Gestão Escolar Democratica Teorias e Praticas PDF

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2
Universidade Federal de Uberlândia

Gestão Escolar
Democrática:
teorias e práticas

ISBN: 978-85-92592-89-9

Uberlândia / Minas Gerais


Navegando Publicações
2018

3
Navegando Publicações Conselho Editorial
CNPJ – 18274393000197 Afrânio Mendes Catani – USP
Anselmo Alencar Colares – UFOPA
Carlos Lucena – UFU
Carlos Henrique de Carvalho – UFU
Dermeval Saviani – Unicamp
Fabiane Santana Previtali – UFU
Gilberto Luiz Alves – UFMS
João dos Reis Silva Júnior – UFscar
José Carlos de Souza Araújo – Uniube/UFU
José Claudinei Lombardi – Unicamp
José Luis Sanfelice – Univás/Unicamp
www.editoranavegando.com Lívia Diana Rocha Magalhães – UESB
[email protected] Mara Regina Martins Jacomeli – Unicamp
Uberlândia – MG Miguel Perez – Universidade Nova Lisboa – Portugal
Brasil Newton Antonio Paciulli Bryan – Unicamp
Ricardo Antunes – Unicamp
Robson Luiz de França – UFU
Teresa Medina – Universidade do Minho – Portugal
Tristan MacCoaw – Universit of London – Inglaterra
Valdemar Sguissardi - Unimep

O conteúdo deste livro é de exclusiva responsabilidade do autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Elaborada por Maria Salete de Freitas Pinheiro – CRB -1262

G393e Gestão escolar democrática : teorias e práticas / Antonio Bosco de


Lima, Mariana Batista Silva (Orgs.) -- Uberlândia : Navegando,
UFU/PROEXC,
UFU/ PROEXC, 2018 2017.
238 p. : il. --

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-92592-89-9
ISBN: : 85-68351-75-1

1. Política e educação. 2. Escolas - Organização e administração.


3. Educação - Finalidades e objetivos. 4. Autodeterminação (Educa-
ção). I. Lima, Antonio Bosco de. II. Silva, Mariana Batista. III.
Universidade Federal de Uberlândia. Pró-Reitoria de Extensão e
Cultura.

CDU: 37.014.53

4
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

Valder Steffen Júnior


Reitor da Universidade Federal de Uberlândia
Elaine Saraiva Calderari
Pró-reitora de Assistência Estudantil
Helder Eterno da Silveira
Pró-reitor de Extensão e Cultura
Márcio Magno Costa
Pró-reitor de Gestão de Pessoas
Armindo Quillici Neto
Pró-reitora de Graduação
Carlos Henrique de Carvalho
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação
Darizon Alves de Andrade
Pró-reitor de Planejamento e Administração

APOIO:

Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Educação


Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 1F - Sala 216 - Campus Santa Mônica
CEP.: 38.408-100 Uberlândia - MG
Telefone (34) 3239 4163 - www.faced.ufu.br

5
Sumário
Prefácio...................................................................... 9
Carlos Lucena
Lurdes Lucena

Apresentação ............................................................ 11
1. Gestão escolar democrática(GED):
problematizando... ............................................. 17
Antonio Bosco de Lima

2. Da democratização da sociedade e
da escola ................................................................... 31
José Luís Sanfelice

3. Elementos da gestão da educação:


desafios hoje. .................................................... 49
Ari Raimann

4. A introdução do projeto
político pedagógico
na política educacional brasileira ................................. 71
Maria Alice de Miranda Aranda e Wander Luís Matias

5. A profissionalização docente e
seus desafios ............................................................. 95
Elizabeth Gottschalg Raimann

6. O Plano de Ações Articuladas (Par) em
Uberlândia: a perspectiva de gestão
e planejamento ........................................................ 129
Sangelita Miranda Franco Mariano
Mariana Batista do Nascimento Silva

7
7. Gestão pública e planejamento educacional
no Brasil: contribuições do PDI ............................ 159
Márcia Guimarães de Freitas

8. Paradigmas predominantes
na pesquisa educacional ......................................... 197
Paulo Gomes Lima

9. Projeto: Gestão Escolar Democrática:


problematizações e ações para implementação
na Educação Básica Estadual ................................ 217
Antonio Bosco de Lima
Mariana Batista do Nascimento Silva

Posfácio ..................................................................... 233


Elizabeth G. Raimann
Ari Raimann

8
PREFÁCIO

A participação democrática se apresenta como um grande


desafio para a história política nacional. A efetivação da democra-
cia se choca com a história do Brasil. Essa nação, mergulhada em
sucessivas ditaduras de âmbito civil e militar, carrega em seu bojo
a dificuldade da construção de formas efetivas democráticas.
A história de um país influencia a construção de sua socia-
bilidade. O coronelismo, a homofobia, o racismo, a perseguição
aos movimentos sociais retratam as relações sociais imperantes no
Brasil. A educação não foge a esse processo. Relacionada ao con-
junto das relações sociais existentes, reproduz as possibilidades,
limites e contradições de seu tempo histórico.
Essa afirmação é fundamental para a interpretação do livro
que aqui se apresenta. A obra intitulada “Gestão Escolar Demo-
crática: teorias e práticas” organizada por Antonio Bosco de Lima
e Mariana Batista do Nascimento Silva contribui para essa discus-
são. Toma como referência as duas principais formas de organi-
zação democrática vigente na sociedade, ou seja, a democracia
via representação política e a dinâmica participativa expressa nas
possibilidades e limites na participação popular nas decisões e ru-
mos de suas próprias vidas.
Esses fundamentos são utilizados para a discussão da par-
ticipação educativa em âmbito formal. Alguns pressupostos são
questionados, propiciando a construção de um conjunto de per-
guntas. A lógica representativa educacional rompe com os precei-
tos democráticos participativos existentes na sociedade? Os conse-
lhos escolares são espaços de discussão e decisões a partir dela, ou

9
constituem meros espaços de legitimação de debates, cujos rumos
já foram decididos antes mesmo de sua realização? São espaços
privilegiados para a formação educativa de novas consciências
políticas ou meros espaços conservadores de legitimação de gru-
pos mais organizados? As questões anteriores se negam de forma
radical ou estão presentes em um mesmo processo?
Os profissionais da educação e interessados no tema em
questão encontrarão nesse livro respostas e talvez ainda mais per-
guntas. Trata-se de um livro polêmico, crítico e comprometido em
desnudar a realidade educativa sendo, por isso, leitura imprescin-
dível que contribuirá sobremaneira para o debate em questão.

Carlos Lucena
Lurdes Lucena

10
APRESENTAÇÃO

GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA:


TEORIAS E PRÁTICAS

É natural que se estabeleça um quase consenso sobre a


realização da gestão democrática na escola. Aliás, que se estabe-
leça um padrão normativo de democracia na sociedade, no qual
não há discordâncias de que vivemos em uma democracia. Tal
consenso se estabelece, pois nenhum sujeito irá se intitular como
autocrático ou antidemocrático. Carece-nos descortinar os mean-
dros da democracia, da democratização e da gestão escolar demo-
crática. De fato não vivemos sem a democracia. Mas o que vem
a ser democracia? Entre suas inúmeras conceituações temos duas
em disputas. A primeira diz que se trata do governo da maioria via
representação política. Esta é a tendência mais efetiva e modera-
da. Forte consensuação, na qual votamos a cada quatro anos e
elegemos nossos representantes. Porém, nesta mesma democracia
os empresários tem um poder de persuasão infinitamente maior
e votam todos os dias. Enfim, compram nossos representantes,
resultando que nossa democracia representativa se viabiliza em
acordos comerciais, não se estabelece a partir dos apelos popula-
res, mas por valores e pelo negócio, seja do voto, seja do projeto.

Por outro lado, temos um segundo preceito no qual o ter-


mômetro da democracia é a participação. Estabelece-se assim um
postulado de democracia direta. Neste o povo vota, tem voz ativa,

11
participa de decisões colegiadas, tem poder de controle social. É
este segundo postulado que setores da esquerda têm defendido
diuturnamente, advogando que uma sociedade somente é sau-
dável do ponto de vista biológico e social se as pessoas sentem-se
valorizadas, reconhecidas e tem poder de decisão. Enfim, é um
homo democraticus.

A construção deste segundo postulado passa por proces-


sos de educação e de cultura. São elementos potencializadores da
participação política dos cidadãos. Participação ativa que signifi-
ca votar, ser votado, cobrar, exigir renúncia, estabelecer controle
social, garantir rotatividade nos mandatos parlamentares e exe-
cutivos, enfim, não ficar submisso ou refém da classe profissional
política. A educação é essencial para este intento.

Este livro busca fazer tais discussões, não nestas especifi-


cidades, da política partidária, mas, na possibilidade participativa
na vida em sociedade, a partir de um ponto de argumentação por
via da educação. Por um projeto de pensar a escola como sujeito
social da democracia, do incentivo e incremento da democratiza-
ção das relações pessoais e sociais. Por ser de defesa da democra-
cia participativa, busca ser totalmente transparente, por isso que
se adiciona como anexo o projeto Gestão Escolar Democrática:
problematizações e ações para implementação na Educação Bási-
ca Estadual1, O qual foi desenvolvidos em quinze escolas estaduais
do município de Uberlândia. Além do projeto, que pode servir
para aqueles que tenham interesse em reproduzi-lo, ou tê-lo como
inspiração, comporta sete artigos que foram debatidos durante os
encontros de formação continuada presencial. Tal formação, em

1 Projeto viabilizado a partir do Edital 90 PROEXC/UFU/COMFOR/REDEU,FU, para ser


desenvolvido nos anos de 2016 e 2017.

12
parceira com a Superintendência Regional de Uberlândia, atingiu
diretores, supervisores coordenadores e professores das escolas
que participaram do projeto.

O livro ficou composto, então, da seguinte forma: o primei-


ro capítulo da obra, de autoria de Antonio Bosco de Lima, expres-
sa a Gestão escolar democrática (GED): problematizando. Trata-
-se de questionamentos e sínteses sobre a aparência e a essência
da GED, enquanto campo de disputa, por um lado, pelas fontes
governamentais, que teorizam e idealizam a GED sem que a mes-
ma tenha ações e práticas voltadas a democratização do acesso,
permanência e conclusão do ensino com qualidade social e polí-
tica. Por outro o autor defende que é necessário ter debates sobre
a GED a partir de estudos, pesquisas e ações que a impliquem
enquanto instituto em transformação e movimento, sintetizando
que é necessário que “sujeitos históricos a problematizem e que se
preocupem com a sua existência, tornando-a real”.

No Capítulo seguinte, Da democratização da sociedade


e da escola, de autoria de José Luís Sanfelice, destaca-se que o
conceito de democracia não é unívoco, tampouco o conceito de
democratização. Desvelando tais conceitos chega-se à proble-
matização da sociedade e da escola. Questiona o autor: de que
sociedade e de que escola estamos tratando? Para responder o
capítulo é desenvolvido estabelecendo as relações dialéticas entre
democratização, sociedade e escola.

Ari Raimann, em Elementos da gestão da educação: desa-


fios hoje, vai provocar o leitor afirmando que a gestão democráti-
ca é um desafio enorme que se configura na disputa de políticas,
ações e comportamentos vinculados ao público e ao privado. Re-
ferencia o autor que o Projeto Político Pedagógico faz parte desta

13
disputa e desafio, pois centra-se nele, os modelos de organização
da escola, no qual a participação é fundamento e propicia para o
desenvolvimento da democratização escolar, e, portanto, de uma
gestão democrática na escola.

A temática voltada ao PPP tem continuidade no capítu-


lo intitulado Aintrodução do projeto político pedagógico na
política educacional brasileira, de autoria de Maria Alice de
Miranda Aranda e Wander Luís Matias. O objetivo é o de tecer
breves considerações sobre a proposição do PPP da escola como
instrumento do processo em que ganhou expressão o tema da de-
mocratização da educação nacional nas últimas duas décadas do
século 20, particularmente na afirmação da gestão democrática
escolar, com vistas a mostrar a introdução do mesmo como com-
ponente da política educacional brasileira, ressaltando o caráter
adquirido nos anos de 1990.

No capítulo de Elizabeth Gottschalg Raimann, A profissio-


nalização docente e seus desafios, o debate foca o contexto da Po-
lítica Nacional de Valorização do Magistério da Educação Básica
do Governo Federal na década de 2000, indicando que o mesmo
esteve no bojo das discussões dentre as ações que deveriam ser
desenvolvidas para melhorar a qualidade da educação no país. A
autora questiona se o discurso em defesa da profissão são simila-
res. De qual profissionalização se fala? Como resultado, destaca-
-se que as políticas de profissionalização docente implementadas
pelo Governo Federal apontam para um controle do processo de
formação e trabalho docente, levando à perda de autonomia e,
consequentemente, à desprofissionalização.

O capítulo, O Plano de Ações Articuladas (PAR) em Uber-


lândia: a perspectiva de gestão e planejamento, de autoria de San-

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gelita Miranda Franco Mariano e Mariana Batista do Nascimento
Silva, foi desenvolvido numa perspectiva de avaliação demacro-
planejamento. Para tanto as autoras trabalham com os programas
educacionais instalados no período de 2007-2012: Plano de De-
senvolvimento da Educação, Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação e PAR, tidos enquanto ferramenta gerencial que
deveriam permitir a escola a melhorar os processos educativos,
mas que denota mais uma investida por parte do governo de
prosseguir com o processo de “descentralização”, ou melhor des-
concentração.

No capítulo intitulado Gestão pública e planejamento


educacional no Brasil: contribuições do PDI, pesquisa desenvol-
vida por Márcia Guimarães de Freitas, a gestão é discutida na
perspectiva do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI),
“considerado um instrumento de gestão, regulação e avaliação
educativa”. A autora discute este documento enquanto instrumen-
to de planejamento estratégico das universidades públicas.

Paulo Gomes Lima apresenta em Paradigmas predomi-


nantes na pesquisa educacional, de uma forma muito didática as
várias modalidades de pesquisa educacional, o que busca introdu-
zir o leitor no mundo da necessidade e da existência de modelos
de investigação. Segundo o autor a pesquisa educacional como
diálogo deve muito mais do que produzir conhecimento científi-
co pelo conhecimento científico acerca da educação a partir de
um único paradigma como vetor da “verdade”, deve preocupar-
-se também e principalmente, dentro de seu agir comunicativo,
em desbravar caminhos que possibilitem benefícios à comunidade
científica, à sociedade e especialmente à educação.

Conclui-se o livro com o Projeto: Gestão Escolar Democrá-

15
tica: problematizações e ações para implementação na Educação
Básica Estadual, cujos mentores foram Antonio Bosco de Lima e
Mariana Batista do Nascimento Silva. A opção ao anexar o pro-
jeto ao livro implica na socialização de um modelo de projeto de
formação continuada, levando-se em consideração que é dever e
obrigação do Estado fornecer formação para os trabalhadores da
educação, tomamos, então, que é dever da universidade pública
organizar e coordenar tal formação.

Organizadores

Antonio Bosco de Lima

Mariana Batista do Nascimento Silva

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GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA (GED):
PROBLEMATIZANDO

Antonio Bosco de Lima2

1 Para vencer na vida os que dizem não!3

Não se trata, como na concepção idealis-


ta da história, de procurar uma categoria
em cada período, mas sim de permane-
cer sempre sobre o solo da história real;
não de explicar a práxis a partir da idéia,
mas de explicar as formações ideológicas
a partir da práxis material [...]. Marx e
Engels em A ideologia Alemã.

Ao desenvolver este texto para apresentar o conceito


de Gestão Escolar Democrática, lembro-me de um pensa-
mento de Marx e Engels que trata do objeto pesquisa e da
produção de Ciência, na qual os autores declaram que aqui

2 Doutor em Educação pela PUC/SP. Professor da Faculdade de Educação da Univer-


sidade Federal de Uberlândia/UFU. Coordenador do Grupo de Pesquisa Estado, De-
mocracia e Educação (GPEDE) da UFU. É colaborador do Grupo História, Educação
e Formação Humana (UFU) e pesquisador CNPq e FAPEMIG. E-mail: boscodelima@
gmail.com.
3 Parafraseando a letra de uma música de Chico Buarque,Vence na vida quem diz sim:
Se te dói o corpo/Diz que sim/Torcem mais um pouco/Diz que sim/Se te dão um soco/
Diz que sim/Se te deixam louco/Diz que sim/Se te babam no cangote/Mordem o decote/
Se te alisam com o chicote/Olha bem pra mim/Vence na vida quem diz sim/Vence na
vida quem diz sim/...Se te jogam lama/Diz que sim/Pra que tanto drama/Diz que sim/Te
deitam na cama/Diz que sim/Se te criam fama/Diz que sim/Se te chamam vagabunda/
Montam na cacunda/Se te largam moribunda/Olha bem pra mim/Vence na vida quem
diz sim/...Se te cobrem de ouro/Diz que sim/Se te mandam embora/Diz que sim/Se te
puxam o saco/Diz que sim/Se te xingam a raça/Diz que sim/Se te incham a barriga/De
feto e lombriga/Nem por isso compra a briga/Olha bem pra mim/Vence na vida quem
diz sim!

17
lo que importa para o processo investigativo é a problemati-
zação, não achar uma resposta imediata, uma verdade abso-
luta, mas problematizar o problema, a história, pensamento
presente na obra A Ideologia Alemã (1996).

É isto que procuramos focar como eixo central do


curso Gestão Escolar Democrática: problematizações e ações
para implementação na Educação Básica Estadual, desen-
volvido durante o ano de 2017. Buscamos estabelecer um
diálogo entre autores (sua fonte de referência), as teses sobre
a Gestão Escolar Democrática (GED) e suas implicações nas
práticas escolares, procurando problematizar ideias, ao invés
de afirmações condicionadas aos preceitos dominantes.

Tais preceitos equivalem a afirmativa ideologizante e


idealista que basta termos o vocábulo democracia e grafado
nos textos escolares (Projeto Político Pedagógico, Regimento
Escolar, livros didáticos, e outros) que estaremos desenvol-
vendo as práticas dedemocratização da escola. Esta pseu-
doconcreticidade, para lembrar Kosik (1976), aparece como
plano real, afinal todos que falamde democracia, mesmo
sem praticá-la, são democráticos (SIC). Basta para a esco-
la se constituir como estudiosa das categorias fundantes da
humanidade, como o trabalho e a democracia, para que se
configure em escola democrática. Nada mais falso. Estuda-se
o trabalho, mas não revela, desvela, anuncia a exploração
realizada pelo capital junto aos trabalhadores. Analisa-se a
democracia, e a enaltece, mas não toma decisões colegiadas
e coletivas. Fala de participação, mas os responsáveis por

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alunos somente atuam de forma funcional e instrumental,
não participando das decisões substantivas da escola.

Não se trata, enfim, de uma propaganda da GED,


mas de questioná-la em seus princípios e em suas práticas.
Estabelecendo um diálogo questionador e problematizador
que pretende desvelar e revelar o que autores do campo de-
fensivo da GED e autores críticos ao modelo da atual GED
defendem, tencionando os discursos que não conseguem ul-
trapassar a linha do imediato, da aplicabilidade ingênua, do
pragmatismo.

Pseudoconcreto, o que estabelece uma teoria com


postulados de verdade, que em sua aparência espelha-se
como real. É meramente um fenômeno, que “se manifesta
imediatamente, primeiro e com maior frequência.” Mas, em
sua essência diverge, pois, se“a aparência fenomênica e a
essência das coisas coincidissem diretamente, a ciência e a
filosofia seriam inúteis.” (KOSIK, 1976, 12-13).

Mas de qual ciência e de qual filosofia tratamos, da-


quelas que são parceiras da classe trabalhadora ou daquelas
que propugnam a exploração desta classe? Somente pode-
mos responde isto com afinco estudioso, com a curiosidade
e a necessidade humana de superação das coisas, de trans-
formação do sujeito e do Estado. Significa transformar a so-
ciedade, a escola, a política. E isto somente é possível com
significativa escolarização e avanço cultural.

Papel destinado a sociedade, em princípio a educa-

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ção geral, da vida, nas relações sociais, a escola, campo da
educação formal tem relativa atribuições e responsabilidade
junto a outros setores (políticos, sindicais, comunitários, d.
o.) quanto a escolarização e aculturamento dos sujeitos, o
que implica formar sujeito e ducado e político para convi-
vências transformadoras.

Estado, sociedade, escola, organizações em geral são


tomadas pelos sujeitos, que tornam-se históricos quando são
interpelados e aceitam os desafios preocupantes que estão
no mundo.
A ‘preocupação’ é o engajamento prático do indivíduo no
conjunto das relações sociais, compreendidas do ponto de
vista dêste engajamentos pessoal, individual e subjetivo.
[...] A ‘preocupação’ é o mundo no sujeito. O indivíduo
não pé apenas aquilo que ele prório crê nem o que o mun-
do crê; é também algo mais: é parte de uma concexão em
que êle desempenha um papel objetivo, supra-individual,
do qual não se dá conta necessariamente. (KOSIK, 1976,
p. 61-62, grifos do autor).

O homem somente é alheio às coisas, mitificações, ou


pseudoconcreto, vive no mundo da aparência, até que nele
se instale a preocupação, o que sugere sua incorporação no
mundo real, enquanto sujeito social, agir objetivo deste sujei-
to, enquanto sujeito da ação.

Quando se instala a preocupação com a coisa a ser


gerida, organizada, questiona-se o modelo atual de GED. Tal
problematização pode nos fornecer elementos para compre-
ender a construção do processo de democracia na escola.

20
Reconhecendo, assim, o modelo atual (última década do sé-
culo XX e primeira do século XXI) de fazer políticas educa-
cionais, pois, ainda vale a máxima na qual para vencer na
vida temos que dizer sim. Sim às agências de fomentos, as
bancas de concurso, a um modelo de Estado que atua entre
o controle do público e o enaltecimento do privado. Sim aos
órgãos centrais da educação que buscam legitimar práticas
sem dialogar com as escolas do sistema educacional.

Instalada a preocupação o educador e educando se


tornam reais. Ainda, Kosik, “O homem se torna realidade
apenas pelo fato de se tornar um elo do sistema. Fora do
sistema êle é irreal. Êle é real apenas na medida em que é re-
duzido a função do sistema e é definido, segundo exigências
do sistema, como homo economicus.” (1976, p. 88, grifos
do autor). O homem é sempre enquadrado sob quaisquer
formas e condições. O estranhamento e a preocupação pode
fazê-lo contraditório, histórico, conservado, libertador.

Cabe a humanidade ser homo economicus ou homo


politicus, homens sujeitados ou renegados. Distinguir quem
é a criatura e quem é o criador é essencial neste conjunto,
neste jogo, cujas regras podem ase arbitradas coletivamente
ou parcialmente pelos detentores do poder, diga-se de qual-
quer organização, criada pelo homem.

Enquanto regra metodológica a que tem sido enfática


na análise critica e radial ainda é o materialismo histórico,
“uma filosofia radical porque não se detém nos produtos hu-
manos como numa verdade de última instância, mas penetra
21
até as raízes da realidade social, isto é, até o homem como
sujeito objetivo, ao homem como ser que cria a realidade
social.” (KOSIK, 1976, p. 109).

A preocupação se instaura nos sujeitos, se instaura


na escola, a preocupação se realizada enquanto querer so-
cial, dúvida social, busca de verdade social, em desvelar a
GED enquanto coisa que se estabelece configurando-se em
aparência ou essência. Realizando-se enquanto perspectiva
real de relações de igualdade. Mera aparência. Tal aparência
precisa se desvelada e para tal necessita de sujeitos que quei-
ram realizar tal desvelamento, destruir a pseuconcretidicade,
revelando a essência da coisa GED, para então construir
GED que implique em liberdade, participação e igualdade,
condicionando os sujeitos ao campo da autonomia e da de-
mocracia. Qual o caminho? Novamente recorremos a Kosik,
Para que possa ser resolvido, o problema deve ser antes
formulado. A delimitação dos problemas é evidentemen-
te coisa diversa da limitação dos problemas. Delimitar e,
portanto, formular o problema significa captar e e deter-
minar a sua relação íntima com outros problemas. (1976,
p. 124).

A escola não é em si tampouco por si, sua existên-


cia real está articulada a outras dimensões, problemas. Não
avançamos numa melhor distribuição de rendas, nas rela-
ções com padrão de qualidade democráticos, num mode-
lo de política determinado pelo social, não pelo mercado,
não avançamos na autonomia das escolas, não avançamos
numa inclusão qualitativa, tampouco numa universalização

22
do ensino fundamental qualitativo. Avaliações menos para
qualificar as escolas e os alunos, mais para sustentar um mo-
delo de resultados que somente interessa ao sistema centrali-
zador.

Temos que recuperar discursos e promessas. Mas


não temos que assistir comemorações ao piso salarial dos
professores – configurados como teto salarial; a um modelo
de expansão universitária quantitativa, na qual os campi ex-
pandidos têm características de colégios, apesar dos esforços
de seus docentes; aos modelos de formação continuada que
responsabilizam os docentes pelas mazelas da educação, en-
fim. Nos municípios ainda deparamos com gestões fraudu-
lentas e com sistemas de controle social frágeis. Conselhos
na educação não avançaram naquilo que se propunham no
início dos anos oitenta. Nossos índices de qualidade, de alfa-
betização, de melhorias no acesso aos níveis de ensino ainda
continuam deficitários.

É claro irão falar os governistas: trata-se de séculos de


atrasos educacionais, de misérias educacionais, e precisamos
de mais meio século para dar conta de um salto qualitativo.
Neste ponto podemos até concordar com os governistas, en-
tretanto digamos a eles, então por que incentivar as institui-
ções privadas de ensino com gordosfinanciamentos, se elas,
exercem um papel de manutenção do patamar de qualidade
nos níveis deficitários como a formação de professores?

Mas estamos organizando um sistema nacional de


educação, responderão, ainda, os governistas. Diremos, tra-
23
ta-se de uma boa intenção, porém a educação, enquanto for
um problema isolado, ou seja, enquanto não for priorida-
de de todos, principalmente dos governos, contribuirá para
manter nosso patamar internacional de atraso e desigualda-
des. Continuaremos atrasados em relação a dezenas de paí-
ses do mundo que tomaram como prioridade a educação. É
preciso de Educação para eliminar a construção de hospitais
e de presídios.

As políticas sociais educacionais são constituídas por


meio de modelos organizativos que, embora sob governos
sociais democratas, muito pouco de social tem. Pouco tem
de democrático, muito menos de participativo. Neste caso a
escola se espelha nestes modelos autocráticos. O que esperar
da escola se a governança atua de forma centralizadora?

É necessário escancarar as experiências para mos-


trar o que de fato tem ocorrido, qual a democracia tem sido
construída. E assim, qual a GED que temos contribuído em
construir, história coletivizada ou princípios de individuali-
zam, que reforçam as necessidades primárias dos sujeitos in-
dividualizados?
Justamente porque os indivíduos procuram apenas seu
interesse particular, que para eles não coincide com seu
interesse coletivo (o geral é de fato forma ilusória da cole-
tividade), este interesse comum faz-se valer como interesse
‘estranho’ aos indivíduos, ‘independente’ deles, como um
interesse ‘geral’ especial e peculiar; ou têm necessariamen-
te ade enfrentar-se com este conflito, tal como na demo-
cracia. Por outro lado a luta prática destes interesses par-
ticulares, que constantemente e de modo real chocam-se

24
com os interesses coletivos e ilusoriamente tidos como co-
letivos, torna necessário o controle e a intervenção prática
através do ilusório interesse – ‘geral’ como Estado. (MARX
e ENFELS, 1996, P. 49).

Os camaradas Marx e Engels deixam claro nessa situ-


ação que os interesses individualizados ficam camuflados na
aparência de serem coletivizados quando não são investiga-
dos em sua essência. Aparentemente, conforme se constitui
a GED, se institucionaliza longe dos preceitos populares/co-
munitários, o que indica que o Estado, arbitro das relações
homogeneizadas socialmente, camufla que a GED corres-
ponde, em sua essência, ao controle de poucos sobre muitos,
por via da hierarquização, do poder e do saber, das cultura
de subalternidade, de um educação castradora.

Se os alicerces da GED são descentralização, partici-


pação e autonomia. E, se essas categorias inspiram moldes
de informação e transparências, ao observarmos o modelo
que se institui hoje nas escolas e órgãos centrais veremos
um refluxo no que diz respeito aos elementos instrumenta-
lizadores da GED: eleição de diretores, conselhos escolares
participativos, associações de pais e mestres, democratiza-
das, grêmios estudantis realmente livres, avaliação participa-
tiva. Enfim, elementos que deveriam operacionalizar a GED
constituem-se em instrumentos de reforço escolar, de socor-
rência às mazelas escolares, transformam-se em modelos de
participação instrumental.

Tocar nestas questões na academia é um mito, quase

25
um sacrilégio, pois dirão: será que vocês não percebem o
quanto avançamos; que a miséria declinou significativamen-
te, que hoje existe luz para quase todos, que quase todos têm
três refeições por dia? Enfim que as escolas podem respirar
mais tranquilamente?

Não! Diremos. No campo das Políticas Sociais ainda


estamos na geração dos programas de governo (emergen-
ciais e categorias, com caráter focal) e não avançamos numa
concepção de direitos sociais e, no campo da GED, pode-
mos chamar de qualquer coisa isto que está instituído na
escola, menos Gestão Escolar Democrática.

E diremos mais! Temos autores que acreditam que


este modelo de pseudoparticipação é democrática, que a es-
colha (e não mais eleição) de diretores é democrática e que
os Conselhos presididos pelos próprios secretários de educa-
ção são democráticos. Não, não são! Juntamo-nos ao leque
de escritores educadores (poucos, diga-se de passagem) que
contestam este modelo de GED. E é preciso entender isto
compreender o engodo atual da GED para darmos o salto
qualitativo, senão, ficaremos alimentando um modelo auto-
crático que somente se abre quando necessita dos serviços
dos responsáveis por alunos e dos próprios discentes.

Este debate é significante para o momento atual. Mo-


mento considerado como silencioso aos intelectuais, e os in-
telectuais silenciosos a ele. Momento considerado de apatia
sindical e de movimento estudantil dividido (apatia e ocu-
pação de escolas), momento de circunstâncias desestabiliza-
26
doras para os movimentos de esquerda. Momento de golpe,
segundo alguns, momento de acordos político-partidários
dirão outros.

Enfim, para que discutir, estudar, decifrar a GED? Par-


te da necessidade deproduzir a crítica necessária para poder-
mos dar o salto que todos nos queremos para a educação,
para a GED, para as escolas; finalmente, para o futuro de
nossas crianças, que serão adultos pensantes ou inoperantes;
que serão tolerantes e tolos ou serão engajados em dizer não
à corrupção, tão latente em nosso país; dizer não ao apadri-
nhamento, tão presente nos governos; dizer não ao corone-
lismo, tão vivo nas barganhas eleitoreiras; ao clientelismo,
tão denunciado, mas tão pouco combatido. Enfim, formar
sujeitos que não digam sim, e que, apesar do não, vençam
na vida – mas vida completa, o que significa compreensão e
mudança; o que significa esperança do verbo esperançar –
de ir à luta.

2 Considerações

Daquilo que desenvolvemos em todo o discurso re-


gistrado anteriormente podemos deduzir algumas questões
de forma sintéticas:

a) A gestão escolar democrática não existe na escola;

b) Existe gestão escolar democrática na escola enquanto


aparência fenomênica;

c) A gestão escolar democrática necessita de sujeitos his-

27
tóricos que a problematizem e que se preocupem com
a sua existência, tornando-a real.

Nestas três questões podemos perceber um movimen-


to dialético, de negação da negação. Implica ainda existên-
cia de movimento e da presença humana para as condições
de existencialidade e objetividade – além das razões subje-
tivas, que são pertinentes à composição da gestão escolar
democrática. Estas três questões tornam reais as concepções
construídas em torno da GED e precisam, independentes de
suas potencialidades, ser problemtizadas como verdade, ou
inverdades, ou qual tipo de verdade as compõem.

Embora não seja voluntário nem adepto ao registro


em considerações finais de um texto de autores outros, visto
que as considerações de um texto é autoral, não há possibi-
lidade de não contemplar Kosik, neste momento: diz o autor,
“Conhecemos o mundo, as coisas, os processos somente na
medida em que os ‘criamos’, isto é, na medida em que os
reproduzimos espiritualmente e intelectualmente. [...] Sem a
criação da realidade humano-social não é possível sequer a
reprodução espiritual e intelectual da realidade.” (1976, p.
206), grifos do autor).

Parodiando Hegel4 a GED criaria as condições para


uma humanidade participativa na escola, mas não é bem

4 “Hegel completou o idealismo positivo. Para ele, não apenas todo o mundo material
tinha se transformado num mundo dos pensamentos. Ele não se limita a registrar as
coisas do pensamento, mas procura também expor o ato de produção. [...] No sistema
de Hegel, as idéias, os pensamentos e os conceitosa produzem, determinam, dominam
a vida real dos homens, seu mundo material, suas relações reais.” (MARX e ENGELS,
1996, P. 18-19).

28
assim, a GED, enquanto criação dos sujeitos, estabelece
critérios e determinações para estes; tais critérios e determi-
nações podem ser transformadas, ressignificadas, revisiona-
das, enfim, são autoria, criações, invenções dos homens que
exercem controle sobre elas.
Precisamos criar, recriar, constituir implicações e pre-
ocupações para, além da aparência, ressifgnificar a GED
revelando a sua essência, estudando seu fenômeno e nos
organizando para direcionarmos a GED em uma concepções
prática de uma escola inclusiva, participativa, democrática,
com qualidade social e política.

Referências

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1976.
MARX, Karl e ENGELS, Frederich. A ideologia alemã
(Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1996.

29
DA DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE E
DA ESCOLA5

José Luís Sanfelice6

1 Introdução

Para falarmos de democratização, temos inicialmente


que esclarecer o que estamos entendendo por democracia7.
É necessário ter este rigor uma vez que o conceito de demo-
cracia não é unívoco. Posta a conotação com a qual vamos
assumir o conceito de democracia, faz-se obrigatório apurar
também o conceito de democratização. Devemos, pois, res-
ponder à seguinte questão: que democracia e de que demo-
cratização? O mesmo exercício teórico é indispensável para
com os conceitos de sociedade e escola. Sociedades e esco-
las não são abstrações ou generalidades, mas materialidades
históricas em processos contínuos de transformações. Então,

5 Este texto foi divulgado anteriormente no livro PPP – participação, gestão e qualidade
da educação II, organizado por Antonio Bosco de Lima e editado pela Assis Editora em
2015.
6 Prof. Dr. Titular em História da Educação da UNICAMP. Aposentado e colaborador.
Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no
Brasil- HISTEDBR. Docente do Mestrado em Educação da UNIVÁS. E-mail: sanfeli-
[email protected]
7 Palestra proferida no II Seminário PPP: participação, gestão e qualidade da educação,
promovido pelo Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação (GPEDE). Uni-
versidade Federal de Uberlândia. Em 28 de fev. de 2015.

