1-Curso - Seguridade Social
1-Curso - Seguridade Social
1-Curso - Seguridade Social
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Seguridade social consiste num conjunto de ações e políticas sociais que visam promover o
estabelecimento de uma sociedade mais igualitária e justa, auxiliando os cidadãos e suas
famílias em determinadas situações, como a velhice, o desemprego e a doença.
A seguridade social (ou segurança social) age como um sistema de proteção social, assegurando às
pessoas alguns direitos básicos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Aliás, estes
são considerados os três pilares fundamentais da seguridade social, de acordo com a Constituição
brasileira.
Como princípio, a seguridade social existe para tentar alcançar uma sociedade solidária, igualitária
e justa para todos. Além disso, visa erradicar males sociais, como a pobreza e a marginalização,
reduzindo as desigualdades sociais.
Aliás, a seguridade social é um dos direitos básicos previstos na Carta Internacional de Direitos
Humanos (artigo 22):
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço
nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos
direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da
sua personalidade.
É de obrigação do Poder Público organizar a seguridade social, nos termos da lei, seguindo os
seguintes princípios:
Existem dois principais grupos de crimes contra a seguridade social: o estelionato e a falsificação de
documentos; e a sonegação e apropriação indevida de tributos. A sonegação de contribuição
previdenciária, por exemplo, tem como penalidade prevista por lei a reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco)
anos, mais o pagamento de multa.
A previdência social é um dos pilares da seguridade social, ou seja, esta última abrange não apenas
a previdência, mas também a assistência social e a saúde pública, formando um conjunto em prol da
garantia da qualidade de vida do cidadão.
Assim, a previdência social consiste numa espécie de "seguro" garantido ao cidadão em casos
específicos e estabelecidos por lei (artigo 201 da Constituição Federal), como por exemplo:
No entanto, outros órgãos filantrópicos e de iniciativa privada também podem atuar em áreas
previdenciárias (previdência privada), na saúde (planos particulares), etc.
Como dito, no Brasil a seguridade social é composta por três principais pilares: Previdência social;
Assistência social e Saúde pública.
• Assistência social: políticas sociais que garantam proteção aos cidadãos gratuitamente;
• Saúde pública: acesso universal aos serviços públicos de saúde e saneamento, evitando o risco e
a disseminação de doenças.
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https://youtu.be/RLKzFfZvZIw
Lição 02: A seguridade social no contexto da constituinte
Muitos dos dispositivos da CF de 1988 foram inspirados e tiveram sua redação lastreada em
propostas e reclamos de movimentos populares e da sociedade civil organizada. Não é este o caso da
ideia de Seguridade Social, tal como se encontra plasmada nos Arts.194 e 195. O arcabouço
constitucional da Seguridade Social, que talvez represente a peça de política social mais renovadora
introduzida na Constituição, não contou na época com respaldo de movimentos e de lideranças da
sociedade civil. Este fato é confirmado não apenas pelas análises dos anais da Constituinte, mas
também por depoimentos de atores políticos cuja atuação foi então relevante.1 Pode-se observar,
como exemplo do caráter inovador desta ideia, que o chamado movimento sanitário, que exibia
então um nível destacado de organização e foi decisivo para formulação constitucional do SUS, se
mostrou perplexo e dividido diante da proposição deste sistema mais abrangente de prote-ção social
(FLEURY; BAHIA; AMARANTE, 2008, p. 195).
De fato, no âmbito dos trabalhos constituintes, a proposta de instituição de uma seção do texto
constitucional voltada à Seguridade Social emergiu na Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio
Ambiente,2 sob influência dos tra-balhos realizados dois anos antes pelo Grupo de Trabalho de
Reestruturação da Previdência Social/Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).3 Nesta
primeira versão, tratava-se da criação de um sistema público reunindo políticas de Previdência
Social e de Assistência Social, a partir dos princípios da universalidade da cobertura, uniformidade e
equivalência dos benefícios, equidade no custeio e diversidade das fontes de financiamento. O
anteprojeto da Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente mantinha a política de saúde
como área específica e autônoma. Esta era tratada em uma seção própria onde se acolhia o princípio
da saúde como dever do Estado e sua organização em um Sistema Único de Saúde – ao lado de uma
seção intitulada da Seguridade Social. Neste campo, o anteprojeto repercutia as determinações da
VIII Confe-rência Nacional de Saúde, realizada em 1986, e que apontava para necessidade de
instituição de um sistema público de saúde, de acesso universal e sob gestão descentralizada e
participativa.
