Sebenta IED David Duarte - Resumos Aulas (Falta Parte Final Da Matéria)
Sebenta IED David Duarte - Resumos Aulas (Falta Parte Final Da Matéria)
Sebenta IED David Duarte - Resumos Aulas (Falta Parte Final Da Matéria)
Índice
1. O direito como artefacto relativo à regulação da ação humana ....................... 4
1.1. O ser e o dever ser: o direito como estado ideal de coisas e a Guilhotina de
Hume….………………………………………………………………………………………5
ARV
2
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
3
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
4
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Perspetiva interna: Diz respeito à nossa conduta. E.g.: eu por saber que é proibido
matar tenho uma razão para não matar;
Perspetiva externa: é uma descrição do Direito. E.g.: no direito português é proibido
matar.
David Hume celebrizou a frase “No ought from an is” (i.e. Nenhum dever ser advém
de um ser). É isso a que se chama a Guilhotina de Hume, é errado retirar um “ought” de
um “is”, um dever ser, de um ser. Quem, igualmente, utilizar argumentos empíricos com
consequências normativas, também está a fazer uma falácia naturalista. A norma que
incumpra a Guilhotina de Hume traduz-se numa falácia naturalista.
É um axioma de qualquer sistema normativo, é uma verdade que está na base do
funcionamento de um sistema. Da Guilhotina de Hume decorrem os seguintes
corolários:
• As condutas ou ações no plano do Ser, não têm capacidade modificativa
ou transformativa do Direito;
• Só as normas do Direito é que têm efeito noutras normas. Só o Direito é
que altera o Direito (só plano de dever ser; circuito fechado). e.g.: a legítima
defesa só existe, porque existe uma norma que diz que, às vezes, matar
não é proibido. O que modifica o resultado do direito não é o ser
(realidade), mas outra norma no dever ser;
• Argumentos de caráter empírico não têm relevância normativa. Só as
normas afetam as normas, não podemos utilizar argumentos empíricos
ARV
5
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
para retirar consequências normativas. E.g.: Este ano não vou pagar
impostos porque está frio, e dou essa justificação às finanças, que vão
responder que o frio é um argumento empírico que não justifica o
incumprimento do Direito;
• Os juízos de valor não podem afetar o Direito. E.g.: Este ano não pago
impostos porque são injustos. Juízo de valor moral sobre o Imposto. Se os
argumentos morais não tiverem forma de impactar o sistema (outra norma)
são empíricos;
ARV
6
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
➔ Sanção - punição
ARV
7
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
direito depende duma determinada vontade das autoridades normativas (E.g. Direito
português é o que é, porque as autoridades normativas portuguesas assim o quiseram).
Polissemia da palavra direito - A palavra direito poder ser usada em vários sentidos
diferentes:
• Como posição jurídica (E.g. "Tenho direito a que me devolvas o livro que te
emprestei");
• Enquanto ordenamento jurídico (numa equiparação à da posição jurídica);
• Descrição da lei, ou de norma jurídica (E.g. "O direito que agora vigora em
matéria de caça aos pombos, já não permite fazer isso");
• Equivalente a justiça (E.g. "Não há direito de terem feito isso");
• Como solução do caso (E.g. "O tribunal determina que o direito é A pagar 50€
ao B").
ARV
8
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
São três os autores principais a discorrer sobre este tópico e a procurar dar respostas
ao problema:
Constituição
Assembleia da república
Há um ponto em que temos de justificar esta cadeia. É assim que Kelsen fala na
norma fundamental (Groundnorm) que está no topo da cadeia hierárquica, um
pressuposto hipotético, ela não existe. É esta norma que dá identidade e pertença a
todo o ordenamento jurídico. Esta norma é prescritiva e daí se deriva tudo o resto. O
professor discorda porque:
• É pouco explicativa da realidade, difícil de explicar o que deriva numa fraca
capacidade justificativa do ordenamento jurídico, e;
• Problema da primeira causa, o que nasceu primeiro (E.g. "se tudo provém
de Deus, de onde provém Deus?").