31
a mesma indagação deve ser feita: de que sociedade e de
que escola estamos tratando? Se estabelecermos as devidas
arestas conceituais, restaria o desafio maior: estabelecer as
relações dialéticas entre democratização, sociedade e escola.

2 Conceituando democracia

Não vou fazer um histórico sobre o conceito de demo-


cracia. Há bons dicionários nas ciências sociais ou de filosofia
que suprem tal necessidade. Mas, para ser preciso, tanto quan-
to possível, quero me referir à democracia como ela vigora em
muitas sociedades ocidentais e independentemente das formas
de governo que a adotam. Trata-se da democracia indireta, re-
presentativa, modernamente construída pela Revolução Burgue-
sa.

Em resumo: o significado da palavra democracia é


governo do povo. Supõe-se que o povo inteiro tem o direito
de tomar decisões sobre as políticas públicas. Não havendo
consenso, deve prevalecer a vontade da maioria. Há, claro,
divergências teóricas sobre isto, mas na prática são estes os
princípios que prevalecem. A materialização dos princípios
é outra questão, pois o pressuposto da democracia é que,
na sociedade, existe igualdade de voz entre todos os seus
indivíduos. Em decorrência das múltiplas formas que as so-
ciedades e os Estados ditos democráticos assumem, histori-
camente, o significado da palavra democracia se esmaece.

Consideremos também que as democracias con-


temporâneas são indiretas e representativas. Em geral são

32
democracias liberais. A democracia direta foi a da Grécia
antiga, onde o “povo” governava de modo efetivo. Nas de-
mocracias contemporâneas, indiretas e representativas, cabe
ao povo poucas decisões, quase sempre, somente nos pro-
cessos, eleitorais. Os representantes eleitos representam, teo-
ricamente, o povo. Votar, portanto, faz parte de um processo
essencial da democracia. E, por democracia liberal entende-
-se certa limitação do poder do governo, com a vigência, por
exemplo, de uma Constituição e a garantia das liberdades
consideradas essenciais como a liberdade de expressão, den-
tre outras (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 179-82).

Então, no nosso ponto de partida, o universo con-


ceitual referente à democracia no qual transitamos; é o que
acaba de ser apresentado acima. Portanto, é em decorrência
dele que assumimos o conceito de democratização tal e qual
aparece em Houaiss (2009, p. 935):“ação ou efeito de de-
mocratizar (-se)”. Democratizar: “conduzir (algo, alguém ou
a si mesmo) à democracia; tornar-se democrata”.

Por inferência, grosso modo, a democratização resulta


do conjunto de ações e esforços individuais e coletivos para
que a democracia – governo do povo – possa se instaurar, se
consolidar e vigorar em permanente aperfeiçoamento. Nas
formas políticas, como a da sociedade brasileira, em que há
os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – o equi-
líbrio e a independência entre eles é fundamental. Teorica-
mente são os poderes instituídos para garantirem que a le-
gislação vigente cumpra de forma universal e igualitária (no

33
interior do conjunto da sociedade e com ela) os propósitos
explícitos e acordados, por exemplo, na Constituição. Entre-
tanto, é bom lembrar que ao Estado é reservada a possibili-
dade da prática de uma violência legal.

Mas, para além do já dito, democratização é também


a construção de canais e mecanismos pelos quais a socieda-
de civil possa cada vez mais expressar seus interesses e vê-
-los efetivamente respeitados. Partidos múltiplos, sindicatos
das mais variadas categorias profissionais e independentes
das práticas peleguistas, mídia eticamente responsável e a
abolição de qualquer prática de discriminação de etnia, de
gênero ou de opção por práticas sexuais, são alguns deles.
Logo, para que a democracia proclamada se torne realidade,
é necessário um contínuo processo de democratização. É
possível sonhar com tal intento?

3 Sociedade capitalista

Bem, a difícil resposta não pode ser tentada de uma


forma direta. Vivemos numa sociedade determinada. De-
terminada por uma base material que é o seu modo de pro-
dução capitalista. Nossas relações sociais se determinam
também por esse modo de produção. Nossas ideias tendem
a acompanhar as ideias que se tornam hegemônicas em de-
corrência de serem produzidas por classes sociais também
hegemônicas. O cerne do modo de produção capitalista é
a exploração do trabalho para que se produza mais valia,
que apropriada por quem detêm o capital, amplia o capital.
Lembramos aqui, juntamente com Mészáros (2005, p. 27):
34
“o capital é irreformável porque pela sua própria natureza,
como totalidade reguladora sistêmica, é totalmente incorrigí-
vel”. Ou seja, não há indicativos de um capitalismo melhor,
de um capitalismo socialmente bom para todos. Caso isso
ocorresse, não estaríamos mais na lógica e ordem capitalista.

Como disse acima, seria preciso aclarar o conceito


de sociedade, um exercício teórico que visa referir-se a uma
sociedade dada. Então, não estamos falando das sociedades
comunistas “primitivas”, não estamos falando das sociedades
escravistas ou servis. Nem se trata de uma generalidade em que
se define o que é uma sociedade. A sociedade aqui focada é a
que vem sendo construída desde a Revolução Burguesa. A mes-
ma sociedade que construiu o conceito e a prática da democracia
indireta, representativa e liberal.

Então, podemos juntar as duas dimensões mais ou


menos assim: as sociedades capitalistas, em geral, são socie-
dades que apregoam e dizem praticar a democracia indireta,
representativa, liberal, guardando-se as devidas especificida-
des que cada uma delas comporta. E, se sairmos da submis-
são que as nossas ideias vivenciam sob as ideias hegemô-
nicas, como dito antes, muitas outras facetas das referidas
sociedades poderão ser vislumbradas. Por exemplo: dentre
os eixos que sustentam a lógica do modo de produção ca-
pitalista está a propriedade privada dos meios de produção.
Sem a propriedade privada dos meios de produção, preser-
vada a tão poucos homens, não haveria como o capital se
acumular cada vez mais, também nas mãos desses poucos.

35
Não posso caminhar na direção mais aprofundada
dessa análise, mas se perguntem: qual é a origem históri-
ca da propriedade privada dos meios de produção? Como
ocorreu esse processo em que tão poucos ficaram com qua-
se a totalidade das riquezas e a grande maioria ficou com
tão pouco? Aproveitem a oportunidade, quem ainda não o
fez, para realizarem a leitura de um clássico, por exemplo: F.
Engels, A origem da família, da propriedade e do Estado. É
bom relacionar a questão com o conceito de democracia:
será que a maioria do povo das sociedades capitalistas se de-
cidiu ser explorada no trabalho e viver um processo contínuo
de empobrecimento? Recentemente vimos que, em âmbito
mundial, as riquezas se concentraram mais e, consequente-
mente, a maioria das pessoas empobreceu.

Na forma mais recente, as sociedades capitalistas


passaram a viver o fenômeno que se passou a chamar de
globalização. Na verdade, um desdobramento contínuo da-
quilo que Marx e Engels, em pleno século XIX, delinearam
na análise que fizeram do comportamento da burguesia e
do seu desempenho nas ditas sociedades: a necessidade de
um mercado em constante expansão compele a burguesia a
avançar por todo o globo terrestre. Ela precisa fixar-se em
toda parte, estabelecer-se em toda parte. Criar vínculos em
toda parte.
A burguesia, pela exploração do mercado mundial, con-
feriu uma forma cosmopolita à produção e ao consumo
de todos os países. Para desespero dos reacionários,
retirou à indústria a base nacional em que esta assenta-

36
va. As velhas indústrias nacionais foram aniquiladas e
continuam a sê-lo dia-a-dia. São suplantadas por novas
indústrias, cuja introdução se torna uma questão de vida
ou de morte para todas as nações civilizadas – indús-
trias que não utilizam matérias primas nacionais, mas
sim oriundas das regiões mais afastadas, e cujos pro-
dutos se consomem simultaneamente tanto no próprio
país como em todos os continentes. Em lugar das velhas
necessidades, atendidas pelos produtos do próprio país,
surgem necessidades novas que exigem, para a sua sa-
tisfação, produtos dos países longínquos e de climas os
mais diversos. Em lugar da velha auto-suficiência e do
velho isolamento local e nacional, surgem um intercâm-
bio generalizado e uma generalizada dependência entre
as nações. E isto se refere tanto à produção material
quanto à produção espiritual. Os produtos espirituais de
cada nação tornam-se patrimônio comum. A unilatera-
lidade e a estreiteza nacionais mostram-se cada vez mais
impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais
nasce uma literatura mundial (MARX; ENGELS, 1998,
p.8-9).

Portanto, no que diz respeito à expansão capitalista


globalizada, nada de novo acontece na face da terra. E,
presume-se que ela continuará até que a forma capitalista se
torne totalitária, caso não ocorra uma circunstância históri-
ca que a detenha e supere o atual modo de produção. Não
havendo tal circunstância histórica, os limites da expansão
capitalista só surgirão quando ele – capitalismo – não tiver
mais para onde se expandir, incluindo aí as suas estruturas
de sustentação.

Todos nós sabemos que com a globalização ocorreram


mudanças profundas nas nossas vidas. As grandes mudanças

37
tecnológicas chegaram aos mais distantes lugares. O mundo
do trabalho se agudizou com o desemprego estrutural, com
o trabalhador flexível, com a precarização das condições de
trabalho, com o trabalho temporário, com a ampliação da
competitividade e outras mazelas que não podem ser solu-
cionadas pela lógica do capital. Nossas subjetividades foram
duramente afetadas pelo individualismo, pelo consumismo e
pela alienação resultante de forte despolitização e naturaliza-
ção que se passou a fazer da atual conjuntura. E, na lógica
(neo) liberal as pessoas são responsabilizadas pela situação
em que se encontram. Na busca de ajuda individualizada,
elas correm para as religiões e para a literatura de autoajuda.

Os Estados se reformaram. Adaptaram-se à lógica


de mercado. Tornaram-se mínimos para os trabalhadores e
máximos para o capital. As políticas sociais transformaram-
-se em paliativas, substituindo ganhos históricos das classes
trabalhadoras. Os Estados se tornaram privatizantes e se pri-
vatizaram. Os movimentos sociais foram a cada dia mais
criminalizados e sofrem a violência legítima – como falei an-
teriormente – por parte do Estado. A educação passou a ser
concebida como importante mercadoria e hoje atrai signifi-
cativos volumes de capital que dela se beneficiam para a sua
própria ampliação.

É, pois, dessa sociedade que estamos falando. Socie-


dade estruturada na base da produção capitalista, socieda-
de hegemonizada pelos interesses burgueses, sociedade que
continua explorando o trabalho alienado e, portanto, uma

38
sociedade cuja essência é a contradição. Por mais que se
queira desconfigurar tal realidade, com o uso de um discurso
ideológico que a mascara, é irrefutável que ainda é uma so-
ciedade de classes antagônicas e, portanto, onde permanece
a luta de classes. Podemos até discutir a nova estruturação
das classes sociais ou das suas frações, mas não é possível
ignorar a existência delas. Fica difícil conciliar a materialida-
de das sociedades capitalistas com o discurso da democracia
indireta, representativa e liberal.

4 Escola estatal ou pública?

Ainda nos falta tecer comentários sobre a escola.


De que escola estamos falando? Bem, em princípio estamos
falando da escola denominada pública. Então, faço já uma
anotação. A escola denominada pública é aquela administra-
da pelo Estado. A rigor é a escola do Estado, utilizada para
educar/domesticar o povo. Os recursos usados para a ma-
nutenção da escola do Estado são públicos. Resultam dos
impostos cobrados à população. A escola do Estado não é
necessariamente de interesse público. O Estado privatizan-
te e privatizado não representa a vontade da maioria. Não
interessa o discurso que é feito oficialmente, principalmente
quando a realidade educacional demonstra a distância que
separa uma coisa da outra (SANFELICE, 2005, p. 89-105).

A escola estatal surge em meados do século XVI no


transcorrer da Reforma protestante. Baseando-se na máxi-
ma luterana da livre interpretação bíblica, os príncipes que
aderiram à Reforma passam a oferecer escolas aos mais po-
39
bres para que também eles acessassem o texto bíblico. Do
ponto de vista da burguesia, então emergente, a Reforma
protestante era um instrumento propício para combater o
poder da Igreja Católica. Retirar ainda as pessoas da in-
fluência da Igreja Católica passou a ser uma estratégia da
revolução burguesa.

Como diz Manacorda (1989, passim) nos séculos XV


e XVI houve uma expansão quantitativa do que ele chama
de instrução e em decorrência da invenção da imprensa e
do desenvolvimento social e econômico. Ao mesmo tempo,
os movimentos populares heréticos promoveram a instrução,
pois a Igreja Católica considerava-a sua prerrogativa. E, a
constituição do movimento iluminista mais expressivo no sé-
culo XVII, colocou em crise o pensamento humanista. Outras
vozes se levantaram solicitando uma intervenção inovadora
do Estado no campo da instrução. Foi um momento no qual
a burguesia revolucionária explicitou ideais a respeito da ins-
trução, tais como: universalidade, gratuidade e estatalidade.
Aos poucos surgiu a questão do trabalho, posta pela Revo-
lução industrial nos séculos XVII e XVIII, e que exigia uma
nova formação humana. Por conta da mesma Revolução
industrial e o trabalho feminino, as escolas infantis vão se di-
fundindo. Ao término do século XIX o sistema de instrução,
da elementar à superior já era estatal em quase toda Europa.
As iniciativas da instrução técnica e profissional, inicialmente
privadas, foram paulatinamente substituídas pelas medidas
estatizantes.

40
No século XX assiste-se a uma grande expansão
da escola estatal em especial nos países mais industrializa-
dos. A marcha pela universalização, entretanto, foi sempre
marcada pela instrução dual: uma educação para formar as
elites e outra educação para formar as classes trabalhadoras.
Se as elites podem dispor de alternativas escolares fora da
educação estatal, não há muitas alternativas para as clas-
ses trabalhadoras. O Estado é, então, o educador do povo.
É o educador da maioria, mesmo que isso signifique uma
deseducação. A crítica à escola estatal, fruto da Revolução
burguesa, viria do pensamento marxista:
O marxismo não rejeita, mas assume todas as conquistas
ideais e práticas da burguesia no campo da instrução,
já mencionadas: universalidade, laicidade, estatalidade,
gratuidade, renovação cultural, assunção da temática do
trabalho, como também a compreensão dos aspectos li-
terário, intelectual, moral, físico, industrial e cívico. O
que o marxismo acrescenta de próprio é, além de uma
dura crítica à burguesia pela incapacidade de realizar es-
tes seus programas, uma assunção mais radical e conse-
qüente destas premissas e uma concepção mais orgânica
da união instrução-trabalho na perspectiva oweniana de
uma formação total de todos os homens (MANACOR-
DA, 1989, p. 296).

Com todo o respeito que tenho ao brilhantismo in-


telectual de Manacorda, eu me questiono se a burguesia é
mesmo incapaz de realizar seus programas educativos ins-
trumentalizando o Estado e a escola do Estado. Também
não quero defender nenhuma tese conspiracionista. Penso
sim, que a burguesia é muito capaz de propor uma educação
para o povo e dentro dos limites que lhe é conveniente. Se-
41
não, vejamos: quem propõe as diretrizes curriculares? Quem
cria os inúmeros sistemas de avaliação? Quem estabelece
a formação docente? Quem regulamenta o piso salarial da
carreira docente e não o respeita? Quem implementa a esco-
lha dos livros didáticos ou efetua as compras dos chamados
“sistemas de ensino”? Quem...? Não é nenhum burguês que
possa ser identificado pelo seu CIC ou RG, mas é o Estado
mínimo para o trabalho e máximo para o capital.

Os governos que se encontram de plantão nas


sociedades de democracia indireta, representativa, liberal e
que vivem perifericamente a globalização, cumprem agendas
para a educação construídas por agências internacionais. As
agências e outros organismos, FMI, BIRD, UNESCO, OMC,
são os atuais intelectuais do ideário educacional em tempos
de globalização. Os compromissos dos governos locais são
para atender metas pré-estabelecidas. Mesmo o pensamen-
to pedagógico em pauta, tem a mesma origem. Muito já se
escreveu sobre isso, mas, por exemplo, consulte-se NEVES
(2005).

5 Educação formal no Brasil

No Brasil, tivemos nossas especificidades. Coloni-


zação com extermínio da população indígena. A união do
Estado português com a Igreja Católica. Dois séculos de edu-
cação jesuítica que, feita pela Cia de Jesus, estava a serviço
da Contra-Reforma protestante e da Coroa. Uma Reforma
educacional pombalina que buscou ampliar o controle do
Estado sobre a educação da colônia e, com a chegada de D.
42
João VI e sua família imperial, o início da educação superior.
De aí em diante, no século XIX, portanto, um desenvolvi-
mento crescente do ensino superior não acompanhado pelos
outros níveis abaixo. Cuidou-se de formar quadros profis-
sionais para o Estado e profissionais liberais provenientes da
elite.

A Independência não resultou de nenhuma revolução


social. Como pano de fundo, uma sociedade agrária ex-
portadora, escravista, patriarcal, católica e analfabeta. Uma
sociedade que não vivenciou a Revolução burguesa e nem a
Revolução industrial. Uma sociedade que necessitava muito
pouco de escolas. Com o ideário republicano a instrução,
como se dizia à época, foi incorporada ao discurso Político
cotidiano. E a República construiu os Grupos Escolares, ago-
ra batizados pela historiografia de Templos de Civilização. A
Primeira República continuou a tendência de desenvolver o
ensino superior e ele passou por várias reformas de iniciativa
do Estado. Ao término da Primeira República o saldo educa-
cional não era muito animador. No período Vargas (1930-
1945) notamos uma forte intervenção do Estado em todos
os níveis e modalidades da educação, com as Reformas de
Francisco Campos e Capanema. Notamos também suspiros
educacionais de uma burguesia em formação e que podem
ser ouvidos no Manifesto de 1932. Na Segunda República,
a principal temática educacional é o processo de formulação
da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
que tramitou no Poder Legislativo. Finalmente chegamos a
ela em 1961, após intensa campanha em defesa da escola

43
estatal, chamada de pública. Mas, desde os anos cinquen-
ta se assinalam mais intensamente os processos relaciona-
dos de urbanização e industrialização. Por consequência e
necessidades novas, amplia-se a oferta da escolaridade. A
ditadura civil-militar decorrente do Movimento de 64 repre-
sentou bem os interesses do capital ao fazer a Reforma uni-
versitária em 1968 e introduzir alterações na LDB em vigor,
com a Lei 5.692/1971, e sob a inspiração da Teoria do Ca-
pital Humano. A tendência privatizante da educação vem se
consolidando desde então. Na Nova República mais uma
LDB se instaurou, agora sob o manto do ideário (neo)liberal.
Com os presidentes FHC, Lula e Dilma, a política educacio-
nal tem mais continuidades do que rupturas. Mudam-se os
invólucros e não os conteúdos.

A escola estatal da sociedade brasileira, quanto à sua


oferta quantitativa, vem sendo tardia, mas amplia-se. As dis-
cussões sobre a sua qualidade projetam interesses extrema-
mente antagônicos e são sustentadas por vários setores da
sociedade. Os temas intrínsecos às questões qualitativas vão
de A a Z. A competência da burguesia parece ser a de man-
ter tudo sob fogo cruzado e, sem a radicalização de medidas
que aparentam ser as necessárias e de grande consenso entre
os educadores. Um só exemplo: a questão do financiamento
da educação estatal. A “Pátria Educadora” (2015) sistema-
ticamente corta, reduz, diminui os recursos para a educação
e outras políticas sociais.

44
6 Considerações finais

Como a escola estatal recebe as suas determinações


da sociedade como um todo, ela reproduz de certa maneira
as contradições que estão presentes fora dela. Se a socie-
dade é um lugar de conflitos e contradições antagônicas, a
escola também o será. Se a sociedade se democratiza, a
tendência é a escola também se democratizar. Se a escola,
com sua autonomia relativa se democratiza, a tendência é a
sociedade se democratizar.

Quando a sociedade se democratiza? Quando a


sociedade civil se organiza e se impõe ao Estado pela von-
tade da maioria. O maior desafio de hoje é exatamente o de
como organizar a sociedade civil. Quem pode fazer isso?
Os partidos políticos? A mídia? As redes sociais? A própria
escola estatal? Os intelectuais progressistas? Os movimen-
tos sociais organizados? Os sindicatos? Enfim, quem seria
o Sujeito dessa organização? Acho que a resposta não está
em nossas cabeças, mas na própria realidade histórica. É
na correlação das forças antagônicas- em especial capital x
trabalho- que se dará uma definição. Mas, até lá é preciso
caminhar.

A organização da sociedade civil, pelos movimentos


sociais, expressa, por exemplo: a necessidade de políticas so-
ciais de Estado e não de governos; a supressão de políticas
paliativas a serem substituídas por políticas que ataquem a
raiz dos problemas; que não se privatize o que é de interesse
público; que a liberdade de expressão e cultura sejam garan-
45
tidas. São apenas alguns exemplos para dizer que a defesa
orgânica deles é um trabalho pela democratização social, po-
lítica e cultural.

Quanto à escola: se tomarmos os movimentos do-


centes como exemplo, mas é claro que não é só ele, temos:
a defesa da escola estatal de forma incondicional. E, é isso
mesmo. A crítica à escola estatal burguesa não significa abrir
mão dela. Continua em pauta garantir a laicidade da escola
estatal. É um princípio soberano que ela seja gratuita. A sua
universalidade é um imperativo. A qualidade, mesmo que
tenhamos que discutir muito sobre o que entendemos por
isso, será sem dúvida o cerne da democratização da escola.
Não é democrático produzir milhões de analfabetos funcio-
nais que durante anos freqüentaram as escolas do Estado.
Não é democrático continuar precarizando a formação e as
condições de trabalho dos docentes, hoje lançados à própria
sorte. Não é democrático levar para o interior das escolas a
lógica de gestão empresarial. Lá não se produz mercadorias
e menos ainda mercadorias descartáveis.

Por fim, a escola que se diz em crise, é a escola do


Estado burguês. Para que ela se torne de interesse público é
necessário que a sociedade civil eduque o Estado. E a luta já
começou... É a democratização em marcha.

46
Referências

ENGELS, F. A origem da família da propriedade e do


Estado. Portugal/ Brasil: Editorial Presença/ Livraria Mar-
tins Fontes, 1976.

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portugue-


sa. Rio de Janeiro, 2001.

MANACORDA, M. A. História da Educação. Da antigui-


dade aos nossos dias. São Paulo: Cortez: Autores Associa-
dos, 1989.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunis-


ta. São Paulo, Cortez, 1998.

MÉSZÀROS, I. A educação para além do capital.Boi-


tempo , 2005.

NEVES, L. M. W. (org). A nova pedagogia da hegemo-


nia. Estratégias do capital para educar o consenso. São
Paulo, Xamã, 2005.

OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE,T. Dicionário do pen-


samento social do século XX. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Ed., 1996.

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(2005, p.89-105)

47
ELEMENTOS DA GESTÃO DA
EDUCAÇÃO: DESAFIOS HOJE8

Ari Raimann9

1 Introdução

A temática da gestão da educação, principalmente


envolvendo o projeto político pedagógico, é ampla e não
pode ser vista de modo isolado da realidade contextual ca-
racterizada pelo mundo do capital. A educação se situa em
contexto no qual sofre profundamente a pressão da econo-
mia que rege as ações no mundo do trabalho. Dessa forma,
a gestão da educação não ocorre autonomamente, pelo con-
trário, ocorre segundo interesses e programas ideológicos do
mundo do capital. Portanto, é preciso “[...] estar atento para
as formas concretas que os determinantes sociais, políticos,
econômicos, ideológicos etc. assumem na realidade esco-
lar [...]” (PARO, 2001, p. 33). A possibilidade de realizar-se
na escola a gestão gerencial, que atua a serviço do Estado
para controlar as atividades que podem ser realizadas é por
demais robusta. Por isso mesmo, o papel dos educadores é

8 Texto divulgado anteriormente no livro PPP – participação, gestão e qualidade da edu-


cação II, organizado por Antonio Bosco de Lima e editado pela Assis Editora, em 2015.
9 Docente da UFG/Regional Jataí. Contato: [email protected]

49
também envolver-se no combate a essa prática.

Nesse contexto, a qualidade social da educação não


tem sido alcançada e muito menos tem sido foco no proces-
so de gestão nas escolas e nos sistemas. Para além dos ideiais
da modernidade que atuam fortemente sobre a educação e,
por tabela, sobre a gestão escolar, fortalecendo o individua-
lismo, a relatividade dos valores humanos e sociais, o domí-
nio sobre a natureza (leia-se aqui o exercício dominador de
uns sobre os outros na educação em suas diversas formas),
a proposta de educação no mundo da produção capitalis-
ta não atende à demanda social. Há pressões no cotidiano
das escolas que as obrigam a situações que contrariam os
princípios da gestão democrática e da qualidade social da
educação.
O embate que se efetiva em torno dos processos educa-
tivos e de qualificação humana para responder aos in-
teresses ou às necessidades de redefinição de um novo
padrão de reprodução do capital, ou o atendimento das
necessidades e interesse da classe trabalhadora, firma-se
sobre uma mesma materialidade, em profunda transfor-
mação, onde o processo técnico assume um papel cru-
cial, ainda que não exclusivo (FRIGOTTO, 2003, p.36).

Nos espaços da escola fazem-se presentes os confli-


tos, de modo que o processo formativo é conflituoso, pois
não atende aos interesses de todos, mas tão somente de al-
guns poucos que dominam sobre os demais. Tal cenário traz
para o interior do conceito de gestão democrática “apenas a
intenção de politizar a ação administrativa.” (BORDIGNON
& GRACINDO, 2000, p. 147). Pela presente observação,

50
nota-se que o desafio de trabalhar efetivamente pela demo-
cratização da gestão está colocado, embora tal projeto não
ocorra por simples manifestação de idéias ou de desejos.
Tais desafios são significados por Ferreira (2000, p. 168), ao
observar que ” queremos um mundo mais justo e humano,
onde a equidade, a solidariedade e a felicidade existam em
todos os espaços e para todas as pessoas”.

Há um cenário de retração do “público” e de avanço


do “privado”. Cada vez mais o Governo tenta justificar que a
qualidade da educação seria adequadamente garantida com
o investimento no setor privado e a diminuição de recur-
sos para o setor público.  Tal postura implica o reducionismo
da formação à sua dimensão técnico-instrumental, e, con-
sequentemente, a gestão é marcada pela desvalorização do
humano. A pressa pela formação para o trabalho tem sido
uma constante, enquanto a demanda por trabalhadores as-
salariados aumenta.  
Trata-se de uma educação e formação que desenvol-
vam habilidades básicas no plano do conhecimento, das
atitudes e dos valores, produzindo competências para a
gestão da qualidade, para a produtividade e competiti-
vidade e, conseqüentemente, para a ‘empregabilidade’.
(FRIGOTTO, 2008, p. 45).

Na sequência de pensamento, Frigotto (2008, p. 48)


observa que
[...] o papel dos processos educativos, mormente a for-
mação técnico-profissional, qualificação e requalificação,
neste contexto, é de produzir cidadãos que não lutem
por seus direitos e pela desalienação do e no trabalho,

51
mas cidadãos ‘participativos’, não mais trabalhadores,
mas colaboradores e adeptos do consenso passivo [...].

A escola é, assim, espaço de disputa de projetos so-


cietais, reprodutivos, produtivos, engajados, alienantes... Ve-
remos isto a seguir.

2 Escola: espaço de disputas

Na escola pública percebe-se o reducionismo da for-


mação ao se verificar que as salas de aula estão cheias e os
professores seguem exaustos de tanta aula. São as muitas
coisas por fazer. Muitos alunos, muitas aulas, muitas ativida-
des, muitos conteúdos. Neste contexto, escancara-se o foco
de natureza produtiva na educação, em detrimento da edu-
cação de qualidade socialmente referenciada. Educação de
qualidade não significa apenas aumento de vagas, direito de
matrícula, mas, para além do acesso, permanência com qua-
lidade social. (LIMA, 2014). A educação passa a assumir va-
lor de mercado e o processo de construção do conhecimento
deixa de ser o foco da educação.

Perguntas que se fazem nesse contexto: será que ha-


veria ainda lugar para a “esfera pública” neste contexto por
demais privatizado e dominado pelo capital? Haveria lugar
para ações de natureza pública, de interesse público, enten-
dido como lugar de atuação crítica e política das pessoas,
como um processo de gestão democrática, de significação da
participação humana nos processos formativos?

Documentos oficiais da área da educação estão re-

52
cheados de conceitos de “qualidade” e “gestão democráti-
ca”. Dentre eles citamos o Programa Nacional de Fortale-
cimento dos Conselhos Escolares (2004, p. 13), segundo o
qual a construção da gestão democrática deve ser vista como
“movimento permanente que não se decreta, mas resulta de
processos coletivos de tomada de decisão e de luta política
e, portanto, de participação”. No entanto, no bojo das ideias
em tais documentos, percebem-se elementos contraditórios,
como, por exemplo, como “indução”, que apontam para
princípios não democráticos: “instituir políticas de indução
para implantação de Conselhos Escolares”. (BRASIL/MEC,
2004, p. 13).

Entendemos seja oportuno lembrar o destaque de


Bordenave (1983, p. 74), ao dizer que “a participação é uma
vivência coletiva e não individual, de modo que somente se
pode aprender na práxis grupal. Parece que só se aprende a
participar, participando”. Nesse viés, a participação em bus-
ca da democratização da educação que possa garantir o di-
reito de todos não se dará na forma de listas de presença ou
de documentos comprobatórios de convocação. A participa-
ção, ao contrário, se dará efetivamente pelo envolvimento
coletivo, político, crítico e autônomo dos indivíduos em todo
e qualquer espaço educativo. Fica bem pensar que na gestão
democrática a construção coletiva que inclui a participação
aberta e ampla da comunidade.

Nesse cenário, lidamos com o desafio de como res-


significar conceitos e práticas no cotidiano educacional, em

53
específico, a gestão da escola e sua relação direta com a qua-
lidade social da educação. Tal objetivo é, sem dúvida, por
demais relevante, pois é necessário pensar o desafio de tra-
balhar a gestão da educação comprometida com o interesse
público e isto implica apostar na ressignificação da escola, da
aula, do ensino, da aprendizagem e, por consequência, das
pessoas envolvidas nos processos formativos.

Pensar esse desafio exige partir de outra base ética,


que enfrente os desafios impostos pela cultura hegemônica;
que trabalhe pela hominização da educação, pela recupera-
ção do ser humano na escola.  Isto porque, organização do
trabalho na escola pensada/idealizada pela sociedade capi-
talista tem como objetivo manter as relações de produção,
manter e reforçar as desigualdades sociais existentes. Em-
bora o discurso seja “a educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-
mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, CF-1988, Art.
205), a sua materialização não tem ocorrido e mesmo nos
documentos oficiais o que se garante é a “universalização do
atendimento”, o que em nada garante qualidade social da
educação.

Promove-se a “precarização da vida das maiorias e a


perda dos direitos” (FRIGOTTO & CIAVATTA (2002, p. 48),
e acentua-se a educação por competências, para a competi-
tividade e empregabilidade. Como lembra Arroyo (2006, p.

54
9) é preciso trabalhar para que “se desconstruam visões mer-
cantilizadas de currículo, do conhecimento e dos sujeitos do
processo educativo.” Enquanto algumas competências são
privilegiadas no processo, outras são secundarizadas, con-
forme o interesse mercantil. Este viés tem sido enfatizado na
atual sociedade mercantilizada.

O mercado coloca-se como “medida de todas as coi-


sas”, tornando-se a escola uma organização a serviço da pro-
dução. Propor a gestão democrática nesse contexto implica
assumir a realidade criticamente, e, no conjunto das ideias
humanas, propor e encontrar saídas na direção da dignifica-
ção humana em todos os seus aspectos. Claro, “parece ser
mais fácil, por exemplo, deixar os alunos com dificuldades
sem uma intervenção mais interessada na recuperação de-
les, afinal, quem vai saber que a escola fez pouco por eles?”
(RAIMANN, 2015, p. 52).   Então é mesmo preciso trabalhar
por um projeto a redimensionar o processo educativo. É pre-
ciso, repensar a presença humana na educação.

O exercício democrático exige um conjunto de con-


dições que, necessariamente, precisam ser dadas para que a
democracia se realize, conforme Apple &Beane (2001) indi-
cam:
1. O livre fluxo das idéias, independentemente de sua
popularidade, que permite às pessoas estarem tão bem
informadas quanto possível. 2. Fé na capacidade indivi-
dual e coletiva de as pessoas criarem condições de resol-
ver problemas. 3. O uso da reflexão e da análise crítica
para avaliar idéias, problemas e políticas. 4. Preocupa-

55
ção com o bem-estar dos outros e com o bem comum.
5. Preocupação com a dignidade e os direitos dos indi-
víduos e com as minorias. 6. A compreensão de que a
democracia não é tanto um ‘ideal’ a ser buscado, como
um conjunto de valores ‘idealizados, que devemos viver
e que de vem regular nossa vida enquanto povo. 7. A
organização de instituições sociais para promover e am-
pliar o modo de vida democrática (APPLE & BEANE,
2001, p. 16).

Os autores apostam na consideração dos direitos dos


outros à educação, bem como na humanização dos proces-
sos nas instituições escolares. Apontam para a aposta que se
deve fazer na capacidade que os indivíduos têm de identifi-
car e resolver problemas; analisar criticamente a realidade e
o movimento de idéias.

Se condicionantes externos da escola apontam para


desafios que possam parecer impossíveis do ponto de vista
de sua realização para a transformação dos processos edu-
cativos e de gestão da educação, a natureza humana revela
enorme potencial de transformação, então podemos pensar e
promover espaços democráticos. Nestes espaços, o exercício
democrático de cada um permitirá antes de tudo a denúncia
da precariedade vivida pela maioria das escolas públicas e
a busca pela responsabilização dos que  impedem, intencio-
nalmente ou não, a qualidade da educação e o direito dos
outros. É evidente que essa construção não ocorre por sim-
ples decisão de quem faz a gestão, mas pela abertura ampla
do debate sobre os desafios postos; pela significação das ma-
nifestações populares; pela descentralização dos poderes e

56
seu conseqüente compartilhamento com os que fazem parte
da comunidade educativa e pelo enfrentamento crítico das
demandas postas em cada situação contextual.

