Padre Américo - Pai Américo PDF
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}3.1
Padre Américo! Pai Américo
1. Do berço a África
1
Pastores dabo vobis, n. 36,p. 105. AAS.84 (1992) 715-716.
2
O Gaiato. Paço de Sousa. 3:66 (7 Set. 1946) 2.
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3
Idem. 3:56 (20 Abril 1946) 3.
4
Idem. 9:223 (13 Out. 1952) 2.
5
Idem. 370 (17 Maio 1958) 3.
6
Idem. 3:66 (7 Set. 1946) 4.
7
Idem. 326 (1 Set. 1956) 2.
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2. Caminho da Luz
A década que medeia entre Dezembro de 1913, em que morreu a sua mãe,
e Outubro de 1923, representa um transcurso de tempo de crise religiosa. O
choque da “sinistra notícia” acentuou o seu carácter meditativo. O contexto
eclesial de Moçambique estava marcado positivamente pela presença dos
Franciscanos que se tinham estabelecido na Beira desde 1898. Em 1914
conheceu, nessa cidade, o franciscano Padre Rafael Maria da Assunção. Foi um
encontro ocasional que recomeçou a rasgar o seu horizonte vocacional.
A partir da I Guerra Mundial configurou-se um cenário de múltiplos sofri-
mentos. Américo de Aguiar parecia um homem “fugido de si mesmo”, segundo
o Padre Avelino Soares, e sujeito de uma “vida atribulada”,, como escreveu. Em
1921, a insatisfação profissional levou-o a Lourenço Marques, onde trabalhou
na casa alemã Breyner & Wirth. Nesse ano morreu o seu pai. Agudizou-se uma
crise de índole espiritual. Os colóquios com o Padre Rafael tornaram-se mais
intensos a partir de 1922. Ao acompanhá-lo no seu discernimento, activou uma
inquietação pré-existente e abriu-o ao Senhor – o “Caminho da Luz”, como
deixou escrito.
A luta entre o homem e a Graça é descrita desta forma: “Era então um
fugitivo. Verdadeiramente não sabia o que queria, tão pouco para onde
caminhava! Ninguém estava à minha partida e mais a cidade já naquele tempo
era grande e cheia. Tudo era indecisão. Tinha perdido os sentidos. E contudo
era eu. Eu passava. Vivia. Começou então a luta. O homem e a Graça. Esta
havia de vencer, sim, mas até aí, quanta dor, meu Deus!” 8 No II Concílio do
Vaticano, esta temática inclui-se no chamamento universal à santidade, que não
acontece por merecimento próprio, mas pela Graça e vontade de Deus.
No princípio de 1923, a convite do amigo Simão Neves, com uma casa
bancária, no Funchal, transferiu-se para a Madeira, mas por breve tempo. Acabou
por regressar ao Continente. Pensava dedicar-se ao comércio de frutas e
deslocou-se a Inglaterra por negócios que não tratou.
Em Julho de 1923, deu-se uma martelada, segundo a sua própria expressão.
Tinha 35 anos. Hesitava no seu regresso a África e chegou a comprar passagem
para Lourenço Marques. Em Lisboa, impressionou-se com uma revista onde
apareciam padres franciscanos. Procurou aconselhar-se com o Padre Dr. Avelino
Soares, seu antigo companheiro de escola e Pároco de Penafiel. Mas esse amigo
tentou dissuadi-lo. Disposto a voltar a Moçambique, fez as malas e seguiu para
Lisboa. Porém, à última hora Deus desferiu o golpe final no seu coração, através
de outra martelada. Confessou que não resistiu mais.
8
Idem. 9:235 (28 Fev. 1953) [1].
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9
Idem. 326 (1 Set. 1956) 2.
10
Idem. 15:390 (21 Fev. 1959) [1].
11
Idem. 18:449 (26 Maio 1961) [3].
12
Idem. 4:95 (18 Out. 1947) [1].
