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Da justiça em nome d’El Rey

Justiça, ouvidores e inconfidência


no centro-sul da América portuguesa
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Reitor
Ruy Garcia Marques

Vice-reitora
Maria Georgina Muniz Washington

EDITORA DA UNIVERSIDADE DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Conselho Editorial
Bernardo Esteves
Erick Felinto
Glaucio Marafon
Italo Moriconi (presidente)
Jane Russo
Maria Aparecida Ferreira de Andrade Salgueiro
Ivo Barbieri (membro honorário)
Lucia Bastos (membro honorário)
Claudia Cristina Azeredo Atallah

Da justiça em nome d’El Rey


Justiça, ouvidores e inconfidência
no centro-sul da América portuguesa

Rio de Janeiro
2016
Copyright  2016, Claudia Cristina Azeredo Atallah.
Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É proibida
a duplicação ou reprodução deste volume, ou de parte do mesmo, em quaisquer meios, sem autorização
expressa da editora.

EdUERJ
Editora da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rua São Francisco Xavier, 524 – Maracanã
CEP 20550-013 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Tel./Fax.: 55 (21) 2334-0720 / 2334-0721
www.eduerj.uerj.br
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Editor Executivo Glaucio Marafon


Coordenadora Administrativa Elisete Cantuária
Apoio Administrativo Roberto Levi
Coordenadora Editorial Silvia Nóbrega
Assistente Editorial Thiago Braz
Coordenadora de Produção Rosania Rolins
Assistente de Produção Mauro Siqueira
Supervisor de Revisão Elmar Aquino
Revisão Ana Maria Bernardes
Elmar Aquino
Capa Carlota Rios
Projeto e Diagramação Emilio Biscardi

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC

A862 Atallah, Claudia Cristina Azeredo


Da justiça em nome d’El Rey : justiça. ouvidores e
inconfidência no centro-sul da America portuguesa /
Claudia Cristina Azeredo Atallah. - Rio de Janeiro :
EdUERJ, 2016.
276 p.

ISBN 978-85-7511-383-7

1. Brasil - História - Séc. XVIII. I.Título.

CDU 981”17”
Imagem de capa: “Pelourinho em Ferreira de Aves”. Disponível em:
<http://retratoserecantos.pt/freguesia.php?id=1835#>
Para João Pedro,
luz da minha vida.

Para mamãe,
obrigada por tudo.
Agradecimentos

O livro que apresento ao leitor se trata de uma versão modificada de


minha tese de doutorado, que foi defendida pela Universidade Federal Flu-
minense em 2010. Foram quatro longos anos de pesquisa e trabalho árduo,
como toda tese que se preze. Sem parcimônia, confesso que adquiri muitas
dívidas de gratidão que não poderia deixar de mencionar nesse breve espaço.
Durante a primavera de 2006 conheci Maria de Fátima Gouvêa. Pro-
fessora e historiadora brilhante, orientadora e amiga que mais tarde se tor-
naria uma referência em minha vida profissional. Agradeço a Fátima pela
inspiração de uma vida!
Agradeço também a Ronald Raminelli. Além de se responsabilizar por
dar continuidade à orientação num momento tão difícil, contribuiu, com
severa competência profissional, para que muitas questões fossem iluminadas
e sanadas. Acredito que, sem o rigor que o norteia, isso não seria possível.
Com o grupo de pesquisa Antigo Regime nos Trópicos adquiri uma
dívida incomensurável! Suas estruturas teórico-metodológicas foram funda-
mentais em minha formação e se apresentam hoje como fundamentais para a
construção do conhecimento histórico.
Agradeço à CAPES pela concessão da bolsa de estudos PDEE, respon-
sável pela pesquisa em Portugal. Sem esse período, os apontamentos sobre os
ouvidores durante o período pombalino não seriam possíveis. Ao professor
José Subtil agradeço pela orientação do estágio sanduíche. A respeito do seu
conhecimento e erudição não nos parece necessário falar, pois está evidente
em toda a sua produção acadêmica. Aqui gostaria de atentar para a simpatia e
humildade com as quais me recebeu em sua sala na Universidade Autónoma
de Lisboa. As conversas na Torre do Tombo foram fundamentais para uma
8 Da justiça em nome d’El Rey

melhor contextualização das minhas pesquisas sobre Minas Gerais colonial.


Ainda sobre esse período, preciso agradecer também ao professor Nuno Ca-
marinhas. A gentileza e simpatia com as quais atendeu às minhas diversas
interlocuções são aqui dignas de nota.
Agradeço à professora Junia Furtado pelas constantes e primorosas in-
terlocuções, iniciadas já durante a qualificação de doutorado.
À Faperj agradeço pelo financiamento que tornou possível a editoração
e publicação de minha tese.
Agradeço, por fim e profundamente, à minha família, testemunhas
oculares dos prazeres, desgastes e desbotamentos provocados pela vida acadê-
mica. Alexander, meu marido e companheiro (considerando a perfeita acep-
ção desta palavra), pela parceria. Tia Roseléa, o carinho e o titânico apoio
com João Pedro. Este, aliás, filho querido e extremamente paciente ao dividir
a mamãe com livros, teclados e com o estresse, inclusive. E a Rosemary, mãe
querida, que no infinito zela por nós...
Sumário

Prefácio......................................................................................................................................11

Introdução................................................................................................................................15

Primeira parte: As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão


acerca do caráter do poder..................................................................................................27

Capítulo 1 – O caráter do poder no Antigo Regime português...........................29


A questão político-filosófica e a segunda escolástica................................................ 29
O Desembargo do Paço e a representação do poder................................................ 37

Capítulo 2 – Administração e poder nas Minas Gerais do


Antigo Regime.........................................................................................................................51
As Minas setecentistas por seus contemporâneos...................................................... 53

Segunda parte: A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas


no governo de D. João V.....................................................................................................75

Capítulo 3 – Os ouvidores e o Império......................................................................... 77

Os ouvidores na América portuguesa........................................................................... 88

Capítulo 4 – A formação político-institucional de Minas Gerais..................... 101


A ocupação das Minas................................................................................................... 101
A instituição das câmaras e o papel da comarca do Rio das
Velhas no tabuleiro colonial do século XVIII......................................................... 105
Capítulo 5 – Relações de poder em Sabará: o ouvidor, o governador e
suas redes (1720-1725)..................................................................................................... 117
Novas diretrizes para a administração do ouro: a criação da capitania
de Minas Gerais............................................................................................................... 117
Práticas políticas do Antigo Regime: as diversas faces do poder........................ 121

Terceira parte: Tensões e conflitos: a época de Pombal e a


Inconfidência de Sabará................................................................................................... 149

Capítulo 6 – O ministério pombalino e as inovações


político-administrativas: no limiar do Antigo Regime......................................... 151
O terremoto e a política................................................................................................ 151
A política de fidelidade e a caça às bruxas................................................................ 160
O papel dos homens do Desembargo do Paço....................................................... 167
As reformas no direito e na educação........................................................................ 177

Capítulo 7 – O centro-sul da América portuguesa e os


reflexos da política pombalina....................................................................................... 187
A criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro............................................. 187
A América portuguesa no contexto pós-terremoto................................................ 192
A capitania de Minas Gerais e a época de Pombal................................................. 196
Um novo regimento para a justiça das Minas......................................................... 208

Capítulo 8 – Inconfidência do ouvidor de Sabará: José de Góes


Ribeiro Lara de Moraes, o Tribunal de Inconfidência e as redes locais.......... 213
E o ouvidor viraria inconfidente... ............................................................................ 235
A inconfidência deixa de ser inconfidência: D. Maria e o perdão
aos condenados de Pombal........................................................................................... 242
Concluindo....................................................................................................................... 246

Conclusão.............................................................................................................................. 249
Fontes e referências............................................................................................................. 255

Sobre a autora....................................................................................................................... 275


Prefácio

Nas monarquias ibéricas, o governo polissinodal originou uma mul-


tiplicidade de centros de decisão que envolvia não somente os conselhos,
mas também as juntas, os parentes do rei, a corte e seus principais aliados.
O sistema não fora concebido de forma hierárquica, padecia então da falta
de centro, de um conselho centralizador. Estava, portanto, dominado pela
desordem, embora funcionasse de forma eficiente. A atuação do rei, ao aglu-
tinar as instâncias de decisão, era fundamental por promover o equilíbrio
entre os conselhos. Os monarcas eram o centro do sistema, a personificação
de Deus sobre a Terra, divindade e herói descido do céu. Por sua natureza e
características, os reis eram a incorporação da monarquia, pois contavam, se-
gundo seus ideólogos, com inteligência superior, diplomacia e perfectibilida-
de. A fragmentação do governo não diminuía a aura divina do soberano. Era
o escolhido de Deus, capaz de suscitar lealdade e obediência entre os súditos.
Assim, os conselhos não formavam um sistema e integravam-se com
muita dificuldade; eram palco das resistências locais, da manutenção das
tradições e autonomia dos reinos. Para atenuar a tendência centrífuga, os
monarcas procuravam enviar os mesmos decretos a vários sínodos, pedir-
-lhes pareceres sobre um mesmo tema, convocar reuniões, constituir juntas
compostas de membros de diferentes conselhos. As consultas eram também
mecanismos de integração. De caráter político e administrativo, elas asses-
soravam o monarca nas decisões, pois avaliavam problemas com base em
comentários pessoais e de colegiados. Originavam-se do próprio conselho
emissor, de outros sínodos, juntas, secretários, ou de particulares. Para resol-
ver as querelas, os conselheiros emitiam parecer unânime, ou chegavam a um
veredicto recorrendo à votação. Os debates nem sempre originavam registros
12 Da justiça em nome d’El Rey

escritos, muitas de suas decisões, portanto, se perderam. No entanto, uma


parte substancial das consultas se preservou ao receber registro em papel.
O estudo de Claudia Cristina Azeredo Atallah aborda exatamente o es-
forço pombalino para conter a pluralidade, por vezes desnorteadora, promo-
vida pelo “governo policêntrico”. A modernização administrativa analisada
neste estudo servia de contraponto às práticas governativas dominadas pelas
querelas vivenciadas nos conselhos. O impacto das reformas empreendidas
pelo marquês atuou não somente no campo educacional e acadêmico, mas
também na retração do poder de decisão dos conselheiros. Os secretários de
Estado tornaram-se sinônimos de centralização política e representavam um
duro golpe contra as teorias que sustentavam a razão política corporativa e ju-
risdicional. Nesse sentido, o precioso balanço das reformas pombalinas é uma
importante contribuição do presente estudo, pois analisa em pormenores
como a intervenção se deu no Reino e no centro-sul da América portugue-
sa. Embora a análise tenha grande espectro, enfoca notadamente o sistema
judiciário ultramarino, os ouvidores e desembargadores da Relação do Rio
de Janeiro. Aliás, o livro ainda analisa um tema da maior importância para
o debate historiográfico recente: os conflitos juridiscionais entre as diversas
instâncias do poder colonial, notadamente entre governadores e ouvidores.
Nas últimas décadas, os debates em torno do Estado Moderno têm
suscitado perspectivas muito originais e capazes de elucidar os entraves à cen-
tralização política empreendida pelos monarcas, particularmente no Século
das Luzes. Vale mencionar os conflitos jurisdicionais, abordados com muita
pertinência neste livro. Inicialmente, na historiografia brasileira, tais confli-
tos denotavam a irracionalidade ou incongruência do sistema administrativo
português. Como salientou Caio Prado Júnior, “a extensão do país, a dis-
persão do povoamento, a deficiência de recursos tornavam difícil a solução
do problema de fazer chegar a administração, numa forma eficiente, a todos
os recantos de tão vasto território”. De fato, os conflitos de jurisdição não
devem ser entendidos como incongruências, mas mecanismos para distribuir
poderes em territórios distantes do centro. Em vez de evidenciar a irracio-
nalidade do sistema administrativo, os conflitos de jurisdição demonstram a
sobreposição dos poderes do governador, ouvidor, corregedor, juiz de fora,
entre outros. Era um mecanismo régio empregado para neutralizar a grande
distância entre os poderes centrais e locais, fosse do Reino ou do ultramar.
Constituía uma estratégia deliberada para subtrair dos oficiais régios e dos
Prefácio 13

homens bons a independência frente à monarquia, gerando conflitos entre os


próprios representantes da Coroa, ou entre os últimos e os moradores.
J. H. Parry recorreu ao conceito de “system of checks and balance” para
analisar os efeitos dos conflitos de jurisdição e o considerou uma necessidade
no vasto Império, onde, em princípio, a difícil comunicação entre o centro
e as localidades reduzia a capacidade de intervenção régia e incentivava a
autonomia do poder local. Tal sistema, segundo Frederick Pike, envolvia o
controle recíproco dos oficiais régios, que podiam reportar os conflitos e as
queixas diretamente ao rei. Além desse mecanismo, as autoridades emprega-
ram as residências, visitas e investigações, quando os conselhos e as secretarias
tomavam conhecimento dos conflitos entre as autoridades.
Distante do centro, os governadores, magistrados e os oficiais da câ-
mara estariam mais sujeitos aos conflitos de jurisdição. Segundo tal pres-
suposto, os embates entre os oficiais régios e as elites locais seriam mais
intensos para compensar a distância do centro administrativo. Em contra-
partida, próximo ao monarca, os conflitos seriam menores, pois as divisões
de tarefas seriam mais claras. Para além da sobreposição de tarefas impostas
por Lisboa, percebe-se que os conflitos de jurisdição podem indiciar o em-
bate entre o “direito público”, ordenador das relações coletivas, e os inte-
resses particulares, que também moviam os oficiais régios e as elites locais.
Para testar essa hipótese, há que se analisar os intervenientes do conflito no
espaço e na cronologia.
Em princípio, deve-se analisar a dimensão espacial dos conflitos, ou
seja, a intensidade dos conflitos registrados no Reino e no ultramar. Verificar
se há uma cronologia para ativar ou amenizar as disputas entre os próprios
oficiais régios, entre os últimos e os poderes locais. Deve-se ainda verificar
se a proximidade do Desembargo do Paço, conselhos e relações promovem
alteração na dinâmica dos conflitos. No âmbito local, analisar na cronolo-
gia os conflitos entre juízes de fora, provedores, corregedores, ouvidores e
governadores. Analisar ainda as disputas entre os conselhos ou as secretarias
de Estado e os oficiais régios que atuavam no âmbito local ou municipal,
no Reino, nas ilhas e no ultramar. Além dos conflitos no interior da admi-
nistração régia, analisar, no âmbito temporal, os conflitos entre os poderes
senhoriais e os oficiais régios, entre os primeiros e os conselhos/secretarias.
Essa mesma perspectiva serve para a análise dos conflitos entre os particulares
e as instâncias centrais e periféricas do poder régio.
14 Da justiça em nome d’El Rey

Tema central do presente livro, a Inconfidência do ouvidor de Sabará


presta-se com perfeição para refletir sobre os conflitos entre as autoridades
em regiões ultramarinas. Ao longo dos embates, o ouvidor José de Góes Lara
de Moraes perdeu a aura de agente da monarquia para se tornar inconfidente.
O imbróglio envolvia o ouvidor, o juiz dos órfãos e ausentes, procurador da
câmara, tesoureiro e o governador da capitania de Minas. Ao interferir nos
assuntos camarários e denunciar irregularidades na prestação das contas do
ex-tesoureiro e procurador, o magistrado enredou-se em uma teia tramada
pelos poderes locais, capaz de incriminá-lo e fazê-lo perder sua autoridade
como representante máximo da justiça naquela paragem. O magistrado tra-
vou ainda embates com o governador, que escreveu a Lisboa para denun-
ciar suas blasfêmias contra o então poderoso Pombal. Por certo, como bem
conclui Claudia Atallah, a sobreposição de funções, as fronteiras tênues da
atuação de funcionários régios e dos poderes locais incentivaram os conflitos
e provocaram a reação contra o ouvidor. Enfim, o livro é uma boa oportuni-
dade tanto para refletir sobre a centralização política arquitetada no tempo de
Pombal, quanto para investigar as tensões entre os poderes locais e os oficiais
régios enviados de Lisboa.

Niterói, 27 de setembro de 2014.


Ronald Raminelli
Introdução

Este livro consiste num estudo das relações políticas típicas do Antigo
Regime português (1720-1777) pela ótica da atuação dos ouvidores na co-
marca do Rio das Velhas, capitania de Minas Gerais. Procuramos compreen-
der tais relações com base em uma razão política corporativa e jurisdicional,
contemplando a atuação desses homens nomeados pelo Desembargo do Paço
para assumir o cargo de ouvidor-geral na região mineradora e considerando
essa instituição como representante máxima da razão política típica do An-
tigo Regime português, que, segundo o historiador José Subtil, “cumpria a
função mais nobre do príncipe” (2005a, p. 255).
Analisando as práticas políticas cotidianas nas Minas Gerais e os confli-
tos entre os representantes do centro administrativo, foi-nos possível identifi-
car traços que relacionam a administração das minas com a razão maior que
regia todo o Império português. Nesse ambiente, os oficiais régios exerciam
seus espaços de poder, que muitas vezes se confundiam, demarcando de for-
ma híbrida as fronteiras jurisdicionais que os separavam, como acontecia em
todas as regiões coloniais.
Isso reflete bem toda a razão política que caracterizava o Antigo Regi-
me em Portugal.1 A ligação entre o centro e as diversas periferias políticas,
em todo o Império, era deveras marcada por relações clientelares que susten-
tavam o tom das práticas políticas, tangenciadas pela tradição corporativa e
1
Tais relações eram fruto de um pacto político entre o soberano e o povo, que “impunha limites
à atuação dos monarcas, que buscavam o constante beneplácito dos governados ao se apresen-
tarem como reis magnânimos e misericordiosos, o que acabou por conferir à coroa portuguesa
sensação de fragilidade, revelando os limites de mesmo poder” (Furtado, 2009a, p. 121).
16 Da justiça em nome d’El Rey

jurisdicional. Nesse panorama, os oficiais da justiça representavam legitima-


mente a Coroa em seus domínios ultramarinos, caracterizando a importân-
cia visceral do Desembargo do Paço. Eram os representantes do centro nas
periferias políticas imperiais.2
Com base nesse contexto, podemos compreender o abalo que o minis-
tério do marquês de Pombal causou no universo político desses homens. A
imputação de uma centralização política tornou-se evidente nas mudanças
no campo educacional e acadêmico, bem como nas novas diretrizes dadas à
Universidade de Coimbra e ao Desembargo do Paço, principais redutos de
uma elite formada para servir à Coroa nos moldes da tradição. O esforço em
combater as teorias que alimentavam, havia dois séculos, a razão política cor-
porativa e jurisdicional se configura com os ensejos reformistas do ministro:
a expulsão dos jesuítas em 1759, assim como a reforma na educação iniciada
a partir daí, são exemplos tácitos de que alguns pontos das propostas de re-
forma se concretizaram. No entanto, o combate às tradições políticas típicas
do Antigo Regime não foi assim tão simples.
O primeiro período, que corresponde aos anos de 1720 a 1725 da
monarquia de D. João V, será abordado aqui com base no estudo da atuação
e dos conflitos jurisdicionais que existiram entre o ouvidor José de Souza
Valdez, o governador D. Lourenço de Almeida, o provedor da Fazenda Real
Antônio Berquo Del Ryo e alguns outros oficiais envolvidos. Abordaremos
para tal seus complexos desdobramentos, mapeados pelo tom de negociação
entre os oficiais régios, que se valiam de seus espaços legítimos de poder, haja
vista a efemeridade das fronteiras jurisdicionais.
Nas nossas diretrizes interpretativas, a deflagração da Inconfidência de
Sabará, em 1775, torna evidentes os rumos traçados pelo ministério pomba-
lino, para quem a centralização e o controle sobre os oficiais que exerciam
cargos de confiança em nome da Coroa eram prioridades capazes de superar
a tradição política que havia formado aqueles homens. Identificamos, a partir
daí, a tentativa do marquês de Pombal em institucionalizar uma política de
fidelidade, a qual passava pela seleção dos agentes que iriam servir aos es-
forços reformadores. Alguns meios foram fundamentais para a manutenção
do controle. Privilegiaremos o estudo do Tribunal de Inconfidência como
agente por excelência das estratégias políticas empreendidas pelo marquês.

2
Falamos de centros e periferias com base na discussão proposta por Shils (1992).
Introdução 17

Proporemos, pelas vias de nossa abordagem, uma interpretação peculiar para


o estudo da acusação pelo crime de inconfidência, interpretação essa que se
distancia um tanto quanto daquelas abordadas pela historiografia, e que dis-
cutiremos adiante.
Ainda há de se considerar que os ouvidores eram alvos certos dessa nova
política, posto que os oficiais do Desembargo do Paço representavam toda a
razão da tradição corporativa e jurisdicional mantenedora das práticas políticas
que Pombal pretendia superar, com base no ensejo da centralização política.
Pode-se afirmar que a Inconfidência de Sabará foi um produto das mudanças
intentadas por Pombal e da relutância desses oficiais do Desembargo em acatá-
-las; ao mesmo tempo sinaliza um período de franco conflito entre a monar-
quia e alguns de seus funcionários régios, que insistiam em não reconhecê-la no
ministério do marquês, em nome da tradição que os havia formado.
Acerca das diretrizes teórico-metodológicas, acreditamos serem neces-
sárias algumas considerações. Há muito que o estudo político sobre as Minas
é entendido com base em uma dinâmica específica, que considera algumas
peculiaridades da governação portuguesa para aquela região, tudo isso em
um contexto de gradativa centralização político-administrativa imposta pelo
Reino. Em contrapartida a essa centralização e com origem na dispersão do
início do povoamento das minas, teria surgido no seio dessa população uma
propensão para a desordem e para rebeldia, inspirando nos habitantes dos
sertões uma contradição social que suscitava a violência das autoridades. No
universo do Antigo Regime português tudo nas minas soava como indistin-
to. Tais características colaborariam para que surgisse, nos sertões mineiros,
uma sociedade bastante peculiar, diferente das de todas as demais áreas do
Império português.
Essa tradição historiográfica embalou alguns dos mais notórios traba-
lhos acadêmicos sobre a capitania de Minas Gerais e deve muito à linha in-
terpretativa que Caio Prado Júnior assumira em sua obra magistral, Formação
do Brasil contemporâneo (1972). Em uma abordagem de cunho marxista, o
autor procura ressaltar o caráter de dependência e de antagonismo que a
colônia americana apresentava em relação à metrópole lusitana. Ao priorizar
o econômico, o historiador retrata o fracasso da tentativa de translado do
sistema português para os trópicos, o qual resultou num caos administrativo
que facilitava a indisciplina e a corrupção dos agentes metropolitanos. Segun-
do Caio Prado, à Coroa “nada interessava senão o quinto: que fosse pago,
18 Da justiça em nome d’El Rey

por bem ou à força: tudo mais não tinha importância” (p. 177). Trata-se de
uma interpretação extremamente dependente das relações dicotômicas entre
colônia e metrópole. Tudo o que foge desse viés analítico se apresenta como
disforme para o universo social e político-administrativo da época.3
Nossa abordagem seguirá por outro caminho. Com bases em uma
renovada historiografia, que propõe estudar as características do Antigo Re-
gime português em seu contexto imperial e que vem influenciando inúmeros
trabalhos acadêmicos, julgamos ser possível inserir a região das Minas Gerais,
em especial a comarca de Sabará, numa conjuntura maior, qual seja, o estudo
das relações de interdependência que uniam o rei a seus vassalos e os próprios
vassalos entre si.4 Entendemos que o tom de rebeldia e de contradição, muitas
vezes levantado pela historiografia, torna-se mais compreensível se analisado
como reflexo das práticas políticas cotidianas que alimentavam as relações
clientelares e a busca pela cidadania nesse universo.
Propomos uma análise da política administrativa na capitania de Mi-
nas Gerais como uma abordagem de estudo do Antigo Regime nos Trópicos,
pela ótica da ação da justiça. Assim, conceitos como monarquia pluricon-
tinental, economia do bem comum, economia moral de privilégios, redes
clientelares e políticas, que serão discutidos nos próximos capítulos, ficam
muito a dever às pesquisas que os historiadores do grupo de pesquisa Antigo
Regime nos Trópicos vêm desenvolvendo.
A época que corresponde ao Antigo Regime em Portugal assumiu con-
tornos complexos para os olhares contemporâneos, ainda mais se tratando
do século XVIII. Nesse ambiente, a justiça assumiu um papel preponderan-
te. Os homens formados pela Universidade de Coimbra e nomeados pelo
Desembargo do Paço representavam o cerne da administração monárquica.
A ordem social instituída deveria ser vigiada pela justiça, que tinha impor-
tância nuclear para a organização sociopolítica de então, impregnada que
estava da filosofia neotomista aquiniana, para a qual o monarca representava
o mais célebre executor da justiça e da manutenção da harmonia jurídica. O
3
Tal tradição historiográfica agrega várias gerações de historiadores, responsáveis por grandes
obras sobre a história do Brasil colonial, como Souza (1985) e Novais (1995).
4
Acreditamos que as estratégias utilizadas pela Coroa para cooptar os súditos por todo o Império
atendia à mesma dinâmica governativa do Reino. A garantia legítima dos espaços de poder dos
oficiais régios e das câmaras ultramarinas, bem como a política de concessão de mercês pelos
serviços prestados, faziam parte de uma razão maior, que caracterizava a sociedade e a política
de Antigo Regime europeu e foi transferida para as colônias tropicais.
Introdução 19

ato de governar confundia-se muitas vezes com o ato de julgar, em razão das
implicações que proporcionavam o enraizamento da cultura jurisdicional e
corporativa. Assim, os oficiais da justiça tinham, por legitimidade, influência
sobre o sentido que adquiriam as ações do monarca, exercendo uma força de
ordenamento sobre a razão política do Reino.
Os ouvidores nomeados para ocuparem cargos no além-mar partiam
para as distantes paragens coloniais como legítimos representantes da Coroa
e, imbuídos do poder concedido pelos estatutos e pela monarquia, repre-
sentavam o centro nas diversas periferias em que se desdobrava o complexo
mosaico que era a administração colonial. Fronteiras tênues demarcavam
as jurisdições e as práticas cotidianas desses homens no exercício de seus
cargos. Tais práticas se desdobravam em conflitos por espaços de poder,
conflitos esses frutos de uma razão política corporativa e jurisdicional que
regia todo o Império e que identificava esses homens como legítimos repre-
sentantes da monarquia.
Na região das Minas não foi diferente. Com bases em nossa investi-
gação, foi possível identificar, nas práticas cotidianas que pautavam as ações
dos oficiais régios, as marcas da tradição de Antigo Regime. À centralização
imposta pela monarquia tão defendida pela supracitada historiografia sobre
Minas colonial, opunham-se, para nós e segundo a documentação consulta-
da, os diversos espaços de poder que possibilitavam o governo a distância e
garantiam o domínio português por todo o Império. Redes clientelares que
se desdobravam, sustentando esses homens em seus cargos, também ali se
desenhavam. A região das Minas coloniais estava inserida num contexto que
englobava toda a dinâmica corporativa e jurisdicional da política do Antigo
Regime em Portugal, e a atuação dos homens da justiça nos exercícios de
seus cargos apontava para essa direção. As fronteiras jurisdicionais, tão efe-
meramente demarcadas, colaboravam para que o cumprimento das leis fosse
interpretado de forma subjetiva e, com base nisso, o próprio descumprir des-
sas mesmas leis também se tornava fruto de dúvidas e de consultas ao centro
referencial de poder, a monarquia.
Contudo, se, ao contrário, considerarmos que tenha existido um pa-
radigma de governação imposto pelo Reino à suas partes coloniais, cairemos
numa discussão improfícua, haja vista as inúmeras formas que a Coroa neces-
sitou coadunar para garantir o domínio. Nas Minas, a cooptação dos vassalos
em prol do povoamento dos sertões e da extração do ouro, em que mercês e
20 Da justiça em nome d’El Rey

privilégios políticos foram utilizados como negociação com aqueles paulistas


até então tidos como rebeldes, também sinaliza nesse sentido:

Essa dinâmica relacional era [...] o meio pelo qual poderes periféricos eram
instituídos e fortalecidos, ao mesmo tempo que vinculados a poderes centrais
que progressivamente iam se instituindo e se sobrepondo ao conjunto social
como um todo (Gouvêa, 2010, p. 166).

O ministério pombalino pretendeu abalar profundamente, nesse uni-


verso do Antigo Regime, essa tradição política. As reformas no aparelho
político, econômico e social português apontam para esse caminho. Não
objetivamos afirmar que essas reformas seriam estranhas ao ambiente po-
lítico-intelectual da época, visto que, em Portugal, tais propostas estavam
presentes nos salões das academias e nos discursos dos seus principais inte-
lectuais. Nossa intenção é demonstrar que, a despeito das proporções que
as propostas de racionalização da política adquiriram em outras partes da
Europa (mormente na Europa do norte), em Portugal, graças à influência da
Igreja Católica e de todo seu aparato acadêmico e filosófico, esse mesmo pro-
cesso tomaria para si contornos bastante específicos. A influência dos padres
(leia-se os jesuítas) e da Nova Escolástica na formação acadêmica e política
de várias gerações de agentes que serviam à Coroa teria sido determinante
para a periferização dessas teorias. Consideramos, sobretudo, que a estrutura
político-institucional da monarquia portuguesa e sua preservação da multi-
plicidade de poderes sofreram incisiva influência da filosofia neoescolástica.
A historiografia portuguesa recente tem discutido o tema da centra-
lização política para a monarquia portuguesa do século XVIII. Nuno Gon-
çalo Monteiro, em sua biografia de D. José I, afirma que o protagonismo
alcançado pelas Secretarias de Estado, bem como o fortalecimento político
da nobreza da corte, já no final do século XVII, marcaram o início de uma
“mutação silenciosa” (2006, p. 33). Tal processo, em prol de uma gradativa
centralização, adentrara pelo governo de D. João V e se concretizaria plena-
mente com a reforma daquelas secretarias em 1736.
Uma leitura diferenciada do mesmo período foi feita por José Subtil.
Ancorado na tese de que a reforma de 1736 pouco teria representado, em razão
principalmente da anomalia e do tímido significado prático de todo o processo,
o historiador defende a ideia de que o governo de D. João V teria sido marca-
Introdução 21

do pela continuidade. A despeito de uma “mudança silenciosa” que poderia


ter caracterizado a primeira metade do Setecentos, as relações sociais ainda
estariam marcadas por “ordens simbólicas” que representavam a sociedade da
época. Durante o reinado de D. João V, as estruturas políticas que alicerçavam
as práticas cotidianas dos oficiais régios estavam pautadas ainda no peso que o
patrimônio simbólico da monarquia de Antigo Regime representava.5
As transformações operadas com a monarquia de D. José I representa-
ram o “momento de ruptura política com o passado” (Subtil, 2007a, p. 12).
As incertezas e flutuações ocasionadas pelo terremoto de 1755 criaram condi-
ções para que Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro marquês de Pom-
bal, tomasse a frente da administração política e elegesse as reformas como
estratégia para a recuperação do país. A partir daí as intenções de superação
da tradição corporativa e jurisdicional, que já eram discutidas nos meios inte-
lectuais e diplomáticos lusitanos havia meio século, seriam de fato efetivadas.
Para nós, longe de significar uma ruptura, as fronteiras indefinidas entre
as inovações propostas pelas reformas e a permanência de uma tradição de An-
tigo Regime nas práticas políticas cotidianas marcaram o período pombalino
como uma época de conflito entre esses dois universos políticos. Para garantir
o bom andamento das mudanças pretendidas e empreendidas e, ao mesmo
tempo, corroborar o processo de centralização política, Carvalho e Melo incen-
tivou a fidelidade ao seu ministério. O Tribunal de Inconfidência tornou-se um
dos agentes privilegiados de ação. Foi-nos possível identificar, no fundo relativo
ao Desembargo do Paço e ao Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça
(MNEJ), existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a quantidade
de processos que arrolavam súditos, membros da nobreza ou da gente comum,
acusados de blasfemar contra o monarca ou ainda contra o ministro e, por isso
mesmo, foram condenados pelo crime de inconfidência.
Ainda há de se notar, e para nós é o que mais importa, que oficiais
régios, ouvidores, juízes de fora e eclesiásticos também foram acusados e con-
denados como inconfidentes. O Tribunal de Inconfidência promoveu uma

5
Utilizamos aqui a expressão “patrimônio simbólico” nos mesmos moldes que José Subtil: “A
construção dessa superioridade régia (culto da imagem) teve, evidentemente, consequências
no plano político, uma vez que criou novas dinâmicas de desenvolvimento e consolidação do
poder régio”. Todo esse aparato buscado durante o reinado de D. João V procurou “afirmar a
ordem social e política tendo como figura central o monarca”, confirmando a dinâmica de uma
sociedade de privilégios e da busca pela afirmação da centralidade régia (Subtil, 2007a, p. 21).
22 Da justiça em nome d’El Rey

verdadeira caça às bruxas contra aqueles que de alguma forma se colocassem


contra o ministério pombalino.
Apresentada a nossa proposta, resta-nos registrar o fato de a acusação
pelo crime de inconfidência assumir contornos bastante específicos. Para essa
abordagem, será preciso analisar a inconfidência como uma das estratégias
utilizadas pelo ministério de Pombal para estabelecer a seleção dos homens
que estariam em sintonia com todo o processo de reformas e manter o con-
trole. Desde já a desvincularemos das abordagens que tangenciem as revoltas
contra o poder monárquico.
O crime de inconfidência tem sido estudado pela historiografia como
manifestação de rebeldia e de insatisfação perante as atrocidades do Estado
absolutista.6 O tema ressaltou as múltiplas possibilidades que os povos da co-
lônia encontraram, a partir da segunda metade do século XVIII, de contestar
o jugo metropolitano. Colonos rebeldes envolveram-se em alguns conflitos
que, à medida que assumiam proporções mais amplas e complexas, eram en-
carados pela monarquia como crime de lesa-majestade. A inconfidência não
constava nas Ordenações filipinas e a condenação estava atrelada ao crime de
lesa-majestade.
Para Júnia Furtado, “o trânsito de ideias entre os dois continentes”
pode revelar semelhanças “não só no compartilhar das formas de submissão,
mas no próprio espectro político das rebeliões”. A historiadora colabora para
a compreensão do universo mental que envolve os movimentos da segunda
metade do século XVIII. Grosso modo, tais conflitos não procuraram ques-
tionar “a fidelidade ao rei, mas imputavam aos administradores locais uma
ação tirânica”, intentando muitas vezes um “retorno a uma situação anterior-
mente pactuada com o soberano” (2009a, p. 121).
Frutos da complexidade que demarcou o século XVIII, tais movimen-
tos foram reflexo (e isso não há como negar) das transformações que se ope-
raram no mundo das ideias da época. O que se lia e como era interpretado
foram determinantes para que uma elite letrada, envolvida com a administra-
ção colonial, engendrasse formas de revalidar a legitimidade do poder régio.

6
A mais forte referência que temos acerca do tema é o universo historiográfico da Inconfidên-
cia Mineira. Particularidades interpretativas à parte, a maioria delas ressalta a importância do
movimento para as diretrizes de liberdade traçadas a partir do final do século XVIII. À guisa de
exemplo, podemos citar Jardim (1989), Novais (1995, cap. III) e Maxwell (2009). Para uma
síntese sobre essa historiografia, ver Jardim (1989).
Introdução 23

Sobre a Inconfidência de Sabará, ainda pouco estudada pela historio-


grafia, Leandro Pena Catão (2005) já retratou a sua relação com as fissuras
político-filosóficas provocadas pelo ministério de Pombal. Para o autor, o
conflito tinha profundas ligações com a expulsão dos jesuítas de Portugal e
seus domínios, em 1759; retratava o quanto aqueles religiosos eram impor-
tantes para o universo mental e político de uma geração de oficiais régios.
Segundo Catão, aí estaria a motivação para a prisão do ouvidor José de Góes
Ribeiro Lara de Moraes.
Além de propor uma análise de tal movimento com base nos conflitos
cotidianos que pudemos identificar na documentação – principalmente uma
Representação enviada ao monarca por alguns homens bons de Sabará –,
pretendemos inseri-lo no contexto maior de transformações político-institu-
cionais impostas por Pombal. Acreditamos que as blasfêmias proferidas pelo
ouvidor, exaltando os jesuítas, não foram o único motivo de sua condenação
como inconfidente. As manifestações de poder daquele oficial régio, relatadas
na dita Representação, seriam determinantes para a sua desgraça. Aliás, seria
esse o único documento de que se valeu a Coroa para condenar o ouvidor
como inconfidente, enviado ao Reino por alguns homens bons e que delata-
va, segundo eles, os abusos de jurisdição do ouvidor. Expressões comuns nas
práticas políticas do Antigo Regime eram agora tratadas como perigosas para
o projeto centralizador do marquês: a Inconfidência de Sabará fazia parte,
portanto, das estratégias de controle do oficialato régio e de um processo
seletivo então empreendido. O conflito deflagrado não seria um fato isolado,
haja vista os inúmeros processos de inconfidência estudados por nós e que
também faziam parte desse contexto.
Para nossa interpretação, o crime de inconfidência assumiu contornos
bem específicos. Tal caráter estratégico conferia ao Tribunal de Inconfidên-
cia uma posição política e um caráter de polícia que viria a servir aos intentos
reformistas centralizadores de Pombal. Para dar conta dessa proposta e discu-
tir os pontos que a compõem, organizamos o livro em três partes. Abrangen-
do assuntos diferentes dentro das mesmas temáticas, cada uma dessas partes
foi dividida em capítulos.
A primeira parte, intitulada “As Minas setecentistas e o Antigo Re-
gime: uma discussão acerca do caráter do poder”, propõe discutir o caráter
do poder durante o Antigo Regime português, considerando a influência
política humanista da Nova Escolástica jesuítica na formação dos agentes. O
24 Da justiça em nome d’El Rey

primeiro capítulo, “O caráter do poder no Antigo Regime português”, versa


exatamente sobre isso. Tal discussão substancia todo o livro, na medida em
que expõe as estruturas do poder político e de suas possíveis instâncias que
demarcavam o cotidiano da época.
No segundo capítulo, “Administração e poder nas Minas Gerais do
Antigo Regime”, elaboramos uma introdução ao estudo do poder que pro-
pomos neste trabalho. Os registros dos memorialistas setecentistas deixam
transparecer o quanto aquele amontoado humano que emergiu na região das
minas se apresentava disforme com relação à sociedade do Antigo Regime
que conheciam. Todo movimento que advinha dali soava como disforme e
assustador aos olhares da época. Concedemos vozes a esses homens, que se
tornaram testemunhas oculares da formação daquela sociedade e a retrataram
como rebelde e vil, entendendo que o que se escreveu sobre Minas colonial,
até pouco tempo, deve muito a esses primeiros escritos.
Na segunda parte, “A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no
governo de D. João V”, estudamos a atuação dos ouvidores na dinâmica imperial,
considerando as práticas políticas do Antigo Regime que ditavam as bases para as
relações político-administrativas, tarefa nossa no terceiro capítulo, “Os ouvidores
e o Império”. Procuramos inserir, nos capítulos 4 e 5 – respectivamente, “A for-
mação político-institucional de Minas Gerais” e “Relações de poder em Sabará: o
ouvidor, o governador e suas redes (1720-1725)” – a comarca do Rio das Velhas
nesse contexto e, com base nisso, estudar os conflitos por jurisdição travados en-
tre o ouvidor José de Souza Valdez e o governador da capitania de Minas Gerais,
D. Lourenço de Almeida. Pela análise da documentação estudada, percebemos o
quanto as relações de poder em Minas Gerais, como em todo o Império, atendia
à razão jurisdicional que demarcava a política da época.
Na terceira parte, “Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfi-
dência de Sabará”, demonstramos nossa principal tese, qual seja, os indícios
da fissura que as propostas reformistas do ministério pombalino represen-
taram para o universo político estudado, interpretando a Inconfidência de
Sabará como uma consequência desse processo de centralização e da tentativa
de superação da tradição política de outrora.
O capítulo 6, “O ministério pombalino e as inovações político-admi-
nistrativas: no limiar do Antigo Regime”, discute as diretrizes assumidas pela
política após o terremoto de 1755 e o início da implementação das reformas.
Atenção especial é concedida às estratégias buscadas pelo ministro no sentido
Introdução 25

de estabelecer uma política de fidelidade que selecionava os agentes em sintonia


com as mudanças. O Tribunal de Inconfidência assumiu um papel relevante
na perseguição e punição aos vassalos infiéis. Atentaremos também para o ali-
jamento político dos homens do Desembargo do Paço, haja vista o processo
de profissionalização e burocratização pelo qual o Tribunal passa a partir daí.
Voltando-nos para a América portuguesa, o sétimo capítulo, “O cen-
tro-sul da América portuguesa e os reflexos da política pombalina”, delineia
os reflexos das reformas no ambiente colonial do centro-sul da América
portuguesa em meio às vicissitudes causadas pela queda da arrecadação
do ouro, estabelecendo um vínculo entre as duas partes e demarcando as
mudanças institucionais que foram propostas no sentido de modernização
das estruturas jurídicas: a criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro
suscitava isso.
O oitavo e último capítulo intitula-se “Inconfidência do ouvidor de
Sabará: José de Góes Ribeiro Lara de Moraes, o Tribunal de Inconfidência
e as redes locais”. Nele, interpretamos a Inconfidência deflagrada em 1775
dentro dos limites temporais e políticos do ministério pombalino. Com base
na documentação existente, um tanto dispersa, identificamos os conflitos
jurisdicionais típicos das relações de poder que demarcavam a política do
Antigo Regime. Contudo, dessa vez pesou o jugo controlador da monarquia
administrada pelo marquês de Pombal, representado pelo Tribunal de In-
confidência, que tinha como tarefa punir os infiéis ao governo. Os homens
do Desembargo do Paço eram alvos privilegiados dessa política, consideran-
do a importância da justiça nesse universo político neoescolástico. A nosso
ver, somente assim podemos compreender a condenação do ouvidor José de
Góes Ribeiro Lara de Moraes por inconfidência, bem como o perdão dado
por D. Maria após a queda de Pombal.
Passemos à empreitada proposta!
Primeira parte

As Minas setecentistas e o
Antigo Regime: uma discussão
acerca do caráter do poder
Capítulo 1
O caráter do poder no Antigo
Regime português

A questão político-filosófica e a segunda escolástica

No universo político do Antigo Regime, o ato de governar confundia-


-se com o ato de julgar e, portanto, a justiça era a essência desse modelo
político. Considerando que o governo era atribuição de El-Rey, os agentes da
justiça, no exercício de suas funções, eram responsáveis pela função mais no-
bre dessa política em Portugal. A esse grupo eram atribuídos capitais culturais
e simbólicos que lhes conferiam um alto nível de representação na sociedade.
A base para entender essa organização tão peculiar está na representa-
ção medieval da sociedade e é devedora das teorias corporativas da segunda
escolástica. A ideia de que existe uma ordem universal para todas as coisas e
que estas estão ligadas entre si, obedecendo a um fluxo natural, regia a vida
social. A organização política também estava inserida nessa dinâmica: uma
ordem superior à vontade humana regia os acontecimentos, nos quais os
homens não podiam interferir. O governo do Reino respondia a uma espécie
de ordem natural superior, independente do próprio monarca, cujo poder
era fruto das funções da natureza reservadas aos governantes. Em Portugal,
durante a época moderna, esses princípios iriam se propagar pela sociedade
de forma arterial com base na filosofia jesuítica da nova escolástica.
Com raízes no pensamento medieval de indispensabilidade de todos
os ramos da sociedade para a composição da política, os teóricos neotomistas
baseavam-se na concepção de uma ordem estatal que deveria tangenciar a
30 Da justiça em nome d’El Rey

autonomia político-jurídica dos corpos sociais, sendo a justiça o fim lógico


do poder político. Essas ideias encontraram fundamento em uma reinterpre-
tação do pensamento escolástico, que defendia a existência de uma ordem
natural das coisas, harmonizando-se em função do Bem Supremo e sujeita a
uma regulação cósmica. Tal filosofia desenvolveu-se em meio ao Concílio de
Trento, mais precisamente vinculada aos dominicanos e jesuítas.
Num esforço de sistematização do plano de estudos então empreen-
dido, em 1599 era publicada a Ratio Studiorum. O documento traduzia “o
mais universal possível” o projeto de ensino jesuítico, que a essa altura esta-
va entranhado em inúmeras escolas por toda a Europa: era “a Magna Char-
ta da educação dos jesuítas”. Combinava algumas questões levantadas na
época, principalmente relacionadas à afirmação da fé católica, com a teoria
escolástica de Tomás de Aquino, cuidando para não cair em questões exces-
sivamente formais ou decadentes das teorias medievais. Com uma profun-
da influência humanista, o documento propunha um minucioso programa
de estudos que, por sua coerência, poderia ser implantado inclusive fora dos
limites católicos da Companhia de Jesus. Na verdade, os jesuítas foram a
primeira ordem religiosa a ministrar sistematicamente o ensino e a fundar
escolas, universidades e seminários.
Com raízes na França, foi na Espanha que o neotomismo abriu uma
série de perspectivas no sentido de se manter um status político e social du-
rante o alvorecer da era moderna. Era a combinação dosada entre fé e razão,
necessária para as exigências que as transformações científicas e religiosas im-
punham por toda a Europa. Vinculado a questões relacionadas à defesa do
catolicismo e à expansão dos domínios ultramarinos e discutido em aulas que
Francisco de Vitoria ministrava em Salamanca, o neotomismo influenciou
uma geração de teólogos.
Alguns neotomistas eram conciliaristas, isto é, adotavam o prin-
cípio de que as decisões do papa não eram soberanas, posto que esta-
vam abaixo da decisão geral do Concílio. Interpretações a respeito do
poder instituído giravam principalmente em torno das questões sobre o
poder do papa e de suas dimensões sobre o poder temporal dos príncipes,
influenciando as concepções acerca do constitucionalismo. É certo que
também influenciaram concepções que condenavam os limites impostos
a esse mesmo poder, o que Skinner (1996) entendeu como uma perspec-
tiva absolutista do neotomismo.
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 31

Essas discussões sobre as fronteiras que separavam o poder temporal


do espiritual e, portanto, sobre os limites impostos ao governante para o es-
tabelecimento da res publica viriam ofender o princípio absolutista luterano
e todos os esforços no sentido de estruturação de um governo autoritário. O
pensamento neotomista partia do princípio de soberania popular em caso de
mau governo, isto é, revestia-se da ideia original de que toda forma de auto-
ridade política era inerente ao povo e qualquer governo tinha que se sujeitar
a ele. A natureza levaria o homem à associação política sem necessariamente
passar pela forçosa ordenação divina, já que era um ser naturalmente político:
a fé estava, assim, desvinculada do poder temporal.
Nesse contexto, revisitou-se o aristotelismo durante a era moderna,
muitas vezes assumindo características próprias da época e fugindo à fideli-
dade ao pensamento aquiniano medieval, desdobrando-se em diversas ver-
tentes para fundar as bases do direito natural moderno. Essa transição para o
pensamento político moderno operou-se a partir do século XVII, assumindo
um caráter laicizado e combatendo a universitas do pensamento escolástico.
A filosofia de Tomas Hobbes foi o ponto de partida para um estudo mais
apurado e independente da existência humana.
Concomitante ao desenvolvimento da nova escolástica nos debates tri-
dentinos, observou-se em Portugal um desenvolvimento cada vez maior das
teorias corporativas de poder. A longa sobrevivência dessas teorias relaciona-
-se à presença sistemática dos padres jesuítas em todo o processo de coloniza-
ção no ultramar, e a própria constituição das instituições políticas se desen-
volveria sob tais auspícios. Os padres jesuítas foram os maiores estudiosos e
analíticos da teoria, propondo uma verdadeira reinterpretação da escolástica
de Aquino. Durante o decorrer do Quinhentos, foram responsáveis pela sua
longa sobrevivência não somente na estrutura do poder político, estabelecen-
do as normas do direito como suporte para o governo; estiveram presentes na
formação acadêmica de agentes administrativos a serviço da Coroa, no Reino
e nos domínios no ultramar, estabelecendo as práticas desse poder. Alguns
mestres espanhóis e precursores da neotomismo exerceram grande influência
sobre a cultura portuguesa: Molina, Navarro e Suárez chegaram a lecionar
em Évora e Coimbra.
A cultura política desenvolvida em Portugal acompanhou os passos da
Reforma católica, sendo os jesuítas seus principais agentes. A disseminação
das teorias corporativas e jurisdicionais acerca da origem e do caráter do po-
32 Da justiça em nome d’El Rey

der político sustentava as práticas políticas e delimitava os espaços de atuação


do rei, consagrando a autonomia dos corpos políticos perante o centro do po-
der. Tal filosofia era a base para qualquer ensaio pedagógico nesses domínios:
seja no ensino superior no Reino, na catequização dos gentios nas conquistas
ultramarinas ou ainda na tarefa de educar os colonos, desde a educação dos
meninos até a formação dos mestres.
Em 1290 foi fundada por D. Diniz a Universidade de Coimbra, receben-
do do papa Nicolau IV a garantia de imunidades e de sustento. Contava com
mestres de decretais, leis e medicina, além do ensino de dialética e gramática.
Em 1308, recebeu seus primeiros estatutos, o que, nos moldes das universida-
des francesas e italianas, conferia-lhe privilégios extraordinários. Foi transferida
diversas vezes para Lisboa até 1537, quando, durante o reinado de D. João III,
fixou-se de vez na cidade de Coimbra. Essas constantes transferências indicavam
alguns problemas de ordem social entre os estudantes e a população de Lisboa.
Durante essa época, houve um processo de internacionalização da Uni-
versidade de Coimbra. O monarca promoveu a contratação de professores
estrangeiros de grande prestígio em toda a Europa. Ao mesmo tempo, incen-
tivou a visita de estudantes a algumas universidades de referência: Oxford,
Salamanca, Paris e Bolonha. Assim, esse período acentuou o contato desses
letrados com a filosofia neotomista então em voga nos meios acadêmicos
italianos e espanhóis.
Em 1559 foi fundada pelo cardeal D. Henrique a Universidade de Évora,
e sua administração entregue aos padres da Companhia de Jesus. Estava imune
à jurisdição real, já que havia sido criada por um decreto papal. Nas mãos dos
jesuítas, tratava exclusivamente da formação de religiosos e não chegou a ter a
importância institucional de Coimbra. A universidade em Portugal tornou-se
um polo difusor do pensamento neotomista, propagando os primeiros ecos que
dominariam toda a vida acadêmica portuguesa até o século XVIII.
A partir de então, a Universidade de Coimbra assumiu um papel funda-
mental para a propagação e consolidação da filosofia dos jesuítas em Portugal.
Saíram dali juristas e teólogos que serviram à Coroa portuguesa no reino e no
ultramar. O diploma de Coimbra tinha uma grande importância simbólica.
Significava uma forma de ascensão na rígida hierarquia dessa sociedade, já que
às heranças de parentesco vinha se somar a formação profissional e intelectual.
Por sua vez, essa mesma instituição assistiu ao desenvolvimento da teoria jurí-
dica moderna de forma apática, ignorando algumas das transformações que
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 33

abriam as portas para as questões iluministas do século XVIII e marcando de


forma peculiar as práticas políticas do Antigo Regime português.
Mesmo com toda a importância orgânica que a universidade assumiu
a partir do final do século XVI, algumas posições contrárias à sua existên-
cia se manifestaram. No início do Seiscentos, Baltazar de Faria Severim
propôs sua extinção, em defesa da contenção do despovoamento do Reino
e outros desequilíbrios sociais. Segundo ele, o fato de até lavradores man-
darem seus filhos ao estudo era uma invasão aos hábitos cortesãos. Essa é
uma referência à preservação da hierarquia social e da importância da uni-
versidade nesse contexto:

São tantas as ocasiões e comodidades, que todos têm para manterem seus
filhos nos estudos, que os lavradores tiram seus filhos do arado e do serviço
necessário, assim para ele, como para o proveito comum, e os mandam a estu-
dar; e não há mecânico que queira ensinar a seu filho o seu ofício; desejando
cada um, por meio do filho clérigo, frade ou letrado vir a ser muito mais
honrado (apud Curto, 1993, p. 116).

A própria herança medieval colaborava para algumas dessas visões.


Diogo Curto atenta para os argumentos que poderiam ter levado a essas ex-
pressões contrárias à universidade. As ideias em torno da oposição entre as
letras e as armas desdobravam-se em críticas aos letrados, ao número excessi-
vo que estes vinham alcançando já no final do século XVI. Talvez fosse uma
crítica ao processo de banalização dessas posições, já em marcha na época,
proporcionado pela oportunidade na carreira pública que o ingresso na uni-
versidade oferecia.
Ronald Raminelli discute a crescente importância dos letrados para a
dinâmica imperial portuguesa. Era com base no serviço desses homens que
o monarca tomava conhecimento dos fatos que permeavam o cotidiano das
conquistas. Num império com dimensões pluricontinentais como o portu-
guês, a escrita ia, gradativamente, tornando-se indispensável para a manuten-
ção do poder. Na verdade, seria necessário conjugar “a escrita e a espada em
busca de mercê”. Isso significa que tal relação de troca “entre vassalos e sobe-
ranos” constituía-se em uma das bases mantenedoras dos vínculos “entre o
centro e as periferias”. Essas “teias informativas” permeavam a busca por pri-
vilégios e, nesse caso, o conhecimento era precioso para a troca e manutenção
34 Da justiça em nome d’El Rey

do poder, já que “criava elos com o rei e sua administração, viabilizando o


governo a distância” (2008, p. 20).
Críticas à parte, durante o período filipino a universidade demonstrava
poder e status, a começar pela existência de foro próprio. Professores, alunos
e funcionários eram julgados por um tribunal da própria universidade, privi-
légio só concedido à Igreja. Possuía também cadeia, onde ficavam encarcera-
dos estudantes acusados de cometer delitos, inclusive assassinato, o que não
era raro. Ancorados no poder simbólico do saber, bem como nesses privilé-
gios, os estudantes cometiam crimes de diferentes espécies. Outra garantia
era a quase frequente obtenção do perdão real. Paulo Drumond Braga (2004)
demonstra, com base em suas pesquisas sobre as cartas de perdão concedidas
durante a época filipina a estudantes de Coimbra, que “os Filipes” constante-
mente perdoavam os infratores. Esse panorama demonstra a importância que
a universidade, notoriamente a de Coimbra, tinha naquela sociedade.
Cem anos depois, durante a primeira metade do século XVIII, o pa-
norama universitário em Coimbra não havia mudado muito. A frequência
não obrigatória às aulas e a distância da família levavam os estudantes a se
reunirem em ranchos, espécie de repúblicas que criavam laços de amizade
e cumplicidade entre eles. Ainda eram comuns alguns atos criminosos, e a
quase imunidade concedida pela Coroa colaborava para isso. Jaime Cortesão
cita o estudante Ribeiro Sanches, aluno do curso de medicina entre os anos
de 1716 e 1719, para dar uma noção do cotidiano desses estudantes:

Os estudantes andavam armados com as mais perigosas armas ofensivas. Fa-


ziam-se acompanhar de cães de fila. Viviam em bandos, alguns dos quais,
como o Rancho da Carqueja, ficaram célebres pelos atos de violência e assas-
sinatos cometidos. Os de sangue mais nobre ou maior fortuna instalavam-se
com séquito de criados e cozinheiros. Mas todos levavam vida solta, tanto
mais quanto as imunidades universitárias dificultavam o castigo dos desman-
dos. Raptos de mulheres e mortes à mão armada não eram raros. O jogo, a
música, as aventuras amorosas, as visitas aos conventos ocupavam o tempo
(2001, p. 45).

A despeito da provável estagnação da universidade perante as reformas


no pensamento intentadas a partir do século XVII, o ensino superior em Por-
tugal tendeu ao crescimento. Durante o início do século XVIII, a Universida-
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 35

de de Coimbra manteve elevado o índice de matrículas. Isso pode significar


que, mesmo com o pragmatismo científico desenvolvendo-se à margem do
ensino universitário naquele país e na maioria das universidades europeias,
Coimbra conseguiu manter sua importância simbólica. Muito longe de apre-
sentar sinais de decadência, a Universidade de Coimbra se consolidou como
principal centro de cooptação e formação dos agentes da monarquia.
Durante os governos de D. Pedro II e de D. João V foi grande a influ-
ência da filosofia jesuítica nos ensinos maiores, principalmente em Coimbra.
A tendência literária do segundo monarca incentivava tal processo. Isso veio
refletir mais uma vez a incompatibilidade entre a universidade e as reformas
científicas e filosóficas da época. Segundo Teófilo Braga, esse não era um pro-
cesso exclusivo de Portugal, “as universidades obedeciam a esta fatalidade de
um organismo esgotado, como vemos nas de França, Inglaterra e Alemanha”.
De acordo com o autor, várias foram as reformas pelas quais a Universidade
de Coimbra havia passado, “desde o século XVI até a segunda metade do
século XVIII”, mas nenhuma conseguiu mudar ou revigorar de fato a insti-
tuição até pelo menos 1772 (1898, v. 3, p. 138).
Também durante o período joanino, as academias científicas emergi-
ram em importância. Contudo, a valorização dos estudos científicos, históri-
cos e filosóficos ficara à margem das universidades em Portugal. Apresentava
um caráter privado e cortesão até pelo menos a fundação da Academia Real
de História Portuguesa, em 1720, por D. João V. Outro fator ligado às aca-
demias era o nacionalismo, intimamente relacionado com a discussão acerca
da definição das fronteiras europeias. Tais discussões, latentes desde o século
XVII, incentivavam questões como a doutrina do direito pátrio e deixavam
de lado alguns fundamentos teológicos acerca do direito de padroado conce-
dido pelo papa aos reinos ibéricos.
Isso não correspondeu necessariamente a um esgotamento da universi-
dade como centro de propagação do poder político. Sob o controle dos jesuí-
tas, a Universidade de Coimbra continuava exercendo esse importante papel.
Na verdade, a Igreja não deixou de influenciar os auspícios do poder durante
o reinado de D. João V. De acordo com Jaime Cortesão, a multiplicação das
ordens religiosas foi tão grande “que uma terça parte do reino pertencia à
Igreja” (2001, p. 95). Isso não significa que os ensinos maiores em Portugal
estivessem na contramão do progresso científico operado durante o século
XVIII. O atraso que porventura foi atribuído se torna evidente se partimos
36 Da justiça em nome d’El Rey

do modelo de Iluminismo clássico francês discutido por alguns historiadores


do século XX. A verdade é que os portugueses do século XVIII não tinham
consciência de um atraso intelectual (nem poderiam ter) e se identificavam
com os dogmas católicos que regiam a formação acadêmica e as práticas po-
líticas. A filosofia do neotomismo delimitava os objetivos lusitanos: proteger
o catolicismo da onda protestante das reformas e, nesse assunto, os jesuítas
ganharam espaço no ensino das letras, estabelecendo uma ponte direta entre
a religião e o poder.
A partir do reinado de D. José, surgiu a ideia de atraso provocado
pelo domínio da filosofia jesuítica nos meios acadêmicos, especialmente em
Coimbra. No Compêndio da Universidade de Coimbra, organizado em 1772,
os jesuítas são considerados os agentes desse “estrago” (para utilizar os termos
do Compêndio):

Com que a mesma Universidade foi tão admirada na Europa até o ano de
1555, no qual os denominados jesuítas, depois de haverem arruinado os Es-
tudos Menores com a ocupação do Real Colégio das Artes em que toda a Pri-
meira Nobreza de Portugal recebia a mais útil e louvável educação, passaram
a destruir também sucessivamente os outros Ensinos Maiores com o mau fim,
hoje a todos manifesto de precipitarem os meus Reinos e vassalos deles nas
trevas da ignorância (marquês de Pombal apud Patrício, 2008, p. 117).

Toda essa fúria contra os padres da Companhia de Jesus e sua filosofia


fazia parte de um contexto maior de reformas propostas pelo então marquês
de Pombal, à frente da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino no reina-
do de D. José. Nesse caso, parece óbvio que fizesse apologia ao período ante-
rior ao domínio acadêmico dos jesuítas, época que marcou também o auge da
supremacia portuguesa na Europa com as Grandes Navegações. A referência
para a comparação vinha daí e configurava, a partir de então, o “atraso” por-
tuguês perante a Europa iluminista e as reformas implantadas pelo ministro.
Estabelece-se, assim, um fio condutor entre o poder político e a uni-
versidade, notoriamente a de Coimbra. A formação dos agentes que serviam
à Coroa por todo o Império dependia dessa ligação. Para a sociedade do
Antigo Regime, as relações de interdependência entre as instituições ga-
rantiam a sua sobrevivência. No caso da universidade, garantia também a
transmissão de uma razão política polissinodal e jurisdicional, com origens
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 37

no pensamento neotomista. Essa era a essência do poder político em Portu-


gal do Antigo Regime.

O Desembargo do Paço e a representação do poder

Juntamente com a Universidade de Coimbra, outra instituição assu-


miu papel relevante no que diz respeito à legitimação e disseminação das
ideias corporativas caras à pedagogia jesuítica: o Desembargo do Paço. Como
bem caracterizou José Subtil (1996), existia uma linear conexão entre os estu-
dos de direito canônico e civil e o tribunal: cerca de 70% dos magistrados que
serviam à Coroa passaram por Coimbra ou exerciam lá funções docentes. Tal
fato acentuava ainda mais a interdependência entre as instituições políticas e,
ao mesmo tempo, garantia a transmissão da razão corporativa e jurisdicional
que sustentava o poder.
Essa sociedade fortemente hierarquizada era regida pelo privilégio e a
busca por sua concessão conferia aos grupos sociais a expressão “de identi-
dade de corpos diferenciados” (Vidigal, 1989, p. 24). No entanto, as esfe-
ras de poder caracterizadas pelas jurisdições pertenciam aos diversos órgãos
que compunham a administração política periférica (representadas pelos seus
agentes) e não eram, em sua essência, objetos de barganha da Coroa. Os espa-
ços político-administrativos eram garantidos pela própria razão corporativa
e polissinodal.
Nesse mosaico de poderes em que se configurava a conjuntura políti-
co-administrativa em Portugal, o grupo de desembargadores desempenhava
um valioso papel na interpretação e aplicação do direito. Considerando essa
questão como nuclear para a política, isso lhes concedia certo prestígio e até
mesmo autonomia nas aplicações da justiça. Os oficiais da justiça e, princi-
palmente, os desembargadores tinham, por legitimidade, influência sobre o
sentido que adquiriam as ações do monarca, exercendo uma força de ordena-
mento sobre a razão política do Reino.
O Desembargo do Paço foi criado em 1477, no reinado de D. João
II. Com funções de Tribunal de Graça, estava subordinado à Casa de Su-
plicação, ganhando autonomia somente em 1521, com a promulgação das
Ordenações manuelinas, quando ganhou regimento próprio. A partir daí,
os desembargadores passaram a despachar diretamente com o rei, no Paço.
Constituía-se um novo tribunal: o Desembargo do Paço. Em 1533 foi regu-
38 Da justiça em nome d’El Rey

lamentado, formado pela Mesa do Desembargo, pela Repartição das Justiças


e do Despacho das Mesas e pela Repartição das Comarcas. Constavam nas
Ordenações manuelinas as atribuições, já resguardadas as suas jurisdições:

Aos Desembargadores do Paço pertence desembargar as petições de Graça


que alguns nos peçam, em causa que a Justiça possa tocar. E os despachos que
nas sobreditas causas houverem de passar, forem com Nosso Passe.
A eles pertence desembargar conosco as Cartas de Perdões que se dão aos ho-
miziados, os quais isso mesmo sempre passaram com Nosso Passe (Ordenações
manuelinas, p. 57).

Ao ministrar a concessão das cartas de perdões, o Desembargo do Paço


desempenhava uma função capital para o universo político da época. Assu-
mindo, a princípio, a forma de um comitê de conselheiros de D. João II, o
Desembargo atingiu uma dimensão tamanha, tornando-se, a partir das Orde-
nações, um conselho governamental institucionalizado. Além das funções de
um tribunal, adquiriu a função principal de assessoria no âmbito dos assun-
tos de justiça e administração. A essa altura, o Desembargo do Paço se tornou
o órgão central na complexa estrutura burocrática do então recém-formado
Império português.
O caráter administrativo da justiça de El-Rey também estava sob sua
alçada. Frente a um domínio tão vasto, que compreendia o Reino e seus ter-
ritórios ultramarinos, o Desembargo do Paço detinha o poder de nomeação,
de tirar residências e devassas. Era responsável pelas cartas de confirmações
das eleições dos juízes ordinários e dos juízes dos órfãos, entranhando-se tam-
bém na administração dos poderes locais por todo o Império e garantindo a
comunicação política entre a Coroa e as periferias.
Em 1603 entraram em vigor as Ordenações filipinas. Atendendo a uma
razão política jurisdicional, diversos órgãos auxiliaram desde então o governo
do vice-rei de Portugal; entre eles, o mais frequente era o Desembargo do
Paço. Os desembargadores reuniam-se todos os dias e às sextas-feiras despa-
chavam diretamente com o vice-rei.
Filipe II encomendara um estudo sobre a situação da justiça portugue-
sa ao jurista espanhol Rodrigo Vásquez de Acre, membro da Real Audiên-
cia de Granada. Concluindo pela complexidade das Ordenações manuelinas,
Vásquez recomendara uma revisão das compilações feitas até então, traba-
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 39

lho que foi encomendado a uma comissão de juristas presidida por Damião
de Aguiar. Atentando para a morosidade das práticas jurídicas em Portugal,
Vásquez sugerira a ampliação da jurisdição do juiz de fora e do corregedor
nas províncias, para evitar o envio de casos em demasia para Lisboa.
Antes de chegar ao Desembargo do Paço, os recursos eram julgados
por três tribunais: a Casa do Cível, em Lisboa; a Relação da Índia, em Goa;
e, numa instância superior, a Casa de Suplicação. Em 1582, Filipe II tratou
de extinguir a primeira, criando, para substituí-la, a Relação do Porto. Ainda
existia a Mesa de Consciência e Ordens, com jurisdição para assuntos relati-
vos à Igreja, e três tribunais do Santo Ofício, sediados em Coimbra, Évora e
Lisboa. Esses, ligados diretamente à Igreja e a Roma, eram quase desvincula-
dos do poder real e agiam em nome da fé.
Em carta régia de 1607 foram estabelecidas algumas pendências relativas
às jurisdições entre o Desembargo do Paço e a Casa de Suplicação. Em outubro
de 1641 as atribuições do Desembargo do Paço foram dilatadas, “ao ser-lhe
conferida capacidade para despachar autonomamente (por ‘provisão’) licenças,
suplementos de idade, petições de perdão e revistas” (Subtil, 1993, p. 243).
A partir do século XVII, a área de administração da Coroa estava ca-
racterizada por essa organização polissinodal. A jurisdição do Desembargo
do Paço abrangia a função mais nobre do monarca: o fazer justiça, conforme
previa a teoria corporativa do neotomismo. Nas mãos do rei estava a função
de garantir o equilíbrio social tutelado pelo direito para a manutenção da paz.
A justiça configurava, desse modo, a arte de governar.
Reforçando a relação visceral com a Universidade de Coimbra, esta
representava o primeiro passo para se ingressar na carreira pública pelo De-
sembargo. A própria universidade remetia ao tribunal as relações dos forma-
dos, bem como as “Informações Gerais”, listas com avaliações detalhadas
de cada bacharel formado. O Desembargo do Paço selecionava os melhores
acadêmicos, que seriam avaliados no exame capital: a leitura de bacharel.
Tal exame consistia numa investigação detalhada da trajetória de vida do
habilitando, ao mesmo tempo em que traçava o perfil dos funcionários que
iriam servir à Coroa. Para isso, era aberto um processo, que geralmente caía
nas mãos do corregedor da comarca de onde o habilitando era natural. O
processo arrolava em média sete testemunhas, que davam informações acerca
de sua vida. Transparecia a importância de questões como limpeza de sangue,
honra e fidelidade. As perguntas versavam a respeito da ascendência familiar
40 Da justiça em nome d’El Rey

(era essencial a condição de cristão-velho) e da postura social do requerente:


“passava-se a definir o perfil do bacharel a partir dos indicadores estamentais
[...], étnicos, [...] religiosos [...] e morais” (Wehling e Wehling, 1996, p.
258). D. João IV estabeleceu, em decreto, o exame da leitura como prerroga-
tiva irrevogável para admitir um funcionário do Desembargo,

para não serem neles admitidos a ler aqueles sujeitos que não primeiro bacha-
réis formados pela Universidade de Coimbra, depois de cursarem oito anos
nas Leis ou Cânones e mostrarem como, de mais de oito anos, residiram nela
dois, ou estiveram de exercício e assistências nas audiências públicas (Decreto
19 jun. 1649 apud Silva, 2005a, p. 169).