Estamos, portanto, em terreno complexo, pois pensar


um projeto de gestão da escola em um mundo da produção
capitalista, certamente é algo que precisa considerar vários
elementos implicados na educação, que se colocam como
determinantes da qualidade, sempre substituindo qualidade
social por quantidade, ou, considerando qualidade como
conjunto de resultados para o mercado. Ou ainda, qualida-
de associada simplesmente ao mero atendimento, quando
se garante matrícula nas escolas. Dizemos que estamos em
terreno complexo, pois abordar a gestão da educação e, es-
pecialmente, a qualidade da educação que deveria decorrer
dessa gestão constitui-se em algo cercado de relativismo.  É
preciso indagar o que seria qualidade em cada contexto, pois
o tema é controverso e está profundamente envolvido pelos
interesses econômicos, muito bem representados pelos orga-
nismos internacionais, tais como o Banco Mundial (BIRD), a
Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Intera-
mericano de Desenvolvimento (BID).

Certamente que o desafio da gestão democrática está


na mudança paradigmática. Promover gestão da educação
que priorize “uma educação como efetivo exercício da ci-
dadania. Uma educação como processo de autonomização,
desalienação, tanto na relação sistema/escola, como na rela-
ção escola/estudante.” (BORDIGNON (2005, p. 20). Tal pro-

57
posta de gestão compromete-se com a qualidade socialmen-
te referenciada porque se ocupa de ensinar na consideração
dos indivíduos que se localizam contextual e historicamente
com suas demandas. Portanto, as demandas não seriam as
do mercado, mas as de natureza humana.

Da mesma forma, gestão democrática e educação


emancipadora são indissociáveis.  Isso apontaria também
para a autonomia da comunidade em relação aos interesses
dominantes, representados pelo Estado, quando nos referi-
mos à educação pública (PARO 1992, p.256).

Pensar a gestão da escola, e nela os elementos di-


versos que estão comprometidos com o humano é pensar a
qualidade da educação básica como direito social e subjetivo
(considerando contexto e história dos alunos). Ou seja, é di-
reito de qualquer um e de todos. E esse direito não lhe pode
ser negado. Então a qualidade passa por aí. Disso decorre
a necessidade de novo caminho metodológico trabalhando
em favor da emancipação dos indivíduos, o que implica ne-
cessárias mudanças nos moldes de gestão atuais. Segundo
Dourado (2007),
[...] a escola, entendida como instituição social, tem sua
lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos
fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte
custo-benefício stricto sensu. Isto tem impacto direto no
que se entende por planejamento e desenvolvimento da
educação e da escola e, nessa perspectiva, implica apro-
fundamento sobre a natureza das instituições educativas
e suas finalidades [...] (DOURADO, 2007, p. 924).

58
Paro (1992, p. 39), a despeito do debate, coloca a
seguinte observação: “se concebermos a comunidade – para
cujos interesses a educação escolar deve-se voltar – como
real substrato de um processo de democratização das rela-
ções na escola, parece-me absurda a proposição de uma
gestão democrática que não suponha a comunidade como
sua parte integrante”.   Quer dizer, percebemos que a apren-
dizagem (eixo central da escola) está em perigo? Precisamos
quebrar o estado confortável dos envolvidos no processo de
ensino.  E quem são estes? São todos que executam uma
teoria (neste caso o PPP). Não há, portanto, como ficar tran-
qüilo, deixando a coisa correr.

Por isso, a função da equipe gestora é correr para ga-


rantir o sucesso da aprendizagem e não o sucesso da escola,
valor propalado pelo Banco Mundial. Acertam aqueles que
ao fazerem a crítica das avaliações em larga escala, que estão
no centro da escola hoje, assumem que as ações da escola
não podem visar o sucesso da escola, mas sim o sucesso da
aprendizagem dos alunos. E esta precisará ser articulada na
comunidade escolar como um todo.

Assim, primeira função do gestor escolar é liderar


o projeto pedagógico, não apenas “administrar” a escola.
Como imaginar uma direção de escola pensando apenas em
administrar espaços/tempos/recursos financeiros, produzir
documentos e “levar a escola”, se não estiver comprometi-
da com a aprendizagem dos alunos como seu foco central,
aprendizagem que construa cidadania e empodere o aluno

59
para a vida?

Para além da informação aos outros sobre as novas


leis, novas ordens e regras advindas do sistema/ Governo,
o que a equipe gestora estaria a fazer a cada dia na escola?
Um ou outro gestor sai em sua defesa alegando que delega
funções e que a escola “funciona” sem ele. Todavia, é de se
perguntar se essa delegação é também de poder de decisão.

A escola pública é uma instituição social, portanto


deve estar voltada para ela e não para o privado. A escola
tem buscado atender ao Estado (o Governo) e dissimulado
em relação ao aluno. Tem buscado responder à legislação do
Estado, mas não tem se empenhado da mesma forma para
garantir ao aluno o lhe é de direito. Tal direito não se confi-
gura apenas na forma de espaço na escola, mas de espaço
de linguagem, de ação, de manifestação, de decisão e de
usufruto do seu direito à educação enquanto trabalho como
princípio educativo.

Contribuição interessante de Paulo Freire cabe aqui


ao manifestar opinião de que “este modo de pensar, disso-
ciado da ação que supõe um pensamento autêntico, perde-
-se em palavras falsas e ineficazes” (FREIRE, 1980, p. 87).
É sem dúvida um recado forte aos gestores aas escolas, mas
antes de tudo ao Estado, que precisa assumir o compromisso
com a educação com qualidade social. Quer-se o trabalho
do aluno, seu empenho, seu esforço, mas ao mesmo tempo,
quando pelo trabalho deveria ser estabelecido e fortalecido
o diálogo, cria-se empecilhos à fala, à crítica e às ideias, por-
60
ventura emanadas dos discente. Então, isso é uma incoe-
rência. E é uma dissimulação. A escola afirma que dialoga
o tempo todo com alunos, pais e professores, mas nem sabe
como fazer isso ou para quê fazer isso, pois a fala destes se
perde nos ares da escola, embora estejam as assinaturas nos
documentos fazendo história e se revele a suposta gestão de-
mocrática.

O confinamento a que são declarados professores e


alunos atesta que o caminho para a gestão democrática é
longo. Da mesma forma, o silenciamento de vozes que se
colocam diariamente contra a educação que temos é um
atestado de que a gestão nas escolas está longe de ser demo-
crática. Relega-se os professores ao confinamento em sala de
aula, como se só tivessem idéias diante de um quadro-verde
e com giz na mão. Relega-se os demais funcionários ao “ser-
viço próprio”, de sua responsabilidade, como se nada mais
fossem capazes de fazer ou se não devessem se ocupar de
outras coisas. Onde está a escola de qualidade? Se demo-
cracia é compartilhar, o que a escola precisa compartilhar?

3 Gestores e o conhecimento da gestão escolar

Pesquisa realizada com diretores do ensino Funda-


mental da rede pública municipal revelou alguns aspectos
que contemplam o desejo pela democracia na gestão, mas
também escancarou outros aspectos que, certamente, pre-
cisam ser atacados no sentido de que a gestão da educação
que vise qualidade seja realmente promovida, sob pena de
o processo educativo resultar em mera acumulação de infor-
61
mações ou de saberes prontos.

A pesquisa foi realizada com 13 diretores do sistema


público de um município do Sudoeste do Estado de Goiás.
Foram 11 questões encaminhadas na tentativa de ter-se um
quadro mais transparente das possibilidades de gestão de-
mocrática na rede. A investigação incluiu diretores de escolas
da área central e daquelas localizadas na periferia do muni-
cípio. Visto que o foco da pesquisa não era identificar onde
estão atuando os diretores, e sim perceber em que condições
de formação e com qual experiência atuam, apresentaremos
aqui os dados globalizados.

Embora alguns elementos revelados no processo de


busca de dados não sejam tão relevantes no tratamento dos
dados da pesquisa, mesmo assim ilustram algumas inferên-
cias. Normalmente o processo de coleta de dados não é
tranqüilo, pois o pesquisado muitas vezes sente-se inseguro
diante da necessidade de tornar pública a sua percepção ou
experiência. As justificativas de atraso nas respostas acabam
se tornando rotina. A temática da gestão da escola acaba
por se tornar um campo inseguro para alguns gestores, pois
a pesquisa implica a manifestação de suas opiniões/percep-
ções.

A preocupação com a gestão democrática não se


apresenta como algo novo, mas como algo a ser realizado.
A gestão democrática, na percepção dos diretores que parti-
ciparam da pesquisa, é um projeto, não uma realização. Daí
entende-se que este desafio situa-se como mais um dos im-
62
portantes que se colocam para a educação hoje.

Os participantes da pesquisa foram identificados


como gestor A, B...M. Temos, por exemplo, o depoimento do
gestor A, o qual se manifesta ao ser solicitado sobre seu perfil
como gestor: “Busco estar sempre presente em todo o tempo
e espaço, trabalhando para que tudo corra de forma harmô-
nica.” Ora, sabe-se que a gestão enfrenta desafios cotidianos
e se dá em contexto político-econômico, sendo difícil pensar
a forma harmônica, até porque os posicionamentos decor-
rentes de um modelo democrático não são harmônicos, pois
os indivíduos que participam do processo educativo advêm
de contextos diferenciados e de histórias formativas múlti-
plas. Tal realidade enriquece o processo democrático antes
de tornar-se um problema, como é visto por muitos gestores.
A pergunta que não se cala pode ser esta: É preciso trabalhar
a harmonia mais do que a democracia? E qual seria a rela-
ção entre elas? Mais que isso, quais os critérios de harmoni-
zação das ações na escola?  É pertinente a observação de Ar-
royo (2004, p. 338), a escola “[...] não será uma praia serena
se a sociedade estiver agitada. A escola enquanto encontro
de centenas e, às vezes, milhares de crianças, adolescentes,
jovens e adultos tão diversos será sempre tensa, dinâmica,
plena de trocas amorosas ou agressivas”.

A percepção de processo democrático que parece per-


passar as orientações dadas aos diretores pesquisados parece
denotar controle, mais do que processo democrático. “Estar
junto em todas as situações, conhecer para interferir nos di-

63
versos setores da escola” é a posição do gestor B. Enquanto
isso, o gestor G entende que o perfil do gestor deve ser: “exe-
cutar o cargo com autoridade e não ser autoritário. Assim
o trabalho dos demais [...] possa ser realizado com amor e
respeito.” Percebe-se que é preciso fugir do modo autoritário,
afinal, o autoritarismo não deixou na história imagem boa a
não ser aos que, nos diversos contextos, detinham o poder.
Possivelmente desejando afastar qualquer entendimento no
rumo do autoritarismo e da insatisfação decorrente de ações
no grupo, o gestor G é da opinião de que a gestão da escola
precisa ser feita com “amor” e “respeito”.  Desse posiciona-
mento, percebemos quão distante estão os gestores do en-
tendimento dos contextos. Esta opinião não é muito diferen-
te da anterior que enfatiza a necessidade da “harmonia” na
gestão escolar. Até aqui a preocupação com a qualidade da
educação não apareceu. Os depoimentos revelam até aqui
o cuidado com as relações no grupo e não necessariamen-
te com a gestão democrática. Entenda-se aqui a qualidade
advinda da educação que “garantia e a permanência e uma
formação com primor da qualidade social.” (LIMA, MAR-
QUES e SILVA, 2009, p. 183).

A qualidade começa a ser preocupação na opinião


do gestor H, ao dizer que é preciso “dirigir a escola de modo
participativo, juntamente com os funcionários e a comunida-
de escolar, para uma educação de crescimento dos alunos”.
É possível inferir daí que a qualidade - “crescimento dos alu-
nos” - se dará pela participação de todos.  É provável que o
gestor K esteja no caminho certo ao dizer que as funções do
64
gestor “são de ordem pedagógica, administrativa, lembran-
do que toda administração passa pela questão pedagógica e
o aluno deve ser sempre o foco principal de todo processo de
uma instituição”. Já lembrava Saviani (1983, p. 93) que “a
dimensão política se cumpre à medida que ela se realiza en-
quanto prática especificamente pedagógica”. Ou seja, se faz
necessário que a escola tenha proposta didático-pedagógica
que leve em conta metodologias que promovam a constru-
ção do sujeito político.

O entendimento de ser gestor pode encaminhar para


muitos questionamentos. Vejamos a opinião do gestor I: “Ser
gestor é ler, estudar, aprender, compartilhar, fazer planos de
aula, ensinar a fazer planos de aula, gerir recursos, prestar
contas [...]”. O que pensar dessa compreensão de gestão?

Indagados sobre o PPP, os gestores também se posi-


cionaram. Suas percepções inquietam e preocupam os que
desejam educação de qualidade a partir da possibilidade de
um PPP, bem como qualidade da educação da forma como
a concebemos neste texto.

O gestor L é da opinião de que o PPP “tem de ser


mais executável. Precisamos mais flexibilidade para as reali-
zações das metas propostas.” Depreendemos daí que há uma
referência ao sistema que normalmente dificulta o processo
educativo. Por outro, é de se perguntar o que significaria di-
zer que o PPP precisa ser “mais executável”. A observação
estaria apontando para algo mais simples e objetivo? Ou in-
dicando que o mesmo traz idéias fora de contexto da escola?
65
Mais ainda, estaria a observação fazendo menção dos con-
flitos existentes no interior da escola que tornariam um PPP
‘não executável’? Não estaria essa opinião denunciando os
contextos complexos em que se encontram as escolas e o
trabalho dos professores?

Por fim, nota-se a percepção de que e escola no sis-


tema público apresenta muitíssimas dificuldades que blo-
queiam ações democráticas, permitindo que algumas ações
assumam a representação democrática e isso tem forte im-
plicação na formação continuada de professores, pois estes
estão em atuação nas escolas.

Considerações finais

Nessa linha, é preciso retomar o pensamento de Fer-


reira (2000, p. 168), ao observar que “as lutas da sociedade
civil organizada têm se movido entre [...] dois movimentos
contraditórios, buscando uma direção que norteie a constru-
ção deste tão almejado mundo novo.”, ou seja, um mundo
mais justo e humano. Isso certamente tem a ver com a gestão
democrática, que tem compromissos com o direito de apren-
der que a todos precisa ser assegurado.

Continuamos desejando a mesma coisa. Será mes-


mo que a veremos realizar-se? É oportuna a observação de
Marques (1990, p. 23) ao afirmar que a efetivação da inten-
cionalidade do PPP, que traz (ou deveria trazer) a proposta
da gestão democrática “não é descritiva ou constatativa, mas
é constitutiva”, o que implica o movimento ativo do coletivo

66
de pessoas envolvidas na escola ou no sistema escolar. Nes-
te sentido, é relevante a posição de Saviani (1982) ao dizer
que “só é possível considerar o processo educativo em seu
conjunto sob a condição de se distinguir a democracia como
possibilidade no ponto de partida e democracia como reali-
dade no ponto de chegada” (SAVIANI, 1982, p.63).
E, finalmente, sugeridas referenciaispara uma atuali-
zação daqueles que se configuram nas organização do
trabalho escolar (OTE), anunciamos no decorrer deste
capítulo uma série de questões que problematizam a
educação, a OTE, o plano da participação, o campo da
gestão, enfim, questões as quais não respondi, mas que
importam terem respostas, e estas devem ser exauridas
por aqueles que se importam e se comprometem com
uma educação voltada para a qualidade e igualdade so-
cial, política e econômica. Eis um desafio por de come-
çar.

67
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70
A INTRODUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO NA POLÍTICA EDUCACIO-
NAL BRASILEIRA10

Maria Alice de Miranda Aranda11


Wander Luís Matias12

1 Introdução

Este capítulo retoma estudos realizados em decorrên-


cia de pesquisa efetivada no início da primeira década do sé-
culo 21 na Universidade Federal de Mato Grosso Sul (UFMS)
(ARANDA, 2001, 2004, 2009), Campus de Dourados, hoje
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Estu-
do este que veio à tona por ocasião de participação recente
em Projeto de Pesquisa e Extensão intitulado A participa-
ção da comunidade na gestão democrática da escola em prol
da qualidade do ensino: o Projeto Político Pedagógico em
questão (Edital 13/2012 – Pesquisa em Educação Básica –
Acordo Capes-FAPEMIG – 2013-2015), desenvolvido pelos
participantes do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e
Educação (GPEDE), do Programa de Pós-Graduação da

10 Publicado originalmente no livro Este texto foi divulgado anteriormente no livro PPP
– participação, gestão e qualidade da educação II, organizado por Antonio Bosco de
Lima e editado pela Assis Editora, em 2015.
11 Docente da Universidade Federal da Grande Dourados. Contato: mariaalicearanda@
gmail.com
12 Servidor Técnico da Universidade Federal de Uberlândia. Contato: wander_matias_
[email protected]

71
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uber-
lândia, em Minas Gerais. Cabe registrar que foram lócus da
pesquisaduas escolas públicas situadas na Região do Triân-
gulo Mineiro (MG), sendo uma estadual (Município de Ara-
guari) e outra municipal (Município de Uberlândia).

Considerando a contextualização registrada, o objeti-


vo deste capítulo é tecer breves considerações sobre a propo-
sição do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola como
instrumento do processo em que ganhou expressão o tema
da democratização da educação nacional nas últimas duas
décadas do século 20, particularmente na afirmação da ges-
tão democrática escolar, com vistas a mostrar a introdução
do mesmo como componente da política educacional brasi-
leira, ressaltando o caráter adquirido nos anos de 1990.

Baseado em pesquisa bibliográfica e documental, o


estudo está organizado em seções, iniciando por apresentar
o PPP como mecanismo de gestão democrática, decorren-
te da luta dos educadores na busca de uma concepção de
educação pautada nos ideais de transformação social, mos-
trando, em seguida, um segundo instrumento denominado
apenas Projeto Pedagógico e como foi a sua introdução na
política educacional. Segue-se apresentando a distinção exis-
tente entre ambos, fechando o estudo com os fundamentos
teóricos do primeiro.

2 O PPP como mecanismo de gestão democrática

O tema da democratização da educação apareceu no

72
cenário educacional brasileiro inicialmente como proposta
de abertura da escola para as massas e de sua articulação
com a comunidade, notadamente com o debate educacio-
nal das décadas de 1920 e 1930 (SPÓSITO, 2001). Desde
então, esteve presente, de um lado, como reivindicação, luta
e prática dos educadores e, de outro lado, como discurso e
política de governos.

No primeiro caso, tinha em vista a democratização da


educação, a democratização da escola e do conhecimento.
Para tanto, propunha o controle social da atuação do Estado
na educação, mediante a conquista da autonomia adminis-
trativa, financeira e, principalmente, pedagógica da escola
pública. No segundo caso, apareceu, em diferentes momen-
tos históricos, sempre com um caráter funcional, pragmático
e imediatista, gerando uma cidadania tutelada. Cidadania
tutelada é entendida neste estudo como as condições de par-
ticipação estabelecidas por regras burocráticas, mediante a
regulamentação e a obrigatoriedade de canais de participa-
ção.

Do seio dos movimentos sociais, do debate e das


propostas de setores progressistas da sociedade organizada
(anos 1970, 1980) emergiu uma concepção de gestão de-
mocrática da educação voltada para a transformação das re-
lações de poder, para a instituição de uma cidadania efetiva,
para o controle social dos serviços públicos, destacando a
importância da construção coletiva de uma escola pública
capaz de promover a cidadania emancipada.

73
Decorrente deste processo, em 1988, as forças sociais
democráticas inscreveram a gestão democrática como prin-
cípio do ensino público na Constituição da República Fe-
derativa do Brasil. Abriu-se, então, a possibilidade de, entre
diversas medidas, instituir-se a elaboração de um projeto
educacional no qual cada coletivo escolar definisse: que ho-
mem, que escola, que sociedade tem em vista. E, a partir
disso, decidisse: a organização da escola, do trabalho do-
cente e do ensino; a natureza das relações escolares; que
conhecimento e que saberes ensinar; o caráter das práticas
pedagógicas; as formas e meios de redimensionar a relação
escola e sociedade.

Com a valorização da dimensão político-pedagógica


da ação educativa, por parte dos educadores comprometi-
dos com essa concepção de educação, passou-se a falar não
em qualquer projeto educacional, mas no Projeto Político
Pedagógico.

Porém, o PPP adotado nessa época não alcançou o


êxito almejado, pois não conseguiu, entre outros pontos, va-
lorizar simultaneamente saber popular e apropriação crítica
do conhecimento acumulado socialmente. Em muitos casos,
a escola privilegiou a organização da categoria docente, for-
talecendo aspectos corporativos que não representaram ga-
nhos para a gestão democrática da educação.

Nesse sentido, a educação, que deveria ser o instru-


mento para as escolhas do homem livre, democrático, cida-
dão e autônomo acaba se tornando mais uma ferramenta de
74
manipulação e de homogeneização do pensamento crítico
da sociedade.

Contrapondo-se a essa tendência, as teorias críticas


da educação são colocadas em relevo com destaques para a
afirmação quanto à necessidade da escola assegurar a apro-
priação do conhecimento científico, historicamente acumula-
do pela humanidade, como questão nuclear do projeto edu-
cativo da escola pública e, assim, criar as condições para a
cidadania efetiva (SAVIANI, 2006; LIBÂNEO, 2004, 2003).

A viabilidade do PPP da escola dependia, também,


de uma estrutura político-administrativa que favorecesse o
trabalho coletivo e rompesse com práticas burocráticas e
autoritárias instaladas. Assim, outros mecanismos de gestão
democrática ganharam maior espaço nas escolas públicas,
em especial, a instituição de processos eletivos para escolha
de diretores e a criação de órgãos colegiados. Com a institu-
cionalização do projeto pedagógico pela Lei nº. 9.394/1996
acreditava-se que a escola poderia ensejar ganhos nessa di-
reção.

3 O PPP na política educacional

No decorrer dos anos 1990, configurou-se um


conjunto de diretrizes e de políticas públicas voltadas para
a promoção de mudanças na área educacional, anuncian-
do ruptura com o paradigma educacional até então vigente.
Os insucessos da área educacional, em especial referentes à
universalização de uma educação mínima e à baixa produ-

75
tividade e qualidade do ensino foram atribuídos, fundamen-
talmente, ao padrão de gestão vigente.

À luz do acordo firmado em Jomtien, Tailândia (1990)


o Brasil elaborou, nos anos 1993 e 1994, o Plano Decenal
de Educação para Todos (PDEpT) para o decênio de 1993
a 2003. No geral, o PDEpT colocou a democratização, a
descentralização e a construção de competências em gestão
educacional como alvos de modernização. Tal modernização
referia-se ao estabelecimento de “novos padrões de gestão”.
Segundo Carbonnel (2002) o termo modernização indica as
muitas mudanças que vêm sendo colocadas e movidas por
imperativos econômicos, como a busca de racionalização de
gastos e eficiência operacional. É uma inovação orientada
para resultados ou produtos, prestando-se apenas a moder-
nizar, não diluindo o conservadorismo presente nas concep-
ções arraigadas.

De acordo com o discurso oficial, esses “novos pa-


drões” deveriam redefinir as responsabilidades e competên-
cias, eliminando a burocracia desnecessária, descentralizan-
do as decisões e os recursos, aumentando a autonomia da
escola, promovendo a participação da coletividade escolar,
racionalizando o uso de recursos físicos e humanos, valori-
zando os profissionais do ensino e incorporando novas tec-
nologias (BRASIL, 1993).

Estudos apontam que a reordenação da gestão com


vistas a novos padrões, ensejou a formulação de políticas
educacionais no sentido da privatização e da responsabili-
76
zação das esferas não centrais pelo processo e resultados. A
estratégia de mobilização da sociedade implicou a abertura
da gestão da educação para a participação privada, com vis-
tas à introdução de critérios da administração empresarial
na educação e ao co-financiamento da educação (FARAH,
1997; FREITAS, 1997a, 1997b).

Farah (1997), fazendo uma análise da Reforma da


Educação, no Brasil, do início de 1980 a meados de 1990,
mostrou que a democratização da gestão e dos processos
decisórios foi o elemento forte na agenda dos anos 1980 e a
partir daí, a agenda de reforma da educação foi redefinida,
incorporando, ao lado da temática da democratização, novas
propostas de reformulação do setor, que tinham como eixo a
modernização da gestão.

Esta tendência manifestou-se inicialmente sob influ-


ência do neoliberalismo, que veio enfatizar a necessidade de
introduzir eficiência e eficácia na provisão de serviços educa-
cionais pelo Estado, mas foi, no entanto, também incorpora-
da pela vertente progressista, passando a preocupação com
a eficácia e com a eficiência na utilização de recursos e, ao
mesmo tempo buscando articular à busca da equidade e da
democratização da política educacional. 3Anderson (1995)
conceitua o neoliberalismo como “[...] um movimento ide-
ológico, em escala mundial, como o capitalismo jamais ha-
via produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina
coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a
transformar todo o mundo a sua imagem, em sua ambição

77
estrutural e sua extensão internacional” (p. 22). É um meio
que tem como fim histórico: “a reanimação do capitalismo
avançado mundial” (p.15).

Nesse período, observou-se que o debate em torno


da reformulação da gestão passou a privilegiar a “ponta” do
sistema, ou seja, o estabelecimento escolar. Esta ênfase se
articulou à centralidade que assumiu a questão da qualidade
do ensino nas propostas de reforma do setor. Entendeu-se
que a recuperação da qualidade no setor educacional passa-
va necessariamente pelo fortalecimento do estabelecimento
escolar, pelo resgate da autonomia da escola.

Freitas (1997a) analisa que a modernização institu-


cional foi uma das tarefas básicas da reordenação da gestão
educacional nos anos 1990 implicando em novas formas de
administração e gestão educacional, priorizando a descen-
tralização e a autonomia institucional.

Acordos, consensos, redistribuição de tarefas, estra-


tégias de regulação à distância, profissionalização, medidas
de responsabilização pelos resultados, abertura institucional
para a participação da sociedade, passam a ser as principais
características desses “novos padrões de gestão” influindo na
provisão do serviço educacional público, reduzindo a atu-
ação do Estado como provedor desse serviço e adotando
práticas de gestão do setor privado.

Em um cenário fortemente marcado pela escassez de


recursos, observou-se ainda a busca de novas alternativas

78
de provisão da educação que, procurando manter o cará-
ter público da educação, não se restringiu à provisão esta-
tal clássica, envolvendo diversas formas de articulação entre
Estado e instâncias não estatais (setor privado, organizações
não governamentais e entidades comunitárias).

É nesse quadro que a gestão democrática da educação,


princípio de ensino estabelecido pela Constituição Federal de
1988 (Artigo 206, Inciso VI), deveria ser regulamentada de
modo a que se prestasse aos propósitos do projeto de moderni-
zação da gestão educacional.

Considerando que a regulamentação do dispositivo


constitucional referente à gestão democrática seria realizada
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, naque-
le momento em tramitação no Legislativo, tal princípio foi
item da pauta de discussões no processo de elaboração do
PDEpT. Aparentemente abria-se espaço para uma questão
que vinha sendo discutida pelos educadores desde os anos
1970 e 1980: uma gestão democrática efetiva que passava
por delinear um projeto educacional. Assim, é reintroduzido
nos debates e discussões dos educadores e pesquisadores o
PPP da escola como instrumento de gestão.

Conferências Nacionais, Seminários, Simpósios dis-


cutiam o tema, porém não falavam mais em Projeto Político
Pedagógico, mas em Projeto Pedagógico da Escola.

Paradoxalmente, dois projetos históricos em questão,


não apenas diferentes, mas antagônicos: o capital e os setores

79
dominantes com o objetivo de formar um novo trabalhador
que, melhor qualificado, agora pela escola, e educado, pos-
sa trabalhar, de forma polivalente, nos postos de trabalho,
principalmente com as tecnologias mais avançadas; e de ou-
tro lado, os educadores, setores democráticos e progressistas
comprometidos com a transformação da sociedade, defen-
dendo uma escola que forme um novo homem, desenvolvi-
do em todas as suas potencialidades para o exercício efetivo
da cidadania, um homem que, ao mesmo tempo, conheça
a realidade fundamentada no critério da cientificidade e seja
crítico dessa realidade.

Tal compreensão reafirma a necessidade de um pro-


jeto educacional com uma “direção política, um norte, um
rumo. Por isso, todo projeto pedagógico é também político
[...] A gestão democrática da escola [...] é uma exigência de
seu Projeto Político-Pedagógico” (GADOTTI, 1992, p. 21-
22).

Um PPP construído e apropriado pelo conjunto dos


professores, funcionários, alunos, pais e organizações da co-
munidade, pressupõe uma visão histórica da sociedade, um
projeto histórico, que assuma uma proposta de transforma-
ção da sociedade, a busca da autonomia (SILVA, 2006).

Entretanto, em 1996, com a LDB 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, esse instrumento passou a constar da
norma jurídica, sendo denominado apenas “Projeto Pedagó-
gico”. Retirou-se, então, o termo que destacava a dimensão
política da ação pedagógica. E não se tratava de mera ques-
80
tão terminológica, mas de indicativo de que esse instrumento
e a própria gestão democrática ficavam subordinados aos
objetivos de modernização da gestão pública.

A referida Lei menciona de forma explícita o projeto


pedagógico da escola e, em alguns momentos reporta-se a
uma proposta pedagógica, conforme Artigo 12, Inciso I, Arti-
go 13, Inciso I, Artigos 14 e 15.

O caráter compulsório do projeto pedagógico se evi-


denciou, ainda, no Plano Nacional de Educação, elaborado
pelo MEC em 1998 e aprovado em janeiro de 2001. (BRA-
SIL, 2001). Na meta 05 do ensino fundamental ficou previs-
to que, em 3 anos, os sistemas de ensino deveriam assegurar
que todas as instituições escolares elaborassem os seus pro-
jetos pedagógicos.

Assim, de recurso de gestão — incluído como possi-


bilidade quando da elaboração do PDEpT — passou a ser
um imperativo legal com decorrentes tarefas para sistemas,
escolas e professores. No entanto, abandona-se a ênfase à
dimensão política.

Vê-se que, enquanto proposição do Estado, o projeto


pedagógico teve inscrição recente na história da educação
brasileira, substituindo a proposta do Projeto Político-Peda-
gógico formulada na luta social pela gestão democrática da
educação. Isso porque a concepção estatal de gestão de-
mocrática — agora imperativo constitucional — reedita a
cidadania tutelada e sob controle como propósito da demo-

81
cratização da educação, desta feita regida por uma lógica
economicista.

Mas afinal, o que é Projeto Político-Pedagógico? E o


que, com a Lei nº 9.394/96, foi denominado “projeto peda-
gógico”?

4 O PPP e o Projeto Pedagógico

O assunto PPP tem sido objeto de estudo e de pesqui-


sa, referenciando práticas institucionais que têm como obje-
tivo uma qualidade do ensino e da escola pública compro-
metida com os setores populares. Uma escola voltada para
a promoção da cidadania emancipada cujo horizonte é a
transformação das relações sociais e a qualificação da vida
em sociedade. Seus fundamentos integram o conjunto da
produção teórica que embasou a defesa da democratização
da educação.

Explica Cury (1997) que todo projeto supõe rupturas


com o presente e promessas para o futuro. Projeto significa
tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atra-
vessar um período de instabilidade e buscar uma nova esta-
bilidade, em função da promessa que cada projeto contém
um estado melhor que o presente.

Trata-se, pois, de um instrumento da gestão escolar


que pressupõe e exige uma direção política, isto é, uma ação
intencionada com um sentido definido explícito, tendo pre-
sente a finalidade da educação frente às necessidades histó-

82
ricas. Propõe que haja rupturas com as questões presentes,
portanto traz promessas para o futuro.

O uso da denominação Projeto Pedagógico na pers-


pectiva colocada por Gadotti, Silva, Cury, Veiga, entre ou-
tros, mesmo explicitado sem a denominação político traz
implícito a concepção do PPP. Mas cabe deixar claro que po-
lítico todo projeto é, a diferença está na opção pela concep-
ção de homem, de educação e de sociedade que o sustenta
que certamente não prescinde da denominação.

Entretanto, nas disposições normativas e nas diretrizes


político-administrativas do Estado brasileiro nos anos 1990
essa discussão tem uma conotação que precisa ser compre-
endida no contexto das medidas de políticas públicas do pe-
ríodo, em particular das atinentes à educação.

Freitas (1997b), por exemplo, analisa que no proces-


so de modernização da gestão educacional dos anos 1990,
o projeto pedagógico é concebido como um instrumento es-
tratégico de consecução da reforma educacional, no espaço
local. Serve à viabilização do projeto educativo que o pen-
samento hegemônico afirma necessário à sociabilidade con-
temporânea, traduzido no currículo oficial. Um instrumento
de regulação que evidencia a relativa autonomia da escola
para tomar decisões sobre sua proposta educacional.

Com esse instrumento, o governo operou modifica-


ções no interior da instituição escolar, que favoreceu a efeti-
vação da gestão democrática e a construção da autonomia,

83
ambas preceituadas pela CF de 1988 e pela LDB de 1996,
porém segundo a lógica da modernização perceptível no
projeto neoliberal de sociedade.

Nesse sentido, esse instrumento na visão do governo


federal, foi potencialmente favorável à promoção do enga-
jamento responsável, ativo, dinâmico, contínuo e auto regu-
lável dos “atores” escolares, bem como da mobilização da
comunidade beneficiária do serviço público educacional.
Orientado pela ótica funcionalista, justifica-se em objetivos
de caráter pragmático e perde de vista os propósitos para os
quais se defendia um Projeto Político-Pedagógico.

Segundo Freitas (2003), compartilhar a gestão escolar


é adotar princípios e critérios da gestão empresarial, é buscar
resultados com base no pragmatismo pedagógico, na efici-
ência e na produtividade. Uma gestão que se pauta nessa
política, para garantir o sucesso, utiliza o estímulo à partici-
pação pontual e filantrópica, de parceria entre o público e o
privado, de premiações públicas por mérito, uma avaliação
como processo impulsionador da competitividade, da pro-
dutividade e da competência.

Freitas ainda frisa que nesse tipo de gestão a concep-


ção que se tem de autonomia e de iniciativa é autodetermi-
nação na catalisação de recursos e na busca de meios pos-
síveis para melhorar o desempenho e a imagem da escola.

84
5 Fundamentos teóricos do PPP

O PPP está fundamentado teoricamente numa peda-


gogia progressista que traduz o compromisso de “fazer” uma
educação que concretamente contribui para a transformação
da sociedade. Tem em vista um processo pedagógico que
possibilite aos sujeitos o domínio de conhecimento científico,
e, também, a vivência democrática. São nessas duas premis-
sas que se revela o caráter político e pedagógico da educa-
ção (SAVIANI, 2006).

Saviani analisa que, ainda que se reconheça a edu-


cação como elemento secundário e determinado, nem por
isso pode-se deixar de vê-la como um instrumento importan-
te e muitas vezes decisivo na transformação da sociedade.
Porém, o autor lembra que a educação “não transforma de
modo direto e imediato e sim de modo indireto e mediato,
isto é, agindo sobre os sujeitos da prática” (2006, p.82). Sua
importância política reside em sua função de socialização do
conhecimento. É “realizando-se na especificidade que lhe é
própria que a educação cumpre sua força política” (2006,
p. 98). Uma pedagogia que busca articular-se com as forças
emergentes da sociedade, fazendo-se instrumento a serviço
da instauração de uma sociedade igualitária.

