Almanaque LGBTQIA+
Almanaque LGBTQIA+
Almanaque LGBTQIA+
ISBN 978-65-994176-3-4
CDU 340.13
CDD 344.8101
A produção do 1º Almanaque LGBTQIA+ da CUT é resultado de muitas mãos.
Algumas aqui descritas no expediente. Mas, principalmente, inúmeras e incontá-
veis que não entraram para a história, apesar de seu papel fundamental para que
esse material fosse publicado.
Ao nos debruçarmos sobre a luta contra o preconceito e pelo respeito às identi-
dades de gênero no Brasil e no mundo, ficou nítido que resistir é pouco frente a
um cenário amplo que nem as estatísticas são capazes de abranger. Ainda que
represente muito numa sociedade alicerçada sobre os pilares do machismo, do
patriarcado e da destruição de tudo que não é padronizado.
A história dos muitos anônimos que nos antecederam ensinou que a ousadia de
ir além da resistência é o que leva a luta para fora dos limites e inspira o nosso
presente e as próximas páginas que você lerá.
Neste Almanaque, resultado da parceria entre a Central Única dos Trabalhadores
e o Solidarity Center, ligado à AFL-CIO, maior organização sindical dos EUA e do
Canadá, tratamos de como a luta LGBTQIA+ e o mundo do trabalho devem cami-
nhar lado a lado e de como essa conexão é essencial para construir um mundo
mais justo e igualitário.
Abordamos classe, gêneros, resgatamos histórias, culturas,
símbolos e disponibilizamos a você um passo a passo para
que também possa montar um coletivo no seu local de
trabalho e garantir a continuidade dessa batalha.
Porque nós acreditamos no poder libertador do
conhecimento e da organização contra o
preconceito e contra tempos sombrios.
Como cantou Belchior, em ‘Sujeito de Sorte’,
ano passado eu morri, mas este ano eu
não morro. Mas não só. Nossa luta não se
resume a não morrer, nós não abriremos
mão é de viver.
Boa leitura, companheiros e
companheiras de jornada!
5
Stonewall
para sempre
Enquanto no Brasil o filme ‘Macunaíma’, estrelado por Grande Otelo,
ganhava as telas de cinema e a ditadura encarcerava e assassinava
centenas de homens e mulheres, nos Estados Unidos, um grupo de gays,
lésbicas, travestis e drag queens dizia não à violência policial.
Em 1969, na virada do dia 28 para
29 de julho, frequentadores do bar
Stonewall Inn, em Nova Iorque,
Foto: Leonard
iniciaram uma manifestação que
durou seis dias com protestos
contra as batidas e revistas em
Fink
bares da comunidade LGBTQIA+.
Aliada à onda de manifestações
contra a Guerra do Vietnã e por
direitos civis, a mobilização
confrontou a repressão e deu
origem ao Dia da Libertação
Gay, em 1970, conhecida como
a primeira Parada do Orgulho
LGBTQIA+ da história.
lic Library
Foto: Danie
rtesy New York Pub
l Case
Cou
Foto: Diana Davies/
6
F E I T O NO B R A S I L
Organizado em plena ditadura militar, o movimento
LGBTQIA+ brasileiro tem como ponto crucial o ano
de 1978, com a fundação do grupo Somos, em São
Paulo.
O coletivo foi muito importante para que, dois anos
depois, ocorresse o Primeiro Encontro Brasileiro de
Homossexuais, também em São Paulo, que terminou Curta
com um protesto de grande repercussão no país. essa série
Uma manifestação nas escadarias do Theatro POSE
Municipal cobrou o fim da Operação Limpeza, A série ‘Pose’
uma das ações da ditadura civil e militar na capital reúne o maior
paulista, que espancava e prendia homossexuais e elenco de atores
travestis na Praça da República. Até hoje, um dos e atrizes trans da
história da TV dos
principais pontos de encontro da EUA. Provavel-
comunidade LGBTQIA+. mente, do mundo.
A história recons-
titui a atmosfera
dos clubes de
Nova Iorque du-
rante as décadas
de 1980 e 1990,
ajuda a ambientar
o nascimento da
cultura voguing
e o impacto da
AIDS na comuni-
dade LGBTQIA+.
Fotos: Fabiana Stig - Acervo James Green
7
O JORNALISMO ILUMINA
O MOVIMENTO LGBTQIA+
Parte importante da organização das lutas LGBTQIA+, o ‘Lampião
da Esquina’ foi a primeira publicação do gênero no país, fundada
em abril de 1978, e resistiu até 1981. Quase 40 anos depois, ainda é
considerada um marco ao inserir temas como machismo, racismo,
direitos humanos e a organização política na pauta do movimento.
Ao olharmos para o Brasil no qual vivemos hoje,
parece inacreditável que em abril de 1979 um jornal
estampasse em sua capa, em letras garrafais, as
palavras ‘Lesbianismo, machismo, aborto, discrimi-
nação’.
Dois anos depois da fundação do ‘Lampião da
Esquina’, um grupo de lésbicas passou a publicar
o ‘ChanacomChana’, vendido no Ferro´s Bar, em
São Paulo, mesmo a contragosto dos proprietá-
rios.
A agressão a um grupo de mulheres no local
teve como resposta uma mobilização no dia
19 de agosto de 1983, que deu origem ao Dia
Nacional da Visibilidade Lésbica.
ACESSE AQUI
TODAS AS EDIÇÕES DE
‘O LAMPIÃO’
8
Dica de filme
FILADÉLFIA DISCUTE AIDS,
HOMOFOBIA E TRABALHO
Andrew Beckett, interpretado por Tom A obra traz às telas a desinformação
Hanks, é um brilhante advogado que ainda presente sobre a doença (em uma
trabalha em uma grande firma na cida- das cenas, Miller não toca em livro manu-
de estadunidense da Filadélfia, até seus seado por Beckett porque teme se con-
chefes descobrirem ser portador do ví- taminar), além de apontar a forma como
rus da AIDS e demiti-lo. as empresas atuam para maquiar o pre-
Para defendê-lo, Beckett contrata os conceito, ao destacar a maneira como a
serviços de Joe Miller, advogado negro companhia busca desmoralizar a luta de
e homofóbico, interpretado por Denzel Beckett e impedir o acesso à justiça.
Washington.
O drama “Filadelfia”, lançado em 1993 e
lamentavelmente ainda atual, discute o
preconceito contra as vítimas da AIDS,
a homofobia e aponta as relações en-
tre grupos que, apesar de terem um ini-
migo comum, a discriminação, muitas
vezes não se encontram em suas bata-
lhas. Como é o caso das personagens de
Hanks e Washington.
Foto: Divulgação
Você sabia?
9
MOMENTOS HISTÓRICOS
DA LUTA LGBTQIA+
1969 - Manifestações no Stonewall 1970 - Em Nova Iorque acontece
Inn, em Nova Iorque, tornam-se um o Dia da Libertação Gay, primeira
marco para a luta LGBTQIA+. parada da história.
AGENDA
DE LUTAS
Foto: Dino Sa
10
Foto: Ricard
2004 - Governo Lula lança o programa
‘Brasil Sem Homofobia’.
kert o Stuc
2008 - I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT)
acontece em Brasília. Uma das deliberações é a
realização gratuita das cirurgias de readequação
sexual pelo Sistema Único de Saúde.
