Dissertação

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Universidade de Aveiro Departamento de Ciências Sociais Políticas e do

Ano 2013 Território

VICENTE DOMINGOS A GOVERNAÇÃO EM MOÇAMBIQUE: FASES E


DAUCE PROCESSOS
Universidade de Aveiro Departamento de Ciências Sociais Políticas e do
Ano 2013 Território

VICENTE DOMINGOS A GOVERNAÇÃO EM MOÇAMBIQUE: FASES E


DAUCE PROCESSOS

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos


requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Governação,
Competitividade e Políticas Públicas, realizada sob a orientação científica do
Doutor Filipe José Casal Teles Nunes, Professor Auxiliar Convidado do
Departamento de Ciências Socias, Políticas e do Território da Universidade de
Aveiro e coorientação do Doutor Fernando Manuel Martins Nogueira, Professor
Auxiliar do Departamento de Ciências Socias, Políticas e do Território da
Universidade de Aveiro
A minha mãe – Páscoa Faz-Bem
o júri

Presidente Doutor Varqa Carlos Jalali


Professor Auxiliar, Universidade de Aveiro

Doutor Carlos Eduardo Machado Sangreman Proença


Professor Auxiliar, Universidade de Aveiro

Doutor Filipe José Casal Teles Nunes


Professor Auxiliar Convidado, Universidade de Aveiro
agradecimentos Agradeço ao meu orientador, Doutor Filipe José Casal Teles Nunes e
coorientador, Doutor Fernando Manuel Martins Nogueira pelas críticas
sugestões e disponibilidade demostrada durante a realização do presente
trabalho. O meu muito obrigado.
Agradeço igualmente a minha mãe e aos meus irmãos por estarem comigo em
todos os momentos.
Aos amigos e todos outros que de forma direta e indireta contribuíram para a
realização deste trabalho.
palavras-chave Descentralização; Governação Local; Prestação de serviços públicos

resumo A governação como processo multidimensional que envolve processos


complexos de coordenação entre o Estado, o sector privado, o cidadão e
outros agentes constitui um tema de bastante interesse nos últimos anos.

Este trabalho analisa a evolução da governação em Moçambique. Porém,


recorre ao contexto africano para contextualizar Moçambique no âmbito de
todas as mudanças verificadas.

A evolução histórica foi dividida em quatro períodos: o período antes da


independência; período entre 1975 a 1987, período em que vigorou o sistema
governação centralizada; período da liberalização e as reformas do Estado a
partir de 1987 e a democratização e o surgimento dos governos locais.

Com base na análise feita, a forma como está sendo implementada a


governação local em moçambique é muito diferenciada daquilo que os peritos
teóricos desta consideram como ideal neste tipo de governação.

A implantação dos municípios em Moçambique foi um processo que contribuiu


para o aumento da participação a nível local e sobretudo, contribuiu no
aumento na melhoria da prestação dos serviços públicos. Porem, o seu
desempenho esta além do desejado, pois volvidos 15 anos desde a sua
implantação, pouco estes cumpriu com os princípios da autonomia financeira,
melhoria na prestação dos serviços e aumento da participação.
keywords Decentralization, Local Governance, Public service delivery.

Abstract Governance as a multidimensional process that involves complex processes of


coordination between the state, private sector, the citizens and other agents
constitute a matter of a great interest in the last years.

The present dissertation analyzes the evolution of governance in Mozambique.


However, recourse to the African context to contextualize Mozambique under
all changes verified.

The historical evolution was divided into four periods: period before
independence, period between 1975 and 1987, in which reigned the centered
governing system; period of liberalization and the state reforms from 1987 and;
the period of democratization and emerge of local governs.

According to the analysis carried out, the way the local governance is being
implemented in Mozambique is far different from what the theory experts
consider as ideal for this type of governing.

The municipalization process in Mozambique was a process which contributes


for the increasing of local participation and above all, contributed in the better
provision of public services. However, its performance is beyond the desired,
seem that, after 15 years of its implementation, it has complied least of the
financial autonomy principles, improvement in the provision of services and
augmentation of participation.
Índice
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................10

1.1. OBJETIVOS DE ESTUDO .....................................................................................................12


1.2. J USTIFICATIVA E MOTIVAÇÃO..............................................................................................12
1.2. METODOLOGIA ................................................................................................................13

2. BREV E CARACTERI ZAÇÃO DE MOÇAMBIQUE.................................................................15

3. ENQUADRAMENTO TEÓ RICO ...........................................................................................19

3.1. D ESCENTRALIZAÇÃO E GOV ERNAÇÃO LOCAL ........................................................................19


3.1.1. Descentralização .....................................................................................................19
3.1.2. Governação local ....................................................................................................22
3.1.3. Comunidade local ....................................................................................................26
3.2. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS ...................................................................................27
3.3. Prestação de Contas ..................................................................................................30

4. MODELOS DE GOV ERNARÃO EM ÁFRICA........................................................................32

4.1. BREVE INTRODUÇÃO .........................................................................................................32


4.2. D ESCENTRALIZAÇÃO EM ÁFRICA .........................................................................................33
4.3. CONCLUSÃO ...................................................................................................................38

5. MODELOS DE GOV ERNAÇÃO EM MOÇAMBIQUE.............................................................40

5.1. BREVE INTRODUÇÃO ........................................................................................................40


5.2. ANTES DA INDEPENDÊNCIA : 1498 - 1974 .............................................................................41
5.2.1. Estrutura económica ................................................................................................45
5.3. C ENTRALISMO: P ERÍODO ENTRE 1975 A 1987 ......................................................................47
5.4. L IBERALIZAÇÃO, E REFORMAS DO ESTADO ...........................................................................50
5.4.1. Programa de Reabilitação Económica (e Social) – PRE (S ) .......................................52
5.5. D EMOCRATIZAÇÃO E O SURGIMENTO DE GOVERNOS LOCAIS: A PARTIR DE 1992 .........................55

6. ANÁLISE DOS MODELOS IMPLEMENTADOS EM MOÇAMBIQUE......................................64

6.1. GOVERNAÇÃO LOCAL E DESENVOLVIMENTO ..........................................................................64


6.2. GOVERNAÇÃO LOCAL E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ...................................................................68

7. CONCLUSÃO .....................................................................................................................73

8. REFERÊNCI AS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................76


Índice de tabelas
Tabela 1: Modelo de Governação Local ..............................................................................24

Tabela 2: Tipos de Descentralização em África ..................................................................36

Índice de mapas
Mapa 1: Divisão Administrativa da Província Ultramarina de Moçambique na Época
Colonial .................................................................................................................................16

Mapa 2: Divisão Administrativa de Moçambique por Províncias pois independência ........18

Mapa 3: Autarquias de Moçambique ...................................................................................58

Índice de ilustrações
Ilustração 1: Comparação das Componentes de Descentralização ...................................36

Ilustração 2: Modelo centralizado de Moçambique 1975 - 1992 .................................................49

Ilustração 3: Resumo dos principias modelos implementados ...........................................63

Siglas e abreviaturas

AGP Acordos Gerais de Paz

ANAMM Associação Nacional de Municípios de Moçambique


FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique
LOLE Lei dos Órgãos Locais do Estado

MDM Movimento Democrático de Moçambique

PRE Programa de Reabilitação Económica


OECD Organisation for Economic Co-operation and Development

OIIL Orçamento de Investimento em Iniciativas Locais


ONG Organização Não Governamental

PRES Programa de Reabilitação Económica e Social

RENAMO Resistência Nacional de Moçambique


1. INTRODUÇÃO

Os modelos de governação de um país mostram esforços que o mesmo tem


vindo a realizar na adaptação das suas necessidades locais de modo a criar
condições favoráveis para o seu desenvolvimento.

Moçambique, após a independência experimentou diversos modelos de


governação, como sejam o da centralização (1975-1986), o da liberalização (a
partir de 1987) e o do multipartidário (a partir de 1994) como resultado da
assinatura dos acordos gerais de paz em 1992. A partir de 1996 foram aprovadas
a lei a que regula a criação de autarquias locais1 e em 2003 a lei que estabelece
os princípios e normas de organização, competências e funcionamento dos
órgãos locais do Estado 2, abrindo assim espaço para a devolução de poderes
para o nível local.

O processo de descentralização em Moçambique teve início a partir de


1987, aquando das reformas políticas, económicas e sociais ocorridas neste
período. Neste contexto, foi lançado o Programa de Reabilitação Económica
(PRE)3, que marcou de forma substancial a orientação do Estado e da sociedade.

De acordo com Faria e Chichava (1999), Moçambique iniciou o programa de


reforma dos órgãos locais em 1990, um processo de descentralização de um
conjunto de reformas políticas, económicas e administrativas em curso desde os
anos 80.

Moçambique tem declarado ativamente a sua adesão e cometimento nas


questões de descentralização e desconcentração. Esse facto nota-se através de
vários documentos inerentes aos princípios da democracia, economia aberta, boa
governação, crescimento com equidade e cultura da paz. É neste contexto que o
Governo de Moçambique reconhece e valoriza o papel da sociedade civil na

1
Lei 2/97, Boletim da República, I série nº 7, 2º Suplemento, 1997: Quadro Jurídico-legal para Implantação das Autarquias
Locais. Com esta lei, viabilizou-se a realização das primeiras eleições autárquicas nas 33 autarquias existentes, dando um
marco para a história da administração pública no país, com o início do funcionamento das autarquias locais.
2
Lei 8/2003, regulamentada pelo regulamento lei dos órgãos locais do estado 6/2005 de 10 de junho.
3
Também chamado o início do neoliberalismo económico. Um dos contribuintes nesta ideologia foi o Friedman.
qa

10
governação, fazendo com que o processo de descentralização assegure a
participação permanente do cidadão na concretização de atividades para
satisfação das suas necessidades sem prejuízo dos interesses nacionais e da
participação do Estado4.

Não seria justo nem ideal descrever somente o processo de governação em


Moçambique sem ter em conta a sua relação com os Estados da região e com
outros organismos também regionais e internacionais. Por isso as abordagens
que se seguem irão sempre mostrar o rumo comum e a diversidade que os
mesmos têm enfrentado para o bem-estar das suas populações. O que nos vai
interessar de facto é descrever de forma resumida o percurso do processo da
descentralização em África, de forma a percebermos particularmente as
dinâmicas deste mesmo processo em Moçambique.

O presente estudo contribui grandemente na procura de opções ideológicas,


na análise e compreensão dos modelos de governação e no aumento de
conhecimento disponível nesta área. É neste sentido que o estudo pormenorizado
do trajeto dos processos que fazem parte da história política trará contribuições
significativas no seio da comunidade.

4
Evolução histórica da administração pública moçambicana disponível em http://cooperacao.palop-
tl.eu/biblioteca/administracao_publica_moc.pdf .

11
1.1. Objetivos de Estudo

O presente trabalho analisa a evolução do processo de governação em


Moçambique com ênfase na passagem deste de um Estado extremamente
centralizador para um democratizador e consequentemente para uma
descentralização política e administrativa, que condicionou a formação de uma
governação local. Portanto, em termos específicos persegue-se os seguintes
objetivos:

1. Conhecer as principais abordagens inerentes a governação local aplicáveis


no contexto africano;
2. Descrever a evolução dos modelos de governação local de Moçambique;
3. Identificar os modelos de governação implementados em Moçambique
desde 1948 até a atualidade;
4. Analisar os modelos implementados e apresentar conclusões relativas aos
pontos fortes e fracos de cada um dos modelos.

1.2. Justificativa e motivação

Este estudo surgiu motivado, para além do interesse pessoal em temas de


governação, como também por ser um tema pertinente na realidade a que se
insere. Ademas, nota-se atualmente vários estudos de diferentes autores neste
âmbito, daí que achou-se pontual e relevante abordar este tema no contexto
moçambicano, de modo a enriquecer as abordagens já existentes.

Foi também pretensão, enquadrar os temas da governação em moçambique num


único trabalho, de modo a facilitar a sua perceção enquanto fases e processos
que procuram perceber as dinâmicas da governação ocorridas desde 1948 a
atualidade conforme referiu-se anteriormente.

12
É no quadro destas transformações que se torna importante discutir e fazer uma
análise dos diversos modelos ocorridos neste país. O Trabalho procura também
distinguir os pontos fortes e fracos dos modelos até aqui implementados.

De salientar que descentralização política ocorrida após a independência mudou


radicalmente a forma de governação em algumas cidades e vilas do país com a
implantação dos primeiros 33 municípios constitui o principal foco de análise.

É no quadro destas transformações que se torna importante discutir e fazer uma


análise dos diversos modelos ocorridos neste país. O Trabalho procura também
distinguir os pontos fortes e fracos dos modelos até aqui implementados.

1.2. Metodologia

Sendo um estudo de natureza investigativa, recorreu-se a consulta de


diferentes fontes bibliográficas, com o propósito de recolher informações
disponíveis sobre aos modelos de governação em Moçambique. Posteriormente
procedeu-se a análise e cruzamento das informações recolhidas as quais
contribuíram para o enriquecimento dos objetivos predefinidos.

As abordagens inerentes a este trabalho basearam-se numa comparação da


governação local em moçambique com as do nível internacional. Porém, procura-
se a aplicabilidade destas abordagens internacionais no contexto moçambicano.
Este facto, deve-se ao crescente número de municípios que vem surgindo e que
são desenhados para que funcionem numa lógica ideal de governação local.

A dissertação está estruturada em 6 partes, onde a primeira parte apresenta


uma breve introdução do tema, os objetivos, a motivação e a justificativa.

Na segunda parte é apresentado é apresentado uma breve descrição de


Moçambique, de modo a situar o leitor em termos de localização e do contexto
politico, económico e social do país.

13
A terceira parte apresenta o enquadramento teórico, onde busca-se os
conceitos relacionados com o tema e o que já existe no concernente a
governação em moçambique. Nesta fase, destacam-se com maior ênfase os
conceitos de descentralização, governação local e comunidade local.

A quarta parte busca o referencial da áfrica para explicar o processo de


governação local ocorrida neste continente, procurando sempre enquadra-las
dentro do contexto moçambicano.

A quinta parte apresenta a evolução da governação em moçambique. Foi


tomado o ano de 1948, como o seu ponto de partida. Porém, são divididas as
fases de governação em Moçambique do período antes da independência até o
surgimento de governos locais.