Foi na Comissão da Ordem Social que se consolidou o título da Seguridade Social nas bases em que
foi definitivamente acolhido pelo texto constitucional. Ampliando-se a perspectiva oferecida pela
Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, a Comissão da Ordem Social incluiu a saúde
como parte do sistema público de Seguridade Social, ao lado da previdência e da assistência. Esta
última diferenciou-se da previdência e ganhou destaque como política específica e componente da
Seguridade. Consolidaram-se, ainda, nesta comissão, os princípios que deveriam sus-tentar a
organização da Seguridade Social.Esse novo formato dado ao título da Seguridade Social causou
surpresa. Se a integração das políticas de previdência e de assistência já vinha sendo esbo-çada, o
mesmo não ocorria na área de saúde.4 Sua inserção no sistema amplo da Seguridade, ao lado da
Previdência e da Assistência social, era uma ideia surpre-endentemente nova para os militantes do
movimento sanitário; tal conformação institucional das políticas de bem-estar jamais havia sido
cogitada ao longo das discussões que levaram à formulação do marco doutrinário que foi compilado
por ocasião da VIII Conferência Nacional de Saúde. Ao contrário, no âmbito deste movimento,
buscava-se ampliação da autonomia da política pública de saúde, incluindo a reserva de um
orçamento específico, vinculado percentual-mente ao orçamento da União.
Com a proposta de instituição de um sistema amplo de Seguridade Social, dois tipos de temores
preocuparam os sanitaristas: que a saúde perdesse a garantia de fontes de financiamento, devido às
necessidades dos demais segmentos do sistema; e que a proposta evoluísse para criação de um todo-
poderoso ministério da Seguridade Social, minando a autonomia do Ministério da Saúde (MS) e sua
capacidade de estimular a base político-institucional descentralizada do SUS – trazendo riscos para
o próprio reconhecimento da saúde como tema estratégico das políticas sociais. Por isso, entendiam
que era urgente realizar um movimento inverso, que consistia no fortalecimento do MS para
fornecer as bases técnicas e administrativas do SUS, como de fato veio a acontecer.
A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos
responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e
prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, asse-gurada a cada área a gestão de
seus recursos (BRASIL, 1988).
É que se antevia uma dificuldade que veio a ocorrer na década seguinte: a sub-tração de recursos da
saúde em nome da prestação dos benefícios previdenciários, que têm um caráter claramente
compulsório.
O fato da Seguridade Social ter emergido na nossa história recente como uma ideia mais de cunho
técnico, com escassa sustentação política e institu-cional no Estado e nos partidos políticos, em que
pese não constituir uma exceção na experiência internacional, pode ajudar a explicar muitas das vi-
cissitudes e da debilidade institucional que tem experimentado nestas duas décadas de existência.
De fato, a conjuntura que se seguiu desvelou a dificul-dade de fazer consolidar um campo de política
social em contexto no qual os movimentos sociais se mostram largamente indiferentes a ela e muitos
dos governos hostis.
Lição 03: O conceito de seguridade social e sua conformação no Brasil
O termo Seguridade Social é um conceito estruturante das políticas sociais cuja principal
característica é de expressar o esforço de garantia universal da prestação de benefícios e serviços
de proteção social pelo Estado. Neste sentido, sua base de financiamento é bem mais ampla que a do
seguro social, conceito que orientou a política previdenciária brasileira desde os anos de 1920,
organizada sob inspi-ração do modelo alemão, criado por Bismark na segunda metade do século XIX.
