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Participação, Accountability e Transparência na Gestão Pública Municipal em


Moçambique: uma análise às Experiências de Xai-Xai - Participation,
Accountability and Transparency in M...

Article · November 2018

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Albino Alves Simione


Save University - UniSave and High Polytecnic Institute of Gaza - ISPG
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Auditoria e governança corporativa em empresas públicas moçambicanas View project

Participatory governance and deliberative arenas View project

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Revista
dos Mestrados
Profissionais
issn: 2317-0115

participação, accountability e transparência


na gestão pública municipal em moçambique
uma análise às experiências de xai-xai

Participation, Accountability and Transparency


in Municipal Public Management in Mozambique
an Analysis of the Xai-Xai Experiences
Albino Alves Simione 1

resumo: Este trabalho discute a institucionalização de práticas orientadas


para promover a participação pública, accountability e transparência na gestão
municipal em Moçambique. Está baseado num quadro teórico que explora
a abordagem da reforma administrativa visando ampliar a democratização
da administração pública. Considera-se que em tempos de novas concepções
teóricas sobre a gestão pública e introdução de práticas participativas acom-
panhadas de iniciativas que visam ampliar a prestação de contas em tempos
de descentralização, faz-se necessário a compreensão sobre como elas estão
sendo implementadas em países em desenvolvimento como Moçambique,
haja vista a crescente disseminação desses conceitos nas últimas décadas pelo
mundo inteiro. O artigo baseia-se na abordagem qualitativa e num estudo de
caso interpretativo com caráter exploratório. O seu objeto foi a estratégia de
1
reforma administrativa moçambicana e implementação de suas concepções
Doutorando em
Administracao pela no Município de Xai-Xai, no intuito de verificar de que forma as experiências
Universidade Federal que têm sido implementadas asseguram a qualidade do processo decisório
de Minas Gerais - UFMG.
Possui especialização em e a governança no sector público municipal. Como resultado, constatou-se a
Direito das Autarquias tendência positiva na aplicação de novas práticas de gestão, entretanto, veri-
Locais pela Universidade
Eduardo Mondlane - UEM.
ficam-se ainda vários problemas estruturais e constrangimentos organizacio-
Atualmente é funcionário nais que comprometem a criação de um serviço público mais accountable no
público do quadro de nível municipal.
pessoal do Governo da
Província de Gaza atuan- palavras-chave: Gestão pública; Participação; Accountability; Transparência.
do no Departamento de
Administração Territorial abstract: This paper presents the results on the institutionalization of prac-
e Autárquica da Secretaria
Provincial. Trabalha tices oriented to promote public participation, accountability and transpar-
como docente universi- ency in municipal management in Mozambique. It is based on a theoretical
tário principalmente nas
seguintes áreas: Economia
framework that explores approach to administrative reform aimed at increas-
e Finanças Públicas, ing democratization of public administration. It is considered that decentral-
Administração Sistemas e ization times and greater participation of society in public administration,
Funções; Comportamento
Organizacional; it is necessary to understand how these practices are being implemented in
Instituições Políticas e countries such as Mozambique, given the increasing spread of these con-
Direito Constitucional
e Contabilidade Geral.
cepts in recent decades worldwide. It is based on qualitative approach and
Lecionou na Universidade maintains on the interpretive case study with exploratory. Its object was the
São Tomás de Moçambique - Mozambican administrative reform strategy and implementation of their
USTM, Delegação de Xai-Xai;
na Universidade Pedagógica views in the city of Xai-Xai. As a result, there was a positive trend in the ap-
- UP, Delegação de Gaza; plication of new management practices, however, there are still several struc-
no Instituto de Formação
em Administração tural problems, and organizational constraints that compromise the creation
Pública - IFAPA e; no of a more accountable public service at the municipal level.
Instituto Comercial 7 de
Setembro de Xai-Xai. keywords: Public management; Participation; Accountability; Transparency.

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Introdução
O desenho e estrutura de organização política adotados inicial-
mente em Moçambique após o alcance da independência nacional da
colonização portuguesa em 1975, eram constituídos por um Estado
unitário política e administrativamente centralizado e de caráter
socialista (plank, 1993) que expressava a supremacia do governo cen-
tral em relação aos entes subnacionais, que não possuíam autonomia
nem poder decisório sobre as políticas públicas. O regime de gover-
no era de partido único representado pela Frente de Libertação de
Moçambique (frelimo), que dominava também o parlamento – que
não era eleito pela população e a posição de deputado ou de membro
do legislativo era ocupada segundo a indicação e os interesses do
partido no poder.
Outra característica importante era a ausência de participação da
sociedade no processo de tomada de decisão sobre as políticas públi-
cas nacionais. Em outras palavras, não existia no país uma sociedade
civil autônoma e organizada em torno das questões sobre as políticas
públicas e que realizava a influência e pressão perante o governo rela-
tivamente às decisões e rumos das mesmas.
Ao longo da década de 1980, Moçambique registrou uma cri-
se política e econômica que promoveu uma progressiva erosão das
capacidades operacional e de recursos fiscais do governo, tornando
precárias as condições de vida da população. (macamo e neubert,
2003). A crise política era traduzida por um conflito armado inicia-
do em 1976, que tinha como atores contendores principais o governo
de Moçambique dirigido pela frelimo e a Resistência Nacional de
Moçambique força (renamo), uma força oposicionista que defende
posturas alinhadas aos ideais mais de direita) que reivindicava a par-
tilha do poder político no país.
No que concerne à crise fiscal, se tornara no empecilho à imple-
mentação dos programas e projetos governamentais e os reduzidos
recursos contribuíram fortemente para o desgaste dos princípios e
valores da centralização política e administrativa, visto que perante
esse cenário o Estado se mostrava incapaz de prosseguir com maior
parte das suas políticas e cumprir as suas funções sociais fundamen-
tais (macuane e weimer, 2003).
A superação da crise política e administrativa nacional implicava
reformas políticas e econômicas que pudessem viabilizar o estabele-
cimento de um novo modelo institucional para a organização do país
(macamo e neubert, 2003). A partir de 1987, ainda no decorrer da guerra
civil foram iniciadas as primeiras mudanças institucionais como resul-
tado da aprovação do Programa de Reabilitação Econômica (pre) pelas
agências internacionais, o Banco Mundial (bm) e o Fundo Monetário
Internacional (fmi). Essas agências internacionais condicionavam o seu
apoio financeiro à aplicação de um conjunto de reformas fundamenta-
das no sistema de economia de mercado e baseadas nos princípios da
livre concorrência.