A sexta parte do trabalho faz uma análise dos modelos de governação


implementados em Moçambique. Esta análise verifica a aplicabilidade das formas
de abordagens relativa a governação local a nível internacional no contexto
moçambicano. Esta parte também faz a análise das razões do fracasso e do
sucesso das políticas de governação local. Por fim, são apresentadas as
conclusões do trabalho

14
2. BREVE CARACTERIZAÇÃO DE MOÇAMBIQUE

Moçambique localiza-se na Costa sudeste da África e faz fronteira a Norte


com a República da Tanzânia, a Noroeste com a República do Malawi e a
República da Zâmbia, a Este é banhado pelo Oceano índico, a Oeste a República
do Zimbabwe e a República da África do Sul, ao Sudoeste a Suazilândia e Sul
pela República da África do Sul. Está entre os paralelos 10˚ 27’e 26˚ 52’de latitude
Sul e entre os meridianos 30˚ 12’e 40˚51 de longitude Este.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística de Moçambique


INE, Moçambique possui uma população de cerca de 20,5 milhões de habitantes,
das quias 7,5 milhões vive em áreas urbanas e 13 milhões vive em áreas rurais,
correspondente a 35% para as áreas urbanas e 65% para as áreas rurais (INE,
2010). Isso mostra claramente que a maior parte da população moçambicana vive
em áreas rurais, recorrendo a agricultura de como o seu principal meio de
subsistência

A maior parte das áreas urbanas do país, encontram-se concentradas no


litoral do país. Estas “cidades foram fundadas dentro de uma fundamentação
colonial de acesso a recursos e portos para a exportação” (UN-HABITAT, 2007, p.
6).

No seu todo o país possui uma superfície de 779.380 km2 e uma extensão
de 4.330 km. A distribuição da população por província pode-se considerar normal
excetuando as províncias de Nampula e Zambézia, que possuem uma população
que corresponde praticamente a metade da população do país.

Os modelos de governação implantados em Moçambique ao longo dos


tempos refletem claramente na divisão administrativa do país. Este foi sofrendo
alterações consecutivas com base no modelo implementado. Quando em 1896,
Portugal temendo a ocupação das suas terras pelos seus concorrentes tentou o
mais rápido possível estabelecer companhias fora da capital, como é o caso da
Companhia de Moçambique, que compreende as atuais províncias de Manica e
Sofala e a companha do Niassa nas atuais províncias de Niassa e Cabo Delgado.

15
Os restantes distritos ultramarinos permaneceram com o mesmo nome de
Maputo, Gaza, Sofala, Moçambique (atual Nampula), Tete e Quelimane (atual
Zambézia), como se pode ver no Mapa1.

Mapa 1: Divisão Administrativa da Província Ultramarina de Moçambique na Época Colonial

Fonte: Elaboração própria com dados de Divagis

16
A estrutura económica de Moçambique independente foi herdada da
estrutura colonial caracterizada por uma “assimetria entre o Norte e o Sul do País
e entre o campo e a cidade. O Sul mais desenvolvido que o Norte e a cidade mais
desenvolvida que o campo. A ausência duma integração económica e a opressão
extrema da mão-de-obra constituíam as características mais dominantes dessa
assimetria”.

A agricultura é considerada como atividade económica principal, embora


existam alguns sectores da economia que possam futuramente contradizerem
esta preposição.

Moçambique é um país democrático baseado num sistema político


multipartidário. O sistema Parlamentar é baseado em representação proporcional
de listas de partidos políticos em que os votos contam para os partidos políticos
concorrentes e não para indivíduos. Todos os partidos submetem listas de
candidatos, indicando quem os vai representar no parlamento, no caso de vitória
nas urnas (Mário, Minnie, & Bussiek, 2010, p. 2).

Este sistema permite a inclusão dos partidos mais pequenos, permitindo que
todos possam ter voz e representação no parlamento. Para além das eleições, a
Constituição da República consagra, os princípios da liberdade de associação e
organização política dos cidadãos, o princípio da separação dos poderes
legislativo, executivo e judiciário (Mário et al., 2010; Moçambique, 2004).

Logo após a independência e da implementação do sistema com


características do socialismo, Moçambique reestruturou o distrito ultramarino em
províncias. Assim, a companhia de Moçambique passou a ser formada pelas
províncias de Sofala e Manica respetivamente e a Companhia do Niassa passou
a ser formada pelas províncias de Niassa e Cabo Delgado, como se pode ver no
mapa 2.

17
Mapa 2: Divisão Administrativa de Moçambique por Províncias pois independência

Fonte: Elaboração própria com dados de Divagis

18
3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3.1. Descentralização e Governação local

Nesta dissertação são abordados temas da descentralização e a governação


local. Consciente da diferença entre ambos a nível teórico e prático, é difícil
separa-los na sua descrição, principalmente em países como Moçambique, em
que existe uma dualidade de governação a nível local, quer pelos governos locais,
assim como a nível das representações do governo central pelas suas sedes
distritais.
Dada a pouca clareza das tarefas dos governos locais assim como da
administração local, cria um enorme trabalho quando se tenta separa-los, daí que
neste trabalho serão abordados com especial atenção. Comecemos pela
descentralização.

3.1.1. Descentralização

A descentralização teve a sua origem na Europa oriental no início dos anos


90, como reação das sucessivas falhas do Estado centralizado que vigorou
durante vários anos (Devas, 2005, p. 2). A maior parte destas mudanças se deve
as políticas da união europeia que incentivavam a criação de governos a nível
local.

As principais reformas no velho continente que ocorreram entre 1991 e


1994, condicionaram a uma significativa privatização da propriedade, um grande
declínio dos partidos comunistas e a ascensão de um sistema eleitoral partidário
competitivo (Lane, 2007, p. 4).

Estas reformas levaram ao surgimento de três grandes grupos, em termos


de liberalização política e económica: a) Primeiro grupo nas sociedades
ocidentais avançadas, em que as pessoas possuíam direitos e liberdades civis; b)
segundo grupo considerado de intermediário na liberalização política que inclui a
Rússia e a Ucrânia, semelhante ao modelo dos países latinos americanos; c)

19
terceiro grupo, constituído por países que possuíam partido único e uma
economia planificada (Lane, 2007, pp. 4-7).

Nos meados da década 80, 60% dos países da África eram controlados por
regimes militarizados, outros pelo regime de partido único e apenas seis que já
tinha adotado o multipartidarismo. Dez anos depois a situação mudou
drasticamente com a introdução do sistema multipartidário na maioria dos países
daquele continente (Lane, 2007, p. 291).

De um modo geral, a descentralização é entendida como transferência de


recursos e poderes a nível central para o local. Dada a sua complexidade, ela
pode ter vários significados, em diferentes contextos e da forma como os planos
são desenhados e implementados.

De acordo com Manor (1999, pp. 5-6) existem três definições chaves da
descentralização: (i) desconcentração ou descentralização administrativa, (ii)
descentralização fiscal e, (iii) devolução ou descentralização democrática. Por sua
vez MILS 1990 Citado por Fuzikawa (2007) refere que existem quatro (4) tipos de
descentralização: (i) Descentralização Politica ou Devolução, (ii) Descentralização
Administrativa ou Desconcentração, (iii) Delegação e a (iv) Privatização. Porém,
Manor (1999) não considera este último (a privatização) como uma forma de
descentralização pelo simples facto deste não poder ser local, dado que poderá
existir sucursais de algumas empresas sediadas no centro e que fazem serviços a
nível local.

Veremos a seguir cada um dos conceitos com base nos autores abaixo.

Desconcentração ou descentralização administrativa – é a “dispersão de


funções, responsabilidades e funcionários dos escalões superiores para
escalões inferiores do governo; É a recolocação dos funcionários dos
escalões superiores do governo em diferentes pontos do território nacional,
com o objetivo de fortificar a autoridade do governo”(Manor, 1999, p. 6).

20
Todas as linhas de comando são de cima para baixo, enquanto a prestação
de contas é de baixo para cima. Contudo, os funcionários limitam-se por
obedecer decisões que são tomadas pelo governo central (Fuzikawa, 2007).

Para Pius Kulipossa (2004), Descentralização fiscal é “…a transferência de


recursos fiscais para escalões inferiores do governo, em que não há
cedência nem influência sobre orçamentos e decisões financeiras, em que
se confia os funcionários desconcentrados que prestam contas aos seus
superiores a nível central”.

Devolução ou Descentralização democrática – é a “transferência de poder


(tomada de decisões), funções e recursos do governo central para governos
locais que são eleitos pela comunidade local e prestam contas a elas. Neste
processo, há cedência de personalidade legal, áreas de competência são
legalmente definidas, há autonomia sobre os impostos, orçamento próprio e
competência legislativa” (Dias, 2005, p. 18).

Para Manor (1999, p. 5) as vezes os dois ou três tipos de descentralização


(política, administrativa e económica), podem ocorrer simultaneamente, mais
também podem ocorrer separadamente dependendo da forma de organização de
cada país.

Porém, a descentralização política é muitas vezes considerada como “um


mecanismo indispensável para tornar um Estado em democrático e desenvolvido”
pelo facto do governo local ter a capacidade de utilizar recursos limitados mais
eficientes que o central (Saitō, 2008, p. 2). Este por sua vez, pode ocorrer com ou
sem uma democracia representativa e também pode ocorrer sem qualquer forma
de democracia participativa, verificando o que Fernandes Chama de
“Pessoalização do poder autárquico” ou “presidencialismo municipal”,
dependendo da forma de concentração do Estado (Fernandes, 1997, pp. 97-98).

Para Rodríguez‐Pose e Gill (2005, p. 11) as potenciais vantagens


económicas da devolução em relação ao centralismo podem ser discutidas
mediante três áreas: Em primeiro lugar, num sistema centralizado, os decisores

21
políticos tomam decisões para todo o país. Este sistema poderá ser ineficiente se
houver uma distribuição desigual de recursos pelas regiões deste mesmo país.

A segunda maior fonte de ganhos económicos que a devolução pode gerar


são as inovações políticas: Se os governos locais são mais responsáveis por seu
próprio bem-estar, pode fazer com que eles mesmo tenham ideias criativas para
melhorar as suas próprias receitas.

Por último, a devolução aumenta o poder na tomada de decisão a nível local


aumentando a transparência e a responsabilização através da redução da
distância entre os políticos e os seus eleitores (Rodríguez‐Pose & Gill, 2005).

A transferência de poderes do governo central para os níveis mais baixos na


hierarquia política, administrativa e territorial tem sido visto como “forma de
promover o desenvolvimento (…) e melhorar a eficiência, qualidade e
democracia” (COLFER, 2012, p.33). Em todo o caso, todo o processo de
descentralização pauta pela maior participação da comunidade e pela melhor
prestação de contas (Idem, p.33).

Não será do interesse deste trabalho descrever todas as formas de


descentralização aplicadas em Moçambique. Porém, vamos centrar na análise da
devolução de poderes do governo central para o local com a criação de
autarquias locais em 53 municípios. Estes municípios foram dotados na sua
formação de autonomia financeira e política, sem prejudicar os interesses do
Estado.

3.1.2. Governação local

Governação Local é definida como a “formulação e a execução de uma ação


coletiva a nível local, englobando papéis diretos e indiretos de instituições formais
de governo local e central, assim como as funções de normas informais, redes e
organizações comunitárias e associações de bairro na prossecução da ação

22
coletiva, definindo o quadro de interação entre os cidadãos e este com o Estado
na tomada de decisão e na prestação de serviços públicos”(Shah, 2006, pp. 1-2).

Mesmo assim, toda a governação local necessita de um líder, pois “o


exercício da liderança é fundamental para as agências políticas, mesmo em
democracias contemporâneas”(Teles, 2010, p. 22). No entanto, o poder
autárquico é considerado como um espaço de democracia participativa, política e
social (Fernandes, 1997, p. 87). Por isso mesmo que não há dúvidas quando
Stoker (1998, p. 20) diz que o exercício de poder necessita de ser legitimado de
modo a dar o suficiente poder ao líder na mobilização da população local para a
resolução dos seus próprios problemas.

Para Olowu e Wunsch (2004), a governação local é entendida como


“…regras de governação por processos através do qual, os residentes de uma
determinada área participam na sua própria governação e que é limitada em
interesses locais” (Olowu & Wunsch, 2004, p. 4).

Por sua vez Teles e Moreira (2007, p. 14), afirma que “os governos locais
são vistos cada vez mais, como facilitadores do processo de participação,
facilitando a colaboração e cooperação a nível local”. E é neste sentido que as
abordagens relativas a governação local devem procurar enfatizar e valorizar a
participação da sociedade civil. Para tal, é necessário que venha deste governo
local um espírito motivador de participação e não o contrário.

O governo constitui “procedimentos formais que as instituições da sociedade


criaram para expressar os seus interesses, para resolver problemas e
implementar a escolha pública”, de modo a proteger os interesses dos cidadãos,
garantindo-lhes justiça, saúde e iguais possibilidade de alcançarem um nível de
desenvolvimento desejável (John, 2001, p. 6).

Miller, Dickson, e Stoker (2000, p. 29) dividem os modelos de governação


local em localistas, individualistas, mobilizador e centralista, cuja sua
caracterização se pode ver no quadro abaixo:

23
Tabela 1: Modelo de Governação Local

Dimensões
Atitude para Atitude de Mecanismo chave Mecanismo chave
Questões chave a autonomia participação de prestação de de imediação
Modelo local pública serviço política
Expressão e O apoio é Autoridades locais Representatividade
encontro das Fortemente dado em eleitas com política através das
Localista necessidades da favorável primeira múltiplas funções eleições
comunidade estância aos
eleitos
Encoraja a escolha Pouco A
individual e favorável, participação
Individualista capacidade de mais a não é de Oferta competitiva Direitos Individuais

resposta em intervenção é larga escala de serviços como consumidor

relação ao serviço feita no mais por parte da


alto nível sociedade
civil
Mobilizador Desenvolvimento Fortemente Relações de Política participativa
de uma política favorável vizinhança e no desenvolvimento
mais que garante a como parte Fortemente estruturas
influência dos do processo a favor descentralizadas
desfavorecidos de mudança
Centralista Mantém os Agencias sujeitas Governo Central
padrões nacionais ao controlo central
e primazia a Fortemente Valor Legislação

democracia oposto Limitado


Orientação e
nacional
controlos

Fonte: (Miller et al., 2000, p. 29).

Uma das discursões mais debatidas na atualidade é o papel e a forma de


organização da governação local e, Fernandes (1997) formula duas hipóteses
relativas ao tema: uma em que o poder local reproduz o poder central e “passa a
obedecer a mesma lógica formal da democracia representativa, quer na sua
formação, quer no seu exercício”. Isto faz com que este tenha mais interesses
partidários e automaticamente a edilidade destas autarquias poderá desconhecer

24
os problemas reais da própria comunidade, dado que ele deve as suas
satisfações ao seu dirigente político em vez na população local (Fernandes, 1997,
pp. 87-90).

