A Fundação de Belém

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0032622/2003

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A FUNDigiO M BEIEM ^

Ligeira resposia ao
M I? i?

<S DO ^ om. <4-

Snr. CANDIDO COSTA


R : i'

llEIVlNDia(l\0 HISTOIIICA

•(^onsoatife a narratiaa do historiador potiuguez


BERNARDO PERE[RA DE BERREDO
que fora governador e capitdo-general do Estad'o
do Alaranhdo nos arinos de 1718—1722,
PELO

(^Jo:)e' (^^iSeizo c/o (^mataf

'2AN|
c)«ia

Biblioteca Publica Benedito Leite


Ao Espirito eminenteinente. LaUno,—sempre
nohre,, grande sempre, ainda mesmo na desventuva,
fidalgamente personificado em Daniel de La
che, Senhor de La (Ravardiere,—o chefe francez,
que, apesar de vencido, ndo regateou, antes poz d
disposicdo de Alexandre de Moura,—o vencedor,
cs services dos sens pilotos, que, sos, abriram
caminho d expedicdo que, em i6i5, foi d desco=
berta e conquista do Amazonas. ,

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I
0 a@ ©liero

SEGUXDO O TESTE-AIUNHO DO IIISTOEIADOB

Bernardo Pereira de Berredo

Resposta ao opusculo do Snr. CAN DIDO COSTA

Sob 0 titulo «A Funda?ao de Belem»—Reivtx-


DiCACAO IIisTORiCA—consoaute a narrativa do hhloria^ir
portuguez Bernardo Pereira de Barretlo, que f6rn go'cnM-
dor e capildo-general do Estado do Maranhdo, no!^ ainto!^
de 1118—172^—, acaba o Sr. Candido Costa, esfor^ado
iiivestigador da historia patria, de publicar, em Belem,
um «Estudo Historico®, em um opusculo de 36 pags,,
de que teve a gentileza de nos offerecer um exemp!^^-
Como bem se deixa ver desde logo, do proprio
titulo do seu trabalho, e o illustre auctor do opusctilo

. IBFIBIL.
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A Fuxdacao DE BKLKM

partidario decidido da narrativa deBerredo, isto e, pen-


sa que a expedigao de Caldeira «fez-se a vela da ba-
hia do iMaranhao, avangado ja o mez de Novembro e
que sem a menor opposigao desembarcou as suas tro-
pas em 3 de Dezembro dia dedicado a festividade de
S. Francisco Xavier, apostolo da India Oriental®.
E a razao porque assim pensa, e acceita, como
unica verdadeira e autlientica, a narrativa de Berre-
do—, e porque, segundo elle inesmo o deciara, «em
face da crltica analytica e de certos eiementos de va-
lor liistorico {eiementos^ que alias ndo diz quaes se-
J'j-in) nao liie parece acceitavel que, so agora, escri-
ptores coevos, pretendam desfazer, derrocar mesmo a
obra admiravel e ingente do historiador luso Bernardo
de Berredo, Governador e Capitao-General qne fora do
Maranhao, de cujo cargo tomara posse a 18 de Junho
de 1718, pessoa, portanto, de grandes responsabiiida-
des, e que a despeito de suas penosas occupagoes, em
iioras subsecivas, se dedicava com o maximo interesse
em colher dados e informagOes seguras ac§rca dos
tactos na terra de que era p''imus inter pares, para
constituir a obra que preoccupava oseu espirito escla-
recido, a qual mais tarde foi concluida sob o titulo de
—^Innaes historicos do J'Jstado do Jilaranhdo, etc.»
«Convem aind-i assignalar o facto (continiia o
nactor do opmculo) de haver Berredo no dia 1". de
Agosto de 1718 tomado posse, perante a Camara Mu-
nicipal de Bel^m, do respective cargo, recebendo o bas-
tao do governo das maos do sea antecessor; e nesse

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A Fundacao de Belem 7

caracter andou pelo interior da capitania do Para, co-


nhecendo de perto suas necessidades, e portanto inda-
gando de tudo quanto interessar pudesse, nao ihe es-
capando de certo as occurrencias de maior vulto para
serem referidas na obra que ja se elaborava em sen
preoccupado espirito.
«Assim, elle consultou as melhores fontes para os
seas Annaes e as chronicas vivas d'aquelle tempo,e mes-
mo ate descendentes dos que foram testemunhas occula-
res da funda^ao desta iioje formosa cidade de Beiem.
«Que interesse politico e que vantagem de ordem
social podia haver para se commetter am anachronis-
mo, que deturpasse a verdade de um feito alias tao
glorioso as armas ^rtuguezas, pois si nenhum deslus-
tre havia para a historia da na?ao de ter sido esta
cidade fundada a 3 de dezembro de 1615 ou em taldia
de Janeiro de 1616 !
«Mas assim nao as provas sac evidentes, os tes-
temunhos sao exactos, e Berredo o diz:
tomei a empreza de occupar-me todo em jun-
tar materiaes para o edificio de uma Historia que mos-
trasse bem a todo o Mundo o quanto se dilatam os
vastos Dominios Portuguezes; no que continuei com
uma exacQao tao escrupulosa, e t§o cheia de zelo, que
nao deixei archivo que nao examinasse com os meus
proprios olhos; e dos successes militares eu achei as
noticias nas originaes attesta^Oes dosseus commandan-
tes, ou nos registos das patentes dos postos, que ser-
viram as mesmas pessoas de que falo.

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8 A Fuxdaqao de

«A' vista de tao ponderosas razoes, {'tonclue o


Sr. Candido Costa) penso que nao e licito a ninguem
duvldar da veracidade de tudo quanto se acha narrado
nos Annaes jlCistoricos do Marmhao-, e nao e ago-
ra, quasi decorridos 300 annos, que se vem dizer—
que Belem nao fora fundada em 3 de deiembro de
1615....»

