Aulas de História A Formação de Alunos-Leitores PDF
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Resumo
O presente artigo tem a finalidade de abordar o conceito de aula de História a partir da sua relação
com a formação de alunos leitores de mundo na contemporaneidade. Nesse sentido, questionamos
as formas tradicionais de concepção da prática docente entendidas pela lógica da mera reprodução
ou vulgarização do saber e por vislumbrar a sala de aula como um lugar alheio ao fazer intelectual –
de leitura, análise e reflexão crítica. Ao tomarmos as aulas de História como objeto de análise, obser-
vamos que não podemos/devemos reduzir as práticas ali desenvolvidas por professores e alunos,
como aplicação dos conteúdos e das estratégias de ensino definidos pelos currículos oficiais. Logo,
não se pode afirmar como é a realidade do ensino de História na escola somente pela perspectiva
do currículo prescrito. Após evidenciar essas questões, defendemos a urgência em se trazer para
a formação, os saberes e os fazeres docentes, bem como as dimensões do professor-pesquisador-
-intelectual e não separá-las. A partir dessa proposta, pretendemos recuperar a escola e as aulas de
História como espaços de formação e valorização do espaço público.
*
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor adjunto I do Departamento de História
e Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: fronzam34@
yahoo.com.br.
**
Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor adjunto II do Departamento
de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail:
[email protected].
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Aulas de História: a formação de alunos-leitores de mundo na contemporaneidade
Introdução
Aulas de História, espaço de saberes e fazeres
A sala de aula, além de espaço do conhecimento – do ensinar e aprender –, as-
sume a condição de ambiente de “compartilhamento de experiências individuais e
coletivas, de relação dos sujeitos com os diferentes saberes envolvidos na produção
do saber escolar” (SCHMIDT; GARCIA, 2005, p. 299; PENIN, 1994).
Ao escolhermos as aulas de História como objeto de análise, não podemos re-
duzir as práticas ali desenvolvidas por professores e alunos como aplicação dos
conteúdos e das estratégias de ensino definidos pelos currículos oficiais. Logo, não
se pode afirmar como é a realidade do ensino de História na escola somente pela
perspectiva do currículo prescrito.
O currículo pensado e proposto para ensinar e como ensinar História na educa-
ção básica efetiva-se no universo dos saberes e das práticas pedagógicas realizadas
em sala de aula. Por ser um território repleto de intencionalidades e disputas, esse
espaço não é um campo neutro (APPLE, 1982; SILVA, 2002). O currículo é uma
prática “antes de ser um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a
educação ou as aprendizagens das crianças e dos jovens” (SACRISTÁN, 2000, p. 15).
Nesse sentido, torna-se significativo e necessário decifrar o currículo vivido e
sentido por alunos e professores da História no cotidiano da sala de aula, eviden-
ciando as formas de aceitação, resistência, tensões, usos e apropriações daquilo que
foi prescrito como finalidade, objetivos e conteúdos a serem ensinados. Isso tendo
como princípio a superação das práticas cotidianas, advindas do senso comum, em
prol da escola como o espaço da experiência social e cultural com o conhecimento,
nesse caso, com o conhecimento histórico (DUBET; MARTUCELLI, 1998).
Baseando-se nessas considerações, o presente artigo tem a finalidade de abor-
dar o conceito de aula de História, a partir de sua relação com a formação de alunos
leitores de mundo na contemporaneidade. Nesse contexto, questionamos as formas
tradicionais de concepção da prática docente entendidas pela lógica da mera re-
produção ou vulgarização do saber e por vislumbrar a sala de aula como um lugar
alheio ao fazer intelectual – de leitura, análise e reflexão crítica.
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Segundo o autor, essa relação, no ensino de História, está inscrita no lugar so-
cial do jovem, no qual esses constroem suas experiências históricas. O ponto de par-
tida do ensino deve estar sustentado nas carências de orientação contemporânea
dos jovens, que devem ser compreendidas tomando como recurso as experiências
do passado. O encontro entre o lugar-presente e o lugar-passado na experiência dos
jovens é fornecido por um tema que “diz respeito a mim (nós)”.
A ideia de “diz respeito a” quer dizer que, para os jovens, determinados con-
textos do passado tem uma relação existencial remanescente com a vida prática no
presente. Normalmente, esta expressão tem como ponto de partida uma situação
do passado que afeta emocionalmente esses sujeitos. Ocorre, então, um envolvi-
mento com o tema gerado pela reflexão histórica. Passando por essa identificação
inicial, os jovens teriam que procurar respostas críticas na História que possibi-
litassem a ampliação de sua identidade individual ou coletiva. É nessa reflexão
crítica, que a intervenção do método histórico tem sua importância para que se
superem conclusões subjetivistas e preconceituosas do passado. O “diz respeito a”
é, portanto, um passo fundamental para operacionalizar-se a consciência histórica
pertinente à cultura histórica que envolve os jovens.
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Por esse raciocínio, considerar a experiência e os saberes dos alunos não im-
plica a renúncia dos compromissos curriculares e das atribuições da docência, de-
dicando-se o tempo das aulas para lidar com os seus interesses imediatos e pitores-
cos, por vezes, calcados no imediatismo daquilo que é assunto da sua comunidade,
da família ou dos meios de comunicação – TV, jornais, internet, ou no presentismo
vulgar, que pretende “encontrar no passado justificativas para atitudes, valores e
ideologias praticados no presente” (PINSKY; PINSKY apud KARNAL, 2003, p. 23).