A segunda hipótese que o mesmo autor lançou, foi referente a lógica do


exercício do poder pela democracia participativa, em que a comunidade local
torna-se a “base exclusiva da sua constituição, do seu exercício e da sua
legitimação”. É neste contexto que o envolvimento das populações na resolução
dos seus próprios problemas, como refere (Olowu & Wunsch, 2004) na sua obra
“Local governance in Africa: The challenges of democratic decentralization”,
poderá fazer com que a população local oriente de forma mais exequível a
resolução dos seus próprios problemas (Fernandes, 1997, pp. 90-92).

Fernandes refere ainda que quanto mais o poder local reproduzir o central,
poderá fazer com que “a assembleia municipal seja a única instancia de
negociação”. Esta assembleia tornar-se-á um lugar de conforto entre dos partidos
com representatividade e assento nesta assembleia (Fernandes, 1997, p. 93).

O objetivo final de todas as formas de descentralização acima mencionadas


é poder alcançar uma boa governação. Numa boa governação pressupõem-se
existir “um serviço público eficiente, um sistema judicial independente e um
quadro jurídico para fazer valer os contratos; o responsável administração dos
fundos públicos; um auditor público independente, responsável por um
representante legislativo; o respeito pela lei e pelos direitos humanos em todos os
níveis de governo; estrutura pluralista institucional, e uma imprensa livre”
(Rhodes, 1996, p. 656).

Porém, boa governação não é apenas fornecer uma vasta gama de serviços
locais, é preciso também a preservação da vida e da liberdade dos residentes,
criando espaço para a participação democrática e o diálogo civil, na criação de
programas que possam criar e facilitar resultados que enriquecem a qualidade de
vida dos residentes (Shah, 2006, p. 2).

25
A Governança é o “uso da autoridade política e exercício de controlo sobre a
sociedade e a gestão dos recursos para o desenvolvimento económico e social
(…), que por sua vez, as autoridades ou as lideranças estabelecem relações com
o público” (Kiwanuka, 2012, p. 50 Citando Landell-Mills & Sarageldin, 1991).

Na verdade, todas as tentativas de formar governos locais, são fruto de uma


ideia de uma boa governação, que para Kiwanuka (2012, p. 50) significa
“respeitar os regulamentos, as leis e os direitos humanos, abertura política,
participação e inclusão, igualdade e não descriminarão, processos eficientes e
eficazes e instituições transparentes, e a prestação de contas”.

3.1.3. Comunidade local

Um, elemento importante a destacar quando falamos da governação local é


saber o que é a comunidade local. Neste sentido, o Decreto 11/2005 5 no seu
artigo 104 define comunidade local como:

“Conjunto de população e pessoas coletivas compreendidas numa


determinada unidade de organização territorial, nomeadamente província,
distrito, posto administrativo, localidade, povoação, agrupando famílias, que
visam a salvaguarda de interesses comuns, tais como a proteção de áreas
habitacionais, áreas agrícolas, quer sejam cultivadas ou em pousio,
florestas, lugares de importância cultural, pastagens, fontes de água, áreas
de caça e de expansão” (p. 28).

Como acontece em todo o mundo e desde épocas remotas, existe e


continuam a existir relações de poder em todas as esferas de atividades. Estas se
tornam mais evidentes em Estados centralizados relativamente aos
descentralizados, por isso mesmo se deva considerar o poder local como “um
vetor de estruturação do sistema de poder na comunidade” (Fernandes, 1997, p.
141). Esta estruturação necessita de uma liderança política que paute pelo
consenso em vez da coerção (Teles, 2010, p. 16).

5
Regulamento da lei dos órgãos locais do estado

26
A governação local em áfrica foi associada ao processo da democratização,
regime este que se pressupõem garantir a participação dos cidadãos no processo
de formulação de políticas públicas e prestação de contas a comunidade. Tal
participação depende fundamentalmente da “capacidade real da organização,
mobilização e advocacia da sociedade civil e política” (AfriMAP & Africa, 2009, p.
14).

Portanto, ainda existem lacunas no âmbito do exercício das funções das


organizações não-governamentais no processo intervenção e protagonismo com
o governo e com os seus financiadores (AfriMAP & Africa, 2009, p. 17).

Este processo pressupõe a criação e o surgimento de associações locais


que lutam pelos interesses da comunidade local. Mas a multiplicação das
associações não traduz necessariamente o crescimento da participação na sua
organização e no seu funcionamento como referiu anteriormente o Shah. Dá-se
por vezes o alargamento de um mercado de serviços com uma participação
passiva”, tornando os tais dirigentes das associações em elites locais (Fernandes,
1997, p. 132).

3.2. Prestação de serviços públicos

Vários autores têm vindo a destacar a importância do novo modelo de


gestão na administração pública, entre os quais, Stoker (2006) com a sua obra
“Public Value Management” merece destaque. Outros autores como OCDE e o
Departamento dos Assuntos Sociais das Nações Unidas, Janine O'Flynn (2007)
na sua obra “From New Public Management to Public Value: Paradigmatic
Change and Managerial Implications” tentam explicar a mudança da gestão
administrativa para a gestão do valor público. Contudo, o principal enfoque desta
nova abordagem é de que a governação deve ser feita em função do valor
público.

27
O valor público é aplicado atualmente nos recursos humanos na medida em
que as pessoas são motivadas pelo seu envolvimento em redes e parcerias, ou
seja, pelas relações com os outros.

De uma forma resumida, Moreira, Jalali e Alves (2008) mencionam três


preposições deste modelo: intervenções públicas definidas pela busca do valor
público, uma necessidade de dar maior reconhecimento à legitimidade de um
conjunto significativo de ‘stakeholders’; a introdução de uma visão em relação a
prestação de serviço assente no compromisso com um ethos do serviço público e
por fim; o desafio da prestação do serviço público requer processos flexíveis e
baseados na aprendizagem.

Muitos países em desenvolvimento em particular os da áfrica têm


experimentado iniciativas de modo a aumentar a accountability6 na prestação de
serviços públicos. Estes países fornecem direitos de controlo num grupo de
cidadãos que incluem a descentralização da prestação de serviço público para os
governos locais, a participação comunitária e a contratação de uma entidade
privada e ONG para a prestação de serviços públicos (P. Bardhan & Mookherjee,
2006, p. 101).

É neste contexto que Osborne (2006) identifica três grandes grupos de


organização de serviços públicos: Administração pública (AP); Nova Gestão
Pública (NGP) e Nova Governança pública (NGOP). A forma hierárquica de
organização de administração pública é verificada no primeiro tipo (AP), enquanto
o segundo está orientado para o mercado com o objetivo de promover a eficiência
e a eficácia, enquanto a forma de governança em rede é típico do terceiro tipo de
prestação de serviços públicos, onde há parceria entre público e privado (Calabrò,
2011, p. 17).

Atualmente as organizações dos serviços públicos estão em “crescente


pressão de desregulação e a contínua comparação com o sector privado”
(Calabrò, 2011, p. 7). Isto faz com que haja esforços crescentes no aumento da
sua eficiência, redimensionamento e racionalização dos seus recursos, fazendo
6
Prestação de contas, Responsabilização

28
com que os serviços públicos sejam mais virados ao cidadão (Calabrò, 2011, p.
7).

Esta tendência de prestação de serviços públicos faz aumentar o número de


privatizações destes serviços pelos agentes privados, fazendo com que o Estado
não seja o fornecedor direto dos serviços públicos, mais sim o garante para o
fornecimento destes. Assim, o sector público num mercado competitivo é obrigado
a fazer coisas certas e de boa forma de modo a poder se equivaler aos outros
sectores.

A eficiência dos serviços públicos depende da sua competição, que de


acordo com Boyne (1996) podem ser distinguidas três formas de competição num
governo local: “competição com as autoridades locais pelo poder e recursos;
concorrência entre municípios e outras unidades de produção para a prestação de
serviços dentro de fronteiras locais e a competição entre os próprios municípios”
(Boyne, 1996, pp. 704-705).

A vertente mais recente da prestação de serviços públicos olha para a


governança como um sistema de governação local em que envolvem sistemas
complexos de organização e prestação de serviços públicos. Estas redes são
constituídas por “organizações que precisam de troca de recursos uns aos outros”
(Rhodes, 1996, p. 658).

É preciso salientar que a descentralização em África não foi tão completa


como a aconteceu em alguns países europeus. As poucas evidências dos
impactos da descentralização na governação local em países africanos fazem
com que se comece a pensar que a descentralização nestes países, incluindo
Moçambique estava somente limitada na qualidade, quantidade e equidade da
prestação de serviço público (Cabral, 2011, p. 6).

Cabral (2011) destaca três fatores que fazem com que a descentralização
em África ainda seja incompleta: fatores fiscais, políticos e administrativos:

29
1) Fatores fiscais: dizem respeito a adequação dos recursos financeiros, visto
que sem a adequação destes a transferência de responsabilidade não é
operacional, o que limita ao governo local a implementação de certos
programas locais;
2) Os fatores políticos: têm a ver com o compromisso político do centro
favorecendo a descentralização, mas também é necessário o compromisso
dos líderes locais em abraçar esta causa, pois estes serão os catalisadores
das ideias e programas do centro;
3) Os fatores administrativos: é necessário a distinção clara entre as funções
do governo central e do governo local para não haver conflitos entre eles
em termos das funções a desempenhar e da sua responsabilização.

3.3. Prestação de Contas

A prestação de contas “é um requisito da boa governança não só as


instituições governamentais mas também o sector privado e as organizações da
sociedade civil devem ser responsáveis perante o público e a seus agentes
institucionais”(Spearman, 2006, p. 222).

Quem tem de prestar contas a quem, varia dependendo de decisões ou


ações tomadas são internas ou externas a uma organização ou instituição. Por
sua vez, a prestação de contas, exige que haja uma boa transparência e esta
significa que “as decisões tomadas e a sua execução seguem regras e
regulamentos e a informação está livremente e diretamente acessível para
aqueles que irão ser afetados por estas decisões e a execução dessas”
(Spearman, 2006, p. 222)

Blair (2000, pp. 27-31) evidencia sete formas da prestação de contas ao


público numa governação local democrática que se pode destacar:
“Responsabilização burocrática aos funcionários eleitos”; “Responsabilização dos
funcionários eleitos para o público”; “Eleições”; “partidos políticos”; “Sociedade
Civil”; “A comunicação social”; “Sondagens de Opinião” e “Opinião pública”.

30
Ao contrário de Blair, Olowu (2003, pp. 47-49) e Fauré e Rodrigues (2011,
pp. 50-51) identificam três mecanismos de participação e de prestação de contas
na governação local, nomeadamente: eleições locais, concelhos locais e os
“Direct voice mechanisms” (Mecanismos de voz direta em tradução direta):

a) Eleições locais: As eleições são importantes para promover a participação dos


cidadãos e para responsabilização dos governos locais e a provisão de
informações para os eleitores.

b) Estrutura e funcionamento das assembleias/conselhos locais: os conselhos


locais são compostos por representes das comunidades, os quais tem como
função representar os seus interesses junto do órgão executivo local, mas em
muitos casos na África, os executivos locais exercem muito mais poder do que o
legislativo.

c) Direct voice mechanisms (Mecanismos de voz direta em tradução direta):


Numa governação local, é muito importante a questão da participação, mais todas
elas visam salvaguardar os interesses da dos cidadãos nas decisões locais (Blair,
2000, p. 22).

31
4. MODELOS DE GOVERNARÃO EM ÁFRICA

4.1. Breve introdução

Durante muito tempo, as comunidades locais em África tinham sistemas de


liderança próprios em que o “poder local assentava em crenças e religiões”
(Vieira, 2004, p. 74). Facto este que fazia com que o régulo fosse o único
representante legítimo das comunidades em que dominava. Tudo estava
concentrado no régulo e era ele que definia como a sociedade se podia
comportar.

O líder era considerado de “o descendente mais velho da linhagem mais


antiga do clã que fundou ou conquistou este território… sendo considerado de
mágico e grande feiticeiro capaz de defender a comunidade de todos os inimigos
exteriores ou interiores” (Vieira, 2004, p. 74). É neste contexto que se consideram
os programas e processos de descentralização em África como estratégias de
aproximação dos Estados africanos junto das estruturas locais (Fauré &
Rodrigues, 2011, p. 43).

Esta forma de funcionamento do poder local tornou-se mais fragilizado e


menos credível com a invasão das potências europeias no território africano,
Onde estes “controlavam completamente toda a estrutura das sociedades
tradicionais africanas existentes” (Vieira, 2004, pp. 75-76).

Em Moçambique por exemplo, as autoridades tradicionais foram criadas


como forma de controlar recursos e necessidades da população que os
administradores não conseguiam por si só ter a informação. Estas autoridades
continham o régulo como a figura máxima e este tinha autoridades sobre a
população.

Não é por acaso que um estudo de afrobarometer realizado por Logan


(2013) concluiu que em moçambique por exemplo, as pessoas confiam mais dos
seus líderes tradicionais em relação ao governo e a administração local, número
este que está acima de muitos países africanos.

32
O mesmo estudo comparou a capacidade dos governos locais, lideres locais
e do governo central de acordo com certos parâmetros, onde obteve os seguintes
resultados: Na questão da resolução dos conflitos locais, as autoridades
tradicionais em áfrica, mostram-se mais eficientes em relação aos governos locais
e central; a demarcação da terra é feita na grande maioria pelo governo local e
um número equilibrado entre as autoridades locais e o governo central; quase
dois terços do imposto sobre o rendimento são feitos pelo governo central, um
quarto pelo local e o resto pelas autoridades tradicionais; Os serviços públicos
básicos como a educação e a saúde são geridos na sua maioria pelo governo
central e com pouca intervenção das autoridades locais (Logan, 2013, p. 6).

Por fim, o colapso do sistema socialista teve efeitos catastróficos.


Contrariamente ao que aconteceu na África, os países asiáticos conseguiram
contornar a situação pós-comunista. Porém, os países africanos formam afetados
negativamente com a queda da Ex URSS e aceitaram completamente as
condições estabelecidas pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional
uma vez que eram na altura a única alternativa que existia (Lane, 2007, pp. 22-
23). Foi assim que iniciou em áfrica o processo de descentralização em áfrica.

