DISSERTAÇÃO - Teoria Econômica Do Crime
DISSERTAÇÃO - Teoria Econômica Do Crime
DISSERTAÇÃO - Teoria Econômica Do Crime
Florianópolis – SC
2018
Àquele que por tanto tempo esperei e
que por muito mais tempo amarei: meu
irmão Rafael; à memória das minhas
avós Irma e Ivone e do meu avô Paulo,
como também à vida do meu avô
Dirceu; aos meus pais Luiz Fernando e
Adriana; e à minha amada Bárbara.
AGRADECIMENTOS
This dissertation deals with the Economic Theory of Crime created and
developed by Gary Becker and, in the midst of such a topic, investigates
if it is possible to identify, in the work of the American economist, a
normative concept of crime. The hypothesis provisionally presented to
this problem indicates that it is possible to find this concept in Becker’s
works. In order to verify or falsify this hypothesis, this work begins with
the exposition about the historical path covered by the Economic Analysis
of Law – its emergence, development and consolidation – of its
elementary theoretical presuppositions and of the approaches in which it
divides into: positive and normative. In order to start the second next
chapter, this work presents the historical background of the Economic
Analysis of Law, namely Beccaria and Bentham. Furthermore, this work
discusses the Economic Theory of Crime, which, although it still finds its
roots in the seventeenth century, was definitively developed only after
1968, with Becker’s essay “Crime and Punishment: an Economic
Approach”; at this point, special emphasis is placed on economic
efficiency, which occupies a prominent place in the Economic Analysis
of Law and specifically in Criminal Law. Finally, in the Third Chapter,
this work returns to the problem initially presented, in order to evaluate
whether it is possible or not to extract a normative concept of crime from
Becker's work. For this, the positive concepts of crime are exposed
according to Becker and according to Posner and, later, this work
responds positively to that initial question: it is affirmed, therefore, that
there is a normative concept of crime underlying the Economic Theory of
Crime. The work – guided by the monographic procedure, by the
descriptive and argumentative procedure method and by the bibliographic
research technique – adopts the deductive reasoning, since it begins with
broader lessons on the Economic Theory of Crime, in order to formulate
a conclusion that shows the correction of the hypothesis that indicates the
feasibility of a normative concept of crime under the economic approach.
In addition, the theoretical framework is composed mainly of, but not
exclusively, the works of Becker and Posner, two of the main creators of
the basic theory underlying this work – Economic Theory of Crime – as
well as of Foucault's work, whose analysis guides this work.
Keywords: Economic Analysis of Law. Economic Theory of Crime.
Gary Becker. Crime. Normative definition.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO ................................................................................... 21
1. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: SURGIMENTO,
PRINCIPAIS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS e PANORAMA
ATUAL ................................................................................................. 27
1.1. O SURGIMENTO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO ......................................................................................... 28
1.1.1. A SUPERAÇÃO DE PARADIGMAS ............................... 28
1.1.2. O CENÁRIO ANTECEDENTE ......................................... 31
1.1.3. OS PRIMEIROS PASSOS DA ANÁLISE ECONÔMICA
DO DIREITO ................................................................................ 34
1.1.4. A CONSOLIDAÇÃO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO ...................................................................................... 43
1.2. OS PRINCIPAIS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ..................................... 46
1.2.1. EFICIÊNCIA ECONÔMICA ............................................. 51
1.2.2. MICROECONOMIA .......................................................... 61
1.2.3. RACIONALIDADE DOS AGENTES: O HOMO
OECONOMICUS E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO 65
1.2.4. AS VERTENTES POSITIVA E NORMATIVA ............ 73
1.3. O PANORAMA ATUAL DA ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO ......................................................................................... 79
2. A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME ....................................... 89
2.1. AS FUNDAÇÕES HISTÓRICAS DA TEORIA
ECONÔMICA DO CRIME ........................................................... 89
2.1.1. BECCARIA: O INÍCIO DA INTERAÇÃO ENTRE
DIREITO E ECONOMIA EM MATÉRIA PENAL ..................... 92
2.1.2. BENTHAM: O DESENVOLVIMENTO DA RELAÇÃO
ENTRE DIREITO E ECONOMIA NO ÂMBITO PENAL.......... 97
2.2. A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME A PARTIR DE
GARY BECKER ........................................................................... 103
2.2.1. O VANGUARDISMO DE BECKER: A EXPANSÃO DA
ABORDAGEM ECONÔMICA A ÂMBITOS ATÉ ENTÃO
INEXPLORADOS.......................................................................104
2.2.2. O SURGIMENTO DA TEORIA ECONÔMICA DO CRIME
DE BECKER ...............................................................................107
2.2.3. DE BECCARIA E BENTHAM A BECKER: A
DIVERGÊNCIA ESSENCIAL ...................................................113
2.2.4. A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME ENTRE BECKER E
FOUCAULT ................................................................................118
2.3. A ASSUNÇÃO QUANTO À RACIONALIDADE DOS
AGENTES ..................................................................................... 128
2.3.1. A TEORIA DAS ESCOLHAS RACIONAIS....................128
2.3.2. A SUPERAÇÃO PARADIGMÁTICA QUANTO À
FIGURA DO CRIMINOSO: O SURGIMENTO DO PARADIGMA
ECONÔMICO .............................................................................132
2.3.3. O CARÁTER MODELAR DA TEORIA ECONÔMICA DO
CRIME ........................................................................................135
2.4. A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME E SUAS
VARIÁVEIS .................................................................................. 143
2.5. A EFICIÊNCIA NA TEORIA ECONÔMICA DO CRIME
........................................................................................................ 156
3. O CONCEITO NORMATIVO DE CRIME NA TEORIA
ECONÔMICA DO CRIME DE GARY BECKER .........................167
3.1. CONCEITOS DE CRIME SOB A ÓPTICA DA ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO ..................................................... 167
3.1.1. O CONCEITO POSITIVO DE CRIME PARA BECKER 168
3.1.2. O CONCEITO DE CRIME PARA POSNER ...................173
3.2. O POSSÍVEL NORMATIVO CONCEITO DE CRIME NA
OBRA DE GARY BECKER ........................................................ 177
3.2.1. O “DIÁLOGO” ENTRE FOUCAULT, HARCOURT E
BECKER .....................................................................................179
3.2.2. AVALIAÇÃO DOS ESCRITOS DE BECKER ACERCA
DOS CRIMES E DAS PUNIÇÕES ............................................182
3.2.3. HÁ UM CONCEITO DE CRIME SUBJACENTE À TEORIA
ECONÔMICA DO CRIME DE GARY BECKER? ....................199
CONCLUSÃO ................................................................................... 211
REFERÊNCIAS ................................................................................ 215
21
INTRODUÇÃO
1
Logo de início é necessário elaborar advertência quanto às Escolas em que
usualmente se dividem os estudos de Direito e Economia. O que se deseja alertar
é que, muito embora a AED possa ser dividida em diversas Escolas, o presente
trabalho, ao fazer menção àquele movimento teórico, alude à tradicional Escola
de Chicago, representada, por exemplo, pelas figuras de Becker e Posner.
Advertência semelhante é aposta por Gonçalves e Stelzer (2009, p. 2.730) em
artigo por eles escrito: “facilitando o entendimento, as citações estrangeiras foram
livremente traduzidas; da mesma forma, reconhecendo-se que as Economic
Schools podem ser analisadas sob quatro enfoques distintos, para fins deste
trabalho, Law and Economics – LaE, reflete, basicamente, o trabalho de Richard
A. Posner e a Escola Tradicional de Direito e Economia”.
22
2
Para além daquele alerta concernente às Escolas em que se divide à AED e à
referência à Escola de Chicago, cabe advertir quanto à opção metodológica
adotada em relação aos textos escritos em línguas estrangeiras. Há, aí –
especialmente no que toca aos textos escritos na língua inglesa, mas também na
língua espanhola –, duas circunstâncias a destacar. Inicialmente, adverte-se que
as citações estrangeiras foram livremente traduzidas por este autor, que sobre elas
assume plena responsabilidade. Por outro lado, alerta-se que alguns termos
originários da língua inglesa não foram traduzidos; manteve-se, assim, a grafia
oriunda daquele idioma, sobretudo com o objetivo de preservar a fidelidade ao
significado das expressões em questão, nos casos em que não há plena
correspondência na língua portuguesa. É o caso, por exemplo, da expressão
“enforcement” – sem equivalente no português –, que exerce papel fundamental
26
3
Quanto à obra de Posner, é comum apontar que sofreu uma relevância mudança
se comparados os escritos elaborados pelo autor nas décadas de 70 e 80 em
relação àqueles formulados da década de 90 em diante. É exatamente o que
Salama (2010) analisa em texto sugestivamente intitulado “A História do declínio
e queda do eficientismo na obra de Richard Posner”. Com efeito, são notórias as
distinções – que dizem respeito sobretudo ao papel da eficiência no Direito –
entre as obras “Economic Analysis of Law”, de 1973, e “The Economics of
Justice”, de 1981, em relação a escritos posteriores, sobretudo a partir do livro
“Law, Pragmatism and Democracy”, publicado inicialmente em 2003. Heinen
(2012, p. 37-39) endossa o que aqui se afirma: relata que, “assim como os limites
ao direito sofreram algumas mutações ao longo da obra de Posner, alguns autores
defendem que a sua concepção de justiça como eficiência, trabalhada
principalmente no livro The Economics of Justice (1981), teria mudado. Segundo
Salama, Posner teria abandonado a maximização de riqueza como fundação ética
do direto, a partir de 1990”. A autora, todavia, objeta que “essa mudança da
posição de Posner não parece tão clara”. Com efeito, ainda segundo Heinen, a
eficiência pode ter sido retirada do papel central a que havia sido alçada nos
28
primeiros estudos de Posner, mas continuou a figurar como critério relevante para
“avaliar as instituições sociais e direcionar as decisões judiciais [...], tendo em
vista que vai estar incorporada ao próprio pragmatismo legal como proposto por
Posner”, até porque, como registra a autora, “o pragmatismo está sim carregado
pelo critério da eficiência”.
29
4
Com efeito, Alvarez (2006, p. 50) elucida que a Análise Econômica do Direito
rejeita a ideia de que o Direito seria autônomo em relação às realidades sociais e
às demais ciências sociais e, portanto, vale-se da interdisciplinaridade, mediante
o recurso a saberes da economia.
30
5
Quanto à relação entre o paradigma kelseniano e a Análise Econômica do
Direito, outra perspectiva – bastante peculiar e interessante – é apresentada por
Coelho (2007, p. 20). A autora afirma que “desde a ascensão do positivismo
jurídico, que teve em Kelsen seu maior representante, o Direito buscou afirmar-
se como um ordenador social objetivo, desligado de concepções morais e
políticas”. Na sequência, Coelho assevera que a Análise Econômica do Direito
renova o anseio dos juristas por objetividade. Diz ela, com base em Posner, “que
o trabalho interdisciplinar feito nos campos do Direito e da Economia, que
resultou na Análise Econômica do Direito, pode ser considerado o mais
ambicioso e provavelmente o mais influente esforço no sentido de elaborar um
amplo conceito de justiça capaz de explicar as decisões legislativas e judiciais a
partir de uma base objetiva, ou seja, livre de visões político-individualistas”
(COELHO, 2007, p. 21). A autora explica que, no paradigma econômico do
Direito, a objetividade é resgatada exatamente pela concepção científica
emprestada à Economia, a qual, por meio da Análise Econômica do Direito,
atinge também o fenômeno jurídico (COELHO, 2007, p. 21). Coelho pondera,
assim, que a Análise Econômica do Direito não representa somente uma
superação de paradigmas – da neutralidade positivista à interdisciplinaridade
daquela teoria jurídico-econômica; “na verdade”, argumenta a autora, “o
movimento do Law and Economics aproxima-se muito mais do positivismo
jurídico, por almejar cientificidade e objetividade, do que de posturas
eminentemente interdisciplinares que advogam uma interpretação mais aberta e
socialmente comprometida das normas jurídicas” (COELHO, 2007, p. 22).