É sabido que a expressão Seguridade Social tem origem anglo-saxônica, tendo por referência certas
políticas do início do século XX. Mas ele aparece pela pri-meira vez no documento de lançamento do
Social security act, que instituiu a Previdência Social americana, em 1935.
Em 1952, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) colocou em vigor a Convenção no 102, que
define o termo Seguridade Social e estabelece padrões mínimos a serem cumpridos pelos países
ratificantes. Cabe salientar que o termo possui interpretações divergentes de país para país,
conforme as necessidades e os consensos sociopolíticos locais. Mas, em geral, não confrontam a
definição bastante flexível dada pela OIT:
(...) proteção que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas
públicas, contra as privações econômicas e sociais que, de outra maneira, derivariam do
desaparecimento ou da forte redução de seus rendimentos em con-sequência de enfermidade,
maternidade, acidente de trabalho, enfermidade profis-sional, desemprego, invalidez, velhice e
morte, bem como da proteção em forma de assistência médica e de apoio a famílias com filhos.6
Com tal definição, estimulava-se a criação de uma rede de proteção social ampla, integrada por
diversas políticas sociais que combatem situações de carên-cia devido à incidência dos riscos sociais
anteriormente mencionados. Essa rede conta tradicionalmente com o concurso de três pilares: i) as
políticas universais, financiadas com recursos tributários; ii) as políticas de seguro social, portanto,
contributivas; e iii) as políticas de Assistência Social, não contributivas, residuais nos países
desenvolvidos, sendo ali suplementares ao seguro. A Seguridade Social é essencialmente inclusiva,
no sentido de reconhecer o direito dos cidadãos à proteção social com base em outros critérios
universalizáveis que não apenas o da capacidade de contribuição individual daqueles que estão
formalmente vincula-dos ao mercado de trabalho.
Barr, tendo em conta, sobretudo, a experiência britânica, distingue dois componentes principais de
um Estado de bem-estar:
1. O seguro social é proporcionado sem avaliação de renda ou riqueza, geralmente na base de (a)
contribuições prévias e (b) a ocorrência de especial contingência, tal como tornar-se desempregado
ou alcançar uma idade especificada;2. Benefícios não-contributivos são de dois tipos. Benefícios
‘universais’ são distri-buídos na base de uma contingência específica, independentemente da
contribuição prévia e da avaliação de renda. (...). A assistência social é distribuída com base numa
avaliação de renda. Em geral constitui um benefício de última instância, concebido para ajudar os
indivíduos e famílias que se encontram em situação de pobreza, quer como resultado de uma
emergência excepcional, quer porque não estão cobertos pelo seguro social, ou, ainda, como
suplemento ao seguro social (1998, p. 7).
Assim, graças ao arcabouço legal dado pela Constituição, o princípio con-tributivo passava a dividir
espaço com o princípio de universalidade não contri-butiva, que hoje preside muitas das ações da
Seguridade Social. A ênfase em tais princípios de equidade, amplitude de cobertura e participação
democrática estava em consonância com as demandas então apresentadas por diversos movimentos
que se organizavam em torno da noção de cidadania, englobando tanto a dimen-são de direitos
políticos quanto a dimensão dos direitos sociais.
Tais demandas alimentavam-se nos diagnósticos então realizados sobre as políticas sociais
brasileiras e que destacavam, entre outras características, sua centralização, fragmentação, baixa
cobertura, iniquidade e falta de uniformida-de nos benefícios. As novas demandas se inspiravam
também, na constatação, generalizada no início dos anos de 1980, de que a sociedade brasileira
mantinha uma efetiva dívida social. Dissipava-se a ilusão de que o crescimento econômico seria
instrumento efetivo de incorporação das camadas mais pobres às condições aceitáveis de vida e aos
mecanismos públicos contributivos de proteção social. De fato, a crise do milagre econômico havia
exposto os limites do modelo de desenvolvimento nacional no que tange à dinâmica de inclusão dos
setores mais desfavorecidos. Em um contexto de ampliação das demandas e de retração das
atividades econômicas, a proteção social não mais se conciliava com o princípio estrito do seguro
social, majoritariamente financiada por contribuições sociais. O reconhecimento dos limites da
política previdenciária associou-se à recusa da filantropia como resposta aos fenômenos da pobreza
e da desproteção, que então ganhavam espaço central no debate político sobre a democratização, a
recupera-ção da cidadania e a instituição do Estado de direito.
• Eliminar ou diminuir as diferenças entre trabalhadores rurais e urba-nos, no que tange aos tipos e
aos valores dos benefícios.
Cabe aqui lembrar a longa trajetória da Previdência Social, política social mais que centenária,
desde que os primeiros regimes obrigatórios de seguro social foram criados na Europa, nas duas
últimas décadas do século XIX. Trata-se de uma respeitáveltrajetória histórica, na qual se observam
inúmeros exemplos da capacidade de adapta-ção e de resistência evolutiva de sistemas
previdenciários diante de choques externos ou das transformações da estrutura social que lhe dá
base. Na América Latina, seu formato tem sido tradicionalmente contributivo, visto que a vertente
beveridgiana, estabelecendo um beneficio básico universal, financiado por meios tributários, não
teve até agora repercussão sobre o formato geral dos sistemas, ao contrário do que aconteceu nos
países escandinavos e em alguns países anglo-saxões. Como aponta a experiência internacional, a
universalização da Previdência Social depende da insti-tuição de regimes subsidiados de modo a
garantir o acesso geral aos benefícios míni-mos. Desta forma, em que pese o significativo movimento
de inclusão determinado pelo texto constitucional, e que teve por beneficiário principal o
trabalhador rural em regime de economia familiar, mantêm-se ainda hoje, nesta política, expressivos
patamares de desproteção.7
Concluindo esse rápido quadro, em que pese as limitações ainda observadas, não há dúvidas de que,
nas últimas duas décadas, as determinações constitucionais orientaram a expansão das políticas
incluídas no sistema de Seguridade Social – como mostram os capítulos dedicados à saúde,
assistência social e previdência social desta publicação – e o próprio formato da proteção social do
país. Entre-tanto, pouco se avançou no caminho da institucionalização da Seguridade Social
enquanto conceito organizador da proteção social e instrumento de integração daquelas políticas
setoriais. Este será o objeto das próximas seções.
A TRAJETÓRIA INCOMPLETA
Um segundo motivo de dificuldades diz respeito ao financiamento. Pode-se mesmo afirmar que foi
em torno do tema que a dificuldade de consolidação da Seguridade Social como princípio
organizador do novo modelo de proteção social se revelou em toda sua complexidade. Como já
destacado, a instituição da Seguri-dade Social exigia significativa expansão da responsabilidade
pública na proteção social e, com ela, do gasto social. Contudo, a trajetória política posterior à pro-
mulgação da Carta Constitucional teve um impacto desorganizador na estrutura de financiamento
proposta para a Seguridade Social, seja devido à disputa entre as três políticas, à implantação de
medidas de desvinculação de recursos exclusivos da Seguridade Social, seja à ausência da plena
regulamentação do princípio das fontes diversificadas de financiamento.
De fato, ocorreu uma progressiva vinculação de receitas às diversas áreas e uma desestruturação do
conceito original de financiamento solidário entre as políticas componentes, com o surgimento
gradativo de uma competição interbu-rocrática por recursos. Efetivamente, mudanças drásticas na
destinação das fontes de financiamento da Seguridade Social fizeram com que o SUS deixasse de
rece-ber qualquer quinhão da receita de contribuição previdenciária em nome do cará-ter
claramente compulsório destes benefícios. Tal dificuldade, como se sabe, levou o MS a buscar fontes
adicionais de financiamento do setor, o que acabou por se traduzir na criação da Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).12 Esta falta de coesão nas bases de
financiamento terminou por minar igualmente a operacionalidade política do sistema e não
favoreceu jamais uma ação interinstitucional coerente no campo da Seguridade Social.