4.2. Descentralização em áfrica

Embora o processo de descentralização seja realizado de forma diferente e


em épocas diferentes dentre vários países, esta diferença acentua-se ainda mais
quando queremos comparar países desenvolvidos e os em desenvolvimento; a
Europa e a África (Olowu & Wunsch, 2004). Contudo, desde o início de 1990,
havia um renovado interesse na descentralização, associada com os processos
de democratização ocorridos em muitos países desenvolvidos (Olowu & Wunsch,
2004, p. 2). Ao contrário destes países desenvolvidos, poucos conhecimentos se
sabe sobre a experiência de descentralização em África que teve a sua explosão
democrática nos anos 80 (Olowu & Wunsch, 2004, p. 2).

É neste contexto que autores como Forquilha (2007), Otayek (2007) e


Ndegwa (2002) dizem que a descentralização em África é um fenómeno recente e

33
que está intimamente ligada aos processos de transição política ocorrida no
começo da década 90. Este Surgiu como forma de contrariar a forma de
organização do Estado colonial autoritário que se tinha mostrado incapaz de
promover o desenvolvimento.

Muitos Estados africanos tinham o sistema centralizado de governação


durante o período colonial (Kiwanuka, 2012, p. 48). Este processo levou com que
todas as decisões sejam tomadas a partir do centro, da capital. Normalmente esta
capital tinha um nível de desenvolvimento muito elevado a demais partes do país.
Isto levou com que os governos destes mesmos países incluindo Moçambique,
procurassem alternativas para inverter esta situação.

No âmbito destas transformações foi desacreditado o sistema de partido


único imposto pelo modelo de partido-estado que vigorava tanto nos países que
possuíam a orientação liberal, como para o de orientação socialista (Otayek,
2007, p. 134). Muitos destes países “começaram primeiro por aplicar uma
descentralização económica” e que só a partir da década 90, é que começaram
com a descentralização política- devolução (Kiwanuka, 2012, p. 49).

Entre a década 80 e 90, Moçambique assim como Quénia e Malawi, aplicou


programas de ajustamento estrutural como fruto da sua aceitação das doações
fornecidas pelo BM e o FMI, com o slogan “boa governação” (Saitō, 2008, p. 2).
Portanto, todos têm tentado implantar a devolução nos seus respetivos países,
mas a forma e a dinâmica desta é diferenciada.

No entanto, muitos países africanos adotaram a descentralização como um


meio de diminuir as disparidades regionais e de reduzir a pobreza e como forma
de mobilizar os recursos locais, fomentar a participação local, melhorar a
prestação de serviço públicos e na prestação de contas (Cabral, 2011, p. 6). Mais
isso não significou necessariamente a redução da pobreza, pois existem casos
em que mesmo com a implementação da descentralização, os efeitos destes não
são satisfatórios (Brosio, 2000, pp. 4-5; Manor, 2011). Muitos desses insucessos
são explicados pela limitada participação e pela reduzida mobilização dos agentes
locais nas questões do seu próprio município.

34
De um modo geral, Olowu e Wunsch (2004) associam os países desta
região, incluindo Moçambique aos tipos de descentralização, classificando-os em
três tipos nomeadamente: Desconcentração; Devolução, Devolução parcial e
Federações ou semi-federações. Passamos a seguir a descrever cada um destes
países descentralização:

Desconcentração: alguns países continuaram com este modelo, onde a


decisão sobre os processos locais, a sua forma de funcionamento e a prestação
de contas são feitos a nível central e transferem responsabilidades e recursos
para os líderes eleitos a nível central para esta posição. Faziam parte deste grupo
de países, o Ghana, Camarões, Quénia, Mali e Zimbabwe.

A segunda forma destacada pelo mesmo autor é a descentralização


democrática ou devolução, em que a decisão parte do local para o centro, com a
criação de instituições a nível local para resolver os problemas a nível local e a
respetiva prestação de contas. Fazem parte destes países, o Maurícias, Uganda,
Serra Leoa, Mali, de entre outros.

Houve ainda alguns países que optaram por um sistema misto, isto é, uma
devolução parcial, na qual faz parte Moçambique. Nestes países, como se referiu
ao longo deste trabalho, somente o poder é exercido de baixo para cima em áreas
consideradas cidades e em algumas que apresentavam capacidade para
implementarem o modelo.

Os sistemas federados foram implementados África do Sul, Etiópia, Nigéria e


Tanzânia, com vários centros de poder autónomos dentro do mesmo país,
designados por Estados.

35
Tabela 2: Tipos de Descentralização em África

Tipo de descentralização Países


Desconcentração Gana, Camarões, Quénia, Mali e Zâmbia
Devolução Maurícias Uganda, Serra Leoa, Mali, Costa
de Marfim, Zimbabwe, Nigéria e Tanzânia
Descentralização parcial (Só Botswana, Namíbia, Moçambique e
áreas urbanas) Senegal
Federações ou semi-federações. África do Sul, Etiópia, Nigéria e Tanzânia
Fonte: (Olowu, 2003, p. 43) e OLOWU et al. (2004, p. 39)

Entretanto, para além da diferenciação dos tipo de descentralização nos


vários países da áfrica, é possível comparar os mesmos quanto o seu nível de
descentralização tendo em conta as suas três dimensões: administrativa, política
e fiscal. Nesta matéria Ndegwa (2002) 30 países africanos nas dimensões acima
mencionadas, conforme a tabela

Ilustração 1: Comparação das Componentes de Descentralização

Fonte: (Ndegwa, 2002, p. 9)

36
Como se pode ver na ilustração acima, Moçambique ocupa uma posição
relativamente baixa em todas as componentes comparado com os países da
região, como é o caso da África do Sul, Zâmbia, Zimbabwe e Tanzânia. Este facto
deve-se a este possuir uma descentralização parcial descrito na tabela 2 por
Olowu. Contudo, embora Moçambique tenha um nível relativamente baixa em
relação aos países descritos acima, este consegue superar países como Angola,
Chad e Níger na sua forma forma de descentralização política.

Para explicar a fraca descentralização destes países, Smoke (2003, pp. 7-


10) atribui as controversas dos efeitos da implementação deste neste continente e
refere três razões que fazem com que tenhamos calma na altura de destacar a
descentralização como o melhor modelo de governação:

 A descentralização não é favorecida em áfrica principalmente porque não


existe prova inequívoca de sua conveniência. Olowu (2004) refere que uma
das raízes é a falha de abordagens do desenvolvimento centralizado; as
pressões de organismos internacionais para o desenvolvimento, entre
outros, como forças importantes em andamento na onda atual de
descentralização em África, mas as verdadeiras razões são bastante
variadas e, em última instância, a política (Smoke, 2003, p. 8).
 Há muitas vezes uma falta de clareza sobre o significado exato da
descentralização. Olha-se de um lado como uma verdadeira
desconcentração, na qual o papel do governo central é mais limitado. Por
sua vez, a descentralização é de difícil medição;
 A descentralização possui diversas dimensões, motivo pela qual que é um
fenómeno complexo dependendo da área de estudo em que está inserido.
Os economistas se concentram na descentralização económica e fiscal, os
políticos nas relações intergovernamentais, eleições locais e mecanismos
de prestação de contas, enquanto a administração pública trabalha com
estruturas institucionais, processos e procedimentos.

No entanto a descentralização em África é afligido por vários problemas, de


entre eles Wunsch (2008) destaca os seguintes:

37
 As unidades descentralizadas de governo em África possuem normalmente
limitada receita autoridade para a gestão dos serviços básicos, como a
saúde, a educação e as infraestruturas;
 Autoridade limitada na gestão dos recursos naturais;
 Seus eleitores são fortemente heterogéneos, sem a possibilidade de
comunicação entre eles, dado a fraca acessibilidade das vias de
comunicação e pouca mobilidade de pessoas;
 Tem pouca legitimidade relativamente ao nível central do governo.

Estas dificuldades apresentadas por Wunsch, não se diferem tanto das que
iremos apresentar na realidade moçambicana.

4.3. Conclusão

Pode-se assim dizer que os modelos de governação em áfrica estavam


intimamente ligados ao tipo de políticas que cada país implementava. Estas
políticas, não deixaram de incluir as autoridades tradicionais nos seus modelos de
governação, até porque a governação local em áfrica, surge como uma
modernização das autoridades tradicionais aí existentes durante muito tempo. É
por isso mesmo que estas autoridades desempenham até agora um papel
importante na solução dos problemas locais.

É claro que estas sociedades deixaram de ter um papel fulcral na


providência dos serviços públicos básicos para a população. Em Moçambique,
por exemplo, devido a deficiência do Estado na providência de condições básicas
a população, estas começaram a procurar formas próprias de governação.

Ainda continuam a maior parte (senão todos) dos municípios dos Estados
africanos dependentes do orçamente central, pois ainda não tem a capacidade de
arrecadar fundos para o pleno funcionamento das mesmas. Este facto faz com
que os edis destas autarquias não tenham poder suficiente para atuarem.

Porém a visão de SHAH (2006) sobre a governação local acaba por ser
limitada e ameaçada, na medida em que este pressupunha uma governação local

38
onde todas as componentes se interagiam, desde instituições formais do governo
local e central, rede e organizações comunitárias e associações dos bairros na
prossecução da ação coletiva. Esta limitação deve-se ao facto da fraca
participação dos cidadãos nas soluções dos problemas locais.

O que acontece muitas é que os próprios cidadãos não conhecem os seus


representantes. Porém, se não os conhecem, é logico que que estes estejam
automaticamente excluídos na governação local, pois a eleição destes, não é feita
por meios formais de transparência, associado também a informação imperfeita.

Porém, é preciso separar a legitimação da confiança. Stoker (1998) refere


que o exercício necessita de ser legitimado, mais a maior parte dos que ocupam
posições privilegiadas na governação local em áfrica não são legítimos e eleitos
pela população, mais sim confiados pelos seus representantes superiores para
ocuparem estas posições e, esta atitude cria problemas descritos no parágrafo
acima.

Depois de uma contextualização e discursão das questões de


descentralização e governação local em áfrica, vamos agora nos centrar na
evolução da governação local em moçambique, de modo a perceber a dinâmica
dos modelos que foram implementados neste país. Estes modelos irão nos
fornecer informações importantes para a sua análise no capítulo 6.

39
5. MODELOS DE GOVERNAÇÃO EM MOÇAMBIQUE

5.1. Breve Introdução

Ao descrever os modelos de governação em Moçambique temos que ter em


conta os dois principais períodos: antes e depois da independência. Segundo Cau
(2004, p. 19), o período entre 1498 a 1974 (antes da independência) apresenta
três subperíodos: o primeiro é chamado o das autoridades tradicionais de
administração da terra em tempos pré-colonial; o segundo período discute o papel
das autoridades tradicionais sobre o controle da terra em áreas que atuavam os
portugueses (1498 - 1884); o terceiro período interroga o papel das comunidades
na administração da terra entre 1885 – 1975, período da ocupação efetiva (Cau,
2004).

Antes da presença dos Portugueses a Moçambique, a maior partes dos


povos bantos da região austral de áfrica, migravam para moçambique na procura
de condições de sobrevivência. Estas comunidades eram nómadas e baseavam
na caça e na recoleção. Estes criavam fortes relações com os bantos de
Moçambique, assim como os outros imigrantes. Contudo, havia conflitos entre
estes relacionados com a posse de terra, dos recursos minerais, assim como o
domínio da terra (Isaacman & Isaacman, 1983:13).

No período da ocupação efetiva, foram abolidas estas autonomias políticas


dos dirigentes africanos, limitados os movimentos migratórios e condicionou o
pagamento sistemático e compulsivo de impostos e mais contribuições
regulamentares (Rita, 1980:2).

No período pós-independência, Moçambique sofreu transformações radicais


ao adotar um sistema político e administrativo de mecanismos capazes de
conferir maior racionalidade, de funcionar como um catalisador das mudanças e
do desenvolvimento da sua sociedade. Essas mudanças iniciaram com a tentativa
de implantação de um Estado socialista que depois seguiram para a
descentralização política.

40
A primeira transição ocorreu através da proclamação da independência 7 e a
rotura com a velha ordem, o que significou a construção do novo estado. Foi a
partir deste ato que o Estado passou a designar-se de República Popular de
Moçambique em detrimento da Província Ultramarina Portuguesa (Nyakada,
2008).

A segunda geração da reforma política inicia com a adoção e a adesão de


medidas inseridas no liberalismo económico acelerado pela globalização. A
terceira transição foi marcada com o advento do processo de democratização,
que se deu com o colapso do regime monopartidário e o surgimento do
multipartidarismo (Nyakada, 2008).

Com essa descrição, podemos referir que moçambique apresenta um


quadro comparativo útil no estudo de questões de transição política. Ora vejamos:
O país era capitalista e autoritário durante o período colonial, socialista e cada vez
mais autoritário apos a independência, Autoritário e cada vez mais capitalista a
partir da década de 1980 e início de 1990 e, democrático e capitalista a partir de
1994 (Pitcher, 2002, p. 2). Convém então descrever este quadro comparativo útil
que o país possui de forma mais detalhada nos temas que se seguem.

5.2. Antes da independência: 1498 - 1974

Antes da presença dos europeus, “os estados coloniais estavam


organizados em clãs, e após a presença do estado colonial foram destruídos
todos os níveis superiores das estruturas políticas que aí existiam” e os líderes
locais estavam pressionados a fornecer mão-de-obra assalariada e culturas de
rendimento para o mercado (Vieira, 2004, p. 82).

No período da chegada dos portugueses a região, estava ocorrer um


processo de transformação político e uma intensificação e expansão do comércio,
fazendo com que os moçambicanos conseguissem defender os seus próprios

7
Nas vésperas da passagem definitiva do poder, por parte do governo português ao moçambicano, a FRELIM O reuniu-se
na sua VII sessão na província de Inhambane, com o objetivo de definir as orientações básicas do Estado.

41
interesses e controlarem as suas relações com os comerciantes da costa
(Abrahamsson & Nilsson, 1994, p. 20).

A população estava organizada em famílias e linhagens e elas eram


responsável pela sua própria sobrevivência, pois consumiam o que produziam e
“vendiam também no mercado alguma da produção excedentária às suas
necessidades para aceder a outros bens de consumo”(Vieira, 2004, p. 83). Dada
a forma de organização das sociedades tradicionais encontradas em Moçambique
e em quase toda a África, tornava-se difícil os portugueses obterem legitimidade
no ceio destas comunidades, que só foi possível obtê-la com a inclusão dos
líderes locais na mobilização para o trabalho forçado e de pagamento de
impostos.