Fo
2010 - O decreto 7.388, de dezembro 2010, do 2011 - Acontece a 2ª Conferência to:
Re
ex-presidente Lula, cria o Conselho Nacional de Nacional de Políticas Públicas
na
to A
Combate à Discriminação/LGBT, que conta com e Direitos Humanos de LGBT.
raújo/Agência
a participação da sociedade civil e tem como
finalidade formular e propor diretrizes para
Bra
si
l
t
Fo
11
SETE LETRAS, Cada uma das letras (e do sinal) presen-
tes na sigla LGBTQIA+ representa déca-
das de lutas. Por muito tempo, o termo
UM SÍMBOLO mais utilizado no Brasil foi GLS para defi-
nir gays, lésbicas e simpatizantes.
LÉSBICAS GAYS
BISSEXUAIS TRANSEXUAL
Homens que se
Mulheres que se Quem se relaciona
relacionam com Quem assume uma identida-
relacionam com com homens e
homens. de oposta ao gênero de nas-
mulheres. mulheres. cimento, tanto corporal, quanto
psicologicamente. Em muitos
casos, há a necessidade de
cirurgias e mudanças físicas
para adequação.
TRAVESTIS
Quem nasceu como
sendo do gênero masculi-
no, mas se identifica com o
Curta gênero feminino, sem que
esse livro reivindique a identidade de
‘mulher’.
DEVASSOS NO PARAÍSO
João Silvério Trevisan
Referência sobre a história da homossexualidade no Brasil, a
obra de João Silvério Trevisan passeia pela expressão da ho-
moafetividade em campos como cinema, teatro e a política
e aponta avanços e retrocessos dentro da comunidade. Um
livro que influenciou e continua a influenciar gerações.
12
Em 2004, as discussões dos diversos as letras, da mesma forma que o ‘B’, de
segmentos que participavam da elabo- bissexuais, em 2001.
ração do programa ‘Brasil sem Homo-
fobia’ incluíam colocar o ‘L,’ de lésbicas Com a definição de identidades de gê-
como a primeira letra como uma forma nero em constante renovação, a alter-
de combater o machismo e reconhecer nativa foi acrescentar o sinal ‘+’ para
a luta das mulheres. indicar que há orientações que não se
encaixam nessas definições, inclusive
Antes, porém, em 1995, a força de orga- agêneros e não-binárias (que não se
nização das travestis e transexuais fez veem dentro das possibilidades mas-
com que o ‘T’ também estivesse entre culina ou feminina).
+
QUEERS
INTERSEXUAIS ASSEXUAIS Sinal utilizado
Definição para quem para quem não
Não se sentem
integra a comunidade Nascem com anatomia se identifica com
atraídas por outros
LGBTQIA+ e não se defi- sexual que não é tipica- nenhuma dessas
indivíduos.
ne como dos gêneros mente masculina ou definições.
masculino ou femi- feminina.
nino.
OUTRAS DEFINIÇÕES:
13
Família é quem
você escolhe para você
A Constituição brasileira aponta que “para lho Nacional de Justiça (CNJ) determinou
efeito de proteção do Estado é reconheci- que os oficiais de registro de casamento
da a união estável entre homem e mulher estavam proibidos de recusarem a cele-
como entidade familiar, devendo a lei fa- bração de união entre pessoas LGBTQIA+.
cilitar sua conversão em casamento”.
Ambos marcos fundamentais para definir
O Código Civil, de 2002, indica ainda famí- que, assim como cantou o grupo O Rap-
lia como “a união estável entre o homem pa, família “não precisa ter conta sanguí-
e a mulher, configurada na convivência pú- nea, é preciso ter sempre um pouco mais
blica, contínua e duradoura ”. de sintonia.”
Porém, em 2011, o Supremo Tribunal Fe-
14
ADOÇÃO
é amor
Juíza de direito aposentada do Tribu-
nal de Justiça do Estado de São Paulo,
“Há várias formas de família e a crian-
ça tem o direito de pertencer a uma. O
Dora Martins aponta que não há mais que adianta ser uma família padrão e
espaço para discriminação no proces- oferecer violência e maus tratos aos fi-
so de constituição familiar, inclusive lhos? Avançamos muito no Judiciário,
quando o assunto é adoção. mas sabemos que vivemos em uma so-
“Quando o magistrado é aprovado em ciedade muito hipócrita”, destaca.
um concurso em qualquer lugar do Bra- Ela aponta ainda que não há no Estatu-
sil, passa por várias horas de prepara- to da Criança e do Adolescente (ECA)
ção na Escola Nacional de Formação e ou em qualquer outro parâmetro jurídi-
Aperfeiçoamento de Magistrados, que co restrições para adoção por casais
treina os juízes de direito e federais. Lá, LGBTQIA+.
ele trabalha muito com direitos huma- Quem pretende adotar um filho ou filha,
nos, dignidade humana para ser sensí- deve ter mais do que 18 anos e precisa
vel ao racismo, às minorias e aos direi- procurar a Vara da Infância e da Juven-
tos da família e da infância”, diz. tude do local onde reside.
A magistrada lembra que a adoção Dentre outras providências, a família de-
é um direito da infância e da juventu- verá apresentar documentos, frequentar
de e critica quem submete o amor a grupos de apoio e passar por entrevis-
convenções sociais. tas e avaliações do setor psicotécnico.
i
wt
m
15
p e r g u n t a s s o b re
c a s a i s LG B T Q I A +
Qualquer pessoa O que acontece se o
LGBTQI A+ pode se cartório se recusar a
casar no civil? realizar o casamento?
Sim, os cartórios O casal deve procurar o juiz
são proibidos de corregedor da localidade,
recusar uma união por no fórum da cidade, para
preconceito de gênero. que formalize o casamento.
Também é possível abrir
uma investigação contra a
autoridade que se negou a
o casal realizar a união.
Ao se casar,
B T Q I A + p o ssui os
LG
e s m o s d ir eitos de um
m
a s a l h e t e r ossexual?
c
Qual a diferença
as mesmas
Sim, possui o entre união estável e
n ti a s e d ire itos, incluind
gara ão
s ã o p o r m o rte, comunh casamento?
pen ensão
b e n s , s e g u ro de vida, p
de plano
e n tí c ia e inclusão no A distinção é exclusivamen
te
ali m
(n o s c a s o s em que as legal, a primeira não precisa
de saúde de um documento para ex
fereçam).
empresas o basta que duas pessoas ten
istir,
ham
uma convivência contínua
e
duradoura. A segunda, que
permite alterar o estado civ
il,
precisa ser formalizada.
O casamento homoafetivo
é legal em outros países?
Em muitos deles. A Dinamarca foi o
primeiro país a reconhecer a união
civil, em 1989, e a Holanda o primeiro
a legalizar o casamento, em 2001.
16
Contra a discriminação,
EDUCAR
é p re c i s o
Psicanalista e inte- AFETO COMO REFERÊNCIA
grante da Escola de “A discriminação e a intolerância não nascem com o indi-
Psicanálise de São víduo, não fazem parte dos nossos instintos. Somente por
Paulo (EPSP), Aline meio do educar, de dar referência sobre afetos, deixando
Lozon dá algumas di- clara nossa capacidade de demonstrar amor e respeito a
cas de como educar todas as formas de se relacionar, podemos mudar isso.
as crianças para que Afetos e sentimentos não têm ligação com a biologia,
o preconceito possa
mas são desenvolvidos. O amor, apesar de ser um subs-
ser combatido por
tantivo masculino, é uma palavra que não tem gênero.”
meio da formação
e da informação.
ABERTURA PARA OUVIR
“Na fase dos ‘por quês?’, de desenvolvimento da criança,
de zero a cinco anos, é preciso dar atenção e responder
suas perguntas de forma acessível à sua idade. Falar a
verdade sem excesso de informação. Não conversar ou
não responder dúvidas afeta o processo de investigar as
coisas, de descobrir o que é fato e o que é opinião.”
SEM DIFERENÇAS
“O fato de uma criança ser adotada por um casal LGBT-
QIA+ não tem nenhuma consequência patologizante, sem-
pre haverá a função materna e paterna. É preciso conversar
com a criança para mostrar que famílias são consti-
tuídas de várias formas. E o que torna o conjunto de
pessoas uma família é o vínculo entre elas, baseado
no amor, no respeito e no desejo de compartilhar
suas vidas.”
17
PARA ALÉM
DO JUDICIÁRIO,
DA VIDA
Não há dúvidas de que houve impor- Porém, todos esses avanços legais
tantes avanços no Poder Judiciário a só se tornarão realidade se a luta con-
partir de 2010. Com a decisão de re- tra todo tipo de opressão avançar na
conhecer as adoções e o casamento sociedade e se for capaz de impedir
por parte de casais LGBTQIA+, dificil- retrocessos em relação aos direitos
mente um juiz de primeira instância conquistados.
posiciona-se contra esses avanços, “Simbolicamente é importante esse
sob risco de ter sua decisão revogada. reconhecimento, mas tenho minhas
“O que ainda vemos são promotores restrições sobre a efetividade de res-
fazendo ressalvas em processos de guardar direitos. Hoje, o principal en-
adoção, por exemplo”, explica a ad- trave é o Poder Legislativo, porque
vogada e presidenta da Comissão de tudo que falamos é baseado em de-
Diversidade Sexual da Ordem dos Ad- cisão judicial, não temos nem pers-
vogados do Brasil (OAB), de São Cae- pectiva de que o Congresso mude em
tano do Sul, Fernanda Darcie. um futuro próximo. Precisaríamos de
Em março de 2018, o Supremo defi- uma recomposição parlamentar pro-
niu que pessoas trans podem alte- gressista mais significativa. Porque
rar o nome e o sexo no registro civil, as decisões do STF podem ser modi-
mesmo que não tenham se submeti- ficadas”.
do à cirurgia de readequação sexual. Por isso, a importância de represen-
Em 2019, o Tribunal reconheceu ain- tantes LGBTQIA+ formarem coletivos,
da a homofobia e a transfobia como associações, organizações e ocupa-
crimes de racismo. rem espaços como o Executivo e os
parlamentos municipais, estaduais e
federais para lutarem por uma pauta
com avanços na defesa da igualdade
de direitos em todas as dimensões
da vida.
18
10 AÇÕES
PARA COMBATER
A DISCRIMINAÇÃO
CONTRA LGBTQIA+
NO AMBIENTE DE
TRABALHO
Incluir em documentos
4. e políticas da empresa o 8. Inserir a identidade de gênero como
um dos temas de debate dentro da
compromisso com a promoção organização.
de direitos LGBTQIA+.
9. Realizar ações afirmativas em defesa
5. Não firmar parcerias ou
acordos com organizações que
da igualdade e da diversidade.
promovam a discriminação
ou patrocinem personalidades
10. Apoiar eventos que tenham como
foco a luta contra discriminação
preconceituosas. por orientação sexual.
19
g
L B Q I A+
T
UMA HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO
O avanço da atuação da CUT na questão contextualizou a temática na pauta da
LGBTQIA+ é resultado de uma luta que Central e incluiu a orientação sexual e
contou com o apoio fundamental de co- a identidade de gênero na agenda do
missões de gênero antes mesmo de se mundo do trabalho.
transformarem em secretarias. O conteúdo foi aprovado em 14 plená-
Em especial, as de Mulheres da CUT Na- rias e, posteriormente, debatido e refe-
cional e da CUT-SP, lideradas, na década rendado na Plenária Estatutária Nacio-
de 1990, pela ex-secretária da Mulher Tra- nal da CUT, em 1999.
balhadora da CUT, Maria Ednalva, e pela Em abril de 2000, a Central implementou
coordenadora da 1ª Comissão Estadual um projeto de formação de dirigentes
sobre a Mulher Trabalhadora da CUT-SP, sindicais sob o tema ‘Homossexualida-
Maria Mendes. de, Trabalho e Sindicalismo’ e realizou
Com essa aliança e a articulação junto a uma pesquisa que buscou entender a
organizações internacionais, a proposta visão dos dirigentes sobre orientação e
de inserir o debate LGBTQIA+ dentro da diversidade de gênero.
Central passou a avançar. O 1º Encontro Nacional sobre Orientação
Em 1998, participei de uma atividade so- Sexual da CUT, em agosto de 2001, abriu
bre HIV/AIDS realizada pela FNV, central portas para ampliar essa discussão em
sindical Holandesa, em Amsterdam, que um meio que ainda aprende a lidar com
propôs financiar um projeto de formação a diversidade, mas passa a aprofundar
de dirigentes sindicais sobre LGBT. Desde a compreensão sobre a importância de
que esse tema fosse parte da agenda da combater a discriminação por gênero e
CUT”, lembra Maria Izabel da Silva, conhe- orientação sexual tão presente no coti-
cida como Bel, ex-dirigente da diano da classe trabalhadora.
Central.
Nasce o CNDS
Os diálogos entre as diver-
sas instâncias da entidade Como resultado dessa mobilização, em
resultaram na aprovação 2009, durante 10º Congresso Nacional
de um texto que da CUT (CONCUT), a Central criou o Co-
letivo Nacional da Diversidade Sexual
(CNDS), que teve como primeiro coorde-
nador o professor já falecido Fernando
Schuller.
Nesta mesma edição do CONCUT, pela
2009 – 2010: Fernando Schuller* primeira vez, a entidade promoveu em
2010 – 2015: Marcos Freire um congresso, uma mesa específica
2015 – 2019: José Carlos do Prado (Zezinho) sobre a relação entre as pessoas LGBT-
2019: Walmir Siqueira
QIA+ e o mundo do trabalho.
* Faleceu em 2010 e foi substituído pelo vice Marcos Freire
O 1º ENCONTRO NACIONAL
A organização e o fortalecimento de co-
letivos, entre 2010 e 2018, fez o debate Em junho de 2019, o seminário ‘LGBT e
21
PESQUISA DEMONSTROU
IMPORTÂNCIA DE TEMAS LGBTQIA+
PARA MOVIMENTO SINDICAL
No 7º CONCUT, em 2000, a Central realizou uma pesquisa com a distribuição de 2.758
questionários aos delegados e delegadas e 1.262 responderam. Antes, o mesmo levan-
tamento foi aplicado em 14 congressos estaduais.
22
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
5 PASSOS
UM COLETIVO
23
BRASIL RATIFICOU
CONVENÇÃO SOBRE
TRATAMENTO IGUAL
NO EMPREGO
Uma pesquisa de junho de 2019 da rede Linkedin apontou que 35% dos trabalha-
dores e trabalhadoras entrevistados já haviam sofrido discriminação velada ou di-
reta por conta da orientação sexual. Cenário que vai contra acordos internacionais
dos quais o Brasil é signatário e isso não é recente.
Desde 1966, está em vigor no país a Convenção 111 da OIT sobre a não discrimi-
nação no emprego e ocupação.
Os países que ratificaram a norma são obrigados a proteger todas as pessoas
contra o preconceito no ambiente de trabalho e também aquelas que estão se
preparando para trabalhar ou procurar emprego.
De acordo com a convenção é necessário adotar medidas contra a discriminação
com base em “toda distinção, exclusão ou pre-
ferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opi-
nião política, ascendência nacional ou origem
social que tenha por efeito destruir ou alterar a
igualdade de oportunidades ou de tratamento
em matéria de emprego ou profissão”.
24
CONVENÇÃO 190 DA OIT,
UMA ALIADA CONTRA
A DISCRIMINAÇÃO
Em junho de 2019, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) editou a
Convenção 190, que trata do compromisso dos países em eliminar a violên-
cia e o assédio no mundo do trabalho.
O Uruguai foi o primeiro Estado-membro a ratificá-la, seguido pela Argentina,
que aderiu ao documento no mesmo ano. Além desses países, Finlândia e Es-
panha também se comprometeram formalmente a seguir o mesmo caminho.
Essas seriam as primeiras ratificações de países inte-
ressados em adotar comportamentos e práticas para
combater a opressão física, psicológica, sexual e eco-
nômica contra os trabalhadores e trabalhadoras. Para
entrar em vigor é preciso que ao menos dois Estados-
-membros ratifiquem.
A campanha para que os países adotem a con-
venção foi inserida nos 16 Dias de Ativismo
pelo Fim da Violência contra as Mulheres e
prevê punição a empresas e governos que
não garantirem condições de trabalho
sem violência, principalmente de gênero.
25
DIREITOS DOS
TRABALHADORES E
TRABALHADORAS
LGBTQIA+
PLANOS DE SAÚDE PENSÕES
Os convênios têm de aceitar parceiros O companheiro ou a companheira tem
e parceiras de mesmo gênero como o direito a solicitar pensão por morte.
dependentes dos trabalhadores e
trabalhadoras beneficiários. CARTEIRA DE TRABALHO
Não é permitido a quem emprega
IMPOSTO DE RENDA efetuar qualquer anotação na carteira
É possível declarar o companheiro de trabalho que cause danos à imagem
ou a companheira como dependente. do trabalhador ou da trabalhadora, como
referências a gênero ou sexualidade,
COMUNHÃO DE BENS origem social, raça, cor, estado civil,
O Código Civil determina que parceiros situação familiar, idade e saúde.
em união homoafetiva declarem-se em
A medida nos lembra também que o
regime de comunhão parcial de bens.
registro em carteira e o trabalho formal
PENSÃO ALIMENTÍCIA é um artigo raro entre trabalhadores e
trabalhadoras LGBTQIA+, a maioria em
O companheiro ou a companheira tem
situação de informalidade.
o direito a pedir pensão em caso de
separação judicial.
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o:t
Fr
ed
er
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Curta
esse livro
QUEER | William S. Burroughs
Um dos maiores expoentes da
geração beat, William Burroughs
escreveu esse romance em 1952, mas a história só foi
publicada na década de 1980 por conta da temática ho-
mossexual. Na obra, William Lee, alter ego do autor, busca
aplacar a crise de abstinência por drogas com o desenro-
lar de uma relação obsessiva por Eugene Allerton. Juntos,
eles partem para uma aventura na América Latina.
26
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Pe
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Foto: A
perguntas para
Marcelo Hailer
Jornalista, doutor em Ciências Sociais (PUC-
-SP) e pesquisador do Inanna (Núcleo de Pes-
quisa sobre Sexualidade, Feminismos, Gêneros
e Diferenças da PUC-SP)
27
RECONHECIMENTO
DE DIREITOS EM
UNIÃO HOMOAFETIVA
PREVALECE NOS
ACORDOS COLETIVOS
Entre todas as cláusulas que tratam de para parte da classe trabalhadora que
conquistas para o público LGBTQIA+, não segue uma orientação heteronor-
as que reconhecem os direitos para mativa.
os trabalhadores e trabalhadoras em São Paulo é o estado onde a maioria
união homoafetiva são as mais presen- desses acordos foi negociada e a ativi-
tes (39%) nos acordos coletivos nego- dade em que as cláusulas estão mais
ciados pelos sindicatos com vigência presentes é a de agentes autônomos
até 2021. do comércio (18%), seguida de perto
O levantamento inédito foi organizado pela construção e mobiliário (17,5%).
pelo Departamento Intersindical de Es- O levantamento tem como base o
tatística e Estudos Socioeconômicos Mediador, sistema em que são regis-
(Dieese), em 2021, com base em dados trados os acordos coletivos firmados
do Ministério da Economia. entre trabalhadores, trabalhadoras e
A maior parte das negociações ocorre empresas, e não engloba as negocia-
por empresa (71,5%) e não para toda ções discutidas pelos sindicatos do
a categoria, o que indica ainda a difi- setor público. Isso ocorre porque não
culdade em oferecer acesso a direitos há acordo coletivo regulamentado
para o funcionalismo no país.
CATEGORIA
194 | 28,5%
DISTRIBUIÇÃO
PERCENTUAL DE
ACORDOS COLETIVOS
COM CLÁUSULAS
LGBTQIA+ POR NÍVEL
EMPRESA
486 | 71,5%
Fonte: Ministério da Economia/
Organização Dieese – 2021
28
ACORDOS COLETIVOS COM CLÁUSULAS LGBTQIA+
POR TIPO DE AÇÃO
ESTÍMULO À CONTRATAÇÃO
DE MULHERES E À NÃO
DISCRIMINAÇÃO
65
RECONHECIMENTO DOS DIREITOS
PARA OS TRABALHADORES EM
UNIÃO HOMOAFETIVA E
UTILIZAÇÃO DO NOME SOCIAL
PRINCIPAIS
PALAVRAS
PRESENTES
NOS
ACORDOS
COLETIVOS
POR TIPO
DE AÇÃO
29
DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE
ACORDOS COLETIVOS COM
CLÁUSULAS LGBTQIA+
POR TIPO DE AÇÃO 33,2%
COMBATE À DISCRIMINAÇÃO, AO
PRECONCEITO E GARANTIA DE
39,1%
IGUALDADE DE SALÁRIOS E DE
OPORTUNIDADES, INCLUSIVE
NA CONTRATAÇÃO
RECONHECIMENTO
DOS DIREITOS PARA OS
TRABALHADORES EM
UNIÃO HOMOAFETIVA
16,2%
ACESSO À ASSISTÊNCIA
1,9% MÉDICO-HOSPITALAR
E/OU OUTROS AUXÍLIOS,
BENEFÍCIOS E LICENÇAS
RECONHECIMENTO GARANTIDOS À UNIÃO
DOS DIREITOS PARA OS HOMOAFETIVA
TRABALHADORES EM
UNIÃO HOMOAFETIVA E
UTILIZAÇÃO DO NOME SOCIAL
9,6%
ESTÍMULO À CONTRATAÇÃO
DE MULHERES E À NÃO
DISCRIMINAÇÃO
ACORDOS 324
SERVIÇOS
COLETIVOS COM
CLÁUSULAS
LGBTQIA+
POR SETOR 247
INDÚSTRIA
101
COMÉRCIO
6 NÃO
ESPECIFICADO
1 RURAL
1 SETOR
PÚBLICO
Fonte: Ministério da Economia/
Organização Dieese – 2021
30
ACORDOS COLETIVOS COM
CLÁUSULAS LGBTQIA+ POR ATIVIDADE
ATIVIDADE QUANTIDADE
Agentes autônomos do comércio 121
Construção e mobiliário 119
Atacadista e varejista 48
Saúde privada 41
Transportes 40
Química e farmacêutica 35
Alimentação 34
Armazenador 30
Comunicações, publicidade e empresas jornalísticas 27
Urbana 23
Bancos e empresas de seguros privados e capitalização 22
Metalúrgica, mecânica e do material elétrico 22
Turismo e hospitalidade 20
Propagandistas, propagandistas-vendedores e vendedores de 18
produtos farmacêuticos | Vendedores e viajantes do Comércio
Profissional liberal 13
Conselhos profissionais 9
Prestação de serviços a terceiros 7
Sindical 7
Cooperativa 6
Difusão cultural 6
Vestuário 6
Bombeiro 5
Processamento de dados 5
Práticos de farmácia 4
Extrativa 3
Alimentação / Química e farmacêutica 2
Artefatos de borracha 2
Não especificada 2
Agricultura e pecuária 1
Fiação e tecelagem 1
Segurança e vigilância 1
TOTAL 680
31
ACORDOS COLETIVOS COM CLÁUSULAS LGBTQIA+
POR ESTADO E UNIDADE FEDERATIVA
RR
3 AP
3
RN
14
AM PA MA
11 CE
18 9
18 PB
PI 22
3
AC
3 TO PE
RO 5 10
3 BA
AL
MT 13 10
5 DF
6
SE
GO 4
13 MG
22
MS
8 ES
10
PR RJ
SC 11 82
16 SP
379
RS
31
MG ______________ 22 DF _______________ 6
PB _______________ 22 MT ______________ 5
CE _______________ 18 TO _______________ 5
PA _______________ 18 SE _______________ 4
SC _______________ 16 AC _______________ 3
RN ______________ 14 AP _______________ 3
BA _______________ 13 PI _______________ 3
GO ______________ 13 RO ______________ 3
AM ______________ 11 RR ______________ 3
PR_______________ 11
AL _______________ 10 Fonte: Ministério da Economia/
ES _______________ 10 Organização Dieese – 2021
32
pelo respeito
Respeito é diferente de
tolerância e aceitação
33
7 conquistas
LGBTQIA+
na saúde
Temas LGBTQIA+ entram definitivamente na pauta durante
2003 a realização da 12ª Conferência Nacional de Saúde
34
O pre-
conceito
clínico
Entre os muitos preconceitos que as pessoas LGBT-
QIA+ enfrentam está a associação com doenças, tanto
mentais, quanto as sexualmente transmissíveis.
Diante do desconforto e da consequente criminalização
do diferente, que se consolidou ao longo de décadas, é
comum ver relatos de atendimentos médicos em que a
menção a uma orientação que não é heterossexual seja
acompanhada da indicação de exames para detectar o
HIV sem que exista qualquer questionamento sobre a
rotina sexual.
Outro problema enfrentado por travestis e transexuais
é o uso do nome social. O decreto presidencial 8.727,
de 2016, instituído pela ex-presidenta Dilma Roussseff,
assegurou o direito ao atendimento em órgãos da ad-
ministração pública com base no nome com o qual se
identificam.
d e
a
Homessexua l i d
o ?
AGENDA Homessexua l i s m
DE LUTAS A criação do termo homossexual é atribuída ao
jornalista austro-húngaro Karl Kertbey, no século 19,
para referir-se a quem sente atração e se relaciona
com pessoas do mesmo gênero.
O termo homossexualismo caiu em desuso e foi
substituído pela palavra homossexualidade.
Isso porque o sufixo ‘ismo’ está associado, entre
outras coisas, a doenças.
35
nome que
quiser
A utilização do nome social no cartão do SUS é
um direito universal e reconhecido desde a 13ª
Conferência Nacional de Saúde como uma dire-
triz essencial para o bem-estar.
O reconhecimento de um nome que corresponda à forma como alguém se
enxerga internamente impacta na afirmação da cidadania, ao disponibilizar
ferramentas, inclusive legais, para impedir situações constrangedoras.
A possibilidade de pedir atualização do cadastro com o nome social foi ins-
tituída na Portaria 1.820, em 2009, que estabeleceu a Carta de Direitos dos
Usuários do SUS. O inciso I do artigo 4.º da carta determina:
“...identificação pelo nome e sobrenome civil,
devendo existir em todo documento do usuário
e usuária um campo para se registrar o nome
social, independente do registro civil sendo as-
segurado o uso do nome de preferência, não
podendo ser identificado por número, nome ou
código da doença.”
37
Orientação
opção sexual?
Quando tratamos da forma como nos
relacionamos, o termo correto é orien-
tação sexual.
Essa definição parte da ideia de que
orientação é um direcionamento do de-
ou não binário – que não se enquadra em
sejo, algo que acontece naturalmente,
valores relativos às identidades masculi-
enquanto opção trabalha com a ideia
na ou feminina.
de escolha.
Identidade de gênero: como alguém se
Por isso, o mais adequado é utilizar
entende individualmente na sociedade
orientação, que indica o gênero pelo
qual alguém se sente preferencialmen- Orientação sexual: como a pessoa se re-
te atraído, podendo ainda ser bissexual laciona sexualmente com outros gêneros
38
Não há o que ser curado
Ainda que tempos tenebrosos tragam a ideia de uma cura gay, as orientações que
não se enquadram na heteronormatividade não são uma doença e afirmar isso é
parte da luta dos movimentos em defesa dos direitos humanos.
Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reviu a Classificação Internacional
de Doenças e deixou de considerar a atração por pessoas do mesmo gênero como
uma patologia mental. A mudança ocorreu com a alteração do status de perversão
para estilo de comportamento.
Antes disso, no Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina também deixou de
considerar a homossexualidade como desvio sexual. Doze anos depois, a Associa-
ção Americana de Psiquiatria fez o mesmo em sua publicação, o Manual Diagnósti-
co e Estatístico de Transtornos Mentais, considerado uma referência na psiquiatria.
Você sabia?
Motivo de orgulho, o Brasil foi o
primeiro país a banir a chama-
da ‘terapia de conversão’ que
propõe mudar a orientação ho-
mossexual. O Conselho Fede-
ral de Psicologia (CFP) proibiu
o tratamento há 18 anos.
39
Fo
to
:
Ar
qu
ivo
Pes
perguntas
soal
para Olga Carolina Figueiredo
Psicóloga Clínica com pós-graduação em psicologia junguiana
40
Fim da discriminação:
homens gays também
podem doar sangue
Desde maio de 2020, após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar uma
resolução da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), os homossexuais po-
dem doar sangue sem que precisem omitir a orientação sexual.
De acordo com a norma da agência, homens que tivessem mantido relações
sexuais com outros homens nos últimos 12 meses e informassem essa
condição na entrevista prévia, eram proibidos de passar pelo procedimento.
O avanço é uma grande vitória, porém, os votos dos ministros demonstra-
ram como o preconceito ainda é presente até mesmo em órgãos que deve-
riam zelar pela igualdade.
O julgamento começou em julho de 2016 e em outubro foi interrompido por
um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Mesmo com hospitais em
campanha pela doação de sangue por conta da pandemia de Covid-19, em
2020, a Advocacia-Geral da União (AGU), órgão submetido ao governo de
Jair Bolsonaro, pediu que o STF rejeitasse a ação.
Porém, o ministro Edson Fachin, relator do processo, votou pela inconstitu-
cionalidade das normas da Anvisa, seguido pelos também ministros Luís
Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Cármen
Lúcia e Dias Toffoli.
Já o ministro Alexandre Moraes foi favorável à doação des-
de que o sangue colhido fosse utilizado apenas após o teste
imunológico, sendo seguido por Marco Aurélio, Ricardo Lewan-
dowski e Celso de Mello.
41
Celebrar o
direito de
lutar, lutar
pelo direito
de celebrar
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
42
No dia 28 de junho de 1997, então com
o nome de Parada do Orgulho Gay, a pri-
meira edição do encontro que se tornou
o evento que mais atrai turistas para a
cidade de São Paulo, reuniu cerca de
duas mil pessoas com o tema “Somos
muitos, estamos em várias profissões”.
43
perguntas
para
Marcos Freire
Diretor do Sindicato dos Metroviários de São
Paulo, coordenador do coletivo LGBTQIA+ da
CUT-SP e da Articulação Brasileira de Gays
Sudeste (Artgay)
44
Como era o diálogo do movimento sindical com a pauta LGBTQIA+
naquela época?
Há quem critique a parada por alegar que o caráter festivo encobriu a luta
política. Você concorda com isso?
Nunca concordamos. O primeiro momento, de dar visibilidade, já é de
uma importância política tremenda e permitiu que avançássemos em
outras pautas.
Deixamos de ser invisíveis, foi algo que as paradas trouxeram, levando
as manifestações até mesmo para as cidades pequenas.
Claro que poderia avançar mais, a Associação da Parada (responsável
por organizar o evento) poderia ter um papel político muito maior. Essa
é uma discussão que sempre houve, fazer projetos para a própria comu-
nidade LGBT da capital paulista, algo mais amplo e não só fazer algo
para o dia da parada. Mas não negamos que as paradas foram e sempre
serão importantes.
45
A resistência e a
diversidade do arco-íris
Antes do arco-íris se tornar símbolo do movimento LGBTQIA+, as para-
das gays que aconteceram no final dos anos 1960, nos EUA, trouxeram
como ícone um triângulo rosa. A forma geométrica costurada aos uni-
formes era utilizada nos campos de concentração nazistas para iden-
tificar quem havia sido capturado por ser homossexual.
Porém, ativistas como o político Harvey Milk e o designer Gilbert Baker entenderam
que era necessário estabelecer um símbolo universal que expressasse a resistência,
mas também a alegria e inclusão.
Daí surge a sequência de cores pensadas por Baker, em 1978, às quais foram atribuí-
das os seguintes significados: rosa para sexualidade, vermelho para a vida, laranja para
a saúde, amarelo para o sol, verde para a natureza, azul para a arte, índigo para sereni-
dade e violeta para espírito.
Inspirada pela bandeira estadunidense e pela chamada bandeira da raça humana, uma
referência hippie do final da década de 1960, o material costurado por Gilbert Baker
tomou a licença de incluir o rosa entre as sete cores presentes no arco-íris.
Por conta da dificuldade em encontrar algumas tonalidades, uma bandeira muito co-
mum em passeatas e manifestações é a de seis faixas com vermelho, laranja, amarelo,
verde, azul e roxo.
Mais bandeiras
46
Marielle
Franco
presente!
Lésbica, negra, socióloga e feminista, Marielle Francisca da Silva, conhecida como Ma-
rielle Franco, foi criada na favela da Maré e tinha 28 anos quando foi assassinada em
14 de março de 2018 ao lado do motorista Anderson Gomes. Eles foram atingidos por
13 tiros em Estácio, região central da cidade do Rio de Janeiro, enquanto voltavam de
um evento na Lapa.
Formada em Ciências Sociais pela PUC-Rio, com bolsa integral do Programa Universi-
dade para Todos (ProUni), e mestre em Administração Pública pela Universidade Fede-
ral Fluminense, Marielle foi eleita vereadora no Rio pelo Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL), em 2016.
Durante o mandato, Marielle denunciou por diversas vezes execuções atribuídas às
milícias cariocas e criticou o trabalho da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Antes
de morrer, tinha sido eleita também relatora da Comissão Representativa da Câmara
de Vereadores.
Após três anos de sua morte, e mesmo com a prisão de dois policiais militares respon-
sáveis pelo crime, o Brasil ainda não sabe quem mandou matar Marielle e Anderson.
Você sabia?
Mesmo com o machismo e a LGBTQIA+fobia ainda presentes
nos estádios, há ao menos 14 torcidas organizadas assumida-
mente LGBTQIA+ no país.
47
A VIOLÊNCIA CONTRA
TRAVESTIS E TRANSEXUAIS
SEGUNDO A ONG
TRANSGENDER
EUROPE (TGEUE),
DESDE 2008,
O BRASIL É O
PAÍS QUE MAIS
MATA TRANS
NO MUNDO
fonte: dossiê antra – janeiro de 2021
48
ASI L
B R
1170PAÍSES
PAÍSES 11 PAÍSES 51%
NO MUNDO NO MUNDO
PCONSIDERAM
DAS PESSOAS
UNEM PUNEM LGBTQIA+
CRIME SER
COM MORTE COM MORTE AGREDIDAS
GAY OU
RELAÇÕES RELAÇÕES EM 2020
.... LÉSBICA
HOMOS
HOMOSSEXU-
SEXU- HOMOAFETIVAS ERAM NEGRAS
AIS
fonte: relatório homofobia patrocinada pelo estado – elaborado pela ilga – 2019
49
“A violência simbólica da palavra é tão Ex-coordenador do Coletivo LGBTQIA+ da
dura ou até pior do que uma agressão fí- CUT e ex-integrante do extinto Conselho
sica. Chamar alguém de bicha, sapatão Nacional de Combate à Discriminação e
ou dizer a uma travesti ou transexual que Promoção dos Direitos de LGBT, ele res-
precisa trocar de roupa e se vestir direito, salta que os retrocessos impostos atual-
muitas vezes marca mais do que levar um mente no Brasil após um período de avan-
tapa na cara. Até porque, não se ouve isso ços vivenciados a partir dos anos 2000,
só uma vez”, aponta José Carlos do Pra- buscam estrangular os espaços de refle-
do, o Zezinho, secretário de escola e dire- xão.
tor do Sindicato dos Funcionários e Servi- Como é o caso das salas de aula, onde o
dores da Educação de São Paulo (Afuse). Projeto Escola Sem Partido – engavetado
A agressão verbal, muitas vezes difícil de em 2018 e reapresentado em 2019 como
ser detectada, se manifesta na forma de Projeto de Lei 246/19 – busca aplicar uma
ameaças, constrangimento, humilhação, espécie de ‘lei da mordaça’ sobre os pro-
perseguição, ridicularização, entre outras fessores.
ações que visam fragilizar alguém. Não é O conteúdo ‘atualizado’ pela deputada fe-
incomum, ainda, que se culpe o agredido deral Bia Kicis (PSL-DF) permite que es-
por ‘fazer-se de vítima’, ou que o agressor tudantes de escolas públicas gravem as
aponte que ‘vivemos tempos chatos e re- aulas para que os pais possam avaliar o
pressores’. conteúdo pedagógico aplicado nas sa-
Viver em uma sociedade que refletiu so- las. Na prática, o objetivo é coibir o pa-
bre seus rumos e passou a cobrar o fim da pel emancipador da educação, ao intimi-
discriminação é avanço e não o contrário, dar os educadores para que não tragam
conquistado por quem se fortaleceu indi- à tona temas que conflitem com valores
vidual e coletivamente, como conta Zezi- conservadores. “Muitas escolas tinham
nho. debate de gênero de forma mais aberta.
“Meu jeito de olhar já fazia com que qual- Não como queríamos, mas já tínhamos
quer tentativa de me atacar fosse pensa- avançado bastante. O que vivenciamos
da duas vezes. Deixava nas entrelinhas agora é um retrocesso em questão de gê-
que se tivesse alguma ação, teria reação nero, respeitabilidade e combate à discri-
à altura”, explica o também dirigente da minação”, avalia Zezinho.
Confederação Nacional dos Trabalhado-
res em Educação (CNTE).
50
As pessoas so
LGBTQIA+
b o olhar
e ne
Kb “As pessoas LGBTQIA+ são seres humanos a serem respeitados e aco-
dio
As pessoas
giosos, espirituais e monásticos. Não posso responder por todo o
Budismo, visto que é descentralizado, amplo, vasto e com inúmeras
ramificações. Só posso falar por mim e por minha comunidade zen
budista, onde todos são igualmente recebidos, incluídos e respeita-
Monja Coen
Fo
to
:R
“O Candomblé enxerga, sente e percebe tudo que é ‘humano’ como exis-
og
er
tência. Memórias existenciais que emergem das possibilidades de
C
ipó
encruzilhadas. Portanto, os rótulos coloniais são posteriores a uma
cosmopercepção epistemológica de Terreiro. Muito embora não se-
jamos todos iguais e nem precisemos ser, não são os afetos e os
desejos que nos definem ou nos excluem de uma origem que se volta
para a força criadora chamada de 'Deus'.”
Fo
to:
Ag
ên
“Perdão para o grupo LGBTQIA+. Ninguém pode achar que a homofo-
cia
bia vem de Deus. Ninguém pode achar que a LGBTfobia vem de Deus.
B
ras
Pe
ss
oal
51
DISCRIMINAÇÃO
A PESSOAS LGBTQIA+
É CRIME, DENUNCIE!
Delegacias
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
190
Canal da Política Militar para registrar
casos de violência - Atende 24 horas.
Disque 100
Canal do Departamento de Ouvidoria
Nacional dos Direitos Humanos -
Atende 24 horas.
52
uma vítima a fazer
A DENÚNCIA
A Associação Nacional de Traves-
tis e Transexuais preparou uma Muitas vivem em situação de vulne-
cartilha com informações sobre rabilidade e o ambiente de uma de-
como ajudar uma vítima de violên- legacia pode intimidar ainda mais.
cia a efetivar a denúncia. Preste Mas existem alternativas, como
atenção nessas dicas: Comissões da Diversidade Sexual e
de Gênero das OAB de cada estado,
1. ESCUTE E ACREDITE NA Núcleos Especializados de Prática
HISTÓRIA DA VÍTIMA: Jurídicas nas universidades (que
Vítimas de violência sentem mui- prestam assessoria gratuita a po-
ta culpa, medo, vergonha e nor- pulações em situação de vulnerabi-
malmente estão inseguras para lidade), ONGs LGBTQIA+ e ativistas
registrarem a denúncia na delega- de direitos humanos que podem
cia. Faça com que se sinta confor- ajudar nesse processo de denúncia.
tável para buscar apoio. Há estados e cidades que contam
com Conselhos LGBTQIA+, Coorde-
2. NÃO DEIXE A VÍTIMA SOZINHA:
nações de Políticas LGBTQIA+ (ou
Deixar claro para a vítima que ela
de Diversidade Sexual e de Gênero),
não está sozinha é importante
delegacias especializadas e canais
para fortalecer sua decisão de
de denúncia por telefone como o
efetivar a denúncia. Ela precisa
Disque 100 LGBT.
saber que poderá contar com uma
rede de apoio que vai além das Procure se informar em seu estado
instituições. para utilizar todos os mecanismos
que estão à sua disposição. Saiba
3. SUGIRA BUSCAR AJUDA EM que existe de fato uma comunidade
OUTROS LUGARES ALÉM DA LGBTQIA+, desde ativistas a não-a-
DELEGACIA: tivistas que querem se ajudar reci-
É comum que pessoas LGBTQIA+ procamente para enfrentar casos
recusem-se a ir a uma delegacia. de discriminação LGBTQIA+fóbica.
53
Gisberta Salce Junior nasceu na cidade apontaram que, apesar de inconsciente, ela
de São Paulo com o nome de Gisberto estava viva quando foi jogada amarrada a
e, em 1979, mudou-se do bairro da Casa um pedaço de madeira.
Verde, na zona norte da capital paulista, No dia 22 de fevereiro de 2006, aos 45 anos,
A LUTA
NÃO VAI
PARAR
Em 2011, o governo comandado pela ex- Para Keila, esse processo é sempre árduo,
presidenta Dilma Rousseff promoveu a principalmente num Brasil que se comporta
14ª Conferência Nacional de Saúde, que de uma maneira mais agressiva do que há
despertou a atenção pelo foco na demo- 10 anos. “Nunca observamos tantos assas-
cratização do acesso aos serviços públi- sinatos com resquícios de crueldade e ainda
cos pela comunidade LGBTQIA+. dentro de uma subnotificação.”
Na abertura, a travesti Keila Simpson, pre- Keila aponta também que a ausência de po-
sidenta da Associação Nacional de Tra- líticas públicas contribui para esse cenário,
vestis e Transexuais (Antra), falou sobre uma inversão que o país vive desde o golpe
a violência física, mas também simbólica contra a ex-presidenta Dilma.
expressa na rotina de exclusão de pesso- “As políticas públicas são criadas para fazer
as trans de serviços como o SUS. reparações e o pouco das conquistas que
Nascida em Pedreiras, no Maranhão, ela temos hoje foram fruto delas. Resultado de
chegou a Salvador (BA) em 1985 após um debate amplo que tivemos com governos
transitar por diversos estados e países tra- progressistas. Esse processo foi interrompi-
balhando na prostituição. do depois de 2016 e ficou muito pior com a
Nos anos 1990, a convite do antropólogo ascensão do atual governo de extrema-direi-
e historiador Luiz Mott, fundador do Grupo ta (de Jair Bolsonaro), que tem uma pasta de
Gay da Bahia, começou um trabalho vo- direitos humanos que fica maquiando ações,
luntário de distribuição de preservativos. mas não faz nada na prática”, critica.
Com vários canais de diálogo estabeleci- Para reverter esse quadro, destaca, posicio-
dos, fundou a Associação de Travestis de nar-se é fundamental. “A LGBTQIA+fobia é
Salvador, ferramenta fundamental para crime e é preciso denunciar. Precisa utilizar
Foto: Arquivo Pessoal
consolidar a identidade política. os canais que temos, seja o Disque 100, se-
“A minha identidade foi construída desde jam serviços que estejam disponíveis nos es-
sempre, sempre me entendi como traves- tados e municípios. Na medida do possível ir
ti. Não passamos por fases, como muita à delegacia fazer boletim de
gente pode acreditar, mas uma transição ocorrência para gerar núme-
de identidade a partir da descoberta de ros que comprovem essa vio-
que não se quer nada do universo masculi- lência e nos deem força para
no, que quer se comportar como sendo do pressionar os governos na
gênero feminino. Que não é um feminino construção de políticas que
de mulher, mas de travestis”, explica. transformem essa realidade.”
foram eleitas
agência Gênero e Número, que anali-
sou as prefeitas e prefeitos eleitos nas
capitais. Em apenas nove delas o can-
entre os candidatos a prefeito, vice-prefeito e
didato ou a candidata apresentou um
vereador no Brasil. Em 2016, foram 26 vereado-
programa de governo com propostas
res e um prefeito.
para mulheres, pessoas negras e a po-
O número de candidaturas foi de 590 pessoas, pulação LGBTQIA+ simultaneamente.
também um recorde, com o PSOL (20 eleitos) e Em 16 dessas cidades, não há sequer
o PT (16) liderando a lista de partidos com mais menção ao tema LGBTQIA+.
vitórias nas urnas.
56
perguntas
para
Isabelly Carvalho
Primeira mulher trans eleita vereadora
em Limeira (SP)
Foto: Divulgação
Por que você resolveu se candidatar e qual Quais as agendas que você julga prioritárias
o impacto da sua eleição na cidade? para a comunidade LGBTQIA+ e que deveriam
Já venho exercitando a vida política há mais estar presentes no legislativo?
de 10 anos. A partir do movimento LGBTQIA+ Não podem estar de fora de qualquer
eu pude conhecer e ter contato com outras política o combate à discriminação. Quebrar
frentes de luta tão importantes quanto, o ciclo de violência da sociedade é uma
como a luta das mulheres, por moradia, da estratégia política e de vida, fundamental
pessoa com deficiência. Costumo dizer que para que as políticas que elaboremos para a
não venho apenas da agenda LGBTQIA+, comunidade LGBTQIA+ tenham efetividade.
mas da agenda ampla dos direitos Precisamos resgatar também a consciência
humanos. E a política institucional é um de classe da comunidade, nem todos
instrumento muito importante para causar despertaram para a vida política, nem todos
as transformações sociais. vivenciaram a passagem da vergonha para
Nem todos os candidatos e as candidatas o orgulho dentro do conceito de identidade
da comunidade LGBTQIA+ que se elegeram de gênero. Somos atravessados por outros
defendem uma pauta progressista. Ainda recortes sociais que incidem sobre a nossa
assim é possível criar frentes de luta vida, somos trabalhadores e trabalhadoras,
comuns? também somos negros e negras, mulheres,
De fato, temos LGBTQIA+ de direita. O que indígenas e pessoas com deficiência.
nos distingue é a performance política. Não Não vamos combater a LGBTQIA+fobia se não
só a representatividade importa, mas precisa combatermos juntos o racismo, o machismo,
saber de qual lado se está na história, a qual o fascismo que avança sobre o Brasil. Não
camada da sociedade responde. vamos combater a LGBTQIA+fobia se não
Não basta pertencer a um grupo combatermos a violência, tanto física quanto
estigmatizado e corroborar com as política que atinge, sobretudo, a nós, já que
opressões, não lutar contra eles para vários dos parlamentares da ala conservadora
agradar determinada camada da população aproveitam-se da desinformação e do medo
que sempre se beneficiou dos preconceitos para se elegerem como aqueles que nos
e que busca impedir que nos levantamentos perseguem.
politicamente.
Ainda assim, eu acredito que seja possível
construir frentes de luta conjuntas porque
temos em comum um histórico de exclusão
e preconceito que todos e todas que não
são cis gênero, heterossexuais, vivenciam.
57
AS BASES PARA A
CRIMINALIZAÇÃO
LGBTQIA+ NA
DITADURA SÃO
AS MESMAS QUE
NORTEIAM
O GOVERNO
BOLSONARO
Em entrevista, o professor de Direito da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e
autor do livro ‘Ditadura e homossexualidade:
58
Além do enfrentamento político, a ditadura apropriar da rebeldia da
encampava um embate moral e você fala so- juventude, das questões se-
bre isso em seu livro. Como essa perseguição xuais para poder dissolver a
ocorria e quais heranças deixou? força da coesão da sociedade, que
seria a família.
A gente reduzia a ditadura a uma sucessão de
generais que perseguiam uma oposição geral- Na doutrina de segurança nacional, que
mente encarnada pela luta armada, mas perdia inspirou a ditadura, havia um elemento moral
de vista que a ditadura sempre teve um com- que vinha desde os Estados Unidos, do macar-
ponente moral muito claro. Junto com o auto- thismo, que se desenvolve a partir do concei-
ritarismo político, sempre houve o ingrediente to da Guerra Fria, a ideia de que o comunismo
significativo do conservadorismo. Basta lem- utilizava os componentes de comportamento
brar da marcha da família com Deus pela liber- para atacar as instituições ocidentais e capita-
dade, que respaldou o golpe civil e militar de listas. A ditadura foi convertendo as questões
1964. Ainda que esse conceito moral já existis- morais em políticas de Estado para reproduzir
se no país como uma herança portuguesa, do um padrão de família e de juventude e impedir
processo de colonização, a ditadura vai acabar qualquer questionamento à ordem.
alçando essa LGBTfobia a um patamar institu-
cional, de política pública. Outra dimensão era a visão moral do próprio
censor. Como não tinha uma legislação clara
Nas minhas pesquisas, identifiquei uma série do que seria moral e bons costumes, os censo-
de violações que foram praticadas, desde a res tiravam da própria cabeça os parâmetros.
discriminação no trabalho contra civis a mi-
litares que foram cassados por acusação de Mas havia padrões repressivos diferentes, en-
‘homossexualismo’, como se dizia à época. quanto que para o comunista existia um ataque
Também havia uma série de operações poli- armado, com execuções sumárias, desapareci-
ciais que ocorriam principalmente nos guetos mentos, torturas e prisões arbitrárias, no caso
pobres das grandes cidades nas quais a violên- das pessoas LGBT isso se resumia a prisões e
cia policial era marcante contra pessoas LGBT. espancamentos para coibir a presença em es-
Também muitos casos de censura em peças paços públicos. Uma tentativa de impedir que
teatrais, programas de televisão, músicas e esses corpos e pessoas pudessem ser reco-
criações culturais e artísticas em geral. nhecidos pela sociedade.
No governo que estamos vivendo no Brasil hoje, A semelhança desse período com o Brasil atual
do Bolsonaro, fica muito claro que o autorita- é assustadora. Você identifica o que permitiu
rismo político se mantém presente, na forma que esse padrão se repetisse?
como reivindicam o legado da ditadura, exal- Há alguns fatores, a começar pela formação
tando torturadores e o AI-5. Ao mesmo tempo moral conservadora da sociedade brasileira.
em que defendem um modelo de família tradi- O processo de colonização foi muito violento,
cional, heteronormativa, com uma visão binária principalmente no campo simbólico e cultural,
de gênero. Isso mostra que há uma trajetória por meio da imposição de uma religião cristã
de fôlego nessas amarrações dentro da socie- católica como eixo de formação de estados
dade brasileira. brasileiros.
Você diz que com a ditadura houve uma ins- O discurso religioso que
titucionalização da homofobia. De que forma sempre caracterizou a
isso acontecia efetivamente? homossexualidade
Dependia do órgão repressivo, mas, basica- como um pecado
mente, existia uma visão que associava a sub- nefando, o mais
versão moral, o desejo LGBT a uma estratégia grave de ser prati-
do movimento comunista internacional de se cado, dá uma ex-
Fo t Fo t o : W a t s o n F ot o : A rq ui v
op
o: Ins es
Di tit so
vu ut
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nU
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Lista de
Foto: Jiroe/Unsplash
músicas
QUE EMBALARAM A PRODUÇÃO
DO ALMANAQUE LGBTQIA+
Fotos: Divulgação
Acesse o código
para ouvir a playlist
do Almanaque
61
FONTES de, 2008. 246 p. – (Série C. Projetos, Programas e
Relatórios). Disponível em: <http://conselho.saude.
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