Nessa direção, analisa Veiga (2003) que o PPP tem


sentido frente à preocupação fundamental de melhorar a
qualidade da educação pública para que todos aprendam
mais e melhor. Essa preocupação se expressa na tríplice fi-
nalidade da educação em função da pessoa, da cidadania
85
e do trabalho. Desenvolver no educando o exercício da ci-
dadania e do trabalho “significa a construção de um sujeito
que domine conhecimentos, dotado de atitudes necessárias
para fazer parte de um sistema político, para participar dos
processos de produção da sobrevivência e para desenvolver-
-se pessoal e socialmente” (p. 268).

Essas reflexões direcionam para uma educação pau-


tada numa perspectiva crítica e para isso a escola pública,
gratuita e de boa qualidade, precisa trabalhar o conhecimen-
to de forma a encarar a sociedade de classes. Para tanto, se
faz necessário uma organização escolar construída a partir
do coletivo, calcada na competência política e pedagógica de
seus profissionais imbuídos num só objetivo, e, conscientes
de que é na escola que estão os elementos válidos que irão
possibilitar, a partir da escola que aí está, a construção de
uma “nova” escola.

A gestão democrática — decorrentemente o PPP, um


de seus instrumentos — pode estar fundamentada nas teses
de Gramsci, que destaca: o homem como sujeito histórico,
a cultura tomada como socialização, a dialética como méto-
do de conhecimento, o trabalho como princípio educativo, a
educação politécnica (saber e saber-fazer unidos) e a escola
única.

Em Gramsci (1991) estão os elementos para a com-


preensão da “educação como hegemonia”, para se pensar
a teoria dialética da educação. Para Gramsci, a escola é o
instrumento para elaborar os intelectuais em diversos níveis.
86
Assim, deve ter por objetivo uma educação integral, funda-
mentada na perspectiva histórico-crítica em educação. Tal
pedagogia postula a necessidade de se compreender as con-
dições existentes, a relação pedagógica (que tem na prática
social o seu ponto de partida e o seu ponto de chegada).

Também no campo da produção do conhecimento


sobre a Administração da Educação é possível encontrar as
referências teóricas da gestão democrática da educação e,
em decorrência, de seu instrumento, o PPP. O trabalho de
Sander (1995) aparece como uma importante fonte.

Esse autor, analisando a construção e reconstrução do


conhecimento sobre gestão da educação na América Latina,
destaca teorias organizacionais e administrativas adotadas
historicamente à luz do que denominou “tradição funciona-
lista do consenso” e “tradição interacionista do conflito”. A
primeira, fundada no positivismo e evolucionismo e a se-
gunda no marxismo, no anarquismo, na fenomenologia, na
teoria crítica e na abordagem da ação humana.

A tradição funcionalista doconsenso consolidou-se


nas teorias clássicas e psicossociológicas de organização e
administração que se ocupam da ordem, do equilíbrio, da
harmonia e da integração. Pontos que se resumem apenas
em uma palavra: consenso.

A tradição interacionista doconflito reúne as teorias


críticas e libertárias do conflito nas Ciências Sociais e na Pe-
dagogia. Nas primeiras formulações de alternativas voltadas

87
para a organização e gestão da educação, os teóricos críticos,
a partir de questionamentos dos fundamentos positivistas e
funcionalistas da administração tradicional, concebem a tra-
dição interacionista do conflito como antítese da tradição
funcionalista do consenso, argumentando que esta última
não tem sido capaz de oferecer elementos que expliquem
“fenômenos do poder, da ideologia, da mudança e das con-
tradições que caracterizam o sistema educacional no contex-
to da sociedade contemporânea” (SANDER, p. 94), conside-
rando que em todos esses elementos citados está vinculado
o “conceito político de sociedade e de qualidade de vida e
de educação que implica uma preocupação com a emanci-
pação humana e a transformação social” (SANDER, p. 94).

Enfim, a gestão democrática encontra na adminis-


tração dialógica suas referências teóricas. Sendo o PPP um
instrumento da gestão democrática da educação, pode-se
afirmar que ele encontra na categoria “administração dia-
lógica”, os referenciais que o fundamentam, situando-o na
tradição interacionista doconflito.

6 Considerações

O instrumento de gestão denominado PPP origina-se


no movimento de democratização da sociedade brasileira,
tendo como foco a ação educativa, cuja intencionalidade é
a democratização do saber que indica o porquê do “fazer”
da escola. Tem como horizonte um ideal de sociedade busca
firmar-se a partir dos seguintes atributos: o princípio unitário,
o caráter público democrático e a mediação político-cultural.
88
Objetiva a promoção de estratégias voltadas para a cons-
cientização, para a participação, para a autogestão e para a
autoavaliação, num contínuo processo coletivo de reflexão-
-ação-reflexão, ou seja, numa perspectiva dialética.

Perspectiva que oferece a possibilidade de compre-


ender que a escola é um espaço contraditório, considerando
que, em termos estruturais, está colocado para ela o papel de
disseminadora da ideologia dominante, passada pela classe
chamada hegemônica por deter, nessa sociedade, o poder
político e econômico tendo a função de divulgar um conjun-
to de princípios defendidos, cujas concepções estão pauta-
das nos postulados liberais/neoliberais (PARO, 2002).

Entretanto, nessa mesma escola está a possibilidade


de formar os sujeitos que, compreendendo a realidade social
injusta decorrente dessa organização política e econômica da
sociedade capitalista, podem contribuir na busca dos meios
e instrumentos para a superação desta. Isso significa que as
orientações das elites dirigentes não são determinísticas, nem
que as ações divergentes não possam ser traduzidas em ações
efetivamente próprias e dotadas tanto de autonomia relativa
quanto de concepções diferentes (CURY, 2002, p.148).

Analisa Veiga (2003) que a instituição educativa não


é apenas um lugar que reproduz relações sociais e valores
dominantes, mas é também uma instituição de confronto,
de resistência e proposição de inovações. “A inovação edu-
cativa deve produzir rupturas e, sob essa ótica, ela procura
romper com a clássica cisão entre concepção e execução,
89
uma divisão própria da organização do trabalho fragmenta-
do” (p. 277).

O PPP da escola pode ser um grande aliado nessa


busca. Nessa perspectiva, alunos e profissionais da educa-
ção são sujeitos históricos e, como tal, sujeitos da ação polí-
tico-pedagógica.

O PPP é um instrumento de gestão democrática que


deve ser pensado, planejado, elaborado e executado pelo
coletivo de uma escola comprometida com os setores popu-
lares, voltada para a promoção da cidadania emancipada.
Se concebido apenas como Projeto Pedagógico, conforme a
concepção apregoada pela lógica estatal, atendendo a con-
cepção do projeto neoliberal de sociedade, não alcança tal
amplitude. E a leitura dos fundamentos teóricos tornou níti-
da esta questão.

O exposto evidencia a possibilidade de materialização


de um projeto educativo coletivo como expressão de uma
gestão deveras democrática, com vistas a mostrar a “dife-
rença” que a educação pode fazer na história humana. Não
como uma prática social redentora, mas como uma institui-
ção importante no processo de transformação das relações
sociais.

90
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94
A PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E
SEUS DESAFIOS13

Elizabeth Gottschalg Raimann14

1 Introdução

O professor tornou-se uma figura central nas políti-


cas educacionais não só no Brasil, mas na America Latina e
também em outros países, a partir da reforma educacional
implementada pelas políticas neoliberais, nas últimas déca-
das, de forma a levá-lo a se responsabilizar pelo (in)sucesso
escolar de seus alunos frente às demandas da chamada so-
ciedade e economia do conhecimento e do desenvolvimento
sustentável.

A relevância e a centralidade que o professor ocupa


nesse processo não estão só por sua responsabilidade na
melhoria dos índices da educação básica e pela promoção
da qualidade social da educação ( HADDAD, 2008; OEI,

13 Este capítulo foi divulgado anteriormente em forma de anais de evento: Educere: XII
Congresso Nacional de Educação. PUCPR, de 26 a 29 de outubro de 2015.
14 Doutoraem Educação: Políticas, saberes e práticas educativas. Professora Adjunta da
Universidade Federal de Goiás/ Regional Jataí (UFG/REJ). Integrante dos grupos de
pesquisa: Núcleo de Pesquisa Formação de Professores e Práticas Educativas /UFG e
Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação/UFU. E-mail: elizabethraimann@
gmail.com

95
2008), mas também por ser um agente de mudança na de-
mocratização da sociedade brasileira (FREITAS, 2002).

A problemática do trabalho docente, um novo per-


fil profissional, situa-se no contexto da Política Nacional de
Valorização do Magistério para a Educação Básica (2003-
2010), presente, principalmente, no Plano de Metas Com-
promisso Todos pela Educação (BRASIL, 2007) e no Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE) (HADDAD, 2008),
com proposta de programas e ações a serem desenvolvidos
pelo Governo Federal objetivando a qualidade da educação.

Na década de 2000, dando continuidade às políticas


neoliberais, observa-se tanto a intensificação e a precariza-
ção do trabalho dos professores quanto à profissionaliza-
ção docente entrando na pauta das discussões na agenda
governamental. São expressivas as publicações de Balzano
(2007), Camargo et al (2004), Gatti e Barretto (2009), Pino
et al (2004) e as pesquisas de Gatti, Barretto e André (2011)
e Oliveira, Vieira (2012) por trazem dados quantitativos e
qualitativos sobre o trabalho, a valorização, a atratividade da
carreira e a formação docente, na última década. Tais pro-
duções se inscrevem num contexto nacional e internacional.

O ordenamento legal está vinculado ao cenário mun-


dial presente nas propostas da Conferência Mundial Edu-
cação para Todos (1990) e do Relatório de Jacques Delors
(2002); às orientações de organismos internacionais, como
Banco Mundial e Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciências e Cultura (UNESCO) e Organização dos
96
Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a
Cultura (OEI) a fim de propor diretrizes (OEI, 2008) e medir
a qualidade da educação, objetivando situar o país, diante
dos demais países em desenvolvimento, via ranqueamento,
em patamares competitivos dentro da proposta de um de-
senvolvimento econômico sustentável.

O pano de fundo no qual se discute o trabalho docen-


te e a sua profissionalização está no que se denomina de so-
ciedade e economia do conhecimento. Nessa ótica, o conhe-
cimento e a informação transformaram-se em mercadoria de
grande valor, que não só favorece, mas também promove a
competitividade entre indivíduos e nações. O ideário presen-
te na economia do conhecimento pretende criar uma “nova”
percepção das relações sociais de produção, buscando natu-
ralizar a sociedade do conhecimento.

Neste cenário, ao se problematizar a Política Nacional


de Valorização do Magistério da Educação Básica implemen-
tada pelo Governo Federal, na década de 2000, levanta-se as
seguintes questões: Quais concepções de profissionalização
docente estão presentes nos documentos oficiais? Para quê
e para quem se faz necessária a profissionalização docente?

Objetiva-se analisar a profissionalização docente e


como ela se apresenta nos discursos no âmbito governa-
mental, como o Seminário Internacional sobre a Política de
Profissionalização Docente e na sociedade civil mediante o
Movimento Todos pela Educação.

97
A pesquisa, de cunho documental, pautou-se na
Análise Crítica do Discurso (ACD) com as contribuições de
Fairclough (2001) que discute a incorporação do discurso
empresarial e mercadológico no discurso educacional. Expli-
ca o autor que devido às transformações no mercado, estas
afetaram áreas da vida social, como a educação e saúde,
por exemplo, levando a “relexicalizações de atividades e re-
lações […] aprendizes como ‘consumidores’ ou ‘clientes’,
cursos como ‘pacotes’ ou ‘produtos’ […] e a ‘colonização’
da educação por tipos de discurso exteriores, incluindo os
da publicidade, os da administração e os da terapia” (FAIR-
CLOUGH, 2001, p. 25, grifo do autor).

Outra contribuição, as proposições de Shiroma, Cam-


pos e Garcia (2005) com os subsídios teórico-metodológi-
cos para analisar os discursos presentes nos documentos da
política educacional. As autoras objetivam não a análise do
discurso em si, mas compreender como os discursos presen-
tes nos documentos de organismos nacionais e internacio-
nais são “produtos e produtores de orientações políticas”.
Como afirmam, “documentos disseminam afirmações sobre
o mundo em que vivemos que tanto pretendem oferecer re-
presentações únicas sobre a realidade como trazer soluções
idealizadas para problemas diagnosticados” (SHIROMA;
CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 439).

No primeiro momento, se caracterizará o que seja a


profissionalização docente. Na sequência, se apresentará o
movimento dos educadores pela profissionalização docente.

98
E, por fim, a análise da profissionalização docente no con-
texto da Política Nacional de Valorização do Magistério da
Educação Básica e seus desdobramentos.

2 O que é profissionalização docente?

No dicionário “Trabalho, profissão e condição docen-


te” o verbete profissionalização docente é apresentado por
Shiroma e Evangelista:
Refere-se aos processos de formação inicial e continuada dos do-
centes, desenvolvimento profissional, construção da identidade
profissional. Duas vertentes de estudos se destacam, uma abor-
da a profissionalização como processo de formação profissional
do professor; a segunda, o processo histórico de construção da
docência e identifica as transformações sofridas pelos docentes
(SHIROMA; EVANGELISTA, 2010, p.1).

Segundo Tardif (2013), a profissionalização docente


se inscreve no discurso internacional da reforma da educação
que, saindo dos Estados Unidos, passa pelos países anglo-
-saxões da Europa e chega à America Latina. O autor alerta
que, dentro do movimento pela profissionalização docente e
do desenvolvimento social do ensino, coexistem ainda duas
formas de entendimento, principalmente na América Latina.
Uma delas, o ensino é concebido enquanto uma vocação e,
a segunda, o ensino é considerado enquanto um ofício.

Basso (1998) salienta que é preciso ver o trabalho do-


cente e, por conseguinte, sua profissionalização, enquanto
uma articulação entre as condições objetivas e subjetivas e
considerá-las como uma unidade. As condições objetivas se

99
caracterizam como aquelas que englobam desde a prepara-
ção das aulas, planejamento escolar, relação quantidade alu-
nos por professor, até a luta por salários mais dignos, dentre
outras; e as condições subjetivas envolvem a sua formação e
qualificação, dentre outras questões.

Nessa perspectiva, as condições objetivas e condições


subjetivas do trabalho docente, aproximam-se daquilo que
Núñez e Ramalho (2008) caracterizam como profissionalis-
mo e profissionalidade. Ou seja, o profissionalismo diz res-
peito às condições objetivas e a profissionalidade, por sua
vez, compõe as condições subjetivas.

Os autores ainda acrescentam que a profissionalização


deve ser considerada enquanto uma unidade, caracterizada
pelos aspectos interno e externo, num processo dialético de
construção da identidade e do desenvolvimento profissional.

Para Núñez e Ramalho (2008) o aspecto interno, a


profissionalidade, é caracterizado pela dimensão que con-
sidera o conhecimento, os saberes, as técnicas e as compe-
tências, relativas ao desempenho profissional. Quanto ao
aspecto externo, profissionalismo, compõe a “dimensão éti-
ca dos valores e normas, no grupo profissional, com outros
grupos […] viver a profissão, as formas de se desenvolver a
atividade profissional. [...] remuneração, status social, auto-
nomia intelectual […]” (NÚÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 4).

Dessa forma, os autores explicitam o que seja a pro-


fissionalização docente:

100
Um movimento ideológico, na medida em que repousa em no-
vas representações da educação e do ser do professor no interior
do sistema educativo. É um processo de socialização, de comu-
nicação, de reconhecimento, de decisão, de negociação entre
projetos individuais e os dos grupos profissionais. Mas é também
um processo político econômico, porque no plano das práticas e
das organizações induz novos modos de gestão do trabalho do-
cente e de relações de poder entre grupos, no seio da instituição
escolar e fora dela (NÚÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 4).

A temática da profissionalização docente é complexa


e se apresenta sob diversos matizes, como analisam Enguita
(1991) Shiroma (2001, 2003), Scalcon (2008), por exemplo.

As proposições de Enguita e Shiroma se situam na


contextualização elaborada por Scalcon (2008), que trata
da profissionalização do professor no que ela denomina por
“movimento de profissionalização do ensino”.

A autora situa este movimento, entre as décadas de


1980 e 1990, tendo seu início nos Estados Unidos, em de-
corrência da crise do profissionalismo e das profissões. Se-
gundo Scalcon, foram quatro os fatores que levaram a esta
crise, sendo eles: “a crise da perícia profissional, a crise da
confiança do público nas profissões e nos profissionais, crise
do poder profissional e crise da ética profissional” (SCAL-
CON, 2008, p. 490).

Na compreensão de Enguita (1991), a profissionaliza-


ção docente é ambígua, pois o trabalho do professor possui
características que o aproximam tanto do profissionalismo
quanto da proletarização, ou seja, estaria num espaço inter-
mediário entre um e outro, que denomina por semiprofissão.

101
Para Enguita, a profissionalização não corresponde
ao sentido de formação, de qualificação e de conhecimento,
mas “como expressão de uma posição social e ocupacional,
da inserção em um tipo determinado de relações sociais de
produção e de processo de trabalho” (ENGUITA, 1991, p.
41).

Shiroma (2001), por sua vez, situa a profissionaliza-


ção no movimento político e histórico que ocorreu a partir
do século XIX com a proliferação das profissões. Primeiro, na
consolidação do Estado Moderno, depois nos anos de 1960,
com os serviços públicos em decorrência do alastramento
das profissões no âmbito do Estado.

A autora analisa a temática sob a perspectiva sócio-


-econômica, abordagem na qual “a profissionalidade é uma
construção social que ocorre no interior de uma Guerra polí-
tica onde altos graus de recompense econômica e social são
conferidos aos vencedores. [...] processo pelo qual produto-
res de services especiais constituem e controlam o mercado
para seus serviços” (SHIROMA, 2003, p. 5).

Segundo Shiroma, as reformas educacionais, na dé-


cada de 1990 sob um suposto profissionalismo, difundiram e
estimularam a necessidade de os professores desenvolverem
habilidades práticas e competências para, como profissio-
nais, poderem resolver os problemas imediatos da educação,
tornando-os experts.

O caminho percorrido pelos profissionais da educa-

102
ção para a sua profissionalização aponta para os conflitos
que se desenvolvem entre eles e o Estado capitalista liberal,
incidindo na própria concepção de educação que cada um
deles tem.

De um lado, estão os professores que buscam na


sua profissionalização tanto a construção de sua identida-
de quanto o desenvolvimento profissional, lutando por uma
educação pública e democrática e, de outro, o Estado con-
trolador e regulador das atividades docentes, que imprime
uma visão de eficiência ao processo educativo, sob a lógica
da gestão por resultados. Nessa perspectiva, a educação pú-
blica vai se transformando em um quase mercado.

3 O movimento dos educadores pela profissionali-


zação docente

A profissionalização docente tem estado presente na


pauta educacional desde a década de 1980. A abertura de-
mocrática no país leva não só a sociedade civil brasileira a
lutar pela universalização do ensino, como um direito do ci-
dadão, defendendo uma maior participação da comunidade
na gestão da escola, mas também se caracteriza pela luta
do movimento dos educadores por sua formação e sua pro-
fissionalização (BRZEZINSKY, 1992; FREITAS, 1992; FREI-
TAS, 2002).

Naquele momento, o processo de reabertura demo-


crática e o movimento em torno da formação, trabalho e a

103
valorização docente procuraram articular a dimensão profis-
sional, a dimensão política e a dimensão epistêmico-herme-
nêutica da ação educativa.

Tal empreendimento foi uma tentativa de romper com


a fragmentação do trabalho do professor, com a dicotomia
entre a teoria e a prática, e com a diferenciação entre educa-
dor e especialista da educação, entre outras questões (MAR-
QUES, 1992).

Freitas (2002) esclarece que o rompimento do pensa-


mento tecnicista fez avançar o entendimento sobre a forma-
ção e a educação, de modo a compreender esta última como
fator de emancipação, construindo-se nesse processo a “con-
cepção de profissional da educação que tem na docência e
no trabalho pedagógico a sua particularidade e especificida-
de” (FREITAS, 2002, p. 139).

Buscava-se romper com a visão míope do tecnicismo


sustentada por uma formação de caráter instrumental e mo-
ral, ignorando a complexidade dos problemas educacionais
situados para além dos muros da escola. Ou seja, a educa-
ção não está descolada de um determinado tempo histórico-
-social e nem do modo de produção da sociedade.

Com a necessidade de adequação do Estado às polí-


ticas econômicas internacionais, este imprime a sua reforma
educacional adotando uma política de racionalização da ges-
tão da educação pública, otimizando recursos e incorporan-
do conceitos como produtividade, eficácia e eficiência, con-

104
forme a Nova Gestão Pública propõe (BRESSER-PEREIRA,
2010).

Na tentativa de se dar uma sobrevida ao capital, a ló-


gica do Estado Mínimo em detrimento do Estado de Bem Es-
tar Social passa a ser a base para a construção de um Estado
eficiente e competitivo na economia internacional, concilian-
do o desenvolvimento econômico com uma política social
focalizada em setores de maior vulnerabilidade.

Harvey (2002, 2011) esclarece que o capital, diante


de suas crises, buscou se recuperar no mercado procurando
um sistema de produção flexível. Para isso, apostou numa
transformação da estrutura ocupacional em que a área de
serviços passou a ter uma relevância fundamental, principal-
mente na área das Tecnologias de Informação e Comunica-
ção (TIC).

O acesso às informações permite levar a decisões bem


fundamentadas, significando ter acesso a dados precisos e
atualizados que, num ambiente competitivo, são diferenciais
para a obtenção de lucro. Assim, a mercadoria informação
passa a ter um grande valor para aqueles que a detêm. A
educação, enquanto mercadoria, se torna também um bom
negócio, pois está presente inclusive no mercado de ações
(AUTRAN, 2012), gerando grandes lucros e rentabilidade
aos donos do capital. Assim, convém que muitos tenham
acesso à educação e movimentem os setores a ela relacio-
nados.

105
Nesse contexto da globalização, da sociedade e eco-
nomia do conhecimento, o professor é uma das peças fun-
damentais para a promoção de uma educação que permita
ao aluno/usuário/cliente a consumir e a produzir. Nesse viés,
a relação aluno/usuário/cliente é o que Fairclough (2001) ca-
racteriza como uma colonização do discurso empresarial e
mercadológico na área educacional.

Para o autor, é uma forma de dar um novo significado


às atividades e relações, sob o viés do mercado, ou seja, alu-
nos/educandos passam a ser caracterizados como clientes,
pois as suas relações são de consumo de serviços educacio-
nais, e as atividades oferecidas, como cursos e material didá-
tico ou paradidático, passam a ser denominadas de pacotes
ou produtos educacionais.

Freitas (2002) ao fazer um balanço dos dez anos de


luta pela formação docente analisa os interesses que, de for-
ma contraditória, envolveram a formação docente. Por um
lado, os interesses do movimento dos educadores e, por ou-
tro, o interesse do Estado ao definir políticas para a formação
docente, ancorada nas proposições internacionais aliadas ao
interesse do capital.

Nesse sentido, interpretando os Referenciais Curricu-


lares para a Formação de Professores, de 1999 e as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Profes-
sores para a Educação Básica em Nível Superior (BRASIL,
2002), Freitas aponta para uma flexibilização curricular que
objetiva traçar um novo perfil profissional dentro do proces-
106
so de reestruturação produtiva.

Freitas (2002) desvela um novo tecnicismo presente


nas reformas educacionais e incorporadas nas políticas de
formação de professores, enfatizando as competências, as
habilidades e a formação prática, como afirma “os anos 90
[…] foram marcados pela centralidade no conteúdo da es-
cola (habilidades e competências) fazendo com que fossem
perdidas dimensões importantes […] o abandono da cate-
goria trabalho pelas categorias da prática, prática reflexiva”
(FREITAS, 2002, p. 141).

Na sua avaliação, a profissionalização proposta pelos


documentos oficiais para a formação de professores aponta-
va para a desprofissionalização do magistério. Freitas denun-
cia que, no momento em que o professor é responsabilizado
individualmente por sua formação e aprimoramento profis-
sional, oportuniza “[...] um afastamento dos professores de
suas categorias e de suas organizações […] passa a disputar
individualmente pela sua formação e competir com seus pa-
res pelos espaços e tempos dos direitos anteriormente ga-
rantidos pelo conteúdo da formação profissional” (FREITAS,
2002, p. 154-155).

Nesse viés, salienta a questão da avaliação presen-


te na dimensão da certificação das competências dos pro-
fessores e a avaliação do desempenho de estudantes e do
trabalho dos professores, representando isso uma forma de
regulação do trabalho docente. Afirma que tais políticas afas-
tam os professores da luta histórica em favor de sua profissio-
107
nalização, condição para uma educação emancipadora, pois
apontam para a flexibilização do trabalho docente.

Shiroma (2001, 2003) problematiza o profissionalis-


mo docente presente no discurso da reforma educacional,
considerando o campo da política e da ideologia. Nesta pers-
pectiva analítica, procura perceber como a profissionalização
foi apropriada e ressignificada pelo discurso oficial, seja por
parte do Estado ou pelos organismos internacionais.

A autora parte da perspectiva socioeconômica, em


que o profissional é aquele que possui um saber técnico, é
um perito em seu trabalho e a relação fornecedor/cliente tem
destaques na sua argumentação, como explica: “Ser profis-
sional significa ser um eficiente fornecedor de um determi-
nado produto. [...] essa nova noção de profissional ressalta
os compromissos dele com seu cliente” (SHIROMA, 2001,
p. 5).

A autora amplia essa visão trazendo a noção de “pro-


fissionalismo comercializado”, destacando as habilidades:
técnica, de gestão e de empreendedorismo. Tais habilidades
ganham um contorno significativo, principalmente a habili-
dade empreendedora, quando se analisou a feição empre-
endedora do trabalho docente, considerando o discurso do
novo perfil docente para a sociedade e economia do conhe-
cimento (RAIMANN, 2015).

Em síntese, para Shiroma, a profissionalização trata


de um eufemismo, uma vez que traz no seu bojo a ideolo-

108
gia do gerencialismo e objetiva à “desintelectualização do
professor que, segundo ela, além de ser um indício de sua
proletarização, modela um novo perfil de profissional, com-
petente tecnicamente e inofensivo politicamente, um expert
preocupado com suas produções, sua avaliação e suas re-
compensas” (SHIROMA, 2003, p.10).

4 A Profissionalização docente no contexto da Po-


lítica Nacional de Valorização do Magistério da Edu-
cação Básica

Objetivando melhorar o índice de qualidade da Edu-


cação Básica no país tanto o Governo Federal quanto os
profissionais da educação e a sociedade civil se uniram, de
formas distintas, em torno desse objetivo.

Se por um lado, os profissionais da educação empe-


nham-se na luta por melhores condições de trabalho, va-
lorização profissional mediante a participação nos Fóruns
Nacionais em Defesa da Escola Pública (PINO, 2010), por
outro, têm-se ações de mobilização, convocando pais, pro-
fessores, empresariado e políticos a desempenharem seu pa-
pel na promoção de uma educação com qualidade diante
dos desafios da sociedade atual.

A profissionalização e a valorização docente, sob o


ideário neoliberal, estiveram na década de 2000 na agenda
governamental dos dois governos federais, Fernando Henri-
que Cardoso (FHC) e Lula da Silva, considerando as propo-

109
sições internacionais.

No último mandato do governo de FHC (1999-2002),


o país havia assumido o compromisso, enquanto signatário
da Declaração de Dakar (2000), com as seis metas a serem
alcançadas até 2015, dentre elas a qualidade da educação.
O governo de Lula, por sua vez, deu continuidade a estes
objetivos propostos, conforme consta no relatório prelimi-
nar elaborado pelo MEC e encaminhado para a UNESCO
(UNESCO, 2014).

No âmbito nacional, a Política Nacional de Valoriza-


ção do Magistério da Educação Básica obteve maior visi-
bilidade durante o governo de Lula e é preciso considerar
alguns avanços, “dentro da ordem”, implementados na va-
lorização do magistério nos seus dois mandatos.

No primeiro mandato de Lula (2003-2006), havia a


expectativa, por parte dos educadores, de que um governo
proveniente do Partido dos Trabalhadores assumiria o com-
promisso com a luta histórica da valorização do magistério.

Isso, de forma enviesada, concretizou-se em seu se-


gundo mandato (2007-2010), mediante programas e ações
implementadas pelo PDE, tendo no Movimento Todos pela
Educação um forte agente articulador para as discussões
em torno da qualidade da educação e sob críticas de muitos
educadores (GRACIANO, 2007).

O evento internacional denominado Seminário In-

110
ternacional sobre Políticas de Profissionalização Docente,
obteve o apoio de diversas entidades representativas como
o MEC, Conselho Nacional dos Secretários de Educação
(CONSED), UNESCO, da Secretaria de Educação do Esta-
do do Rio de janeiro e da Fundação Lemann (BALZANO,
2007).

Esse seminário teve a sua importância considerando


que o foco das discussões estava na importância da profissio-
nalização e avaliação docente e foi realizado no contexto das
discussões do PDE. Além disso, seus participantes elabora-
ram o documento denominado “Carta do Rio de Janeiro”na
qual os seus signatários, MEC/Secretaria de Educação Bá-
sica, CONSED, União Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação (UNDIME), Confederação Nacional dos Tra-
balhadores na Educação (CNTE) reconhecem, dentre vários
desafios, a construção coletiva de uma política nacional de
profissionalização dos educadores.

Deste seminário, destaca-se a mesa-redonda “Profis-


são docente: novas perspectivas e desafios no contexto do
século XXI” com Magaly Robalino Campos, seguido dos co-
mentários de Helena Costa Lopes de Freitas, representante
da Associação Nacional pela Formação de Profissionais da
Educação (ANFOPE) e Roberto Frankin Leão, representante
da CNTE.

Campos (2007) apresenta o panorama no qual estão


os desafios para o professor diante das mudanças sociais.
São eles: a diversificação da estrutura familiar, a migração, as
111
novas tecnologias informacionais e o reconhecimento do va-
lor da educação para o desenvolvimento econômico e como
agente de mobilização social.

Diante disso, para Campos, a profissão docente se


configura em:

Ter profissionalismo e compromisso social, o que implica:


1) pensar e pensar-se como docentes não só ocupados
com as tarefas didáticas, mas numa dimensão maior que
inclui a gestão escolar e as políticas estratégicas educacio-
nais; 2) ser protagonista das mudanças e capaz de parti-
cipar e intervir nas decisões da escola e em espaços téc-
nico-políticos mais amplos; 3) desenvolver capacidades e
competência para trabalhar em cenários diversos, intercul-
turais e em permanente mudança; 4) atuar com gerações
que têm estilos e códigos de comunicação e aprendizagem
diversos, com novas exigências e desafios à competência
dos docentes. A docência é uma profissão com profundo
sentido e compromisso humano (CAMPOS, 2007, p. 17).

Essa posição de Campos amplia o trabalho docente,


dando a ele uma dimensão para além da sala de aula e da
escola. Ao mesmo tempo, destaca a importância da educa-
ção e de se formar um novo perfil de professor, próprio para
o contexto da sociedade e economia do conhecimento. Este
posicionamento aproxima-se não só daqueles que compar-
tilham das orientações da UNESCO, em torno da educação
para o desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, Vi-
lella (2007), Gatti, Barretto e André (2011), mas também
das próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso
de Pedagogia (BRASIL/CNE, 2006).

112
Nesse sentido, Campos (2007) recomenda que, para
que a docência seja reconhecida, valorizada e fortalecida, a
profissão não deve ser somente objeto de prioridade das po-
líticas públicas, mas que tenha vários setores e atores envol-
vidos nesse processo, sendo eles: os meios de comunicação,
as organizações e os movimentos sociais, além de setores
governamentais. Tal proposição foi, posteriormente, incor-
porada à “Carta do Rio de Janeiro” e também ao Plano de
Metas do PDE.

Na sequência à apresentação de Campos, Freitas


(2007) e Leão (2007) tecem seus comentários sobre a ava-
liação docente. Aqui, Freitas reafirma a luta e a defesa da
ANFOPE, ao longo dos anos, no sentido de se implementar
uma política de formação e valorização docente.

Freitas (2007) aponta para o desafio de se passar de


uma concepção regulatória para uma concepção emancipa-
tória de educação, uma vez que os instrumentos existentes
para avaliar docentes e discentes estão pautados em práticas
de caráter técnico-instrumental que faziam parte das políticas
regulatórias implementadas pelo governo anterior, tais práti-
cas deverão ser substituídas por outras que desencadeiem a
emancipação.

Leão (2007), por sua vez, compreende que para se


ter uma educação de qualidade é preciso articular políticas
que envolvam a avaliação docente, a gestão democrática, a
formação inicial e continuada e a valorização profissional.
No seu entendimento, a valorização docente é o ponto cen-
113
tral para a atratividade da profissão docente na educação
básica que, além de uma política de formação, necessita ter
salário, jornada de trabalho e planos de carreira condizentes.
Posiciona-se afirmando que para se resgatar a profissão a
“CNTE defende a instituição de uma diretriz nacional para
a carreira docente e o piso salarial nacional como políticas
emergenciais” (LEÃO, 2007, p. 20).

Se por um lado, o seminário enfatizou a profissiona-


lização docente vinculada à avaliação docente, deixando
como exemplos as diferentes experiências internacionais,
por outro, as posições tanto de Freitas quanto de Leão mos-
traram-se desfavoráveis à prática da avaliação docente em
curso – de caráter pontual e regulatório, que mais penaliza
do que promove o professor. A avaliação docente, ao con-
trário, deve assumir caráter abrangente, considerando como
elementos de avaliação todo o processo de formação, inicial
e continuada do professor, as suas condições de trabalho e a
valorização do magistério.

Importante ainda destacar que as análises de Campos


(2007) se situam no campo genérico, de forma abstrata e
individual sobre o trabalho docente. Por outro lado, tanto as
análises de Freitas quanto as de Leão partem das condições
concretas do trabalho docente e da ação coletiva.

As posições de Freitas (2007) e Leão (2007) sobre a


valorização docente mediante piso salarial e plano de car-
reira estavam na esteira das discussões, já em andamento,
no plano governamental e legal. Desta forma, não houve
114
resistências frente às proposições apresentadas no documen-
to “Carta do Rio de Janeiro” cujos signatários se comprome-
teram em criar uma comissão nacional, institucionalizada, a
fim de elaborar uma agenda que viabilizasse a construção
de uma política nacional de valorização dos profissionais da
educação.

A “Carta do Rio de Janeiro” foi uma proposta de


intenções, na qual os participantes apresentaram não só a
síntese dos debates do seminário, mas também o posicio-
namento do grupo, no intuito de se assumir responsabilida-
des e de se buscar soluções para a “efetiva valorização dos
profissionais da educação e, como corolário, a promoção do
ensino público com os padrões de qualidade e equidade de-
mandados pela sociedade brasileira” (CARTA, 2007, p. 51).