Herber Hart – No seu livro “The Concept of Law” dá uma resposta genericamente
aceite: a norma de reconhecimento que delimita os Direitos. A norma de
reconhecimento é uma regra de conduta, que tem por conteúdo a prática reiterada dos
órgãos oficiais de aplicação do direito (administrativos, jurisdicionais). Faz parte do
direito, todo o direito que provenha dos modos de produção normativa que esses
officials reconhecem como tal, pela sua prática reiterada. Esta norma de
reconhecimento vai beber também ao Direito Inglês e à sua matriz consuetudinária. A
ARV
9
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
10
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Doutrina Julia Roberts: os Tribunais também cometem erros, o Direito ser diferente
daquele que os tribunais aplicam. Se um Tribunal português aplica uma pena prevista
noutro ordenamento, cometem um erro de não seguir a norma de conduta originária. O
Direito não é aquilo que os Tribunais dizem que é, mas sim o que a norma de conduta
originária define que cabe a todos os agentes.
O sistema um não pode sair do ordenamento, se houver revogação das normas do
sistema originário, o sistema desaparece. É o que acontece numa revolução, as normas
são substituídas por outras. E.g.: 25 de Abril, comunidade de agentes atribuiu a um
parlamento a competência para criar uma nova CRP. Era um novo sistema originário
constituído por duas normas consuetudinárias, e uma de dedutibilidade.
ARV
11
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
12
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
1.4.4. A Efetividade
Efetividade: Não confundir com eficácia. Efetividade utiliza-se para perceber que
não são a mesma coisa.
• Eficácia: a norma está a produzir efeitos jurídicos. E.g.: aprovada,
publicada, entra em vigor e a produzir efeitos – início da vigência.
A efetividade é um estado de coisas, relativo ao ser, em que as normas de um
sistema se aplicam reiteradamente. É importante a contrario sensu, porque o seu
contrário é a Inefetividade. Apesar de preenchidas as condições, não são aplicadas,
nem as autoridades normativas aplicam as sanções. Convicção de norma que não é
para aplicar.
A Inefetividade parece ser uma exceção à Guilhotina de Hume, estamos a retirar
consequências normativas de uma realidade empírica. Um ser a alterar um dever ser –
falácia naturalista.
O professor discorda nesta matéria, seja uma norma, seja um ordenamento
inefetivos.
Ao nível da norma isolada (não é o nosso enfoque de estudo), é uma situação em
que há um incumprimento tão massivo da norma. Um conjunto múltiplo de
oportunidades de sancionar que não são aplicadas, e o nascimento de uma consciência
de dever ser de não cumprimento. Dá-se uma revogação da norma, para uma de sentido
contrário, uma nova norma de raiz consuetudinária.
Quanto à efetividade do ordenamento jurídico, o ordenamento jurídico é efetivo na
medida em que as normas do sistema um se mantenham em todos os sistemas
sucessivos. Quando há uma revogação do sistema um, torna-se o ordenamento jurídico
inefetivo.
Temos novas normas jurídicas a substituir outras normas. Como o sistema um é a
base, só deixa de vigorar quando dá lugar a outras normas originárias. E aí, temos um
novo sistema jurídico.
ARV
13
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
1.5.1. A Moral
Independente do Direito, existe uma ordem normativa de caráter moral (e.g.: “Deves
cumprir as tuas promessas”). O problema prende-se em saber como articular o
ordenamento jurídico com a ordem moral.
Ordem Moral - Trata-se de um conjunto de normas relativos ao bem, goodness, que
impõem uma conduta de correção da ação humana, para a realização de uma forma de
bem. Na opinião de David Duarte esta é sobrevalorizada, não tem o relevo que lhe é
dado pelos estudiosos de direito, atendendo ao totalitarismo normativo que os
ordenamentos jurídicos têm atualmente.