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A reforma constitucional de 1990, também foi um marco impor-


tante para as mudanças institucionais, pois instituiu uma democracia
pluralista e um sistema de economia baseada na livre concorrência do
mercado. Como resultado dessas transformações o regime de partido
único e o modelo centralizado foram extintos. Além disso, a nova cons-
tituição criou as condições políticas para que as negociações entre as
partes conflitantes em busca de um fim para o conflito armado fossem
conclusivas (simione, 2015). O conflito terminou em 1992 após a assina-
tura do Acordo Geral de Paz de Roma.
A democratização permitiu a institucionalização de um novo
regime de governo multipartidário e surgimento de diversos partidos
políticos (renamo, parena, fumo, ud, mdm e outros) e a realização de
eleições periódicas, sendo que as primeiras tiveram lugar em 1994. O
ambiente de estabilidade política representou a necessidade de criação
de mecanismos de articulação entre o Estado e a sociedade, conside-
rados mais democráticos e baseados no princípio da participação pú-
blica na gestão.
Nesse contexto, como complemento das mudanças em curso,
em 1996 foi aprovada a descentralização como princípio fundador
da organização do Estado e garantia da autonomia dos municípios
representando um marco fundamental para a nova ordem política e
administrativa dentro da qual se constituíram os pressupostos para
o aprofundamento da democratização do Estado. Dessa forma, a des-
centralização possibilitou a implementação efetiva da municipalização
a partir de 1998 que, pode-se afirmar, representou o estabelecimento
de novos padrões de gestão pública no âmbito do exercício do poder
pelos entes subnacionais e envolvimento da sociedade no processo de
tomada de decisão sobre as políticas locais (simione, 2015).
Esses padrões de gestão pública privilegiam basicamente valores
e práticas como a transparência, o controle e a responsabilidade (barret,
2001) sobre as ações da administração pública e políticos governantes,
mas também implicam uma ampla participação pública na formação
das políticas públicas (king; feltey e susel, 1998). Isto é, eles têm uma
grande influência sobre a dinâmica que caracteriza o processo de go-
vernança municipal, visto que a municipalização demanda dos entes
públicos posturas de relacionamento que implicam uma elevada inter-
dependência e articulação entre o governo-sociedade, sustentadas por
práticas de gestão constituídas à base da abertura do poder público,
inclusão de diferentes atores sociais e participação nas decisões sobre
as políticas públicas.
Sob essas condições, de forma pragmática, espera-se que as prá-
ticas tradicionais de gestão pública em Moçambique, caracterizadas
anteriormente por uma burocracia insulada e centralizada se trans-
formem, e que padrões de gestão modernos sejam introduzidos como
uma alternativa para provocar consequências positivas nos processos
de planejamento centrado na tecnocracia governamental sem conside-
rar a relevância da participação da sociedade e a gestão como produto

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da ação coletiva (denhardt e denhardt, 2000, 2003), pois na realidade


as políticas públicas sempre se realizam na prática, nas ações concretas
dos atores que lhes dão forma e sobre elas exercem determinado con-
trole, devendo, por essa via a administração pública prestar as contas
sobre os resultados das suas ações.
O propósito deste trabalho é contribuir para a literatura sobre
participação na gestão municipal, por meio de uma análise empírica
que focaliza como tem ocorrido a institucionalização de mecanismos
de participação pública, accountability e transparência propostas no mo-
delo de reforma administrativa em Moçambique de 2001-2011, e de que
forma esses mecanismos contribuem efetivamente para a democrati-
zação da gestão ao nível dos governos municipais. Isto é, questiona-se
em que medida a introdução desses mecanismos tem gerado maior
difusão de informações ou ajudado a fortalecer a prestação de contas
por parte do poder público ou dos responsáveis políticos à sociedade
nos municípios.
O artigo é constituído por cinco partes iniciando por esta intro-
dução. Na próxima que é conceitual expõem-se as visões que articulam
a participação e accountability, situando-as no âmbito da gestão organi-
zacional e na administração pública. Nesse exercício, sistematizam-se
também os conceitos centrais utilizados na construção do trabalho. A
terceira parte dedica-se à apresentação da metodologia de pesquisa e
expõe como as categorias analíticas foram operacionalizadas com vista
ao alcance do objetivo proposto, para então na quarta parte, que é de
caráter empírico apresentar-se os resultados do estudo que conside-
rou o Município da cidade de Xai-Xai. Os referidos resultados foram
baseados na interpretação das representações sobre as práticas vigen-
tes, uma vez que os dados foram analisados a partir do seu conteúdo.
Finalmente na quinta parte do artigo são tecidas algumas conclusões
sobre a temática abordada ao longo do trabalho.

A Modernização da Administração e a Questão da


Participação e Accountability no Setor Público
Na literatura referente a modernização da administração pública
os conceitos de participação, accountability e transparência são visuali-
zados a partir de uma perspectiva normativa que focaliza a relevância
da aplicação desses mecanismos de gestão com a finalidade de am-
pliação da democratização do processo de gestão pública, e são tidos
igualmente como fatores importantes para a melhoria dos serviços e da
atuação da máquina pública.
As discussões teórico-normativas principais associadas a esses
conceitos se enquadram nas concepções sobre a reforma do Estado
e administrativa aplicadas em diversos países nos anos oitenta e fo-
ram impulsionados pela crítica apresentada à corrente da New Public
Management (npm), que advoga práticas gerenciais que são, por um
lado, caracterizadas pela adoção nos organismos públicos de técnicas
e instrumentos de gestão característicos das organizações do setor pri-

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vado, e por outro, a transformação do governo numa organização mais


“competitiva”, tendo em vista maiores resultados para a população, por
meio da ação empreendedora do administrador público.
A crítica foi desenvolvida na década de 1990 pela corrente desig-
nada de New Public Service (nps) na década de 1990, e se fundamenta
na compreensão de que a administração pública não deve apenas con-
centrar-se no melhoramento do desempenho e qualidade dos serviços
públicos por meio da obtenção de ganhos de eficiência e eficácia e do
tratamento dos utentes como clientes, restringindo, desse modo o seu
alcance para lidar com a questão do interesse púbico ao qual ela deve
estár voltada, enquanto prestadora de serviços, assim como à cobrança
de resultados e a prestação de contas sobre as suas ações perante a
sociedade (pollitt e bouckaert, 2002).
Entende-se que não se pode “fazer mais com menos”, abolir
níveis hierárquicos de chefia ou simplesmente reduzir o número de
servidores em funções públicas, como advogam os defensores da npm,
há que investir também na instituição de mecanismos que incidem na
afirmação do sistema de valores democráticos e alterar os processos e
estruturas de gestão pública por meio de processos de reforma admi-
nistrativa que são baseados na ideia de ação coletiva e interesse público
(denhardt e denhardt, 2003).
Denhardt e Denhardt (2003) defendem no âmbito da corrente
do NPS uma teoria da administração pública centrada em valores de
cidadania e de participação e na crença de que ao lhe ser dada opor-
tunidade, o cidadão saberá tomar as decisões corretas, visto que ele
não somente é guiado pela satisfação de suas necessidades e de seus
interesses privados, mas busca também a construção de um bem co-
mum. Portanto, a busca coletiva possibilita que o indivíduo reflita e
atue politicamente. De acordo com esses autores, essa característica do
indivíduo pode ser utilizada para apoiar o governo no seu papel de
servir ao cidadão atuando como um mediador entre cidadãos e grupos
comunitários, fomentando a criação de valores compartilhados.
Na perspectiva de Denhardt e Denhardt (2003), o papel do go-
verno e do administrador público se alteram nesse modelo de gestão,
cabendo-lhes engajar o cidadão no processo de participação por meio
de uma estrutura colaborativa que possibilita e cria oportunidades
de diálogo, em que cidadãos e grupos comunitários possam ser ou-
vidos e possam contribuir de forma direta para a construção das
políticas públicas.
Para a adoção do modelo baseado nas concepções do NPS eles
afirmam ser importante considerar três dimensões: a participação ci-
dadã, accountability e transparência que segundo Denhardt e Denhardt
(2003) se apresentam como fundamentais tanto para a maior democra-
tização da administração pública quanto para a ampliação da respon-
sabilização política e administrativa dos burocratas e atores políticos.
Essa é uma visão que é também corroborada por Cunnil Grau (2000) e
O’Donnell (1998) que as consideram como princípios delimitadores do