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toda a gente. Tome lá esta máxima e escreva na parede do seu quarto e da sua
alma: ama nesciri et pro nihilo reputari”.13
Continuava a manifestar a sua devoção pelos Pobres: “Vem aqui todos
os dias certa mulher buscar uma panela de caldo para ela, uma filha e 4 netos,
obra de ex-estudantes, ocupando todos os seis um mísero cubículo sem luz
nem ar”.14 De uma viagem a Lisboa, deixou um belo testemunho de amor às
pessoas mal amadas que viu nas ruas: “Amo-as, eu, as prostitutas porque sei
que muito sofrem!!”.15
Esperava-o, em Coimbra, uma visita providencial: o Padre Matéo. O grande
apóstolo do Sagrado Coração de Jesus veio a Portugal no final de 1927. Em carta
de Fevereiro de 1928, desvendou um segredo: “À última [conferência] não fui.
Desejara imenso ir. Oh, sim. Desejara. Não fui. Um sacrifício. Durante a
conferência conversei com Deus, de joelhos. Pedi para que aqueles intelectuais
vissem todos o que eu dantes não via e agora vejo. Mas pelo menos um, Senhor,
disse eu.” 16
Em Junho de 1928, escreveu ao seu Bispo: “No conceito da sociedade que
abandonei, o Padre é um homem inútil e prejudicial; a Religião, uma fábula e
Deus, um mito. Eu mesmo assim considerava e confessava as coisas! Hoje,
porém, vejo a verdade e quero convencer os que deixei. Com argumentos?
Inútil. Como então? Subindo para que me vejam. Subir como? Desprendendo-
-me do que tenho e do que sou”.17
Em Outubro de 1928 comprometeu-se por livre decisão, pelos Votos de
Pobreza e de Obediência, prestados ao seu Bispo; e quis vivê-los como Padre
diocesano, à imitação de Cristo que se fez pobre para nos “enriquecer com a
Sua pobreza” (2 Cor 8,9).
Deixou escrito: “Não ando sozinho. Quero viver da obediência aos Bispos;
alimentar-me da autoridade deles como as crianças nos seios das mães se
alimentam da substância delas. Fora da Igreja, nada de grande; contra ela,
muito menos”.18
A 28 de Julho de 1929, com 41 anos, recebeu a Ordem de Presbítero das
mãos do mesmo Bispo que o acolhera no Seminário, D. Manuel Luís Coelho da
Silva. Quando se finou o seu Bispo, em 1936, escreveu: “Deu-me Ordens Sacras,
fez-me Sacerdote: o maior de todos os títulos, para a maior de todas as
gratidões”.19 Daí em diante passou a assinar o nome de baptismo acrescido do
título, bem como de um significativo ponto de exclamação: P. Américo! Expres-
13
Penafiel. 1 (1972) 42.
14
O Gaiato. 17:441 (4 Fev. 1961) [3].
15
Idem. 18:446 (15 Abril 1961) 3.
16
Idem. 20:496 (16 Março 1963) [1].
17
Idem. 325 (18 Agosto 1956) [1].
18
Pão dos Pobres. Paço de Sousa, 1984, vol. 4, p. 126.
19
Pão dos Pobres. Coimbra. 1941, vol. I, p.139.
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sava assim a sua admiração e alegria que sentia ao ter sido ordenado Padre para
o amoris officium (Santo Agostinho). E exprimiu: Já não tenho tempo de perder
mais tempo!
A 5 de Agosto de 1929, Segunda-feira, celebrou a sua segunda Missa Nova,
na igreja de Paço de Sousa. Em carta, profundamente eucarística, ao amigo
Simão Neves, diz: ”Meu irmão Jaime, ex-discípulo de Renan, Voltaire e outros,
recebeu das minhas mãos pecadoras o Corpo de Nosso Senhor Jesus
Cristo.[…] Antes, fiz uma pequenina alocução acerca da presença real, do
mistério da Eucaristia”.20
A presidência da comunidade é um traço da identidade presbiteral que
o Padre Américo transmitiu desta forma: “O Sacerdote deve ser no mundo ponto
de referência, para que todos possam atinar com o Céu, fixando nele o olhar.