Um dos critérios utilizados para distinguir a moral é o de que esta tem a ver com
as componentes interiores de motivação das nossas condutas, enquanto que o direito
tem a ver com as componentes exteriorizadas. Segundo David Duarte esta leitura é
equívoca, por assentar num pressuposto falso, na medida da moral incidir apenas sobre
a motivação (interior), enquanto que o direito se cinge ao exterior, uma vez que o
comportamento exterior também é relevante moralmente (e.g.: Prometer a alguém ir ao
cinema, e não comparecer no dia e hora marcados. i.e.: Violo a norma moral de cumprir
as minhas promessas, mas poderei ter uma obrigação moral superior que me impediu
de cumprir a primeira). De outro modo, o direito também regula ações mentais, mental
actions (interiores), este estabelece muitas formas de conduta não exteriorizáveis, ou
independentes da exteriorização que vierem a ter (e.g: Normas sobre operações a
realizar no direito: interpretar enunciados normativos, fazer ponderações, qualificar
certas normas como revogáveis, etc.)
Tendo isto em conta, e atendendo às características do sistema um, o que separa o
ordenamento jurídico do ordenamento moral é o facto das respetivas normas, dos
respetivos sistemas originários, serem diferentes.
No ordenamento moral, as normas do sistema um são distintas. A norma de
competência é atribuída à própria comunidade, a moral é consuetudinária. E a norma
de conduta é uma norma seletiva, que diz: são apenas normas morais, as normas que
incorporem uma determinada forma de bem.
Estes dois ordenamentos são distintos. No ordenamento jurídico há autoridades
normativas (legislador, vários órgãos produtores de competências e normas), e órgãos
de competência (tribunais), cuja competência é aplicar o direito aos casos concretos,
definindo qual o direito aplicável e, eventualmente, as sanções que daí advêm. Por outro
lado, “Não há legisladores, nem tribunais morais”.
Outra diferença tem a ver com a própria identificação dos ordenamentos. Enquanto
é fácil entender o ordenamento jurídico português (Direito Português), porque há factos
sociais constitutivos do modo de produção normativa visíveis, o mesmo não acontece
ARV
14
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
num ordenamento moral, onde esta produção tangível não se verifica. Mais difícil, ainda,
seria identificar normas neste ordenamento, pois estariam dependentes da moralidade
de cada indivíduo numa sociedade.
Derivado à conclusão da ideia, segundo a qual, estes dois ordenamentos têm
critérios de inclusão no conjunto distintos (diferentes normas no sistema um), obriga à
consideração de uma separação necessária entre estes – tese positivista
(positivismo excludente/radical).
Esta tese do positivismo excludente, defendida pelo Professor David Duarte,
afirma que a ordem moral e normativa são dois conjuntos de normas distintos e
separados, não implica que não se verifique a sua intercessão ou consunção, ou seja,
nada invalida que as autoridades normativas jurídicas possam introduzir normas no
sistema jurídico iguais às normas existentes no sistema moral (e.g: Direito português
dizer que é proibido matar). Esta igualdade é mera coincidência, elas não entram no
sistema como normais morais, mas sim como normas jurídicas que satisfazem os
critérios da norma de conduta do sistema um do direito.
Esta separação necessária não invalida que o direito possa remeter para normas
morais, em que o próprio direito diz que a solução jurídica de um caso deve ser
determinada ao abrigo das normais morais aplicáveis. Isto é um fenómeno de remissão
e recessão, da mesma forma que o direito português pode remeter para o Direito
Espanhol, nada impede a um conjunto que contém umas normas, remeter para outro
conjunto com outras normas.
Em coerência com esta linha, não podemos afirmar que as normas morais sejam um
critério de validade do direito. Apenas concluir que não há limitações morais à inclusão
de normas no direito.
ARV
15
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
16
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
1.5.2. A Coerção
A coerção é a aplicação de sanções. Estas sanções resultam do facto de os
ordenamentos jurídicos serem estaduais, aos quais está associado o aparelho de força,
que prevê a aplicação, pela força, das sanções previstas pelo direito. Os Ordenamentos
Jurídicos contêm normas que regulam a ação e outras que, regulando a ação, aplicam
sanções (i.e.: Norma proibido matar. E existe outra norma que diz que caso a norma
substantiva tiver sido violada, ao agente cabe uma determinada penalidade).
Cabe então distinguir estas normas. Fazemo-lo em:
• Normas primárias - regulam o comportamento;
• Normas secundárias - contêm a sanção. Estas últimas não deixam de ser
de conduta, mas em vez de regularem a conduta dos agentes da ação,
regulam a conduta dos órgãos competentes para impor a sanção (i.e.:
uma norma não pode ter dois significados diferentes. Assim, quando
temos uma norma que a previsão regula a conduta e a estatuição é uma
sanção, estamos perante uma norma secundária).
Muitas vezes, a mesma conduta pode ter sanções das duas categorias (e.g.: Autor
de um ato ilegal, que confere licença ilegal, podemos ver consequências dirigidas a esse
ato ilegal, e consequências dirigidas ao autor desse ato – estas últimas sendo sanções
em sentido estrito).
Para Miguel Nogueira de Brito, todas as sanções são deônticas e dividem-se em:
➔ Meramente jurídica – desvalor da ação;
➔ Jurídico-materiais – sobre o autor.
Já Miguel Teixeira de Sousa não faz qualquer distinção (vide pag. 98 do Manual)
ARV
17
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
➔ À matéria:
• Civil – relacionadas com o estado das coisas;
• Disciplinar - relacionadas com o vínculo laboral do agente;
• Financeira – relacionadas com a interferência no património;
• Criminal – Essencialmente punitiva;
• Administrativa – relacionada com as relações entre o sujeito e o Estado;
• Contraordenacional.
➔ Ao fim:
• Compulsória
• Preventiva
• Reconstitutiva
• Compensatória
• Punitiva
ARV
18
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Há mais funções associadas ao direito, mas serão estas possíveis de ser associadas
universalmente, ou serão associadas a um Direito com um certo conteúdo? (e.g.:
Proteção de valores materiais, proteção da propriedade. Ou proteção das tutelas
individuais). Mas estas funções são contingentes, basta criar ordenamentos jurídicos
onde estas funções não se realizem.
ARV
19
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
20
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
2. A Ciência Jurídica
2.1. A ciência jurídica: o direito como objeto de conhecimento
ARV
21
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
• Ciências Formais;
• Ciências Naturais;
• Ciências Sociais - Têm por objeto o comportamento humano na sua interação
na sociedade – Economia e Sociologia;
• Ciências Normativas – É o ramo onde se inclui a ciência jurídica. Outros
exemplos: Ética e linguística.
A Ciência Jurídica é uma ciência normativa, visto que nada tem a ver com o
comportamento do homem na sociedade, mas essencialmente tem a ver com a questão
do dever ser.
ARV
22
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
A Ciência Jurídica encontra-se numa zona em que já se pode considerar uma ciência
softcore com capacidade de progressão.
Verdade: Não há ciência sem verdade, é uma condição necessária. Existe a verdade
sintética, tem a ver com a relação entre uma proposição e o mundo (E.g.: Os corpos
dilatam com o calor. É uma proposição verdadeira se, efetivamente, os corpos dilatarem
com o calor); e a verdade analítica, que resulta do encadeamento das proposições (E.g.:
Se A igual a B e B igual a C. Então A é igual a C);
Predição: Condição de cientificidade ligada às ciências naturais. Raramente se
manifesta, sem ser nas ciências exatas. É a capacidade que as condições da ciência
têm de antecipar conhecimentos futuros;
Cientificação: O conhecimento científico deve ser simples. Isto implica dois aspetos,
primeiramente, que o conhecimento científico é dirigido à redução da complexidade
ARV
23
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
(simplificação), e o segundo aspeto tem a ver com o discurso da ciência, que deve ser
simples, claro, preciso e rigoroso;
Crescimento Cognitivo: Conhecimento que é capaz de progredir, no sentido que se
aproxima cada vez mias da verdade. Logo, certas teorias podem ser substituídas por
outras, se se comprovar que essas mesmas teorias estão mais próximas da verdade;
Demonstrabilidade ou Falsificabilidade: Verifica-se nas ciências normativas.
Suscetibilidade da proposição da ciência ser comprovada, logo, tem de haver prova e
refutação daquilo que está a ser estudado;
Universalidade (Importante): A ciência jurídica estabelece os seus próprios
universos de validade. A universalidade restringe-se àquilo que é o seu domínio de
validade. Embora, nas invariantes do direito, essa validade já é universal;
Objetividade (Importante): É a condição que determina que o exercício da ciência
deve realizar-se através de processos e métodos que sejam objetivos, ou seja, que não
contenham qualquer tipo de preferência, que não usem preconceitos e que sejam o mais
adequados possível aos objetivos de ciência que visa. É também a intersubjetividade,
ou seja, é aquilo que se atinge quando o resultado pode ser atingido em qualquer
circunstância de tempo e lugar. É uma área de conhecimento muito sensível à
subjetividade. Logo, a ciência jurídica tanto quanto mais objetiva seja;
Explicação: A ciência tem de ser explicativa, logo, só existe ciência se ela for capaz
de ser explicada.
ARV
24
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
A Ciência Jurídica encontra-se numa zona em que já se pode considerar uma ciência
softcore, com capacidade de progressão. Na escala gradativa das ciências, “the more
softcore a science is, the greater has to be the normativity of its epistemological
approach”. O contrário se verifica nas ciências, ditas, exatas.
ARV
25
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
26
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
27
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Esta proposição, segundo a qual se diz em que condições, certa conduta é proibida
e permitida ao mesmo tempo, é uma proposição complexa. As proposições complexas
são um agregado de proposições simples – que são aquelas que não são
decomponíveis, ou que realizam uma função de descrição marcadamente autónoma.
ARV
28
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
29
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Quando o direito gera incerteza, a ciência jurídica pode continuar a criar proposições
meramente descritivas, ao escrever todas as alternativas presentes, sem realizar
nenhuma escolha. E.g. sobre a norma que diz que No direito português os adultos
podem votar: no direito português é permitido votar, garantidamente se for uma pessoa
acima dos 30 anos; não é permitido se for uma pessoa abaixo dos 12 ou 13 anos; e no
meio “logo se vê”.
Estas proposições desenham o quadro das opções alternativas, descrevendo os
cenários de certeza e os cenários de incerteza. Quando há incertezas, há sempre
alternativas. Mas, a mera descrição de alternativas dos cenários de incerteza, são
insuficientes, pois abdica-se de analisar parte significativa do direito, ao demitir-se de
abordar e analisar estas situações.
Aqui entra a ideia de proposições hipotéticas, em que a ciência jurídica,
reconhecendo o cenário de incerteza, coloca as hipóteses, mas avança com a ideia,
segundo a qual, uma hipótese é mais explicativa do que a outra. E.g. pergunta: Pode
uma pessoa de 18 anos votar no direito português, no caso de o direito português conter
um enunciado a dizer que apenas os adultos podem votar? Gera-se a questão sobre se
pessoa de 18 anos é adulta. Resolução: há que emitir uma proposição descritiva a dizer
que há uma permissão de votar para a pessoa adulta, uma proibição de votar para não
adultos e que, para o estatuto deôntico da ação para uma pessoa de 18 anos, há uma
hipótese de ser permitido, sendo esta pessoa adulta, por dadas razões, e a hipótese
contrária de não ser adulto tem outras razões, mais fracas.
No fundo, apresenta-se um conjunto de razões explicativas para a que aparenta ser
a melhor hipótese explicativa.
ARV
30
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
É necessário distinguir entre hard cases e easy cases, casos difíceis e casos fáceis.
A distinção dá-se, quando, num caso sobre o estatuto deôntico da ação, que requeira
uma resposta completa/complexa, onde se compreenda várias proposições simples,
basta que uma dessas seja uma proposição hipotética, uma proposição que requer que
se façam escolhas, para se considerar um caso difícil.
