Villa Lobos e A Educao Musical No Brasil Subsdios para Uma Avaliao Crtica
Villa Lobos e A Educao Musical No Brasil Subsdios para Uma Avaliao Crtica
Villa Lobos e A Educao Musical No Brasil Subsdios para Uma Avaliao Crtica
Resumo
Neste ensaio, fornecemos informações e subsídios
para um julgamento crítico do papel exercido pelo
compositor Heitor Villa-Lobos dentro da educação
musical no Brasil na época da Ditadura Vargas,
também conhecida como Estado Novo.
Introdução
No início do século XIX quase toda criação e produção musical ocidental estava
compreendida no eixo Alemanha, França e Itália. Os músicos e compositores da
maior parte do mundo eram oriundos desses três países ou buscavam neles suas
referências, estudos e ideais interpretativos. O grande desafio histórico para uma
nova estética nacional, calcada nas raízes da própria terra e no folclore, partiu de um
movimento em oposição à hegemonia alemã.
1 Convencionou-se chamar de Estado Novo o regime político brasileiro implantado por Getúlio Vargas em 10 de
novembro de 1937, que durou até 29 de outubro de1945. O período foi caracterizado pela centralização do poder,
nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo.
estilo de caráter que fosse genuinamente russo. O fenômeno, que seria batizado
como nacionalismo, extrapolou as fronteiras da Rússia, atingindo outros países
como a Boêmia (Tchecoslováquia) através de Smetana e Dvorak; a Noruega, com
Grieg e o Brasil, com Villa-Lobos.
O século seguinte
Baseado nas ideias do educador norte americano John Dewey3 e do sociólogo francês
Emile Durkheim4, surge no Brasil, em 1927, um movimento pedagógico batizado
de “Escola Nova”. Esse movimento defendia a ideia da reconstrução nacional ampla
através da educação, priorizando a escola pública obrigatória voltada para os interesses
do aluno. Acompanhando a modernização do país durante a década de 1920, vários
estados brasileiros sob o comando de jovens intelectuais como Anísio Teixeira, Fernando
Azevedo, Lourenço Filho e Rodrigo de Campos promoveram reformas educacionais
baseados nos princípios da Escola Nova. Dentro desse ideal, a arte deveria ser retirada
do pedestal elitista em que se encontrava e colocada no centro da comunidade.
Na escola, o ensino de música não deveria mais se restringir aos alunos talentosos
abastados ou às prendas das jovens ricas enquanto esperavam o casamento, mas
2 Ambos acreditavam que o estudo musical infantil deveria partir das canções folclóricas de seus próprios países de origem.
3 John Dewey (1859-1952): filósofo, pedagogo e escritor norte-americano. Foi um pioneiro em psicologia funcional e
representante principal do movimento da educação progressiva norte-americana durante a primeira metade do século XX.
4 Emile Durkheim (1858-1917): filósofo e sociólogo francês. É considerado um dos pais da sociologia moderna, tendo sido
o fundador da escola francesa, posterior a Marx, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É amplamente
reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito da coesão social.
vislumbrando as novas portas que se abriam, publicou vários artigos em jornais da época,
exortando o novo regime e indiretamente oferecendo seus préstimos5. Ainda em 1930,
Villa-Lobos travou relações com o interventor nomeado de São Paulo, João Alberto Lins
de Barros, que era também músico compositor e pianista. O compositor o conheceu
em um de seus concertos na capital paulista e passou a frequentar reuniões em sua casa.
Com o apoio do interventor, Villa-Lobos conseguiu pela primeira vez uma multidão
para cantar e ouvir um programa que incluía a protofonia O guarani, de Carlos
Gomes; o Hino nacional brasileiro, o Hino universitário, também de Carlos Gomes
além de suas composições Na Bahia tem e Prá frente ó Brasil. A imprensa colaborou
com o evento, divulgando locais e horários de ensaios de acordo com as diferentes
vozes. Professores de música e regentes de coro corresponderam ao chamado para
ensaiar o povo em diferentes teatros à noite. Uma firma cedeu dez pianos para ensaios,
e a polícia colaborou com a organização do evento enviando dois mil militares. No
dia 24 de maio de 1931, no Clube de Futebol São Bento, Villa-Lobos regeu um coro
com o número estimado de quinze mil vozes. O impacto e o sucesso da apresentação
certamente foram decisivos para que o compositor abandonasse seus planos de voltar
a Paris e se concentrasse em uma nova trajetória, que o levou a ocupar o posto de
maior educador e disseminador da música de todos os tempos no Brasil.
5 Vários dos artigos publicados pelo compositor em jornais da época estão relacionados em Guérios (2003, p. 169).
Desde a antiguidade clássica sabe-se que a música tem o poder de produzir um efeito
moral na alma (psique) e no caráter (ethos) e, se ela tem esse poder gerador de diversos
comportamentos, é claro que os jovens deveriam ser encaminhados e educados
através dela. A noção de nacionalismo, patriotismo, formação moral e civismo estão
profundamente interligadas à ideologia da exaltação da identidade cultural, desejável
no Brasil no período conhecido como Estado Novo ou Ditadura Vargas.
Além do grande número de pessoas que admiravam sua arte - não só o compositor,
como também seu projeto de educação musical - havia também os que o criticavam.
Para muitos, Villa-Lobos era um compositor excessivamente moderno, visto como
alguém que queria transformar a arte nacional em música selvagem. Um de seus
ferrenhos opositores era o crítico de arte Oscar Guanabarino. Em 1932, ao saber da
nomeação de Villa-Lobos para dirigir a SEMA, Guanabarino publicou um artigo no
Jornal do Commércio:
O Estado Novo caminhava para seu fim levando com ele toda sustentação política
e ideológica do projeto educacional implantado por Villa-Lobos. A diminuição dos
grandes eventos e atividades cívicas foi uma consequência inevitável desse processo.
Dentro da nova realidade, em 1945, o compositor recebeu permissão para dedicar
metade do ano à sua carreira profissional de compositor e regente. A partir daí,
deixa de se envolver diretamente com os rumos da educação musical e da música no
Brasil. Villa-Lobos dedicou-se à carreira internacional que tanto sonhara, regendo
suas obras em grandes orquestras dos Estados Unidos e em vários países da Europa.
Em julho de 1959, o compositor regeria uma das últimas de suas obras, A floresta
do Amazonas, vindo falecer em sua casa no Rio de Janeiro, em 17 de novembro do
mesmo ano.
36 REVISTA MODUS – Ano VII / Nº 11 – Belo Horizonte – Novembro 2012 – p. 27-39
Novembro de 2012 Fernando Pacífico Homem,
Maria da Conceição Costa Perrone
Considerações finais
Quanto a sua estreita vinculação com a Ditadura de Vargas, pelo material pesquisado
e aqui apresentado, acredita-se que era preciso estar em sintonia com o governo da
época para se levar a frente um projeto de humanização dos jovens através da música.
Nomes como Lúcio Costa, Carlos Drumond de Andrade, Cândido Portinari, Manoel
Bandeira, Cecília Meireles, entre outros, assim como Villa-Lobos, em algum momento
de suas vidas, também apoiaram e integraram aquele governo. Posicionar Villa-Lobos
como artista a serviço de uma ditadura seria condenar todos esses nomes a um mesmo
julgamento. Data vênia, o artista é um ser comprometido com o seu contexto.
Neste ensaio, foram oferecidos elementos para uma avaliação crítica sobre a atuação
de Villa-Lobos na educação musical do Brasil na Era Vargas. Cabe ao leitor, baseado
no que foi exposto, se posicionar a respeito.
REFERÊNCIAS
BÉHAGUE, Gerard. Heitor Villa-Lobos: the search for Brazil’s musical soul.
Austin: Ilas University of Texas, 1994.
FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas técnicas para o trabalho científico. 15. ed. Porto
Alegre: Dactilo Plus, 2011.
OLIVEIRA, Jamary. Black Key versus White Key: a Villa-Lobos device. Latin
38 REVISTA MODUS – Ano VII / Nº 11 – Belo Horizonte – Novembro 2012 – p. 27-39
Novembro de 2012 Fernando Pacífico Homem,
Maria da Conceição Costa Perrone