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exercício da democracia participativa os quais implicam a ampliação


dos mecanismos e instrumentos de prestação de contas sobre os agen-
tes públicos e responsáveis políticos pela ação governamental.
Assim, entende-se que o NPS representa uma nova abordagem
sobre as mudanças a introduzir na gestão pública, cujas alegações
destacam os conceitos de interesse público (public service orientation)
e accountability. Essa corrente teórica considera segundo destacam
Denhardt e Denhardt (2000), que a qualidade das ações dos governos e
da administração púbica depende, não exclusivamente, mas em grande
medida dos incentivos para a constituição de práticas de gestão que se
baseiam no interesse coletivo e nos controles a que estão submetidos os
governantes e a burocracia.
Nisso, o public service orintation vem resgatar as concepções so-
bre a participação política dentro de um conceito mais amplo, o de
esfera pública que se utiliza da transparência como proteção contra
novas formas particularistas de intervenção no âmbito da adminis-
tração do Estado. É a partir do conceito de esfera pública que é estru-
turado o conjunto de concepções da public service orientation acerca da
participação dos cidadãos no processo de gestão pública. Nessa visão,
se dá maior atenção às transformações que visam maior aproximação
entre os atores políticos, os agentes públicos e os cidadãos e a ação
coletiva dentro de um contexto em que o referencial da esfera pública
é o mais importante.
No bojo dessas concepções defende-se que os cidadãos devem se
encontrar ativamente envolvidos no processo de governança (denhardt
e denhardt, 2000, p. 552), no sentido de que a gestão pública necessita
de dar maior atenção aos interesses coletivos para além dos interesses
particulares que emergem no âmbito das organizações públicas. A ar-
gumentação principal que fundamenta os pressupostos das ideias do
nps é a de que a administração pública e os gestores públicos devem se
sujeitar à confiança dos cidadãos através de três princípios importantes:
(i) a responsabilidade; (ii) o engajamento social com vista ao fortaleci-
mento dos interesses coletivos; e (iii) a dependência mútua alinhada
para a criação e elevação do diálogo comum.
Especificamente a abordagem do nps sustentada nas ideias de
participação pública defende que as políticas são um complexo resul-
tado dos interesses de vários grupos, opiniões e interesses. No novo
contexto de relações o papel do governo se transforma tornando-se um
ator não exclusivo que controla a sociedade e oferece serviços, mas que
agrega, negocia, facilita e busca soluções com outros atores privados
e a sociedade civil. O interesse público é concebido como uma noção
construída coletivamente em que são partilhados interesses e respon-
sabilidades baseadas na deliberação conjunta, onde o Estado promove
a articulação e o interesse público, justiça e a equidade (denhardt e
denhardt, 2000).
A constituição de práticas de accountability no seio da administra-
ção pública deve decorrer da introdução de reformas administrativas

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que se traduzem na implementação de novos padrões de gestão vol-


tados para promover maior controle da sociedade, responsabilidade e
prestação de contas sobre as ações desenvolvidas pelas organizações
do setor público (przeworski, 1996, p. 23). Na mesma linha de argumen-
tação Klijn (2010, p. 303) compreende que tais controles e incentivos às
práticas que promovem accountability se fundamentam na necessidade
do aperfeiçoamento de práticas administrativas para garantir uma
atuação responsável dos governos e dos administradores públicos den-
tro do complexo e dinâmico processo de gestão das políticas públicas.
É assinalado que nas instituições governamentais deve-se bus-
car maior abertura, integridade e accountability como forma de elevar a
boa-governança. Isso só é possível explicam King, Feltey e Susel (1998)
através do estabelecimento de uma rede de vários controles que permi-
tam a realização dos objetivos organizacionais, o alcance da eficácia e
eficiência das ações realizadas bem como a utilização de relatórios ex-
ternos para a demonstração das responsabilidades pela administração
dos recursos públicos e seu desempenho no uso dos recursos.
A motivação para a adoção dessas práticas de gestão pública se
deve, principalmente (hughes, 2010, p. 93) ao imperativo de manter e
aumentar a confiança das entidades governamentais e dos gestores
sobre os processos e mecanismos do exercício de suas atividades. No
entendimento de Barrett (2001, p. 2) a questão essencial que se coloca à
gestão pública tem a ver com a forma como uma organização é geren-
ciada, sua corporação e outras estruturas, a sua cultura, suas políticas e
estratégias, e a maneira pela qual ela lida com os vários stakeholders no
processo da gestão pública.
Portanto, as práticas administrativas relacionadas com a accou-
ntability – podem envolver o controle gerencial por meio da lógica de
resultados (behn, 1998), mas também abrangem o controle social na
administração pública como argumenta Cunill Grau (2000). Ambas
as vertentes são apresentadas como mecanismos que visam ampliar
o modelo de prestação de contas da ação governamental pelos or-
ganismos públicos e responsabilização do processo de gestão das
políticas públicas.
A accountability representa uma obrigação que se impõe aos go-
vernantes e agentes públicos de assumirem responsabilidades e pres-
tarem contas perante os cidadãos relativamente às políticas e progra-
mas governamentais (cunill grau, 2000, p. 269). Equivale, de acordo
com esta autora ao exercício do controle social constituído por dois
momentos: (1) a prestação de contas ou informações a respeito do fun-
cionamento da administração pública, das ações e políticas públicas
realizadas (transparência e justificação de ações) e; (2) o poder de inter-
ferir, direta ou indiretamente, caso algo esteja diferente do proposto ou
das metas definidas (controle da legalidade das ações).
A accountability é concebida como um processo que promove a
integração de múltiplos stakeholders numa ampla discussão sobre a
definição dos sentidos das políticas públicas e ações do Estado, não se

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limitando apenas aos sujeitos diretamente interessados nos resulta-


dos de uma política ou ação governamental. É uma forma específica
de participação da sociedade no processo de controle social sobre
os assuntos de interesse público dentro da administração pública
(cunill grau, 2000).
Já para O’Donnell (1998, p. 28) a accountability deve ser encarada
a partir de duas vertentes, sendo uma vertical e a outra horizontal. A
primeira é referente aos mecanismos políticos que permitem a reali-
zação de ações, seja individualmente ou por meio de ação organizada
e/ou coletiva, com referência àqueles que ocupam posições em insti-
tuições do Estado, eleitos ou não. O canal principal através do qual se
efetiva esse mecanismo de controle são as eleições em que os cidadãos
premeiam os resultados das ações governamentais com mais um man-
dato ou punem com a reprovação de seus programas governativos na
eleição seguinte.
A segunda relaciona-se à existência de instituições do Estado
que têm poder legal e estão capacitadas para realizar ações cuja natu-
reza implica na supervisão e controle de rotina e aplicação de sanções
legais sobre as irregularidades constatadas no processo de gestão
de outras organizações do setor público. O mecanismo de accoun-
tability horizontal envolve, sobretudo instituições do executivo, do
legislativo e do judiciário podendo se estender a outras instituições
com autoridade e responsabilidades para a fiscalização e prestação
de contas. Esse conjunto de mecanismos de prestação de contas tem
em vista promover a abertura e a participação ampla e garantir que
o conteúdo das decisões seja acessível a todos os indivíduos dentro
da sociedade (o’donnell, 1998).
Enfim, acerca do entendimento apresentado na discussão apre-
sentada, importa salientar como argumentado por Ceneviva (2007) que
a gestão pública deve privilegiar a introdução de processos que per-
mitem, por lado, a gestão e, por outro a fiscalização da organização, ao
mesmo tempo em que são estabelecidos mecanismos de coordenação
entre esta última e os diversos grupos de interesse de modo a fortalecer
o processo de prestação de contas à sociedade.