A relevância disto está no facto das proposições hipotéticas não poderem ter um
valor de verdade em correspondência, não podem ser predicadas de verdade, ou
verdadeiras, nos mesmos termos das proposições meramente descritivas, em que se
pode estabelecer existência ou inexistência de uma correspondência com a verdade.
Mas pode existir a verdade pragmática, a que é aceite por verdade por parte da
comunidade científica.
ARV
31
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
3. As normas do direito
3.1. Os enunciados de norma e as normas
ARV
32
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Estes casos de falta de correspondência são alertas para perceber que não podemos
olhar para um enunciado e dizer que aquilo é a norma. Não se interpretam normas, mas
sim enunciados. O enunciado pode esconder diversas normas.
Nem todos os enunciados são escritos, há outras formas de enunciados que o Direito
compreende, contudo, é só o enunciado na língua natural, e na sua formulação escrita,
que nos importa. Assim temos:
• Enunciados orais (e.g.: ordem de dispersão da polícia);
• Normas através de gestos (e.g.: ordem de agente regulador de trânsito);
• Enunciados formulados através de símbolos pictóricos ou cores (e.g.:
sinalização semafórica, sinais de trânsito);
• Enunciados sonoros (e.g.: estações de comboios
ARV
33
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
34
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Joseph Raz tem um livro onde define que a individuação normativa é uma convenção
científica, em que deve ser partilhado um conceito de norma ou de norma completa. A
norma é apenas o conjunto das condições necessárias para regular uma conduta.
Determinar a norma passa por saber o que é preciso para uma norma regular a conduta,
as suas condições necessárias:
• Ação / consequência Elemento
Quer isto dizer que, temos três elementos materiais e um subjetivo. É daqui que surge
a ideia de estrutura da norma jurídica.
Uma componente material:
• Consequência;
• Operador deôntico;
• Previsão ou antecedente.
Uma componente subjetiva:
• Sujeitos destinatários.
Com estes elementos, temos o conceito de individuação normativa, minimalista, mas
extremamente operativo, daqui resulta o que é uma norma.
Uma norma é um conjunto de elementos estruturais, em que se estabelecem
condições, relativas a ações, que são deonticamente modalizadas e que têm
destinatários.
Exemplo: se chover é obrigatório distribuir guarda-chuvas gratuitamente
A consequência compreende sempre uma ação. Que pode variar, como ações
básicas ou específicas, como fumar, dormir, matar. Ou inespecíficas, como ser boa
pessoa. Muitas vezes, há normas em que não parece sequer haver ação na
consequência. Nas normas ought to be, também está regulada a ação. O que está em
causa é que haja sempre uma identificação da ação, mais ou menos específica.
ARV
35
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
36
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
A relação de contrariedade diz-nos que não podem ser ambos verdadeiros, mas
podem ser ambos falsos.
A relação de subcontrariedade diz-nos que não podem ser ambos falsos, mas podem
ser ambos verdadeiros.
A permissão (positiva) e na não obrigatoriedade (permissão negativa), temos
um problema porque não há outra correspondência na língua natural.
A permissão unilateral é uma modalidade deôntica incompleta. Para ser completa
tem de se casar com outra. Nasce a permissão bilateral, a conjugação das permissões
unilaterais. Podemos escolher entre a ação positiva e a ação negativa (e.g.: é permitido
fumar. Podemos optar por fumar ou não fumar).
Do ponto de vista deôntico temos 4 modalidades, mas do ponto de vista pragmático
temos só 3. Passamos assim a um triângulo com uma permissão bilateral.
Permissões fracas são aquelas que não há nada a regular, não há norma a regular
a conduta, mas que temos noção do que é permitido.
Permissões fortes são as que estão explícitas nalgum sistema jurídico. Cumprem a
função de impedir o exercício de autoridades subordinadas. I.E.: Se as autoridades
subordinadas estabelecerem proibições, nunca podem ir contra a permissão forte, mas
quanto a uma permissão fraca já não há nada a fazer (E.g.: O líder de uma tribo
estabelece que é permitido caçar à terça e à quinta, nada diz quanto aos outros dias.
