ao focalizar o
2007). humor em Clarice, nosso objeto principal
Esta reflexão insinua-se aguda e sutil é A hora da estrela. Antes, porém
por toda parte e tudo descompõe: toda faremos uma breve incursão por alguns
imagem do sentimento, toda ficção real, textos seus, pejados de humor: Mal-
toda aparência da realidade, toda ilusão. estar de um anjo, publicado em A legião
(Cf. PIRANDELLO, 1996, p.155). estrangeira, na II parte, intitulada Fundo
Resta-nos referir-nos a um livro de de gaveta, que a Editora Ática publicou,
Vittorio Hosle, Woody Allen: filosofia em 1978, sob o título Para não esquecer,
del humor, em que explora as raízes p. 27. Outro texto que desejamos
profundas do riso, do humor e da focalizar é Perdoando Deus, publicado
comicidade, dedicando um perspicaz e em A descoberta do mundo, 1984, p.
minucioso estudo ao conteúdo dos filmes 484-87. E Crítica leve e Crítica pesada,
de um verdadeiro classico do humor publicados em A legião estrangeira,
contemporâneo: Woody Allen. O ensaio p. 192, além de Aniversário, p. 216. E
de Hosle destaca a singular mistura de outros, retirados de A legião estrangeira
profundidade filosófica e irresistível vis ou A vidente, retirada de A descoberta
comica, que transmitem os diálogos e do mundo.
cenas de seus filmes. No Aniversário, a mãe conversa com
Referindo-se à análise de Bergson o filho, que comemora o último dia de
sobre o riso, Hosle diz que para ele: ter nove anos. O menino afirma que sua
O riso é a sanção que a sociedade alma não tem dez anos. E se devia contar
impõe àqueles que tentam introduzir os anos pela alma. A gente diria: aquele
algo mecânico no fluxo da vida. cara morreu com vinte anos. E o cara
Portanto, a rigidez percebida (não tinha morrido mas era com setenta anos
necessariamente real) nos movimentos de corpo.
e caracteres a converte em algo cômico, Em Perdoando Deus, Clarice,
porque contradiz uma das exigências andando pela Avenida Copacabana,
principais da vida, a da elasticidade. Daí, sem pensar em nada, se sentiu por
que a comicidade não se contraponha à puro carinho, a mãe de Deus, que era
beleza, senão ao encanto. Os trejeitos, a Terra, o mundo. Eis que quase pisou
os movimentos mecânicos, as máscaras, num enorme rato morto. Bem poderia
o esmagamento do intelecto pelo ter sido levado em conta o pavor que
corpo, a coisificação das pessoas, a desde pequena a alucina e a persegue:
repetição, a inversão, a interferência o medo de ratos. Então era assim? Ela
de séries distintas [...], a introdução do andando pelo mundo sem pedir nada,
absurdo numa fórmula consagrada, sem precisar de nada, amando de puro
a interpretação literal das metáforas, amor inocente, e Deus a me mostrar o
a transposição para uma tonalidade seu rato? Só lhe ocorria vingar-se. Mas
distinta (degradação e exagero), a que vingança poderia ela contra o Todo-
insociabilidade, a teimosia, a dispersão, Poderoso, contra um Deus que até com
os automatismos do caráter, todos um rato esmagado poderia esmagá-la?

252 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Tendo entrado na intimidade de Deus, que ostenta só quando para de chover,
ela iria contar, iria espalhar o que lhe atravessou como uma rainha os umbrais
aconteceu, contar o que Ele fez, estragar a do Edifício Visconde de Pelotas.
sua reputação. Faz, então considerações Aproveito o que já escrevi sobre A
profundas sobre o seu modo de amar, de hora da estrela, publicado em Até Tu,
ser possessiva e de ofender-se à toa, ser Brutus?, capítulo de Clarice Lispector: a
teimosa e que só poderia ser mãe das travessia do oposto, p.243.
coisas, quando pudesse pegar um rato A hora da estrela é também um
na mão. Enquanto ela inventasse Deus, canto paralelo. A quê? A todos os grupos
Ele não existiria. dominantes. Vivendo na grande cidade
Em Mal - estar de um anjo, publicado do Rio de Janeiro, num quarto alugado,
na II parte de A legião estrangeira, em com quatro moças balconistas das
1964, pela Editora do Autor e pela Ática, Lojas Americanas, não longe do cais do
em 1978, em Para não esquecer, Clarice, porto, lugar de marinheiro e prostitutas,
ao sair de um edifício, se depara com um Macabea pertence, socialmente falando,
dilúvio carioca, verdadeira tempestade, à classe dos marginalizados. Essa
sem refúgio possível. Ela é aquela marginalização se amplia do social ao
mulher de vestido ensopado, de cabelos existencial.
escorridos, nunca mais terá casa na vida Funda marginalização, a cujos índices
e não será escolhida para a Arca de Noé, podemos acenar, partindo das evidências
pois já selecionaram o melhor casal de da história de Macabéa, apontando para
sua espécie. A duras penas consegue um a vida reificada e inautêntica.
táxi, a quem ordenou que a levasse para A marginalização da mulher, de
casa, sem se dar ao luxo de pedir, pois muitas espécies de mulheres: as feias,
todas as vezes que pediu, na vida, não incompetentes, mal cheirosas, órfãs
lhe deram. O homem, simplesmente diz de pai e mãe, encardidas, raquíticas,
que sim e ela se apossa de seu táxi. De lá, tuberculosas, alienadas, desamadas,
confortavelmente instalada em sua Arca, sonhadoras, esfomeadas, migrantes,
assistia ao mundo acabar-se. Eis senão cartomantes, datilógrafas, estenógrafas,
quando uma senhora aproxima-se do balconistas, virgens, as que vendem o
carro, agarrando-se ao trinco da porta, corpo para comer, as manchadas de
implorando-lhe para compartilhar do panos, as infelizes que se ignoram, as
táxi. Ela cede, mas a senhora já foi dando que morrem nas sarjetas, as velhas, as
suas ordens, instalando-se totalmente, donas de casa, as neuróticas, as lascivas,
como na própria casa. Começou, então, as crianças que têm garra de malícia,
para Clarice, seu calvário de anjo. O caso as Marias, as Glórias, as Macabéas, as
daquela senhora era muito comovente: Joanas, as Virgínias, as Lucrécias, as
era a noite de uma première, ela rezou, Ermelindas, as Vitórias, as Miss Algrave.
fez promessa e Deus lhe mandou um A marginalização do homem, de
anjo que a salvou, ela, Clarice. A mulher muitos homens: os médicos de pobres,
mandava nela. Ser anjo começava a os valentões, os machistas, ingênuos,
lhe pesar. Clarice determinou que o exploradores, pequenos ladrões,
táxi, primeiro a deixaria em sua casa gringos loiros em Mercedes assassinas,
e depois levaria aquela senhora a seu patrões, escritores, maridos chatos,
destino. Ao saltar do táxi, assim como maridos medíocres, hipocondrácos, os
quem não quer nada, teve o cuidado de representantes, os Dr. Lucas, os Olímpicos
esquecer no banco suas asas dobradas. de Jesus, os Mateus, os Perseus.
Livre das asas, com a grande rabanada A marginalização da sociedade,
de uma cauda invisível e com a altivez do sistema como aparece no livro:

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 253


patrocínio da Coca-Cola à literatura e aos martirizados irmãos hebreus - amplia-se
terremotos. Rádio Relógio produzindo no canto paralelo desta hora final.
hora e cultura de massa, estrelas de Macabéa, Ave Maria, cheia de graça,
cinema provocando sonhos, fitas em terra serena da promissão, terra do
tecnicolor em cinema pulguento, perdão, tem que chegar o tempo, ora pro
doenças diagnosticadas sem tratamento, nóbis [...] (HE, p. 99).
bairros de mulher-dama e marinheiros, O autor de A hora da estrela, o autor
banheiros sujos, pensões alugando vagas de Macabéa, o narrador que deseja
para moças, cães com mais comida que transgredir os próprios limites, se cansa
gente, sociedade de anúncios, sociedade com o definível, ama os sussurros,
técnica de gente-parafuso, de fetos escreve de ouvido, por motivo grave
jogados embrulhados na lata de lixo. de força maior, se sente culpado, e diz
Macabéa é vida primária, puramente no início do livro: Tenho de com mãos
orgânica que respira, respira, respira (HE, de dedos duros enlameados apalpar o
p.17). Ela é capaz também de comprar invisível na própria lama (HE, p.24). (Cf.
uma rosa, princesa que era, extasiar- SÁ, 1993, p. 243-245).
se com a beleza do arco-íris, desejar Difícil agora, é destacar fora do
fogos de artifício, sonhar o futuro indo contexto do livro, as passagens, em que
à cartomante, perceber o transitório o humor, que aliás perpassa toda a obra,
do tempo que escorre na marcação da pode ser colhido pelo leitor.
Rádio Relógio, esperar o galo cantar, Num final de uma tarde de maio,
ouvir o som das palavras como se elas no meio de uma chuva abundante,
fossem coisas –substância da poesia- e Macabéa encontrou a primeira espécie
ser atropelada sob o signo do centauro, de namorado de sua vida. O rapaz e
enquanto um cavalo se empina em ela se olharam por entre a chuva e se
gargalhada de relincho, em algum único reconheceram como dois nordestinos
lugar do mundo. (HE, p. 95). (ela alagoana, ele paraibano), bichos
Macabéa é parte significativa daquele da mesma espécie que se farejam.
feminino, que quisemos caracterizar Ela, bastou vê-lo para torná-lo
no universo de Clarice. Embora, até imediatamente sua goiabada-com
mesmo o fato de vir a ser uma mulher queijo, de que tanto gostava. Ele a
não parecesse pertencer à sua vocação e convidou para passear e ela aceitou
tivesse os ovários murchos, a mulherice depressa, com medo que ele mudasse
só lhe nasceria tarde por que até no de ideia. Andaram sob a chuva grossa e
capim vagabundo há desejo de sol (HE, pararam diante da vitrine de uma loja de
p. 35). ferragens, onde estavam expostos atrás
Na hora da morte, Macabéa cumpre do vidro canos latas, parafusos grandes e
seu destino de mulher; porque: a pré- pregos. E Macabéa, com medo de que o
morte se parece com a intensa ânsia silêncio já significasse uma ruptura, disse
sensual? (HE, p. 101). ao recém-namorado: - Eu gosto tanto de
Macabéa esforçava-se, muda para parafuso e de prego, e o senhor?
viver. Seu esforço de viver parecia uma Da segunda e da terceira vez em que
coisa que, se nunca experimentara, se encontraram, chovia. O rapaz, irritado
virgem que era, ao menos intuíra, pois só e perdendo o leve verniz de finura que o
agora entendia que mulher nasce mulher padrasto a custo lhe ensinara, disse-lhe:
desde o primeiro vagido. O destino de - Você também só sabe é mesmo chover!
uma mulher é ser mulher. (HE, p. 101). E ela: Desculpe.
O texto bíblico que já ressoa no nome Quando Olímpico de Jesus lhe dissera
de Macabéa – lembrando os heroicos e que terminaria deputado pelo Estado da

254 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


Paraíba, ela ficou boquiaberta e pensou: ele emburrado. Você também vive me
quando nos casarmos então serei uma encostando na parede.
deputada? Não queria, pois deputada Ela: - O quer dizer renda per capita?
parecia nome feio. Ele: - Ora, é fácil, é coisa de médico.
Enfim o que fosse acontecer, Ela: - Sabe o que mais eu apendi?
aconteceria. E por enquanto nada Eles disseram que se devia ter alegria de
acontecia, os dois não sabiam inventar viver. Então eu tenho. Eu também ouvi
acontecimentos. Ficavam na conversa uma música linda, eu até chorei.
impossível. Ele: - Era samba?
Ele: - Pois é. Ela: - Acho que era. E cantada por um
Ela: - Pois é o quê? homem chamado Caruso que se diz que
Ele: - Eu só disse pois é! já morreu. A voz era tão macia que até
Ela: - Mas pois é o quê? doía ouvir. A música chamava-se Uma
Ele: - Melhor mudar de conversa Furtiva Lacrima. Não sei por que eles não
porque você não me entende. disseram lágrima.
Nessa toada, nenhum assunto vinga. Ela ouviu na Rádio Relógio a palavra
Olímpico se irrita e diz: Olhe, eu vou mimetismo e lá foi indagar o significado
embora porque você é impossível. com Olímpico, que a olhou desconfiado.
Ela: - É que só sei ser impossível, não - Isso é lá coisa para moça virgem
sei mais nada. Que é que eu faço para falar? E para que serve saber demais?
conseguir ser possível? O Mangue está cheio de raparigas que
Em pequena, ela vira uma casa pintada fizeram perguntas demais.
de rosa e branco com um quintal onde Ela: - Mangue é um bairro?
havia um poço com cacimba e tudo. Era Ele: - É lugar ruim, só pra homem ir.
bom olhar para dentro. Então seu ideal Ela disse para Olímpico: Sabe que na
se transformara nisso: em vir a ter um minha rua tem um galo que canta?
poço só para ela. Mas não sabia como Ele: - Por que é que você mente tanto?
fazer e então perguntou para Olímpico: Ela: - Juro, quero ver minha mãe cair
- Você sabe se a gente pode comprar morta se não é verdade!
um buraco? Ele: Olhe, você já reparou Ele: - Mas sua mãe já não morreu?
até agora, não desconfiou que tudo que Ela: - Ah, é mesmo... que coisa...
você pergunta não tem resposta? Olímpico já matara e roubara. Ter
Macabéa ouvia muito a Rádio Relógio, matado e roubado faziam com que
que dava a hora e cultura. Disse para ele não fosse um simples acontecido
Olímpico: qualquer, davam-lhe uma categoria,
- Você sabia que na Rádio Relógio faziam dele um homem com honra
disseram que um homem escreveu já lavada. Tinha grande talento para
um livro chamado Alice no País das desenhar rapidamente perfeitas
Maravilhas e que era também um caricaturas ridículas dos retratos dos
matemático? Falaram também em poderosos nos jornais. Era a sua vingança.
élgebra. O que é que quer dizer élgebra? Sua única bondade com Macabéa
Ele: - Saber disso é coisa de fresco, foi dizer-lhe que arranjaria para ela
de homem que vira mulher. Desculpe a emprego na metalúrgica quando fosse
palavra de eu ter dito fresco porque isso despedida. Mas Macabéa, em geral, não
é palavrão para moça direita. se preocupava com o próprio futuro. Ter
Ela: - O que quer dizer eletrônico? futuro era um luxo.
Ele: - Eu sei mas não quero dizer. Macabéa gostava de filme de terror
Ela: - Que quer dizer cultura? ou de musicais. Tinha predileção por
Ele: - Cultura é cultura, continuou mulher enforcada ou que levava um

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 255


tiro no coração. Olímpico, na verdade, sorriu.
não mostrava satisfação nenhuma Anteriormente, Macabéa, com a
em namorar Macabéa. Mas quando mentira de que não poderia trabalhar
viu Glória, a colega de trabalho de no dia seguinte, porque ia arrancar
Macabéa, sentiu logo que ela tinha um dente, quando as quatro Marias
classe. Glória possuía no sangue um cansadas foram trabalhar, ela teve pela
bom vinho português e também era primeira vez na vida uma coisa a mais
amaneirada no bamboleio do caminhar preciosa: a solidão. Tinha um quarto só
por causa do sangue africano escondido. para ela. Mal acreditava que usufruía o
Oxigenava em amarelo-ovo os cabelos espaço. E nenhuma palavra era ouvida.
crespos cujas raízes estavam sempre Encontrar-se consigo própria era um
pretas. Posteriormente, de pesquisa em bem que ela então não conhecia. Até
pesquisa, soube que Glória tinha mãe, deu-se ao luxo de ter tédio – um tédio
pai e comida quente em hora certa. até muito distinto.
Olímpico caiu em êxtase quando soube Perdido o namorado, Macabéa
que o pai dela trabalhava num açougue. segue a sugestão de Glória, procurando
Pelos quadris adivinhava-se que seria Madame Carlota, médium que nunca
boa parideira. errava, quebradora de feitiços. Pediu
Desmanchou-se o namoro entre licença ao chefe inventando dor de
Olímpico e Macabéa. Ao se despedir dente, aceitou o dinheiro emprestado
lhe disse: - Você, Macabéa, é um cabelo por Glória, pela primeira vez na vida
na sopa. Não dá vontade de comer. tomou um táxi e foi para a Olaria.
Me desculpe se eu lhe ofendi, mas sou Ao toque da campainha a própria
sincero. Você está ofendida? Madame Carlota atendeu, recebeu-a
Depois que Olímpico a despediu, com muito carinho e deixou-a esperando
já que ela não era uma pessoa triste, na sala, com flores de plástico e matéria
procurou continuar como se nada tivesse plástica amarela nas poltronas e sofás.
perdido. Tristeza era coisa de rico, tristeza Madame Carlota era enxundiosa, pintava
era luxo. a boquinha rechonchuda com vermelho
Um dia, Glória perguntou-lhe:- Por vivo e punha nas faces oleosa duas
que é que você me pede tanta aspirina? rodelas de ruge brilhoso.
Não estou reclamando, embora isso A cartomante lhe contou fatos de sua
custe dinheiro. vida e depois mandou-a cortar as cartas
-É para eu não me doer. com a mão esquerda. Examinando-
- Como é que é? Hein? Você se doi? as, arregalou os olhos e lamentou a
- Eu me doo o tempo todo. vida horrível de Macabéa. De repente,
- Aonde? seu rosto se iluminou, anunciando
-Dentro, não sei explicar. à sua cliente, que sua vida ia mudar
Macabéa, depois de um lanche na completamente O namorado iria voltar,
casa de Glória, em que bebeu um farto o chefe não a despediria, e receberia um
copo de chocolate, passou mal e foi dinheiro grande, trazido por um homem
ao médico. Esse pensou que ela fazia estrangeiro. Mas Macabéa não conhecia
regime, comendo cachorro quente e nenhum estrangeiro. Madame garante
bebendo refrigerante e lhe disse: - Essa que ela vai conhecê-lo. Ele é alourado e
história de regime de cachorro quente é tem olhos azuis ou verdes ou castanhos
pura neurose e você está precisando é de ou pretos. O estrangeiro parece se
procurar um psicanalista! chamar Hans e vai se casar com ela.
Ela nada entendeu, mas pensou que o Saiu da casa da cartomante aos
médico esperava que ela sorrisse. Então tropeços e ao atravessar a rua foi

256 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


atropelada por uma Mercedes, enorme HOSLE, Vittorio. Woody Allen, filosofia del
como um transatlântico. humor. Barcelona: Tusquets Editores, S. A.,
Macabéa ficou inerme no canto da 2006.
rua, talvez descansando das emoções, LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer:
e viu entre as pedras do esgoto o ralo crônicas. São Paulo: Ática, 1978.
capim de um verde da mais tentadora ________________. A Descoberta do
esperança humana. Pensou hoje, é o Mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
primeiro dia de minha vida: nasci. ________________. A legião estrangeira:
Ela sofria? Parece que sim. Como contos. Rio de Janeiro: Editora do Autor,
1964.
uma galinha de pescoço mal cortado
________________. A hora da estrela. 4. ed.,
que corre espavorida, pingando sangue.
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978.
Só que a galinha foge em cacarejos MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos
apavorados. E Macabéa lutava, muda. literários. São Paulo: Cultrix, 1974.
Algumas pessoas brotaram no beco e PIRANDELLO, Luigi. O humorismo. Trad. Dion
alguém pousou junto do corpo uma vela Davi Macedo. São Paulo: Experimento, 1996.
acesa. O narrador se aflige e hesita em SÁ, Olga de. Clarice Lispector: a travessia do
deixá-la morrer. Parece-lhe que ainda oposto. São Paulo: Annablume, 1993.
não chegou a hora de estrela de cinema
de Macabéa morrer. Talvez fosse só um
textoS De clarIce: humor
atropelamento. Tanto estava viva que Mal-estar de um anjo
se mexeu devagar e acomodou o corpo
em posição fetal. Grotesca como sempre Ao sair do edifício, o inesperado
fora. Havia certa sensualidade no modo me tomou. O que antes fora apenas
como se encolhera. chuva na vidraça, abafado de cortina e
Até tu, Brutus? Esse é o modo como o aconchego, era na rua a tempestade e
narrador anuncia que Macabéa morreu. a noite. Tudo isso se fizera enquanto eu
Com ela, morre o narrador. Silêncio. Os descera pelo elevador? Dilúvio carioca,
sinos badalavam, mas sem que seus sem refúgio possível, Copacabana
bronzes lhes dessem som. Ela morreu com água entrando pelas lojas rasas
em um instante. No fundo, ela não e fechadas, águas grossas de lama
passara de uma caixinha de música meio até o meio da perna, o pé tateando
desafinada. O narrador, destituído de sua para encontrar calçadas invisíveis. Até
função narrativa, acende um cigarro e vai movimento de maré já tinha, onde se
para casa. Só, então se lembra de que juntasse o bastante de água começava
a atuar a secreta influência da Lua: já
a gente morre. Ele também. Mas, por
havia fluxo e refluxo de maré. E o pior
enquanto, é tempo de morangos. era o temor ancestral gravado na carne:
estou sem abrigo, o mundo me expulsou
referêncIaS: para o próprio mundo, e eu que só caibo
ARISTÓTELES, Poética. Trad. de Eudoro de numa casa nunca mais terei casa na vida,
Souza. In: Os Pensadores, São Paulo: Abril esse vestido ensopado sou eu, os cabelos
Cultural, 1973. escorridos nunca secarão, e sei que não
COELHO, Jacinto do Prado; AMORA, Antonio serei dos escolhidos para a Arca, pois já
Soares; CAL, Ernesto Guerra da, Dicionário selecionaram o melhor casal de minha
de Leitura. Rio de Janeiro: Cia. Brasileira de espécie.
Publicações, 1969, v. I e II. Pelas esquinas os carros de motor
FARIA, Robson Ricardo Dal Santo. Clarice paralisado, e nem sombra de táxi. E a
Lispector: criador e criaturas uma leitura de alegria feroz de vários homens finalmente
A Hora da Estrela, dissertação de mestrado, impossibilitados de voltar para casa. A
São José do Rio Preto: Unesp, 2007. alegria demoníaca dos homens livres
ainda mais ameaçava quem só queria