Apresentação Breve dos Significados da


Participação, Accountability, e Transparência
Esses três conceitos são complementares. Por definição, a partici-
pação ela representa uma forma de restabelecimento da legitimidade
do sistema político pela criação de novos canais de articulação e intera-
ção baseados na transformação do Estado e do setor público, inspirada
em novas teorias que apelam para o conceito da good governance, que
enfatiza o estabelecimento de condições de governabilidade e a gestão
compartilhada e interinstitucional envolvendo os setores público, pro-
dutivo e voluntário (santiso et al., 2001).
A participação é definida de acordo com Smith (2009) como um
arranjo institucional que tem como finalidade possibilitar a integração

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do público nos processos decisórios sobre as políticas públicas permi-


tindo, desta feita, a democratização do sistema político o qual é condu-
zido dentro de um espírito de deliberação e contestação de ideias que
favorecem os resultados e a qualidade das políticas públicas. De acordo
com Speer (2012) ela é um conjunto de arranjos institucionais que têm
por objetivo facilitar a participação de cidadãos comuns no processo de
desenho de políticas públicas, bem como a avaliação e monitoramento
dos gastos do governo.
No entendimento de Gaventa (2012) a participação pública é um
mecanismo de inclusão da população nas estruturas de tomada de de-
cisão sobre as políticas públicas que permite incrementar e fortalecer as
capacidades de intervenção das camadas sociais mais desfavorecidas e
superar as estruturas políticas e de poder tradicionais. Essas definições
asseveram como explica Grindle (2007) que na abordagem da participa-
ção os cidadãos eleitores ganham um novo tratamento baseado no seu
maior envolvimento nos espaços públicos e ambientes institucionais
resultando, assim, numa expansão dos interesses coletivos e maior
exercício da cidadania.
No que se refere às práticas de accountability cabe destacar de
acordo com Behn (1998, p. 38) que deverão, de alguma forma, envolver
cidadãos. Ela está alinhada à ideia de participação dos cidadãos que
demandam um melhor desempenho por parte dos governos. Por seu
turno, a qualidade do processo participativo depende das informações
disponibilizadas ao público e da forma como são detalhas, especialmen-
te os dados sobre orçamento e gastos públicos, pressupondo a existência
de mecanismos de promoção de transparência nos atos do governo.
Bovens (2005, p. 183) destaca que a accountability é a marca da go-
vernação democrática moderna. A democracia é um modelo em cujos
procedimentos asseguram que o poder público seja responsabilizado
por seus atos e omissões, por suas decisões, suas políticas e suas despe-
sas. A responsividade pública, como instituição, portanto, é o comple-
mento da gestão pública. Sua definição não é precisa, mas de um modo
geral, tem a ver com o aprendizado, responsabilidade ou solidariedade
no sentido de que visa promover uma imagem de confiança, fidelidade
e justiça na atuação das autoridades que são geralmente controladas
pelos seus cidadãos.
Nesse ponto de vista, ela representa um conjunto de práticas ins-
titucionalizadas de prestação de contas, o que implica num conjunto
específico de relações sociais em que um ator se sente na obrigação
de explicar e justificar a sua conduta, fornecendo vários tipos de da-
dos sobre o desempenho de tarefas, sobre os resultados, ou sobre os
procedimentos. Segundo assinala Romzek (1998, p. 6) a conduta que
deve ser explicada e justificada pode variar conforme a cobrança que
é feita, desde o controlo orçamental em caso de prestação de contas, a
apresentação de esclarecimentos à justiça administrativa em caso de
responsabilidade legal ou responsabilidade política quando se trata da
quebra de decoro.

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A accountability qualifica uma relação social com carácter regular


dentro das democracias, como uma prática de responsabilidade públi-
ca, onde um agente deve, portanto, pelo menos se sentir obrigado a
publicamente explicar e justificar a sua conduta em fórum específico
ou perante os cidadãos. Mais especificamente, esta qualificação impli-
ca que deve haver uma possibilidade de participação pública, debate
e apreciação, incluindo uma imposição de sanções (formais ou infor-
mais) e não um monólogo sem compromisso.
Quanto ao conceito de transparência está implicado na ideia de
que a informação relacionada às atividades dos entes públicos deve
ser livremente disponibilizada e facilmente acessível pelos cidadãos
e para aqueles que são afetados pelas decisões (bellver e kaufmann,
2005). Isso traduz a ideia de que suficiente informação é fornecida em
formas facilmente compreensíveis e os meios de comunicação são uma
via importante para tal. Exige também que as decisões dos órgãos pú-
blicos sejam tomadas e aplicadas de um modo que respeita as regras e
regulamentos respetivos.
Conforme destaca Heald (2003, p. 723) insere-se no processo de-
mocrático de acesso à informação sobre a gestão pública como forma
de fornecer ao público dados sobre as políticas governamentais de
modo que o eleitorado seja capaz de “julgar” os políticos, mas também
evitar que atos de corrupção e outras formas de conduta ilegal sejam
praticados tornando, assim, as relações entre o Estado e a sociedade
civil mais democráticas.
Na perspectiva de Bellver e Kaufmann (2005) o acesso à informação
e a transparência fazem parte dos direitos dos cidadãos no âmbito das de-
mocracias contemporâneas. Ela visa o reforço do processo de governança
através do fornecimento de informações confiáveis sobre o desempenho
do governo e das políticas públicas. Dado que a gestão governamental
lida com recursos públicas, o alcance da transparência amplia-se, pas-
sando a incorporar a componente fiscal. A transparência fiscal significa,
assim, que à sociedade é dada a possibilidade de acompanhamento sobre
a forma como a execução orçamentária e das finanças públicas são rea-
lizadas e o e-government desempenha um papel fundamental de difusão
desse tipo de informação (justice; melitski e smith, 2006).
A publicização é um elemento fundamental, mas não suficien-
te para a promoção de práticas de transparência da gestão pública.
Sobre essa visão Icerman e Sinason (1996) argumentam a relevância
das informações serem tornadas públicas e o seu carácter fidedigno
para o processo de prestação de contas. Nesse âmbito, a transparência
relaciona-se com a accountability que se exige dos governos, por meio
da prestação de contas que na apresentação de relatórios financeiros
e de desempenho orçamental, um de seus instrumentos importantes.
Enfim, importa salientar que práticas de gestão transparente tem como
principais características o acesso às informações que sejam compreen-
síveis e claras de modo a impulsionar maior participação da sociedade
nos processos públicos e elevar controle social dos governos.