Sem pretender desfazer, e, derrocar, muito menos,


a obra do historiador Berredo, obra, como acabamos
de ver.qualificada de—admiravel e ingente—,saiba, en-
tretanto, o illustre Sr. Candido Costa que neste ponto,
nSo tern, nao pode ter o auctor dos «Annaes Historicos
do Maranhao» a singular auctoridade que Ihe attribue.
0 proprio Joao Lisboa, que a principio ihe fizera
0 elogio, sentiu-se depois obrigado a dizer alguma coi-
sa em ordem a explicar o que por ventura se pudesse
notar de contradictorio entre o juizo que mais tarde fez
delle, e o que exprimira antes, em os ns. 4 e 5 do seu
tao apreciado «Jornal de Tirnon®.
«Acreditavamos entao confessa o nosso grande
historiador, acreditavamos, quasi sem restricgOes, no
escrapulo e consciencia com que escrevia este auctor,
se bem fosse visivel que elle desfigurava a historia
pelo seu pedantismo e affectagao.
«0 Snr. Varnhagen, escrevendo depois de nos,
quajifica-o, no 2° vol. da sua «Historia Geral»,de~
justo, recto, grave, consciencioso e sobretudo caridoso,
mas tambem de enganoso e fallaz pela affectagao.

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A Fundaqao EE Belkm 9

Nas conferencias havidas em Paris durante os


a !:ios de 1855 e 1856, acerca da nossa secular ques-
ta de limites com as Guyanas, questao ja resolvlda
hoje, nos nossos dias, com honra para a Republica e
com lustre para o nome do giorioso estadista que foi
0 barao do Rio Branco; nessas conferencias, em que a
diplomacia bra ileira, brilhantemente personificada no
grande visconde de Uruguay, luctou com armas iguaes,
senao com vantagem, contra a france/a, o nome de
Berredo veiu por vezes a discussao.
0 plenipotenciario fran:-e'! citou algumas passa-
gens dos yinnaes para apoiar as pretengoes do seu
governo. O brazileiro, declinou da competencia dessd'
auctor, e alegou, ate, que elle nao fi/era mais que co-
piar OS que haviam escripto antes delle,pelo que nem-
huma auctoridade podia ter na materia.
Entao Mr. His de Butenval, que ao citar pelapri-
meiro. ve/: os Yinnaes dissera que Berredo, um dos
mais notaveis governadores do Maranhao, havia con-
signado nesta obra oa detalhes da sua administraQao
e da'i saas doubts investigogoes, voltoua carga e mos-
trou-se admirado do desdem com que o plenipotencia-
rio bra ileiro encarava um escriptor, portugaez, douto
letrado, gouernador de una das mais imporlantes
possessoes do ultramar, que havia gooernado o Jila-
rurihao duronte qnalro annos, e qne, depois do sen
governo, permanecera atnd i all mais dais annos para
vprificar e completar as nogdes que colligira duran'
te elle; e que, Jinalinente, ndo publicou os Annaes

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Jlistoricos senao depoi's de sets annos de residencia


e de exploraQoes naquellas latitudes.
- *Serd, pais, de pres-unir (concluia o pleni-
potenciario francez) que este sabio, este explorador,
este governador de provincia, dotado do espirito de>
investigagao e habilitado com todos os meios proprios
para o applicar, se limitasse a copiar, piira e simples-
mente, depois de um intervallo de cem annos, os dize-
res de um frade de Barcelona ?»
(Vide—Acta da 11/ sessao, em 4 de Janeiro de
1856. Annexo ao Relatorio do ministro dos negocios
estrangeiros do Imperio do Brazil em 1857).
O plenipotenciario brazileiro havia, com antecipa-
^ao, respondido affirraativamente a esta emphaticain-
terrogagao. Tinha muito bem respondido, mas pudera
ter respondido melhor ainda, diz Joao Lisboa.
Evidentemente, Mr. His de Butenval allegava e
argumentava sem ter lido o auctor que citava, e ser-
vindo-se apenas de extractos que Ihe haviam sido for-
necidos officiosa e officialmente.
Os Annaes de Berredo, bem longe de conterem
OS detalhes da sua administragao, e das investigagoes
feitas no curso della, terminain justamente com o acto
da posse deste govprnador, pelas razoes que elle mes-
mo tem o cuidado de decl-'^rar.
Findo 0 seu governo, nao permaneceu Berredo
mais dois annos no Maranhao, (como dissera o pleni-
potenciario francez « muito de proposito para verificar
e completar as noyoes que havia colligido». 0 que elle

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A FundacXO T)E BELEM

(]j^ j^o—Prologo—e que o tempo que podia furtar ao


descango, ou estava ocioso, enipres^'iva-o todo na in-^
dagagao das memorias do Estado; ate que chegando-lhe
successor, e nao podendo logo recollier-se oo 'Reino
Ijo<' falta de rnongao, tomou a empreza de occupar-se
em juntar materiaes para o edificio de uina Historia,
examinando a esse fim todos os archives com os sens
proprios olhos.
«Neste trabalho tao custoso,—diz elle gastei
perto de um anno que me deaiorei naquelle Estado,
depois de alliviado do governo d'eile».
Quanto a trabalhos e exploracOes " geographicas.
nem Berredo diz que as fez, nem de passagem aiguma
dos seus Annaes consta que effect!vamente as fizesse.
Pelo contrario, a sua ignorancia, negligencia e
desconhecimento do Estado que acabava de gov^ernar,
neste ponto, e tal que, descrevendo a ilha do Mara
nhao, no Liv. 1." n. 21 dos diz que uma
grande baliia a separa da terra firme da parte de leste,
em distancia de duas leguas, e tres pela de oesie e
que, pela do sul,—^6 um pequeno rio, chamado dos
Mosquitos, com menos larg,ira de tiro de espingarda, o
nao deixa de ser mais ou menos exacto; mas, esque-
cido de tudo isto, refere, no Liv. II - > n- 765, que os
Hollande/es embocaram com a sua armada pelo rio
chamado Bacanga, <<7^6 divide a ilha da terra firme
pela banda de lefite».
«Ora, no Maranhao,—ja commentava Joao Lisboa
com muito chiste—, nao ha pescador ou negro bo^al que