Mas, provavelmente, foi a instituição da desvinculação das receitas da Segurida-de Social que mais
afetou as possibilidades de consolidação do projeto constitucional. Criada em 1994, sob o nome de
Fundo Social de Emergência (FSE), o instrumen-to da desvinculação passou por sucessivos
“aperfeiçoamentos” até o atual estágio da Desvinculação de Recursos da União (DRU). Seu
mecanismo permite a realocação de cerca de 20% das receitas próprias da Seguridade, que são
então, em sua maior parte, redirecionadas para o alcance de metas fiscais.13 A introdução da
transferência compulsória de receitas da Seguridade Social tem alimentado o debate sobre o supos-
to caráter deficitário deste campo de políticas sociais.14 Ampliou ainda o processo de disputa
orçamentária entre as áreas da Seguridade e a busca de garantias específicas de financiamento,
como foi o caso da CPMF.
Por fim, cabe lembrar um terceiro fator que dificultou a afirmação do prin-cípio de Seguridade como
conceito organizador de uma proteção social unificada, que seja atuante e eficaz por suas sinergias
internas, como verdadeiro sistema. Trata-se da disputa política instalada logo após a promulgação
da Constituição e que se estende até os dias atuais, opondo dois paradigmas antagônicos, como os
definiu Fagnani (2008). De um lado, estão aqueles que insistem na defesa da Seguridade como base
de um projeto de Estado Social; de outro lado, estão os que consideram as determinações
constitucionais um empecilho ao equilíbrio das contas públicas. Tal disputa comparece
continuamente nos debates em torno das questões do financiamento e do tão propalado déficit da
Previdência Social, de tal modo que este debate tende a obscurecer o significado do novo sistema de
proteção social. Muitos economistas e a própria imprensa continuam a tratar o orçamento da
Seguridade Social como pertinente apenas à garantia dos bene-fícios previdenciários, ou seja, como
se estivesse referido à lógica de um seguro, com suas típicas regras atuariais. Desconsidera-se não
apenas que, após a CF/88, a previdência, enquanto política da Seguridade Social, passou a ter boa
parte dos seus gastos realizada a partir de receitas orçamentárias. Também ignora-se elementos
operacionais fundamentais, tais como a diferença entre a contribuição para a previdência rural –
necessariamente subsidiada por recursos fiscais – e a contribuição para a previdência urbana – de
caráter contributivo mais rigoroso.
Nesse mesmo campo de disputa encontra-se o Programa Bolsa Família (PBF).15 Inovando e
complementando o sistema de proteção social brasileiro,o PBF é defendido por muitos não como
uma ação isolada de Assistência Social, mas como uma política legítima da Seguridade Social.16
Para outros, contudo, este programa deveria ser encarado como uma alternativa ao amplo projeto de
proteção social acolhido pela Constituição. Perde-se de vista, nesta segunda perspectiva, o fato de
que a composição e a lógica de operação dos três segmentos – previdência, saúde e assistência –
vêm se diversificando in-ternamente visando atender ao espírito da Seguridade Social, que é o da
uni-versalização de direitos sociais sem necessariamente depender da contribuição individual. Neste
sentido, o PBF vem se afirmando como uma iniciativa que amplia o sistema de garantia de renda da
proteção social brasileira, atendendo a um público até então excluído e cumprindo um papel
específico e comple-mentar na Seguridade Social.
Resumindo, a ideia de Seguridade Social foi combatida desde seu nasce-douro. Paralelamente,
carente de uma regulamentação integradora das políticas setoriais, ela foi ainda gravemente ferida
pela crise fiscal dos anos 1990, cuja consequente guerra por recursos orçamentários conspirou
contra toda e qual-quer proposição de uma atuação interinstitucional coerente com o conceito de
Seguridade Social. Finalmente, cabe lembrar que a eliminação, em 1998, do artigo da lei orgânica
que preconizava constituição do conselho da Segurida-de Social, fez com que sua institucionalidade
ficasse praticamente reduzida ao planejamento orçamentário anual. Enfrentar tais desafios ainda se
coloca como uma tarefa relevante no sentido da consolidação deste novo regime na ampliação da
solidariedade e da inclusão social.
A instituição normativa do orçamento da Seguridade Social é estabelecida pela CF por meio do Art.