Assim, verifica-se que, se por um lado a Análise Econômica do Direito se afasta
do positivismo jurídico kelseniano em razão do formalismo, por outro se
aproxima em razão dessa busca por objetividade científica. E é exatamente esse
o motivo, segundo defende Coelho (2007, p. 20), que explica o êxito global da
Análise Econômica do Direito: “é exatamente nessa proximidade entre a Análise
Econômica do Direito e o conceito de ciência, fortalecida pela adoção da
microeconomia neoclássica, que reside o motivo principal do êxito do Law and
Economics como doutrina jurídica”. E a autora arremata: “O resgate da
objetividade advém da concepção científica emprestada à Economia, e que, por
meio da Análise Econômica do Direto passa então a atingir o fenômeno jurídico.
E é por isso, por responder a um fetiche por objetividade existente no Direito, que
a Análise Econômica do Direito conquista, diferentemente de outras doutrinas
jurídicas tipicamente americanas, uma simpatia quase mundial [...]. É essa
pretensa cientificidade que pode explicar o êxito da Análise Econômica do
Direito como doutrina jurídica. Os aplicadores do Direito ainda buscam dar um
sentido objetivo a suas decisões, e a Economia apresenta-se como veículo ideal
para esse propósito” (COELHO, 2007, p. 21-22). No mesmo sentido – a apontar
a objetividade ínsita à Análise Econômica do Direito, Heinen (2012, p. 44) aponta
31
6
Vale apontar, todavia, que a reviravolta teórica promovida pelo realismo
jurídico foi essencial para possibilitar o surgimento dos estudos interdisciplinares
da Análise Econômica do Direito. Com efeito, “esses movimentos filosóficos no
âmbito do Direito permitiram certa superação do formalismo jurídico, de maneira
a apontar a necessidade de se visualizar o fenômeno jurídico na sua concretude,
com as consequências reais que produz. Com isso, abriu-se espaço para a
interdisciplinaridade no Direito e, especialmente, para a análise propriamente
econômica do fenômeno jurídico. Com a abertura multidisciplinar apontada [...],
bem como devido ao aumento da complexidade dos fenômenos econômicos
envolvendo questões jurídicas, especialmente com o direito regulatório criado
com o New Deal nos Estados Unidos, iniciou-se, nos anos após a depressão de
1929, um intenso debate entre direito e economia” (HEINEN, 2012, p. 24).
7
Cabe observar que, a despeito de tudo o que aqui se narrou, “Posner rejeita que
a AED seja herdeira do realismo jurídico. Diz que suas principais fontes de
orientação não eram realistas: Holmes, Coase, Stigler, Becker e Director”
(HEINEN, 2012, p. 41).
34
8
Adam Smith é apontado como um dos primeiros intercessores do movimento
entre Direito e a Ciência Econômica, que mais tarde foi batizado de Análise
Econômica do Direito. O autor, conforme relata Posner (1979, p. 281), abordou
os efeitos econômicos da legislação mercantilista – “laws regulating the
economic system”. Landes relata que a relação entre Direito e Economia tem sido
objeto de estudo dos economistas há longa data. Pelo menos desde a análise do
Navigation Act inglês por Adam Smith, os economistas têm utilizado as
ferramentas da teoria econômica para entender e mensurar os efeitos das leis e
dos arranjos legais no sistema econômico. Além disso, com o rápido crescimento
dos métodos empíricos nos anos recentes, os economistas têm produzido um
grande número de estudos que tentam quantificar os reais efeitos das leis
(BECKER; LANDES, 1974, XIII). Também Mackaay (2000, p. 68) aponta que
a Análise Econômica do Direito tem origem nos estudos de Adam Smith, apesar
de fazer menção também aos trabalhos de Beccaria, Bentham e Bellamy. Por
derradeiro, Sousa (1992, p. 118) afirma que “Adam Smith, o pai da economia
política (1776), era sobretudo filósofo social, mas também jurista”.
9
É interessante observar que, segundo Posner (2009, p. 26) – que deu relevantes
contribuições para a consolidação da Análise Econômica do Direito –, o
liberalismo de John Stuart Mill contribuiu para o nascimento de tal compreensão
do fenômeno jurídico, pois se vincula a uma das modalidades de economia
normativa. O liberalismo prestigia e fomenta a liberdade pessoal e a prosperidade
econômica, além de estimular a meritocracia, reduzir os conflitos ideológicos e
maximizar a produção eficiente. “A justificação do liberalismo é pragmática” –
tal qual o é a justificação da Análise Econômica do Direito.
35
10
As relações entre Direito e Economia são tão antigas quanto a própria
existência desses campos do saber. Uma das primeiras tentativas de dar um
tratamento científico ao tema foi de Karl Marx, em 1859, no seu Crítica da
Economia Política (HEINEN, 2012, p. 22). Heinen (2012, p. 22) aponta outros
autores, além daqueles acima indicados, como responsáveis pela formulação de
estudos que “trataram da relação entre Direito e Economia, como Rudolf
Stammler, Karl Renner, Pashukanis e Max Weber. A abordagem feita por estes
autores não se enquadra exatamente como precursora do que se chama hoje de
Análise Econômica do Direito (daqui em diante AED), talvez porque a discussão
contemporânea toma por base métodos e premissas econômicas para a análise do
Direito”.
11
Sousa (1992, p. 118) descreve a interação entre Direito, economia e teoria
social como “uma tradição que vem de Beccaria, Marx, Weber e Pareto”. E
apresenta em detalhes: “Marx começou a sua carreira intelectual pela crítica do
direito, mas desembocou numa crítica da economia política e numa interpretação
económica da história que marcaram uma viragem no progresso das ciências
sociais. Mesmo a sociologia não marxista de Max Weber é antes de tudo uma
sociologia económica da política e do direito. Vilfredo Pareto, depois de publicar
em Lausanne (1896, 1906) a obra económica que o celebrizou, virou-se para a
sociologia política (1916), e a sua teoria das elites está hoje a ser objecto de
renovado interesse”.
12
Godoy (2006, p. 94) ainda aponta Oliver Wendell Holmes, que chegou a ser
magistrado da Suprema Corte norte-americana, como o “antecessor mais ilustre
do movimento law and economics, direito e economia”.
13
Henry Sidgwick (1838-1900) foi um economista e filósofo do Reino Unido.
Em 1874, publicou The Methods of Ethics. Posner (2010, p. 5) aponta Sidgwick
como um predecessor da aplicação da economia ao comportamento não
mercadológico, citando o estudo que o referido autor realizou sobre as
externalidades, na obra The Principles of Political Economy. Descrição detalhada
quanto à influência de Sidgwick sobre a teoria econômica do Direito é encontrada
em Sidgwick's Utilitarian Analysis of Law: A Bridge from Bentham to Becker?
(MEDEMA, 2007). Medema (2007, p. 42), chega a afirmar que Posner se
equivoca ao afirmar que nenhum economista antes de Becker expandira a teoria
econômica do crime incipientemente criada por Bentham; ainda segundo
Medema, Sidgwick o fez, embora de forma não tão desenvolvida quanto se vê na
obra de Becker. Verifica-se, portanto, que as interações entre o Direito e a
Economia já eram há muito observadas. Foi somente com a Análise Econômica
do Direito, porém, que a Economia passou a figurar como verdadeira lente através
da qual se observa o fenômeno jurídico.
36
14
Quanto à incursão da AED na apreciação de comportamentos não
mercadológicos, Posner (1979, p. 285) afirma que, entre as distinções que se deve
realizar na AED, vale destacar aquela entre leis que regulam mercados explícitos
e leis que regulam comportamentos não mercadológicos, a exemplo da divisão –
a ser adiante explorada – entre a análise econômica positiva e a normativa.
37
15
Elucida-se que a expressão “torts” tem correspondência, em relação ao Direito
brasileiro, com a responsabilidade civil. Como esclarece o Oxford Dictionary of
Law (MARTIN, 2002, p. 500) o “law of torts” preocupa-se, essencialmente, com
a compensação de danos pessoais e à propriedade causados pela negligencia,
muito embora haja a defesa de outros interesses, como a reputação, a liberdade
pessoal, a posse e interesses comerciais.
38
16
Vale dizer que, a despeito da relevância que o trabalho de Coase tem para a
Análise Econômica do Direito, Posner (2005, p. 9) não o reconhece como o marco
inicial daquela teoria. O jurista norte-americano afirma que “o fato de que a
Economia tem uma relação com o Direito é conhecido pelo menos desde a
discussão, por Hobbes, sobre a propriedade, no Século XVII. David Hume e
Adam Smith discutiram as funções econômicas do Direito. A contribuição de
Jeremy Bentham foi fundamental, tanto para estender o pensamento econômico
às condutas não comerciais, quanto em aplicá-lo ao Direito Penal. No continente
europeu, Max Weber realizou importantes contribuições para compreender o
papel econômico do Direito”.
39
17
O aludido pragmatismo norte-americano é representado sobretudo por Posner,
o qual, por sua vez, se inspira no pragmatismo de Holmes. Como ensina Heinen
(2012, p. 23), “o pragmatismo importante para o desenvolvimento da AED é o
pragmatismo de Holmes. Holmes, como juiz da Suprema Corte nos EUA, mudou
o paradigma de direito então dominante: de um paradigma abstrato baseado em
direitos naturais pré-políticos de propriedade, assentado na proposta de
Christopher Langdell e dos Classical Legal Thinkers, para um paradigma
concreto”.
46
18
Antecipa-se que as funções dos modelos delineadas por Pietropaolo
correspondem, respectivamente, às vertentes normativa e positiva da Análise
Econômica do Direito.
49
19
Uma vez mais, há referência, aqui, à vertente normativa da Análise Econômica
do Direito.
50
20
Foucault refere-se, aqui, a escritos de autoria de Becker que abordavam, para
além das matérias atinentes ao crime e às punições [o célebre ensaio “Crime and
punishment: an economic approach” (1974)], estudos econômicos atinentes à
fertilidade (“An economic analysis of fertility”, publicado em 1960) e às famílias
(“A theory of marriage: part I”, de 1973, e “An economic analysis of marital
instability”, de 1977).
51
21
Aqui, por outro lado, Posner faz menção à vertente positiva da Análise
Econômica do Direito, que é aquela majoritariamente adotada em seu trabalho.
52
22
Essa inserção da AED no processo legislativo corresponde, em boa medida, à
vertente normativa daquele movimento, que será abordada. De qualquer forma,
antecipa-se, com menção à obra de Posner (2005, p. 8); diz o jurista que a AED,
em seu modo descritivo, busca identificar a lógica econômica e os efeitos das
doutrinas e instituições, bem como as causas econômicas do câmbio legal. E em
seu aspecto normativo, aquela teoria jurídico-econômica assessora os juízes e
outros criadores de políticas públicas a respeito dos métodos mais eficientes de
regular as condutas através do Direito.
53
23
Hart (1982) e Posner (2010) indicam medidas semelhantes defendidas por
Bentham, tais como a remoção de mendigos sob pretextos higienistas.
56
1.2.2. MICROECONOMIA
A afirmação de que o Direito se serve, sob o paradigma da AED,
de preceitos econômicos, tem por base, em geral, o recurso daquele
movimento à Microeconomia – ramo da Teoria Econômica.
Como asseveram Gonçalves e Stelzer (2012, p. 82), “a priori,
pode-se afirmar que, a LaE identifica-se, muito proximamente, com o
conhecimento abordado pela Teoria Microeconômica aplicada aos
diversos ramos do Direito”; em outro escrito, já realizando distinção entre
as duas abordagens que norteiam a teoria em questão, os mesmos autores
observam que a AED é “voltada para a análise microeconômica da ação
dos sujeitos de direito, seja em caráter normativo, quando da elaboração
da norma ou positivo, quando da verificação de sua aplicação no meio
social”; é, ainda, “paulatinamente construída a partir de visão
progressista, não preconceituosa e interdisciplinar” (GONÇALVES,
STELZER, 2009, p. 2.729-2.730).