As discussões e proposições levantadas durante o se-


minário não foram totalmente novas para o Governo Fede-
ral. Algumas delas, de certa forma, já estavam em andamen-
to, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB) e outras estavam em via de serem implementadas
como, por exemplo, a participação mais ativa da sociedade
civil em prol da educação. A mobilização da sociedade no
resgate do prestígio e valorização docente ocorreu mediante
o Movimento Todos pela Educação.

Priscila Fonseca da Cruz, diretora executiva do “To-


dos Pela Educação”, ao comentar a peça publicitária “O bom
professor” (MOVIMENTO, 2011b), criação da campanha
“Movimento Todos pela Educação” e a sua importância, as-
115
sim se posiciona:

Um bom professor é aquele que sabe o conteúdo a ser en-


sinado e a maneira de ensiná-lo, e esse profissional preci-
sa ser valorizado, para que continue se desenvolvendo na
carreira e que dê bons exemplos para seus colegas de tra-
balho. A ideia desta campanha é que as pessoas pensem
sobre a importância de um bom professor em suas vidas.
Aquele que ajudou, de fato, em seu aprendizado, que pos-
sa ter ajudado na opção por esta ou aquela profissão, que
tenha ensinado importantes valores. O objetivo é chamar
a atenção para a importância da valorização dos bons pro-
fissionais do magistério que contribuem efetivamente para
a concretização do direito de aprender de todas as crianças
e jovens (MOVIMENTO, 2011a, p. 1).

É significativa a maneira como Cruz se refere ao profes-


sor. A concepção do que seja um bom professor para essa direto-
ra executiva, e para o movimento que representa se traduz como
sendo um profissional em constante desenvolvimento que, além
de dominar conhecimentos e técnicas, também deve ter valores
e habilidades emocionais, servindo de exemplo a ser seguido,
tanto por seus colegas professores quanto por seus alunos.

O posicionamento da diretora executiva, ao falar so-


bre o professor e de seu trabalho, não é muito diferente do
que tem acontecido nos últimos anos, pois muitos se julgam
aptos a falar de como o professor precisa ser, da forma como
deve trabalhar, como deve melhorar seu desempenho, como
precisa utilizar e dominar as novas tecnologias.

Tedesco (2002), ao propor um novo pacto educativo

116
frente a uma nova sociabilidade, problematiza o papel da
educação e da escola para o mundo contemporâneo e argu-
menta, “hoje é preciso nos perguntar se a escola será a insti-
tuição socializadora do futuro e se a formação das gerações
futuras exigirá esse mesmo desenho institucional” (TEDES-
CO, 2002, p. 22). Na sua avaliação, “Se é preciso educar-se
ao longo da vida, então todos somos alunos. Em períodos de
mudanças radicais no modo de produção e nas relações so-
ciais, o velho conhecimento não ajuda, mas sim atrapalha”
(TEDESCO, 2002, p. 40).

As mudanças radicais no modo de produção a que


Tedesco se refere, diz respeito ao avanço das ocupações no
setor informacional, situado entre as atividades de serviços.
A matéria prima do setor informacional é a informação, e
o seu processamento corresponde ao processo de produ-
ção. Porém, é preciso ficar atento para não confundir uma
mudança no processo de produção com uma mudança no
modo de produção.

Nossa sociedade continua no modo de produção ca-


pitalista, com todas as suas mazelas. Assim, Tedesco camufla
os efeitos do capitalismo no suposto avanço da sociedade
do conhecimento. Nesse sentido, há um deslocamento na
análise, não se reconhecendo na sociedade do conhecimen-
to as diferenças e as lutas de classes, presentes na sociedade
capitalista, tomando como verdade a ilusão de que a socie-
dade do conhecimento se sobrepõe à sociedade capitalista,
conforme Duarte (2003) alerta.

117
Tedesco reconhece o conhecimento como uma vari-
ável importante na explicação de novas formas de organiza-
ção social e econômica e alinha-se à proposição de Delors
(2002) que, em seu relatório, reforça a importância que o
conhecimento tem para a economia e o desenvolvimento
sustentável. Além disso, o relatório de Delors (2002) apon-
ta para a importância do papel do professor que deverá ter
competência pedagógica, profissionalismo e devotamento,
assim como qualidades humanas, como autoridade, empa-
tia, paciência e humildade.

Esse ideário interpela o discurso enunciado pela di-


retora executiva “Todos pela Educação”, Priscila Fonseca da
Cruz, ao tratar da peça publicitária pela valorização do pro-
fessor, fazendo referência às habilidades ético-morais que o
professor precisa ter.

Shiroma e Evangelista (2004) já alertavam para a dis-


puta em torno da educação e a necessidade de preparar os
professores para o novo século e utilizam, para isso, o termo
(re) formação docente. Afirmam que a profissionalização e a
gestão nas políticas educacionais são conceitos que possuem
um valor estratégico, indicando um viés tecnocrático e des-
politizado, pois reduz a ação do professorado a uma compe-
tência desvinculada de criticidade, ou seja, não se questiona:
ser competente para quem, para quê e por quê?

Portanto, o movimento em torno da profissionaliza-


ção docente que hoje ocorre no Brasil, deve ser interpretado
de forma crítica. Precisa-se estar atento tanto aos discursos
118
presentes nos documentos oficiais quanto às proposições
dos organismos internacionais (DELORS, 2002; UNESCO,
1998).

Se na década de 1990, o discurso e as efetivas ações


em torno do “Aprender a Conhecer e Aprender a Fazer” con-
duziram as proposições para a educaçãa, na atualidade, “o
Aprender a Ser e o Aprender a Conviver“ estão na agenda
da profissionalização do professor, inclusive o “Aprender a
Empreender” (MAYOR, 1998).

Assim, o professor, como um profissional, além de do-


minar conhecimentos e técnicas, deve ser um exemplo mo-
ral, ter valores e habilidades emocionais para inspirar colegas
e alunos, bem como ser um empreendedor.

Não é sem sentido o investimento que o Movimento


Todos pela Educação faz à Política Nacional de Valorização
do Magistério da Educação Básica, promovido pelo Gover-
no Federal. Esse investimento pode ser compreendido, me-
diante a crítica apresentada por Frigotto (2010), como se lê:

O movimento dos empresários em torno do Compromisso


Todos pela Educação e sua adesão ao Plano de Desen-
volvimento da Educação, contrastada com a história de
resistência ativa de seus aparelhos de hegemonia e de seus
intelectuais contra as teses da educação pública, gratuita,
universal, laica e unitária, revela, há um tempo, o caráter
cínico do movimento e a disputa ativa pela hegemonia do
pensamento educacional mercantil no seio das escolas pú-
blicas (FRIGOTTO, 2010, p. 14).

119
O governo de Lula trouxe algumas mudanças, “ino-
vações”, na educação e o PDE as sintetizou aglutinando o
que já estava em andamento e o que ainda seria implanta-
do. Porém, tais mudanças “inovadoras” ficaram no campo
das reformas, ou seja, ancoradas ao ideário capitalista. Os
programas e ações implementadas mantiveram-se dentro do
viés pragmatista, gerencialista e economicista da educação.

5 Considerações

As contribuições dos autores e as análises realizadas


permitiram verificar que existe uma disputa do que seja a
profissionalização docente. Os discursos dos organismos in-
ternacionais, do Governo Federal, da sociedade civil e dos
profissionais da educação sobre a profissionalização docen-
te, apresentam divergências e disputas, localizadas na com-
preensão do que seja essa profissionalização e como fomen-
tá-la.

Enquanto para os profissionais da educação a sua


profissionalização, condições objetivas e subjetivas, tem sido
um objeto de luta nos últimos trinta anos a fim de valorizar
a profissão, tanto socialmente quanto financeiramente, para
os organismos internacionais, governo federal e a sociedade
civil, a profissionalização docente significa formar o profes-
sor para se adaptar e enfrentar as mudanças que o contexto
da sociedade e economia do conhecimento impõe, ou seja,
adaptar-se às diferenças culturais, ao uso e ao domínio das

120
TIC, ser flexível diante da reestruturação do mundo do tra-
balho.

Nesse contexto, o discurso do valor econômico da


educação interpela a sociedade civil e o Estado, e assim,
para que o país possa se tornar mais competitivo internacio-
nalmente, mediante uma educação de “qualidade”, é preci-
so “profissionalizar” o professor.

As políticas de profissionalização docente implemen-


tadas pelos governos, tanto de Fernando Henrique Cardoso
quanto de Lula da Silva, apontam para um controle do pro-
cesso de formação e trabalho docente, levando à perda de
autonomia e, consequentemente, à desprofissionalização.

No discurso aparente da profissionalização docente


têm-se, na realidade, professores individualizados, precari-
zados, com baixos salários e sem valorização profissional, é
a pseudoconcreticidade presente no fenômeno, como alerta
Kosik (2011). Essa contradição é própria da sociedade capi-
talista. Uma das formas de camuflar a realidade da despro-
fissionalização é trazer à tona os discursos de sensibilização
pela importância do professor para a vida de seus alunos,
mediante a sua competência moral e técnica. O valor do
professor é individual, é seu exemplo, é seu esforço no com-
promisso individual com a educação de qualidade. Nesse
seu empenho, se adapta ao discurso e às práticas da flexibi-
lização do mundo do trabalho (ANTUNES, 2009).

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128
PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR)
EM UBERLÂNDIA: A PERSPECTIVA DE
GESTÃO E PLANEJAMENTO

Sangelita Miranda Franco Mariano15


Mariana Batista do Nascimento Silva16

1 Introdução

No que diz respeito às políticas públicas educacio-


nais, o PAR é uma proposta que se apresenta como instru-
mento de gestão e planejamento no âmbito nacional e faz
parte das diversas iniciativas do governo federal no intuito
de alavancar a qualidade da educação brasileira, bem como
a efetiva garantia da cidadania e igualdade de oportunida-
des de acesso e permanência dos estudantes nas instituições
educativas. Para tanto, as ações do PAR são construídas a
partir de um diagnóstico da realidade específica de cada mu-
nicípio, com definições operacionais e parceria entre os mu-
nicípios, estados, distrito federal e a União.

15 Professora do Instituto Federal Goiano. Contato: [email protected]


16 Professora da Escola de Educação Básica da UFU. Contato: [email protected].
br

129
A necessidade de produção de políticas públicas com-
prometidas com o desenvolvimento econômico e social do
Brasil desencadeou inúmeras ações do governo no período
de 2003 a 2010. Uma das principais políticas foi o Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC). Lançado em janeiro
de 2007, o PAC é um programa que incorpora um conjunto
de políticas econômicas planejadas, e que buscava acelerar
o crescimento econômico do Brasil. Diante dos objetivos
delimitados pelo PAC, os vários ministérios apresentaram
projetos comprometidos com ações concretas para a execu-
ção do referido programa. Em se tratando do Ministério da
Educação, este lançou, em 24 de abril de 2007, o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE).

Conforme enuncia o próprio documento, o MEC


empreendeu esforços para concretizar o regime de colabo-
ração e, a partir da divisão de responsabilidades, priorizar
o aumento dos índices de qualidade da educação nacional,
principalmente na educação básica. Para tanto, buscou reali-
nhar o percurso a fim de atender a necessidade de integrar as
diversas esferas educacionais nos níveis nacional e regional.
No PDE reafirma-se a forma de governo federalista, com a
coexistência de autonomia dos diferentes entes federados e
a União, configurando respeito à unidade nacional sem des-
considerar as especificidadesregionais.

Associado ao PDE foi criado o Decreto nº 6.094/2007,


que instituiu o Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação. Tal plano destaca ações com abrangência na área

130
de atuação do Ministério da Educação (MEC), incorporan-
do os níveis e modalidades de ensino, além de medidas de
apoio e de infraestrutura. No Plano de Metas Compromisso
“Todos Pela Educação” trata-se do estabelecimento de 28
metas para a melhoria na qualidade da educação brasileira;
do estabelecimento do Ideb; do termo de adesão voluntária
dos Municípios, Estados e Distrito Federal ao Compromisso;
e por fim, versa sobre o Plano de Ações Articuladas (PAR)
como requisito para recebimento da assistência técnica e fi-
nanceira dos entes participantes do Compromisso.

No âmbito do Plano de Metas Compromisso Todos


pela Educação foram delimitados critérios e procedimentos
para a assistência técnica e financeira do MEC a projetos e
ações educacionais. Para tanto, a formulação do Plano de
Ações Articuladas (PAR) configura-se uma das exigências
que integram a adesão dos municípios ao Plano de Metas.

2 O PDE, o Plano de Metas e o PAR como mecanis-


mos planejamento e gestão

Em linhas gerais, com o PDE, o governo traz à tona


a discussão sobre a criação de um sistema nacional de edu-
cação epropõe ações com vistas a reverter situações consi-
deradas como entraves ao desenvolvimento da educação
no país tendo por base os baixos índices de rendimento da
educação pública. São considerados empecilhos á qualidade
da educação no Brasil:
[...] o crescimento desmedido do número de municípios;

131
a segmentação territorial constitutiva da educação pública;
a diminuição da responsabilidade da União com a edu-
cação; a proliferação de programas desarticulados entre
si, vinculados à mudança da gestão escolar e à melhora
da aprendizagem no ensino fundamental; a privatização
acelerada da educação superior na década de 1990; a au-
sência de um regime de colaboração no processo de muni-
cipalização deslanchado dez anos atrás [...]. (KRAWCZYK,
2008, p. 800).

Ao reconhecer a importância do diagnóstico sobre as


necessidades e problemas da educação no Brasil apresenta-
dos pelo Plano Nacional de Educação (PNE, 2001-2011), o
PDE propõe clarificar e planejar as ações para avançar em
direção à melhoria da qualidade da educação. Não obstan-
te, pode ser compreendido como plano executivo, constituí-
do por um conjunto de programas com metas quantitativas,
algumas delas já preconizadas anteriormente pelo PNE e,
comprometido com a consecução dos objetivos republicanos
presentes na Constituição Federal (1988), sobretudo no que
diz respeito à visão sistêmica da educação e à sua relação
com a ordenação territorial e o desenvolvimento econômico
e social.

No Brasil a ausência de interlocução entre os diferen-


tes níveis e etapas educacionais é originária de um modelo
de gestão ajustado por princípios gerencialistas e fiscalistas,
que tomaram os investimentos em educação como gastos,
em um contexto de restrição fiscal. Ademais, constata-se que
no contexto da organização estatal brasileira o planejamen-
to se apresenta como instrumento de organização racional

132
da política governamental. Conforme Ferreira (2013, p. 67)
épossível assinalar que
É política a decisão de planejar, no sentido de que, por inter-
médio da definição dos planos, se alocam valores e objetivos
juntamente com recursos financeiros e se redefinem as formas
como esses valores e objetivos são propostos e distribuídos.
Conquanto tais decisões atendamaos interesses hegemônicos,
os critérios tendem a assumir um caráter racional, a partir de
regras e procedimentos ditados por técnicos, em contraposi-
ção ao modo tradicional anteriormente dominante praticado
por meio de influências entre as esferas do governo.

O PDE possui uma conformação estrutural que o ca-


racteriza como uma ferramenta gerencial com vistas à im-
plementação de metas e resultados, consolidando-se assim,
como ferramenta de planejamento estratégico. “[...] constitui
uma abordagem pertinente e tecnicamente mais avançada
de planejamento, que incorpora visões, conceitos, métodos
e técnicas mais atualizadas de preparação e de pilotagem de
futuras ações”. (PARENTE FILHO, 2010, p. 17).

É, pois nessa direção que o Plano propõe metas para or-


ganização assentadas na eficiência e eficácia dos sistemas edu-
cativos, uma vez que o PDE é definido oficialmente como uma
ferramenta gerencial que irá permitir a escola a melhorar os
processos educativos. Para tanto, congrega ideias e práticas em
que se inserem a elaboração de diagnóstico, com a definição de
metas e a avaliação de resultados em meio a um planejamento
estratégico.

De acordo com Parente Filho (2010) a ideia de plane-

133
jamento como uma perspectiva de estratégia coordenada a
fim tornar a execução de algo, está localizada originalmente
na esfera militar, pois a primeira referência sobre o plane-
jamento estruturado é atribuída à Sun-tzu, autor de “A arte
da guerra” escrito em 500 ac. O conceito de estratégia am-
pliou-se a partir de Maquiavel, sendo compreendido como
a condução da execução das operações reais. Não obstan-
te, no século XX tal concepção começou a ser desenvolvida
no campo empresarial, “[...] A incorporação dos conceitos
e métodos do pensamento estratégico às práticas do plane-
jamento gerou uma nova abordagem chamada de planeja-
mento estratégico, mais recentemente também denominado
planejamento estratégico corporativo”. (PARENTE FILHO,
2010, p. 34).

Nessa mesma linha de pensamento, Motta (1995)


afirma que com a efervescência de discussões acerca de for-
mas de racionalização empreendidas por teóricos da esfera
da administração,
Surgiu no momento em que as grandes organizações sen-
tiram a necessidade de aperfeiçoar seus processos de pla-
nejamento e gerência e manter alertas para possíveis mo-
dificações futuras. Percebia-se que a visão de longo prazo,
associada a objetivos específicos e à metodologia de es-
tudos de tendências, já não mais servia às imposições de
uma era de mudanças sociais e econômicas muito rápidas.
(MOTTA, 1995, p. 85).

Com relação ao planejamento estratégico, Matus


(1993) explicita que este aplicado nos processos empresa-
riais, influenciou de modo particular o desenvolvimento des-

134
se modelo nas propostas implementadas na extensão gover-
namental, tendo em vista que os princípios do pensamento
estratégico conduz a ação de atores que tenham capacidade
de interagir em situações conflituosas, cujos interesses são
opostos, imprimindo-lhes a necessidade de fazer escolhas ra-
cionais no intuito de atingir os objetivos propostos.

A perspectiva sistêmica do PDE busca superar as fal-


sas oposições entre as diversas esferas, níveis, etapas e mo-
dalidades educacionais e procura também dar seguimento
ao regime de colaboração e ás normas gerais da educação,
em articulação com o desenvolvimento social e com a con-
veniência administrativa e/ou fiscal. É, portanto, desfavo-
rável á uma visão fragmentada com princípios meramente
gerencialistas e fiscalistas, que tomaram os investimentos em
educação como gastos, em um suposto contexto de restri-
ção fiscal. Os aspectos inovadores no escopo do PDE estão
situados na proposta de compartilhamento da União não
somente nos “acertos” locais, mas no exercício de sua atri-
buição constitucional de coordenar e incentivar a definição e
execução de políticas educacionais, além disso, desenvolver
ação supletiva e distributiva com o objetivo de melhorar os
níveis de qualidade do ensino oferecido aos estudantes da
educação básica(WEBER, 2008).

O PDE apresentacaracterísticas relacionadas ao novo


gerencialismo, voltado para a construção de mecanismos de
responsabilização, accountability, tendo em vista a busca por
maior eficiência nos procedimentos finais, bem como melhor

135
aproveitamento dos recursos. Esse processo de responsabi-
lização e prestação de contas está fundamentado em prin-
cípios abarcados pelas empresas privadas na condução de
um planejamento estratégico, via táticas e estratégias, cuja
gestão está focalizada no objetivo concreto de garantir efi-
ciência e eficácia no alcance dos resultados esperados, com
avaliações de desempenho e controle das ações individuais
e coletivas.

Como se depreende, o PDE constitui-se uma tenta-


tiva do governo de reverter várias situações que tornaram
difícil a governança da área, dentre as quais evidenciam-se:
[...] a ausência de um regime de colaboração no proces-
so de municipalização deslanchado dez anos atrás o velho
debate em torno da constituição de um sistema nacional
de educação; e os baixos índices de rendimento escolar na
rede de educação pública em todo o país. (KRAWCZYK,
2008, p. 800).

A partir do PDE o MEC instaura o Plano de Metas


“Compromisso Todos pela Educação” e o Plano de Ações
Articulas (PAR) como ferramenta de planejamento e gestão
das políticas educacionais no país, o quedenota mais uma
investida por parte do governo de prosseguir com o processo
de “descentralização” em curso, movimento em que o gover-
no, ao mesmo tempo em que centraliza, assumindo as ações
decisórias, controlando e regulando, também descentraliza
as atividades de execução.

O Plano de Metas “Compromisso Todos pela Edu-


cação”, envolveu todos os níveis e modalidades de ensino,
136
além de medidas de apoio e de infraestrutura. O Plano traz
em seu bojo metas compreendidas como ações inseridas no
movimento de garantir a melhoria qualitativa da educação.
Como ressaltado anteriormente, o governo adota o Ideb
como referência para traçar um mapa da realidade do ensi-
no no Brasil, buscando a obtenção dos níveis mais elevados
de qualidade educacional. O Ideb constituiu-se como oindi-
cador objetivo para a verificação do cumprimento de metas
fixadas no termo de adesão ao Compromisso.

Os sistemas municipais e estaduais que aderiram ao


Plano de Metas tiveram à frente 28 diretrizes que deveriam
ser seguidas, com o claro intuito de alavancar os resultados
das avaliações sistêmicas, considerando que este é um indi-
cador da qualidade educacional, sem desconsiderar todos
os condicionantes que interferem no de rendimento dos es-
tudantes. No que diz respeito à gestão, os ajustes propostos
pautam-se nas seguintes diretrizes:
XIII - implantar plano de carreira, cargos e salários para os
profissionais da educação, privilegiando o mérito, a forma-
ção e a avaliação do desempenho;

XIV - valorizar o mérito do trabalhador da educação, re-


presentado pelo desempenho eficiente no trabalho, dedi-
cação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade, rea-
lização de projetos e trabalhos especializados, cursos de
atualização e desenvolvimento profissional;

XV - dar consequência ao período probatório, tornando


o professor efetivo estável após avaliação, de preferência
externa ao sistema educacional local;

XVI - envolver todos os professores na discussão e elabo-

137
ração do projeto político pedagógico, respeitadas as espe-
cificidades de cada escola;

XVIII - fixar regras claras, considerados mérito e desem-


penho, para nomeação e exoneração de diretor de escola;

XIX - divulgar na escola e na comunidade os dados relati-


vos à área da educação, com ênfase no Índice de Desen-
volvimento da Educação Básica - Ideb;

XX - acompanhar e avaliar, com participação da comuni-


dade e do Conselho de Educação, as políticas públicas na
área de educação e garantir condições, sobretudo institu-
cionais, de continuidade das ações efetivas, preservando a
memória daquelas realizadas;

XXI - zelar pela transparência da gestão pública na área da


educação, garantindo o funcionamento efetivo, autônomo
e articulado dos conselhos de controle social;

XXII - promover a gestão participativa na rede de ensino;

XXIII - elaborar plano de educação e instalar Conselho de


Educação, quando inexistentes;

XXV - fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolven-


do as famílias dos educandos, com as atribuições, dentre
outras, de zelar pela manutenção da escola e pelo moni-
toramento das ações e consecução das metas do compro-
misso;

XXVII - firmar parcerias externas à comunidade escolar,


visando a melhoria da infraestrutura da escola ou a pro-
moção de projetos socioculturais e ações educativas;

XXVIII - organizar um comitê local do Compromisso, com


representantes das associações de empresários, trabalha-
dores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho Tutelar
e dirigentes do sistema educacional público, encarregado
da mobilização da sociedade e do acompanhamento das

138
metas de evolução do Ideb. (BRASIL, 2007, p. 1).

As diretrizes em tela apresentam um desenho que


contempla as diversas esferas da educação brasileira, haja
vista que apontam para o desenvolvimento de ações que di-
zem respeito à educação numa amplitude micro e macro, o
que representa mudanças significativas na concepção e ges-
tão das políticas educacionais. Nesse sentido, em relação à
gestão educacional, as diretrizes abarcam a perspectiva de
compartilhamento das decisões por intermédio de gestão co-
legiada das unidades educativas e redes de ensino e deixa
evidente a importância da constituição dos Conselhos esco-
lares, Conselho Municipal de Educação, com vistas a estabe-
lecer relação de transparência na execução dos atos públicos.

Em termos de instrumentalização, o Decreto 6.094,


de 27 de abril de 2007, que instituiu Plano de Metas, trata
também do termo de adesão voluntária dos municípios, es-
tados e Distrito Federal ao Plano de Metas “Compromisso
Todos pela Educação”. De acordo com o governo, o Plano
de Metas se apresenta como um novo modelo com vistas a
reafirmar o regime de colaboração entre a União e os entes
federados, sem a retirada da autonomia, conferindo decisão
política, ação técnica e atendimento à demanda educacional.
“[...] A participação da União no Compromisso será pautada
pela realização direta, quando couber, ou, nos demais ca-
sos, pelo incentivo e apoio à implementação, por Municípios,
Distrito Federal, Estados e respectivos sistemas de ensino”.
(BRASIL, 2007, p. 1).

139
No que diz respeito aos recursos a condição estabe-
lecida pelo governo para o acesso à assistência técnica e
financeira dos entes que assumiram o Compromisso foi a
adesão ao Plano de Ações Articuladas (PAR). O PAR é en-
tendido como mecanismo de intervenção do governo fede-
ral nos municípios que assinaram o Plano de Metas. Constru-
ído com a participação dos gestores, técnicos e educadores
locais, resguarda a autonomia e a organicidade das ações,
delega autonomia aos entes municipais e tem como concep-
ção iniciar as ações por meio de diagnóstico que permite a
análise detalhada do sistema educacional. Portanto, o PAR
é compreendido como parte operacional do PDE e do Plano
de Metas, constituindo-se como um instrumento de plane-
jamento e gestão, ao estabelecer ações de responsabilidade
partilhada entre Estado, município e União.

Para tanto, o Plano de Metas estabelece a criação de


um comitê local de acompanhamento do Compromisso que
irá se responsabilizar por discutir e decidir sobre as questões
relacionadas ao diagnóstico e ao sistema de monitoramento.
Este deverá acompanhar sua implementação no município.
É definido tambémno Decreto 6.094/2007 constituição e as
atribuições da equipe local , a qual se difere daquelas atri-
buídas ao comitê local, tendo em vista que a equipe local
é quem se responsabiliza diretamente pela elaboração do
PAR. Há a indicação que esta seja constituída pelo Secre-
tário Municipal de Educação, técnicos da secretaria e repre-
sentantes dos diretores de escola, dos professores da zona
urbana e da zona rural, dos coordenadores ou supervisores
140
escolares, do quadro técnico-administrativo das escolas, dos
Conselhos Escolares e, quando houver, do Conselho Muni-
cipal de Educação.

Aos estados e municípios, ao assinaram o termo de


adesão ao Plano de Metas, foi exigido a construção de um
diagnóstico detalhado da situação educacional local, com o
objetivo de obter informações e dados que servirão de subsí-
dios para a elaboração do PAR, devendo tal diagnóstico ser
desenvolvido com a participação dos sujeitos envolvidos nos
processos de gestão das redes de ensino, em conjunto com
equipe técnica local.

De acordo com o discurso oficial, o PAR busca aten-


der às necessidades das redesde ensino no que tange às
demandas identificadas no diagnóstico realizado pelo ente
federado permitindo que viabilize a realização das ações
previstas a partir de descritores e indicadores de qualidade
pré-definidos na estrutura do próprio instrumento. Desse
modo, o PAR, no contexto do PDE, consolida o “contrato”
de responsabilização das esferas políticas, tendo em vista
condicionar a adesão dos estados e municípios à colabora-
ção técnica e financeira por parte da federação.

Com efeito, podemos afirmar que o PAR pode ser


reconhecido como uma tentativa de flexibilização da gestão
e planejamento. Dito de outra forma, o regime de colabo-
ração administrativa e financeira poderácontribuir para o
fortalecimento de um uma gestão compartilhada, apoiada
em modelos mais flexíveis e participativos dos recursos e
141
responsabilidades. Concomitantemente, o MEC, exerce o
monitoramento da execução do PAR, por intermédio de re-
latórios ou visitas técnicas, com vistas a garantir que as ações
sejam cumpridas de acordo com o planejamento e prazos
estipulados. Tal modelo substitui os convênios temporários
e evitam o risco da tradicional descontinuidade das políticas
educacionais. Assim,
[...] no que se refere ao enfoque de planejamento, o PAR
propõe-se a desenvolver um conjunto de programas arti-
culados para darorganicidade às ações e, desse modo, o
PDE nacional se afastaria da proposta do planejamento
por objetivos, conforme se estruturava no modelo PDE/
escola, e se configuraria como uma “proposta sistêmica”.
(FERREIRA; FONSECA, 2011,p. 85).

Do ponto de vista educacional, temos assim um con-


junto de medidas que norteiam a gestão dos processos edu-
cativos no âmbito nacional. As políticas educacionais estão
relacionadas com a abordagem desenvolvimentista assumi-
da pelo governo brasileiro, com recontextualização da rees-
truturação produtiva, a prática da terceirização, que institui
novas formas de articulação entre o capital e o Estado, di-
tando também uma agenda “empresarial” para as políticas
educacionais.

3 O PAR em Uberlândia: implicações no planeja-


mento e gestão das ações educacionais

O PAR em Uberlândia teve sua implementação por


meio de um processo dividido em três diferentes estágios: o
diagnóstico da realidade da educação; a elaboração do PAR

142
e análise técnica. Sendo que os dois primeiros ocorrem no
município e o terceiro é realizado pelo MEC e o Fundo Na-
cional do Desenvolvimento da Educação (FNDE).

A partir das entrevistas realizadas com membros da


equipe local do PAR, identificamos que a conduta adota-
da pela Secretaria Municipal de Educação do município de
Uberlândia com relação ao cumprimento das exigência sobre
a constituição da equipe local do PAR, denota que este ocor-
reu de forma participativa, com representantes dos diversos
segmentos. De acordo com a técnica da secretaria responsá-
vel por gerenciar o trabalho,
[...] aelaboração do PAR foi feita com base em um traba-
lho realizado por uma comissão, que foi elaborada para
desenvolver esse trabalho. Então, a comissão tinha vários
representantes: secretário de educação, que era membro
titular e gestor da comissão (membro nato, por ser o ges-
tor da educação e também era o coordenador da mes-
ma). E esta comissão tinha também representantes vários
segmentos da secretaria de educação, de diretores de es-
colas municipais, do conselho do Fundeb [...]Os demais
representantes da Secretaria Municipal de Educação eram
o líderes da assessoria pedagógica (ensino fundamental e
educação infantil) Desenvolvimento Humano, Inspetoria
Escolar. Como representante do Conselho Municipal de
Educação, havia um membro que representava o segmen-
to dos professores e por conseguinte o Conselho Municipal
de Educação. Havia ainda o representante do Conselho
do Fundeb, a gente foi mesclando, um do Conselho de
Educação, um do Conselho do Fundeb. Tinha também
representantes de especialistas da educação, que no caso
seria os supervisores e orientadores. (Entrevistada 1 – téc-
nico representante da Secretaria Municipal de Educação,
14dez. 2014).

143
De acordo com os entrevistados as atividades
desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Educaçãono
período anterior ao PAR não podem ser consideradas como
atividades sem uma sistematização em sua condução,
todavia, destacam que não existia um alinhamento entre
os diversos órgãos responsáveis pelo desenvolvimento
do trabalho na SME. Se por um lado, é possível
constatar uma vinculaçãomais estreita entre os diversos
setores envolvidos na efetivação da educação do munícipio
e gerenciamento do PAR, também se observa uma relação
muito próxima entre a organização do trabalho educativo
da SME e os princípios do planejamento estratégico.
Eu vejo uma contribuição no sentido de aproximar mais o
trabalho em si. E ele todo já era desenvolvido pelaSecreta-
ria Municipal de Educação. Mas, era desenvolvimento as-
sim, se era formação de professores, ficava lá no Cemepe,
se era rede física, ficava com o pessoal de rede física, se era
alguma coisa para implementar a merenda escolar, ficava
com o grupo da parte da alimentação escolar. Então o Pla-
no na verdade, ele veio para otimizar esses trabalhos que
eram feitos por seguimentos dentro da Secretaria. Então
tudo começou a ser desenvolvido com uma maioreficiên-
cia. O PARveio buscar essa aproximação desses segui-
mentos dentro da Secretaria para realmente, à época,
nós aprendermos a trabalhar mais em equipe. Porque real-
mente tinha essa necessidade [...]Porque o trabalho em si,
ele era feito, só que era feito de forma fragmentada. Então
o PAR ele serviu pra unir maisos trabalhos, as frentes de
trabalho dentro da secretaria [...] basicamente havia uma
equipe responsável que planeja as ações , por exemplo,
o Cemepe era responsável pela formação de professores.
Então a equipe fazia o projeto, descrevia qual era o objeto,
o plano de trabalho, o prazo de execução e os recursos

144
necessários, normalmente, esse trabalho era desenvolvi-
do junto com a equipe da assessoria financeira da SME.
Após, colocávamos na mão do prefeito, que recorria/pedia
ao seus pares (parlamentares da região) que buscassem re-
cursos para executar aquele projeto. Se a proposta era na
área de construção, na rede física, a equipe da assessoria
administrativa, manutenção e apoio era responsável pela
parte de construção e manutenção da rede física. Então,
basicamente era assim que se fazia. Não tinha uma equipe
exclusiva paraplanejamento e formatação de projetos den-
tro da secretaria. (Entrevistada 1 – técnico representante
da Secretaria Municipal de Educação, 14 dez. 2014).

Evidencia-se nos dizeres da entrevistada umaposi-


tividade em relação ao PAR no que concerne ao encade-
amento dos processos de trabalho na Secretaria Municipal
de Educação (SME). Desse modo, a interlocução entre os
diversos setores que compõem arede municipal de educação
permitiu uma melhoria na ordenação do trabalho desenvol-
vido. Nesse aspecto os entrevistados foram unânimesem
afirmar que esse novo modo de pensar, discutir e decidir
sobre as ações conjuntamente foi essencial para que as ati-
vidades desenvolvidas obtenham maior sucesso e eficiência
em seu planejamento e materialização. Houve também men-
ção à importância da melhoria no trânsito de informações a
respeito de questões educacionaisque envolviam as diferen-
tes secretarias. Contudo, ainda assim, essa aproximação das
equipes de trabalho ficou muito restrita à própria SME, não
representando avançosignificativo no diálogo entre a SME
as outras secretarias municipais responsáveis pela gestão do
município.

145
Esse rearranjo permite a obtenção de uma visão do
conjunto de ações, característica do planejamento estratégi-
co, o qual, segundo Parente Filho (2010), exige um formato
específico de formulação, implementação, acompanhamen-
to e avaliação, implicando em: a) adesão e adoção de deter-
minados princípios básicos, b) aplicação sistemática de um
método de planejamento que cumpre os diferentes níveis
institucionais e o cálculo de curto, médio e longo prazos.
O objetivo do planejamento da educação no municípioan-
tes do PAR eram ações muito isoladas [...] a intenção foi
pegar essas diversas dimensões formativas que eram iso-
ladas e dentro desse documento do PAR centralizar essas
ações para obter um resultado mais efetivo. (Entrevistado
2 – Inspetora representante do CME, 05 fev. 2016).

Nessa perspectiva, o excerto que segue aponta paraas


questões que envolvem o encadeamento de ações empre-
endidas pelo PAR, com vistas ao sucesso na consecução de
um produto final.
Creio que o PAR é um instrumento que nos ajuda a pensar
as ações de maneira integrada, por exemplo, quando ele
pensa na criação de uma infraestrutura, na construção de
uma escola, ele não constrói apenas a escola, mas viabi-
liza os recursos não só para sua construção como equipa-
mentos, e mobiliários, viabilizando os recursos para isso.
Então, a criação de uma escola, não é somente a criação
de uma escola, não se pensa somente em sua construção,
mas também na infraestrutura necessária para o seu fun-
cionamento [....] O PAR é uma política pública de gestão
e planejamento integrados, que pensa a educação como
um todo. Isso ajuda a gestão a implementar várias ações
sob o ponto de vista desse processo, isto é de montagem
como infraestrutura, formação, avaliação, sendo várias as

146
dimensões que afetam a educação diretamente. As ações
passam a ser mais ordenadas, ele não permite que sejam
isoladas. (Entrevistada4 - Assessora administrativa repre-
sentante da SME, 19 mar. 2016).

Para Garcia e Queiroz (2012) o referencial metodo-


lógico doplanejamento estratégico interligado aos objetivos
educacionais e articulado a um plano de ação municipal
visa contemplar possíveis ganhos relativos ao rendimento
do produto final. Nesse processo, as mudanças pretendidas
na cultura das organizações ocorrem mediante a concessão
da “autonomia” na elaboração de planos e possuem como
parâmetro as organizações empresariais, em detrimento ao
ideal de formação humana e aos fins político-pedagógicos
que devem caracterizar a educação.

De acordo com um dos entrevistados, o PAR permi-


teà SME realizar o seu planejamento de forma sistematiza-
da com a possibilidade de antever as interconexões entre os
diversos âmbitos que constituem o funcionamento da rede
escolar. Importante ressaltar queo planejamento elaborado
pelo PAR não se configura apenas como um instrumento a
ser encaminhado ao MEC, mas sim como documento que
irá nortear efetivamente o trabalho da SME. Ainda quenão
contemple totalmente as demandas necessárias reconhe-
cem-no como:
[...]uma visão integrada, pois ele promove um planeja-
mento completo. Com relação à criação da escola, envolve
o planejamento não só da infraestrutura física, de constru-
ção das escolas, mas também como ônibus escolares, pois
dependendo da escola precisa pensar também em como

147
os alunos irão chegar a essa escola e muitas veze entra
também o transporte escolar (caminhos da escola) que nós
também solicitamos. É um planejamento que englobatam-
bém a formação de profissionais, como a formação con-
tinuada para os profissionais que irão atuar nessa mesma
escola. O planejamento no município, as ações do muni-
cípio são feitasa partir do PAR, é o que nós seguimos,
não há um planejamento paralelo. Tudo isso está associa-
do com a qualidade da educação. (Entrevistada 5 - Técni-
co representante da Secretaria Municipal de Educação,19
mar. 2016).

Para Cabral Neto (2009), como resultado das refor-


mas educacionais empreendidas no Brasil, documentos ofi-
ciais formalizaram a defesa de mecanismos modernos ins-
pirados nas orientações do gerencialismo e princípios do
planejamento estratégico, tendo em vista a racionalização
dos sistemas de ensino.
[...]cada escola que estava com Ideb abaixo da média, foi
orientada a realizar seu planejamento educacional próprio,
vamos dizer assim o seu primeiro “parzinho”, o seu primei-
ro plano de desenvolvimento da educação da escola, que
foi o primeiro PDE da escola. A partir daí era indicado o
que precisava fazer para melhorar aquela situação. Assim,
o MEC/FNDE passou a disponibilizar recurso financeiro e
apoio técnico, específico para equacionar aquela situação.
(Entrevistada 1 – técnico representante da Secretaria Mu-
nicipal de Educação, 14 dez. 2014).

A preocupação com o planejamento associados re-


cursos financeiros também é recorrente quando se trata dos
objetivos e direcionamento do PAR, pois predomina entre os
entrevistados a visão de queuma “suposta transparência ad-
ministrativa, que atende a um consenso presente no tecido

148
social, sobre a necessidade de aplicação dos recursos econô-
micos em ações planejadas”. (FERREIRA, 2013, p. 77).
O PAR a meu ver é isso, um raio-x das escolas para ver
onde e em que o governo precisava investir. Estava num
período do governo que ele precisava calcular onde ele
iria investir ou seja, um planejamento para saber sobre
a necessidade de investimento, construção e reforma de
escola, formação, cobertura de quadras, materiais peda-
gógicos. (Entrevistado 3 - representante do Fundeb, 05 fev.
2016).

Podemos constatar a existência no próprio mecanis-


mo de desenvolvimentodo PAR de elementos que inibem o
exercício da autonomia e também do reconhecimento das
especificidades das demandas locais. Não são consideradas
ou acolhidas pelo sistemareinvindicações dos entrevistados
em relação a conveniências peculiares da rede municipal de
ensino, a exemplo dos dizeres a seguir.
Nós gostaríamos de comprar outros tipos de equipamentos
para escolas que foram viabilizadas em 2008, pois o re-
curso recebido não viabilizava a compra dos equipamen-
tos previamente indicados e ainda assim o sistema não
permite esta compra com a justificativa de que a escolha
do modelo foi baseada na discussão de diversos profis-
sionais a fim de viabilizar essas ações. [...] assim ou você
compra os equipamentos específicos daquela escola ou
você não compra. É bastante amarrado. O que em minha
opinião,dificulta um pouco pois tudo é pensado a partir de
um ponto de vista, de concepções levando em considera-
ção a opinião de quem está presente naquele momento.
(Entrevistada 4 -Assessora administrativa representante da
SME, 19 mar. 2016).

Depreende-se que essa divisão de responsabilidades

149
entre o centro e a periferia preconiza uma dicotomia entre
centralização e descentralização e que a “emergência do lo-
cal se faz de modo pouco uniforme, com ritmos e amplitude
diversos, no quadro de políticas mistas que combinam os
dois movimentos, reforço do centro e da periferia, em áreas e
domínios distintos” (Barroso, 2013, p. 17). Portanto, o local
é reconhecidocomo lugar de aplicação, de participação, de
interdependência no confronto de lógicas tão diversas, em
que por um lado buscam preservar o papel do Estado, por
intermédio da contextualização territorial das políticas e do
incentivo à sua modernização e por outro lado objetivam a
sua diminuição, numa visão neoliberal.

Ademais, Ferreira (2013) explicita que os argumentos


em favor da descentralização buscam referendar esse pro-
cesso a partir da defesa dos elementos que a caracterizam,
principalmente a inovaçãoem relação à sua capacidade de
imprimir autonomia e transferência de poder das autorida-
des superiores para as autoridades locais. Por outro lado,
há uma argumentação crítica ao advertir que a descen-
tralização apenas transfere para as administrações locais as
responsabilidades operativas, antes atribuídas ao poder cen-
tral, ressaltando a importância da organização racional do
sistema por meio de um instrumental técnico para que o
sistema alcance maior eficiência.
O PAR já traz asações concretas, suponhamos que agora
o que esteja proposto pelo MEC sejam políticas de for-
talecimento de escolas de ensino fundamental, ou seja, a
universalização do ensino de educação básica e a partir

150
dai, são criados mecanismos a fim de viabilizar isto em
diversos aspectos e dentre eles nós iremos optar de acordo
com as necessidades do município no prazo determina-
do. Na verdade já tem tudo no PAR, não criamos nada,
você vai apenas escolher o que precisa dentro do que está
disponível, apenas dentro do que está disponível. (Entre-
vistado 4 - Assessora administrativarepresentante da SME,
19 mar. 2016).

Ao analisar processos de territorialização das políticas


educativas pautadas na descentralização administrativa,
sob o estabelecimento de formas de contratualização
local, Barroso (2013) afirma que esse movimento possui,
entre outras características, a tendência das sociedades
pós-industriais de transferirem para a periferia a gestão das
contradições que o Estado não pode solucionar, além disso,
pode ser um meio para que o governo possa financiar
localmente a execução de políticas determinadas pela
gestão central à priori.

Portanto,em que pese as medidas cujo discurso ofi-


cial se empenha na defesa de uma territorialização, este
não se consolida a contento, pois a promessa de maior en-
volvimento da comunidade local nos processos decisórios,
bem como a construção de relações horizontalizadas no que
diz respeito à participação no planejamento, direcionamento
de recursos financeiros e execução de ações, caminham na
contramão do que está sendo capitaneado pela União.

Ademais,foi possível identificar que o PAR abarca


mecanismos de regulação negociada, ou seja, os sujeitos

151
são submetidos a um processo em que “adopção da norma
é precedida por um processo de audição e concertação com
os atores e organizações envolvidos no objecto de regula-
ção”. (JUSTINO; BATISTA, 2013, p. 49).
O MEC consegue controlar tudo. Quando solicitamos
construção de novas escolas,eles olham ao redor todinho.
Operímetro é avaliado por eles. Entram e observam tudo.
Eeles nos enviam as suas recomendações. Se é possível
ou não. Onde pode ser construído. Tudo controlado. Mas
aiestudamos e temos a possibilidade de apresentar outro
projeto. No meu entendimento, sob o ponto de vista técni-
co, é excelente. Com o PAR, o governo federal possui con-
trole sobre as execução das políticas, cumprindo o papel
do Estado, intervindo, atuando,um meio de intervenção
e atuação do Estado, visão contrária de alguns governos
que já tivemos. (Entrevistada 4 -Assessora administrativa
representante da SME, 19 mar. 2016).

Para Barroso (2006) a instância localé demarcada


como um contexto público multirregulado, ou seja, embora
haja uma defesa por parte do governo e uma demanda da
sociedade civil e movimentos sociais que apregoam a
consolidação do local como lócus de decisão e de construção
de políticas, é ainda mormente retórica, mas representa
condição indispensável para a criação de uma nova ordem
educativa local.

Nesse sentido, em diversos trechos dasentrevistas


realizadas foi possível identificar o quanto os envolvidos
no processo de implementação e acompanhamento do
PAR destacam o controle do poder central como elemento
fundante do Plano.

152
[...] até mesmo a liberação de recursos é feita por esse
sistema(SIMEC) e eles possuem um controle da solicitação
para evitar fraudes, por exemplo se nós pedimos recur-
sos para cobertura de quadras esportivas, eles verificam
previamente se determinada escola realmente não possui
quadra coberta. Eles mandam o recurso e acompanham
tudo pelo sistema. É assim, tem um sistema tecnológico
violento que entra e fiscaliza dentro da própria escola. Eles
sabem se você solicita alguma coisa quenão está de acor-
do com a realidade. Por exemplo, se eu peço alguma coisa
que a escola já tem,eles respondem dizendo que não vão
liberar porque a escola já possui o que foi solicitado . É
online, em tempo real. Há um cruzamento de dados com
controle total. (Entrevistada 4 - Assessora administrativare-
presentante da SME, 19 mar. 2016).

A capacidade administrativa e financeirados gover-


nos locais na implementação do PAR interferem diretamente
na execução do planejamento realizado, além dos modos de
integração intragovernamental, decisões apartadas nas fe-
derações, desconsiderando a complexidade que envolve as
relações intergovernamentais. No contexto dessedebate há
que se reconhecer que para o cumprimento do PAR é ne-
cessário romper com o isolamento do sistema educacional,
ao passo que outras instâncias e órgãos da esfera adminis-
trativa possuem relação direta com os aspectos racionais e
objetivos do desenvolvimento do PAR.
Com relação aos cursos de formação de professores, su-
ponhamos que você faz um planejamento, com tantas
pessoas, planejamento é planejamento muda. Vou convi-
dar palestrantes, vou precisar de tanto para hospedagem,
transporte, mas no decorrervocê muda a cidade do pales-
trante e suponhamos que a passagem seja outro valor. No
PAR não pode mudar nada. Se um palestrante precisar ser

153
alterado, e passagem dele, não há como, trava tudo. Ai a
dinâmica será devolver o dinheiro. E para essa devolução
vai para a Câmara de vereadores. A Câmara pergunta o
motivo da devolução do dinheiro. Respondemos: por in-
competênciade vocês que não viabilizaram. Ai entra dispu-
ta política, partidária, ideológica, papel do Estado. Como
o estado vai intervir. Tudo isso entra. É um processo em
disputa. Tudo isso entra em jogo no processo. (Entrevista-
da 4 -Assessora administrativa representante da SME, 19
mar. 2016).

Cabe, nos aspectos apresentados considerar


que o PAR representa uma possibilidade de interven-
ção do Estado nos processos de gestão desenvolvidos
na esfera da educação municipal, ou seja, por meio
do referido plano a União acaba por instituir modos
reconhecidos como adequados para gerir os sistemas
de ensino, bem como induzir a responsabilização por
uma série de ações a serem desenvolvidas, no intui-
to de melhorar a qualidade da educação e que são
elaboradas à priori e externas ao ente federado. Em
boa medida, o PAR traz importante implicação na di-
minuição da autonomia dos sujeitos locais.

Considerações finais

São inegáveis a amplitude e a importância do PAR


no que diz respeito ao planejamento e gestão educacional
e suas implicações nas orientações da União aos estados,
distrito federal e municípios. Cumpre, todavia, reconhecer
que, essa configuração estrutural possui em si elementos de
contradição, pois contribui para a perda de autonomia des-

154
ses entes em relação às prioridades de execução; além, evi-
dentemente, de permitir um maior controle social por parte
da população.

Não obstante, o fato de o PAR ser oriundo doPla-


no de Desenvolvimento da Educação (PDE) e seguir as de-
terminações do Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação, impele que este utilize-se de argumentos e/
ou procedimentos semelhantes aos das políticas públicas
educacionais mencionadas. Essas deliberaçõescaminham
no sentido da necessária utilização pelas instâncias locais do
prisma do planejamento estratégico.

Associado a isto,ainda prevalece uma lógica de efe-


tivação de programas dispersos e desconectados, ou seja, a
próprio gestão do PAR tem dificuldades em acompanhar o
desenvolvimento de políticas públicas, projetos e programas
desenvolvidos por ouros órgãos alocados no MEC e que di-
reta ou indiretamente fazem interface com as ações deman-
dadas pelo município.

O PAR direcionou e influenciou o planejamento do


município num contexto de relações diretas entre instância
federal (global) e a local, isto é, interferiu na instância local
por meio de mecanismos de regulação e descentralização
nas relações federativas.

Anterior ao processo de implementação do PAR, o


planejamento e a gestão das demandas e necessidades do
município eram, em muitos momentos, guiados pela nature-

155
za das relações estabelecidas entre o município e a União por
intermédio dos políticos locais que representavam os interes-
ses da região. A lógica do clientelismo sempre foi utilizada
como estratégia dos grupos políticos para capitanear recur-
sos financeiros sob a forma de barganha, tanto com a União
quanto com a esfera local. Em vista disso, as instâncias locais
ficam “reféns” dos interesses privados e do tráfico de influên-
cias dos sujeitos e interesses político-partidários, que não ne-
cessariamente coadunam com as preocupações e demandas
sociais.

A perspectiva gerencial, característica da administra-


ção pública, vinculando a responsabilização e busca de re-
sultados, figurou nos dizeres dos entrevistados ao afirmarem
que o PAR permitiu a constituição de processos de trabalho
geridos a partir de controle à posteriori dos resultados, com
a definição de mudanças a partir da realização do mape-
amento dos problemas detectados em toda a rede pública
municipal.

O planejamento, outra categoria que emergiu e que


influenciou não somente a sistematização do programa,
também teve sua importância na relação entre os diversos
setores da secretaria de educação, o que permitiu que fos-
se impulsionada uma maior articulação e responsabilidade
compartilhada na execução de ações coordenadas, otimi-
zando e melhorando as atividades realizadas.

156
Referências

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regulação das políticas educativas. Educação:temas e pro-
blemas. Évora, v. 12, n. 13, 2013. p. 13-26.

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sília, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.mec.gov.br
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so Todos pela Educação pela União federal, em regime de
colaboração com municípios, Distrito Federal e estados, e
a participação das famílias e da comunidade, mediante pro-
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157
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PARENTE FILHO, J. Planejamento estratégico na edu-


cação. 3. Ed. Brasília: Liber Livro, 2010.

158
GESTÃO PÚBLICA E PLANEJAMENTO
EDUCACIONAL NO BRASIL: CONTRIBUI-
ÇÕES DO PDI

Márcia Guimarães de Freitas17

1 Introdução

Algumas considerações se fazem necessárias antes


de iniciarmos especificamente as discussões deste capítulo.
Gentili (1996) destaca a importância teórica e política de se
compreender o neoliberalismo como um processo de cons-
trução hegemônica, ou seja, como uma estratégia de poder
que se efetiva, por um lado, através de um conjunto de re-
formas concretas no plano político, econômico, jurídico,
educacional e por outro, através de uma série de estratégias
culturais para orientar novos diagnósticos acerca da crise e
criar novos significados sociais que legitimem as reformas
neoliberais como sendo as únicas que podem ser aplicadas
no contexto de nossas sociedades. O autor, para falar das
formas dominantes de reestruturação educacional propos-
tas pelas administrações neoliberais, utiliza-se da metáfora
da mcdonaldização da escola, que se refere à transferência

17 Técnica em assuntos educacionais da Universidade Federal de Uberlândia. Contato:


[email protected]

159
dos princípios que regulam alógica de funcionamento dos
fastfoods a espaços institucionais. Utilizaremos essa metáfo-
ra para nos referimos às universidades; estas tendem a ser
pensadas e reestruturadas mediante padrões produtivistas e
empresariais.

Gentili (1996) destaca que um dos pontos básicos


de semelhança entre os fastfoods e as escolas é que ambos
precisam dar conta de duas necessidades fundamentais nas
sociedades modernas, que são o comer e o escolarizar-se. O
autor afirma também que aparentemente não há nenhuma
originalidade nas funções cumpridas por essas instituições,
sendo que o que realmente importa, não é somente o que se
produz, seja o hambúrguer ou o conhecimento oficial; mas a
forma histórica que adquire a produção desses processos, ou
seja, o que “[...] unifica os McDonalds e a utopia educacio-
nal dos homens de negócios é que, em ambos, a mercadoria
deve ser produzida de forma rápida e de acordo com certas
e rigorosas normas de controle da eficiência e da produtivi-
dade” (Ibidem, p. 142). Outro ponto coincidente entre os
fastfoods e a educação refere-se ao fato de que o McDonald’s
adquiriu liderança mundial, pela grande capacidade admi-
nistrativa em conquistar um importante nicho no mercado
de comida rápida, ou seja, pela sua capacidade em reconhe-
cer que os mercados expressam tendências e necessidades
heterogêneas; e pelo dinamismo e flexibilidade em perceber
tal diversidade e ocupar esses determinados nichos que se
abrem à competição empresarial. Já, para o autor, pensar
a educação nessa perspectiva, é entender que, se o sistema
160
educacional deve configurar-se como mercado educacional,
“[...] as escolas devem definir estratégias competitivas para
atuar em tais mercados, conquistando nichos que respon-
dam de forma específica à diversidade existente nas deman-
das de consumo por educação” (Ibidem, p. 143).

Assim, buscamos uma forma possível de articular os


estudos referentes à gestão e planejamento estratégico nas
IES como uma estratégia neoliberal. Encontraremos articula-
ções possíveis, na medida em que, pelas ferramentas meto-
dológicas da governamentalidade, conseguirmos vislumbrar
que entram em ação diversas estratégias dos dispositivos
da governamentalidade que produzem efeitos no cotidiano
institucional. Como exemplo, podemos citar o SINAES e o
PDI que, constituindo-se em estratégias, colocam em ação
normas, práticas de ensino e aprendizagem, mecanismos de
visibilização de resultados, estratégias de controle e vigilância
na busca por melhores índices. O SINAES e o PDI, inseridos
na gestão das IES, são fortemente atravessados pelos discur-
sos empresarial e educacional, que sustentam o campo de
saber da gestão educacional e das políticas públicas que os
orientam. Essas estratégias dos dispositivos de governamen-
to são fortemente articulados para alcançar objetivos compro-
metidos com a sociedade neoliberal, na qual as IES são consti-
tuídas e a qual elas constituem, numa relação de imanência. Os
referidos dispositivos de governamento agem de forma sutil
e produtiva, através de práticas sustentadas por discursos
que, hoje, possuem um estatuto de verdade, tornando-se
inquestionáveis, na maioria das vezes. Diante do exposto,

161
pretendemos neste trabalhorefletir sobre o planejamento ins-
titucional, sobre o seu instrumento, ou referencial norteador
– o PDI e também sobre o SINAES, no qual o PDI se insere.
Consideramos relevante, verificar as mudanças que ocorre-
ram no ensino superior na conjuntura atual que propiciaram
o surgimento do SINAES e do PDI como estratégias de re-
gulação e normatização do ensino e que produzem efeitos
significativos no cotidiano institucional.

2 Governamentalidades liberal e neoliberal

Salientamos a relevância de conhecermos os modos


pelos quais somos governados e nos governamos,
bem como os limites em que se dão as ações do go-
verno, pois tal conhecimento se torna condição essen-
cial para qualquer ação política que objetive suspeitar
dos governamentos, isto é, daquilo que estão fazendo
de nós e aquilo que nós mesmos fazemos de nós em
um mundo que se torna cada vez mais perturbador e
competitivo.

O liberalismo como forma de vida começou a ser for-


mulado, pensado e desenhado em meados do século XVIII
e desloca-se para o seu sucessor, o neoliberalismo, a par-
tir de meados do século XX. No entanto, como alerta Veiga
Neto (2008, p. 38), sucedâneo não significa propriamente
um processo de substituição de uma forma mais antiga para
uma nova, mas, em muitos aspectos, o recobrimento de uma
forma pela outra, ou seja, um recobrimento conservativo
que não atinge igualmente os diferentes estratos sociais em
162
termos econômicos, políticos e culturais.

Sobre o liberalismo, Foucault (2008, p. 40) afirma


que “[...] essa arte de governar deve ser considerada [...]
uma espécie de burilamento interno da razão de Estado, é
um princípio para a sua manutenção, para o seu desenvolvi-
mento mais completo, para o seu aperfeiçoamento”.

O liberalismo, enquanto uma prática de governo, co-


meça a questionar a forma de organizar e estruturar a so-
ciedade do século XVIII, abandonando a ideia de uma so-
ciedade totalmente administrada, e caracteriza-se por uma
crítica permanente à razão de Estado, que se pautava na
crença de que era preciso governar, mas tendo como objeti-
vo assegurar a força e o crescimento do Estado. O liberalis-
mo abandona essa forma de pensar e entende que governar
demais não é econômico, produtivo e nem mesmo eficaz,
sendo preciso limitar, do interior do próprio Estado, o poder
de governar, entendendo que o liberalismo é uma arte de go-
vernar o menos possível. Veiga-Neto (2000, p. 186), a esse
respeito, afirma que o liberalismo “[...] é um refinamento da
arte de governar, em que o governo, para ser mais econômico,
torna-se mais delicado e sutil, de modo que, para governar mais,
é preciso governar menos”.

O liberalismo coloca o Governo em confronto com


o mercado, a sociedade civil e os cidadãos que têm seus
próprios mecanismos de autorregulação. Baseado em Fou-
cault, Rech (2010) esclarece que a nação, agora vista como
entidade formada por cidadãos livres e civilizados, exige do
163
Governo outro modelo para governar, utilizando alguns me-
canismos disciplinares para produzir modos de subjetivação
e ao mesmo tempo dando ênfase às biopolíticas.

A nova forma de governamentalidade ou liberalismo,


chamado por Foucault (2008) de governamentalidade dos
economistas, pode ser entendida como um naturalismo go-
vernamental, em que a economia funciona de forma natural
e autônoma, sem interferência do Estado. Assim, para o au-
tor, o liberalismo é um consumidor de liberdade, pelo menos
certo tipo de liberdade relativa às coisas do mercado. Na arte
liberal de governar, essa liberdade de comportamento está
implicada, tem-se necessidade dela. Como consome, precisa
ser produzida e organizada. Foucault (2008, p. 88) afirma
que “[...] a liberdade é algo que se fabrica a cada instante. O
liberalismo não é o que aceita a liberdade, é o que se propõe
fabricá-la a cada instante, suscitá-la e produzi-la com toda
injunção de problemas de custo que essa fabricação levan-
ta”. Como instrumento dessa nova arte liberal de governar,
a administração dos riscos é posta em prática, através do cál-
culo do custo da fabricação da liberdade, o que se chama de
seguridade18. O objetivo da seguridade é “[...] proteger o in-
teresse coletivo contra os interesses individuais [...] proteger
os interesses individuais contra tudo o que puder se revelar,
em relação a eles, como um abuso vindo do interesse cole-
tivo” (Ibidem, p. 89). Assim, para Foucault (2008), uma das

18 A Seguridade “[...] como a garantia dada a cada um de que em todas as circuns-


tâncias ela será capaz de assegurar, em condições decentes, sua subsistência e a das
pessoas a seu encargo” (FOUCAULT, 2008, p. 292).

164
principais implicações do liberalismo, no século XIX, aparece
na educação e na cultura do perigo, podendo-se citar: apare-
cimento da literatura policial, campanhas relativas à doença
e à higiene, sexualidade e medo da degeneração, degenera-
ção do indivíduo, da família, da raça, da espécie humana.

Rose (1996) destaca quatro características relevantes


do liberalismo. A primeira refere-se a uma nova relação entre
o governo e o conhecimento, em que as estratégias liberais
relacionam-se ao conhecimento positivo sobre a conduta hu-
mana. Nesta lógica, a ação do governo se produz a partir
de técnicas, teorias, pessoas qualificadas e de experts que
poderão falar em nome da sociedade. A segunda caracte-
rística aponta para uma nova visão dos sujeitos de gover-
no, enquanto sujeitos ativos que participam do seu próprio
governo, ou seja, sujeitos capazes de se autogovernarem.
Nesse caso, as estratégias liberais tornam-se dependentes
de mecanismos como a escola, a família, os reformatórios,
que prometem constituir sujeitos que não precisam ser go-
vernados por outros, porque se autogovernarão. A terceira
característica refere-se à relação intrínseca com a autoridade
dos experts. Sobre esse ponto, Rech (2010) esclarece que a
autoridade e as forças políticas procuram efetivar suas estra-
tégias não só mediante a utilização de agentes legitimados
do estado, mas utilizando instrumentalização de outras for-
mas de autoridade que não aquelas do Estado, que objetiva
governar a distância, ou seja, a autoridade é outorgada aos
experts. A quarta característica relaciona-se a um contínuo
questionamento sobre a ação de governar, sobre a atividade

165
do governo em que o liberalismo se confrontará com várias
perguntas, dentre elas o “para que governar?”. Assim, nesse
modelo de governar, é inaugurada uma insatisfação perma-
nente com a ação de governar.

Foucault (2008, p. 184) coloca que o problema do


liberalismo do século XVIII e início do século XIX era “[...]
demarcar entre as ações que deveriam ser executadas e as
ações que não deveriam ser executadas, entre as áreas em
que se podia intervir e as áreas [em] que não se podia in-
tervir”. Conforme o autor, essa posição é ingênua para os
neoliberais, cujo problema não é saber se há coisas em que
se tem o direito de mexer ou não, mas o problema consiste
em saber como mexer, é o problema do estilo governamen-
tal. Verifica-se que o neoliberalismo provoca uma mudança
de ênfase nas práticas governamentais exercidas até então:
de uma lógica liberal que se preocupa em manter a natura-
lidade do mercado para uma lógica neoliberal que pergunta
como intervir e parte do pressuposto de que é necessário
intervir para fortalecer o mercado e para garantir que ele se
torne cada vez mais competitivo.

Na perspectiva Foucaultiana, o neoliberalismo pode


ser pensado através das tendências alemã e norte-americana.
Nessas duas tendências, o problema do neoliberalismo con-
siste em “[...] saber como se pode regular o exercício global
do poder político com base nos princípios de uma economia
de mercado” (FOUCAULT, 2008, p. 181). Ainda de acordo
com o autor, o neoliberalismo não vai se situar numa eco-

166
nomia de mercado sem “lasser-faire” (deixar fazer), ou seja,
uma política ativa sem dirigismo, e sim atuar sob o signo de
uma vigilância, de uma atividade, de uma intervenção per-
manente. Portanto, o desafio do neoliberalismo é que “[...]
não se trata de liberar um espaço vazio, mas de relacionar, de
referir, de projetar numa arte geral de governar os princípios
formais de uma economia de mercado” (Ibidem, p. 181).

Dessas duas tendências apresentadas por Foucault, o


neoliberalismo norte-americano, de acordo com Veiga-Ne-
to (2000), foi a que mais fortemente se estabeleceu, tendo
grande influência sobre as políticas econômicas dos países
do Ocidente e, consequentemente, em todo o mundo. A esse
respeito, Lopes (2009) afirma que se pode estabelecer uma
relação entre o neoliberalismo norte-americano com o que
vivemos no Brasil, mais especificamente com a noção de ex-
pansão do Estado brasileiro. Essa expansão, conforme atesta
a referida autora (Ibidem, p. 155), significa que o [...] Estado
está cada vez mais onipresente, articulando as relações de
mercado, sendo investidor em políticas que frisam a impor-
tância do empresariamento de si, incentivador de políticas
sociais de assistência, educacionais e inclusivas e mais vol-
tado para o Homo oeconomicus. Ou seja, o “[...] Homo oe-
conomicus que se quer reconstituir não é o homem da troca,
não é o homem consumidor, mas o homem da empresa e da
produção”, tendo por função manter-se ativo na ordem eco-
nômica e estar ligado ao desejo e ao consumo através desse
empresariamento de si mesmo (FOUCAULT, 2008, p. 201).

167
Foucault (2008) afirma que o neoliberalismo não pro-
cura obter uma sociedade submetida ao efeito mercadoria
e, sim, uma sociedade que se submeta à concorrência, uma
sociedade empresarial. Assim, institui certas normas que ob-
jetivam posicionar os sujeitos dentro de uma rede de saberes.
O seu foco é manter o interesse em cada um desses sujeitos
para que se fixem em redes sociais e de mercado. Para o
neoliberalismo, “[...] não é suficiente controlar as condutas,
mas é fundamental que elas sejam orientadas de modo que
cada sujeito crie novas necessidades de consumo – pessoais
e coletivas – seja capaz de gerir, com competência suas esco-
lhas e ofertas” (RECH, 2010, p. 90).

Veiga-Neto (2000, p. 197), afirma que o “[...] Esta-


do passa a ser pensado como responsável pela construção
social de novas necessidades e maiores competências”. A
esse respeito, Lopes (2009) afirma que todos estamos de
alguma maneira sendo conduzidos por determinadas práti-
cas e regras que nos levam a entrar e a permanecer no jogo
econômico do neoliberalismo. O que o neoliberalismo como
Estado de mercado deseja é produzir cada vez mais sujeitos
que saibam jogar o jogo do livre mercado devendo ser em-
presários de suas ações. “O neoliberalismo não renuncia à
vontade de governar, mas mantém a visão de que o fracasso
do governo pode ser superado pela invenção de novas es-
tratégias de governo que serão postas em prática” (ROSE,
1996, p. 33).

O neoliberalismo modifica a forma de governar com

168
a utilização de novas estratégias, regras que resultam em três
mudanças importantes que caracterizam essa nova lógica
neoliberal. Conforme Rose (1996), a primeira dessas mu-
danças refere-se a uma nova relação entre os experts e a po-
lítica, pois o neoliberalismo cria novas técnicas para exercer
um controle crítico sobre a autoridade no lugar de conceder
aos experts uma autoridade que não podia ser questionada.
Assim, nos programas neoliberais, exemplos como auditoria,
técnicas de contabilidade e orçamentárias ganham destaque.
A segunda mudança refere-se a “[...] uma nova pluralização
das tecnologias sociais, que produz uma desgovernamentali-
zação do Estado e uma desestatização do governo” (Ibidem,
p. 35). O autor esclarece que diversas entidades, empresas,
organizações passam a exercer funções que eram de res-
ponsabilidade dos órgãos estatais, ou seja, “[...] houve uma
proliferação de organizações não governamentais quase
autônomas que assumiram [...] funções regulamentadoras,
de planejamento e de funções educativas” (Ibidem, p. 36).
Como exemplos de tais práticas, podemos citar a educação.
É sabido que, no caso de escolas e mesmo ONGs, embora
o Estado conceda certa autonomia de poder a essas organi-
zações para construírem e executarem propostas pedagógi-
cas que melhor se ajustem às demandas e necessidades de
suas comunidades, ele, o Estado, mantém o controle de suas
condutas, governando de outra forma, através do que Rose
(1996) chamou de “instrumentalização de uma autonomia
regulada”. É possível verificar, nas práticas pedagógicas de-
senvolvidas nas escolas atuais, uma série de procedimentos

169
que não as regulam diretamente e, sim, regulam-nas à dis-
tância através do controle dos resultados e da quantificação
da aprendizagem dos alunos. “São as conhecidas avaliações
em larga escala que não modificam diretamente a propos-
ta pedagógica da escola, mas mediante a mensuração dos
resultados produzidos, a própria escola reconfigura sua pro-
posta de trabalho” (LOCKMANN, 2010, p. 59).

Percebe-se tal fato no Brasil que, desde 1995, implan-


tou um sistema de avaliação que permite acompanhar o de-
sempenho dos alunos. Os indicadores da qualidade da edu-
cação como Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB), criado a partir dos dados do CENSO, do SAEB (Sis-
tema de Avaliação da Educação Básica) e da Prova Brasil,
têm como proposta acompanhar a evolução e o padrão de
qualidade estabelecida como meta pelo Ministério da Edu-
cação. No Ensino Superior, temos o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (SINAES), que se propõe a
avaliar as instituições, os cursos, utilizando, para isso, o ins-
trumento de planejamento estratégico, convencionalmente
chamado de Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
e o desempenho dos estudantes através do Exame Nacio-
nal de Desempenho de Estudantes (ENADE). Tais práticas
se mostram presentes nos governos de Fernando Henrique
Cardoso (FHC) e Luiz Inácio Lula da Silva que, embora tra-
balhassem com princípios e práticas similares, partiram de
matrizes contraditórias, pois, como já dito anteriormente, o
neoliberalismo não abdica da vontade de governar, supera o
fracasso do governo em realizar seus objetivos com a inven-
170
ção de novas estratégias que são colocadas em prática. Foi
no governo de FHC que se consolidou a política neoliberal,
sendo que, no campo do Ensino Superior, em conformidade
com os ditames dos Organismos internacionais, veiculou-se
uma visão de educação diretamente relacionada à econo-
mia de mercado. As instituições de ensino superior também
tiveram que se modificar e reestruturar seus currículos para
atuarem nesse modo empresarial em que prevalece a ênfase
na competência individual e na concorrência.