165, § 5o, inciso III, que o diferencia orçamento fiscal, previsto neste mesmo § 5o, no inciso I. Mas é
no título que trata da Ordem Social, onde o sistema de Seguridade Social ocupa todo um capítulo
(Arts. 194 a 204), que estão definidos os conteúdos tácitos e explícitos deste. Tais conteúdos estão
basicamente relacionados aos direitos sociais reconhe-cidos na Carta, relativamente à proteção
social e aos deveres fiscais corres-pondentes. O orçamento da Seguridade reflete o balanço de
direitos sociais e deveres fiscais, mas em uma estrutura pouco transparente de fontes e usos, até
hoje carente de clara explicitação e de accountability.
O Art. 194 da CF define aquilo que o constituinte estabeleceu como siste-ma de Seguridade Social e
seus princípios norteadores, já analisados nas seções precedentes. Por sua vez, o Art. 195 define as
fontes de financiamento e os crité-rios implícitos e explícitos deste financiamento, coerentes com os
princípios do Art. 194. Aí transparecem duas condições orientadoras: a diversidade das bases fiscais
do financiamento – folha de salário, faturamento, lucro líquido etc. – e o princípio da exclusividade
das fontes, ao se eleger explicitamente as contribuições sociais e não os impostos como objeto de
vinculação à Seguridade.
Observe-se que o Art. 195 não estabelece limite físico-financeiro às fontes do orçamento da
Seguridade, pelo que se lê explicitamente no seu caput; mas tão somente o princípio da
exclusividade das fontes baseadas em contribuições. Isto significa que, caso ocorra insuficiência de
recursos oriundos destas contribuições para atendimento aos direitos sociais explicitamente
estabelecidos, cumpriria à União o dever fiscal de realizar transferência de recursos – do orçamento
fiscal para o orçamento da Seguridade.
Observe-se que cada área da Seguridade Social teve regulamentado autonoma-mente os direitos e
responsabilidades correspondentes por meio de distintas le-gislações infraconstitucionais. Tais
legislações regulam as determinações da nova Constituição em cada uma das políticas – saúde,
previdência e assistência social –, que agora ganham nova configuração. Este processo corresponde
à criação efetiva do direito social positivo, susceptível de ser exercitado por iniciativa do cidadão.
Por esta via, introduz-se na política social um fluxo permanente de demandas dos cidadãos, visando
garantir o acesso a benefícios monetários de natureza contribu-tiva ou não contributiva e a serviços
públicos gratuitos.
Por sua vez, as demandas por benefícios monetários garantidos constitucio-nalmente, sejam ele de
natureza contributiva – previdência e seguro-desemprego – ou não contributiva (BPC) se expressam
de maneira distinta. Não é apenas a demanda anual que comparece compulsoriamente ao
orçamento, mas o estoque de benefícios em manutenção – benefícios de anos anteriores, acrescido
do fluxo de novos direitos adquiridos no ano e subtraídos dos benefícios cessados por moti-vos
regulamentares. Ademais, os estoques de benefícios em manutenção refletem direitos sociais
acumulados no tempo, protegidos pelo princípio do direito ad-quirido (Art. 5o da Constituição).
Financeiramente, estes direitos sociais, exerci-tados por iniciativa individual, são, ao menos em tese,
insusceptíveis a cortes e/ou qualquer forma de inadimplência orçamentária. São assim, cercados de
garantias diferenciadas face as que se referem à prestação de serviços nos campos da saúde ou de
Assistência Social. Estes últimos, dependentes da demanda populacional diante da capacidade de
atendimento, estão relativamente menos protegido no ordenamento orçamentário constitucional,
pelas razões já expostas.
