99-013P-Soiri FF .

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Moçambique: aprender a caminhar com uma bengala emprestada?

Ligações entre descentralização e alívio à pobreza.

Iina Soiri

Com o apoio financeiro do Governo da Finlândia e da Comissão Europeia.

Dezembro de 1999
Prefácio e Agradecimentos
Nos últimos anos, muitos países ACP iniciaram processos de descentralização com o apoio de dadores
externos. Se a descentralização – tida como a devolução de recursos, tarefas e poder de decisão para
órgãos de governo regional e/ou local eleitos – funcionar, pode ajudar a mais e melhor
desenvolvimento. A descentralização pode criar ‘espaço’ para pessoas e organizações da sociedade
civil participarem activamente no processo de desenvolvimento; tende a desenvolver a capacidade de
resposta das instituições do governo e a melhorar a atribuição de recursos (incluindo as várias formas
de ajuda); e pode ajudar a desenvolver recursos económicos locais, favorecer o crescimento e criar
emprego. Governos ACP e dadores não partilham necessariamente dos mesmos propósitos no apoio à
descentralização, podendo eventualmente os seus objectivos serem diferentes.

Este estudo de caso sobre a descentralização e o alívio à pobreza em Moçambique foi realizado por
Iina Soiri do Instituto de Estudos de Desenvolvimento (IDS, Institute of Development Studies) da
Universidade de Helsínkia. O objectivo do estudo é contribuir para o debate sobre novas áreas e
modalidades da cooperação UE-ACP.

O presente estudo faz parte de um projecto mais amplo de análise comparativa das ligações entre
descentralização e alívio à pobreza em três países africanos (Etiópia, República da Guiné e
1
Moçambique) .

Três grandes questões serviram de guia a este projecto:

1) Até que ponto o processo de descentralização está a criar mais ‘espaço’ para pessoas e
instituições locais se poderem tornar e assumir como actores do seu próprio desenvolvimento?
Foi esta preocupação que nos levou a considerar as “políticas” dos processos de descentralização
em questão (porquê a descentralização? O alívio à pobreza é, e se o é até que ponto, um objectivo
declarado da descentralização? Quais as principais características do processo?)

2) Qual o mandato dos governos locais na luta contra a pobreza? Daí a atenção dada neste projecto
ao papel actual e potencial dos governos locais nas estratégias de alívio à pobreza e às suas
limitações em termos de legitimidade, credibilidade e eficácia. Quais as estratégias e medidas de
apoio que podem ajudar os governos locais a tornarem-se efectivos agentes de desenvolvimento?

3) Que papel para os dadores? Outra importante variável. Até que ponto dadores e ONGs
estabelecem de forma explícita uma ligação entre descentralização e alívio à pobreza, quer em
termos de definição de políticas quer ao nível operacional? Que tipo de apoio fornecem para
assegurar essa ligação? O que é que funciona e o que não funciona? Que mudanças seriam
desejáveis no futuro?

O presente estudo foi realizado graças ao apoio do Governo da Finlândia e da Comissão Europeia (DG
Desenvolvimento). Importa sublinhar que as opiniões e conclusões expressas neste estudo não
representam necessariamente as da Comissão Europeia, do Ministério finlandês dos Negócios
Estrangeiros nem as dos seus representantes e/ou parceiros em Moçambique.

O nosso especial agradecimento a Jeremy Gould, do IDS, que supervisionou, revisou e corrigiu a
versão inglesa deste estudo. Os nossos agradecimentos também a Fernanda Faria pela revisão e
correcção da tradução do texto original, em inglês, para português, realizada por Sarita Mojane, e
ainda a Sophie da Câmara, Peter Ballantyne, Suzanne Cartigny, Carola Baur e Patrícia Ferreira.

1
de Jong, K., C. Loquai e I. Soiri, 1999. Decentralisation and Poverty Reduction: Exploring the linkages. Helsínkia: IDS
e ECDPM.

1
Sumário
O presente relatório é o resultado de um estudo sobre as ligações entre as políticas de descentralização
e de alívio à pobreza em Moçambique. Foi realizado com base em três semanas de trabalho de campo
em três regiões de Moçambique: Chimoio na província de Manica, Pemba na província de Cabo
Delgado, e Maputo, a capital. O material de base que serviu para a realização deste relatório consiste
essencialmente em entrevistas com os actores relevantes no processo de descentralização, documentos
e publicações oficiais do governo, material de imprensa e estudos relacionados com a questão,
nomeadamente documentação e estudos sobre desenvolvimento económico e humano em
Moçambique.

Desde os anos 80 que Moçambique está a conhecer rápidas transformações no plano económico,
político e administrativo. O novo regime multi-partidário iniciou um processo de reforma
administrativa no âmbito do Programa do governo de Reforma dos Órgãos Locais (PROL), lançado
em 1991 e financiado pelo Banco Mundial. Um novo quadro institucional para a reforma do governo
local, a Lei 2/97, foi aprovada permitindo, juntamente com outros instrumentos legais, a realização das
primeiras eleições autárquicas em Junho de 1998 e a criação de 33 autoridades municipais autónomas
ou autarquias locais.

Relativamente às políticas da descentralização, o relatório defende que a presente falta de consenso


político entre o partido no poder, a FRELIMO, e a principal força da oposição, a RENAMO, limita
seriamente o processo de descentralização e o papel dos actores locais. É opinião mais ou menos
generalizada que a principal razão que impediu um processo de descentralização democrática,
conforme inicialmente planeado, foi o receio por parte do governo de pôr em causa a unidade
nacional e territorial de Moçambique e de perder o controlo sobre os recursos naturais e
económicos do país. Contudo, ainda que modesto, o presente processo de descentralização é
amplamente considerado como uma via de reforço da democratização política em Moçambique e de
abertura a uma futura partilha do poder.

O alívio à pobreza é um dos objectivos mais urgentes do governo a todos os níveis. Este estudo
demonstra, porém, que não há uma ligação explícita entre as políticas de descentralização e de alívio à
pobreza. Como não existe ainda informação suficiente nem credível sobre a situação de pobreza ao
nível provincial, tãopouco existem planos regionais ou locais de alívio à pobreza. No entanto, é
geralmente aceite que uma maior mobilização de recursos por parte das novas autoridades locais e
uma maior participação comunitária pode ajudar no combate à pobreza. Por outro lado, a fraca
capacidade material e humana dos novos municípios constitui uma limitação particularmente relevante
para a mobilização de recursos locais e para o sucesso da planificação e implementação de estratégias
de alívio à pobreza.

Além disso, o papel dos novos órgãos autónomos de poder local no combate à pobreza não está
claramente definido. Não há uma clara definição de tarefas nem divisão de mandatos entre os
níveis central e provincial de governo, o que torna mais difícil às autoridades locais assumir as suas
responsabilidades. Este texto defende que a presente situação é o resultado da luta pelo controlo dos
recursos económicos entre os centros de poder aos níveis nacional e local, desafiando interna e
externamente o partido no poder, a Frelimo.

A marginalização de grupos de poder local, como os partidos de oposição e a sociedade civil, é


considerada uma importante limitação dos órgãos locais, ao mesmo tempo que diminuiu a capacidade
de resposta das autoridades locais aos problemas socio-económicos locais. O governo deveria dar
especial atenção à forte desigualdade entre os vários municípios e privilegiar os mais desfavorecidos
na atribuição dos seus recursos e na definição dos seus programas.

Quanto ao papel dos dadores na descentralização e/ou alívio à pobreza, este estudo conclui que um
país tão dependente da ajuda externa, como é o caso de Moçambique, está em grande medida sujeito à

2
influência directa ou indirecta das agências de ajuda externa e dos respectivos governos. Os
recuos no processo de descentralização democrática que limitaram a autonomia das autoridades locais
resultou numa retirada parcial dos dadores e acentuou a tendência para as agências de ajuda manterem
projectos isolados em vez de apoiarem as novas estruturas de governo. A ligação da comunidade
dadora com o alívio à pobreza está a ter impacto nas estratégias do governo que tendem a considerar o
alívio à pobreza como uma mera questão de melhor e mais efectiva gestão dos recursos existentes.
Além disso, a vontade do governo de respeitar os objectivos normativos de poderosas agências de
ajuda externa obrigou-o a procurar um equilíbrio entre as pressões externas para descentralizar e os
seus próprios objectivos políticos e económicos de manter o controlo a nível central.

3
Introdução
Este relatório constitui uma breve análise do processo de descentralização em curso em Moçambique e
das suas alegadas ligações com o alívio à pobreza. Começa com uma breve descrição geral dos mais
recentes desenvolvimentos políticos em Moçambique com o objectivo de contextualizar o tema em
questão.

O texto que se segue apresenta numa primeira parte uma visão geral do processo de descentralização
em curso em Moçambique, os seus objectivos, princípios e motivos de base, o processo político
conducente a uma falta de consenso quanto ao âmbito e ritmo da descentralização – por outras
palavras, as políticas da descentralização. Numa segunda parte, analisa o estado da pobreza em
Moçambique e as actuais políticas de resposta a este importante problema do país. O estudo trata em
seguida das novas autoridades locais autónomas, as autarquias locais, dando voz às observações e
reflexões das comunidades locais sobre o processo de descentralização, as suas implicações,
possibilidades e limitações do ponto de vista do alívio à pobreza. Finalmente, analisa o papel da
comunidade dadora no processo de reforma administrativa em geral e de descentralização em
particular, bem como no que respeita ao alívio à pobreza.

De acordo com a linha geral do projecto em que se integra, este estudo sobre o caso de Moçambique
visa testar as seguintes hipóteses:

1. A tensão entre grupos de poder local e o governo central relativamente à descentralização do


poder pode vir a resultar na limitação do âmbito e capacidade dos governos locais para servirem
de efectivo ponto de ligação no combate à pobreza (a dimensão política).
2. Os governos locais podem ter um valor acrescentado potencial no alívio à pobreza (desde que o
seu mandato e capacidades o permitam); a eficácia da sua contribuição dependerá muito
provavelmente dos princípios organizacionais da estrutura de governo local (a dimensão
institucional).
3. O grau de ligação entre as estratégias de descentralização e de alívio à pobreza dos dadores pode
vir a melhorar o impacto geral das suas acções de alívio à pobreza (o papel dos dadores).

No início de cada uma das quatro partes deste estudo, a hipótese central modificada com base no
contexto específico de Moçambique encontra-se em itálico. Conclusões e recomendações chave,
resultantes da análise do material recolhido durante o estudo no terreno, são apresentadas no final de
cada capítulo, em itálico. As pessoas entrevistadas no âmbito do estudo, bem como a documentação
oficial e outras fontes utilizadas são referidas nas notas de rodapé e na bibliografia e lista de
entrevistados anexas.

4
Antecedentes
Desde os anos 80 que Moçambique está a conhecer rápidas e significativas mudanças económicas,
políticas e administrativas. As origens dos actuais problemas políticos e administrativos remontam ao
período colonial e do pós-independência, em 1975. Moçambique herdou um conjunto de práticas
administrativas coloniais que não eram as adequadas para um país africano recém-independente. A
partida de funcionários civis e técnicos de origem portuguesa após a independência dificultou a
necessária transformação da administração colonial, que não procurou responder às necessidades de
educação e formação da população local para actividades administrativas e técnicas. Sob a liderança
do antigo movimento de libertação, a Frelimo, Moçambique independente tornou-se um Estado
socialista de partido único, baseado nos princípios do centralismo democrático. Num sistema político e
administrativo muito hierarquizado, as regiões careciam de autonomia, recursos e quadros para
administrar as suas respectivas áreas. O terceiro congresso da Frelimo em 1977 declarou a sua
intenção de avançar com a descentralização administrativa do Estado e a criação de postos provinciais,
distritais e administrativos, baseados no poder popular. Apesar destas declarações, o poder de decisão
cabia em última instância ao partido e aos seus órgãos largamente centralizados após a independência.
As funções dos órgãos regionais, distritais e locais nunca foram claramente definidas. Mesmo o mais
modesto desempenho de alguns destes órgãos não pôde ser melhorado devido ao crescente conflito
político, que culminou com a guerra entre o governo e o seu opositor político, a Renamo.

A deterioração da economia, a destruição das estruturas socio-económicas e da administração pública


devido à guerra e à falta de capacidade económica, administrativa e técnica, tiveram efeitos
devastadores para a situação política e económica de Moçambique. O aumento da pobreza, a
importante migração e deslocação da população em finais dos anos 80 obrigou a que em 19872 fosse
lançado um programa de reabilitação económica. Em 1990 foi aprovada uma reforma constitucional
que introduziu a democracia pluralista e multipartidária3. Finalmente, em 1992, com o apoio da
comunidade internacional, foi assinado em Roma um Acordo Geral de Paz que pôs fim ao conflito
armado entre a Frelimo e a Renamo. A nova Constituição e o Acordo de Paz, ao redefinirem a relação
entre o Parlamento e o executivo, permitiram à Renamo o acesso parcial ao poder, ainda que esse
poder se circunscrevesse ao Parlamento e se limitasse essencialmente a questões internas. Fora do
Acordo de Paz ficaram contudo questões como a da excessiva centralização e distribuição desigual de
poder político e económico entre as diferentes regiões. As primeiras eleições gerais multipartidárias e
presidenciais tiveram lugar em 1994. Ambas deram a vitória à Frelimo, que formou um governo de
partido único e nomeou governadores provinciais sem consultar a oposição.4

O novo governo continuou com a reforma administrativa no âmbito do Programa de Reforma dos
Órgãos Locais (PROL), conforme estabelecido em 1991 e financiado pelo Banco Mundial. A Lei
sobre o Quadro Institucional (lei 3/94) estabeleceu legalmente a autonomia dos Distritos Municipais.
Na realidade, a lei foi promulgada pela assembleia legislativa de partido único antes das eleições
multipartidárias. O processo sofreu, porém, profundas mudanças nos últimos anos, por razões que
desenvolvemos na parte seguinte deste texto. Como resultado, um novo quadro institucional para a
reforma do governo local, a lei 2/97, foi aprovada em 1996 sem o acordo dos partidos da oposição.
Esta lei, juntamente com outros instrumentos legais, permitiu a realização das primeiras eleições
autárquicas em Junho de 1998. A oposição recusou-se a participar nas eleições locais devido à falta de
consenso sobre o quadro legal e institucional. Este boicote afectou o âmbito e o ritmo do programa de
descentralização em geral. As eleições, realizadas em 33 cidades e vilas, foram ganhas por candidatos
da Frelimo, quase sempre sem oponentes. A Frelimo ganhou em todas as autarquias a Presidência do

2
Para mais informações, ver Abrahamsson, 1997.
3
Sobre a transformação da Frelimo e as suas posições ideológicas, ver Simpson, 1993.
4
Os 250 lugares foram distribuídos entre os três partidos: Frelimo 129, Renamo 112 e União Democrática (UD) 9. Ver
mais pormenores sobre as eleições em Mazula, 1996. Uma descrição mais geral do processo de paz é também
apresentada em Abrahamsson, 1997.