Diante do exposto, pretendemos refletir sobre o pla-


nejamento institucional, sobre o seu instrumento, ou referen-
cial norteador – o PDI e também sobre o SINAES, no qual o
PDI se insere. Consideramos relevante, verificar as mudan-
ças que ocorreram no ensino superior na conjuntura atual
que propiciaram o surgimento do SINAES e do PDI como
estratégias de regulação e normatização do ensino e que pro-
duzem efeitos significativos no cotidiano institucional.

3 Planejamento educacional no Brasil

A educação brasileira, no final do século XX, passou


por profundas transformações, orientadas por uma agenda
internacional apoiada em um conjunto de reformas que de-
veria orientar a execução das políticas educativas para os en-
tes federados e setores privados da sociedade. Ainda nesse
período, o planejamento torna-se uma “[...] das estratégias
utilizadas para imprimir racionalidade ao papel do Estado e
institucionalizar as regras do jogo na administração das polí-
ticas governamentais” (FERREIRA; FONSECA, 2011, p. 70).
171
Outra estratégia das reformas foi a descentralização
para o setor público não estatal da execução de serviços que,
apesar de envolverem o exercício de poder do Estado, devem
ser subsidiados por ele, como é o caso da educação, saúde,
cultura e pesquisa científica. Nesse caso, a proposta era o
Estado estabelecer parcerias com a sociedade para execução
dos serviços e manter-se como regulador e provedor. Assim,
de acordo com Ferreira (2012), passou-se a estabelecer uma
estreita conexão entre o planejamento e a democracia, ou
seja, somente seriam democráticos os entes ou espaços ca-
pacitados para assumir encargos antes desenvolvidos cen-
tralmente, ou seja, descentralizados.

Neste contexto, o planejamento avança como uma


atividade técnica de organizar as ações para atender as ne-
cessidades da população e prover os países de uma estru-
turação econômica e social. Ainda, conforme a autora, o
planejamento realizou-se por força constitucional, foi confi-
gurado sob um enfoque normativo e economicista em que
foi ignorada a nova realidade política, social, econômica e
cultural. Em meados do século XX, o planejamento surgiu na
América Latina como forma de superar as crises geradas no
período pós Segunda Guerra. Consolidou-se com a criação
de entidades internacionais de caráter econômico e financei-
ro como o FMI e o Banco Mundial, que objetivavam elaborar
planos capazes de reorganizar a economia dos países euro-
peus afetados pela guerra. Na década de 1950, as ações do
Banco Mundial e do FMI se estendem aos países de Terceiro
Mundo, na forma de cooperação para o desenvolvimento
172
através de empréstimos para financiamento de projetos de
infraestrutura econômica, sendo que o setor social passa a
ser beneficiário por esses empréstimos. Nos países da Amé-
rica Latina, inclusive o Brasil, esse processo de cooperação
econômica contribuiu para a consolidação do planejamen-
to estatal, cabendo esse papel à Comissão Econômica para
a América Latina (CEPAL), que objetivava a aceleração do
desenvolvimento econômico da região. Conforme Ferreira
e Fonseca (2011), a orientação do planejamento educacio-
nal ficou a cargo da Organização das Nações Unidas para a
educação, a ciência e a Cultura (UNESCO), órgão ligado à
ONU. A UNESCO, nessa área educacional, promoveu vários
eventos de âmbito mundial, podendo-se destacar a Confe-
rência Internacional para o Planejamento da Educação (Pa-
ris, 1968), e o Congresso Internacional de Planejamento e
Gestão do Desenvolvimento Educacional (México, 1990).

Ainda de acordo com Ferreira (2011), fica evidente


que os países, ao acatarem a orientação externa para a re-
alização de planos e projetos, internalizam também os valo-
res, os objetivos e os métodos dos modelos internacionais de
planejamento, contribuindo para tal situação as condições
impostas nas cláusulas dos empréstimos concedidos pelo
Banco Mundial e a UNESCO; esta, embora não atue como
órgão de financiamento, exerce grande influência nas políti-
cas educacionais, ao reunir países em torno de eventos de
larga escala.

Conforme esclarecem Ferreira e Fonseca (2011), des-

173
de 1930, pela atuação dos educadores conhecidos como
pioneiros da educação, já se amadurecia a ideia de planejar
a educação brasileira, sendo que a Constituição de 1934 de-
legou a competência de elaborar o futuro plano educacional
ao recém-criado Conselho Nacional de Educação.

O planejamento, conforme Zainco (2000), surgiu


como instrumento do desenvolvimento econômico, sendo
que o Brasil acompanhou a tendência mundial. A partir da
década de 40 do século XX, durante o governo Vargas, hou-
ve várias tentativas de coordenar, planejar e controlar a eco-
nomia brasileira, porém, nenhuma se enquadrava na noção
de planejamento propriamente dita, tendo formulado “[...]
instrumentos técnicos que se limitavam a organizar o pro-
cesso orçamentário e a fixar as metas para a consecução das
prioridades para gerar um Brasil Grande e incluir o Brasil
na arena de competição internacional” (FONSECA, 2011,
p. 2). A proposta educacional, mais do que um plano, dava
suporte às pretensões econômicas do governo. Novas pro-
postas foram apresentadas em um novo plano com fortes
influências dos católicos e militares. No entanto, esse plano
não foi aprovado, principalmente pela resistência dos educa-
dores. Assim, no plano, prevaleceram os objetivos pragmá-
ticos do Estado Novo e a orientação doutrinária que organi-
zou o ensino básico conforme à divisão econômico-social do
trabalho e das classes sociais. “Uma educação diferenciada
para a elite, para a mulher e para aqueles que comporiam o
grande exército de trabalhadores tendo em vista dar suporte
ao projeto industrial do governo” (FERREIRA; FONSECA,
174
2011, p. 73).

Somente no período de 1956-1961, na gestão do


presidente Kubitschek, é lançado o Programa de Metas que,
por sua complexidade de formulações e profundidade de
seu impacto, pode ser considerado a primeira experiência de
planejamento governamental posta em prática, sendo “[...]
também este o plano que, pela primeira vez no País, intro-
duz formalmente a educação como um dos setores prioritá-
rios para o desenvolvimento econômico” (ZAINCO, 2000, p.
132).

Nesse período, a visão econômica alimentou a agen-


da educacional pelo surgimento da doutrina do Capital Hu-
mano, em que o crescimento dos recursos humanos pelo
sistema educacional é requisito essencial para o crescimen-
to econômico dos países. Em relação ao planejamento, se
estabeleceu o modelo conhecido como “[...] enfoque mão
de obra (manpower approach), que consistia em determinar
as metas de um plano de educação com base na demanda
do mercado de trabalho, especialmente quanto ao perfil e
ao quantitativo de trabalhadores” (FONSECA, 2011, p. 3).
Esse enfoque relaciona-se com a teoria do capital humano,
em que o sistema educacional deve promover o desenvol-
vimento de recursos humanos como requisito para o cres-
cimento econômico; portanto, a educação deveria produzir
competências técnicas para o emprego, agregando valor ao
mercado.

No governo de João Goulart, no que diz respeito à


175
educação e ao ensino, duas tendências estiveram presentes.
Uma delas, contida no Plano Nacional de Educação, que
estabelecia as diretrizes e bases da educação nacional, e a
“[...] outra que refletia a posição ideológica do governo, am-
bas consubstanciadas no Programa de Emergência do MEC
para 1962 e no Plano Trienal 1963-1965” (ZAINCO, 2000,
p. 133). De acordo com Fonseca (2009), esse período foi
positivo para a mobilização dos educadores, que voltaram
a debater suas ideias em fóruns nacionais e imprimiram ao
plano um sentido mais humanista, com a afirmação de que
a educação deve ser tratada como pré-investimento para
o aperfeiçoamento do fator humano e não um bem mera-
mente acessório à economia. Especificamente em relação ao
ensino superior, o Plano Trienal se reportava, dentre outras
questões, à ampliação das matrículas e à diversificação de
cursos. O plano não foi executado, devido à destituição do
presidente e à instauração do regime militar.

Ainda nessa década de 1960, a exigência de planeja-


mento como instrumento do desenvolvimento do ensino ga-
nha força, “[...] inclusive no âmbito do ensino superior, com
o advento da Reforma Universitária de 1968 e da aceitação
geral de que a universidade brasileira, bem como as insti-
tuições de ensino, especialmente as públicas, devem, neste
final de século, incorporar aos seus desempenhos critérios
como produtividade, eficiência e eficácia” (ZAINCO, 2000,
p. 132). De acordo com Lafer (1970, p. 7), o planejamento
nada mais é que um modelo teórico para a ação que se “[...]
propõe a organizar o sistema econômico a partir de certas
176
hipóteses sobre a realidade”.

Conforme Zainco (2000), durante o governo militar,


os programas de desenvolvimento referentes à educação
mantiveram-se na linha tecnocrática em que se privilegia-
vam a racionalidade, a produtividade e a eficiência, catego-
rias que orientavam as concepções e a qualidade do ensino.

Após esse período militar, em tempo de abertura po-


lítica, o III Plano Setorial de Educação (PSEC – 1980-1985)
introduz a ideia do planejamento participativo, apontando a
gestão participativa e democrática como superação do mo-
delo tecnocrático, congregando educadores e representantes
dos segmentos organizados da sociedade civil para pensar o
desenvolvimento educacional como um todo. Essa proposta
de planejamento participativo se encerra com menos de um
ano de execução.

Na década de 1990, o país vive uma crise política,


pela destituição do presidente Fernando Collor de Mello e
sua substituição por um governo transitório. Na área educa-
cional, a prioridade é para o ensino de 1º grau, enfatizado
pela Constituição, em que se refere a universalizar a educa-
ção básica, destinando-lhe maiores recursos de que dispõe o
MEC. Já para o ensino superior, é elaborado o ‘projetinho’
com uma proposta de modernização e de aumento da pro-
dutividade da universidade brasileira, pela autonomia, pela
avaliação, pelo exame de habilitação profissional e pelo ser-
viço civil obrigatório.

177
Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso a pre-
sidente, o governo, em 1995, fez o detalhamento das pro-
postas de Governo contidas no documento “Mãos-à-obra,
Brasil”. Fonseca (2009) esclarece que o plano estimulava a
concessão de serviços públicos à iniciativa privada e a trans-
ferência de atividades de responsabilidade do Estado para a
iniciativa privada. O planejamento estratégico, em sua mo-
dalidade gerencial, foi o instrumento escolhido para organi-
zar as ações de forma racional e descentralizada.

A educação foi impelida a executar reformas, sendo


que a intenção declarada era “[...] não considerar a escola
fundamental como um direito obtido por meio de um serviço
público prestado de forma burocrática, mas como dever da
família, da sociedade e da comunidade (MEC, 1995, p. 16).
A gestão escolar passou a ser orientada pelo modo gerencial
– estratégia que levou as escolas a seguirem modelos técnicos
de planejamento, tendo como modelo de eficiência o merca-
do. Em se tratando do ensino superior, os pilares básicos da
política de FHC foram a avaliação, a autonomia universitária
plena e a melhoria do ensino. Nesse período, foram imple-
mentados vários mecanismos de avaliação da qualidade do
ensino superior. No entanto, desses instrumentos, somente o
Exame Nacional de Cursos (conhecido como Provão), im-
plantado em 1996, foi utilizado para base de estruturação
de políticas educativas. Com ampla divulgação na mídia
televisiva e impressa, os resultados do Provão funcionavam
como instrumento de classificação das IES e de estímulo à
concorrência entre elas. O ENC tinha como foco o curso,
178
em sua dimensão de ensino, com “[...] função classificatória,
com vistas a construir bases para uma possível fiscalização,
regulação e controle, por parte do Estado, baseada na lógica
de que a qualidade de um curso é igual à qualidade de seus
alunos” (BRASIL, 2003, p. 14). “Percebe-se, portanto, que
na década de 1990, o planejamento educacional oscilou en-
tre a construção de uma proposta nacional e as demandas
oriundas do campo internacional” (FERREIRA; FONSECA,
2011, p. 76).

O governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva


(2003-2010) deu prioridade ao crescimento econômico, à in-
clusão social e à diminuição da pobreza. Na primeira fase do
governo, o planejamento estatal busca a estabilidade mone-
tária e o equilíbrio fiscal. No segundo mandato, o presidente
Lula empreende ações para a aceleração do crescimento; no
campo social, prioriza, dentre outras questões, a inclusão so-
cial através de medidas de transferência de renda, aumento
de vagas na educação pública (básica e superior) e oferta de
crédito.

Com relação ao ensino superior, sancionou, em 14


de abril de 2004, a Lei n. 10.861, que institui o Sistema Na-
cional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), com
o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das
IES, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico
de seus estudantes, e traduz orientações direcionadas à pers-
pectiva política e social ao processo avaliativo. No entanto,
as propostas de reforma do ensino superior no “[...] primeiro

179
mandato do governo Lula (2002-2006), se processaram me-
diante a criação de leis e decretos que apontavam mais para
a continuidade do que para a descontinuidade das políticas
anteriores” (PEREIRA, 2008, p. 87). Com o SINAES, veri-
ficou-se a necessidade de introduzir, como parte integrante
do processo avaliativo das Instituições de Educação Superior
(IES), o seu planejamento estratégico, sintetizado no que se
convencionou chamar de Plano de Desenvolvimento Institu-
cional (PDI).

Iniciaremos nossas reflexões sobre o PDI, dado que é


necessário compreender as várias dimensões que o planeja-
mento em educação pode atingir, uma vez que sua atuação
se define não apenas pelas relações e pelas dinâmicas inter-
nas à escola, mas também é engendrada pelo contexto mais
amplo em que se insere; e também, inferindo que esse plane-
jamento acompanha as mudanças estruturais do sistema ca-
pitalista, com o intuito de adequar a função e a organização
educacional às tendências do mercado.

4 Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)

Nas Instituições de Ensino Superior, o PDI, em rela-


ção à avaliação externa, é considerado um instrumento de
gestão, regulação e avaliação educativa. Elaborado para um
período determinado, considera a identidade da IES, no que
diz respeito à sua missão, à sua filosofia de trabalho, às di-
retrizes pedagógicas que orientam suas ações, às atividades
acadêmicas e científicas que desenvolve ou pretende desen-
volver, bem como à sua estrutura organizacional. O PDI é
180
um instrumento de gestão flexível, orienta-se por metas e
objetivos e sua elaboração deve ser de caráter coletivo. As-
sim, torna-se pertinente verificar a importância desse instru-
mento para as IES, como documento que deve explicitar seu
posicionamento a respeito da sociedade, da educação e do
ser humano, e assegurar o cumprimento de suas políticas e
ações.

No ano de 2004, com a edição da Lei n. 10.861


de 14 de abril de 2004, que estabelece o Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior (SINAES), o Ministério
da Educação (MEC) iniciou um processo de revisão desu-
as atribuições e competências constatando a necessidade de
introduzir, como parte integrante do processo avaliativo das
Instituições de Educação Superior (IES), o seu planejamento
estratégico, sintetizado no que se convencionou chamar de
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI).

O planejamento estratégico busca definir e antever


o futuro das organizações e pode ser entendido, de acor-
do com Arguin (1986, p. 23), como um processo de gestão
que apresenta, de maneira integrada, o aspecto futuro das
decisões institucionais a partir da formulação da filosofia na
instituição, sua missão, sua orientação, seus objetivos, suas
metas, seus programas e as estratégias a serem utilizadas
para assegurar a sua implantação.

Já Meyer Junior (1988, p. 55) define planejamento


estratégico como “[...] processo continuado e adaptativo
através do qual uma organização define e (redefine) sua mis-
181
são, objetivos e metas, selecionando as estratégias e meios
para atingi-los, num determinado período de tempo, através
da constante interação com o ambiente externo”. Objetiva
definir para cada instituição seu negócio, sua missão, seus re-
cursos, seu marco diferencial e suas condições de funciona-
mento. Shirley (1983, p. 93) define o planejamento estraté-
gico como “[...] o processo pelo qual dados são coletados e
analisados, alternativas são geradas e avaliadas e decisões
são tomadas sobre a direção estratégica da instituição”.

Percebe-se em todas essas definições a preocupação


com a missão, os objetivos, as metas e estratégias que devem
orientar a ação da instituição. Incorporam a ideia de siste-
ma, de integração das partes, e “[...] resgatam a necessidade
de uma reflexão sistemática sobre a organização, de modo
a possibilitar a consideração de implicações futuras de deci-
sões que devem ser tomadas no presente” (ARAÚJO, 1996,
p. 77).

Portanto, o planejamento estratégico das IES, ou seja,


o PDI é um instrumento que fornece relevantes informações
sobre as instituições, revela sua identidade e expressa obje-
tivos e metas a serem alcançadas pelas IES, visando à quali-
dade do ensino.

Elaborado para um período de cinco anos, o PDI


traz, em sua composição, os objetivos e metas que as IES
se comprometem a realizar durante este período, de modo
a assegurar que o seu desenvolvimento se dará respeitando
os critérios mínimos de qualidade exigidos pelo MEC. Neste
182
sentido, o PDI representa uma carta de compromisso firma-
da entre a Instituição e o MEC (BRASIL, 2004).

O PDI deverá ser apresentado pelas IES


no Sistema de Acompanhamento de Processos
das Instituições de Ensino Superior – SAPIEnS19,
no momento em que as instituições solicitarem ao MEC “[...]
o credenciamento de Instituição de Educação Superior, ou
recredenciamento periódico de Instituição de Educação Su-
perior, ou autorização de cursos superiores de graduação,
tecnológicos, sequenciais, ou credenciamento de instituição
para a oferta de ensino a distância, ou autorização de cursos
fora de sede para as universidades” (MEC, 2004, p. 1).

Vários são os dispositivos legais que orientam a ela-


boração do PDI, podendo-se, dentre eles, citar: a Lei n.
9.394/1996 (LDB), Art. 9, itens VIII e IX, que institui que à
União caberá assegurar processo nacional de avaliação das
instituições de educação superior, bem como autorizar, reco-
nhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente,
os cursos das instituições de educação superior e os estabele-
cimentos do seu sistema de ensino. Embora tenha enunciado
essas atribuições, a LDB deixou seu detalhamento operacio-
nal para regulamentação posterior.
19 SAPIEnS - É um sistema informatizado que possibilita a inserção de documentos,
despachos e relatórios nos respectivos processos, por meio da Internet com utilização
de tecnologias de informação, de forma a permitir a interação entre as instituições de
educação superior e os órgãos do Ministério da Educação, visando a tramitação dos
processos, o acompanhamento e o controle. O órgão gestor do SIAPIEnS/MEC é a
SESu, podendo estabelecer normas, procedimentos e critérios para acesso e utiliza-
ção do Sistema (Portaria MEC n. 4.361, de 29 de dezembro de 2004). Após 24 de
fevereiro de 2010, o SAPIEnS foi desativado, passando todos novos processos para
<http://www.emec.mec.gov.br/>.

183
Alguns outros dispositivos legais de orientação
à elaboração do PDI são: o Decreto n. 2.494/199820
que, em seu capítulo II, Art. 12, estabelece que o pe-
dido de credenciamento da instituição deva ser for-
malizado junto ao órgão responsável, mediante cum-
primento de requisitos, sendo um deles o Plano de
Desenvolvimento Institucional. O Decreto n. 5.224/200421,
em seu Art. 21, § 1º, estabelece que o credenciamento e o
recredenciamento dos CEFET ficam condicionados à apro-
vação do plano de desenvolvimento institucional e à ava-
liação dos indicadores de desempenho. A Portaria MEC n.
1.466/200122 estabelece, em seu Art. 4º, que os pedidos de
autorização de cursos superiores fora de sede deverão ser
apresentados à Secretaria de Educação Superior, SESu, do
MEC, acompanhados de projeto contendo, dentre outros tó-
picos, o plano de desenvolvimento institucional, detalhando
o projeto de expansão e melhoria do ensino por um período
mínimo de cinco anos (BRASIL, 2001).

A Portaria MEC n. 2.051/200423, estabelece, na seção


II - Da avaliação das Instituições de Educação Superior, Arts.

20 Decreto n. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998 (Revogado pelo Decreto n. 5.622, de


2005) - Regulamenta o art. 80 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
21 Decreto n. 5.224/2004 - Dispõe sobre a organização dos Centros Federais de Educa-
ção Tecnológica e dá outras providências.
22 Portaria MEC n. 1.466/2001 - Essa portaria prevê de acordo com seu Art. 1º que as
universidades, mediante prévia autorização do Ministério da Educação, MEC, pode-
rão criar cursos superiores em municípios diversos da sede definida nos atos legais de
seu credenciamento, desde que situados na mesma unidade da federação.
23 Portaria n. 2.051, de 9 de julho de 2004 - Regulamenta os procedimentos de avalia-
ção do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído na
Lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004.

184
14 e 15, que a avaliação institucional será o referencial bási-
co para o processo de credenciamento e recredenciamento
das instituições e que será analisado pela Comissão Exter-
na de Avaliação (CPA), informações e documentos, sendo
um deles o PDI. A Portaria MEC n. 3.643/2004, em seu art.
1º, estabelece que deverão ser protocolizados, por meio do
Sistema de Acompanhamento de Processos das Instituições
de Ensino Superior - SAPIEnS/MEC, todos os processos de
credenciamento e recredenciamento de instituições de edu-
cação superior (IES), para oferta de cursos de pós-graduação
lato sensu, oferta de cursos superiores a distância, de auto-
rização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de
cursos superiores, desativação de cursos, descredenciamen-
to de instituições, Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI), aditamento de PDI, além de outros processos afins.

Percebe-se, assim, por meio desses dispositivos, que


o PDI é um importante documento que serve como pré-
-requisito para o processo de credenciamento, autorização
e reconhecimento de cursos superiores. Ainda, a respeito da
relevância do PDI nos processos de credenciamento e auto-
rização de cursos, o documento “SINAES: da concepção à
regulação” afirma que
A SESu se responsabiliza também, a partir da análise pré-
via do PDI [...] pelo credenciamento de instituições e au-
torização de novos cursos de graduação presenciais, pelo
credenciamento de instituições para a Educação a Distân-
cia (EaD) e autorização e reconhecimento de cursos de
graduação a distância, além dos procedimentos de autori-
zação e reconhecimento dos Cursos Superiores de Forma-

185
ção Específica, ou seja, cursos sequenciais presenciais. [...]
O PDI deve considerar a missão, os objetivos e as metas
da instituição, bem como as propostas de desenvolvimento
das suas atividades, definindo claramente os procedimen-
tos relativos à qualificação do corpo docente[...]. (BRASIL,
2009, p. 56-57).

A Secretaria de Educação Superior (SESu) realiza


uma sistemática de supervisão das IES, incluindo, além de
análise de documentos fiscais e acadêmicos, visitas de verifi-
cação às próprias instituições, sendo o principal documento
de análise o PDI, com repercussão em todo o sistema de
verificação.

Desse modo, o Decreto n. 5.77324, de 9 de maio de


2006, exige uma nova adequação dos procedimentos de
elaboração e análise do PDI. Embora esse Decreto enuncie
como pressuposto básico que a construção do PDI deverá
se fazer de forma livre, permitindo que a instituição exerci-
te sua criatividade no processo de sua elaboração, exige a
presença de determinados eixos temáticos que serão ana-
lisados por comissão designada pela SESu/MEC e SETEC/
MEC. Portanto, esse documento apresenta um roteiro com
o propósito de subsidiar as IES na construção de seu Plano
de Desenvolvimento Institucional (PDI), que deve conter as
seguintes dimensões:

I – Perfil Institucional: Histórico da IES, missão, finali-


dades, área de atuação acadêmica, responsabilidade social,
24 Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de institui-
ções de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema
federal de ensino.

186
objetivos e metas (com descrição dos objetivos, quantifica-
ção das metas com cronograma).

II – Projeto Pedagógico da Instituição: Princípios filo-


sóficos e técnico-metodológicos gerais que norteiam as prá-
ticas acadêmicas da instituição, organização didático- peda-
gógico (plano para atendimento às diretrizes pedagógicas,
estabelecendo os critérios gerais para definição de perfil do
egresso, processo de avaliação, práticas pedagógicas inova-
doras, atividades práticas e estágio, incorporação de avan-
ços tecnológicos, políticas de ensino, pesquisa, extensão e
gestão).

III – Cronograma de Implantação e Desenvolvimento


da Instituição e dos cursos (Presenciais e a Distância) – as
instituições deverão apresentar dados relativos ao número
de vagas, dimensões das turmas, turno de funcionamento e
regime de matrícula de seus cursos e informar ainda a situ-
ação atual dos cursos, incluindo o cronograma de expansão
na vigência do PDI.

IV – Perfil do Corpo Docente – composição do qua-


dro de docentes (titulação, regime de trabalho, experiência
acadêmica no magistério superior e experiência profissional
não acadêmica), plano de carreira, critérios de seleção e
contratação, procedimentos para substituição dos professo-
res (definitiva e eventual), cronograma e plano de expansão
do corpo docente, detalhando perfil do quadro existente e o
pretendido para o período de vigência do PDI.

187
V – Organização Administrativa da IES – estrutura
organizacional, instâncias de decisão e organograma institu-
cional e acadêmico, órgãos colegiados (competências e com-
posição), órgãos de apoio às atividades acadêmicas.

VI – Políticas de Atendimento aos Discentes – progra-


mas de apoio pedagógico e financeiro, estímulos à perma-
nência (atendimento psicopedagógico, programa de nivela-
mento), espaço para participação e convivência estudantil,
acompanhamento dos egressos.

VII – Infraestrutura – infraestrutura física (detalhar sa-


las de aulas, biblioteca, laboratórios, instalações administra-
tivas, coordenações, áreas de lazer):

VIII – Avaliação e Acompanhamento do Desenvolvi-


mento Institucional – procedimentos de autoavaliação em
conformidade com a Lei n. 10.861 (SINAES).

IX – Aspectos Financeiros e Orçamentários – demons-


trativo de sustentabilidade financeira, incluindo programas
de expansão previstos no PDI, planos de investimento, pre-
visão orçamentária e cronograma de execução (cinco anos
– vigência do PDI).

X – Anexos – Projeto pedagógico do(s) curso(s) para


primeiro ano de vigência do PDI.

Conforme observa Picawy (2008, p. 96), o PDI pro-


põe uma descrição detalhada das IES, “[...] nomeando parte
a parte toda a constituição administrativa, pedagógica e de

188
pessoas que determinam o perfil da IES. Do PDI emanam
as diretrizes norteadoras do agir institucional, conjuntamente
ao Regimento que o apoia nas orientações nucleares”.

Diante do exposto, considera-se que o PDI pode con-


tribuir para a melhoria da qualidade acadêmica, administra-
tiva e política de uma instituição superior. A esse respeito,
Muriel (2006, p. 61) afirma que um plano, uma programa-
ção, que envolve tanto o setor administrativo quanto o aca-
dêmico, para que a instituição de ensino possa fortalecer-
-se em sua atuação, de acordo com sua missão institucional,
seus objetivos e estratégias, objetivam o desenvolvimento da
instituição.

Sendo a elaboração do PDI de caráter coletivo, in-


tenciona-se que este documento “[...] suscite a integração
das ações entre ensino, pesquisa e extensão; articule as di-
mensões administrativa, financeira, pedagógica e política,
desenvolva o sentimento de pertença dos envolvidos” (BER-
TANHA, 2005, p. 5), propicie uma visão sistêmica da insti-
tuição, ou seja, “uma visão de conjunto”, que permita “[...]
perceber inter-relações no lugar de fatos ou conhecimentos
isolados; uma visão que facilite a compreensão das diferen-
tes conexões, das interações que expressam o conjunto de
relações estabelecidas entre o todo e as partes” (FAZENDA,
2005, p. 34).

No entanto, a implementação do planejamento estra-


tégico constituído através do PDI é um grande desafio, dado
que a universidade é uma instituição complexa em várias di-
189
mensões, dentre elas: diversidade de serviços que oferecem
amplitude de sua infraestrutura, pluralidade de objetivos; e
somam-se a esses fatores, por seu caráter público, a escassez
de recursos, a lentidão dos processos decisórios resultante
da burocracia, pressões políticas e excesso de normas dos
poderes centrais.

Assim, conforme Araújo (1996, p. 75), compreender


a natureza da instituição é fundamental para a análise de pla-
nejamento sendo que “[...] as características da organização
universitária e de seu processo decisório certamente definem
os arranjos institucionais, com consequências diretas para a
atividade do planejamento”. Características importantes das
IES são:
[...] um elevado profissionalismo domina a tarefa [...] os
profissionais demandam autonomia no trabalho e liberda-
de de supervisão, os professores escolhem o que investi-
gar e como ensinar, influenciam nas decisões coletivas; as
decisões são descentralizadas; [...] coexistem concepções
distintas de universidade, [...] trazendo dificuldades para
definição da missão, dos objetivos e das metas; o poder é
ambíguo e disperso[...] há reduzida coordenação da tare-
fa; as estruturas são debilmente articuladas [...]; a universi-
dade tem metas ambíguas e vagas. Os objetivos prestam-
-se a diferentes interpretações dificultando a concordância
em como alcança-los; A universidade trabalha com tecno-
logias diferenciadas, pelo fato de lidar com clientes com
necessidades variadas (ARAÚJO, 1996, p. 75).

As características descritas acimaindicam que a “[...]


universidade é uma estrutura administrativa, um sistema po-
lítico, um centro científico, uma academia, um foco cultural

190
e uma fonte de valores” (ARAÚJO, 1996, p. 75). Portanto,
as IES constituem uma estrutura de muitas complexidades,
por servir a várias clientelas e não apenas a uma, por con-
flitos de poder, por prestar serviços a vários mercados. Tal
fato caracteriza as organizações acadêmicas fragmentadas
em grupos com aspirações, valores, expectativas e crenças
diferentes, e essas diferenças se fazem presente nas decisões
sobre os rumos da organização, ou seja, no seu processo de
planejamento.

A operacionalização do planejamento estratégico


apresenta grandes dificuldades relacionadas ao fato de o
processo exigir acurada capacidade analítica até pelas resis-
tências internas que desencadeia. No entanto, ainda que o
planejamento estratégico apresente limitações, não seja a so-
lução para todos os problemas que se apresentem à institui-
ção, Araújo (1996) destaca algumas vantagens em utilizá-lo,
podendo-se destacar: possibilita o comportamento sinérgico
das áreas funcionais da organização e a integração com o
ambiente, estimula a descentralização do processo de pla-
nejamento, orienta e agiliza o processo decisório. Além dis-
so, o planejamento estratégico permite avaliar os recursos e
capacidades da instituição, aumentar as comunicações entre
os níveis hierárquicos, avaliar caminhos alternativos, dentre
outros.

Dessa maneira, importante salientar que o planeja-


mento estratégico, aqui chamado de PDI, por gerar uma
base de dados qualitativos e quantitativos sobre a instituição,

191
capaz de dar suporte às decisões sobre missão, objetivos,
metas e estratégias, constitui um instrumento gerencial de
enorme significação.

Araújo (1996) afirma que uma das variáveis mais im-


portantes do planejamento estratégico é a constante atenção
aos ambientes internos e externos para orientar as decisões
quanto à missão, aos objetivos e às metas. No entanto, pela
própria natureza da instituição, o planejamento estratégico
nem sempre evoluirá de maneira fácil, sendo provável que
haja resistências a mudanças e limitações com relação à
prospecção do futuro. Como uma dessas limitações, pode-se
citar a forma como o planejamento é implementado, corren-
do o risco de não se questionar a fundo o que a instituição
vem fazendo, “[...] adotando a estratégia do status quo, nem
se considerando as possibilidades de expansão, contração e/
ou abandono de algumas atividades” (Ibidem, p. 80). Alia-
do a tal fato, pode-se também citar um deficitário sistema
de informações que nem sempre são capazes de retratar os
fatos que se passam no interior da instituição, nem permitem
uma análise crítica sobre os dados. Outro fator relevante à
efetivação do planejamento estratégico é a falta de uma vi-
são compartilhada da universidade, sendo que os objetivos
e ações de cada unidade refletem visões fragmentadas de
diversos grupos, dificultando o processo de planejamento e,
muitas vezes, invalidando a discussão das metas e estratégias
da instituição.

As limitações apresentadas não pretendem indicar

192
a inviabilidade do planejamento estratégico e sim apontar
a necessidade de repensar a própria atividade do planeja-
mento em uma IES, para se criar condições objetivas e de
legitimação dessa atividade. Do contrário, o planejamento
estratégico, aqui consubstanciado no que se convencionou
chamar de PDI, será somente mais um documento burocrá-
tico exigido pelo MEC, reformulado a cada cinco anos.

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196
PARADIGMAS PREDOMINANTES NA PES-
QUISA EDUCACIONAL

Paulo Gomes Lima25

1 Introdução

Em muitas pesquisas científicas quando há referências


ao conceito de “paradigma”, a recorrência quase imediata é
à pessoa de Thomas Kuhn, que o definiu como conjunto de
atributos, técnicas, valores, modelos ou padrões partilhados
por membros de uma comunidade científica e essa por sua
vez, estruturada por homens “que partilham um paradigma”
(KUHN, 1987, p. 218-219). Filstead (1986, p.61) entende
um paradigma como um modo de considerar determinado
fenômeno, esclarecendo-o e/ou identificando-o como exis-
tente e aponta que a sua utilização:
[...] 1) serve como guia para os profissionais de uma
determinada disciplina, porque indica quais são os pro-
blemas e questões importantes que esta enfrenta; 2)
orienta o desenvolvimento de um esquema esclarece-
dor (modelos e teoria) que possam situar estas ques-
tões e problemas num referencial possível de serem re-
solvidos por um profissional; 3) estabelece os critérios
para o uso de ‘ferramentas’ apropriadas (metodologias,

25 Docente na UFSCar – Campus Sorocaba. Contato: [email protected]

197
instrumentos, tipos e formas de coleta de dados) na re-
solução dos problemas levantados; 4) proporciona uma
epistemologia na qual as tarefas precedentes possam ser
consideradas como princípios organizadores para a rea-
lização do ‘trabalho normal’ de uma disciplina.

A pesquisa educacional como diálogo deve muito


mais do que produzir conhecimento científico pelo conhe-
cimento científico acerca da educação a partir de um úni-
co paradigma como vetor da “verdade”, deve preocupar-se
também e principalmente, dentro de seu agir comunicativo,
em desbravar caminhos que possibilitem benefícios à comu-
nidade científica, à sociedade e mui especialmente à edu-
cação. Cabe à pesquisa educacional, portanto, examinar os
problemas epistemológicos que penetram no campo da edu-
cação e, desta forma, com um olhar crítico, construir cami-
nhos diretrizes que lhe dêem sustentação.