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 257


casa própria. Andei sem rumo ruas e ruas, de havia cinco minutos, e resolvi que
mais me arrastava que andava, parar é ela não teria o mesmo. Quando eu lhe
que era o perigo. De minha desmedida disse que sim, seu tom de imploração
desolação eu só conseguia que ela fosse imediatamente cessou, substituído
disfarçada. Alguém, radiante sob uma por uma voz extremamente prática: É,
marquise, disse: que coragem, hein, mas espere um pouco, vou até aquela
dona! Não era coragem, era exatamente transversal buscar na casa da costureira
o medo. Porque tudo estava paralisado, o embrulho do vestido que deixei lá para
eu que tenho medo do instante em que não molhar. Estará ela se aproveitando
tudo pare tinha que andar. de mim?, indaguei-me na velha dúvida
E eis que nas águas vejo um táxi. se devo ou não deixar que se aproveitem
Avançava cuidadosamente, quase de mim. Terminei cedendo. Ela demorou
centímetro por centímetro, tateando o à vontade. E voltou com um enorme
chão com as rodas. Como é que eu me embrulho pousado nas mãos estendidas,
apoderaria daquele táxi? Aproximei- como se até seu próprio corpo
me. Não podia me dar ao luxo de pedir, pudesse macular o vestido. Instalou-se
lembrei-me de todas as vezes em que, totalmente, o que me deixou tímida na
por ter tido a doçura de pedir, não me minha própria casa.
deram. Contendo o desespero, o que E começou o meu calvário de anjo —
sempre me dá uma aparência de força, pois a mulher, com sua voz autoritária,
disse ao chofer: o senhor vai me levar já tinha começado a me chamar de anjo.
para casa! é de noite! tenho filhos Não poderia ser menos comovente o
pequenos que devem estar assustados seu caso: aquela era a noite de uma
com minha demora, é de noite, ouviu?! première e, se não fosse eu, o vestido se
Para minha grande surpresa, vai o estragaria na chuva ou ela se atrasaria
homem e simplesmente diz que sim. e perderia a première. Eu já tivera as
Ainda sem entender, entrei. O carro mal minhas première, e nem as minhas me
se movia nas ondas lamacentas, mas haviam comovido. A senhora não sabe
movia-se – e chegaria. Eu só pensava: eu o milagre que me aconteceu, contou-me
não valho tanto. Daí a pouco já estava com firmeza.
pensando: e eu que não sabia que valia Comecei a rezar na rua, a rezar
tanto. E daí a pouco era a dona-de-casa para que Deus me mandasse um anjo
de meu táxi, já tomara posse de direito que me salvasse, fiz promessa de não
do que gratuitamente me fora dado, e comer quase nada amanhã. E Deus
energicamente tomava medidas úteis: me mandou a senhora. Constrangida,
torcia cabelos e roupas, tirava os sapatos remexi-me no banco. Eu era um anjo
amolecidos, enxugava o rosto que mais destinado a proteger premières? a ironia
parecia ter chorado. A verdade, sem divina me encabulava, Mas a senhora,
pudor, é que eu tinha chorado. Muito com toda a força de sua fé prática, e
pouco, e misturando motivos, mas tratava-se de mulher forte, continuava
chorado. Depois de arrumar minha casa, impositivamente a reconhecer o anjo
encostei-me bem confortável no que era em mim, o que só pouquíssimas pessoas
meu, e de minha Arca assisti ao mundo até hoje reconheceram, e sempre com a
acabar-se. maior discrição. Tentei sem jeito a leveza
Uma senhora aproximou-se então de um sarcasmo: Não me supervalorize,
do carro. Devagar como este avançava, sou apenas um meio de transporte.
ela pôde acompanhá-lo agarrada em Enquanto que a ela nem sequer ocorreu
aflição ao trinco da porta. E literalmente compreender-me, eu a contragosto
me implorava para compartilhar do percebia que o argumento na verdade
táxi. Era tarde demais para mim, e seu não me isentava: anjos também são
itinerário me desviaria de meu caminho. meios de transporte.
Lembrei-me, porém, de meu desespero Intimidada, calei-me. Fico muito

258 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


impressionada com quem grita comigo: aquele instante de utilidade. Era isso,
a mulher não gritava, mas claramente pois, o que eu valia. No táxi, eu não era
mandava em mim. Impossibilitada de um anjo decaído: era um anjo que caía em
confrontá-la, refugiei-me num doce si. Caí em mim e fechei a cara. Um pouco
cinismo: aquela senhora, que tratava mais e teria dito àquela de quem eu era
com tanto vigor do próprio êxtase, com tanta revolta o anjo da guarda: faça
devia ser mulher habituada a comprar o obséquio de descer já e imediatamente
com dinheiro, e na certa terminaria deste táxi! Mas fiquei calada, aguentando
por agradecer ao anjo com um cheque, o peso de minhas asas cada vez mais
também levando em conta que a chuva já contridas pelo seu enorme embrulho.
devia ter lavado toda a minha distinção. Ela, a minha protegida, continuava a
Com um pouco mais de confortável falar bem de mim, ou melhor, de minha
cinismo, em silêncio, declarei-lhe que função. Emburrei. A senhora sentiu-se e
dinheiro seria um meio tão legítimo calou-se um pouco desarvorada. Já na
como qualquer outro de agradecer, já altura de viveiros de Castro a hostilidade
que a moeda dela era mesmo moeda. se declarava muda entre nós.
Ou então - diverti-me eu - bem poderia - Escute, disse-lhe eu de repente, pois
dar-me em agradecimento o vestido minha espontaneidade é faca de dois
da première, pois o que ela realmente gumes também para os outros, o táxi vai
deveria agradecer não era ter um vestido antes me deixar em casa e depois é que
seco, e sim ter sido atingida pela graça, segue com a senhora.
isto é, por mim. Dentro de um cinismo - Mas, disse ela surpreendida e em
cada vez melhor, pensei: Cada um tem o começo de indignação, depois vou ter
anjo que merece, veja que anjo lhe coube: que dar uma volta enorme e vou me
estou cobiçando por pura curiosidade um atrasar! é só um pequeno desvio para
vestido que nem sequer vi. Agora quero me deixar em casa!
ver como é que sua alma vai se arrumar - Pois é, respondi seca. Mas não posso
com a idéia de um anjo interessado em entrar pelo desvio.
roupas. Parece-me que, no meu orgulho, - Eu pago tudo! insulto-me ela com
eu não queria ter sido escolhida para a mesma moeda com que teria se
servir de anjo à tolice ardente de uma lembrado de me agradecer.
senhora. - Eu é que pago tudo, insultei-a.
A verdade é que ser anjo estava Ao saltar do táxi, assim como
começando a me pesar. Conheço bem quem não quer nada, tive o cuidado
esse processo do mundo: chamam- de esquecer no banco as minhas asas
me de bondosa, e pelo menos durante dobradas. Saltei com a profunda falta de
algum tempo fico atrapalhada para ser educação que me tem salvo de abismos
ruim. Comecei também a compreender angelicais. Livre de asas, com a grande
como os anjos se chateiam: eles servem rabanada de uma cauda invisível e com
a tudo. Isso nunca me ocorrera A menos a altivez que só tenho quando para de
que eu fosse um anjo muito embaixo na chover, atravessei como uma rainha os
escala dos anjos. Quem sabe, até, eu era largos umbrais do Edifício Visconde de
só aprendiz de anjo. A alegria satisfeitona Pelotas. (LISPECTOR, 1964, p. 152).
daquela senhora começava a me deixar
sombria: ela fizera uso exorbitante de Estilo
mim. Fizera de minha natureza indecisa
uma profissão definida, transformara - Que é isso?
minha espontaneidade em dever, - É um requerimento.
acorrentava-me, a mim, que era anjo, o - Você que escreveu? Deixa eu ler.
que a essa altura eu já não podia mais “O abaixo assinado vem requerer
negar, mas anjo livre. Quem sabe, porém, a V. Sª......” Mamãe, puxa, você nunca
eu só fora mandada ao mundo para escreveu tão grã-fino. (LISPECTOR, 1964,