O próprio pragmatismo filosófico cotidiano cunhado por Posner –
a sua teoria jusfilosófica normativa em meio à análise econômica
majoritariamente positiva por ele empreendida – é de caráter
eminentemente microeconômico; é, como assevera Carter (1992, p. 181)
uma teoria “microeconômica moderna” de cunho normativo.
62
24
Quanto à Macroeconomia, Cabanellas (2006, p. 30-37) afiança que, “embora
todo o instrumental da ciência econômica esteja à disposição dos doutrinadores
63
apenas pela AED: muito pelo contrário, pode-se colhê-lo nas obras de
Beccaria – em verdade, do Iluminismo em geral e de sua racionalidade
iluminista –, bem como de Bentham, com seu utilitarismo.
Com efeito, esta última vertente filosófica – em grande medida
modelada pelo pensamento de Bentham – adotava a racionalidade dos
agentes como um de seus mais elementares pressupostos. E, uma vez que
a Ciência Econômica surge, em suas bases conceituais, e se desenvolve
sob marcante influência da razão utilitária – “base filosófica mais
persistente e profunda nos encerramentos conceituais da ciência
econômica clássica” – é natural que a conformação dos modelos
econômicos se dê através da lente de uma “ultrarracionalidade
calculativa” (PIETROPAOLO, 2009, p. 125).
Como afiança Dias (2006, p. 194), o indivíduo, sob a óptica do
utilitarismo, busca o prazer e foge da dor – são essas, afinal de contas, as
métricas da ação humana –, ou seja, é auto-interessado.
Medema (2007, p. 32), por sua vez, afirma que o utilitarismo
descreve uma propensão psicológica, segundo a qual as pessoas tomam
decisões com vistas a maximizar sua própria utilidade ou felicidade.
Verifica-se, desse modo, que a pressuposição quanto à
racionalidade dos agentes acompanha a AED desde seu mais remoto
nascedouro – em Beccaria e Bentham – e permeia o desenvolvimento
dessa teoria desde então.
O próprio Posner (2010, p. 17) enuncia, expressamente, recorrer à
obra de Bentham para de lá extrair a assunção quanto à racionalidade dos
agentes; diz o jurista norte-americano: “compartilho com Bentham a
certeza de que os indivíduos são maximizadores racionais de sua própria
satisfação em todos os setores da vida”; e prossegue: “também acredito
na eficiência econômica como conceito tanto ético quando científico”.
Desde já há a conexão, portanto, entre a racionalidade dos agentes e a
eficiência econômica.
E, assim como os preceitos microeconômicos vinculam-se à
eficiência, também a racionalidade dos agentes tem relação com este
elemento econômico; trata-se, com efeito, de um todo coerente e íntegro,
escorado sobre tais assunções elementares.
A interface entre a racionalidade dos agentes e a eficiência
econômica é exposta por Pietropaolo (2009, p. 118) nos seguintes termos:
A questão econômica primeira é de alocação
eficiente de recursos escassos entre fins
alternativos concorrentes, o que significa dizer que
adequada é a ação do indivíduo que busca
67
26
O dialogo entre a Microeconomia e o pressuposto quando à racionalidade dos
agentes econômicos é clarificado por Kornhauser (1992, p. 43): “a análise
económica do direito, tal como é concebida actualmente, aplica a teoria
microeconómica neoclássica à análise dos sistemas jurídicos anglo-americanos.
A teoria microeconómica estuda o comportamento de cada um dos agentes
económicos. […] A microeconomia neoclássica parte do pressuposto de que os
indivíduos agem sempre no seu próprio interesse, de maneira imutável e fixa. O
indivíduo é, pois, completamente racional, sabe exatamente o que procura e
realiza de modo preciso todos os cálculos complexos necessários para identificar
o curso óptimo da sua conduta”. É possível afiançar, pois, que o pressuposto
quanto à racionalidade dos agentes é um corolário da utilização, pela AED, de
preceitos microeconômicos na análise dos sistemas legais.
27
Como afirma Pietropaolo (2009, p. 104), “as razões [que] não passíveis de
enquadramento nesse pressuposto do modelo podem ocorrer, mas estarão fora do
espectro de racionalidade econômica e, assim, desqualificariam a ação como
racionais”.
28
Complementam-se as observações tecidas com a menção à obra de Pietropaolo
(2009, p. 99). Afirma o autor: “é característica de todo modelo simplificar a
realidade, até o ponto em que os aspectos estudados se mostrem mais claramente.
As eventuais insuficiências do modelo podem ser corrigidas por acréscimos ou
68
30
Os atributos do raciocínio maximizador dos agentes econômicos é bem
explicado na obra de Pacheco (1994, p. 40-41), que salienta, para além daquilo
que aqui já se enfatizou, a existência de uma hierarquização das preferencias pelo
agente: “sob a ótica econômica, o agente é guiado por um padrão de conduta
configurado pelos seguintes pressupostos: Primeiro, a maximização e
racionalidade no comportamento. Os indivíduos têm a capacidade de ordenar
suas preferências e escolher as que mais lhe satisfazem a partir do suposto
paradigma do cálculo racional, o que não implica que de fato os indivíduos se
comportem dessa forma. Segundo, as preferências são estáveis, no sentido de que,
via de regra, não variam e nem são afetadas pela ação de terceiros. Terceiro, os
titulares são os melhores conhecedores do valor de suas coisas. E quarto, o
princípio do equilíbrio, no sentido de que a tendência é somente alterar-se as
situações na possibilidade de melhora”.
70
31
Vale elucidar que a “análise marginalista determina quanto de satisfação –
benefício marginal – é produzido ao agente por uma pequena variação positiva
de quantidade de um bem” (PIETROPAOLO, 2009, p. 112).
71
32
Foucault (2008, p. 368) explica que a definição do objeto da análise econômica
como “conjunto das respostas sistemáticas de um individuo às variáveis do meio”
possibilita a integração à economia de técnicas comportamentais. São, segundo o
pensador francês, métodos que “consistem precisamente, não em fazer a análise
do significado das condutas, mas simplesmente em saber como um dado jogo de
estímulos poderá, por mecanismos de reforço, acarretar respostas cuja
sistematicidade poderá ser notada e a partir de qual será possível introduzir outras
variáveis de comportamento – todas essas técnicas comportamentais mostram
bem como, de fato, a psicologia entendida dessa maneira pode perfeitamente
entrar na definição da economia tal como Becker a dá”.
72
33
Dilts (2009, p. 90) sustenta que até mesmo a acepção dos indivíduos – agora
concebidos como agentes econômicos – é alterada: diz ele que indivíduos são
pessoas que trabalham em si mesmas com vistas a um retorno futuro, agindo
como consumidores/investidores para incrementar seu valor no mercado de
trabalho. Essa mudança de perspectiva reconfigura o indivíduo, para suportar a
responsabilidade pelos bons e maus investimentos em si próprio. Isto é,
empreendedores são recompensados por aceitar riscos que alcancem altos
retornos, assim como são “punidos” se os riscos se converterem em maus
investimentos. Dilts arremata com a afirmação segundo a qual o indivíduo, como
homo oeconomicus, suporta integral responsabilidade, em um sentido de
mercado, pelas suas ações.
73
34
Como narrou Martins (1992, p. 29) em relação à láurea concedida a Coase:
“nos argumentos fornecidos para a atribuição a R. Coase do Prémio Nobel, a
Royal Academy of Sciences lembra os seus contributos para a compreensão da
estrutura institucional e do funcionamento da Economia, em especial, os seus
trabalhos sobre os custos de negociação (transaction costs), abordados no seu
artigo ‘The nature of the Firm’, publicado em 1937, e a análise dos efeitos
externos, que põe em destaque os direitos de propriedade, apresentado no seu
artigo ‘The Problem of Social Cost’ de 1960”. No mesmo sentido, complementa
Sousa (1992, p. 117), com menção à concessão do prêmio, um ano mais tarde,
também a Becker: “A Real Academia das Ciências sueca acaba de atribuir o
Nobel da Economia de 1992 a Gary Stanley Becker. É, em poucos anos, o terceiro
economista com uma reflexão inovadora dos problemas jurídicos a quem é
80
36
“Espaço vital”, na língua alemã.
82
37
Souza relata que do hedonismo de Epicuro – traduzido na obtenção do maior
prazer com o menor sacrifício – deriva o utilitarismo de Bentham (muito embora
se deva advertir, desde já, que o utilitarismo benthamiano encontra sua origem
imediata em Beccaria); no modelo do pensador inglês – faceta jurídica do
hedonismo –, construiu-se o “‘princípio’ do ‘custo-benefício’, com todas as suas
variantes, inclusive jurídicas, e não apenas semânticas, como também
conceituais” (2003, p. 88). No mesmo sentido, Ramos (2006, 65-66) assevera que
“a ideia ou método da experimentação, sobretudo no campo social, busca suas
raízes mais remotas no hedonismo do filosofo grego Epicuro (341-271 a.C.) […].
Recomenda a temperança como virtude primeira para assegurar o prazer.
Segundo a sua doutrina, não se trata de procurar qualquer prazer, nem de fugir a
toda a dor, mas conduzir-se em um modo que a soma final represente um máximo
possível de prazer e o mínimo possível de sofrimento. Tal conduta envolve um
certo cálculo e uma medida utilitária […]. É também do hedonismo a ideia de que
é possível classificar e contabilizar os prazeres […]. A seleção dos prazeres
defendida por Epicuro é uma antecipação do utilitarismo inglês, com sua
aritmética do prazer. De fato, o epicurismo antecipou alguns postulados do
utilitarismo inglês dos Séculos XVIII e XIX, cujos patronos foram os ingleses
Jeremy Bentham (1748-1832), John Stuart Mill (1806-1873) e seu pai, James
Mill (1773-1836), nessa ordem de importância. O primeiro idealizou e os demais
propagaram as ideias utilitaristas na filosofia”.
92
38
Recorre-se, para uma suma da biografia, ao Novíssimo Dicionário de Economia
(SANDRONI, 1999, p. 49): “Criminalista e economista italiano. Foi um dos
primeiros a tratar do comércio internacional, a defender a aplicação da
matemática à economia e analisar a função do capital e a divisão do trabalho.
Suas aulas na cadeira de economia política da Universidade de Milão foram
publicadas postumamente (1824) sob o título Elementi di Economia Pubblica
(Elementos de Economia Pública). Na obra Dei Delitti e delle Pene (Dos Delitos
e das Penas), de 1764, Beccaria condena o sistema penal e penitenciário da época,
sobretudo os processos secretos, as torturas e a desigualdade das penas em função
de diferenças de classe social. A partir dessa obra, foram criados os fundamentos
jurídicos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento básico
da Revolução Francesa”.
39
Diz o próprio Beccaria (2000, p. 14): “constatei […] os perigos que a minha
opinião pode ocasionar”.
40
É interessante observar que, pelo menos formalmente, Beccaria (2000, p. 14)
se mostrava receptivo às críticas que lhe eram dirigidas: “Se desejarem dar ao
meu livro a honra de uma crítica, não principiem atribuindo-me preceitos
contrários à virtude ou à religião, porque esses preceitos não são os meus; em vez
de me apontar como ímpio ou sedicioso, contentem-se em demonstrar que sou
mau lógico, ou ignorante em matéria política; não tremam a cada proposição em
que faço a defesa dos interesses da humanidade; constatei a inutilidade de minhas
máximas e os perigos que a minha opinião pode ocasionar; façam com que eu
veja as vantagens das lições recebidas. [...] Aquele que fizer a sua crítica com a
decência e o respeito que os homens honestos se devem entre si, e aquele que
tiver esclarecimento suficiente para não me obrigar a demonstrar os princípios
mais elementares, de qualquer natureza que seja, encontrará em mim um homem
93
tradução livre), em 1775, logo após ter contato com a obra de Beccaria,
com quem majoritariamente concordou (HARCOURT, 2011, p. 36). Com
efeito, Beccaria influenciou significativamente aquele pensador inglês,
tanto em seus trabalhos relativos às punições, quanto em sua abordagem
filosófica. Ademais, é de Beccaria que Bentham extrai a aplicação de
cálculos matemáticos no campo dos assuntos morais. O pensador italiano,
vale reportar, enfatizou a importância do rigor matemático, que deveria
ser aplicado a todas as matérias penais.