Para que essa pesquisa alcance esse “topos” temos


que nos preocupar com a preparação para a pesquisa em
educação por parte do investigador, que se faz, não sim-
plesmente pelo emprego desta ou daquela metodologia ou
técnicas específicas, mas através da formação pedagógica
do investigador (e esta ao longo de sua vida), que tem um
peso substancial no processo da investigação científica, con-
siderando que “o estudo aprofundado de problemas funda-
mentais da educação nosseus aspectos científicos, históricos
e filosóficos não pode ser substituído pelaaprendizagem de
discutíveis roteiros metodológicos” (AZANHA, 1992, p. 11 ).

Isto não significa que devemos dar menos importân-


198
cia ao domínio metodológico da pesquisa em educação, mas
sim em termos consciência de que é a formação pedagógica
do investigador que poderá possibilitar um melhor empre-
go deste, dando mais sustentabilidade à pesquisa efetuada
e aos seus processos. Consequentemente é deste pontorele-
vante que a pesquisa em educação deve ser realizada.

2 Sobre o paradigma quantitativo

É inquestionável que o movimento precursor do para-


digma quantitativo foi o positivismo do século XIX e sua vi-
são filosófica de mundo, desde então, influenciando de forma
marcante a investigação científica e concebendo-a como uma
atividade neutra, onde emoções, conjunto de valores não eram
considerados, segundo a “maneira científica” de se fazer ciên-
cia, em outras palavras, segundo o “modelo predominante” das
ciências físicas. Concebe esta visão filosófica que o mundo so-
cial, bem como suas relações e implicações têm suas diretrizes
previamente especificadas de “forma natural”, portanto, numa
ordem determinística e, exatamente dessa forma deve ser estu-
dado, dada a sua natureza apriorística. Esta “visão de mundo”
e a forma (metodologia) de tratar o objeto de estudo estiveram
presentes predominantemente na investigação científica até a
década de 60, como esclarece Gutierrez (1996, p.8).

Cumpre-nos lembrar, entretanto, que a concepção da


“existência de fatos sociais como uma realidade objetiva...,
procurando explicar as causas de mudanças” nesses, “atra-
vés de medição objetiva e análise quantitativa e para isso
empregando delineamentos experimentais ou correlacionais
199
para reduzir erros” (FIRESTONE, 1987, p.16-17), hoje, não
é, necessariamente, uma postura positivista26, mas tem a ver
com o propósito, compromisso e até com a finalidade que o
pesquisador estabelece em relação ao seu objeto de estudo.
Com o propósito, porque deverá estabelecer diretrizes basi-
lares em relação ao que se vai estudar, como e por que fazê-
-lo; com o compromisso porque deverá se apropriar de uma
“sustentação epistemológica” que patamarize sua própria
concepção filosófica de mundo e respectivas implicações; e
com a finalidade, porque deverá ter bem claro ou estimar
aonde se pretende chegar com a investigação efetuada. An-
dré (1991, p.162) ratifica nossa posição, com a observação
de que:

26 Não desconsideramos a presença da herança positivista na pesquisa científica nos dias


contemporâneos, todavia, acreditamos que quem trabalha com pesquisa quantitativa
hoje, não é necessariamente um adepto do positivismo. A este respeito Gatti (1986,
p.73) observa que “muitas das críticas à chamada pesquisaquantitativa têm sido feitas
sob um ângulo epistemológico, analisando suas estreitas vinculações com umaconcep-
ção positivista da ciência. Isto a prenderia a determinados padrões de produção do
conhecimentocientífico, tidos como limitantes em suas possibilidades interpretativas e
até esterilizantes na construção de um avanço real e significativo dos conhecimentos
científicos. Se isto é verificável para uma grande parte das pesquisas que têm se apro-
priado da quantificação, não podemos tomar essa asserção como válida para todas
as pesquisas que utilizam essa modalidade...” Severino (1993a, p.134), por sua vez,
quanto aherança ou tradição filosófica na pesquisa, aponta que “é assim que se pode
constatar que em nossa cultura filosófica atual se faz presente, ainda que numa condi-
ção de resistência, a tradição metafísica clássica, com sua perspectiva essencialista de
compreender a realidade. Manifesta-se fundamentalmente nas expressões teóricas de
neotomismo. Mas também tem forte presença entre nós, numa perspectiva de crescente
consolidação, a tradição positivista, que se expressa nas correntes e vertentes neoposi-
tivistas e transpositivistas, mantendo e até certo ponto ainda consolidando as posturas
cientificistas; por outro lado, a tradição subjetivista se faz presente através das tendên-
cias e correntes vinculadas aos neo-humanismos, a fenomenologia, a arqueologia e ao
culturalismo. Por fim, também vem adquirindo uma consistente expressão filosófica, a
tradição dialética, representada por correntes do marxismo... “ A pergunta a que nos-
predispomos é: “apesar de tais paradigmas ou tradições no fazer científico, como diz
Severino, é possível aoinvestigador trabalhar sem se enredar nos pressupostos e visão
de mundo particularista destas e ao mesmo tempo lançar mão de seus ‘instrumentais’
(domínio teórico e metodológico) sem ser influenciado ?

200
Posso fazer uma pesquisa que utiliza basicamente da-
dos quantitativos, mas na análise que faço destes dados,
estará sempre presente o meu quadro de referência, a
minha postura e, portanto, a dimensão qualitativa. As
perguntas que faço no meu instrumento estão marcadas
pelos meus valores, minha postura teórica, minha con-
cepção de mundo. Ao reconhecer esta marca dos valores
do pesquisador no objeto pesquisado eu me distancio
de uma postura positivista, muito embora eu esteja tra-
balhando com a quantificação.

Entendemos o paradigma quantitativo, embora com


raízes no positivismo, como uma pesquisa com finalidade
específica, por isso segue um padrão linear, estabelecendo
cada passo de sua trajetória numa perspectiva objetivista,
culminando na obtenção de resultados passíveis de serem
verificados e reverificados em sua confiabilidade e fidedigni-
dade, conforme vemos na Figura 1:
FIGURA 1
PADRÃO LINEAR DA INVESTIGAÇÃO QUANTITATIVA

FONTE: SPRADLEY, James P. (1980), “Observación Partici-


pante”. New York: Rinehart and Winston In GUTIÉRREZ (1996:
16) In PARADIGMA, RevistaSemestral – Volumenes XIV al XVII,
1993-1996, p. 7-25.

201
3 Sobre o paradigma qualitativo

O paradigma qualitativo, por sua vez, surgiu de um


descontentamento da concepção de mundo da visão positi-
vista, tendo inicialmente como seus precursores Dilthey, We-
ber e Rickert. Para Dilthey “as ciências físicas” consideram
os objetos de estudo como inanimados, por isso a separação
entre o sujeito e o objeto. Por outro lado, afirmava que as
ciências sociais consideravam ser impossível separar o pen-
samento e as emoções, a subjetividade e os valores. Weber,
por sua vez, argumenta que as ciências sociais só podem ser
compreendidas através do contexto do objeto de estudo e
de suas relações. Portanto, a seu ver a investigação científica
deverá ter como objetivo principal a compreensão interpre-
tativa da realidade. Rickert enfatiza o emprego dos “valores”
na investigação social do pesquisador e do objeto pesquisa-
do (cf. GUTIERREZ, 1996, p.11-12). Entretanto, é a partir
do final do século XIX e mais especialmente com Malinowski
que a pesquisa qualitativa começa a ganhar status científico.

Como paradigma qualitativo entendemos um enfo-


que investigativo, cuja preocupação primordial é compreen-
der o fenômeno, descrever o objeto de estudo, interpretar
seus valores e relações, não dissociando o pensamento da
realidade dos atores sociais e onde pesquisador e pesquisa-
do são sujeitos recorrentes, e por conseqüência, ativos no
desenvolvimento da investigação científica. Nas palavras de
Minayo (1996b, p.101), “a investigação qualitativa requer
como atitudes fundamentais a abertura, aflexibilidade, a

202
capacidade de observação e interação com o grupo de in-
vestigadores e com os atores sociais envolvidos”. Por isso,
podemos situar a pesquisa qualitativa como uma estrutura
que nos apresenta um padrão cíclico, isto é, sempre pronto a
considerar novos elementos do contexto estudado, conforme
vemos na Figura 2.

FIGURA 2
PADRÃO CÍCLICO DA INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA

FONTE: SPRADLEY, James P. (1980), “Observación Partici-


pante”. New York: Rinehart and Winston In GUTIÉRREZ (1996,
p.17)

O paradigma qualitativo ou pesquisa qualitativa como


é mais comumente conhecida, tem sido utilizado, difundido
e defendido como expressão legítima de um “novo olhar e

203
repensar investigativos”. Arouca (1999) vê a pesquisa quali-
tativa como enfoque imprescindível, sem o qual o estudo do
contexto do objeto a ser trabalhado se tornaria “[...] de pou-
co valor, uma vez que o estudo da realidaderequer uma pos-
tura de indagação (como, por quê...), sendo essa a diretriz
que orientará o problema, objetivos e justificativas. Arouca
complementa que “a pesquisa qualitativa éo veículo de va-
lorização do texto e do contexto do objeto social, enquanto
tal”.
Minayo (1996 a, 1996b), Triviños (1987), Alves
(1991), Bogdan&Biklen (1994), Arouca (1999), Denzin&
Lincoln (1994), Patton (1996), Cook &Reichardt (1986) en-
tre outros, entendem a pesquisa qualitativa como um todo
maior no qual várias tipologias são consideradas: pesquisa
etnográfica, estudo de campo, interacionismo simbólico, es-
tudo qualitativo, perspectiva interna, etnometodologia, pes-
quisa qualitativa e fenomenológica, pesquisa naturalística,
entrevista em profundidade, ecológica, descritiva. Esses au-
tores observam que a preocupação básica da pesquisa qua-
litativa é contextualizar o objeto de estudo numa realidade
social dinâmica, intertextualizando relações, interações e im-
plicações advindas daquela, objetivando uma análise mais
profunda e significativa do objeto.

3 Sobre o paradigma dialético na pesquisa

A partir dos anos 70 no Brasil começa a ganhar forma


a tendência paradigmática dialética, entendida a partir de
um duplo objetivo:
[...] trabalha as determinações abstratas e estabelece re-
lações entre elas, de forma que os “opostos” definam-se

204
mutuamente e constitui com eles uma nova totalidade
(com múltipla determinações) na qual o que antes apa-
recia como opostos, forma agora uma unidade que os
compreende e explica. Assim, avança do simples (de-
terminações) para o complexo (totalidade) ou ainda, do
abstrato para o concreto (pensado). (FREITAS, 1991,
p.267)

Compreendemos o paradigma dialético, no enfoque


da pesquisa educacional, como tendência patamarizada no
materialismo histórico e dialético, que tem como principais
representantes Karl Marx, Friedrich Engels e Antônio Gra-
msci, cuja essência filosófica básica é visível na negação da
negação, na luta dos contrários e na passagem da quantida-
de à qualidade, sob o prisma dialético (tese-antítese-síntese),
segundo vemos na Figura 3.

FIGURA 3
PADRÃO BÁSICO DA INVESTIGAÇÃO DIALÉTICA

205
É justamente a tendência dialética que propicia, na pes-
quisa científica, a proposição da unidade do então conhecido
conflito paradigmático “quantidade – qualidade”, pois “... o uso
da quantificação na investigação educacional – e de modo
geral nas ciências em geral – não exclui de modo algum a
qualificação e esta não exclui aquela” (GATTI, 1986, p.70).
De acordo com a autora, a unidade é primada pela indisso-
ciabilidade dos dois enfoques, exercendo cada um, partes
da totalidade que não podem e não devem serconsideradas
unilateralmente, dado que:
Quantidade e qualidade são na pesquisa inseparáveis.
Um conjunto de dados numérico em si não tem senti-
do algum. Seu sentido é dado pela escolha teórica de
uma forma de coleta, em função de determinados ob-
jetivos ou hipóteses; o tratamento desses dados é feito
em decorrência da natureza do problema que se está
examinando e este tratamento só adquirirá sentido atra-
vés de uma análise interpretativo-inferencial, portanto,
do tipo qualitativo, sem o que os dados continuam a ser
um amontoado de números, só isso. Ou seja, o avanço
das conclusões só se dá se nos descolamos dos números
em si e desvelamos o seu significado em determinado
contexto. A quantidade só revela alguma coisa quando a
ela atribuímos uma qualidade (Ibidem).

Os princípios (ou leis) da dialética38, como aponta


GADOTTI (1983, p.24), que em Marx e Engels se apresen-
tavam “apenas de forma embrionária”, foram depois desses,
assim caracterizados:

1º) Tudo se relaciona (princípio da totalidade) –


Esse princípio se caracteriza por uma “ação recíproca” entre

206
objetos e fenômenos, entendendo-os numa totalidade con-
creta de uma realidade diversa e essa considerando o sujeito
cognoscente como ser que age de forma objetiva e prática,
movendo a história e movendo-se com a história, bem como
com os outros homens, “tendo em vista a consecução dos
próprios interesses, dentro de umdeterminado conjunto de
relações sociais”.

2º) Tudo se transforma (princípio do movimento)


– A totalidade é entendida como processual e, portanto, em
movimento; sob o prisma “negação da negação”. Compa-
rando a totalidade como princípio do movimento em Marx e
Hegel, HOOK (1974, p. 84),

3º) Mudança qualitativa (princípio da mudança


qualitativa) – a transformação da totalidade não segue um
padrão cíclico, todavia, essa se faz através da passagem da
quantidade à qualidade, ou seja, ocorre uma conversão do
todo em novo todo, diferente qualitativamente. Exemplo dis-
so é a transformação da água (em estado líquido) em vapor
(estado gasoso).

4º)Unidade e luta dos contrários (princípio da


contradição) – Ocorrência simultânea de forças que se con-
trapõem, resultando ou prevalecendo a síntese, como supe-
ração da afirmação e da negação”.

207
Considerações finais

A pesquisa educacional, como define Charles (1988,


p. 3), é o estudo sistemático, paciente e cuidadoso dos mui-
tos aspectos da educação para descobrir os melhores cami-
nhos no trabalho com a educação, estabelecendo princípios
que possam ser seguidos, ao mesmo tempo que abrindo no-
vos caminhos, através de questionamentos de sua própria
prática e desses mesmos princípios, objetivando dinamizar
um olhar orientador, reflexivo e transformador da educação
como objeto de pesquisa numa perspectiva multidimensio-
nal.

É exatamente sobre este olhar que a pesquisa da pesquisa edu-


cacional, ou como preferimos, a pesquisa epistemológica deve
fundamentar-se, isto é, através da análise crítica deve denunciar
caminhos questionáveis, sem substancialidade científica e pro-
por a reflexão constante da praxiologia da pesquisa educacio-
nal, indicando pistas significativas, mas não acabadas, para
construção do conhecimento científico neste campo par-
ticular. O estudo epistemológico da pesquisa educacional,
consequentemente, é um veículo desafiador, considerando
o seu caráter avaliativo da qualidade da produção científica
e vigilância epistemológica pertinente, o que substancializa
o nosso trabalho e nos fornece elementos seguros para sua
construção.

208
QUADRO 1
CARACTERÍSTICAS DAS ABORDAGENS QUANTITATIVA, QUALITATIVA E DIALÉTICA

209
210
211
212
FONTE: BOGDAN & BIKLEN (1994, p.72-74), KOPNIN (1978), KOSIK ( 1976), GADOTTI (1983), ARANHA
& MARTINS (1993).
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TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ci-


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Paulo: Atlas, 1987.

215
PROJETO GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA:
PROBLEMATIZAÇÕES E AÇÕES PARA
IMPLEMENTAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA
ESTADUAL

Antonio Bosco de Lima27


Mariana Batista do Nascimento Silva28

1 JUSTIFICATIVA

Os anos de 1980 ficaram registrados na história da


educação e na política educacional como momento de rei-
vindicação e de lutas pelo direito à educação escolar, ele-
mento considerado como dimensão fundante da cidadania
em diversos documentos de caráter nacional e internacional,
no Brasil nomeamos tal período de marco reivindicatório.
Tais manifestações foram sendo reguladas, reconhecendo-se
tal período como regulamentatório, nos anos de 1990. Foram

27 Professor da Faculdade de Educação da UFU. Pesquisador CNPq e FAPEMIG. Conta-


to: [email protected]
28 Professora da Escola de Educação Básica da UFU. Contato: [email protected]

217
registradas naquele momento, a normatização e normaliza-
ção de acesso e de permanência, influindo fortes manifesta-
ções de universalização da Educação Básica, principalmente
o Ensino Fundamental e de ampliação de oferta de vagas no
Ensino Médio e na Educação Superior. O advento do Plano
Decenal de Educação de 1992, da atual LDB 9.394/1996,

e dos PNEs de 2001 e de 2014, do PDE de 2007, dentre


outros, mostram avanços no campo da quantificação da
educação, tornando-se necessário ampliar a educação no
campo da sua qualidade e da sua democratização, além de
ser também necessário fomentar debates, problematizações,
reflexões e ações para a implementação da GED (Gestão
Escolar Democrática).

Como registramos no Projeto Pradime - Formação


Continuada de Dirigentes Municipais de Educação, realizado
pela UFU/PROEX durante os anos de 2013 a 2016,
[...] a garantia do direito à educação não se resume à pro-
visão de matrículas. Devem-se assegurar, além do acesso
e meios capazes de proporcionar aos alunos condições de
permanência, aprendizagem e conclusão de que condu-
zam ao aumento do nível de escolarização, uma educação
pautada pela construção da autonomia, pela inclusão e
pelo respeito à diversidade. Para tanto, nas últimas déca-
das, em especial na última década, ocorreram mudanças
importantes no campo educacional, sobretudo em rela-
ção aos marcos legais, em exemplo citamos as Emendas
Constitucionais 53 e 59, respectivamente de 2006 e 2009,
responsáveis pela alteração de dispositivos constitucionais
com impacto direto na educação básica, o financiamen-
to da educação básica como conditio sinequa non para o

218
atingimento da equidade e qualidade na educação da cre-
che a pós-graduação, ao processo de gestão dos sistemas
de ensino e à ampliação do acesso à escola.

Enquanto campo da possibilidade, a gestão demo-


crática é efetivada se articulada a partir do modelo demo-
crático-participativo, o que significa superar a perspectiva
meramente representativa que as eleições, os colegiados e
a demais formas de manifestação e organização “participati-
va” foram ganhando nas últimas décadas.

Isto requer, por um lado, a necessidade do compro-


misso político dos gestores e, por outro, do compromisso
de cada membro da organização, o que significa, ter esta-
belecido, sistematizado e condensado cinco quesitos bási-
cos para a implementação da gestão democrática: gostar
de participar, querer participar, ter conhecimento do objeto
de participação, se reconhecer neste objeto e ter o poder de
participação nas tomadas de decisão. Estas são ideias que
se constituem em níveis e modalidades de participação ba-
seadas em Bordenave (1992) e Motta (1987), autores que
destacam a participação como instrumento de conservação
ou de transformação.

Estes quesitos estão articulados, afinal, se o sujeito


gosta, mas não quer, ou se quer, mas não pode, devido aos
seus horários serem incompatíveis aos horários de atividades
da escola; se ele gosta, quer e vai participar, mas não tem
conhecimento do que é discutido, e finalmente se ele gosta,
quer, conhece, mas não decide, não se contempla o ciclo da

219
participação. Percebemos que estes quesitos são organica-
mente articulados e indissociáveis.

Também são coesos os planos da efetividade e da


possibilidade, orientam-se na direção de concretude se os su-
jeitos têm as suas necessidades postas. As necessidades sur-
gem de questões objetivas, quanto mais realizo, mais neces-
sidades crio, quanto mais conheço mais opções tenho para
análise satisfação e das necessidades postas. Só é possível,
então de se efetivar, aquilo que consideramos como neces-
sidade, se houver as condições favoráveis à transformação
dos cenários e projetos julgados superados.

De fato, não é tarefa fácil articular a participação de


todos os sujeitos envolvidos no contexto escolar. Torna-se,
portanto, cada vez mais necessário promover ações de refle-
xão e análise de temáticas associadas à gestão escolar demo-
crática. Por meio do diálogo dos propositores deste projeto
com a Secretaria Estadual de Educação (SEE) e professores
das escolas estaduais, foi possível identificar alguns dos im-
passes na efetiva implementação da GED no contexto destas
escolas, sendo, pois, esta uma das motivações para proposi-
ção de um curso de formação articulado conjuntamente com
diretores, coordenadores, professores da rede estaduais e da
universidade.

A parceria entre a universidade e os sistema estadu-


al de educação, no presente caso,evidencia a compreensão
e o reconhecimento de que ela constitui-se como locus pri-
vilegiado de formação e produção de conhecimento, aí se
220
incluindo o apoio e à capacitação de professores e de diri-
gentes escolares para atuarem na perspectiva de uma política
republicana, de uma gestão democrática e de uma educação
inclusiva.

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Formar professores e dirigentes escolares, vinculados a


escolas estaduais noMunicípio de Uberlândia, de modo a
contribuir para o fortalecimento e qualidade do exercício de
sua gestão pedagógica e administrativa para o exercício de
seu papel estratégico na implementação da gestão democrá-
tica da educação, com vistas a garantir o direito de aprender
de todos e contribuir para o desenvolvimento de uma Edu-
cação Básica com qualidade social e politica das escolas.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

2.2.1 Propiciar acesso a conteúdos e instrumentos de


gestão do sistema/rede estadual de ensino, com vistas à me-
lhoria dos indicadores do ensino público;

2.2.2 Criar oportunidade para os professores e dirigen-


tes escolares de:

a)ampliar e adquirir desenvoltura na utilização dos


recursos e ferramentas político-pedagógicas para a
elaboração, revisão, implementação dos projetos po-
lítico-pedagógicos da suas respectivas escolas;

221
b) atuar como gestor do campo pedagógico e do cam-
po administrativo, promovendo a qualidade social na
rede escolar, levando em conta a transparência, o tra-
balho coletivo e a participação da comunidade nas
decisões;

c) aprofundar a compreensão da educação escolar


como direito social básico e como instrumento de
emancipação humana, no contexto de uma socieda-
de com justiça social.

2.2.3 Compreender o campo teórico e a formulações


relativas aos processos democráticos e de formação para a
cidadania;

2.2.4 Promover elementos conceituais para uma prática


voltada para o incremento da participação estudantil;

2.2.5 Promover ações no sentido de formular processos


de comunicação como forma de democratizar as informa-
ções e decisões no âmbito da escola;

2.2.6 Referenciar os processos avaliativos como um


momento do exercício das tomadas de decisões (avaliação
participativa).

3 PÚBLICO ALVO:

3.1 Destinatários:

3.1.1 Dirigentes de escolas públicas estaduais de Uber-


lândia (que fizeram adesão ao Projeto Pedagógico Inovado-

222
res da SEE/MG);

3.1.2 Professores de escolas públicas estaduais de Uber-


lândia (que fizeram adesão ao Projeto Pedagógico Inovado-
res da SEE/MG);

3.1.3 Responsáveis por alunos que participem do Cole-


giado Escolar (quatro representantes por escola participante
do projeto que fizeram adesão ao Projeto Pedagógico Inova-
dores da SEED/MG).

3.2 Requisitos para participação

3.2.1 Ter disponibilidade mínima de 3 (três) horas se-


manais para dedicar-se ao curso e disponibilidade para par-
ticipar de um encontro presencial por mês de 4 horas (sába-
do);

3.2.2 Comprometer-se a compartilhar o curso com os


demais servidores da escola participantes do projeto;

3.2.3 Ter nível superior completo, somente para o caso


dos dirigentes e docentes das escolas.

4 DESENVOLVIMENTO

4.1 Metodologia

O curso proposto será ofertado na modalidade se-


mipresencial, sendo totalizadas 188 horas, dividido em 10
módulos mensais, além dos seminários de abertura e fecha-
mento. Serão quinze as escolas participantes neste projeto;

223
estas foram indicadas pela SRE por participarem do Projeto
Pedagógico Inovadores da SEED29.

As temáticas que serão abordadas foram escolhidas a


partir da leitura dos projetos realizados nas escolas parceiras
e por meio da escuta dos profissionais que atuam nelas. Des-
ta forma, o curso visa atender especificamente as demandas
relacionadas à gestão democrática apontadas pelos sujeitos
atuantes nas quinze escolas, entre elas focaremos a participa-
ção docente, discente e da comunidade escolar.

Da mesma forma, o desenvolvimento do curso será


colaborativo na qual se pretende observar, ouvir e registrar
as demandas, impressões, representações que emergirem
durante o processo do curso. Isto objetivando sempre consi-
derar e compreender os espaços de formação, os sujeitos e o
contexto em que estão inseridos, levando cursistas e forma-
dores a refletir, pesquisar, investigar, compartilhar e construir
juntos saberes e práticas escolares, bem como registrar este
processo de construção utilizando-se da técnica de portfólio.

Cada módulo abordará uma temática específica e


será organizado da seguinte maneira:
29 E. E. João Rezende - Diretora: Abadia Lemes de Souza Costa; E. E. Lourdes de Car-
valho - Diretor: Fernando Dias de Oliveira; E. E. Felisberto Alves Carrejo; - Diretora:
Divina Rosária Castelar Brito; E. E. Teotônio Vilela - Diretor: Nilson Santos dos Reis; E.
E. Mário Porto - Diretora: Giselle Cristina Juliano Eustáquio; E. E. Guiomar de Freitas
Costa - Diretor: Marcelino da Silva; E. E. Messias Pedreiro - Diretora: Míriam Antônia
dos Santos; E. E. Sérgio de Freitas Pacheco - Diretora: Elisa Carvalho de Souza Silva;
E. E. Segismundo Pereira - Diretor: Cléverson Alves Silva; E. E. Professora Alice Paes
- Diretora: Elisena Clemente de Souza; E. E. Angelino Pavan - Diretora: Rose Mary
Miranda Siqueira; E. E. 13 de Maio - Diretora: Carmen Lúcia Borges Soares; E. E. Pre-
sidente Juscelino Kubitscheck -Diretora: Maria das Graças de Sousa; E. E. Clarimundo
Carneiro - Diretor: Jairo Fernando de Sousa; E. E. Amador Naves - Diretora: Gláucia
Severino Munis.

224
Pré-encontro: 8 horas dedicadas a realização de es-
tudos dirigidos e discussões que serão conduzidas por um
membro de cada escola, cujo tema será foco no encontro
presencial seguinte.

Encontro: 4 horas; 2 horas de discussão teórica con-


duzida por um formador convidado pela IES e 2 horas de
oficina sobre a temática.

Pós-encontro: (4 horas) divididos em grupos de


acordo com a afinidade e com a escola em que atuam, os
cursistas devem registrar no portfólio do grupo as discussões
e atividades realizadas da forma que desejarem, utilizando
diferentes estratégias e linguagens.

Final do curso: Entrega do relatório e portfólio ela-


borado durante o curso e avaliação do curso.

Cronograma

Material: um texto-base elaborado especificamente


para este curso, com ideias centrais do tema, bem como as
orientações para realização das atividades propostas; outros

225
materiais disponíveis: vídeos, links, músicas, notícias, relatos
de experiências, artigos etc.

Pretende-se promover a participação e interação nes-


te curso como forma de ampliar o diálogo e as vivencias da
gestão democrática de maneira a levar os professores a re-
fletir sobre seu papel, o espaço escolar e as possibilidades de
atuação dos sujeitos no espaço e processo educativo.

4.2 Estrutura Curricular - Componentes


curriculares, ementas e carga horária

4.3 Encontros Presenciais

• Quantidade de encontros: 12;

• Carga horária por encontro: 4 h;

• Pessoal envolvido: Professores e cursistas;

• Quantidade: 22 docentes e 140 cursistas;

• Função: Oficineiros.

4.4 Atividades a Distância

• Descrição: Estudos teóricos desenvolvidos sob as


orientações dos supervisores nas escolas que fizeram
opção pelo Projeto;
226
• Quantidade: 12 encontros;

• Carga horária correspondente: 186 horas;

• Pessoal envolvido: Dirigentes escolares e professores


das escolas envolvidas no projeto;

• Quantidade: 07 supervisores e 133 cursistas;

• Função: Supervisão e orientação referente aos estu-


dos dirigidos.

4.5 Avaliação

Nesta proposta de curso, pretende-se experienciar a


avaliação formativa tendo em vista o processo de construção
de saberes e práticas de maneira compartilhada e conjunta.

Assim, teremos múltiplos momentos de avaliação e au-


toavaliação:

• A cada módulo serão avaliados também os estudos


dirigidos feitos antes de cada encontro presencial
(individualmente) e o registro feito no portfólio dos
grupos (dividiremos os cursistas de acordo com a afi-
nidade e com a escola em que atuam).

• Ao final de cada módulo, discutiremos os aspectos


positivos e negativos das atividades realizadas em to-
dos os momentos do módulo (atividades pré-encon-
tro, encontro e pós-encontro) de maneira a contribuir
para os próximos módulos e como exercício do diá-
logo e da reflexão sobre o fazer educativo; além disto,

227
preencheram uma ficha autoavaliativa que tem como
objetivo promover a autorreflexão (esta ficha pode
compor o portfólio do grupo).

• Como ação formativa e colaborativa, os cursistas par-


ticiparam da avaliação dos portfólios um dos outros
a cada módulo do curso, ou seja, além da orienta-
ção e discussão dos formadores acerca dos trabalhos
produzidos, cada aluno terá a oportunidade de con-
tribuir com os colegas e receber contribuições sobre
textos (verbais e imagéticos) produzidos e anexados
aos portfólios produzidos.

• Trabalho final do curso: Ao final do curso, serão


avaliados os portfólios produzidos ao longo do curso
e o relatório solicitado no último encontro.

Tomaremos como forma de materialização e regis-


tro do processo de aprendizagem o portfólio, na perspectiva
de Villas Boas (2010). O portfólio permitirá que cursistas e
formadores analisem e reflitam sobre o processo educativo
estabelecido entre eles e por meio, destas reflexões, possam
construir saberes e práticas que contribuíram para traça co-
minhos da efetiva participação dos sujeitos nos espaços es-
colares em uma gestão cada vez mais democrática.

A construção do portfólio se baseia na criatividade,


na autonomia, reflexão, autoavaliação e na parceria e neste
tipo de trabalho deve primar pelo desenvolvimento da auto-
avaliação.

228
A prática da autoavaliação por alunos de todas as idades
requer o desenvolvimento da habilidade crítica. O por-
tfólio é um processo pelo qual eles próprios selecionam
suas melhores produções, o que torna essa habilidade
fundamental. Para isso precisam conhecer e compreender
os critérios que usarão para avaliar seus trabalhos. (...) A
avaliação por meio de portfólio exige que os alunos não
só conheçam, mas até participem da sua formulação, para
que aprendam a desenvolver seus próprios critérios e a
analisar seu desempenho. (VILLAS BOAS, 2007, p.55)

Critérios de avaliação do trabalho serão estabelecidos


coletivamente e, à medida que o portfólio for sendo cons-
truído, formadores e os próprios cursistas devem discutir a
relevância e as contribuições do material selecionado pelos
grupos nos portfólios. No portfólio devem ser elaborados re-
gistros de diferentes natureza e formas, mas que apresentem
as principais ideias e saberes desenvolvidos no curso e refle-
xões feitas conjuntamente.

Registro formal das notas e frequência: tendo


como referência a resolução 01/2001 do CNE, os cursistas
deverão ter frequência mínima de 75% e aproveitamento
mínimo de 70%. Será atribuído conceito a cada módulo do
curso de acordo com as atividades realizadas.

4.6 Produção de material didático

• Material utilizado: será utilizado material de


autoria dos oficineiros ou textos que estes indi-
quem, tratando-se, portanto de material/textos
adaptados, já reconhecidos na área das políticas

229
de gestão democrática;

• Quanto ao material inédito, este será produzido


em formato de livro/cartilha, ao final do curso,
sento sua construção realizada pelos oficineiros,
coordenadores do curso e supervisores das es-
colas (dirigentes e/ou professores).

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232
POSFÁCIO

A obra que leva o título Gestão Escolar Democrá-


tica: teorias e práticas, organizada pelo batalhador Anto-
nio Bosco de Lima, com colaboração de Mariana Batista do
Nascimento Filho, apresenta-se como importante contribui-
ção ao campo da educação, na perspectiva democrática, em
tempos de enorme crise institucional e política vivenciada
no Brasil. O conjunto da obra precisa ser destacado, visto
que um texto dessa envergadura não nasce do nada, mas
decorre de ações de extensão muito bem planejadas/realiza-
das envolvendo gestores do sistema estadual de educação de
Uberlândia-MG, contando com a colaboração de pesquisa-
dores de diferentes instituições públicas.

O resultado do trabalho desenvolvido, precisa ser visto


na relação com projetos de extensão que, sob a coordenação
de Bosco de Lima e Mariana Batista, foram desenvolvidos
com professores e gestores do sistema público municipal, en-
riquecendo vivências e fortalecendo mudanças na educação,
apontando para ações progressistas.

O(a) leitor(a) tem em mãos o resultado de um tra-


balho realizado por um coletivo de educadores, para instru-

233
mentalizar professores, coordenadores e gestores, todos tra-
balhadores da educação, cujo objetivo comum é lutar por
uma escola pública, laica, democrática e de qualidade social-
mente referenciada para todos.

Aceitar participar desse projeto coletivo foi um imen-


so prazer, pois objetivou “contribuir para o fortalecimento
e qualidade do exercício da gestão pedagógica e adminis-
trativa para o exercício do papel estratégico na implantação
da gestão democrática da educação, com vistas a garantir o
direito de aprender de todos e contribuir para o desenvol-
vimento de uma Educação Básica com qualidade social e
política das escolas”, conforme consta na proposta do pro-
jeto disponibilizada ao leitor no final deste livro pelos seus
organizadores.

Quem conhece os organizadores desta obra, sua tra-


jetória acadêmica e política, sabe da sua luta pela educação
pública e democrática, luta essa que se materializa na sua
disponibilidade e empenho no trabalho coletivo.

A receptividade dada aos ministrantes das palestras


e oficinas, ao longo do curso, por parte dos participantes da
rede de ensino estadual de Uberlândia/MG proporcionou
momentos ricos de convívio, trocas de experiências, quali-
ficando os debates e iluminando novas ações de extensão
que possam encarar dialeticamente a história da educação
brasileira, especialmente da Educação Básica.

Espera-se que este trabalho, ora finalizado, possa co-


234
laborar na formação continuada de outros trabalhadores da
educação no país, ampliar o debate e a participação efetiva
na luta pela gestão democrática no interior das escolas dos
sistemas públicos.

Elizabeth G. Raimann
Ari Raimann
Docentes da UFG

235
Título: Gestão Escolar Democrática: teorias e práticas

Organizadores:
Antonio Bosco de Lima
Mariana Batista do Nascimento Silva

wWPáginas 232 - Formato 114x215 - Edição digital.

1ª Edição Janeiro de 2018

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Brasil

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