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 259


p. 161-2). Futuro de uma delicadeza
- Mamãe, vi um filhote de furacão,
Crítica leve mas tão filhotinho ainda, tão pequeno
ainda, que só fazia mesmo era rodar bem
- No livro de Pelé as coisas vão de leve umas três folhinhas na esquina...
acontecendo, e depois acontecendo, e (LISPECTOR, 1964, p. 134).
depois acontecendo. É diferente do seu, Hora do marinheiro partir
porque você fica só inventando. O seu é - Você compreende, não é, mamãe,
mais difícil de fazer, mas o dele é melhor. que eu não posso gostar de você a vida
(LISPECTOR, 1964, p. 192). inteira.
(LISPECTOR, 1964, p. 150).
Crítica pesada Come, meu filho
- O mundo parece chato mas eu sei
- Vou fazer um conto imitando você. que não é.
E vai ser a máquina também: menina - ...
mendiga. Era uma coisa. Quieta, bonita, - Sabe por que parece chato? Porque,
sozinha. Encurralada naquele canto, sempre que a gente olha, o céu está
sem mais, nem menos. Pedia dinheiro acima, nunca está embaixo, nunca está
com intimidez. Só lhe restava isso: Meio de lado. Eu sei que o mundo é redondo
biscoito e um retrato de sua mãe, que porque disseram, mas só ia parecer
havia morrido há 3 dias. (LISPECTOR, redondo se a gente olhasse e às vezes
1964, p. 192). o ceu estivesse lá embaixo. Eu sei que
é redondo, mas para mim é chato, mas
Era uma vez Ronaldo só sabe que o mundo é redondo,
Respondi que eu gostaria mesmo para ele não parece chato. -...
era de poder um dia afinal escrever - Porque eu estive em muitos países e
uma história que começasse assim: “era vi que nos Estados Unidos o ceu também
uma vez...”. Para crianças? Perguntaram. é uma cima, por isso o mundo parecia
Não, para adultos mesmo, respondi todo reto para mim. Mas Ronaldo nunca
já distraída, ocupada em me lembrar saiu do Brasil e pode pensar que só aqui
de minhas primeiras histórias aos sete é que o ceu é lá em cima, que nos outros
anos, todas começando com “era uma lugares é embaixo ou do lado, e ele pode
vez”; eu as enviava para a página infantil pensar que o mundo só é chato no Brasil,
das quintas-feiras do jornal de Recife, que nos outros lugares que ele, é só
e nenhuma, mas nenhuma, foi jamais acreditar, pra ele nada precisa parecer.
publicada. E era fácil de ver por quê. Você prefere prato fundo ou prato chato?
Nenhuma contava propriamente uma - Chat... – raso, quer dizer.
história com os fatos necessários a uma - Eu também. No fundo, parece que
história. Eu lia as que eles publicavam, e cabe mais, mas é só para o fundo, no
todas relatavam um acontecimento. Mas chato cabe para os lados e a gente vê
se eles eram teimosos, eu também. logo tudo o que tem. Pepino não parece
Mas desde então eu havia mudado inreal?
tanto, quem sabe eu agora já estava - Irreal.
pronta para o verdadeiro “era uma vez”. - Por que você acha?
Perguntei-me em seguida: e por que não - Se diz assim.
começo? Agora mesmo? Seria simples, - Não, por que é que você achou que
senti eu. pepino parece inreal? Eu também. A
E comecei. Ao ter escrito a primeira gente olha e vê um pouco do outro lado,
frase, vi imediatamente que ainda me é cheio de desenho bem igual, é frio na
era impossível. Eu havia escrito: boca, faz barulho de um pouco de vidro
“Era uma vez um pássaro, meu Deus.” quando se mastiga. Você não acha que
(LISPECTOR, 1964, p. 140). pepino parece inventado?

260 5º CONGRESSO I NTEGRADO DO CONHECIMENTO


- Parece. fiz um gesto com as mãos que significava
- Aonde foi inventado feijão com que eu nada podia fazer, ao mesmo tempo
arroz? em que explicava: “É que ela é vidente”.
- Aqui. Minha irmã respondeu tranquila: “Bom.
- Ou no árabe, igual que Pedrinho Cada um tem a empregada que merece.”
disse de outra coisa? (LISPECTOR, 1984, p. 51).
- Aqui.
- Na sorveteria Gatão o sorvete é bom Aniversário
porque tem gosto igual da cor. Para você
carne tem gosto de carne? - Amanhã faço dez anos. Vou
- Ás vezes. aproveitar bem este último dia de nove
- Duvido! Só quero ver: da carne anos.
pendurada no açougue?! Pausa, triste:
- Não. - Mamãe, minha alma não tem dez
- E nem da carne que a gente fala. anos.
Não tem gosto de quando você diz que - Quanto tem?
carne tem vitamina. - Só uns oito.
- Não fala tanto, come. - Não faz mal, é assim mesmo.
- Mas você está olhando desse jeito - Mas eu acho que devia contar os
para mim, mas não é para eu comer, é anos pela alma. A gente dizia: aquele
porque você está gostando muito de cara morreu com vinte anos de alma. E o
mim, adivinhei ou errei? cara tinha morrido mas era com setenta
- Adivinhou. Come, Paulinho. anos de corpo. (LISPECTOR, 1964, p. 216)
- Você só pensa nisso. Eu falei muito
para você não pensar em comida, mas Aniversário
você vai e não esquece.
(LISPECTOR, 1964, p. 176-8). Começou a cantar, interrompeu-se e
disse:
A VIDENTE - Estou cantando em minha
homenagem. Mas, mamãe, eu não
A cozinheira é Jandira. Mas esta é aproveito bem meus dez anos de vida.
forte. Tão forte que é vidente. Uma - Aproveitou muito bem.
de minhas irmãs estava visitando-me. - Não, não quero dizer aproveitar
Jandira entrou na sala, olhou sério para fazendo coisas, fazendo isso e fazendo
ela e subitamente disse: aquilo. Quero dizer que não fui contente
“A viagem que a senhora pretende o suficiente. O que é? Você está triste?
fazer vai-se realizar, e a senhora está - Não. Vem cá para eu te beijar.
atravessando um período muito feliz na - Viu? Eu não disse que você estava
vida”. triste?!
E saiu da sala. Minha irmã olhou para Viu quantas vezes você me beijou?!
mim, espantada. Um pouco encabulada, Quando uma pessoa beija tanto outra pé
porque está triste. (LISPECTOR, 1964, p.
216).

