Esquecimento Ricoeur
Esquecimento Ricoeur
Esquecimento Ricoeur
Resumo
1 INTRODUÇÃO
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Doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, mestre em
Ciências da Religião pela mesma instituição, especialista em Docência no Ensino Superior pelo
Centro de Ensino Superior de Maringá e graduado em Teologia pela mesma instituição. Bolsista da
CAPES.
PARALELLUS, Recife, Ano 3, n. 6, jul./dez. 2012, p. 217-226. ISSN: 2178-8162
~ 218 ~ TADA, Elton Vinicius Sadao. A percepção do esquecimento: uma análise...
poderiam contar com o mesmo epílogo: “o perdão difícil”. Entretanto, além desses
três possíveis livros dentro de um só, é possível fazer uma leitura de um quarto livro,
tendo como título e chave o esquecimento. É no momento que escreve sobre o
esquecimento que Ricoeur traz à tona todas as questões centrais do livro. Portanto,
ao invés da memória, o esquecimento poderia ser a chave de leitura – ou pode ser,
no presente – da obra em discussão.
É nesse sentido que o presente trabalho se desenvolverá. A partir dos
problemas do esquecimento serão analisadas as particularidades da memória e
astutamente serão feitas algumas aplicações experimentais no âmbito do estudo de
religiões.
2 COMO ESQUECER?
Como se pode saber ao cortar uma árvore o número de ciclos pelos quais ela
passou, assim também pode-se ler neurologicamente os rastros corticais da
memória. Entretanto, ver a marca dos ciclos passados pela árvore a partir do corte
nela feito não nos permite compreender exatamente o que se passou durante a
formação de cada uma daquelas marcas. Ou seja, há o rastro correto de que algo ali
aconteceu, mas não se sabe exatamente o que. O córtex é como essa árvore. No
cérebro ficam as marcas positivas e presentes daquilo que algum dia aconteceu ali.
Mas esses rastros não carregam em si o conteúdo dos fatos acontecidos. “De fato, o
esquecimento continua a ser a inquietante ameaça que se delineia no plano de
fundo da fenomenologia da memória e da epistemologia da história” (RICOEUR,
2010, p. 423).
A religião bem como os atos religiosos em geral tem uma seria ligação com a
questão ambivalente da memória e do esquecimento. Algumas religiões assim como
o cristianismo se utilizam de livros sagrados que possuem narrativas de experiências
religiosas de determinados povos e pessoas em determinadas épocas. No
cristianismo em particular sabe-se que a tradição do pensamento cristão se
desenvolveu a partir da leitura, interpretação e tentativa de resguardar determinadas
memórias. O arquivo textual não é exatamente ponto no qual se quer tocar na
presente analise. Aos derredores desse arquivo existem diversas cadeias de
memória e esquecimento as quais muitas vezes e por motivos variados não são
tratadas com a atenção necessária.
Permanecendo no âmbito do cristianismo sabemos que a Bíblia, o livro
sagrado que é considerado o arquivo central da história do pensamento cristão,
constitui-se da escrita de tradições orais antiquíssimas interpretadas por
comunidades judaicas e por narrativas de judeus convertidos ao pensamento
messiânico cristão dos primeiros séculos de nossa era, portanto, sabemos que
essas escrituras são o ponto de conexão entre memórias e esquecimentos do
judaísmo pré-cristão e do cristianismo primitivo com esquecimentos e memórias da
tradição cristã de leitura e interpretação das mesmas.
Essa conexão mostra a amplitude da problemática que se lida quando se leva
em conta a questão do esquecimento e da memória em relação à religião. Existem
muitos dados que poderiam servir de exemplo para a presente argumentação,
entretanto continuemos na tentativa fenomênica de entender como se dão as
estruturas de tal evento.
Pode-se imaginar o quanto o pensamento cristão foi esquecido nas
interpretações bíblicas da patrística, escolástica, e em toda a tradição do
pensamento cristão. Quando vemos a vasta obra de Aurélio Agustinho, Santo
Agostinho de Hipona, temos a sensação de completude, de que tudo que deveria
ser dito naquele momento foi de alguma forma tratado pelo santo padre. Toda essa
obra é fruto da leitura, interpretação e experiência cristã de Agostinho, mas não
sabemos exatamente até que ponto a memória pode ajudar o bispo erudito e até
que ponto o esquecimento reinou em sua silenciosa presença. Se multiplicarmos
4 O FILHO PRÓDIGO
Com intenção de fazer uma breve aplicação do que temos dito sobre
esquecimento e memória no âmbito da religião e da literatura sagrada iniciamos aqui
uma análise sobre a narrativa do filho pródigo. Para os fins desejados não se faz
necessário uma analise exegética profunda, pelo contrário far-se-á apenas
apontamentos acerca das questões que nos interessam sobre a dita parábola.
A parábola do filho pródigo é uma narrativa muito conhecida entre os cristãos
e tem sido objeto de análise de teólogos ao longo dos tempos. Na presente análise
seria possível o estudo sobre o esquecimento e a memória a partir da recepção
religiosa da narrativa, ou seja, sobre o impacto que a narrativa causa no cristão que
a lê ou que de alguma forma chega a conhecê-la. Entretanto, adotamos aqui o
posicionamento de fazer um estudo sobre a memória e o esquecimento dentro da
própria narrativa, especialmente sobre o esquecimento e a rememoração do próprio
filho pródigo.
A narrativa nos mostra a história de um pai com dois filhos dos quais um deles
resolve deixar a casa de seu pai requerendo para tal intento o adiantamento da parte
da herança que lhe cabia. Após diversas jornadas longe da casa de seu pai esse
mesmo filho se vê sem recursos financeiros e sem a quem pedir socorro. Durante
todo esse período em que o filho sai da casa do pai toma sua parte da herança e a
gasta nada foi dito sobre como era o estilo de vida dos empregados de seu pai.
Esses empregados não são nomeados na narrativa nem descritos de forma
particular, eles só aparecem em cena quando o filho pródigo afirma que até os
empregados de seu pai possuíam uma condição de vida melhor do que aquela
infortuna na qual ele se encontrava comendo lavagem junto aos porcos no chiqueiro
de alguém. Aqui podemos notar que havia um conhecimento do filho pródigo em
relação à condição de vida dos empregados de seu pai. Entretanto, esse
conhecimento permanece esquecido até o momento da rememoração que é
também a base para uma reflexão existencial sobre a própria condição do
personagem em questão.
O brilho que Paulo Leminski aponta haver na narrativa do filho pródigo tem
como desencadeamento central a polaridade entre esquecimento e rememoração.
Certamente essa ação dialética pode ser encontrada em muitos outros textos da
Bíblia cristã. Entretanto, somente quando se leva em conta a importância do
momento do esquecimento bem como de sua rememoração é que se pode garantir
uma leitura bem estruturada do texto proposto. Caso contrário o texto seria visto
apenas em termos positivos, deixando de lado toda a riqueza da negatividade
daquilo que deixa de ser dito por conta do esquecimento necessário.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abstract
Based on the perspectives of Paul Ricoeur in his book "Memory, History and
Oblivion" this paper want to analyze the relationship between memory and oblivion
and their relation to religious studies. Starting from the problems of oblivion we will
analyze the peculiarities of memory, making some experimental applications in the
study of religions and for better enforcement of the terms oblivion and memory within
the religion this article also conducts an analysis on the narrative of the parable of the
Prodigal Son. Finally, we conclude the importance of interdisciplinary studies within
the religion, raising the issue of religion in dialogue with the wider scientific
productions of contemporary academic studies.
REFERÊNCIAS