José Walter Bautista Vidal - Biografia Política de Um Cientista
José Walter Bautista Vidal - Biografia Política de Um Cientista
José Walter Bautista Vidal - Biografia Política de Um Cientista
treze anos, quando foi aprovado com “Matrícula de Honor”, no exame de admissão ao
Instituto de Enseñanza Media de Pontevedra Este foi um dos períodos mais importantes da
minha vida, pois foi quando formei a minha personalidade. A cultura humanística que então
adquiri, lendo clássicos latinos no original e passando a conhecer a magnífica literatura
espanhola, além de grande parte da literatura francesa e inglesa (ROCHA; RIBEIRO
FILHO, 2015, p. 116).
Em Salvador, foi condecorado em 1958 por ter sido o melhor aluno de sua turma, formada
em Engenharia Civil (Prêmio Joaquim Wanderley de Araújo Pinho). Com 25 anos, trabalhou como
professor assistente no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF, 1959-1960). Por lá teve a
oportunidade de conhecer alguns professores militares oriundos do Instituto Militar de Engenharia.
Desse encontro, Bautista Vidal estreitou relações com “o Coronel Antonio José Duffles de
Amarante, o Major Hélio Nazário Severo Leal e o Major Argus Fagundes Ourique Moreira, que
décadas mais tarde viria a ser o primeiro Comandante do CTEx” (ROCHA; RIBEIRO FILHO,
2015, p. 122). Depois de lecionar no CBPF, se pós-graduou em energia nuclear nos Estados Unidos,
Stanford (1961-1963).
De regresso ao Brasil, trabalhou durante seis anos como professor na Universidade Federal
da Bahia (1963-1969), onde coordenou o Departamento de Física e contribuiu para a implantação
do “Centro de Computação, o Laboratório de Física Nuclear Aplicada e o CECIBA – Centro de
Com esse trabalho, Bautista Vidal se notabiliza na esfera federal e ficou conhecido no
terreno político e científico como grande conhecedor da questão energética. Paulo Vieira Belloti,
que era o principal executivo na implantação da petroquímica baiana, ex-secretário-geral do
ministro Severo Gomes, indicou o nome do cientista para o gabinete do Ministério do Planejamento
e Coordenação Geral.
Os anos 1960 foram palco de uma complexa transição nas estruturas econômica e social do
Brasil. O alvorecer dessa década é marcado pelo “fim de um período de crescimento acelerado na
economia” (PRADO; EARP, 2007, p. 209). Essa queda vertiginosa da nossa economia ensejou dois
debates que giraram em torno do “modelo de desenvolvimento baseado na substituição de
importações” (PRADO; EARP, 2007, p. 209). Devido a uma “confluência de fatores”, os militares
assumiram o poder, com a interdição da democracia, tomando as rédeas do país (FERREIRA;
GOMES, 2014, p. 38).
O principal período da pesquisa (1969-1979) é relevante pois Bautista Vidal assumiu
importantes cargos na direção da política energética do país. Esse foi um período de ruptura com a
democracia brasileira. Em consonância com Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes (2014, p.
276), as forças que depuseram João Goulart em 1964 tinham uma “ampla articulação militar e civil
com o objetivo de expurgar as principais lideranças trabalhistas e sindicalistas, principalmente as
ligadas ao CGT”.
Nilson Borges (2007, p. 16) atribui duas fases relevantes para interpretar com diligência o
papel das Forças Armadas na política brasileira: antes de 1964 e depois de 1964. Na primeira, os
militares “intervinham na política” e logo depois entregavam a “condução do Estado aos civis”,
regressando aos quartéis. Depois de 1964, sob o arrimo da “Doutrina de Segurança Nacional”,
perduraram no poder afastando os civis das decisões políticas, “transformando-se em verdadeiros
atores políticos”, para “dar ao regime uma fachada de democracia e legitimidade”.
A equipe econômica desse novo regime foi comandada por Octávio Gouvêa Bulhões e
Roberto Campos, ambos conhecidos internacionalmente por participarem do governo de Juscelino
Kubistchek durante a execução do seu plano de estatização em 1958 (SKIDMORE, 1988). Os
economistas “defendiam um modelo liberal de economia de mercado” para a “superação do atraso
econômico brasileiro” (PRADO; EARP, 2007, p. 212). Os ministros da esfera econômica de Castelo
Branco, depois de lograrem êxito com as “cirurgias previstas no AI-1”, tinham como dever
reorganizar o sistema capitalista, “modernizando-o como um fim em si mesmo e como uma forma
de conter a ameaça comunista” (FAUSTO, 1995, p. 470). Para a execução dessa tarefa, foi
inaugurado o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), primeiro passo rumo à modernização
do país. O Programa foi logo tratando de reduzir o “déficit do setor público, contrair o crédito
privado e comprimir os salários” (FAUSTO, 1995, p. 471). Esse reequilíbrio das contas públicas foi
possível mediante a melhoria das empresas estatais e com o “corte de subsídios a produtos básicos
como o trigo e o petróleo”, visto que os dois eram importados a uma taxa cambial mais baixa
(FAUSTO, 1995, p. 471). Todos esses “avanços” econômicos do PAEG só se realizaram mediante o
“regime autoritário”, que permitiu aos ministros tomarem decisões a expensas da “classe
trabalhadora, sem que esta tivesse condições de resistir” (FAUSTO,1995, p. 473).