ANO 5, Nº 5, VOL. 5, 2015 261


MINICURRÍCULOS
5º CONGRESSO INTEGRADO
DO CONHECIMENTO

G erson T enório dos Santos


Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/3847046761939559

Possui graduação em Tradutor Intérprete Português Inglês pela Universidade Ibero


Americana (1982), graduação em Licenciatura Português Inglês pela Universidade
Ibero Americana (1982), graduação em Pedagogia pela Universidade Camilo Castelo
Branco (1987), mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1995) e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2001). Atualmente é coordenador do curso de
Letras e professor titular da Universidade Camilo Castelo Branco nas áreas de estudos
linguísticos e semióticos. Coordena, ainda, na mesma instituição o Curso Lato Sensu
em Literatura Contemporânea. É também coordenador do Polo Itaquera dos cursos de
graduação em EaD da UNICASTELO. Participa do Grupo de Estudos de Poéticas da Poesia
e da Prosa do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da
PUC-SP. É parecerista da revista eletrônica “Fronteiraz” do PEPG de Literatura e Crítica
Literária da PUC-SP. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em formação de
professores de língua portuguesa e estudos da linguagem, atuando principalmente nos
seguintes temas: linguística, semiótica, estudos literários, fenômeno religioso, sagrado,
comunicação e cultura. 

Vera L úcia Bastazin


Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4107059968334160

Possui graduação em Língua e Literatura Francesas e Língua e Literatura Portuguesas


pela PUC-SP; mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica/ Literatura, pela
mesma Universidade, onde atualmente é Professora-Associada. Participou nessa
mesma Universidade, da fundação do Programa de Pós-Graduação em Literatura e
Crítica Literária do qual é, atualmente, coordenadora. Ministra aulas nos cursos de
Graduação em Letras e do Programa de Pós-graduação em Literatura e Crítica Literária.
Sua atuação ocorre nas áreas de Teoria Literária, Literatura Comparada, Literatura
Brasileira e Portuguesa e Crítica Literária. Suas pesquisas mais recentes estão
centradas no romance contemporâneo. Publicou, nos últimos anos, “Mito e Poética na
Literatura Contemporânea - um estudo sobre José Saramago”. Ateliê Editorial, 2006,
2.ª edição/2014 (no Prelo). Em 2007, como resultado de pesquisa desenvolvida com
professores de Filosofia, História e Literatura, lançou “Literatura Infantil e Juvenil:
uma proposta interdisciplinar”. Editora Articulação Universidade/Escola; e, em 2011,
“Poesia Contemporânea” São Paulo: EDUC/ CAPES . Possui, também, vários ensaios,
artigos e capítulos de livros publicados no Brasil e no exterior.

P aulo Cesar Carneiro L opes


Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4639576675383372

Possui mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1995) e


doutorado pela Universidade de São Paulo (2000). Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Literatura. Procura, a partir da Literatura, manter diálogo constante
com outras áreas do saber, principalmente Filosofia e Teologia, Análise do discurso e
Antropologia. É professor e pesquisador pela Universidade Camilo Castelo Branco.

Fábio A ntônio Colombo


Usos e Aplicações da Biologia Molecular
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8173922028816245

Atualmente no Programa de Pós-Doutorado da CAPES (PNPD), possui Doutorado em


Ciências na área de Pesquisas Laboratoriais em Pública pela Coordenadoria de Controle
de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde com período sanduíche realizado no
Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em Atlanta- USA (2012), possui
mestrado em Ciências na área de Pesquisas Laboratoriais em Saúde Pública pela
Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde (2007), é
graduado em Farmácia Bioquímica pela Universidade Federal de Alfenas (1999).
Tem experiência na área de Analises Clinicas, com ênfase em Diagnostico molecular
e sorológico, atuando principalmente nos seguintes temas: diagnostico molecular,
PCR, PCR tempo real, pacientes HIV positivos, toxoplasmose cerebral, leishmanioses,
angiostrongilíase, amebas de vida livre e esquistossomose mansonica.
M arcos Roberto F urlan
Cuidados no uso das plantas medicinais
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5557555657261017

Possui graduação em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita


Filho (1981), mestrado em Agronomia (Horticultura) pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (1987) e doutorado em Agronomia (Horticultura) pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000). Atualmente é professor
assistente III da Universidade de Taubaté, prof. do Mestrado em Desenvolvimento
Humano da UNITAU, membro do Comitê de Ética em Experimentação Animal da
UNITAU, Consultor ad hoc de Revistas Científicas, Conselheiro do CREA/SP, professor
e coordenador em curso de especialização em Fitoterapia do GANEP. Tem experiência
na área de Agronomia, com ênfase em Plantas Medicinais, atuando principalmente
nos seguintes temas: aspectos agronômicos das plantas medicinais, condimentares e
aromáticas, etnobotânica e fitoquímica.

Carlos P edro Staudt


Sustentabilidade, Inovação, e Negócios: desafios e oportunidades
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5516808780682703

Engenheiro pós-graduado em gestão ambiental. Proprietário da


Ecosfera 21. Consultor em sustentabilidade empresarial. Professor convidado do SENAC.

Walter M oreira
Relações conceituais em ontologias e sistemas de classificação
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/6780125312954825

Graduado em Biblioteconomia pelas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila, Mestre


em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas e Doutor em Ciência da Informação pela Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo. Docente do Departamento de Ciência da Informação
da Universidade Estadual Paulista (UNESP), atuando nos cursos de graduação em
Arquivologia e Biblioteconomia e no Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação (PPGCI/UNESP). Desenvolve pesquisa sobre terminologia, ontologias e
teoria da classificação. Possui experiência na área de ciência da informação, atuando
principalmente nos seguintes temas: organização do conhecimento, linguagens
documentais, terminologia e ontologias.
M arcius T adeu M aciel N ahur
Redes de Comunicação: os desafios contemporâneos de uma autêntica cultura do encontro
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5587022549679287

Marcius Tadeu Maciel Nahur, nascido em Lorena -SP, em 1968. Mestre em Direito
pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL - Lorena, 2007). Delegado
de Polícia (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo). Professor titular de várias
disciplinas no UNISAL (Lorena) e no Curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova
(Cachoeira Paulista). Experiência na área de Direito, História e Filosofia. Membro do
Grupo de Pesquisa Ética e Direitos Fundamentais, cadastrado no CNPQ.

Francine da Cunha Souza de L ima


Técnicas didáticas sobre a linguagem tridimensional
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5861016111667603

Mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes – UNESP/SP

D iogo T eixeira de Carvalho


UMA JORNADA PELOS MÉTODOS DE DESCOBERTA E PLANEJAMENTO DE NOVOS FÁRMACOS

Graduado em Farmácia e doutor em Química Medicinal. É professor de graduação e


pós-graduação da UNIFAL. Seus interesses são a síntese e investigação biológica de
derivados obtidos a partir do eugenol e compostos correlatos. 
K atie Cristina T akeuti Riciluca
Peptídeos bioativos no Plasma de Acanthoscurria rondoniae
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8447529307670998

Endereço Profissional
Centro de Toxinas, Imuno-Resposta e Sinalização Celular (CeTICS/CEPID)
Instituto Butantan. Av Vital Brazil, 1500 CEP 05503-900 São Paulo SP Brasil
Telefone (+55) 011 2627-9731
Email: [email protected]/ [email protected]

Formação Acadêmica
2015 – Doutorado Sanduíche – NeCEN – Universiteit Leiden – Netherlands (6 Meses)
Orientador: Prof. Dr. Marin van Heel
2012 – 2016 - Doutorado em Biotecnologia. Programa de Pós Graduação em
Interunidades em Biotecnologia, ICB – USP. Orientador: Dr. Pedro Ismael da Silva Junior
2009 – 2011 - Mestre em Ciências. Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria
de Saúde do Estado de São Paulo Orientador: Dr. Pedro Ismael da Silva Junior
2007 – 2009 - FUNDAP/Bioquímica – Instituto Butantan Orientador: Dr. Pedro Ismael
da Silva Junior
2000-2004 - Bacharelado em Ciências Biológicas - Universidade de Taubaté – São Paulo.
Orientadora Dra. Gisela R.A.M. Marques

Artigo Publicado
Riciluca, K.C.T., Sayegh, R.S.R., Melo, R.L., Silva, P.I. Rondonin an antifungal peptide
from spider (Acanthoscurria rondoniae) haemolymph. Results in Immunology. v.2, p.66
- 71, 2012.

Premiações
2014 - Prêmio Conesul – Selecionada para apresentar o trabalho na forma oral (inglês)
e pôster na 43° Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia
Molecular – SBBq. A novel pathway of arachnida Imune System.
2013 – Prêmio Honra ao Mérito - Professora co-orientadora de estudante premiada
em Feiras e Mostras Científicas apoiadas pelo MCIT/CNPq/SECIS/MEC/CAPES e na Intel
ISEF 2013.
2013 – Credenciamento para Participação na Feira Internacional de Ciências e
Engenharia – INTEL/ISEF – Arizona – EUA – Professora co-orientadora (4° Lugar em
Bioquímica)
Experiências Profissionais e Projetos Científicos
2007 – Hoje – Moléculas Bioativas da hemolinfa da aranha Acanthoscurria rondoniae
Este projeto busca o melhor entendimento do sistema imune de aracnídeos através
de técnicas de purificação e caracterização de peptídeos antimicrobianos e moléculas
presentes na hemolinfa, ensaios de inibição de crescimento de microrganismos,
extração e inibição de DNA/RNA de microrganismo, sequenciamento de peptídeos,
eletroforese, microscopia eletrônica.

2012 – 2013 – Estudo de moléculas com atividade antimicrobiana em aracnídeos:


Veneno de Escorpião
Este projeto se trata da identificação de moléculas antimicrobianas no veneno do
escorpião Tityus serrulatus. (Co-orientadora)

Flaviane M illiano
Evolução do acervo analógico para o digital
Arquivista na TV Aparecida, graduada em Biblioteconomia, Especialista em Indexação
pela FATEA, Pós Graduanda em Comunicação em Mídias Digitais, Estácio de Sá.

S ilvana Soares
Influências para a escolha profissional na juventude
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/3948935047998152

Formação acadêmica: Graduação em Pedagogia com especialização  em Orientação


Educacional e Administração Escolar, curso de qualifica em Espiritualidade do Instituto
das Filhas de Maria Auxiliadora na Pontíficia Facoltà di Scienze dell´Educazione Auxilium
de Roma. Mestrado em Educação com menção em Gestão Educativa na Universidade
politécnica salesiana do equador, doutoranda em Educação pela Universidade
Metodista de São Paulo.
O lga de Sá
O humor em Clarice Lispector
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/1199024162027101

Possui graduação em Letras Clássicas pelo Instituto Sedes Sapientiae (1954), graduação
em Bacharel / Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1950), graduação em Biblioteconomia - Faculdades Integradas Coração de Jesus-
Santo André - SP (1978), graduação em Scienze Religiose - Istituto Internaz. Superiore
di Pedagogia e Scienze Religiose delle FMA (1960), mestrado em Teoria Literária pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1975), doutorado em Comunicação e
Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1983) e pós-graduação em
Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1986).
Tem experiência na área de Filosofia, Psicologia e Artes, com ênfase em Literatura,
atuando principalmente nos seguintes temas: Clarice Lispector, literatura brasileira,
critica literária, cinema, literatura e semiótica, critica e interpretação, semiótica e
religião, literatura e cinema, literatura e psicanálise.

Cladenir D ias de L ima


Memórias Coletivas
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/1358097983042760

Artista Pesquisador, mestre em Artes Visuais pela UNESP/ SP - 2013. Pós Graduado em
Gestão Cultural - SENAC/Rio - 2010. Graduado em Pedagogia pela UNESP\UNIVESP
- 2013 e Artes Plásticas pela UNESP/Bauru - 2003. Professor de Arte efetivo da Rede
Pública de Educação do Estado de São Paulo desde 2005. Integrante do Grupo de
Pesquisa Poéticas Hibridas coordenado pelo Prof. Dr. Agnus Valente e Prof. Dr. Wagner
Cintra.

D iego de M agalhães Barreto


O uso do celular como ferramenta educativa: uma produção audiovisual
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Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté (2013), graduado em


Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV pelas Faculdades Integradas Teresa
DÁvila (2010) e Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi (2007) e autor de
artigos na área da Educação e da Comunicação. Professor das Faculdades Integradas
Teresa DÁvila (FATEA) e da Etec Padre Carlos Leôncio da Silva.
M aria A parecida Caltabiano M agalhães Borges da Silva
O professor de língua na contemporaneidade: competências e desafios
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Doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (1999)


mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1988), possui graduação em Letras Português Inglês pela
Faculdade Salesiana de Filosofia Ciências e Letras de Lorena (1972). Professor associado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem atuado na área de Linguística/
Linguística Aplicada, principalmente com: formação de professores, uso de tecnologias
na educação, ensino-aprendizagem de língua materna e língua estrangeira, elaboração
e avaliação de material didático e linguística educacional.

MESA REDONDA: O F uturo e as T ecnologias

E dvaldo Souza
Formado em comunicação Social e mestre em Televisão Digital pela Universidade
Estadual Paulista - UNESP.  Especialista em Gestão de Conteúdos audiovisuais na TV
Aparecida.

E duardo Spinelli de A raújo


Eduardo Spinelli é redator, roteirista, web writer e storyteller com mais de 15 anos de
experiência.·.
É formado em Publicidade e Propaganda pela Unitau, fez MBA em Marketing na FGV e
Pós-Graduação em Leitura e Produção de Textos na Unitau.
Atuou como diretor de criação nas maiores agências de Taubaté e São José dos Campos,
especializando-se em propaganda de varejo, branded content, moda, segmento
imobiliário, automotivo e marketing político. Em 2009, foi jurado no Prêmio Abril de
Publicidade, na categoria Criação Revista Regional.
Foi professor de Criação Publicitária na UNIVAP (Universidade do Vale do Paraíba) e no
SENAC.
É o criativo do Vale do Paraíba com mais peças publicadas.
Franthiesco A nthonio Ballerini M anso
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4761273052745720

Possui mestrado em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo


(2008). Trabalhou como repórter, editor e crítico para os jornais O Estado de S.Paulo e
Jornal da Tarde por oito anos. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase
em Jornalismo Especializado (Comunitário, Rural, Empresarial, Científico), atuando
principalmente nos seguintes temas: comunicação, jornalismo, cinema, cultura e
revistas científicas. Colaborou para as revistas Bravo!, Quem!, Contigo, Sci-fi News e
FlashNews, além de ter sido colunista cultural da Rádio Eldorado e colunista da Revista
O Vale. É autor dos livros Diário de Bollywood - Curiosidades e Segredos da Maior
Indústria de Cinema do Mundo, Cinema Brasileiro no Século 21 e Jornalismo Cultural no
Século 21, todos pela Summus Editorial. Atualmente, é Coordenador Geral e Professor
de cultura da Academia Internacional de Cinema, em São Paulo, colaborador da
Revista Cult, professor da Graduação das Faculdades Integradas Rio Branco e professor
convidado da Pós-graduação da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