A palavra de ordem e voz de comando hão-de sair da sua boca, porquanto mais
ninguém foi encarregado de tal missão (“Assim como Pai Me enviou, assim
eu te envio”).21
Em 1947, emitiu esta bela Profissão de Fé: “Cuida-se que alguém possa
ser simultaneamente protestante com os protestantes, judeu com os judeus,
espírita com os espíritas, católico com os católicos, e assim por diante. Ora não
é verdade. Isso seria não ser. Eu cá tenho só uma casaca. Casaca que não dou,
nem viro, nem troco. Agora se eu disser que me faço tudo para todos, para que
todos sejam meus, isso sim. Isso faço. Mas não deixo de ser católico. Católico,
apostólico, romano. Sou da Santa Madre Igreja Católica, aonde espero
morrer”.22
O Padre Américo afirmou a sua pertença inequívoca à Igreja de Cristo e
tem a consciência clara da missão do Presbítero: “Ai de mim se eu não fosse da
Igreja! Que podia eu sem ela? E que não posso eu com ela? Mesmo que eu
fosse sequestrado, reduzido a silêncio, posto a tormentos – todo o mal que o
homem pode e sabe fazer – que importa? Sendo da Igreja não estou nunca
sozinho. Eu acredito na comunicação dos Santos!”.23
20
O Gaiato. 16:401 (25 Julho 1959) [1].
21
Pão dos Pobres. Coimbra, 1942, vol.2 p. 52.
22
O Gaiato. 4:81 (5 Abril 1947) 2.
23
Pão dos Pobres. Paço de Sousa, 1984, vol.4, p. 280.
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Desejei entrar nas sagradas letras, porém houve de desistir por não chegar
à craveira; vendo os meus superiores que eu não dava tábua lisa, aproveitaram
a casqueira e mandaram-me visitar Pobres a quem dei sopa bem feita, no rolar
de muitos anos”.24
Na secção “Sopa dos Pobres”, da sua pena, no jornal diocesano Correio
de Coimbra, desde 1932, referiu-se à missão confiada pelo seu Bispo: “foi
inaugurada por ele no dia 19 de Março de 1932. Nessa data andava eu enfermo
e, como não pudesse trabalhar, roguei ao então meu prelado que me deixasse
ao menos visitar Pobres e cuidar da sopa deles, serviço este compatível com
as minhas dores de cabeça de então”.25 A Sopa dos Pobres funcionava na rua
da Matemática, em Coimbra, sob o patrocínio de S. José.
O operário chamado em dor, para cuidar dos aflitos, entregou-se em pleno
e com entusiasmo a visitar os Pobres, os Doentes e os Reclusos, com licença
do seu Bispo, como pregoeiro da doutrina dos Apóstolos: “visitar os órfãos e as
viúvas nas tribulações” (Tg 1,27). E a dar de comer, cumprindo a ordem das
Obras de Misericórdia, segundo disse: O Evangelho entra pelo estômago.
Ao serviço dos Pobres, escreveu com satisfação: “A hora em que hoje tiro
da cabeça um piolho ocasional apanhado à beira dos catres, é para mim
muitíssimo mais alegre do que foi a vida da minha mocidade inteira, passada
nas delícias do paraíso terreal!” 26 Não tardou que fosse tido por imprudente.
O Bispo de Coimbra chamou-o a contas e deu esta “resposta pronta e textual:
a sua vida é um mistifório.” 27
A seguir, foi tomado por indesejável na sua actuação entre os doentes
dos hospitais e sanatórios de Coimbra. O Bispo D. Manuel Luís ignorou o dito
para o desterrar. O motivo foi este: “De uma vez fui acusado ao meu superior,
por rebelde. Pediu-se a minha deportação para longe da cidade. Moveram-se
grandes empenhos neste sentido. Em vão. Os servos do Evangelho podem
calcar serpentes que nada os molesta. Qual a causa de tanta afronta? Um
doente pulmonar a quem mandaram embora, sem meios, sem família, sem
nada”.28
Também foi mandado retirar de membro activo no Patronato das Prisões,
pelo então ministro da Justiça, dadas as suas inconveniências. É notório que era
bem acolhido pelos reclusos: “Um dia chegou o rancho às grades; era o último
dos meus trabalhos. Fomos todos comer. Dirige-me a uma bacia que estava no
fundo da sala, lavar as mãos. Volto-me para as limpar, e dou de cara com dezoito
reclusos, que tantos eram os ocupantes da cadeia, cada um com sua toalha
24
Pão dos Pobres. Coimbra, 1942, vol. 2, p. [119].