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Os Procedimentos Metodológicos
Neste trabalho empreendeu-se uma análise que é caracterizada
como qualitativa, dado que o problema de pesquisa demandou uma
investigação de cunho interpretativo (godoy, 2010). O estudo tem um
caráter exploratório, e pretendeu-se examinar de que forma o processo
de adoção das novas práticas de gestão ocorre e ressaltar os modos
de estruturação e funcionamento estabelecidos de forma geralmente
contraditória ou conflitante, e na maioria das vezes em oposição às
prescrições normativas ou ao sistema de normas a elas vinculado.
O método de pesquisa utilizado foi o estudo de caso único de
Yin (2005) tendo-se revelado profícuo para ilustrar as especificidades
e as interfaces associadas ao problema pesquisado. Para tal, foram
selecionados a Estratégia Global de Reforma do Setor Público (egrsp,
2001-2011) em Moçambique como objeto e o Município de Xai-Xai como
a unidade de análise.
A coleta e a análise de dados do estudo foram realizadas de forma
simultânea e em duas etapas. Na 1ª etapa, documentos (egrsp, relatórios
e atas) – forneceram os elementos para a compreensão das concepções
de participação pública e accountability delineadas no modelo de refor-
ma da administrativa moçambicana e as práticas de gestão municipal.
Na 2ª etapa, os dados coletados nas falas dos entrevistados – caracteri-
zaram-se como elementos de interpretação dos fatos que destacam as
experiências decorrentes da implementação dessas ideias reformistas
no âmbito da gestão municipal,
As escolhas dessas fontes fundamentaram-se na sua eficácia e
adequação à questão e objetivo que orientaram a realização do estudo.
Em ambas as etapas foi utilizada a análise de conteúdo (bardin, 2004)
como técnica para a análise dos dados coletados. Na primeira etapa a
análise de conteúdo efetuada começou pela constituição do corpus da
análise – que se baseou na exploração dos significados e concepções
incorporadas no modelo de reforma administrativa em Moçambique
expresso na egrsp.
Para o efeito, utilizaram-se como critérios para a constituição
do corpus da análise nesta etapa, três abordagens principais que cor-
responderam a identificação das concepções sobre a constituição de:
1) formas de transparência ou divulgação da informação gerada no
âmbito da gestão pública; 2) mecanismos de participação pública a
serem adotados pelos entes governamentais; e 3) estabelecimento de
instrumentos de accountability sobre os processos de implementação
das políticas públicas e resultados alcançados pelo setor público.
Na operacionalização da pesquisa, essas três abordagens foram
constituídas também como as categorias analíticas e fizeram parte
de um roteiro de entrevista semiestruturada para a coleta de dados
empíricos. Foram realizadas ao todo treze entrevistas cujos respon-
dentes foram selecionados de forma intencional e não representativa

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conforme se mostraram relevantes para os objetivos do estudo. Essa


escolha compreendeu os seguintes grupos de respondentes: agentes do
poder público (5); atores representantes do setor privado (4); e atores
representantes de organizações da sociedade civil (6), que atuam no
contexto da gestão do Município de Xai-Xai.
A segunda etapa da realização do estudo compreendeu a aná-
lise dos dados coletados através das entrevistas, que foram submeti-
das à análise de seu conteúdo (bardin, 2004, p. 139). Começou com a
constituição dos elementos do corpus da análise seguindo a ordem das
categorias definidas para o estudo – tendo-se ocupado em descobrir e
constituir para cada uma delas conjuntos de significações e padrões
que expressavam as práticas que estão sendo implementadas no mu-
nicípio pesquisado. Para tal, foram interpretadas as experiências re-
latadas sobre a transparência, a participação pública e a accountability
vivenciadas pelos diferentes atores públicos, privados e da sociedade
civil pesquisados. Esse processo efetivou-se pela sistematização e agre-
gação das principais representações e percepções extraídas das falas
dos entrevistados.

Resultados do Estudo e Discussão

A Participação Pública dos Cidadãos-Munícipes


A Estratégia Global de Reforma do Setor Público (egrsp, 2001-
2011) estabeleceu a participação pública na gestão como uma com-
ponente fundamental para a melhoria dos processos de tomada de
decisão e a promoção de práticas de controle social sobre as ações da
administração pública moçambicana. A ideia central foi a constituição
de um setor público participativo e mais aberto às influências externas
e ao controle da sociedade (ciresp, 2001, p. 18). Nisso, é dado enfoque à
criação de uma administração pública, participativa, desburocratiza-
da, flexível que promove a integração dos diferentes atores públicos e
privados no processo de gestão pública e que preste serviços de forma
eficaz e com qualidade.
Segundo os dados obtidos no estudo constatou-se a existência
de uma mescla de mecanismos adotados no processo de participação
na gestão do Município de Xai-Xai, e podem ser classificados a partir
de duas perspectivas: na primeira enquadram-se aqueles mecanismos
considerados convencionais – os que não privilegiam processos de ges-
tão baseados na articulação e interação com o meio externo da orga-
nização. Na segunda tem-se mecanismos fundamentados em práticas
de gestão inovadoras – as que encaram de certo modo a participação
pública como fundamental, sobretudo em algumas etapas do processo
de formação e implementação das políticas públicas, como ilustra o
quadro 1, a seguir.

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quadro 1 - Práticas de participação pública na gestão do Município de Xai-Xai

Processo de
Caraterização das Práticas de Gestão Adotadas no Município
Participação

Centralidade dos Agentes


Comunicação Externa Gestão Orçamentária Controle Público da Gestão
Públicos

Formas
Existência de práticas de gestão Utilização de mecanismos de Uso de padrões de gestão
Convencionais Existência de uma administração
que compreendem a centralidade e gestão que não consideram a orçamentária fechada, que não
de Participação sem um processo de participação
a intervenção exclusiva dos agentes comunicação direta com o público consideram o envolvimento dos
Pública visível da população que permita
públicos na tomada de decisão e limitações nas informações sobre cidadãos na orçamentação conjunta
ampliar o controle social sobre a
dos assuntos relativos às políticas a execução das decisões sobre a e a publicitação dos processos de
gestão municipal.
públicas municipais. gestão municipal. gestão.

Interação Gestores Públicos


Consulta Comunitária Envolvimento de Atores Privados Governança Aberta
e Comunidade

Formas
Criação de práticas de gestão que Utilização de mecanismos de Aplicação de mecanismos de gestão
Inovadoras de Existência de processos de
privilegiam a organização das acompanhamento das ações baseados na interação periódica
Participação administração, que incorporam o
comunidades locais através de governativas do município, através (uma vez por) entre o presidente
Pública envolvimento em parte de alguns
conselhos de consulta comunitária da intervenção dos vereadores do município e os cidadãos com
atores privados no âmbito da
para influenciar as políticas municipais e a população na realização de encontros em todos
gestão municipal.
públicas. resolução dos problemas locais. os bairros do município.

fonte: Elaboração do Autor com base na EGRSP e nas entrevistas do estudo.

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Como se observa no quadro acima, no contexto da gestão do


Município de Xai-Xai algumas práticas de gestão adotadas não pro-
porcionam uma abertura ampla ou completa dos órgãos municipais
às influências externas. Tais práticas de gestão são caraterizadas por
processos e mecanismos de gestão pública que envolvem os cidadãos
apenas depois que as questões ou problemas estejam definidos e maior
parte das decisões tenham sido tomadas. Como constatou-se no estu-
do, a gestão implantada é do tipo top-down. A identificação ou definição
dos problemas e de prioridades até pode vir da base, mas a solução
nunca vem da base em termos de gestão, isto é, ela é feita sempre ao
nível do topo e não da base sem envolver muitas vezes os grupos ou
indivíduos interessados nas políticas públicas em causa.
Nota-se que, embora seja evidente a participação das comuni-
dades em algum momento da formação das políticas públicas locais,
no entanto esta acontece somente na fase de auscultação pública.
Exemplos dessa postura são os encontros públicos que visam o arro-
lamento de preocupações/problemas dos munícipes realizados depois
que o plano de ações é aprovado, e porque o sistema de planejamento
utilizado atualmente não permite incorporar todas essas preocupa-
ções, até mesmo nos planos subsequentes, a sua resolução dos mesmos
é feita de forma ad-hoc sem uma participação visível da população. Isso
é comprovado em vários projetos implementados no município com
destaque para os de construção de fontes de água, estradas e infraes-
truturas como salas de aulas cuja inclusão nos planos governamentais
envolveu um tímido processo participativo.
Assim sendo, no cenário de participação convencional existente
no Município de Xai-Xai o processo de gestão é estruturado de forma a
manter os agentes públicos como o centro principal da gestão munici-
pal que controlam a habilidade dos cidadãos para influenciarem uma
situação determinada ou um processo dentro desta municipalidade.
A questão principal é que nas estruturas convencionais os grupos de
interesse organizados não impõem as suas opiniões nem exercem de
forma efetiva influência sobre o processo de funcionamento do muni-
cípio, atuando sim, muitas vezes apenas como espaços de legitimação
das ações desenvolvidas, por meio do envolvimento de alguns poucos
cidadãos. Nesses termos, o sentido da participação existente contrasta
com as concepções do novo serviço público que se fundamentam nos
valores do interesse público e na interação (king, feltey e susel, 1998),
ampliando dessa forma o espaço e as possibilidades de maior transpa-
rência e controle social da sociedade sobre as ações e programas das
políticas públicas realizadas pelos órgãos do executivo municipal.
Relativamente às formas inovadoras de participação pública no
processo de gestão municipal destacam-se, por exemplo, as experiên-
cias constituídas pela criação de estruturas organizativas das comuni-
dades em conselhos comunitários de participação pública. Mas, tam-
bém a realização de reuniões periódicas (uma por ano) dirigidas pelo
prefeito em todos os bairros que compõem o município. Essas práticas