Em 2008, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil
(ANFIP), a arrecadação total das fontes da Seguridade corres-pondeu a 13,4% do PIB – de acordo
com a fórmula: contribuições sociais (+) recursos próprios (+) aportes fiscais. O desempenho da
arrecadação neste ano fiscal ainda é muito favorável, em razão das características da evolução das
bases fiscais da Previdência – folha de salários – e das demais contribuições principais – Contri-
buição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL) e Programa de Integração Social (PIS)/Programa de Formação do Patrimônio do
Servidor Público (PASEP). Apesar da perda de arrecadação causada pela não renovação da CPMF,
os movimentos de crescimento econômico e formalização no mercado de trabalho, que estavam em
curso até o penúltimo trimestre de 2008, permitiram uma resposta elástica da arrecadação, que
continuou em expansão. O desembarque da crise econômica internacional no país, ocorrido nos
últimos meses de 2008, interrompeu este processo.
Para 2009, dado o contexto de crise da economia, espera-se uma redução da arrecadação tributária,
em geral e das contribuições sociais, em particular. Portanto, espera-se uma redução da capacidade
excedente do orçamento da Segu-ridade Social, o que exacerbará ainda mais o conflito entre as
necessidades das políticas públicas da Seguridade e o redirecionamento de parcela importante de
seus recursos para outras finalidades, por meio da DRU. Isto porque os fatores que vem atuando no
incremento da despesa – demográficos, epidemiológicos e institucionais – continuam vigentes.
Ademais, outro fator institucional con-juntural, a política do salário mínimo em vigor nos últimos
anos, continuará influenciando a trajetória do gasto – o incremento real do salário mínimo de 2009 é
dado pela média do crescimento do PIB de 2007 e 2008 e para 2010 aplicar-se-á idêntico critério dos
dois anos anteriores.
Somados os fatores de caráter demográfico aos fatores de caráter institucio-nal, pode-se prever para
2009 um crescimento real da despesa um pouco abaixo da média do período 1995-2005, que foi de
5,6%, mas nunca inferior a 3,5%, que é o patamar mínimo histórico de crescimento físico dos
estoques dos benefí-cios do seguro social, maior fonte de gastos da Seguridade Social.
Por sua vez, a dinâmica das fontes de arrecadação, ligadas às diversas bases fiscais do orçamento
não será provavelmente incremental. Isto é o que nos leva a concluir sobre a necessidade de aportes
compensatórios equivalentes aos recur-sos extraídos da Seguridade Social por meio da DRU. Esta
seria uma providência de caráter imediato, de natureza anticíclica e de sentido quase compulsório
no orçamento da Seguridade cuja porção associada a direitos sociais – da saúde, dos seguros sociais
e dos benefícios assistenciais constitucionalmente incluídos nas despesas do sistema –,
correspondeu, em 2005, a 94 % da despesa total.
Em 2008, o governo federal apresentou uma proposta de emenda a Constituição que, se aprovada,
trará efetivos impactos negativos sobre o financiamento da Segu-ridade Social. Enviada em fevereiro
de 2008 ao Congresso Nacional, a PEC no 233 pretende alterar o Sistema Tributário Nacional,
trazendo, entre as suas principais proposições, alterações que atingem as vértebras do
financiamento da Seguridade Social. Primeiro, ao extinguir Cofins e CSLL, que seriam incorporadas,
respecti-vamente, ao novo Imposto sobre Valor Agregado Federal (IVA-F) e ao Imposto de Renda
Pessoa Jurídica (IRPJ). Em substituição a estas duas contribuições, o orçamento da Seguridade
Social passaria a receber um percentual – definido e congelado em lei –, de 39,7% do produto da
arrecadação dos impostos federais (Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), IR, e o novo IVA-
F). Adicional-mente, é proposta também a desoneração da folha de salários, com a redução das
contribuições obrigatórias que incidem sobre a folha de pagamentos das empresas. Em que pese
esta ser a principal fonte de financiamento da Previdência Social, a PEC no 233/2008 não define
como seria efetivada a compensação da perda de recursos imposta por esta medida, se aprovada, às
políticas sociais. 21
Em reação a tal proposta, entidades da sociedade civil organizaram mo-bilização social “em defesa
dos direitos sociais, sob ameaça da reforma tributá-ria”.22 A este respeito, houve um entendimento
em torno dos princípios básicos da Seguridade que devem ser preservados na sua relação com o
sistema fiscal. Na visão deste movimento, é imprescindível atender determinados princípios da
Seguridade no projeto da reforma tributária – sem o que esta conquista da cida-dania se
inviabilizaria. Estes princípios podem ser assim enunciados:
5. Instituição do Fundo Nacional de Seguridade Social – não prevista na reforma –, tendo em vista
ancorar demandas futuras em bases de finan-ciamento que sejam autônomas em relação aos
critérios fiscais correntes.