O monarca estabelecia, assim, as diretrizes institucionais entre a Uni-


versidade de Coimbra e o Desembargo do Paço e legitimava, ao mesmo tem-
po, o lugar de letras como área por excelência do regime. A leitura de bacha-
rel tinha uma importância que ia além do institucional e estava carregada
de uma representação simbólica. Estabelecia desde o início as regras para
delimitar o acesso aos cargos de excelência nessa política do Antigo Regime.
Os homens do Desembargo do Paço representavam, pois, um impor-
tante papel na administração periférica da Coroa, o que refletia na organi-
zação político-administrativa da monarquia portuguesa. A razão que regia
essa política dependia da cooptação desses agentes para o funcionamento
orgânico de todo o sistema, numa relação harmônica entre o centro do poder
e as periferias administrativas.
A existência de um centro como fonte irradiadora de poder, a partir do
Reino, se apresentou como estratégica para a constituição da política que regia
todo o Império português. Não se pode negar que a dinâmica do Antigo Regime
se consagrava na manutenção de uma rede de influência arterial que fluía, neces-
sariamente, sob os olhos atentos do centro. Entretanto, a análise dessa estrutura,
associada à ideia de centralização administrativa via Reino, assume características
disformes se pensarmos nessa centralidade como um fenômeno localizado no es-
paço. A representação do centro estava associada à esfera dos valores e das crenças
e à eficácia da manutenção e propagação dos símbolos referentes à ordem por ele
pregada. Por isso mesmo, uma delimitação espacial implicaria a própria limitação
de seus espaços de poder. Portanto, o centro político estava representado na de-
legação do poder real aos homens capacitados para exercê-lo em terras distantes.
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 41

Nesse contexto, para considerar o poder do centro como eficaz, é pre-


ciso antes de tudo vislumbrá-lo como “um conjunto de organizações ligadas
entre si, estrutura engendrada a partir da esfera da ação” e não apenas em
uma perspectiva geograficamente estática (Shils, 1992, p. 5). Podemos então
compreender a ação dos homens do Desembargo nessa dinâmica: as relações
entre o centro e as periferias administrativas interligavam, de forma arterial,
as comarcas ao Reino. Essas atividades envolviam muito mais do que o me-
cânico cumprimento da lei. Traziam o peso das estruturas tradicionais das
relações entre a Coroa e seus vassalos, em que a fidelidade a valores culturais
gerava o sentimento de comprometimento e fazia com que esses homens re-
presentassem uma espécie de poder simbólico do centro nas periferias.
Os homens do Desembargo do Paço representavam peças-chave nessa
administração. Eram depositários das leis régias e responsáveis por uma com-
plexa autonomia de poder nos domínios periféricos. A importância desse ofí-
cio provinha diretamente da importância que o direito adquiria na sociedade.
O exercício da justiça era considerado um benefício e o principal instrumento
responsável pela manutenção da ordem, não somente a social, espaço comum
entre os homens, mas também uma ordem natural que ultrapassava o domí-
nio do poder real. Tal questão tinha como fundamento os estudos acerca da
interpretação do direito natural, depositários dos princípios neotomistas.
O espaço político-administrativo do Reino era deveras heterogêneo.
Os agentes régios possuíam um espaço delimitado de controle, marcado pela
distância entre as localidades. Num universo político em que a escrita era ain-
da escassa, o exercício do poder baseava-se na comunicação oral e, portanto,
exigia as formas presenciais de poder. Podemos dimensionar, por um lado,
a importância da administração local e, por outro, a necessidade da atuação
dos representantes do poder real nas diferentes comarcas.
A Coroa criou formas institucionalizadas de poder, principalmente no
que se refere à integração da atuação dos poderes locais à dinâmica política do
Reino. A necessidade de buscar formas especializadas de exercício de poder
incentivou a instauração de uma racionalização da vida política. A utilização
de funcionários especializados promoveu uma profissionalização da admi-
nistração política e a incorporação da escrita como um dos mecanismos de
governação. Juntamente a essas reformas políticas, com a escrita se instaurou
também um fator de diferenciação social: o saber ler e escrever. Oficiais ré-
gios e representantes do poder local, letrados, tornaram-se detentores de um
42 Da justiça em nome d’El Rey

capital simbólico e cultural que significava um fator de diferenciação nessa


sociedade – aqui, mais uma vez, nos reportaremos à importância institucio-
nal e política da universidade.
As vias para a manutenção de um intercâmbio político-administrativo
entre as partes passavam por tal questão. A tentativa de estabelecer ligações
capilares entre as diversas periferias e o centro referencial de poder previa o
estabelecimento de uma rede de oficiais ligados à Coroa que cortava geogra-
ficamente todo o Império. Essa tarefa podia se tornar mais difícil somada ao
fato de que as relações entre a Coroa e as periferias eram estatutárias. Os ofi-
ciais locais tinham suas jurisdições preservadas por estatutos que garantiam
suas atuações e independência com relação ao poder do centro, colaborando
para a preservação dos espaços de poder que o sistema jurisdicional garantia
a esses homens.

Huma das causas que muito principalmente me obrigou a tomar o gover-


no destes Reinos é o grande desejo que tenho de ver a justiça restituída
a intereza, liberdade e autoridade que tem em tempo dos Senhores Reis
meus predecessores e particularmente a que teve em tempo de El Rey meu
Senhor e Pai que Deus tem, [...] e pó que a causa de declinar é por senão
guardarem os Regimentos dos Tribunais e por se alterarem com Decretos e
ordens particulares. Hei por bem declarar e ordenar ao Senado da Câmara
desta cidade cumpra e guarde muito inteiramente Seu Regimento e Porta-
rias e que se a Ele baixar algum Decreto meu que as altera o não cumpras
sem embargo de quais clauzulas com que for passado por que minha tensão
é não lhes alterar em couza alguma e havendo desde logo nulo tudo o que
contra forma dele dispuzer nesta conformidade e com tudo a autoridade e
jurisdição que lhes toca proceda o Senado daqui em diante (ANTT. Fundo
MNEJ, mç. 41, cx. 37, n. 7).

Esse Decreto, de 26 de novembro de 1677, deixa transparecer a razão


que regia o universo político em Portugal do Antigo Regime. A consciência
expressa por Afonso IV do compromisso real com a execução da justiça e sua
preocupação com a preservação dos espaços legais de jurisdição do Senado
de Lisboa retratam tais características. Esse mesmo universo político foi mar-
cado por uma “auto-organização social” e pela presença marcante dos “inte-
resses corporativos”, em que a distribuição do poder tinha conotação divina
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 43

para a organização do corpo social (Cardim, 1998, p. 140). Nessa dinâmica


muito bem arquitetada, todas as partes desse corpo possuíam suas prerrogati-
vas políticas, corroborando o autogoverno. O monarca deveria governar para
manter inabalável tal estrutura: era a ordem natural das coisas.
Joaquim Romero Magalhães fornece indícios da importância dessa
“gente nobre” para a administração política de então. Nas mãos desses ho-
mens das vereações estava “o essencial da regulamentação da vida econômica
das populações”, e raríssimas eram as vezes em que não interferiam na vida
coletiva cotidiana. Para o historiador, essa era a expressão do poder da época:
“quem está no local é quem manda e consegue fazer executar o que decide”
(1988, p. 325).
As Ordenações filipinas já previam tais questões sobre a atuação dos
vereadores nas diferentes comarcas:

E as posturas e Vereações, que assim forem feitas, o Corregedor da Comarca


não lhes poderá revogar, nem outro algum Oficial ou Desembargador nosso,
antes a façam cumprir e guardar.
E ao fazer das posturas e Vereações, nem a outra coisa, que os Vereadores hou-
verem de fazer na Câmara, não consentirão que nela se tenham os Senhores
das terras nem seus Ouvidores, nem os Alcaides Mores, nem pessoas pode-
rosas: e se lá entrarem, requeiram-lhe que digam o que querem e o Escrivão
da Câmara o escreva. E enquanto requerem suas coisas, não prossigam os
Vereadores em sua Vereação. E acabando de requererem, saiam-se logo e eles
façam sua Vereação. E não se querendo sair, farão logo disso um auto com o
Escrivão da Câmara e deixem de fazer aquela Vereação e mandem logo o auto
ao Corregedor da Corte dentro de um mês (Código filipino, 2004, p. 149).

Além da autonomia do poder local, os artigos 29 e 30 do título que


tratava dos vereadores também deixam transparecer outra questão: o inter-
câmbio direto com o Reino. Se os oficiais régios ou outras “pessoas podero-
sas” insistissem em invadir a jurisdição da Câmara, o incidente deveria ser
comunicado ao Reino. Atentemos para o fato de que os espaços de poder
existiam, mas eram mediados pelo centro.
José Subtil relata que eram três as formas de comunicação entre o tri-
bunal do Desembargo do Paço e o poder local: “apenas através do corregedor,
indiretamente por intermédio da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino
44 Da justiça em nome d’El Rey

ou diretamente pelos procuradores dos concelhos”. Assim, o Desembargo do


Paço corroborava com o princípio que norteava as práticas políticas: “o prin-
cípio de que todas as partes se deviam pronunciar para aferir dos privilégios,
regalias e direitos adquiridos de tal sorte que os despachos não contradis-
sessem a ordem estabelecida ou a viesse perturbar” (1996, p. 250). Nessa
complexa relação entre o centro referencial do poder e as diversas periferias, o
Desembargo do Paço representava um papel capital. Certo de que seria uma
atuação passiva, a de fazer cumprir a lei praticando a estratégia de dominação
do centro com base na manutenção de uma regularidade discursiva visível no
corpo documental que produzia, essa administração mediadora colaborava
para a garantia dos espaços jurisdicionais delegados pelo Reino, o que permi-
tia o autogoverno das câmaras, bem como delimitava a interferência do poder
real nas esferas do poder local, “ficando reservado aos oficiais régios, de uma
forma global, assegurar o prosseguimento desses princípios” (p. 252).
No universo político-jurídico da administração periférica, dois cargos
estabeleciam a ponte entre a Coroa e os concelhos: o juiz de fora e o corre-
gedor. “Desde o tempo de D. Afonso IV começam a aparecer os juízes de
fora-parte (juízes do serviço del’Rey), apesar das repetidas queixas dos povos
contra esta invasão dos seus privilégios” (Nogueira, 1856, p. 42). Os juízes
de fora tinham atribuições semelhantes aos juízes ordinários, as quais eram
citadas em um mesmo título nas Ordenações filipinas (p. 134).
Os juízes ordinários compunham as câmaras e eram eleitos anualmente
pelas populações locais; raramente eram letrados e também não recebiam re-
muneração pelas suas atividades. Como tais cargos não eram remunerados, a di-
mensão de sua importância estava no prestígio que conferiam aos seus ocupantes.
O poder local configurava-se com base nessas figuras, que geralmente exerciam
as atividades de mando e eram detentoras de um poder que ultrapassava as van-
tagens econômicas e estava intimamente relacionado a questões como honra e
fidelidade. Sobre a legitimidade desse cargo, em 1371, D. Pedro I respondia a
uma solicitação dos povos em Cortes, confirmando as eleições dos juízes da terra:

A esse artigo respondemos que nossa vontade foi sempre [...] de não ir contra
seus foros e aquilo que em esta razão fizemos foi por que o houvemos por nos-
so serviço em prol da nossa terra, pero querendo fazer mercê ao nosso povo
mandamos que em cada um ano elejam juízes [...] de seu foro aqueles que
entenderem que aguardarão o nosso serviço em prol da nossa terra segundo
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 45

é seu foro e seu costume e façam direito e justiça de guisa que não achamos
razão de tornar a ello pera lhes ser estranhado (Cortes D’Elvas, 1361 apud
Nogueira, 1856, p. 42).

Os juízes de fora eram letrados e nomeados pelo Desembargo do


Paço para exercer o cargo em diversas comarcas. Representantes legíti-
mos do poder do centro, eram juristas de profissão. Tinham uma área
autônoma de ação, podendo julgar as sentenças que lhes cabiam de forma
independente, diferentemente dos ordinários, que dependiam da câmara
para fazê-lo.
Poucas eram as diferenças entre as atribuições dos dois oficiais, as
Ordenações assim os diferenciavam: “Os Juízes ordinários trarão varas ver-
melhas e os Juízes de fora, brancas, continuadamente, quando pela vila
andarem, sujeitos a pena de quinhentos réis por cada vez que sem ela forem
achados” (p. 135).
Diferenças entre os espaços de jurisdição entre os juízes ordinários e
os de fora podem ser dimensionadas com base no Regimento do corregedor:

Não podem os corregedores conhecer nenhum caso por ação nova nos luga-
res onde houver juiz de fora, se não dos que por bem da ordenação podem
conhecer. Mais onde os tais juízes não houver, poderão conhecer por ação
nova de todas as coisas de que os juízes ordinários podem conhecer. E dos tais
feitos não pagará dízima, nem outro direito. E as partes poderão escolher o
Corregedor ou Juízes ordinários (Figueiredo, 1790, p. 50).

Tal emaranhado de poderes estava previsto nesse sistema político ju-


risdicional. Em julho de 1527, D. João III respondeu negativamente a um
pedido dos povos para que os corregedores não arrogassem as causas dos
juízes ordinários:

Havendo respeito que nas outras cidades e vilas e lugares de suas correições
onde não houver juízes de fora se seguiria mais opressão as partes de os cor-
regedores não conhecerem das ações novas pelos juízes não serem letrados
e serem naturais da terra e não poderem com tanta brevidade nem tão li-
vremente fazer justiça nem o direito das partes lhe será também guardado
(idem, p. 197).
46 Da justiça em nome d’El Rey

Com essa decisão, o monarca pretendia garantir a representação do


poder do centro nas periferias administrativas. As próprias Ordenações trans-
pareciam essa complexa rede de jurisdições:

E o dito Corregedor não conhecerá por ação nova, nem avocará feito algum
crime, nem cível, salvo os feitos e causas dos Juízes, Alcaides, Procuradores,
Tabeliães, Fidalgos, Abades e Priores, nos casos de que a jurisdição diretamen-
te pertence a Nós [...]. E bem assim de outras quaisquer pessoas poderosas, de
que lhe parecer que os Juízes das terras forem suspeitos; porque de todos estes
sobredito poderá conhecer, enquanto estiver no lugar, assim por ação nova,
como avocando-os, se lhe parecer necessário, posto que os Juízes da terra digam
que farão deles justiça, quer sejam autores, quer réus, o que se entenderá, posto
que nos tais lugares haja Juízes de fora (p. 106, grifo nosso).

As atitudes que porventura o corregedor viesse a tomar seriam fruto de


sua interpretação com relação aos incidentes ocorridos nas comarcas. As leis
não especificavam os espaços que deveriam ser preenchidos pelos agentes,
legitimando as interpretações do cotidiano nas periferias como fonte para se
fazer justiça em nome do Reino e em benefício do bem comum.
O cargo de corregedor foi criado ainda no século XIV e tinha, a prin-
cípio, jurisdição delegada ou comissarial. A partir das Ordenações filipinas,
a corregedoria ganhou competência própria e se tornou uma magistratura
ordinária, com atuação na administração periférica. A área de atuação por
excelência era, como sabido, a da justiça. Porém, “os corregedores tinham
também atribuições no domínio político e no domínio da polícia” (Hespa-
nha, 1994, p. 200).
No campo político, possuía o delicado papel de supervisionar as elei-
ções para as câmaras: “a ele pertence fazê-la e apurar os Juízes e Oficiais por
si só. A qual eleição o Corregedor poderá fazer em qualquer tempo do der-
radeiro ano da eleição passada” (Código filipino, 2004, p. 155). No entanto,
tal supervisão tinha um caráter de tutela, posto que o corregedor não detinha
um poder hierárquico sobre a vida político-administrativa do concelho, mas
somente a função de cuidar para que tudo corresse de acordo com o regimen-
to, nos ditames da lei.
Outro fator que poderia agravar as relações políticas já tão precárias
entre os oficiais camarários, corregedores e juízes de fora eram os Autos de
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 47

Residência. Tais processos constavam de um exame detalhado sobre a atua-


ção do oficial régio na comarca onde estivera atuando, geralmente, por três
anos. As Ordenações assim determinavam:

Que todo Corregedor de Comarca, Ouvidor de algum Mestrado ou de Se-


nhor de terras e jurisdição e Juízes de fora [...] nos escreva como os três anos
de sua Correição, Ouvidoria ou Judicatura se acabam, para mandarmos um
Desembargador ou outra pessoa que nos bem parecer, à dita Comarca, Cor-
reição ou lugar, tomar-lhe residência (p. 112).

As residências eram, geralmente, processos extensos e demorados. O


Desembargo do Paço nomeava um desembargador, que deveria ficar por
cerca de um mês na comarca onde o oficial havia atuado. Aquele “irá ao
lugar cabeça da Comarca, ou Ouvidoria, e mandará seus Alvarás [...] nos
quais Alvarás notificará e mandará pregoar, que toda pessoa, que quiser
demandar o dito Corregedor, ou Ouvidor, o venha perante ele demandar,
por qualquer caso que seja”. O sindicante deveria ouvir “todos os que do
Corregedor ou do Ouvidor se queixarem, ou agravarem” e ainda ressarcir
“as partes quanto a seus interesses ou coisas que lhes foram tomadas ou
levadas”. Passado um mês, mesmo que não tivesse terminado, o desembar-
gador “trará com os autos de residência à Mesa dos Desembargadores do
Paço, para os mandarmos despachar finalmente por um dos Corregedores
da Corte do Crime, com os Desembargadores que para isso lhe ordenar-
mos” (p. 113).
Previsto nas Ordenações, o espaço concedido aos naturais da comar-
ca legitimava a importância dos poderosos locais para a dinâmica política
da época. Ao mesmo tempo, proporcionava condições para que os conflitos
estabelecidos entre esses e o juiz do Desembargo responsável pela comarca
viessem à tona, configurando as redes de poder que envolviam esses homens.
Ainda estava previsto na lei o afastamento do sindicado e inquirições
que deveriam ser feitas aos oficiais camarários a respeito dele:

E como o Corregedor [ou ouvidor, ou juiz de fora] for saído do lugar e os pre-
gões lançados, o Desembargador perguntará por juramento os Oficiais da Cor-
reição, e os Juízes e Oficiais, que serviram no seu tempo, e Tabeliães e alguns
homens mais principais, que tenham razão de o saber, se tem o Corregedor
48 Da justiça em nome d’El Rey

cumprido o que lhe é mandado em seu Regimento [...] e o que disserem,


assim de bem como de mal, mandará escrever (idem).

Os Autos de Residência demonstram o poder de polícia que o Desem-


bargo exercia sobre seus oficiais. Mais ainda, deixam transparecer a impor-
tância que o poder local possuía para o sistema e os conflitos que porventura
existissem entre este e o representante do poder real. Ao mesmo tempo, eram
fundamentais para a ascensão social dos magistrados, já que destacavam suas
práticas políticas executadas em nome da monarquia e quase sempre eram
utilizadas para ressaltar os grandes feitos do oficial.
José Subtil chama a atenção para a possibilidade da organização, com
base no estabelecimento dos autos, de “sociabilidades locais extraordinárias”.
Essas associações poderiam ser provocadas pelo juiz sindicante, na tentativa
de arrancar dos inquiridos alguma informação “por ouvido”, de forma ex-
traoficial. Ainda existia a possibilidade de construção de “estratégias sociais
e políticas de depoimento, mesmo que fosse só para cumprirem, simples-
mente, o dever de testemunho” (1996, p. 316). Ao buscar tais estratégias, os
agentes políticos se comprometiam e criavam redes de interdependência que
configuravam a dinâmica político-administrativa do Império português.
Em 1722, D. Lourenço de Almeida, governador da capitania de Minas
Gerais, escreveu ao monarca o quão eram comuns irregularidades nas Residên-
cias dos ministros que ali exerciam o cargo de ouvidor: “A notícia vaga que achei
nestas Minas foi de que alguns Ministros davam algum ouro ao Ministro que
lhe sucedia e que lhe tirava residência”, apontando o caso do então nomeado
ouvidor de Vila Rica, Manoel da Costa Amorim, que havia tirado sindicância
do ex-ouvidor Manuel Mosqueira da Rosa que, por conta disso, “lhe dera umas
casas na Vila Rica onde morou”. Afirmou também que o mesmo Mosqueira
havia recebido algum benefício de outro ex-ouvidor, Martinho Vieira. Ainda
nessa carta, acusou o ouvidor da comarca do Rio das Velhas, Bernardo Pereira
Gusmão, que então deixava o cargo, de oferecer ao seu sucessor, José de Souza
Valdez, “26 ou 27 negros”, declarando que esses dois oficiais eram “escandalo-
samente inimigos um do outro”. D. João V respondeu ao governador em 8 de
julho do ano seguinte, ordenando-o que tivesse

grande cuidado em que os tais Ministros que forem tirar residências aos
Ouvidores dessas Comarcas, não levem por esta comissão, interesse algum e
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 49

constando-vos que algum abusa de sua obrigação e leva por este ato alguma
dádiva, informando da verdade, me dareis conta para eu mandar ter com ele
o procedimento condigno a sua culpa (RAPM, 1979, v. 30, p. 133).

Manuel Mosqueira da Rosa já havia deixado o cargo (com o perdão


concedido por D. João pelo envolvimento na Revolta de Vila Rica) e o então
ouvidor José de Souza Valdez cumpriria seu triênio até 1725.
Os conflitos entre jurisdições e o excesso de cargos reforçavam uma
visão disforme do sistema político-administrativo do Antigo Regime em Por-
tugal. No início do século XIX, o Correio Braziliense teceu alguns comentá-
rios a respeito da criação da Vila de Cartaxo, no Reino. Criticava a decisão do
monarca, expressa no alvará de ereção da vila, por ter negado “o que pediam
os povos de serem governados por seus Juízes Ordinários e dando-se-lhes,
contra o que pediam, Juiz de Fora”. No referido alvará, de 1815, o monarca
resolvia que os súditos de Cartaxo não deviam ser atendidos

na parte em pretendiam [que] se criassem juízes ordinários para a administra-


ção da justiça em a nova vila, pois que era contrário ao bem público e parti-
cular dos sobreditos moradores separarem-se da Vila de Santarém para serem
regidos por juízes leigos, sujeitando-se por este modo aos inconvenientes que
motivaram a criação dos juízes de fora e que nascem da falta de conhecimento
das minhas leis e dos abusos da parcialidade e mal entendidos caprichos o
que convinha remover, criando-se para a referida nova vila um lugar de juiz
de fora do Cível, Crime e Órfãos (Correio Braziliense, 1816, p. 513 e 426).

A essa altura, a regência de Beresford, que representava o monarca em


Portugal, já entendia o quanto era prejudicial para o centro conceder tais
espaços de poder aos juízes da terra.
A exposição desse fato no Correio Braziliense veio acompanhada de
severas críticas ao aparelho político-jurídico português. O editor denunciava
o “mau método nas eleições” camarárias e as atribuía ao fato de que “a parte
aristocrática do povo tenha obtido mais ascendência do que lhe compete
sobre a parte democrática”. Recomendava aos corregedores que tivessem “o
cuidado de examinar esse negócio em suas correções” e ao Desembargo do
Paço, “a cautela de ser informado da qualidade das pessoas da governança e
seu número”. Ainda questionava, em defesa da extinção dos juízes de fora,
50 Da justiça em nome d’El Rey

“que dificuldade poder haver em aplicar os mesmos métodos [que aplicados


aos juízes de fora] para castigar ou remunerar o juiz ordinário” (p. 514).

***

O caráter do poder em fins do Antigo Regime coadunava uma série de


prerrogativas, não necessariamente opostas ou contraditórias. Esses diversos
espaços de poder demarcavam a dinâmica política e as práticas administrati-
vas da época, que se desdobravam em um mosaico de instituições e homens
que exerciam o poder em nome do monarca. Nesse universo, os oficiais da
justiça possuíam a função mais nobre e que expressava em sua essência o ato
de governar de então. Conflitos de jurisdição, espaços maldefinidos de poder
ou até mesmo sobreposição de poderes não expressavam deformidades ou de-
sordem. Antes, eram parte integrante da dinâmica política do Antigo Regime
que propomos discutir.
A seguir, analisaremos como os ouvidores exerciam seus cargos pelo
Império e de que forma assimilavam as práticas de poder da época, privile-
giando para isso o exercício do cargo na capitania de Minas Gerais.
Capítulo 2
Administração e poder nas Minas
Gerais do Antigo Regime

Nos próximos capítulos, discutiremos a questão do exercício do poder


metropolitano na região das Minas Gerais na América portuguesa, conside-
rando a dinâmica política do Antigo Regime e suas dimensões coloniais.
À primeira vista, o caráter político-administrativo da capitania salta
aos olhos em uma conjuntura de centralização e imposição do poder real.
Todo esse esforço estaria pautado na tentativa de impor um controle mais
efetivo da extração aurífera e do movimento humano que desde cedo ali se
observava. Para a Coroa, grosso modo, o importante era manter o domínio
sobre uma região quase perdida nos sertões da América e tão importante para
a economia do Império.
Por outro lado, a ineficiência da Coroa em implantar esse controle no
início do povoamento e a dinâmica desse movimento humano favoreceram
alguns potentados locais e conquistadores das minas de ouro. Esses homens,
ligados à terra e há muito acostumados com a instabilidade das fronteiras ser-
tanejas, exerceriam, a partir de então, importante papel no contexto imperial
português. A tentativa constante, desde os primeiros anos, de estabelecer a
ordem numa região tão remota apresentou-se quase sempre como um desafio
a ser superado pelos agentes régios que para ali se deslocaram ao longo do
século XVIII. Restaria à Coroa a negociação.
Se a leitura desses capítulos da história da região mineradora levar em
conta o contexto centralizador e absolutista, sua interpretação nos conduzirá
a uma dualidade ordem-desordem. O caos que havia se instalado nas Minas
52 Da justiça em nome d’El Rey

contrastaria com o rigor administrativo imposto pela monarquia aos seus


domínios coloniais. Ali germinaria uma população rebelde e constantemente
insatisfeita com o jugo metropolitano.
As peculiaridades da administração do ouro das Gerais tornam-se
mais amenas se considerarmos a dinâmica das práticas políticas da épo-
ca. Como ocorreu nas diversas partes do Império, ali se estruturou uma
governação que necessitava da cooptação do poder local e de diversas
estratégias que facilitassem a manutenção do domínio. Por sua vez, a dis-
tância do centro referencial do poder, a monarquia, proporcionava àque-
les homens legitimidade para agir em prol do bom governo. Tais relações,
legítimas na dinâmica política da época, concediam vozes às múltiplas
representações de poder e geravam um ambiente de conflito constante,
sem necessariamente caracterizar deformações naquele universo político-
-administrativo.
Propomos um estudo dessa governança para as Minas (com foco
na atuação da justiça na comarca de Sabará), com base na documen-
tação que o Reino, os oficiais régios, bem como os representantes do
poder local produziram ao longo do exercício de seus cargos em nome
do bem público. Os conflitos por jurisdição retratavam, como pode-
mos identificar nos documentos, o quanto eram complexas e híbridas as
fronteiras que demarcavam as relações de poder. Ao mesmo tempo, tal
dinâmica era salutar para a boa administração do Império e garantia a
sua vitalidade.
Para começar, vejamos de que forma as relações de poder estiveram
presentes na abordagem de alguns contemporâneos, que já relatavam o
quanto o descobrimento do ouro e os aglomerados humanos que ali se for-
maram divergiam da visão de sociedade então concebida. Por isso mesmo,
ao longo do século XVIII, relatos e memórias tenderam à abordagem do
dualismo ordem-desordem. Essa tendência influenciou várias gerações de
memorialistas, viajantes e, mais recentemente, historiadores, que se debru-
çaram sobre o discurso dessas testemunhas oculares da complexa sociedade
que emergira no entorno da extração aurífera. Essas, no nosso entender,
foram algumas das vias de acesso de uma tradição historiográfica que se
apresentou, durante muito tempo, como uma solução interpretativa plausí-
vel para o estudo das minas setecentistas.
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 53

As Minas setecentistas por seus contemporâneos

Em 1711 veio à luz a obra de André João Antonil, Cultura e opulên-


cia do Brasil por suas drogas e minas. Por trás do pseudônimo, o jesuíta João
Antônio Andreoni oferecia ao mundo moderno “um autêntico tratado de
economia agrícola” (Silva apud Antonil, 2007, p. 35).
A época da publicação da obra de Antonil foi marcada por uma ins-
tabilidade política que favorecia as preocupações das autoridades portugue-
sas com a segurança de seus portos e fronteiras. A conjuntura europeia era
deveras delicada. Portugal havia sido invadido em 1704 por tropas franco-
-espanholas, por conta da Guerra de Sucessão da Espanha, e algumas pra-
ças importantes ainda não tinham sido totalmente recuperadas. Na América
portuguesa, a situação inspirava alerta. No sul, a presença ameaçadora dos
espanhóis no estuário do Rio da Prata e seu domínio sobre a colônia do Sa-
cramento constituíam-se em ameaça constante. No norte, as fronteiras inde-
finidas entre o Amazonas e a Guiana Francesa eram causa para a instabilidade
militar que pairava sobre a colônia. O Rio de Janeiro, em ascensão estratégica
no tabuleiro colonial, sofria com a insegurança e os perigos que poderiam
vir do mar. O medo fazia parte do cotidiano dos vassalos fluminenses, medo
que se tornou mais pungente quando, num período de um ano, entre 1710 e
1711, a cidade foi invadida duas vezes pelos franceses.
A obra de Antonil era dividida em quatro partes desiguais,1 posto que
a dedicada ao engenho de açúcar apresentasse, em sua confecção, muito mais
esmero e dedicação do autor, o que expressa a intimidade do jesuíta com os en-
genhos de açúcar do nordeste da colônia. Entre o final do século XVII e início
do XVIII, Andreoni esteve desempenhando importantes cargos na região, sen-
do inclusive secretário do padre Vieira. Também foi visitador em Pernambuco,
professor e reitor do Colégio da Bahia, onde viria a falecer em 1716.
Para Antonil, a verdadeira riqueza do Brasil era o açúcar. O apreço e a
satisfação com que escreveu sobre o cultivo, bem como sobre a importância
da figura do senhor de engenho para a sociedade colonial deixam transpa-

1
São elas: Primeira parte: “Cultura e opulência do Brasil na lavra do açúcar. Engenho real mo-
ente e corrente, Livros I, II e III”; segunda parte: “Cultura e opulência do Brasil na lavra do
tabaco”; terceira parte: “Cultura e opulência do Brasil pelas minas do ouro”; e quarta parte:
“Cultura e opulência do Brasil pela abundância do gado e courama e outros contratos reais que
se arrematam nesta conquista”.
54 Da justiça em nome d’El Rey

recer sua simpatia pela cana. Mais ainda, traduzem reflexos do período em
que esteve na América portuguesa: o jesuíta começou a escrever sua obra “na
altura em que teve a oportunidade de passar uma temporada no engenho de
Sergipe do Conde”. Em sua opinião, esse era “um dos mais afamados [enge-
nhos] que há no Recôncavo à beira-mar da Bahia” (p. 43).
Segundo Antonil, a sociedade açucareira era, em tudo, modelo de pros-
peridade para o Reino e suas colônias. As peculiaridades da sociedade do An-
tigo Regime nas possessões já eram visíveis para ele. A autoridade atribuída
em sua obra à figura do senhor de engenho retrata a sua visão da sociedade
colonial: “bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho quanto
proporcionalmente se estimam os títulos entre fidalgos do Reino” (p. 79).
Já sobre a mineração, André Antonil não lançou um olhar tão otimista.
Assunto que constitui a terceira parte de seu tratado, sua preocupação foi jus-
tamente apontar os prejuízos que a descoberta das minas teria causado para o
Brasil. Segundo Andrée Mansuy Silva, o jesuíta nunca esteve nos sertões mi-
neiros. As informações contidas em seus escritos têm como fontes conversas
com pessoas que passaram por lá e envolveram-se com a administração das
minas. Para o capítulo XV, sobre as “notícias para se conhecerem as minas
de prata”, a autora propõe “que foram traduzidos do castelhano, como o evi-
denciam o estilo e vocabulário, cheios de hispanismos” (Silva apud Antonil,
2007, p. 40).
A questão relativa à existência de minas de prata nos sertões da Amé-
rica portuguesa é objeto de controvérsia. Para Antonil, não existia dúvidas
acerca disso:

Que haja também Minas de prata não se duvida, porque na serra das Co-
lunas, quarenta léguas além da vila de Outu, que é uma das de São Paulo
ao leste direito, há certamente muita prata, e fina. Na serra de Sabarabuçu,
também a há. Da serra de Guarumê defronte do Ceará, tiraram os holandeses
quantidade dela no tempo em que estavam de posse de Pernambuco. E na
serra de Itabaiana, há tradição que achou prata o avô do capitão Belchior da
Fonseca Dória. E em busca de outra foi além do rio de São Francisco Lopo de
Albuquerque, que faleceu nesta sua malograda empresa (p. 215).

Já Andrée Mansuy é um tanto prudente no assunto. Afirma que, em


1682, o príncipe regente D. Pedro encarregou um espanhol, D. Rodrigo de
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 55

Castel-Blanco, de localizar as minas de prata da Serra de Sabarabuçu, pró-


ximo à nascente do Rio São Francisco. Porém, nada foi confirmado. Com
relação à exploração de minas de prata pelos holandeses, afirma que foi por
volta de 1654 que, conduzidos por Matias Beck, descobriram minas de prata
nas serras de Maranguape e da Taquara. No entanto, algumas pesquisas re-
centes afirmam que Matias Beck falhou em sua tentativa de localizar prata no
Ceará. Isso poderia estar ligado ao fato de ali não existir prata: “mesmo assim
adaptou-se muito bem às circunstâncias à sua volta, criando uma infraestru-
tura propícia à mineração e, ao mesmo tempo, um posto colonial avançado”
(p. 238). De qualquer forma, o capítulo que Antonil dedica à prata parece ser
contextualizado com base no caso da América espanhola.
Toda a dissertação de Antonil relativa às minas tem como referência
a sociedade do açúcar e, por isso mesmo, a mineração transfigurava para o
jesuíta a perversão daqueles preceitos. Segundo o autor, “a terra que dá ouro”
é estéril “de tudo o que se há mister para a vida humana, e não menos estéril
a maior parte dos caminhos das Minas”. A abundância de ouro tornaria co-
mum a carestia naquela região:

E logo começaram os mercadores a mandar às Minas o melhor que chega nos


navios do Reino e de outras partes, assim de mantimentos como de regalo e
de pomposo para se vestirem, além de mil bugiarias de França que lá também
foram dar (p. 234).

Ainda segundo Antonil, “a maior parte deste ouro se gasta em comer


e beber” e isso dava “aos vendedores grande lucro”. Os caminhos para as
Minas estavam repletos de “negras cozinheiras, mulatas doceiras e crioulos
taverneiros ocupados nesta rendosíssima lavra”, colocados ali por “homens
de maior cabedal” que buscavam o lucro sobre essa “mina à flor da pele”.
Para o jesuíta, tal emaranhado estava associado aos pecados terrenos, posto
que fosse justamente devido a todo esse lucro que aquela gente mandava “vir
dos portos do mar tudo o que a gula costumava apetecer e buscar” (p. 243).
A circulação do metal precioso havia provocado nas pessoas o desejo
de viver faustosamente. O abastecimento não só de alimento, mas sobretudo
de objetos de luxo e “regalo”, provocou um incremento do mercado interno
mineiro. Antonil sinaliza a importância de se manterem “Casas da Moeda e
dos Quintos na Bahia e no Rio de Janeiro”, pois assim “teria Sua Majestade
56 Da justiça em nome d’El Rey

muito maior lucro”. Para o jesuíta, seria necessário que a Coroa mantivesse
“sempre dinheiro pronto para comprar o ouro que os mineiros trazem e fol-
gam de o vender sem detença” (p. 231). Forneceria, desse modo, subsídios
para frear o descontrole do movimento humano e econômico daquela região
e, ainda, aumentar a arrecadação da metrópole.
A historiadora Júnia Furtado (2006) já nos mostrou a grande impor-
tância do comércio na sociedade mineira. O gosto pelo luxo e a ideia de
abundância que o ouro favorecia ajudou a incrementar a dinâmica mercantil
naquela região, até então inóspita. Desde o início, a Coroa se utilizou do
comércio para estender o poder ao distante sertão. Para tal, valia-se da mo-
vimentação de homens de negócio como forma de ocupação do interior. A
corrida pelo ouro proporcionou uma euforia que incentivou, ao menos no
início, o abandono do cultivo da terra. A ideia de que naquela região a terra
era infértil, associada a essa euforia, favoreceu o fortalecimento do comércio
para subsidiar a rápida urbanização que então se processava.
Tais aspectos foram abordados também por Silveira (1997). Com ba-
ses em reflexões de memorialistas mineiros, sua obra contempla a associação
entre a emergência do comércio e a desagregação da ordem colonial institu-
ída pela Coroa, num contexto que favoreceria a formação de uma sociedade
afetada e indistinta, que fugia dos moldes das sociedades do Antigo Regime
europeias, ao mesmo tempo que pretendia imitá-la.
Antonil também trata “da obrigação de pagar a El-Rei nosso senhor a
quinta parte do ouro que se tira das minas do Brasil”. Para nossa análise, essa
é a parte que merece maior atenção. O jesuíta apresenta “dois modos” para
tratar o dever dos vassalos. A primeira forma estava vinculada “ao foro exter-
no” e explicitada nas “Leis e Ordenações do Reino”; a segunda, inscrita na
consciência humana, constituía em obrigação para todos os súditos e vassalos
(p. 243). Portanto, a obrigação de prestar contas ao monarca já estava previs-
ta no estado de natureza do homem e a ultrapassava, figurando também no
ambiente das leis positivas.
Com um olhar mais atento, identificamos aí traços da filosofia neoes-
colástica. Ao propor uma discussão acerca do conceito de sociedade política,
os neotomistas conceberam um universo pautado numa hierarquia de leis. A
dinâmica dessa sociedade política era regida, em primeiro lugar, pela vontade
divina, seguida pela lei da natureza e depois pelas leis humanas e positivas,
estas arquitetadas por cada “república”. Estas últimas seriam um reflexo das
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 57

leis naturais e, mais intimamente, de “uma lei superior que todo homem já
conhece em sua consciência” (p. 238).
Antonil cita uma série de juristas e teólogos que poderiam corroborar
a sua tese, entre eles o padre Molina, filósofo neotomista, jesuíta espanhol
e professor da Universidade de Évora: “foi com base nas aulas que ali
ministrou entre os anos de 1577 e 1582 que Molina compilou seus Seis
livros sobre a justiça e a lei, editados pela primeira vez entre 1593 e 1600”
(Skinner, 1996, p. 416).
Em última instância, a consciência do dever do pagamento dos quintos
reais emanava, segundo nosso jesuíta, da lei divina inata ao ser humano e
estaria acima inclusive das leis positivas. Para afirmar isso, cita outro jesuíta
neotomista:

O Padre Francisco Suarez2, examinando mais profundamente (como costu-


ma) este ponto no 5o Livro De Legibus [...], resolve que as imposições e pen-
sões que se pagam aos reis e príncipes por coisas suas imóveis e frutos delas
são tributos reais e naturais, fundados em justiça. [...] e que por isso as leis
que mandam pagar estas pensões ou tributos, [...] sem dúvida não se pode
chamar, nem são puramente penais, mas dispositivas e morais (p. 251).

A obrigação, por consciência, do pagamento dos tributos era inerente à


moral humana e transcendia as obrigações legais: era também de foro íntimo.
No entanto, os contratos reais deviam à justiça comutativa, “que traz consigo esta
intrínseca obrigação se não houver pacto em contrário”. Para tecer essa afirmação
teve como base a filosofia de Suarez, para quem “nenhuma pessoa tem jurisdição
política sobre outra” e a associação política é estabelecida por um pacto, em que a
noção de interdependência política estaria subentendida (p. 251).

É verdade que [os] teóricos [neotomistas] raramente empregavam a fórmu-


la consagrada do “contrato social” para analisar a formação do Estado [...].
Entretanto não há dúvida de que esses autores possuem o conceito de estado
de natureza mesmo quando não possuem o termo, e de que já reconhecem o

2
Suarez, espanhol, iniciou seus estudos em Salamanca e lecionou em Évora. É responsável, ao
lado de Molina, por algumas das discussões mais célebres acerca do poder na filosofia neoto-
mista seiscentista.
58 Da justiça em nome d’El Rey

valor heurístico de empregá-lo como um expediente para elucidar a relação


entre as leis positivas e os teoremas da justiça natural (Skinner, 1996, p. 432).

Outra referência contida na obra é relativa ao patrimônio real. Para os


limites políticos do Antigo Regime, o monarca tinha como “missão” zelar
“pelo bem de seus súditos” e garantir o equilíbrio da sociedade (Magalhães,
1993, p. 62). O ato de zelar pelo bem público era atributo político. As câ-
maras e os oficiais régios, extensões legítimas do poder real, bem como o
próprio monarca tinham a obrigação natural de assegurar o bem-estar social
e político dos vassalos.
Faoro discute a questão do patrimonialismo do Estado monárquico e
afirma que tal instituição apresentava uma “forma corporativa e burocrática,
gerando laços patrimonialistas nas instâncias do Estado” (1997, p. 84). Isso
implicava inclusive zelar pelo bem público, e Antonil faz alusão a tal fator: o
quinto, “não menos que outro qualquer justo tributo, deveria ser ordenado
para bem da República” (p. 251).
“Não há coisa tão boa que não possa ser ocasião de muitos males,
por culpa de quem não usa bem dela. E até nas sagradas se cometem os
maiores sacrilégios.” Desse modo Antonil inicia a parte final de seu tratado
dedicado às minas. Para explicar a sua afirmação a respeito dos danos que
as minas de ouro causaram à América portuguesa, cerca-se de argumentos
sobre a “insaciável cobiça dos homens”. Já havia notado, talvez por meio
dos relatos que recolhera, a ação perniciosa dos homens “de cabedal”, que
enriqueceram com a mineração e assistiram ao crescimento de seu poder
naquelas terras inóspitas (p. 283).
Adriana Romeiro traça uma análise detalhada das características obser-
vadas por Antonil no início do século XVIII. Ancorada em vasta documen-
tação, aponta de que forma a tendência facínora do povo do planalto foi dis-
cutida ao longo do tempo e assumiu o discurso do caos. Tais interpretações
fizeram vicejar a ideia de que, no início do povoamento da região, “a imagem
de um estado de natureza quase infernal” caracterizava o cotidiano. Segundo
a historiadora, “a vida política nas Minas” constituía-se em “observatório
privilegiado para o estudo da natureza e modos de atuação das forças políticas
engendradas à margem do Estado”. Ali se delimitaram “territórios de man-
do” onde “parentes, afilhados, vizinhos e agregados se articulavam em vastas
cadeias clientelares, que se distribuíam por povoados e arraiais”, amarrando
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 59

poderosos locais aos pobres e vadios, criando uma rede de reciprocidades


(2008, pp. 86-7).
Essas redes não eram inerentes somente às minas e muito menos se
organizavam “à margem do Estado”. Às práticas políticas da época, comuns
ao ambiente do Antigo Regime, somavam-se as inúmeras dificuldades en-
contradas pela Coroa para controlar o contingente humano que para lá se
deslocava. Ainda há de se considerar que o ouro não seguia um ciclo regular
como o açúcar: sua descoberta estava entregue às façanhas dos aventureiros.
Em função disso, germinava nas Minas uma sociedade que fugia ao controle
até mesmo das autoridades régias, o que nos sugere, como testemunhou An-
tonil, a inabilidade daquela gente em lidar com “tão precioso metal” (p. 283).
Em março de 1711, o Conselho Ultramarino mandou apreender o
livro de Antonil, publicado algumas semanas antes. A ordem ainda proibia
que qualquer livro que contivesse informações acerca das conquistas fosse pu-
blicado. Na opinião de Laura de Mello e Souza, o motivo para tal atitude era
a tentativa de proteção das conquistas portuguesas na América numa época
de instabilidade geopolítica. A obra de Antonil figurava como perigosíssima
“num contexto em que a acirrada luta pela hegemonia europeia transita-
va para a disputa por mercados coloniais”. Era arriscado tornar públicos os
caminhos para as minas, “caminhos que deveriam permanecer em segredo,
como aliás todas as matérias de importância política” (2006, p. 97).
Souza toma como referência a introdução de Andrée Mansuy à edi-
ção comentada do livro de Antonil. Nela, Mansuy tece uma longa discussão
sobre as causas que poderiam ter levado à proibição e apreensão da referida
obra. Na consulta do Conselho Ultramarino que proibia a publicação, os
motivos eram expostos com clareza:

Nesta Corte saiu proximamente um livro impresso nela com o nome su-
posto e com o título de Cultura e Opulência do Brazil, no qual entre outras
coisas que se referem pertencentes às fábricas e provimentos dos engenhos,
cultura dos canaviais e benefício dos tabacos, se expõem também muito des-
tintamente todos os caminhos que há para as minas de ouro descobertas e se
apontam outras que ou estão para descobrir ou por beneficiar. E como estas
particularidades e outras muitas de igual importância que se manifestam no
mesmo livro, convém muito que se não façam públicas nem possam chegar à
notícia das nações estranhas pelos graves prejuízos que disso podem resultar à
60 Da justiça em nome d’El Rey

conservação daquele estado, da qual depende em grande parte a deste Reino e


a de toda a Monarquia, como bem se deixa considerar. Pareceu ao Conselho
Ultramarino representar a V. Mag. Que será muito conveniente a seu real
serviço ordenar que este livro se recolha logo e se não deixe correr (Sobre sua
majestade mandar recolher um livro... Silva, 2007, p. 59).

Por motivos de segurança e de preservação das riquezas minerais frente


à instável conjuntura política europeia que vazava para o mundo colonial,
fazia-se necessário vetar quaisquer divulgações dos caminhos para o interior.
A importância da obra de Antonil reflete-se na proibição de sua publica-
ção, já que se reconhecia o peso que representava para a conjuntura política
da época. Tais escritos revelam ainda um profundo conhecimento político
e social, pois descrevem em detalhes toda a engrenagem do mundo colonial
e suas dimensões. Ademais, suas interpretações e conclusões são frutos da
experiência ao longo de sua vida religiosa: podemos notar que o neotomismo
tangenciou todas as suas reflexões e colaborou para a conjectura do que jul-
gava certo ou disforme àquela realidade. A descoberta do ouro e a sociedade
que ali cresceu representavam uma aberração à ordem tão bem estabelecida
pelo cosmos, configurando uma região em plena desordem, onde os vícios e
pecados afloravam constantemente. Na opinião do jesuíta, “nem há pessoa
prudente que não confesse haver Deus permitido que se descubra nas Minas
tanto ouro para castigar com ele ao Brasil” (p. 284), razão para a existência
daquela sociedade em desatino.
Ao longo do século XVIII, outros discursos intentaram descrever o
cotidiano nas Minas. Optamos por expor os que tangenciavam a observância
das práticas políticas e descreveram a complexidade do que era viver naquela
terra, bem como administrá-la.
D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, o conde de Assumar, foi res-
ponsável por um dos mais ricos relatos daquele cotidiano. Interessado em
expor as razões que o levaram a agir de forma severa contra o levante de 1720,
preocupou-se em detalhar as peculiaridades daquela população, composta
por “homens brutos e facinorosos” (Discurso histórico, 1994, p. 62). Assumar
foi o terceiro oficial a assumir o governo da capitania de São Paulo e Minas
do Ouro. Sua gestão ainda assistiu à criação da capitania das Minas Gerais,
após o episódio de Vila Rica.
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 61

Antes de se instalar nas Minas, a viagem do conde, de Lisboa até os


sertões da América portuguesa, foi registrada num diário, cuja autoria é atri-
buída ao próprio conde de Assumar. Além das dificuldades encontradas pela
comitiva, os relatos da viagem registram os primeiros contatos do governador
com os paulistas. Curioso notar que o contato inicial com a gente da terra foi,
segundo os testemunhos, bastante amistoso:

Tiveram o dissabor de chegarem às onze horas da noite à pousada, que eram


umas casas de palmas, que para hospedagem tinha mandado fazer um Juiz de
São Paulo chamado Roque Soares. Este assistiu a Sua Ex. naquela noite e em
sua companhia alguns paulistas e nos trataram com muita grandeza (apud
Távora e Cobra, 1999, p. 204).

Da mesma forma, os registros da hospitalidade dos camarários foram


abundantes. A afetação dos povos das minas havia saltado aos olhos dos ofi-
ciais reinóis:

Uma légua antes de chegar à cidade, ou pouco menos, encontramos com


cento e cinquenta cavalos formados e mandados pelo Capitão-Mor Manoel
Bueno da Fonseca, cavalheiro do hábito e um dos paulistas com entendimen-
to e prudência, logo que chegamos aonde eles estavam deu-se salva e tocou-se
muita charamela: eles vinham tão ridículos, cada um por seu modo, que era
gosto ver a diversidade das modas e das cores esquisitas porque havia casacas
verdes com botões encarnados, outras azuis agaluadas por uma forma nunca
vista e, finalmente, todas extravagantes, vinham alguns com as cabileiras tão
em cima dos olhos que se podia duvidar se tinham frente, traziam então o
chapéu caído para traz, que faziam umas formosas figuras, principalmente
aqueles que abotoavam as casacas muito acima (p. 205).

O tema da afetação da gente dos sertões mineiros há muito frequenta a


historiografia e é devedora dos discursos desses homens que por lá passaram
ao longo do Setecentos. A emergência de aspectos sociais e econômicos até
então ausentes, associada à instabilidade política das primeiras décadas, con-
duziu a uma interpretação bastante peculiar daquela sociedade. Estudando
sua inserção no universo de transformações que se processou a partir do sécu-
lo XVIII, Marco Antônio Silveira (1997) é um dos seus mais fiéis expoentes.
62 Da justiça em nome d’El Rey

A lida cotidiana do homem colonial em consonância com as múltiplas equi-


valências do ouro, se comparadas com a previsibilidade da sociedade açuca-
reira, fabricava um universo disforme e avassalador. Aos olhos dos oficiais do
Reino que se dispuseram a servir à Coroa no inóspito sertão, aquele poderia
ser muito bem “o universo do indistinto”.
Nas suas andanças pelas vilas de São Paulo, a comitiva de Assumar
foi registrando o cotidiano daquela gente. Em Pindamonhangaba, relata que
“experimentou-se todo o regalo e bom tratamento, porque a gente é da me-
lhor que há da serra acima”. Mais à frente fala sobre a chegada à Guaratingue-
tá, onde “os naturais são tão violentos e assassinos que raro é o que não tinha
feito morte”, expondo algumas histórias que ouviu do povo. A essa altura,
trata de um episódio que já deixava transparecer o caráter punitivo e discipli-
nador do governo do conde de Assumar. Advertido pelo capitão-mor de que
“um bastardo que vem a ser filho de branco e de carijó” era um malfeitor e
assassino, mandou prendê-lo “e tirando-se-lhe devassa se lhe provaram três
mortes com dezoito testemunhas”. A partir da constatação de culpa, “se sen-
tenciou a morte pelos juízes e o Sargento Mor da Praça, presidindo Sua Ex. a
este ato”, sendo enforcado o culpado “por um negro e assistido do Padre da
Companhia” (apud Távora e Cobra, 1999, p. 212).
D. Pedro Miguel havia chegado às minas com um imaginário sobre
a região ilustrado pelos relatos e testemunhos de quem estivera ali durante
os primeiros anos. A intenção de estabelecer a ordem não era somente uma
recomendação régia, mas também uma questão de sobrevivência, numa terra
longínqua onde a Coroa portuguesa pretendia estabelecer limites geográficos
e políticos. Em 1718 advertia à Coroa a necessidade de “serem adotados pro-
cessos menos formais e mais sumários de justiça”, organizados especialmente
para aquela gente (Boxer, 1969, p. 197).
O governador “não gostava das possessões coloniais”, tendo cruzado o
Atlântico para assumir esse importante cargo pela lealdade de um fiel vassalo.
Entendia que a administração delas dependia de homens como ele e oferecera
seu grau de esforço a serviço do Império (Souza, 2006, p. 203). Contudo,
seus métodos desde cedo se apresentaram como pouco convencionais para
as práticas políticas que regiam o cotidiano do Antigo Regime em Portugal.
Em 1720, no limiar de seu período como governador, tomando para
nós as palavras de Laura de Mello e Souza, Assumar “comeu o pão que o
diabo amassou” com a eclosão de uma revolta contra a instalação das casas de
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 63

fundição (p. 204). Dessa vez não era a simples condenação de um assassino
que perturbava a paz e o sossego público, mas poderosos locais que se levanta-
vam contra uma determinação régia. Interesses particulares, redes clientelares
muito bem articuladas, redes mercantis que se estendiam das Minas Gerais
até o Reino, estratégias para o extravio do ouro: características comuns ao
universo político da época, agora associadas à instabilidade socioeconômica
que o ouro inspirava, desafiavam o governador. Toda a contradição que as
minas poderiam sugerir aos seus contemporâneos veio à tona, cabendo ao
governador manter a ordem, tão almejada pela Coroa.
A inoportuna repressão de Assumar ao movimento, condenando suma-
riamente à morte Felipe dos Santos, homem branco e livre, sem recorrer a uma
Junta de Justiça (como havia feito antes), renderia, em longo prazo, um período
de silêncio em sua carreira de serviços prestados. Em curto prazo, porém, o fez
autor do Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no
ano de 1720. Apesar de o texto ser anônimo, os historiadores concordam em
atribuir sua autoria ao conde de Assumar. Campos afirma que “a menção ao
fim de seu governo indica que ao menos parte do Discurso histórico foi escrita
depois de o conde de Assumar retornar a Lisboa” (2002, p. 238).
Texto muito bem elaborado, deixa transparecer uma grande erudição e
oferece uma ideia peculiar do que seria um dos modos de governar nas pos-
sessões coloniais. Na tentativa de justificar a sua intempestiva atitude, traça
um retrato negativo daquela sociedade. Seu discurso traz, assim como o de
Antonil, a ideia de desgraça provocada pelo ouro, que havia transformado
aquela sociedade em uma terra decaída e condenada por Deus:

Os motins são naturais das Minas e que é propriedade e virtude do ouro


tornar inquietos e buliçosos os ânimos dos que habitam as terras onde ele
se cria. Pelo menos eu acho que, depois que se principiou a tirar o ouro,
se viram as primeiras dúvidas e contendas no mundo: retirou-se a justiça
para o céu e produziu a terra gigantes e poderosos, que, atrevidos, rebeldes e
insolentes, intentaram levantar-se contra o seu soberano (Discurso histórico,
1994, p. 60).

Era uma espécie de estado de natureza, e por isso o autor justificava


que os mineiros tivessem “alguma desculpa em frequentar os motins, a que
interiormente os inclina a força e arrasta a natureza” (idem).
64 Da justiça em nome d’El Rey

Dessa vez, os paulistas não eram mais portadores de gentilezas, como


relatado no diário de viagem. Após suas experiências com os poderosos lo-
cais, tornaram-se portadores “de todo gênero de maldades, luxúrias, cobiças,
dolos, invejas, homicídios, contendas, enganos, malícias e murmurações”, de
quem os mineiros se tornaram herdeiros. Se alguns mineiros “tiveram melhor
educação”, era devido a estadias fora daquelas terras, porém “em chegando a
elas ficam como os outros” (p. 64).
O Discurso deixa transparecer a ideia de indistinção para aquela socie-
dade e da ascendência vil de sua gente: “muitos não tiveram nunca nome, e
se tem ainda hoje se lhes não sabe”. Porém, para aquela realidade indistin-
ta, logravam para si a “honra de ricos” e assim se diferenciavam dos outros
mineiros. Fazia alusão inclusive aos cargos e ofícios que desde cedo foram
ocupados por esses homens sem formação:

Tantas mudanças, como destas transformações se admiram cada dia nas Mi-
nas. E se os homens assim andam trocados, não é possível que deixe de andar
nelas tudo às avessas, e fora de seu lugar. [...] Se Sua Majestade quer que as
suas Minas não andem sempre tão confusas, tão perturbadas, faça que nelas
se restituam os mineiros a seu lugar, mande que quantos se acham hoje in-
troduzidos, ainda que bem à sua custa nesta república, vá cada um tratar de
seu ofício (p. 65).

A época da publicação da obra de Antonil foi marcada por uma insta-


bilidade política que favorecia as preocupações das autoridades portuguesas
com a segurança de seus portos e fronteiras. Na opinião de Diogo de Vas-
concelos, a multidão que vinha de fora penetrou nas Minas “invertendo a
sociedade pela base” e isso colaborou para o estabelecimento de “mandões
que emergiram da ínfima camada” (1948, p. 26). A cooptação pela Coroa
dos primeiros desbravadores das minas seria uma estratégia para estabelecer
a negociação com aquele povo do planalto há muito largado nos sertões, não
seria diferente em outras partes do Império, onde se pretendeu estabelecer
o domínio colonial. Na voz do autor do Discurso histórico, no entanto, tais
características justificavam os motins e desordens. Ainda faz uma explanação
detalhada das atitudes de alguns mineiros poderosos e de seus envolvimentos
com a sublevação, mapeando, sem saber, as redes cilentelares que os interli-
gavam pelas Minas (e pelo Império).
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 65

Sobre a sentença sumária que foi lançada sobre Felipe dos Santos, o
autor explica que foi intentado “mais para terror que para castigo”. E justi-
fica o ato: “porque os homens de natureza dos destas Minas, que ordinaria-
mente são bárbaros e insolentes, mais temem [...] as circunstâncias e gênero
de morte que a mesma morte”. O mesmo horror inspirado pela pena havia
colaborado na dispersão dos outros envolvidos: “os mais que se achavam cul-
pados, uns ocultar nos confins do governo; outros não se dando, nem aí, por
seguros, se puseram mais ao largo, indo ter e parar no coração dos sertões da
Bahia e Pernambuco” (Discurso histórico, 1994, p. 166).
A repressão pura e simples ao levante havia sido substituída pela sen-
tença exemplar a um réu. O fato de alguns outros fugirem para os sertões
não parecia importar para o autor do documento. O castigo ainda soava,
em alguns momentos da escrita, como estratégia para tornar um pouco mais
eficientes as leis do Reino:

Porque justo era que onde a maldade crescia tanto, algum rigor se acrescen-
tasse às leis [...] e que a maldade tão grande se desse também grande castigo,
principalmente quando nessa chaga já não podia obrar mais remédio que o
ferro e o cautério. Este exemplo, que em outra parte escassamente fora amea-
ço e sombra de justiça, nas Minas, onde as sedições eram naturais e o castigo
estranho, pareceu excesso de rigor e resolução muito sumária (p. 167).

Carla Anastasia (1998) demonstra, mesmo adotando um tanto do dis-


curso de rebeldia e de contradição acerca dos vassalos mineiros, que o conde
de Assumar tentou, no início do conflito, contornar a situação de caos cria-
da pelos revoltosos com um tom de negociação. Em trabalho mais recente,
na tentativa de inserir a análise do conflito numa perspectiva do contexto
imperial de estudo, Carlos Kelmer Mathias revela o quanto as redes de re-
ciprocidades, comuns por todo o Império, colaboraram para dar corpo ao
movimento e, ao mesmo tempo, sustentar as atitudes de Assumar. O autor
nos conduz a analisar quais seriam as opções do governador naquela terra
insurreta e tomada por homens poderosos que possuíam como objetivo “an-
gariar o apoio da população a uma causa então pessoal, qual seja, a expulsão
de D. Pedro de Almeida da capitania de Minas” (2005, p. 91).
Seja como for, Assumar agiu, a seu ver, com o rigor que a situação
pedia e que as próprias Leis do Reino permitiam, salvo a ausência da convo-
66 Da justiça em nome d’El Rey

cação de uma junta de justiça. O Livro V das Ordenações filipinas previa “a


morte natural cruelmente” e o confisco dos bens para quem “tratasse de se
levantar contra” o monarca (título VI, p. 1.153).
Segundo Silvia Hunold Lara, o exercício da justiça privilegiava a puni-
ção às violações contra o bem comum e, para a manutenção da paz, era neces-
sária “uma estrutura de jurisdições e alçadas”, tudo em nome da monarquia.
Os oficiais régios encarregados da administração e da justiça tinham como
obrigação velar pela ordem e punir os culpados:

Não se trata de simplesmente matar o criminoso, mas de relacionar a gravida-


de de sua falta ao rigor da punição, fazer com que o sofrimento do condenado
inspire temor e sirva de exemplo, expiando suas culpas e restaurando o poder
real violado pelo crime em toda a sua força e plenitude (1999, p. 22).

Talvez fosse essa a ideia do então governador ao tornar oficial a senten-


ça de morte contra Filipe dos Santos. Mas qual seria o motivo da explicação
com tom de desculpas tão minuciosa contida no Discurso histórico? Segundo
António Manuel Hespanha, “a visão tradicional da ordem e prática penais
portuguesas do Antigo Regime apresentam-na como fortemente repressiva e
cruel” (1993b, p. 456). Em outro trabalho, Hespanha afirma que

bastava ler a interminável lista de crimes capitais do Livro V das ordenações


[...] para pensar, como o pensou Frederico II quando, durante a preparação
do Allgemeines Landrecht, lho terão dito: ‘Mais ainda haverá gente viva neste
país?’ [...] pelo menos em Portugal, a pena de morte era rarissimamente exe-
cutada (2007b, p. 4).

Estudos mais recentes, contudo, apontam para uma “imagem de com-


placência” relativa à aplicação da pena de morte orientando as práticas polí-
ticas, principalmente a partir do Setecentos.
Isso sugere que, ao longo do Antigo Regime, as leis foram sendo rea-
daptadas, ao mesmo tempo que a sociedade e as próprias concepções se alar-
gavam por conta dos domínios coloniais. Em terras tão diferentes entre si e
dividindo o mesmo domínio, seria natural que as formas de governabilidade
e de exercício do poder fossem múltiplas. Assim, ao longo do tempo, a Coroa
se valeu de estratégias de negociações orquestradas pelos seus oficiais para
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 67

manter seus domínios pluricontinentais. Nessa esteira, o conde de Assumar


derrapou, ainda que a conclusão do Discurso histórico lhe tenha absolvido e
explicado as razões de sua atitude.

Mas se por todos estes títulos e razões que temos ponderado, disse até aqui
que lhe era ao conde lícito, não sendo possível convocar os ouvidores, pro-
ceder naquela forma ao castigo, agora, digo, [...] não deviam ser ouvidos os
ministros, porque só a ele como lugar-tenente de El-Rei incumbia, no caso
presente, a determinação da pena (Discurso histórico, 1994, p. 69).

Porém, a Coroa já havia percebido o quanto eram complexas as amar-


rações que a uniam aos seus inóspitos domínios e como se fazia necessário o
tom de negociação no lidar com seus vassalos. Mesmo porque esse era o tom
das práticas políticas que regiam aquele universo do Antigo Regime. Ao con-
de de Assumar restaria um ostracismo já tão assinalado pela historiografia.
Outro contemporâneo registrou seu olhar sobre aquela sociedade.
Cláudio Manuel da Costa, poeta mineiro e fazendeiro da comarca de Vila
Rica, era um dos maiores credores da região, “com créditos da ordem de [...]
três contos e quatrocentos e setenta e um mil-réis” (Furtado, 2002, p. 121).
Além disso, representava um importante papel no poder local: camarário,
nomeado duas vezes secretário de governo da capitania de Minas Gerais, era
um dos mais populares advogados dos auditórios de Vila Rica.
Cláudio Manuel da Costa não era um emboaba. Diferentemente dos
dois outros autores, era filho da terra, e tal característica salta aos olhos na lei-
tura do “Fundamento histórico” que precedeu seu poema “Vila Rica”. Segun-
do Adriana Romeiro, ao interpretar a Guerra dos Emboabas, “o poeta resgata
a epopeia dos homens do Planalto de Piratininga” (2008, p. 16). Afirma tam-
bém, citando Maria Efigênia Lage de Resende (1998), que Cláudio iniciou
uma tradição de memorialística da história de Minas do século XVIII. O que
nos interessa em especial é seu “Fundamento histórico”, espécie de introdu-
ção ao poema “Vila Rica”. Datado de 1773, o poema é dedicado ao conde
de Bobadela e está inserido numa estrutura épica que celebra a descoberta
do ouro e toda a sua epopeia “mítica e legendária”. Apresenta características
classicistas da passagem de Cláudio pelo movimento academicista setecentis-
ta. No prólogo à obra, o autor deixa transparecer seu orgulho por estar tão
familiarizado com a terra sobre a qual escreve:
68 Da justiça em nome d’El Rey

Pode ser que algum as conteste pelo que tem lido nos escritores da História
da América, mas esses não tiveram tanto à mão as concludentes provas de que
eu me sirvo; não se familiarizaram tanto com os mesmos que intervieram em
algumas das ações e casos acontecidos neste País; e ultimamente não nasceram
nele, nem o comunicaram por tantos anos como eu (1996, p. 359).

A referência que faz a obras anteriores tem relação com a História da


América portuguesa, de Sebastião da Rocha Pita, como cita na página seguin-
te. Com a sua publicação em 1730, o texto de Rocha Pita foi uma das pri-
meiras tentativas de escrever uma história voltada para a América portuguesa.
O autor, entusiasta da colonização lusitana, fez de sua obra uma apologia aos
portugueses que se embrenharam pelos sertões com o objetivo de buscar ouro
e povoar. As Minas teriam crescido tão desordenadamente que só o mando e
sossego de um “governador assistente” as fariam “viver em paz”, justificando
assim a instituição da ordem pela Coroa. Sobre a Guerra dos Emboabas,
narrativa que marca a ufania de Cláudio Manuel da Costa, Rocha Pita foi
incisivo ao condenar a tirania dos paulistas sobre a humildade dos forasteiros.
A ideia de desordem, portanto, era latente no discurso do historiador, bem
como a epopeia dos portugueses em domar aquela gente.
Cláudio Manuel da Costa partiu dessa situação para contestar, quiçá
pela primeira vez, a ideia de caos e desordem na gênese das Minas Gerais. Re-
conhecia também, o que hoje salta aos olhos, o quanto as Minas Gerais eram
importantes para o contexto socioeconômico e político do Império, afirman-
do que essa terra “constitui hoje a mais importante Capitania dos domínios
de Portugal”. A epopeia dos paulistas desbravadores seria muito bem descrita
por ele e também justificada: “desculpa o amor pela pátria, que me obrigou a
tomar este empenho” (Costa, 1996, p. 359).
O caráter que o termo “pátria” assume aqui é inerente à sua temporali-
dade histórica. Para Rafael Bluteau, referência para um estudo conceitual da
época, pátria estava relacionado “a terra, Vila, Cidade em que se nasceu” e
onde devia ser o “centro de seu descanso” (1712, p. 320). Longe de alimentar
discursos nativistas e de identidades, a referência ao termo feita por Cláudio
pretendia demarcar a terra natalina, inserida no contexto maior do Império
português.
Outra questão digna de nota são as referências feitas pelo nosso autor
acerca da utilização das memórias de alguns paulistas ilustres como uma das
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 69

justificativas para o seu “Fundamento histórico” ao poema, ressaltando a sua


necessidade e registrando que não pretende “alterar a verdade” das notícias
sobre o descobrimento das Minas em “benefício de alguma paixão”. Para
corroborar tais verdades, cita a doação feita, por esses homens quase míticos,
de “alguns apontamentos”, acreditando que tal fator conferiria credibilidade
aos seus escritos. Dentre esses ilustres contribuintes, destaca Pedro Taques de
Almeida Paes Leme (Costa, 1996, p. 360).
Membro das “primeiras gerações de dilatadores de São Paulo e do Bra-
sil”, nas palavras de Afonso de Taunay (1954, p. 11), Pedro Taques foi um
dos maiores expoentes dos feitos dos homens do planalto. As histórias fantás-
ticas daquelas famílias de conquistadores, que pretendiam o enobrecimento,
exalavam pela escrita daquele cronista. Ele mesmo fazia parte de uma das
mais ilustres castas paulistas, neto de Pedro Taques de Almeida, sobrinho-
-neto de Fernão Dias e tetraneto de Brás Cubas.
O estudo das estratégias sociais das primeiras famílias de conquista-
dores do centro-sul colonial revela a importância que aquela gente adquiriu
para o estabelecimento das instituições políticas na região. João Fragoso mos-
trou que algumas dessas famílias que passaram por São Vicente no final do
Quinhentos compuseram, mais tarde, a origem das “melhores famílias do
Rio de Janeiro” e que essa elite carioca possuía íntimos laços “com o negócio
bandeirante de apresamento de índios” (2001, p. 39). Essa gente importante
também reluzia na inóspita capitania de São Vicente. A devassidão daqueles
sertões e as primeiras notícias de descobrimento do ouro levaram a Coroa a
negociar com os caçadores de índios. Essa valorização social concedida àque-
les homens, até então marginais, em troca de serviços prestados, propiciou o
imaginário que construiu a nobiliarquia paulistana, poeticamente descrita
por Pedro Taques.
Essas memórias tornaram-se importantes para que contemporâneos
como Cláudio Manuel da Costa autenticassem seus escritos sobre a formação
daquela sociedade. É com base nisso que o autor ressalta o compromisso dos
paulistas com a governança imperial, afirmando que, a despeito

de serem reputados por uns homens sem sujeição ao seu Soberano, faltos do
conhecimento e do respeito que devem às suas leis, são os que nesta América
têm dado ao Mundo as maiores provas de obediência, fidelidade e zelo pelo
seu Rei, pela sua Pátria e pelo seu Reino (Costa, 1996, p. 360).
70 Da justiça em nome d’El Rey

Ao fazer tais considerações, remete, mesmo que de forma indireta, à


essência das práticas políticas do Antigo Regime: antes de enxergar as con-
tradições que poderiam inspirar os feitos de rebeldia ou animosidade pelos
reinóis, considera a inserção daqueles homens nesse contexto, reconhecendo
as relações de interdependência que orquestravam aquele universo político.
Isso não impedia a glorificação dos feitos dos desbravadores, antes, propor-
cionava a inserção dessa glória da conquista à dinâmica imperial, facilitando
ainda mais a autenticidade daqueles feitos.
Para Cláudio Manuel da Costa, o pulso forte do poder metropolitano
também se fazia necessário nas Minas: de forma velada, a desordem na re-
gião chamou a sua atenção. Sobre Manuel Nunes Viana, escreveu que “não
consta que cometesse, por si ou por algum de seus confidentes, positiva-
mente ação alguma nociva ao próximo”. O que aquele emboaba pretendia
era “reger com igualdade o desordenado corpo que se lhe ajuntara”, porém
a sua ambição de poder “lhe desordenava a serenidade do ânimo” e lhe
encaminhava a insultar aqueles “a quem era devedor do mesmo lugar que
ocupava”. Nesse ponto é que, segundo Cláudio, o português havia falhado:
a sua ânsia em “ser governador das Minas” o havia feito faltar com a maior
prova de fidelidade de “um fiel vassalo”, que era o dever de tributar e de
respeitar as Leis do Reino (p. 370).
Para Anastasia, o poder de Manuel Nunes Viana, “assim como de ou-
tros potentados, se consolidou em função da própria política metropolitana”,
que acreditava na necessidade da ação desses poderosos locais junto à gente
mineira, bem como no lidar com os oficiais régios (2005, p. 80). A respeito
de Assumar, Cláudio comenta que “subjugou heroicamente alguns levanta-
dos e sublevações”, afirmando que em Vila Rica “se fez preciso prender a uns
e castigar a outros com a última pena”. Em sua opinião:

Estes procedimentos lhe adquiriram o nome de tirano nas Minas, mas à sua
constância e resolução deve Portugal a inteira sujeição da Capitania; o exem-
plar castigo acabou de aterrar os ânimos de um povo tantas vezes rebelde e
segurou de uma vez a Real Autoridade (Costa, 1996, p. 372).