25
Pão dos Pobres. Coimbra, 1941, vol.1, p. [1].
26
Pão dos Pobres. Coimbra, 1942, vol. 2, p. 209.
27
Pão dos Pobres. Coimbra, 1941, vol. 1, p. 2.
28
O Gaiato. 11:282 (18 Dez. 1954) [1].
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nos braços e estes estendidos para mim: Limpe-se aqui! Eu limpei as minhas
mãos pecadoras dezoito vezes, a dezoito toalhas – Ande, Padre, que a toalha
é minha.” 29
O caminho era esperar contra toda a esperança. E tomou o exemplo de
S. João Bosco, como revelou: “Ele foi, no seu tempo, o apóstolo do garoto das
ruas. Os biógrafos dizem o que ele fez, não o que sofreu”.30 Assim começou
a dar-se às crianças da rua. “Foi no Beco do Moreno, em Maio de trinta e cinco,
que o miúdo me apareceu.[…] Passava eu por ali, naquele mês e ano, quando
um garoto da rua embarga o meu caminho num angustioso e imperativo venha
ver o meu pai que está na cama e a gente passamos fome. […] Quantas vezes
não fui eu assobiado às portas daquela casa, só porque uso batina e digo Missa
no altar – quantas! Nós éramos conhecidos. O Padre é o grande mal do mundo,
assim diziam os companheiros mai-los livros que ele compunha; corrê-lo da
sociedade é um grande benefício”.31
Então, deu corpo às Colónias de Férias dos Garotos da Baixa de Coimbra,
que começaram na Paróquia de S. Pedro de Alva, concelho de Penacova, onde
fora pregar, cujo Pároco, Padre Simões e Sousa, o incentivou, dizendo, que não
deixasse arrefecer a ideia. Depois, estendeu-se a Vila Nova do Ceira e Miranda
do Corvo. Nos livros de registo constam na casa dos mil, os Rapazes que
beneficiaram. Em plena II Guerra Mundial, a 7 de Janeiro de 1940, começava a
desabrochar o que hoje se chama Obra da Rua, ao acolher os primeiros Rapazes
na Casa do Gaiato, em Miranda do Corvo, sob a protecção do Santíssimo Nome
de Jesus. Não lhe bastou saber que Deus é Pai, mas saiu em ajuda do Próximo,
como defensor dos pequenos, em nome de Deus: “Pai dos órfãos e tutor das
viúvas, é Deus em Sua morada santa” (Sl 68,6).
Foram os primeiros passos da sementeira que consumiu o Padre Américo
até ao desgaste final. O nome de pai passou o seu tempo, como dom de Deus,
pois o “justo deixará memória eterna” (Sl 112,6). Conhecido por Pai Américo,
a lição da sua vida “resume-se toda naquela evolução fonética e semântica”,
na expressão certeira de D. António Ferreira Gomes.
No centenário do seu nascimento (1987), a Conferência Episcopal
Portuguesa afirmou que a História da Igreja entre nós, neste século, não se
poderá fazer sem lhe reconhecer lugar de primeiro plano.
Neste sentido, foi um dom à Igreja e ao mundo, no anúncio da Palavra da
fé e com o seu testemunho de vida, no serviço humilde da Caridade, em nome
da Igreja e na pessoa de Cristo Cabeça, Pastor e Servo: “Sim; sirvo os Pobres
nas cadeias, nos hospitais, nos tugúrios, nos caminhos – e no Altar”.32
29
Pão dos Pobres. Coimbra, 1943, vol. 3, p. 195.
30
Pão dos Pobres. Paço de Sousa, 1984, vol. 4, p. 155.
31
Obra da Rua. Paço de Sousa, 1983, p.9, 11.
32
Coimbra, 1943, vol.3, p. 94.
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