Mais que isso, Beccaria estabeleceu, em sua obra (2000), outras
regras que influenciaram fortemente Bentham e outros teóricos
utilitaristas. A propósito, o pensador italiano sugeriu, em seu trabalho,
que a certeza da punição se destaca em relação a sua severidade; que
quanto mais severa a pena, mais provavelmente o criminoso cometerá
mais crimes para evitá-la; e que a tentativa deveria ser punida menos
severamente em relação a um crime completo a fim de incentivar o
culpado a não completar o crime – uma vez mais, como observa Harcourt
(2011, p. 58), trata-se da noção de dissuasão marginal, significativamente
influente sobre os teóricos subsequentes. É daí que surge a “moral
aritmética” de Bentham, consistente no cerne da filosofia utilitária por ele
desenvolvida.
Também o próprio Beccaria, a propósito, revelava-se utilitário:
“todo o bem-estar possível para a maioria” (BECCARIA, 2000, p. 16),
pregava o jovem filósofo italiano. Dizia ele, ainda, pioneiramente
(HARCOURT, 2011, p. 59), que “o prazer e o sofrimento são os dois
grandes motores dos seres sensíveis” (BECCARIA, 2000, p. 69). Trata-
se da essência do utilitarismo lançada já na obra de Beccaria, a qual
ressoará, mais tarde, com maiores e mais profundas minúcias, em
Bentham.
Conquanto se valesse teses utilitaristas – o que o alçou à condição
de um founding father mediato da AED –, Beccaria também adotava o
ideário contratualista – derivado sobretudo de Montesquieu
(BECCARIA, 2000, p. 17) e Helvétius (CASTRO; DAL RI JÚNIOR,
2008, p. 275) –, a ponto de se poder adjetivar de contratualismo penal a
teoria cristalizada em seu “Dos delitos e das penas” (2000).
A adoção de uma base filosófica contratualista é evidente no ponto
em que Beccaria (2000, p. 19) afirma que “a reunião de todas essas
pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de
punir” e, ainda, quando assevera que “a soberania e as leis nada mais são
do que a soma das pequenas partes de liberdade que cada qual cedeu a
sociedade” (BECCARIA, 2000, p. 51). Trata-se do contratualismo, pois,
aplicado aos delitos e às penas.
95
42
Síntese da vida de Bentham pode ser encontrada no Novíssimo Dicionário de
Economia (SANDRONI, 1999, p. 52): “Filósofo, jurista e economista inglês,
criador do utilitarismo. Em 1787, escreveu Defence of Usury (Proibição da
Usura), onde se alinha com Adam Smith, a favor da liberdade de iniciativa
econômica do indivíduo. Com An Introduction to the Principles of Morals and
Legislation (Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação), de 1789,
98
buscam prazer e evitar dor, mas também no que diz respeito ao insight
central relativo à medida da dor e do prazer (HARCOURT, 2011, p. 104).
Além disso, Bentham – assim como economistas liberais
contemporâneos – retrata Beccaria como um founding father
(HARCOURT, 2011, p. 76)44.
Da mesma forma, também com base em Beccaria, Bentham
advogava que o direito de punir era um mal necessário: mal em que a
punição é necessariamente tirânica e, portanto, má; mas necessário no
sentido de que é a única forma de conter os homens (HARCOURT, 2011,
p. 58).
É evidente, aí, a aproximação existente entre Beccaria e Bentham,
sobretudo no que toca à limitação do poder punitivo estatal por meio de
preceitos econômicos.
Além disso, tanto em Bentham quanto em Beccaria – que, neste
tópico, já prenunciava o utilitarismo inglês –, a pena tinha destacado
caráter prospectivo: olhava para a frente, jamais para trás, sempre com o
objetivo de prevenir futuros atos similares àquele crime cometido pelo
agente que se está a punir (HARCOURT, 2011, p. 58).
Assim, Bentham, tal como Beccaria, desenvolveu singular
compreensão econômica do Direito que conectava as sanções em
proporção com a severidade dos crimes (DILTS, 2009, p. 82). A
proporcionalidade era, de fato, um dos elementos econômicos mais
ressaltados por ambos os pensadores. Com efeito, o penalista inglês
recebeu bem a insistência na necessidade de proporção entre o crime e a
punição (HART, 1982, p. 49). Assim, para Bentham, o Código Penal era
um catálogo de preços em cujos termos o Estado mensura o valor do
delito; dessa forma, quando Bentham se refere ao Código Penal como um
“menu de preços”, Harcourt (2011, p. 35-39) afiança “ele está falando a
linguagem dos preços, da escolha racional, da economia. A racionalidade
econômica agora adentra a esfera penal”.
Nesse “catálogo de preços”, o critério para a punição vislumbrado
por Bentham dizia respeito, assim, à proporcionalidade, acima de
qualquer outro fator. Exatamente por isso, o pensador inglês rechaçava a
noção de vingança45 (DIAS, 2006, p. 175).
44
Para uma investigação mais detalhada quanto à influência de Beccaria sobre
Bentham, consulte-se o capítulo II, “Bentham and Beccaria”, da obra “Essays on
Bentham”, de Hart (1982). Vale apenas observar que, como observa Hart (1982,
p. 40), o débito de Bentham a Beccaria é grande e bastante conhecido.
45
Acerca da vingança no Direito Penal, em uma perspectiva histórica, discorre
Noronha (1991. p. 20): “a história do direito penal é a história da humanidade.
100
Ele surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime,
qual sombra sinistra, nunca dele se afastou [...]. Em regra, os historiadores
consideram várias fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a
vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir-se que esses
períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso o
outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos princípios
característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e, durante tempos, esta ainda
permanece a seu lado”. Também Becker (1974, p. 44), em seu mais célebre ensaio
sobre a teoria econômica do crime, observa que a vingança ocupou lugar de
destaque na história do Direito Penal: “vingança, dissuasão, segurança,
reabilitação e compensação são talvez os mais importantes dos muitos desideratos
das penas propostos ao longo da história”.
46
Beccaria (2000, p. 16 e 27), por exemplo, afirmava: “Não houve um que se
erguesse, senão francamente, contra a barbárie das penas que estão em uso em
nossos tribunais. Não houve quem se ocupasse em reformar a irregularidade dos
processos criminais, essa parte da legislação tão importante quanto descurada em
toda a Europa. Raramente se procurou desarraigar, em seus fundamentos, as
séries de erros acumulados desde há muitos séculos; e muito poucas pessoas
procuraram reprimir, pela força das verdades imutáveis, os abusos de um poder
ilimitado, e extirpar os exemplos bem comuns dessa fria atrocidade que os
homens poderosos julgam um de seus direitos”. E quanto à necessidade de
reformar o sistema penal então vigente, prossegue o autor lombardo: “O sistema
atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a ideia da força e
do poder, em vez da justiça; é que se atiram, na mesma masmorra, sem distinção
alguma, o inocente suspeito e o criminoso convite; é que a prisão, entre nós, é
antes de tudo um suplício e não um meio de deter um acusado”.
101
47
Adotando sugestão metodológica que se colhe de Vecchio Jr. (2012, p. 10),
vale mencionar que, “dentre os vários pontos apontados no trabalho de Gary
Becker, o presente trabalho limita-se apenas a seus argumentos centrais; não são
abordados, por exemplo, o denso cabedal matemático que sustenta suas
afirmações, além de toda a discussão em relação às penas pecuniárias”.
104
48
A versão do ensaio de Becker que aqui se utiliza é aquela que foi publicada em
coletânea de artigos atinentes à abordagem econômica dos crimes e das punições,
denominada “Essays in the economics of crime and punishment” (“Ensaios acerca
da economia dos crimes e das punições”, em tradução livre) e organizada pelo
próprio Becker e por Landes, a qual foi publicada em 1974. Dita coletânea
contém, para além de escritos de autoria de Becker e de Landes, trabalhos de
Stigler, Ehrlich e Posner.
49
Para além de tal ensaio, Becker publicou outros dois relevantes escritos que
tangenciam a Teoria Econômica do Crime: um referente à pena de morte; outro
– escrito em coautoria – relativo à criminalização das drogas. Ambos serão
explorados mais detidamente no Terceiro Capítulo deste trabalho.
50
A respeito do desenvolvimento de estudos empíricos, Becker (1997, p. 52)
argumenta que uma relação estreita entre a teoria e os testes empíricos evita que
tanto a pesquisa teórica quanto a pesquisa empírica sejam estéreis.
105
51
Em referência a pesquisa desenvolvida por Donohue e Levitt, Winter (2008, p.
18) afirma que um dos mais interessantes e controversos estudos na literatura da
Teoria Econômica do Crime desde a década de 1990 levanta simples – mas
chocante – indagação: o aumento nos abortos reduz futuras taxas de
criminalidade? Como Winter narra, um dos autores do mencionado estudo –
Levitt – publicou best-seller que enfatizou esse vínculo entre crimes e abortos, e,
de repente, a Teoria Econômica do Crime ganhou atenção em todos os Estados
Unidos da América. Vale dizer que se trata do célebre livro “Freaknomics”
(DUBNER; LEVITT, 2005).
106
52
Harel (2014, p. 297) também enfatiza essa particularidade: observa que Becker
não era um advogado criminalista, um político teórico ou um filosofo; ele
escreveu apenas um artigo sobre o Direito Penal.
110
53
Esse questionamento – “o que é crime?” – toca exatamente no âmago deste
trabalho. Se é bem verdade que o conceito positivo de crime já é bastante claro
na obra de Becker (constitui crime a conduta à qual a lei comina sanção penal), o
que se busca, aqui, é a identificação de um conceito normativo de crime: à luz da
Teoria Econômica dos crimes e das punições – especificamente sob uma
abordagem normativa –, o que deveria ser crime?
54
Nesse sentido, e de forma a enfatizar a importância da acepção econômica de
crime, Becker e Landes (1974, p. XIII) sustentam que a teoria econômica da
alocação de recursos pode ser utilizada para analisar o enforcement, para prover
insights quanto à operação do sistema legal e para derivar hipóteses testáveis para
análise empírica. No mesmo norte, como descreve Landes (BECKER; LANDES,
1974, p. XIV), Becker utiliza a teoria econômica da alocação de recursos para
desenvolver políticas públicas e privadas ótimas – isto é, aquelas que minimizam
a perda social decorrente do crime – para combater atividades ilegais.
111
55
Quanto a esse caráter amoral, Becker (BECKER; EWALD; HARCOURT,
2013, p. 9) registra que seu ensaio não adota um suporte moral no que diz respeito
às leis e ao governo; apenas verifica como se pode afetar a aderência a tais leis.
112
56
Muito embora se possa afirmar que a obra de Bentham já debatia matérias que
constituem antecedentes da discussão quanto ao enforcement, Garoupa (1997, p.
267) adverte que a literatura economia acerca do enforcement ótimo é bastante
recente.
57
Por não encontrar equivalente na língua portuguesa que traduza perfeitamente
a sua acepção, a expressão enforcement (invariavelmente utilizada como law
enforcement) não será traduzida no presente trabalho, na linha daquilo que se
advertiu já na Introdução deste escrito. Cabe, todavia, elucidar o seu conceito, o
que se faz com menção à lição proferida por Foucault (p. 347-348) em seu curso
“O nascimento da biopolítica”: “Essa ideia de uma força da lei é traduzida [...]
por esta palavra, que encontramos com tanto frequência, enforcement, e que se
costuma traduzir por ‘reforço’ da lei. Não é isso. O enforcement of law é mais
que a aplicação da lei, pois se trata de uma série bem diferente de instrumentos
reais que se tem de pôr em prática para aplicar a lei. Mas não é o reforço da lei, é
menos que o reforço da lei, na medida em que reforço significaria que ela é
demasiado fraca e que é necessário acrescentar um pequeno suplemento ou torná-
la mais severa. O enforcement of law é o conjunto de instrumentos postos em
prática para dar a esse ato de interdição, em que consiste a formulação da lei,
realidade social, realidade política, etc.”. Vale dizer que a própria obra “O
nascimento da biopolítica”, em sua tradução para português, traduz enforcement
para “enforço”; todavia, como o próprio Foucault ressalta, trata-se de um
neologismo, que, por isso mesmo, não será utilizado na redação deste trabalho.
58
Quanto ao pioneirismo de Becker, é possível afirmar, com Olsson (2012, p.
76), que o economista norte-americano foi “um dos primeiros a propor uma
análise da criminalidade a partir da Economia – pelo menos de uma maneira
sistematizada”.
113
59
Da mesma forma, Cooter e Ulen (2012, p. 476) constroem raciocínio segundo
o qual, uma vez que a dissuasão é custosa, a quantidade ótima de crimes sempre
será superior a zero; assim, o fato de a dissuasão ser custosa impossibilita uma
sociedade de eliminar inteiramente o crime. Além disso, se os custos da dissuasão
aumentam, o mesmo ocorre com a quantidade ótima de crimes.
115
60
Trata-se de noção presente também na obra de Beccaria (2000, p. 43), que
enfatizava a relevância da pronta aplicação das penas; afirmou o autor que,
“quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo que se conceda ao
acusado o tempo e os meios para se justificar, se é isso lhe for possível; é
necessário, contudo, que está o tempo seja bem curto para não atrasar muito o
castigo que deve acompanhar de perto o delito, se se quer que o mesmo seja um
útil freio contra os criminosos”.
61
A propósito dessa distinção entre controle e eliminação da criminalidade, Dilts
(2009, p. 79) observa que a Teoria Econômica do Crime prioriza o controle dos
níveis de criminalidade mais do que a punição ou a reabilitação dos delinquentes.
Assim, registra o autor, técnicas jurídicas e disciplinares continuarão a ser
utilizadas, mas serão subsumidas a uma racionalidade governamental que busca
controlar o crime mediante mecanismos de segurança de autorregulação.
119
62
Vale dizer que, a despeito da análise de Foucault e de seus epígonos – que a
todo tempo referem a Becker e à sua teoria, bem como à AED em geral, como
neoliberais –, o economista norte-americano identifica-se como um liberal. Isso
fica claro quando Becker diz que, como um liberal, se opõe às leis de drogas, bem
como quando fala em “so-called” (“assim chamado”) neoliberalismo, e, ainda
mais, quando explicita: “eu não uso a palavra “neoliberal”. Becker identifica-se
120
65
O debate foi realizado por ocasião de visita de François Ewald – “principal
assistente e interlocutor de Foucault no Collège de France entre 1976 e 1984 [ano
de falecimento deste pensador francês] e fundador do Michel Foucault Center” –
à Universidade de Chicago. Assim, a convite de Bernard Harcourt – professor
naquela instituição de ensino, à época –, Becker e Ewald promoveram um debate
acerca do curso “O Nascimento da Biopolítica”, ministrado por Foucault no
Collège de France entre 1978 e 1979, especialmente no que toca às aulas em que
o pensador francês comentou a obra de Becker. Como descreve Harcourt, “em
uma série de importantes conferências proferidas em 1979 sob o título de ‘O
nascimento da biopolítica’, Michel Foucault ocupou-se do trabalho de Gary
Becker no contexto de uma elaboração e crítica dos diferentes tipos de
neoliberalismo. E ele estava, especialmente nessas três conferências –
conferências nove, dez e onze –, olhando para o neoliberalismo americano, em
oposição ao ordoliberalismo alemão e ao neoliberalismo francês”. Como Ewald
explica mais tarde, a definição que Foucault dá ao liberalismo é a de “uma
governamentalidade em que a veridição (truth-telling) do governo é ditada pela
economia”. Como novamente interpreta Ewald quanto ao que dizia Foucault, “a
questão não é o Estado; a questão é a governamentalidade”. Ewald complementa,
ainda, ao dizer que, para Foucault, o único liberalismo interessante é o liberalismo
praticado por economistas […], porque dá aos economistas um status bem
específico, isto é, eles são produtores da verdade […]. O que Foucault está
buscando é uma teoria, uma teoria amoral, e uma teoria não-jurídica. O desafio é
ser livre da moralidade e do Direito. E ele encontra – eu acho – a solução nos
escritos dos economistas. Esta é a celebração dos trabalhos dos economistas, dos
seus [de Becker] trabalhos. Você propõe uma teoria do homem, uma visão do
homem, que é amoral e não-jurídica”. E é exatamente por isso que, para Foucault,
123
Ewald, outrora orientando de Foucault, diz que poderia ter sido muito
frutífera uma conversa entre a visão de relação de poder concebida por
Foucault e a visão de Becker quanto à decisão dos agentes racionais66.
Ewald (BECKER; EWALD; HARCOURT, 2013, p. 3) sugere,
ainda, que a análise econômica do crime de Becker pode ser completada
pelas ideias inseridas por Foucault em seu “Vigiar e punir”. Em tal obra,
há uma abordagem também econômica, na medida em que – embora de
forma metafórica – Foucault empreende tentativa de descrever uma
economia do poder. Trata-se de um esforço para desenvolver uma nova
visão do poder – sobretudo do poder de punir –, relacionada com a ideia
de Economia. Vale esclarecer que, para Foucault, a Ciência Econômica
não coincide com o seu conceito clássico, tampouco com aquele de que
Becker se vale; para o pensador francês, a Ciência Econômica relaciona-
se com a existência de uma estratégia e com a elaboração de um cálculo.
De qualquer forma, ambas as acepções se conectam – de modo que
também as obras dos autores ora estudados se vinculam.
De fato, em seu “Vigiar e punir” (2009), Foucault a todo tempo se
refere a uma economia das penas, exatamente no sentido a que Ewald
alude: aponta, por exemplo, para a economia da tortura e do exemplo,
para a economia dos castigos67, bem como para a economia incidente na
70
Cooter e Ulen (2012, p. 492-493) observam que essa hipótese é empiricamente
testada e comprovada: os autores citam estudos econométricos que corroboram a
hipótese de que o aumento da punição esperada acarreta uma diminuição no
número de crimes. Relatam, porém, que os efeitos dissuasórios são distintos de
acordo com a espécie de crime de que se trata: para aqueles envolvidos em crimes
violentos, o aumento na severidade da punição é mais eficaz; para aqueles
envolvidos em crimes contra a propriedade, a certeza da apreensão e da
condenação tem um efeito maior; por fim, o efeito era menor para drogadictos.
130
71
A menção a Foucault traz à lembrança interessante lição do pensador francês,
que vislumbrava também na política penal dos reformadores dos Séculos XVIII
e XIX uma profunda racionalidade econômica, em meio à “economia dos
castigos” – no sentido de uma estratégia quanto à imposição do poder de punir –
vislumbrada. Foucault (2009, p. 90-92) concebe, então, alguns preceitos em torno
dos quais se estruturava essa economia dos castigos. Menciona, de início, com
referência à obra de Beccaria, a “regra da quantidade mínima, segundo a qual os
agentes delinquem porque isso lhes é vantajoso; se a desvantagem fosse superior
à vantagem, o crime deixaria de ser desejável. Na sequência, menciona a “regra
da idealidade suficiente”, segundo a qual o motivo de um crime representa a sua
vantagem, ao passo que a sua desvantagem é representada pela eficácia da pena.
Mais adiante, Foucault indica, mais uma vez com menção a Beccaria, a “regra da
certeza perfeita”, de acordo com a qual a ideia de um crime deve ser acompanhada
à projeção de um castigo.
72
Trata-se de noção que acompanha a economia do crime desde sua mais remota
raiz, em Beccaria, segundo o qual “os homens só se arriscam na proporção do
lucro que o êxito possa lhes trazer” (2000, p. 81).
132
73
Apesar de Beccaria ser o precursor de muitas das ideias das quais os teóricos
da AED se servem, o pensador italiano distancia-se destes na medida em que a
racionalidade econômica por si conjecturada pressupunha uma intensa
administração governamental, e não – como propõem os liberais contemporâneos
– um mercado que regula a si próprio com a sua natural eficiência: como descreve
Harcourt (2011, p. 53-59), em vez de opor as esferas da regulação comercial e
penal – como os fisiocratas, por exemplo, propunham –, Beccaria buscou integrar
e harmonizá-las, de modo a regular a esfera penal à imagem da administração
econômica e incutir na esfera penal a lógica da competição regulamentada, que
ele concebia como a espécie mais humana de guerra e aquela digna dos homens
razoáveis. De qualquer forma, Harcourt ainda relata que Beccaria, assim como
Becker e Posner, buscava estender a lógica da racionalidade econômica à esfera
social – para a esfera do crime e da punição. Beccaria acreditava que a lógica da
economia deveria domar e civilizar a sociedade, poderia guiar nossas políticas no
domínio social, poderia diferenciar o certo do errado e a punição justa da injusta.
Seu projeto em “Dos delitos e das penas” era precisamente o de estender a
racionalidade econômica para a esfera penal, para, assim, alcançar o que se
conquistara no campo das trocas comerciais.
133
74
Becker (BECKER; EWALD; HARCOURT, 2013, p. 7) observa que se tem as
leis e o criminoso potencial – e a abordagem econômica não diz que há um tipo
que é criminoso e um tipo que não é –, e que a Teoria Econômica do Crime faz
nenhuma distinção, fundamentalmente. O economista reconhece, todavia, que
algumas pessoas podem ser mais inclinadas a obedecer a lei por razões não
punitivas, mas isso não implica que haja algum modelo criminal baseado na
fisiologia, na biologia ou na antropologia.
135
75
Registre-se que essa racionalidade ilimitada projetada por Becker é
questionada, mas tarde, pela abordagem comportamental da economia do crime,
que passa a desafiar as assunções quanto à racionalidade dos agentes.
Paradoxalmente, porém, Harel (2014, p. 313) indica que a behavioral law and
economics (AED comportamental) deve um grande débito ao paradigma lançado
por Becker. Em sentido semelhante, Cooter e Ulen (2012, p. 469 e 495), em sua
obra, descrevem as limitações do modelo econômico de escolha –
particularmente no que toca às (potenciais) decisões dos criminosos –,
oportunidade em que enfatizam a distinção entre o comportamento e o raciocínio
e, ademais, narram que a economia tem assimilado novas descobertas da
psicologia cognitiva que têm mudado a análise dos efeitos dissuasórios das penas.
No mesmo sentido, Foucault (2008, p. 367) explica que a definição do objeto da
análise econômica como “conjunto das respostas sistemáticas de um indivíduo às
variáveis do meio” possibilita a integração à economia de técnicas
comportamentais. São, segundo o pensador francês, métodos que “consistem
136
77
O próprio Posner (2010, p. 97) indica, todavia, que a distribuição de renda
influencia nos índices de criminalidade, o que, de qualquer maneira, não implica
conexão automática entre pobreza e criminalidade.
138
78
No mesmo sentido, Cooter e Ulen (2012, p. 469) apontam que a Teoria
Econômica do Crime toma como base do modelo econômico de crime um
criminoso informado, que conhece os custos, benefícios e as probabilidades
associados ao crime; que é neutro ao risco; ainda, assume-se que todos os custos
e benefícios do criminoso são monetários. Registram, todavia, que muitos
criminosos são imperfeitamente informados sobre os benefícios do crime e as
probabilidades e magnitudes da punição; que os criminosos dificilmente são
neutros ao risco; e que muitos crimes têm punições e recompensas não
monetárias. Isso, evidentemente, não falseia a teoria, tampouco lhe prejudica.
Como se asseverou, o modelo é formulado a nível geral; é natural, portanto, que
haja casos que fujam ao molde criado.
79
Vecchio Jr. (2012, p. 22) ainda afirma que, a despeito da generalidade desse
cálculo econômico quanto à conduta criminosa – o qual se pretende geral e
amplamente abrangente –, Becker não tinha a pretensão de “estabelecer uma
descrição total e exata da realidade, por simples incapacidade de fazê-lo”. Conti
(2016, p. 5) tece observação semelhante: o autor afirma que “tanto a teoria do
capital humano quanto a teoria do crime e punição de Gary Becker não se
pretendem como explicação única, total e universal para o objeto em análise.
Formuladas na segunda metade do século XX, suas teorias são moldadas para o
139
efeito, para que a análise racional do crime obtenha méritos, basta que
alguns criminosos levem em consideração a punição esperada. Se isso for
verificado, as autoridades, na busca por uma política social para dissuadir
o crime, podem controlar as taxas de criminalidade mediante a
manipulação dos componentes que integram a punição esperada. E sob o
paradigma da teoria das escolhas racionais, a melhor forma de prevenir a
comissão de delitos é fazer com que a escolha por cometê-los se torne
irracional, isto é, fazer com que o crime não compense. Exatamente nesse
sentido, Becker (1974, p. 17) observa que, muito embora somente as
atitudes que os delinquentes adotam possam determinar, diretamente, se
o crime compensa, uma política pública de escolha racional indiretamente
assegura que o crime não compense mediante o controle da sanção e da
probabilidade de condenação.
A propósito da necessidade de formulação de um modelo geral,
despreocupado quanto às peculiaridades dos casos concretos, Becker
(1997, p. 41-42) esclarece que a racionalidade por ele pressuposta não
exclui casos nos quais, a despeito de a prática de um crime ser proveitosa
– isto é, em situações nas quais há uma relação positiva de custo-benefício
e um pequeno (ou nenhum) risco de detecção –, os indivíduos não o
cometem por conta de óbices morais e éticos. Na sequência, afirma que,
82
No que toca ao payoff relativo à escolha entre os mercados legais ou ilegais,
vale a remissão à lição de Conti (2016, p. 12): “a decisão de cometer um crime
será uma decisão econômica como qualquer outra. O ‘criminoso’ calcula qual a
rentabilidade que ele teria usando seu tempo no mercado formal, e compara essa
remuneração com quanto ele ganharia dedicando seu tempo a atividades ilegais.
Junto com a remuneração da atividade ilegal, ele vai levar em conta também o
risco de ser pego e qual o tamanho da punição que ele será submetido caso seja
pego, isto é, o produto entre p e f, as variáveis definidas pela política pública de
segurança e punição. Dependendo do resultado desse cálculo e da preferência
pelo risco do indivíduo, ele pode decidir pelo ‘mercado do crime’”. É relevante
enfatizar que não há valorações morais ou axiológicas em relação a esse
“mercado do crime”. O crime, como Becker o definiu, é uma atividade econômica
como outra qualquer, que circunstancialmente se difere das demais em razão de
sua tipificação em uma lei penal e da consequente cominação de uma sanção
penal. Evidentemente, outras definições de crime também são possíveis. Citam-
se, entre as mais clássicas, aquelas às quais os penalistas usualmente recorrem:
material, formal e analítica. Por outro lado, o escopo deste trabalho, como tem
sido vaticinado, é investigar se a Teoria Econômica do Crime de Becker permite
a formulação de um conceito econômico-normativo de crime.
83
A respeito desse padrão de comportamento e da sua utilização por Becker,
Olsson (2012, p. 77) afirma que, segundo o economista norte-americano, “o
comportamento humano segue um padrão, no sentido de que o indivíduo sempre
(e pode-se também pensar em grupos, como famílias, empresas, Estados, etc.)
buscará a maximização de seus objetivos (e resultados), como alcançar mais
utilidade ou mais riqueza, por exemplo. Essa seria uma constante (mesma
constante adotada pela Economia), que permite a utilização dos modelos e das
ferramentas econômicas em outros campos de estudo além das fronteiras daquela
ciência. Nesse sentido, há um padrão racional de comportamento capaz de
142
86
Em outra obra, Posner (1993, p. 215) enumera as seguintes áreas de estudo às
quais Becker se dedicou e impingiu seu raciocínio econômico e, com fundamento
nisso, aponta aquela que, a seu ver, é a tônica da obra acadêmica do economista
norte-americano: “Becker debruçou-se sobre numerosos campos de estudo –
capital humano, discriminação, crimes, famílias e vícios, apenas para citar alguns
–, mas todo o seu trabalho, incidente em diferentes áreas do comportamento
humano, converge para o mesmo fenômeno básico: principalmente escolhas de
carreiras (compreendidas de modo bem amplo; por exemplo: carreira
profissional, familiar, criminal), a produção de commodities não-mercadológicas
e utilidades interdependentes”. Há íntima relação entre a tônica acima apontada
– os incentivos – e aquelas apontadas por Posner – como a escolha de carreiras –
, na medida em que é exatamente com fundamento nos incentivos que os agentes
econômicos tomam as suas decisões.
87
Conti (2016, p. 11), por exemplo, descreve da seguinte maneira o
equacionamento proposto por Becker: “Na teoria de Becker, tomando como dado
o nível das técnicas de vigilância, policiamento, julgamento e punição […] o
governo poderá arbitrar sobre três variáveis: a probabilidade de pegar um
criminoso (chamada de variável p), a intensidade da punição (chamada de
variável f), e o quanto ele quer gastar por criminoso pego (chamada de variável
C)”.
88
A severidade da punição, de acordo com Winter (2008, p. 7), refere-se à forma
como a sanção penal é executada.
144
89
Em complemento a essa última observação concernente ao alcance da Teoria
Econômica do Crime, é possível recorrer à lição de Pietropaolo (2012, p. 24),
para quem “nada há que exija a restrição da teoria beckeriana do crime e da
punição como referência única à compreensão do fenômeno criminal; é possível,
e mais, é necessário olhar para além dela, o que também não exclui as novas
contribuições do ponto de vista da perspectiva econômica”.
146
90
Becker (1974, p. 5), porém, acredita que “o custo das diferentes punições para
um delinquente pode ser comparável através da sua conversão em seu equivalente
monetário ou de valor, o qual, é evidente, é diretamente mensurável apenas para
multas. Por exemplo, o custo de uma prisão é a soma dos ganhos cessados e do
valor colocado nas restrições de consumo e liberdade. Como os ganhos cessados
e o valor creditado às restrições da prisão variam de pessoa para pessoa, o custo
de uma sentença que condena à prisão de determinada duração não é uma
quantidade única, mas é geralmente maior, por exemplo, para pessoas que
lucrariam mais fora da prisão. O custo para cada delinquente seria maior quanto
maior fosse a sentença de prisão, uma vez que os lucros e o consumo cessantes
são positivamente relacionados com a extensão das sentenças”. Vale destacar,
ainda conforme a lição de Becker, que as punições afetam não apenas os
delinquentes, mas também outros membros da sociedade. A prisão, por exemplo,
requer gastos em guardas, pessoal de supervisão, construções, alimentação etc.
Com efeito, verifica-se que o custo total das punições é o custo para os
delinquentes mais o custo (ou menos o ganho) para terceiros. Por isso mesmo, o
custo social da liberdade condicional, prisão e outras punições, por outro lado,
geralmente excede os custos suportados pelos delinquentes, uma vez que também
se atingem terceiros. As multas pagas pelos delinquentes, por sua vez, a par dos
custos de cobrança, são recebidas como receita por terceiros; assim, produzem
um ganho para terceiros que iguala o custo para os delinquentes e, portanto, o
custo social das multas é de quase zero, uma vez que figura como uma
transferência.
91
De qualquer forma, muito embora a Teoria Econômica do Crime seja
igualmente aplicável a todos os delitos, é possível observar que a sua aplicação a
alguns deles – principalmente em relação ao crimes de colarinho branco – é
facilitada pelo fato de envolverem, em seu âmago, números explícitos (como o
lucro, o custo para a dissuasão, o prejuízo etc.). Nesse sentido, colhe-se da obra
do próprio Becker (1974, p. 4-5) excerto ilustrativo quanto àquilo que ora se
afirma: “além disso, com o grande crescimento dos tributos e de outras leis
pertinentes, a sonegação fiscal e os crimes de colarinho branco presumivelmente
cresceram muito mais rápido que os felonies. Uma indireta evidência do
crescimento do crime é o grande aumento de dinheiro corrente em circulação
desde 1929. Nos sessenta anos anteriores a essa data, o dinheiro corrente, seja no
que diz respeito a todo o dinheiro, seja no que toca aos gastos realizados pelos
consumidores, havia diminuído substancialmente. Desde então, a despeito da
urbanização, do aumento de rendas e da propagação de cartões de crédito e de
outros tipos de crédito, o dinheiro em circulação aumentou substancialmente.
Essa inversão pode ser explicada por um incomum crescimento das atividades
ilegais, uma vez que o dinheiro corrente tem vantagens óbvias sobre cheques em
147
transações ilegais (o oposto é verdade para transações legais), porque não resta
nenhum registro da transação”.
92
Cooter e Ulen (2012, p. 491-492) explicam que, de acordo com a teoria
econômica quanto à decisão de cometer – ou não – um crime, um aumento na
punição esperada causa uma redução no crime, coeteris paribus. Recordam,
então, que a hipótese da dissuasão afirma que o crime diminui significativamente
148
93
Quanto ao custo envolvido no controle da variável P, Becker (1974, p. 8)
observa que quanto mais se investe em policiais, pessoal judiciário e equipamento
especializado, mais fácil é a descoberta de delitos e a condenação de delinquentes
e que quanto mais barato o pessoal judiciário (policiais, juízes, conselheiros e
jurados) e quanto mais desenvolvido o estado da arte – como é determinado por
tecnologias como impressão digital, escutas telefônicas, controle
computadorizado e detectores de mentira –, mais barato seria atingir determinado
nível de “atividade”.
94
Foucault (2008, p. 349-350) explica que a lógica dos reformadores do Século
XVIII buscava a “ideia de uma gradação das penas suficientemente sutil para que
cada indivíduo, […] em seu cálculo econômico”, se convença de que a sanção
literalmente faria com que não valesse a pena delinquir. Já a política penal atual,
diz o autor francês, “tem por princípio regulador uma simples intervenção no
mercado do crime e em relação à oferta de crime”, de modo que o custo do
enforcement não supere o custo da criminalidade que se quer limitar. O
enforcement atual tem por finalidade, portanto, obter um grau de conformidade
com a regra do comportamento prescrito que a sociedade acredita poder se
proporcionar, levando em conta o fato de que a execução das políticas públicas
de controle da criminalidade é dispendiosa. Foucault ainda observa que “a boa
política penal não tem em vista, de forma alguma, uma extinção do crime, mas
sim um equilíbrio entre curvas de oferta de crime e de demanda negativa […]. O
que equivale mais uma vez a colocar como questão essencial da política penal
não como punir os crimes, nem mesmo quais ações devem ser consideradas
crime, mas o que se deve tolerar como crime. Ou ainda: o que seria intolerável
não tolerar? É a definição de Becker em ‘Crime e castigo’ [tradução de “Crime
and punishment” realizada pelo próprio Foucault]. Duas questões aqui: quantos
delitos devem ser permitidos? Segunda: quantos delinquentes devem ser deixados
impunes? É essa a questão da penalidade”. Vale registrar que Foucault observa
que a política criminal, sob a óptica econômica, não tem por objetivo definir o
que deveria, ou não, ser criminalizado. Mas é exatamente a partir da obra do
pensador francês que surge a inquietação – que é o grande leitmotiv deste trabalho
– quanto a um possível conceito normativo de crime a ser extraído da obra de
Becker.
150
95
A “análise dos comportamentos não-econômicos através de uma grade de
inteligibilidade economista, crítica e avaliação da ação do poder público em
termos de mercado” são, segundo Foucault (2008, p. 339), os “traços que se
encontram na análise que certos neoliberais fizeram da criminalidade, do
funcionamento da justiça penal”.
152
96
“Tradeoff”, em Economia, é a “expressão que define situação de escolha
conflitante, isto é, quando uma ação econômica que visa à resolução de
determinado problema acarreta, inevitavelmente, outros” (SANDRONI, 1999, p.
612).
154
97
Embora não seja este o foco do presente trabalho, vale mencionar que, a
despeito da sugestão quanto à imposição de altas multas acompanhadas de uma
reduzida certeza da punição, a literatura econômica têm dado conta de que pode
não ser, realisticamente, uma maneira eficiente de configurar a punição esperada
(WINTER, 2008, p. 20).
155
98
De modo mais minucioso quanto ao custo social das prisões, tem-se que este
“pode ser dividido entre a perda das vítimas (patrimoniais e pessoais) e o custo
(público e privado) de prevenção. Estes últimos são mais facilmente computados.
Já os gastos realizados pelos indivíduos para prevenir o crime são muito
dificilmente documentos e geralmente ignoram custos indiretos como traumas,
ansiedade e vidas despedaçadas” (COOTER; ULEN, 2012, p. 489).
99
Levada às últimas consequências a assunção segundo a qual o custo das multas
é nulo, seria possível chegar à conclusão de que a punição ótima é uma multa
elevadíssima. É o que Garoupa (1997, p. 267) explana: “o cerne do resultado
apresentado por Becker é o seguinte: a probabilidade e a severidade da punição
dissuadem o crime. Portanto, a multa deve ser máxima, uma vez que é uma
transferência sem custos, ao passo que a probabilidade de detecção e condenação
é custosa”.
100
Advirta-se que o conceito positivo de crime para Posner – que envolve as ditas
“transferências coercitivas” mencionadas – será mais adiante (precisamente no
Capítulo Terceiro) exposto.
156
Mas Shavell (2004, p. 544), por outro lado, alerta que os atos no
núcleo do Direito Penal não são apropriadamente desencorajados pela
ameaça de sanções monetárias por si sós, de modo que a sanção adicional
de prisão se torna socialmente desejável com uma forma de dissuasão.
Essa questão dos custos envolvidos no controle da criminalidade é
central na Teoria Econômica do Crime, e boa parte disso se deve à adoção
da eficiência (ou da maximização do bem-estar social) como vetor a ser
seguido.
Passa-se, então, a abordar esse elemento econômico central.
101
Também Harcourt (2007, p. 111) observa que a Política Criminal Atuarial se
vale de métodos “econômicos”: “Um dos argumentos mais fortes para o uso de
métodos atuariais é o argumento econômico baseado na dissuasão e na eficiência:
assume-se que as pessoas respondem racionalmente aos custos e incentivos do
policiamento e utilizam-se previsões baseadas nas taxas delitivas de um grupo
com o objetivo de alcançar uma maior detecção do crime. Ao maximizar a
detecção do crime, o law enforcement dissuadirá a população mais delitiva. Essa
é a mais efetiva alocação dos recursos para o law enforcement”.
160
102
Esta enumeração de princípios é extraída da obra “Fundamentos críticos de
Direito Penal”, de Guilherme Merolli (2014, p. XII).
161
103
De qualquer forma, diante da eficiência e da maximização do bem-estar social,
a abordagem econômica de Becker, presente em seu ensaio de 1968, ancora-se
em um modelo de bem-estar social. O economista norte-americano esquivou-se
de maiores considerações sobre a eficiência mercadológica: preferiu incursionar
por técnicas de análises de custos sociais. Harcourt (2011, p. 133) afirma,
complementarmente, que o mecanismo chave para o modelo de Becker é que a
curva de demanda para o crime é decrescente: à medida que o crime se torna mais
caro, menos pessoas intentarão cometê-lo. Essa é a fundação da abordagem
econômica do crime e o insight igualitário (porque não distingue entre
“criminosos” e “não criminosos”) central do modelo de Becker.
104
A respeito dessa provocativa indagação, Conti (2016, p. 16) admite que “é
natural que a pergunta cause estranhamento […]. Perguntar isso seria aceitar que
existe uma quantidade ótima de crimes, e isso não parece nem intuitivo nem
razoável”. Ainda quanto a essas reflexões de caráter normativo, Sousa (1992, p.
118) registra que, “concorde-se ou não com as receitas da Escola de Chicago,
dúvida não há de que as questões levantadas pelas análises de Gary Becker estão
bem no centro das preocupações contemporâneas, na economia, no direito, na
sociologia”.
105
Tais instrumentos, diz Becker (BECKER; EWALD; HARCOURT, 2013, p.
6), são a probabilidade de apreensão e condenação de alguém, bem como a
magnitude e a natureza das punições a serem impostas. Obviamente,
complementa o economista, há outros instrumentos: “talvez uma forma mais
efetiva de reduzir o crime se opere mediante uma melhor educação da população,
para que as oportunidades sejam melhores em atividades ‘não criminais’”.
162
106
Esclarece-se que a expressão “normativo”, em conceito “normativo” de crime,
não tem relação com normas jurídicas, mas com a abordagem normativa da AED.
Com efeito, o conceito de crime que se vincula mais intimamente às normas
jurídicas é o conceito formal, segundo o qual é considerada criminosa aquela
conduta que a lei penal considera como tal. Já o conceito normativo aqui sugerido
parte da abordagem normativa da AED, que perscruta o dever-ser, e, a partir daí,
indica as condutas que devem, ou não, ser criminalizadas.
168
107
O conceito de crime de Bentham, cabe recordar, funda-se em estrita
proporcionalidade entre a gravidade dos crimes e a dimensão das sanções, a fim
de que cada crime tivesse sua pena matematicamente correspondente. Esse
conceito funda-se na acepção de que seria possível e desejável a eliminação
170
108
Posner (2005, p. 11) explica a Fórmula de Hand: “B < PL é a fórmula de
negligência anunciada pelo célebre juiz Learned Hand, do Tribunal de Apelações,
em uma opinião judicial de 1947, mas que não foi reconhecida como uma fórmula
econômica para os casos de negligência senão depois de muitos anos”. Posner
ainda pondera que “Hand não era economista e propôs a fórmula para decidir um
caso legal. Este é um exemplo do isomorfismo das doutrinas legais e dos
princípios econômicos; os últimos podem ser utilizados para iluminar e refinar os
primeiros. Esse isomorfismo é uma chave para o caráter frutífero que a Economia
positiva oferece ao Direito, isto é, para compreendê-lo como um sistema para a
otimização econômica”.
174
109
A respeito do tema, é interessante a alusão à obra de Pietropaolo, na qual o
autor se debruça sobre a aplicação do método econômico ao Direito: “Posner
mesmo não é linear a respeito da aplicabilidade do método econômico de forma
implacável. Em outra passagem do Economic Analysis of Law o autor sustenta
que argumentos econômicos para manter ilegal o comércio de drogas não
impressionam muito, pois os mesmos argumentos poderiam ser usados para
drogas lícitas, como o álcool e tabaco. Apesar disso, o autor não chega às
conclusões que os argumentos poderiam levar, como feito no caso da adoção. Ele
prefere especular sobre se o consumo de drogas é elástico ou inelástico, sobre os
efeitos sociais da educação antidrogas, mas prefere se abster de enfrentar o
problema com as ferramentas usadas em todos os outros casos: o que seria mais
eficiente na produção do bem-estar social. O discurso de Posner sobre o assunto
é paradoxal, pois o tema dos custos e benefícios da criminalização (e da
imposição de penas) é tradicional no direito penal desde Beccaria. Posner mesmo
admite a enorme influência de Bentham sobre o law and economics, a partir de
considerações sobre os custos e benefícios sociais do sistema penal”
(PIETROPAOLO, 2009, p. 173).
175
110
Essa divisão entre mercados explícitos e implícitos tem paralelo na divisão das
matérias abordadas pelos estudos de Direito e Economia: aquelas em que a faceta
econômica é explícita (como o Direito Concorrencial, Tributário, Econômico,
Financeiro) e todas as demais, em que os elementos econômicos têm sido
revelados à medida em que os estudos da AED avançam. Nesse ponto, resgata-se
que já se observou, no Capítulo anterior, que, em relação à racionalidade dos
indivíduos, a Teoria Econômica do Crime assume que alguns indivíduos tornam-
se criminosos por conta das recompensas financeiras e não financeiras do crime
comparadas às do mercado legal (explícito ou implícito), considerada a
probabilidade de apreensão e condenação e a severidade da pena. É exatamente
desse tradeoff entre mercados legais e ilegais, portanto, que se ocupa a Teoria
Econômica do Crime. E em relação a essa dicotomia entre mercados implícitos e
explícitos, Posner dá um exemplo marcante: a dicotomia entre crimes aquisitivos
(como roubo e furto) e crimes passionais é superestimada, uma vez que, segundo
sustenta o autor (1985, p. 1.197), os primeiros se evadem de mercados explícitos,
ao passo que os demais se evadem de mercados implícitos.
176
111
Apenas a título de adendo, vale acrescentar que a acepção de crime adotada
por Posner é alvo de algumas críticas. Harcourt (2011, p. 207-208), por exemplo,
observa que a intervenção de Becker em 1968 foi atraente para muitos leitores
por conta de suas premissas igualitárias – em contraste, especialmente, com os
excessos terapêuticos das políticas penais de bem-estar e da estridente militância
dos conservadores de law-and-order. De acordo com a visão econômica, todos
os agentes são potenciais criminosos; trata-se apenas de uma questão de preço.
Mas o autor ressalta que, quando essa concepção econômica foi canalizada no
molde do livre mercado por Posner, e, assim, o crime se tornou uma fuga do
mercado, a lógica subjacente justificou, para os políticos, o abarrotamento de
prisões. A racionalidade da penalidade neoliberal legitimou completamente uma
severa intervenção governamental em questões punitivas. Harcourt conclui com
ao afirmar que dessa forma, ao dominar a imaginação pública, a ilusão dos livres
mercados tornou possível o crescimento do Leviatã penal.
178
112
Trata-se de conceito semelhante às externalidades negativas. Segundo o
Novíssimo Dicionário de Economia, deseconomia externa “acontece quando a
instalação de certas atividades traz aumentos de custos para as empresas ou
afugenta clientes ou, ainda, desestimula a demanda de certos produtos”
(SANDRONI, 1999, p. 193).
182
113
Os autores (BECKER; GROSSMAN, MURPHY, 2006, p. 39) ainda elucidam
que a utilização das drogas como exemplo se deve ao fato de que todo presidente
dos Estados Unidos da América desde Richard Nixon lutou uma “guerra” contra
a produção de drogas, com a utilização da polícia, do Federal Bureau of
Investigation (FBI), a Agência Central de Inteligência (CIA), os militares, a
agência federal (a “Drug Enforcement Administration”) e até mesmo as forças
policiais e militares de outros países. Em verdade, diante da ineficácia da guerra
às drogas, os autores cogitam inclusive a possibilidade de essa guerra estar sendo
travada com base no interesse de grupos poderosos mais do que com fundamento
no bem-estar social (BECKER; MURPHY; GROSSMAN, 2006, p. 48).
186
facie, promove a eficiência mais do que a reduz, mas ressalva que tal
transação pode promover efeitos significativos em terceiros, os quais,
quando levados em conta, fazem com que a transação em questão não seja
maximizadora de valores. De qualquer forma, Posner argumenta que, se
os recursos utilizados na guerra às drogas fossem realocados para projetos
sociais – como a redução de crimes violentos –, provavelmente haveria
ganho social líquido.