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de gestão participativa, estão relacionadas com a implementação de


processos de gestão participativa que buscam promover a adequação
dos mecanismos da gestão municipal às abordagens da governança
participativa contemporâneas.
Portanto, a formação das políticas públicas locais não termina
no nível técnico da organização, ela deriva do envolvimento das pes-
soas que beneficiam dos serviços. Essas práticas são sustentadas pela
participação dos cidadãos nos processos de definição de prioridades
da gestão local nos quais a auscultação sobre as necessidades das co-
munidades e preocupações da população jogam um papel importante,
principalmente porque pretende-se que as ações governamentais re-
presentem as verdadeiras aspirações das comunidades.
O estudo constatou que a gestão sustentada nos atos de consulta
pública tem trazido resultados significativos à participação ao mesmo
tempo que cria benefícios para a qualidade das políticas públicas desta
municipalidade. Por exemplo, as novas práticas de participação criadas
que envolvem a interação entre os agentes públicos e as comunidades
locais no contexto da auscultação das comunidades, à medida que são
estabelecidos e assumidos como expressões de integração e colabora-
ção entre os diferentes atores individuais ou coletivos, permitem que
ocorra um aprendizado sobre os processos das políticas públicas en-
quanto arena de alianças, comprometimento e negociação de questões
conflitantes e barganhas.
Os atores iniciam o processo de interação sobre as ações governa-
mentais e da formação das políticas com uma visão micro (apenas so-
bre pequenos problemas das comunidades) e uma agenda maximalista
(demandando todas as necessidades básicas) e, paulatinamente, com o
desenrolar do processo, aproximam-se de uma visão mais compreensi-
va das prioridades para o município, a propósito dos problemas urba-
nos e das limitações governamentais existentes, passando a defender
uma agenda mais realista.

A Accountability da Governança Municipal


A Estratégia Global de Reforma do Setor Público (egrsp, 2001-
2011) estabeleceu controle social como importante mecanismo de res-
ponsabilização dos entes governamentais (ciresp, p. 20) no processo de
gestão pública em Moçambique. De acordo com os dados das entrevis-
tas realizadas na pesquisa, constatou-se que na gestão do Município
de Xai-Xai a accountability é condicionada pelo modelo de participação
pública que tem sido adotado pelo governo local.
Verificou-se que existem grandes limitações que obstaculizam
a criação de práticas eficazes de controle social, sobretudo à presta-
ção de contas e a cobrança de resultados das ações governamentais.
Conforme destacado por 85% dos respondentes do estudo isso se deve
em parte ao caráter dos mecanismos de participação pública existentes,
mas também à fragilidade das estruturas de interação promovidas com
vistas à elevação da accountability na gestão desta municipalidade.

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Tais obstáculos podem ser classificados a partir de duas perspec-


tivas relacionadas à: (i) barreiras de natureza técnica que condicionam
o tipo de informação sobre os processos de gestão municipal disponi-
bilizada ao público e (ii) barreiras de natureza estrutural que afetam
os mecanismos de controle social da gestão no desta municipalidade.
O quadro 2 a seguir apresenta de forma resumida a caracterização das
práticas de controle social atualmente existentes.
quadro 2 - Limitações ao processo de controle social no Município de Xai-Xai

Classificação das Limitações do Processo de Controle Social


Ordem Barreiras de Natureza Técnica Barreiras de Natureza Estrutural

Caráter consultivo e propositivo


Elevado domínio técnico dos
do Conselho Local (CL), e sem
processos de planejamento e de
poder e capacidade fiscalizadora
1 gestão orçamentária por parte dos
sobre as ações públicas e
agentes públicos em relação aos
atividades desenvolvidas pelo
cidadãos.
executivo municipal.

Fraca cultura de participação e Falta de uma definição clara sobre


de controle social no contexto do quais as responsabilidades do CL
funcionamento da administração no tange ao processo de tomada
2
municipal, fragilizando o de decisão das políticas locais,
envolvimento do público no reduzindo a qualidade das ações
processo de gestão. a participação.
Reuniões para a prestação
de contas envolvem
majoritariamente cidadãos
Baixo nível de preparação e
com capacidade reduzida
3 instrução formal dos membros
para influenciar os debates
que compõem os órgãos do CL.
da auscultação das comissões
de trabalho da Assembleia
Municipal.
Relatórios e Atas das
Inexistência de legislação que
auscultações realizadas às
obriga os agentes públicos a
comunidades elaboradas e
4 prestar informação sobre os
conhecidas exclusivamente
diversos processos de gestão
pelos funcionários-técnicos do
pública ao nível do município.
município.

fonte: Elaboração do Autor com base no documento da EGRSP e nas entrevistas do


estudo.

Como mostra o quadro anterior, o carácter e as formas de con-


trole social ocorre frequentemente nos espaços de participação pública
estabelecidos. No entanto, nem sempre os mecanismos de participação
contribuem para a realização de processos de prestação de contas que
elevam a accountability (prestação de contas) dentro da gestão munici-
pal. A questão principal nas instâncias participativas onde ocorrem os
processos de prestação de contas promovidos, verifica-se uma gran-
de diferença de conhecimento e de domínio técnico entre os agentes
públicos e responsáveis políticos do município, uma vez que essas as
instâncias adotadas possuem uma representação caracterizada por de-
sigualdades profundas.

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Especificamente, a composição do cl utilizado tanto no proces-


so de auscultação sobre as políticas públicas municipais quanto na
prestação de contas sobre os resultados das ações e desempenho dos
programas governamentais, traduz os desiquilíbrios entre os segmen-
tos nele representados afetando grandemente o processo participativo
engendrado. De acordo com os dados da pesquisa observou-se que os
50 (membros eleitos do conselho) possuem um perfil que mostra que
38% possuem o 12° ano de escolarização completa, sendo que, maior
número dos membros 52% possui o ensino primário e o fundamen-
tal. Grosso número dos membros do conselho 78% possui atividades
profissionais remuneradas ou são aposentados ou recebem subsídio do
governo como é o caso das autoridades tradicionais. Existe igualmente
um número considerável de mulheres no total de 18% que são donas
de seu próprio negócio.
A baixa qualificação de grande parte dos membros do conselho
como assinalado anteriormente pode operar como um fator que limita
a sua atuação e expressão de opiniões relevantes técnica e qualitativa-
mente. Em contrapartida, maior parte dos representantes do governo
municipal no conselho possui o ensino superior, o que de certo modo,
denota a existência de diferenças significativas no grau de informação
e de capacitação técnica e política entre os diferentes grupos de atores
que interagem dentro do conselho.
Além disso, os membros dos cl não possuem capacidade técnica
para intervir com qualidade acerca dos processos complexos de plane-
jamento, orçamentação e estabelecimento de indicadores de avaliação,
o que torna a sua presença nesses conselhos de consulta comunitária
mais voltada para a legitimação das ações governamentais sempre que
convocados para a apreciação de matérias agendadas segundo os inte-
resses da implementação dos programas do governo municipal. Essas
questões podem comprometer a qualidade da transparência dos dispo-
sitivos institucionais utilizados e a gestão em si, ao mesmo tempo em
que afeta abertura de espaço para a construção do interesse coletivo ao
nível da gestão do município.
Verificou-se que das 18 reuniões (que constam dos cronogra-
mas analisados no estudo) realizadas no período de 2009-2013 para
promover a participação pública, 100% das matérias ou temas da
pauta dos trabalhos foram propostos pelo executivo municipal. Das
decisões tomadas pelo órgão, 97% foram baseadas no argumento e
conhecimento técnico dos membros do conselho indicados pelo po-
der público, o que pressupõe desigualdades de informação impor-
tantes que interferem na qualidade da discussão dos assuntos e uma
fraca tematização das inquietações e autonomia decisória por parte
dos conselheiros que representam a sociedade civil. Observa-se que
a atuação dos atores da sociedade envolvidos nessa instância tende
a dificultar a possibilidade de se captar demandas e se pactuarem
interesses específicos dos grupos sociais que tem menos acesso na
articulação com o executivo municipal.

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As barreiras à prestação de contas são agravadas, por um lado,


pelo baixo nível de instrução formal e de informação dos membros dos
conselhos consultivos formados nos bairros e postos administrativos
(divisões administrativas territoriais do município). Essas fragilidades
tornam o processo de participação unidirecional (top-down), e a comu-
nicação nesses órgãos flui em um único sentido, dos agentes públicos
para os cidadãos. Por outro, as atas e os relatórios dessas auscultações
são elaborados e conhecidos apenas pelos técnicos que são colabora-
dores diretos do município. Portanto, nota-se que o mecanismo de
participação por meio dos cl funciona como mera formalidade dentro
da ação governativa e política e, na realidade o processo de gestão
pública é exercido dentro dos objetivos da administração em si e não
da maior concretização da participação efetiva que favorece a estreita
prestação de contas.
Esses cl são no geral consultivos e propositivos. Pode-se dizer,
que apenas em alguns casos dispõem de “poder e capacidade” fisca-
lizadora em relação às políticas previamente definidas pelo executivo
municipal para cada setor de atividades. Eles não possuem, em sua
maioria, caráter deliberativo e fiscalizador sobre a implementação das
políticas públicas uma vez que funcionam como mecanismo para via-
bilizar a liberação de verbas e, não se encontram integrados em todo
o ciclo de planejamento desta municipalidade. Esses órgãos exercem
uma relativa pressão sobre algumas ações e projetos do município
cuja definição ou formulação contaram com a sua participação e en-
volvimento, mas isso acontece frequentemente apenas com os projetos
relacionados com o Programa Estratégico para a Redução da Pobreza
Urbana (perpu), voltado para o financiamento das iniciativas empreen-
dedoras dos cidadãos munícipes.
Doutro modo, as reuniões promovidas ao nível desses fóruns de
consulta comunitária contam em sua maioria com a participação de ci-
dadãos a título individual e muitas vezes com um número reduzido de
participantes que representam as organizações civis formais (entida-
des patronais e de trabalhadores, de movimentos sociais, instituições
acadêmicas, órgãos públicos e organizações não governamentais), que
possuem maior força para influenciar os assuntos discutidos por esses
conselhos comunitários. Conforme os dados extraídos dos relatórios
de governação municipal, entre 2009 e 2013 participaram nas reuniões
públicas promovidas 18.264 munícipes, de um universo populacional
de 124.216 habitantes da cidade.
Enfim, vale salientar que embora o acesso público à informação
das instituições do Estado e dos Municípios esteja previsto na lei sobre
a organização e funcionamento da administração pública, o direito à
informação ainda não está regulamentado, o que restringe a possibi-
lidade de garantir a sua materialização do ponto de vista do acesso
efetivo à informação sem restrições, reduzindo dessa maneira, a trans-
parência da gestão das instituições públicas e a eficácia do processo de
prestação de contas. Nesta perspectiva, compreende-se que o processo

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de prestação de contas é usualmente controlado e manipulado de tal


forma que acaba limitando a capacidade de os cidadãos conhecerem e
dominarem os processos de gestão do município.

A Transparência na Gestão Municipal


No âmbito da implementação da reforma administrativa em
Moçambique a transparência na gestão é apresentada como estando
relacionada à institucionalização e uso de práticas de gestão que pro-
movem a prestação de contas dos agentes públicos e o controle dos
recursos públicos. Nessa perspectiva, a Estratégia Global de Reforma
do Setor Público (egrsp, 2001-2011) expressa à importância da consti-
tuição de um setor público “guiado pelas práticas de transparência,
tanto no que diz respeito à utilização dos bens e recursos públicos,
quanto ao que se refere aos procedimentos e avaliação de resulta-
dos” (ciresp, 2001, p. 6).
No estudo realizado constatou-se que no contexto do Município
de Xai-Xai são adotadas alguns instrumentos e mecanismos de gestão
que sugerem a aplicação das concepções da reforma, e de certa maneira
um avanço substancial na promoção da transparência na sua gestão,
conforme o ilustrado no quadro 3 na página a seguir.
Como mostra o quadro apresentado, o processo de promoção
da transparência dentro do Município de Xai-Xai considera o uso de
mecanismos de gestão que visam providenciar ao público e aos sta-
keholders maior confiança sobre as ações governamentais realizadas
pela administração municipal no processo de desenvolvimento das
suas atividades. Essas práticas funcionam como uma forma de propor-
cionar uma “atitude e uma crença” entre os intervenientes chave da
gestão municipal, governantes, agentes públicos e outros stakeholders
interessados nas políticas públicas locais, a quem as informações têm
de ser apresentadas. Pretende-se que a administração municipal seja
cada vez mais aberta, com significativos encontros com os stakeholders,
com comunicações completas e informação segura e transparente.
No entanto, no estudo constatou-se que embora se note a utiliza-
ção desses diferentes instrumentos de transparência, estes não impli-
cam por si só que as práticas de transparência adotadas sejam efetivas.
Não existe o canal/portal eletrônico através do qual os cidadãos podem
acompanhar a realização do gasto do governo municipal. De acordo
com os dados das entrevistas, por um lado, é importante enquadrar
a transparência dentro de um contexto amplo de uma sociedade de-
mocrática, e por outro, considerar que os cidadãos devem ter o acesso
integral e a total compreensão das informações e relatórios prestados
pela administração pública, o que incorpora a ideia de que só assim as
atividades e as decisões dos gestores públicos podem ser acompanha-
das e melhor percebidas pela sociedade.
A questão é que esses processos não aprofundam muitas vezes
os aspectos ligados à gestão das finanças municipais e a execução
orçamentária que é desenvolvida. Conforme destacado por 95% dos

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quadro 3 - Instrumentos de transparência utilizados na gestão municipal

Instrumentos de Transparência na Gestão Formas de Procedimento Abordagem Principal das Práticas Adotadas

Apresentação do orçamento de forma detalhada


Submissão ao processo de fiscalização realizado pelo
relativamente a cada programa de receita e despesa
Relatórios financeiros da gestão municipal órgão legislativo e disponibilização para consulta e
sendo discriminada para cada programa implementado
apreciação pública da população.
no processo de gestão do município.