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nao^aiba que o chaniado rio Bacanga e um pequeno


brago de marque penetra na ilha e fenece no interior
della, sem cominunicagao alguma com a terra firme.
«Se esta extraniia e iiiaudita contradicgao tinha
iogar com um ponto de territorio do seu governo, que
o auctor pidia ver, mesmo das janellas do seu palacio,
0 que havemos de suppor das paragens desertas, ala-
gadas e absolutamente desconhecidas das Guyanas ?
Em outro Iogar faz el!e, por exemplo, os portu-
guezes estabelecidos em uma ilha do Peria (Liv. Ill
n 244), o que podera ser exacto; mas da Relagdo de
Diogo de Campos, a quem quasi sempre seguiu, sobre-
tudo em os Livs. Ill e IV, em os quaes transcreve, quasi
peias mcsmas palavras, a maior parte della, como elle
proprio 0 confessa, (Liv. Ill, n. 217) infere-se que a ex-
pedi(jao se estabelecera na terra firme, indo os expe-
dicionarios «com o prumo na mao surgir todos a'salva-
mento as dez horas da noite dencro do rio Perejci,
tr-es /egous par elle acima da handa de Jj-este».
(Vide «Memorias para a Historia da Capitaniado
AAaranhao—Jornada do Maranhao por ordem de S. Ma-
gestade feita o anno de 1614». Lisboa—1812).
Em uma outra passagem dos referidos Annaes,
(Liv. V, n. 3S9) diz ainda Berredo que, quando Alexan-
dre de Moura veiu em 1615 expellir daqui os france-
zes, «fazendo prompto desembarque na pequena Xlha
dp. J.S. I'^ranciHco^ distante pouco mais de tiro de ca-
niiao da Fortaleza dos Francezes, levantou nella outra
dc;fensa de pao a pique, da invoca?ao da mesma Ilha,
que se chamou tambem o Forte do Sardinha . . .»).

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A FuxdacXo de Bel^;m 17

Nao podera ser 22 de novembro ? E' isso o que


convert! verificar . . .»

Antes do mais,—sentimos dizel-o, nao estao es-


tes argumentos na altura dos creditos litterarios do Sr.
Candido Costa.
Comccemos pelo 1 ° « 4o animo de qaein que
que seja, diz S\ assalta a idda de ncio ter elle—,
esse documento,—escapado as pesquizas do histo-
riador Berredo . . .»
Pois saiba,—que escapou ou, melhor, que Ihe foi
desconhecida essa pe^a, a qual, com muita justi?a,—de
alta relevancia, a qualifica o Sr. Candido Costa; e Ihe
foi desconhecida porque, havendo se restringido as
suas pesquizas, como elle proprio no—Pi ologo—o
confessa, tao somente aos archives do Estado, de cujo
governo acabava de ser alliviado, nao poderia Berredo
encontrar nelles urn documento, urn seculo antes de-
positado nos opulentos archivos de Portugal e de Es-
panha. Accresce, ainda, que desse Heglmento, «fc2e-
ram-se apenas dots do mesino tear, hum que mefi-
qua assinado por elle, (dizia Alexandre de Moura re-
ferindo-se a Caldeira) e este que leva, dado no forte
de sam Phelippe, 22 de dez.'° 1615 annos. Alexan-
dre de moura. fr.*^" Caldeira de Cast." br.*""*.
Alem deste, de tanta senao maior relevancia ain-
da, urn outro documento ha, relative a expedigao de
1615. E' 0—<^uto que rnandou fazer o 'Qapitam
mor Alexandre de Moura sobre alguns capitidos de

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A Fundaqao de Belkm

sens regimentos a que deoia darcompHmento—, mio


lavrado por ^frutuoso lopcz, tabaliam do publico judi-
cial. E notas em toda esta conquista do Maranhao;»
auto que comega assim ;
ANKo DO NASciMEN^o de Hosso sf. Jesus Christo
de mil, e seis centos. E quinze annos aos treze dias do
mez de dez.''° do dito Anno neste forte Sam Phellippe,
nas pouzadas do Capitao Mor Alexandre de Moura;»
auto que se encontra assignado por «^lexandre de
Maura, Puijo Coelho de Carvalhojran.'^^ Caldeira
de Cast° branco, f>iogo de Campos Moreno e
fpCLTi'cJ^^ dc J'vws (JSLcsciiiitd,^^
(Vide—Documentos para a Hi>toria da Conquista
e Colonisagao da Costa de Leste-Oeste do Brasil-Rio
de Janeiro—1905).
Mais um documento. portanto, que passou des-
percebido ou desconhecido a Berredo, nao porque n§o
tivesse compulsado elle os archivos do Estado; mas
porque, ao que parece, nao se encontrava elle,-esse
documento, no Maranhao nem no Para.
Alliviado do governo e restituido a Lisboa nao
tratou mais Berredo de rever archives,-contentou-se
com 0 material unico que daqui tinha levado, e,^ en-
tao, e elle mesmo quem nol-o diz «entrey em maiores
fadigas; porque para haver de assentar hum estylo que
ficasse sendo menos fastidioso a pureza da hngua,
sem faltar aos preceitos dos Mestres da Historia, iz
huns largos estudos nos mais celebrados, assim vul-

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A FuxdacjXo de Belem 19

gares, como Latinos; ate que , . . puz a ultima demao


nestes Annaes Historicos . ,.»
Como este, parece-nos que Ihe foi desconhecido,
tambem, o—Relatorio de Alexandre de Moura so-
bre a expedigao d ilha do Maranhao e expulsao dos
francezes—e que traz a datade Lisboa 24 de outubro
de 1616. Nao o conheceu certamente, porque se o ti-
vesse compulsado ou delle houvesse tido noticia, a
elle se haveria referido nos seus Annacs, o que o nao
fez; e, entao, para guardar a serena imparcialidade da
Historia, que tanto alardea, ter-nos-hia deixado dito
que—nao foram pilotos portuguezes e sim francezes—,
OS que guiaram a Belem a expedigao de 1615,visto que
aquelles, convocados a conselho, declararam «que nao
tinhao conhecimento nenhum da costa,nem sabiao como
se avia de navegar, e que era certo perderem-se as
naos, e a gente pelos muitos baixos, que diziao avia
nella."
E, nem ha nisso,- no desconhecimento desses
documentos, nada de surprehender, de causar extra-
nhesa, nada.
O historico da segunda missao dos Capuchinhos
francezes no Maranhao, que deu origem a notabilis-
sima obra—«Voi/age dans le nord da HresiL fait da-
rant les anm^es 1613 et 1614 par le pere Jves de
;Eureux, publiee d'apres I'exemplair unique conser-
ve d la bibliotheque imperiale de 'Paris,avec une in
troduction et des notes par chl, Ferdinand Denis,—

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20 A Fuxdaqao de Belem

Leipzig et Paris. 1864; (*) historico que viu, pela vez


primeira, a luz em 1615, e que e como o complemento,
necessario e indispensavel, de outra nao menos nota-
vel—jLZistoire de la mission des Peres Capucins
dans Visle de JsCaragnan et terres ctrconooisines,
par lepe'-e Claude d'^bbeville. Paris—1614--, foi
completamente ignorado por Berredo, e nao so por
elie, mas ainda por quasi todos os escriptores portu-
guezes e brazileiros, anteriores a 1861. O proprio Joao
Lisboa nao o conheceu.

(•) 0 verdadeirn titulo desta obra e—Suite de V Ilistoire etc.,


ou traduzido—Oontinuafdo da Sistoria das Ooisas mais memordveis
havidas em Maranhdo nos an^ios de 161S a Paris. Imprensa de
Francisco Huby Kiia de Sao Thiaffo, na Biblia de Ouro, e na sua
Officina no Palacio da Galeria dos Prisioneiros MDOXV. Coai-
privilegio do Rei.
Destruida por tnaos sacrilegas esta 1® edijao,-por motives que
nao v6m ao caso referir aqui, autes mesmo que come?asse a circu-
lar, rarissimos foram os exemplares que escaparam e esses,muitis-
simo inutilados.
Dessa edi(;ao, conhecem-se apenas os exemplares seguintes:
0 que serviu para a reiinpressao da obra. E' encadernado em marro-
quim encarnado, scmeado de flores deilys de oiro, com as armas de
Luiz XIII, e faz parte da reserva sob n» 01766 da Bibliotheca Na-
cional de Pariz; o que pertenceu outrora ao dr. Court, habil e zelo'
zo bibliographo, possuidor, por sua fortuna, de grandes raridades.
Este segundo exemplar, que tem duas ou tres folhas mais que o
primeiro, e custou 800 francos ao dr Court, pertence presentemen-
te ao sr. Kalb-fleisch, de New-York, por qucm foi adquirido.
Ha aiuda um tereeiro, cxiHtente na bibli theca de Chartres.
Ignora-se se o do dr. Court e o que existia em Roma at^ 1870 e que
clepoia da entrada dos Itaiiauos alii, sumiu-se, ignorando.se o seu
destino. Desta obra, diz Porto Seguro, «que di, talvez mais que as
de Soares e de Cardim, uma piatura exaeta da vida intima dos nos-
sos Tupis".

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A FundacSo de Belem 13

Ora, no Maranhao, defronte da antiga fortaleza


dos francezes, primitive ber^o da fundagao da cidade,
hoje capital do Estado,—ninguem melhor do que o Sr.
Candido Costa o sabe—, o que ha, o que alli se ve, a
iTiargem direita do Aail, e a denominada—po'i^a de S.
J'^rancisco, onde e bem sabido que se fundou esse
forte.—porem, se jamais a houve,—o que nao e
nada de suppor—, foi tragada pelas aguas, o que me-
nos ainda e de presumir, pois la nao se encontram ves-
tigios, OS mais leves, sequer, de semelhante coisa.
E, dizemos que ninguem melhor do que o Sr.
Candido Costa o sabe, porque a este estudioso cultor
da historia patria devemos, pessoalmente, a honra e o
prazer de seu convivio por quasi tres annos, durante o
tempo que, aqui, muito honradamente, exerceu o cargo
de conferente da nossa Alfandega.
Ora, se isto acontecia a Berredo, que, das janel-
las dosfundos do seu palacio, podia, a qualquer hora
langar os olhos para a tal ilha de S. Francisco, que
diremos nos do conhecimento que por ventura pode-
ria ter elle de outros logares que nunca viu e menos
percorreu, e de factos e acontecimentos que nao pre-
senciou, e a respeito dos quaes nem sempre se deixou
inspirar em informagOes seguras e fidedignas ?
Mas, prosigamos no nosso trabalho.
Como se sabe, era a antiga capitania de S. Jos^
do Piauhy, subalterna da do Maranhao, da qual foi
desmembrada por carta regia de 10 de outubro de
1811.

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14 A Fuxdaqao de Belem

Dando-lhe os limites, diz o historiador Berredo:


«confina com a do Maranhao, pela parte de Leste®.—
Liv. I, n. 33—). Entretanto, nao ha quern
ignore qiie e justamente o contrario do que alii se le_
Logo apos, no mesmo Liv. n. 34, descrevendo a
capitania, diz : «Entre muitos, o seu principal rio, he o
da Parnahiba».
Ora, havendo fls. atraz, enumerado os rios da
capitania do Maranhao e nao tendo feito a mais ligei-
ra men?ao do Parnahyba, como que deu a entender
ser esse—urn rio exclusivamente piauhyense, quando
ninguem ha que nao saiba que,—desde os mais imme-
moriaes tempos, e eile como o qualifica o douto se-
nador Candido Mendes, a fronteira natural e clara entre
as duas antigas capitanias, hoje Estados—desde as
suas nascentes ate a foz.
Quern assim escrevia,—diga-nos agora o Sr. Can-
dido Costa, que conhecimento poderia ter desta parte
do territorio da capitania (jue governara ?
Razao tinha, pois, e muita, o major Francisco de
Paula Ribeiro, profundo conhecedor desta, bem como
das capitanias do Piauhy e Goyaz, as quaes percorreu
e a cujo respeito escreveu diversos roteiros, quando,
referindo-se a este historiador, assim se exprimia;
«Berredo, em aquelles ditos seus Annaes Historicos
do Maranhao, obra que merece toda a attengao, desco-
nhecia ainda inteiramente todo esle territorio (o
grypho e nosso) e tambem todo aquelle que Hie Jiea
para o norte ati Jtapscuru-mirim, dando-lhes a

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A P'UNDAQivO DE BeIJOM 15

todos elles o noine de 'Piauhi/. (Vide—Descripgao do


Territorio de Pastos-Bons nos sertoes do Maranhao
pelo major Francisco de Paula Ribeiro—Maranhao,
29 de Mar^o de 1819—Apud Revista do Instituto His-
torico—Tom. XII—Segunda edigao—1874—Pags. 44.
E essa ignorancia, acerca da coloaia e dos seus
mais vitaes interesses nSo era exclusivamente partiiha
de Berredo. Annos depois, ao seu successor Joao da
Maya da Gama, a proposito de um barco de passa-
gem para Alcantara, mandava-lhe perguntar o gover-
no, se as viagens para aquella villa faziam-se por al-
gum rio ou bahia !
Do pouco que fica dito, bem ve o illustre Sr.
Candido Costa que nao podemos acceitar, em absolute,
o testemunho do auctor dos ^-Jnnae^, mormente so-
bre um ponto de nossa Historia que, a vista de do-
cumentos authenticos, recentemente vindos a luz, se
acha hoje perfeitamente rectificado, como provaremos
a seu tempo.
Eis porque dizia Joao Lisboa :
«Berredo, nao fez mais do que compilar, e com-
pilou mal; e apesar do muito que revolveu os archives
como alardea, nao poucas vezes desfigurou a historia
por omissOes inexplicaveis, por ignorancia, curteza de
vistas, affecta^ao, e pedantismo. Talvez mesmo a par-
cialidade nao fosse extranha aos defeitos da sua obra,
porque, emfim, Berredo, desculpando ou dissiijiulando
OS erros e crimes* dos seus antecessores, fazia, por an
tecipa95o, a apologia dos proprios actos !»

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IG A FrxDAgXo DE Belem

. O que fica escripto basta, segundo cremos, para


ciespojar a Berredo dessa falsa e vaga reputagao de
que, nao s6 visinhos, mas ate ja o estrangeiro preten-
dia aproveitar-se em detrimento nosso.

Baseado no testemunho de Berredo, que consi-


dera singular, unico, nao admitte nam acceita o Sr.
Candido Costa auctoridade outra, neste assumpto, a
nao ser a do escriptor dos ^Innaes.
Nao Ihe e desconhecido, diz elle, o ^egiinenio>
dado por Alexandre de Moura a Francisco Caldeira, e
que traz a data do forte de Sam Phellippe 22 de dez-
embro de 1615. Nao ihe e desconhecid3, mas nao o
acceita,—rejeita-o e, entre outras razOes, assim pro-
cede :
«1.'', porque ao animo de quem quer que seja
assalta a idea de nao ter elle escapado as pesquizas
do historiador Berredo, que compulsou os documentos
officiaes d'aquelle tempo para o desideratum que ti-
nha em vista; e se a elle nao se refere e por nao julgal-
0 de bom credito e, portanto, suspeito de inverosimil.
«2.", porque parece-lhe duvidosa a data do fa-
moso documento, sendo preciso ver si elle e o verda-
deiro original ou alguma copia delle extrahida. E
quem sabe,—accrescenta, se nao se prestara a duvida o
modo porque se acha escripta a data de 22 de dezem-
bfo ?

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A Fuxda^ao de BEi.ihi 21

Foi no tempo de Van—Praet, nos comegos de


1835, que Ferdinand Denis—o douto e infatigavel bi-
bliothecario de S. Genoveva, em Paris—, teve a rara
Ventura de encontral-o.
«Ocioso seria dizel-o—escreve elle na sua Jn-
Lrodacqao—, como o feliz descobridorficou surprehen-
dido lendo esta agradauel narragdo^ tdo sincera eni
suas nienures particulandades, como preciosa pelas
utcis noticcas. Para bem comprehender o seu va-
lor, basta dizer-se que o nosso bom missionario demo-
ruu-se dot's annos, onde o seu veneravel companheiro
apenas se demorou quatro rnezes*.
A obra do padre Ivo d'Evreux nao e, tao somente,
um documento mais, de grande importancia, que se
veiu juntar a Historia do Brazil, com o fim unico de
provar factos, tendentes a fundagao do Maranhao e
a exploragOes realizadas no Amazonas. NSo ! Pela
sincera elegancia de sua dicgao, pela cor habilmente
distribuida de seu estylo, e, sobretudo, pela perspi-
cacia e seguranga de suas observagOes, relativas aos
usos e costumes de uma raga, para assim dizer—ex-
tincta, qualidades estas tao raras nos que escrevem
e que, entretanto, reunidas, se encontram no livro do
padre Ivo,—essa obra, repetimos, se a houvesse lido
Berredo, certamente que muito se Ihe teria modificado
0 juizo a respeito dos nossos pobres indios, por eile
tao mal julgados, mas que, entretanto, tao queridos e
justamente apreciados que foram dos capuchinhos
francezes !

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22 A FuXKACAO DE BELTht

E nao se pense nem se diga que exageramos.


Naa!
«Tenho para mim,—dizia Ivo d'Evreux num dos
mais formosos capitulos da sua ja referida obra, o cap.
XVIII, tenhopara mim queos nossos Tupinambas sao
mais faceis de serem civllisados, do que os aldeOes de
Franca, por ter a novidade nao sei que influencia sobre
o espirito delles que os excita a aprenderem o que
veem de novo e Ihes agrada.
«0 contrario dlsso se da com os aldeOes da
nossa Fran?a. De tal sorte enraizados estao em sua
rusticidade que, em qualquer conversagao, embora nas
cidades, entre pessoas distinctas, sempre mostram si-
gnaes de camponezes.®
E por ahi alem poderiamos ir, se nao receasse-
mos exceder as proporgoes deste mais que modesto
trabalho.
Lido, pois, pelo auctor dos ^nnaes, teria esse
precioso livro exercido entao consideravel influencia no
seu espirito, contribuindo talvez para que melhor orien-
tagao houvesse elle dado a sua famosa obra, tal como,
alguns annos antes, o de Joao Lery, que descreveu
scenas analogas aquellas que o insigne capuchinho tao
bem soube pintar.

Passemos agora ao 2." argumento do Snr. Can-


dido Costa.

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A FuNDAglO DE Belevi 2^1

Diz 0 illustre auctor da d^iwdu^ao de


que 0 que;
«Parece-lhe duvidosa e a data do famoso docu-
mento, sendo precise ver si eile e o verdadeiro origi-
nal ou alguma copia delle extraliida,
«E quern sabe (accrescenta ainda) si nao se
prestara a duvida o modo por que se acha escripta a
data de 22 de dezembro f
«Nao podera ser 22 de noccmbro ?»
—0 famoso documento,—a que tal qualificativo da
e a que aqui se refere o Snr. Candido Costa,—e, nada
menos, que o—fiegimento que Alexandre de Mou-
ra deixoii a Francisco -Qaldeira e que, sob o n. 24,
vem appenso ao—Relatorio do mesino Alexandre de
Moura sobre a expedi<}ao d ilha do <Maranhd.o e
expulsao dos J.^ranceze§, datado de Jj-isboa aos 24
de -Outubro de 1616.
Descoberto nos archives do Conselho Ultrama-
rino, gramas ds pesquizas alii realizadas por ordem do
Grande Brazileiro que foi o Barao do Rio Branco, pu-
blicado logo apos no vol. XXVI da Bibliotheca Nacio-
nal, donde, mais tarde, em 1905, de parceria com mui-
tos outros, foi editado, em volume especial, sob o titulo
de—Documentos para a Historia da Conquista e
Colonisgao da Costa de Leste-Oeste do Brasil,'~nzo
pode absolutamente ser posta em duvida a authenti-
cidade desse documento.
A prevalecer tal criterio, nao ha mais documento
algum que, acceito, ser possa.

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24

Admittanios, porem, por hypothese,—que por hy-


pothese tudo se pode admittir—sim, admittamos por hy-
pothese,—que houve, effectivamente, engano no modo
por que se acha escripta a data, isto e, que a expedi-
li&o zarpou do Maranhao, nao como reza o documento
acima, mas, como o quer o Snr. Candido Costa—a 22
lie novembro, ou, antes, segundo o testemunho de
Berredo, avangado ja o mez de Novembro."
E, que assim houvesse sido, ainda nessa hypo-
these impossivel era—absoluta e humanamente impos-
sivel—, a expedi^aodar desembarque, a Sdedezembro,
no local preferido por Caldeira para a fundagao do
seu pequeno estabelecimento.
E, absoluta e humanamente impossivel era, por-
que, no curtissimo espago de 13 dias,—que tantos sao
OS que vao de 22 de novembro a 3 de dezembro de
1615, nao poderia Caldeira, guardadas as instrucQ^es
que de Alexandre de Moura recebera, veneer as 360
milhas que se contam de S. Luiz a Belem.
Entre outras coisas diziam essas instruc^Oes :
Que se nao avia de navegar senHo de dia
surgindo todas as noutes por nao escorrer (.stc) a terra
e conhecimentos della, que sempre aviao de levar
a vista;
*2." Que saindo embora deste porto (S. J^uiz)
procuraria que os marinheiros e gente do mar fossem
reconhecendo a costa, assim pela vista e demonstrates
della, como com o prumo na mac para que com faci-
lidade tivessem quem pudesse continuar a dita car-
reira;

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A FuKDAfXO DE BELEM 25

«3." Que chegando a Cuma procuraria ter falla


daquelle gentio e reduzil-o com facilidade a nossa de-
vagao (sic) por ordem do capitao-mor de Vaux, de
quern elle dito capitao-mor devia fazer muita conta,.
com a cautella devida porque por este caminho venlla
a conseguir o fim do que se pretende.»
Ora, se estas prescripgGes,—como tudo leva a
crer, foram estrictamente observadas por Caldeira, isto
e:—se a derrota naose fez senao de dia,—o que equi-
vale a dizer dez horas uteis de navega^ao em cada
dia, porque as duas outras restantes deveriam, natu-
rahnente, ser empregadas em procurar, pelo cahir da
tarde, um surgidouro para a esquadrilha, donde teria
de, pela manha, sahir afim de proseguir na navega^ao;'
se OS marinlieiros e demais gente do mar foram sendo
instruidos no conhecimento da costa, nao so pela vista
e pontos de referencia della, como tambem pelo prumo,
de modo a se ir creando, desde logo, uma nova escola
de pilotos,—servigo esse que, s6 cuidadosa e cautelo"
samente, poderia ser feito, afim de evitar um desastre,
visto que essa era a primeira viagem que se fazia e do
seu bom exito dependia o futuro de tao grandiosa em-
presa; e, finalmente, se tocou a expedi^So no Cuma,
abriu relagOes com o gentio e chegou a ganhar-lhe a
affeigao e as boas gragas,—trabalho esse que nao po-
deria ser obra de um momento, de algumas horas,
mas 0 resultado paciente de algum tempo mais, at-
tento 0 espin'to sempre irrequieto, desconfiado sempre,
do nosso indigena; se tudo isto assim se passou,—e

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2G A FuxDAf;AO DE BF:LKM

razao nao ha para crer que assim nao o tivesse sido, a


expedigao—repetimol-o ainda uma vez, era humana-
mente impossivel, em treze dias, de doze horas uteis
cada dia, veneer a distancia de 350 milhas, que, se-
gundo todos os roteiros, medeia entre Sao Luiz e
Belem.
E,—attenda-se bem, era esta a primeira viagem
que para alii se fazia, viagem de enormes responsabi-
lidades e em cujos resultados se achavam empenhadas
as Coroas de Portugal e de Castella.
E nem ha nesse calculo nada de exagerado, pois
em 1636, quando falleceu Francisco d'Albuquerque
Coelho de Carvalho, 1." governador e capitao-general
que fora do Estado do Maranhao, nao menos de 14
dias gastou, do Para a S. Luiz, tocada a for^a de re-
mos, a pequena canoa, em que vinha Luiz Antonio
Portilho, creatura de Jacome Raimundo de Noronha,
dar-lhe parte deste acontecimento; 14 dias,—e foi essa
a viagem mais rapida ate entao conhecida, que todas
as outras faziam-se ainda em 25 dias. (Vide—.©/cew-
na''io Jrlistorico—Qengraph'co da ^rovincia do
Maranhao. Maranhao—1870.)
E era isto ja em 1636, vinte annos, portanto, de-
pois daquella primeira expedigao, e quando ja por
demais conhecido era o roteiro da costa, accrescendo
ainda, e muito particularmente, o facto de—nao haver
Luiz Antonio Padilha de viajar so de dia, de nao ser
obrlgado a estudar a costa com o prumo na mao, muito
menos a'nda, de praticar com o gentio—e de ter, ao

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A Fuxdacao de Belkm 27

contrario, o maximo interesse em chegar a S. Luiz o


mais breve possivel.

Finalizando o seu traballio, depois de considera-


goes diversas, diz o Snr. Candido Costa :
«E' tao certo o que affirmo, que eu convido o
leitor a ler as pe^as que vao abaixo transcriptas, que
sao provas irrefragaveis do valor da obra em aprego e
de quern a tomou sobre os hombros.»
As pe^as a que aqui allude o Snr. Candido Costa
sao as seguintes:
а) A dedicXtoria do editor Francisco Luiz Ame-
no, que tambem era impressor da Congregagao Came-
raria da Santa Igreja de Lisboa, offerecendo os ^n-
naes ;HUtoncos a D. Joao V. Ahi se fala da «elegan-
cia com que esta escripta a obra, da judiciosa averigua-
?ao dos factos que nella se referem e da grande esti-
magao de que se torna digna por ser a primeira que se
tem escripto do Estado do Maranhao.
б) As LiCExgAs ou Censuras—do Santo Officio,
do Ordinario, e do Desemharoo do Pa^o.
Do Santo Officio, que sao duas, subscreve a pri-
meira 0 dr. fr. Joseph Pereira de Santa Anna, religiose
de N. S. do Monte do Carmo e qualificador do Santo
Officio, 0 qual, emittindo o seu parecer sobre a obra,
entre muitas outras futilidades, diz:
«Nada falta a esta Historia para merecer na Re-

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28 A Fundacao de Bel&i

publica literaria as primeiras estimagoes; porqye os


termos della sao os mais proprios, a locugao a mais
clara, o estylo o mais natural, o conciso sem defeito,
0 difiiso sem pleoaasmo, e finalmente a materia a mais
fecunda para occupar curiosos, para enriquecer memo-
rias, e para aconselliar aos mesmos Historiadores . . .

«Porem o maior acerto consiste em nao conle-


rem eslcs escritos (o grypho e nosso), cousa que of-
fenda a nossa Pe, ncm se opponha aos bons costu-
mes : pelo que julgo ser Obra digna da licenga, que o
Author pede para a imprimir.»
Subscreve a segunda o M. R. P. D. Caetano de
Gouvea, c'erigo regular da Divina Providencia e aca-
demico da Academia Real da Historia Portugueza, o
qual, servindo-se quasi das mesmas palavras do ante-
cedente, diz que estao os Annaes «escritos com toda a
eiegancia, decencia, e verdade dignas da nobreza da
materia e da do Author® e conclue o seu parecer opi-
nando que seja dada licenga para se imprimirem, «po?'
nao conterein cousa algama contra a F6 e bans
coi- luines»
As duas ultimas licengas ou censuras,—a do
C rdixakio e a do Desembargo do PAgo—, estao re-
spectivamente sul'scriptas :—a 1/ por D. Joseph 3ar-
bosa, clerigo regular da Divina Providencia, chronista
da Serenissima Casa de Braganga, e academico da

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A FundaqXo de Belkm 29

Academia Real; a 2." por Diogo Barbosa Machado,


abbade reservatorio da Paroquial Igreja de Santo
Adriao de Sever, e academico da Academia Real da
Historia Portugueza.
Ler uma e ler outra. Nellas como nas preceden-
tes tecem os censores as maiores louvaminhas a Ber-
redo, de quern diz urn delles—^Joseph Barbosa, que ;
*merece um louvor muito particular, porque entre as
occupa^Oes de hum Governo teve tempo para escrever
como Plinio a Historia Natural daquelle Paiz, {^stado
do A(ararihdo) como Livio a Militar, e a Politica
como Tacito.»
Nao deixa de se referir tambem, invariavel-
mente, ao seu estylo, que qualifica de—«grave, sem
affecta?ao, sempre constante*, e termina o seu parecer
ou censura, declarando «que Ihe parecem elles—os
:^tmaes dignos de que se imprimam, porque nelles
nao le elle,—o censor, coisa alguma contra a iF^e, on
bans costumes*
Eis ahi as pegas a que allude o Snr. Candido
Costa e as quaes qualifica de «provas irrefragaveis do
valor da obra.»
Serao, talvez, provas. irrefragaveis da belleza do
seu estylo, e de que nao contem ella coisa alguma
contra a fe e os bons costumes; nunca, porem, do me-
recimento, do valor intrinseco da obra,—a Historia do
Estado do Maranhao—, que o auctor deixara escripta,
porque, dessa, se nao occuparam nem deram uma pa-

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30 A Funpa^ao de Belem

lavra, sequer, os censores, e se nao occyparam porque


Ihes era totalmente desconhecida a historia da antiga
colonia. _
«0 auctor dos Jlniies JlfMoricos—disse-o
Gongalves Dias na sua erudita Jntrodacgdo que
acompanha a 2.® edigao da referida obra—, era por-
tuguez e so escrevia para portuguezes: nao es-
crevia a Historia do Maranhao, escrevia uma pagina
das conquistas de Portugal,—dahi o seo principal
defeito.
«Berredo nao e um verdadeiro historiador, e um
simples chronista; nao explica, expOe os factos, ennu-
mera-os, classifica-os pelas datas e julga que nada
mais Ihe resta a fazer. Justiga Ihe seja feita, a exposi-
^ao e quasi sempre verdadeira, as numera^Oes sao
exactas, as classificagoes sao justas; mas falta-Ihes o
movimento, a cor, a vida, e por isso a sua obra e tan-
tas vezes fastidiosa.
. «Berredo nao e pliilosopho,—e um simples litte-
rato; como litterato estudou Tito Livio e Tacito—estes
grandes historiadores da antiguidade, cujo estylo pro-
curou imitar; mas nao escolheo bem os seos modelos,
porque a magestade e a forma daquelles grandes es-
criptores sendo forgada e mal cabida em assumptos de
t3o pouca importancia,—a imitagao como que se con-
verte em parodla.

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A Fuxdaqao DE BfXKM :n

«Berredo nao era nem politico, nem poeta; fo:


como dissemos urn simples litterato Portuguez que
escreveo nao a Historia do Maranhao, mas iima pagina
das conquistas de Portugal. O que llie importa e a
conquista, o que liie interessa sao aquelias insignifi-
cantes commoQOes de uma cidade dividida em classes
tao disparatadas,—sao as representagOes do Senado da
Camara,—as exigencias dos colonos,—as ordens da
metropole,—os comboios annuos,—as digressoes dos
Governadores, - OS resgates dos Indios. 0 que e por-
tuguez e grande e nobre, o que de indios, e selvatico e
irracional,—o que e de extrangeiros e vil e infame.
Assim, nos indios, so ve barbaros; nos francezes, piratas;
nos holandezes, hereticos e sacrileges: e tudo urn mixto
de patriotismo exclusivo e de cego fanatismo : por-
que Berredo e o orgao dos colonos portuguezes com
todas as suas crengas, com todos os seus prejuizos;—
porque elle nao enxerga sen3o o presente, e nao es-
cuta senao o que diz o povo.
«Mas digamos como hoje se diz, que erao os pre-
juizos de entao, e que elle escrevendo sob a immediata
censura dos frades nao podia deixar de render tributos*
ao fanatismo da epocha.»
«0 caracter de Berredo como historiador, escre-
veu 0 erudite senador Candido Mendes (Memnrias
para a ^listoria do •J^xtiiicto J'J-stadu do JMaranhao,
Rio de Janeiro. 1874.) he bem aquilatado por Joao
Francisco Lisboa no t. 2.° do ^ornat de Tiinon, con-
tend© OS <^pontamentos, noticias, e observagoes para