Estes impostos eram denominados de mussoco e este era cobrado para


cobrir a nova rede administrativa colonial, aproveitando assim a força de trabalho
moçambicano de uma maneira mais direta e permanente (David Hedges, 1993:2).
Segundo o mesmo autor, esta força de trabalho eram usadas nas plantações, nas
minas e obras públicas na África do Sul, nas Rodésias, Niassalândia, Tanganhica
e Zanzibar.

Dadas as más condições de trabalho em moçambique, a maior parte da


força de trabalho que poderia fazer com que a produção no território nacional seja
a níveis bastante elevados, começaram a migrar para os países vizinhos acima
mencionados (David Hedges 1983:3).

As formas administrativas e de poder neste período estavam organizadas de


acordo com o sistema vigente de organização do Estado português (Nyakada,
2008), em que existiam as câmaras municipais e as juntas locais, que foram
extintas logo após a independência. No âmbito desta extinção, foram abrangidas
também as direções, serviços e outros órgãos e unidades ou empresas das
Câmaras Municipais, que ficaram sob a direção dos Conselhos Executivos da
Cidade (Nyakada, 2008).

42
Relativamente a organização administrativa de Moçambique Chiziane (s/d,
p. 4-8)8 refere o seguinte:

“No período colonial, desde a sua origem, a organização administrativa


das províncias ultramarinas foi baseada no princípio da reprodução nas
colônias em geral e a de Moçambique em particular, o modelo de
gestão adotado para à metrópole. Considerava-se as colônias como
simples províncias ultramarinas, que cumpriam planos traçados e
estabelecidos na metrópole”.

É neste contexto que Cistac (2012, p. 3) refere que:

“Moçambique herdou uma estrutura administrativa essencialmente


baseada no princípio de centralização que se traduziu, nomeadamente,
na centralização do poder de decisão a nível dos órgãos superiores da
administração central”

Ainda Chiziane (s/d) citando Salim VALA (2008) 9 refere que o regime do
Estado herdado era centralizado, fraco e forte:

“Centralizadas porque as decisões eram emanadas do centro, neste


caso da capital. Fraco porque não tinha capacidade de se implantar em
todo território nacional, não se fazendo sentir na vida prática das
comunidades e forte porque sobrepunha-se a todas as formas de
organização das comunidades”.

Foi nesse contexto que a FRELIMO continuou através da sua experiencia política
das zonas libertadas um “processo de transformação radical da sociedade contra
o tribalismo, divisionismo, racismo, obscurantismo e superstição” de modo a
destruir a sociedade feudal e a construção o “homem novo” livre e sem classes,
condicionando a produção de bens materiais para a satisfação das necessidades
da população e a melhoria das condições de vida (José, 2005, p. 14-15).

8
Disponível em http://www.fd.ul.pt/LinkClick.aspx?fileticket=2DbDRFVfpgg%3d&tabid=339 consultado a 14
de novembro de 2012
9
VALA, Salim. “Descentralização e Desenvolvimento Sustentável no M oçambique Rural (2008).

43
Antes da conferência de Berlim, o sistema de administração do território
estava dividido em duas grandes áreas: a primeira corresponde a áreas intactas
que nunca tinham sido invadidas pelos portugueses que eram dirigidas pelos reis
e chefes das aldeias e a segunda correspondia áreas controladas pela
administração colonial portuguesa. Esta divisão na governação a nível do território
nacional só teve o seu término depois da conferência de Berlim, realizada em
1884-1885 na Alemanha, onde se reuniram várias potências europeias para se
tomar decisão sobre a partilha de africa (Nyakada, 2008 citando UEM, 1988).

Como resultado, coube a Portugal as terras do Estado moçambicano e


outras do continente africano. Foi nessa sequência que em Maio de 1891, foi
estabelecido companhias no espaço moçambicano e em algumas zonas da Africa
através de um acordo com a Inglaterra, em virtude de várias disputas territoriais
entre estes espaços (Nyakada, 2008 citando Newitt et al., 1997).

Depois de 1960, a Frelimo criou em 1964 no posto administrativo de Chai na


província de Cabo Delgado as “zonas libertadas” em áreas do interior de
Moçambique e fora do controle da administração portuguesa, de modo a fornecer
alternativa a sociedade colonial, com uma economia sem exploração de homem
para homem e que teve mais impacto nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e
Tete. Este esforço de criar estas zonas libertadas, não teve grande sucesso
naquele momento, mas serviu de base de inspiração para o modelo socialista
seguido logo apos a independência (ADAM, 1997: 4).

Foi assim que a Frelimo começo por consolidar o seu poder, o que levou
com que este começasse a ocupar áreas circunvizinhas, continuando assim a sua
progressiva expansão (Isaacman & Isaacman, 1983:86). Contudo, segundo o
mesmo autor, esta expansão enfrentou diversos problemas nas áreas onde este
se implantava, dado que a Frelimo não estava preparada na introdução de uma
nova estrutura económica, social e política naquelas regiões.

Porém, o modelo idealizado pela FRELIMO acabou por ser mais uma utopia
do que uma realidade, tendo porém, pelo menos até certo ponto, servido de
inspiração para traçar o modelo socialista de desenvolvimento implantado em

44
Moçambique depois da independência, onde se pretendia negar quer os modelos
de desenvolvimento coloniais, quer os neocoloniais Yussuf Adam (1997:4).

5.2.1. Estrutura económica

Portugal não tinha “recursos financeiros suficientes para poder fazer uma
exploração de Moçambique com sucesso” (Abrahamsson & Nilsson, 1994, p. 23),
de administrar integralmente o território e de se estabelecer em todo o país. O
governo português arrendou cerca de dois terços da superfície territorial da
colónia, cedendo grandes parcelas do território moçambicano a companhias
privadas. Estas companhias eram de capitais maioritariamente ingleses, que ao
instalarem-se no território moçambicano eram soberanos sobre as parcelas que
exploravam e até na cobrança de impostos (Nyakada, 2008).

Ainda o mesmo autor salienta que durante o mesmo período de vigência dos
acordos de concessão (1891-1942), o país esteve subdomínio de três grandes
companhias: a Companhia do Niassa, a Companhia da Zambézia e a Companhia
da Moçambique. Mais antes do fim deste período, final de 1920 e o início de
1930, Cau (2004) diz que os portugueses levaram de volta o controle de algumas
terras que era eram administradas pelos capitais de companhias europeias com a
publicação do Ato Colonial10 em 1930 (Cau, 2004).

De acordo com Mosca e Oppenheimer (2005, pp. 73-76), a estrutura


económica de Moçambique antes da independência estava caracterizada da
seguinte forma:

 O objetivo da economia estava assente na maximização e extração


de recursos pelas formas de produção baseadas na exploração da
força de trabalho e na troca desigual de bens entre o campo e a
cidade;

10
O Ato Colonial “é o primeiro documento constitucional do Estado Novo, promulgado a 8 de julho de 1930, pelo
decreto n.º 18 570, numa altura em que Oliveira Salazar assumia as funções de ministro Interino das Colónias” Adriano
M oreira in http://memoria-africa.ua.pt

45
 O crescimento da economia dependia de fatores externos que
dificultava a balança de pagamentos, limitando os espaços de
manobra para as políticas internas;
 Os sectores económicos possuíam poucas relações intersectoriais,
sem fileiras produtivas nem clusters (aglomerados) e os bens finais
possuíam pouco valor acrescentado na economia moçambicana;
 Grande peso da economia provinha do sector informal;
 Pouca disponibilidade de capital e baixa capacidade de realização de
investimentos;
 O Estado era o principal agente económico cujos objetivos eram de
assegurar o funcionamento dos mecanismos de reprodução dos
padrões de acumulação dominantes.

Moçambique desempenhava um papel muito importante na região, visto que


havia interesse por todos os países da região em investir em infraestruturas do
país, de modo a facilitar o processo de escoamento dos seus produtos, enquanto
os portugueses concentravam as suas atenções na prestação de serviço e na
produção em pequena escala (Abrahamsson e Nilsson, 1994, p. 28). No mesmo
período, a política económica nacional assentava no forte “nacionalismo político e
económico” que surgiu como mecanismo de defesa e de proteção de modo a não
alienar recursos a outras potências mais desenvolvidas, aguardando pela
acumulação de capital e pela modernização da economia portuguesa (Mosca &
Oppenheimer, 2005, pp. 118-119).

Para colmatar esta situação, iniciou-se com a introdução de formas de


produção local no mercado. Com a introdução destas formas não houve grande
alteração nas relações sociais e de poder das sociedades, condicionado pela
resistência das populações na primeira fase da integração entre as esferas
sociais, económicas, culturais e políticas (Mosca e Oppenheimer, 2005, p. 123).

46
5.3. Centralismo: Período entre 1975 a 1987

O período de transição da independência caracterizou-se pela aceleração


dos processos de transformação da sociedade com dinâmicas diferentes em todo
o território nacional. Os principais elementos que justifiquem a transformação foi a
crise económica que se verificou depois da operação Nó-Górdio (1968/1969)
(Mosca & Oppenheimer, 2005, p. 137).

Após a independência em 1975, Moçambique “…tinha adotado um sistema


político e económico centralizado, característico do modelo Socialista de
Administração Pública”11 (N. d. J. Canhanga, 2007, p. 94). Este modelo “provocou
uma rutura profunda na forma da organização da administrativa herdada do
Estado colonial” (Cistac, 2012, p. 3). Foi adotado um Estado planificado em que
eram marginalizadas regiões do território nacional que ainda não estavam
planificadas, ficando estes, sem capacidade de reprodução, dado que não
possuíam recursos (Mosca & Oppenheimer, 2005, pp. 292-293).

Apesar desta rutura, algumas das características da administração colonial e


a “natureza do regime político alterou-se substancialmente, mas não foi possível,
na fase inicial da independência, estender este movimento até ao conjunto das
estruturas administrativas do Estado” (Cistac, 2012).

Nesta reformulação, as áreas dominadas foram divididas em distritos


(circunscrições) e os distritos foram divididos em outras unidades territoriais
denominados de Postos, que tinham um chefe do posto. Os postos por sua vez
foram divididos em regulados que eram governados por um chefe moçambicano
nomeado pelo colono, o régulo (Cau, 2004). Os regulados foram divididos em
grupos de aldeias e estes por sua vez, em povoações. Estes grupos de
povoações eram governados por uma autoridade abaixo do régulo, conforme a
hierarquia estabelecida, embora a maioria das autoridades tradicionais assim

11
Como refere CISTAC - M anual de direito das autarquias locais, ainda - “…ainda persistem algumas características do
sistema administrativo colonial para permitir estender a ação do executivo aos vários domínios da vida política,
econômica e social, nomeadamente: extrema centralização na capital do País do poder político e administrativo; as
grandes transformações na organização político-administrativa caracterizaram-se pela criação de assembleias eleitas a
nível local e conselhos executivos e Governos Provinciais com forte dependência central; continuam, mesmo assim, a
basear-se essencialmente em governadores e administradores locais nomeados pelo poder central”.

47
como os chefes dos grupos de aldeias eram nomeados de acordo com as leis de
sucessão hereditária, eles dependiam em grande parte da confirmação do
governo colonial (Cau, 2004).

Depois da independência, houve tentativas de abolição das autoridades


tradicionais e foram igualmente dissolvidas as Câmaras Municipais Autónomas
devido o modelo político ideológico instituído pelo Estado no período pós
independência, em que tornando-se imperioso a antiga estrutura do aparelho do
Estado, assumindo os órgãos do poder popular e o seu aparelho do Estado, todas
as tarefas necessárias (Chambule, 2000 citado por Nhambirre, 2011, p. 13).

Aas principais linhas orientadoras de Moçambique são uma doutrina


orientada ao socialismo e não o modelo socialista propriamente dito. As suas
linhas orientadoras são descritas por Mosca e Oppenheimer (2005, pp. 297-308)
resumidas em seguintes linhas:

 O modelo previa que o crescimento era realizado com base em


elevadas taxas de investimento público em empresas modernas para
garantir economias de escala e emprego;
 Os objetivos sociais e a defesa do poder eram priorizados em
detrimento da desconsideração das regras de equilíbrio económico a
nível macro e micro;
 Priorizava-se a agricultura assente em formas de produção moderna
apenas em empresas estatais, dado que os pequenos e médios
produtores eram considerados ineficientes e incapazes de adotarem
técnicas produtivas intensivas;
 Após o período da imposição e da repressão ideológica económica,
os sectores não planificados reajustaram-se e encontraram formas de
sobreviver e evoluíram na mediada que economia planificada evoluía;
 Radicalização da estatização (Mosca & Oppenheimer, 2005, pp. 297-
308).

De uma forma resumida, a organização do Estado moçambicano e os padrões de


acumulação estavam praticamente todos orientados ao Estado cujo principal fluxo

48
estava virado para o sector planificado, como se pode ver na figura 1. Segundo
Mosca e Oppenheimer (2005, p. 292) a distribuição de recursos estava
“centralizada no plano, beneficiando os sectores planificados e marginalizando os
não planificados”, reduzindo assim a capacidade de desenvolvimento de
pequenos e médios produtores.

Ilustração 2: Modelo centralizado de Moçambique 1975 - 1992

Não foi fácil neste período segurar a economia do país durante muito tempo,
fazendo com a população sinta a necessidade de se autossustentar, sem
depender dos esforços do Estado.

49
5.4. Liberalização, e reformas do Estado

Várias mudanças foram ocorrendo nos finais do século XX, mais para
perceber a dinâmica destas mudanças, Carothers (2002) traz-nos de uma forma
resumida os principais acontecimentos que marcaram o mundo no concernente a
transição e as reformas dos Estados. Ora Vejamos: No último trimestre do séc.
XX ocorreram tendências e mudanças importantes em termos de regimes
políticos em diferentes partes do mundo, nomeadamente a queda de regimes
autoritários do Sul da Europa nos meados dos anos 1970, a substituição das
ditaduras militares por governos civis eleitos na América Latina a partir dos finais
dos anos 1970 e meados dos anos 1980, o colapso dos regimes comunistas da
Europa do Leste nos finais dos anos 1980, a constituição de 15 repúblicas pós-
soviéticas em 1991, na sequência da queda da URSS, o declínio de regimes de
partido-único na África subsaariana e alguma tendência de liberalização de alguns
países do Médio Oriente nos anos 1990 (Carothers, 2002).

Por isso que autores como Huntngton, (1991) citado por Forquilha e Orre
(2011) não hesita em designar “as reformas políticas desencadeadas na maior
parte dos países da África subsaariana nos finais dos anos 1980 e começos dos
anos 1990 como a “terceira vaga de democratização” (Forquilha & Orre, 2011).