Novamente se faz referência às penas exemplares como método para


dominar o povo e, mais do que isso, à autoridade empreendida pelo conde. A
tais estratégias a Coroa devia o estabelecimento do mando. Tal fator se torna
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 71

peculiar se pensarmos que, mais tarde, essas estratégias seriam aplicadas ao


movimento no qual Cláudio Manuel da Costa estaria envolvido, mesmo que
ele não chegasse a receber a sentença...
A posse de Dom Lourenço de Almeida é celebrada pelo autor, por ser
“o primeiro governador positivo das Minas, porque nela se separou a Capi-
tania de São Paulo em governo à parte”. Para Cláudio, a criação da capitania
de Minas Gerais podia ser considerada um passo à frente na política admi-
nistrativa das minas de ouro, pois registrava que, a partir dali, os “Generais”
ficariam cada um com a jurisdição referente à sua capitania (p. 373).
Cláudio Manuel da Costa notou, já em seu tempo, a importância or-
gânica das minas para o contexto político e econômico da época. Obser-
vou, com astuta atenção, o quanto a cooptação dos homens do planalto fora
crucial para o povoamento e administração das minas durante os primeiros
anos. Homens facinorosos, quase selvagens, mas que eram parte integrante
do corpo simbólico que representava a monarquia portuguesa e que, por isso
mesmo, eram também responsáveis pela boa administração do bem público.
Contudo, a desordem administrativa que aquela terra sem lei deixava trans-
parecer esteve também presente em sua escrita, que atribuía a homens como
o conde de Assumar e D. Lourenço de Almeida os louros pela submissão
política da região.
No nosso percurso pelo século XVIII, não poderíamos deixar de ana-
lisar, mesmo que brevemente, a Instrucção para o Governo da Capitania de
Minas Gerais, de José João Teixeira Coelho. O texto, datado de 1780 e 1782,
apresenta um verdadeiro banco de dados sobre a administração da capitania.
Teixeira Coelho, magistrado e desembargador da Relação do Porto, assumiu
nas Minas o cargo de intendente e ouvidor de Vila Rica.
Para nosso trabalho, o relato de um homem da justiça sobre a admi-
nistração da capitania em fins do século XVIII se apresenta de suma im-
portância. Redigido sob os ecos das reformas empreendidas anos antes pelo
marquês de Pombal, as descrições feitas pelo ouvidor refletem as diretri-
zes propostas pela Coroa para a recuperação da extração aurífera. Segundo
Caio Boschi, “é compreensível que a Instrucção, na esteira da elaboração de
textos congêneres de época, almejasse [...] identificar as origens do declí-
nio da produção aurífera e sugerir propostas para reverter aquele quadro”
(2007b, p. 35). A época era de tentativa de recuperação dos valores outrora
arrecadados pela Coroa.
72 Da justiça em nome d’El Rey

Entre esses textos congêneres citados por Caio Boschi, fazemos referên-
cia, pela importância, à obra do governador D. Rodrigo José de Meneses, que
elaborou uma “Exposição [...] sobre o estado de decadência da capitania de
Minas Gerais e meios de remediá-lo” (RAPM, ano 2, v. 2, 1897). Instruído a
buscar meios para aumentar a arrecadação do quinto real, o governador tece
uma exposição das causas que levaram a tal situação e sugere medidas ad-
ministrativas para a recuperação econômica. Pelo seu testemunho, podemos
notar que os conflitos de jurisdição lhe chamavam a atenção.
Parece-nos que o ouvidor percebia o quanto as fronteiras entre os poderes
eram indefinidas e colaboravam para tais conflitos. A ausência ou a ineficácia
de regimentos que pudessem seccionar de forma eficiente os lugares de exercí-
cios do poder foi registrada por ele. No universo letrado de um desembargador,
a falta de conhecimento das leis que regiam a política da Coroa constituía-se em
erro grave e levava alguns oficiais régios a “uma autoridade sem limites, estabe-
lecendo novas práticas sempre arbitrárias” (Coelho, 2007, p. 201).
No capítulo 7 de sua Instrução são feitas algumas reflexões sobre o
estado político da capitania, enfatizando o emaranhado de jurisdições que
caracterizava a governança das Minas. São apontados ainda alguns erros em
que incorreram os governadores da capitania no passado: fala dos excessos
administrativos do conde de Assumar e de D. Lourenço de Almeida e que

ainda subsistem algumas práticas que deverão abolir-se ou determinar-se por


lei, e que os governadores, faltos dos conhecimentos necessários, observam,
na fé dos seus secretários que lhes atestam ser aquele o estilo praticado por
seus predecessores, o qual muitas vezes é contrário às resoluções de direito e às
ordens que se têm dirigido ao governo (p. 203).

O desembargador deixa transparecer uma preocupação com o uso em


demasia das práticas políticas costumeiras, que vinham compondo a admi-
nistração nas Minas (e não só ali) há muito. Isso, em fins do Setecentos e no
limiar do Antigo Regime, preocupava homens como ele, envolvidos com a
pragmática das leis e a profissionalização dos ofícios, diretrizes já apontadas
no ministério de Pombal.
Seguindo essa máxima de observação da lei, relaciona alguns proble-
mas que encontrou, denominando os excessos jurisdicionais como “abusos
a que chamam de estilos”. Lista para isso quatro “abusos” cometidos por
As Minas setecentistas e o Antigo Regime: uma discussão acerca do caráter do poder 73

algumas autoridades e, se formos analisar mais de perto, poderemos notar


que quase todos são relativos a excessos cometidos pelos governadores. Es-
ses oficiais figuravam, na concepção de Teixeira Coelho, como mediadores
entre os agentes da justiça e o povo e agiam com certo arbítrio a favor dos
poderosos. Para corroborar sua tese, cita algumas situações que talvez tenha
presenciado, em que o poder do “legislador” era subjugado por um gover-
nador que tomava para si a propriedade das leis. Dessa forma, interpretava
os conflitos entre jurisdições, comuns para o universo político do Antigo
Regime, como transgressões ao direito, registrando que “as formalidades
prescritas pelas leis não se podem alterar [...]. O legislador é quem uni-
camente pode dispensar na prática das ditas formalidades e o governador
nunca pode adquirir semelhante jurisdição, fundado no exemplo de seus
predecessores” (p. 203-4).
Ficam nítidos, portanto, os caminhos tomados pela justiça e suas insti-
tuições a partir da segunda metade do século XVIII. As relações clientelares,
a administração polissinodal, os conflitos por jurisdição, comuns naquela so-
ciedade, soavam como problemas a serem superados pela nova política racio-
nalista. A ideia de desordem estava latente não só em relação à sociedade, mas
também na ação dos próprios agentes nomeados pela Coroa, que subvertiam
a lei em seu favor acreditando que possuíam autoridade para tal.

***

O discurso dos contemporâneos das minas marcou a construção do


imaginário político da instituição da capitania do ouro. Com bases nesses
escritos setecentistas, diversas interpretações e memórias assimilaram a his-
tória das Minas, partindo de um contexto de contradição à sociedade que
até então conheciam: um universo hierárquico, com estamentos sociais bem
definidos; estável em suas relações socioeconômicas, pautada numa ética ca-
tólica e acostumada com os ciclos previsíveis de uma economia agrária.
Ainda há de se falar nas indefinições geográficas das fronteiras colo-
niais: segundo Renato Pinto Venâncio, “Minas antes de Minas” foi caracte-
rizada como sertão, uma terra inóspita, “lugar de perigo, inimigos, doenças
e bichos peçonhentos”. Residia aí a dificuldade, por parte das autoridades,
em se delimitar “o primeiro espaço mineiro”, e os próprios registros da época
assinalam a região mineradora “como um emaranhado de lugares geográficos
74 Da justiça em nome d’El Rey

ou humanos”, ficando as minas à deriva dos limites institucionais impostos


pelas autoridades (2007, p. 87).
Sobre o sertão mineiro, Célia Nonata Silva afirma que

no contexto mineiro setecentista as autoridades locais, com referidas queixas


ao rei de Portugal, já conheciam o sertão como lugar habitado por uma espé-
cie de gente indômita e rebelde. Uma zona negra. Temida e assombrada. Um
lugar propício à desordem, dado a salteadores e ladrões (2007, p. 67).

A ideia de sertão no imaginário do Setecentos sobre as minas corrobo-


rava a concepção de desordem e desmando. No entanto, ainda segundo Célia
Nonata, o sertão mineiro articularia, nessa devassidão que lhe fora atribuída,
formas diversificadas para o cotidiano, resultando numa “cultura mestiça”
determinada “pelas matrizes originais que lhe deram vida”, estas associadas às
imbricações inerentes à instabilidade trazida com a extração aurífera (idem).
As práticas políticas vigentes durante o Antigo Regime em Portugal
comportaram também as complexidades da sociedade mineira. Às diversas
formas de governar, latentes por todo o Império, somava-se a negociação da
Coroa com os conquistadores paulistas; a cooptação daquela gente facínora
garantiu o domínio da Coroa portuguesa naqueles sertões. Facultar o poder
político e administrativo a esses homens não significava abrir mão dos do-
mínios coloniais ou perdê-los para um povo rebelde. Essa máxima já estava
expressa no caráter “portas abertas” da política de Artur de Sá e Meneses: no
raio de cinco anos, o governador das capitanias da Repartição Sul, nomeado
em 1697, conseguiu implantar algumas bases para o estabelecimento políti-
co-institucional da Coroa. Os meios e critérios que o levaram a essa conquis-
ta, naquele contexto instável, baseavam-se na disposição que demonstrou em
negociar cargos e mercês com aquele povo até então tido como intratável,
aliada ao incentivo dado aos forasteiros para se estabelecerem nas Minas.
Portanto, a análise daquela sociedade se torna mais promissora se for
feita com base no contexto imperial e nas diversas prerrogativas políticas,
sociais, econômicas e culturais que ele sugere. Deve-se levar em conta tam-
bém que as fronteiras que circundavam as minas eram bem maiores do que a
geografia poderia estabelecer...
É contando com tais prerrogativas que analisaremos, a seguir, a capita-
nia de Minas Gerais pela ótica da comarca de Sabará.
Segunda parte

A dinâmica imperial e a comarca do


Rio das Velhas no governo de
D. João V
Capítulo 3
Os ouvidores e o Império

O Desembargo do Paço representava muito bem a configuração de


poderes na cultura política do Antigo Regime português. Não obstante, o
sentido maior que irrigava tal lógica estava na observação do direito e na con-
figuração de um sistema sociopolítico com base na organização corporativa e
jurisdicional dos corpos. Em alguns momentos, as práticas políticas transfi-
guravam relações de mobilidade, atendendo a exigências impostas, principal-
mente, pela inter-relação de caráter burocrático que assumiu a política impe-
rial e se intensificou a partir do Quinhentos. Porém, essa lógica animadora
das fundações do Antigo Regime estava pautada na preservação de um legado
tradicional, como forma de sobrevivência das instituições. Mesmo que a rea-
lidade administrativa assumisse contornos complexos com a estruturação de
toda a máquina imperial portuguesa, ainda necessitava da conformidade dos
discursos da tradição para se legitimar, na busca por uma difícil harmonia
entre estes e as práticas dos ofícios dos agentes administrativos. Há de se con-
siderar o decisivo papel do Desembargo como um lugar de fluidez de ideias
e de representação da ordem instituída. Seus oficiais estavam a serviço da
Coroa em todo o Império, na tentativa de impor o antigo modelo de política
aos variados modos de governar nas possessões ultramarinas.
A dimensão imperial de Portugal moderno é um tema que há muito
domina os debates historiográficos. Na década de 1960, Charles Boxer dis-
correu sobre a consolidação da soberania portuguesa em áreas remotas entre
si, da América ao Extremo Oriente. Lançando um olhar abrangente sobre o
Império português, afirmou que “as sociedades humanas que floresceram e
declinaram em toda a América, e em grande parte da África e do Pacífico,
78 Da justiça em nome d’El Rey

eram completamente desconhecidas dos que viviam na Europa e na Ásia”,


sendo os portugueses e castelhanos os responsáveis por unir “os ramos enor-
memente diversificados da grande família humana” (2002, p. 15).
Podemos dimensionar o que representaram para a época os descobri-
mentos portugueses. Em um século, Portugal viu suas fronteiras econômicas,
sociais e culturais ampliarem-se de forma excepcional. Cabia-lhe, agora, ga-
rantir o domínio das conquistas e cuidar do aparato político-administrativo.
As bases da administração desse império pluricontinental seriam montadas
de acordo com a expansão, pois não houve um projeto ou modelo de estra-
tégia geral de controle.
Fragoso e Gouvêa afirmam, para o caso português, que na monarquia
pluricontinental

há um só reino – o de Portugal –, uma só nobreza de solar, mas também di-


versas conquistas extraeuropeias. Nela há um grande conjunto de leis, regras e
corporações – concelhos, corpos de ordenanças, irmandades, posturas, dentre
vários outros elementos constitutivos – que engendram aderência e significa-
do às diversas áreas vinculadas entre si e ao reino no interior dessa monarquia
(2009, p. 55).

O conglomerado geográfico que pertencia ao Império não era contí-


nuo, e essa descontinuidade caracterizava também as formas políticas e cul-
turais. Os ideais cruzadístico e cavaleiresco eram constantes nas justificativas
para a presença dos portugueses nas praças do Extremo Oriente; para a co-
lonização na América, os ideais povoadores pareciam justificar a demanda
demográfica, principalmente a partir do século XVI. Tal demanda popu-
lacional não justificava o contingente humano que emigrou para as praças
americanas. Falamos de uma época em que boa parte da Europa ainda se
recuperava das perdas provocadas pela epidemia de peste negra e da crise que
ela havia causado. Na verdade, mesmo que tenha existido, no caso português,
“uma correlação claramente positiva entre a densidade da população” e a
emigração para as possessões americanas, isso não foi a causa determinante
da expansão imperial. Tal consideração se torna clara se atentarmos para o
fato de que, nesse tempo, o reino português se encontrava às voltas com
“as queixas contra o despovoamento” (Hespanha, 2001b, p. 169; Thomaz,
1994, p. 17).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 79

Fatores de integração entre as partes eram também o comércio e a agri-


cultura. A busca por mercados fora da Europa significou um reinvestimento
dos lucros da chamada revolução comercial. Isso levou a uma propensão para
a expansão, principalmente no que diz respeito ao comércio de bens precio-
sos e de produtos exóticos feito com regiões culturalmente diferenciadas.
Assim, “os diversos pontos integravam-se pela circulação de merca-
dorias, homens e instituições”. Como demonstra Luís Felipe Alencastro, o
tráfico de escravos representava uma das principais vias de interligação das
áreas coloniais, formando “um espaço econômico e social bipolar” entre as
costas americana e africana, independentemente de Lisboa (2000, p. 39). O
comércio possibilitava a povoação, colaborando para a construção de vilas
e fortalezas, além de incrementar as receitas do Reino. Na banda oriental,
as especiarias, o ouro e o marfim conectavam europeus e nativos por rotas
marítimas e terrestres. O pau-brasil e a cana-de-açúcar foram responsáveis
pela mudança de foco do Reino. Segundo Antônio Carlos Jucá, “a viragem
atlântica” foi um processo que apresentou uma dupla face: “a um crescimen-
to contínuo da América e da África portuguesas correspondeu uma concomi-
tante crise no Estado da Índia, sem que um fato esteja diretamente ligado ao
outro” (Sampaio, 2014).
A institucionalização da governação por todo o Império, portanto, não
dependia somente do monarca. Não existia um conjunto de leis específico
para o mundo colonial. As Ordenações manuelinas e, mais tarde, as filipinas
seriam aplicadas indistintamente, com o auxílio das Leis extravagantes. Esse
conjunto de leis fora elaborado para o Reino e sua aplicação nas possessões
dependia de ajustes contínuos e também das relações de troca estabelecidas
entre o Reino e seus vassalos.
Tal quadro configurava a monarquia pluricontinental, que consistia
justamente nesse arranjo orgânico de inúmeras mediações empreendidas por
grupos e/ou agentes oficiais espalhados pelo Império. O centro referencial do
poder era somente um, o Reino, que as ações desses homens legitimavam,
reinterpretando as leis da monarquia. “Concelhos, corpos de ordenanças, ir-
mandades, posturas, dentre vários outros elementos constitutivos” da gover-
nança, adquiriam sentido próprio pelas diversas partes do Império português
(Hespanha, 2005, p. 5). Estavam em contato com o cotidiano nas conquis-
tas, configurando a preservação do autogoverno, prerrogativa prevista nas
Ordenações. Ao mesmo tempo, interligavam-se com o Reino formando redes
80 Da justiça em nome d’El Rey

e estabelecendo uma relação de interdependência com o monarca: “este ope-


rava como cabeça do corpo social”, representava o cérebro, mas necessitava
dos demais membros para funcionar (Hespanha, 1993c, p. 121).
Frente a um império com tais proporções, os rearranjos político-ad-
ministrativos seriam inevitáveis. Várias foram as estratégias buscadas pela mo-
narquia no sentido de garantir a governabilidade. O Império português não se
estruturava sobre um modelo único de administração devido à dispersão territo-
rial e de acordo com as pretensões e oportunidades de ação (Hespanha e Santos,
1998, p. 353).
António Manuel Hespanha chama atenção para a diversidade das
estruturas político-administrativas por todo o domínio ultramarino por-
tuguês. As instituições que se estabeleciam do Oriente ao Atlântico apre-
sentavam contornos disformes se comparados aos governos tradicionais
no Reino. Para as áreas coloniais, os poderes distribuíam-se atendendo às
diversas demandas e assumiam caráter específico. Tal fato, somado à dis-
tância quase sempre notória do Reino, dava origem a uma pluralidade de
instituições que exerciam de fato o poder: municípios, capitanias-donatá-
rias, feitorias, vassalagem, inclusive “manifestações de um poder indire-
to e informal, como a influência exercida por meio de mercadores e de
eclesiásticos” (1993b, p. 123). Essas instituições tinham um certo grau de
autonomia e não se chocavam com o poder do centro. Na tradição política
do Antigo Regime, tal divisão de poderes era notória e retratava a dinâmica
do cotidiano político europeu, assumindo características próprias quando
transferida para as possessões.
As áreas de atuação do poder do monarca estavam preservadas, porém
não podiam ser dimensionadas de forma unilateral, pois apareciam intima-
mente ligadas à ideia de “vários corpos que coexistiam no rei” (Subtil, 1993,
p. 157). Todo o aparato administrativo que se estruturou com a expansão
imperial configurava a representação simbólica do corpo administrativo do
monarca. A essa malha de poderes estavam integrados os representantes do
poder do centro, oficiais régios encarregados de fazer cumprir a justiça em
nome do rei. Podemos perceber o quanto se apresentava fraco o poder do
centro perante esse emaranhado ultramarino de hierarquias sociais e jurisdi-
ções múltiplas. A fortaleza da monarquia residia justamente na capacidade
que apresentava para “negociar seus interesses com os múltiplos poderes exis-
tentes no reino e nas conquistas” (Fragoso e Gouvêa, 2009, p. 55).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 81

Pedro Cardim lembra que a centralização do poder e a concentração de


todas as prerrogativas políticas “numa só pessoa” tinha, para o universo mental
da época, conotação deveras negativa. Já a crença no corpo simbólico que a
administração política e a organização social representavam, com as funções
vitais de todos os órgãos definidas, podia ser vista “como uma determinação da
divindade”, e por isso mesmo, encarada positivamente (1998, p. 142).
Longe de representar uma deformidade do sistema, essa pluralidade de
poderes era a própria essência da governabilidade e não apontava para “uma
incapacidade do centro para dominar a periferia”. Antes, dava corpo a um
modelo político multicentrado, em que os oficiais régios exerciam seus pode-
res simultaneamente e tinham seus raios de ação preservados pela existência
de vários centros de poder: as jurisdições. Cada espaço de poder representava
“um centro de decisão jurídica, socialmente reconhecido como autônomo e
especializado”, com limites imprecisos entre si, os quais incentivavam confli-
tos, também parte desse sistema político (Subtil, 1993, p. 157).
Nessa dinâmica imperial, os homens do Desembargo do Paço continua-
vam exercendo um importante papel. As relações arteriais que configuravam a
administração do Reino agora haviam se transferido para as possessões e tinham
sido alargadas para assumir as dimensões pluricontinentais desse império. Entre
as diversas formas de poder espalhadas do Atlântico ao Oriente, a monarquia,
como “centro da ordem de símbolos, de valores e crenças”, fazia-se presente por
intermédio dos oficiais régios (Shils, 1992, p. 54). Os espaços de poder que eles
ocupavam transformavam-nos em legítimos representantes do centro, nesse mo-
saico de poderes em que havia se transformado o Império português.
O Desembargo, principal órgão da administração central, fazia-se pre-
sente por intermédio dos ouvidores, que eram nomeados para o exercício
da justiça no ultramar. Contudo, o ofício da ouvidoria podia ser exercido
também pelos “ouvidores que exerciam o cargo nos tribunais superiores do
Reino, isto é, na Casa da Relação do Porto e na Casa da Suplicação, em Lis-
boa” (Subtil, 2005b, p. 2). Nesse caso, tais oficiais exerciam seus cargos de
forma colegiada, nas esferas do crime e do cível. Nas Ordenações manuelinas,
as atribuições dos ouvidores do Reino eram detalhadas e estavam respeitadas
as devidas jurisdições das “Terras da Rainha” e das demais comarcas:

Aos Ouvidores da Casa de Suplicação pertence o conhecimento de todas as


apelações de feitos crimes de todos os lugares de Nossos Reinos, salvo dos
82 Da justiça em nome d’El Rey

Lugares da Comarca da Estremadura que não forem Terras da Rainha, ou dos


Mestrados, ou de Senhores de Terras, em que por bem de seus privilégios não
entrem nossos Corregedores da Comarca (Livro I, título XI, Dos ouvidores da
Casa de Suplicação, p. 89).

Existiam os ouvidores senhoriais, oficiais da justiça que exerciam o cargo


nas terras dos donatários, substituindo a jurisdição que pertencia aos correge-
dores nas terras administradas diretamente pelo monarca. Havia também algu-
mas ouvidorias sujeitas às correições: isso dependia das cláusulas contidas nas
cartas de doações. “O estatuto político e jurisdicional destas ouvidorias não era
o mesmo” e, portanto, em algumas raras vezes, os ouvidores senhoriais tinham
que partilhar suas jurisdições com os corregedores (Subtil, 2005b, p. 2).
A partir da expansão imperial, os ouvidores passaram a ser nomeados
para exercer a justiça em nome do rei por todo o Império. O ouvidor nome-
ado para as possessões tinha todas as atribuições do corregedor nomeado para
as comarcas do Reino. As Ordenações filipinas estabeleciam que o ouvidor

posto por nós em alguma Cidade ou Vila, quando estiver no lugar de sua
Ouvidoria, conhecerá de todo o que conheceria o Corregedor da Comarca e
usará de todo o que o Corregedor por seu Regimento [...] pode usar, e terá a
alçada que tem no lugar de seu Julgado (p. 112).

No ultramar, os ouvidores serviam de duas formas: nomeados para


exercer suas funções nos tribunais superiores do Brasil e da Índia ou ainda
nas terras dos donatários. Nesse emaranhado de poderes, eles tinham que
compartilhar o poder com os donatários ou com outros oficiais régios. As
esferas jurisdicionais eram redimensionadas e, tanto no caso das nomeações
para os tribunais superiores quanto para as terras dos donatários, esses agen-
tes do Desembargo do Paço tiveram suas jurisdições alargadas para o exer-
cício da justiça. Ao mesmo tempo, tinham seus espaços de poder atrelados
a outras jurisdições, nomeadamente governadores e representantes do poder
local. Esse quadro deu origem a uma série de conflitos entre os oficiais reinóis
que exerciam seus cargos do Atlântico ao Extremo Oriente. O cotidiano nas
possessões incentivava disputas entre esses homens e os representantes do
poder local, principalmente os membros das câmaras, os homens bons de
cada localidade.
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 83

A Coroa, por sua vez, recorria a inúmeras estratégias de controle sobre


a atuação dos que agiam em seu nome. Inversamente, teria que abrir mão da
centralização administrativa sobre tão vasto império para manter e preservar
o poder.
Em julho de 1561 o vice-rei da Índia, D. Constantino de Bragança, fez
publicar uma provisão “sobre os oficiais que vendem ou emprestam as coisas
que lhe são em receita”. Condenava “os tesoureiros, almoxarifes, feitores e
outros oficiais de El-Rey” que possuíam nessa região

cargo de receber, feitorizar, negociar, guardar e administrar, [de] despender


sua fazenda, esquecidos da obrigação em que estão e ao juramento que recebe-
ram, com pouco temor de Deus e do dito senhor e em prejuízo de sua fazenda
e dano desse Estado, tanto que tomam entrega de seus ofícios, o dinheiro,
mercadorias, artilharia, pólvora e todas as mais coisas que lhe são em receita,
vendem e emprestam a pessoas por seus interesses particulares e muitas vezes as
coisas que têm de Sua Alteza as tiram das fortalezas e armazéns e afirmam não
as haver e serem gastadas (Archivo Portuguez Oriental, 1865, p. 478).

D. Constantino decretou que a tal delito praticado pelos oficiais régios


fosse “dada a total pena de ladrão” e que o acusado “perca toda a sua fazenda e
nunca mais tenha ofício algum do dito senhor”. Para fazer cumprir tal ordem,
ele recorreu ao “Ouvidor Geral e a todas as justiças dessas partes”. E, cuidando
para que os culpados fossem castigados e que “não possam alegar inocência”,

ei por bem e mando ao ouvidor geral e ouvidores de todas as fortalezas destas


partes que em cada um ano no tempo que são obrigados a tirar as devassas dos
oficiais, particularmente devassem dos ditos tesoureiros, feitores, almoxarifes
e mais oficiais e o terlado dela enviarão, tanto que as tirarem a essa corte ao
Juiz dos Feitos de Sua Alteza para proceder contra os culpados, sob pena do
ouvidor que não tirar as ditas devassas perder seu ordenado; e mando aos
feitores que não paguem aos ditos ouvidores seus ordenados sem mostrarem
certidão como têm tirada a dita devassa e enviada ao juiz dos feitos (p. 479).

A importância do cargo de ouvidor, portanto, era capital. Além da


função político-administrativa latente, ele exercia a função de fazer cumprir
a justiça em nome do rei. Possuía também a jurisdição para tirar devassas:
84 Da justiça em nome d’El Rey

As Devassas são inquirições que o Juiz faz devassamente em razão de seu


ofício com as solenidades que a Lei prescreve e nos casos por ela expressa-
mente determinados para vir no conhecimento do autor de algum delito,
a fim de que, sendo conhecido, possa ser acusado pelo ofendido, ou por
qualquer do povo, ou parte da Justiça; e se lhe imponha a pena da Lei (O
Instituto, 1859, p. 228).

As devassas eram atribuição dos corregedores ou ouvidores das comar-


cas e serviam para apurar os delitos cometidos sob a jurisdição desses oficiais.
Também deveriam ser tiradas a cada ano

sobre os Juízes Ordinários, Juízes dos Órfãos, Juízes das Sizas, Escrivães delas,
Procuradores, Meirinhos, Alcaides, Tabeliães, Coudeis, e quaisquer outros
Oficiais de Justiça e dos Concelhos dos lugares de suas correições, por onde
andarem (Código filipino, 2004, p. 108).

As devassas podiam criar hostilidades nas comarcas, já que colocavam


os oficiais representantes do poder local sob a inspeção dos homens do De-
sembargo do Paço, o que remete para a discussão de José Subtil a respeito
do estabelecimento de “sociabilidades locais extraordinárias”. As estratégias
desses agentes para se livrarem das devassas (ou pelo menos da culpa) refle-
tem-se nas associações que buscavam entre os membros da sociedade local.
Algumas vezes, como é sugerido pelo vice-rei D. Constantino de Bragança,
os ouvidores se entranhavam de tal modo na sociedade local que inspiravam
a desconfiança das autoridades reinóis.
Em março de 1585, Filipe II expediu um alvará “separando o cargo de
Ouvidor Geral do cível do de Ouvidor Geral do crime”:

Eu, El-Rey, faço saber aos que este alvará virem que, por ser informado que o
cargo de Ouvidor Geral das partes da Índia, que até agora conhece dos feitos
crimes e cíveis é de tanta obrigação e negócio, que não pode ser bem servido
por uma só pessoa, e para melhor administração da justiça e expediente das
partes, ei por bem e me praz que o dito cargo se divida e haja nele, daqui em
diante, dois ouvidores gerais, um que conheça dos feitos crimes e outro dos
cíveis (apud Rivara, 1866, p. 1.091).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 85

Pode-se perceber a complexidade do ofício de ouvidor-geral na carreira


da Índia. O monarca duplicava o cargo e ainda determinava “que cada um
deles haja o ordenado por inteiro” e que assumissem “os prós e percalços
que diretamente lhes pertencerem”, reconhecendo as amarrações que o car-
go oferecia (idem). Passado um ano, em 1586, Filipe II novamente tocou
no assunto da ouvidoria da Índia. Dessa vez expediu o Regimento para os
Ouvidores letrados das fortalezas da Índia, que determinava que os cargos de
ouvidores das referidas fortalezas fossem ocupados por “Ouvidores letrados
de confiança”, considerando a obrigação que tinha “de mandar administrar
justiça a meus vassalos” (p. 1.110).
Importante atentar aqui para o assunto das jurisdições. O monarca
estabelecia que “os ditos Ouvidores não poderão ser presos nem emprazados
durante o tempo de seus cargos por causo nenhum crime nem cível, exceto
por mandado do Vice-Rei ou da Relação” (p. 1.096). Dessa forma, interliga-
va-os diretamente ao centro, reconhecendo-os como representantes do poder
real. Ainda decidia

por que importa muito a boa administração da justiça que os Ouvidores te-
nham a autoridade que convém aos cargos de que lhes faço mercê, e de serem
sujeitos aos Capitães nasciam muitos inconvenientes, e eram oprimidos de ma-
neira que não podiam cumprir com sua obrigação com inteireza e liberdade que
convém ao serviço de Deus e ao meu, querendo nisto prover, ei por bem e man-
do que os ditos capitães não tenham nenhuma jurisdição nem superioridade
sobre os ditos Ouvidores, nem se intrometam em coisa alguma do que a seus
[em]cargos pertence (p. 1.114, grifo nosso).

Os conflitos jurisdicionais entre os oficiais régios eram do conhecimen-


to do monarca, e tal regimento vinha proteger os espaços de poder concedidos
aos ouvidores nas possessões portuguesas na Índia. Tal fato vem corroborar a
ideia de que o Desembargo do Paço simbolizava a essência político-adminis-
trativa desse regime, além de institucionalizar seu aparato jurídico.
Os Regimentos do Ouvidor para Cabo Verde eram bem parecidos. O
primeiro deles data de 1606 e deixa clara a jurisdição dos ouvidores, que
em tudo se assemelhava à dos corregedores do Reino. Estavam a cargo des-
ses oficiais as cartas de seguro, as correições e as devassas, tal como previsto
nas Ordenações. O regimento demarcava, de forma muito tênue, as relações
86 Da justiça em nome d’El Rey

jurisdicionais entre o ouvidor e o capitão-governador, abrindo espaço para


conflitos. O capitão-governador possuía a jurisdição para suspender o ouvi-
dor por “excesso”, ao mesmo tempo que o ouvidor podia tomar residência do
dito capitão, podendo “avocar a sua suspeição” (Subtil, 2005b, p. 14).
Segundo José Subtil, a administração da justiça nas ilhas de Cabo
Verde “era praticamente inexistente, visto que o cargo de ouvidor não está
associado a uma ouvidoria” (2005b, p. 247). Isso se deve ao fato de que a
jurisdição do ouvidor no arquipélago estava mesclada à esfera de ação polí-
tico-administrativa, e não somente às questões de justiça, o que confirma a
magnificência do cargo durante o Antigo Regime:

Após a criação do Conselho Ultramarino (14 de julho de 1642), ao presi-


dente deste tribunal régio e ao vedor da fazenda da repartição da Índia do
Conselho da Fazenda passaram a pertencer todas as matérias e negócios de
Cabo Verde (idem, p. 16).

Analisaremos agora alguns conflitos jurisdicionais que assolavam o go-


verno de Angola. O primeiro Regimento para os Ouvidores de Angola data de
fevereiro de 1609 e estabelece que o ouvidor “poderia tomar conhecimento
dos agravos dos Juízes Ordinários, como podem fazer os corregedores das
Comarcas”, podendo “avocar os feitos que os ditos Corregedores, por bem
do seu Regimento, podem avocar”. Sua jurisdição estava protegida da inter-
venção do governador: “não poderá o dito governador tirar-vos nem suspen-
der-vos do dito cargo, enquanto eu não mandar o contrário” (p. 1.608). Em
caso de crime ou excesso, o governador deveria comunicar antes à Coroa, por
meio de autos.
Foram muitas as questões levantadas acerca dos espaços jurisdicionais
que deveriam ser ocupados pelos homens do Desembargo do Paço. No Dic-
cionario geographico das províncias e possessões portuguezas no ultramar, José
Maria de Sousa Monteiro descreveu a organização administrativa em Angola,
atentando para o emaranhado de poder entre os cargos régios:

Era esta Capitania General governada por um Chefe com a denominação de


Governador e Capitão General que às atribuições militares reunia a direção
dos negócios políticos. A parte administrativa estava quase toda concentrada
nas mãos do Ouvidor Geral, e uma porção mínima, em especial aquilo que
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 87

seu título designava, na Junta do Melhoramento da Agricultura, de que o


Governador era presidente e o Ouvidor o primeiro vogal: a parte econômica e
fiscal pertencia exclusivamente à Junta da Fazenda, que também era presidida
pelo Governador, e de que ainda o Ouvidor era o primeiro vogal. O Gover-
nador também era presidente da Junta da Justiça, da Junta da Graça e Justiça
e, se não me engano, também do Juízo da Coroa: assim todas as atribuições
estavam baralhadas, confundidas e dispersas por três entidades, que era mais
o tempo que consumiam em disputar autoridade, do que aquele que empre-
gavam em aplicá-la para beneficiar o país (1850, p. 108).

Atentou também para a indissolubilidade das esferas política, adminis-


trativa e jurídica, característica da dinâmica político-administrativa do Anti-
go Regime.
Em Angola, segundo Subtil, seria a partir da

entrada em funções da Junta da Justiça que se levantaram questões sobre o


exercício do cargo, ou seja, o ouvidor passou a colocar dúvidas se das suas
sentenças se podiam dar agravos ou apelos para a junta, sobretudo, em casos
de crime, em que, na opinião do ouvidor, a mesma junta não tinha jurisdição
régia para o efeito (2005b, p. 13).

As Juntas de Justiça foram efetivamente instituídas durante o ministé-


rio pombalino em todas as terras onde houvesse ouvidor. A formação dessas
juntas variava de acordo com os alvarás expedidos para as diversas regiões
imperiais. As Juntas de Justiça eram

pequenos tribunais para sentenciar sumariamente [...] compostas do dito


Ouvidor, com dois letrados adjuntos, as quais foram autorizadas a deferir os
recursos contra as violências dos juízes eclesiásticos, devendo os provimentos
que nelas se tomassem ser cumpridos logo que sobre a primeira carta rogatória
se decidisse nela que fora bem passada a primeira carta e sem esperar-se pela
decisão última da respectiva relação ou do Desembargo do Paço (Varnhagen,
1857, p. 242).

O governador-geral Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho declarou


ao Conselho Ultramarino em 1766:
88 Da justiça em nome d’El Rey

Eram promíscuos os Escrivães e mais oficiais, e quando um os queria, o outro


os desejava, quando um os amava, o outro os [...] e enfim sentenciasse uma
mesma causa a favor do réu em outro [...] o Ouvidor alegava como seu regi-
mento feito em um tempo, que não havia Juiz de fora e dizia que ficava livre,
depois de o haverem às partes o seu recurso, podendo intentar as causas onde
bem lhe parecesse: Que o Juiz de fora dizia que devia conhecer todas, em
primeira instância, que o regimento fora derrogado pela criação do seu lugar
e por diversas Ordens praticadas em benefício da sua jurisdição do mesmo
modo por que se praticava em Portugal: e nessa confusão e extrema discór-
dia passavam os seus triênios, fazendo padecer os Povos e padecendo tanto
quanto se podia conhecer, vendo litigar duas Partes pot hua couza e ter uma
sentença a seu favor em um prejuízo, e contra em outro (Relatório do Gover-
nador Geral e Consulta do Conselho Ultramarino apud Subtil, 2005b, p. 13).

A dinâmica da governança era truncada e os próprios oficiais que a


compunham tinham consciência disso. Entretanto, essas experiências polí-
tico-administrativas concediam a esses homens a possibilidade de ascensão
na carreira profissional. A dinâmica entre a ocupação dos cargos era intensa
e, principalmente a partir da segunda metade do Seiscentos, uma nomeação
feita pelo tribunal do Desembargo do Paço para as possessões na América
portuguesa era um fato promissor para qualquer oficial.

Os ouvidores na América portuguesa

Durante os primeiros trinta anos do século XVI, as terras portuguesas


na América estavam sob a jurisdição “da Casa da Guiné, Mina e Índia, e
decididas pelo juiz da Guiné e Índia”. Martim Afonso de Sousa, em 1530,
aportou em terras americanas com poderes para criar cargos de justiça e ad-
ministração com objetivos colonizadores. Porém, foi a instituição das ca-
pitanias hereditárias que propiciou a primeira organização judiciária efetiva
(Serrão e Marques, 1992, p. 363).
Em 1532, D. João III comunicou a Martim Afonso de Sousa a decisão
de demarcar as terras americanas, “de Pernambuco até o Rio da Prata”, e de
iniciar as doações “a algumas pessoas que requeriam capitanias”. Estas, por
sua vez, deviam se comprometer em levar “gente e navios à sua custa em tem-
po certo”. Além da carta de doação, os donatários também recebiam o foral
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 89

dos “direitos, foros, tributos e cousas, que se na dita terra hão-de pagar” ao
Reino (Carta de doação a Martim Afonso de Sousa apud Leme, 2004a, p. 109).
Esses homens recebiam do monarca um espaço jurisdicional bastante
alargado, com o direito de exercê-lo nas esferas cível e do crime, tendo o po-
der de nomear o ouvidor e os outros oficiais. Esses poderes alargados estavam
expressos na carta de doação do monarca a Duarte Coelho:

Nos casos crimes, hei por bem que o dito capitão e governador e seu ouvidor
tenham jurisdição e alçada de morte natural, inclusive em escravos e gentios,
e assim mesmo em peões cristãos, homens livres, em todos os casos, assim
para absolver como para condenar, sem haver apelação nem agravo, e nas
pessoas de mor qualidade terão alçada de dez anos de degredo, e até cem cru-
zados de pena, sem apelação nem agravo e, porém, nos quatro casos seguintes,
s., heresia, quando o herético lhe for entregue pelo eclesiástico e traição e
sodomia e moeda falsa, terão alçada em toda pessoa de qualquer qualidade
que seja, para condenar os culpados à morte e dar suas sentenças a execução,
sem apelação nem agravo (Carta de Doação a Duarte Coelho, 1992, p. 340).

O campo da justiça ficava a cargo do capitão-donatário e do seu en-


tão nomeado ouvidor (seriam dois ouvidores, caso a população da capitania
aumentasse). Outra atribuição do capitão era a fiscalização da eleição dos
cargos camarários. Na carta de doação a Martim Afonso de Sousa estava
previsto que

poderá por si e seu ouvidor estar à eleição dos juízes e oficiais, e alimpar e
apurar as pautas, e passar cartas de confirmação aos ditos juízes e oficiais,
os quais se chamarão pelo dito capitão e governador, e ele porá ouvidor que
poderá conhecer de ações novas a dez léguas d’onde estiver, e de apelações e
agravos; e conhecerá em toda a dita capitania e governança, e os ditos juízes
darão apelações para o dito seu ouvidor nas quantias que mandam minhas
ordenações; e do que o dito seu ouvidor julgar (Carta de Doação a Martim
Afonso de Sousa apud Leme, 2004a, p. 111).

Esse poder concedia ao donatário uma extensa malha de controle sobre


a administração da justiça em seu território: além de nomear o ouvidor, era
responsável pela eleição do juiz ordinário e, indiretamente, possuía o arbítrio
90 Da justiça em nome d’El Rey

também nessa questão. Ademais, nas capitanias administradas por donatá-


rios, estava vedada a entrada de corregedores do Reino, o que completava a
sua autonomia em relação à justiça do rei.
Com a instituição do Governo Geral em 1548 foi criado o cargo de
ouvidor-geral, com o ordenado de 200$000 réis anuais. Esse oficial, nome-
ado pelo Reino, possuía a alçada de apelação das causas dos ouvidores das
capitanias donatárias. Esta era, em linhas gerais, uma estratégia para pôr em
prática o cumprimento das ordens régias e, em especial, recuperar a adminis-
tração da justiça.
No Regimento de Tomé de Sousa, o monarca deixava claro que a justiça
era atribuição de El-Rey:

Eu, o Rei, faço saber a vós Tomé de Sousa fidalgo de minha casa que
Vendo eu quanto serviço de Deus e meu é conservar e enobrecer as capitanias
e povoações das terras do Brasil e dar ordem e maneira com que melhor e
mais seguramente se possam ir povoando para exaltamento de nossa Santa
Fé e proveito de meus reinos e senhorios e dos naturais deles, ordenei ora de
mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e povoação grande forte em um
lugar conveniente para daí se dar favor e ajuda às outras povoações e se minis-
trar Justiça e prover nas coisas que cumprirem a meu serviço e aos negócios de
minha fazenda e a bem das partes (Regimento de Tomé de Sousa Lisboa, AHU,
códice 112, fls. 1-9).

Despontava, além do capitão, o governador-geral, o provedor-mor e


o ouvidor-mor, completando a governança das possessões portuguesas na
América.
Ainda em 1549, o primeiro ouvidor-geral, Pero Borges, iniciou uma
correição pela América portuguesa. “Após percorrer o litoral baiano, seguiu
pelas capitanias do sul, visitando Ilhéus e, já em 1550, Porto Seguro e São Vi-
cente” (Carrilo, 1997). No retorno, o ouvidor se envolveu em conflitos con-
tra os franceses na capitania do Espírito Santo. Pero Borges havia ocupado
o cargo de corregedor em Loulé e Elvas, tendo sido acusado de apropriação
indébita de fundos públicos. Nomeado para o cargo na América portuguesa,
tinha a incumbência de inspecionar a ação dos ouvidores das capitanias.
A esfera judicial concedida aos donatários estava subordinada ao oficial
do Desembargo do Paço, “que ficava como elemento intermediário entre
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 91

os ouvidores e a Casa de Suplicação” (Schwartz, 1979, p. 24). À estrutura


judicial já existente, a Coroa sobrepunha a sua centralidade político-admi-
nistrativa na pessoa do ouvidor-geral. O resultado era a configuração de um
emaranhado de poderes em que transparecia a cultura política do Antigo
Regime operante no Reino e que fora transferida para as possessões, conside-
radas as devidas dimensões.
Em 1551, Tomé de Sousa requereu ao monarca a unificação dos cargos
de provedor-mor e de ouvidor-mor e solicitou ainda dois cargos de escrivão:
um para a alçada da fazenda, e o outro para servir aos interesses judiciários,
solicitação que só viria a ser atendida no governo-geral de Duarte da Costa.
A partir de 1554, Pero Borges acumularia os cargos de provedor e de
ouvidor-mor. Em 1556 foi duramente criticado pelos camarários de Salva-
dor, que o acusavam, juntamente com o governador, de serem “tão absolutos
e desolutos senhores della [da terra] que não há pessoa que neste tempo cuide
que tem cousa própria nem sua honra segura”. A acusação era fruto de con-
flitos que surgiram à época das eleições para a Câmara, disputadas por dois
grupos rivais. Os elegíveis ainda acusavam os dois oficiais de abuso “do poder
ao revisar a lista de candidatos para os cargos públicos a fim de colocar aque-
les que o apoiavam” (Carta dos Funcionários da Câmara de Salvador apud
Schwartz, 1979, p. 29). Os conflitos de jurisdição entre o poder do centro e
as periferias administrativas já estavam evidentes.
O acúmulo dos cargos de ouvidor e provedor-geral ocorreu por várias
vezes durante a segunda metade do século XVI. O segundo ouvidor nomea-
do, Brás Fragoso, também exerceu os ofícios simultaneamente, a despeito das
dificuldades que os dois cargos impunham. Em 1562, os oficiais da Fazenda
de Salvador escreveram ao rei:

Sentimos que o Ouvidor Geral não pode servir de Provedor Mor as razões são
estas que as ocupações que tem na Judicatura não lhe dão lugar a entender
cada dia nas cousas da Fazenda como é obrigado a entender nem pode ir a ela
como é necessário por essa ocupação que tem e por que também o sentido
que tem nas cousas da Judicatura lhe faz remoto das da fazenda (ABNRJ, v.
27, 1905, p. 240).

Ainda mencionaram a obrigação que tinha o ouvidor-geral de fazer


correição nas capitanias, “e indo ele a fazer correição nelas fica qua o negócio
92 Da justiça em nome d’El Rey

da fazenda desfeito e o contador atado que não pode dar fim a conta alguma
nem outro algum negócio” (idem). A despeito das reclamações, o ouvidor-
-geral Fernão da Silva veio a acumular os dois ofícios. Tal situação, segundo
a historiadora Maria Beatriz Nizza, estava associada à escassez de contingente
humano e também da formação necessária aos cargos judiciários (apud Ser-
rão e Marques, 1992, p. 365).
Schwartz afirma que, contrariando as diversas reclamações dos súditos,
o monarca “não se convenceu e os dois cargos [de provedor e ouvidor-mor]
permaneceram unidos pelo século XVII adentro”. À hierarquia judicial so-
mava-se a “burocracia administrativa”, de modo que a aplicação da justiça
ficava dispersa e as atividades dos ouvidores, muito mais “expandidas”. No
entanto, mais do que “má definição das alçadas, intencionalmente promo-
vida pela Coroa com o fim de evitar autonomia excessiva” ou ainda “falhas
acidentais do sistema administrativo”, tais características transpareciam o sis-
tema, e não suas “falhas acidentais” (1979, p. 31).
Nas palavras de Hespanha:

Um sistema feito de uma constelação imensa de relações pactadas, de arranjos


e trocas entre indivíduos, entre instituições, mesmo de diferente hierarquia,
mesmo quando um teoricamente pudesse mandar sobre o outro. Como se,
sendo o mando tão difícil de fazer valer, se preferisse o entendimento recípro-
co, às boas, como lucros para as duas partes (2005, p. 6).

Ainda em 1562, na mesma carta dos oficiais de Salvador ao monarca,


encontramos indícios da necessidade de instalação na América portuguesa de
uma Relação. Tais oficiais se queixavam do fato de que “o ouvidor-geral por
si só tem grande alçada e cabendo nela tão grandes casos como cabem pudes-
se causar alguma presunção e sendo devertida em mais pessoas não fica causa
dela” (ABNRJ, v. 27, 1905, p. 240). Esses homens percebiam a complexida-
de da organização da justiça, constatando o acúmulo de poder em mãos de
um só ministro, e sugeriam que:

Devia ter mais alçada nesta capitania que há que tem os capitães e que passan-
do delas os feitos se despachassem por desembargo com o governador e juízes
ordinários e com o vereador mais velho desta cidade no qual Vossa Alteza
poderá acrescentar a alçada que lhe bem parecer / porque sendo cinco juízes
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 93

fica fora toda suspeita e suspeição e será menos trabalhos e custas aos homens
que mandarem ou forem com seus feitos ao Reino especialmente os que ficam
em prisão (idem).

Para os oficiais da Fazenda, a organização administrativa na América


portuguesa não atendia à dinâmica cotidiana. Enxergavam de forma mais
clara as necessidades que iam se impondo: com o passar dos anos, a demanda
político-administrativa tornava-se cada vez mais complexa.
Assim, as reformas empreendidas por Felipe II foram precedidas por
uma necessidade já constatada pelos oficiais régios. O Regimento de 7 de
março de 1609, que estabelecia “no Estado do Brasil uma Relação”, chamava
a atenção para as transformações que se operavam. Nele, o monarca ressaltava
a importância de tal empreendimento

por razão do descobrimento e conquistas de novas terras e aumento do co-


mércio, com que se tem dilatado muito aquele Estado, assim em número de
vassalos, como em grande quantidade de fazendas; por cujo respeito cres-
ceram as dúvidas e demandas, que cada dia se movem, em que se não pode
administrar inteiramente Justiça, na forma que convém, pelo Ouvidor Geral
somente – hei por bem de ordenar a dita Relação (Regimento da Relação do
Brasil, p. 258).

A Relação do Estado do Brasil estava assim estruturada:

Haverá na dita Relação dez desembargadores, entrando nesse número o


chanceler, o qual servirá de juiz da chancelaria; três desembargadores de
Agravos; um Ouvidor Geral; um Juiz dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco,
e um Procurador dos Feitos da Fazenda, Coroa, Fazenda e Fisco, e Promotor
da Justiça; um Provedor dos Defuntos e Resíduos e dois Desembargadores
Extravagantes (idem).

O governador-geral ocupava o cargo de presidente da Relação. O re-


gimento estabelecia ainda os cargos de ouvidor para a capitania de Pernam-
buco, “por ser grande a povoação e de muito comércio”, e para “as três ca-
pitanias do sul”, ambos nomeados pelo Desembargo do Paço (idem). Tal
procedimento retratava a necessidade da representação do poder do centro
94 Da justiça em nome d’El Rey

nessas periferias administrativas, delimitando as esferas de poder entre a ma-


lha administrativa instalada nas possessões americanas.
Com a criação da Relação do Estado do Brasil, o papel do letrado as-
sumiu dimensões extras na América portuguesa. Os ouvidores e donatários
passaram a estar sob a supervisão desses homens. A justiça, parte nobre da
governança durante o Antigo Regime em Portugal, estabelecia-se de forma
mais concreta em terras americanas.
A partir da Restauração, o corpo político-jurídico havia se estruturado. À
autonomia política concedida aos donatários com a doação das capitanias heredi-
tárias somava-se o peso do poder do centro, na figura dos representantes do De-
sembargo do Paço. O ouvidor-geral, tanto de Pernambuco quanto da Repartição
do Sul, possuía a competência de realizar correições anualmente dentro de seu
termo e de tirar residência a cada três anos de seus oficiais (Código filipino, títulos
LVIII e LX). Isso atrelava os ouvidores das capitanias às Leis do Reino.
O Regimento do Ouvidor Geral do Brasil, de 17 de julho de 1643, que
nomeava para o cargo o bacharel Manoel Pereira Franco, recomendava ao
dito oficial que “na Capitania em que assistirdes, hei por bem que o capitão
dela, e o seu Ouvidor, não tenham alçada alguma nos casos crimes”. Nesse
caso, os capitães donatários e seus ouvidores tiveram suas jurisdições reduzi-
das, possuindo

somente alçada nos feitos crimes em que alguns escravos, ou gentios, forem
acusados [...] nos casos em que aos peães christãos livres pelo mesmo modo é
posto pena de açoutes e degredo até três anos – e nos casos de pessoas de mais
qualidade terão somente alçada até um ano de degredo fora da Capitania, e
nas penas pecuniárias até vinte cruzados. E em todos os outros casos [...] da-
rão os ditos Capitães e seus Ouvidores, apelação e agravo para Vós” (Colleção
Chronologica da Legislação Portugueza, p. 1.608).

Nos sucessivos regimentos para o cargo de ouvidor-geral durante o sé-


culo XVII tornou-se visível a ampliação de poderes desses homens no âmbito
colonial. No mais, os espaços de jurisdição, tanto dos homens do Desembar-
go do Paço quanto dos governadores nomeados, esbarravam-se e até mesmo
se confundiam nesse emaranhado de poderes. O regimento para o então no-
meado governador-geral do Brasil, Roque da Costa Barreto, de 1677, é bem
característico. D. Afonso IV o recomendava:
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 95

A justiça de tão grande particular e obrigação minha, é tão necessária para a


conservação, e acrescentamentos dos estados, que tudo o que na administra-
ção d’ella o encomendar e encarregar, será muito menos do que desejo porém
confio do governador que com tal cuidado procure se faça inteiramente [...] e
seja o meio com que aquele estado vá em aumento (Regimento do Governador
Geral do Estado do Brasil, 1864, p. 305).

O artigo 35 ainda concedia propriedade de vigilância ao governador so-


bre a atuação dos oficiais da justiça, em consonância com o Regimento da Rela-
ção do Brasil, que aplicava ao governador o cargo de presidente, com atribuições
nas áreas administrativas. No campo da justiça, o governador “assinará somen-
te nos casos de perdões e Alvarás de fianças”, porém nunca sozinho. O Regi-
mento do Governador Geral ainda ratificava os cuidados para com a jurisdição
dos donatários. Recomendava que não se devia “deixar tomar aos donatários
mais jurisdição, que a que eles pertencer por suas doações e ter-se nela muita
vigilância e advertência”. Procurava, porém, preservar os espaços de poder já
adquiridos nas cartas de doação. Para tal, recomendava ao governador que não
tomasse as suas jurisdições, “nem consinta que os ministros da justiça, fazenda
e guerra lh’a tomem, que quebrem seus privilégios nem doações” (p. 305).
Ainda tinha o governador a jurisdição de tirar residência, ou de nomear
que as tirassem, dos ouvidores das capitanias do Sul e de Pernambuco. Super-
visionava inclusive as residências que esses ouvidores tiravam dos ouvidores
das comarcas “e todos os autos dessas residências se enviarão para a Relação,
para se verem e despacharem na Mesa grande, como for justiça”. Estavam
também sob a jurisdição de Roque da Costa Barreto os governadores das duas
repartições. O monarca fazia constar tal orientação no regimento “para evitar
a dúvida, que até agora houve entre o governo geral d’esse estado e governos
de Pernambuco e Rio de Janeiro sobre a independência que pretendiam ter
do governo geral”, alertando que estes estavam realmente subordinados (Re-
gimento do Governador Geral do Estado do Brasil, 1864 e Regimento da Relação
do Brasil, 1609, p. 307). Nessa complexa rede de poderes, os conflitos pela
definição das jurisdições eram inevitáveis, inclusive na esfera eclesiástica.
Em 1624, o desembargador da Relação da Bahia, João de Sousa Carde-
nas, chegou ao Rio de Janeiro, enviado pela Coroa, para conduzir e inspecio-
nar as residências que eram tiradas dos ouvidores da Repartição Sul. Também
fora incumbido de promover uma reestruturação nas eleições camarárias da
96 Da justiça em nome d’El Rey

cidade, bem como instituir um novo imposto para as fortificações no norte


da América portuguesa, a avaria. Todas essas medidas eram parte do esforço
do poder do centro em estabelecer um maior controle na região. E isso, como
era de se supor, causou uma série de conflitos que refletiam o descontenta-
mento do poder local. A partir daí, as correições anuais foram instituídas na
Repartição Sul e as atribuições dos ouvidores foram normatizadas. Alguns
membros do poder local também passaram a assumir o cargo de ouvidor.
Na final da década de 50 do século XVII, o clima estava tenso na capi-
tania do Rio de Janeiro. Tal fato, segundo Varnhagen, era “proveniente em
parte da desmoralização e miséria pública” que a instalação da companhia
de comércio havia provocado. “Seguiram-se graves questões entre o povo
e o administrador eclesiástico, o Doutor Manuel de Sousa e Almada.” Este
ameaçara os membros da Câmara por conta da transferência da Igreja de São
Sebastião, chegando a excomungar o ouvidor-geral Pedro de Mustre Portu-
gal. Os oficiais camarários convocaram uma junta, composta por “alguns te-
ólogos da cidade” e também pelo governador interino, Corrêa D’Alvarenga,
“e essa junta declarou irrita e nula a dita excomunhão” (1857, p. 56).
Em outubro de 1744, o provedor da Fazenda Real do Maranhão, Iná-
cio Gabriel Lopes Furtado, escreveu a D. João V. Seu objetivo era relatar
“a perturbação de jurisdição que o Ouvidor Geral desta capitania Francisco
Raimundo de Morais Pereira me fez como Provedor dos Ausentes”. O caso
girava em torno da execução das dívidas dos “rematantes” da Fazenda Real e
do envio dos rendimentos ao “Conselho do Ultramar” na frota que saíra no
navio São Rafael. Inácio Gabriel relatou que o dito ouvidor havia proibido
“a todos os oficiais de Justiça o fazerem as diligências desta Provedoria”. Ci-
tando as Ordenações e capítulos de seu regimento, o provedor informou ao
monarca que punira alguns oficiais de justiça por não terem acatado suas or-
dens, “por condecender com a vontade do dito ouvidor” (AHU/Brasil Geral,
cx. 9, doc. 800). Acrescentou que o tabelião Bento Moreira Frazão havia lhe
informado que Morais Pereira

só permitiria que os oficiais de Justiça fizessem as diligências da Fazenda se [o


Provedor] lhes mandasse pedir por Precatória como se manifesta de uma sua
Certidão [...]. Porém eu me não desdobrei a mandar passar tais Precatórias
tanto por me persuadir que não era este o motivo por que o dito Ouvidor
fazia a referida proibição como por achar que não eram necessários, em razão
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 97

de serem os Oficiais de Justiça imediatamente sujeitos aos mandos dos Mi-


nistros da Fazenda para por virtude deles fazerem todas as diligências a ela
pertencentes, como o dispõem muitas ordenações que tratam da matéria e o
capítulo 153 do mesmo Regimento da mesma Fazenda (idem).

Justificou que não pôde pôr em execução as ordens reais “por não ha-
ver quem a quisesse executar” e por insubordinação do referido ouvidor (que,
como se percebe, tinha o apoio do poder local) e solicitou ao Reino “alguma
providência” no sentido de evitar “as desordens que ordinariamente nascem
de semelhantes novidades” (idem). Dois anos depois, o Conselho Ultramari-
no emitiu uma advertência ao ouvidor:

Fique advertido que todos os oficiais de justiça e fazenda devem prontamente


executar as diligências do Real Serviço que lhe forem cometidas por qualquer
Ministro, ou seja, da Fazenda ou da Justiça sem que sejam necessários recipro-
camente precatórios (idem).

Com base na advertência do Conselho Ultramarino, podemos notar


que o único esclarecimento era no sentido de que fossem dispensados os pre-
catórios que, nesse caso e para esses homens, eram a garantia do pagamento
dos emolumentos... Os espaços de poder não foram definidos, já que foi
recomendado que as diligências pudessem ser “cometidas” por qualquer um
dos dois ministros. Nem mesmo o Reino conseguia delimitar claramente as
fronteiras jurisdicionais que separavam os oficiais.
Na capitania de Minas Gerais, ao longo do século XVIII, vários foram
os conflitos estabelecidos entre os oficiais régios pelos espaços de poder. Mui-
tos deles solicitavam ao monarca esclarecimentos acerca das definições de
suas jurisdições e aval para algumas de suas atitudes a esse respeito.
Em setembro de 1724, D. Lourenço de Almeida, governador da ca-
pitania de Minas Gerais, escreveu ao Reino, “pedindo ordem régia sobre
os postos que se devem sentar à mesa com o general, em virtude de abusos
cometidos”. A consulta era por conta dos excessos que, segundo ele, vinham
cometendo alguns oficiais da guarda. O governador solicitou ao monarca que
lhe enviasse “uma ordem régia e que se registre, proibindo [...] ao governador
dar assento ao alferes”. O incômodo devia-se à permissão que dava o capitão
João de Almeida ao alferes de sua guarda para sentar-se com ele durante as
98 Da justiça em nome d’El Rey

refeições. Afirmava que para ele “estes postos não devem ter assento na pre-
sença do general”, mas que na época do governo do conde de Assumar tal
prática era comum (AHU/MG, cx. 5, doc. 88).
Caso parecido, porém muito mais complexo, foi o do provedor da
Fazenda Real Antônio Berquo Del Rio, que em 2 de maio de 1725 es-
creveu ao Reino solicitando esclarecimentos acerca de sua jurisdição. Re-
latou que “como não houvesse Regimento algum sobre o que tocava a
jurisdição de Provedor nem achasse neste país, esta ocupação estivesse
repartida pelos Ouvidores das comarcas”. Em sua carta não estão claros
os motivos que incitaram tais dúvidas, mas parece que eram “sobre minas
ou cousas tocantes a elas, sobre datas de sesmarias e águas [...] com cuja
jurisdição ficaram os ouvidores das Comarcas destas Minas” (AHU/MG,
cx. 6, doc. 39). Isso deixa transparecer os conflitos que surgiam entre
provedores e ouvidores, devido, principalmente, ao fato de que ambos
os cargos eram ocupados por homens formados em Leis, nomeados pelo
Desembargo do Paço.
Berquó Del Rio havia juntado uma série de regimentos e enviou-os
anexados à carta. Informou que mandara “a Bahia e mais partes desta Amé-
rica buscar os Regimentos dos Provedores da Fazenda Real e Ouvidores”, a
fim de poder definir quais seriam seus espaços de ação. Afirmou que os ouvi-
dores tomavam “conhecimento das apelações e agravos que se tira[vam] das
determinações dos guardas-mores sobre as contendas de minerar e assisti[am]
com estes a repartição das terras de ouro”. Citou também os regimentos dos
“Provedores da Fazenda Real” de “Castela nas Índias Ocidentais” e ainda
“Solorzano na sua Política Indiana e D. Gaspar de Escalona no seu Gazofhi-
lácio Perúbico”.3 Como homem letrado que era, fez uma profunda pesquisa
acerca dos regimentos, recorrendo a alguns juristas espanhóis do século XVII.
Citou também a Lei de 11 de fevereiro de 1719, que estabelecia as Casas de
Fundição, em que

3
Juan de Solorzano Pereira estudou jurisprudência em Salamanca e em 1609 foi nomeado juiz
da Audiência de Lima, posição que ocupou até 1627. Escreveu uma série de livros sobre as-
suntos jurídicos, sendo o mais importante Indianorum De jure disputatione (Madri, 1629).
Posteriormente adaptado e traduzido, recebeu o título de Política Indiana. Gaspar de Escalona
e Agüero nasceu em Lima em 1598. Estudou na Universidade de San Marcos e foi procurador-
-geral de Cuzco. Escreveu o Gazofilácio Real Del Peru, espécie de tratado político e financeiro
(Disponível em: www.library.nd. Edu/rarebooks).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 99

V. Maj. foi servido ordenar que os ouvidores das Comarcas levem devassas
dos que descaminham ouro, não os levando as Reais Casas dos Quintos e
poderá entrar em dúvida se os livramentos dos culpados hão de ser perante os
mesmos ouvidores ou se os ditos culpados hão de ser remetidos ao Provedor
da Fazenda Real com as culpas para perante ele como lhe é próprio da Real
Fazenda corram os livramentos (idem, grifo nosso).

As dúvidas que porventura pudessem aparecer, segundo o provedor,


eram por conta da contradição que as próprias Leis do Reino suscitavam.
Citou, em contrapartida à dita lei, o capítulo 6 do Regimento dos Ouvidores
de São Paulo, que concedia o poder de julgamento ao provedor. Porém, é
no capítulo 7 do citado regimento, de 1700, que o monarca mencionara tal
questão, determinando ao ouvidor que perguntasse

pelos descaminhos dos quintos do ouro e achando culpados os pronunciareis


e prendereis e remetereis e com as culpas a bom recado ao Provedor de mi-
nha fazenda do Rio de Janeiro e superintendente das minas para que lhes dê
livramento na forma das minhas ordens (Regimento dado ao Ouvidor Geral da
Vila de São Paulo, 1917).

Em setembro de 1723, D. João V enviou uma carta a D. Lourenço


com uma advertência ao mesmo provedor. Ciou, para tal, “um precatório
que o provedor da Fazenda dessas Minas Antônio Berquó del Rio passou
ao Ouvidor Geral da Vila do Príncipe do Serro do Príncipe”, no qual se
intitulava “Provedor e Vedor Geral” da Fazenda Real. O monarca advertiu
que o dito provedor não possuía “carta mais que de Provedor da Fazenda das
Minas” e que, por isso, mandava “que se abstenha logo do tal título” (Em que
se adverte ao provedor da Fazenda o que lhe pertence em o dito lugar e o que lhe
não pertence também, 1979, p. 119).4
O emaranhado de poderes que as leis sugeriam era responsável pelas
constantes dúvidas dos oficiais acerca de suas jurisdições. O próprio prove-
dor citado declarava que conhecia “as terríveis consequências que se seguem

4
Ao cargo de vedor da Fazenda Real cabia à administração superior do Patrimônio Real da
Fazenda Pública. Esse cargo surgiu em 1370 e vinha substituir o de vedor da Portaria. A partir
do Regimento dos Vedores, de 1516, os vedores passaram a despachar na Mesa da Fazenda, que
ficava no Paço Real. Tal cargo findou-se em 1822, com a criação do Ministério da Fazenda.
100 Da justiça em nome d’El Rey

neste país das discórdias dos Ministros dele em se emboulharem em matérias


de posições”, reconhecendo o quanto era complexo para esses homens com-
preender a política administrativa do Antigo Regime português (AHU/MG,
cx. 6, doc. 39).
Capítulo 4
A formação político-institucional
de Minas Gerais

A ocupação das Minas

Em 1680, D. Pedro II foi informado sobre a descoberta da Serra das


Esmeraldas e também sobre as dificuldades enfrentadas pelos desbravadores
durante a incansável busca pelo tão sonhado Eldorado (Carta de Francisco
Gil de Araújo..., AHU, cx. 1, doc. 1, 5 jun. 1680). Quinze anos depois, em
1695, a Coroa recebeu o comunicado oficial do descobrimento de ouro nos
sertões da América portuguesa, tendo que enfrentar um aparato explorador e
administrativo estruturado independentemente de seu comando. Esse pano-
rama foi responsável pelo ambiente de negociação e conflito que caracterizou
os primeiros anos nas Minas e que marcaria profundamente as relações entre
a metrópole e seus súditos mineiros.
Alguns autores, contudo, revelam que antes desse período já existiam
informações acerca de descobertas de veios auríferos nos sertões paulistas.
Diogo de Vasconcelos afirma que “a Restauração de Portugal, em 1640 [...]
incitou melhores sentimentos a bem da causa pública” e isso incentivou os
paulistas a adentrarem o território em busca de índios e minas (1948, v. 1,
p. 39). A partir dessas entradas, os primeiros arraiais foram se formando e os
domínios coloniais portugueses foram mais precisamente demarcados.
Maria Verônica Campos, citando Sérgio Buarque de Holanda em Vi-
são do Paraíso (1999), afirma que existiam “vários indícios de extração si-
gilosa de ouro durante a segunda metade do século XVII, especialmente a
102 Da justiça em nome d’El Rey

partir da década de 1670” (2002, p. 33). A base para tais afirmações consiste,
principalmente, nas “ferramentas e utensílios de minerar” arrolados por in-
ventários de paulistas da época (2003, p. 13).
Adriana Romeiro demonstra que às incertezas que subsidiaram a des-
coberta das minas somaram-se as indefinições acerca da jurisdição sobre elas.
Por não conhecer o que fora descoberto nos sertões da América, Portugal, no
início, demonstrou insegurança quanto ao desbravamento daquelas terras.
Os conflitos entre o governador-geral, D. João de Lencastro, e o governador
da Repartição Sul, Artur de Sá Meneses, foram notórios nesse sentido. De-
fensores de projetos diferentes, divergiam quanto à política a ser implantada e
quais meios deveriam ser cooptados. A despeito da “política de portas fecha-
das” defendida por Lencastro, que visava proteger a agricultura da cana-de-
-açúcar e do tabaco, o controle político-administrativo da região mineradora
foi concedido ao governador da Repartição Sul, atrelando as Minas àquela
jurisdição. Sá Meneses, por sua vez, acreditava que o incentivo irrestrito à en-
trada de forasteiros nos sertões do ouro “buscava promover o povoamento da
região mineradora e incrementar a exploração mineral”. Tal política alcançou
“uma acolhida imediata” em Portugal, salvo as incertezas que ainda perdura-
vam (Romeiro, 2008, p. 53). Artur de Sá, com sua política de povoamento,
foi responsável pela expansão no Rio das Velhas, onde o “sertão descortinava-
-se até a Itacambira”. O governador também “mandava exploradores com
ordem de plantarem cereais e legumes”, procurando meios de estabelecer “a
estabilidade dos arraiais” (Vasconcelos, 1948, v. 1, p. 224).
Com relação à rebeldia dos paulistas, tão citada nos documentos da
época e romantizada por alguns memorialistas, Sérgio Buarque de Holan-
da aponta indícios de que tais características soaram negativas a princípio,
porém isso foi aos poucos se alterando. Para ele “parece inegável” que os
registros da descoberta do ouro, verificados em lugares diferentes dos ser-
tões quase simultaneamente, eram devedores da larga experiência do paulista
bandeirante com aquelas terras. O aprisionamento do gentio conferia “uma
tendência ou prática tradicional” na gente de São Paulo (2004, p. 263).
Paralelamente, o apagar das luzes do século XVII era um tanto com-
plexo para o Império português. As Guerras de Restauração e o envolvimen-
to na Guerra de Sucessão espanhola exauriram os cofres lusitanos bem no
momento em que o açúcar antilhano concorria de perto com o da América
portuguesa. Desse prisma compreende-se o imenso impacto que a notícia da
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 103

descoberta de ouro causou no Reino: era a possibilidade mais viável de um


reequilíbrio econômico associado a uma reafirmação política da Coroa frente
às potências europeias.
Em 1702 foi editado o Regimento para a direção e governo da gente que
trabalha nas minas que há nestes sertões do Brasil, com o objetivo de institu-
cionalizar o governo metropolitano na região das Minas. Assinado por D.
João V, além da regulamentação e incentivo à exploração aurífera, o docu-
mento criou o cargo de superintendente das Minas, nomeado e remunerado
pela Coroa portuguesa, o qual deveria ser ocupado por um magistrado
com formação em Leis. Para a imposição da ordem, na tradição portugue-
sa, fazia-se necessária a presença de um oficial da justiça, que garantiria
a execução da lei e a regulamentação de um aparato capaz de controlar a
instabilidade social na região:

O Superintendente procurará saber, com todo o cuidado, se há discórdias


entre os mineiros, ou outras pessoas que existem nas ditas minas e que evitem
perturbações entre aquelas gentes e porá toda a diligência em as acalmar e no
caso que pareça ser necessário mandar prender alguma ou algumas das pesso-
as que forem motores de [...] desordens, o fará e os não soltará, sempre que
fazerem termo de não entenderem um com o outro e tendo cometido culpa,
porque algum mereça maior castigo, procederá, como foi dito” (Regimento
para a direção e governo..., AHU, cx. 3, doc. 2, 19 abr. 1702).

O documento evidencia a sutileza com que o superintendente deveria


agir: saber com “todo cuidado” se existiam discórdias e, caso houvesse, que
fossem “acalmadas” antes de castigadas. Isso reflete o sentido das relações
cotidianas na região, tanto na sociedade quanto nas práticas políticas, o am-
biente era de negociação.
Os anos iniciais foram difíceis. O primeiro magistrado a assumir o car-
go de superintendente, José Vaz Pinto, revelou em suas correspondências as
dificuldades no lidar com os mineiros, principalmente quanto à cobrança de
tributos; informou ao rei que “ficava receando que os mineiros senão sujei-
tassem bem ao encargo de pagarem os ordenados ao Ministro, Guarda-Mor,
Oficiais e mais família desta Superintendência” (Carta de José Vaz Pinto,
AHU, cx. 1, doc. 4, 28 ago. 1703). Tal declaração demonstra a importância
da conciliação e a política de negociação com os poderosos locais.
104 Da justiça em nome d’El Rey

Desde cedo, Vaz Pinto relutara em assumir o cargo, arregimentando


inimizades pelos sertões por onde passava. Célebres foram suas contendas
com o então governador D. Álvaro da Silveira de Albuquerque, em que se
acusavam mutuamente de possuírem negócios ilícitos nas Minas. Após inú-
meros conflitos e a incapacidade de estabelecer o mando em nome da Coroa
nos sertões auríferos, Vaz Pinto foi expulso por poderosos locais e o cargo de
superintendente, desde então, ficou agregado ao de governador do Rio de
Janeiro, o qual ficava proibido de entrar na região mineradora.
A Guerra dos Emboabas foi um acontecimento emblemático das transfor-
mações que se operaram a partir de então. Para a Coroa, por um lado, os paulistas
eram sinônimo de insubmissão, mas, por outro, suas bandeiras eram importantes
na malha que envolvia o Império. Longe de suscitar um aumento das contra-
dições entre colônia e metrópole, o conflito sugere uma crescente conformação
com a tradição lusitana: paulistas e emboabas estavam inseridos na dinâmica do
Antigo Regime português, em busca de exploração e em conformidade com a
Coroa, que era o centro das reivindicações de ambos. Ao mesmo tempo que luta-
vam por interesses semelhantes, ofereciam condições para que a autoridade régia
se colocasse acima do conflito, concedendo perdões e criando laços de fidelidade,
gerando a possibilidade de alargar a exploração aurífera.
Não obstante o perigo que o conflito significou no sentido de estre-
mecer o já tão precário equilíbrio de forças entre mineiros e agentes régios, a
Guerra dos Emboabas levou a Coroa a criar a capitania de São Paulo e Minas
do Ouro, determinando a divisão da região mineradora em três comarcas –
Ouro Preto, Rio das Mortes e Rio das Velhas – e a criação de vilas nos locais
mais populosos. Com isso acreditava poder reduzir conflitos entre mineiros,
forasteiros e autoridades, na medida em que criava espaços de atuação para
as elites locais com a institucionalização das câmaras, que detinham funções
executiva, legislativa e judiciária em primeira instância e no âmbito do seu
termo. Os primeiros ouvidores tomaram posse em 1712.

O ouvidor detinha diversas outras funções além da Justiça de segunda instân-


cia: corregedor, auditor e fiscal da Câmara, provedor de defuntos e ausentes,
resíduos e capelas, juiz do tombo, juiz de sesmarias, provedor da Fazenda Real
e juiz da Coroa. Além disso, o cargo de superintendente das minas tornou-
-se função anexa à ouvidoria, ficando os ouvidores responsáveis por dirimir
disputas por lavras (Campos, 2003, p. 15).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 105

O poder desses homens havia muito ultrapassava as esferas judiciais, pois


“a justiça do rei podia ser equacionada ao bem-estar geral do Reino” (Schuartz,
1979, p. 56). Governar bem significava governar com justiça e, com as implica-
ções que surgiram a partir do século XVI, em função da expansão marítima, o
grupo de magistrados havia se tornado a espinha dorsal do governo metropolita-
no nas possessões coloniais; governar sem ele já não era organicamente possível.
No que diz respeito às definições dos espaços de poder ocupados pelos ofi-
ciais da justiça na região mineira, pouco se alterou das legislações elaboradas para
as outras possessões portuguesas no ultramar. Não existiu também um corpo de
leis que fosse específico para a colônia, convencionou-se aplicar as compilações de
leis portuguesas – as Ordenações manuelinas e, mais tarde, as filipinas, acrescidas
por um grande número de suplementos conhecidos como Leis extravagantes.
A definição das jurisdições desses ouvidores dava-se em meio à euforia da
descoberta do ouro e respeitava antes o desejo de controle da extração aurífera.
Todos esses fatores estavam de acordo com a lógica da tradição política do Antigo
Regime em Portugal, marcada pelo caráter corporativo e jurisdicional e pela flexi-
bilidade jurídica que caracterizava a razão das práticas políticas. Tal flexibilidade
jurídica associava-se a um tipo de hierarquia entre as ordens normativas e estava
sensível a acontecimentos cotidianos: “o resultado era uma ordem entrecruzada e
móvel, cujas particularidades não podiam ser antecipadamente previstas” (Hes-
panha, 2006, p. 30).

É a isto que se pode chamar a “geometria variável” do direito comum (ius


commune). Em vez de um sistema fechado de níveis normativos, cujas relações
estavam definidas de uma vez por todas (como o sistema de fontes de direito
do legalismo contemporâneo), o direito comum constituía uma constelação
aberta e flexível de ordens cuja arquitetura só podia ser fixada em face de um
caso concreto (idem).

A instituição das câmaras e o papel da comarca do Rio das Velhas no


tabuleiro colonial do século XVIII

As câmaras ultramarinas representavam, além do caráter de administra-


ção, uma continuidade e segurança política que os oficiais régios não podiam
garantir. Maria de Fátima Gouvêa (1998) e Júnia Furtado (2009b) lembram
o quanto essas instituições camarárias mantinham atados os laços de per-
106 Da justiça em nome d’El Rey

tencimento entre os súditos por todo o Império. Nuno Gonçalo Monteiro


revela que o Portugal medieval já “se encontrava coberto por concelhos”,
formados por “câmaras municipais” com atribuições como “a jurisdição em
primeira instância”. Seu estudo mostra que “a municipalização se constituiu
em uma espécie de herança política legada pela época medieval”. Mais ainda,
o quanto eram complexas as relações entre jurisdições desde essa época: as
relações entre as terras periféricas rurais e os concelhos urbanos atenuaram-se,
dando origem a outros espaços de atuação do poder local, como os Julgados.
Especificidades locais à parte, para o autor “parece indiscutível” a confir-
mação do “modelo concelho” como estrutura “administrativa e judicial de
primeira instância”, inclusive para os espaços ultramarinos (1996, pp. 30-1).
Segundo Joaquim Romero Magalhães, em Portugal “a autoridade
de cada câmara era total”. Não existiam (e essa prerrogativa valia para todo
o Império) instituições que fossem capazes de superar a autonomia desses
concelhos, “dentro de seu termo” (1985). Os magistrados reinóis tinham
grandes limitações sobre a autoridade nos assuntos camarários, por isso sua
atuação era de mediação.
Na América portuguesa, quase sempre o ônus da governação ficou a
cargo dos colonos. Despesas como defesa, abastecimento, obras e reparos
foram assumidas pelos habitantes “por meio de tributos e trabalhos”. As câ-
maras possuíam um papel crucial: recolher e administrar os impostos, per-
manentes ou temporários, “lançados pela metrópole em ocasiões especiais”.
Ainda tinham por obrigação lançar taxas, arrendar contratos e arrecadar as
“contribuições voluntárias” dos colonos (Bicalho, 2001, p. 199).
Toda essa responsabilidade vinha acompanhada de inúmeros privilé-
gios, que os oficiais camarários adquiriam e que os faziam parte integrante
dessa governação. “Nas repúblicas de Antigo Regime”, exercer tais cargos sig-
nificava alcançar o status de cidadão, prerrogativa que “consistia num direito
subtraído da sociedade”, reservado a uma minoria (Fragoso, 2007, p. 36).
João Fragoso comenta uma Representação que comerciantes da Praça
do Rio de Janeiro enviaram para o Conselho Ultramarino em 1746. O caso
girava em torno da preterição desses homens nas eleições para a Câmara da
referida capitania, o que gerou conflitos entre os cidadãos da República que
se consideravam aptos a ocupar um cargo camarário. Entre estes estavam os
“conquistadores”, que se consideravam privilegiados, e os “filhos de Portu-
gal”, comerciantes, vistos pelos “naturais” da terra como “hierarquicamente
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 107

inferiores”. Esse fato deixa transparecer a importância que os comerciantes


adquiriram e, mais ainda, o desejo de compartilhar os privilégios e honras
dessa política do Antigo Regime, pois “todos se viam como leais súditos da
monarquia portuguesa” (2007, p. 36).
Geralmente as Câmaras eram compostas por dois a seis vereadores,
dois juízes ordinários e um procurador, oficiais com direito a voto nas reuni-
ões ordinárias. O escrivão e o tesoureiro não tinham direito ao sufrágio, mas
eram considerados oficiais (ao contrário dos vereadores, o escrivão era remu-
nerado pela Coroa, câmara ou senhorios, em função da escassez de homens
letrados nas possessões ultramarinas). Charles Boxer ainda cita os funcioná-
rios subalternos, que também não possuíam direito de voto. As eleições eram
supervisionadas por um juiz da Coroa.
Boxer baseia-se no sistema de governo municipal de Portugal, mas
as diversidades políticas e sociais por todo o Império deformavam tal mo-
delo, mesmo que os portugueses tenham conseguido “transplantar essas
instituições metropolitanas para meios exóticos e adaptá-las com êxito”
(2002, p. 286).
Maria Fernanda Bicalho (2001) afirma que foi na passagem do século
XVII para o XVIII que as diversas câmaras ultramarinas começaram a carecer
de suas autonomias políticas. Um indício desse processo seria, na mesma
época, a instituição para o ultramar do cargo de juiz de fora. Mesmo con-
siderando algumas prerrogativas de controle que tal cargo previa e a notada
necessidade de controle que a época exigia, parece precipitado aceitar o seu
efetivo caráter centralizador, por conta das complexas relações de poder que
se estabeleciam nas localidades ultramarinas.
Interessa-nos a importância que tais organismos continuavam represen-
tando para a dinâmica cotidiana da governança local. Ao aumento da necessi-
dade da presença do poder do centro via agentes régios veio se juntar a estabili-
dade política, que só as câmaras podiam oferecer para a feliz administração do
bem público, nas complexidades que a descoberta do ouro impusera.
Nuno Monteiro, reforçando “o predomínio do modelo do governo juris-
dicionalista” como princípio para a ação da “administração central até a der-
radeira fase do reinado de D. João V”, reafirma a importância dos meandros
das relações de poder para a governança imperial. A despeito da gradativa cen-
tralização política no período que compreende, grosso modo, as três primeiras
décadas da monarquia joanina, “o centro da monarquia consubstanciava-se [...]
108 Da justiça em nome d’El Rey

num conjunto de instituições [...] com a sua esfera de jurisdição própria e com
uma significativa identidade corporativa” (1996, pp. 80-1).
Com a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, nascida
das cinzas da Guerra de Emboabas, foram instituídas as primeiras câmaras
nos sertões auríferos. O primeiro governador, Antônio de Albuquerque Coe-
lho de Carvalho, executou tal empreitada. Para Sérgio Buarque de Holanda,
a intenção da ereção das câmaras era “apaziguar os tumultos e compor os
ânimos”, além da tentativa de estabelecer um controle geográfico dos movi-
mentos humanos (2004, p. 283). Para Boxer, a fundação das vilas foi fruto
de algumas reuniões com os “principais emboabas em Ribeirão do Carmo”,
quando ficaram acertadas outras prerrogativas, como a resolução que taxava
cada bateia “entre oito e dez oitavas anualmente” (1969, p. 104). Tais assun-
tos faziam parte das negociações entre a Coroa e os paulistas, no sentido de
garantir a paz e a ordem pós-emboabas. A partir de então iria o governador

reduzindo o numeroso daquele Distrito nos termos da sujeição, de civilidade


e de proveito público pela criação das Vilas e Comarcas, divisão dos seus li-
mites, demarcação de jurisdições, introdução de justiça (para cujos escolheu
as pessoas mais dignas), repartição dos Distritos em Regimentos e finalmente
pela fundação das Provedorias das Fazendas dos Defuntos e Ausentes, o da
Fazenda Real, sendo já mui preciso vigiar o bom recado dos reais quintos
(Memórias históricas..., 1908, pp. 533-4).

Todo o aparato político-institucional secular do Antigo Regime por-


tuguês estava associado à criação das vilas. Tal processo iniciou-se com a
criação, em abril de 1711, da Vila do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo
de Albuquerque. D. João V aprovou o ato por carta de 14 de abril do mesmo
ano, alterando o nome para Nossa Senhora do Carmo. Na mesma corres-
pondência concedeu o título de Leal à primeira câmara instituída nos sertões
mineiros. Podemos observar a absorção pela dinâmica imperial: a tentativa
de cooptação por meio de concessão de privilégios, pelos quais os vassalos se
sentissem responsáveis pela administração local. Em junho do mesmo ano,
Antônio de Albuquerque instituiu mais uma vila, a Vila Rica de Albuquer-
que, com aprovação real de 15 de dezembro do ano seguinte. O governador
não desistira de perpetuar seus feitos desbravadores. Maria Fernanda Bicalho
revela que, por “Decreto de 6 de julho de 1647, D. João IV concedia o título
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 109

de Leal à cidade do Rio de Janeiro, ampliando as prerrogativas da câmara”


(2003, p. 313). Como se vê, a concessão de títulos era uma estratégia para
manter os vínculos entre tais organismos e o poder do centro.
No dia 17 de julho de 1711 foi fundada a Vila Real de Nossa Senhora
da Conceição do Sabará. A eleição para a câmara foi feita no dia seguinte.
No Termo de ereção podemos notar o quanto o sentido político de Antigo
Regime norteava tal empreitada. Era determinado:

Levantar uma Povoação e Vila neste dito Distrito e Arraial [...] por ser o Sítio
mais capaz e cômodo para ela e que como para essa se erigir era conveniente
e preciso concorrerem os ditos moradores para a fábrica de Igreja e Casa de
Câmara e Cadeia como era estilo e pertencia a todas as Repúblicas deviam
eles ditos moradores cada um conforme suas posses concorrerem para o dito
efeito com aquele zelo e vontade que esperava de tão bons Vassalos (Termo de
ereção de Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, 1897).

As instituições camarárias eram fundamentais para a governança local.


A administração da coisa pública era responsabilidade do Senado da Câmara.
A política da época consistia em inspirar nos cidadãos o comprometimento
com a administração dos bens da República, depositando nas mãos de alguns
privilegiados pela hierarquia social a sua gerência. Isso “significava fiscalizar o
abastecimento da cidade [...] intervir na fixação dos preços, administrar im-
postos etc.”. Essa elite camarária, responsável pela administração do bem pú-
blico, constituía a “nobreza da República” e dominava o cenário da sociedade
colonial do século XVII (Fragoso, 2000, p. 47). Portanto, num império com
dimensões pluricontinentais, os súditos que, assim como os rendimentos,
integravam o bem público deveriam ser os olhos e ouvidos do rei. Mesmo
considerando as especificidades das elites camarárias, tal estilo demarcava a
política do Antigo Regime em Portugal.
Assim se configuraram as bases do poder local na região das Minas.
Responsabilizados pela administração da República, esses vassalos se viam
entrelaçados a um emaranhado de poderes que, paradoxalmente, garantiam
a harmonia política. Os súditos, cidadãos ou não, vinculavam-se ao Império
e concordavam, onde estivessem, em “viver [...] sujeitos às Leis e Justiça de
Sua Majestade” e, como “Leais Vassalos”, achavam-se moralmente obrigados
a “concorrerem conforme suas posses para tudo o que fosse necessário para
110 Da justiça em nome d’El Rey

se levantarem” os primeiros organismos administrativos no sertão (Termo de


ereção de Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, 1897). O mando
que se fundou ali tinha como fonte aqueles mesmos homens.
A Vila de Nossa Senhora da Conceição do Sabará era a sede admi-
nistrativa da comarca do Rio das Velhas. Além dela, existiam ainda a Vila
Nova da Rainha do Caeté, a Vila do Pitangui, a Vila do Papagaio e diversos
julgados. A Vila Real do Sabará era, portanto, cabeça de comarca. A sua Câ-
mara Municipal era formada por “dois juízes ordinários e mais oficiais com-
petentes, uma intendência do Ouro, um ouvidor, um juiz dos Órfãos e um
vigário da Vara” (Coelho, 2007, p. 189). Não possuía lavras que pudessem
enriquecer os viajantes em busca do tão sonhado Eldorado.
Em 1732, o magistrado Francisco Tavares de Brito relatou detalhes
de sua viagem pela capitania de Minas Gerais, com o objetivo de “ordenar e
descrever um itinerário geográfico em que se incluíssem os limites do gover-
no de São Paulo e Minas”. Segundo tais relatos, desde cedo a atividade mi-
neradora estava concentrada às margens do Rio Sabará e do Rio das Velhas,
“ambos correm turvos porque atualmente em ambos se minera”. Porém, tal
região nunca oferecera abundância dos metais preciosos e “raras vezes saem
os mineiros lucrados nestes distritos porque não correspondem os haveres ao
ordinário dispêndio” (apud Figueiredo e Campos, 1999, p. 908).
Na verdade, essa região tinha um ritmo um tanto diferente das comar-
cas auríferas. Francisco Tavares de Brito revela algumas dessas diferenças:

São abundantíssimas de todos os frutos as terras desta comarca, os quais to-


dos nela se compram por menos da metade que nas Minas Gerais. A vila está
situada em território aprazível, e os moradores se tratam aqui com muito lu-
zimento, porque nas suas fazendas a maior parte conserva com pouca despesa
muita cavalaria (idem).

Vila Real de Sabará era destino certo para os viajantes que desciam pelo
Caminho dos Currais do Sertão, vindos da Bahia. Tal passagem era feita pe-
las margens do Rio São Francisco e “possuía diversos atalhos e desvios”, que
facilitavam o contrabando e aumentavam a entrada do gado vindo do norte
(Chaves, 1999, p. 83). “A esta vila vêm parar todas as carregações que saem
da Bahia e Pernambuco pelas estradas dos Currais e Rio de São Francisco, e
nela, antes que em outra parte, entram os gados, comum sustento das Minas
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 111

e quase reputado como o mesmo pão” (Itinerário geográfico... apud Figueire-


do e Campos, 1999, p. 908). Tal passagem promovia uma intensa atividade
comercial. “Pelo Caminho da Bahia formou-se uma das mais amplas redes
de circulação de mercadorias para a região das minas” (Romeiro e Botelho,
2003, p. 63). Além do gado, por ali também passavam comboios de escravos
vindos das plantações de cana-de-açúcar do Nordeste. O trabalho nas minas
era intenso e degradante, por isso a necessidade vital do abastecimento de
escravos, à qual a Praça do Rio de Janeiro não atendia.
Além do fluxo comercial, era também intenso o fluxo de migrantes:

Os emigrados da própria colônia que se dirigiam para a comarca do Rio das


Velhas eram, predominantemente, oriundos de regiões localizadas ao norte,
principalmente da Bahia e de Pernambuco. [...] tanto o Rio São Francisco
(navegável em boa extensão), que cruza todo esse território, quanto o Cami-
nho dos Currais, que vinha da Bahia em direção à região mineradora central
das Minas, facilitavam bastante o movimento populacional e comercial (Pai-
va, 2001, p. 59).

Os caminhos que levavam aos sertões mineiros sempre foram preo-


cupação para as autoridades. Na análise de Renato Pinto Venâncio sobre
a documentação existente no Códice Costa Matoso, os caminhos para as
Minas eram “apresentados como um deliberado processo de ocupação
colonial ordenado pelas autoridades metropolitanas”. O autor ressalta o
interesse das autoridades na abertura de passagens que facilitassem o flu-
xo comercial entre o sertão e o litoral. A inauguração, em 1701/1702, do
chamado Caminho Novo representou “uma verdadeira revolução no tem-
po de viagem”, reduzindo para 25 dias o percurso pela mata. No entanto,
algumas intempéries levaram à pouca utilização do novo caminho, prin-
cipalmente o fato de que era “quase todo localizado em elevadas altitudes”
(1999, pp. 181-9).
No caso das Minas, era vital um caminho que garantisse a chegada e
saída de metais preciosos e demais produtos. A distância da região até o lito-
ral provocava incertezas quanto ao recebimento das mercadorias e à própria
segurança das encomendas, o que exigia a utilização de “comboios terrestres”
(Furtado, 2006, p. 97). A redução da viagem pelo Caminho Novo, concluí-
do em 1725, fez com que essa rota fosse mais utilizada.
112 Da justiça em nome d’El Rey

Antônio Carlos Jucá, porém, relativiza o protagonismo atribuído ao


Caminho Novo. Em sua pesquisa sobre a economia do Rio de Janeiro na pas-
sagem do século XVII para o XVIII, afirma que o comércio da cidade “não
dependeu do Caminho Novo para participar da economia mineradora”. Ao
contrário de Venâncio, ressalta a carência de lugares para abastecimento das
tropas, que levou os comerciantes cariocas a conseguirem licença, em 1710,
“para utilizar o Caminho Velho” (Sampaio, 2003, p. 83).
A despeito das rotas que partiam do Rio de Janeiro e de São Paulo, o
Caminho dos Currais teve uma importância capital para o comércio interno.
Era o meio mais antigo de se chegar às Minas. Acompanhando o leito do Rio
São Francisco em sua maior extensão, foi alvo de inúmeras restrições pelas
autoridades, em tentativas, fracassadas, de controlar o fluxo de homens e
mercadorias que desciam do norte. Antonil já explicitava a importância desse
trecho para a economia:

Este caminho da Bahia para as Minas é muito melhor que o do Rio de Janeiro
[o caminho novo] e o da vila de São Paulo [o caminho velho], porque, posto
que mais comprido, é menos dificultoso por ser mais aberto para as boiadas,
mais abundante para o sustento e mais acomodado para as cavalgaduras e
para as cargas (2007, p. 273).

As possibilidades de entrada na região das Minas pelo Caminho dos


Currais eram muitas. Algumas, clandestinas, facilitavam os descaminhos.
Antonil descreveu que, a partir de Tranqueira, o caminho se dividia:

Tomando-o à mão direita, vão aos currais do Filgueira longo à nascença


do Rio das Rãs. Daí passam ao curral do coronel Antônio Vieira Lima, e
deste curral vão ao arraial de Matias Cardoso. Mas se quiserem seguir o
caminho à mão esquerda, chegando à Tranqueira metem-se logo no cami-
nho novo [...] e vão adiante até a nascente do Rio Verde. Da dita nascença
vão ao Campo da Garça e daí, subindo pelo rio acima, vão ao arraial do
Borba, donde brevemente chegam às Minas Gerais do Rio das Velhas. Os
que seguiram o caminho da Tranqueira à mão direita, chegando ao arraial
de Matias Cardoso vão logo do Rio de São Francisco acima, até darem na
barra do Rio das Velhas, e daí, como está dito, logo chegam às minas do
mesmo rio (p. 272).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 113

A observação de Antonil acerca dos descaminhos do ouro em pó pelo


Rio das Velhas era preocupação constante das autoridades. Ao relatar os mo-
vimentos dos bandeirantes pioneiros no desbravamento das Minas, ainda no
século XVII, Bento Fernandes Furtado oferece “notícias do descobrimento
do Rio das Velhas”. Informa que, por conta dos conflitos entre reinóis e pau-
listas, estes adentraram a região do Rio das Velhas e

povoaram o sertão [...] ocupados em criar gados, mais por alta providência
divina que acerto do juízo dos homens, pois é hoje [1750] geral sustento e
mantença do grande povo destas Minas os gados que desde então criaram,
servindo de grande aumento de cabedais para eles e a Sua Majestade nos reais
contratos dos caminhos que abriu Francisco de Arruda Cabral, taubateano,
para entrarem os primeiros gados para estas Minas, ainda que no princípio
impedido para se não extraviar por ele o ouro em pó que na Vila de Taubaté
se fundia e pegava o quinto a Sua Majestade. A necessidade, porém, que havia
dos gados para o sustento das Minas reformou este projeto com outras dispo-
sições que evitassem o dano e franqueassem o proveito (Notícias dos primeiros
descobridores... apud Figueiredo e Campos, 1999, p. 187).

Desde cedo foi necessário ponderar a questão do abastecimento e a


preocupação com os descaminhos do ouro. Numa região tão estratégica em
ambos os assuntos, a busca por “outras disposições” que facilitassem a re-
pressão e, ao mesmo tempo, continuassem possibilitando a subsistência era
fundamental.
No Regimento de 1702, as primeiras medidas nesse sentido foram
tomadas. O monarca determinou “ao Superintendente, Guarda-Mor ou
Menor ou outro qualquer Oficial”, que tivesse notícia da chegada de “al-
gum gado às Minas”, que notificasse a entrada por intermédio da “pessoa
ou pessoas que o trouxerem”, no sentido de registrar a quantidade de ca-
beças de gado que entravam na região pelo Rio das Velhas, para evitar os
descaminhos do ouro em pó, principal moeda nesse comércio. Aqueles que
ocultassem o gado pagariam “o seu valor anoveado e serão presas e castigadas
com as penas impostas aos que descaminham minha Fazenda”. Ainda proi-
biu “que por aquelas partes se introduzam negros alguns [...] para que só pelo
Rio de Janeiro possam entrar os tais negros, na forma que tenho ordenado”.
O Regimento atentava também para alguns mineiros que “por seu negócio
114 Da justiça em nome d’El Rey

particular queiram ir buscar gado aos Currais do Distrito da Bahia”. A ordem


era que os oficiais o registrassem e cobrassem os quintos reais. “E achando-se
sem elas, será confiscado todo o ouro que levarem para minha Fazenda.”
O Rio de Janeiro tornava-se essencial na empreitada contra os desca-
minhos do ouro em pó:

Nenhuma pessoa do distrito da Bahia poderá levar às Minas pelo caminho


do sertão outras fazendas ou gênero que não sejam gados; e querendo trazer
outras fazendas, as naveguem pela barra do Rio de Janeiro e as poderão con-
duzir por Taubaté ou São Paulo, como fazem os mais, para que desta sorte se
evite o levarem ouro em pó, e eles ficam fazendo o seu negócio como fazem
os mais vassalos (Regimento original do Superintendente... apud Figueiredo e
Campos, 1999, p. 318-9).

O Rio de Janeiro passou a concentrar todo o fluxo de entrada e saída


dos produtos comercializados nas Minas. Mesmo os que vinham do Cami-
nho dos Currais tinham que desviar sua rota se pretendessem penetrar nas
Minas legalmente. Com a abertura do Caminho Novo, em 1725, o porto
do Rio de Janeiro se tornou a principal via de acesso ao mercado minerador.
Com a criação do sistema de frotas, era daquele porto que partiam as mais
abastadas, rumo ao Reino.
A capitania de Minas Gerais não sobrevivia somente da extração au-
rífera. Um dinâmico mercado interno formou-se desde os primeiros anos,
vinculado a uma economia agropastoril que abastecia as zonas de mineração
e tornava todo o aparato que envolvia a extração do ouro organicamente pos-
sível. Segundo Saint-Hilare, “a Comarca de Sabará ofereceria, geralmente,
pastagens semeadas de árvores pouco desenvolvidas, uma população ocupada
com o pastoreio, mas que não sabe ter com o gado cuidados tão racionaliza-
dos como os lavradores do Rio das Mortes” (1975, p. 51).
A criação de gado na comarca do Rio das Mortes abastecia as regiões
mineiras, além de São Paulo e Rio de Janeiro. Esse comércio era intenso en-
tre as capitanias e a produção adquiriu maiores dimensões, inclusive para a
exportação. A pecuária não sofria “influência sazonal”, pois seu transporte e
comércio eram registrados nos “postos fiscais durante todo o ano, mesmo nos
períodos de seca” (Chaves, 1999, p. 100).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 115

Assumindo proporções menores, a comarca do Rio das Velhas apre-


sentava uma intensa atividade econômica e era autossuficiente em relação ao
abastecimento interno. Além da criação de gado, praticavam-se as atividades
de pesca que, com as constantes crises de abastecimento, tornavam-se essen-
ciais para o comércio interno. Às margens desse rio surgiu uma intensa ativi-
dade coletora e comercial, que propiciou aos moradores certa independência
frente às crises de abastecimento frequentes na época.
Analisando os inventários post mortem da referida comarca, Flávio
Marcus da Silva oferece algumas informações. Para a primeira metade do sé-
culo XVIII, havia um “número considerável de produtores rurais vivendo ex-
clusivamente do comércio de gêneros de primeira necessidade” (2000). Pelo
menos 65% deles possuíam vínculos diretos com a produção agropecuária.
Flavio Marcus encontrou somente três inventariados que se dedicavam exclu-
sivamente à extração do ouro e seis que, apesar de possuírem lavras, tinham
também vínculos com a produção agropecuária.
A comarca do Rio das Velhas tinha um importante papel no mosaico
em que se configurava a capitania das Minas Gerais. Mesmo que estivesse no
circuito aurífero e que suas lavras não oferecessem tanta abundância como
se esperava, a atividade comercial que lá se desenvolveu chamava a atenção.
Além de intensificar o mercado abastecedor interno, era destino almejado pe-
los oficiais régios que pleiteavam uma nomeação para a América portuguesa.
Como não bastasse a importância de assumir um cargo na mais importante
capitania do Império português da época, os lucros com essa dinâmica co-
mercial eram atrativos certos...
Capítulo 5
Relações de poder em Sabará:
o ouvidor, o governador e suas redes
(1720-1725)

Novas diretrizes para a administração do ouro: a criação da capitania


de Minas Gerais

Com a criação da capitania de Minas Gerais, entre as estratégias em-


preendidas pela Coroa, adquiriu impulso na região uma administração de
caráter normatizador, sob o comando de D. Pedro Miguel de Almeida Portu-
gal, o conde de Assumar, governador das capitanias de São Paulo e Minas do
Ouro desde 1717. Foi um período conturbado, pois aos esforços da Coroa
em implementar medidas de caráter fiscal somavam-se, além de exigências de
importantes potentados locais, a necessidade de imposição, via oficiais régios,
das leis que conduziam as práticas políticas cotidianas em todo o Império.
Esse período foi importante na medida em que houve, a partir de então, um
maior esforço do poder do centro, visando controlar distúrbios causados pela
cobrança dos impostos reais, principalmente por parte de elites locais. Em-
blemático se tornou o levante de 1720.
Não analisaremos a fundo a chamada Revolta de Vila Rica de 1720,
haja vista a existência de um trabalho sobre o assunto muito bem desenvol-
vido por Carlos Kelmer Mathias (2005). Resta-nos registrar que, além das
relações de clientela que arregimentavam poderosos locais contra o estabele-
cimento das Casas de Fundição, naquele momento se inaugurou uma nova
época para a região aurífera. Assumar, ao justificar ao monarca, minuciosa-
118 Da justiça em nome d’El Rey

mente, as atitudes tomadas contra os revoltosos, deixou indícios de que as


vertentes político-administrativas deveriam ser revistas. Nesse sentido, em
1722, foi criada a Provedoria da Fazenda Real em Minas, responsável pela
administração das rendas régias; em 1724 e 1725, entraram em funciona-
mento a Casa de Fundição de Vila Rica e a Casa da Moeda. Todo um ar-
cabouço foi estruturado para administrar a extração e circulação do ouro na
capitania, bem como as remessas que competiam ao monarca.
Sobre a sociedade corporativa de Portugal em suas possessões no ul-
tramar, Hespanha aponta a especificidade da administração fazendária, afir-
mando que a fazenda era

um domínio que sempre escapou ao espartilho jurisdicionalista, de acordo


com a própria doutrina corporativa. A fazenda era a gestão da casa de el-rei,
fazia parte do seu domínio doméstico [...] foi sempre o alfobre das novidades
das monarquias corporativas e, também, o campo de eleição dos negregados
alvitristas, de arbítrio (vs. razão) sempre pronto a inventar novos meios de fa-
zer crescer a riqueza do rei [...]. Daí que, para quem se ocupe de temas muito
estreitamente relacionados com a fazenda – como a mineração e a cobrança
dos reais do quinto, ou de regiões mineiras em que estes eram os problemas
centrais – o século XVIII já apareça como um período de aperto do controle
(2007b, p. 57).

Em 18 de agosto de 1721 tomou posse no governo da capitania de


Minas Gerais D. Lourenço de Almeida. Em Vila Rica, na “Igreja Matriz de
Nossa Sr.ª do Pilar de Ouro Preto, em presença dos oficiais da Câmara da
mesma vila, deu posse deste governo das Minas o Governador atual delas o
Ex. Sr. Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida” (Posse do Governador D.
Lourenço de Almeida, APM, códice 23). Seria um dos mais longos gover-
nos da capitania, substituído apenas em 1732, por André de Melo e Castro,
o conde de Galvêas. D. Lourenço de Almeida formara-se em Cânones por
Coimbra e seguira carreira militar. Servira na Índia por seis anos e, de 1715
até 1718, fora governador de Pernambuco. Chegou à região das Minas como
o primeiro governador nomeado para a capitania de Minas Gerais, então
separada de São Paulo, e com a instrução do monarca de resolver um pro-
blema para a manutenção da ordem nas Minas: as averiguações relacionadas
à Revolta de Vila Rica. A recomendação era o tom de negociação. Em carta
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 119

de 28 de março de 1721, D. João V explicou-lhe que ordenara ao ouvidor


de São Paulo, Rafael Pires Pardinho, que “passasse àquela vila” para apurar o
que estava pendente,

por ser preciso que se castiguem os motins e excessos que cometeram os mora-
dores de Vila Rica o ano passado [...] obrigando ao seu Governador o Conde
de Assumar com armas, a lhes conceder perdão, e várias proposições que
lhe fizeram, sendo algumas delas contrárias às minhas reais ordens e outras
que só dependiam do meu soberano arbítrio, ou da disposição do mesmo
governador, e acrescentando a esses insultos outros que pedem uma grande
demonstração (Cartas régias..., APM, códice 23).

A instrução de D. João era que se tirasse uma devassa e fossem pre-


sos os principais culpados, cuidando para que o número de acusados não
ultrapassasse o de dez, remetendo-os para o Rio de Janeiro, onde “deporão
as testemunhas com mais liberdade” (Cartas régias..., APM, códice 23). A
preocupação do monarca era restituir a paz àquelas paragens tão distantes
e, ao mesmo tempo, tão valiosas para o Império. Essa questão fica clara nas
instruções que se seguiam na mesma carta. D. João V mandou, junto com o
governador nomeado, a confirmação do perdão que já havia sido dado pelo
conde de Assumar. Ele alerta a D. Lourenço

que pode acontecer que os Povos dessas Minas duvidem dar-vos posse desse
governo sem mostrardes confirmado por mim o perdão que lhe concedeu o
Conde Governador e juntamente as proposições que lhe fizeram; neste caso
será preciso que lhes mostreis a minha confirmação, que com essa lhes mando
entregar (idem).

O monarca reconhece a importância dos envolvidos no levante de


1720 para as relações sociais do cotidiano nas Minas. Representantes do po-
der local, esses homens possuíam cabedais materiais e simbólicos que lhes
possibilitavam barganhar com o poder do centro. Para que o governador
nomeado fosse aceito na região mineradora, seria necessária a negociação, e
D. João V sabia disso. Além do mais, a importância da confirmação do poder
real revelava os vínculos que os vassalos mantinham com o Reino e reforçava
o sentimento de pertença desses homens ao Império. Desse modo, foi reco-
120 Da justiça em nome d’El Rey

mendada a D. Lourenço toda a cautela possível no lidar com os mineiros que


haviam se rebelado. O monarca advertiu-lhe que aqueles homens poderiam
“não quererem dar posse” se o governador nomeado não mostrasse a sua carta
de perdão, “e se sem ela vos não quiserem dar posse, ainda que depois a mos-
treis, poderão entender que é suposta, e fingida”. Entendendo que a situação
era delicada, o monarca recomendou negociação, prudência e paciência:

Espero que ponhais nela [na matéria] tão cuidado e advertência e ponderação
que se possa conseguir tudo o que for possível ao sossego, daqueles Povos,
administração da justiça e obediência, e execução das minhas Resoluções e o
aumento da minha fazenda, e pelo tempo adiante podereis prudentemente
tirar das Minas as pessoas que vos parecem inquietas, tomando neste particu-
lar as medidas convenientes e observando as ocasiões mais oportunas (idem).

Em outra carta, D. João V reconheceu a importância da recompensa


pela lealdade dos vassalos. Ordenou que D. Lourenço, logo que tomasse pos-
se do governo de Minas, chamasse

à vossa presença com a assistência dos oficiais da Câmara, Ministros e Oficiais


de Justiça e as mais pessoas que vos parecer, lhes agradeçais da minha parte
o bem que obra[ram] naquelas perturbações declarando ficar na minha lem-
brança para lhes fazer mercê quando se oferecer ocasião [...] e pela Secretaria
de Estado remeteis a lista das pessoas que mereceram essa demonstração do
meu agradecimento (idem).

O universo político ao qual esses homens estavam ligados comporta-


va a negociação. A monarquia concedia espaços de poder aos seus agentes,
fossem eles oficiais régios, nomeados pelo centro, ou membros dos poderes
locais, os homens bons de cada região. Assim, o rei entendeu que o castigo
aplicado por Assumar não fazia parte das estratégias políticas que deve-
riam, antes de tudo, cooptar as diversas faces do poder. Essa dinâmica,
jurisdicional e polissinodal, representava o organismo da política do Antigo
Regime, e no caso português, frente a um império pluricontinental, essas
dimensões se apresentavam com formas bem alargadas. No caso citado,
a monarquia expressou conformidade com essas normas. A D. Lourenço
coube a normatização, com cautela e ponderação, na tentativa de incor-
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 121

porar em uma teia os vários fios dos poderes que representavam a Coroa.
Contudo, isso não seria fácil...

Práticas políticas de Antigo Regime: as diversas faces do poder

A importância do estudo das redes clientelares na interpretação do uni-


verso político do Antigo Regime português é incontestável. A diversidade das
relações sociais que pairava sobre o campo dos poderes, pela insuficiência
do direito oficial da época, conferia legitimidade a práticas políticas con-
sideradas, à primeira vista, informais. Como advertem Xavier e Hespanha
(1994), as relações do tipo clientelar sustentavam uma interdependência e
reciprocidade que garantiam as intenções sociais e políticas individuais. O
protagonismo político daqueles homens estava intimamente relacionado a
tais aspectos. Os oficiais régios que compunham a administração periférica
estavam atrelados, entre si, a compromissos e a uma teia de reciprocidades
que envolvia inclusive a Coroa e desenhava a dinâmica política da época.
O governo de D. Lourenço de Almeida nas Minas não foi diferente:
marcado por conflitos travados cotidianamente, seja por direitos que os po-
vos acreditavam ter, no universo normativo do Antigo Regime português, ou
por jurisdições, entre os homens da governança real. Embora o período em
que esteve no poder tinha sido extenso, contemplaremos os quatro primeiros
anos (1721-1725), quando travou verdadeiros combates por jurisdição com
o ouvidor da comarca do Rio das Velhas, José de Souza Valdez, nosso foco
de pesquisa.
José de Souza Valdez nasceu em Lisboa, em 1667. Estudou Cânones
em Coimbra, com Apreciação Suficiente. Leu no Desembargo do Paço em
1703, aos 26 anos, obtendo sua primeira nomeação em 1704, para o cargo
de juiz de fora da Vila de Almada. Em 1706 habilitou-se familiar do Santo
Ofício, seguindo uma tradição, pois seu pai, Antônio de Souza Valdez, e seu
avô, Luís de Souza Valdez, então já falecidos, haviam sido também familiares
(Figueiredo e Campos, 1999; Leitura de Bacharel de José de Souza Valdez,
1703, ANTT; e Processo de habilitação do Santo Ofício, José, ANTT). Seu pai
fora capitão e secretário da Junta de Comércio de Lisboa. José Valdez, por
seu turno, ocupara o cargo de corregedor da Vila de Tomar até 1716, quando
lhe foi dada “boa residência”. Foi nomeado para ouvidor da comarca do Rio
das Velhas, na capitania de Minas Gerais, por provisão de 18 de março de
122 Da justiça em nome d’El Rey

1720, sendo o terceiro ouvidor dessa comarca. Essa breve exposição de sua
trajetória política revela o quanto a seleção dos oficiais régios era minuciosa
e prezava pela tradição.1
Considerando todas as incertezas que envolviam um cargo na região
mineradora, D. João V enviou a D. Lourenço de Almeida, em 15 de março
de 1720, uma provisão que ordenava o aumento do ordenado do ouvidor do
Rio das Velhas, José de Souza Valdez. A justificativa era a carestia em que
se encontravam “as Terras das Minas” por estar “caríssimo todo gênero de
mantimento por falta de cultura”. A distância, a dificuldade de transporte,
“os inúmeros intermediários e a cobrança de vários impostos” faziam com
que “os preços das mercadorias atingissem nas Minas preços nunca vistos”.
A partir de então, o ordenado do ouvidor do Rio das Velhas seria pago “em
moeda e não em oitavas de ouro como até aqui se fazia” (APM, códice 17;
Furtado, 2006, p. 198).
Em setembro de 1721, D. Lourenço escreveu ao rei, relatando as in-
conveniências resultantes da tentativa de estabelecer o contrato de corte de
carnes em Vila Real. Acusou a Câmara e o ouvidor-geral daquela comarca,
José de Souza Valdez, de buscarem favorecimento, alegando que “estes con-
tratos das carnes no Brasil sejam sumamente odiosos e prejudiciais aos po-
vos porque sempre redundam em interesses particulares”. Relatou também
a dificuldade em controlar os moradores de Sabará, afirmando que “fizeram
aqueles moradores um princípio de motim pouco antes da minha chegada,
e para se aquietarem foi necessário desvanecer-se inteiramente o dito contra-
to”. Associou as desordens que ocorreram na região ao desejo dos oficiais de
beneficiarem “suas conveniências particulares”, posto que tais contratos “po-
dem ser causa de motins que sejam dificultosos de sossegar” (Sobre o Contrato
das Carnes... APM, códice 23).
Pela análise desse episódio fica clara a existência de uma frágil fronteira
que demarcava as relações de poder entre as autoridades nesse universo. Nas
Minas, os inconvenientes giravam em torno do governador, do ouvidor, José

1
Agradeço ao professor Nuno Camarinhas, principalmente pelas informações acerca do Me-
morial de Ministros, “uma obra do Mosteiro de Alcobaça, feita ao longo do século XVIII,
sobretudo pela mão de um Frei Luis de São Bento (mas continuada e acrescentada por outro
monge, Fr. António Soares), que elege como objeto os magistrados da Coroa, desde os primei-
ros tempos da monarquia”, objeto de suas pesquisas. O historiador prepara agora uma edição
comentada da obra.
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 123

de Sousa Valdez, e do Senado da Câmara de Sabará, ainda mais se tratando


de assunto tão delicado quanto o abastecimento da região. D. Lourenço citou
outro incidente parecido, ocorrido na Vila de São João Del-Rey, onde in-
tentaram estabelecer o contrato “das águas ardentes da terra”, gerando outra
ameaça de motim, suscitando também que a culpa pela desordem seria da
Câmara (idem).
Por termo firmado em junta na Vila do Ribeirão do Carmo, a 3 de
fevereiro de 1715, ficou resolvido que as câmaras teriam o direito sobre “as
cargas que entrassem para as Minas”. Por tal direito deveriam repassar à Co-
roa trinta arrobas de ouro, divididas da seguinte forma: “de cada carga de
fazenda seca, oitava e meia de ouro; de cada carga de molhados, meia oitava;
de cada cabeça de boi ou vaca, uma oitava”. Em 23 de julho de 1716, por
termo da junta em Vila Rica, o primeiro item foi alterado: aumentou-se o
valor de cada cabeça de gado e instituiu-se “de cada escravo ou escrava que
entrasse a primeira vez em Minas” o pagamento de duas oitavas. O conde de
Assumar “fez novo ajuste com os povos” na Vila de Ribeirão do Carmo, em
3 de março de 1718. Dessa vez “se obrigaram a pagar vinte e cinco arrobas de
ouro em satisfação dos quintos, ficando livres para Sua Majestade o direito
das cargas” (Coelho, 2007, pp. 314-5).
Contratos de entradas e passagens serviam para que autoridades locais
controlassem o fluxo comercial, tão intenso na região. A questão do forneci-
mento da capitania sempre gerou incertezas e preocupações por parte das au-
toridades. Ao mesmo tempo que a população carecia do controle dos preços
e da distribuição (e a ineficácia disso gerava o perigo constante de motins),
alguns poderosos envolviam-se com o monopólio desses produtos, objetivan-
do os lucros que daí advinham.
Segundo Júnia Furtado, a carência de produtos alimentícios “desorgani-
zava o mundo urbano e punha em risco a estabilidade social”. A possibilidade
de escassez das carnes, principal fonte de impostos, preocupava as autoridades.
A historiadora ressalta a importância das câmaras da capitania na gestão des-
ses assuntos. A tarefa de regulamentar e controlar os mercados locais estava
nas mãos desses organismos e, com o aumento de seu protagonismo político e
social, observou-se o crescimento de uma “infraestrutura burocrática”. Mesmo
com toda a influência que as câmaras exerciam sobre essa sociedade, “era sem-
pre difícil exercer um controle severo sobre o abastecimento urbano”. Como
agravante dos conflitos, temos que considerar a importância da região para o
124 Da justiça em nome d’El Rey

corte da carne bovina, visto que a dinâmica mercantil da comarca devia muito
às práticas agropastoris (2006, pp. 203 e 209).
Como afirma Adriana Romeiro, “o gado que se cortava nas minas era
proveniente, em sua maioria, dos currais” do Rio São Francisco, em função
das redes comerciais e mercantis que se estabeleceram ao longo dos caminhos
que interligavam a capitania à Bahia. A maioria dessas redes ia “dar no arraial
do Sabará, a porta de entrada para as minas”, e passava pelo vale do Rio das
Velhas, “onde havia fazendas destinadas à engorda dos animais” (2008, pp.
139-40). As associações entre os oficiais, e mesmo com alguns produtores lo-
cais, influenciaram diretamente na gestão dos favorecimentos no arremate de
tão precioso contrato, principalmente numa região que tinha como vocação,
além da extração aurífera, a lida com o gado.
D. Lourenço escreveu ao rei, informando-o sobre a arrematação das
passagens do Rio das Velhas feitas pelo ouvidor José de Souza Valdez, “o que
fez sem contradição alguma”. Isso corrobora a complexidade da questão do
abastecimento e do controle de seus rendimentos, relacionada à instabilidade
social e econômica. O medo de motins por causa de crises no abastecimento
era constante, o que levou as autoridades a se posicionarem quase sempre a
favor do bem-estar dos povos, controlando de perto a arrematação dos con-
tratos. Assim, “a fiscalização mais severa estava reservada ao comércio de car-
ne verde”. Por sua vez, “as avultadas quantias auferidas pelas câmaras e pela
Fazenda Real quando da arrematação dos contratos” chamava a atenção, le-
vando os próprios oficiais régios a se envolverem com os lucros. “O mercado
interno de gêneros alimentícios nas Minas Gerais do século XVIII funcionava
de acordo com as regras da oferta e da procura”, e tanto governadores, oficiais
das câmaras, ouvidores, “quanto tropeiros, marchantes de gado, comissários
de mantimentos, atravessadores e roceiros tinham consciência disso” (Sobre a
Passagem do Rio das Velhas..., APM, códice 23).
Em março de 1721, D. João V enviou a D. Lourenço uma carta relati-
va às denúncias de abusos por parte dos oficiais da justiça:

Os oficiais da Câmara da Vila do Carmo e outras pessoas zelosas do bem


público me representaram que os ministros e oficiais da justiça e fazenda que
me servem nas minas gerais levam tão exorbitantes salários pelas assinaturas,
escritas e diligências que se fazem intoleráveis aos povos; e porque convém
remediar este dano, vos ordeno que logo que tomares posse do governo man-
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 125

deis chamar perante vós dois ouvidores dos que tiverem acabado os seus luga-
res e com eles fareis uma pauta na qual se trazem os salários proporcionados
ao citado da terra e de sorte que nem os povos sintam o [...] que até agora
o experimentaram, nem os Ministros e oficiais fiquem sem os emolumentos
necessários para a sua sobrevivência e de tudo o que obrarem nesta mesma
me dareis conta com a mesma pauta para haver de a confirmar, ou reformar
como foi servido: porém o que ajustarem com os ditos Ouvidores fareis logo
executar provisoriamente para que se observe, enquanto eu não mandar o
contrário (Sobre o Novo Regimento dos Oficiais, APM, códice 23).

Os supostos abusos dos oficiais da justiça eram denunciados por


importantes representantes do poder local: os oficiais das câmaras. O
monarca, na dinâmica política do Antigo Regime, em que a justiça era o
equivalente máximo do bom governo, recomendava ao governador, que
então tomava posse, que ponderasse nesse caso. Ele deveria coibir tais
abusos em nome do bem público e, ao mesmo tempo, cuidar para que os
oficiais não ficassem sem condições de sobrevivência nas distantes Mi-
nas Gerais. É interessante atentar para a questão do bem público, inti-
mamente relacionada com a justiça do bom governo. A consciência de
que os rendimentos reais faziam parte do montante que representava um
bem inerente ao público tornava maior a responsabilidade ao lidar com
tais rendimentos nos distantes domínios coloniais. Para que não houvesse
leviandade, o rei recomendava ponderação e a aplicação da justiça, reco-
nhecendo as diversas faces do poder.
D. Lourenço respondeu ao rei no dia 12 de abril do ano seguinte, in-
formando que já havia preparado um novo regimento para os emolumentos
dos ouvidores. Teceu ainda, oportunamente, reclamações acerca do ouvidor
do Rio das Velhas. Informou que agira “na forma que Vossa Majestade foi
servido mandar-me” e que já havia mandado “observar em todas Comarcas
a mesma forma que Vossa Majestade [...] ordenou”. Mais à frente relatou:

Este regimento se tem observado com geral aceitação dos povos, e os mi-
nistros a todos o fazem observar inviolavelmente, exceto o Dr. José de Sousa
Valdez, Ouvidor Geral do Sabará, o qual fez caso do regimento e leva de salários
e consente que os seus oficiais levam cada qual o que quer (Sobre o Regimento dos
Salários..., APM, códice 23, grifo nosso).
126 Da justiça em nome d’El Rey

D. Lourenço fez, assim, uma clara acusação de descumprimento da


ordem real, informando ao rei que Valdez era o único oficial que não havia
acatado o Regimento. Acrescentou ainda que o ouvidor consentia que seus
subordinados “levassem mais do conteúdo em seu Regimento”.2 O governa-
dor afirmou que dava “esta conta a Vossa Majestade para que determine o
que for servido, da forma que seus vassalos do Sabará não padeçam mais esta
violência”. Segundo D. Lourenço, o ouvidor dizia não estar subordinado a
ele (e para essa afirmação citou o capítulo 7 de seu regimento): “e não só o diz
senão o mostra, não obedecendo as ordens que lhe mando”. Ainda escreveu
sobre outras violências cometidas pelo ouvidor contra os povos das Minas
Gerais, declarando que o fazia por se considerar “tão sumamente isento da
minha jurisdição”. Nesse sentido pediu ajuda:

E como Vossa Majestade não me dá jurisdição para evitar estas violências que
fazem estes Ministros e eles me não obedecem porque dizem que não [são]
súditos dos Governadores, dou esta conta a Vossa Majestade pedindo que me
queira fazer a mercê de me ordenar o como me hei de haver com eles nestas
matérias que são fora da jurisdição ordinária (Sobre o Regimento dos Salários...,
APM, códice 23).

Tal fato suscita a discussão acerca do caráter jurisdicional da cultura


política do Antigo Regime em Portugal. Essas características não estariam
somente presentes nos regimentos e estatutos da administração política, mas
sobretudo também nas práticas políticas cotidianas desses homens. Os espa-
ços de poder chocavam-se e, mesmo que isso dificultasse pretensões de supe-
rioridade, recorriam ao centro de onde emanavam seus poderes: o monarca.
Tanto na rejeição de autoridades similares como na busca por orientações, a
Coroa agia sempre como árbitro.
Em maio de 1722, D. João V recomendou ao governador que ouvis-
se “aos oficiais das câmaras desse governo sobre o que contém o dito regi-
mento” que remetesse a ele “as suas respostas para se tomar a resolução que

2
Consta nas Ordenações filipinas que a pena para os oficiais que levassem mais rendimentos
do que determinasse o regimento seria a de degredo, e o lugar a ser determinado para o cum-
primento da pena dependeria da quantia que fosse desviada “e em todos os casos sobreditos
perderão os ofícios, para nunca mais os haverem, e mais pagarão anoveado tudo que levarem
mais do ordenado” (Livro V, título LXXII).
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 127

for conveniente”. D. Lourenço havia cumprido sua ordem de convocar dois


ex-ouvidores para a elaboração do regimento, a saber: Bernardo Pereira de
Gusmão, ex-ouvidor da comarca do Rio das Velhas, e Manoel Luís Cordeiro,
ex-juiz de fora do Rio de Janeiro. Mesmo assim, o monarca esperou o aval
dos oficiais camarários, recomendando que “se pratique provisoriamente o
regimento [...] fazendo observar pontualmente” (idem). Quanto aos abusos
de José de Souza Valdez, não fez qualquer referência.
Com tais recomendações, D. João V reconhecia o poder que as câ-
maras de vereadores detinham no universo político local das Minas Gerais.
Tinha conhecimento da independência político-administrativa e da popu-
laridade que tal instituição adquirira com o passar do tempo. Esses homens
mantinham uma via de correspondência direta com o Reino, sem “se ater aos
Capitães Generais, Vice-Reis ou outras autoridades intermediárias”, e por
isso eram respeitados por esses oficiais régios (Silva, 2000, p. 27).
É interessante citar uma carta enviada ao monarca em outubro de 1722
pelo governador das Minas, relatando que José de Souza Valdez havia passa-
do “ao sítio do Papagaio a formar uma vila” por ordem do conde de Assumar.
No entanto, em sua opinião, aquele arraial não possuía estrutura para se tor-
nar uma vila, e ainda afirmou “que pela experiência que tenho dos povos des-
tas minas” não achava conveniente “ao real serviço de Vossa Majestade que
se crie de novo mais vilas”. A razão de suas afirmações residia no fato de que

todos esses povos enquanto são arraiais vivem sossegadamente, por não terem
ambição de entrarem nas governanças, porque em sendo vilas logo se formam
parcialidades sobre quem há de ser juiz e vereadores e o pior é que tomando
o pretexto do bem comum não querem consentir nada que seja em conveni-
ência do serviço de Vossa Majestade e aumento de sua Real fazenda” (Sobre a
Vila do Papagaio, APM, códice 23).

O papel político das instituições camarárias, além do administrativo,


estava bastante claro para esses representantes do poder real. As atribuições
que lhes eram conferidas, gerando a autonomia política, demarcavam os es-
paços de poder que não poderiam ser subtraídos. Restava impedir a ereção
de novas vilas.
Os excessos na cobrança dos emolumentos era questão de difícil reso-
lução. Em 23 de dezembro de 1723, D. João V ordenou, por decreto, que
128 Da justiça em nome d’El Rey

D. Lourenço, “pela parte que vos toca”, evitasse “que os escrivães das mesas
dos despachos e oficiais de justiça de Fazenda lev[em] as partes emolumentos
excessivos contra o Regimento”. Recomendou também que fossem “castiga-
dos esses oficiais, com o rigor da lei”, para que não continuassem “as queixas”
(idem). Contudo, não há referência a nenhum oficial que tenha sido castiga-
do pelo excesso na cobrança dos emolumentos, o que corrobora o caráter de
negociação que marcou o período joanino no lidar com seus oficiais.
As relações entre o ouvidor e a Câmara de Sabará, além de serem estatu-
tárias, posto que reconhecidas pelas Ordenações, também apresentavam nuan-
ces de parcialidade. O ouvidor, como consta nas próprias Leis do Reino, esta-
belecia fortes vínculos com o poder local, em função do poder de fiscalização
que lhe fora conferido, fazendo com que laços de clientela fossem atados entre
ambos. D. Lourenço de Almeida estava ciente disso. Em 5 de dezembro de
1721, escreveu a José de Souza Valdez, informando que se achava “sumamente
queixoso dessa Câmara por ser a única destas Minas que não quer pagar 150
oitavas de ouro que o seu procurador prometeu para pagamento dos Oficiais da
Casa da Moeda” (APM, códice 17). A instalação da Casa de Fundição e Moeda
ainda causava mal-estar. Segundo Teixeira Coelho,

Os procuradores das câmaras fizeram protestos da sua fidelidade, dizendo


que estavam prontos para a observância das leis como vassalos fiéis; porém,
que, como as ditas Casas tinham causado horror ao povo espalhado pelas
habitações dos matos e faltos do discernimento preciso para conhecer os inte-
resses que lhe podiam resultar do estabelecimento indicado, poderia alterar-
-se novamente e que, para se evitarem outras desordens semelhantes às que
tinham sucedido no governo passado, ofereciam a Sua Majestade mais doze
arrobas de ouro em cada um ano para satisfação dos quintos [...] e que por
esse meio ficava a Real Fazenda utilizada e os habitantes de Minas em sos-
sego (2007, p. 241).

Quanto ao assunto das Casas de Fundição e Moeda, o tom era sempre


de negociação, haja vista o conflito que se estabelecera anos antes em Vila
Rica. O que não se pode negar é a necessidade de participação do poder local
por meio das câmaras. D. Lourenço ameaçou prender os oficiais camarários
caso não remetessem logo o ouro devido e solicitou ao ouvidor que o livrasse
“de fazer este mal a estes homens”, que os chamassem “e os persuadam e os
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 129

obriguem a fazerem esta remessa porque assim fico eu descansado e eles tam-
bém”. O governador, portanto, tinha ciência das amarrações que prendiam o
ministro da Justiça aos camarários, exigindo sua persuasão para a remessa da
dívida. O governador enviara, um dia antes, uma carta com o mesmo conte-
údo “para os oficiais da Câmara de Vila Rica” (APM, códice 17).
As relações entre o governador e o ouvidor só pioravam. Em carta de
14 de abril de 1722, D. Lourenço de Almeida deu notícias ao monarca da
prestação de contas da Real Fazenda. Relatou que o “Superintendente Geral
Eugênio Freire de Andrada, em virtude das reais ordens de Vossa Majestade,
tem tomado algumas contas [...] e vai continuando em tomar as que faltam”.
Também elogiou os serviços do superintendente e do “Tesoureiro dos De-
funtos e Ausentes da comarca do Rio das Velhas, Manoel Gonçalves Loures,
ao qual alcançou em uma grande soma de ouro” contra os abusos dos prove-
dores. Ainda afirmou, sobre Loures:

E como sei que ele dá conta a Vossa Majestade com toda exação e com toda
aquela verdade com que costuma falar, porque verdadeiramente é um Minis-
tro de Vossa Majestade de grande suposição, a dita conta que ele der a Vossa
Majestade me remeto porque a conferiu comigo (Sobre a Conta de Manoel
Gonçalves Loures..., APM, códice 23).

O governador deixava assim transparecer as amarrações que prendiam


suas redes nas Minas. Enquanto tecia elogios aos dois oficiais, procurava
comprometer José de Sousa Valdez. Afirmou que

o dito Eugênio Freire de Andrada também dará conta a Vossa Majestade de


todas quantas dúvidas teve com o ouvidor do Sabará, José de Sousa Valdez
sobre esta mesma conta do Tesoureiro dos Defuntos e Ausentes da mesma
Comarca [...] porque eu, da parte de Vossa Majestade, lhe ordenei que de
todo o sucedido com o dito Ministro desse conta, dizendo a vossa Majestade
a grande repugnância que esse Ministro tinha em me obedecer as ordens
que eu lhe dava [...] e como este Ministro por carta que tenho suas me diz
que não estava a minha ordem para me obedecer, nem como Provedor dos
Defuntos e Ausentes nem como Ouvidor, porque estas duas jurisdições são
isentas das dos Governadores e assim não dava a execução as ordens que eu
lhe mandava (idem).
130 Da justiça em nome d’El Rey

Ao mesmo tempo em que se aliavam e se resguardavam no Reino, esses


homens faziam valer as mesmas alianças nas distantes possessões ultrama-
rinas. Buscavam associações locais que lhes garantissem domínio territorial
e/ou político, colaborando para tecer a imensa teia de reciprocidades que
costurava todo o Império. Com base no conceito de redes clientelares desen-
volvido por Xavier e Hespanha (1994), Maria de Fátima Gouvêa discute o
conceito de redes governativas:

Uma rede é compreendida enquanto um conjunto de conexões recorrentes,


capaz de alterar ou definir estratégias, bem como o curso dos acontecimentos
num dado lugar e época. [...] é possível propor uma noção de rede governati-
va entendida enquanto uma articulação estratégica de indivíduos, como um
núcleo de indivíduos articulados de modo mais estável, contando com pre-
sença de outros de forma mais inconstante. Essa articulação era resultado, em
grande parte, da combinação das trajetórias administrativas dos indivíduos
conectados por meio da rede e das jurisdições estabelecidas pelos regimentos
dos cargos que os mesmos iam progressivamente ocupando. Prescrições essas
que instituíam determinados padrões de recrutamento e de remuneração no
âmbito da administração no Império português (2010, pp. 14, 26-7).

Considerando as práticas de governação por todo o Império, a histo-


riadora enfatiza a ideia de que o ato de governar ia além das relações políticas
institucionais. Do mesmo modo, a ação das redes governativas incidia direta-
mente sobre a organização política, no exercício cotidiano do poder no Reino
e em seus domínios. Definia, assim, “os vínculos estratégicos entre oficiais
régios” (Gouvêa, 2010).
Esses mesmos vínculos D. Lourenço procurou manter. Justificou dessa
forma a convocação da Junta da Fazenda, “composta do Dr. Provedor da
Fazenda Real, o Dr. Procurador dela e Coroa e do mesmo Eugênio Freire”,3
para que pudesse obrigar José de Sousa Valdez a cumprir as ordens. Ainda

3
A Junta da Fazenda “era administrada, segundo os regimentos, pelo provedor de Vila Rica e
seu escrivão, sendo ouvido o procurador da mesma Fazenda, e concorrendo o governador com
a sua presença nos atos de rematações e em todos os mais do Juízo Voluntário” (Coelho, 2007,
p. 213). A despeito dos regimentos, a junta convocada por D. Lourenço contava também com
a participação do superintendente geral das Casas da Moeda e Quintos, Eugênio Freire de
Andrada.
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 131

assim, segundo o governador, o ouvidor se recusara a acatá-las, “chamando


a esta Junta da Fazenda Tribunal intruso”, em carta dirigida a ele. Reclamou
mais uma vez da falta de jurisdição sobre o ouvidor, pedindo ao monarca que
lhe instruísse “como me hei de haver com os ouvidores que não me obedece-
rem” (Sobre a Conta de Manoel Gonçalves Loures, APM, códice 23).
No dia seguinte escreveu outra carta ao Reino, explicando que “assim
como partiu a frota do Rio de Janeiro para essa Corte”, havia mandado as
câmaras cobrarem “os Reais Quintos de Vossa Majestade que se lhe deviam
de um ano”. Informou que iniciaria a cobrança dos quintos do ano corrente,
“para que, sem falta, vão os quintos destes dois anos a vossa Majestade por
esta frota que vier ao Rio de Janeiro, que importarão trinta arrobas de ouro
que se devia e quarenta arrobas desse ano em que já governo esta conquista”.
Fez novas queixas contra o ouvidor da comarca do Rio das Velhas, acusando-
-o de intentar “alguma revolução que parece desejava”, incitando “os povos”
a não pagarem os impostos devidos. Explicou, contudo, que os oficiais da
Câmara, como “bons vassalos de Vossa Majestade”, não haviam aderido às
incitações. Pleiteou ainda, novamente, “mais jurisdição nestas Minas”, ex-
plicando que, se a tivesse, “o mandaria prender para o remeter a essa Corte”
(APM, códice 23.).
A cobrança dos quintos tornava as relações do poder local bastante
instáveis. Desde a descoberta das minas, tal questão era notória, sendo o
auge dos conflitos até então a Revolta de Vila Rica e seus desdobramentos.
D. Lourenço de Almeida recebeu da Coroa ampla autonomia para instaurar
a cobrança como lhe conviesse, “podendo mesmo voltar ao método da finta,
com tanto que a soma apurada para a Fazenda Real fosse superior às antigas
trinta arrobas” (idem). Até o estabelecimento das Casas de Fundição e da
Casa da Moeda, em 1724, o governador aumentaria consideravelmente a ar-
recadação. Em carta de 28 de outubro de 1722, enviou ao Reino a “certidão
tirada dos livros da Fazenda” comprovando “o acréscimo que vossa Majes-
tade tem tido na sua Real Fazenda, depois que governo estas minas”. Tão
satisfatória era a arrecadação que, em 1725, já com o funcionamento das Ca-
sas de Fundição, D. João V agradeceu “ao Governador o bem que se houve
na cobrança dos quintos”, declarando “que se viu o que relatais e que se vos
aprova e louva a providência que tivestes na cobrança dos quintos” (idem).
As contendas entre o governador e o ouvidor pareciam atingir seu ápi-
ce. No mesmo dia dessa carta, D. Lourenço deu conta da criação dos ofícios
132 Da justiça em nome d’El Rey

de juízes dos órfãos para a Vila Real do Sabará e para a Vila Nova da Rainha,
“como Vossa Majestade manda pela sua lei que em todas as Vilas e seus ter-
mos que passarem de quatrocentos vizinhos”. Os cargos foram criados para,
respectivamente, Manoel de Mendonça e Lima e Manoel de Afonseca Pe-
reira. Amparado pelas leis régias, denunciou que Valdez, “sem fundamento
algum”, posicionara-se contra a nomeação relativa à comarca de Sabará. Acu-
sava o ouvidor “de ter passado algumas provisões de serventias de ofícios”, in-
terferindo em sua jurisdição, quando “Vossa Majestade, pelo seu regimento,
manda que os seus Governadores passem as provisões de serventia de todos os
ofícios que não tiverem proprietários”. E como os apelos pela jurisdição am-
pliada não estavam surtindo efeito, pediu ao monarca que “me queira fazer
a mercê de mandar que este Ministro se abstenha de se intrometer na minha
jurisdição” (Sobre a Criação dos Ofícios de Juízes dos Órfãos, APM, códice
23). A essa carta D. João respondeu em 1725, ordenando ao governador que
suspendesse tão logo a nomeação para o dito cargo da Vila Nova da Rainha
e que “sirva de Juiz dos Órfãos o Juiz Ordinário, enquanto eu não mandar
o contrário”. Sobre seus sucessos com o ouvidor de Sabará, o monarca mais
uma vez não fez referência... (Sobre se Não Dever Criar o Ofício de Juiz dos
Órfãos..., APM, códice 23).
Conflitos por jurisdição expressavam o pluralismo político do Antigo
Regime e não interferiam na centralidade régia. Esses homens recebiam da
Coroa, via regimentos, “delegação de autoridades e de poderes” que os tor-
nava representantes do poder real. Tal estratégia, ao contrário de aniquilar
o poder real, tornava-o possível nas distantes paragens coloniais da América:

Era a Coroa o elemento essencial de equilíbrio e funcionamento de todo o


complexo governativo imperial, reconhecendo e confirmando lugares dife-
renciados na hierarquia social da época. Era a Coroa quem tinha recursos e
meios para garantir o equilíbrio de um modo de governar. Aí residia a centra-
lidade da Coroa, encontrando na pessoa real o ponto essencial de ordenação
do conjunto social (Gouvêa, 1998, p. 29).

Ao escrever ao monarca a respeito desses conflitos, os oficiais régios


corroboravam a dinâmica de centralidade régia. A necessidade do reconheci-
mento da monarquia das atitudes em prol do bem-estar público e dos confli-
tos animava a lógica da remuneração dos serviços prestados, “o que referenda
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 133

ainda mais a centralidade da Coroa no cotidiano da sociedade colonial” (p.


30). Ao monarca interessava mais manter tais conflitos em aberto do que se
posicionar a favor de um oficial, o que implicava institucionalizar a negocia-
ção ao invés da punição.
Voltemos ao caso do tesoureiro dos defuntos e ausentes. Em 15 de
novembro de 1722, D. Lourenço de Almeida relatou um incidente ocorrido
na comarca do Rio das Velhas. O caso envolveu a prisão do “tesoureiro que
foi dos Defuntos e Ausentes”, Manoel Gonçalves Loures, que estava sendo
acusado por José de Souza Valdez de desvios na prestação à Coroa dos ren-
dimentos do juízo pelo qual era responsável. O governador informou que,
“por ordem de vossa Majestade”, Eugênio Freire de Andrade havia tomado
conta das prestações do ex-tesoureiro “e se achou alcançada em trinta e duas
mil oitavas de ouro”. Ao mesmo tempo, Valdez “lhe estava tomando a mes-
ma conta por ordem de Vossa Majestade, expedida pela Mesa de Consciên-
cia e Ordens, e lhe havia achado maior alcance”. A situação do governador
poderia se tornar delicada, pois em carta anterior ele declarara ao monarca
que tinha aprovado as contas que dera Loures à Real Fazenda. Nessa, po-
rém, foi mais prudente, informando que as contas haviam sido tomadas
por Eugênio Freire de Andrada, “por ordem de Vossa Majestade” (Sobre
os Sucessos de Vila Real do Sabará..., APM, códice 23). Eugênio Freire de
Andrade fora nomeado para o cargo de superintendente das Casas de Fun-
dição de Minas por carta régia de 11 de maio de 1719. Com jurisdição bem
alargada, o cargo possuía “sua alçada judicial para a solução de pendências
entre mineradores e a aplicação de penas aos contrabandistas e aos que de
alguma forma lesassem o fisco” (AHU/MG, cx. 2, doc. 18; Salgado, 1985,
p. 89). Colaborava, na verdade, para a confusão jurisdicional que pairava
sobre os ministros régios.
Ao constatar a diferença referida, o ouvidor mandou prender o anti-
go tesoureiro, iniciando uma batalha jurisdicional entre o governador e o
ouvidor. O caso vinha se arrastando, segundo a documentação, havia pelo
menos um ano. Ao saber que Valdez havia mandado prender o tesoureiro, D.
Lourenço iniciou uma longa empreitada no sentido de convencer o ouvidor
a remeter o preso a Vila Rica. Em carta de 23 de dezembro de 1721 ofereceu,
para o translado do acusado, “toda a segurança” e “também para a sua guarda
os soldados Dragões que V. M. me disser são necessários” (Para José de Souza
Valdez, APM, códice 17).
134 Da justiça em nome d’El Rey

A essa carta José de Souza Valdez respondeu em janeiro do ano


seguinte, afirmando que, na sua opinião, “corre muito perigo a remessa
do dito preso para a cadeia desta Vila [...] principalmente com caminhos
tão perigosos”. Inversamente, solicitou que o “Superintendente que me
poderá remeter todas as clarezas e papéis que forem precisos para a boa
arrecadação”. A disputa pela jurisdição sobre os crimes de Loures estava
bastante clara. Na verdade, esses homens se regozijavam com a possibi-
lidade de interferência na jurisdição alheia. Valdez possuía a guarda do
preso e, como tinha indícios de que D. Lourenço poderia estar envolvido
nos desvios, dificultou o acesso do governador e do superintendente, re-
clamando a jurisdição sobre o caso (Carta do Doutor José de Souza Valdez,
APM, códice 17).
A resposta desinibida do ouvidor despertou incômodo no governador
e no superintendente. D. Lourenço insistiu, no dia 7 do mesmo mês, no
fornecimento de “boa guarda de soldados” para a transferência e no envio do
“Sumário de testemunhas” que Valdez havia tirado “contra o tesoureiro Ma-
noel Gonçalves Loures”. Informou que tal documento era necessário “para
a conta que lhe tem tomado” Eugênio Freire de Andrade. Dias depois, este
expressou sua indignação com a rebeldia do ouvidor. Representou ao gover-
nador, ressaltando sua falta de obediência. Instigou o general, lembrando-o
de que tinha “os poderes incorporados na sua patente de que todos os oficiais
de Guerra, Justiça e Fazenda maiores e menores lhe obedeçam e cumpram
as suas ordens com o que representa nesse governo a Real Pessoa de S. Maj.”.
Informou ainda que não havia recorrido diretamente ao oficial da justiça de
Sabará para “não me embaraçar com ele em pontos de jurisdição” (Resposta
do Excelentíssimo Senhor General... APM, códices 17 e 21). A despeito do
que Freire de Andrade disse acerca do poder do governador sobre o ouvidor,
notamos a dificuldade que os oficiais régios encontravam no mundo colonial
para exercer poder de mando uns sobre os outros, principalmente porque seus
regimentos não estabeleciam esses limites.
A Representação do superintendente levou o governador a outra ten-
tativa, dessa vez mais incisiva, de transladar o preso de Sabará para Vila Rica
e receber o sumário de testemunhas. Informou que sabia “muito bem que
os Ministros, na ordem de administrar a justiça, são isentos de tudo porque
são obrigados a sentenciarem conforme entenderem”. Porém, segundo ele, a
isenção terminava
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 135

quando os Ministros obram de fato fazendo alguma violência aos povos por-
que neste caso com outros semelhantes estão subordinados aos governadores
para lhe não consentir que façam exceção em prejuízo dos Vassalos de S. Maj.
porque os Governadores destas conquistas pelas ordens deles não só são Rege-
dores da justiça senão também pelas mesmas Reais Ordens estar governando
por El Rey e representando a Sua Real Pessoa [...] e seguro a V. M. que nem
no meu Regimento nem na minha Patente achei ninguém excetuado da mi-
nha jurisdição (Para José de Souza Valdez... APM, códice 21).

D. Lourenço de Almeida citou seu Regimento na tentativa de demons-


trar que os governadores tinham o dever de zelar pelo bem-estar dos vassalos
do rei. Os espaços de jurisdição desses homens, grosso modo, eram delimi-
tados pelos seus regimentos, situação que dificulta um estudo mais geral.
Parece-nos que, desde a criação do cargo de ouvidor-geral, em 1548, e do
estabelecimento do Tribunal da Relação na Bahia, o governador teve uma
redução de suas atribuições. Segundo Russel-Wood, “o século XVIII assistiu
à emergência dos governadores das capitanias-gerais como forças dominantes
na frente administrativa e política brasileira”. Esses oficiais “faziam nome-
ações, emitiam títulos de sesmarias e exerciam a jurisdição administrativa
sobre os assuntos internos” (1998a, p. 178). Contudo, mesmo com informa-
ções sobre suas atribuições, é difícil esquadrinhar os limites de sua jurisdição.
Mesmo considerando essas prerrogativas político-administrativas, que
pouco valiam num império pluricontinental, os argumentos de D. Lourenço
de Almeida permeavam o discurso em torno do bem comum. O dever de
zelar pelo bem público constituía, ao longo do Antigo Regime, um atributo
político. Oficiais camarários e os agentes régios, como extensões legítimas
do poder real, bem como o próprio monarca, possuíam a obrigação natural
de assegurar o bem-estar social e político dos vassalos da República. Nos-
so governador também recorreu ao poder real para justificar suas atitudes e
penetrar na jurisdição do ouvidor. Sobre os conflitos por espaços de poder
travados entre Freire de Andrade e Valdez, recomendava a este que recorresse
à Coroa para resolver as “matérias de jurisdições a respeito de lhe mandar ou
não o sumário por ser de matérias crime e eu me não meto nelas” (Para José
de Souza Valdez... APM, códice 21). A centralidade da Coroa estava explícita.
A instabilidade política que pairava sobre a capitania era notória.
E isso, segundo o governador, poderia causar “algumas desordens que eu
136 Da justiça em nome d’El Rey

receava sucedera em Vila Real”. Ainda relacionava as ditas desordens e, por


conseguinte, a prisão com “as grandes parcialidades que havia [...] causadas
das imensas diferenças que havia entre o Ouvidor atual da dita Comarca [...]
e Bernardo Pereira de Gusmão, seu antecessor”. D. Lourenço explicou que
estava em Sabará naquele momento “por não faltar a obrigação que tenho de
visitar os povos deste governo” e também para controlar as desordens (Sobre
os Sucessos de Vila Real do Sabará... APM, códice 23).
Tais desordens foram além. O ex-ouvidor Bernardo Pereira Gusmão
tentou de toda forma afiançar o preso, o que não conseguiu. O governador
declarou que

por haver notícia que o queriam tirar dela, todas as noites se fazia uma ronda
à cadeia repartindo-se as noites, uma que rondava o Ouvidor José de Souza
Valdez, outra o Capitão-Mor Lucas Ribeiro de Andrade, e outra o Coronel
José Correa de Miranda, Juiz Ordinário da Vila (idem).

Assim, “como se viu a grande cautela com que estava guardado este
preso, por ser tão considerável o alcance que devia à Fazenda dos Defuntos e
Ausentes”, Francisco Bernardo Loures, irmão do preso, intentou libertá-lo.
O planejado deveria ocorrer na noite da ronda do ouvidor, que seria assassi-
nado por Francisco “com outros do seu séquito”. D. Lourenço afirmou que
este teria conseguido o seu intento

se eu que me achava naquela Vila não fosse avisado na mesma noite, dando-
-se-me o ponto e aviso com toda a individuação, por cuja causa logo fiz a
saber ao dito Ministro, mandando-lhe seis soldados que tinha de minha guar-
da e todos os meus oficiais que me acompanhavam, ordenando no mesmo
tempo ao Capitão-Mor da dita Vila, Lucas Ribeiro de Almeida, que puxasse
por soldados da ordenança e fosse com eles para a casa do dito Ouvidor Geral,
tomando com alguns as entradas e saídas da Vila para se prender todos cava-
leiros que entrassem e saíssem depois da meia-noite, porque a essa hora é que
se queria fazer o insulto (idem).

Como o governador obtivera tantas informações detalhadas, ele não


declarou. Ainda segundo a carta, Valdez “convocou muito mais gente daque-
la que era necessária” para a sua segurança (provavelmente não confiando na
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 137

que o governador mandara) “e governou-se antes pelo que lhe pareceu mais
acertado, do que pela ordem com que eu mandei fazer sentinela”. Relatou
que pela madrugada entraram em Vila Real “quatro cavaleiros unidos”, que
logo foram abordados pelo tenente dos Dragões, José de Morais Cabral, que
tentou prendê-los, mas sem sucesso. Os cavaleiros

trataram de se salvarem no mato fora da Vila, e com efeito indo fugindo e


receando serem embaraçados por uns oficiais de justiça que estavam junto
à ponte de um rio na saída da Vila, pela qual necessariamente haviam de
passar, atiraram dois tiros aos ditos oficiais, e com uma bala cortaram o
pulso a um meirinho e os mais companheiros com medo deixaram passar
livres os ditos cavaleiros, que sem embargo de serem logo seguidos pelo
Tenente José de Morais Cabral e soldados, não os puderam prender, favo-
recidos do grande escuro da noite e matos que há fora daquela Vila onde se
embrenharam (idem).

Não podemos saber se os cavaleiros foram favorecidos somente pelo


“escuro da noite” e pelos sertões de Sabará. O fato é que D. Lourenço es-
creveu ao Reino dizendo que, logo na manhã seguinte, mandara expulsar
de Vila Real do Sabará Bernardo de Gusmão, para evitar “mais alguma
revolução”. Declarou que, com sua diligência até Vila Real, havia sosse-
gado “sem estrondo toda a desordem que se podia seguir, fazendo com
que, depois desse sucesso, ninguém se atrevesse a insultar o respeito desse
Ministro de vossa Majestade”. Ainda recomendou ao monarca, “movido
do zelo” com que lhe servia, que era muito contra “o real serviço” que os
ouvidores que acabassem seus lugares permanecessem nas comarcas que
haviam servido. Segundo ele, “a experiência tem mostrado que, da sua
assistência nelas, resultam grandes desordens por causa das suas parcia-
lidades”. Citou o exemplo relatado e ainda o do ouvidor que fora de Vila
Rica, Manoel Mosqueira da Rosa. Sugeriu, por conta disso, que o Reino
proibisse a esses ministros a compra de terras e lavras e que, se compras-
sem, fossem confiscados “para a Real Fazenda de Vossa Majestade”. A ale-
gação era que com tais atitudes a Coroa evitaria que esses homens “se hão
de dilatar nessas Minas [...] grangeando parcialidade para a conservação
do respeito que sempre querem ter”.
Interessante observarmos que, segundo as Ordenações filipinas:
138 Da justiça em nome d’El Rey

Os Corregedores das Comarcas e Ouvidores [...] que forem postos em alguma


Comarca Cidade ou Vila, ou em algum outro lugar e os juízes temporais e
aqueles que pomos em algumas Cidades, ou Vilas, sem limitação de tempo
certo, durante o tempo de seus Ofícios, não poderão fazer casas de novo, nem
comprar, nem aforar, nem escaimbar, nem arrendar bens alguns de raiz, nem
rendas algumas [...] E qualquer, que o contrário fizer, haja por pena, que o
contrato seja nenhum; e tudo aquilo que por bem [...] receber, fizer ou hou-
ver, seja perdido e confiscado para nossa Coroa (Livro IV, título XIV, p. 796).

Oportuno é lembrarmos também que as Ordenações filipinas previam


como crime de lesa-majestade “de segunda cabeça” a insubordinação de um
oficial da justiça que “por alguma razão cessasse seu ofício, e El-Rey mandasse
lá outro Oficial novo com suas Cartas e poderes suficientes” e o primeiro “lhe
não quisesse obedecer” (livro quinto, título VI). A despeito das Ordenações,
tais conflitos eram comuns por todo o Império. As sugestões que D. Louren-
ço fazia à Corte já constituíam penalidades...
Segundo Hespanha, a “multiplicidade de jurisdições” era a “origem de
conflitos de competência”. Isso se somava ao fato de que a Coroa não tinha
como estratégia o caráter punitivo, concedendo espaços para as diversas inter-
pretações do cotidiano. O aparelho de justiça também corroborava tal dinâ-
mica, configurado que estava pelo “comunitarismo” do juízo local ou ainda
pelo “corporativismo” dos “juristas letrados”. Desse modo, a efetiva aplicação
da lei carecia “de eficiência” e muitas vezes era suplantada pela concessão da
graça real (1993a, pp. 239-56).
Ocorrências como essas remetem para a importância das redes locais,
que conservavam o status e o clientelismo entre esses homens. Serviam tam-
bém para manter os privilégios financeiros que eles haviam acumulado du-
rante os anos que estiveram à frente de um cargo tão importante e com am-
plos poderes, como era o de ouvidor na dinâmica imperial portuguesa.
Bernardo Pereira Gusmão foi nomeado para o “ofício de Provedor das
Fazendas de Defuntos e Ausentes Capelas e Resíduos” da comarca do Rio
das Velhas por provisão de 25 de fevereiro de 1717. O monarca determinou
que o bacharel houvesse “de servir no lugar de ouvidor do mesmo destino”.
Pereira Gusmão deixaria o cargo em 1720 e, até o incidente citado, habita-
va a comarca na qual havia servido. Após todas essas informações com tom
de denúncia, dadas por D. Lourenço de Almeida, e com a sua expulsão da
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 139

comarca, foi nomeado “corregedor de Crime do Bairro de São Paulo por


tempo de três anos”. Na provisão real, datada de 10 de dezembro de 1726, o
monarca afirmou

que havendo respeito ao bem que me tem servido o Bacharel Bernardo Pereira
Gusmão nos Lugares de Letras que ocupou sendo o último o de ouvidor do
Rio das Velhas de que deu boa residência e esperas de lhe que assim o fará daqui
em diante em tudo o de que o encarregar (Registro Geral das Mercês de D. João
V, ANTT, lv. 45, fl. 272; lv. 69, fl. 220, grifo nosso).

Os conflitos que ocorriam por todo o Império não afetavam a centra-


lidade régia e representavam o caráter polissinodal e jurisdicional da política
do Antigo Regime em Portugal. A concessão dos cargos era parte da dinâmica
de interdependência que marcava as relações entre o monarca e seus súdi-
tos na manutenção da governabilidade. Todo esse aparato integrava “uma
cadeia de poder e de redes de hierarquias que se estendiam desde o Reino”,
propiciando “vínculos estratégicos” com os vassalos nas extensões coloniais.
Mercês e privilégios retratavam a forma com que a monarquia “reforçava os
vínculos de sujeição e o sentimento de pertença dos mesmos vassalos à estru-
tura política do Império” (Fragoso et al., 2000, pp. 67-88).
Em 17 de janeiro de 1747, D. João V concedeu aposentadoria a Ber-
nardo Pereira Gusmão, pelos serviços que “me fez nos seus lugares de Letras
a sim na América e [...] nesta Corte [...] dando de todos boas residências”.
Apesar das denúncias de irregularidades na residência tirada dele por Valdez
anos antes, as “boas residências” lhe renderam aposentadoria “em um lugar
de desembargador da Relação do Porto”, para onde fora nomeado, posto al-
mejado por muitos que seguiam a carreira de Letras (Registro Geral das Mercês
de D. João V, ANTT, lvs. 113 e 116, fls. 381 e 157).
Voltemos a Sabará. Em 1723, o Conselho Ultramarino enviou um
parecer, “pedindo ao ouvidor do Rio das Velhas que informe por que razão
não procedeu contra os suplicados, dando por livres e isentos, sem para isso
ter jurisdição”. Os relatos eram sobre um conflito ocorrido em uma região
da comarca sob seu termo, Macaúbas (AHU/MG, cx. 4, doc. 79). Em 12
de julho de 1724, José de Souza Valdez enviou uma carta ao Reino, em que
parecia responder à consulta do Conselho Ultramarino. A carta também dava
conta de algumas providências que deixara de tomar. O assunto girava em
140 Da justiça em nome d’El Rey

torno de um levante que havia ocorrido em Macaúbas no final de 1722, “por


causa de um [...] potencioso que o governador D. Lourenço de Almeida deu
em uma petição do Coronel José Corrêa de Miranda sobre uma sesmaria que
diz que tem”. Acusou o governador de provocar inquietação na região e de
querer expulsar algumas pessoas de suas terras, por ter passado a posse delas
para o coronel José Correa de Miranda, juiz ordinário da Câmara de Sabará.
Devido a isso, andavam “os ditos povos levantados com receios de serem
presos”, pois assim teriam sido ameaçados (Carta de José de Sousa Valdez...
AHU, cx. 5, doc. 28).
Diante desse quadro, o ouvidor relatou que o perigo crescera “por an-
darem bastantes dias levantados” e que precisou fazer “alguma diligência para
o sossego deles”. No decorrer de seus escritos procurou todo o tempo culpar
o governador, alegando que algumas pessoas tinham medo de ameaças feitas
por ele e pelo coronel. Escreveu que o “povo” de Macaúbas nomeara “dois
procuradores” que vieram a ele pedir providências perante o distúrbio que
fora causado

pelo decreto do dito governador em querer tirar[-los] potenciosamente das


suas posses e o dito coronel ameaçados que ia a buscar Dragões as Minas
Gerais para os prender ao que prudentemente os sosseguei e me requereram
que lhes [dessem] o perdão em nome de V. Maj., o que fiz pela urgente neces-
sidade em que me via e achando neles o justo motivo de suas queixas (idem).

Informou que não pudera dar conta na frota de 1722 porque as pes-
soas que lhes passariam as certidões não o haviam feito “com receio do dito
governador”. No intuito de se livrar da acusação de concessão de poder sem
autorização real, o ouvidor atribuiu ao governador a culpa por ele ter tido que
agir com tamanha prudência (e urgência). Agira em auxílio dos povos: dando
o perdão real para que não se amotinassem, já que “passavam de quatrocentos
homens de cavalo” e para que “não descessem a esta vila, pois já se dizia que
o determinavam” a fazer (idem).
A consulta do Conselho Ultramarino pedia explicações quanto ao per-
dão que Valdez havia concedido sem ter jurisdição para tal. De acordo com
o caráter do poder da época e com bases na teoria corporativa de poder, a
função mais nobre do rei era “fazer justiça”. Segundo José Subtil, a justiça
era potencializada por meio da “graça”. Tal concessão não era competência
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 141

da esfera jurídica, “nem comutativa nem distributiva”, pois cabia ao arbítrio


real. O monarca outorgava-a sob o juízo de sua própria consciência, depen-
dendo fundamentalmente da “liberalidade régia” (1993, p. 160). Outra ideia
importante é a de que ao rigor das leis opunha-se a clemência real, a qual

estava relacionada com um dos tópicos mais comuns da legitimação do poder


real – aquele que representava o príncipe como pastor e pai dos súditos, que
mais se devia amar do que temer. Estabelecia-se como regra de ouro que, ain-
da mais frequentemente do que punir, devia o rei ignorar e perdoar [...] não
seguindo pontualmente o rigor do direito (Hespanha, 1993a, p. 247).

Mesmo com todo o aparato simbólico que os homens do Desembargo


do Paço tinham na administração da matéria de justiça, a concessão da graça
era um atributo real. O Conselho Ultramarino havia se manifestado em fun-
ção de o ouvidor não possuir jurisdição para conceder o perdão, um campo
restrito à consciência real. Ainda vale a pena lembrar que, segundo as Orde-
nações, questões relacionadas à graça e mercê “sejam seladas com cada um de
nossos selos e passem por nossa Chancelaria” (p. 404).
A região de Macaúbas estava distante de Sabará “cinco léguas”, locali-
zada “na margem esquerda do Rio das Velhas”. Infelizmente não encontra-
mos a carta de sesmaria à qual o ouvidor se referiu. No entanto, na Revista
do Arquivo Público Mineiro encontramos uma referente ao ano de 1725 a
respeito da mesma região. D. Lourenço de Almeida concedeu carta de ses-
maria à ermida e recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, no nome de
Catarina de Jesus. Na carta forneceu indícios de o quanto aquelas terras eram
produtivas. Apesar de estarem “distantes das terras minerais”, as requerentes
“recolhidas” solicitavam toda a “distância precisa e necessária para criação
do gado” que, segundo o governador, era para próprio sustento. A sesmaria
era lavrada “sem prejuízo de terceiro, nem do direito que algumas pessoas
possam ter as referidas terras ou pelas haverem ocupado ou por delas terem
sesmarias ou outro título” (“Cartas de Sesmarias”, RAPM, 1899, p. 176).
A ameaça dos conflitos ocorridos anos antes ainda pairava sobre a região.
“Fazendo correição em dezembro” de 1723, José de Souza Valdez infor-
mou ao Reino outras irregularidades do governo de D. Lourenço. Disse que o
capitão-mor José Botelho Fogaça ocupava também o cargo de juiz dos órfãos
e neste estava “servindo muitos meses sem provimento [...] e nem deu fiança
142 Da justiça em nome d’El Rey

na Câmara na forma da Lei”. O ouvidor relatou que “na obrigação de Juiz de


Órfãos, o fez muito mal sem pôr em arrecadação os bens e ouro deles” e ainda
o denunciou por outros delitos. Sua correição havia resultado numa devassa
que tirara a respeito dos crimes de Fogaça, confessando que “é tal a desgraça
dessas alturas que tendo o dito Juiz de Órfãos na dita devassa culpas para o
pronunciar, o não fiz e somente o suspendi” (AHU/MG, cx. 5, doc. 29).
Valdez justificou sua complacência com o acusado com base nas relações
próximas que este nutria com o governador, que o tratava “com grande apresso
de amizade”. Ainda desenhou um emaranhado que amarrava os dois oficiais:
Fogaça possuía relações comerciais com um cunhado de D. Lourenço; este,
por sua vez, era padrinho de um irmão do primeiro, Lourenzo Botelho Fogaça,
que “serviu já de escrivão da Ouvidoria seis meses e estar com esperanças de o
tornar a servir”. Citou também o caso do ex-tesoureiro dos defuntos e ausentes,
Gonçalves Loures, que teria fugido quando D. Lourenço resolvera transferi-lo
para o Rio de Janeiro. Insinuou que precisava ter prudência ao agir, explicando
que “o temor do dito governador me fez faltar ao que devia e se outros menos
poderosos me quiseram maquinar dissabores e tirar-me a vida melhor seria
agora” confiar no poder que o governador demonstrava (idem).
José de Souza Valdez fez mais uma denúncia. Comunicou ao Reino
que D. Lourenço de Almeida criara “aqui de novo o ofício de Juiz Executor
da Fazenda Real e fez ao dito Capitão-Mor Juiz Executor”. O ouvidor disse
“de novo” porque o monarca já havia tomado conhecimento do assunto. Em
carta de 7 de maio de 1723, D. João V escrevera a D. Lourenço de Almeida:

Faço a saber vós, D. Lourenço de Almeida, Governador e Capitão General


das Minas que João Rodrigues Morteira, que vós o provereis no ofício de So-
licitador da Fazenda Real na atenção de julgardes ser necessário o dito ofício
para melhor arrecadação das dívidas da minha Real Fazenda e que pelo traba-
lho que havia de ter nesta incumbência lhe arbitrastes cem oitavas de ouro por
ano, pedindo-me não só lhe confirmasse a provisão que lhe passastes, mas que
se lhe desse ao menos duzentos mil reis de ordenado (Sobre Extinguir o Ofício
de Solicitador da Fazenda Real, APM, códice 23).

O capitão João Rodrigues Morteira viera pedir ao rei a confirmação


de sua nomeação, feita pelo governador das Minas, no cargo de solicitador
da Fazenda Real, pelo qual já havia o governador dado pagamento. O rei
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 143

acrescentou que soubera que D. Lourenço havia criado mais um cargo, o de


executor da Fazenda Real “e outros oficiais mais” e exigiu a extinção desses
cargos imediatamente, já que “não cabia no vosso poder criardes semelhantes
ofícios de novo sem primeiro me dares conta da necessidade que havia para
os ditos provimentos” (idem).
Provavelmente em função do constrangimento causado pela carta do
rei, o governador a responderia apenas mais de um ano depois, em 6 de ju-
nho de 1724, explicando que encontrara a Real Fazenda “mal administrada
e muitas quantidades de dívidas perdidas”, o que o levara a criar os cargos
de solicitador e executor da Fazenda Real e “não outros como informaram a
Vossa Majestade”, e não por seu arbítrio, mas por solicitação do provedor da
Fazenda, por causa dos desvios praticados pelos ouvidores, que

faziam muito mal a sua obrigação pelo que toca a Real Fazenda de Vossa
Majestade tanto assim que deixava de cobrar os devedores e só cuidavam em
tomarem aposentadorias para si o que lhes fiz restituir [...] e também cuida-
vam em tirarem ajudas de custo por qualquer jornada que faziam a virem às
Juntas, e tudo sem terem ordem de Vossa Majestade (Sobre a Nova Criação de
Alguns Oficiais da Fazenda).

Quanto ao cargo de executor da Fazenda Real, para o qual tinha no-


meado para a comarca de Sabará José Botelho Fogaça, o governador relatou
que este “é homem muito honrado e zeloso do serviço de Vossa Majestade” e
que fez “muitas cobranças de dívidas que os ouvidores que eram provedores
deixaram perder” (idem). Subentende-se uma acusação contra o ouvidor José
de Souza Valdez, já que Sabará era sede administrativa da comarca do Rio das
Velhas e o ouvidor também assumira o cargo de provedor.
Voltemos agora à correição. O ouvidor informou ao rei que o governa-
dor insistia nas atitudes já repreendidas pelo monarca. José Botelho Fogaça
assumira três cargos ao mesmo tempo, para dois dos quais não possuía as
provisões: o de juiz de órfãos, o de capitão-mor e o de executor da Fazenda
Real de Sabará, este criado por D. Lourenço. Sobre os dois últimos, Valdez
alertou ao Reino que era “contra o Regimento dos Capitães-Mores em que
V. Maj. ordena que não sirva nenhum ofício de justiça nem da sua Real Fa-
zenda” (AHU/MG, cx. 5, doc. 29). As denúncias do ouvidor não atingiram
o objetivo desejado, ao menos pelas vias legais, pois em 14 de fevereiro de
144 Da justiça em nome d’El Rey

1730, D. João V expediria em seu nome uma nomeação de capitão-mor a


Fogaça, devido

ao dito José Botelho Fogaça haver servido na arrecadação da Fazenda Real no


tempo que serviu o lugar de Provedor dos Registros dos Caminhos da Bahia
e Pernambuco de que deu boa conta procedendo em todas as mais ocasiões
que ofereceram nas ditas Minas com grande fidelidade e zelo (Registro Geral
das Mercês de D. João V, ANTT, liv. 21, fl. 212).

Fogaça havia servido também nos Registros dos Caminhos do Sertão,


dando “boa conta” de seus ofícios, provavelmente após o primeiro período
como capitão-mor, na mesma época das denúncias de Valdez. Essa segunda
nomeação substituía o falecido capitão Lucas Ribeiro de Almeida, na qual
“não haverá soldo algum da Fazenda mas que consta de todas as honras,
privilégios [e] liberdades [...] os que em 2 vezes dele lhe pertencerem” (Re-
gistro geral das mercês de D. João V, ANTT, liv. 21, fl. 212). Em 1735, já em
Lisboa, José Botelho Fogaça seria denunciado ao Santo Ofício por “exercer
o ofício de curar” (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo
15.631, ANTT).
Mesmo que o domínio da Fazenda escapasse das mãos dos oficiais ré-
gios, sendo “a Fazenda gestão da casa de el-rei, fazia parte do seu domínio
doméstico”, a Coroa não podia abrir mão desses homens na administração
do Império. Até em uma área restrita como a Real Fazenda havia espaço para
práticas políticas, na dinâmica corporativa em que se desenhava a monarquia
portuguesa – apesar dos desvios e descaminhos, quase sempre ocorridos com
a consciência e/ou participação desses mesmos oficiais régios. Tal sociedade
se pautava, ao mesmo tempo, em distinções sociais e hierarquias representa-
das na importância desses cargos. Mesmo que oficialmente não trouxessem
rendimentos financeiros, essas posições conferiam status e privilégios nas so-
ciedades do Antigo Regime e, conforme a mercê citada, “liberdades” para
quem as possuía.
Em dezembro de 1724, o escrivão da ouvidoria-geral de correição da
Vila Real do Sabará, Antônio Pereira Lopes, registou em certidão algumas
denúncias contra o ouvidor do Rio das Velhas. Tais denúncias corroboravam
as que D. Lourenço fizera. Acusou-o de favorecer, desde que assumira o car-
go, vários pretendentes aos contratos dos dízimos reais da comarca. Relatou
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 145

que existiam várias irregularidades na arrematação e na cobrança dessas dí-


vidas, excedendo Valdez a esfera de jurisdição do provedor da Fazenda Real,
António Berquó del Ryo. Alguns dos beneficiados, como os capitães Sebas-
tião Barbosa Prado e Ivan Ferreira dos Santos, teriam pagado os favores com
“bens móveis e de raiz” (AHU/MG, cx. 5, doc. 116).
Talvez como estratégia, no dia 6 de abril de 1725, José de Souza Valdez
deu mais conta ao Reino sobre os desassossegos em sua comarca. Informou
que, “por ordem de V. Maj.”, havia tirado “devassa da fugida de Manuel
Gonçalves Loures”, e que o capitão-mor que acompanhara Loures até o Rio
de Janeiro, José de Souza Guimarães, estava devendo altas somas à Fazenda
Real e que já havia enviado “ao Ouvidor do Rio de Janeiro um precatório
para prender o capitão”. O ouvidor acatara o precatório e prendera o oficial,
porém logo depois o soltara “com fianças”. Na documentação não fica claro
o que foi feito dessa acusação, parece que houve uma discordância sobre a
jurisdição entre o ouvidor do Rio de Janeiro e José de Souza Valdez, da qual
Souza Guimarães havia se beneficiado. O fato é que o capitão-mor parecia
envolvido na fuga de Loures, pois acompanhara o preso até o Rio de Janeiro
(AHU/MG, cx. 6, doc. 24).
Em carta posterior, o ouvidor do Rio das Velhas relatou um conflito
com o provedor da Fazenda Real, António Berquó del Ryo, envolvendo a co-
brança de um precatório: ambos reclamavam para si a jurisdição da cobrança
da dívida. Não fica claro se a dívida é a mesma da carta anterior. O principal
conteúdo desta é a reclamação quanto à jurisdição para a cobrança: acusava
o provedor de “querer arrecadar pela Fazenda Real o que não é dela, até os
sequestros dos criminosos [...] que são devassa que dei conta a V. Maj. na
frota passada [...] sumida por indústria de meu antecessor [Bernardo Pereira
de Gusmão] para eu a não ver” (AHU/MG. cx. 6, doc. 26).
Para justificar suas alegações, Valdez citou o Tomo 12 do Livro I das
Ordenações filipinas. Alegou que “V. Maj. mandou passar por leis que [os
provedores] se não pudessem cobrar dívidas particulares” e que tal ordem “o
trás citada o tomo 12”. O Tomo 12, citado pelo ouvidor, faz parte do Título
X do Livro I, “Dos Juízes dos Feitos do Rei da Fazenda”, que prevê que os
juízes da fazenda

conhecerão de todos os feitos de injúrias feitas ou ditas aos Rendeiros de


nossas rendas ou Oficiais delas, sobre a arrecadação de nossas rendas ou sobre
146 Da justiça em nome d’El Rey

seus Ofícios [...] Porém tratando-se os feitos sobre os ditos casos ante os Jul-
gadores ordinários, as apelações que deles saírem irão aos Ouvidores dos feitos
crimes e não aos Juízes de nossos feitos (p. 35).

José de Souza Valdez ainda pediu ao monarca para “dar a providência


que achar servido e declarar ao Governador e Provedor que não te[nham]
jurisdição sobre os ouvidores” (AHU/MG, cx. 6, doc. 26). Esses oficiais co-
nheciam as Leis do Reino e as citavam sempre que pretendiam defender seus
espaços de jurisdição.
Em 18 de abril de 1725, o Conselho Ultramarino respondeu às dúvidas
do ouvidor relativas às cobranças do precatório, porém não foi muito esclare-
cedor. Pediu informações sobre as dívidas e esclarecimento ao “Concelho da
Vila” sobre o que deveria ser cobrado como dívidas particulares e dívidas reais
(AHU/MG, cx. 6, doc. 30). Mais uma vez notamos o protagonismo das ins-
tituições camarárias e a importância de seu aval para a resolução de conflitos.
Em 1725 foi nomeado o substituto de José de Souza Valdez para a ou-
vidoria da comarca do Rio das Velhas, Matias Pereira de Sousa. Nesse mesmo
ano, D. Lourenço de Almeida escreveu ao Reino dando conta de “como os
povos de todas estas Minas se acham naquele grande sossego e suma obediên-
cia em que sempre os tiveram”, ao contrário do que se comentava no Reino.
Afirmava que “todas as notícias que se derem em Lisboa contra estas que eu
dou são fabricadas na mesma Corte”. O governador se defendia de notícias
de que seu governo estaria enfrentando “levantamentos nas Minas” (AHU/
MG, cx. 6, doc. 46).
José de Souza Valdez ficou pouco tempo nas Minas após seu período
como ouvidor. A despeito das denúncias, seus serviços nas distantes paragens
foram considerados relevantes pelo Reino, pois em 1726 recebeu padrão de
48$000 de tença como mercê de D. João V (Registro Geral das Mercês de D.
João V, ANTT, liv. 71, fl. 114).4 Em 21 de janeiro de 1727, Valdez requereu
“a propriedade do ofício de Medidor das Jugadas do Ramo de Toes e Alviela
que vagou por falecimento de Antônio de Souza”. O monarca resolveu a seu
favor, concedendo-lhe a propriedade do ofício, “do que foi o último proprie-
tário o dito seu pai”. Fez isso para manter a propriedade do ofício na família,
pois não parecia ter interesse em exercê-lo, já que meses depois a concedia à

4
Agradeço a Nuno Camarinhas pela indicação dessa referência.
A dinâmica imperial e a comarca do Rio das Velhas no governo de D. João V 147

sua irmã, Dona Francisca de Souza, “para o ter a pessoa que com ela se ca-
sasse” (Registro Geral das Mercês de D. João V, ANTT, liv. 18, fl.122-122v).
D. Lourenço de Almeida tentava atenuar as denúncias contra sua
administração. Porém, antes de findar seu governo nas Minas, viu-se envol-
vido em outro conflito com o então ouvidor do Sabará, Diogo Cotrim de
Souza. Adriana Romeiro analisou o fato ocorrido em março de 1731. O ou-
vidor descobrira e invadira a fortaleza da Serra de Paraopeba, “onde Inácio
de Souza Ferreira havia erigido uma fábrica de barras e moedas falsas, com
o objetivo de fraudar a Fazenda Real, cunhando ouro sem o pagamento
do quinto”. As denúncias apontavam para a complacência do governador,
já que o denunciante, Francisco Borges de Carvalho, relatou que não in-
formara nada antes por temer pela sua vida, pois tinha conhecimento da
“boa vontade” de D. Lourenço de Almeida com o denunciado. Ao saber da
investida, que o ouvidor preparava em segredo, D. Lourenço tratou imedia-
tamente de escrever ao monarca, relatando as suspeitas e informando-lhe
que estava a par de tudo que ocorrera, elogiando inclusive a atuação do
ouvidor (1999, pp. 321-37).
D. Lourenço de Almeida possuía uma boa retórica e isso era um trunfo
na idealização de seu governo nas Minas. Suas correspondências para o Reino
criavam a imagem de uma terra sempre em harmonia, e tudo o que dissessem
ao contrário soaria como calúnia.
Adriana Romeiro registra a infinidade de denúncias que chegavam a
Lisboa contra o governador das Minas, “a maior parte delas versando sobre
a intromissão ilícita do governador nos negócios coloniais e as vexações que
dela resultavam”. Apesar disso, o governador sairia ileso de todas as acusa-
ções. O falsário Inácio de Souza Ferreira foi condenado ao “degredo perpétuo
às galés” e D. Lourenço de Almeida chegaria a Lisboa em 1732, após seu pe-
ríodo como governador das Minas, “envolto numa aura dourada e faustosa”.
Uma de suas bases de apoio nessa sociedade do Antigo Regime era uma rede
muito bem articulada que conseguira traçar entre amigos e parentes ilustres.
Nessa sociedade sustentada por redes clientelares e políticas que
alimentavam o sistema tinha lugar para todos. Diogo Cotrim de Souza
foi agraciado após seu período trienal como ouvidor de Sabará e pelos
serviços prestados ao Reino, “com um lugar na Casa de Suplicação em
Lisboa”, cargo almejado por todos os oficiais que serviam nos lugares de
Letras (1999, pp. 321-37).
148 Da justiça em nome d’El Rey

***

Os conflitos analisados inserem-se no contexto político do Antigo Re-


gime português e não afetavam a centralidade da Coroa. A estrutura político-
-administrativa englobava uma série de formas de governar, o que viabilizou
no decorrer dos anos a manutenção dos domínios imperiais com base no
exercício do poder em nome do monarca. A figura do ouvidor, um dos re-
presentantes da essência político-administrativa de todo esse sistema, tinha
uma representação simbólica que ultrapassava a esfera da justiça. As repre-
sentações de poder eram múltiplas, nenhuma delas negava a outra e todas
coexistiam, principalmente nas práticas cotidianas de poder.
A Coroa valia-se dos espaços que concedia a seus oficiais como forma
de manutenção do poder por todo o Império, abrindo mão de uma centrali-
zação (de todo modo inviável) para, paradoxalmente, manter seus domínios.
Os conflitos que existiam eram frutos da dinâmica política que comportava
todas aquelas formas de governar e não implicavam anomalias do sistema po-
lítico. Tal configuração só seria abalada com a instituição do ministério pom-
balino, com as reformas políticas empreendidas após o terremoto de 1755.
Terceira parte

Tensões e conflitos:
a época de Pombal e a
Inconfidência de Sabará
Capítulo 6
O ministério pombalino e as
inovações político-administrativas:
no limiar do Antigo Regime

O terremoto e a política

Fruto de “castigo divino contra os pecados humanos” ou ainda “sim-


ples efeito de causas naturais e, portanto, estranhas à ação da Providência”
(Serrão, 1987, p. 69). Intelectuais e religiosos inquiriam-se no desespero de
encontrar uma explicação para o sismo que levou Lisboa às ruínas no sábado,
primeiro de novembro de 1755. Especulações à parte, o terremoto de 1755
abalou profundamente os alicerces do Antigo Regime português. Os danos
à estrutura citadina são inquestionáveis e calcula-se cerca de 10 mil mortos:

A contabilidade das vítimas mortais e dos feridos do Terramoto de 1755 con-


tinua envolvida na maior confusão, assistindo-se, então e ainda hoje, a uma
grande diversidade de contagens e estimativas. [...] De entre as estimativas
mais prudentes e mais credíveis, até pelos critérios em que se baseou, selec-
cionaria a de Moreira de Mendonça, que, referindo-se unicamente a Lisboa,
apontaria 10 mil vítimas mortais (5 mil na ocasião mais 5 mil feridos graves
que morreram no espaço de um mês) (Serrão, 2007, p. 145).

Além das perdas humanas, os principais prédios de referência político-


-administrativa foram arruinados. “Foram abaixo os edifícios da Secretaria
152 Da justiça em nome d’El Rey

de Estado, dos tribunais da Fazenda e da Justiça, a Alfândega, a Casa da


Índia, o Jardim do Tabaco e os armazéns da Coroa”. Palácios da principal
nobreza também ruíram, juntamente com suas bibliotecas. Dano também
sofreu o Arquivo da Torre do Tombo, “instalado no Castelo de São Jorge” e
logo transferido para o mosteiro de São Bento. Em 6 de novembro, Pombal
determinou a construção de uma “casa de madeira para interinamente se
guardarem os livros”, comemorando a notícia que o guarda-mor do arquivo
lhe transmitira, “de que a ruína do edifício não envolveu a dos papéis” (Aviso
6 nov. 1755. Autorizando o Guarda Mor da Torre do Tombo para a restauração
deste edifício arruinado pelo Terramoto. In Ius Lusitaniae).
A vida religiosa também sofreu fortes perdas. “O terramoto de 1755
arruinou a Sé e destruiu os Paços dos arcebispos” (Archivo Pittoresco, 1863,
p. 58). Das quarenta igrejas paroquiais, trinta vieram abaixo e as outras dez
foram danificadas. Onze conventos foram perdidos. Cadeias, hospitais, pré-
dios públicos, boa parte disso veio abaixo. Em Lisboa, apenas cerca de 3.000
casas ainda eram habitáveis. Há de se considerar o tsunami e os incêndios que
sobrevieram ao sismo. A parte baixa da cidade foi inundada por uma onda de
cerca de 6 metros. A região da Praça do Comércio, do Rossio até a Ribeira foi
completamente destruída. Logo após vieram os incêndios, a cidade queimou
por cinco ou seis dias:

Quando o horroroso terramoto de Lisboa de 1755 ia destruindo muitos dos


seus majestosos e ricos edifícios que parecia submergirem-se pelas fendas que
a terra abria; sucedeu ao mesmo tempo o fatal incêndio nesta corte de quatro
dias, causado pela dita catástrofe, e parecia que reduziria Lisboa a uma mon-
tanha de cinzas, esta horrorosa cena observada dos altos montes consternava
ainda os corações mais insensíveis. No meio pois desta confusão e desordem,
andava envolvido El-rei D. José, que assombrado de ver este horroroso espe-
táculo perguntou ao marquês de Pombal, que andava ao seu lado: “Marquês,
que devemos nós fazer neste caso? Enterrar os mortos, e cuidar nos vivos”,
assim respondeu o marquês a El-rei (Nota sobre o terramoto de 1755. In
Memórias secretíssimas do marquês de Pombal, 1984, p. 71).

Essa nota sobre o terremoto retrata o caos que se instalou em Lisboa


na época, assim como a forte presença do marquês de Pombal diante dos
acontecimentos e ao lado do monarca. D. José não tinha equilíbrio nem força
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 153

necessária para administrar o caos sozinho. Segundo Serrão, ele chegou a ad-
mitir a hipótese de abdicar em favor de seu irmão, o infante D. Pedro, “por
lhe faltar coragem para enfrentar a calamidade”, porém não o fez. O autor
afirma ainda que a maioria dos secretários de Estado evadiu-se. Muitos não
puderam cumprir seus afazeres político-administrativos por algum “impedi-
mento físico” ou por receio de uma nova catástrofe (2007, p. 71).
Para José Subtil, esse fator deu a Sebastião José de Carvalho e Melo, o
então conde de Oeiras e futuro marquês de Pombal, uma maior preponde-
rância frente aos acontecimentos: “a inoperância do gabinete de secretários
de Estado seria testada durante a crise gerada pelo terramoto” (2007b, p.
215). O então conde, à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiros e
Guerra, respondeu à urgência que a catástrofe exigia, no sentido de combater
“a peste que ameaçava a corrupção dos cadáveres; a fome, devido à falta de
alimentos [...] e a guerra contra os facinorosos e vadios que atacavam a vida
e a propriedade alheias” (BNL, códice 852). De acordo com J. Lúcio de Aze-
vedo, “dos três Ministros, Pedro da Motta, inválido, Diogo de Mendonça,
fugitivo, ele foi só a dispor, agir e mandar” (1909, p. 143).
Nos cinco ou seis dias que sucederam ao terremoto, Carvalho e Melo
tomou uma série de medidas emergenciais com o objetivo de instaurar o
poder de controle. No mesmo dia enviou um aviso ao marquês de Alegrete:

S. M. esperando de V. Ex.ª que haja socorrido a geral calamidade desta corte


com tudo o que coubesse no possível, me manda participar a V. Ex.ª, que
o marquês Estribeiro-mor, o marquês de Abrantes e o tenente general da
artilharia, têm ordem para concorrerem com as tropas, troço, artilheiros e
materiais, para tudo o que for necessário para o possível remédio das muitas
infelicidades de que Lisboa se acha consternada. Em caso em que faltem al-
guns meios de gente ou dinheiro, também tenho ordem para dizer a V. Ex.ª
que com aviso seu se fará tudo pronto (Memórias secretíssimas do marquês de
Pombal, 1984, p. 72).

No dia seguinte ordenou a vinda de reforços dos “regimentos das pra-


ças de Cascais, Peniche e Setúbal; para que com a sua assistência se possa acu-
dir à urgente necessidade em que se acha esta corte”. Ao duque regedor exigia
que providenciasse “dar sepultura aos mortos” (p. 73). A preocupação com
o bem público era grande. Fazia-se necessário subjugar o interesse privado,
154 Da justiça em nome d’El Rey

favorecendo a intromissão do direito sobre a propriedade e invocando o in-


teresse público do bem-estar dos povos, institucionalizado pelo Alvará de 15
de junho de 1759. Ao mesmo tempo, o ministro apelava para a consternação
popular e solicitava que as pessoas ajudassem, “ou pela piedade cristã que os
dirigir ou pelo interesse próprio, de parentes amigos e cabedais que se acham
envoltos nas mesmas ruínas” (p. 74).
As providências econômicas foram imediatas. O sismo havia ocorrido
numa época em que os armazéns estavam abarrotados de mercadorias, vindas
principalmente da América portuguesa. As frotas do Brasil haviam chegado
em setembro, com 70% do carregamento de ouro e diamante. Somem-se a
isso os enormes prejuízos dos comerciantes ingleses que tinham negócios nos
portos da cidade: dos 861 navios que entraram na barra de Lisboa, 62% eram
ingleses, num ano em que as exportações inglesas para Portugal atingiram o
montante de 1.073 mil libras esterlinas (Cardoso, 2007). A economia lusita-
na há muito tinha como uma das bases o comércio com a Inglaterra.
Para tentar estabelecer um controle, mesmo que débil, do comércio,
no dia 3 de novembro, Pombal fez publicar um edital aos comandantes das
torres. A ordem foi para não deixarem “sair deste porto, nem passar para
a banda de além navios ou barcos alguns sob pena de morte”. Tal esforço
expressa uma tentativa de conter os roubos e saques, muitos movidos por
estrangeiros. Ação semelhante foi a ordem expedida no dia seguinte, que
mandou “armar lanchas para rondarem o rio de Lisboa e visitar as dos
navios estrangeiros, a fim de evitar os roubos que neles se recolhiam” (Me-
mórias..., pp. 76 e 84).
Quase todos os prédios que abrigavam o organismo da administração
econômica do Reino foram destruídos:

Casa dos Contos, Terreiro do Trigo Alfândega Geral, Alfândega do Tabaco,


Casa da Índia, Vedoria, Casa de Ceuta, Armazéns, Tendência, Casa dos Segu-
ros, Consulado, Sete Casas, Paço da Madeira, Portos Secos, Portos Molhados,
Casa das Carnes, Pescado Portagem, Casa dos Corretores, Casa dos Cinco,
Casa dos 24, estaleiros da Ribeira das Naus, vários cais, mercados etc. (Serrão,
2007, pp. 42-3).

Serrão ainda lembra que “a Casa da Moeda, o Tesouro Real, o Aque-


duto das Águas Livres, a Fábrica das Sedas” foram alguns dos poucos prédios
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 155

administrativos que resistiram ao sismo (idem). Além do ônus da reconstru-


ção, o Estado também teria que arcar com o impacto que a perda da infra-
estrutura produtiva causaria na economia. Era um prejuízo em larga escala.
O esforço para estabelecer o abastecimento da população em gêneros
de primeira necessidade foi grande por parte da administração de Carvalho e
Melo. Além da preocupação com a disseminação de doenças, o sepultamento
dos cadáveres e a remoção dos destroços das construções arruinadas, era pre-
ciso prover a população de alimentação e condições mínimas de sobrevivên-
cia. No dia 3 de novembro, Pombal fez editar uma “Carta-circular a todos os
Ministros das terras”, com a ordem de que “todos os barcos que puder achar
prontos” viessem ao “porto com toda a farinha e mais mantimentos comes-
tíveis” para que fossem entregues ao “Presidente do Senado da Câmara” de
Lisboa, o marquês de Alegrete. No mesmo dia foi enviado um aviso para o
marquês de Alorna, para “fazer pôr em arrecadação todos os celeiros públi-
cos e particulares do termo da Vila de Santarém” e que o marquês deixasse
“notificados os senhores e administradores dos referidos celeiros para deles
não disporem coisa alguma sem ordem de V. Ex.ª”. O objetivo era “socorrer
a calamidade do povo da capital do Reino, depois da consternação a que foi
reduzido no dia primeiro do corrente” (Memórias..., pp. 80-1).
No dia seguinte emitiu outro aviso, ao marquês de Alegrete, ressaltan-
do o quanto o incentivo à confiança popular no governo era importante na-
quele momento. O aviso era relativo à publicação do edital que demarcava os
lugares onde “todas as pessoas que tiverem necessidade de comprar pão e os
mais mantimentos” deveriam ir. O ministro estava, portanto, organizando a
distribuição e venda dos gêneros de primeira necessidade. Ordenou também
que dos armazéns que ainda guardavam algum alimento “se remetam de tudo
o referido exatas relações” e que essas relações fossem entregues a “dois Ve-
readores do Senado da Câmara”, assistindo “um deles no Terreiro do Paço e
outro na Ribeira, sustentados pelas rondas militares”. Determinou ainda que
os navios que aportassem “naquelas duas praias e vizinhanças” remetessem
os gêneros para os mesmos armazéns, “para neles acharem os víveres de que
necessitarem”, alertando que todos os gêneros “hão de ser taxados de sorte
que não excedam os preços comuns” (p. 82).

Também S. M. é servido que V. Ex.ª nomeie outro vereador o qual examine


todo o pão e legumes que se acharem nas tercenas fazendo deles arrecadação
156 Da justiça em nome d’El Rey

para os mesmos fins. E em todas as vilas e jurisdições das vizinhanças de


Lisboa e da Riba-Tejo e províncias do Alentejo, tem S. M. ordenado que se
façam as outras relações, que participei a V. Ex.ª para o mesmo efeito (p. 83).

Essas medidas emergenciais demonstram uma tentativa de organização


perante o caos. As ações de Pombal iam atendendo às exigências que surgiam,
sem planejamento e com poucos recursos. É um franco exemplo de ação e
gestão político-econômica dos escassos recursos disponíveis.
Outras preocupações eram relativas ao combate à criminalidade e à
ocupação da população ociosa. Em 4 de novembro, Pombal expediu um de-
creto direcionado a todos os corregedores dos bairros de Lisboa:

Sendo-me presente, que na cidade de Lisboa e suas vizinhanças, grassa um


grande número de homens vadios que não buscando os meios de subsistirem
pelo seu honesto e louvável trabalho, vivem viciosamente na ociosidade à cus-
ta de terceiros, com transgressão das leis Divinas e humanas: e considerando
as ofensas de Deus, do meu real serviço e do bem comum dos meus vassalos,
que se seguem da tolerância de semelhantes homens: sou servido excitar a
inviolável e exacta observância dos regimentos e leis estabelecidas para a po-
lícia dos bairros da mesma cidade, ordenando que todos os corregedores e
juízes do crime, cada um nos seus respectivos distritos, examine logo pronto e
cuidadosamente, com preferência a qualquer outro negócio, as vidas, os cos-
tumes e ministérios de todos os habitantes dos seus respectivos bairros e dos
vagabundos e mendigos que neles forem achados com idade e saúde capaz de
trabalharem: e que todas as pessoas que forem achadas na culpada ociosidade
acima referida sejam presas e autuadas em processos simplesmente verbais,
por onde conste da verdade dos fatos, e os mesmos processos remetidos à or-
dem do duque Regedor da casa de suplicação, o qual nomeará logo para eles
os juízes certos que lhe parecer; e estes os sentenciarão também verbalmente,
impondo aos réus a pena de trabalharem com braga nas obras da mesma ci-
dade a quem tem dado um tão geral escândalo (p. 88).

A utilização da mão de obra dos vadios era outra estratégia de emer-


gência. Numa terra devastada pela catástrofe, o esforço em controlar o mo-
vimento das pessoas e impor a ordem era prioridade e necessidade pública.
A propósito, esse último termo era frequente na redação dos documentos
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 157

que continham as providências pombalinas logo após o sismo. A presença


do Estado refletia a preocupação com o bem público e a noção de que,
naquele momento, tal cuidado com a sociedade estava acima dos interesses
particulares era “o cumprimento de um serviço que beneficiava o tecido
social coletivo” (Cardoso, 2007, p. 173). O Estado que assumia a dianteira
desse processo ia se firmando como responsável por uma sociedade carente
de proteção.
Toda essa conjuntura foi crucial para a ascensão política do então con-
de de Oeiras. Sua habilidade político-administrativa associada à oportunida-
de que a tragédia havia lhe oferecido favoreceram o marco zero para a política
lusitana daquele momento. A partir de então, Sebastião José de Carvalho
e Melo assumiu a direção dos caminhos políticos. Em 6 de maio de 1756
formou-se um governo sob a sua direção. Carvalho e Melo estava à frente da
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, D. Luís da Cunha (sobrinho e
homônimo do diplomata), responsável pela Secretaria dos Negócios Estran-
geiros e da Guerra e Diogo de Mendonça Corte Real, nomeado secretário de
Estado da Marinha e Negócios Estrangeiros. Ainda há de se citar a criação do
lugar de adjunto do secretário de Estado do Reino, para o qual foi nomeado
Ayres de Sá e Melo.
Quatro meses depois, outro gabinete foi nomeado, em função, prin-
cipalmente, da expulsão de Diogo de Mendonça e seu consequente degredo
para os subúrbios do Porto. Para assumir seu lugar, foi nomeado Tomé Jo-
aquim da Costa Corte Real. O incidente que resultou na expulsão do secre-
tário referia-se a uma conspiração intentada para afastar do poder Carvalho
e Melo. Nesse episódio parecem estar envolvidos, além de Diogo de Men-
donça, o advogado Francisco Xavier Teixeira de Mendonça e alguns jesuítas,
insatisfeitos com a administração do irmão do conde de Oeiras, Francisco
Xavier Mendonça Furtado, no Maranhão.
José Subtil esclarece que no “período pombalino ocorreram cinco re-
modelações políticas”. Além dessas, que culminaram com a “demissão com-
pulsiva” de Diogo de Mendonça Corte Real, houve uma em 1760, em que “o
governo passou a contar com Francisco Xavier Mendonça de Furtado, irmão
de Pombal”, e uma em 1770, quando “será constituído o governo mais nu-
meroso, com cinco secretários de Estado, dos quais um era adjunto de Pom-
bal (José de Seabra da Silva) e um outro”, e Ayres de Sá e Melo continuaria a
desempenhar as antigas funções (2009, p. 12).
158 Da justiça em nome d’El Rey

Sebastião José de Carvalho e Melo iniciou uma administração com


base em uma política de fidelidade, o que fica claro na sentença proferida
contra Corte Real:

Sendo-me presente a grande desordem e inquietação em que tem movido


com bárbaros e infiéis pretextos do desagrado do Meu Real Serviço Diogo
de Mendonça Corte Real, Secretário d’Estado da Marinha e Ultramar exci-
tando com bárbaros e infiéis pretextos a paz, Religião, Civilidade e obrigação
de guardar segredo; Atendendo as relevantes considerações de demonstração;
Sou servido ordenar que D. Luís da Cunha Manoel [...] vá logo em execução
intimar esse Decreto com as ordens que lhe tenho determinado, para que
dentro de três horas saia da Corte e Cidade de Lisboa o dito Diogo de Men-
donça Corte Real, para distância dela quarenta léguas donde não entrará mais
[...] com que se sastifará o bem público dos meus fiéis Vassalos (Decreto 30
ago. 1756. In Ius Lusitaniae).

A oportunidade de acusação de infidelidade criou o ambiente propício


para uma seleção natural de homens comprometidos com a política que Car-
valho e Melo pretendia estabelecer. As providências foram tomadas com o
aval do monarca e em prol do bem público. O governo que se iniciava estava
fincado sobre os alicerces da ciência política e nas “relações entre os indiví-
duos e menos na acção directa sobre cada um, como era timbre nas relações
entre soberano e súdito”. A necessidade de concentrar as ações políticas em
um só órgão concedia preponderância ao “ministério das secretarias de Es-
tado e das intendências”. Aos poucos, o modelo jurisdicionalista e sinodal
dava lugar a um governo centrado na “vontade unipessoal dos secretários de
Estado”, num processo que favorecia a seleção dos agentes e seria implacável
(Subtil, 2009, p. 12). Esses agentes, além de homens coesos em torno de
Carvalho e Melo, estavam representados por uma série de instituições que
serviriam como suporte político-administrativo para todo o sistema. Exem-
plos célebres dessas instituições são a Intendência Geral da Polícia, criada em
1760, e o Erário Régio, criado um ano depois. José Subtil sugere que tais
órgãos exprimiam o processo de “governamentalização” pelo qual então pas-
sava o “aparelho administrativo tradicional”. Ao mesmo tempo, exprimiam
o sentido do esforço de centralização que o governo pós-terremoto seguiria
(1993, p. 173).
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 159

Por meio da Lei de 22 de dezembro de 1761, ficavam extintos “os


Contos do Reino e Casa” e criava-se o Erário Régio (In Ius Lusitaniae). Sua
criação fazia parte de um esforço para eliminar as dispersas formas que exis-
tiam durante o Antigo Regime no âmbito da arrecadação tributária. Tal es-
forço já vinha sendo implementado desde os primeiros anos do reinado de
D. José e estava expresso, principalmente, na criação, em 1751, da Junta
de Administração dos Depósitos Públicos da Corte da Cidade de Lisboa.
Pretendia-se, com isso, controlar as arrecadações e sanar suas deficiências. O
Erário Régio esteve, até 1777, sob o controle direto de Carvalho e Melo, que
acumulava as funções de presidente e inspetor-geral.
A Intendência Geral da Polícia foi criada por Decreto de 25 de junho de
1760, “com ampla e ilimitada jurisdição na matéria da mesma Polícia sobre
todos os Ministros Criminais e Civis para a ele recorrerem e dele receberem
as ordens” (In Ius Lusitaniae). Tinha como objetivo zelar pela tranquilidade
pública, fator que se tornou prioridade após o terremoto, com o aumento da
criminalidade pelas ruas de Lisboa. O controle da movimentação de pessoas
pela cidade passou a ser uma preocupação. A necessidade de garantir a eficá-
cia da repressão levaria Carvalho e Melo a aumentar a jurisdição dos agentes
com funções de polícia:

Sendo-me presente que aos ditos Ministros nomeados para Inspetores dos
Bairros da Cidade de Lisboa se lhe não declarou jurisdição alguma e por essa
causa se acham retidos na prisão alguns réus indiciados de ladrões, sem se lhe
fazerem judiciais perguntas e sem se lhe dar o merecido castigo: sou servido
conceder aos sobreditos Inspetores toda a precisa jurisdição para procederem
contra os referidos réus assim com os que atualmente se acham presos como
com os que ao diante prenderem na forma de Direito até os sentencearem em
Relação com os Adjuntos que lhe nomear o Duque Regedor (ANTT, Fundo
MNEJ, mç. 71, cx. 60, n. 4).

Em junho de 1758, Pombal instituiu uma jurisdição alargada para os


inspetores dos bairros de Lisboa julgarem e sentenciarem os réus, buscando
acelerar o processo de sentenças, emperrado pelo emaranhado jurisdicional.
A criação da Intendência Geral da Polícia vinha atender a tais necessidades,
porém não só a essas. Ela também foi responsável pela introdução de uma
nova razão em matéria de combate à criminalidade: a prevenção, o que envol-
160 Da justiça em nome d’El Rey

via todo um aparato cultural que pregava a disciplina e o bem-estar público,


criando um ambiente social que sugeria a inclusão. Ao mesmo tempo que se
incentivava e controlava a integração da população com a cultura e se cui-
dava da infraestrutura da cidade, acreditava-se estar preservando a segurança
dos cidadãos. Segundo José Subtil, com a sua instituição “verificou-se uma
desconcentração técnica e política entre a função policial e a função judicial”.
Houve uma burocratização das funções político-administrativas e a obser-
vância das competências profissionais. “Os comissários da Polícia e a Guarda
Real passaram mais a vigiar e a prender e os juízes a instruir os processos-cri-
me” (1993, p. 175). Tal panorama expressa os processos de burocratização
e profissionalização pelos quais passava o Tribunal do Desembargo do Paço,
que perderia a posição de núcleo da administração régia e assistiria a uma
invasão de suas competências pelas instituições criadas pelo novo governo.
Para estruturar esse aparato político, Sebastião José de Carvalho e Melo
montaria, paulatinamente, “uma nova administração, de tipo comissarial”.
O ministro reuniu ao seu redor poucos e selecionados “altos funcionários”,
nomeados diretamente por ele. Esses cargos (intendentes, superintendentes
e inspetores) retratam o sentido dessa nova política: possuíam “jurisdição
privativa”, isto é, sua jurisdição incidia diretamente sobre as “matérias de
governo”, ultrapassando a esfera administrativa. Isso causaria turbulência na
estrutura política do Antigo Regime, da qual o Desembargo do Paço era
parte integrante. As esferas tradicionais de jurisdição sofreram forte abalo em
suas representações simbólicas (Subtil, 1996, p. 197).

A política de fidelidade e a caça às bruxas

Em 1759, o executor da Junta da Administração do Tabaco, Miguel


Serrão Diniz, escreveu a Carvalho e Melo, informando que encontrara

uns autos de sequestros feitos em dezembro de 1725 nos bens que ficaram
de D. Pedro Gomes pela quantia de 32:864$665 que devia dos contratos do
tabaco dos anos de 1713 e 1715 e de 1716 e 1717 que se tinha oposto a sua
irmã D. Branca Manoela Gomes com embargos pretendendo mostrar nulo
aquele procedimento por não haver dívida líquida (ANTT, Fundo MNEJ,
mç. 71, cx. 60, n. 2).
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 161

Tratava-se de um processo que se arrastava havia anos sem solução.


O executor solicitou ao ministro uma “sentença de cobrança aos herdeiros
de D. Pedro Gomes”, entendendo que o processado era culpado e teria que
pagar ao governo o que devia, apesar da súplica de D. Branca em contrário.
Tal episódio demarca as fronteiras que separam os dois reinados. Tênues,
híbridas, tais fronteiras, no entanto, saltam aos olhos quando percebemos a
incidência do governo sobre os súditos e vassalos.
O período que compreende os anos de 1758 e 1759 foi emblemáti-
co para o processo de reformas implantadas pelo ministério do marquês de
Pombal. O empenho para estruturar um ambiente político forte e centrali-
zado passava também pela seleção dos homens que ocupariam os cargos de
confiança apontados pelo ministro.
Alguns fatos acelerariam os acontecimentos. Na noite de 3 de setembro
de 1758, D. José foi alvejado em duas tocaias sucessivas, a bordo da carrua-
gem de seu sargento-mor, Pedro Teixeira. Circunstâncias políticas criaram o
ambiente necessário para o rumo que esse fato iria tomar. O ocorrido naquela
noite de outono adquiriu contornos de crime de lesa-majestade e a busca pe-
los culpados seria implacável. Os envolvidos eram membros da alta nobreza
(visceralmente subjugada pelas reformas pombalinas), entre eles o principal
acusado, José de Mascarenhas, o duque de Aveiro. Foram acusados ainda “o
marquês Luís Bernardo; seu irmão José Maria; seu pai, Francisco de Assis e
seus cunhados Jerônimo de Ataíde e João de Almeida Portugal”. O duque
de Aveiro foi detido “junto com seu filho Martinho. Também foi presa a
mãe de Luís Bernardo, dona Leonor de Távora [...]. As outras mulheres da
família foram recluídas em conventos” (Carrilo, 1997). Cabe lembrar que a
resistência da nobreza à presença do conde de Oeiras no governo já havia se
manifestado. Em 1756, uma

conjura palaciana para afastar Sebastião José de Carvalho e Melo foi apoia-
da por um conjunto destacado de nobres. O Decreto de 17 de agosto de
1756 dá conta da gravidade da situação ao mandar abrir devassa perma-
nente em todos os lugares de Lisboa e Reino para investigar o sucedido
(Subtil, 2007a, p. 120).

No auge das perseguições, no dia 9 de dezembro de 1758, foi expedido


um decreto “prometendo prêmios aos denunciantes dos Réus do sacrílego
162 Da justiça em nome d’El Rey

insulto [...] contra a Pessoa de El Rei”. O documento era um apelo “aos fiéis
vassalos” que não podiam “deixar de padecer a mais sensível quebra enquanto
deles se não separassem os Réus de tão horroroso atentado”. O objetivo era
comover a população em prol do interesse público de buscar e prender os
culpados. No dia 13 do mesmo mês foi editada uma portaria “proibindo sair
pessoa alguma de Lisboa sem se qualificar com passaporte”. A intenção era
impedir que os acusados pelo crime contra o monarca pudessem fugir. Nesse
mesmo dia foi nomeada uma junta para apurar, julgar e punir os culpados
do crime de inconfidência contra o monarca: a Junta de Inconfidência (In
Ius Lusitaniae).
Sem estar previsto nas Ordenações filipinas, a interpretação do crime
de inconfidência esteve, ao longo do Antigo Regime em Portugal, atrelada às
diversidades políticas e aos arranjos administrativos e subentendida no crime
de lesa-majestade:

Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu real
estado, que é tão grave e abominável crime e que os antigos Sabedores tanto
estranharam que o comparavam a lepra; porque assim como esta enfermidade
enche todo o corpo sem nunca mais se poder curar e empece ainda aos des-
cendentes de quem a tem e aos que com ele conversam, polo que é apartado
da comunicação da gente: assim o erro de traição condena o que a comete e
empece e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa
(Livro V, Título V, p. 1.153).

Segundo as Ordenações, o crime de lesa-majestade relacionava-se a de-


litos contra a figura do monarca ou de seus descendentes, ou ainda contra a
integridade do Reino. Os de primeira cabeça eram os praticados diretamente
contra o soberano e deveriam ser punidos com “morte natural cruelmente”
e seus descendentes, “infamados para sempre”. Os de segunda cabeça diziam
respeito a contestações às ordens reais e previam como punição a desapro-
priação dos bens (idem).
No século XVI, segundo as compilações de Leis extravagantes feitas por
Duarte Nunes de Leão, o rebelde que se levantasse “contra a pessoa do rei ou
de seus filhos” ou ainda contra o Estado poderia ser condenado. Atentemos
para o fato de que o acusado não precisava ser necessariamente súdito do
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 163

Reino que o acusava: “garantia-se, desta forma, a sua entrega ao Rei ofendido
quando o requeresse” (Cruz, 2006, p. 583).
Como se pode notar na leitura do título VI das Ordenações filipinas,
citado acima, em muitos casos poderia estar subentendido o crime de in-
confidência, porém o livro não o cita em nenhum momento, o que dava
margem a um leque de interpretações. Num dicionário do início do século
XVIII, Bluteau dá a seguinte definição para o verbete inconfidência: “falta
de fidelidade a seu príncipe” (1712, p. 95). Como se vê, existia uma relação
íntima entre o termo e a figura real, envolvendo principalmente os crimes de
conspiração e traição contra a Coroa. Tampouco existia um tribunal especí-
fico e permanente para julgar tal delito. Foram convocadas algumas juntas,
sendo o primeiro magistrado a presidir uma delas o doutor Pedro Fernandes
Monteiro, anos após a Restauração.

Não se conhece lei ou regimento instituindo esses tribunais especiais, razão


pela qual se faz difícil ter ideia certa da sua estrutura. O nome “ junta” permite
supor que não se tratasse de um tribunal estável, mas de uma reunião ad hoc de
autoridades que, habitualmente, desenvolviam outras funções (Carrilo, 1997).

Logo após a coroação de D. João IV, a primeira conspiração tratada como


inconfidência foi deflagrada. Envolvendo réus demasiadamente ilustres, a pena
que refletiu o ideal de castigo exemplar limitou-se aos inconfidentes de menor
representação social. Aos cabeças foram reservadas as penas de prisão, e um dos
principais envolvidos, o inquisidor-geral D. Francisco de Castro, em menos de
dois anos estaria em liberdade e reintegrado ao seu cargo.
Durante o ministério pombalino tal discussão ressurgiu, moldando-se
às reformas instituídas por Carvalho e Melo e servindo às mudanças implan-
tadas por ele. O controverso caso dos Távora trouxe à tona a questão; porém,
antes, Pombal já havia tido problemas frente a algumas manifestações contra
as reformas que implementava, como os protestos inflamados contra a con-
cessão dada à Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto-Douro,
em 1757. “Estimulados pelos taberneiros, um exército de vadios, soldados,
rameiras e escravos assaltou a casa do provedor e forçou o corregedor – em
ausência do chanceler da Relação – a decretar a abolição da Companhia.” O
Desembargo do Paço não considerou o movimento perigoso e teria posto um
ponto final “se o ministro não resolvesse intervir, invocando as Ordenações e
164 Da justiça em nome d’El Rey

classificando o crime como de lesa-majestade” (Carrilo, 1997). Esse inciden-


te torna clara a carência de subsídios de tal condenação e o ritmo que Pombal
conferiria à política do Reino.
A Junta de Inconfidência não teve uma continuidade linear durante o
Antigo Regime em Portugal, o que abre espaço para uma discussão acerca do
caráter ambíguo e ao mesmo tempo político da acusação de inconfidência,
utilizada como forma de policiamento da sociedade, como agente político
para impor a ordem desejada ou ainda como exemplo de penas aterrorizantes.
No caso do regicídio, a junta nomeada era composta por homens de
extrema confiança de Pombal. Era presidida por Pedro Gonçalves Cordeiro
Pereira, desembargador do Paço e chanceler da Casa de Suplicação, mais
três secretários de Estado: D. Luís da Cunha, Tomé Joaquim da Costa e o
próprio Sebastião José de Carvalho e Melo. A sentença, proferida em 13 de
janeiro de 1759, retrata a extrema violência com a qual foram condenados
os réus. Esse foi o ponto de partida, seguido do aniquilamento econômico e
moral da nobreza envolvida:

Justiça que El Rey Nosso Senhor manda fazer que as Casas da Residência de
José Mascarenhas, Duque que foi de Aveyro sejam mutiladas arrasadas salga-
das e aradas para que no seu continente senão possam mais edificar em tempo
algum pelo crime do Sacrílego insulto e atentado cometido contra a Sacra e
Real Pessoa de S. Maj. pelo que o dito Réu como um dos chefes traidor foi
condenado exonerado da honra e naturalidade de vassalo deste Reino por
Sentença do Tribunal da Suprema Junta da Inconfidência (ANTT, Fundo
MNEJ, mç. 65, cx. 63, n. 4).

Pela sentença proferida pela Junta de Inconfidência em maio de 1762


contra o duque de Aveiro, percebemos a dimensão do incidente para as pre-
tensões do ministério de Pombal. Era um golpe duplo: arruinavam-se algu-
mas das mais importantes casas da nobreza portuguesa, ao mesmo tempo que
se confirmava o poder régio como centro legítimo de poder, alijando as forças
contestadoras.
Outro processo que se desencadeou nessa conjuntura foi o conflito do
marquês com a Companhia de Jesus. Os jesuítas foram acusados de envol-
vimento no regicídio. As conexões entre a alta nobreza e os padres jesuítas
eram bastante sólidas e, com a tragédia do cismo, o peso religioso e espiritual
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 165

que os jesuítas representavam aumentara. À necessidade de recorrer ao divino


para amenizar a dor das perdas “os jesuítas responderam com eficácia” (Mon-
teiro, 2006, p. 114). Os padres circulavam com autoridade entre os nobres,
que temiam mais que nunca o castigo divino. Segundo José Subtil, esse foi
um ponto estratégico para os jesuítas se afirmarem frente ao poder régio,
“usando a invocação dos castigos divinos como arma política”, justificando a
tragédia e prevendo novas demonstrações da ira de Deus contra as mudanças
políticas (2007a, p. 214).
Após uma série de medidas tomadas ao longo da década de 1750, os
padres jesuítas foram expulsos de Portugal “e Domínios para neles mais
não poderem entrar”, por Lei de 3 de setembro de 1759. No documento,
eram apontados como “Notórios Rebeldes, Traidores, Adversários e Agres-
sores” do monarca e acusados de agirem contra a “paz pública” do Reino.
No norte da América portuguesa, foram acusados de intentarem um “teme-
rário e façanhoso projeto” com que haviam planejado “e clandestinamente
prosseguido a usurpação de todo o Estado do Brasil”. Carvalho e Melo
ainda previu que, se tal projeto não fosse “pronta e eficazmente atalhado,
se faria dentro no espaço de menos de dez anos inacessível e insuperável a
todas as forças da Europa unidas” (In Ius Lusitaniae). Em contrapartida, ao
longo da década de 1760, alguns padres da Companhia de Jesus abandona-
ram a ordem “para jurarem fidelidade” ao monarca e seu ministro. Foram
comuns também os requerimentos solicitando a mercê de permanecerem
em Portugal após a expulsão (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 57, cx. 46, n. 4 e
mç. 60, cx. 49, n. 2).
Esse quadro demonstra a tendência seletiva do ministério pombalino.
O esforço em construir um governo centralizado e homogêneo, sob o contro-
le do Reino, fica evidente. Iniciou-se aí uma verdadeira caça às bruxas. Após
Carvalho e Melo ter reduzido a ação do Santo Ofício, acabando com o espe-
táculo dos autos de fé, empunharia outra perseguição, agora política, contra
seus opositores. E o agente desse processo, longe dos tribunais religiosos, era
representado pela Junta de Inconfidência. Como tal tribunal não havia sido
instituído por lei ou regimento, ficou sob o controle direto do novo governo.
Após a condenação pelo regicídio, diversas vezes ainda se assistiria à sua fran-
ca atuação em busca dos infiéis ao ministério do marquês.
Por Decreto de 1760, Carvalho e Melo concedeu plenos poderes aos
membros da junta, todos homens de confiança do governo:
166 Da justiça em nome d’El Rey

Sou servido que o Doutor Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira do Meu


Concelho Desembargador do Paço, Juiz da Inconfidência com os Douto-
res Ignácio Ferreira Souto, Intendente Geral da Polícia e José Antônio de
Oliveira Machado ambos do Meu Concelho e Adjuntos nos Negócios da
mesma Inconfidência Sentencie em breve e sumariamente sem figura de
Juízo pela verdade sabida, todos os Réus que se acham e acharem daqui em
diante compreendidos nos Crimes pertencentes à mesma Inconfidência:
Regulandos e pela gravidade das Culpas e qualidade das provas que contra
si tiver cada um dos Sobreditos Réus: e mandando Executar as Senten-
ças que contra eles proferirem; porque para tudo o referido lhe concedo
toda a cumprida jurisdição sem embargo de quaisquer Leis (ANTT, Fundo
MNEJ, mç. 46, cx. 37, n. 2).

Súditos comuns eram constantemente arrolados e inúmeros foram os


presos e condenados pelo crime de inconfidência. A seleção também passava
pelo policiamento e controle da movimentação da população. No ano de
1761, o cabeleireiro José da Silva, “preso na cadeia de Belém há mais de seis
meses”, fora “sentenciado pelo Juízo da Inconfidência em seis anos de degre-
do para Castro Marim”. O condenado solicitou a mercê de lhe ser concedido
um tempo para que pudesse se preparar para a viagem. Explicava que

vendeu todos os seus vestidos e mais trastes que tinha para se poder sustentar
na prisão e curar-se de sua doença que nela teve e não ter o suplicante mais de
que se valer que dos ditos trastes e ainda com esses aludiu ao sustento de sua
mãe e três irmãs donzelas que tem a seu cargo as quais sustentava e assim com
o tênue salário que ganhava como oficial de cabeleireiro o qual ficou frustra-
do com a sua prisão por cuja causa e as mais expendidas recorre a piedade de
V. S. se digne mandar soltar ao suplicante fazendo termo da lei para o dito
degredo e sendo necessário dar fiança concedendo-lhe o termo que pede para
se preparar (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 65, cx. 53, n. 3).

O oficial de cabeleireiro teve seu degredo adiado pelo “Cirurgião Elias


José Colaço”, em função de “umas pústulas de qualidade complicada” que
dependiam de “uma rigorosa cura”. Alegou que o doente não pôde se curar
“por causa da sua pobreza em que teve e não ter com que comprar os remé-
dios”. Alguns meses depois o degredado chegava a Castro Marim para cum-
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 167

prir sua pena. O caso revela que a perseguição aos traidores, longe de estar
concentrada nos agentes do governo e na cúpula da nobreza, era destinada
a qualquer um que proferisse blasfêmia ou insubordinação que incomodasse
o governo. Outros ainda foram interrogados e condenados por infidelidade
ao rei, “comunicando-[se] com o exército castelhano”. Em 16 de agosto de
1762, Cordeiro Pereira decretou que

a este Juízo se remeteram pelo governo das Armas desta província o Frei Fran-
cisco Monteiro, Antônio José Duarte, Manuel Francisco e seu irmão José
Francisco os quais foram presos pelas Justiças e Ordenações dos Seus Povos
com o fundamento de serem infiéis a este Reino comunicando-se com o Exér-
cito Castelhano em ódio do mesmo Reino e como pelos Sumários que formei
e vão juntos se prova bastante muito a sua culpa (ANTT, Fundo MNEJ, mç.
66, cx. 54, n. 1).

Tais acusações tinham como base a suspeita de espionagem por parte


de alguns súditos portugueses. Silvestre de Jesus, Francisco Barroso e An-
tônio José foram acusados pela junta “por suspeitos de serem espiões dos
castelhanos”.
A Junta de Inconfidência trabalharia de modo insaciável atrás das blas-
fêmias contra o monarca e seu ministro: em 1769, Francisco Mendes, de
alcunha Gueguês, foi inquirido por proferir palavras a favor de uma invasão
dos franceses em Portugal e de acusar o monarca de ladrão (ANTT, Fundo
MNEJ, mç. 65, cx. 53, n. 1).
O processo imposto pelo governo pós-terremoto atuaria em prol da ma-
nutenção da ordem e da defesa da instalação de uma razão sintonizada com a
centralização política. Era necessário, para tal, promover uma seleção natural
e uma política de controle social: punir os infiéis em nome do bem público.

O papel dos homens do Desembargo do Paço

O Desembargo do Paço assistiu a uma diminuição gradativa de suas


competências simbólicas a partir do ministério pombalino. A centralização
política impunha também a precedência do direito régio sobre o direito co-
mum e, desse modo, a autoridade dos juristas ficava reduzida à aplicação das
leis, nos moldes que o governo ia traçando: era o “ocaso político” dos homens
168 Da justiça em nome d’El Rey

do Desembargo do Paço (Subtil, 2005a, p. 266). No dia 2 de junho de 1756,


Carvalho e Melo fez editar um aviso ao duque de Aveiro:

A Mesa do Desembargo do Paço, passe aos seus Secretários acórdãos neces-


sários para que todas as consultas que se expedirem sejam mandadas entregar
ao oficial Maior desta Secretaria de Estado ou quem nela estiver em seu lugar,
fechadas em maço e dirigidas com uma relação do respectivo Secretário [...]
advertindo-lhe positivamente, que não possam mandar a Real presença de S.
Majestade consultas nem por outro modo, nem por diferentes mãos; como
tem sucedido diversas vezes (ANTT, Desembargo do Paço, liv. 118).

Tal determinação possuía um “cariz político” e interrompeu de vez o


privilégio da comunicação direta que o Desembargo do Paço possuía com o
monarca. A partir de então, essa relação seria intermediada pelo secretário de
Estado dos Negócios do Reino, isto é, o marquês de Pombal. Essa nova estru-
tura relacional foi acrescida de mais uma novidade: o monarca não mais no-
mearia o presidente do tribunal, sendo o “chanceler-mor do Reino” o novo
responsável pela função (Subtil, 1996, p. 208 e 210).
O isolamento político e a proposta de instalação de uma administração
do tipo comissarial faziam parte da política de fidelidade instituída por Car-
valho e Melo. Alguns desembargadores foram alijados do poder e do convívio
político do novo ministério por meio de aposentadorias compulsórias concedi-
das por Pombal a partir de 1758 (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 73, cx. 62, n. 1).
Tal seleção era crucial para o funcionamento orgânico do novo go-
verno. “É entre os desembargadores que assistimos aos dois extremos dos
destinos possíveis: magistrados caídos em desgraça junto do poder central e
magistrados premiados com nomeações importantes” (Camarinhas, 2009, p.
1). Ao mesmo tempo que uns eram preteridos, outros seriam selecionados a
dedo pelo marquês. Foi o caso do confisco dos bens e expulsão dos jesuítas,
que teve profundas raízes político-ideológicas. A convocação dos homens que
executariam tal empreendimento também seria estratégica.
À carta régia de 19 de janeiro de 1759, que determinou o confisco dos
bens dos inacianos, alguns desembargadores imbuídos do poder real respon-
deram com eficácia. Eram homens convocados dos tribunais do Reino: Casa
de Suplicação, em Lisboa, Relação do Porto, Relação da Baía e Relação de
Goa. Tal convocação ficou a cargo de Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, à
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 169

época chanceler da Casa de Suplicação e um dos homens de confiança de


Pombal. Os magistrados tinham orientação para promover o inventário dos
bens, apreender todos os papéis encontrados e ainda conduzir os padres aos
lugares que a Coroa determinasse.
A maioria dos magistrados recrutados para essa tarefa eram desembar-
gadores recentemente nomeados para os Tribunais de Relação. Ainda segundo
Camarinhas, da Casa de Suplicação, tribunal mais envolvido nesse processo,
“apenas um era desembargador dos agravos, sendo os restantes dezenove ex-
travagantes” (p. 4). As nomeações para os tribunais representavam uma forma
de cooptação dos agentes comprometidos com a administração pombalina. Se
alguns se comprometeram, muitos outros teimaram em não reconhecer o mi-
nistério de Pombal como centro referencial do poder, ou ainda continuaram a
exercer práticas políticas cotidianas que Carvalho e Melo pretendia superar. O
resultado desses conflitos é que alguns ouvidores foram envolvidos em proces-
sos e muitos condenados pela caça às bruxas promovida pelo marquês, como
parte da promoção de sua política de fidelidade que arrolava homens compro-
metidos com o governo e, por outro lado, punia os infiéis.
Um caso de 1756 fornece sinais de como seria a seleção promovida
pelo marquês. A 9 de setembro, Pombal pediu informações exatas sobre o
procedimento e reputação que tivera Antônio Pinto Rebello e Seixas, bacha-
rel que havia sido da comarca de Vila Real. Solicitou a mesma informação so-
bre a “capacidade e inteireza do Ouvidor atual da mesma Comarca, Manuel
Pinto Ribeiro, que foi sindicante do dito bacharel” (ANTT, Fundo MNEJ,
mç. 71, cx. 60, n. 1). O corregedor Bernardo Duarte de Figueiredo cumpriu
as devidas solicitações, informando ao secretário que

nas correições que fiz na referida vila conheci a um e outro Bacharel e é certo
que Antônio de Pinto Rebello e Seixas serviu com limpeza e desinteresse: se-
rem sem pouquíssima literatura por ser de uma compreensão muito inferior.
Foi bem quisto porque com menos autoridade se familiarizou com todos
condescendendo aos seus rogos. Não tem gênio nem talento para emprego
literário por ser de ânimo muito frouxo e pouco ativo. E cuido que pelos seus
escritos se fez bem conhecido no Desembargo do Paço a sua inaptidão (idem).

O documento não esclarece o porquê da consulta de Carvalho e Melo.


A fama que o ouvidor adquirira no Desembargo do Paço pode ter influen-
170 Da justiça em nome d’El Rey

ciado. Bernardo Duarte explicou que a pouca instrução do ouvidor o fazia


conhecido no tribunal e também o tornava sem autoridade necessária para
controlar as disputas por jurisdições comuns nesse ambiente político. Sobre
o novo ouvidor e sindicante de Rebello Seixas, o corregedor foi mais severo:

Que o Bacharel Manoel Pinto Ribeiro de Castro, Ouvidor atual e sindicante


que foi daquele é da mesma esfera literária não tem acolhimento as partes por
ser de gênio ardente e pouco moderado e que se acha mau quisto na terra e em
toda a Comarca aonde é reputado por ambicioso ainda que quando entrou
para o Lugar mostrara vontade de fazer Justiça o que se não efetuara (idem).

O caso envolvia a sindicância feita por Manoel Pinto Ribeiro de Cas-


tro e o corregedor deu indícios de culpa do ouvidor, afirmando que este era
“reputado por ambicioso” e que tivera notícias de que em Almeida, “terras
de sua correição”, ele estivera envolvido em “alguns fatos pouco desinteres-
sados”. Também informou que o bacharel era “igualmente da mesma esfera
literária” do ex-ouvidor, isto é, de poucas letras. O documento não revela as
causas dessa consulta tão minuciosa, mas indica os caminhos que seguiria a
política administrativa do Reino. Esses homens seriam controlados de perto
pelo centro do poder e tais conflitos, até então comuns e tolerados, torna-
vam-se o alvo do regalismo pombalino.
Em 1765, Sebastião José de Carvalho e Melo ordenou uma devassa
para apurar o procedimento do ouvidor Constantino Barreto de Souza. O
corregedor Mathias de Cavalcanti, após as inquirições, denunciou o bacharel
e outros homens importantes da Vila de Covilhã por haverem intentado uma
conjuração contra o ministro. Cavalcanti arrolou, além do bacharel, alguns
representantes do poder local:

José Caetano Jerônimo, superintendente das fábricas [...] João Soares Girão
Henrique de Novaes, capitão-mor desta Vila, Francisco José Raposo médico
de uns dos partidos da mesma Vila [...] Gabriel de Mira natural do reino de
Castela, clérigo de Missa e morador nesta Vila há anos [...] Antônio Mendes
Seixas, homem de Nação [...] Luiz Agostinho Grilo Ajudante da Ordenança
[desta] Vila de Covilhã (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 71, cx. 60, n. 4).
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 171

O documento, apesar de trazer poucas informações sobre o caso, revela


o quanto era crucial para Pombal combater a autonomia política que esses
homens adquiriram no decorrer do Antigo Regime em Portugal.
Outro conflito chamaria a atenção de Carvalho e Melo. No mesmo
ano de 1765, José Reis Carneiro Borges representou ao juiz da inconfidên-
cia Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, narrando um conflito que ocorrera
“na freguesia de Fontelas, Concelho de Penaguião, Comarca de Lamego”
e denunciando Francisco Batista de Azevedo Montes. Segundo o delator,
o referido era “pessoa muito rica, poderosa e absoluta” e falava “com muita
liberdade no Reto Governo do Reino” (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 57, cx.
46, n. 2). Carneiro Borges foi além:

É vassalo tão infiel que entrando os castelhanos no Concelho de Penaguião


foi avisado pelo Sargento Mor dele Miguel Antônio Cardoso para ir com a
mais ordenança embarasar-lhe o passo respondeu arrogante que não queria
malquistar-se com os castelhanos porque bem sabia que este Reino havia de
ter mau fim. É público que ele pretendia ser Mestre de Campo desta Comarca
por donativo que queria dar do General Castelhano (idem).

As denúncias envolviam blasfêmia e traição, já que o acusado, segun-


do o relatado, declarara seu desejo de ver Portugal ser tomado pelas tropas
espanholas. Esses homens, acostumados com a liberalidade que a política do
Antigo Regime lhes imputara, rejeitavam as tentativas de reformas do novo
governo. As intervenções que visavam ao controle político-administrativo,
impostas por Pombal, mexiam com relações há muito estabelecidas:

Anda publicamente com pistolas e armas defesas dizendo há de cortar as ore-


lhas a quem dele se queixar a V. M. ou lhe for desobediente, costuma fazer
crimes falsos e jurar neles com cinco testemunhas que tem prontas para tudo
o que ele lhe diz tem todos os dias sua palestra com os da sua parcialidade em
casa de Antonio Monteiro de Mesquita da mesma freguesia onde dá normas
para o governo do Reino censurando algumas Leis modernas estabelecidas nele
obrando todas estas insolências fiado na amizade que tem com os Ministros de
Lamego e com o Ouvidor deste Concelho (idem, grifo nosso).
172 Da justiça em nome d’El Rey

Na denúncia fica claro o poder que Francisco Batista de Azevedo Mon-


tes exercia sobre a população local. Possuía seu séquito e recorria a ele para
se manter no controle e, pelo que a denúncia deixa transparecer, criava suas
próprias leis, criticando as “leis modernas” impostas pelo ministério do mar-
quês. A carta escrita por Carneiro Borges estava assinada por mais de uma
dúzia de testemunhas “que se não recear dele”.
Interessa-nos o fato de o referido ter sido acusado de contar com a “ami-
zade” dos oficiais de justiça da comarca de Lamego e do ouvidor do Conce-
lho de Penaguião. Tal denúncia foi levada em conta por Carvalho e Melo, já
que no mesmo ano Luís Ribeiro Godinho, corregedor de Lamego, respondeu
a uma solicitação de Cordeiro Pereira, explicando com detalhes suas atitudes
a favor do acusado. Relatava que fora a Penaguião por ordem da junta e que lá
havia interrogado “as primeiras cinco testemunhas que unicamente se acha-
vam na terra e como delas não resultou culpa” partira para a Vila de Resende
“para onde fora mandado por ordem da Secretaria de Estado”. O corregedor
expôs o que haviam dito outras testemunhas, afirmando que com base nelas
havia concluído “ser a culpa falsa e forma[da] por vingança”, e que por isso
não prendera o acusado. Declarou ter interrogado cinco testemunhas, que
supomos serem as mesmas cinco de Azevedo Montes (idem).
Em agosto de 1765, a Junta de Inconfidência enviou uma ordem ao
corregedor de Lamego para que fossem ouvidas “as testemunhas que na mes-
ma denúncia se apontam” e que

constando elas com a matéria da Denúncia fará logo prender ao Denunciado,


pondo-o em segredo e fazendo-lhe judiciais perguntas por si mesmo e sem
escrivão me remeterá os próprios autos sem ficar traslado, suspendendo a
remessa do preso até segunda ordem (idem).

O estado de polícia característico do novo governo trabalhava com


o regime de segredo, ainda mais quando estavam envolvidos ministros da
Justiça e homens importantes do poder local. O parecer de um oficial do
Desembargo do Paço não mais era soberano e, por isso, o Tribunal de In-
confidência recomendava a apuração e a “liquidação da verdade”, tudo com
bases na inquirição das testemunhas da Representação (idem).
Em setembro iniciou-se uma longa devassa. O processo envolveu, além das
testemunhas que assinaram a denúncia, o próprio denunciante e o acusado, bem
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 173

como os oficiais de justiça e as cinco testemunhas arroladas pelo corregedor. Infe-


lizmente a documentação disponível não revela todo o desenrolar desse conflito.
As inquirições feitas durante esse período sugerem que a devassa instalada por
ordem do Tribunal da Inconfidência serviu para esmiuçar as amarrações cliente-
lares que prendiam esses homens, comprometendo-os mutuamente.
As diretrizes controladoras do ministro chegaram aos domínios colo-
niais. Homens nomeados pelo Desembargo do Paço passaram a ser acusados
pelo excesso de poder. Na noite de 13 de dezembro de 1762 foi assassinado
o ouvidor da cidade de Santiago, em Cabo Verde, o bacharel João Vieira de
Andrade. O incidente revela o quanto eram conturbadas as relações entre as
autoridades. A Casa do Ouvidor havia sido invadida por “um grande número
de homens armados”, os quais após assassiná-lo feriram “gravemente Maria
Barbosa, criada do dito Ouvidor, ao qual roubaram não só alguma roupa e
vestidos, mas juntamente livros e papéis”.

Estando os mencionados mal feitores na execução d’este bárbaro delito, acu-


dindo um corpo de tropa militar, lhe resistiram formalmente, comminando-
-lhe a morte, se não retirassem, dizendo que estavam em uma diligência de
ordem do Governador e que também eram soldados, acrescentando insolen-
temente que a diligência era serviço do dito senhor (Os portuguezes em África,
Ásia, América, e Oceania,1849, p. 228).

Os assassinos alegaram, ao serem surpreendidos pelas tropas, que esta-


vam a serviço do governador interino e àquela época juiz, Antônio de Barros
Bezerra de Oliveira. Forte representante do poder local, Antônio de Barros era
mestiço, filho do reinol João Pereira de Carvalho. Como seu pai, ocupara car-
gos importantes na ilha, “já que fora juiz, vereador, provedor da Santa Casa de
Misericórdia, capitão, coronel da milícia, ouvidor-geral e governador interino
do arquipélago” (Cabral, 2005). Possuía também um grande poderio econô-
mico e um grupo de vadios que estava ligado a ele por laços de fidelidade e
trocas de favores. O ouvidor invadira o espaço de atuação de poder de Barros,
que acumulava o cargo de juiz e iniciara, ele mesmo, o processo. No caminho,
foi substituído por José Romão da Silva, que concluiu a investigação de seu an-
tecessor, “o qual pronunciou o Capitão mor João Freire de Andrade sem prova
bastante, sendo Escrivão Francisco Rodrigues da Guerra”. Mais tarde os dois
seriam também arrolados como réus (Os portuguezes em África..., p. 228).
174 Da justiça em nome d’El Rey

Constando a El-Rei o público escândalo deste delicto e suas agravantes qua-


lidades, ordenou ao Bacharel João Gomes Ferreira, a quem despachara Ouvi-
dor das mesmas Ilhas, que logo que chegasse a elas, feitas as prisões dos prin-
cipais agressores, procedesse a Devassa, prendendo aos que achasse culpados,
inquirindo sumariamente todos os mais insultos, que os delinqüentes seus
sócios e adherentes houvessem cometido e os remetesse todos nas fragatas que
mandara destinadas para este fim (p. 229).

Com a chegada do oficial do Reino, enviado para substituir o ouvidor


assassinado e elucidar a questão, as coisas tomariam outro rumo. O doutor
João Gomes Ferreira provou que “Antônio de Barros Bezerra de Oliveira fora
quem mandara fazer o dito crime”. Considerado um “homicídio voluntário”,
concluiu pela crueldade da ação, “não só por se reputar na opinião de muitos
Doutores como parricídio a morte dos Julgadores pelo paternal ofício, de
que são encarregados em benefício dos Povos”, mas também pelo roubo que
seguiu tal assassinato. Sob as “Leis do Reino” e os olhos atentos do marquês
de Pombal, “aumenta-se mais a gravidade do delito pela circunstância de ser
verdadeiro crime de lesa-majestade”. A morte de um “Juiz feita em ódio das
Leis, que executa pela obrigação do seu ofício” e em nome do monarca fora
tomada como um “insulto” à ordem que se pretendia estabelecer (p. 230).
Durante a devassa, João Gomes apurou que o acusado era inimigo do
ouvidor assassinado por este “ter procedido contra ele pelos descaminhos e
roubos dos bens do governador Marcelino Pereira d’Ávila, sendo o réu pro-
curador dos defuntos e ausentes”. Tal incidente arrefeceu ainda mais as rela-
ções entre os dois, levando o acusado e então governador interino “a mandar
tirar a guarda do Ouvidor” (p. 231). Antônio de Barros também foi acusado
de envenenar vários outros oficiais. A devassa tirada pelo recém-chegado ou-
vidor revelou uma truncada rede de favores e benefícios mútuos entre esses
homens, a qual o malogrado ouvidor viera abalar. A sentença para esse crime,
lavrada em 18 de dezembro de 1764,

condenou ao réu Antônio de Barros Bezerra de Oliveira, a que com baraço


e pregão fosse levado arrastado a cauda de um cavalo pelas ruas públicas
da cidade até a forca da Praça do Rocio e nela morresse de morte natural
para sempre e que a cabeça sendo-lhe cortada fosse levada para Cabo Verde
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 175

para ser na Vila da Praia exposta em um posto alto até ser consumida pelo
tempo (p. 234).

Tal atitude espelha os esforços de centralização político-administrativa


empreendidos pelo marquês de Pombal na tentativa de combater e redefinir
as fronteiras de poder entre os oficiais régios e os espaços de ação dos repre-
sentantes dos poderes locais. O condenado, ao assumir um ofício de justiça,
agira por conta própria, e isso não seria mais tolerado pelo Reino.
O envolvimento com a doutrina da Companhia de Jesus também levou
alguns bacharéis ao Tribunal de Inconfidência. No Reino, em 1771, Thomé
de Castro Sequeira foi arrolado como réu por esse tribunal. O bacharel era
formado em Leis por Coimbra e advogava “nos Auditórios de Lisboa”. Segun-
do o processo, costumava receber em sua casa alguns homens importantes da
cidade. Em seu depoimento, Sequeira disse que recebia

com mais freqüência [...] o Desembargador José Bernardo da Gama Juiz que
foi de Índia e Mina [...] Antônio da Silva e Sousa, criado do Senhor Infante
D. Pedro e o Desembargador Jorge Manoel da Costa e que também algumas
vezes ia um Francisco da Costa que escrevia em casa do Excelentíssimo Mar-
quês de Pombal (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 64, cx. 52, n. 3).

Diziam as inquirições que “durante a moléstia que Sua Majestade [...]


tivera em uma perna” os dois bacharéis disseram saber sobre “o voto de jura-
mento que fizera o Senhor Rei D. João Quinto a São Francisco para alcançar
de Deus Nosso Senhor sucessão a este Reino”. Por conta do nascimento do
herdeiro, o monarca mandara construir, em 1717, o Palácio de Mafra e o en-
tregara aos franciscanos. A doença de D. José seria um castigo pela expulsão
desses padres do Convento de Mafra, em 1771, a qual havia sido orquestrada
pelo marquês de Pombal, que requereu ao papa Clemente XIV a ocupação
do prédio pelos cônegos regulares de Santo Agostinho durante o mesmo ano.
O inquirido ainda confessou que

o dito José Bernardo lhe assegurava o grande afeto que o Sereníssimo Senhor
Infante D. Pedro [...] no seu coração aos jesuítas e que o dito Senhor lhe tinha
dito a ele José Bernardo que se governasse Portugal havia de mandar restituir
os que estavam fora e soltar os que se achassem presos (idem).
176 Da justiça em nome d’El Rey

Era grande a influência que os religiosos alijados por Carvalho e Melo


ainda exerciam nas ideias desses homens de letras. Formados pela pedagogia
dos padres jesuítas, não tinham receio de confessar que professavam a defesa
dos religiosos. As acusações contra Pombal não paravam por aí. Thomé de
Castro Sequeira afirmou que

diziam que o Excelentíssimo Marquês de Pombal tinha mandado grandes


remessas de dinheiro e diamantes para Roma, Espanha e França a fim de
comprar os Parlamentários para lhe serem propícios na expulsão e extinção
dos Jesuítas [...] tinha sido desaforo ter se eleito Secretário de Estado José de
Seabra e que fora feito pelo Marquês de Pombal para lhe assegurar [...] o seu
partido e interesses os quais não fiava de Martinho de Melo para ir por Em-
baixador para Espanha a fim de o desviar do governo (idem).

A ideia de seleção política estava entranhada de tal forma no governo


do marquês de Pombal que seus contemporâneos já percebiam as manobras
empreendidas para estruturar um núcleo político coeso e fiel a seus precei-
tos. Quanto a José de Seabra e Silva, desembargador da Casa de Suplicação
e secretário adjunto do Reino, nomeado em 1770, era homem “com fortes
convicções regalistas” (Subtil, 2007a, p. 93). Tinha o perfil político preten-
dido por Carvalho e Melo e, por isso mesmo, manteve-se na cúpula do poder
até 1774, quando foi demitido e degredado por ordem direta do marquês.
A inquirição ao depoente ainda revela outras coisas. Era composta,
quase na íntegra, de críticas contra o marquês de Pombal e de defesa dos
padres da Companhia de Jesus. No contexto político da época, tais críticas se
transformavam em acusação de blasfêmia e, portanto, crime de inconfidên-
cia. Cabe lembrar que esses homens da justiça haviam estado nos corredores
de Coimbra, numa época em que a filosofia jesuítica dominava o ensino em
Portugal. Foram formados pela pedagogia escolástica e tal formação estava
entranhada em suas vidas, fazia parte de seu cotidiano.
O ministério pombalino arrolou muitos infiéis com o objetivo de pro-
mover a instituição da política de fidelidade, que garantiria sua estabilidade no
poder. Os jesuítas e os ouvidores foram alguns alvos dessa seleção. Os cami-
nhos para atingir os objetivos políticos do novo ministério eram minuciosa-
mente traçados e dependiam da cúpula administrativa que rodeava o marquês.
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 177

Além do Desembargo do Paço, outra instituição seria visceralmente ata-


cada, a Universidade de Coimbra, com uma profunda reforma na educação.

As reformas no direito e na educação

A necessidade vital do ministério pombalino de superar a tradição


neotomista seria levada a cabo pelas reformas promovidas no direito e na
educação. A filosofia jesuítica, entranhada na razão política e jurídica, era
responsável pela formação dos que atuavam em nome do monarca. As vias
seguidas pelas carreiras de Letras desses homens passavam, necessariamente,
pela Universidade de Coimbra e pela filosofia dos padres da Companhia de
Jesus, indo culminar quase sempre nos tribunais superiores. Portanto, além
da expulsão dos jesuítas dos domínios, era urgente neutralizar as influências
deixadas por eles.
Com a expulsão dos jesuítas iniciou-se a reforma no ensino, com al-
gumas modificações nos ensinos menores, abolindo as escolas jesuíticas. A
necessidade levaria o marquês a mandar instituir aulas gratuitas de gramática
latina em cada um dos bairros de Lisboa e em algumas vilas, além de criar
escolas de grego e de retórica em Lisboa, Évora, Coimbra e Porto. Tais mu-
danças acabariam por atingir todos os setores de ensino: “primeiras letras,
ensino secundário técnico e de humanidades, ensino universitário e define
os contornos de um sistema educativo moderno, dirigido pelo Estado” (A
reforma pombalina dos estudos).
Em 1746 foi publicado o Verdadeiro método de estudar, de Luís Antô-
nio Verney (1949). A publicação atacava publicamente o método pedagógico
dos padres inacianos e seu predomínio no ensino português. O autor, jesuíta,
viveu quase toda a sua vida intelectual na Itália, onde chegou a ser admitido
na Arcádia Romana, acompanhando a onda das academias europeias, com o
pseudônimo de Verenio Oigano.
Em 1761 foi criado, por carta régia, o Colégio Real dos Nobres, des-
tinado ao ensino da nobreza. Seu objetivo era o aproveitamento de uma no-
breza comprometida com os preceitos da reforma na “administração superior
do Estado”. A instituição era destinada a cem pensionistas de ascendência
distinta e que possuíam proteção régia. O ensino versava sobre os campos já
instituídos, como latim, grego, retórica, lógica e poética, além dos estudos
científicos, “como a matemática, a física, a arquitetura militar e civil e o dese-
178 Da justiça em nome d’El Rey

nho”. O Colégio começou a funcionar em 1766, mas, segundo Serrão, “não


constitui [...] um êxito na política pombalina [...] visto que muitos dos seus
alunos eram oriundos de famílias nobres que se opunham ao predomínio do
estadista” (1987, pp. 144-5).
O ônus de todas essas mudanças recairia sobre os súditos. Em novem-
bro de 1772 foi instituído o subsídio literário, imposto criado por alvará que
custearia as reformas educacionais promovidas pelo marquês de Pombal. O
documento também criou a Junta do Subsídio Literário, dirigida pela Real
Mesa Censória, criada em 1768. A cobrança desse novo imposto seria feita
pelos concelhos e repassada para o poder central, que efetuaria o pagamento
dos professores, agora seculares. O imposto foi causa de uma série de contes-
tações por parte dos súditos coloniais, que reclamavam o fim de tantos novos
impostos criados pela administração pombalina.
Em 1767 foi enviada à Mesa do Desembargo do Paço, por portaria do
ainda conde de Oeiras, a Dedução cronológica e analítica. De autoria de José
de Seabra e Silva, que teve como mentor Carvalho e Melo, o documento era
um libelo contra a influência da filosofia jesuítica. Afirmava que o governo
monárquico era

aquele em que o Supremo Poder reside inteiramente na Pessoa de hum só Ho-


mem: o qual [homem] ainda que se deve conduzir pela razão, não reconhece
com tudo outro Superior que não seja o mesmo Deus: o qual [Homem] de-
puta as Pessoas que lhe parece mais próprias para exercitarem nos differentes
Ministérios do Governo; E o qual faz as leis e as deroga, quando bem lhe
parece (Silva, 1768, tm. 604).

A intenção era ressaltar a superioridade e soberania do poder real frente


a seus vassalos e refutar todo e qualquer poder paralelo. O caminho seguido
foi o ataque à Companhia de Jesus, desde a sua entrada no Reino, em 1640,
até aquela época. Numerosos indícios do atraso cultural e acadêmico de Por-
tugal em relação às outras nações europeias foram detectados, apontando-se
como causa a influência orgânica que os padres exerciam nesses domínios.
A ideologia pombalina vinha sendo escrita por uma cúpula política que
circundava o marquês. A ideia de reforma de todo o aparato institucional ia
além de reformas isoladas no campo educacional ou jurídico. Fazia-se neces-
sária, para fornecer subsídios teóricos às propostas do novo governo, “uma
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 179

reforma não só do ensino, mas de toda uma estrutura jurídica”. Até então, o
ensino jurídico estava a cargo dos jesuítas e baseava-se no método bartolista,
“no qual o Direito Romano era o modelo” (Grimberg, 1997, p. 46).
À pluralidade das práticas jurídicas do direito consuetudinário vinha
se opor a retidão do direito real, estatal. Bania-se também “a invocação do
direito canônico nos tribunais comuns”, promovendo a propagação de um
direito natural “estável como a própria razão”. Toda essa mudança refletiu-se
na promulgação da Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769, pela qual se
codificava o direito racionalista (Hespanha, 1998, p. 165). O direito comum
constituía-se, havia pelo menos três séculos, na doutrina jurídica da Europa,
cujos preceitos unificavam várias fontes de direito, contemplando os direitos
locais, os costumeiros e o canônico. Assim, resumia em suas práticas “todo
o discurso jurídico europeu”. Para esse efeito, os juristas letrados exerceram
grande influência. A tendência universitária desses intelectuais era comum
em toda a Europa centro-ocidental. Aspectos como a utilização do latim e
dos “grandes manuais de lógica e de retórica” nas escolas europeias e a su-
premacia do direito romano e do direito canônico incidiam sobre as univer-
sidades, fazendo com que se ensinasse “o mesmo direito” por toda a Europa
(idem, p. 67).
A partir do século XVIII, as propostas de mudança acompanharam
os estudos ilustrados. A supremacia e o isolamento dos juízes começaram
a ser questionados nas esferas intelectuais. Na França, Montesquieu, com
suas críticas, exerceu influência na “restrição do poder dos juízes” durante o
período revolucionário. Na Itália, Luigi António Muratori expôs os “defeitos
da jurisprudência”, alegando que, por força de uma legislação defeituosa e de
uma doutrina sem disciplina, as decisões ficavam ao “bel-prazer” dos juízes.
Muratori exerceria forte influência sobre a produção intelectual de Luis An-
tônio Verney (idem, p. 165).
Portanto, a promulgação da Lei da Boa Razão, em Portugal, fazia par-
te de um contexto europeu que perseguia as reformas no campo jurídico,
baseando-se nas propostas ilustradas racionalistas dos intelectuais do século
XVIII. Internamente, tal reforma fornecia embasamento à superioridade do
direito do monarca. A partir de então deixava de ter fundamento jurídico o
direito consuetudinário e perdia-se a preponderância das leis canônicas nos
tribunais civis. A aplicação do direito romano foi reduzida, visando ao fim
da supremacia da prática da jurisprudência e da independência dos tribunais.
180 Da justiça em nome d’El Rey

A “Prova de Direito Comum” estava proibida e só o Desembargo do Paço


poderia autorizá-la. A concessão da oportunidade de comprovar por teste-
munhas o que não se conseguira pela “falta de escritura” ficava nas mãos do
Tribunal (Subtil, 1996, p. 154). Por meio dessa lei, a soberania do monarca
estava declarada:

Considerando eu a obrigação que tenho de procurar aos Povos que a Divina


Onipotência pôs debaixo da minha proteção, toda a possível segurança nas
suas propriedades; estabelecendo com ela a união e paz entre as famílias de
modo que umas não inquietem as outras com as injustiças demandas a que
muitas vezes são animadas por frívolos pretextos tirados das extravagantes
sutilezas com que aqueles que as aconselham e promovem querem temeraria-
mente entender as Leis mais claras e menos suscetíveis de inteligências, que
ordinariamente são opostas ao espíritos delas e que nelas se acha literalmente
significado por palavras exclusivas de tão sediciosas cavilações (Lei da Boa
Razão. In Ius Lusitaniae).

Pela lei ficou decretada a superioridade do direito régio e sua responsa-


bilidade em relação aos súditos, ao mesmo tempo que se condenava a prática
e a subjetividade do direito comum. A Carta de Lei de 1770 viria reafirmar
que “é errôneo, abusivo e sem fundamento” a prática do direito consuetudi-
nário, que permitia os cargos da fazenda e justiça como herança para os des-
cendentes dos oficiais (In Ius Lusitaniae). Ditaria, desse modo, as regras para
o provimento dos cargos. Reformava-se o direito ao mesmo tempo que se
alijavam do poder as famílias importantes da governança, e ainda se efetivava
o controle sobre o oficialato da justiça e fazenda.
Em 1768 foi criada a Real Mesa Censória, por meio da Lei de 5 de
abril. O objetivo da instituição desse tribunal era o exame dos livros que
poderiam circular livremente pelo Reino e seus domínios. Com base no Re-
gimento criado em 18 de maio do mesmo ano, podemos observar que o alvo
da instituição era o que se escrevia e, mais precisamente, quem escrevia:

O exame dos Livros, que constituem a principal ocupação da Mesa, é o único


meio dela poder adquirir uma completa noção dos merecimentos dos Auto-
res, se deve fazer com a diligência e exatidão que convém à grande importân-
cia do seu objeto [...] duas coisas deverão acautelar-se cuidadosamente nos
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 181

sobreditos exames: [...] A precipitação do Juízo, por ser inimiga do acerto e a


repetição dos Exames já feitos (In Ius Lusitaniae).

Em 1772, José António de Oliveira, “juiz comissário de Belém”, or-


denou “que lhe apresentasse[m] e lhe entregasse[m] todos os tomos que
tivesse[m] da Política de Aristóteles”. Foram lavrados então os “Termos de
Declaração e de Entregas” que fizeram alguns proprietários de “lojas de li-
vros” de Lisboa. José Colombo declarou que “não tinha comprado mais que
dois dos ditos tomos”. Dizia que lhe haviam remetido de Avinhon “doze dos
ditos tomos dos quais vendera dez porém que não se lembra a quem”. Tam-
bém entregara o tomo um proprietário de nome Bornel e João José Bertran-
de, o qual possuía loja “no sítio de Senhora da Boa Morte” (ANTT, Fundo
MNEJ, mç. 65, cx. 53, n. 3).
A análise e expropriação de um livro já impresso era pouco comum.
Os censores estavam mais habituados a analisar livros que ainda pleitea-
vam publicação, os já impressos só subiam à Mesa Censória se “se tratas-
sem de livros importados do estrangeiro”. Em âmbito nacional, as análises
consistiam na autorização ou não para os manuscritos serem publicados,
o que não podia ser feito sem “licença régia”. A censura a um impresso
era bem mais difícil, menos discreta, pois era feita por rasuras na obra.
No manuscrito, por sua vez, as alterações do censor passavam desperce-
bidas para os leitores. “Nos impressos o censor fica assim limitado a duas
alternativas extremas: licenciar ou permitir. A opção pelo meio termo é
difícil” (Tavares, 1999, p. 2).
A criação da Real Mesa Censória expropriava mais ainda o Desembar-
go do Paço do centro do poder. As competências desse tribunal no campo
de revisão e censura dos livros foram transferidas para a Mesa Censória, onde
transitavam agora os homens de confiança da política pombalina. A exigência
para uma reinterpretação das atribuições jurisdicionais arrefeceu mais ainda a
relação entre esses dois órgãos. Como exemplo, citaremos um conflito ocor-
rido em 1779, o qual demonstra que o período pós-pombalino carregaria
muitos aspectos das reformas empreendidas pelo marquês.
O Desembargo do Paço representou à Dona Maria I “a respeito do
embaraço com que a Mesa Censória se opõe à impressão dos papéis que
por ordem desta se mandam imprimir”. A reclamação referia-se à censura
da mesa sobre o “Impressor Miguel Manescal”, que havia imprimido “sem
182 Da justiça em nome d’El Rey

sua licença o Edital de sete de setembro deste ano, do qual costumava ser
o mesmo expedido por esta Mesa”. Portanto, à ordem que o Desembargo
havia dado se sobrepôs a censura da Real Mesa. O Tribunal ainda informou
que o aval para a impressão havia sido dado em segredo e que ao impressor
fora recomendada discrição. Os desembargadores, lembrando que “o trono
de Vossa Majestade [...] é o centro da união de todos”, aludiram à posição
histórica do Tribunal:

Parecia que a referida Mesa apenas considerasse estas razões desistiria logo
do empentio que havia tomado em se fazer superior desta e revisora dos seus
diplomas vendo muito bem que aquele Edital era mandado o imprimir em
segredo que este podia ser recomendação especial de Vossa Majestade e de-
vendo lembrar-se que era factível que assim sucedesse pela matéria que esta
nunca lhe podia pertencer mas sim a esta Mesa em virtude com alguma re-
missão com efeito das muitas pelas quais és Vossa Majestade costuma confiar
desta mesa mas que de nenhuma outra os negócios de maior importância que
enfim a impressão do Edital era uma conseqüência das Ordens demandadas
de Vossa Majestade as quais ninguém deve impedir com pretextos frívolos
(ANTT, Sec. Negócios do Reino, mç. 338).

Na representação constavam ainda outras observações sobre a indefi-


nição das fronteiras jurisdicionais entre os dois órgãos, bem como do aniqui-
lamento das atribuições dos desembargadores do Paço. No entanto, alguns
desses desembargadores não haviam percebido as mudanças que se operaram
durante os últimos 24 anos. O fato é que a monarca não despachou a favor do
Desembargo do Paço e também não repreendeu a Real Mesa Censória pela
suposta invasão de jurisdição. A proibição da impressão não foi revogada e os
desembargadores foram obrigados a assistir e assimilar as mudanças impostas
durante o período anterior e que não tomariam outros rumos, como muitos
deles esperavam.
Com base nos trabalhos da Junta da Providência Literária, em agos-
to de 1771 foi apresentado ao monarca o Compêndio histórico do estado
da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados jesuítas
e dos estragos feitos nas ciências e nos professores e diretores que regiam pelas
maquinações e publicações dos novos estatutos por eles fabricados. O título
longo já subentendia o sentido que tal obra adquiriria para os reforma-
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 183

dores: delegar aos padres inacianos o atraso intelectual que recaíra sobre
Portugal e que naquele momento, com o avanço das outras nações euro-
peias, estava tão evidente. A situação da nação portuguesa contrastava
com “os feitos ilustres e os heroicos progressos dos Portugueses no Con-
tinente, na África, na Ásia e na América” da época dos descobrimentos.
Essa afirmação sustentava a argumentação dos elaboradores do Compên-
dio; era a representação do poder da monarquia sobre quaisquer outras
manifestações (Patrício, 2008, p. 9).
Na introdução do Compêndio, os jesuítas eram acusados da desgraça na
qual caíra o ensino português, em comparação com o passado glorioso:

[A] Universidade [de Coimbra] foi tão admirada na Europa até o ano de mil
quinhentos e cinquenta e cinco, no qual os denominados Jesuítas, depois de
haverem arruinado os Estudos Menores com a ocupação do Real Colégio
das Artes, em que toda a Primeira Nobreza de Portugal recebia a mais útil
e louvável educação, passaram a destruir também sucessivamente os outros
Estudos Maiores, com o mau fim, hoje a todos manifesto, de precipitarem os
meus Reinos e vassalos deles nas trevas da ignorância (Compêndio histórico...,
2008, p. 95).

Nesse sentido, o início da decadência seria o ano de 1555, quan-


do foi entregue à Companhia a administração do Colégio das Artes em
Coimbra. Quatro anos depois, assumiria também a administração da en-
tão criada Universidade de Évora, concretizando o seu domínio sobre o
saber em Portugal.
A crítica ao estudo da jurisprudência canônica e civil foi voraz:

Desterraram também da Universidade todas as pré-noções indispensáveis


para habilitarem um estudante canonista ou legista. Contrariamente lhe sus-
citaram todos os impedimentos que podiam embaraçar os progressos destas
duas ciências, já habilitando os estudantes para as aulas sem algum prévio
conhecimento das Línguas Latina e Grega, da Arte da Retórica e da boa e ver-
dadeira Lógica, já ditando e fazendo ditar nas escolas públicas uma Metafísica
errônea e sumamente prejudicial, já estabelecendo por base da Moral Cristã a
Ética de Aristóteles, filósofo ateísta, que nenhuma crença teve em Deus e na
vida eterna (idem, p. 101).
184 Da justiça em nome d’El Rey

A metafísica aquiniana trazia muito da teoria de Aristóteles. Tomás de


Aquino pregava a existência de uma ordem natural das coisas, a qual deveria
ser confirmada com base na crença em um Deus criador e ordenador do
mundo. Portanto, todos os seres estariam sujeitos a uma ordenação divina,
cósmica, para a qual se harmonizavam “em função do Bem Supremo” (Hes-
panha, 1998, p. 143). A ideia de direito natural trabalhada pelos jesuítas
em suas práticas de ensino perpassava a livre associação do homem à ordem
natural. Tal associação, no entanto, tinha uma ligação com a ordem divina e,
com base nela, o homem procurava livremente a associação política. Assim,
a organização política de uma nação mantinha íntimos laços com a ordem
divina e a Igreja detinha um amplo poder entre a sociedade política e os
desígnios divinos. O homem era livre para se socializar, mas possuía em sua
essência a diretriz divina.
A intenção também era, no rastro das luzes do século, implantar um
ensino prático, simples e metódico. Nos novos Estatutos da Universidade de
Coimbra, de 1772, tal intenção fica clara. Consta no segundo livro, dedicado
às Faculdades de Cânones e Leis:

Todo o fim da instituição e regulamento dos cursos jurídicos consiste so-


mente no estudo mais regular, mais completo, mais perfeito, mais fácil, mais
metódico e mais bem ordenado do Direito Civil e Canônico. E como cada
um deles tem diferente objeto; por se dirigir o Civil à tranquilidade da Vida
Civil e se ocupar o Canônico na direção da Vida Cristã, desta diferença de
objeto procede constituírem ambos diversas faculdades e diferentes Ciências
(Estatutos da Universidade de Coimbra, 1972, p. 280).

Em agosto de 1772, D. José fez publicar a carta régia que confirmava


os novos Estatutos da Universidade, cuja base era o Compêndio histórico. Para
essa nova ideologia, que envolveria os estudos jurídicos (e não só), a impor-
tância metodológica do que se ensinava era imensa. A separação dos estudos
canônicos e civis era fundamental e apresentava reflexos das ações políticas.
Num só golpe, alijou-se o método pedagógico escolástico e a influência espi-
ritual dos padres jesuítas dos meios do poder.
Com o objetivo de promover “uma instrução pública com o caráter se-
cular e nacional”, os reformadores pretendiam suplantar os vestígios do estudo
do direito ministrado pelos inacianos e da influência do jusnaturalismo (Braga,
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 185

1898, p. 317). Na esteira da defesa de um direito pátrio e acompanhando as


reformas já implantadas com a Lei da Boa Razão, o que se almejava era a insta-
lação do estudo de um direito racional, laicizado. Foram adotados pensadores
como Grotius e Pufendorf, juristas do século XVII que instituíram a discussão
sobre o direito natural das gentes.
As relações internacionais também adquiriram importância: a intera-
ção entre os países passava a ser entendida com base nos estudos jurídicos e
dava lugar a conceitos como racional, natural e nacional. Era o esforço em
substanciar a nova razão de Estado almejada pelo ministério pombalino e que
tinha como parte essencial a constituição do direito. Foram indicadas obras
do autor austríaco Karl Martin, professor de jurisprudência na Universidade
de Viena. Nomes como Berti, Van Espen, Fleury, Heineccius, Zallewein,
Riegger, Heumann, Schwar e Senckenberg também faziam parte da lista de
obras recomendadas pelos reformadores e aprovadas pelos membros da Real
Mesa Censória.
As críticas à reforma da Universidade de Coimbra foram muitas, prin-
cipalmente advindas de intelectuais formados sob a luz da filosofia jesuítica.
A aversão a esses filósofos modernos tinha tais contornos. Rodrigues co-
menta que

num trabalho manuscrito existente na Biblioteca de Elvas e no Arquivo da


Universidade de Coimbra condenam-se os Estatutos de 1772 por tecerem
considerações favoráveis a Pufendorf, a Wolfius, a Grócio e a outros. Isto,
além de diversas críticas quanto a outros pontos (1984, p. 216).

Cabe lembrar que antes de 1772 a Faculdade de Direito havia sido alvo
das reformas nos estudos maiores. Por Decreto de 19 de maio de 1762, D.
José comunicara e ordenara ao reitor da Universidade de Coimbra, Gaspar
de Saldanha e Albuquerque, “a substituição dos livros que deviam possuir e
usar os estudantes juristas”. Esse decreto foi uma tentativa para racionalizar
os estudos de direito, afastando-os das “extensas glosas” e das diversas opini-
ões (muitas vezes contrárias) dos professores, que causavam desencontros nos
estudos dos alunos (Costa e Marcos, 2013, p. 103). A busca pela clareza e
simplicidade no ensino da jurisprudência retratava o início do esforço em se
instituir o controle do que se ensinava aos homens que, saindo dali, serviriam
ao Reino como oficiais.
186 Da justiça em nome d’El Rey

A “Nova Fundação” ou ainda a “Criação”, como foi chamada a refor-


ma da Universidade de Coimbra, proporcionou novas perspectivas no ensino
superior português e, mais diretamente, na formação dos agentes régios. Po-
rém, as novas diretrizes causariam muitos problemas e conflitos. A demanda
da frequência dos alunos não atendeu às expectativas dos responsáveis pela
reforma. As exigências determinadas pelos novos estatutos suscitaram ques-
tionamentos por parte dos estudantes, há muito acostumados com a dinâ-
mica pedagógica dos padres inacianos. Os alunos estavam acostumados com
“um ensino rotineiro e de pouca exigência” (Rodrigues, 1984, p. 220). O dia
a dia dos estudantes de Coimbra era marcado por uma liberdade e autonomia
que seria difícil suplantar.

***

As reformas implantadas pelo marquês de Pombal recaíram sobre a


realidade lusitana de forma violenta. À sociedade do Antigo Regime sobre-
punha-se uma nova razão de Estado. Para os homens da época, acostumados
com uma dinâmica política que concedia a cada membro certa autonomia
jurisdicional, as mudanças nas práticas jurídicas e no ensino superior soa-
ram como disformes. Mesmo que o marquês possuísse sua cúpula política,
sintonizada entre si e afinada com as propostas reformistas, muitos agen-
tes responsáveis pela administração político-administrativa se recusaram a
reconhecer o ministério pombalino como representação do poder real. Tal
questão fica mais evidente se atentarmos para os conflitos em que estiveram
envolvidos os homens do Desembargo do Paço, representantes máximos da
monarquia durante o Antigo Regime.
Após analisarmos as mudanças processadas durante esse período e en-
tendermos o sentido das reformas impostas pelo ministério instaurado após o
terremoto, voltaremos nossos olhares para a capitania das Minas Gerais para
percebermos como esses ventos sopraram por lá.
Capítulo 7
O centro-sul da América portuguesa
e os reflexos da política pombalina

A criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro

É nesse contexto de supremacia político-administrativa, comercial e eco-


nômica da capitania do Rio de Janeiro e de valorização do centro-sul colonial
que está inserida a criação, em 1751, do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro.
A posição estratégica que a cidade do Rio de Janeiro assumiu a partir
da segunda metade do século XVIII é inquestionável. Faz-se necessário, no
entanto, compreendermos a necessidade da criação de mais uma Relação na
colônia e a escolha da cidade. Tal compreensão parte não somente das rela-
ções atlânticas da cidade, nem do perigo constante de invasão, características
notórias. Reside também na importância das minas auríferas dos sertões ame-
ricanos e na tentativa de fornecer um suporte jurídico-administrativo para
todo um aparato social e político que ali se formara.
Desde a década de 1720 se registravam clamores dos colonos em prol
da criação de um tribunal no Rio de Janeiro. A Câmara do Rio de Janeiro so-
licitara ao monarca o estabelecimento de outra Relação em função da distân-
cia do Tribunal da Bahia. Em outubro de 1733, por meio de uma consulta,
o Conselho Ultramarino declarou:

Os oficiais das Câmaras das vilas Rica e do Ribeirão nas Minas Gerais em
carta de 18 e 20 de julho do ano de 1730, representaram a V. M. a grande
188 Da justiça em nome d’El Rey

consternação que experimentavam os moradores daquele governo no segui-


mento das apelações e agravos para a Relação da Bahia pela grande distância
em que ficava sucedendo-lhe perderem-se no caminho muitos autos em grave
prejuízo das partes e muitas delas deixarem de seguir as demandas, por ser
dilatado o recurso; pedindo a V. M. fosse servido mandar erigir uma Relação
na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, para a qual não duvidava a Câ-
mara de Vila Rica concorrer com 14.000 cruzados e a do Carmo com 3 cada
ano, e as mais daquelas Minas conforme o seu rendimento (Anais da BNRJ,
v. 46, 1924, p. 141).

Portanto, a necessidade de um tribunal já se fazia notar na década de


1730, e a distância da Relação da Bahia era um problema para esses oficiais
do sul. A Coroa, por sua vez, sinalizara a instalação da referida Relação e
contava, para isso, com os tributos advindos das câmaras. O Conselho Ultra-
marino, por provisões de 7 de fevereiro de 1732, ainda ordenou

aos Governadores das Capitanias do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo ajus-
tassem com as Câmaras de cada uma das vilas dos seus governos a quan-
tia com que poderiam contribuir para pagamento de 10 ministros que seria
necessário haver na dita Relação e se seria conveniente situar-se no Rio de
Janeiro como se pedia (idem).

O governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, respon-


deu à solicitação, enviando ao Reino as cotas oferecidas por algumas câmaras
da capitania e informando que “assim para os moradores daquela capitania
como os de São Paulo e Minas Gerais”, a instalação do tribunal na cidade só
traria benefícios aos vassalos do centro-sul (idem).
A 18 de março de 1750, a Câmara de São João Del-Rey representou ao
monarca sobre a criação do tribunal. O documento era uma espécie de lem-
brança da carta régia de 1734, “em que se fez pública a Resolução de Vossa
Majestade para ser criada uma nova Relação na Cidade do Rio de Janeiro”.
Os oficiais camarários escreveram que

ainda que entendamos haverem justos respeitos demorado a execução daquela


Real resolução por não costumar Vossa Majestade esquecer-se da utilidade
dos seus pares, tornamos a fazer presente à sua Real lembrança o nosso desejo
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 189

que se aumenta quanto mais crescem as dependências dos pleitos e diminuem


as conveniências cônscias (AHU/Brasil Geral, cx. 44, doc. 1.050).

A cada ano e quanto mais o centro-sul crescia em importância, a ne-


cessidade de um aparato político-administrativo se intensificava. Os oficiais
da Câmara de São José, comarca do Rio das Mortes, enviaram, no dia 20 do
mesmo mês, uma Representação ao monarca. O documento manifestava o
“desejo de que entrasse em execução a ordem régia relativa à criação de uma
nova Relação no Rio de Janeiro, onde fossem desembargados os pleitos das
Comarcas e Capitanias do Sul” (AHU/MG, cx. 55, doc. 30). Falavam tam-
bém da carta régia de 1734 – que comunicou ao ouvidor de Pernambuco a
decisão da criação de um Tribunal da Relação na cidade do Rio de Janeiro – e
de sua demorada execução, ressaltando a necessidade que tinham da instala-
ção do tribunal.
Em 1750, o Conselho Ultramarino elaborou um parecer sobre “todo
o necessário para a criação da Relação do Rio de Janeiro” (AHU/Brasil
Geral, cx. 44, doc. 1.050). A iniciativa determinante para estruturar a ins-
talação baseou-se em uma petição dirigida ao Reino, do guarda-mor geral
das Minas Gerais, Pedro Dias Paes Leme. O guarda-mor fez menção, como
todas as outras representações, à distância das Minas em relação ao Tribu-
nal da Bahia. Expôs também seus conflitos com os ouvidores das comarcas
mineiras, bem como os inconvenientes que se tratavam entre os oficiais da
justiça em função dos problemas advindos dos serviços minerais. Sugeriu
que o número de desembargadores para a Relação do Rio de Janeiro fosse
seis e não dez, como era praxe e estava previsto para a cidade. O procurador
da Coroa concedeu parecer favorável à instalação, corroborando a petição
de Paes Leme:

A necessidade e utilidade desta nova Relação cuido que é indiscutível e


ninguém duvida dela. A falta de casa própria se supre com outra alugada,
de semelhança da Bahia. Se a contribuição dos povos não chegar para a
despesa, justo parece que Sua Majestade supra o que faltar ao menos em
que os povos que por hora derem pouco, não puderem contribuir com
mais e também cuido que pouco será o dispêndio da Fazenda Real neste
Suprimento, maiormente cessando por outra pela despesa das Relações ex-
traordinárias da Bahia (idem).
190 Da justiça em nome d’El Rey

Também fez menção à consulta do Desembargo do Paço, que sugerira a


passagem dos desembargadores da Relação da Bahia para o Rio de Janeiro, po-
rém priorizando a vinda de ministros diretamente do Reino. A esse respeito dizia:

O arbítrio da consulta do Desembargo do Paço a respeito de servirem estes


Ministros a metade do seu tempo no Rio e o resto na Bahia, sim lhes causaria
algum descômodo mais e mais alguma despesa e também a Fazenda Real; po-
rém ainda isto me parece menos mal do que virem estes Ministros em turmas
impedir a entrada dos do Reino (idem).

No entanto, não concordou com a redução do número de oficiais,


segundo ele, “em nenhum caso aprovarei que estabelecida a Relação do Rio,
seja menor de dez o número dos Ministros dela”.
O assunto em torno da provisão de desembargadores para a Relação
do Rio de Janeiro esteve algum tempo desencontrado entre as autoridades. O
Conselho Ultramarino recomendou que os desembargadores nomeados para
o Rio de Janeiro

residam naquela Relação seis anos e fim do que eles venham para a Relação
do Porto, como é de costume nos da Bahia, por entender ser muito conforme
a boa ordem que estes desembargadores estejam três anos na dita Relação do
Rio e os outros três anos vão completar a Bahia e dali passem para a do Porto
porque com esta ordem verificasse o fim desejado daqueles Povos de terem
Relação no Rio de Janeiro (idem).

A preocupação era o excesso de ministros nos bancos das Relações do


Reino, para “onde todos procuram entrar”, tornando-se “dificultosa a aco-
modação dos bacharéis do Desembargo do Paço nos lugares da Relação do
Porto” (idem).
Assim, em 16 de março de 1751, o governador do Rio de Janeiro,
Gomes Freire de Andrade, foi informado do estabelecimento do Tribunal
da Relação do Rio de Janeiro, nos mesmos moldes do Tribunal da Relação
da Bahia, “inclusive com dez ministros servindo por seis anos” (Wehling e
Wehling, 2004, p. 130). Em outubro foi baixado o regimento. Foram des-
locados dois desembargadores da Bahia, os demais nomeados chegariam do
Reino em 1752. No Regimento da Relação do Rio de Janeiro, o monarca afir-
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 191

mou ter consultado as Mesas do Conselho Ultramarino e do Desembargo do


Paço, “que se conformaram no mesmo parecer” sobre a criação do tribunal.
Ainda acrescentou que

por desejar que todos os Meus Vassalos sejam providos com a mais reta e mais
pronta administração da Justiça, sem que para esse efeito sejam gravados com
novos impostos, houve por bem de criar a dita Relação, à que mando dar
este Regimento [...] para se ordenar pelo modo e forma mais conveniente;
fazendo-se por conta da Minha Fazenda e das despesas da dita Relação as que
forem necessárias para a sua criação e estabelecimento [...]
O corpo da mesma Relação se comporá de dez desembargadores, em que se
inclui o seu Chanceler, dividindo os seus lugares de sorte que sejam cinco os
de Agravos, um de Ouvidor Geral do Crime e outro de Ouvidor Geral do
Cível, um de Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda e um Procurador da mesma
Coroa e Fazenda (In Ius Lusitaniae).

Como o procurador da Coroa havia previsto, o número de dez de-


sembargadores explicava-se, posto que “todos os sobreditos Ministros, exce-
tuando somente o Chanceler”, além de “servir de Adjuntos uns dos outros”
também serviriam “reciprocamente nos seus impedimentos”. Tal determi-
nação, segundo o Regimento, serviria para “que o despacho se continue sem
interrupção”. Quanto à jurisdição, a Coroa fez questão de deixar claras as
fronteiras que a separavam da Relação da Bahia:

Terá essa Relação por seu distrito todo o território que fica ao Sul do estado
do Brasil, em que os compreendem treze Comarcas, a saber, Rio de Janeiro,
São Paulo, Ouro Preto, Rio das Mortes, Sabará, Rio das Velhas, Serro do Frio,
Cuiabá, Guyazes, Pernaguá, Espírito Santo, Itacazes, e Ilha de Santa Catari-
na, incluindo todas as Judicaturas, Ouvidorias e Capitanias que se houverem
criado ou de novo se criarem no referido âmbito, que hei por bem separar
inteiramente do distrito e jurisdição da Relação da Bahia (idem).

Os conflitos por jurisdição relatados pelas autoridades do centro-sul


eram algumas das causas dessa instalação e da demarcação bem delineada da
jurisdição de cada tribunal colonial. Com a instalação da Relação do Rio de
Janeiro, pretendia-se reafirmar a presença do poder régio nas paragens do sul,
192 Da justiça em nome d’El Rey

região há muito periferizada pela Coroa. Seu crescimento político-adminis-


trativo e econômico iniciara-se no século XVII com a posição estratégica da
praça do Rio de Janeiro, mas só se confirmaria com a questão da colônia de
Sacramento e a descoberta do ouro nos sertões de Minas Gerais. A partir da
segunda metade do século XVIII, a necessidade de delinear com precisão essa
região foi considerada prioridade. Incrementou-se a circulação de homens
que vinham do Reino com a incumbência de fazer cumprir a ordem em
nome do monarca.
Passemos agora ao estudo da capitania de Minas Gerais frente a esse
panorama de reformas.

A América portuguesa no contexto pós-terremoto

Em 1757, a Coroa determinou por carta ao vice-rei do Brasil que to-


das as câmaras da América portuguesa celebrassem “o patrocínio de Nossa
Senhora com jejum em ação de graça a soberana rainha dos anjos” (AHU/
BA, cx. 126, doc. 9.865 apud Gouvêa, 2007, p. 249). O temor causado pelo
terremoto havia inspirado a busca pela ajuda divina por todo o Império. A
intenção era a comoção dos súditos, reinóis ou não, numa tentativa de consi-
derar todos como responsáveis pela reconstrução do que ficou destruído. De
fato, assim a Coroa agiria. Boa parte do ônus da reconstrução de Lisboa seria
transferida diretamente para os fiéis vassalos.
Em dezembro de 1755, imediatamente após o terremoto, a Coroa orde-
nou à Câmara da Bahia que fossem organizados “meios de ajuda e arrecada-
ção de recursos” para a reconstrução de Lisboa. A medida causou insatisfação
nos moradores: a Câmara solicitou “redução da cobrança das fintas” que de-
veriam ser enviadas ao Reino como parte da ajuda ordenada pelo monarca.
Considerando a instabilidade político-administrativa da corte, a solicitação
da câmara não obteve resposta e ainda houve a “organização de uma junta de
recebimento dos donativos destinados à reconstrução de Lisboa” (Carta Ré-
gia, 16 dez. 1755, AHU/Bahia, cx. 126, doc. 9.865; Representação dos mora-
dores da Bahia enviada ao rei, 20 nov. 1756, AHU/BA, cx. 129, doc. 10.099;
Ofício do vice-rei Marco de Noronha a Tomé Joaquim da Costa Corte Real,
14 set. 1757, AHU/BA, cx. 132, doc. 10.335; apud Gouvêa, 2007, p. 249).
Em 1759 perturbações contra os impostos para a reconstrução de Lis-
boa levaram alguns moradores à prisão na Bahia, sendo logo depois liberados.
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 193

Os insultos vieram em forma de “papéis sediciosos contra o donativo para


a reconstrução de Lisboa” (AHU/BA, cx. 133, doc. 10.357 apud Gouvêa,
2007, p. 249). Tal incidente reflete a situação formada com a pressão da Co-
roa para a ajuda frente aos estragos do terremoto. A ideia de que os súditos
tinham o dever de colaborar com a reconstrução da capital do Império não
cairia muito bem.
Tais cobranças perduraram por longos anos. Na Bahia, muitos foram
os reclamos pelo fim do imposto. Em 1799, às portas do século XIX, Fer-
nando José Portugal, capitão-geral da capitania da Bahia, reclamou à rainha
o fim da cobrança para a ajuda da reconstrução de Lisboa (AHU/BA, cx.
133, doc. 10.357 apud Gouvêa, 2007, p. 249). Poucos anos depois, os “Ju-
ízes e Oficiais da Câmara, Nobreza e Povo da Comarca de Sergipe d’Elrei”
representavam ao monarca solicitando o fim do longo subsídio. Nesse caso,
o documento cita a ajuda para “a reconstrução do Real Palácio da Ajuda e
da cidade de Lisboa, depois dos estragos do terremoto de 1755” (Anais da
BNRJ, v. 37, ano 1915). Como se pode notar, a contribuição dos súditos
adentraria o século seguinte...
A situação no Rio de Janeiro era parecida. Ao longo do século XVII
e início do século XVIII, a capitania vinha adquirindo importância no con-
texto imperial. Embora assumindo papel secundário na produção de cana-
-de-açúcar, sua posição de entreposto para as conexões negreiras da África e
para “as possessões espanholas do estuário da Prata” conferira-lhe autoridade
nas relações comerciais no centro-sul a partir do Seiscentos, principalmente
após a criação da colônia de Sacramento. Antônio Carlos Jucá informa que
“o principal elemento de ligação” entre o Rio de Janeiro e “a região do Rio
da Prata [...] era o tráfico de escravos”. Essa relação abriria espaço para o pro-
tagonismo lusitano “no fornecimento de escravos para a América espanhola
[...]: consequência direta desse fato foi o estabelecimento de uma carreira
marítima direta entre Buenos Aires e Rio de Janeiro” (Sampaio, 2003, p. 65).
Além da importância portuária inquestionável, “uma outra força cen-
trífuga [...] atrairia o Rio de Janeiro para longe do mar, em direção ao sertão,
sem no entanto ferir seu estatuto de praça comercial e marítima”. A descober-
ta das primeiras jazidas de ouro nas montanhas paulistas, e depois mineiras,
conferiu ao Rio de Janeiro uma valiosa posição no mosaico que representava
o Império português. O foco administrativo, fiscal, comercial e militar para
ali se deslocaria, alargando os raios de ação das rotas atlânticas, orientais e,
194 Da justiça em nome d’El Rey

inclusive, dos caminhos em direção ao Pacífico. Citando Carlos Jucá, “ao


longo da primeira metade do século XVIII” as relações mercantis na praça
carioca ultrapassariam as de Salvador, tornando-a “a principal da América
portuguesa” (Sampaio, 2001). Tal fato estava ligado às descobertas das minas
de ouro no interior colonial e ao papel de principal abastecedor dos arraiais
mineiros, ressaltando a importância não só do “metal amarelo em si”, mas
também da formação de um “mercado consumidor” que passava a interligar
as duas regiões (Bicalho, 1998, p. 10).
O contexto internacional, desenhado pelo terremoto e pelo estado de
guerra na Europa, colaborou para que, em 1763, a capitania se tornasse ca-
pital colonial. Antes disso, em 1751, ganhara a instalação do Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro, peça importante nas transformações que vinham
redefinindo seu papel e de toda a região centro-sul no contexto imperial.
Maria Fernanda Bicalho revela o quanto foi peculiar a posição tomada
por Gomes Freire de Andrade quando lhe fora ordenado que fosse para a
Bahia assumir o cargo de governador daquela capitania, em 1761. Por ainda
não haver chegado o governador nomeado para as Minas, Luís Diogo Lobo
da Silva, Gomes Freire receava abandonar a região “sem cabeça”, temendo
desordens, já que a considerava “manancial de que pende e se fortifica a
conservação do Reino e das conquistas”. Mencionou a posição que o Rio de
Janeiro havia adquirido, alegando que a capitania era

Empório do Brasil, pois tem este porto as circunstâncias de uma posição e


defensa fortíssima e de uma barra incomparável. As principais forças militares
que há no Brasil nele se acham; aqui entram, saem e se manejam milhões [...]
e a parte mais própria para dar socorros ao Norte ou ao Sul é sem questão esse
porto. [...] este Governo é a mais importante Joia deste grande Tesouro. Aqui
correm e correrão ao diante os mais importantes negócios, tanto da Coroa,
como dos Vassalos; e assim se deve contar como antemural destas Províncias,
de onde se podem socorrer e animar as outras (AHU/RJ, cx. 70, doc. 40 apud
Bicalho, 2003, p. 84).

Gomes Freire demonstrou ao Reino os potenciais não só da capitania


do Rio de Janeiro, mas também de toda a região centro-sul. A Coroa, havia
muito, enxergava como principal parte de sua colônia o norte e não conhe-
cia a fundo as transformações que se processavam. Os homens que vinham
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 195

para a América portuguesa nomeados pelo Reino tinham a oportunidade


de conhecer e conviver com os problemas coloniais e, por isso, se tornavam
fonte preciosa de informações. Mais do que isso, eram parte indispensável do
mosaico imperial.
Em 1756, o governador do Rio de Janeiro foi informado, pelo secre-
tário de Estado da Marinha e do Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real,
de uma ordem para providenciar uma “arrecadação de donativos necessários
à reconstrução de Lisboa” (Gouvêa, 2007, p. 251). Gomes Freire convocou
uma junta com procuradores de todas as comarcas da capitania para pôr em
prática a ordem do Reino. Já no final do século XVIII, algumas reclamações
acerca do subsídio vieram à tona também na capitania do Rio de Janeiro,
reivindicando o seu fim.
Entretanto, as manifestações de colaboração e ajuda vindas da Amé-
rica portuguesa foram muitas durante os primeiros anos após o terremoto.
A população colonial sentia-se parte integrante do Império português e, por
isso mesmo, apesar de algumas reclamações como as que ocorreram na Bahia,
geralmente as capitanias respondiam positivamente à solicitação da Coroa.
Assim, a cobrança do subsídio “não parecia admoestar o conjunto da
população que então habitava a capitania do Rio de Janeiro”. Porém, com
o passar dos anos, a cidade portuária também clamaria pelo fim da co-
brança. Foi nesse sentido que o Senado da Câmara enviou, em 1780, carta
ao monarca, solicitando a interrupção do envio dos direitos pertencentes à
Coroa para a reconstrução de Lisboa. Tal imposto era taxado desde 16 de
dezembro de 1755, e os camarários solicitavam a sua suspensão pela neces-
sidade que expunham de “investir em obras de melhoramento da própria
cidade do Rio de Janeiro”. Seria uma longa trajetória em busca do fim da
cobrança. Para substanciar tal reivindicação, os vassalos do Rio de Janeiro
recorriam aos serviços prestados em prol da monarquia, pela reconstrução
da capital do Reino, solicitando agora “a necessidade de se remunerar” essa
lealdade e vassalagem servidas. Segundo Maria de Fátima Gouvêa, era “a
relação pactista que até então vinha embasando as relações entre essa insti-
tuição camarária e a coroa portuguesa [que] fundamentava a razão de ser
dessa reivindicação” (2007, p. 252).
Com relação à transferência da capital da colônia para a cidade do Rio
de Janeiro, Maria Fernanda Bicalho esclarece que a estratégia baseava-se na
“reorientação da política metropolitana em relação às prioridades de defesa do
196 Da justiça em nome d’El Rey

Estado do Brasil”, concentradas no “temor de perder a cabeça” do Império


português na América (2007, p. 261-2). A partir do final da década de 1750, a
Guerra dos Sete Anos chegou aos territórios coloniais no ultramar. Mesmo que
Portugal tentasse manter uma posição de neutralidade frente ao conflito entre
França e Inglaterra, existia o temor de invasão das terras coloniais americanas.
Considerando a importância adquirida pela cidade, entreposto comercial do
Atlântico e porta de entrada para o sertão minerador, uma invasão do Rio de
Janeiro assombrava a corte portuguesa. A reorientação político-administrativa
seria inevitável, frente ao contexto internacional e aos acontecimentos da dé-
cada de 1750, relativos às definições das fronteiras luso-castelhanas e da assi-
natura do Tratado de Madri. Diante das idas e vindas de Gomes Freire entre
o sul e o Rio de Janeiro e da ameaça constante dos corsários franceses, bem
como da crescente importância da cidade no contexto imperial, a capital da
colônia transferiu-se para aquela cidade. Em carta régia de 11 de maio de 1763,
o monarca nomeou o conde da Cunha vice-rei do Brasil, “ordenando-lhe que
passasse a residir na cidade do Rio de Janeiro” (idem).

A capitania de Minas Gerais e a época de Pombal

Em 3 de dezembro de 1750, D. José I suspendeu a capitação, sistema


de cobrança do quinto real criado por Alexandre de Gusmão e estabelecido
nas Minas por Regimento de 25 de abril de 1734. Suspendeu para restituir
as Casas de Fundição. Sua implantação tivera o objetivo de diminuir os des-
caminhos que as Casas de Fundição, segundo as autoridades, favoreciam.
Durante o período em que esteve em voga, a capitação provocou uma série de
protestos dos habitantes das Minas, que reclamavam a ruína que tal método
de cobrança havia imposto à região.
Em meio aos debates que a substituição de um método de cobrança
por outro provocaram, várias foram as vozes, mineiras ou não, que procu-
raram se manifestar e relatar o mal que a capitação trazia. Num parecer do
Conselho Ultramarino acerca de uma proposta anônima para a cobrança dos
quintos por contrato, o desembargador frei Sebastião Pereira de Castro con-
cordou que

a capitação, que já dá perda a Sua Majestade, há de vir a arruinar a fazenda do


mesmo senhor na melhor parte, porque o maior rendimento que os príncipes
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 197

têm nos seus países em que há minas não consiste no direito real dos quintos
que delas percebem, mas nos direitos das fazendas que por ocasião das mesmas
minas nelas se introduzem e mais utilidades que por ocasião delas lhe resultam
(Papel acerca dos Danos... apud Figueiredo e Campos, 1999, v. 1, p. 453).

Segundo o frei e desembargador, o prejuízo causado pela arrecadação


não incidia somente sobre a mineração, mas afetava toda a dinâmica econô-
mica do Império. De acordo com Luiz Carlos Villalta, o parecer de Pereira
Castro foi profundamente influenciado pela Segunda Escolástica jesuítica. A
preocupação com o bem comum, o bem-estar dos vassalos, a taxação exacer-
bada sobre os “pobres” em favor dos “ricos” e a aplicação da justiça evitariam
“a ruína do Estado e a vexação dos devedores”. Desse modo, ao mesmo tem-
po que os impostos seriam justos e que “o poder dos príncipes, em última
instância, viria de Deus”, observava-se “àquela limitação propugnada pelos
escolásticos, a ‘moderação’ por meio da qual o príncipe manteria o poder e
faria o bem comum” (1999a, p. 229). No entanto, o desembargador não
concordou com o método proposto, o de “arrendamento”:

Antes, estou persuadido que o melhor meio de se fazer esta cobrança é o esta-
belecido pelo conde de Galveias em 20 e 24 de março de 1734, que consistia
em segurarem aqueles povos à Fazenda de Sua Majestade cem arrobas de ouro
em cada um ano, livres de todos os gastos e além delas tudo o mais que os
quintos produzissem (Papel acerca dos danos... apud Figueiredo e Campos,
1999, v. 1, p. 432).

Várias foram as sugestões sobre o melhor método para arrecadar o im-


posto sobre o ouro. Durante o período compreendido entre 1749 e 1751,
quando se restabeleceu a cobrança dos quintos pelas Casas de Fundição,
houve muitos apelos e opiniões sobre o assunto. Num parecer anônimo e
sem data, o proponente expôs sua opinião sobre a “melhor maneira de o rei
contratar os seus reais quintos [...] baseado numa experiência de 22 anos em
Minas Gerais”. A sugestão partia de um contrato único:

Que Sua Majestade haja de contratar seus Reais quintos que lhe são devidos
de todas as outras que se extraírem nas Minas e lavras de todo o continente do
Brasil fazendo de todas as ditas Minas um só contrato para se não fraudarem
198 Da justiça em nome d’El Rey

os quintos de uns distritos para os outros como pretexto de serem extraídos


em diferentes partes (AHU/MG, cx. 50, doc. 88).

Segundo suas ideias, a “indústria dos contratadores interessados nele [no


contrato]”, mineiros e outros que “costumam extraviar os ouros e fraudar o quin-
to”, não o fariam mais (ou fariam menos) por se interessarem na arrematação do
suposto contrato. E ainda se sentiriam responsáveis pela vigilância e manutenção
da ordem, pois, “interessados no dito contrato”, colocariam “todas as diligências e
meios convenientes para que haja menos extravios e descaminhos”. Numa tentati-
va de interpretação, o método de capitação seria o responsável pelo envolvimento
desses “interessados” nos extravios e descaminhos do ouro (idem).
Em 1749, Francisco Xavier Ramos enviou ao conde de Tarouca algumas
reflexões acerca da cobrança dos quintos. Esse, por sua vez, afirmou que “seja
o método qual for, não convém que se arrecade por contrato”. Argumentou,
na defesa de sua tese, que os contratadores “tiram toda a sustância sem respeito
à conservação da Fazenda Real”. Para Xavier Ramos, o método de contrato e
arrendamento facilitaria mais ainda os desvios e descaminhos do ouro e, conse-
quentemente, a ruína da Fazenda Real (AHU/MG, cx. 54, doc. 7).
Outros mineiros expuseram suas reflexões sobre a cobrança dos quintos
reais. Tal assunto fazia parte do dia a dia dos moradores da região e incidia di-
retamente em suas relações sociais e econômicas. No dia 20 de novembro do
mesmo ano, Sebastião José de Carvalho e Melo registrou suas reflexões sobre
o assunto. Disse que não se poderia decidir sobre “importantíssimo negócio”
sem serem levados em conta três “objetos”:

Primeiro objeto: conservarmos as Minas de sorte que não declinem do estado


presente.
Segundo objeto: promovermos a útil e oficiosa cobiça dos mineiros para que
cada dia se animem a mais fortes serviços e mais vastos descobrimentos.
Terceiro objeto: elegermos entre os muitos métodos que se tem praticado até
agora aquele que parece mais próprio para fazer entrar nos cofres de El Rey
Nosso Senhor os Quintos que são devidos a Sua Majestade com menos des-
caminhos couber no possível (AHU/MG, cx. 57, doc. 21).

Para o futuro marquês, deveriam ser contemplados esses “objetos”


como “inseparáveis”, inclusive considerados “pela mesma ordem por que fica
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 199

escrito”. Tal atitude estava em sintonia com as medidas que seriam tomadas
mais tarde, quando assumiria os passos da monarquia de D. José. O incenti-
vo à cobiça dos mineiros com o objetivo de se manterem os rendimentos do
ouro (e não aumentar, pelo menos nesse momento) deixa transparecer que
Carvalho e Melo tinha conhecimento da dinâmica político-econômica impe-
rial. As súplicas dos mineiros contra o método da capitação acompanhavam a
diminuição, havia pelo menos duas décadas, dos rendimentos auríferos. Era
o momento de restabelecer a ordem administrativa e econômica para, no fu-
turo, impor um aumento dos rendimentos, como fruto do próprio trabalho
dos mineiros e da boa governação real.
O desembargador José João Teixeira Coelho também falou sobre a
cobiça dos mineiros. Em sua Instrucção para o Governo da Capitania de Mi-
nas Gerais, aludiu ao incentivo a essa virtude “oficiosa”, dizendo que o Reino
deveria protegê-la e não enervar-se com ela (Coelho, 2007, p. 294).
Considerações à parte, em 5 de dezembro de 1750, D. José I expediu
provisão “suspendendo o sistema de Capitação dos Quintos do Ouro” (In Ius
Lusitaniae). O Regimento para o novo método fora expedido no dia 3 e, já
no início, reconhecia o insucesso do método que estava sendo abolido:

Tendo consideração às repetidas súplicas com que os povos das Minas gerais
me tem representado que em se cobrar por capitação o direito Senhorial dos
Quintos, recebem moléstia e vexação contrárias às pias intenções, com que
El Rey meu Senhor [...] houve por bem permitir aquele método de cobrança
em razão de lhe haver sido proposto como o mais suave e desejando não só
aliviar os referidos povos na aflição que me representaram, removendo deles
tudo o que pode causar-lhe opressão [...] de sorte que experimentem os efei-
tos de minha Real benignidade e do paternal amor com que olho para o bem
comum dos meus fiéis vassalos e o desejo que tenho de fazer mercê aos que
concorrem com os seus frutuosos trabalhos para a utilidade pública do meu
Reino, sendo entre os beneméritos dele dignos de uma distinta atenção os que
se empregam em cultivar e fertilizar as referidas Minas (Regimento para a Nova
Forma de Cobrança dos Quintos Reais. In Ius Lusitaniae).

A conclusão pelo insucesso do método baseou-se em relatos e súplicas


dos próprios mineiros, e a busca pelo melhor método a ser implantado pau-
tou-se numa recompensa aos “fiéis vassalos” pelos serviços prestados desde
200 Da justiça em nome d’El Rey

a descoberta das minas. A manutenção do bem-estar público e do próprio


Reino disso dependia, expressando a dinâmica política do Antigo Regime. O
monarca, ao demonstrar esses “efeitos de [sua] Real benignidade”, esperava
que os vassalos mineiros se dedicassem a “cultivar e fertilizar” as Minas, como
se daquela terra brotassem sementes de ouro (idem).
Ficou estabelecido pelo Regimento que “em cada uma das cabeças de
Comarca das Minas do Brasil” funcionaria uma casa para se fundir o ouro
extraído. Além disso, o Capítulo I estabelecia a obrigação dos mineiros do pa-
gamento de cem arrobas anuais, as quais, caso não fossem alcançadas, seriam
cobradas por meio da derrama (idem).

No capítulo I da dita lei se determina que, não chegando em cada um ano, a


cem arrobas, o quinto que se tira das parcelas do ouro que se fundem nas ditas
casas, se complete o que faltar pelos moradores das Minas, derramando-se ou
repartindo-se entre eles o importe de falta; o que se deve praticar na forma
declarada no capítulo seis do Regimento das Intendências de 4 de março de
1751. A esta repartição é que se dá o nome de Lançamento da Derrama (Co-
elho, 2007, p. 291).

A derrama foi então regulamentada, quando justamente o sistema de


fintas foi substituído pela cota das cem arrobas anuais. Caso não fosse al-
cançada tal quantia em dois anos consecutivos, deveria se lançar mão da co-
brança. Alexandre de Gusmão denunciou a discrepância do método, já que
“a quantia a ser derramada deveria ser repartida por todas as comarcas de
maneira equivalente”. O regimento determinou que a cobrança não se fizes-
se pelas comarcas separadamente. Para o idealizador da capitação, o déficit
anual seria repartido sem se levar em conta a contribuição por comarca e,
assim, as que não tivessem alcançado a cota de 100 arrobas seriam cobertas
pelas outras. Isso geraria uma má divisão na arrecadação do imposto entre os
vassalos contribuintes (Figueiredo, In RAPM, v. 41, 2005, p. 27).1 Mais uma
vez a responsabilidade da manutenção da ordem política e econômica foi

1
Parte deste texto foi apresentada no X Seminário sobre Economia Mineira, realizado em Dia-
mantina, em junho de 2002, e publicado em boletim eletrônico sob o título “Prudência e
Luzes no cálculo econômico do Antigo Regime: fiscalidade e derrama em Minas Gerais (notas
preliminares para discussão)”. Disponível em http://www.cedeplar.ufmg.br/diamantina2002/
textos.html. Acesso em 12 set. 2010.
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 201

transferida para os mineiros. O ônus dos descaminhos do ouro seria dividido


entre os colonos e, caso não houvesse extravios e a cota fosse batida, a quantia
a ser derramada entre as comarcas seria nenhuma.
Até 1761, a média anual foi de 100 arrobas, porém, a partir de 1762,
a cobrança do quinto jamais voltou a superar essa marca. No entanto, ainda
em 1752, na instrução e norma que deu o conde de Bobadella ao seu irmão
José Antônio Freire de Andrade, o experiente governador sinalizara que a
arrecadação já não ia bem: “Se pudermos conseguir a cobrança das cem ar-
robas, será a nossa maior felicidade. Eu bem conheço como é contrário, mas,
como não devem desmaiar as diligências, não seja bastante o menor descui-
do” (Instrucção e norma que deu o Il.mo e Ex.mo Sr. Conde de Bobadella... In
RAPM, ano 4, 1889, pp. 727-35).
O tema da decadência da extração aurífera há muito ronda a historio-
grafia sobre a capitania de Minas Gerais. Optamos por não nos aprofundar-
mos no assunto, o que fugiria dos limites da nossa abordagem político-ad-
ministrativa. Vale lembrar, porém, a pesquisa de Carla Almeida, que mostra
uma deficiência historiográfica que perdurou até pouco tempo, em não con-
siderar a realidade agropastoril da capitania como importante para o contexto
mercantil interno. A autora afirma:

A tese da crise da economia mineira como um todo por ocasião do declínio


da produção de ouro não se sustenta, já que, embora com níveis gerais de
riqueza decrescentes, a economia da região de Mariana continuou bastante
dinâmica e teve o seu nível de liquidez até mesmo aumentado. Ou seja, de-
pendeu cada vez menos do mercado para se reproduzir. O que aconteceu em
Minas Gerais no período pós-auge minerador foi uma mudança de atividade
principal, uma inversão de papéis entre a produção mineral e a agropecuária
(2001, p. 17).

Carla Almeida divide o período estudado em três subperíodos: 1750-


70; 1780-1810; 1820-50. Interessa-nos aqui o primeiro período, sobre o
qual a autora comenta:

Apesar de decrescente, a produção aurífera ainda era suficientemente impor-


tante para manter a mineração como atividade principal e conservar a sua
estrutura produtiva intacta, pelo menos até 1770. Acreditamos que só em
202 Da justiça em nome d’El Rey

meados do decênio de 1770 esse declínio começa a provocar uma rearticula-


ção econômica intencional que poderá ser percebida a partir de 1780 (p. 44).

A despeito dessas informações, a Coroa portuguesa ainda insistia “em


ter o ouro como carro-chefe da economia” e não admitia as informações de
declínio na produção, que chegavam por intermédio dos oficiais régios (p.
61). Alguns desses homens que estavam nas Minas já observavam a vitalidade
própria da capitania, em função do contato com aquele cotidiano.
Em 1762, as câmaras receberam ordem para nomear procuradores,
para que fossem buscadas soluções para se alcançar novamente, em 1763, a
cota anual. “Montavam as faltas em 13 arrobas, 14 libras, 1 marco e 3 onças,
abatidas já as sobras do ano de 1762” (Vasconcelos, 1901, p. 946). A junta
organizada para tratar da derrama era formada pelos

ministros das comarcas de Vila Rica, Sabará e São João de El Rei, que se
acharam presentes e os procuradores das comarcas, exceto o de Mariana, que
requeria se esperasse pela resolução de sua majestade. Distribuídas, portanto,
as faltas que no ano 12o das novas fundições se realizaram, pelos povos das
quatro comarcas, tocou pagar a de Vila Rica quatro arrobas de ouro, igual
quantia a do Sabará; 31,2 arrobas a de S. João e 11,2 arrobas, 29 marcos e três
oitavas a de Serro (idem).

Em 1771, o Real Erário ordenou à Junta da Real Fazenda de Minas


Gerais o lançamento de nova derrama, “porque o quinto recolhido em 1769
atingira apenas 84 arrobas e o de 1770 também não passou disso. Por esse
motivo, em 1771, o Real Erário ordenou à Junta da Real Fazenda de Minas
Gerais o lançamento de nova derrama”. Com a diminuição gradativa, em
1773, a arrecadação não passou de 78 arrobas. Nessa ocasião, houve uma ten-
tativa de instituir a derrama para a cobrança da diferença apenas nas comar-
cas de Vila Rica e Ribeirão do Carmo. “Ela não se estendeu a outras partes da
capitania por causa da penúria do povo” (Romeiro e Botelho, 2003, p. 101).
Sobre a derrama de 1771, a Junta da Administração e Arrecadação
da Real Fazenda informou ao Reino, em agosto de 1773, os motivos que
levaram à suspensão da cobrança do imposto, “que os habitantes de minas se
haviam obrigados a fornecer anualmente à Fazenda Real”. Informaram que
a sua “continuação era sumamente nociva aos mais rendimentos desta capi-
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 203

tania”, em função da “impossibilidade dos Povos” em acatá-la. Declararam


que a derrama havia sido instituída “em tempo que essa capitania se achava
florescente, pela riqueza das Minas [...] e pela frequência dos novos descober-
tos que todos os dias se faziam, mas essa capitania chegou ao estado de sua
total decadência” (AHU/MG, cx. 105, doc. 37). Constatava-se, portanto, a
penúria em que se achavam os povos das Minas.
A discussão sobre a “penúria do povo mineiro” a partir daí seria cons-
tante, o que não impediu que as comarcas de Minas Gerais também contri-
buíssem para a reconstrução de Lisboa à época do terremoto. Em 5 de julho
de 1756, a Câmara de Vila do Príncipe manifestou ao monarca “sua disposi-
ção em colaborar na reconstrução da capital do Reino”. Comparando Lisboa
à “Antiga Babilônia”, os camarários afirmaram que a catástrofe

nos tem motivado um tal sentimento e pesar e a todos os moradores desta


Comarca, fiéis vassalos de Vossa Majestade, que ao mesmo tempo em que é
excessivo em avultuado pela sua grandeza não podemos fazer patente a Vossa
Majestade por palavras porque por nenhuma [...] se pode manifestar o que
no íntimo do coração se sente e como cada um de nós é tão leal que não pode
ser excedido de algum em amor a Vossa Majestade e em lhe apetecer e dese-
jamos a maior e as mais sumas prosperidades e felicidade desta vida (AHU/
MG, cx. 70, doc. 7).

A comoção foi tanta que levou os “fiéis vassalos” a oferecerem “con-


correr de nossa parte para a reedificação ou nova edificação da [...] capital do
Reino”, mesmo afirmando que

sentimos não podermos assistir com tanto como quiseram as nossas vonta-
des porque a penúria, miséria e decadência desta comarca são tão notórias
que fazem que a elas não possam corresponder aos subsídios que quiséramos
saíssem destes povos e do que se precisa para tão glorioso e importante fim;
porém com o que nos for possível, conforme a nossa pobreza, estamos e
estaremos prontos com as nossas vidas e pessoas para servirmos a Vossa Ma-
jestade (idem).

Os rastros da capitação, da decadência da extração e da cota de cem


arrobas não impediram que a Câmara de Vila do Príncipe contribuísse para
204 Da justiça em nome d’El Rey

a reconstrução de Lisboa, mesmo porque esses homens se sentiam parte inte-


grante desse Reino e, portanto, responsáveis pela sua recuperação.
No dia 14 de julho de 1756, era a vez da Câmara de Vila Rica exter-
nar sua comoção. Informaram que, ao tomar conhecimento da tragédia, “se
fizeram nesta vila três procissões com exemplares penitências”. A Representa-
ção era a resposta a uma carta real enviada à comarca em 5 de novembro de
1755, imediatamente após o ocorrido. Nessa carta, o monarca lembrara aos
camarários que

por aquela natural correspondência que todos os aspectos do corpo político


tem com a sua cabeça e pelos interesses que lhe seguires de ser prontamente
reedificada a capital destes Reinos e seus domínios me hão de servir [...] com
tudo que lhe for possível e nesta confiança, mando avisar ao governador [...]
que deixo ao arbítrio do amor e zelo do Meu Real Serviço [...] a eleição dos
meios que achar podem ser mais próprios para se seguir a tão grande e impor-
tante e glorioso fim (AHU/MG, cx. 70, doc. 10).

Podemos perceber as implicações políticas provocadas pelo terremoto


no contexto político do Antigo Regime. O monarca, ao recorrer à ajuda da
capitania das Minas Gerais, não impôs arbitrariamente a cobrança do subsí-
dio. Antes, recorreu ao sentido mais valioso e genuíno que movia a dinâmica
político-administrativa da época: a ligação natural de “todos os aspectos do
corpo político” e a incapacidade da “cabeça” de funcionar sem o corpo, su-
blinhando a “correspondência” existente entre eles. Com base na solicitação
real, informaram que havia se reunido na capital, Vila Rica, uma junta for-
mada “pelos procuradores das Câmaras destas capitanias”, ficando acertado
“um voluntário donativo pelo tempo de dez anos”, como “reconhecimento
de nossa inseparável obrigação e respeitosa obediência” (idem).
Os fiéis vassalos de São João Del-Rey também se manifestaram. La-
mentaram a catástrofe e informaram que, a exemplo da junta organizada em
Vila Rica, ofereciam “um donativo e subsídio, se não igual ao amor e desejo
com que os moradores desta comarca querem servir a V. M. pela impossibili-
dade a que se acha[m] reduzido[s]” (AHU/MG, cx. 70, doc. 15).
O “fúnebre e lamentável estrago” por que passou a “capital do Reino”
também foi lamentado pelos oficiais da Câmara de Mariana nesse mesmo
ano. Além de lamentarem, informaram ao monarca que pelo “zelo do Real
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 205

serviço e do bem público” fora estabelecido pela câmara “o Real e voluntário


subsídio extraído por tempo e decurso de dez anos”. Tal determinação teria
sido levada a cabo “mais por impulso do nosso amor que da possibilidade”
real, já que não seria possível “pela decadência manifesta em que se acha o
País” (AHU/MG, cx. 70, doc. 37).
Essa representação incluiu outros assuntos. Ao mesmo tempo que
disseram cumprir com a obrigação de fiéis vassalos, declararam o estado de
penúria em que vivia toda a capitania. Solicitaram ao Reino a redução de
impostos sobre “as fábricas de minerar” menores, constatando que elas eram
a maioria. Requereram também a isenção sobre as roças cultivadas para “sus-
tento dos Escravos”. Fizeram outra reivindicação: o restabelecimento, na ca-
pitania, da Casa da Moeda, que significava “progressos em benefício da Real
Fazenda e utilidade do bem público”. Alegaram que no passado a Coroa não
possuía “mais rigorosas e estreitas Leis” para punir os falsificadores de moedas
e “seus cúmplices”. Por fim, afirmaram que tais mercês, se fossem concedi-
das, poderiam ser “o único meio” para aumentar as rendas e “atender Vossa
Majestade Fidelíssima”.
As reclamações sobre a situação de penúria da capitania do ouro eram
comuns nas representações acerca do subsídio voluntário para a reconstrução
de Lisboa. A consciência do dever e o dia a dia nas Minas levaram essa gente
a relatar ao Reino os problemas que enfrentavam. Ao mesmo tempo, isso
não constituiu impedimento para a aceitação do aumento dos impostos e, na
dinâmica política que esses homens conheciam há tempos, o reconhecimento
dos serviços prestados e sua remuneração eram normais.
A pobreza mineira há muito frequenta a historiografia. Segundo
Laura de Mello e Souza, o período entre 1735 e 1751 teria sido “o mo-
mento em que se encerrou o apogeu e começou, lentamente, a decadên-
cia” (1985, p. 23). Pela documentação já podemos notar as queixas dos
mineiros sobre as dificuldades por que passava a capitania. Mais ainda, há
diversos relatos das câmaras associando o método da capitação à pobreza
que se abateu sobre a região.
Em 1751, os oficiais da Câmara de Vila de Pitangui representaram ao
Reino, dando conta “da difícil situação econômica em que se acham as Mi-
nas” e solicitando “providências no sentido de aliviar os povos” da capitação
e “da excessiva carga tributária que recaía sobre o ouro extraído” (AHU/MG,
cx. 58, doc. 54). No mesmo ano, a Câmara de Mariana faz uma comunica-
206 Da justiça em nome d’El Rey

ção parecida, informando ao Reino que “a inexplicável vexação com que os


moradores desta comarca se consideram nos obriga a pormos na presença de
Vossa Excelência” a dificuldade do cumprimento do edital em que se deter-
mina “satisfação às capitações” (AHU/MG, cx. 58, doc. 90).
Em 28 de janeiro de 1752, o Conselho Ultramarino expediu uma con-
sulta “sobre as Representações das Câmaras de Minas Gerais acerca do novo
método de Cobrança dos Quintos”, em que afirmou:

Este feliz princípio das Casas de Fundição bastará a dissipar a falsa ou dema-
siadamente [...] imaginação destes povos e de que todos se deixaram possuir
ou persuadir tão uniformemente que todos se conformaram na mesma ideia
de prejuízo nas mesmas demonstrações e até nas mesmas palavras vendo-se
que as contas de Vila Rica e de São José são as mesmas ou translada uma da
outra (AHU/MG, cx. 59, doc. 12).

O Conselho Ultramarino sugeriu que os mineiros estariam trapacean-


do nos relatos das dificuldades e que havia uma má-vontade “uniforme” em
arrecadar os impostos. As casas de fundição, restabelecidas pelo regimento de
1750, eram dadas como a solução para esse “imaginário” mineiro acerca da
penúria dos povos.
A realidade é que o aumento das taxações do Reino deu-se numa épo-
ca em que a extração não apresentava o mesmo ritmo do início do século
e os descaminhos não paravam de aumentar. Além disso, a causa de tantas
“vexações” causadas por essa maior incidência da Coroa pode também estar
relacionada com a falta de conhecimento do cotidiano socioeconômico das
Gerais. Segundo escreveu Teixeira Coelho, já em fins do século, “a falta do
quinto do ouro não procede dos extravios, como se entende, procede sim,
da decadência das Minas e esta decadência tem suas origens físicas”. O
desembargador da Relação do Porto revelou conhecimento de causa, além
de uma astuta percepção da dimensão dos domínios da Coroa portuguesa
na América:

Porque esse ouro pode ser tirado nas capitanias de São Paulo ou da Bahia,
onde há minas; ou na do Rio de Janeiro, onde é constante que se está mine-
rando ocultamente [...] esses ministros e essas pessoas que o atestam é porque
seguem nisto as vozes indiscretas dos lisonjeiros, um rumor vago e o caminho
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 207

mais fácil de declarar as origens de falta de quinto, sem terem o trabalho de fa-
zer, neste importantíssimo negócio, uma indagação profunda (2007, p. 275).

Teixeira Coelho relata que, desde 1751, os livros das intendências


acharam poucos registros de descaminhos (o que não significava que não
existissem). Afirma que “a pobreza de todos os mineiros e negociantes da
capitania impossibilita, uns e outros, para que possam fazer extravios”. Para
que a demanda desses extravios atingisse visceralmente a economia do Reino,
seria preciso que se extraviassem, segundo ele, “125 arrobas” (idem).
Sérgio Buarque de Holanda afirmou que “em meados do século [XVIII]
o negócio dos metais e das gemas preciosas não ocuparia senão o terço, ou
bem menos, da população”. Segundo o autor, a maioria da gente mineira
era composta por “mercadores de tenda aberta, oficiais dos mais variados
ofícios”, ou seja, uma série de trabalhadores que, se dependia indiretamente
da extração aurífera, também diversificava as atividades econômicas (2004,
p. 289). A herança deixada pelos primeiros desbravadores paulistas na agri-
cultura e na pecuária é também citada por Sérgio Buarque. Essa tendência
constituiu-se, ao longo do século XVIII, numa atividade cotidiana que ofe-
recia sustentáculo à mineração. Alguns mineiros envolviam-se mais com as
práticas agropastoris do que com a extração do ouro. Nem só de ouro viviam
as minas...
Algumas regiões foram estratégicas no contexto agropastoril. Tal setor
“abarcou expressivo contingente populacional de todas as qualidades e con-
dições”. O que se observou ao longo do Setecentos foi uma interdependência
entre a agricultura, a pecuária e a extração do ouro. A estrutura manufatu-
reira também estava ligada à atividade agropecuária, “com a produção de
gêneros, tais como tabaco, doces, queijos, tecidos de algodão e produtos de
couro” (Guimarães e Reis, 2007, pp. 321-35).
Nesse universo produtor e extrativo, a agromanufatura do açúcar sem-
pre foi destaque. Apesar de sempre reprimidos pela Coroa, os engenhos de
açúcar faziam parte do cotidiano da gente mineira. Teixeira Coelho revela que
os oficiais reinóis eram orientados a não permitir a instalação dessas estrutu-
ras nas regiões mineradoras, em razão do “prejuízo que causava” a circulação
da aguardente entre os negros. Por Lei de 12 de junho de 1743, proibiu-se
“debaixo de penas graves a fatura de novos engenhos na capitania de Minas e
ainda a mudança dos que existissem dentro das mesmas fazendas”. Todas as
208 Da justiça em nome d’El Rey

tentativas em prol da repressão, porém, foram inúteis, já que desde meados


do século se multiplicavam “a fatura dos engenhos de cana” (2007, p. 364).
Tal fato pode ser comprovado pela análise da documentação do AHU desse
período. Várias foram os clamores de mineiros que solicitavam ao monarca
permissão para estabelecimento dos engenhos de açúcar.
À decadência da extração aurífera em meados do século XVIII contra-
põe-se uma diversificação econômica em Minas Gerais até então nunca ob-
servada. A diminuição dos rendimentos dos quintos levou ao aprimoramento
de uma agricultura de subsistência e à formação de um mercado agricultor
que abastecia a capitania e algumas partes da colônia. A criação de gado foi
notória nas Minas desde os primeiros anos. Na comarca do Rio das Velhas, a
prática desenvolveu-se plenamente, sobretudo às margens do Rio São Fran-
cisco, descendo de terras baianas.
Em fins da década de 1740, João Fernandes de Oliveira, “possuidor de
muitas terras e escravos” e “criador de gado nos cortes da Vila de Pitangui”,
representou ao monarca solicitando a exclusividade da criação de gado na
região, visto que as boas condições de suas propriedades dariam conta da
produção (AHU/MG, cx. 52, doc. 100). Em 1748, a Coroa estabeleceu “o
direito de entrada sobre cavalos e muares”, criando registros para o melhor
controle dessa atividade (Romeiro e Botelho, 2003). No período pós-terre-
moto, os impostos sobre cavalos e muares também seriam estabelecidos para
a reconstrução de Lisboa.
A conjuntura econômica de meados do XVIII apresentou-se deveras
complexa. Das “vexações dos povos das minas”, evidenciadas pela capitação,
segundo a documentação, afloraram alternativas para manter a dinâmica co-
tidiana e, ao mesmo tempo, atender às solicitações do Reino, inclusive quan-
to à ajuda para o terremoto.

Um novo regimento para a justiça das Minas

Em sua instrução e norma, Gomes Freire alertara seu irmão sobre a


atuação dos ouvidores:

A inimizade dos Ouvidores ainda é mais voraz. Os escrivães lhe passam cer-
tidões de documentos de quanto imaginam ser-lhes conveniente, e, posto a
majestade tem declarado não tenham fé alguma, enquanto os ministros esti-
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 209

verem nos lugares, é sem efeito esta lei, porque os desembargadores dos tri-
bunais que são parentes e amigos e, às vezes, partidistas nos interesses, fazem
valer não só as certidões falsas, mas as cartas que as acompanham (Instrucção
e norma..., p. 730).

Além de esquadrinhar as redes amarradas entre os oficiais régios da


justiça das Minas, o governador aconselhara seu irmão a tratar “os ouvidores
com uma muito particular atenção, porque são os primeiros cargos do gover-
nador”. Chamara-lhe a atenção para o fato de que tinham “mais emoção no
espírito dos povos pela extrema subordinação e império que neles têm” (p.
731). Portanto, o poder dos ouvidores e a influência política que exerciam
sobre as sociedades do Antigo Regime eram inquestionáveis. As demais au-
toridades régias reconheciam a dimensão de jurisdições dos homens do De-
sembargo do Paço e a delicada situação de convivência entre elas. Foi nesse
sentido que Gomes Freire tentara alertar seu substituto.
Há muito, a publicação de regimentos para a cobrança dos salários e
emolumentos dos oficiais da justiça era objeto de discordância entre os ho-
mens da governança local. D. Lourenço de Almeida e o ouvidor do Rio das
Velhas, José de Sousa Valdez, já haviam travado, durante a década de 1720,
alguns conflitos em torno da administração dessas cobranças. As constantes
denúncias de excesso e as mudanças empreendidas a partir de 1750 levaram
D. José I a publicar, em 1754, novos regimentos para os ministros e oficiais
de justiça da América portuguesa: o Regimento dos Salários dos Ministros e
Oficiais de Justiça da América, na Beira-mar e Sertão, exceto Minas e o Regi-
mento dos Salários e Emolumentos dos Ministros e Oficiais de Justiça de Minas,
no Brasil. O Reino compreendia o quanto era complexa a administração das
Minas e criava um regimento específico para elas.
D. José I estabeleceu o Regimento das Minas justificando que fora
informado que o regimento anterior, institucionalizado durante o gover-
no de D. Lourenço de Almeida, “se não cumpre inteiramente em as co-
marcas das mesmas Minas”. Os emolumentos foram estabelecidos para
que pudessem “compensar as despesas que fazem nas viagens e jornadas”.
O monarca esclareceu que o regimento cobria toda a região minerado-
ra pertencente ao governo das Minas Gerais, “como do Cuiabá e Mato
Grosso, São Paulo e Goiás e nas que ficam no continente da Bahia, como
são Jacobina, Rio das Contas e Minas Novas do Arassuaí e em todas as
210 Da justiça em nome d’El Rey

mais que se descobrirem” (In Ius Lusitaniae). Portanto, era um regimento


para as Minas do Brasil.
O regimento para o restante do corpo jurídico da América portuguesa
foi o primeiro do gênero a ser instituído:

Sendo-Me presente a diferença que há nas assinaturas e emolumentos que levam


os Ouvidores, Juízes e mais Oficiais de Justiça nos Meus Domínios da América,
introduzidos muitos com excesso por estilo e falta de Regimento, o qual é neces-
sário para boa administração da Justiça, sossego da consciência e bem comum,
não se podendo guardar o que a legislação determina e neste Reino se observa
pela distância deles e mais circunstâncias que são notórias (idem).

As especificidades da administração da América portuguesa foram no-


tadas e notificadas pelo monarca, que reconheceu a dificuldade em se aplica-
rem as Ordenações do Reino nessas paragens. O mesmo documento registrou
a primeira tentativa de sistematizar o pagamento dos emolumentos, “que em
alguns regimentos antigos se taxaram”, os quais estariam defasados, “pela
diversidade dos tempos”.
Uma breve análise dos dois regimentos permite observar o quanto era
valioso exercer um cargo de justiça na região das Minas naquela época. Sobre
os bens de raiz, um ouvidor nomeado para ali tinha direito “até a quantia de
vinte e cinco mil réis e nos bens móveis até trinta mil réis”. Para o exercício da
ouvidoria nas demais regiões, os direitos caíam, sendo “nos bens de raiz até a
quantia de dezesseis mil réis e nos móveis até vinte mil réis”. Os demais ofi-
ciais da justiça nas Minas tinham seus pagamentos dimensionados em relação
a cargos nas outras localidades coloniais. Isso fazia com que aquela região
fosse destino almejado para qualquer oficial que saísse da Universidade de
Coimbra e tivesse sua leitura aprovada no Desembargo do Paço.
Em 2 de maio de 1755, a Câmara de Vila Rica agradeceu, em repre-
sentação, ao monarca a publicação do referido edital. Caracterizou a atitu-
de como útil “à conservação destes povos”, em relação à “ruína” em que se
encontravam, observando os excessos do antigo regimento no tocante aos
emolumentos. “Por isso em nome deste Povo rendem os oficiais desta câmara
[...] as graças a Vossa Majestade” (AHU/MG, cx. 67, doc. 52). Cinco dias
depois, foi a vez dos camarários de Mariana prestarem seus agradecimentos,
“em nome de todos os vassalos deste termo” e pela “decadência e miséria em
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 211

que se acha este Estado das Minas”. Esses oficiais evidenciaram que há muito
não se produzia como antes e como estava difícil a vida na região, “pelo esta-
do da terra não permitir lucros com que se possa satisfazer com prontidão o
que se deve” (AHU/MG, cx. 67, doc. 74).
Pouco mais de um ano depois, a Câmara de Vila Rica voltou a se
manifestar sobre o novo regimento. Dessa vez, informou ao monarca “sobre
o escândalo que causa na referida Vila a interpretação divergente que se faz
em torno do novo Regimento das justiças”. Os oficiais observaram que a
Fazenda Real daquela vila continuava a receber os “salários pelo Regimento
antigo”. Ainda explicaram:

Logo ao princípio indagamos o motivo deste proceder, que foi desculpado,


dizendo-se tinha Vossa Majestade determinado Regimento particular para o
dito Juízo; logo duvidamos, pois não se dava maior Razão de serem os emo-
lumentos naquele Juízo diversos do que o do Geral, ao tempo que era o pro-
cesso, autos e mais termos iguais com os do mesmo Juízo Geral (AHU/MG,
cx. 70, doc. 47).

Os oficiais tinham razão. O Regimento de 1754 dizia respeito a ou-


vidores e provedores da Fazenda Real, “que tem obrigação de examinar as
contas dos Conselhos, indo em Correição”, fazendo cumprir as Leis do Reino
(In Ius Lusitaniae). Infelizmente, não localizamos a resposta a essa representa-
ção. Os próprios camarários reclamavam a falta de notícias sobre as dúvidas...
Isso deixa transparecer os conflitos entre os oficiais e a posição estraté-
gica que a câmara representava nesse mosaico de poderes. Gozando da auto-
nomia político-administrativa, tanto os camarários quanto os agentes régios
tinham liberdade para questionar as leis e o modo como as deveriam pôr em
prática. Não haviam se dado conta do controle que cairia sobre eles a partir
dos ensejos do marquês. Nesse momento delicado da capitania, quando o
fantasma da capitação ainda pairava sobre os mineiros, as possibilidades de
lucro estavam reduzidas e a cobrança dos emolumentos era estratégica para se
viver nas Minas. Para os homens do Desembargo do Paço significava, além
dos lucros financeiros, demonstração de poder.
Todavia, alguns desses homens cairiam na malha fina do Tribunal de In-
confidência, não somente em função da má arrecadação dos impostos. A impo-
sição do poder real agiria também sobre as representações de poder de outrora.
Capítulo 8
Inconfidência do ouvidor de Sabará:
José de Góes Ribeiro Lara de Moraes,
o Tribunal de Inconfidência e
as redes locais

Analisaremos agora como as mudanças iniciadas pelo marquês de


Pombal no Império português influenciaram a capitania de Minas Gerais,
com base em um conflito ocorrido na comarca de Sabará, tratado pelo centro
como crime de inconfidência.
Em 18 de março de 1767, Sebastião José de Carvalho e Melo enviou
uma carta ao vice-rei do Brasil, o conde da Cunha, ordenando que fosse
dada execução à carta régia de 6 de novembro de 1759, enviada ao conde de
Bobadela:

Fui Servido ordenar lhe praticassem contra quaisquer Pessoas que se desco-
brirem culpadas no atroz delito de se atreverem a impugnar ou caluniar a
execução das Minhas Leis e Ordens. O que me pareceu participai-vos para
inteiramente a dares a execução nos casos ocorrentes: concedendo-vos a ju-
risdição de nomear os Juízes que vos parecer para sentenciar estes réus de
inconfidência ou sejam Ministros da Apelação dessa cidade ou de fora dela.
O que tudo fareis observar não obstantes quaisquer Leis, Regimentos ou
disposições de Direito em contrário, por que todas e todos ei por bem der-
rogar, para esse efeito somente, ficando, aliás, em seu vigor (AHU/MG, cx.
90, doc. 26).
214 Da justiça em nome d’El Rey

A política de fidelidade promovida pelo ministério pombalino avas-


salou todo o Império português. O Tribunal de Inconfidência varreu todos
os cantos, e a América portuguesa era parte desse contexto. Carvalho e
Melo ordenou derrubar quaisquer leis em contrário. Nas Minas, durante a
década de 1760, já havia registro da ação do tribunal contra os vassalos in-
fiéis. É o caso da chamada Inconfidência de Curvelo, conflito que envolveu
poderosos do Arraial de Santo Antônio do Curvelo, na comarca de Sabará.
Alguns papéis sediciosos começaram a circular no arraial nos anos de 1760.
O tom de infidelidade dos escritos estava no conteúdo ofensivo ao monarca
e ao seu ministro, Carvalho e Melo. Também exaltavam os padres jesuítas
e condenavam as atrocidades praticadas contra os nobres na repressão con-
tra o regicídio de 1759: duas das representações simbólicas mais caras ao
Antigo Regime português...
Em 7 de fevereiro de 1761, os oficiais da Câmara de Vila Nova da
Rainha representaram ao monarca sobre “o prejuízo dos moradores” nas di-
ligências feitas pelos oficiais da justiça de Sabará. Explicaram que faziam isso
“pela obrigação e zelo do bem comum”. Acusaram os ditos oficiais de inter-
ferir na jurisdição “das ações novas desse termo, que tocam às Justiças Ordi-
nárias desta Vila, quando só lhe competem as da Superintendência”. Para os
camarários, havia uma invasão das fronteiras de ação, praticada pelos oficiais
de Sabará, que chegavam daquela vila, “com despachos do Ouvidor dela”,
interferindo na ação da justiça de primeira instância, sem possuir jurisdição
para tal (AHU/Brasil Geral, cx. 17, doc. 1.522).
Abusos de jurisdição sempre estiveram na ordem do dia dos oficiais
reinóis por todo o Império. As fronteiras eram demasiadamente tênues para
uma demarcação clara dos espaços de ação desses homens. Ao mesmo tempo,
a busca pelo ganho dos emolumentos sobre as ações da justiça levava-os a agir
de forma arbitrária no sentido de buscar os lucros que a administração do
ouro oferecia. A incidência dos oficiais de Sabará sobre as diligências locais
aponta para esse caminho. No entanto, esses homens agiram em nome do
ouvidor geral, Antônio Manuel das Póvoas, autoridade máxima da comarca,
e passando por cima do regimento.
Não conhecemos a contrapartida do Reino nesse caso, mas tantas di-
vergências sobre a ação dos poderes e a busca pela consulta real levam-nos a
vislumbrar a dinâmica política a que esses homens estavam acostumados. No
entanto, nos limites do ministério pombalino, a má atuação de um oficial
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 215

estava relacionada à quebra de fidelidade ao marquês. No caso dos oficiais do


Desembargo do Paço, esse rompimento tendia a ser mais vigiado pelo poder
central, ultrapassando as esferas administrativas e invadindo o campo dos
poderes simbólicos.
Nas comarcas, os ouvidores eram a representação mais importante da
monarquia, depois do governador da capitania. Grande parte desse poder
simbólico estava depositado em suas mãos, pois era sua responsabilidade
promover as eleições para as câmaras e receber as queixas de qualquer súdi-
to que se sentisse prejudicado: “que venham perante ele os que se sentirem
agravados dos Juízes, Procuradores, Alcaides, ou de poderosos e de outros
quaisquer” (Código filipino, 2004). O ouvidor possuía, assim, a gerência dos
conflitos entre autoridades na comarca de sua jurisdição e, mais do que isso,
tinha o poder de suplantar as Ordenações em caso de defesa do bem comum.
Em Sabará não seria diferente.
José Góes Ribeiro Lara de Moraes era um desses homens. Nascido em
1740, era natural da cidade de São Paulo e filho de uma das mais importan-
tes famílias da capitania. Sua mãe, Leonor Teresa Ribeira Góes e Moraes,
pertencia ao ramo dos Taques de Almeida, “foi neta de Pedro Taques de
Almeida, Capitão-Mor e Governador e Alcaide-Mor da mesma cidade”. Era
filho de uma família em que “todos eram Fidalgos de geração das primeiras
Famílias da América”: Pedro Taques de Almeida havia sido feito “fidalgo
da Casa Real” por D. Pedro II, com “foro e moradia de cavaleiro”. Seu avô
materno, José de Góes e Moraes, filho de Pedro Taques, também havia sido
capitão-mor de São Paulo (Livro de Matrículas... Arquivo da Universidade
de Coimbra; LEME, 1954, p. 260; ANTT. Leitura de Bacharéis; José de Góes
Ribeiro Lara de Moraes, mç. 28, doc. 11, 1766).
No ano de 1710, Góes e Moraes solicitou “dispensa de consanguini-
dade de 3o grau misto de 2o para poder se casar com Ana Ribeira de Almei-
da”. Ele era filho do legendário fidalgo e capitão-mor paulista e ela, “neta de
Antônio de Almeida Lara, já defunto, irmão do mesmo capitão maior Pedro
Taques de Almeida”. O que nos interessa aqui é uma das alegações feitas pelo
capitão-mor na tentativa de justificar o pedido para o casamento. O reque-
rente esclareceu que “eram das principais famílias da comarca e estas famílias
se achavam tão travadas umas com as outras [...] que não se podia encontrar
casamentos sem que haja parentesco”. As melhores famílias paulistas tenta-
vam, como se vê, manter suas origens entre si. A importância desses vassalos,
216 Da justiça em nome d’El Rey

desde o início do povoamento das Minas, era notória. Em contrapartida, a


monarquia recompensava a fidelidade por meio de concessões e mercês. E tal
característica rompia gerações: José de Góes Ribeiro Lara de Moraes se vale-
ria também de seus antepassados nobres. Os requerentes foram dispensados
dos laços consanguíneos após algumas penitências impostas pela Igreja, entre
elas, “jejum de uma semana a pão e água, as segundas, quartas e sextas” e o
pagamento de “243$000 de esmola que seriam usados em paramentos da
matriz ou outras igrejas” (idem).
Em João Fragoso, encontramos uma discussão sobre a importância des-
sas primeiras famílias de conquistadores do centro-sul da América portuguesa.
Com base na defesa de uma vitalidade interna própria das relações mercantis,
o autor caracteriza a tentativa desses grupos sociais de se estruturarem como
“principais da terra”, buscando estratégias de ascensão social no contexto impe-
rial. O status de descendentes de conquistadores e o acesso que lhes fora confe-
rido aos cargos da República imputavam-lhes “um sentimento de superioridade
sobre os demais mortais/moradores da colônia” (2007, p. 42). Com base nessas
prerrogativas, construíram, principalmente ao longo do Seiscentos, uma cons-
ciência de suas origens, o que lhes facultava privilégios naquela sociedade. As-
sim sendo, estratégias como o casamento perpetuariam a continuidade de uma
linhagem formada à custa de seus esforços de conquista em terras coloniais e
lhes garantiam a condição de “nobreza da terra”. Fragoso sublinha que algumas
das famílias de conquistadores do Rio de Janeiro vieram de São Vicente para
dar origem a alguns engenhos de açúcar da região. O autor explica, acerca do
conceito de conquistadores que desenvolve, que

a constituição da capitania [do Rio de Janeiro] fora o resultado da conquista,


do embate contra os franceses e os tamoios entre 1560 e 1580. Diante das
dificuldades econômicas do Reino e do Império, a Coroa teve que recorrer
a conhecidos mecanismos do medievo luso: os recursos de seus vassalos, no
caso, das elites coloniais americanas, e o sistema de mercês (2007, p. 12).

A importância dessas famílias seria confirmada ao longo dos séculos


XVII e XVIII. É natural, chegando ao nosso período de investigação, que
encontrássemos tais famílias tentando manter essa ascendência nobre.
José de Góes estivera no Colégio dos Jesuítas de São Paulo, onde es-
tudara gramática e latim. Passou então à Universidade de Coimbra, “onde
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 217

assistiu em casa de seu tio paterno, Francisco Marques de Andrade e Silva, ca-
valeiro na Ordem de Cristo, Secretário naquela Universidade”. Graduou-se
em Leis em 6 de julho de 1765 e, um ano depois, em 1766, leu no Desem-
bargo do Paço, “por 5 muito bem”. Em 24 de março de 1772 foi nomeado,
por decreto de D. José, ouvidor e provedor do Sabará, cabeça da comarca do
Rio das Velhas, na capitania de Minas Gerais. Os seis anos entre a leitura e
a nomeação renderam, ao final, um dos mais importantes cargos da América
portuguesa, sem contar que o bacharel escapava do período trienal como juiz
de fora, o que era a praxe do Tribunal (Memorial de Ministros, BNL; Leitura
de Bacharéis, ANTT).
Chegou à capitania de Minas Gerais como um dos principais homens
da administração colonial na região, imbuído de estabelecer o cumprimento
da justiça em nome do monarca. A época inspirava cuidados. A arrecadação
do quinto diminuía a cada ano e, no final de 1771, D. José enviou ao conde
de Valadares, governador de Minas Gerais, uma carta “estabelecendo normas
para uma melhor administração da referida Capitania”. A preocupação do
Reino era no sentido de evitar “as perniciosas consequências que têm resulta-
do da defeituosa forma com que se tem administrado a Minha Real Fazenda
nessa Capitania”. Para isso, dava instruções ao governador Valadares sobre a
disposição dos cargos e sobre o estabelecimento de “uma Junta da adminis-
tração e arrecadação da Minha Real Fazenda”, da qual o governador seria o
presidente (AHU/MG, cx. 101, doc. 37).

Foi criada essa Junta e sua Contadoria, na forma da dita carta régia, pelo con-
de de Valadares, a 30 de dezembro de 1771, e nela se decidem e determinam
definitivamente todas as dúvidas relativas à administração da Fazenda Real,
ou seja, do Juízo Voluntário, ou do Contencioso, sem outro recurso mais do
que o da apelação para a Relação do Rio de Janeiro, que deve receber-se so-
mente no efeito devolutivo, tudo em virtude da provisão expedida pelo Real
Erário a 14 de setembro de 1771 (Coelho, 2007, p. 215).

Tal junta passaria por uma série de modificações pela década de 1770.
O objetivo era diminuir, senão cessar, os descaminhos e contenciosos que
cercavam a extração do ouro e a arrecadação do quinto real. No mês de junho
de 1772, o conde de Valadares enviou uma carta ao monarca informando
que “é grande o prejuízo dos povos” na inobservância que fazem os provedo-
218 Da justiça em nome d’El Rey

res “contra o estabelecido no Regimento das Justiças”. Segundo o governa-


dor, os excessos eram praticados por “alguns Ministros que tem servido como
Provedores”, e relatava alguns casos de abusos na cobrança dos emolumentos
(AHU/MG, cx. 102, doc. 57).
Portanto, o período compreendido entre 1771 e 1773 foi deveras deli-
cado. José de Góes Ribeiro Lara de Moraes assumiu o cargo de ouvidor numa
época de inúmeros debates sobre arrecadação e de aumento da penúria dos
mineiros. Em 1771 houve uma ordem de instituição da derrama e

pelas provisões do Erário Régio dirigidas à Junta da Fazenda de Vila Rica


a 26 de maio, a 3 e 11 de junho de 1772 e a 27 de agosto de 1773, se tem
ordenado à mesma Junta que faça lançar a derrama em todos os anos em que
o ouro do quinto, que se tira nas Casas de Fundição de Minas, não chegar a
100 arrobas (Coelho, 2007, p. 291).

A Coroa apertava o cerco contra os extravios e fazia incidir sobre os mi-


neiros o ônus da arrecadação. Nessa época, vários foram os clamores ao Reino
contra as taxações. Os oficiais da Vila do Príncipe solicitaram providências,
em 5 de dezembro de 1772, contra a cobrança dos quintos reais. Também
requereram “providências ao rei no sentido de fazer com que se aliviem as
populações no que toca a forma da cobrança do subsídio voluntário” (AHU/
MG, cx. 103, docs. 91-2). Em março de 1773 foi a vez da Câmara de Vila
Rica informar ao Reino sobre o “tumulto ocorrido entre a população” devido
à cobrança da derrama. Solicitaram providências a fim de cuidar para que
os povos não se arruinassem, numa tentativa de demonstrar o quanto estava
decadente aquela gente mineira (AHU/MG, cx. 104, doc. 40).
Nesse mesmo contexto, o ouvidor do Sabará, José de Góes, enviou ao
Reino uma carta em 20 de maio de 1773, “informando a Martinho de Melo
e Castro sobre a remessa do mapa das pessoas existentes nas freguesias da Co-
marca do Sabará”. Dava conta do motivo de a remessa ter demorado tanto,
falando da distância entre as vilas e dos obstáculos que os párocos encon-
travam nesse sentido. Expôs as dificuldades de se controlar “os povos” e de
realizar tal serviço no julgado de Paracatu. Disse: estava a caminho da região

a fim de ir corrigir aqueles Povos que vivem bastante muito inquietos, e quase
a Lei da natureza e ver se estabeleço entre eles a paz e o sossego público, único
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 219

meio de os fazer úteis ao serviço de S. Majestade e juntamente para poder


informar-me de mais perto e com mais individuação dos seus cabedais e de
suas rendas para lançar a derrama com aquela igualdade possível e recomen-
dada por Sua Majestade e que não posso efetuar sem lá ir, por que os pode-
rosos querem sempre fazer carregar sobre os miseráveis as pensões do Estado
(AHU/MG, cx. 104, doc. 61).

Podemos observar a noção política que regia a tradição na qual José de


Góes havia se formado. Fazer cumprir a lei da Coroa nas distantes paragens
mineiras se apresentava como uma complexa tarefa, porém era preciso man-
ter a ordem em nome do bem público. Essa questão aparece, para o ouvidor,
associada à noção de fazer cumprir a justiça em nome do bom governo e para
o bem de toda a gente.
Ainda levantou outra questão: lançar a derrama com a igualdade re-
comendada pela Coroa. A cobrança dos impostos atrasados deveria ser feita
em nome do bem público, e cada súdito seria responsável pela sua parte na
composição do todo que era o Império. Para concluir suas desculpas pela
morosidade do cumprimento das ordens reais, fez menção aos “poderosos”
da região. Esses se escusavam de seus compromissos fiscais, sobrecarregando
os “miseráveis” e, desse modo, prejudicando a igualdade na instituição da
derrama e na cobrança dos impostos devidos.
Em maio de 1773, Antônio Carlos Furtado de Mendonça deu conta
ao Reino de ter tomado posse do governo da capitania de Minas Gerais. Em
dezembro do mesmo ano, escreveu ao rei relatando excessos de poder cometi-
dos por alguns oficiais da justiça, a despeito do alvará de 1765, que instituíra
as Juntas de Justiça. Segundo o governador, tais Juntas serviriam para dar de-
ferimento a recursos dirigidos aos juízes eclesiásticos, “aliviando deste modo
as violências e abusos de jurisdição que os mesmos eclesiásticos praticavam”.
Toda essa situação seria agravada pela “omissão de alguns dos ouvidores des-
ta capitania e o espírito de parcialidade de outros”, que tornavam “inúteis
as saudáveis providências do dito alvará”. Teceu acusações severas contra a
atuação do “Provisor do Bispado”, doutor Francisco Xavier da Rua, e a coni-
vência do ouvidor de Vila Rica, doutor José da Costa Fonseca. Relatou que o
que ocorria em Vila Rica não era um fato isolado e que a cumplicidade entre
eclesiásticos e ouvidores era comum na capitania, ocasionando lentidão no
julgamento dos recursos: “na comarca do Rio das Mortes tem estado também
220 Da justiça em nome d’El Rey

conclusos autos de Recursos dois e mais anos e na do Sabará tem havido nesta
matéria alguma omissão” (AHU/MG, cx. 105, doc. 72). Segundo Teixeira
Coelho, fora determinado ao conde de Valadares,

pela carta régia de 12 de agosto de 1771, que criasse uma nova Junta de Jus-
tiças para serem sentenciados nela os réus dos delitos seguintes: de desobedi-
ência formal dos soldados e oficiais aos seus superiores nas matérias do Real
Serviço, ou seja, pagos ou auxiliares e ordenanças; de deserção dos mesmos
soldados e oficiais; de sedição, rebelião e de todos os crimes de lesa-majestade
divina e humana, e dos que são contra o Direito Natural e das gentes, como
homicídios voluntários, rapinas de salteadores e resistências às justiças, sem
distinção de qualidade dos réus [...] à qual presidiria o governador, sendo juiz
relator o ouvidor de Vila Rica e adjuntos cinco ministros letrados ou advoga-
dos em falta deles (2007, p. 217).

José de Góes havia estabelecido laços de sociabilidade com o grupo de


principais homens da região, em especial com o vigário geral, José Correia da
Silva, que há muito pertencia ao grupo de seletos que administravam o poder
local. O vigário José Correia da Silva era um homem de grande influência
na região. Nas Minas desde a década de 1760, tinha vínculos estreitos com
o cônego Francisco Xavier da Rua, que naquela época governava o bispado
de Mariana.
Todo esse emaranhado social e clientelar veio à tona em uma Repre-
sentação escrita ao monarca, provavelmente no ano de 1775. Sem estar da-
tado, o documento expõe as relações de interdependência que envolviam
alguns homens bons da comarca e revela as amarrações que tornavam esses
homens comprometidos entre si, na dinâmica social e política do Antigo
Regime. A carta fora redigida por alguns dos “humildes fiéis vassalos de V.
M.”, que se encontravam presos na cadeia de Sabará por ordens de José de
Góes. O documento pede providências acerca dos diversos crimes cometidos
pelo ouvidor do Sabará e de seu “assessor”, o padre José Correia da Silva.
Composta de 69 itens, todas as discrepâncias de poder praticadas por Góes
são minuciosamente descritas, e esses homens ainda pedem à Coroa que lhes
restitua “a sua liberdade dispensando da jurisdição e da comarca aqueles dois
ministros, para sossego do povo e aumento da sociedade” (AHU/MG, cx.
105, doc. 76).
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 221

Iniciou-se aí o desenrolar de uma rede trançada pelos poderes locais e


que se constitui no principal alvo desta discussão. Nossa intenção é mapear
os principais fatos citados nessa representação para reconstruir, na medida
do possível, as redes de clientela que se estruturaram em Sabará àquela época
e que colocaram em lados opostos dois grupos constituídos pelos principais
da terra. Consideramos o contexto que demarcava a política administrati-
va imperial durante o período pombalino: com tal abordagem será possível
compreender a condenação por inconfidência que recaiu sobre José de Góes,
um dos homens do Desembargo do Paço da época.
Uma leitura mais atenta do documento revela o quanto eram efêmeras
as fronteiras jurisdicionais que separavam os agentes da Coroa. Mais ainda,
o quanto essas tênues fronteiras colaboravam para uma instabilidade política
entre os oficiais régios e os poderosos locais. Tais representantes muitas vezes
estavam à frente dos cargos camarários e eram os mais fiéis representantes
do poder local nesse mosaico em que se configurava o Império português.
Outras vezes eram os homens bons, filhos da terra que se envolviam com
cargos militares ou com o comércio local e se sentiam parte integrante desse
emaranhado de poderes.
O documento era uma resposta ao clima tenso que pairava sobre Sa-
bará. Em fevereiro do mesmo ano, Manuel Figueiredo de Sá e Silva, juiz de
órfãos e ausentes da comarca, foi preso na cadeia da vila por ordem de José de
Góes e fez uma denúncia contra o ouvidor e seu assessor. O então juiz escre-
veu ao governador interino Pedro Antônio da Gama e Freitas com o intuito
“de delatar certos delitos de inconfidência”, acusando o ouvidor de blasfemar
contra Pombal e de ser conivente com os extravios do ouro praticados na-
quela comarca. Dois meses depois, o mesmo governador escreveu ao Reino
dando contas das denúncias proferidas (AHU/MG. cx. 108, docs. 6 e 23).
Em 1775, Antônio Carlos Furtado de Mendonça solicitaria afastamento por
complicações de saúde (AHU/MG, cx. 105, docs. 70 e 75).
A representação foi minuciosamente elaborada. Assinada por “teste-
munhas de pacto e as principais pessoas daquela Vila e Termo”, descreve
alguns conflitos cotidianos que ocorriam na Vila de Sabará. Arrola para tal,
além das testemunhas locais, outras da comarca de Vila Rica, demonstrando
a dimensão que assumira tal incidente. Entre as testemunhas de Vila Rica
estava o ex-contratador e ex-camarário José Álvares Maciel, importante figura
222 Da justiça em nome d’El Rey

do poder local que se envolveria mais tarde, juntamente com seu filho, na
malograda Inconfidência Mineira (AHU/MG, cx. 105, doc. 76).
Desse modo, foi se desenrolando uma complicada trama de interesses
e uma truncada rede clientelar, que envolvia o ouvidor e seus parciais e o
descontentamento dos autores da representação. José de Góes fora acusado
de ser “o maior infrator daquelas mesmas leis [das quais] dever[ia] ser o mais
pronto executor”. Segundo os homens bons de Sabará, Lara de Moraes não
“deliberava com o objetivo da Lei, mas só conforme a razão de sua vontade”.
Tal fato teria se comprovado

com as prisões continuadas nascidas do seu despotismo e com outras muitas


violências próprias de um Ministro que nunca conhece limites a sua Jurisdição:
as enxovias eram a prisão igualmente destinada para o escravo, o facinoroso e
para o branco, o distinto, o letrado e o sacerdote, sendo muitas vezes o maior
delito o merecimento de não ser culpado (AHU/MG, cx. 105, doc. 76).

O conflito que culminou nas citadas prisões e na acusação por incon-


fidência que incidiu sobre o ouvidor tinha uma raiz bem mais profunda. Era
fruto das instáveis relações cotidianas, e o ódio que havia inspirado os autores
na busca pela justiça tivera início com a deposição de José Correia da Silva do
cargo de comissário da Ordem Terceira do Carmo da Vila do Sabará.
Caio Boschi demonstra o quanto as associações leigas foram impor-
tantes para a estruturação da vida social nas Minas. Com a expulsão dos
religiosos da capitania na década de 1720, a administração da vida religiosa
ficou a cargo dessas irmandades, que abraçariam para si a responsabilidade
do espiritual daquela sociedade. Toda a suntuosidade que tais instituições
passaram a representar vinha, principalmente, do patrocínio dos comercian-
tes e mineradores envolvidos desde cedo com o simbolismo religioso e social
dessas associações (1986, 2007a).
A partir de meados do século, refletindo uma maior estratificação e,
consequentemente, maior complexidade daquela sociedade, surgiriam as Or-
dens Terceiras. Fruto do simbolismo representado por aquelas associações,
tais entidades eram compostas, segundo Boschi, “pelas camadas mais eleva-
das da sociedade da capitania” (2007a, p. 62). Diferentemente das irmanda-
des e confrarias e até de outras Ordens Terceiras, a Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo tinha em seu séquito a gente mais importante do poder
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 223

local, e facultava, desse modo, prestígio social. A de Sabará, instituída em


1761, atendia também a essa lógica.
Assim, o cargo de comissário não poderia ser preenchido por qualquer
um. Estava reservado para os principais da terra e oferecia um lugar de desta-
que a quem o ocupasse, não somente no âmbito local, mas para todo o ethos
social que compreendia o Antigo Regime português. Tornam-se compreensí-
veis, portanto, as disputas travadas em torno da ocupação desse cargo.
Consta na representação que algumas reclamações haviam sido fei-
tas contra José Correia e, por conta disso, “determinou o Padre Provincial
aquela ordem despedisse logo do emprego de Comissário ao tal Assessor”.
Porém, nenhum dos membros da referida ordem ousou executar a sua sus-
pensão: a representação de poder daquele homem era tamanha que sobre-
punha algumas das determinações que partiam de poderes tidos, naquele
universo político, como superiores. Em vez disso, alguns dos “Irmãos Ter-
ceiros [...] principiaram a requerer suas patentes para se apresentarem na
Ordem Terceira de Vila Rica a tempo que chegou do Rio nova patente de
Comissário”. Perante esse quadro de instabilidade e a ausência do vigário,
que havia acompanhado José de Góes à correição de Paracatu, foi dada pos-
se ao novo comissário, o padre Antônio da Fonseca e Vasconcelos (AHU/
MG, cx. 105, doc. 76).
Essa atitude havia inspirado na dupla de oficiais “o ódio e a vingança
de um ministro apaixonado e de um conselheiro ofendido”. Logo que retor-
nou de Sabará, José de Góes instaurou uma correição para apurar o ocorrido,
num esforço em conduzir novamente ao cargo máximo da ordem o seu re-
ferido assessor. Iniciou-se aí o conflito que culminaria com o alijamento de
um dos grupos principais da capitania (AHU/MG, cx. 105, doc. 76). Vale
lembrar que as ordens religiosas estavam sujeitas ao beneplácito de seus gerais
ou provinciais. Portanto, nesse caso, o ouvidor estaria ultrapassando as esfe-
ras jurisdicionais da Igreja Católica.
O que nos interessa é perceber o emaranhado de poderes que perpassa-
va a política da época. A busca por espaços de poder, bem como por posições
estratégicas que essa sociedade hierarquizada facultava a poucos, proporcio-
nava a emergência de diversos conflitos cotidianos que legitimavam as práti-
cas políticas. Importante também é compreender até que ponto tais conflitos
representavam, a essa altura, deformações que o ministério pombalino pre-
tendia limitar.
224 Da justiça em nome d’El Rey

Os membros da Ordem do Carmo chegaram a representar para a Re-


lação do Estado contra a tentativa de reconduzir José Correia da Silva ao
cargo, porém “foram aconselhados que se não desistissem daquele agravo
interposto” seriam presos por “ordem de Vossa Majestade”. Desse modo,
“assim o fizeram para remirem o seu vexame”. Ainda existia o agravante de
José Correia ter laços íntimos com Francisco Xavier da Rua, “vigário geral
intitulado Governador do Bispado” (AHU/MG, cx. 105, doc. 76).

Que desse modo se acha o dito Assessor governando o espiritual e o temporal,


não só naquela comarca como Vigário Geral dela e Assessor do Ministro, mas
em todo o Bispado em razão da [...] amizade do determinado Governador por
isso obra os despotismos que quer, tendo para seu [...] estes dois polos que
sustentam a maligna esfera de suas perversas ideias (idem).

Como não é citado no documento, acreditamos que os mesários da


referida Ordem tenham dirigido (ou intentaram dirigir) a reclamação ao Tri-
bunal Eclesiástico do Bispado de Mariana, fundado em 1745. “No decorrer
do século XVIII, os delitos de leigos e sacerdotes e as causas matrimoniais
eram julgadas pelo Foro Contencioso do Juízo Eclesiástico (Foro Misto)”
(Silva, 2000, p. 102).
As relações de poder na capitania atendiam a razões independentes
das diversas dinâmicas políticas orquestradas pelo Império. O vigário havia
alcançado uma posição no tabuleiro dos poderes políticos locais difícil de ser
atingida, e os grupos alijados desse jogo já tinham percebido tal situação. Era
preciso, nas novas diretrizes que demarcavam a política monárquica, recorrer
ao poder do centro para combater a poderosa dupla. Denúncias também
foram feitas relativas à influência que ambos os oficiais exerciam na admi-
nistração camarária. Segundo o relatado, José de Góes e José Correia tinham
íntimos laços com a Câmara de Sabará. O vigário foi também descrito como
“assessor [...] dos juízes Ordinários da Terra” e, como consequência,

quando se fazem as Câmaras são eleitores quem ele quer para que sucedam
nos juizados os seus escolhidos que o conservem na Assessoria, de sorte que
naquela Vila e ainda na circunvizinha do Caeté não se é eleito um só cama-
rista que não seja criatura sua para sempre os ter prontos [nas] nomeações de
fiscais, de tesoureiros e de outros empregos para lhe incumbirem com as capas
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 225

os seus procedimentos e as injustiças que diretado por ele obra o dito ministro
[ouvidor] (AHU/MG, cx. 105, doc. 76).

A partir daí, a câmara da vila estaria sob o controle dessa dupla de ofi-
ciais. Como informa Charles Boxer, para o mundo português da época, as
câmaras, juntamente com as casas de misericórdia, representavam “os pilares
gêmeos da sociedade colonial portuguesa do Maranhão até Macau”. Os ar-
gumentos do autor, ao considerar que tais instituições representavam “uma
continuidade que os governadores, os bispos e os magistrados transitórios
não podiam assegurar”, são-nos aqui muito caros. As câmaras municipais
eram legítimas representantes do poder local e sua composição era feita por
“um complicado sistema de votação anual”. Entre os elegíveis (e os eleito-
res) estavam alguns dos homens mais importantes da região, os chamados
“homens bons” ou ainda “povo” (2002, p. 287). Exercer o controle político
sobre tal instituição poderia trazer inúmeros benefícios. Mesmo porque, ape-
sar de o ouvidor ter o poder de supervisão sobre as eleições para as câmaras
municipais, ele precisava da estabilidade social e política que os representan-
tes locais significavam para aquela sociedade. Aí se configurava mais uma das
relações de interdependência que demarcavam a política imperial.
A documentação da Câmara de Sabará existente no Arquivo Público
Mineiro não é muito reveladora quanto a isso. Encontramos poucos registros
da atuação de José de Góes, na prestação de contas anual e no aval em alguns
pagamentos que deveriam ter sido feitos e estavam atrasados. O que salta aos
olhos é a posição de supervisor que o oficial régio tomava frente aos dados
que lhes eram apresentados pelo “Procurador Tesoureiro” da câmara (APM,
Câmara Municipal de Sabará, códice 22).
Em 1772, na Casa do Ouvidor, José de Góes inquiriu o procurador da
Câmara daquela vila: “mandou ao dito Procurador atual lhe apresentasse to-
dos os documentos por donde o [...] Procurador Tesoureiro do ano passado
fizera a sua despesa”. O ouvidor havia encontrado irregularidades na presta-
ção de contas de Antônio Gonçalves, ex-tesoureiro e procurador, e, concluin-
do pelo excessivo gasto da câmara no ano anterior, solicitou ao então atual
procurador e tesoureiro, Francisco da Costa Carvalho, que “cobre logo de seu
antecessor” o que tinha ficado devendo. “Adverte ele dito Doutor Ouvidor
Geral Corregedor e Provedor que senão paguem [as] propinas”, as mesmas
seriam cobradas dos oficiais daquela gestão “estabelecidos por Provisões e lei
226 Da justiça em nome d’El Rey

[...] para serem satisfeitas por despacho de seu antecessor” (APM, Câmara
Municipal de Sabará, códice 22).
Não consta no documento se o pagamento foi feito. O que podemos
afirmar é que, no ano seguinte, foi a vez do então ex-procurador e tesoureiro
Francisco da Costa Carvalho passar pela correição. “E por achar ele dito
Doutor Ouvidor Geral Corregedor Provedor que a receita estava igual com a
despesa”, dera por “quitos e livres da dita conta que julgou por Sentença in-
terpondo para esse efeito sua autoridade” (idem). Assim, as contas anuais de-
pendiam da aprovação do ouvidor por correição. Supomos o quanto tais re-
lações eram delicadas e comprometedoras, ao mesmo tempo que fortaleciam
vínculos estratégicos entre esses homens, comprometendo-os reciprocamente.
Denúncias referentes a negociações dos cargos camarários também fo-
ram citadas na Representação. Manoel Antunes Sarzedas, farmacêutico, teria
sido auxiliado pelo ouvidor e pelo vigário a arrematar o ofício de escrivão da
Ouvidoria, em detrimento do capitão-mor Antonil Gil, que “cobriu sempre
o lance do enviado”. Sarzedas havia assumido o cargo após Góes não aceitar
a nomeação do capitão-mor, que chegou até ele por meio de uma provisão
do Régio Tribunal da Fazenda. O então nomeado escrivão, segundo os recla-
mantes, vinha fazendo “coisas tais que descrevê-las seria uma narração proibi-
da, basta dizer que é homem de pouca fé [...] aladroado e [vil] por natureza”.
Relatavam que o dito Sarzedas exercia o ofício de cirurgião (AHU/MG, cx.
105, doc. 76).
Nas Minas setecentistas o ofício de cirurgião (ou cirurgião barbeiro)
era comum, em função da escassez de médicos formados e da própria inospi-
talidade dos sertões. Tais homens “aliavam a arguta observação dos casos que
assistiam à medicina erudita apreendida nos livros e, dessa mescla, produziam
um novo conhecimento que oscilava entre o popular e o erudito” (Furtado,
2005, p. 96). A existência desse ofício, que não era reconhecido pela legis-
lação portuguesa, tornar-se-ia popular e respeitada pela população minei-
ra. Júnia Ferreira Furtado (2005) lembra que os jesuítas e indígenas tinham
vínculos estreitos com tais práticas. Citando Sérgio Buarque de Holanda,
chama a atenção para as relações estabelecidas entre índios, bandeirantes e os
membros da Companhia de Jesus e a transmissão do conhecimento da flora
local para os europeus.
As acusações não recaíam somente sobre o ouvidor. Segundo a re-
presentação, a “melhor prova” que o ouvidor dera da incapacidade “para
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 227

a direção do cargo” fora eleger como seu aliado e “assessor” o vigário José
Correia da Silva:

Um sujeito que já olhava o povo com horror ao seu procedimento, de coração


péssimo, malicioso, fomentador de discórdias, vingativo por natureza e odio-
so, principalmente aos filhos do Reino, fazendo-se cabeça de parcialidade de
seus naturais, vaidoso que para os cargos da República, benefícios e outra[s]
[...] se preferiam os seus validos e que [...] de tomar vingança de quem pre-
tender opor-se às suas pretensões como [...] se mostrará (AHU/MG, cx. 105,
doc. 76).

O ódio dos reclamantes era tanto que o vigário foi descrito como “ví-
bora desumana”. Relatavam inúmeros conflitos dele na região, reforçando
sempre o medo que inspirava naqueles que deveriam fazer cumprir as leis. O
vigário também manejava os cargos camarários a seu gosto. A representação
acusou que Correia conseguira eleger, naquele ano, quase todos os nomes
que havia indicado, portanto “não causou espanto ver como camarista um
sujeito que havia menos de três anos andara de pé descalço por aquela mesma
vila atrás de uma tropa vendendo azeite”, já que esse mesmo vendedor estaria
“entrando em contas com o dito assessor” (AHU/MG, cx. 105, doc. 76).
Os cargos camarários representavam, de forma genuína, a governança
do poder local. As regras sociais da época selecionavam os poucos que eram
aptos a concorrer a tais cargos. Mesmo que as diferenças socioculturais de-
marcassem a concessão de privilégios por toda a extensão ultramarina portu-
guesa, fazendo com que as divergências locais fossem consideradas, a seleção
do corpo governativo para as câmaras procurava seguir o postulado vigente
no Reino de que os cargos concelhios deveriam ser preenchidos pela “nobre-
za da terra”. Ao longo do tempo se estruturaria um grupo social composto
pelos homens bons da localidade aptos a exercer tais cargos, que não faziam
parte da nobreza de sangue do Reino. A cooptação desses homens era parte
integrante das estratégias políticas do Reino para manter o poder num tão
vasto domínio. Formava-se então uma nobreza política1 que também serviria

1
A respeito da “nobreza política”, Ronald Raminelli explica: “De ascensão recente, a nobreza
política era formada por indivíduos de origem humilde que serviam ao soberano, nas guerras
ou na burocracia e receberam honras e privilégios com a condição de terem limpeza de sangue
e mãos” (2010, p. 78).
228 Da justiça em nome d’El Rey

ao soberano. Segundo Maria Fernanda Bicalho, a prerrogativa de assumir um


cargo camarário conferia a alguns desses homens a “principal via de exercício
da cidadania no Antigo Regime português” (2001, p. 192).
Podemos compreender a indignação daqueles homens frente aos pri-
vilégios concedidos pela dupla de oficiais a alguns homens que não estavam
aptos, segundo as regras da época, aos cargos do concelho. Isso reafirmou a
importância das peculiaridades de cada região para definir as dinâmicas do
poder local e as hierarquias sociais nas diferentes partes do Império. A auto-
nomia político-administrativa conferida a essas instituições proporcionava a
possibilidade de redefinições sociais. Esses homens valiam-se das redes locais
para alcançar posições estratégicas, mesmo que, à primeira vista, não tivessem
ascendência familiar para tal.
Com relação à correição de Paracatu, a Representação também era im-
placável. Os denunciantes declararam que “escandalizavam toda a comarca
as mortes que se cometiam e os muitos criminosos que havia” no Arraial de
Paracatu. Relataram que havia mais de trinta anos ali não entrara corregedor,
demonstrando como os poderes locais sobressaíam aos representantes do po-
der do centro e, mais ainda, os laços comprometedores que amarravam uns
aos outros. Com o intuito de “fazer uma bem merecida justiça” naquele ar-
raial, saiu em correição José de Góes, porém levou “consigo o seu inseparável
Assessor”. Tal fator foi o bastante para a dupla de oficiais estabelecer interes-
ses recíprocos com os poderosos locais. Os criminosos de Paracatu obtiveram
prerrogativas para prepararem “o seu livramento” e ocultarem as suas culpas.
Concluída a dita correição,

os outros, que supunha o povo mais criminosos e esperava ver punidos foram
os premiados que ficaram exercendo os Cargos da República feitos uns Ca-
maristas, outros Juízes de Órfãos e Ordinários da terra e para isso teve aquele
Ministro dádivas de grande preço e de muito peso e o tal Assessor esmolas de
quinhentas oitavas de ouro para uma Missa (AHU/MG, cx. 105, doc. 76).

Após a passagem por Paracatu, a comitiva do ouvidor chegou ao Ar-


raial de São Romão. Região de sertão, parte integrante da comarca do Rio
das Velhas, ali se formara desde cedo uma sociedade “carente de autoridades
metropolitanas e povoada por régulos que agiam segundo a sua vontade”
(Anastasia, 2005, p. 69). Ao mesmo tempo que carecia do controle régio, era
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 229

parte importante da dinâmica socioeconômica colonial: às margens do Rio


São Francisco, era lugar de passagem entre o norte e o centro-sul da América
portuguesa e atraía os olhos dos poderosos locais em busca de vantagens e
lucros. Existia ali um destacamento de Dragões que controlava (ou ao menos
tentava) o fluxo fluvial entre as capitanias, com a obrigação de “impedirem
os extravios de ouro e diamante”. Segundo a representação, ninguém poderia
passar por aquele “Porto sem uma rigorosa busca”.
José de Góes havia aportado naquele destacamento e, servindo-se de
sua autoridade, impediu que os soldados promovessem a revista obrigatória a
todos os viajantes que subiam ou desciam o São Francisco. Além do impedi-
mento, decretou a prisão dos soldados que o intentaram revistar, bem como
do comandante do destacamento, transportando-os presos para Sabará. Mais
uma vez se configuraram conflitos por espaços de jurisdição, pouco defini-
dos pela política administrativa da época. O ouvidor levou essa prisão até as
últimas consequências, condenando ao degredo para Angola o comandante
que ousara revistar sua comitiva (AHU/MG, cx. 105, doc. 76). O ouvidor
de Sabará agiu de forma insolente e arrogante, porém as leis do Reino pro-
porcionavam tais atributos. As ingerências que advinham desses oficiais da
justiça tinham origem no próprio caráter híbrido das leis da época. As Or-
denações atribuíam uma série de prerrogativas e situações em que o ouvidor,
em prol do bem público, poderia agir da forma que achasse mais plausível na
aplicação da justiça.
Esse caso necessitaria da abertura de uma devassa, porém não encon-
tramos indícios de que isso tenha sido feito. Segundo consta nas Ordenações,
os ouvidores tinham jurisdição sobre causas novas que envolvessem “quais-
quer pessoas poderosas”, dentro de seu termo. As apelações poderiam ser
feitas e, segundo a representação, assim o comandante o fez, ao juiz ordinário
do Arraial de São Romão. Contudo, por vias legais, a apelação deveria ser en-
viada ao ouvidor da comarca: José de Góes recebeu o documento pelas mãos
do tabelião de Sabará (Código filipino, 2004, pp. 106-7).
As entrelinhas que prendiam esses oficiais estavam muito bem articula-
das, seja pelos espaços que as próprias leis facultavam ou ainda por atividades
ilícitas. Provavelmente, o nosso ouvidor transportasse algo que não poderia
ser encontrado pelo destacamento de São Romão (e muitos seriam os favore-
cidos se a carga chegasse ao destino). Segundo as denúncias, “o dito Ministro,
Assessor e mais comitiva quando voltaram daquele Arraial [...] com avultu-
230 Da justiça em nome d’El Rey

ada soma de ouro, entraram na Vila de Sabará sem o darem o manifesto”


(AHU/MG, cx. 105, doc. 76).
Quanto ao degredo, as Ordenações filipinas apresentavam inúmeros
casos em que se poderia aplicar tal condenação. Até o século XVII, o degre-
do para as terras da América portuguesa “representava um grau elevado de
punição” (Pieroni, 2001, p. 78). Após a declaração de pena para o Brasil, só
restaria a pena capital. O degredo para a África era considerado um pouco
mais brando.
No Livro V das Ordenações encontramos a justificativa para as atitudes
de José de Góes. Como um oficial da justiça, o ouvidor tinha o dever de
manter a paz e a ordem em nome do bem público e possuía como segurança
as Leis do Reino, mesmo que a sua interpretação ficasse a cargo de quem a
aplicasse. No título 49 daquele livro, o item 2 fornece indícios de que o ou-
vidor poderia agir no espaço oferecido pelas leis:

E a pessoa que resistir contra algum Corregedor das Comarcas e nosso Reino
e Ilhas ou Ouvidor, que por Nós seja posto [...] e seus Meirinhos e Escrivães
que com eles servem [...] e se resistir com armas posto que o não fira, será
degredado para a África por dez anos. E se lhe resistir, não tirando armas, ou
lhe disser palavras injuriosas sobre o seu Oficio, será degredado para a África
por seis anos (p. 107).

As entrelinhas das leis permitiam a esses oficiais caminharem de for-


mas muitas vezes indefinidas por elas, para corroborar suas atitudes como
representantes da justiça e do monarca. A condenação para o degredo ficava
à mercê das interpretações que o próprio ouvidor poderia dela extrair. Feliz-
mente, o comandante do destacamento de São Romão poderia apelar para os
tribunais superiores, e assim o fez. Não temos informações acerca da apelação
que intentou, já que a Representação não cita sequer o nome do comandante
e réu. O que podemos concluir pela denúncia é que a apelação fora dirigida à
Relação do Rio de Janeiro, onde os ministros ficaram convencidos “da legíti-
ma prova e justa defesa do réu” (AHUMG, c. 105, doc. 76).
Outra denúncia feita por aqueles homens bons era a de que acontecia,
na residência do vigário, “conventículos todas as noites”. Tais reuniões aco-
bertavam uma espécie de “Instituto” que ali funcionava e recebera o nome
de “Colégio de São Roque”. Segundo aqueles homens, o assessor do ouvidor
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 231

“tomou o nome [...] de Provincial dos Jesuítas e de colegiais”, os que se jun-


tavam aos dois ministros.

Dali saíam as testemunhas para todos os procedimentos sendo o Instituto


desta Sinagoga punir cada um pela Causa de todos e idear o melhor meio
da sua conservação para estabelecimento dos seus interesses. [...] os denomi-
nados Colegiais são todos uns sujeitos dependentes daquele Ministro e seu
Acessor (AHU/MG, cx. 105, doc. 76).

Essas reuniões, denunciadas pela Representação, deixam transparecer o


quanto a sociedade local estava seccionada, já que o grupo que fazia as denún-
cias se encontrava alijado de tais “conventículos” e, consequentemente, das
amarrações dessas relações clientelares e dos privilégios aí negociados. Ainda
podemos perceber a influência visceral que a Companhia de Jesus exercia
sobre esses homens e, mais ainda, sobre a sociedade do Antigo Regime.
Leandro Pena Catão (2005) descreve os íntimos laços que o clérigo
tinha com a Companhia de Jesus. Algumas medidas tomadas pelo ministério
pombalino, como a expulsão dos jesuítas e a criação da Real Mesa Censória,
foram duramente atacadas por José Correia da Silva. Contudo, a herança je-
suítica que podemos identificar nesses homens vai muito além das blasfêmias
proferidas e do ataque contra as reformas. Algumas das mais caras estruturas
da política administrativa da época tinham suas origens na filosofia tomista
pregada pelos inacianos. Portanto, a existência do Colégio de São Roque em
terras tão inóspitas do Império português revela os laços ainda persistentes
entre esses agentes.
A referida representação deixa transparecer as malhas clientelares que
amarravam as relações políticas durante o Antigo Regime português. Ao mes-
mo tempo que se aliavam e se resguardavam no Reino, esses homens faziam
valer as mesmas alianças nas distantes possessões ultramarinas. Buscavam as-
sociações locais que pudessem lhes garantir domínio territorial e/ou político,
colaborando para tecer a imensa teia de reciprocidades que costurava todo o
Império.
Xavier e Hespanha (1994), analisando a sociedade do Antigo Regime, aler-
tam sobre a diversidade de relações sociais que existiam no campo dos poderes
informais. Tais relações eram reveladas por vias de amizade, serviços prestados e
concessões de mercês, estabelecendo redes que conferiam legitimidade às práticas
232 Da justiça em nome d’El Rey

políticas cotidianas. Propõem, com base nisso, uma reflexão acerca do que cha-
mam de economia moral do dom: contemplar análises sobre as áreas remotas das
relações políticas, que mesmo estando aparentemente à parte do processo político
não deixavam de intervir na configuração dessas redes clientelares.
Acompanhando esse raciocínio, mais uma vez nos valemos do conceito
de redes governativas desenvolvido por Maria de Fátima Gouvêa (2010). O
“conjunto de conexões recorrentes” que definiam ou alteravam as estraté-
gias políticas dos oficiais no exercício de seus cargos numa dada época, es-
tabelecido pelos vínculos articulados de indivíduos, demarcava tais relações.
As trajetórias político-administrativas desses oficiais eram o resultado dessas
amarrações, que envolviam homens por todo o Império, que se interligavam
por relações de dependência.
A acusação de crime de inconfidência que recaiu sobre José de Góes
Ribeiro de Moraes estava inserida na trama de uma dessas redes. Girava em
torno da condenação ao degredo por Pombal do então secretário de Estado
dos Negócios do Reino, José de Seabra da Silva. Seabra era amigo íntimo de
Góes e o havia ajudado com a nomeação para o cargo de ouvidor.
Em carta de 2 de fevereiro de 1775, o governador interino, Pedro An-
tônio da Gama e Freitas, comunicou ao Reino a denúncia feita por Manoel
de Figueiredo de Sá e Silva:

Tendo o doutor ouvidor desta comarca [...] a nota certa de que S. Maj. Fi-
delíssima tinha desterrado do Seu Real Serviço e Secretaria de Estado dos
Negócios do Reino José de Seabra por ser assim conveniente ao Real Serviço
do mesmo Senhor, entrou o dito ministro a blasfemar não só contra o dito
Senhor pela injusta deposição do predito Seabra, mas também contra o Ilus-
tríssimo Excelentíssimo Senhor Marquês de Pombal, Primeiro Ministro de
Sua Maj., Inspetor Geral de seu Real Erário e Secretário de Estado pela razão
de que o dito Excelentíssimo Senhor Marquês lhe [...] grande ódio pelo dito
Seabra, dizer a S. Maj. que o dito Senhor Marquês já estava pateta e incapaz
de governar (AHU/MG, cx. 108, doc. 6).

A despeito das denúncias de prováveis irregularidades cometidas por


alguns homens bons da comarca, o agravante que conduziu à acusação por
inconfidência foram as blasfêmias proferidas contra Pombal no que dizia res-
peito ao apoio a José de Seabra.
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 233

Quanto ao delator, Manoel Figueiredo de Sá, a Representação conduz


a algumas interpretações. Ele havia arrematado o ofício de juiz de órfãos e
ausentes da comarca de Sabará, o que leva a crer que também fazia parte
do séquito do ministro e seu assessor. Além disso, os próprios denunciantes
revelaram que “muitas vezes directava também em causas respectivas do seu
ofício ao dito Ministro que o atendia muito comunicando-lhe os seus par-
ticulares”. Teria sido nos “conventículos” da residência de José Correia que
Figueiredo de Sá ouvira as blasfêmias proferidas contra Pombal e o monarca.
Outra possibilidade sugerida pela Representação é que as denúncias tivessem
sido feitas devido a alguma cisão nesse grupo.
Seabra esteve desde o início vinculado ao processo desencadeado pela
ascensão política do marquês de Pombal. Filho de Lucas Seabra e Silva, con-
selheiro de D. João V e de D. José e desembargador da Casa de Suplicação,
José de Seabra nasceu em 1732 e sua vida política foi precoce. Em 1744 foi
matriculado na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra e, seis anos
depois, recebeu o hábito da Ordem de Cristo. Seabra, porém, informou à
Coroa que não estava apto a ingressar na Ordem por ser menor de idade na
época da concessão. Em 1751 leu no Desembargo do Paço “com um exame
notável a demonstrar excelentes conhecimentos e competências para os altos
cargos da Coroa” (Leitura de Bacharéis; José de Seabra e Silva, ANTT, mç. 2,
n. 22, 1750). Com 21 anos foi nomeado desembargador da Relação do Porto
e três anos depois subiu à Casa de Suplicação com o mesmo cargo. Seu pai,
falecido em 1756, deixou como legado uma carreira política bem-sucedida,
na qual José de Seabra o substituiu.
O desembargador e amigo de Pombal foi um dos responsáveis pela ela-
boração de todo o contexto ideológico criado em volta da expulsão dos jesuí-
tas e da reforma na educação. Tinha uma franca tendência regalista e sempre
assumiu uma posição de radicalismo no combate à persistência da tradição
política corporativa no âmbito do poder. Era defensor de uma centralização
política e da superioridade do poder temporal do monarca sobre quaisquer
outros. Em 1770 foi nomeado adjunto do secretário de Estados dos Negócios
do Reino. A partir daí, trabalhando diretamente com o marquês de Pombal,
seu protagonismo político seria incontestável.
Com base nessa conjuntura política e considerando que José de Góes
levaria alguns anos para ser nomeado desde sua leitura, a amizade com Sea-
bra pode ter sido fundamental para a nomeação, sem o período trienal, para
234 Da justiça em nome d’El Rey

um cargo tão almejado quanto o de ouvidor na região mineradora. Esses


mecanismos ofereciam garantias sociais e faziam parte da dinâmica sociopo-
lítica do Antigo Regime, configurando relações clientelares bem amarradas.
Os vínculos estratégicos estabelecidos entre esses homens lhes conferiam a
segurança da estabilidade política numa sociedade composta com base em
hierarquias, bem como na seleção para exercer os cargos em nome da monar-
quia, um privilégio alcançado por poucos. Além disso, uma nomeação para a
região das Minas Gerais significava, além de prestígio político, possibilidades
de acumulação de riquezas, não tanto pelos salários pagos pela Fazenda Real,
mas principalmente pelos emolumentos que poderiam advir daí.
No entanto, a supremacia política de José de Seabra e Silva não perdu-
raria. Em janeiro de 1774, o desembargador foi “escuso de todos os empregos
que nele ocupou” e ordenado, em um prazo de 48 horas, a deixar “a cidade
de Lisboa e seu termo”. A ordem veio direto do marquês de Pombal. Três
meses depois, Seabra saiu preso de sua casa no Vale de Besteiros para desterro
no Presídio das Pedras Negras em Purgo-Andongo, África. Em sua viagem,
passou pela Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e por Angola (Pereira e Ro-
drigues, 1912).
O crime de inconfidência de José de Góes ficou explícito nas blasfê-
mias contra o monarca e Pombal. Mais ainda, consistiu na demonstração de
gratidão do ouvidor para com seu padrinho. Segundo as denúncias, o ouvi-
dor prometera ir se encontrar com Seabra no Rio de Janeiro a fim de ajudá-lo
numa possível fuga. Essa fidelidade deixa transparecer uma estreita conexão
clientelar entre esses oficiais régios: o ouvidor quis demonstrar “o quanto se
mostrava agradecido por ele o ter feito ouvidor desta comarca em tempo que
era Secretário, sem que ele tivesse feito outro lugar” (AHU/MG, cx. 108,
doc. 6). As causas que levaram ao degredo de José de Seabra relacionam-se
às conspirações acerca da sucessão do trono. Seabra foi acusado de trair a
confiança de Pombal e de D. José em favor de D. Maria, e retornaria ao seu
cargo em 1788, no reinado de D. Maria I.
Pedro Antônio da Gama Freitas solicitou o envio de Manoel Figuei-
redo de Sá com o intuito de formalizar a sua denúncia, o que o ouvidor se
recusou a fazer. Em vez disso, foi ele mesmo a Vila Rica ao encontro do go-
vernador e, após muitas discussões, José de Góes enviou o preso a Vila Rica
sob os cuidados de “dois de seus oficiais” (AHU/MG, cx. 108, doc. 6).
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 235

Segundo a Representação, ao retornar a Sabará, José de Góes começou


a fazer ameaças às testemunhas que faltavam depor. Tendo consciência de
que não poderia impedir os depoimentos das que estavam em Vila Rica,
procurou dificultar os dos que ainda estavam sob sua jurisdição. Além disso,
efetuou uma série de prisões contra os principais daquela vila “e depois abriu
uma devassa que intitulou de Conspiração, Rebelião e Sedição em a qual
incriminou os que já tinham presos e os mais que pretendeu prender”. O ou-
vidor alegou que “o povo estava sedicioso, se conspirava contra ele e tentava
a sua morte” (AHU/MG, cx. 105, doc. 76). Para os autores do documen-
to, José de Góes forjara, juntamente com seu assessor, cartas anônimas que
provavam todas essas acusações. Observa-se, em contrapartida, uma grande
preocupação desses homens em provar o contrário:

Basta dizer-se que o dito Ministro se recolhia de noite fora de horas da Casa
da Ópera e [...] da casa de seu assessor e também dos seus divertimentos umas
vezes só outras unicamente acompanhado daquele Porteiro, seu privado, e
nunca encontrou quem o ofendesse, porque jamais pela imaginação de algum
passou o ligeiro pensamento de ofendê-lo e menos conspirar-se contra a sua
vida maior (idem).

Eles ressaltaram o quanto o povo daquela comarca era “obediente às


Sagradas Leis de V. Maj.”, e que nenhum ministro até então tinha causado
problema naquela jurisdição, “consequência certa de que outros foram bons
ou só esse é mal” (idem).
Portanto, mais do que prova de acusação cabal contra o ouvidor e o vigá-
rio, a Representação demonstra o quanto tal conflito foi complexo, na medida
em que arrolava, de um lado, poderosos locais, muitos deles envolvidos com a
extração do ouro, a arrematação das passagens e dos contratos, e de outro lado,
legítimos representantes do poder real nessas distantes paragens. Esse entrela-
çamento de poderes criava um ambiente em que as relações cotidianas estavam
latentes, refletindo um equilíbrio precário que poderia ruir facilmente.

E o ouvidor virou inconfidente...

O ano de 1775 foi decisivo para nosso ouvidor. Como Pedro Antônio
da Gama não mostrou pulso para apurar devidamente as denúncias (e nem
236 Da justiça em nome d’El Rey

tinha jurisdição para tal), a chegada e assunção de D. Antônio de Noronha


foram definitivas para a derrocada de José de Góes. Em abril do mesmo ano,
Noronha deu conta ao monarca de ter chegado ao Rio de Janeiro e de seu
encontro com o marquês de Lavradio (AHU/MG, cx. 108, doc. 18). Dois
meses depois, chegava às Minas para assumir o governo da capitania. Ao avi-
sar a Martinho de Melo e Castro que havia tomado posse, informou:

No que respeita ao Ouvidor do Sabará continua em não conservar a sua co-


marca na maior quietação. Remeto a V. Exc. o translado dos Autos da de-
núncia que se tomou contra o dito Ministro cujo original remeteu ao Ilus-
tríssimo e Excelentíssimo Senhor Marques de Pombal o Governador Interino
que achei nesta Capitania Pedro Antônio da Gama Freitas, o qual não fez
o procedimento que se determinou na Junta de Ministros que convocou e
consta dos documentos apensos aos ditos Autos talvez porque dois dos ditos
Ministros que foram o Provedor e ouvidor desta Vila se não conformaram
com os pormenores que deram por escrito posteriores a dita Junta na qual
tinham sido conformes menos o dito Ouvidor (AHU/MG, cx. 108, doc. 32).

Parece-nos que D. Antônio de Noronha havia recebido instruções acer-


ca do que acontecia em Sabará, pois tratou logo de tomar providências e dar
satisfações. O governador em exercício havia convocado uma Junta de Justiça
para resolver o caso de Sabará, a qual não conseguira chegar a um acordo...
Em janeiro de 1775, D. José escreveu ao recém-empossado governador
com a finalidade de ressaltar a importância da Junta de Justiça para a boa
administração local. Informou que “deveriam ser sentenciados todos os réus
que cometerem Delitos que por eles mereçam não só as penas arbitrárias, mas
até a última”. Para tal empreitada, o monarca concedeu “toda a comprida
jurisdição que necessária vos for” a D. Antônio de Noronha, na identificação
e punição a quaisquer crimes, incluindo os “de sedição, de rebelião e de todos
[...] de lesa-majestade, Divina ou Humana”. Recomendou que fosse dado ao
réu o direito de defesa, porém “reduzindo-o a maior brevidade, que couber
no possível” (Carta régia... RAPM, 1911, v. 16, fsc. 1, p. 471).
Apesar de não podermos afirmar que tais recomendações tenham sido
passadas em função do que ocorria em Sabará, pela imprecisão de data da Re-
presentação, essa carta nos sugere, no mínimo, que a época inspirava cuida-
dos por parte das autoridades na manutenção da ordem e do sossego público.
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 237

Mais ainda, demonstra sintonia com as diretrizes de polícia que o ministério


pombalino propunha em sua essência. O fato é que informou que suspende-
ra “todo procedimento até resolução de Sua Majestade, até a “urgência dos
casos em tão delicada matéria” não exigir qualquer providência “relativa ao
sossego público” (idem).
D. Antônio de Noronha chegou com outras instruções para a gover-
nação das Minas: restabelecer a autoridade esvaída com as administrações de
Antônio Carlos Furtado de Mendonça e do interino Pedro Antônio da Gama
Freitas, consolidar as fronteiras geográficas da região mineradora, incentivar
e controlar a expansão das atividades econômicas pelo sertão, promovendo
com isso o avanço para “regiões distantes e ainda destituídas de assentamen-
tos coloniais” (Souza, 2006, p. 351). As recomendações pombalinas também
consistiam no incentivo às alianças entre os representantes do poder local e
os oficiais régios. Pombal entendia que a preservação desses laços era vital
para o bem público e, no caso das Minas, aceleraria sua recuperação. A essa
recomendação Noronha atendeu prontamente: foram inúmeras viagens pe-
los sertões de Minas Gerais em busca do contato com os potentados locais.
Nas instruções passadas pelo marquês de Pombal, percebemos como
a administração da cobrança dos quintos tornou-se importante numa época
em que a arrecadação havia caído. O incômodo causado pela derrama era
atribuído ao aumento do contrabando e

na inteligência de que a mesma Derrama não somente foi estabelecida para


realmente se prefazer a referida Conta mas também para que todos os mora-
dores do Distrito desta Capitania servissem de Fiscais dos mesmos contraban-
dos, pois sendo compreendidos geralmente todos na Derrama os roubos que
uns fazem redundam em prejuízo dos outros que os não fizeram (Instruções
régias, RAPM, v. 16, fsc. 1, 1911, p. 25).

As recomendações passadas ao novo governador propunham o contro-


le eficaz sobre os desvios e, nesse assunto, nosso ouvidor era alvo certo das
fiscalizações, conforme denunciou a Representação.
Como havia informado, Noronha esperou a resolução do Reino acerca
do caso. Em novembro daquele mesmo ano, Pombal escreveu ao governador
de Minas acerca da Junta de Justiça que Pedro da Gama havia convocado em
abril, pouco antes da chegada de Noronha. A despeito das irregularidades na
238 Da justiça em nome d’El Rey

junta observadas pelo novo governador, o marquês informou que analisara


a “proposta que o governador interino” fizera e “os votos que os ditos Mi-
nistros deram na referida Junta”, bem como a conta que havia dado Pedro
da Gama, juntamente “com todos os demais papéis concernentes ao mesmo
negócio”, para resolver

que Vossa Senhoria logo que receber esta faça suspender o dito Ouvidor do
Sabará e o faça imediatamente prender e remeter com toda a segurança às
Cadeias da Relação do Rio de Janeiro, sequestrando-se-lhe no mesmo ato da
prisão todos os papéis que lhe forem achados e todos os seus bens para tudo
ser com Ele remetido à ordem do Conselheiro José Antônio de Oliveira Ma-
chado, Juiz da Inconfidência. A mesma prisão e imediato sequestro e remessa
de Vossa Senhoria fazer praticar com o Clérigo José Correa da Silva (APM,
códice 148).

Mais uma vez se faz necessário ressaltar a importância dos agentes po-
líticos que o ministério pombalino construiu para a perseguição aos infiéis.
O Tribunal de Inconfidência agiu sobre esse caso, solicitando a excomunhão
política do ouvidor blasfemo e infiel.
Como tais ordens não chegaram imediatamente à capitania, D. Antô-
nio de Noronha ainda entrou em litígio com José de Góes, que se manteve
como ouvidor até o final de 1775, o que não o impediu de escrever ao Con-
selho Ultramarino recomendando a nomeação do bacharel Filipe José para
a Ouvidoria de Sabará: “este o desejava eu ver no Sabará em lugar daquele
louco que lá está”. O governador recomendava-o explicando que era “pessoa
de muita capacidade”. Porém, o apadrinhado do governador foi preterido ao
então nomeado ouvidor José Antônio Barbosa do Lago, com provisão de 12
de agosto de 1775 (AHU/MG, cx. 108, docs. 49 e 55).
Durante o mês de outubro se configurou mais um conflito entre o go-
vernador e o ouvidor. O fato se referia à cobrança pelos soldos atrasados do
sargento-mor da comarca de Sabará e seu ajudante. D. Antônio de Noronha
recomendou a Góes que empregasse todo o esforço “para que se faça o dito
pagamento nos seus devidos tempos” e lembrou que deveria ser entregue ao
tesoureiro da Real Fazenda a quantia para quitar a dívida com os militares.
O ouvidor, por sua vez, informou que perante “a impossibilidade de poder
fazer” o pagamento em tempo, achara conveniente consignar “as rendas do
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 239

Julgado de Paracatu” em prol do referido. Avisou que já havia ordenado ao


“Juiz Ordinário daquele distrito que fizesse meter no cofre da Intendência
[...] a quantia que por mim lhe foi arbitrada” (APM, códice 207). O oficial
procurou cumprir as ordens do governador da melhor forma, haja vista todo
o conflito que havia se configurado e a sua iminente prisão.
Em novembro do mesmo ano, novamente D. Antônio de Noronha
insistiu com o Conselho Ultramarino nas providências contra José de Góes.
Informou a Melo e Castro “que me dá mais que fazer aquela comarca só do
que toda a capitania”. Informou também que mandara transferir os presos
da cadeia de Sabará para a de Vila Rica: “as razões que me obrigaram a fazê-
-lo foi só a fim de os tirar do martírio em que os punha aquele Ministro e
só querer que sejam castigados conforme as Leis de Sua Majestade” (APM,
códice 207).
O governador travou alguns conflitos por jurisdição com o ainda ouvi-
dor de Sabará, José de Góes Ribeiro Lara de Moraes, o que nos leva mais uma
vez a constatar o quanto eram complexas as fronteiras que separavam os es-
paços de poder desses homens. Todos chegavam aos domínios ultramarinos
imbuídos do poder real e a delimitação de seus espaços era uma tarefa difícil,
quase impossível nesse universo político. No entanto, a essa dinâmica passou
a se sobrepor uma razão de Estado sintonizada com a proposta regalista de
centralização política. O marquês de Pombal estava atento a toda a conjun-
tura que ele mesmo impusera, num esforço de superar a tradição política de
outrora. A infidelidade ao novo ministério era punida severamente para que
servisse como exemplo e, ao mesmo tempo, promovesse uma seleção dos
homens aptos a fazer parte do novo governo.
Finalmente, em dezembro de 1775, D. Antônio de Noronha se re-
gozijou ao informar ao vice-rei, marquês de Lavradio, que havia passado a
comarca de Sabará “a fim de prender o Ouvidor que foi dela José de Góes
de Ribeira Lara de Moraes e o Padre José Correia” e remetê-los presos para
o Rio de Janeiro e depois para Lisboa. Aproveitou para solicitar tempo para
realizar o sequestro dos bens dos presos, “o qual necessita[va] de tempo para
se lhe fazer com toda a clareza” (APM, códice 212).
A partir daí se travou outro conflito. D. Antônio de Noronha solicitou
tempo ao Reino para realizar o confisco dos bens dos condenados, contudo
dependia dos funcionários régios que assistiam em Sabará e que pareciam es-
tar entravando a tarefa. Ao ouvidor e intendente interino de Sabará, Manoel
240 Da justiça em nome d’El Rey

de Souza Barreto, o governador escreveu, no início do ano de 1776, questio-


nando a demora do serviço:

Mandei a Vossa Mercê na portaria para que me mandasse por um soldo dessa
intendência todo o ouro e prata que se acham nos Reais Cofres pertencentes
ao Confisco do padre José Correa e como não sei qual seja o motivo desta
tardança querendo eu fazer com brevidade esta remessa logo que Vossa Mercê
receber esta remeterá o conteúdo na dita Portaria sem a menor perda de tem-
po (APM, códice 207).

Essa não seria a única ordem que o interino deixaria de cumprir. Na


mesma época, D. Antônio de Noronha cobrou mais uma vez o zelo no Real
Serviço que faltava ao oficial:

Não posso deixar de estranhar a Vossa Mercê a frouxidão com que se tem dei-
xado de executar a ordem que lhe dirigi [...] sobre os processos dos criminosos
pertencentes a toda sua comarca para serem sentenciados na Junta da Justiça
[...] ficando Vossa Mercê na inteligência de que o serviço do Rei se deve fazer
dado o que espera Vossa Mercê assim o cumpra (idem).

Essas cartas insinuam que havia um certo mal-estar entre o ouvidor


interino e o governador da capitania. Segundo as Ordenações, na ausência do
ouvidor nomeado pelo Desembargo do Paço, deveriam assumir o lugar os
“Juízes da terra” (p. 106). Podemos supor que, mesmo interinamente, o juiz
ordinário estava à frente de um dos cargos mais importantes da capitania e,
considerando que a câmara daquela comarca apoiava o ouvidor sentenciado,
D. Antônio de Noronha enfrentou a animosidade daqueles representantes
do poder local.
Em 23 de janeiro de 1776, Noronha escreveu ao marquês de Lavradio
enviando-lhe “a remessa dos sequestros” dos réus, para que tais documentos
fossem destinados pelo vice-rei a “Lisboa ao Juiz da Inconfidência José Antô-
nio de Oliveira Machado” (APM, códice 212). Uma breve análise no auto de
sequestro do ouvidor sugere que José de Góes estava envolvido com os descami-
nhos do ouro na região. Possuía “cento e sessenta e seis oitavas” de ouro em pó,
o que era proibido pela Coroa, ainda mais se tratando de um oficial régio. Foi
registrada em seu sequestro uma grande quantidade de peças em ouro e prata,
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 241

muitas adornadas com pedras preciosas. Seus autos revelam outra realidade:
muitos deviam ao ouvidor. Alguns desses devedores, à época do sequestro, de-
positaram a quantia devida “no Cofre da Real Intendência”. Foram confiscados
os quatro escravos que tinha. Por fim, o escrivão registrou que “é o que contém
de maior valor entre os referidos bens sequestrados pelos mais serem roupas de
uso de cor e brancas e vários livros e muitos trastes miúdos” (AHU/MG, cx.
109, doc. 1). A acusação de inconfidência recaiu sobre José de Góes com base
nas blasfêmias contra o ministro e, principalmente, nas denúncias de suas atitu-
des. Nos autos, seus livros foram registrados juntamente com os “muitos trastes
miúdos” que possuía. Os dois réus foram enviados presos ao Reino, junto com
os autos e “com os bens que se podem transportar e com os papéis que foram
apreendidos” (AHU/MG, cx. 109, doc. 10).
Em março de 1776, o marquês de Pombal ordenou ao governador das
Minas que desse posse a José Antônio Barbosa do Lago, “sem as cartas na for-
ma do Estilo” (APM, códice 148). Tal atitude retrata a pressa que o ministro
tinha em restituir à comarca um ouvidor nomeado pelo centro.
Em setembro daquele ano, o juiz da inconfidência deu conta ao mar-
quês de Pombal de ter recebido os dois réus. Porém, aí começou mais um pro-
blema. Na mesma carta, Oliveira Machado informou ao ministro de D. José
que “há quatro meses que estes chegaram e que se acham em segredo e ainda
até agora não chegaram os referidos papéis” nem sequer a relação dos bens de
sequestro feito em Minas Gerais. O oficial informou que já havia mandado
“examinar na Alfândega Casa da Índia e todos os navios que tinham chegado
deste Porto do Rio de Janeiro” (APM, códice 211). D. Antônio de Noronha
escreveu ao mesmo tribunal na tentativa de se esquivar da culpa pela demora
na chegada (ou até mesmo sumiço) dos documentos referentes ao sequestro
dos bens dos oficiais condenados. Informou:

Tal falta não pode ser imputada a omissão minha porque sem execução da
ordem que me dirigiu Ilustríssimo e Excelentíssimo Marquês de Pombal
[...] remeti ao Marquês de Lavradio [...] não só aqueles presos, mas também
os bens que lhe foram sequestrados com as suas respectivas relações (APM,
códice 211).

Ainda informou que o condutor dos documentos entregara-os “na Te-


souraria Geral do Rio de Janeiro” e que, a partir dali, a responsabilidade de
242 Da justiça em nome d’El Rey

guarda e remessa seria do vice-rei marquês de Lavradio. Redimiu-se, desse


modo, perante o juiz e o próprio Pombal:

Sinto que Vossa Senhoria e o dito Ilustríssimo e Excelentíssimo Marquês de


Pombal a quem Vossa Excelência deu parte da falta daquela remessa se per-
suadissem de que Eu era a causa dela ao mesmo tempo em que Eu cumpri
fielmente a mencionada ordem que me havia sido dirigida e não devo ser
responsável da omissão alheia (idem).

Quanto ao nosso ouvidor, José de Góes Ribeiro Lara de Moraes, este


fora conduzido diretamente para a cadeia do Limoeiro, em Lisboa. No que
diz respeito aos papéis, não podemos precisar, devido à carência documental,
se chegaram ao seu destino final a tempo de serem utilizados pelo Tribunal
de Inconfidência, antes de a Rainha, mais tarde dada como louca, ascender
ao trono como D. Maria I.

A inconfidência deixa de ser inconfidência: D. Maria e o perdão aos


condenados de Pombal

No dia 25 de fevereiro de 1777 foi informado aos súditos e vassa-


los que “em noite do dia de ontem pela meia noite e vinte e três minutos
chamou Deus a Sua Santa Glória o Augustíssimo Senhor Rei Dom José
depois de muitos e fervorosos Atos de Católica Resignação” (APM, códice
148). Novos rumos tomariam, a partir desse momento, a vida de todos
os avassalados pela política regalista e de seleção imposta pelo ministério
pombalino. Com a morte do monarca, algumas reformas se processaram
na administração de D. Maria I, a começar pelo perdão a todos os presos
condenados pela política centralizadora de Pombal. O marquês solicitou
a exoneração de seus cargos em março do mesmo ano. Contudo, o que
se convencionou chamar Viradeira não foi muito além da reabilitação de
algumas casas atingidas no período anterior. Uma parte da aristocracia,
excluída do reformismo pombalino, vislumbrou então a oportunidade de
recuperação de seu prestígio. Porém, o antipombalismo não ditaria regras
à “linha de demarcação política” da época, no que diz respeito à inserção
dessa aristocracia no processo político. A conjuntura se apresentava bem
mais complexa.
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 243

Como afirma José Subtil, de nenhuma forma “o caminho seguido pelo


mariano-joanino se relaciona com uma ‘viradeira’: a orientação política pros-
seguiu com os principais agentes reformistas do pombalismo e com a ‘promo-
ção de novas iniciativas esclarecidas’”. Subtil relata ainda que os primeiros
anos do reinado de D. Maria foram profundamente marcados pela influência
“de conselheiros próximos que compunham a célebre ‘junta da rainha’ ou
‘junta nocturna’ (31 de março de 1778, um grupo de desembargadores re-
formistas e alinhados com a política pombalina, com exceção do visconde de
Vila Nova de Cerveira)” (2008, p. 3).
O período que se seguiu ao ministério do marquês de Pombal foi marca-
do muito mais pela continuidade do que por rupturas. A despeito, porém, de
toda continuidade observada por estudos recentes sobre o reinado de D. Maria
I, o que interessa para os limites deste trabalho são as demonstrações de ruptura
que pudemos identificar. Algumas das mais notórias se desenrolaram com base
no perdão concedido a todos os condenados pela política pombalina. Em 2 de
setembro de 1777, D. Maria escreveu a D. Antônio de Noronha, ao “Ouvidor
de Vila Rica e a todas as justiças em geral” da capitania de Minas Gerais:

Faço saber que José de Góes de Ribeira Lara de Moraes [...] que fora suspenso
preso, sequestrado arremetido a esta Corte por ordem régia por uma falsa
denúncia de inconfidência que contra ele [...] dera um preso por nome Ma-
noel de Figueiredo cuja falsidade fizera o Suplicante patente na Minha Real
Presença que atendendo a sua notória inocência o mandara soltar e por em
sua inteira liberdade (APM, códice 190).

Ordenou também que fosse feita “a entrega ao suplicante dos bens


sequestrados” em toda parte compreendida pelo Império português. O go-
vernador, por sua vez, informou à rainha:

Tudo o sequestrado ao Suplicante na ocasião da sua prisão foi remetido para


a capital do Rio de Janeiro para dali ser transportado para Lisboa como deter-
minava a Ordem Régia. E o que se acha no Cofre desta Capital pode o Senhor
mandá-lo receber pelo seu Procurador (APM, códice 190).

A acusação de blasfêmia que se comutou no crime de inconfidência


perdeu sua razão e validade com a queda do marquês. A conjuntura do mi-
244 Da justiça em nome d’El Rey

nistério pombalino foi bastante peculiar no que concerne ao afastamento de


inúmeros oficiais régios que ousaram cultivar as velhas práticas políticas que
remetiam à tradição corporativa de cunho neoescolástico. Apesar de nosso
foco ser o ouvidor, podemos garantir que o clérigo José Correia da Silva
também foi restituído da “posse dos empregos que servia ao tempo de sua
prisão”. Foi, portanto, reconduzido ao cargo que ocupava e teve seus bens
restituídos, tudo por ordem real (APM, códice 148).
Muitos outros processos de perdão foram expedidos por D. Maria I.
Tal dinâmica sugere que, mesmo sem a alteração das diretrizes reformistas,
as representações simbólicas de poder dos homens do Desembargo do Paço
foram resgatadas. Ainda há de se considerar que as blasfêmias contra Pombal
não foram reconhecidas como crime de lesa-majestade pela monarquia da
rainha. Outro fator relevante foi o fato de que o prosseguimento das reformas
pombalinas, principalmente nas áreas da educação, cultura e justiça, não foi
ancorado por “uma tutela centralizadora” (Subtil, 2008, p. 2). O controle
voraz das instituições políticas exercido pelo ministério anterior não foi ado-
tado pelo que se seguiu, comandado por Aires de Sá e Melo, logo substituído
por Martinho de Melo e Castro.
O processo de perdões a esses oficiais continuou durante os primeiros
anos do reinado de D. Maria. Foi-nos possível, partindo da pesquisa nos Ar-
quivos do Desembargo do Paço existentes no Arquivo da Torre do Tombo,
perceber o quanto tais processos de pedidos e concessões de perdões fizeram
parte dessa reestruturação das atribuições corporativas daquele tribunal. Um
desses casos, à guisa de exemplo, foi o do bacharel Luís Antônio Tavares da
Costa Lobo. No início da década de 1780 foi endereçada à Mesa do Desem-
bargo do Paço uma provisão de seguinte conteúdo:

Que dando boa residência do Lugar de Juiz de Fora da Vila de Alemquer


fora provido no de Juiz de Fora da cidade de Castelo Branco que exercera
quatro anos e por falsa informação fora dele tirado e excuso do Real Ser-
viço por Decreto de dezoito de Janeiro de mil setecentos e setenta e cinco
e requerendo o suplicante a V. Maj. uma informação exata de que pudesse
plenamente contar a verdade do caso e o merecimento do suplicante em
consequência dela fora V. Maj. servida por Resolução de Consulta de vinte
e dois de Julho do ano pretérito, declarar o suplicante inocente e restituído
e habilitado para o Real Serviço e requerendo o suplicante a sua residência
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 245

para constar a V. Maj. não só outra ver a sua inocência, mas o zelo e a
intereza com que se portara no Real serviço a ela se procedera e fora vista
e examinada em esta Mesa e se lhe mandara passar Certidão de Corrente
a qual o Suplicante juntara e como este procedimento com o Suplicante
fundada em falsa informação além de outros detrimentos lhe causara um
notável atrasamento na Sua Carreira e no Serviço de Vossa Majestade fun-
dado o Suplicante na Justiça e incomparável Piedade de V. Maj. pedia a V.
Maj. fosse servida em atenção ao referido de prover o Suplicante em um
lugar de primeiro Banco ou em uma correição ordinária com predicamento
de primeiro Banco (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 339).

O bacharel recebia o aval positivo da rainha para ser agraciado com


uma nova nomeação a partir de sua restituição ao serviço público. A mesa
do Desembargo resolveu pela nomeação do bacharel para uma correição or-
dinária, o que representou a segunda nomeação de um oficial de carreira do
Desembargo e correspondeu, nas esferas jurisdicionais, “à graduação em cor-
regedor ou provedor” (Subtil, 1996, p. 265). A reabsorção de alguns desses
homens não significava o reinício de carreira.
Em 1777 também foi “restituído aos lugares de letras o Bacharel João
Francisco Régis de Araújo Lapio de Abreu”, por meio de um despacho da
rainha. No ano de 1781, por ordem do visconde de Vila Nova de Cerveira, o
bacharel Antônio Manuel Carlos Pinto teve seu processo “sobre a suspensão
do seu cargo durante o ministério pombalino” analisado pela mesa de despa-
cho do Desembargo do Paço. Sua nomeação veio algum tempo depois, pois
o encontramos em 1785 ocupando o lugar de “corregedor Superintendente
dos Tabacos do Alentejo” (ANTT, Fundo MNEJ, mç. 337-8).
Nesse contexto está o caso bastante parecido do nosso ouvidor. A rai-
nha havia lhe concedido o perdão e a restituição de seus bens. Porém, José
de Góes não teve tempo hábil para solicitar a sua incorporação ao serviço de
Sua Majestade, pois veio a falecer em 1786. Apesar de, segundo sua Leitura
de Bacharel, ser solteiro à altura da nomeação para ouvidor de Sabará, consta
que José de Góes foi casado com “D. Rita Antônia Tiburcia Barreto Falcão,
natural de Lisboa, Senhora da Quinta dos Espadeiros no termo de Almada”.
No ano de 1792, a rainha ordenou a D. José Luís de Castro, “Capitão Geral
do estado do Brasil”, a restituição dos bens do ouvidor falecido à sua viúva
(AHU/MG, cx. 137, doc. 30).
246 Da justiça em nome d’El Rey

Em 1801, Diogo de Góes Ribeiro Lara Falcão Leme, filho de José de


Góes, solicitou ao monarca, por petição, o direito de receber a herança do
pai, “como único herdeiro do falecido”. Segundo o documento, o suplicante
precisava “mostrar-se único herdeiro daquele seu falecido pai para efeito de
haver os bens que lhe pertençam nos Estados Ultramarinos”. As terras eram
em domínios coloniais, mais precisamente na capitania de São Paulo, de
onde vinham quase todas as testemunhas arroladas, as quais afirmaram ser o
requerente único filho do ex-ouvidor e de D. Rita Tiburcia, já que havia ou-
tra filha “que morreu menina” (INTT, Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina,
mç. 9, n. 7). Os vestígios do crime de inconfidência tinham ficado para trás.

Concluindo

O panorama político da época era desfavorável para nosso ouvidor. À


tradição das práticas políticas do Antigo Regime somava-se o peso contro-
lador do centro, sob os olhos atentos do marquês de Pombal, e as reformas
empreendidas em prol da modernização das relações de Estado. Os esforços
para modernizar o aparato administrativo que atendia ao regime polissinodal
de outrora atingiram as representações simbólicas de poder reservadas aos
homens do Desembargo do Paço.
O governador interino, Pedro Antônio da Gama Freitas, não teve o
pulso necessário para contornar a situação, nem mesmo tinha jurisdição para
reprimir o ouvidor. A chegada do novo governador foi fundamental para
elucidar o conflito. Com instruções dadas pelo ministro, ele pôs um tom de
legitimidade às atitudes que viriam a ser tomadas pelas diretrizes ditadas pelo
marquês de Pombal. Ainda há de se considerar que os ouvidores eram alvos
certos dessa nova política, já que representavam a razão da tradição corporati-
va e jurisdicional que regia as práticas políticas que Pombal pretendia superar.
A Inconfidência de Sabará, portanto, foi um produto das mudanças inten-
tadas por Pombal e da relutância dos oficiais do Desembargo em acatá-las.
Podemos também notar a importância de alguns organismos nesse
processo de reformas. Para os limites de nossa abordagem, especial atenção
foi concedida ao Tribunal de Inconfidência, o qual teve seu protagonismo
confirmado a partir da instauração, por Pombal, de uma política de fidelida-
de que selecionaria os agentes que se mantivessem fiéis às reformas pretendi-
das. Aos demais, restaria o alijamento político por meio das aposentadorias
Tensões e conflitos: a época de Pombal e a Inconfidência de Sabará 247

compulsórias, dos afastamentos estratégicos e, como última das medidas, da


condenação por inconfidência.
Outra característica importante do período é que, para estabelecer o
controle efetivo da sociedade e das práticas políticas, o ministério pombalino
responsabilizou todos os vassalos. As denúncias que arrolavam tanto oficiais
régios como súditos comuns eram ferramentas poderosas na manutenção da
ordem estabelecida. Podemos vislumbrar o peso da representação dirigida ao
monarca, a qual incriminava o nosso ouvidor. Eco das vozes dos leais vassalos
ofendidos, além das denúncias de blasfêmias, o documento contém indícios
de que José de Góes agira em desacordo com as diretrizes propostas e contra
a paz pública, além de que os denunciantes eram os próprios súditos...
Os ventos que embalaram as reformas pombalinas ainda soprariam de-
pois de 1777. As mudanças propostas a partir de 1755 renderiam frutos e,
mesmo com a figura emblemática do marquês de Pombal caindo em desgraça
pelos brios católicos e tradicionais de D. Maria, uma nova geração de juristas
estava sendo formada por uma Universidade de Coimbra reformada.
Conclusão

As peculiaridades que a historiografia corrente tem considerado para o


estudo da Capitania do Ouro residem principalmente na pertinência de um
paradigma governativo imposto pelo absolutismo monárquico. Partindo des-
sas considerações, os esforços dos primeiros habitantes do planalto soariam
como desafios contra os reinos invasores que tentavam penetrar em espaços
proibidos. Daí surgiriam as manifestações de rebeldia, transformando aquela
gente vil e facínora, a partir da segunda metade do século XVIII, em heróis
da resistência contra o jugo metropolitano. Nesse sentido, concedemos, no
primeiro capítulo, vozes aos memorialistas setecentistas com o intuito de de-
marcar como se estruturaram os primeiros ecos sobre a gente do sertão. No
entanto, foi preciso contextualizar o estudo da capitania com base em um
panorama bem diferente, na razão que orquestrava as práticas políticas por
todo o Império lusitano e também estava presente nos sertões das minas de
ouro da América portuguesa.
Para manter o poder sobre aquele império pluricontinental se fez ne-
cessário, para a Coroa, lançar mão de inúmeras estratégias políticas que lhes
proporcionassem a guarda sobre as conquistas. Ao mesmo tempo, para pro-
mover tal intento, a cooptação dos vassalos coloniais era parte essencial dessas
estratégias. Concessões de privilégios e mercês, reconhecimentos dos espaços
legítimos de poder dos agentes e das instituições camarárias foram meios
fundamentais para a manutenção do domínio. O pacto estabelecido entre
a monarquia e os súditos, primazia desse governo de Antigo Regime, tinha
como preceitos tais características.
A essência desse governo, em que a monarquia representava papel pre-
ponderante, ao mesmo tempo em que respeitava os espaços legítimos de po-
250 Da justiça em nome d’El Rey

der de inúmeras agências governativas, como os tribunais, as câmaras, as casas


de misericórdias e os próprios vassalos, era esse pacto político entre governo e
governados, que tinha como base a neoescolástica aquiniana.
Ao se deparar com uma vastidão colonial como a portuguesa, diversas
também foram as regiões, os súditos e o gentio. Para estabelecer o poder do
Amazonas a Macau, as formas de governar exigiam do Reino a adaptação ao
meio e a cooptação das representações de poder local. Os oficiais régios que
saíam do Reino para exercer o governo a distância iam incumbidos dessa
tarefa árdua de governar com base no conhecimento que iam adquirindo dos
espaços por eles administrados, associada às “escolhas e estratégias encami-
nhadas pela Coroa diante das possibilidades políticas e matérias verificadas”
(Gouvêa, 2005, p. 180).
A máxima que regia as práticas políticas, jurisdicionais e corporativistas
proporcionou o surgimento de inúmeras formas e estratégias governativas
que se adequavam às diferentes partes do império. Em Minas Gerais, o desco-
brimento de ouro, diamante e esmeralda exigiu desde cedo um controle sobre
a extração, que passava pelos agentes do poder local. O Reino se viu obrigado
a cooptar aqueles homens do planalto, até então tidos como marginais e que,
a partir dali, principalmente do governo de Antônio de Albuquerque, se tor-
naram vassalos da Coroa. A centralização nunca pôde se concretizar.
A investigação que promovemos em torno do ouvidor José de Souza Val-
dez nos conduziu a tais constatações. O ambiente político ao qual se integrou
na capitania retratava bem a dinâmica que descrevemos. Os inúmeros conflitos
em que se envolveu com o então governador D. Lourenço de Almeida possi-
bilitaram compreender aquele universo na temporalidade política à qual ele
pertencia. As híbridas fronteiras de poder entre os inúmeros oficiais régios fa-
cilitavam os constantes atritos por jurisdição, sem com isso ferir a harmonia da
governação. A monarquia de D. João V vivenciou a mais deslumbrante época
do ouro. Tal constatação não está relacionada à centralização político-admi-
nistrativa, mas principalmente à administração dos oficiais régios da justiça,
da fazenda e do governador da capitania, que agiam em nome da monarquia
e, para isso, tinham os seus espaços de poder garantidos pelos estatutos. Tais
relações colaboravam para dar corpo às “várias imagens que davam origem à
simbologia do poder monárquico” (Cosentino, 2010, p. 405).
Partindo desse universo, foi possível contextualizar as propostas de
mudanças políticas impostas pelo ministério pombalino. Para nós, o período
Conclusão 251

estudado foi marcado por algumas fissuras nos campos político-filosófico e


institucional. Ao longo do século XVIII, pudemos constatar que as relações
típicas do Antigo Regime ainda demarcavam a sociedade e a política admi-
nistrativa, e isso fica claro principalmente durante o reinado de D. João V.
Contudo, a partir da instalação do ministério pombalino, algumas propos-
tas, que estavam em voga em Portugal e circulavam pelas academias havia
pelo menos meio século, seriam institucionalizadas, considerando suas espe-
cificidades. Tal conjuntura sugere indícios de que fora esse um período de
transição, em que as inovações políticas e econômicas propostas por Pombal
conviveram de perto com as persistências contundentes das práticas sociais e
políticas do Antigo Regime.
Nesse contexto de imposição de reformas e de relutância em aceitá-las,
identificamos o ambiente em que se deflagrou a Inconfidência de Sabará. O
crime foi fruto do conflito instalado entre os oficiais da justiça, acostumados
a servir à Coroa na dinâmica política que pressupunha seus espaços legítimos
de poder, e a monarquia, representada pelo ministro que pretendia relegá-los
ao exercício prático das leis. Esse conflito estava latente nas entrelinhas da
representação enviada ao reino por alguns homens bons de Sabará, estudada
no último capítulo. O documento revelava ao reino o quanto as relações
entre os poderes que governavam as minas eram instáveis, isso na dinâmica
política jurisdicional. Contudo, a essa altura se tornavam perigosa ameaça ao
poder do centro. As denúncias de blasfêmia feriam gravemente a soberania
desse mesmo poder. Ainda há de se considerar que o blasfemo era um ouvi-
dor, representante máximo da essência da governança da época: fazia valer a
justiça em nome da monarquia por todo o Império, uma parte da tradição
que o marquês de Pombal pretendia superar.
As prerrogativas que determinaram a acusação e a consequente con-
denação do ouvidor somente podem ser compreendidas nesse ambiente de
conflito. Acreditamos que o Tribunal de Inconfidência tenha representado
um papel estratégico nesse contexto, sendo instituído de forma permanente
com o objetivo de punir os vassalos infiéis ao ministério e promover, com
isso, a seleção dos oficiais aptos a exercer o poder em nome da monarquia.
O período compreendido imediatamente após a queda do marquês de
Pombal, consequência direta da morte de D. José I, apresenta-se de forma
complexa. Alguns trabalhos insistem em demarcá-lo como Viradeira, em que
a monarca, D. Maria I, teria promovido um “ciclo [...] de transformação
252 Da justiça em nome d’El Rey

política” que daria cabo das principais diretrizes políticas iniciadas no minis-
tério de Pombal. O ódio que a rainha nutria pelo marquês, aliado à sua exces-
siva religiosidade, teria facilitado o retorno da influência da Igreja Católica ao
poder e à tradição de outrora (Monteiro e Costa, 2006, p. 84).
Para o historiador José Subtil, entretanto, o período que se seguiu à
queda de Pombal foi marcado muito mais por continuidades do que por
rupturas (ou retorno à tradição). Os principais cargos que determinavam a
“orientação política” do reino continuaram nas mãos dos “principais agentes
reformistas do pombalismo”, dando prosseguimento, inclusive, às reformas
ilustradas, com algumas “novas iniciativas esclarecidas”.1
Refutamos a ideia de Viradeira, pois acreditamos que os processos de
transformação no percurso da história são lentos e de complexa assimilação.
Num curto período, como é o caso do ministério estudado, não se pode
esquadrinhar o alijamento total da velha tradição neoescolástica para atri-
buir a sua volta num período imediatamente posterior. Contudo, o perdão
concedido ao ex-ouvidor José de Góes revela que a Inconfidência de Sabará
apresentou contornos específicos que se encaixavam no contexto conflitante
da época. A tradição política do Antigo Regime ainda estava entranhada nas
raízes daquela sociedade e adentraria pelo século seguinte.
Constituiu-se nossa principal intenção contextualizar os acontecimen-
tos ocorridos em Sabará, em 1775, num ambiente macro, isto é, no processo
de reformas empreendido por Pombal. Ao mesmo tempo, procuramos en-
tender a governança nas Minas como parte integrante da dinâmica política
do Antigo Regime portuguesa, em que a concepção de legitimidade do poder
real passava pela ideia de pacto político, que concedia aos vassalos os espaços
legítimos de poder. Por sua vez, esse mesmo pacto garantia a fidelidade dos
homens que viviam sob a monarquia portuguesa, seja no Reino ou no ultra-
mar. Era um acordo tácito que garantia o domínio nesse vasto império.

1
Podemos citar algumas delas: “durante os primeiros anos do reinado de D. Maria I, a Inten-
dência-Geral da Polícia viu reforçada a sua atuação com a direção de Diogo Inácio de Pina
Manique”, em 1779 “seria fundada a Real Academia de Ciências de Lisboa. [...] Seriam criadas,
entre outras, a Academia do Nú, a Aula Pública de Debuxo e Desenho, a Aula Régia de Dese-
nho, a Real Biblioteca Pública de Lisboa, o Museu de História Natural e a Real Casa Pia. E, na
sequência da Lei da Boa Razão e da Reforma da Universidade de Coimbra (1772), iniciaram-se,
a partir de 1783, os trabalhos destinados à reforma das Ordenações Filipinas através da Junta
Ordinária da Revisão e Censura do Novo Código (1780)” (Subtil, 2008, p. 5).
Conclusão 253

Júnia Furtado, na tentativa de pôr em discussão a historiografia mi-


neira sobre o período colonial, afirma que, durante o período pombalino, a
partir dos esforços de diminuição da “capacidade de negociação dos súditos”,
houve a incidência de alguns conflitos que retrataram a “apreensão e incon-
formismo” da gente de Minas (2009a, p. 115). Para alguns desses homens, o
pacto havia se rompido.
A reestruturação das relações entre a monarquia e seus súditos levaria
um longo tempo. As características políticas e sociais que remetiam à tradi-
ção do Antigo Regime ainda eram uma realidade e podem ser estudadas em
trabalhos como o de Fragoso (1998) e o de Gouvêa (1998). Essas mesmas ca-
racterísticas coexistiriam, durante um bom tempo, com os efeitos das trans-
formações empreendidas em Portugal e no mundo durante o século XVIII.
Fontes e referências

A. Fontes manuscritas

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Livro de matrículas, José de Góes Ribeiro Lara de Moraes.
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10.335; cx. 133, doc. 10.357.
2.2. Brasil Geral: cx. 9, doc. 800; cx. 17, doc. 1.522; cx. 44, doc. 1.050.
2.3. Minas Gerais: cx. 1, docs. 1, 4; cx. 2, doc. 18; cx. 3, doc. 2; cx. 4,
doc. 79; cx. 5, docs. 28, 29, 88, 116; cx. 6, docs. 24, 26, 30, 39, 46;
cx. 50, doc. 88; cx. 52, doc. 100; cx. 54, doc. 7; cx. 55, doc. 30; cx.
57, doc. 21; cx. 58, docs. 54, 90; cx. 59, doc. 12; cx. 70, docs. 7,
10, 15, 37; cx. 90, doc. 26; cx. 101, doc. 37; cx. 103, docs. 91, 92;
cx. 104, docs. 40, 61, 62; cx. 105, docs. 37, 70, 72, 75, 76; cx. 108,
docs. 6, 18, 23, 32, 49, 55; cx. 109, docs. 1, 10.
Regimento para a direção e governo da gente que trabalha nas minas que
há nestes sertões do Brasil (cx. 3, doc. 2, 19 abr. 1702).
Carta de Francisco Gil de Araújo, para D. Pedro II, sobre a descoberta
da Serra das Esmeraldas (cx. 1, doc. 1, 5 jun. 1680).
Carta de José Vaz Pinto, superintendente das Minas do Sul, para D.
Pedro I, receando a rejeição pelos mineiros do pagamento dos ordenados
ao guarda-mor e mais oficiais daquela superintendência (cx. 1, doc. 4,
28 ago. 1703).
256 Da justiça em nome d’El Rey

Carta de José de Sousa Valdes, ouvidor-geral do Rio das Velhas,


contando por que os povos de Macaúbas se levantaram (revoltaram) no
ano de 1722 em virtude de um despacho de D. Lourenço de Almeida
sobre uma sesmaria de José Corrêa (Correia) de Miranda (cx. 5, doc.
28, 12 jun. 1724).
2.4. Rio de Janeiro: cx. 66, doc. 15.537; cx. 70, doc. 40.
2.5. Espírito Santo: cx. 3, docs. 279 e 292.

3. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)


• Fundo MNEJ: mç. 41, cx. 37, n. 7; mç. 46, cx. 37, n. 2; mç. 57,
cx. 46, n. 2, 4; mç. 60, cx. 49, n. 2; mç. 64, cx. 52, n. 3; mç. 65,
cx. 53, n. 1, 3; mç. 65, cx. 63, n. 4; mç. 65; mç. 66, cx. 54, n. 1;
mç. 71, cx. 60, n. 1, 2, 4; mç. 73, cx. 62, n. 1; mç. 337; mç. 338;
mç. 339.
• Registro Geral das Mercês de D. João V: liv. 18, fls. 122-122v; liv.
21, fl. 212; liv. 45, fl. 272; liv. 69, fl. 220; liv. 71, fl. 114; liv. 113,
fl. 381; liv. 116, fl. 157.

4. Arquivo Público Mineiro (APM)


4.1. Câmara Municipal de Sabará: códice 22.
4.2. Secretaria de Governo da Capitania de Minas Gerais – SC: códices
17, 21, 23, 148, 190, 207, 211, 212.
• Códice 17:
Carta do Doutor José de Souza Valdes.
Para José de Souza Valdes.
Resposta do excelentíssimo senhor general para o dito ouvidor e
representação do superintendente Eugênio Freire de Andrade.
• Códice 21:
Para José de Souza Valdes, ouvidor da comarca do Rio das Velhas.
• Códice 23:
Cartas régias sobre o procedimento que se há de ter com os povos
que se sublevaram e outros assuntos.
Fontes e referências 257

Posse do governador Dom Lourenço de Almeida.


Sobre a conta de Manoel Gonçalves Loures, tesoureiro dos defuntos
e ausentes na comarca do Rio das Velhas.
Sobre a Junta da Fazenda que se fez e a forma em que o governador
deve proceder a respeito dos ouvidores que lhe desobedecem.
Sobre a criação dos ofícios de juízes dos órfãos.
Sobre a passagem do Rio das Velhas que arrematou o dr. José de
Sousa Valdes.
Sobre a Vila do Papagaio.
Sobre extinguir o ofício de solicitador da Fazenda Real.
Sobre o contrato das carnes não serem convenientes nestas Minas.
Sobre o novo regimento dos oficiais.
Sobre o regimento dos salários e não ser observado pelo ouvidor do
Rio das Velhas e muitas outras cousas contra esse ministro.
Sobre os sucessos de Vila Real do Sabará entre o ouvidor atual,
José de Souza Valdes, que intentaram matar, e a expulsão de
Bernardo Pereira Gusmão – seu inimigo e negócio de Manuel
Gonçalves Loures.
5. Biblioteca Nacional de Lisboa
Códice 852
SÃO BENTO, Frei Luís de. Ministros. 4 v. (Memorial de ministros, códices
1.073-6).
6. Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina: mç. 9, n. 7.
7. Leitura de Bacharel
José de Souza Valdes, ano 1703, mç. 2, n. 57.
José de Góes Ribeira Lara de Moraes, 1766, mç. 28, n. 11.
José de Seabra e Silva, 1750, mç. 2, n. 22.
8. Secretaria de Estado dos Negócios do Reino – Expediente Geral:
mç. 338.
9. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa
Processo 15.631; Processo de habilitação, José, maço 16, doc. 269.
258 Da justiça em nome d’El Rey

B. Fontes impressas

Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro


V. 27, 1905; v. 37, 1915; v. 39, 1917; v. 46, 1924.
• Regimento dado ao ouvidor geral da Vila de São Paulo... (v. 39, 1917).

Códice Costa Matoso


FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida e CAMPOS, Maria Verônica (coords.).
Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Fapemig, 1999. (Mineiriana).
• Itinerário geográfico com a verdadeira descrição dos caminhos, estradas, roças,
sítios, povoações, lugares, vilas, rios, montes e serras que há da cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas de Ouro... (p. 908).
• Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes
a esta Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais
memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios (p. 187).
• Papel acerca dos danos da capitação e de proposta de arrecadação do real quinto
de ouro por contrato (p. 453).
• Regimento original do superintendente, guardas-mores e mais oficiais deputados
para as minas de ouro que há nos sertões do Estado do Brasil (pp. 318-9).

Revista do Arquivo Público Mineiro


RAPM, Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais.
Volume 1, 1897
• Termo de ereção da Vila, com nome de Vila Real de Nossa Senhora da Conceição
do Sabará, 17 jul. 1711, pp. 84-5.
Volume 4, 1899
• Cartas de Sesmarias (p. 176).
• Instrucção e norma que deu o Il.mo e Ex.mo Sr. Conde de Bobadella a seu
irmão o preclaríssimo Sr. José Antonio Freire de Andrade para o governo de
Minas, a quem veio suceder pela ausência de seu irmão, quando passou ao sul
(pp. 727-35).
Fontes e referências 259

Volume 13, 1908


• Memórias históricas da província de Minas Gerais (pp. 533-4).
Volume 16, fascículo 1, 1911
• Carta régia sobre a Junta da Justiça (p. 471).
• Instruções régias.
Volume 20, 1974
• FERREIRA, Francisco Ignácio. Opulência de Minas Gerais (pp. 11-155).
Volume 30, 1979
• Em que se adverte ao provedor da Fazenda o que lhe pertence em o dito lugar e
o que lhe não pertence também (p. 119).
• Sobre os sindicantes levarem ouro dos sindicados e Sobre o governador dar conta
se os sindicantes aceitam dádivas dos sindicados. In Registros de alvarás, cartas
ordens régias e cartas do governador ao rei (1721-1731). Transcrição do
códice colonial. Respectivamente, v. 2 e 1, 1979, p. 133.
Volume 41, 2005
• FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. “Derrama e política fiscal
ilustrada” (pp. 5-27).
• FURTADO, Júnia Ferreira. “Barbeiros, cirurgiões e médicos na Minas
colonial” (pp. 88-105).

Ius Lusitaniae (Disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt.)


• Colleção Chronologica da Legislação Portugueza 1603-1612
• Regimento da Relação do Brasil
• Regimento do Ouvidor de Angola
• R
egimento dos Salários dos Ministros e Oficiais de Justiça da América,
na Beira-mar e Sertão, exceto Minas
• Regimento dos Salários e Emolumentos dos Ministros e Oficiais de Justiça
de Minas, no Brasil.
260 Da justiça em nome d’El Rey

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restauração deste edifício arruinado pelo terramoto.
• Alvará 18 maio 1768. Com o Regimento para a Real Mesa Censória.
• Lei 18 ago. 1769. Declara a autoridade do direito romano, canônico, assentos,
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262 Da justiça em nome d’El Rey

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Sobre a autora

Claudia Atallah é professora do Departamento de História da Uni-


versidade Federal Fluminense (Campos dos Goytacazes). Cursou seu
pós-doutoramento em História entre 2013 e 2015, na UFMG, com finan-
ciamento CNPq. Suas pesquisas concentram-se no estudo do século XVIII
mineiro e toda conjuntura de fins do Antigo Regime, concedendo especial
atenção à análise da administração da justiça no universo jurisdicional do
império português. O presente livro contou com financiamento FAPERJ e é
uma versão acrescida de sua tese de doutorado, defendida em 2010, na UFF,
com o título Da justiça em nome d’ El Rey: ouvidores e inconfidência na capita-
nia de Minas Gerais (Sabará, 1720-1777).

Contatos
E-mail: [email protected]
Formato 16 x 23
Tipologia: Garamond (texto) Garamond (títulos)
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