Pelo contrário, expressa a formulação de uma consciência histórica amparada
na busca e na mobilização de determinados conteúdos, conforme as questões do
tempo presente, para o desenvolvimento da argumentação histórica e crítica. Se-
gundo Rüsen (2001, p. 63),
[...] a consciência histórica não é idêntica à lembrança. Só se pode falar de consciência
histórica quando, para interpretar experiências atuais do tempo, é necessário mobilizar a
lembrança de determinada maneira: ela é transportada para o processo de tornar presente
o passado mediante o movimento da narrativa.
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[...] os processos de funcionamento desta “tradição seletiva”, ao longo dos quais se constrói
a memória cultural de um grupo, de um país, de uma civilização, são extremamente com-
plexos [...]. [...] A “decantação” começa imediatamente, desde que a experiência humana dá
lugar a uma expressão que escapa ao seu autor e se objetiva num mundo “público”. Mas na
medida em que os anos passam, ela se faz sem dúvida mais severa, contudo com reestru-
turações, reinterpretações, e até mesmo possíveis reabilitações. Quando os testemunhos
vivos de uma época desapareceram [...], a herança desta época divide-se de certo modo em
três partes sob o efeito do processo da “tradição seletiva”: uma parte encontra-se integrada
à cultura humana universal, a esta “linha geral de desenvolvimento humano” [...]; uma
outra parte é conservada em estado de arquivos, como um material interessante no pla-
no documentário; enfim, uma boa parte é rejeitada nas trevas do esquecimento definitivo
(FORQUIN, 1993, p. 34).
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Para Arendt (1997, p. 58), o espaço público não é o território do império das
indivualidades ou da vontade partidária ou do Estado, mas da atividade criadora,
da experimentação permanente de outros modos de existir, pois
[...] o lugar de nascimento da liberdade nunca é o interior de algum homem, nem sua vonta-
de, nem seu pensamento ou sentimentos, senão o espaço entre, que só surge ali onde alguns
se ajuntam e só subsiste enquanto permanecem juntos. Existe um espaço da liberdade: é
livre quem tem acesso a ele e não quem fica excluído do mesmo.
A História, para além de ensinar também diverte e inspira, como bem lem-
brou Marc Bloch.5 Essa não precisa ser um saber sisudo, duro e sem prazer. E
não poderíamos encerrar este capítulo sem trazermos a dimensão afetiva de uma
escolha profissional, de um ofício, que busca estar na nossa existência, superando
os problemas, contestando as clivagens e descontruindo os preconceitos.
Abstract
This article aims to address the concept of history class from its relationship with the formation of
students as readers of world in the contemporaneity. In this sense, we question the traditional ways
of thinking about teaching practice understood from the logic of mere reproduction or vulgariza-
tion of knowledge and to glimpse the classroom as a place someone else’s to intellectual making
— about reading, analysis and critical reflection. When we take the history class as a subject of
analysis, we found that we cannot reduce to practice developed by teachers and pupils as applica-
tion of contents and teaching strategies defined by the official curricula. Therefore one cannot say
how is the reality of history teaching in school only by the perspective of the prescribed curriculum.
After highlighting these issues, we advocate the urgent need to bring to the formation, knowledge
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and practice teaching the dimensions of teacher-researcher-intellectual and never separate them.
From this proposal, we intend to recover the school and history classes as places for formation and
development of public space.
Notas
1
Segundo Paulo Miceli (apud PINSKY, 2009, p. 38), “convém lembrar que não é apenas a escola – e nela o
professor de História – a responsável pela educação dos cidadãos, pois as bases dessa formação já são tra-
zidas à sala de aula pelos estudantes. Adquiridas e ampliadas nos espaços sociais que o aluno frequenta – o
que inclui, com destaque, a família –, é a partir delas que o professor pode realizar seu trabalho, valendo-se
de sua própria formação e experiência”.
2
De acordo com o historiador britânico Eric J. Hobsbawm (1998, p. 22), “ser membro de uma comunidade
humana é situar-se em relação ao seu passado (ou da comunidade), ainda que apenas para rejeitá-lo. O
passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das
instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. O problema para os historiadores é analisar a
natureza desse ‘sentido do passado’ na sociedade e localizar suas mudanças e transformações”.
3
LUCINI; OLIVEIRA; MIRANDA apud ZAMBONI, 2007, p. 19-71.
4
A cibercultura é um termo utilizado na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço
eletrônico virtual. Para Lévy (1999, p. 243-260), a cibercultura tem um regime social e cultural próprio,
caracterizado pelo fim dos monopólios públicos de expressão científica do conhecimento; pela crescente
variedade dos modos de expressão; pela massificação dos instrumentos de filtragem e relativização de
informações; pela multiplicação das comunidades virtuais e sua pressão em relação à classificação do
conhecimento.
5
Para Bloch, nos manuscritos que compõem o livro póstumo Apologia da história ou o ofício do historiador
(2001, p. 43), “decerto, mesmo que a história fosse julgada incapaz de outros serviços, restaria dizer, a seu
favor, que ela entretém. Ou, para ser mais exato – pois cada um busca seus passatempos onde mais lhe
agrada –, assim parece, incontestavelmente, para um grande número de homens. Pessoalmente, do mais
remoto que me lembre, ela sempre me pareceu divertida. Como todos os historiadores, eu penso. Sem o
quê, por quais razões teriam escolhido esse ofício? Aos olhos de qualquer um que não seja um tolo comple-
to, com quatro letras, todas as ciências são interessantes. Mas todo cientista só encontra uma única cuja
prática o diverte. Descobri-la para a ela se dedicar é propriamente o que se chama vocação”.
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