Segundo (Olowu & Wunsch, 2004) citado por Forquilha (2008, p. 2) 12, “as
reformas de descentralização na África subsaariana ocorridas nos anos 80,
aparecem associadas ao fenómeno da liberalização política e ao processo de
democratização, como consequência de uma série de fatores, como por exemplo,
as crises económicas e políticas, as pressões dos doadores para a boa
governação, a urbanização crescente, entre outros”. No caso de Moçambique,
este processo tornou-se um dos elementos fundamentais do próprio processo de
reforma do Estado, destacado pela participação dos cidadãos na administração e
desenvolvimento a nível local pelo melhoramento dos mecanismos de
funcionamento do Estado (Forquilha, 2008).

12
Artigo disponível em http://cea.revues.org/187

50
O ano de 1986 é considerado em Moçambique como o momento que marca
o início da segunda fase da reforma do Estado em que deu-se o início do
processo de reformas económicas, políticas e sociais, que desenvolveram com a
revisão profunda do modelo político implantado após a independência nacional,
no sentido de adequar-se as exigências da conjuntura internacional, que tendia
adotar e realçar a eficiência do modelo liberal para o progresso das sociedades.
Nesta etapa, a planificação central, foi substituída pela economia do mercado,
que se assenta na iniciativa privada; o Estado socialista foi substituído por um
outro a favor de um Estado gradualmente descentralizado e que revoga a
separação tripartidária do poder do Estado em executivo, legislativo e judiciário
(Nyakada, 2008).

De acordo com Vieira (2004), “as crises do petróleo (a partir de 1973), a


guerra civil entre a Renamo e a Frelimo (1977-92), a queda do muro de Berlim
(1989) e do bloco da União Soviética e o novo papel do BM e do FMI forçaram um
enfraquecimento dos Estados, o que facilitou a penetração da economia liberal e
as privatizações, a democracia e a descentralização e a integração forçada de
pluralidades e de diversidades locais”.

Na visão de Vieira (2004), perante as dificuldades que estado moçambicano


enfrentava, este “não tinha alternativa senão pedir ao FMI uma redução das taxas
de juro sobre as suas dívidas e a dilatação dos prazos em que os juros deviam
ser liquidados” (Vieira, 2004, p.89). Em troca teve de aceitar praticamente todas
as imposições feitas por este. Assim, “o FMI introduziu as normas clássicas de
gestão capitalista nas empresas estatais em detrimento da economia de
subsistência alimentar” e obrigou o Governo a aplicar o ajustamento estrutural
para ultrapassar as dificuldades que o estado frequentava, assim como o baixo
índice de desenvolvimento (Vieira, 2004, p.89-90).

O objetivo principal da democratização de Moçambique era de criar a


legitimidade do sistema político e do Estado, de modo que o este possa garantir
níveis razoáveis de segurança, sobrevivência e serviços sociais básicos. Porém,
dado que o Estado já tinha perdido a sua legitimidade e estando nesta fase a

51
querer recupera-la, as famílias foram encontrando formas próprias de
sobrevivência e alternativas de organização social”, considerando-se neste caso,
que as comunidades tradicionais como decisivos na sobrevivência da comunidade
local durante os tempos de guerra (Abrahamsson & Nilsson, 1994).

A Frelimo separou o partido do Estado em 1989 13 e retirou as referências de


Marxismo-Leninismo dos estatutos do partido, abrindo assim a mão para o
processo de democratização, independência dos tribunais, eleições livres e
garantia dos direitos individuais (Lalá & Ostheimer, 2003, p. 6). Esta ideia, não
veio somente nos congressos realizados pela Frelimo, dado que o processo de
paz e a subsequente implementação de estruturas democráticas com vista às
eleições multipartidárias realizadas em Outubro de 1994 caracterizaram-se
essencialmente, por pressões exercidas pela comunidade internacional (idem
p.7).

Face a esta situação, foram surgindo vários programas com vista a


recuperar a economia e a melhorar as condições da vida das populações.

5.4.1. Programa de Reabilitação Económica (e Social) – PRE (S)

O PRE surge como um aprofundamento com os elementos da continuidade e da


descontinuidade em relação as reformas iniciadas em 1983 e que tomou outro
ritmo em 1987 a quando da adoção do país as políticas de mercado cujo objetivo
era de travar a queda de uma atividade económica e iniciar uma progressiva
recuperação (Mosca & Oppenheimer, 2005, p. 311). O PRE Tinha os seguintes
objetivos:

 Inverter o declínio da produção e restaurar um nível mínimo de consumo e


de salários para toda a população, particularmente nas áreas rurais;
 Reduzir substancialmente os desequilíbrios financeiros internos e reforçar
as contas e reservas externas;

13
Fruto da realização do 5º congresso da frelimo

52
 Melhorar a eficiência e estabelecer condições para um progresso a níveis
mais elevados do crescimento económico;
 Reintegrar os mercados paralelos e oficiais;
 Restaurar a disciplina financeira nas relações com os parceiros comerciais
e os credores (Brochmann, Ofstad, Adam, Eriksen, & Hermele, 1990, p. 34)

A nível de Moçambique, o Programa de Ajustamento Estrutural tinha como


objetivo contribuir para a “eliminação de qualquer possibilidade de continuidade
do modelo económico e social da pós-independência, fazendo mudanças internas
do poder para facilitar as transformações económicas e permitir as alianças
externas” (Mosca & Oppenheimer, 2005, p. 316); reforçar a balança de
transações correntes e a balança de pagamentos, restruturação das empresas
privadas; liberalização do comércio e a abolição do sistema de preços fixos
(Abrahamsson & Nilsson, 1994, p. 49).

Para garantir o cumprimento destes objetivos, o governo começou com a


privatização de alguns dos serviços que até a altura eram feitos simplesmente
pelo Estado. Esta privatização tinha como objetivos de aumentar a eficiência da
economia, reduzir os subsídios as empresas estatais e obter receitas para o
orçamento público, aumentar a produtividade, modernizar e melhorar a gestão
das empresas (Mosca & Oppenheimer, 2005, p. 328). No caso da agricultura e da
terra, esta privatização manifestava-se de diversas formas ao longo de todo o
país, em que na maior parte dos casos fazia-se a união do capital privado com o
Estado, pretendendo manter a influência do Estado junto a população (p.359).

Para Macamo (2003), a agenda do ajustamento estrutural não previa o


desenvolvimento de países como Moçambique, mais sim a contenção de perigos
traduzidos em riscos que por um lado cravam sinergias desejáveis e por outro
lado isolava grupos considerados de riscos para não contaminarem o tecido social
(Macamo, 2003, p. 249)

Nem sempre estas mudanças introduzidas tiveram a melhor resposta. A


título de exemplo, Mosca e Cena‐Delgado (1993) citado por Mosca e
Oppenheimer (2005, pp. 331-332) refere que as medidas aplicadas ao PRE foram

53
severas na fase inicial e suaves no segundo período, que gerou instabilidade e
rotura de funcionamento, dado que não existiam fluxos de recursos externos
suficientes para cobrir igualar ao ritmo do ajustamento causado pela insuficiente
capacidade técnica e falta de unidade política. Por isso mesmo que Lalá e
Ostheimer (2003) são duros em dizer que Programa de Reabilitação Económica
(PRE) implementado a partir de 1986 não obtinha sucesso no alívio à pobreza
das populações (Lalá & Ostheimer, 2003, p. 6).

Mosca e Oppenheimer (2005) resumiram o período entre 1987 e 1992 em 5


principais pontos principais: Crescimento das despesas com a defesa pelo
agravamento da guerra, chegando a representar 40% das despesas, que
dificultou o equilíbrio fiscal, afetou as despesas nas áreas sociais e reduziu a
capacidade institucional do Estado; o sector privado era permanentemente
atacado pelo disfuncionamento de áreas fora das defesa e pelo facto da maior
parte das despesas serem dirigidas a defesa, como se referiu anteriormente; a
guerra não permitia a circulação de bens e pessoas, o que também impedia o
funcionamento dos mercados, que era um dos pilares do ajustamento; a situação
de conflito dificultava o investimento privado, condicionando com que o mesmo
processo que era um dos objetivos do PRE seja em ritmo extremamente fraco; a
intensidade de guerra neste período e a destruição de infraestruturas aumentou a
dificuldade de recuperação e de reabilitação (p.333).

Não podemos nos esquecer de que a liberalização económica teve efeitos


dicotómicos, manifestados pela substituição dos valores africanos, tal como a
solidariedade social, por princípios mais individualistas e egoístas e
consequentemente a destruição da forma como os recursos eram redistribuídos a
nível da comunidade pelas relações de parentesco para um sistema liberal (Lalá
& Ostheimer, 2003, p. 41).

O Programa de Reabilitação Económica e Social (PRES) foi introduzido como


fruto de manifestações e descontentamento nas principais cidades, dado que o
PRE não priorizava a componente social nos seus planos, daí que a partir de
1990 o PRE foi transformado em PRES e como resultado, os recursos destinados

54
aos sectores sociais cresceram, passando este a representar uma despesa de
23% dos doadores que representou um crescimento de 11% comparativamente
ao período de 1987/89 (Mosca & Oppenheimer, 2005, pp. 350-351).

O grande problema a quando da implementação de PRES é que o mesmo


foi lançado com uma série de medidas político-financeiras antes de se criar
mecanismos fiscais necessários para que estas medidas possam ter efeitos
macroeconómicos previstos e para que o PRES ter sucesso na opinião de
Abrahamsson e Nilsson (1994, p. 302) era necessário aumentar a economia e a
estrutura da economia do país.

Contudo, muitas vezes questiona-se o papel das instituições de Breton


Woods contribuírem para o desenvolvimento do país, mais para Abrahamsson e
Nilsson (1994), não existem evidências claras de melhoria significativas do
modelo imposto por estas instituições, mesmo assim, não é possível encontrar
alternativas ao programa (p.299). Por isso mesmo que o governo de Moçambique
luta para que os programas de reajuntamento estrutural proposto por estas
instituições sejam somente “uma questão da satisfação das exigências dos
credores quanto ao pagamento da dívida, exigindo para o efeito um aumento das
exportações”, devendo este criar também condições para o desenvolvimento rural
sustentável (Abrahamsson & Nilsson, 1994, p. 300).

5.5. Democratização e o surgimento de governos locais: a partir de 1992

A democratização em Moçambique iniciou logo após aos Acordos Gerais de


Paz (AGP) assinados em Roma, que dois anos depois, culminara com a
realização das primeiras eleições multipartidárias realizadas em 1994 que
“marcaram formalmente o fim da guerra civil e constituíram igualmente o passo
inicial no caminho tortuoso rumo a uma estabilidade política e à implementação
de estruturas democráticas. O sistema multipartidário implantado em Moçambique
caracterizou-se, desde o início, pelo legado do anterior conflito estrutural e pelo
antagonismo existente entre a Frelimo e a Renamo” (Lalá & Ostheimer, 2003, p.
8).

55
No caso de Moçambique, Forquilha e Orre (2011, pp. 36-37) referem que
“…a transição política de Moçambique ocorrida nos finais dos anos 1980 e
começos dos anos 1990 esteve profundamente ligada ao fim da guerra civil. Com
o efeito, os acordos de paz assinados pelo governo da Frelimo e pela Renamo em
1992 na Cidade de Roma (Itália), colocaram as bases políticas e jurídicas que
moldaram significativamente o contexto subsequente”. “… Os acordos de paz, na
prática, eram uma carta de transição política para Moçambique, na medida em
que tratavam não só de questões militares, tais como o cessar-fogo, a
desmilitarização e a formação do novo exército, como também das bases do
processo de democratização do país, nomeadamente os critérios e modalidades
de formação dos partidos políticos, as questões eleitorais e a garantia das
liberdades fundamentais sob o plano constitucional…” (Forquilha & Orre, 2011,
pp. 36-37).

Ainda o mesmo autor argumenta que o processo de transição política


dependia, em grande medida, do sucesso da pacificação do país, facto que teve
implicações significativas na estruturação do campo político pós-transição,
marcado por uma forte bipolarização política e por um lugar marginal para
partidos políticos, cuja génese não esteve diretamente ligada à guerra civil
(Forquilha & Orre, 2011).

Contudo, podemos designar o processo de descentralização em


Moçambique, como refere Fauré e Rodrigues (2011, pp. 101-146) como “…parte
integrante de um conjunto de reformas e mudanças de natureza de natureza
política, económica e administrativa em curso desde os anos 80 face a contínua
degradação da situação económica, social e política do país”.

Esta transição do socialismo para o capitalismo trouxe consigo índices


económicos muito satisfatórios em detrimento dos países da região austral de
África, dado que Entre 1997 e 1999, o país atingiu uma taxa de crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 10% (Lalá & Ostheimer, 2003, p. 50).
Este crescimento da economia foi acompanhado pelo aumento dos juros relativos

56
a divida interna que subiram de 270 para 692 biliões de meticais no período
compreendido entre 2001 e 2002 (Lalá & Ostheimer, 2003, p. 50).

Os objetivos de desenvolvimento de milénio – ODM (adotado pelas Nações


Unidas) que que visavam reduzir a pobreza de muitos países em
desenvolvimento, incluindo Moçambique preconizavam a descentralização como
um dos impulsionadores do desenvolvimento (Saitō, 2008, p. 4). Pode-se afirmar
que para além das pressões a nível internacional, a descentralização em
Moçambique foi estabelecida com o objetivo de resolver os problemas de conflito
político entre os dois maiores partidos do país: a FRELIMO e a RENAMO
(Kiwanuka, 2012) (devas 2005)

Por sua vez, FARIA et al. (1999) referem que as dificuldades do processo de
descentralização em Moçambique não derivam apenas das resistências e
diferenças políticas internas. Portanto, existe outros fatores que contribuem
grandemente no alcance, na extensão e no sucesso da descentralização que,
dentre eles, os autores destacam-se os seguintes: participação dos cidadãos;
disponibilidade de recursos financeiros; o respeito pelas práticas democráticas na
gestão do desenvolvimento e o respeito das capacidades.

No entanto, Canhanga (2009) destaca que o processo de transferências de


funções e de recursos do central para o local em Moçambique resultou do
reconhecimento das instituições locais que estavam melhor preparadas para
introduzirem este modelo de governação.