Contudo, na existência de um sublíder, se ele quiser regular a caça, nunca a vai poder
proibir à terça e à quinta, porque existia uma permissão emanada de um órgão superior.
Contudo, nos restantes dias, poderá fazê-lo, pois vigora uma permissão fraca).
Todas as normas, de uma maneira ou outra, num momento do meio, vão ter
sempre uma proibição, uma imposição ou uma permissão.
3.2.1.3. O antecedente
ARV
37
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
Quando ligo a televisão não se aplica, não é preciso ser justo ou não. Só tenho de ser
justo quando a situação necessita que se coloque, mas há várias em que não se coloca).
Há ações que são valorativamente neutras, em que não importa ser justo ou não ser.
Temos direito à liberdade de expressão, mas isso não se aplica em todas as situações,
só naquelas em que é necessário ter liberdade de expressão. Von Wright demonstrou
que, mesmo que o antecedente não esteja escrito, está lá sempre uma condição de
oportunidade de realização da ação. Só se aplica quando há oportunidade de realizar a
ação.
Todas as normas são condicionais, quer esteja, ou não esteja, escrita uma condição
no enunciado normativo, porque, pelo menos, está sempre sujeita uma condição de
oportunidade de realização da ação (e.g.: fecha a porta! Se a porta estiver fechada, não
se verifica o estado de coisas para acionar o dever ser e a consequência).
ARV
38
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
outros. Mas, na opinião do professor, não são algumas, mas são todas as normas que
implicam correlatividade. Urge assim que o universo de destinatários das normas não é
só um, mas sim dois. Um direta e um indiretamente implicado. O Estado é o destinatário
com dever de prestar cuidados, mas as pessoas que precisam dos cuidados também
estão implicadas como quem tem direito a saúde.
ARV
39
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
• Normas secundárias: normas, no Direito, que têm por objeto outras normas
(e.g.: o parlamento é competente em matéria de DLG). Normas relativas à
competência e à aplicação de normas.
Hart considera que o que fez evoluir dos ordenamentos jurídicos incipientes para os
hodiernos, foi passar de existir só uma regulação da conduta, para existirem normas
que passam a regular a maneira como as normas são feitas ou se aplicam.
Opõe-se o professor porque considera que Hart utiliza dois critérios para definir as
normas secundárias: que não são normas de conduta, e; que são normas sobre normas.
Então não há normas sobre normas que são normas de conduta? A existirem, a teoria
do Hart perde todo o sentido. Então porque é que as normas secundárias não são
também normas de conduta?
Normas sobre a ação são as chamadas mental actions, que são ações estritamente
intelectuais, como interpretar uma lei. Grande parte das normas que não são
consideradas ser sobre a conduta (segundo Hart), são normas sobre estas mental
actions. Temos uma norma interpretativa que prevê que a interpretação deve ser feita
de determinada maneira, é a regulação da conduta, mas de uma conduta mental, que é
menos evidente porque não implica a exteriorização.
A opinião do professor é que todas as normas são reguladoras da ação, o que
implica, e pressupõe, que grande parte das normas que não são tidas como reguladoras
da ação, são tidas como mental actions.
O que Hart poderia ter feito era a distinção de normas de ação mental e normas de
ação exterior, sendo que, grande parte das normas que o Hart determinava como não
sendo normas de conduta, são normas de ação mental com relação ao direito.
Chamamos norma de competência à norma que habilita a produzir efeitos jurídicos.
Para o Hart, seria uma norma secundária. Contudo, se falarmos de revogação, uma
norma que revoga outra é uma norma secundária. Mas desaparece, porque lhe
reconhecemos esse efeito. A revogação é uma norma de conduta, determina que o
agente à qual a norma se dirige deve ser retirada do sistema, portanto uma norma de
conduta. A revogação acontece porque alguém segue o efeito jurídico que a mesma
impõe.
É uma distinção importante, mas que o professor coloca em causa com uma opinião,
que é minoritária, mas que é a dele e que identifica como a posição correta. Isto porque
a ação pode ser estritamente mental.
ARV
40
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021
ARV
41