Fábio K ummrow
Fármacos como poluentes: o que sabemos e quais os desafios
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5860088594236271

Possui graduação em Farmácia e Bioquímica pela Universidade do Vale do Itajaí (1998),


Mestrado em Farmácia (área de concentração Toxicologia e Análises Toxicológicas) pela
Universidade de São Paulo (2001) e Doutorado em Toxicologia e Análises Toxicológicas
pela Universidade de São Paulo (2006). Atua como Professor das unidades curriculares
Análises Toxicológicas e Ecotoxicologia na Universidade Federal de São Paulo campus
Diadema (2010). Docente permanente do curso de Mestrado em Ecologia e Tecnologia
Ambiental da Universidade Federal de Alfenas (2009) e atua como Professor Visitante
no curso de Mestrado em Tecnologia da Faculdade de Tecnologia da Universidade
Estadual de Campinas (2011). Tem experiência na área de Toxicologia Ambiental e
Ecotoxicologia trabalhando com contaminantes genotóxicos, extração por blue rayon,
contaminação de águas doces e estuarinas, Mutagenicidade de material particulado
do ar, exposição ambiental a metais tóxicos, avaliação da toxicidade de resíduos da
indústria têxtil e farmacêutica veterinária, análises químicas direcionadas pelo efeito
biológico (ADEB) e avaliação ecotoxicológica de nanomaterias.
Flávio de Vasconcelos Camargo
Bioinvasão: um inimigo silencioso
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Possui graduação em Ciências biológicas pela Universidade de Taubaté (2004) e


Especialização em biologia marinha (2006) Mestrado em zoologia pelo Instituto Básico
de Biociências UNESP de Botucatu (2011) tendo experiência na área de Zoologia,
com ênfase em Zoologia, ecologia marinha e carcinologia, atuando principalmente
nos seguintes temas:biologia geral, zoologia, biologia marinha, biodiversidade de
crustáceos, ecologia geral,diversidade biológica de macroinvertebrados aquáticos e
educação ambiental; faz parte do grupo de pesquisa NEBECC (núcleo de estudos em
biologia, ecologia e cultivo de crustáceos) de Taubaté-SP e NEMI (Núcleo de estudo
de Macroinvertebrados e crustáceos de água doce (FEPI) , Coordenador do curso de
ciências biológicas e professor de regime parcial do Centro universitário de Itajubá-
MG. Membro coordenador da e-bio consultoria ambiental, realizando trabalhos de
levantamento faunístico em diversas áreas.

D iego A níbal P ortas


Bioinvasão: um inimigo silencioso
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Possui graduação em Arquitetura pela Universidade de Buenos Aires (1999) mestrado


em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). Dissertação:
“Estratégias Projetuais Contemporâneas - Sobre a Tectônica na Arquitetura de São
Paulo”. Atualmente é Professor Assistente de Projeto da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - FAU UFRJ (2011- ). Foi Professor de Projeto na Pontifícia Universidade Católica
de Rio de Janeiro - CAU PUC-Rio (2005-2012) e Professor de Projeto na Universidade
de Buenos Aires - FADU UBA (1995-2001) Tem experiência na área de Arquitetura
e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: projeto, construção,
tectônica e crítica. 

Roberto T odor
Os benefícios dos games para a educação
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Com graduação em Desenho Industrial, começou cedo a explorar sua habilidade visual
como fotógrafo. Já trabalhou desde gerente de produção em gráfica passando por
produtor cultural, estratégia de marketing em agências de publicidade até a criação,
direção e produção de vídeo institucionais com trabalhos apresentados em várias
cidades no Brasil e no exterior. Participou de eventos internacionais na Inglaterra e nos
E.U.A. Deu uma volta ao mundo por um ano a fim de pesquisar vários países com suas
peculiaridades, histórias, culturas, sons, cheiros, cores, luzes e formas. Há 12 anos vem
aplicando e aprimorando sua experiência tanto na criação, direção e produção de mídia
eletrônica e impressa, como em produção de vídeos, para empresas e instituições nas
áreas educacional e social. Desde 2008 vem criando e desenvolvendo jogos digitais
educativos para a Michelin, Prefeitura do Rio de Janeiro e o Instituto Unibanco; e que
vem sendo testados e aplicados em escolas públicas e privadas. 

J oaquim M aria G uimarães Botelho


Processo criativo na literatura em tempos de Internet: Muda alguma coisa?
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Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero (1984) e mestre em


Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP (2003). Atualmente é sócio-diretor da empresa
Palas Comunicação Social Ltda. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase
em produção de livros institucionais, gerenciamento de crise em comunicação, media
training e assessoria de imprensa. Presidente da União Brasileira de Escritores entre
os anos de 2010 e 2015.

A na L eticia P enedo
Os 4 elementos da natureza: A educação do sensível como presença na formação perceptiva das
crianças

Natural de Barra Mansa/RJ, radicada em São Paulo desde 1987, trabalha com educação
e arte.
Especialista em Arte Educação, pela ECA/USP e Arte do Brincante para Educadores,
pelo Instituto Brincante/SP.
Atua como professora de Arte do Ensino Fundamental na Escola Nossa Senhora das
Graças desde 1996. 
Cursa pós-graduação  Educação em Museus e Centros Culturais, no Instituto
Singularidades, em São Paulo. É responsável pelo educativo do Instituto Cultural Clécio
Penedo.
Com ampla experiência na área educacional em instituições particulares
e públicas, participou de oficinas e palestras em cursos de formação de
professores. Fez parte do setor educativo da  21ª e 24ª Bienal de São Paulo com
mediação de visitas de escolas e público em geral. Fez parte do setor educativo
da  Mostra do Redescobrimento, em 2000, ministrando cursos para professores.
Atualmente desenvolve uma pesquisa na área da Educação Sensível. Após cursar
dois anos do Seminário para Professores na Escola Rudolf Steiner, amplia sua área de
investigação para a questão do mito, o comportamento e a arte contemporânea.

Caio de A ndrade
Roteiro: o texto nos diversos meios: Televisão, cinema, e teatro
Dramaturgo, diretor e produtor teatral, Caio de Andrade nasceu em Lorena (SP), no
dia 25 de novembro de 1960 e construiu sua carreira no Rio de Janeiro. Formado em
jornalismo, trabalhou na TV Manchete e SBT.
Ao longo de seus dez anos na televisão fez inúmeros cursos e oficinas de teatro, chegando
a dirigir alguns espetáculos. Nos palcos, como autor e diretor, vem construindo uma
ponte entre o teatro e a história do Brasil. Foi o criador do Projeto História em Cena,
no Centro Cultural Banco do Brasil - RJ, que levou milhares de estudantes ao teatro ao
longo dos seus três anos de existência.
Participou de encontros com importantes companhias inglesas, na área de teatro-
educação e de inúmeros festivais no Brasil e no exterior.  É, hoje, um dos profissionais
de teatro mais atuantes e premiados da sua geração.

Carlos N ogueira
A escrita de Ricardo Guilherme Dicke: distopia, utopia e ecocrítica
Doutor em Literatura Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, mestre em Estudos Portugueses e Brasileiros, docente na Universidade Vigo
e Pesquisador do IELT na Universidade de Lisboa-Portugal. Na última hora, motivos
pessoais o impediram de vir ao Congresso, mas tinha enviado seu texto.

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