É nesta lógica descrita acima que em 1997, o governo criou 33 municípios


que incluíam as 11 capitais provinciais, as restantes 12 cidades do país e 10 vilas
selecionadas que se propunham ter condições para assegurar que este modelo
seguisse em frente, surgindo deste modo, como refere Fauré e Rodrigues (2011,
p. 44) duma “descentralização parcial (só nas áreas urbanas) ”. Depois da
aprovação da legislação sobre a criação de municípios, surgiram ou foram
aprovadas outras leis de modo a segurar a boa implementação e o sucesso das
novas autarquias e foi neste sentido de análise que o governo verificando as
condições dos outros distritos decidiu em 2009 criar mais 10 totalizando deste

57
modo 43 municípios e todos localizados nas áreas urbanas do país e em 2013
introduzindo 10 novos municípios, que se encontravam também em melhores
condições de continuar com o modelo, como foi descrito acima e obedecendo
assim o principio de gradualismo que foi a base da implementação dos municípios
no país.

Mapa 3: Autarquias de Moçambique

Fonte: Elaboração própria com dados de Divagis e STAE

58
No ano 2000, depois da realização das primeiras eleições gerais em 1994,
Moçambique introduziu o sistema de líderes comunitários (Gonçalves, 2006),
dado o papel que estes desempenham na sociedade. Em contrapartida, a
intervenção ou o papel destes havia sido descredibilizado logo após a
independência do país, julgando os de serem arcaicos que só depois dos acordos
de paz as autoridades tradicionais voltaram a ser reconhecidas no governo
democrático.

O governo de Moçambique descentralizou o poder político e administrativo,


através de uma emenda constitucional introduzida na lei 9/96 e outras leis sobre
autarquias locais aprovadas posteriormente como são os casos da Lei dos órgãos
locais do Estado – Decreto 11/2005, de 10 de junho; do diploma ministerial
80/2004 de 14 de maio, referente a articulação das autarquias locais com
autoridades comunitárias.

Esta política de descentralização consistiu na valorização das comunidades


locais e no aperfeiçoamento dos mecanismos de participação na administração
pública, permitindo maior responsabilização dos governos eleito, através de
mecanismos de controlo para o efeito. Em todo o caso, foi reconhecido também o
papel das autoridades tradicionais, sustentados por visões patrimonialistas da
sociedade, que também desempenham papel importante na governação local
(Nyakada, 2008)

De acordo com Faria e Chichava (1999) o processo de pacificação e


democratização foi também marcado profundamente pela realização das
primeiras eleições multipartidárias tanto para a presidência, assim como para o
parlamento, em Outubro de 1994. Concluiu-se de seguida que já estavam criadas
as condições para se avançar, embora gradualmente, com a descentralização
pelo menos administrativa em todo país. Mas a falta de clareza constitucional e os
interesses ou divergências políticas, interpretou-se a descentralização como o
processo que iria conduzir às eleições locais e a consequente criação dos
Municípios urbanos e rurais à luz da lei 3/94. Por sua vez, houve necessidade de
emendar na constituição da república um capítulo relativamente aos órgãos locais

59
do Estado, com o objetivo de organizar a participação dos cidadãos na solução
dos problemas próprios da sua comunidade.

De acordo com Cravinho (1998), “a criação de regiões administrativas,


autarquias locais de nível intermédio vocacionadas para uma interação de base
territorial nos domínios de planeamento e da definição das propriedades de
atuação do sector público, visa aumentar a eficiência do Estado tornando as
decisões mais céleres, mais participadas e mais próximas dos destinatários”.

Em Moçambique, o processo de descentralização de competências,


recursos, funções ou atribuições, como referiu-se anteriormente, resultam no
reconhecimento de que as instituições locais estão melhor preparadas para a
escolha de um conjunto de propriedades públicas que correspondam as
necessidades das populações locais e deles decidirem sobre o volume da oferta
de certos bens e serviços públicos (N. d. J. V. Canhanga, 2009). Este processo
(Elias, 2012) “ (…) abriu espaço para a participação dos cidadãos no exercício
governativo, através do seu envolvimento no processo de tomada de decisões
nos órgãos do Estado sobre os programas de desenvolvimento local, através da
institucionalização dos espaços de participação e consulta comunitária (…)
traduzindo-se no incremento dos níveis de eficácia e eficiência dos programas
concebidos e implementados localmente, facto que marcou um passo importante
para a democratização do processo decisório no exercício governativo local” (p.4).

Dado que o sucesso do processo de descentralização dependerá do


envolvimento e participação da comunidade moçambicana no processo de
tomada de decisão e que tal processo não se verifica frequentemente, poderá
então se dizer, como refere o relatório da AfriMAP e Africa (2009) que a
experiência dos 33 municípios previamente criados mostraram que este processo
está pouco desenvolvido e com casos evidentes que referem a rara “interação
entre as autoridades locais e os seus cidadãos.

Cabem as autarquias as competências legais nas áreas de


“desenvolvimento económico e social, meio ambiente, saneamento básico e
qualidade de vida, abastecimento público, saúde, educação, cultura, tempos livres

60
e desporto, polícia da autarquia, urbanização construção e habitação” (N. d. J. V.
Canhanga, 2009, p. 14).

A filosofia subjacente do programa da reforma dos órgãos locais do (PROL),


é que o governo começou por estabelecer municípios em termos de sistema de
governo municipal, consagrado na lei n.3/94. Cuereneia (2001) refere que o novo
sistema de governação local, na qual faziam parte dos municípios criados,
baseiam-se nos seguintes princípios:

i. O princípio da autonomia, que incluem autonomia administrativa,


financeira e patrimonial;
ii. O princípio de democracia multipartidária e a participação popular;
iii. O princípio da representatividade ou democracia representativa, o que
permitiu aos cidadãos de eleger ou ser eleito os seus vereadores e
presidente do município;
iv. Respeito e colaboração com autoridades tradicionais ou líderes
comunitários.

Além destes princípios, o quadro institucional da lei municipal também


incorporou o princípio do gradualismo. Este princípio não foi baseado no que se
refere à necessidade de controlo do governo central, mas a necessidade de
construir os fatores essenciais de autonomia administrativa, financeira e
patrimonial, e a reabilitação das atividades produtivas nas áreas urbanas e rurais,
para que possam formar o objetivo e bases subjetivas para recolher as funções
autárquicas (Cuereneia, 2001).

Com o advento da nova Lei sobre Associações (18/91), e do processo de


transição democrática, as ONGs passaram a concentrar-se nas atividades
relacionadas com educação cívica, direitos humanos, eleições, “accountability”
(prestação de contas) e participação numa sociedade pluralista, apoiando, deste
modo, o surgimento de uma cultura democrática (Lalá & Ostheimer, 2003, p. 31).

Os principais desafios das ONG em Moçambique continuam a ser o


fortalecimento da sua credibilidade, através de uma postura mais crítica e

61
intervencionista no processo de democratização, bem como a redução da sua
dependência relativamente aos doadores, ao governo e aos partidos políticos, por
forma a contribuir genuinamente na procura de soluções para os problemas do
país (Lalá & Ostheimer, 2003, p. 35), garantindo assim a liberdade e
independência na execução das suas funções.

Um estudo realizado pelo Banco Mundial sobre o desempenho dos


municípios no período entre 1998 a 2008 mostrou que o processo de
descentralização teve avanços pontuais significativos em alguns municípios na
“receita e gestão financeira; planeamento e orçamento participativo e fiscalização
por parte dos cidadãos; reestruturação organizacional; coordenação entre
município e o distrito; requalificação urbana (…) e parcerias público privada”
(Fauré & Rodrigues, 2011, p. 339).

De acordo com Lalá e Ostheimer (2003, pp. 39-40), a atuação dos


municípios é limitada pelos constrangimentos técnicos e financeiros existentes
dado que os municípios possuem uma base económica fraca e são altamente
dependentes do governo central e os municípios muitas das vezes, não são
capazes de criar parcerias com o sector privado. Dentro de todos os municípios,
existe a administração distrital, que possui uma estrutura centralizada, fazendo
com que o controlo dos recursos continue a ser efetuado pelo governo central.

Fauré e Rodrigues (2011) aponta três observações relativas aos


constrangimentos financeiros que a maioria dos municípios da África tem-se
confrontado nos dias de hoje para alcançarem a sua autonomia financeira. A
primeira é que a transferência de competências do central para o local não tem
sido acompanhada pela transferência de recursos financeiros.

A segunda refere a necessidade de mudança da filosofia das autoridades


locais para a população local e operadores económicos, para garantir que as
contribuições das populações locais sejam mesmo tomadas em conta no
processo de tomada de decisão. A terceira nota refere a falta de competências do
pessoal administrativo local em relação ao central (Fauré & Rodrigues, 2011, pp.
87-88).

62
De uma forma resumida e esquemática, os modelos de governação
implementados em Moçambique podem são descritos no quadro abaixo.

Ilustração 3: Resumo dos principias modelos implementados

Elaborado pelo autor

63
6. ANÁLISE DOS MODELOS IMPLEMENTADOS EM MOÇAMBIQUE

A centralização da administração pública ocorrida logo após a


independência foi vital para aquele período. Na verdade foi o período muito
turbulento que vigorou a guerra civil entre o partido Frelimo e a Renamo. É neste
contexto que aliado fragilidade do partido-estado em se aproximar aos cidadãos e
em fornecer serviços básicos, este não conseguiu suportar as pressões.

Como se referiu no trabalho, os cidadãos foram obrigados a criar meios


próprios de sobrevivência. Foi em detrimento desta crise associada a guerra civil
dos 16 anos e a forma de organização socialista do Estado que o país, sem mais
alternativas entra na economia liberal, em 1987, abrindo assim espaço para uma
onda de descentralização.

Neste período, e com base na ideologia existente na Frelimo, a unidade


nacional só seria possível se não existisse o pluralismo político. É por este
comportamento que verifica-se até agora, dificuldades em distinguir o partido do
Estado, dada a persistência do partido dominante (Forquilha, 2010).

Mesmo com a atribuição dos municípios no desenvolvimento local, as


instituições descentralizadas desconcentradas do Estado continuam a ser
responsáveis na elaboração dos Planos Económicos e Sociais do Distrito
(PESOD), mesmo nas cidades e vilas com a categoria de municípios.

6.1. Governação local e desenvolvimento

Costuma-se fundamentar que o capitalismo sustenta a democracia das


nações, mais o sucesso de uma democracia liberal depende fundamentalmente
da forma como a classe emergente torna-se politicamente mobilizado e que este
cria modificações na classe desfavorecida (Lane, 2007, p. 90). Se isso não se
verificar, então estaremos num processo em que serão apenas as elites locais a
se beneficiar desta mudança.

64
Este controlo desigual dos recursos políticos é uma das características dos
sistemas políticos, podendo neste caso, com a acumulação dos recursos,
aumentar a possibilidade de uma pessoa “influenciar o comportamento de outrem”
(Forquilha, 2008, p. 9). Contudo, no âmbito de aumentar os recursos políticos, é
frequente ocorrer alianças entre os partidos e os chefes tradicionais, através dos
secretários dos bairros, do chefe de 10 casas e os régulos, surgindo assim o
clientelismo

Neste caso, estabelece-se a relação de “patrão e cliente”, e que é


caracterizada por uma certa “dependência e reciprocidade com uma estrutura
vertical e um conjunto de recursos de troca, particularmente de natureza política”
(Forquilha, 2008, p. 12), por forma a conquistar o apoio político, a garantir os
votos nestas mesmas comunidade e a aliança com os outros partidos políticos.

Para além da transferência de poderes e recursos, há que destacar que


as pessoas envolvidas neste processo desempenham papel importante na
tomada de decisão e estabelecem como estes recursos devem ser usados
(Devas, 2005, p. 1). Na governação local em moçambique, é caracterizada pela
existência de pequenos grupos de elites a nível local (Devas, 2005, p. 1). Estes
por sua vez correm risco de se “contaminarem pelas paixões políticas e de se
deixarem capturar por interesses de grupos, sectores, ou, no limite, firmas
individuais” (Melo, 2006, p. 61), dado que os governos locais são os mais
vulneráveis a captura do que o central (P. Bardhan & Mookherjee, 2000;
Enikolopov & Zhuravskaya, 2007, p. 137; 2262).

Associado a isso, os agentes económicos acabam capturando o benefício


proveniente de um determinado bem, que na sua essência tinha que ser exclusivo
para a comunidade local e não privado. Outro elemento a destacar são as
decisões difíceis que muitas da vezes são tomadas pelo governo local devido a
elevados custos de transição associado a informação incompleta (Alves &
Moreira, 2004; Wunsch, 2008) e como resultado, verifica-se a ineficiência das
organizações locais em desempenhar as suas funções básicas.

65
Cabral (2011) lembra-nos a necessidade de haver uma distinção clara entre
as funções do governo central e as do governo local para evitar conflitos e para se
poder responsabilizar.

No entanto, sabe-se também que nos distritos em que foram implantados os


municípios, ainda continuam a funcionar os Órgãos Locais do Estado (OLE). Isso
faz com que haja necessidade da subdivisão clara das atividades. Porém,
associado a isso e falta de clareza das atividades que cada órgão deve
desempenhar, existe na maior parte dos casos conflitos entre estes agentes nas
tarefas a desempenhar. Os conflitos se agudizam ainda quando o presidente do
município não é do partido no poder.

Estes conflitos, não condicionam o desenvolvimento e melhoria da prestação


dos serviços nestes municípios, o que acontece de facto é a dificultação na
realização destas atividades que seriam benéficas para a comunidade.

A governação local melhora a participação local das comunidades. Porém, o


que acontece de facto e que a participação para além de ser pouco exclusiva a
determinados membros, ela também é exclusiva nos sentimentos dos
desfavorecidos. Esta afirmação vem confirmar a questão da existência dos “sem
voz”14 ao nível local.

Dada a autonomia financeira dos municípios, a fonte dos recursos seria


neste caso providenciado por três mecanismos principais: Transferência direta do
governo central; Taxas e cobrança de recetas para o licenciamento, como é o
caso da taxa do lixo, do uso da terra, dos comerciantes, etc. e, uma séria de
impostos de renda e de propriedade (Machohe, 2011, p. 4). Porém, é importante
referir que em todos os municípios desde a sua implementação, ainda não
conseguem autossustentar-se, facto que retira a sua autonomia financeira.

Para colmatar esta situação, cria-se a lei dos órgãos locais do Estado
(LOLE) pela Lei 08/2003. Em 2005 cria-se pelo decreto 11/2005 define-se o
14
Os sem voz são aqueles indivíduos que são tidos como não tendo poder de influenciar na decisão. Muitas
das vezes, esses mesmos são excluídos de participar nos encontros com as líderes e os chefes locais. O
grupo mais propenso a este tipo de situação são os mais pobres, os ditos feiticeiros entre outros.