Criação de um sistema de prestação de contas sobre


Elaboração e afixação dos mapas das receitas os recursos financeiros do município para assegurar
Mapas diários sobre o resultado da arrecadação de
fiscais em locais públicos dos edifícios dos Postos o acompanhamento do público sobre o decurso do
receitas fiscais no município
Administrativos e da sede do município. processo de arrecadação fiscal e a integridade das
informações contidas nos relatórios orçamentários.

Divulgação dos resultados das ações governamentais


para apresentar os outcomes (impactos) subjacentes
Controle sobre o desempenho dos projetos
Reuniões com a população para divulgação dos à execução do orçamento, bem como o reforçar as
desenvolvidos pelos diferentes setores de atividades
resultados da gestão municipal responsabilidades e a continuidade do executivo
do município.
municipal no cumprimento do seu papel e a suas
funções na administração do município.

Apresentação dos outputs (resultados) de maneira


Acesso do público interessado aos instrumentos detalhada para traduzir a prática de prestação
Balanços periódicos sobre os projetos das
técnicos de gestão que espelham o processo de gestão de contas do município ao público e promover o
políticas públicas municipais
municipal. acompanhamento de todos os relatórios e demais
documentos a ele relacionados.

Promoção de práticas de envolvimento das


Identificação conjunta de problemas que afetam
Planejamento das prioridades da ação governativa comunidades loca (cidadãos e organizações da
a população e definição de prioridades das ações
do município com as comunidades sociedade civil) no âmbito da formação das políticas
governativas do município.
públicas do município.

Fonte: Elaboração do Autor com base na EGRSP e nas entrevistas do estudo.

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respondentes do estudo, compreende-se que tornar públicos alguns


atos e ações administrativas (aquelas legalmente imprescindíveis)
apenas não implica necessariamente ser transparente (barrett, 2001).
Observou-se no estudo, que a divulgação de informações sobre a ges-
tão dos recursos financeiros (balancetes) ocorre apenas no processo de
arrecadação das receitas, não sendo divulgados na mesma perspectiva
os procedimentos e mapas que acompanham o gasto desses mesmos
recursos no ato da execução.
Portanto, não é colocada à disposição do público informação so-
bre como são gastos e claramente descriminado em que esses recursos
teriam sido aplicados. Uma prática muito usada como abordagem de
promoção de transparência é a divulgação de resultados das ações go-
vernamentais nas reuniões realizadas entre a liderança do município
(prefeito) com as populações. Mas, essa prática não possibilita o acom-
panhamento das metas que tinham sido definidas, de modo a permitir
às comunidades locais a avaliação do impacto real dos resultados que
são apresentados nesses encontros públicos.
Neste sentido, dado que a transparência deve considerar uma
relação direta entre as informações sobre os atos praticados pela admi-
nistração pública e os processos de planejamento e de execução orça-
mentária existentes sobre tais processos, compreende-se que ao nível
do Município de Xai-Xai as práticas de transparência não se devem
limitar exclusivamente à divulgação de simples relatórios de ativida-
des. Conforme se constatou não se pode considerar a transparência
apenas pela prática de divulgação de relatórios, aliás, essa prática é
desde logo uma exigência dentro das instituições públicas moçambi-
canas sendo, por essa razão, um dever inerente do próprio governo
municipal. Portanto, a prática de transparência na atuação dos serviços
municipais deve-se efetivar-se, também, pelo acesso facilitado do cida-
dão à informação sobre os processos de gestão desenvolvidos.
A questão da transparência envolve uma componente de vonta-
de e consciência dos administradores públicos em prestar informação
relevante e sem burocracia à sociedade. Ela encerra uma dimensão de
prestação de contas ou accountability democrático da administração pú-
blica em geral e das entidades municipais especificamente perante os
cidadãos. Assim, as insuficiências que se verificam nos mecanismos de
promoção da transparência da gestão do Município de Xai-Xai, como
a falta de detalhes e articulação entre planos, resultados e orçamento
nas informações que são tornadas públicas mostram que, é importan-
te o aperfeiçoamento e a vinculação das práticas implementadas aos
procedimentos técnicos e normativos relacionados à publicitação de
informações tendo em vista a tornar a gestão mais transparente.

Considerações Finais
O propósito deste trabalho consistiu em analisar como a insti-
tucionalização de práticas de participação e accountability baseadas
na adoção de mecanismos que visam ampliar a democratização da

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gestão pública, propostas no modelo de reforma administrativa em


Moçambique, e sistematizar como ocorre a sua implementação no
contexto da gestão do Município de Xai-Xai. Os resultados mostram
que, existe uma preocupação ao nível desta municipalidade em adotar
estruturas de gestão e processos organizacionais orientados para a am-
pliação da accountability. Foi possível perceber, contudo, que a despeito
dessa tendência positiva evidente, a amplitude, frequência e a regu-
laridade com que são aplicadas demonstra existirem ainda grandes
fragilidades que, configuram três tipos de paradoxo que caracterizam
o funcionamento e a gestão do município.
No que se refere ao primeiro paradoxo, o que parece acontecer
de fato é que as formas como esses mecanismos adotados são utiliza-
dos não conduzem ao exercício integral da transparência, dado que
têm proporcionado aos usuários dos serviços municipais e à socieda-
de em geral informações suficientes ou completas sobre os processos
de gestão, de modo a se formar um quadro referencial que ajude a
consolidar as suas opiniões acerca a atuação das entidades governa-
tivas do município.
O segundo paradoxo é explicado pelo processo de participação
pública existente. Este é frágil, pois baseia-se em estruturas e meca-
nismos convencionais que não envolvem os cidadãos nos aspectos
mais importantes da gestão participativa, tais como, no processo de
planejamento e na orçamentação das grandes ações do município.
Apesar de se efetuar algum planejamento com as comunidades, este
frequentemente não é acompanhado pela respectiva orçamentação
conjunta entre os gestores públicos do município e as comunidades
com quem interagem nos atos de auscultação (consulta pública) exis-
tentes atualmente. A característica do modelo de participação vigente
degenera um terceiro paradoxo relativo a condição e a forma como os
cidadãos e grupos de interesse acompanham os resultados das polí-
ticas públicas locais.
Relativamente a este último aspecto, no estudo mostrou-se que a
prestação de contas por parte dos gestores municipais às comunidades
é quase inexistente e, que o exercício do controle social é não efetivo
devido as desigualdades em termos de informação entre os cidadãos e
os gestores municipais. Muitas vezes os primeiros não possuem conhe-
cimento técnico nem informação suficiente sobre como se desenvolvem
os processos de gestão o que fragiliza, sobremaneira o caráter da parti-
cipação pública e o exercício do controle social da gestão desta munici-
palidade. Como sugestão para pesquisas futuras, torna-se interessante
analisar as questões relativas à institucionalização das práticas de
accountability e as suas ligações com a melhoria das políticas públicas,
visto que este estudo não contemplou. O outro aspecto fundamental
a ser explorado tem a ver com o aprofundamento da discussão acerca
da eficácia da ação governativa ao nível local aliada ao problema da
responsabilização quer política como administrativa no contexto da lei
responsabilidade fiscal.

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