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32 A Fuxdacao de Belem

servirem d Ilistoria do Jslaranhao, pags. 52, 200, e


409 nota (F).
Tratando da restauragao do Maranhao da domi-
na9ao hollandeza e dos servi9os entao prestados pelos
padres Lopo do Couto e Benedicto Amodei, diz o dou-
to senador maranhense :
«Nada he sufficiente para assegurar esta gloria
aos filhos de S. Ignacio. Berredo, adversario dos Je-
suitas, fica silencioso, confiinde as epochas, emmaranha
OS factos para nao dizer a verdade inteira. Contenta-se
com declinar os nomes dos chefes que militarmente
se pozerao a frente da glorioza empreza. Berredo,
nem a seu favor tern a desculpa do Conde da Eri-
ceira, que nao vivendo no Maranhao, de longe apre-
ciava os factos, conforme a apparencia as apresen-
tava.»
Entretanto,—preciso e dizel-o aqui—, a alma da
famosa conspira^ao de 30 de setembro de 1642 foi,
sem contestagao, o padre Lopo do Couto,auxiliado peio
seu venerando companheiro o padre Benedicto Amo-
dei, siciliano.
Lopo do Couto com os indios de que dispunha,
sobretudo os principaes Gregorio Mitagaya, Sebastiao
Joagaba e Henrique de Albuquerque, nomes que a his-
toria guardou, foi quem levou a effeito a revolta contra
0 perfido invasor.
Como esquecer, pois, o vulto respeitavel do pa-
dre Lopo do Couto, 0 que, primeiro que outros, havia

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33

encetado no Brazil a grandiosa e temeraria obra da li-


berta^ao do paiz do dominio hollandez

Ate aqui, o chronista, o historiador se assim o


quizerem, o auctor dos i/lnnaes ^^istoricos.
Se do historiador passarmos ao governador vere-
mos que, dos capitaes-generaes, que, de 1718 a 1820,
foram chamados a exercitar o governo no extincto
Estado do Maranhao e Grao-Para, nenhum, regista a
historia, cuja administrafao houvesse sido mais infeliz.
Fala-nos o Snr. Candido Costa que, havendo to-
rnado posse do governo, perante a Camara Municipal
de Beiem, no dia 1." de agostode 1718, andou Berredo,
pelo interior da capitania do Para, procurando conhe-
cer de perto as suas necessidades.
Puro engano. Berredo,—saiba-o o Snr. Candido
Costa , nao era muito escrupuloso no seu modo de
governar: negociava e empregava atd violencias para
augmentar a sua fortuna particular.
Coioria elle esses seus actos, dizendo dedicar-se
ao estudo do mercado, alta e baixa de pre?os, e ou-
tras especuia^Oes mercantis e ate dirigiu uma represen-
ta^ao a el-rei sobre administra?ao da fazenda. (Vide
'Xiiccionario fZistorico-^iseographico da ^rovincia
do Maranhao pelo ^r. "^ezar ^ugusto Marques.
Maranhao—1870.)
Essa viagem, realisada pelo interior da capitania
do Para, e a que se refere o Snr. Candido Costa, bem
como outras aqui emprehendidas por Bernardo de Ber-

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34 A Funda<;-ao de Belem

redo, serviam, as mais das vezes, para encobrir fins


menos dignos.
Provam-n'o quantos documentos havemos encon-
trado a sen respeito.
E, para nao citar mais do que urn, registaremos
aqui 0 officio de 13 de junho de 1720 em que o ouvi-
dor-geral, e provedor-mor da fazenda, Vicente Leite
Ripado, accusou-o—de negociar com escandalo;—de
haver levantado um engenho no Mearim com o traba-
Iho de uma tropa de guerra;—de haver emprehendido
uma guerra'injusta contra os indios;—de haver exage-
rado com ridicula impostura o alcance e resultados
dessa guerra;—de haver elle mesmo tirade para si, a
titulo de joia, vinte e quatro escravos dos prisioneiros
feltos na mesma guerra;—de haver seduzido uma mo?a
de boa familia, e de mandar acutilar o seu proprio se-
cretario, por visitar alta noite a referida moija;—de ser
vaidoso, descortez no tracto, e de aspirar a honras de
principe;—de intervir na justi^a civil e ecclesiastica;
de diversos outros despotismo e vexagoes, de patrona-
tos escandalosos, na disposi?ao dos cargos, postos da
milicia, etc., etc.
Eis porque, delle, dizia Joao Lisboa :
«Foi um despota vulgar, e em tudo igual aos de-
mais, salvo que era mais letrado que elles, e teve a
feliz inspira^ao de escrever um livro sobre a conquista
que governou.*

E' tempo de concluir.


Sem reiegar em absolutb aauctoridade do escriptor

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A Fuxda^ao de Belem 35

dos Annaes,—cuja obra, pelo contrario, miiito nos


deve merecer como a do primeiro historiador ou cliro-
nista da nossa terra, apesar de haver elle commettido
faltas, mas faltas inherentes a todos os escriptores,
mormente aos que vao procurar a luz nas sombras do
passado, pensamos que sobre este, bem como sobre
tantos outros pontos da nossa Historia, nao tern o seu
testemunho o valor, o peso que Ihe pretendeu dar o
Snr. Candido Costa; e, consequentemente, que a ver-
dadeira data da partida da expedigao do porto de S,
Luiz nao e como se le em Berredo, mas, segundo do-
cumentos posteriores, authenticos do mais alto valor,
documentos ja hoje acceitos e consagrados por todos
OS historiadores;—o dia 25 de dezkmhro de 1615,

Encerrando estas ligeiras linhas e o nosso maior


desejo que, o illustre auctor de A :I^tindagaD de
a quem, de ha muito nos prendem os mais estrei-
tos lagos de sincera estima, nellas nao veja senao o
desejo de acertar. Bem possivel e, nao obstante, que
laboremos em erro. Se tal, porem, se der e se disso
nos convencer, creia, duvida alguma opporemos em
ensarilhar armas como vencido.

Maranhao, 1." de fevereiro de 1916.

C^ideiza- do- OX'matc/

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