5
Conselho Municipal e a maioria nas assembleias municipais5. O que mais marcou estas eleições foi a
elevada taxa de abstenção do eleitorado: 86%.

As Políticas da Descentralização
Uma das principais razões para o impedimento do processo de descentralização democrática em
Moçambique, conforme inicialmente previsto, foi o receio por parte do governo de ameaçar a unidade
nacional e territorial e de perder o controle dos recursos naturais e económicos.

Em várias entrevistas efectuadas durante o estudo, foi sublinhado que o processo de descentralização
em Moçambique se encontra ainda numa fase inicial6. A descentralização começou em Moçambique
no início dos anos 90, mas tem sido dificultada por desavenças ou desacordos entre grupos do poder
político ao nível central e local. Outra opinião apresentada por muitos dos entrevistados é a de que a
re-orientação do processo de descentralização, que teve lugar em 1997, enfraqueceu seriamente a
reforma em geral e o estabelecimento de municípios autónomos em particular. O resultado foi, devido
a um longo processo legal e institucional, o sucessivo adiamento das eleições autárquicas que
deveriam estabelecer as novas autoridades locais. Além disso, o próprio processo eleitoral foi
considerado um ‘fiasco’7. Com uma organização fraca, acusações de fraude organizada e de
intimidações, e uma adesão extremamente baixa dos votantes, é opinião generalizada que estas
eleições não serviram o seu propósito de legitimar os novos órgãos locais autónomos. Tiveram aliás o
efeito contrário.

O conflito político que se instaurou, evidenciado na falta de acordo e confiança mútua entre o governo
e a principal força da oposição, a Renamo, é uma importante limitação para a reforma administrativa.
Parecem existir diferentes escolas de pensamento sobre a natureza da reforma, e em particular sobre os
seus motivos e princípios de base. Estas diferentes visões não correspondem necessariamente a uma
divisão entre governo e oposição. Weimer considera que existem algumas indicações que apontam no
sentido de uma dupla clivagem no seio da Frelimo: entre ‘centralizadores’ e ‘descentralizadores’ e
entre a direcção do partido e as bases8. Braathen fez uma análise da política de descentralização
identificando três lógicas de acção contraditórias – a tecnocrática, a patrimonial e a democrática.
Conclui que o processo de descentralização em Moçambique, habitual para um país em
desenvolvimento, não conduz a uma verdadeira democracia participativa. Pelo contrário, Braathen
considera que há actores que seguem uma estratégia tecnocrata e patrimonial, baseada em práticas
centralistas e numa ideologia de Estado. Defende que o principal interesse deste grupo de actores é
apoiar uma estratégia ‘clientelista’ de cedência de poder em troca de valores materiais ou económicos
privados. Por outro lado, também existem activistas e membros do partido com um misto de
preocupações tecnocráticas e democráticas, orientados por interesses de valor e razão, que estão mais
receptivos à ideia de descentralizar e desejosos de envolver a sociedade civil no processo de tomada de
decisões políticas. No entanto, ambas as tendências estão nos centros do poder estatal e controlam as
elites locais do partido, que personificam as estruturas administrativas locais9.

Este relatório não é especificamente sobre a ‘política da descentralização’, isto é, sobre as forças
motivadoras e a lógica de base da política de descentralização. É, porém, necessário perceber as
principais motivações dos actores e os principais conflitos entre eles, para compreender a forma como
a descentralização avança ou não na prática. Nos parágrafos que se seguem, são apresentadas as várias

5
Para a eleição das assembleias municipais, a Frelimo só teve oposição em apenas 6 dos 33 municípios. Para a candidatura
ao posto de Presidente de Município teve oponentes apenas em 14 vilas.
6
“O processo de descentralização é ainda um bebé; levará muito tempo até ter impacto no alívio à pobreza”; entrevista
com Júlio Garrido (CE), 20 de Julho de 1998. “A descentralização está ainda numa fase inicial e não há certezas quanto
ao resultado. O processo é demasiado rápido, difícil de controlar e de dirigir”; entrevista com José Guambe (MAE), 21 de
Julho de 1998.
7
AWEPA, Mozambique Peace Process Bulletin, nos. 18 e 21, respectivamente Julho de 1997 e 21 de Julho de 1998.
8
Weimer, 1998b, p.19.
9
Braathen, 1998, p.4, 13.

6
formas de descentralização que estão a ser promovidas por diferentes centros de poder, recorrendo
para tal aos conceitos geralmente usados na literatura sobre descentralização: desconcentração
(administrativa e/ou fiscal) versus devolução política (muitas vezes referida como descentralização
democrática)10.

Para muitos dos entrevistados, a descentralização da excessivamente centralizada administração estatal


é necessária para ajudar Moçambique a ajustar-se às realidades do pós-Guerra Fria. Após um longo
período de depressão económica, Moçambique está actualmente a atravessar um período de
crescimento, devido aparentemente à liberalização, privatização e introdução da economia de
mercado11. A reforma da administração pública é necessária para a melhoria do funcionamento do
mercado, através da estabilização da economia e um uso mais eficaz das receitas geradas pela
crescente actividade económica. De acordo com estas hipóteses de natureza económica, analistas
políticos acreditam que a descentralização trará uma maior transparência, eficácia e
responsabilização12. O crescimento económico é um argumento importante para que políticos e
funcionários chave do poder estatal promovam a descentralização, mas os representantes da oposição
também parecem partilhar desta visão. Esta posição sobre a descentralização da administração estatal
compreende a desconcentração da administração pública, sem necessariamente permitir a devolução
de poderes políticos e decisórios aos órgãos locais autónomos13.

Em conformidade com esta abordagem, o governo de Moçambique adoptou um programa nacional de


descentralização, o PROL14. Não existe porém nenhuma estratégia oficial para a implementação deste
programa. A intenção do governo de descentralizar foi em vez disso expressa num documento não-
oficial, Estratégia Nacional de Descentralização15, que visa clarificar as funções que os governos
provinciais e os órgãos estatais das administrações distritais partilham com os recém-criados
municípios. Além disso, o governo de Moçambique também adoptou um Programa de Planificação
Descentralizada que, enquanto forma de descentralização fiscal, visa a reforma orçamental, incluindo
programas para a melhoria da gestão das finanças públicas, administração orçamental, administração
da dívida, contabilidade e auditoria das finanças públicas a todos os níveis da administração. O
objectivo é maximizar a transparência, eficiência e eficácia na utilização dos recursos financeiros para
garantir a sustentabilidade das actividades de desenvolvimento acima referidas16.

A principal e mais controversa forma de descentralização em Moçambique é a criação dos novos


órgãos locais autónomos, as autarquias locais, que em princípio representam uma verdadeira
devolução de poder do Estado para níveis locais da administração. Apesar do acordo de princípio
quanto ao processo de descentralização, parece que algumas forças no actual governo moçambicano
não aprovam esta descentralização. Prefeririam uma forma de descentralização como a descrita
anteriormente: que permitisse uma melhoria da capacidade administrativa, mas não necessariamente
uma ampla devolução de poderes17.

Outra linha de pensamento, defendida por algumas forças no seio do partido no poder e da
administração estatal, elites e sociedade civil, realça os aspectos políticos e democráticos da
descentralização. A descentralização é, segundo eles, um processo que visa resolver um conflito
político de base. A devolução de poder às autoridades locais poderia equilibrar ou, pelo menos, reduzir

10
Ver nomeadamente Manor, 1997, e Mawhood, 1993.
11
UNDP, Human Development Report, 1997. Moçambique.
12
Ver nomeadamente Summary of the Technical Consultation on Decentralisation, Roma, 16-18 de Dezembro de 1997, e
Mawhood, 1993.
13
Ver nomeadamente Sogge, 1997, e Ugaz, 1997.
14
Publicado pela República de Moçambique, Ministério da Administração Estatal, como Orientações para a Planificação
Distrital.
15
República de Moçambique, Documento Síntese.
16
Ministério do Plano e Finanças, 1998.
17
Em Abrahamsson et al., essas forças no seio do governo são chamadas de ‘a velha guarda’ ou, como muitas vezes são
designadas pela comunidade diplomática, a ‘linha dura’, referindo-se aos políticos da Frelimo responsáveis pela velha
linha socialista de partido único. Todavia, conforme afirmam Abrahamsson et al., a situação é mais complexa. Ver o
texto e Abrahamsson, 1997, p.154.

7
o desequilíbrio que tem marcado a sociedade moçambicana desde o período colonial. A
descentralização está ligada ao processo de construção da nação, com o objectivo de aumentar o
sentimento das populações de pertença ao Estado e à nação, tornando-se ‘proprietários da
democracia’18. Neste contexto, a desconcentração da administração pública é uma condição
necessária, mas insuficiente, para a construção da paz após um período de conflito, em África como
noutras regiões. Partiu-se pois do princípio que em Moçambique, como noutros países, o Estado
centralizado sob a liderança de partido único fracassou e perdeu legitimidade, sobretudo se
compararmos com as suas próprias pretensões19. É evidente o fracasso e descrédito da administração
pública durante e após a guerra, especialmente em áreas controladas pela Renamo, e a incapacidade
para cumprir as suas funções de administração pública e prestação de serviços.

O que aconteceu em Moçambique pode pois ser definido como uma ‘descentralização por defeito’:
uma descentralização rudimentar da tomada de decisões e prestação de serviços fora, ou à margem, da
administração pública20. A criação de novos órgãos locais autónomos poderia facilitar a partilha de
poder entre opositores políticos e permitir à oposição uma efectiva participação na consolidação da
democracia. Segundo José Guambe, director nacional da administração local (MAE), a absoluta
necessidade da descentralização reside nos desequilíbrios políticos, sociais e económicos entre as
diferentes regiões do país e no seio de cada região, província, distrito ou localidade. Uma estratégia de
desenvolvimento que inclua a descentralização deve ser determinada com base em critérios de máxima
eficiência e viabilidade económica, que poderão por sua vez canalizar os escassos recursos públicos e
privados disponíveis para áreas onde podem corrigir desequilíbrios no desenvolvimento21. O objectivo
é, desta forma, alcançar um equilíbrio funcional e territorial na mobilização e distribuição de
recursos22.

A unidade territorial posta em causa pela autonomia local?

Os objectivos e alvos da política de descentralização, promulgada como um último acto do regime de


partido único antes das eleições multipartidárias de 1994, compreendiam o ideal da descentralização
democrática alargada, definida por Manor como uma mistura de descentralização fiscal, administrativa
(desconcentração) e democrática (devolução de poderes)23. A lei 3/94 definiu um quadro de amplas
reformas para os órgãos locais do Estado. Estas reformas deveriam criar entidades territoriais locais,
públicas, com autonomia fiscal e patrimonial: os chamados distritos municipais urbanos e rurais. As
reformas, que seriam implementadas de acordo com o princípio de gradualismo, teriam significado
uma ampla transformação do poder de tomada de decisão política, bem como uma transferência de
recursos financeiros e humanos para os governos territoriais ou municipais locais. Estes seriam
legitimados por eleições multipartidárias democráticas e acompanhados de uma futura transferência
das funções administrativas do Estado central para os governos provinciais.

A concepção e aprovação da reforma acima mencionada aconteceu num momento político


particularmente favorável criado pelo Acordo de Paz de Roma e confirmado pelas primeiras eleições
multipardárias em 1994. Contudo, o processo de descentralização sofreu mudanças fundamentais antes
que as eleições locais pudessem ser organizadas. Subjacente a estas mudanças, que muitos descrevem
como um fracasso e uma decepção do ponto de vista da democracia local, estão razões políticas e
económicas24. Após uma remodelação ministerial, o governo não conseguiu completar o quadro
legislativo. Retirou e reintroduziu projectos de lei que finalmente resultaram na rejeição da reforma
pelos partidos da oposição e culminaram na sua recusa de participarem nas eleições locais. A Renamo
18
Entrevista com Iraê Baptista Lundin, 21 de Julho de 1998. Lundin foi conselheira no MAE, mas deixou essa actividade
em 1997, antes das eleições autárquicas. Lundin, 1992, p.124; Weimer, 1997; Braathen, 1998.
19
Ver Wunsch e Olowu, 1990.
20
Manor, 1997, p.4.
21
Guambe, 1998, p.13.
22
Abrahamsson, 1997, p. 157.
23
Manor, 1997, p.7.
24
Entrevistas com I. Lundin, 21 de Julho de 1998; B. Weimer, 4 de Agosto de 1998; Van Der Geer, 21 de Julho de 1998.

8
criticou o facto de o pacote legislativo estar incompleto, bem como a ausência de um calendário
exacto para a introdução gradual do governo local nas várias regiões.

O atraso no processo legislativo foi agravado por uma emenda constitucional, em 1996, que alterou
profundamente a natureza do processo de descentralização. A mudança mais significativa foi a
substancial limitação da autonomia dos novos órgãos locais. De acordo com a emenda constitucional,
os novos órgãos locais autónomos deveriam complementar e não substituir os órgãos locais nomeados
pelo governo central. Na prática, esta forma de administração dual significaria que a administração das
áreas rurais seria feita por um administrador distrital nomeado pelo governo central, em paralelo com
órgãos executivos representativos e descentralizados. A emenda constitucional proposta pelo governo
e a nova lei sobre os órgãos locais limitaram também o número de áreas onde os novos órgãos seriam
estabelecidos. O princípio do gradualismo foi assim introduzido. As eleições teriam lugar apenas nas
cidades, vilas e aldeias que tivessem o estatuto de autarquia. A população rural dos distritos ficou
assim constitucionalmente privada do direito de voto em eleições regulares e democráticas dos líderes
locais. Os partidos da oposição recusaram liminarmente as mudanças apresentadas pelo governo.
Depois de o Governo ter também recusado as emendas propostas pela Renamo, a nova lei sobre os
órgãos locais (lei 2/97) foi aprovada sem consenso no Parlamento. A Renamo boicotou o
procedimento parlamentar, pelo que a lei foi aprovada por maioria de votos da Frelimo e da União
Democrática, a terceira maior coligação no Parlamento.

Estas várias alterações à legislação desviaram o processo de descentralização do princípio da


devolução de poder e limitaram o estabelecimento de órgãos autónomos a apenas 33 localidades. Uma
possível explicação para este desvio na política de descentralização é o receio das autoridades centrais
do Estado em delegar poder sem certezas quanto aos resultados (políticos). Um indicador deste cálculo
político do governo foi a discussão no Parlamento sobre as listas de cidades e vilas que receberiam o
estatuto de autarquia, apresentadas pela oposição e pelo governo. Comparando as duas listas à luz do
resultado das eleições de 1994, é evidente que ambas as partes tencionavam seleccionar os municípios
onde esperavam conquistar a maioria na assembleia municipal25. Consequentemente, o governo da
Frelimo, ou pelo menos alguns dos seus membros, recearam abrir caminho a um maior acesso da
oposição ao poder. De acordo com o pior cenário possível, a oposição teria então condições para
gradualmente introduzir uma federalização incontrolável, ameaçando assim a integridade nacional e
territorial do país, princípio muito querido da Frelimo26. Para evitar veleidades de autonomia regional,
a nova lei determinou a subordinação organizacional das autarquias ao princípio do Estado unitário;
assegurou o controle do governo central sobre os órgãos locais; reduziu nalguns aspectos essenciais
funções explicitamente definidas das autarquias e condicionou-as à disponibilidade de recursos
económicos locais.

Moçambique, como muitos outros países africanos, é um exemplo da estreita ligação entre poder
político e excessivas recompensas económicas. Os actores do governo central tiveram receio de perder
o controle sobre os ganhos económicos se permitissem uma grande autonomia local no controle dos
recursos económicos. A validade deste argumento é limitada, na medida em que a introdução da
economia de mercado acompanhada do programa de privatizações limitou seriamente o controle do
governo sobre a economia. Mas faz sentido se visto à luz do favoritismo, corrupção e subornos de que
beneficiam membros e funcionários do governo em posições chave. Conforme concluiu Braathen,
quando o governo rejeitou a ideia original de uma ampla descentralização dos municípios distritais de
acordo com a lei 3/94, preparou o terreno para o estabelecimento de uma administração directa em
mais de 90% do país. Assegurou assim o controlo permanente dos órgãos centrais sobre a distribuição
dos principais recursos naturais e económicos do país, incluindo a pesca, o turismo, a silvicultura, a
actividade mineira e a agricultura27. Isto agravou ainda mais a competição pelos benefícios
económicos entre as estruturas centrais do partido e as suas elites locais, a favor das primeiras.
Simpson, num artigo sobre a transformação da Frelimo, defende que aqueles que no partido

25
Mozambique Peace Process Bulletin, no. 18, Junho de 1997.
26
Weimer, 1997, p. 145; Braathen, 1998, p.10.
27
Braathen, 1998, p. 10.

9
desempenharam um papel chave na luta de libertação, adoptaram agora a nova “ortodoxia do mercado
livre” e empenharam-se em construir os seus próprios interesses comerciais privados, criando assim
uma classe estatal centralizada que não quer perder os benefícios económicos que as posições políticas
do seu partido lhes assegura28.

A Renamo explicou oficialmente o confronto com o governo e a sua retirada das eleições áutarquicas
pelo seu desacordo com as disposições legais e institucionais para as eleições em particular, e em
geral, pelo seu desacordo quanto à nova política de descentralização. A comunidade dadora apoiou a
realização das eleições, mas condicionou inicialmente o seu apoio ao consenso entre os partidos. A
Renamo pensou que, retirando-se, conseguiria provavelmente evitar a realização das eleições29, mas a
tentativa falhou. As eleições acabaram por se realizar, com forte apoio dos dadores, e a Renamo ficou
sem outra opção que não fosse a de fazer campanha, juntamente com os outros partidos da oposição,
pelo boicote às eleições30. Após as eleições, a Renamo afirmou que os novos órgãos não eram
legítimos devido à elevada taxa de abstenção e que não deveriam, por isso, ser aceites como uma
expressão da vontade popular local31.

O único resultado tangível da retirada da Renamo é a marginalização política da oposição, incluindo


da própria Renamo, em zonas onde tinha fortes probabilidades de ganhar o controle das autoridades
locais. A Renamo controla de facto muitos distritos da região centro do país. Algumas dessas zonas
controladas pela Renamo foram integradas na administração territorial após a guerra, através da
contratação formal de chefes de posto e administradores nomeados pela Renamo32. Após as eleições
autárquicas, estes chefes e administradores ficam agora sob controlo do governo da Frelimo33. O
boicote da oposição pode igualmente ter tido um efeito negativo para os candidatos e grupos
independentes, beneficiando assim o governo. A título de exemplo, relatos da imprensa e sondagens
(não oficiais) fazem crer que um candidato independente na Beira teria tido fortes possibilidades de
derrotar o candidato da Frelimo se a Renamo não tivesse encorajado os habitantes a boicotar as
eleições.

Outros defendem que a Renamo se retirou das eleições por razões estratégicas. Com a efectiva falta de
autonomia financeira das autarquias, o governo da Frelimo poderia impedir o funcionamento e
financiamento das autarquias controladas pela Renamo. Um eventual fracasso na administração dos
municípios teria afectado a reputação da Renamo e a popularidade eleitoral que esta espera redobrar
para conseguir a vitória nas eleições gerais de 1999. Por outro lado, a Renamo poderá também ter
decidido não participar nas eleições devido a problemas internos de organização, recursos humanos e
financeiros, na medida em que teria grandes dificuldades em satisfazer as condições necessárias para
registar os seus candidatos e fazer campanha. Independentemente das razões subjacentes à decisão da
Renamo de se auto-excluir dos novos órgãos locais, a verdadeira campanha política em Moçambique
continua ainda a ser para o controle dos órgãos centrais do Estado. A verdadeira luta pelo poder do
governo central teve mais uma vez lugar nas eleições presidenciais e parlamentares realizadas a 3 e 4
de Dezembro de 199934.

28
Simpson, 1993, p.336.
29
Hanlon, 1998.
30
Várias edições do Mediafax.
31
Várias edições do Notícias.
32
Alexander, 1997.
33
Artur, 1998, p.6. Ver também Sogge, 1998, p.101.
34
Resultados preliminares das eleições presidenciais apontavam para a vitória do Presidente em exercicio, J. Chissano (com
cerca de 52% dos votos; tinha obtido 53,3% em 1994) sobre A. Dhlakama (da Renamo, que terá conseguido cerca de
48% dos votos contra 33,3% em 1994). Nas legislativas, os resultados apontam para a vitória da Frelimo, com cerca de
49% dos votos (44,33% em 1994), sobre a Renamo (cerca de 39%; tinha obtido 37,78% em 1994)

10
Promover a descentralização democrática

Alguns investigadores, activistas da sociedade civil e políticos em Moçambique preferem olhar para a
descentralização como um processo da sociedade civil35. Teoricamente, a devolução de poder à
administração local deveria dar mais possibilidades às comunidades locais, incluindo associações
organizadas e ONGs, de participarem na tomada de decisões ao nível local. Este é sobretudo o ponto
de vista das ONGs, um sector pequeno em Moçambique mas em crescimento, e de alguns dadores. As
ONGs locais e estrangeiras adquiriram um grande conhecimento sobre as comunidades locais e têm
assumido tarefas de prestação de serviços devido à falta de capacidade ou, em muitos casos, à total
ausência da administração pública. Houve porém muito pouca consulta à sociedade civil durante a fase
de definição e aprovação do quadro legal e institucional da descentralização. Mais ainda, as últimas
alterações à legislação passaram praticamente despercebidas ao público e à imprensa. Pode dizer-se
que a preparação e implementação do processo de descentralização foi feita ‘de cima para baixo’. A
sociedade civil e outras forças nacionais não participaram no processo de planificação, nem tiveram
um papel significativo na concepção do conteúdo da legislação sobre descentralização36. A integração
de organizações comunitárias e ONGs nos processos políticos locais está implícita apenas em
documentos sobre política que afirmam que o conselho municipal tem o direito de aceitar ajuda e
doações de ONGs e outras entidades37.

Por outro lado, a lei anterior (lei 3/94) foi a primeira legislação do Moçambique independente a
reconhecer de forma explícita as formas tradicionais de governação, por meio de sistemas de linhagem
e clãs, ainda que a Constituição não o preveja. Em contrapartida, a nova lei (2/97) limitou
substancialmente a participação das autoridades tradicionais em questões relacionadas com a
comunidade local38.

Não obstante os defeitos e limitações do quadro legal e institucional e as decepções decorrentes do


processo eleitoral, muitos analistas consideram que a limitada descentralização em curso é apesar de
tudo melhor do que nenhuma descentralização39. A descentralização é vista como uma parte necessária
da agenda nacional. É reconhecida a grande falta de recursos financeiros e humanos – questão tratada
mais tarde com mais detalhe –, mas muitos consideram que é importante o precedente criado pela
instituição de órgãos locais autónomos e eleitos40. Independentemente da relevância das razões que
levaram à mudança fundamental dos princípios e formas do processo de descentralização, o mais
importante é o resultado; para citar um activista: “temos que aproveitá-la ao máximo”41.

A Influência Política da Ajuda Externa e da Comunidade Dadora

De acordo com estatísticas do Banco Mundial, os valores do apoio financeiro a Moçambique têm sido
incrivelmente elevados nos últimos dez anos, atingindo uma média de 77% do PIB no período de
1987-1991 e mais de 100% no período de 1992-1996. Moçambique é o maior receptor de ajuda
externa de toda a África Oriental, Austral e Central42. Devido à extrema dependência de Moçambique
da ajuda externa, a influência dos dadores na definição da agenda política nacional é inevitavelmente
grande. Esta dependência tem efeitos perniciosos nas reformas políticas com vista à eficiência,
transparência e sustentabilidade. O processo de descentralização não é uma excepção a esta tendência.

35
Entrevistas com Lundin, 21 de Julho de 1998; Weimer, 4 de Agosto de 1998; Saul, 22 de Julho de 1998.
36
Braathen, 1998, p.9.
37
Artigo 188, Pacote Autárquico, 1988.
38
Weimer, 1998a, p.5.
39
Weimer, 1998a, p.5.
40
Paulo, 1998.
41
Entrevista com Lúcia van den Bergh (AWEPA), 20 de Julho de 1998.
42
Weeks, 1998, p. 10, 17. Estas percentagens poderão reflectir uma grave subestimação do PIB.

11
O processo de descentralização foi originalmente uma iniciativa de Moçambique, ainda que com forte
apoio da comunidade dadora. O envolvimento e interesse desta no processo de descentralização, que
foi importante a uma dada altura, tem diminuido consideravelmente. Houve mesmo um recuo no apoio
dos dadores devido à forma como o processo tem evoluído (maior acento na desconcentração e a
quase ausência de devolução de poder aos órgãos administrativos locais) e eventualmente ao desejo de
evitar críticas e antagonismos resultantes do forte envolvimento estrangeiro no processo de paz. Os
dadores parecem ter perdido o ritmo do processo de descentralização durante as negociações no
Parlamento sobre o quadro legal e político da descentralização43. Por outro lado, a revisão da reforma
democrática num sentido mais burocrático e técnico tem reduzido o interesse dos dadores. A
descentralização na sua forma actual não parece enquadrar-se na agenda dos dadores.

Muitos dadores consideram o processo de descentralização meramente como uma forma melhorada de
governação, necessária para facilitar o crescimento económico e uma utilização mais eficaz e eficiente
dos recursos. Para outros, a descentralização é mais do que isso. Em virtude da relutância do governo
em partilhar o poder com a oposição após as eleições multipartidárias, muitos dadores gostariam de
ver desmantelado o poder político e administrativo centralista e estadista dominado pela Frelimo.
Nesse sentido, a descentralização era vista como uma forma de permitir alguma partilha de poder com
a oposição interna. Por outras palavras, a comunidade dadora, ainda que com perspectivas diferentes
sobre a questão, associa objectivos económicos, tecnocráticos e democráticos ao processo de
descentralização. Advogam também uma maior participação dos cidadãos e maior autonomia local.
Paradoxalmente, muitos programas e projectos de reforma administrativa são elaborados, dirigidos e
financiados por dadores externos, com uma rígida burocracia central, e sem que haja responsabilização
pública e participação das comunidades. Por conseguinte, embora a comunidade dadora esteja
interessada em apoiar os processos conducentes a uma maior partilha de poder e participação da
sociedade civil, tal não significa que dadores e sociedade civil tenham os mesmos objectivos no que
respeita à descentralização em Moçambique. É aliás possível que o governo moçambicano tenha aceite
o envolvimento da sociedade civil no processo de descentralização apenas no limite do necessário para
satisfazer as cada vez mais poderosas agências de ajuda externa e as instituições financeiras
internacionais. A questão do envolvimento das comunidades locais na descentralização voltará a ser
retomada neste relatório.

Apesar de menos envolvidos na concepção do actual processo de descentralização e dos seus


resultados, a influência dos dadores foi substancial nas eleições autárquicas. Ao pôr inicialmente como
condição para o apoio financeiro e material ao processo eleitoral o consenso entre as principais forças
políticas, os dadores deram à oposição a possibilidade de veto. Conforme referido, a Renamo levou a
sério essa possibilidade de veto e acreditou que poderia impedir a realização das eleições ao boicotar
os procedimentos legais e, finalmente, as próprias eleições. A União Europeia decidiu, apesar da
ameaça de boicote, avançar com um massivo apoio financeiro aos órgãos eleitorais da Comissão
Nacional de Eleições (CNE) e do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), o que
tornou possível a realização das eleições. Calcula-se que, com a reduzida participação de votantes,
estas eleições foram das mais caras do mundo44. Verdade ou não, as autoridades moçambicanas não
poderiam ter suportado tal nível de gastos sem ajuda financeira externa. Os dadores não ficaram
satisfeitos com a decisão da CNE de impedir a presença de observadores internacionais às eleições. Os
seus comentários sobre o processo eleitoral e os resultados das eleições foram bastante moderados,
mas mesmo assim deixaram transparecer uma evidente decepção e incerteza sobre o processo de
consolidação democrática45.

43
Entrevista com Bernhard Weimer, 4 de Agosto de 1998.
44
O jornal Metical calculou que, se o custo total das eleições foi de 19 milhões de dólares americanos conforme indicado
pelo STAE, um voto por cada pessoa registada (num total de 1.965.530 pessoas) custou 10 dólares. Se dividido pelo
número dos que na realidade votaram (286.659 pessoas), o custo por pessoa foi de 66 dólares (800.000 Meticais). Esta
quantia é sete vezes maior do que o que Moçambique gasta anualmente em saúde e educação per capita. Metical, no. 269,
20 de Julho de 1998, Maputo.
45
Entrevistas com Roeland Van De Geer (Embaixador da Holanda), 21 de Julho de 1998; Sérgio Gusman (USAID), 3 de
Agosto de 1998; Jarmo Knuttila (Embaixada da Finlândia), 20 de Julho de 1998.

12
Em resumo, a actual ausência de consenso político dificulta seriamente o processo de
descentralização e limita o papel dos actores locais. No entanto, apesar de modesto, o actual processo
de descentralização é geralmente considerado como uma via para o reforço da democratização
política em Moçambique e uma abertura a uma futura partilha de poder. A vontade do governo de
cumprir os objectivos normativos promovidos pelas poderosas agências de ajuda externa, obrigou-o a
procurar um equilíbrio entre as pressões externas para descentralizar e os seus próprios objectivos
políticos e económicos de manter o controlo a nível central.

13
A Pobreza em Moçambique: poucas ligações com a
descentralização.
O alívio à pobreza é um dos objectivos mais urgentes do governo moçambicano a todos os níveis. Não
tem, porém, sido uma das prioridades directas da política de descentralização. No entanto, é opinião
mais ou menos generalizada que uma maior mobilização de recursos através das novas autarquias
locais e uma participação mais alargada das comunidades locais poderiam ajudar à melhoria da
situação de pobreza.

Perfil da Pobreza em Moçambique

Moçambique sofreu os efeitos da guerra durante décadas, antes e depois da independência. A guerra e
a falta de recursos para o desenvolvimento humano e económico deixaram o país num estado de
extrema e generalizada pobreza, sobretudo nas zonas rurais. Com um PIB per capita de 986 dólares
americanos por ano, muito abaixo dos outros países da África Subsahariana (1377 dólares),
Moçambique integra o grupo dos países menos desenvolvidos e é muitas vezes referido como o país
mais pobre do mundo a julgar pelos indicadores económicos46. Moçambique está também entre os
países com mais baixos indicadores de desenvolvimento humano, de acordo com o PNUD: a
esperança de vida é de 46 anos, a taxa de alfabetização dos adultos é de 39% e 116 em cada 1000
crianças morre à nascença47. O acordo de paz assinado em 1992 criou novas possibilidades para
abordar problemas relacionados com a pobreza e para promover o desenvolvimento socio-económico.
De facto, de um modo geral e apesar dos indicadores, Moçambique tem sido uma das economias com
mais rápido crescimento na África Sub-sahariana durante os anos 9048. A taxa de crescimento anual do
PIB para o período de 1991-1997 foi de 6,7%49. As reformas económicas aceleraram durante os anos
90 e tiveram um substancial apoio financeiro do exterior. O programa de privatizações levou a um
grande aumento do interesse dos investidores estrangeiros pelo país.

Por outro lado, a cada vez maior dependência de Moçambique dos fluxos financeiros externos, o
crescente déficit comercial e o forte peso da dívida externa são uma fonte de séria preocupação. É de
notar que, apesar da impressionante taxa de crescimento de Moçambique nos últimos anos, esta tem
sido mantida artificialmente por fluxos de ajuda externa que, relativamente ao PIB, são superiores aos
recebidos por qualquer outro país desde o início da era moderna da ajuda ao desenvolvimento.
Presentemente, Moçambique enfrenta uma situação onde o seu déficit comercial é um quarto do PIB, a
ajuda externa é quase igual ao rendimento nacional calculado, e as importações equivalem a mais de
dois terços da produção de cereais. O serviço da dívida, em aumento, corresponde a um terço das
exportações, e o crescimento económico tem sido instável. Por outras palavras, apesar do crescimento,
Moçambique está a viver muito para além dos seus meios50. É, pois, evidente a necessidade de
enfrentar os desequilíbrios macro-económicos externos e internos por meio de ajustes fiscais que
poderiam dar resposta ao enorme déficit comercial, desenvolver o mercado interno de capitais em
substituição dos fluxos de ajuda externa, encorajando a poupança e aumentando as receitas fiscais.

46
PNUD, Human Development Report 1997. O PIB per capita é baseado na paridade do poder de compra.
47
Para os países da África Subsahariana, a esperança média de vida é de 50 anos, a taxa de alfabetização dos adultos de
55,9% e a mortalidade infantil à nascença de 97 por cada 1000 nascimentos; em média, os dados dos menos
desenvolvidos são, respectivamente, 50,4 anos, 48,1% e 103 mortes por cada 1000 nascimentos. Os dados para 1995 da
Unidade de Alívio à Pobreza de Moçambique são ligeiramente piores, com a esperança de vida estimada em 47 anos, a
alfabetização dos adultos em 33% e a mortalidade infantil à nascença em 150 por cada 1000 nascimentos (República de
Moçambique, 1995).
48
Cramer e Pontara, 1998.
49
Weeks e Cramer, 1998.
50
Ibidem, p.10.

14
Estratégias de Alívio à Pobreza

Independentemente do debate sobre as causas e estabilidade do crescimento económico em


Moçambique, o país necessita de uma clara estratégia de desenvolvimento humano de forma a
direccionar os benefícios do crescimento económico para os mais necessitados. Para reduzir a pobreza
a médio prazo, o crescimento associado ao investimento externo deve ser complementado com
políticas de despesa pública em matéria de educação e saúde, apoio aos pequenos proprietários rurais,
assistência a micro-empresas e protecção legal dos trabalhadores rurais e urbanos51. Por outras
palavras, o desenvolvimento económico precisa de ser apoiado por vontade política e uma estratégia
eficiente.

Está em curso um debate sobre as estratégias mais eficazes de alívio ao tipo de pobreza que prevalece
em Moçambique52. Declarações sobre a política oficial de Moçambique reflectem a perspectiva de
instituições financeiras internacionais baseadas em Washington. Estas salientam a necessidade de criar
condições para o crescimento económico como a principal via de redução da pobreza a médio e longo
prazos53. A urgência de políticas de alívio à pobreza é explicitamente reconhecida pelo governo54. As
populações rurais pobres têm sido objecto de especial atenção por parte do governo de Moçambique,
pois crê-se que dos 80% da população rural “dois terços vivem em absoluta pobreza”. A pobreza nas
zonas rurais está associada ao isolamento do mercado e falta de outras fontes de rendimento que não
as agrícolas, e a uma população predominantemente jovem. A pobreza também está associada aos
níveis de dependência que são especialmente elevados nas áreas de mais forte migração masculina,
com agregados familiares liderados por mulheres e insegurança quanto aos direitos sobre a terra.

A Unidade de Alívio à Pobreza (UAP) sublinha, por isso, que a forma mais eficaz de acabar com a
pobreza é fixar a população nas zonas rurais e melhorar aí as condições de vida, no âmbito de uma
política que dê prioridade à agricultura de pequena escala, apoiando os pequenos proprietários
agrícolas, por exemplo, com medidas de ajuda em matéria de aprovisionamento em material/bens
básicos55. O Ministério da Agricultura partilha desta opinião sobre a importância fundamental da
agricultura de pequena escala para o bem-estardos habitantes rurais, mas centra-se sobretudo na
questão da distribuição de terras. O Ministério da Agricultura sublinha o papel chave da terra na
criação de rendimento rural, e que os que possuem menos terra tendem a ser pobres. Identificar e
melhorar a dinâmica dos sistemas locais de distribuição de terras – costumeiro, de aluguer, oficial,
comercial (privado) – é um aspecto importante para o alívio à pobreza nas zonas rurais, melhorando o
acesso à terra e ao rendimento56.

As críticas de Cramer e de Pontara à estratégia governamental de alívio à pobreza, apontam duas


falhas: um ênfase exagerado na prioridade dada ao desenvolvimento da agricultura de pequena escala
e a negligência da importância do salário baseado no rendimento agrícola para as populações rurais
pobres, o que leva o governo a subestimar o impacto do trabalho assalariado na migração de
trabalhadores entre zonas rurais. O estudo de Cramer e Pontara salienta que deveria ser dada mais
atenção ao papel do mercado rural de trabalho assalariado com vista à redução da pobreza em
Moçambique. Segundo eles, o pacote de medidas do governo com vista à redução da pobreza, baseado
na imagem do típico pequeno proprietário independente, é incapaz de reconhecer diferenças cruciais
entre grupos de populações a viver nas áreas rurais. Não reconhece o nível de diferenciação da
população rural, nem atribui qualquer importância aos movimentos de populações dentro das áreas
rurais57.
51
Ibidem, p.7.
52
Ver Cramer, 1998.
53
Dois documentos oficiais chave do Governo de Moçambique são a Estratégia de Alívio à Pobreza para Moçambique,
Março de 1995, e Moçambique: Perfil da Pobreza Rural, Abril de 1996, ambos produzidos pela Unidade de Alívio à
Pobreza do Ministério do Plano e Finanças.
54
Governo de Moçambique, 1996.
55
Ibidem, p.103.
56
Ver nomeadamente Marrule, 1998.
57
Cramer, 1998.

15
Um outro aspecto importante em Moçambique é a existência de população urbana pobre. Estima-se
que, em 1995, cerca de 40% dos moçambicanos vivia nas zonas urbanas, representando 6 milhões de
pessoas. O número aumentou dramaticamente desde 1980, altura em que apenas 13% da população
vivia nas zonas urbanas58. De acordo com a UAP, cerca de um terço dos agregados urbanos vive em
situação de pobreza59. Cramer e Weeks defendem que, da análise da política do governo e dos
documentos sobre estratégia, não parece qualquer estratégia concertada de desenvolvimento humano
que associe o alívio à pobreza, o reforço do potencial humano e o crescimento económico no âmbito
de uma matriz de objectivos, instrumentos e observação da evolução do problema. A redução da
pobreza requer vontade política, acção decidida e programas imaginativos; não será um produto
automático derivado do crescimento do mercado60.

Autoridades Descentralizadas e Alívio à Pobreza: a ligação que falta?

O impacto da descentralização da administração estatal e a criação de órgãos locais autónomos não foi
tratada no debate sobre alívio à pobreza, quer por fontes oficiais quer pelos seus críticos. Estudos
realizados por Weeks e Cramer mencionam o papel das comunidades locais apenas em conexão com a
orientação dos programas de alívio à pobreza para indivíduos e/ou grupos. Referem nomeadamente
que um dos objectivos do alívio à pobreza deve ser minimizar os factores de competição geradores de
tensão. Numa sociedade dividida como Moçambique, intervenções com vista ao alívio à pobreza junto
de determinadas parcelas da população podem facilmente levar a um indesejável aumento de tensão.
Em vez disso, as limitadas medidas de ajuda deveriam ser implementadas com a participação das
comunidades, ao mesmo tempo que deveriam promover a sociedade civil. Tãopouco, há alguma
referência neste debate aos níveis provincial, distrital e local da administração e ao seu papel na
redução ou alívio à pobreza. O alívio à pobreza também não aparece como um objectivo deliberado da
política de descentralização. A ligação é apenas indirecta. Quando o processo de descentralização
permite uma maior participação da população local, deveria resultar numa mobilização e definição de
recursos mais efectiva de acordo com as necessidades identificadas pelas comunidades locais.

No entanto, em entrevistas no terreno, representantes de vários ministérios que se ocupavam de


questões relacionadas com a descentralização ou com o alívio à pobreza, notaram a existência de uma
ligação entre a devolução de poder para níveis locais de governo e a melhoria das medidas de redução
da pobreza. Conforme referido por um funcionário, o governo moçambicano promove iniciativas
conducentes ao desenvolvimento económico e social. Nesse sentido, a redução da pobreza não é um
objectivo em si da política do governo; o propósito do governo é criar condições para o
desenvolvimento em geral e, consequentemente, para o alívio à pobreza61. A necessidade de alargar a
participação das comunidades locais na definição das suas necessidades e objectivos, na elaboração,
planificação e implementação das políticas e acções locais é, desta forma, considerada como um
objectivo importante da descentralização.

Os entrevistados também salientaram que o Governo e as suas entidades têm que definir políticas para
a redução da pobreza em consulta com a sociedade civil62. Outra importante tarefa do governo, das
entidades dele dependentes e dos novos órgãos municipais, é criar as infra-estruturas necessárias para
um incremento da actividade económica aos níveis provincial e local. Nenhum investidor quererá
investir numa região onde não existem infra-estruturas básicas63. Parte-se igualmente do princípio que
as autoridades locais procurarão soluções baratas para os problemas existentes, criando por exemplo
mercados agrícolas nas cidades, o que beneficiaria tanto agricultores como a população urbana.
Espera-se também que a maior autonomia local possa levar as populações a contribuirem mais

58
Weeks, 1998, p.36.
59
Estratégia de Alívio à Pobreza para Moçambique, 1995.
60
Weeks, 1998, p.37.
61
Entrevista com José Guambe (MAE), 21 de Julho de 1998: “Não dês peixe às pessoas, mas ensina-as a pescar”.
62
Entrevista com Teresinha da Silva, 3 de Agosto de 1998.
63
Entrevista com Vitória Ginja, 3 de Agosto de 1998.

16
activamente para o bem-estar do seu ambiente imediato, contribuindo nomeadamente com mão-de-
obra voluntária64.

A UAP estava na altura da realização deste estudo a terminar uma pesquisa nacional sobre os
agregados familiares. Esta pesquisa deverá em princípio oferecer uma base de análise mais fiável e
realista para a avaliação da situação de pobreza no país e para a redefinição e diversificação da
estratégia de alívio à pobreza. Resultados preliminares indicam que 20,3% da população urbana e
79,5% da população rural poderá ser classificada como pobre. Os resultados da pesquisa dos
agregados familiares permitirão definir o perfil da pobreza das várias províncias. O governo e as
administrações provinciais e locais do Estado poderão assim desenvolver estratégias baseadas em
dados realistas65. Para já, a pesquisa revela que as províncias mais pobres são as do centro do país,
nomeadamente Zambézia e Sofala, onde vivem respectivamente 19,3 e 11,1% da população
classificada como pobre. Ambas as províncias foram muito afectadas por uma combinação de factores:
guerra, abandono e má gestão. Outro estudo indica que em todas as províncias existem localidades ou
‘bolsas’ onde a pobreza aumentou devido à incidência da guerra66, o que demonstra a necessidade de
estabelecer um perfil de pobreza com base em unidades mais pequenas do que as províncias. Espera-se
que as autoridades locais desempenhem um papel fundamental na actualização desses perfis,
considerando que estejam adequadamente equipadas para o fazer.

Em resumo, não há uma ligação explícita entre as políticas de descentralização e de alívio à pobreza
nos documentos oficiais. Parte-se do princípio que, ao promover o desenvolvimento económico
regional e local, o sector público terá automaticamente mais recursos para responder às necessidades
locais. Porém, não existem ainda dados suficientes nem fiáveis sobre a situação de pobreza nas
províncias. Não existem por isso planos de desenvolvimento regional ou local nesse sentido. Uma das
primeiras tarefas dos novos municípios será fazer um inventário dos seus recursos e necessidades em
cooperação com as autoridades provinciais.

64
O Processo de Paz Moçambicano, AWEPA, 1997.
65
Entrevista com Vitória Ginja, 3 de Agosto de 1998.
66
Entrevista com Yusuf Adam, 3 de Agosto de 1998. Adam refere-se a resultados preliminares de um estudo realizado na
altura do trabalho de campo para este relatório. Infelizmente, não foi possível obter o relatório desse estudo.

17
As Autoridades Democráticas Locais ou Autarquias Locais
O papel dos novos órgãos autónomos de governo local no alívio à pobreza não está explicitamente
definido. É pouco clara a definição das respectivas tarefas e a divisão de mandatos entre os níveis
central e provincial da administração, o que torna mais difícil às autoridades locais assumirem
plenamente as suas responsabilidades. A fraca capacidade humana e material das novas autarquias
limita grandemente a mobilização de recursos locais e a sua capacidade de elaboração e
implementação das estratégias de alívio à pobreza. Parte-se do princípio que a actual situação é o
resultado da luta pelo controlo dos recursos económicos entre os centros do poder aos níveis local e
central, o que constitui um desafio ao partido no poder, a Frelimo, tanto interna como externamente.

O processo de descentralização em Moçambique visa criar e estabelecer novos órgãos locais


autónomos, designados de autarquias locais, e que incluem municipalidades, cidades e vilas às quais
foi atribuído o estatuto de autarquia. A descentralização em Moçambique significa exactamente esse
processo de autarcização, embora, conforme anteriormente descrito, esteja também em curso uma
profunda e abrangente reforma do Estado. Esta reforma inclui outros aspectos, nomeadamenmte a
descentralização fiscal e a reestruturação das autoridades provinciais e distritais. Por outras palavras, a
descentralização implica a desconcentração de funções do Estado e a redefinição da sua relação com
os novos órgãos locais. Na medida em que a criação deste conjunto completamente novo de órgãos
locais que constitui a autarquia é o resultado mais visível e com mais implicações da reforma em
curso, estas são consideradas neste estudo a unidade básica de análise. A criação das primeiras
autarquias (33 nesta primeira fase do processo) em 1998 permitiu, não obstante as constantes
negociações políticas de que foi alvo, o lançamento de um importante processo de descentralização
democrática em Moçambique.

As autarquias são instituições urbanas, eleitas, que reproduzem a nível local a estrutura do governo
nacional e a sua divisão de poderes. A autarquia dispõe de dois órgãos principais: a assembleia
municipal, eleita por sufrágio directo, é o órgão legislativo; e o conselho municipal, composto por
vereadores e dirigido pelo presidente do município, é o órgão executivo. Metade dos vereadores são
membros da assembleia municipal, sendo a restante metade nomeada pelo presidente do município.
Este é eleito por sufrágio directo, ao mesmo tempo que têm lugar as eleições para a assembleia
municipal, pelos residentes do município. A assembleia municipal elege o seu próprio presidente ou
representante67. As autoridades locais deverão em princípio ser a verdadeira força motriz do
desenvolvimento local. Serão responsáveis pela angariação de uma parte significativa das suas
próprias receitas. Ser-lhes-á atribuída responsabilidade pelo desenvolvimento económico e social
local, meio ambiente, saneamento, saúde e educação, cultura, desportos, urbanização, construção e
habitação. Terão autonomia para planificar, definir o seu próprio orçamento e fazer a colecta de vários
impostos e taxas locais68.

O estabelecimento dos novos órgãos locais será feito de forma gradual e a transferência de poderes
será por etapas, permitindo assim um processo de aprendizagem e adaptação. A escolha pelo governo
das localidades que receberiam o estatuto de autarquia foi inicialmente limitada a 23 cidades, 11 das
quais (10 capitais provinciais e a cidade de Maputo) dispunham já de órgãos municipais e um
presidente nomeado pelo governo. A Renamo exigiu a atribuição do estatuto de autarquia também a
outras cidades e vilas. Após negociações, o governo concordou em seleccionar, com base em critérios
não muito claros, mais dez cidades e vilas que tivessem alcançado um certo nível de desenvolvimento.
As 23 cidades que já possuíam conselhos municipais desde 1978 irão simplesmente transferir as suas
responsabilidades e funções para os novos órgãos eleitos. Os antigos conselhos executivos eram,
contudo, centralizados e careciam de autonomia e recursos que lhes permitissem prestar mesmo
pequenos serviços locais. Uma verdadeira transferência de poder e recursos deverá pois ocorrer.
Pessoal, edifícios e infra-estruturas que antes pertenciam ao governo central serão gradualmente

67
Guia das Autarquias Locais, 1998.
68
Hanlon, 1997.

18
transferidos para os órgãos locais69. As restantes dez autarquias onde nunca existiram quaisquer
estruturas locais deverão criar tudo a partir do nada. Calcula-se que as autarquias agora estabelecidas
abranjam aproximadamente um terço dos 17 milhões de habitantes de Moçambique70.

O Ministério da Administração Estatal (MAE), juntamente com a sua Direcção Nacional de


Administração Local, é o principal responsável pela implementação do processo de descentralização.
O MAE é apoiado por vários dadores, que têm programas em cooperação com o MAE e especialistas
para aí destacados para aconselhar sobre a concepção e implementação dos programas de
descentralização. Ao nível provincial, o MAE está representado pelas suas Direcções Provinciais de
Apoio e Controlo que dirigem os programas de reforma administrativa. Outro Ministério com grande
interesse no processo é o Ministério do Plano e Finanças que tem representação aos níveis provincial e
distrital. A sua Direcção Nacional do Plano e Orçamento é responsável pela reforma orçamental que
deverá apoiar o desenvolvimento de práticas orçamentais aos níveis provincial e local.

As primeiras eleições de órgãos locais em Moçambique foram realizadas em 30 de Junho de 1998 e a


tomada de posse dos novos órgãos nos 33 municípios em finais de Agosto. Conforme anteriormente
referido, o partido no poder, a Frelimo, ganhou a maioria em todas as assembleias municipais e
conquistou todos os postos de presidente do município. O facto de o trabalho de campo deste estudo
(nomeadamente as entrevistas em Chimoio e Pemba) se ter realizado no período entre aqueles dois
acontecimentos, confere aos resultados um interesse particular. Primeiro, a análise das eleições e o seu
impacto sobre a legitimidade e o funcionamento dos novos órgãos locais dominou a maioria das
discussões. Segundo, como os novos órgãos locais ainda não estavam em funções, havia mais
intenções do que as práticas concretas para observar.

Pemba e Chimoio foram os dois municípios seleccionados por causa das suas características muito
diferentes. A capital da província de Manica71, Chimoio, de acordo com os resultados das eleições de
1994 é uma área de forte apoio à Renamo72. Com 172000 habitantes e uma área de 174 km2, a cidade
de Chimoio fica em terras do interior, próximo da fronteira com o Zimbabwe, junto do importante
Corredor da Beira que liga os dois países em termos logísticos, culturais e económicos. As principais
actividades económicas da área incluem a agricultura, a pequena indústria, o transporte e o comércio73.
Pemba é a capital da província mais a norte do país, Cabo Delgado. Com 82800 habitantes e uma
superfície de 83 km2, Pemba fica numa península e possui boas facilidades de navegação e turismo. A
pesca, o transporte, o turismo e a pequena indústria são as principais actividades económicas em
Pemba74. Toda a província de Cabo Delgado, conhecida durante o período colonial como uma zona
libertada pela Frelimo, é um círculo eleitoral muito importante para o partido no poder.

De um modo geral, ambos os municípios careciam de informação e partilhavam da mesma atitude de


‘esperar para ver’. Todos os entrevistados começavam por mencionar que a descentralização ainda se
encontra numa fase inicial e que por isso pouco havia a dizer sobre a questão. A falta de recursos
humanos, materiais e financeiros e a deterioração das infra-estruturas locais é claramente evidente,
mesmo nas cidades maiores e com melhores condições, para não falar das localidades que se
encontram em áreas mais remotas e menos desenvolvidas. Todavia, nas entrevistas com funcionários
envolvidos no processo era patente um certo optimismo. Todos estavam cientes dos objectivos e
realidades básicas do processo de descentralização e esperavam maior orientação por parte do
governo.

Vários membros de todos os sectores da comunidade louvaram o objectivo central da descentralização


de melhorar e reforçar a participação da comunidade em assuntos locais. Os representantes provinciais

69
Contudo, o pessoal deverá manter os seus direitos e os mesmos escalões salariais dos funcionários civis nacionais.
70
Sogge, 1998, p.102.
71
Há 10 províncias em Moçambique, para além da Cidade de Maputo que tem também estatuto de província.
72
Para uma análise da disputa do poder político local entre a Frelimo e a Renamo durante e após a guerra na província de
Manica, ver Alexander, 1997.
73
Folhas Informativas dos 33 Municípios, 1998, pp.74-75.
74
Ibidem, pp.188-189.

19
da Renamo em Manica e em Cabo Delgado repetiram o que a liderança do partido já tinha vindo a
defender: que a retirada da Renamo do processo eleitoral era o resultado de práticas não democráticas
e ilegais por parte do governo, e que não significava de modo algum que a Renamo fosse contra a
divisão e descentralização de poder para os níveis provincial e local. Pelo contrário, é do interesse da
Renamo promover práticas que permitam uma maior partilha de poder, sobretudo na região centro do
país. No entanto, a convicção da Renamo, partilhada também por outros, é que a fraca participação nas
eleições invalida o processo de descentralização e não confere legitimidade aos órgãos eleitos. Os
representantes da Renamo expressaram também grande preocupação quanto ao funcionamento e
eficiência das autoridades locais na sua forma actual. As autoridades locais saídas destas eleições não
envolvem nem representam a comunidade em geral já que os apoiantes e os simpatizantes da oposição
estão excluídos dos novos órgãos locais. Além disso, conforme argumentam, a maior parte dos
recursos locais são mal usados devido à falta de transparência e ao fraco controle financeiro75.

O Poder Local Face a Exigências Concorrentes

Um dos princípios básicos da política de descentralização é o pluralismo e a participação. A evolução


da sociedade moçambicana no sentido da auto-organização e autogestão das comunidades locais é
antecipada pela participação directa dos cidadãos na tomada de decisão e na representação dos
interesses locais pela administração municipal76. A prática parece contudo ser algo diferente.

A avaliar pelas eleições autárquicas e o estabelecimento dos novos órgãos locais, é difícil ver neles um
crescente activismo das comunidades locais no actual processo de descentralização. Entrevistas com
ONGs activas aos níveis provincial e local indicam o seu conhecimento e consciencialização do
processo, mas confirmam ao mesmo tempo a atitude acima referida de ‘esperar para ver’. Para os
poucos cidadãos entrevistados, a descentralização é mais um ‘projecto do governo’, sem impacto
substancial na vida do cidadão comum. Durante a guerra, as necessidades de sobrevivência levaram a
população em Moçambique a procurar formas alternativas de protecção e entreajuda, tradicionais e
comunitárias, muitas vezes à margem ou na ausência do Estado e seus representantes77.

A falta ou fraca qualidade dos serviços públicos não incutiram na população confiança na capacidade
do governo de resolver os seus problemas quotidianos. A percepção negativa do governo junto destas
populações é bem evidente em expressões como ‘fazer politiquice em vez de desenvolver políticas
adequadas’78. A corrupção da polícia e outros representantes da lei, a degradação e fraca manutenção
das infra-estruturas, a estratificação social, salários baixos e preços elevados também contribuíram
para a generalizada falta de confiança nas autoridades oficiais. A sondagem sobre o agregado familiar
promovida pelo Governo em 1998 indica que 45% dos inquiridos considera que as suas condições de
vida pioraram desde 1991, quase tantos como os que afirmam o contrário (44%), e 11% consideram
que a sua situação não se alterou79. Mais ainda, 61% considera ser mais difícil conseguir emprego,
enquanto que 12% dos inquiridos considera ser mais fácil, e 27% afirmou não observar quaisquer
mudanças. Ainda que meramente indicativos, estes dados demostram que, apesar do final da guerra e
de algum desenvolvimento económico, os benefícios para a população não têm sido satisfatórios ou
não têm correspondido às expectativas geradas no período imediatamente a seguir ao final da guerra.

Todavia, as eleições locais tiveram um importante efeito nunca antes visto em Moçambique. A lei
eleitoral permitiu que grupos de residentes independentes concorressem às eleições. Os grupos
variavam grandemente na sua composição e popularidade. Alguns eram formados por activistas locais
que não pertenciam a nenhum partido político, outros por políticos dissidentes da Frelimo que, por

75
Entrevistas com Mateus Lucas António (Renamo), Chimoio, 24 de Julho de 1998, e Segundinho Manuel Cinquenta
(Renamo), Pemba, 29 de Julho de 1998.
76
Guambe, 1998, p.18.
77
Entrevista com Lundin, 21 de Julho de 1998.
78
Entrevista com o jornalista Óscar Limbombo, Pemba, 29 de Julho de 1998.
79
Amostra total de 5775 pessoas. Estimativas e Perfil da Pobreza em Moçambique, 1998.

20
uma ou outra razão, quiseram concorrer como independentes. Várias sondagens de opinião não
oficiais realizadas antes e após as eleições indicavam aliás a simpatia dos eleitores pelos grupos
independentes. Nos municípios com mais de uma lista, foram as listas independentes que conseguiram
o maior número de votos da oposição, como o Grupo de Reflexão e Mudança (GRM) na Beira (40%),
NATURMA (Naturais e Residentes da Vila de Manhiça) em Manhiça (40%), OCINA em Nacala
Porto (26%) e Juntos pela Cidade (JPC) na Cidade de Maputo (26%). Tendo em conta que estes
grupos praticamente não existiam enquanto tal algumas semanas antes das eleições, e as suas carências
em recursos financeiros e outros para a campanha comparado com o partido no poder, o seu relativo
sucesso é significativo.

Embora nenhum dos grupos independentes tenha conseguido eleger o seu candidato para um posto de
presidente do município, alguns deles conseguiram uma boa votação. De notar o caso de Francisco de
Assis Masquil, antigo governador da Província de Sofala. Cabeça de lista pelo GRM na Beira, foi o
mais votado dos independentes que ficaram em segundo lugar para o lugar de presidente do município
(42%), seguido de Eusébio T. Manhiça pelo grupo NATURMA na Manhiça (41%) e Felizardo Vaz
em Inhambane (34%). O candidato independente mais votado na cidade de Maputo foi o Dr. Philip
Gagneaux (de origem suíça), que teve 29% dos votos contra 65% de Artur Canana, o seu oponente da
Frelimo e antigo governador da província de Manica80. Comentários dos grupos independentes após as
eleições sublinhavam que os resultados poderiam ter sido ainda melhores se não tivesse havido
intimidação por parte dos partidos políticos, ou se a cobertura dos meios de comunicação social tivesse
sido mais equitativa durante a campanha eleitoral81.

A emergência de grupos independentes e o abandono de alguns activistas da Frelimo deste partido


pode ser visto no contexto da divisão crescente entre as estruturas centrais e provinciais/locais do
partido82. Esta divisão também serviu para explicar o fracasso da Frelimo em mobilizar os seus
apoiantes durante a votação, levando assim a uma elevada taxa de abstenção. Apesar da persistência
da máquina partidária da Frelimo em tentar mobilizar os militantes para votar e desta forma reagir ao
boicote da oposição, muitos apoiantes da Frelimo não votaram83. Weimer considera que devido à
inclinação geral do eleitorado (urbano) em favor da descentralização e (auto) governo local, por um
lado, e as grandes expectativas criadas com a promulgação da lei 3/94, a ‘vitória relativa’ dos
‘centralizadores’ não reflectiu certamente os ideais do eleitorado em geral, nem em particular das
estruturas e apoiantes locais da Frelimo. Há outras linhas de divisão, ditadas possivelmente por
interesses regionais ou eventualmente étnicos, com os promotores de uma descentralização mais
abrangente localizados naquelas províncias que se consideram vítimas de um sistema de governação
hiper-centralizado, bem como da ‘dominação do Sul’84.

Por conseguinte, conforme examinado durante o trabalho de campo nas duas capitais provinciais de
Pemba e Chimoio, alguns funcionários civis e recém-eleitos vereadores e presidentes de municípios −
isto é, aqueles que dependem da Frelimo para as suas posições − adaptaram-se bem à retórica do
partido sobre os objectivos da descentralização. Especialmente em Cabo Delgado, considerado uma
das bases mais fortes da Frelimo, as pessoas mais bem informadas eram os representantes provinciais
do partido. Apesar da imagem muitas vezes negativa das estruturas centralizadas e hierárquicas do
partido, este parece ser eficaz na transmissão de informação para as províncias mais remotas. Isto
confirma a hipótese de que as estruturas do partido estabelecidas durante a era do partido único
continuam a desempenhar um papel importante nas províncias. Do mesmo modo, em Chimoio, era
evidente que as estruturas da Frelimo têm um papel significativo na selecção de candidatos e
nomeação de chefes das diferentes direcções provinciais.

80
Weimer, 1998b, pp.6-7.
81
Entrevista com Carlos Cardoso, editor do Metical e candidato do grupo Juntos Pela Cidade (uma associação de
residentes), Maputo, 23 de Julho de 1998.
82
Weimer, 1998b, p.15.
83
Weimer, 1998b, pp.14, 16.
84
Ibidem, p.16.

21
Esta situação cria uma competição curiosa entre os governadores provinciais nomeados pelo aparelho
central do Estado em Maputo e os funcionários civis locais, bem como entre os novos vereadores e
presidentes dos municípios (seleccionados com base em listas controladas pelas estruturas centrais do
partido) e os activistas locais que gozam de apoio das comunidades locais. Estes últimos lutam por
mais poder local, incluindo mais poder por parte das estruturas locais do partido, pelo que são vistos
como um perigo potencial. Durante a nomeação dos candidatos da Frelimo, aconteceu em algumas
autarquias que a estrutura central do partido rejeitou candidatos propostos pelas suas representações
locais. Assim, quando se tratou de seleccionar, nomear e eleger os candidatos, foram as estruturas
centrais do partido, nomeadamente os membros da Comissão Política (antigo Bureau Político), que
determinaram a escolha final, frustando por vezes interesses locais, individuais e colectivos. Reforça-
se assim a ideia de que o aparelho central do partido, controlado a partir da capital, Maputo, procura
manter o seu controle patrimonial sobre as províncias e comunidades locais. Daí as dificuldades da
Frelimo em tratar de questões de política local (relacionadas com a municipalização) e em aceitar uma
maior democracia interna. A frustração dos membros das estruturas e apoiantes locais do partido e do
governo é ainda mais alimentada pela percepção de que o governo não tem sido capaz de contribuir
significativamente para o alívio à pobreza nem alcançar uma distribuição mais equitativa da riqueza,
recursos e rendimento. Este argumento foi muitas vezes apresentado em entrevistas ao nível local85.

Líderes Tradicionais

Os líderes tradicionais têm autoridade e influência em muitas comunidades em Moçambique. Muito


afectadas pelo desenvolvimento social e político do país nas últimas décadas, as autoridades
tradicionais continuam a ser consideradas como agentes importantes da comunidade, sobretudo fora
das modernas zonas urbanas86. A autoridade tradicional começou a ser estudada em Moçambique, de
uma forma séria e aberta em 1991, por iniciativa do Ministério da Administração Estatal (MAE), e no
âmbito do desafio colocado pela descentralização. Sem aprofundar a natureza, história e variações
locais da autoridade tradicional, algumas constatações básicas do projecto, tal como descritas por
Lundin, são aqui apresentadas para facilitar a discussão sobre o seu papel.

Os líderes tradicionais são uma expressão socio-política das organizações sociais locais africanas, com
base na linhagem. Estão fora do tempo relativamente à autoridade legítima do actual Estado moderno,
que não é um produto da cultura local87. Além disso, a autoridade tradicional não é centralizada. Não
existem chefes tribais; os líderes tradicionais com base na linhagem estão localizados num território
específico. A autoridade tradicional inclui a elite tradicional local88.

O papel e funções das autoridades tradicionais variaram consideravelmente de acordo com as


realidades políticas e sociais da história de Moçambique. Durante o período colonial, os funcionários
portugueses exploraram a organização social das comunidades africanas de forma a aumentar o seu
controle. Criaram também o posto de régulo (pequeno rei), concedendo-lhe a liderança ou poder sobre
comunidades nativas num determinado limite territorial89. Após a independência, a diversidade de
autoridades tradicionais foi limitada pelo novo governo. A Frelimo considerou os régulos como meros
agentes da anterior administração colonial e ignorou a legitimidade que os líderes tradicionais
gozavam em muitas comunidades. Contudo, na medida em que a administração estatal não se
conseguiu estabelecer eficazmente entre as comunidades locais, o espaço deixado em aberto pela
administração distrital nomeada pelo governo central ao nível das comunidades locais foi em grande
medida ocupado por chefes tradicionais, grupos religiosos e ONGs/instituições internacionais de ajuda

85
Entrevistas com Manuel Lima Mário, 29 de Julho de 1998; e Alberto Jonasse Sumaila, 30 de Julho de 1998.
86
Ver nomeadamente Lundin, 1998, e Artur, 1998.
87
Artur, 1998. Entrevista com Marcelino Dingano N’galilo, Arquivo do Património Cultural (ARPAC), 30 de Julho de
1998.
88
Lundin, 1998, p.34.
89
Artur, 1998.

22
humanitária, operando à margem ou fora das estruturas do Estado90. A condenação das autoridades
tradicionais por parte dos novos líderes nacionais levou a que muitos dos líderes tradicionais se
aliassem à oposição, que aproveitou a oportunidade para estabelecer as suas próprias estruturas com
base na liderança local.

Para este estudo, foi recolhida informação sobre as autoridades tradicionais na província de Cabo
Delgado e em Pemba, a capital da província. De acordo com a entrevista concedida por dois régulos,
indicados pela sede provincial da Renamo como possíveis entrevistados, o povo Makua tem seis
régulos que controlam os vários bairros ou aglomerados nos arredores da cidade91. As opiniões dos
dois régulos entrevistados sobre descentralização e a relação entre os diferentes níveis de governo e
autoridade tradicional eram totalmente diferentes. Enquanto que o primeiro criticou o governo por não
consultar a comunidade em qualquer que fosse a questão, o outro régulo, pelo contrário, estava
satisfeito com o processo de descentralização e acreditava que o estabelecimento de órgãos locais
autónomos iria permitir uma maior interacção entre o Estado e as autoridades tradicionais. Não
obstante, ambos os régulos afirmaram ter autoridade substancial sobre os locais e exigiam
reconhecimento por parte do governo.

Se as curtas visitas às comunidades não permitiram tirar mais conclusões, elas revelaram pelo menos a
situação marginalizada e de pobreza dos régulos e das suas comunidades em geral. A apenas alguns
quilómetros da cidade de Pemba, os bairros são uma realidade em si, desligada de quaisquer serviços
municipais. Embora seja difícil avaliar a posição dos régulos nas suas comunidades, parece não existir
qualquer outra autoridade a esse nível. Conforme observado por Artur e Weimer, ao excluir da
reforma administrativa formas africanas de governo e liderança, o Estado moçambicano moderno e a
administração continuam a distanciar-se e a permanecer como uma realidade alheia à grande maioria
da população92. Isto é visível na forma como o papel dos líderes tradicionais é re-direccionado e
limitado no âmbito da reforma da descentralização pela lei 2/97. É opinião mais ou menos
generalizada, tal como afirmava um funcionário do Estado, que o poder dos líderes tradicionais é
essencialmente conservador, na medida em que têm poder social para impedir que as coisas
aconteçam, mas não têm saber nem capacidade para iniciar ideias93. No entanto, na ausência de
qualquer outra autoridade, os líderes tradicionais são importantes como representantes orgânicos da
comunidade social e deverão ser integrados em qualquer reforma que vise uma maior participação da
comunidade.

O Papel das ONGs Locais e Internacionais

Na ausência ou fraqueza da representação do Estado, ONGs locais e internacionais preencheram o


vazio de poder em muitas comunidades, como uma forma de ‘descentralização por defeito’94. As
ONGs tomaram iniciativas do género proporcionar serviços básicos, desenvolver infra-estruturas
como água e saneamento, preencher vazios em matéria de educação, saúde, assistência social e
conservação do meio ambiente. Cada vez mais frustrada com a ineficiência das estruturas do Estado, a

90
Artur, 1998, p.4.
91
Cerca de 60% da população de Pemba é de origem Makua. O outro grande grupo étnico é o Makonde (25%), a maioria
dos quais reside na parte mais a norte da província de Cabo Delgado. Os restantes 15% incluem vários pequenos grupos
étnicos. Várias das pessoas entrevistadas indicaram que existe uma competição histórica entre os Makonde e os Makua.
As opiniões dos entrevistados sobre a gravidade do conflito varia grandemente. Os Makonde, muitos dos quais
combateram na guerra de libertação, são um eleitorado importante para a Frelimo. Por outro lado, os Makua, que
possuíam uma chefia centralizada, eram mais facilmente usados como régulos durante o governo colonial. Entrevistas
com Mário Alberto Intetepe, Director da Cultura, Juventude e Desportos da província de Cabo Delgado, 31 de Julho de
1998; Marcelino Dingano N’galilo, Arquivo do Património Cultural (ARPAC), 30 de Julho de 1998; Régulo Piri-Piri,
Bairro Gingone, 30 de Julho de 1998; Régulo Ngona, Bairro Mahate, 30 de Julho de 1998.
92
Artur, 1998, pp.24-25.
93
Um exemplo ilustrativo é a mobilização para as eleições locais. Enquanto que o primeiro régulo entrevistado afirmou ter
impedido a sua população de votar, o segundo afirmou que apesar da sua mobilização a comunidade não quis votar.
94
A LINK, fórum das ONGs locais e internacionais a operar em Moçambique, apresenta uma lista de mais de 500 ONGs
presentes no país. LINK, 1998.

23
comunidade dadora começou a envolver-se mais no apoio à sociedade civil moçambicana que, apesar
de ainda frágil, está em constante crescimento. Existem grandes diferenças entre as ONGs e outras
organizações relativamente ao tamanho, âmbito de actividade, função, origem, autenticidade e
recursos95.

Os recursos de algumas das ONGs locais e da maioria das ONGs internacionais excedem os recursos
de muitos municípios, o que lhes confere grande respeito e autonomia junto das comunidades.
Algumas ONGs desenvolveram uma relação eficaz com as comunidades onde estão baseadas e
trabalham de acordo com métodos participativos. Outras estão mais orientadas para a prestação de
serviços técnicos e operações de emergência no sector social. Nos últimos anos, a sociedade civil
também se tornou activa na defesa e pressão para a adopção de determinadas políticas, especialmente
na capital. Mas as ONGs também têm estado sujeitas a processos centralizados de tomada de decisões
e têm dificuldades em trabalhar com níveis locais da administração. A experiência de uma ONG
internacional em Cabo Delgado indica que a intervenção do governo central nos projectos provinciais
tem sido um factor de perturbação, especialmente no passado, mas que a prática do controle central
está a mudar ainda que lentamente. Ao nível local, persiste a hegemonia dos administradores distritais
nomeados pela administração central. É difícil iniciar uma actividade sem a interferência do
administrador, que muitas vezes procura obter benefícios pessoais e/ou políticos96. Muitos
representantes de ONGs baseadas em Maputo apontaram a necessidade de as ONGs desenvolverem,
ao nível local, o seu saber e técnicas de intervenção e pressão com vista a melhorar a sua capacidade
para participar, seguir e desenvolver o processo de tomada de decisão local97.

Relacionado com este facto, crê-se que a verdadeira descentralização do poder exige uma mudança
fundamental na cultura administrativa, tanto aos níveis central como local, bem como o
desenvolvimento de atitudes mais participativas. Ainda existe uma cultura de comando, evidenciada
pelo poder todo-poderoso a todos os níveis dos representantes do partido/Estado nomeados pelas
estruturas centrais. Derivando quer da tradição africana como do legado do Estado de partido único, a
cultura hierárquica (do topo para a base) não é conducente a uma maior participação comunitária98.
Criou-se uma mentalidade de dependência em que o local espera que o bem-estar e o desenvolvimento
lhe sejam proporcionados pelo centro, sem o envolvimento activo das populações interessadas.
Quebrar esta dependência é uma das principais condições para uma verdadeira reforma democrática99.

Divisão de Tarefas e Mandatos Entre os Diferentes Níveis da


Administração

A criação de novas autoridades locais autónomas nalgumas zonas de Moçambique complicou ainda
mais o sistema político e administrativo nacional. Actualmente, a administração territorial oficial
possui três níveis: i) governos provinciais com governadores nomeados pelo Presidente; ii) autoridades
distritais nomeadas nas zonas rurais; e iii) autoridades locais (presidente do município, conselho e
assembleia municipais) nas zonas urbanas e chefes de posto nomeados nos chamados postos
administrativos100. Nas autarquias, as autoridades distritais e os órgãos locais autónomos coabitam sem
que haja uma clara definição dos respectivos mandatos e hierarquia. Coexistem quatro estruturas
diferentes de governação: primeiro, o aparelho central do Estado, hiper-centralizado, altamente
burocrático e tecnocrático, com demasiados funcionários, e os leais governos provinciais por ele

95
Sogge, 1997.
96
Entrevistas com Rudolf Gsell (HELVETAS), 29 de Julho de 1998, e Alberto Jonasse Sumaila (HELVETAS), 30 de Julho
de 1998.
97
Entre outros, Graham Saul (OXFAM-UK), 22 de Julho de 1998.
98
Entrevistas com João Alfai (Frelimo), Cabo Delgado, 27 de Julho de 1998; Oscar Limbombo, Pemba, 29 de Julho de
1998; José Fernando Tafula, Chimoio, 24 de Julho de 1998; Alberto Jonasse Sumaila (ex-Frelimo), Pemba, 30 de Julho
de 1998.
99
Entrevista com Ismael Ussemane (UNAC), 3 de Agosto de 1998.
100
Artur, 1998, pp.3-4.

24
nomeados; segundo, os órgãos locais do Estado (administração distrital e estruturas administrativas
hierarquicamente abaixo desta), fracos, ineficientes e sem legitimidade; terceiro, os recém-criados
municípios autónomos de auto-governação; e quarto, as formas africanas de governo e organização
social, na sua maioria fora ou à margem do Estado101. Especialmente nas províncias, existe pouca
informação relativamente aos mandatos dos diferentes níveis de governo e às tarefas que as
autoridades locais deverão desempenhar102. Outro problema é a coabitação de administradores
distritais e autarquias, sendo pouco claro qual deles exercerá autoridade superior. Importa ainda
lembrar que a devolução de poder das autoridades centrais para as locais só ocorre nalgumas zonas do
país, o que torna a situação ainda mais complicada. A maior parte das zonas rurais ainda é
directamente administrada a partir das estruturas centrais da administração. Ainda que haja um
conhecimento razoável sobre os novos órgãos locais entre os habitantes das novas novas áreas
administrativas103, tal não significa que os munícipes atribuam grande importância aos novos órgãos
locais e os considerem como ‘órgãos vivos’104.

Também existe ao nível provincial uma concorrência de lealdades entre os directores provinciais dos
respectivos Ministérios sectoriais e seus superiores hierárquicos, por um lado, e o governador e os
interesses provinciais por outro. É provável que em caso de conflito de interesses e disputa de
autoridade, os funcionários civis de uma determinada direcção tendam a aceitar antes de mais ordens
superiores do respectivo Ministério de tutela. Mais uma vez se evidencia a dependência dos líderes
locais e provinciais face às estruturas centrais do partido e ao aparelho do Estado. Todos os
funcionários são e continuarão a ser empregados do Estado, mesmo se as suas tarefas são transferidas
para a autarquia local. O nível salarial dos funcionários civis locais terá também impacto na sua
motivação e, mais importante ainda, na luta contra a corrupção a todos os níveis da função pública.
Nesse sentido, a reforma da função pública é essencial.

O programa de descentralização do governo a nível sectorial visa a redefinição das tarefas e


responsabilidades, finanças e procedimentos de trabalho em relação aos novos órgãos municipais.
Constitucionalmente, os níveis central/provincial têm a obrigação de seguir e apoiar as autoridades
locais. Apenas podem intervir se estas violarem claramente a lei. Os respectivos Ministérios devem
igualmente apoiar as novas autoridades na definição das tarefas que poderão ou não ser transferidas
para os órgãos locais. Pretende-se, por exemplo, descentralizar a gestão das escolas primárias, mas o
curriculum e formação dos professores continuarão a ser de âmbito nacional. Há ainda muito por
negociar e planear e não é provável que a discussão seja fácil. Serão muitas e conflituosas as pressões
de todos os lados, central, provincial e local. Alguns funcionários a nível central pretendem manter o
poder nas suas mãos, enquanto outros querem delegar tantas funções e custos quanto possível para
níveis locais da administração. Algumas autoridades locais gostariam de ter mais autonomia, mas
esitam em assumir tarefas que deverão ser financiadas localmente. Alguns estão pouco capacitados
para assumir quaisquer tarefas, pelo que só o farão de forma gradual. É o caso das dez autarquias que
não herdaram estruturas municipais e que as deverão criar.

Será interessante ver qual o impacto que terão os candidatos independentes eleitos na promoção do
poder local. Conforme referido por dois vereadores independentes em Maputo e na Beira, o resultado
mais positivo até agora foi o facto de os vereadores independentes terem obtido os meios jurídicos e
institucionais para exigir uma maior responsabilização e transparência em matéria de questões
municipais. Estão melhor capacitados para criticar e exigir, porque conquistaram os seus lugares com
o apoio local e na independência do aparelho do partido no poder105.

101
Ibidem, p.24.
102
Entrevista com Rodrigues Miguel (PROGRESSO), Pemba, 29 de Julho de 1998. O mesmo foi expresso por muitos outros
nomeadamente representantes de ONGs, funcionários civis e jornalistas.
103
Weimer, 1998b, p.13.
104
Entrevista com Roeland Van De Geer, Embaixador da Holanda, 21 de Julho de 1998.
105
Comunicação pessoal. Maputo.

25
Recursos Base das Autarquias: Financeiros, Materiais e Humanos

Um dos problemas mais graves das novas autarquias é a falta de capacidade humana, material e
financeira, o que dificulta seriamente o desenvolvimento local e acaba por se tornar num círculo
vicioso. As novas autoridades locais deverão mobilizar recursos locais com vista a desenvolverem as
suas capacidades para promover o desenvolvimento local. Todavia, sem os conhecimentos técnicos
necessários, capacidade administrativa e recursos humanos qualificados, a sua capacidade de gerar
rendimentos e promover o desenvolvimento económico local é muito fraca. Na tentativa de resolver
este problema, o governo central aprovou uma lei sobre os subsídios governamentais destinados às
autoridades locais. O chamado ‘fundo de compensação’ deverá ser de 1,5 a 3% do total de receitas
anuais do Estado e será transferido para cada uma das autarquias locais de acordo com uma fórmula
baseada em quatro critérios: área, população, nível de desenvolvimento e sucesso na colecta de
impostos locais. O governo anunciou recentemente que irá atribuir 40 mil milhões de Meticais (cerca
de 3,3 milhões de dólares americanos) para o funcionamento das novas autarquias locais. O montante
equivale a 0,75% das receitas do Estado previstas para os últimos seis meses de 1998106. Além disso,
criaram-se várias outras formas de financiamento local. A fonte mais importante de receitas locais será
o imposto pessoal autárquico que as autoridades locais estão autorizadas a cobrar. As autarquias locais
podem igualmente gerar rendimentos a partir de taxas e tarifas sobre serviços e licenças, ou seja,
através da tributação da actividade económica nas suas respectivas áreas107. Algumas receitas de
impostos nacionais serão também transferidas para os conselhos locais, nomeadamente as
provenientes de impostos sobre o turismo (das quais 30% serão transferidas para as autarquias),
veículos e propriedade.

É contudo provável que a realidade seja menos promissora. Actualmente, estima-se que a capacidade
de angariação de receitas por parte do governo central seja muito baixa. Apesar do fim da guerra e de
um período de maior estabilidade e crescimento económico, as receitas fiscais em percentagem do PIB
entre 1994-96 foram inferiores às receitas de anteriores períodos trienais, excepto para o período de
1985-87. Apesar da melhoria na colecta de receitas em 1997 para cerca de 20,4% do PIB, esta
permaneceu ainda ligeiramente abaixo da média dos treze anos anteriores108. O orçamento do governo
para 1998 mostra ainda uma outra preocupação: a receita proveniente das províncias é de apenas 154
mil milhões de Meticais (13 milhões de dólares americanos), correspondendo a apenas 3% do total de
receitas do Estado que se elevam a 5 479 mil milhões de Meticais (456 milhões de dólares
americanos) para os últimos seis meses de 1998. Das receitas provinciais, só a cidade de Maputo cobra
92 mil milhões de Meticais, ou seja, quase 60% do total das receitas provinciais. Por outras palavras,
quase todas as receitas são actualmente cobradas pelo governo central e, até ao momento, as
províncias para além da capital não têm nem autoridade, nem capacidade para gerar receitas. Além
disso, a actividade económica e industrial está concentrada na capital e nos poucos grandes centros
urbanos existentes no país (como a Beira, o Porto de Nacala e Chimoio), ficando as outras áreas
dependentes dos subsídios do governo.

A documentação disponível sobre a situação económica dos dois municípios considerados neste
estudo não fornece muita informação sobre as finanças locais. Nos casos de Pemba e Chimoio, 60%
do rendimento municipal é gerado por serviços, o que parece ser a tendência comum para todos os
municípios. Para além destas receitas, Chimoio recebe do governo provincial apenas um terço do seu
rendimento sob a forma de subsídio, enquanto que Pemba recebe apenas 10%. Por outro lado, Pemba
recebe rendimento de um plano de habitação do governo que equivale a aproximadamente 20% da
receita total do município. O subsídio provincial para Chimoio diminuiu gradualmente (era de 46% em
1994), enquanto que o rendimento total triplicou. É grande o optimismo quanto à viabilidade de ambos
os municípios para desenvolver e aumentar as receitas locais. Só em Pemba é que estavam disponíveis
dados sobre as despesas correntes, distribuídas do seguinte modo: 57,5% em despesas de pessoal,

106
Agência de Informação de Moçambique, AIM reports, no. 141, 25 de Agosto de 1998.
107
Mozambique Peace Process Bulletin, no. 18, Junho de 1997.
108
Weeks, 1998, p.24.

26
19,5% em administração e funções, 3,5% em manutenção da propriedade e 19,5% noutras despesas109.
Até agora e de acordo com estes dados, todo o investimento nos sectores sociais – saúde, educação,
cuidado infantil e materno, assistência aos idosos e aos deficientes, ou seja, no alívio à pobreza e
desenvolvimento de recursos humanos – tem sido distribuído pelos órgãos centrais. Se os municípios
deverão assumir a responsabilidade dessas funções, terá que lhes ser dada verdadeira autonomia e
capacidade para aumentarem substancialmente as suas receitas ou receberem uma maior percentagem
de fundos provinciais e centrais.

Por outro lado, a criação de um novo conjunto de instituições públicas que deverão ser subsidiadas por
fundos públicos vai contra as recentes políticas macro-económicas de reduzir o sector público, cortar
nas despesas públicas e privatizar a prestação de serviços. Aonde é que as novas estruturas municipais
irão então buscar financiamento?110 O subsídio do governo está ligado ao desempenho das autarquias
na angariação dos seus próprios fundos, o que coloca os municípios em posição desigual. Aqueles com
menos capacidade de angariação de fundos receberão menos do que os municípios que consigam gerar
mais rendimentos. Sob pressão para reduzir a despesa pública, é previsível que o Estado diminuia os
subsídios aos municípios quando estes estabelecerem os seus próprios sistemas de angariação de
fundos. Ao mesmo tempo, alguns municípios recebem uma parte substancial dos seus fundos da
comunidade dadora em apoio da política de descentralização111, o que levanta sérias questões à sua
sustentabilidade a longo prazo. Se incapazes de gerar financiamento adicional a nível local, conforme
os planos do governo, as novas autarquias tornar-se-ão ainda mais dependentes do financiamento do
governo e/ou do apoio dos dadores. Por outro lado, a dependência do governo de Moçambique face à
ajuda externa é um dilema fundamental de toda a economia nacional. É, pois, da maior importância
desenvolver a capacidade administrativa e humana das novas autoridades locais de forma a resolver a
questão da dependência e a não criar uma nova dependência ao nível da micro-estrutura.

Espera-se que o sector privado assuma um papel de maior relevo na criação de rendimentos para os
municípios e na prestação de serviços. De acordo com a nova lei, as autarquias têm o direito de
contratar outros para a prestação de serviços públicos, ainda que não o devam fazer. A privatização de
recursos económicos e da produção tem sido um dos princípios orientadores do novo governo. O
processo de privatizações tem vindo a acelerar; nos últimos 10 anos (1987-97), o governo vendeu 676
empresas, a maioria das quais entre 1993 e 1995. A privatização tem sido um sucesso para a maioria
dos sectores industriais: pesca, transportes, carvão, madeira, construção e seguros112, o que levou a
uma situação em que empresas cada vez mais produtivas economicamente estão fora do controle
público. O quadro legal e institucional para as companhias privadas numa economia em transição
como a de Moçambique permite que estas operem quase sem controle público. Será particularmente
difícil para os municípios pobres, com falta de capacidade técnica económica e jurídica, definir e
implementar um sistema adequado de tributação e tarifas para as companhias privadas que operem no
seu território; ser-lhes-á também mais difícil impor códigos e sanções aos agentes privados. Se não se
conseguir controlar o actual nível de corrupção, será impossível a responsabilização destes agentes.
Integrar o sector privado no esforço de melhoria das infra-estruturas locais, com base no princípio do
benefício mútuo, é um verdadeiro desafio para as novas autoridades locais. As primeiras tarefas dos
órgãos locais incluem a elaboração de planos para a expansão de serviços, como água e energia
eléctrica, e a negociação de acordos com as respectivas companhias. O governo espera que o sector
privado contribua para o desenvolvimento municipal, embora neste momento tenha muito pouco para
oferecer em troca113. Foi também proposto um conjunto de incentivos de forma a atrair companhias e

109
Estes dados, fornecidos pelo governo moçambicano na preparação das eleições autárquicas, devem ser vistos com algum
cepticismo relativamente à sua disponibilidade e interpretação. Folhas Informativas dos 33 Municípios, 1998.
110
Questão referida por um funcionário da Comissão Europeia a trabalhar em Moçambique.
111
Por exemplo, grande parte do orçamento municipal do Porto de Nacala tem sido financiado nos últimos anos por um
projecto do Governo Finlandês. O conselho municipal continua a procurar formas e meios de gerar fundos locais, porque
o apoio dos dadores terminará em 1999. O município de Nacala tem para esse efeito o apoio de especialistas estrangeiros,
o que não é o caso de muitos outros municípios com uma capacidade mais fraca para desenvolver actividades geradoras
de rendimento. Entrevista com Jarmo Kuuttila, Embaixada da Finlândia, 17 de Julho de 1998.
112
Sogge, 1997, p.10.
113
Mozambique Peace Process Bulletin, no. 18, Julho de 1997.

27
investidores a estabelecerem-se em regiões e municípios remotos, como Cabo Delgado e Pemba114.

Não é nenhum segredo que a infra-estrutura física em muitas partes do país está muito ou quase
completamente destruída, devido à guerra e à falta de manutenção e construção. Nalgumas
localidades, as novas autoridades locais praticamente não dispõem de um local de reunião, muito
menos de escritórios e equipamento para operar de forma eficiente. Esta falta de condições básicas
deverá ser resolvida com a ajuda do governo central, da comunidade local e dos dadores.

Igualmente urgente é a falta de pessoal qualificado e de técnicos nos novos municípios, especialmente
nos mais pequenos e mais remotos. Este problema foi salientado em quase todas as entrevistas. Já
antes foi mencionado que Moçambique tem poucos funcionários civis qualificados. A deterioração das
condições na função pública – salários extremamente baixos e fracas infra-estruturas de trabalho –
fizeram com que muito do pessoal melhor qualificado procurasse empregos mais lucrativos no sector
privado, como empresários ou consultores, e nas organizações dadoras internacionais. Os municípios
remotos, oferecendo condições de vida modestas e fracas oportunidades de carreira profissional, não
podem competir com Maputo e outras capitais industriais pela aquisição de funcionários qualificados.
É cada vez maior o receio de que as autarquias não terão capacidade para assumir as tarefas que lhes
são delegadas nem para fazer uso da autonomia concedida aos novos órgãos locais devido à falta de
recursos humanos. Deverá ser adoptada uma reforma abrangente da função pública, com o objectivo
de melhorar cada vez mais as condições de trabalho, as oportunidades de carreira bem como o quadro
salarial e outros incentivos. As necessidades de formação dos titulares de cargos políticos, dos novos
membros das assembleias e conselhos municipais, deverão também ser tidas em consideração e
integradas nos programas de formação e capacitação dos funcionários públicos locais. Deveriam ser
estudados incentivos especiais para assegurar a mobilização de força de trabalho também para os
municípios mais pobres.

A Mulher na Estrutura Local

É relevante o facto de que das 24 entrevistas a funcionários públicos, políticos, representantes de


ONGs e outras pessoas relevantes que se dedicam a questões relacionadas com a descentralização ou o
alívio à pobreza nos dois municípios estudados, apenas uma entrevista foi com uma mulher115. Em
Maputo, a situação é ligeiramente melhor116. Sem entrar numa discussão sobre o papel e a posição da
mulher na sociedade moçambicana, e sem querer minimizar a importância das organizações de
mulheres criadas nos últimos anos em Moçambique para abordar as questões de género117, a ausência
de mulheres na vida pública é aqui apenas referida de modo muito breve. Deveria também ser dada
uma atenção especial à integração das mulheres nas estruturas de poder local, encorajando-as a
participarem na política.

É difícil identificar as possibilidades das novas autoridades locais em matéria de alívio à pobreza,
porque as suas tarefas, mandatos e responsabilidades estão muito dependentes de recursos que ainda
não existem. Outro problema é a relação entre os diferentes níveis da administração. A
marginalização de grupos de poder local, tais como partidos da oposição e sociedade civil, são uma
falha grave na concepção dos órgãos locais e diminui a sua capacidade para abordar problemas
sociais e económicos locais. A divisão cada vez maior entre as elites políticas locais e centrais no seio
da Frelimo poderá levar a uma séria marginalização e perda da sua base popular. O governo deveria
atribuir especial atenção à forte desigualdade entre municípios e orientar os seus recursos e
programas para os mais desfavorecidos.

114
Entrevista com Manuel Rodrigues Alberto, Pemba, 28 de Julho de 1998.
115
Filament Nachake, Primeira Secretária da OMM (Organização da Mulher Moçambicana) na província de Cabo Delgado,
um órgão afiliado à Frelimo.
116
O Director da UAP, o Director da UFICS, a Representante do Grupo da Dívida são todas mulheres.
117
Por exemplo, as mulheres envolvidas na actividade política criaram uma rede de contacto comum, o Fórum Mulher, de
forma a promover a igualdade e a participação da mulher na vida pública.

28
O Papel dos Dadores na Descentralização e Alívio à pobreza
O papel dos dadores tem sido de extrema importância nos últimos 10 anos em todos os níveis e
sectores da sociedade moçambicana. É difícil pôr fim à dependência e aumentar a apropriação e
responsabilização local na formulação de políticas. Do mesmo modo, o processo de descentralização
reflecte, pelo menos em parte, o ponto de vista das instituições de ajuda externa e o seu sistema de
valores.

Conforme anteriormente referido neste estudo, a comunidade dadora em Moçambique teve uma
influência significativa no processo político de descentralização. Do mesmo modo, o seu apoio
financeiro para a realização das eleições e para a elaboração e implementação do PROL tem sido
substancial. Esta parte do texto refere algumas das acções concretas da comunidade dadora para a
promoção da descentralização e reforço das comunidades locais.

O Banco Mundial teve um papel fundamental na negociação e elaboração do PROL, lançado em


princípios dos anos 90. Ligado aos programas de ajustamento macro-económico, o PROL está
centrado no quadro legal, institucional e fiscal do governo local, de forma a criar uma estrutura
adequada para a auto-suficiência e responsabilização das autoridades locais. Está a ser implementado a
título experimental em cinco zonas urbanas (Maputo, Beira, Pemba, Quelimane e Nampula). O
projecto financia assistência técnica, formação, estudos e criação de um quadro de políticas adequadas
para o investimento no sector urbano. Prepara planos de investimento urbano e coordena as
actividades de outros dadores e ONGs no sector do governo local118. O projecto está a ser
implementado pelo MAE e a sua Direcção Nacional para a Administração Local. O Banco Mundial
está também a gerir projectos ditos de capacitação de recursos humanos e de capacitação do sector
público/legal, de forma a fortalecer a capacidade da função pública, nomeadamente para prestar
serviços públicos119. O PROL também é apoiado pela agência de desenvolvimento alemã (GTZ), que
destacou um conselheiro para o MAE no âmbito do seu Programa sobre Democracia e
Descentralização (PDD).

Outros dadores envolvidos no apoio financeiro e em recursos humanos para a formulação da política
de descentralização incluem a Suécia, a Holanda, a Finlândia e a Noruega. A Suécia está a apoiar o
estabelecimento da administração local em seis distritos rurais (Boane, Búzi, Angónia, Monapo,
Lichinga e Mocímboa da Praia). A Holanda está a concentrar os seus esforços no apoio à província de
Nampula e aos seus distritos e autoridades municipais. A Noruega está presente em Cabo Delgado,
onde apoia a criação de infra-estruturas físicas e administrativas locais. A Finlândia, para além do
apoio ao município de Nacala na conservação do meio ambiente e em programas de capacitação,
reforçou também a componente de capacitação do seu programa de saúde em Manica. As
organizações multilaterais envolvidas em programas de descentralização incluem o PNUD, bem como
várias ONGs, muitas das quais se aperceberam da necessidade de aumentar a capacidade
administrativa e humana das comunidades com quem trabalham. Conforme já referido, as ONGs
apoiam quer a sociedade civil quer as autoridades locais, especialmente na formação, defesa de
políticas e desenvolvimento de práticas participativas.

Todos os dadores entrevistados indicaram que os novos órgãos locais autónomos podem dar uma
contribuição significativa para o desenvolvimento socio-económico e o alívio à pobreza, desde que
haja uma verdadeira descentralização de poder e mandatos claramente definidos. Isto explica tanto o
seu entusiasmo inicial como a posterior decepção com a evolução do processo de descentralização.
Originalmente intencionados a apoiar as novas autoridades locais, os dadores parecem agora optar por
manter a sua velha prática de gerir projectos isolados com um envolvimento limitado das estruturas
locais.

118
Briefing Book, 1998, p.4.
119
Ibidem, p.2.

29
A USAID tem estado activamente envolvida no apoio à descentralização e ao desenvolvimento da
democracia local. O seu programa LEGA (Local Empowerment in Governance Activity) visa
promover a capacidade das comunidades locais para a identificação e satisfação das suas necessidades.
A USAID decidiu deliberadamente não canalizar os recursos financeiros para esta actividade através
do governo de Moçambique e, em vez disso, promover actividades em dois distritos e três municípios
da província da Zambézia. O processo de definição da política de descentralização tem sido
essencialmente centralizado (do topo para a base) e influenciado pelos dadores, com pouco
envolvimento dos cidadãos120.

Após o grande atraso na realização das eleições municipais, mais ou menos indirectamente causado
pela comunidade dadora, os dadores estão agora sob pressão para manter o processo em andamento e
assegurar que as eleições gerais de 1999 terão lugar conforme planeado121. Os dadores seleccionaram a
questão do “fortalecimento da democracia sustentável” como o tema da reunião do Grupo Consultivo,
realizado em Setembro de 1998 em Maputo. O tema estava mais associado às questões de boa
governação e alívio à pobreza do que propriamente ao processo democrático122. Porém, nessa reunião,
o Ministro da Administração Estatal, Alfredo Gamito, apresentou uma agenda sobre o pacote da
reforma pública assente em três pilares, que foi adoptado pelos dadores. Um dos pilares inclui e
implica a desconcentração e a municipalização. Parece, pois, que após uma certa decepção quanto ao
andamento da descentralização, os dadores estão mais uma vez envolvidos no apoio à continuação do
processo.

O alívio à pobreza é um objectivo comum e amplamente acordado da ajuda externa em Moçambique.


A tarefa é enorme. Agências dadoras oficiais, organizações das Nações Unidas e outras organizações
internacionais têm ao longo destes anos trabalhado para o alívio à pobreza e a melhoria do
desenvolvimento humano em Moçambique. A Unidade de Alívio à Pobreza, como muitas outras
unidades do aparelho de Estado, está a operar com fundos doados pelo Banco Mundial. Muitos
dadores colaboram com o governo provincial facilitando o desenvolvimento e implementação de
programas socio-económicos. Um número considerável de dadores atribui directamente à sociedade
civil fundos para promover a participação comunitária. É através da crescente participação das
comunidades locais na mobilização de recursos que os dadores associam a descentralização ao alívio à
pobreza. Um objectivo importante é a maior responsabilização e transparência dos Ministérios
responsáveis pelo alívio à pobreza, de forma a assegurar um maior impacto com os recursos
existentes.

Um país tão dependente da ajuda externa como Moçambique está muito sujeito à influência directa
ou indirecta das agências de ajuda externa e respectivos governos. O recuo no processo de
descentralização democrática através da limitação da autonomia das autoridades locais, levou à
retirada parcial dos dadores e acentuou a tendência das agências de ajuda externa para manter
projectos isolados em vez de apoiar os novos órgãos de governo local. A ligação da comunidade
dadora com o alívio à pobreza tem impacto nas estratégias governamentais que tendem a ver o alívio
à pobreza meramente como uma melhor e mais efectiva gestão dos recursos existentes.

120
Entrevista com Sérgio Gusman (USAID), 3 de Agosto de 1998.
121
As eleições presidenciais e legislativas tiveram efectivamente lugar a 3 e 4 de Dezembro de 1999. Ver nota 34.
122
AWEPA, Mozambique Peace Process Buletin, no. 21, 21 de Julho de 1998.

30
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Carlos Cardoso, editor do jornal Metical e candidato do grupo Juntos pela Cidade, uma associação de residentes,
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Júlio Garrido, Delegação da Comissão Europeia em Moçambique, 20 de Julho de 1998.
Roeland van de Geer, Embaixador da Holanda em Moçambique aquando da realização do trabalho de campo, 21
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Óscar Limbombo, jornalista, Pemba, 29 de Julho de 1998.
Iraê Baptista Lundin, 21 de Julho de 1998.
Manuel Lima Mário, candidato independente para o cargo de Presidente do Município, Pemba, 29 de Julho de
1998.
Rodrigues Miguel, PROGRESSO (ONG local), Pemba, 29 de Julho de 1998.
Filament Nachake, Primeira Secretária da OMM na Província de Cabo Delgado e membro da Frelimo, 31 de
Julho de 1998.
Marcelino Dingano N’galilo, Arquivo do Património Cultural (ARPAC), Pemba, 30 de Julho de 1998.
Régulo Piri-Piri, Bairro Gingone, Pemba, 30 de Julho de 1998.
Régulo Ngona, Bairro Mahate, Pemba, 30 de Julho de 1998.
Graham Saul, OXFAM – UK (ONG), 22 de Julho de 1998.
Teresinha da Silva, Universidade Eduardo Mondlane, 3 de Agosto de 1998.
Alberto Jonasse Sumaila, HELVETAS, Cabo Delgado, 30 de Julho de 1998.
José Fernando Tafula, Direcção de Apoio e Controle, MAE, Chimoio, 24 de Julho de 1998.
Ismael Ussemane, União Nacional das Cooperativas (UNAC), Maputo, 3 de Agosto de 1998.
Bernhard Weimer, GTZ-PDD, 4 de Agosto de 1998.

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