66
distrito como polo de desenvolvimento. É neste contexto de fazer os distritos
donos do seu próprio desenvolvimento que se criou o Orçamento de Investimento
e Iniciativas Locais (OIIL) mais conhecido como “fundo de 7 milhões” 15. Este
fundo destina-se a incentivar a criação de atividades de rendimento e criação de
emprego para os mais desfavorecidos dos distritos, criando assim um incentivo
para a participação dos beneficiários destes fundos no desenvolvimento local.

É claro que a descentralização tem trazido pontos fortes e méritos


indiscutíveis no desenvolvimento local. No entanto, esta ideia necessita de ser
bem analisada, pois os defensores desta ignoram as "falhas da comunidade",
mesmo essas possam ser tão grave como as falhas de mercado e falhas de
governo (Pranab Bardhan, 2002, p. 187). Assim, pode correr um erro se
quisermos referir que a descentralização tem sempre efeitos positivos na
comunidade, mesmo que a tendência atual mostre este facto.

O caso hipotético de descentralização descrito por Robinson (2007, p. 25)


sugere quatro formas de aumentar recursos financeiros que são:

 abertura de novas fontes de receitas fiscais que não sejam passíveis


de ser explorada por uma administração centralizada;
 melhorar a recolha dos impostos existentes;
 facilitar as contribuições do público em geral (incluindo taxas de
utilização e contribuições voluntárias em dinheiro, materiais ou mão-
de-obra) e;
 redução do custo da prestação de serviços e, portanto, gerando
excedentes que podem ser usados para outros fins

Salientar que nem toda a descentralização conduz ao desenvolvimento.


Pode o país estar descentralizado, mas “não implicar o desenvolvimento”, mas
pode acontecer o que o país é altamente centralizado e este se desenvolver
facilmente (Conyers, 2007, p. 20), o que faz diferença são os mecanismos pelos
quais de participação e os diferentes fatores acima citados são realizados.

15
Valor em metical, equivalente a 175 000 Euros por cada um dos 128 distritos.

67
6.2. Governação local e prestação de serviço

Ao analisar os impactos da governação local na prestação de serviços


públicos, Walter Oyugi, (2000b:20), Ribot (2003:10), Crock (2003) e Mutullah
(2004) citados por Conyers (2007, p. 21) mostraram que há uma correlação
negativa entre a governação local e a prestação de serviços públicos e que só
pouco países em que a promoção da governação local, como o caso de
Moçambique é feita com o apoio da comunidade internacional conseguiram ter
efeitos positivos.

Não se pode olhar a governação local como coisa única, dado que existem
vários intervenientes neste processo. Daí que Shah (2006, p. 2) argumenta que a
presença de uma vasta rede de entidades envolvidas na prestação de serviços
locais ou questões de qualidade de vida faz com que seja pouco realista para
tratar do governo local como uma entidade única.

A devolução pode influenciar positivamente o desempenho das instituições


do governo local, em agências de prestação de serviço, condicionando o
crescimento económico e consequentemente a redução da pobreza. Para tal, é
necessário que o governo local esteja suficientemente capacitado e informado de
modo a identificar os problemas e as potencialidades de desenvolvimento,
promova a participação a nível local e que seja capaz de criar laços com outras
instituições e agências (Presidency, 2005, p. 5), proporcionado a resolução
conjunta dos seus problemas.

Para que a governação local tenha impactos na prestação de serviço público


existem três elementos ou intermediário que Conyers (2007, p. 20) considera
importante na governação local:

1. Acesso a informação Local - A descentralização tem o potencial de


aumentar o acesso à informação sobre as necessidades locais,
condições e prioridades, que são incorporados nos planos de
desenvolvimento locais.

68
O acesso a informação depende da participação. Evidências em África
mostraram que muitas vezes a decisão saem das estruturas de poder local e não
da população no geral, facto este que faz com que haja ainda grupos
desfavorecidos (Chambers, 1983). Ainda assim, há países como é o caso de
Moçambique que introduzem sistemas de quotas na participação garantindo
assim a participação daquilo que Chambers (1983) chama dos sem voz na
tomada de decisão. Mais essa participação enfrenta sempre obstáculos, visto que
mesmo os sem vozes terem influência substancial na tomada de decisão local,
ainda não tem autoridade e autoconfiança de participar em pé de igualdade com
os outros (Conyers, 2007, p. 23).

2. Lugar de poder e de decisão - A descentralização deve localizar o poder


de tomar e implementar decisões e, traduzir os planos em programas de
ação.

O Lugar de tomada de decisão é um facto importante na implementação dos


programas de ação, daí que a governação deixa de ser local se as autoridades
locais deixam de exercer poder e influência sobre as populações a sua volta. Em
outros casos, as instituições locais tem o poder de tomar decisões sobre os
serviços públicos, mais não são dados recursos suficientes para implementar
estas decisões, fazendo com que o controlo destes recursos para o exercício
destas funções ainda seja centralizado (Conyers, 2007, p. 24)

3. Disponibilidade de recursos - A descentralização pode melhorar o


desempenho administrativo e, portanto, a eficácia da implementação do
programa.

No âmbito do estabelecimento de parcerias público privadas na prestação


dos serviços públicos verifica-se uma pequena colaboração entre estes. A
ANAMM e World Bank (2009) por exemplo, lista as empresas que já conseguiram
estabelecer relações de projetos sociais com os municípios, que passo a citar:
Parceria entre do município de Maxixe com a empresa de processamento de coco

69
local, o município de Manhiça com a fábrica de açúcar da Manhiça, o município
do dondo com a fábrica de cimento local e, a o município de Maputo que já
celebrou 12 contratos no total de 7 milhões de meticais (175 mil Euros).

Referir que com estas parcerias os municípios estão num bom caminho,
seria um erro, pois num total de 43 municípios, poucos é que conseguiram de
facto criar estas parcerias, facto que faz concluir que estamos muito abaixo das
linhas ideias traçadas a quando da implantação dos municípios.

A provisão de serviços públicos tende a diminuir cada vez mais a medida


que saímos das áreas rurais para as áreas urbanas. Esta tendência do aumento
cada vez mais do número de municípios, muitas das vezes, não é acompanhado
pela provisão dos serviços a população, pois a maior parte dos pequenos
municípios, não conseguem gerir os pequenos fundos que são dados na alocação
destes serviços.

No que concerne a alguns constrangimentos podemos ver que os governos


descentralizados, como atualmente concebido não tem autoridade para trabalhar
no nível constitucional de escolha para rever os seus acordos de escolha coletiva
para atender melhor as condições locais, necessidades e experiências.

Municípios implementados em Moçambique estão atualmente incapazes de


incorporar-se no fornecimento de bens ou serviços, fazer investimentos de capital
ou regular comportamentos na busca de objetivos comuns.

Pode se dizer com toda a firmeza que a tendência atual a nível dos
municípios é mais a recentralização do que descentralização ou devolução
embora as atribuições deste tenham aumentado nos últimos anos. Ora vejamos:

Primeiro: Nos últimos Anos os municípios foram atribuídos novas


responsabilidades referentes a educação, saúde, ação social, cultura e ambiente.
Porém de acordo com Fauré e Rodrigues (2011, p. 439) estas não foram
acompanhadas pelo aumento das receitas dos municípios.

70
Segundo: A falta de meios e receitas para a realização das tarefas acima
referidas denigre a “função local” do município, pois este passará sempre a
depender do governo central para a realização destas atividades e o líder do
município passa a não líder, pois este fica cada vez mais com menos influência
nas decisões locais.

Terceiro: Esta falta de receita para a provisão de serviços públicos aos


cidadãos faz com que a maior parte deste seja feito a nível central, continuando
assim a estar submerso num centralismo da provisão dos serviços, que na sua
essência seria da responsabilidade exclusiva dos municípios.

Quarto: O relatório da ANAMM e Banco Mundial (ANAMM & World Bank,


2009) refere que nos últimos anos, a pobreza aumentou mais nas cidades em
relação às áreas rurais, isto mostra claramente que o crescente aumento da
população urbana não é acompanhado pela provisão dos serviços e o
desempenho dos municípios não é tão satisfatório como se desejava.

Quinto: atualmente 41 dos 43 municípios são governados pelo partido


Frelimo e dois pelo MDM. Porém, dado que as decisões dos partido na sua maior
provem de cima para baixo, é pouco provável que os edis destes municípios
possam agir independentes e muito menos contrariar as ideias que vem de cima
referente as atividades que este deve desempenhar, estando neste caso o
presidente do município como uma pessoa sem muita influência nas decisões a
nível local. Assim, o debate dos assuntos relativos aos municípios tendem a
beneficiar o partido no poder em vez de beneficiar propriamente as necessidades
locais das população.

Não vamos no entanto nos concentrar apenas elementos menos


conseguidos no processo da descentralização em Moçambique, este sistema foi
introduzido em áreas em que as pessoas tinham pouca cultura de pagamento de
impostos e, com a implementação dos municípios, estes cada vez estão
aumentando as suar receitas provenientes dos impostos.

71
Verifica-se porém a falta de cultura na prestação de contas dos municípios
para a população. Este facto também deve-se a pouca exigência da população
associada a sua pouca participação e pouco conhecimento das atividades
desenvolvidas pelo município.

Por fim, Várias autarquias têm emendado esforços na melhoria da prestação


dos serviços públicos, mas o aumento da população que caracteriza as grandes
cidades de Moçambique, faz com que o esforço feitos pelos municípios não tenha
grande impacto prestação destes serviços.

72
7. CONCLUSÃO

Com este estudo procuramos tecer uma análise sobre a evolução do modelo
de governação local em Moçambique, partindo duma perspetiva comparativista
com outras abordagens sobre a génese e desenvolvimento dos modelos de
governação local em outros contextos africanos. Para este propósito fez-se uma
contextualização desses modelos desde os tempos que a comunidade local tinha
formas próprias de governação e o poder local estava assentado em crenças.

As sociedades foram evoluindo e, com a chegada dos europeus em áfrica,


estes estiveram submetidos a outros modelos de governação, que para o caso de
Moçambique o poder esteve totalmente administrado pelos portugueses. Houve
ainda pequena participação dos moçambicanos, mas estes limitavam-se somente
em facilitar o processo de cobrança de imposto e no trabalho forçado.

Depois da independência alguns países africanos começaram a procurar


outras formas de governação e a maior parte desses foi confrontada com a crise
do sistema socialista dos anos 90, vendo-se obrigados a aceitar as políticas do
Banco Mundial e do FMI no concernente à sua abertura ao mercado. É daí que
começam a surgir formas descentralizadas de governação, como as descritas ao
longo deste trabalho.

Segundo depreendemos, houve primeiramente um receio na implementação


do modelo de governação local nos países africanos, devido a falta de
experiencia neste tipo de governação, temendo-se o risco de fracasso.

Concluída a contextualização sobre os modelos de governação local noutros


contextos africanos partiu-se para a identificação e descrição dos modelos de
governação implementados em Moçambique desde 1948, período da chegada
dos portugueses a Moçambique.

Logo após a independência em 1975, o país submete-se a um sistema de


governação centralizado, característico do praticado pela sua ex-potência
colonizadora. Nessa altura, vigorava o monopartidário que não tinha capaci dade

73
de se implantar em todo o território nacional e sobrepunha-se a todas as formas
de organização da sociedade. Este sistema centralizado não permaneceu por
muito tempo, devido a queda do sistema socialista, para além de que
Moçambique submete-se a uma guerra civil de 16 anos (1976-1992), terminada
com a assinatura dos acordos gerais de paz (1992) e a consequente implantação
do multipartidarismo que deu lugar a realização das primeiras eleições gerais em
1994.

Já em 1997 cria-se a Lei das Autarquias Locais que deu lugar a


implementação do modelo de governação local, em 33 cidades e vilas. De referir
que em 2008, com o crescente desempenho e a necessidade de tornar os
distritos autónomos, passa-se de 33 a 43 autarquias e, em 2013 de 43 a 53.

O processo de descentralização ocorrido na região, nos anos 90, influenciou


fortemente o modelo de governação local do país. Entretanto, este modelo de
governação local ainda está incipiente devido a vários fatores, dentre eles, a fraca
capacidade técnica dos órgãos municipais, a insuficiência e precariedade de
infraestruturas e a “reprodução de práticas autoritárias do passado nos espaços
constituídos no âmbito das reformas de descentralização” (Forquilha, 2007), que
na atualidade já não são eficazes para as novas realidades e novas formas de
pensar de muitos munícipes.

Assim, para que haja uma boa governação dos municípios de Moçambique
torna-se necessário que haja uma mudança clara do Estado implementador para
um Estado regulador. Esta visão é sustentada pelo pacote legislativo autárquico
que, como mencionado, abre um espaço na busca de uma verdadeira autonomia
dos municípios.

A concretização deste objetivo da descentralização deveriam resultar numa


governação própria e local, democrática e alargada, dotada de recursos jurídicos,
financeiros e humanos suficientes para constituir um elo com os cidadãos,
formular políticas em resposta às preferências das populações e, implementar
efetivamente essas políticas (Lalá & Ostheimer, 2003, p. 38).

74
Em linhas gerais, o passo importante não é só a devolução de poderes para
o nível local e a formação de autarquias locais, mais sim, garantir que elas
funcionem efetivamente e que a sociedade civil e a população em geral possam
participar ativamente na construção e desenvolvimento das suas próprias
comunidades. E isso implica proporcionalmente uma autonomia financeira dos
próprias autarquias relativamente ao Governo Central, o que até agora não se
verifica.

75
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abrahamsson, Hans, & Nilsson, Anders. (1994). Moçambique em transição: um estudo da
história de desenvolvimento durante o período 1974-1992. Maputo: Centro de
Estudos Estratégicos e Internacionais, Instituto Superior de Relações
Internacionais.
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pós-colonial. In: SOGGE, D.(1997), ed. Moçambique: perspectivas sobre a ajuda
e o sector civil. Amsterdam: Frans Beijaard, pp. 1-14.
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Democracia e Participação Política. Johanesburgo.
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uma análise económica da política: Cascais: Principia.
ANAMM, & World Bank. (2009). Desenvolvimento Municipal em Moçambique: As Lições
da Primeira Década. Maputo: World Bank/ National Association of Municipalities of
Mozambique (ANAMM).
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Lei n°10/97, de 31 de Maio: Cria municípios de cidades e vilas em algumas
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Lei 11/97 de 31 de Maio: Lei de Finanças Autárquicas; Assembleia da República (1997)
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Boletim da República (2005).

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