A consolidação desse entendimento decorre do fato de que a PEC no 233/2008 contraria o cerne do
sistema da Seguridade – a base de financiamento autônoma, prevista no Art. 195 da Constituição
Federal. Todo este sistema ficaria, de acordo com o projeto,23 remetido a uma espécie de apêndice
do orçamento fiscal, mediante a substituição das contribuições sociais Cofins e CSLL por um
percentual de 39,7% da arrecadação de IR, IPI e IVA-F. Este percentual seria a nova origem de
recursos da Seguridade Social a ser acolhida no texto constitucional. Tal limite de financiamento
substituiria, de fato, todo o ordenamento conceitual e institucional estabelecido em 1988, calcado no
orçamento autônomo (Art. 165), na sua base de financiamento ex-clusiva (Art. 195) e no
detalhamento dos direitos sociais explicitados em dez artigos (Arts. 194 a 204), objeto de várias
regulamentações ao longo dos últimos 20 anos.
Ainda que os defensores da proposta de reforma tributária argumentem que o patamar proposto
garantiria o nível de recursos da Seguridade – uma vez que foi calculado a partir da alocação de
recursos efetivamente realizados no exercício de 2005 –, e também que este constituiria um piso –
pois nada impe-diria que as áreas da Seguridade recebessem aportes fiscais adicionais –, a preo-
cupação de todos os atores sociais com a referida PEC é mais do que justificável. Os recursos
atualmente aplicados pela Seguridade Social não são suficientes para o enfrentamento das questões
sociais do país – e, neste sentido, uma proposta que garante apenas a manutenção de um valor
ocorrido em dado momento do tempo apresenta-se como insuficiente. Paralelamente, não há
garantias de que recursos fiscais adicionais serão aportados à Seguridade, em complementação aos
insuficientes 39,7%. A história dos últimos 15 anos demonstrou, à exaustão, jus-tamente o inverso:
por meio do FSE e da DRU, foram os recursos da Seguridade que foram desviados ao atendimento
de outras prioridades da política fiscal.
Por apontar para um quadro de insuficiência ainda maior de recursos, a proposta de reforma
tributária em tramitação no Congresso Nacional tampou-co é condizente com o princípio do
atendimento a demanda por direitos sociais já positivados, sendo por esta razão incompatível com o
Art. 5o da CF considerada cláusula irreformável. Desta forma, o critério de teto orçamentário às
despesas, previsto no texto da reforma, pode ser considerado uma ameaça aos direitos de
atendimento à população. Finalmente, os itens quatro e cinco do conjunto supra-citado de princípios
continuam apontando para a necessidade de mudanças futu-ras no sistema da Seguridade, dotadas
de caráter redistributivo e aprovisionador. Tais mudanças deveriam ser realizadas, quase todas elas,
por medidas de caráter infraconstitucional, mas iriam, com certeza, em direção oposta àquilo que
ora se intenta alcançar com a PEC no 233/2008.
Lição 06: Considerações finais
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo assim, a Seguridade Social foi uma das mais importantes conquis-tas da Constituição de
1988. Seus impactos positivos não se restringem à redução da pobreza, à redução da vulnerabilidade
no enfrentamento dos riscos sociais e à ampliação da melhoria de acesso a serviços sociais, já
amplamente apontados pela literatura especializada. Eles se estendem também à consolidação da
cidadania, com afirmação de um sistema público e abrangente de proteção social, ancorado em um
reconhecimento de direitos sociais que supera um modelo ancorado na discricio-nariedade da oferta
e do acesso, nos princípios morais de ajuda ou na condição de assalariamento formalizado.
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