Em suma, arremata Harcourt (2011, p. 232), a legalização das
drogas é, certamente, parte do corpo de crenças da Escola de Chicago, em
razão da crença de que transações de drogas ilícitas são eficientes porque
consistem em trocas voluntárias e compensadas que devem ser analisadas
em termos mercadológicos.
De qualquer forma, muito embora o ensaio diga respeito à
criminalização das drogas, não é exatamente esse o aspecto mais
interessante do trabalho em análise – pelo menos sob a perspectiva do
presente trabalho.
O que de mais relevante se extrai do artigo escrito em coautoria
por Becker – mediante, por assim dizer, o método indutivo – diz respeito
ao cálculo de eficiência elaborado, o qual busca aferir qual política
maximiza o bem-estar social: a criminalização das drogas ou a sua
legalização, com a imposição de tributos; trata-se, portanto, de uma teoria
potencialmente mais geral acerca dos critérios de criminalização de uma
conduta. Como Becker (BECKER; EWALD; HARCOURT, 2013, p. 16)
observa, o artigo simplesmente fez uma análise de custo-benefício quanto
à criminalização das drogas. Com efeito, a avaliação realizada pelos
autores centra-se, essencialmente, na (in)eficiência da criminalização das
drogas. Assim, a análise empreendida por Becker e seus colegas parte de
questão pontual especialmente relevante para a Teoria Econômica do
Crime – relativa às drogas – e a articula com elementos centrais daquela
teoria, tais como o enforcement, a assunção quanto à racionalidade dos
agentes e a eficiência econômica, equiparada à maximização do bem-estar
social.
Verifica-se, assim, que o artigo “The market of illegal goods: the
case of drugs” e o método de análise nele adotado são fundamentais para
efeitos deste trabalho, na medida em que corrobora a sugestão de Harcourt
segundo a qual a Teoria Econômica do Crime conceberia os crimes como
condutas cuja sanção pela via criminal é eficiente.
Com efeito, o raciocínio elaborado no artigo em questão, embora
fundado em uma base econômica e matemática bastante complexa e
robusta, é simples: a comercialização de drogas não deve ser
criminalizada, uma vez que os gastos com o enforcement são superiores
191
114
Cooter e Ulen referem-se ao estudo “The deterrent effect of capital
punishment: a question of life and death” (“O efeito dissuasório da pena capital:
uma questão de vida e morte”, em tradução livre), publicado por Ehrlich em 1975.
193
crença de que a maior parte das pessoas tem um poderoso medo da morte.
É o reconhecimento explícito, portanto, de que o pensamento de Becker
acerca da pena de morte funda-se não somente em considerações
econômicas, como também – principalmente – em juízos morais.
A propósito, na segunda parte do texto, Becker (2009, p. 256)
afirma que o ponto fulcral de sua argumentação não consistia em provar
que a pena capital dissuade homicidas, mas em argumentar contra a visão
segundo a qual é “imoral” que o Estado tire vidas mediante a imposição
daquela sanção mesmo diante de evidências de que são consideráveis os
efeitos dissuasórios diante dos homicidas.
Mais adiante, Becker afirma que o argumento quanto à
superioridade moral da vida da vítima em relação à vida do homicida
torna-se menos claro quando o número de vidas salvas diminui, por
exemplo, de duas para uma pessoa salva por execução. Diz o economista
quanto a esse cenário:
Nesse caso, eu comparei as qualidades da vida
salva e da vida ceifada, para o desânimo de alguns
leitores […]. Eu não vejo como evitar uma tal
comparação. Consideremos uma pessoa com uma
longa carreira criminosa, inclusive responsável por
assassinatos, com uma vida que teve uma vida
decente e deixou vários filhos e esposa.
Suponhamos que fosse possível salvar a vida da
vítima inocente mediante a execução do criminoso.
Para mim, é óbvio que salvar a vida da vítima deve
contar mais que tirar a vida do criminoso.
Evidentemente, nem todos os casos são tão claros,
mas eu estou apenas tentando estabelecer o
princípio de que a comparação das qualidades das
vidas individuais deve ser parte de qualquer
política social razoável (BECKER; POSNER,
2009, p. 257).
De qualquer forma, com fundamento no princípio de que a
severidade das punições deve equivaler-se à severidade dos crimes,
Becker afirma que a pena de morte somente pode ser utilizada para
homicídios, sob pena de incentivar os agentes que cometeriam delitos
menos graves a assassinar suas vítimas.
Em análise do escrito de Becker, Ewald (BECKER; EWALD,
HARCOURT, 2013, p. 5) observa que, para o economista norte-
americano, a pena de morte é válida porque os indivíduos devem ser
195
115
Vale recordar que, a despeito desse caráter normativo que a Teoria Econômica
do Crime de Becker assume, não há um juízo normativo acerca do conceito de
crimes; não se avalia, portanto, quais condutas deveriam ser criminalizadas. E,
como se tem salientado, é exatamente sobre essa lacuna que se debruça o presente
trabalho.
197
116
Hegel (2001, p. 91-92), por sua vez, observa que Beccaria negou ao Estado o
direito de executar a pena de morte, sob o fundamento de que não se pode supor
que o contrato contenha o consentimento do indivíduo com a própria morte. O
filósofo alemão ainda observa que os esforços de Beccaria para abolir a pena
capital tiveram bons resultados. Muito embora nem José II [então Imperador
Romano-Germânico e Arquiduque da Áustria], tampouco os franceses tenham
alcançado a completa abolição da pena de morte, começou-se a perder de vista
quais crimes efetivamente merecem tal sanção. A pena capital, assim, tornou-se
menos frequente, como de fato deveria ser o caso com a pena extrema.
200
toma a decisão de agir de certa forma, ele não leva em conta os custos e
os benefícios que a sua conduta impõe para outros. Assim, quando o
comportamento produz dano a outros e os danos esperados para outros
são maiores que os benefícios esperados para o agente, o comportamento
é antissocial e – desde que os custos de prevenção não sejam muito altos
– deve ser regulado pelo Direito. Por isso, o comportamento antissocial é
compreendido pelos economistas como aquele cujos custos são
superiores que seus benefícios. Nesses casos, o agente inflige
externalidades negativas que são maiores que os benefícios resultantes do
comportamento. A regulação legal é concebida, nesse contexto, com o
fim de dissuadir o comportamento antissocial.
O comportamento antissocial é assim definido, portanto, em
relação aos custos sociais produzidos, os quais se dividem em duas
espécies: o dano do crime e os recursos investidos em sua prevenção. A
quantidade ótima de crime – representada pela dissuasão eficiente –
equilibra tais custos, de modo a diminui-los ao menor patamar possível.
Com isso em mente, Cooter e Ulen (2012, p. 469) propõem que o Direito
Penal deve minimizar o custo social do crime, o qual equivale à soma de
seus danos com os custos de sua prevenção.
Essa acepção é semelhante àquela que se encontra na obra de
Becker, em que é clara a adoção da maximização do bem-estar social
como norte a ser seguido pelo Direito Penal.
De qualquer forma, ainda que sejam tímidas as manifestações de
Becker quanto a um possível conceito normativo de crime, é
perfeitamente viável extrair de sua obra considerações que levam em
conta o custo das condutas a serem analisadas. Ao versar acerca da
diferença entre crimes e outras atividades danosas – isto é, condutas que,
conquanto sejam socialmente custosas, não são criminalizadas –, Becker
(1974, p. 37) observa que um crime não é aparentemente tão diferente,
em uma visão analítica, de qualquer outra atividade que produza dano
externo; e complementa: quando crimes são puníveis por intermédio de
multas, as diferenças analíticas virtualmente desaparecem.
A propósito, como explicam Cooter e Ulen (2012, p. 460), a
tradicional teoria do Direito Penal aponta razões para as características de
um crime e distingue acusações criminais de disputas cíveis117, mas não
117
Cooter e Ulen (2012, p. 461-462) distinguem os ilícitos civis dos delitos penais
com a afirmação de que os processos cíveis não internalizam os custos dos
crimes. Complementam, ainda, com a assertiva segundo a qual o Direito Penal
entra em cena em situações nas quais a compensação é imperfeita por excelência,
de modo que o Direito Penal é necessário a fim de complementar o tort law. No
202
118
Diante desse fenômeno identificado por Foucault (2008, p. 334-338) como
generalização da forma econômica, o pensador francês afirma que disso decorrem
duas consequências principais: “essa generalização de certo modo absoluta, essa
generalização ilimitada da forma do mercado acarreta certo número de
consequências ou comporta certo número de aspectos: primeiro, a generalização
da forma econômica do mercado no neoliberalismo norte-americano, além das
206
119
Dias (2006, p. 175-176) especifica as razões pelas quais a punição deve ser
afastada, em alguns casos: “a) quando a aplicação da pena é infundada
(groundless): a1) não há mal a ser evitado e a2) o ato não causa mal ao todo. b)
quando a punição é ineficaz (inefficacious), em outras palavras, quando nenhuma
punição pode evitar o mal a ser causado. c) quando a aplicação da pena não é
proveitosa (unprofitable), ou muito custosa, ou seja, quando mal causado pela
punição seria maior do que o mal que se poderia prevenir, em termos financeiros.
d) quando a punição é desnecessária (needless): nos casos em que o mal pode ser
impedido ou cessar por si só, sem a punição, o que é o mesmo que dizer cessar a
uma taxa mais barata”.
209
CONCLUSÃO
dos delitos e das penas. De certa forma, o objetivo deste Segundo Capítulo
consistiu em preparar o terreno para que, no Capítulo seguinte, fosse
realizada a investigação que constitui o cerne do presente trabalho.
É esse, pois, o intento do Terceiro Capítulo: investigar a
possibilidade de extrair da obra de Becker um conceito normativo de
crime. Tal investigação teve início com a exposição acerca dos conceitos
de crime que podem ser localizados nas abordagens de Becker e de
Posner: o conceito positivo de crime na obra daquele economista –
segundo o qual é criminosa aquela conduta à qual a lei comina sanção
penal – e a acepção de Posner intimamente vinculada à eficiência dos
mercados, sejam eles explícitos ou implícitos. Mais adiante, retomou-se
a análise crítica empreendida por Foucault e por aqueles intelectuais que
se filiam ao pensador francês, de modo a evidenciar a lacuna na obra de
Becker quanto a um conceito normativo de delito. Dessa análise se
extraiu, ademais, o possível conceito normativo de crime que se poderia
identificar na Teoria Econômica de Crime: Harcourt, por exemplo,
sugeriu que seriam criminosas todas aquelas condutas cuja sanção pela
via penal promovesse a eficiência econômica, isto é, a maximização do
bem-estar social. Trata-se de uma acepção ancorada sobretudo na
expansão da análise econômica a virtualmente todas as condutas. A fim
de verificar a compatibilidade dessa hipótese com o restante do
pensamento de Becker acerca dos crimes e das penas, analisaram-se
outros dois escritos em que o economista norte-americano discorreu
acerca dos crimes e das penas: um deles acerca da legalização das drogas,
o outro atinente à pena de morte. No primeiro desses escritos, constatou-
se a elaboração de um raciocínio tipicamente afeto à maximização do
bem-estar social: assim, a resposta quanto à legalização, ou não, das
drogas, passa pela avaliação dos custos sociais aí envolvidos, sejam eles
relativos aos custos dos crimes, sejam eles concernentes aos custos do
enforcement. Já no estudo quanto à pena capital, averiguou-se um deslize
teórico de Becker, que abandonou quase que completamente a sua
abordagem econômica em favor de um raciocínio moral; ainda assim,
identificaram-se traços do raciocínio que permeia toda a obra daquele
economista de Chicago. Verificou-se, então, que é, sim, possível extrair
um conceito normativo de crime da obra de Becker e, mais, que tal
acepção não somente é coerente com a obra de tal economista, como
também com aquelas dos founding fathers da Teoria Econômica do Crime
– Beccaria e Bentham.
Diante disso, julga-se verificada a hipótese inicialmente lançada,
uma vez que efetivamente se verificou a possibilidade de extrair um
214
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