Não obstante o crescimento econômico dos primeiros anos de implantação do PAEG, sem
demora irrompeu a crise mundial do petróleo. A questão do combustível fóssil sempre foi
importante para o crescimento do país, principalmente o da indústria automobilística, pois em 1969
o “Brasil importava então 80 por cento do seu petróleo” (SKIDMORE, 1988, p. 51). Quando
ocorreu o embargo desse combustível nos anos 1970, decretado pela Organização dos Países
Produtores de Petróleo (OPEP), o então presidente da República, General Ernesto Geisel, teve que
“alterar radicalmente sua política energética”, expandindo a Petrobras, especialmente na exploração
de petróleo em alto-mar. Também surgiu em seu governo uma alternativa ao uso do combustível
fóssil: “o álcool, que exigiria a destilação de etanol da biomassa (principalmente cana-de-açúcar)
para abastecer motores especialmente desenhados” (SKIDMORE, 1988, p. 295). Essa nova
alternativa energética recebeu o nome de Programa Nacional do Álcool (Proálcool).
Assim que assumiu a Presidência da República, em 1974, Ernesto Geisel, por intermédio do
seu ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, convidou José W. Bautista Vidal para chefiar
a Secretaria de Tecnologia Industrial (VIDAL, 2001a). O Brasil importava, à época, 82% das suas
necessidades de petróleo e precisava mudar radicalmente a sua matriz energética. De acordo com
Francisco Carlos Teixeira da Silva (2007, p. 267), em 1975, não era mais possível “ignorar os
efeitos” da crise do petróleo, por isso a “ênfase foi dada ao Programa Nacional de Álcool, ao acordo
Nuclear com a Alemanha e à aceleração da construção das usinas hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí”.
Era preciso encontrar uma alternativa à crise do petróleo. Foi aí que Severo Gomes nomeou Vidal
como secretário de Tecnologia Industrial: “conheci Severo quando tomei posse” (VIDAL, 2006).
Bautista Vidal mencionou que desse encontro fecundo nasceu o Pró-álcool, a primeira e única
alternativa mundial ao petróleo. Esse invento na área energética e tecnológica representou uma
verdadeira revolução na ciência dos trópicos, com profundas transformações econômicas, políticas
e sociais.
Na vida público-administrativa de Bautista Vidal, há que salientar, além de Vianna Filho, o
importante papel do ministro Severo Gomes, que, participando do governo Ernesto Geisel, o qual
abrigava personagens das mais diversas matizes ideológicas, como Mário Henrique Simonsen,
Shigeaki Ueki e João Paulo dos Reis Veloso, convidou o professor de termodinâmica para chefiar a
Secretaria do Ministério da Indústria e do Comércio. O governo Geisel possuía imensas
contradições, a “começar pelas presenças díspares de personalidades”, como as descritas acima, e
pelo controle tecnológico do “Ministério da Indústria e Comércio pelo General Golbery do Couto e
Silva e pelo economista João Paulo dos Reis Veloso” (ROCHA; RIBEIRO FILHO, 2015, p. 127).
O engenheiro civil Bautista Vidal foi um dos primeiros cientistas em âmbito nacional e
internacional a ter projetado a substituição do hidrocarboneto (combustível fóssil) pelo hidrato de
carbono (combustível vegetal), rompendo com a lógica dependente da importação de energias
(VIDAL, 1987). Esteve presente ativamente na história política brasileira nos finais dos anos 1960 e
nos anos 1970, estando presente até o fim da sua vida, em 2013. Sua trajetória tem vital importância
para a compreensão desse período, pois suas contribuições à frente das secretarias e dos ministérios
podem enriquecer os estudos e o entendimento da economia, política e sociedade brasileira em
nossos dias.
A pesquisa faz uma análise biográfica em torno das ações políticas do cientista José W.
Bautista Vidal, não apenas entre 1969 e 1979, período em que se concentram suas principais
ocupações político-administrativas, mas também no que se refere às atividades posteriores, como
escritor, professor, conferencista; além da aproximação que teve dos líderes políticos de cunho
nacionalista (apesar dos extremismos), como Leonel Brizola (PDT) e Enéas Carneiro (Prona), bem
como de movimentos sociais, por meio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Metodologia e fontes
O gênero biográfico, apesar de ainda ser entre historiadores motivo de desconfianças, traz
agarrado em seu bojo o papel do indivíduo na história. A biografia é um processo de escrita
contínua e não deve ser encarada como um fim em si mesmo. Ela parte do pressuposto que, se
existe uma funcionalidade para sua criação, esta se insere no campo da construção da história, nas
reflexões historiográficas sobre eventos e períodos específicos. Para escrever a vida e sobre a vida
de alguém, é preciso assumir riscos e consequências de um horizonte inacessível. Avelar e Schmidt
(2012, p. 23) informam que a biografia ocupa cada vez mais espaço nas agendas dos historiadores
por apresentar-se com uma relativa “democratização dos personagens biografados”.
Há, contudo, nesse gênero, uma questão de ordem que toca no ponto de “hierarquização”.
Nos olhares diferenciados que podem assumir a construção biográfica e assim produzir diversos
sentidos, escreveu o historiador Benito Schmidt (1997). Jornalistas e outros profissionais literários
também escrevem biografias, entretanto, para os historiadores, elas se situam em um espaço
“portador de regras e protocolos próprios de investigação”, que na maioria das vezes passam
despercebidos por esses outros profissionais (SCHMIDT, 1997).
Os historiadores escrevem biografia baseados em fatos e problemas concretos de pesquisa,
com métodos diferenciados para compor a narrativa sobre seu personagem. A biografia deve
envolver a construção de um problema assentado em referenciais teóricos e metodológicos, em uma
revisão da historiografia e em uma pesquisa sólida de fontes (SCHMIDT, 2000). O historiador
francês François Dosse (2009, p. 55), no livro O desafio biográfico: escrever uma vida, define o
gênero biográfico e a tarefa do historiador desta forma: