Caixa. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Pol
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O desenvolvimentismo*
Ricardo Bielschowsky
Definindo “Desenvolvimentismo”.
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exclusividade pelo Estado. Depois nos anos 1980, passou a uma posição
contrária, com a primazia do mercado, e se transformou em corrente
hegemônica de pensamento, com estratégias e políticas voltadas para a
globalização. Este, entretanto, não consegue ser desenvolvimentismo.
Algo nesse sentido só será visto novamente a partir do primeiro Plano Plurianual
do governo Lula, que é a ideia do crescimento por distribuição de renda, e
acredito que ele vai vingar a longo prazo. Se confirmado esse diagnóstico,
teremos de enquadrar esse período como um novo ciclo desenvolvimentista,
mas a confirmação só virá nos próximos anos, quando veremos se o Plano
Plurianual foi uma formulação concreta de estratégias, de transformação no
Brasil a longo prazo.
Em torno dessa conceituação, posso dizer que não é incorreto identificar cinco
correntes de pensamento do primeiro ciclo desenvolvimentista brasileiro. À
direita, o neoliberal, de Eugênio Gudin, ministro da Fazenda entre setembro de
1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho; à esquerda, pela corrente
socialista, do historiador, geógrafo e escritor marxista Caio Prado Júnior.
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setor privado, do industrialista Roberto Cochrane Simonsen; o
desenvolvimentismo do setor público não nacionalista, de Roberto Campos e o
desenvolvimentismo público nacionalista de Celso Furtado. Também dedico,
pela atuação, um espaço ao grande economista Ignácio Rangel, que merece ser
mencionado em separado, pela abrangência e pela criatividade de seu
pensamento.
Eugênio Gudin dizia que estava se formando uma indústria artificial e preguiçosa
no Brasil, protegida pelo excesso de tarifas, pelos créditos subsidiados, e que o
crescimento do parque industrial brasileiro ocorreria naturalmente pelas mãos do
mercado, sabedor do que era melhor ou não. Existiam algumas diferenças
dentro dessa corrente. Otávio Gouveia de Bulhões, um liberal mais moderno,
entendia que havia certa tendência industrializante; mas, na prática, atacava as
medidas de industrialização, por acreditar que elas aceleravam o processo
inflacionário no país.
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produtivas brasileiras, era preciso lutar contra duas forças herdadas pela história
brasileira: o monopólio da terra e o imperialismo.
Autores de peso defendiam essa tese, como Caio Prado Junior, Nelson Werneck
Sodré, Jacob Gorender e Aristóteles Moura, que estiveram ativos no pós-guerra
e passaram para a clandestinidade em meados dos anos 1950, voltando mais
tarde à atividade intelectual. Eles subordinavam a reflexão sobre o processo do
desenvolvimento à questão política do Partido Comunista Brasileiro, embora
houvesse resistência de algumas correntes dissidentes.
Identifiquei três correntes nesse campo: a do setor privado, que, embora seja de
desenvolvimentista, adotava uma linguagem inevitavelmente diferente daquela
utilizada pelos economistas tradicionais – como sabemos, o poder das cadeiras
pesa mais que os argumentos formulados. Roberto Simonsen, um dos principais
patronos do desenvolvimentismo brasileiro e um dos autores dessa corrente, ao
se dirigir à classe empresarial brasileira para convencê-la do importante papel
do Estado na promoção do planejamento, falava primeiro dos interesses mais
imediatos e conjunturais dos empresários, para somente depois abrir os ouvidos
deles. Evidentemente, os economistas do setor público não precisavam ter esse
tipo de cuidado, iam direto ao ponto.
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Na CMBEU nasceu uma corrente de pensamento que acreditava que a
industrialização, por estar na ordem do dia, iria absorver o progresso técnico
mundial e que o capital estrangeiro teria uma enorme participação nisso. Ao
mesmo tempo, temia-se o processo inflacionário, a ponto de reivindicar políticas
capazes de interromper o processo de crescimento da economia brasileira.
No início dos anos 1950, o economista Celso Furtado, que estava na Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em Santiago, voltou para
o Brasil com a função de ajudar o BNDE na formulação do Plano de Metas. Em
1954, com o suicídio de Vargas,
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A segunda diferença era a ideia de uma possível harmonia entre as políticas
desenvolvimentistas e as antiinflacionárias. Os nacionalistas não consideravam
a inflação um impeditivo para a implantação de políticas desenvolvimentistas, ao
contrário dos não nacionalistas que, temendo o avanço do processo
inflacionário, preferiam maior austeridade monetária e fiscal.
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saído da guerra e que estava formulando a Constituição de 1946, favorecendo a
criação de partidos políticos.
Furtado, aliás, é o autor brasileiro de não ficção mais lido no mundo. São 30
livros publicados em 12 idiomas – Formação econômica do Brasil entre eles.
Furtado foi um desbravador do conhecimento da realidade brasileira, e a Cepal,
a desbravadora do conhecimento da realidade latino-americana.
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auge desse ciclo aconteceu entre 1956 e 1961, durante o governo de Juscelino
Kubitschek: os “Cinquenta anos em cinco”, o Plano de Metas, em que o
pensamento sobre a transformação se tornou hegemônico em relação ao
pensamento sobre a conjuntura, sobre como segurar a inflação e outras
questões de curto prazo.
Depois, no início dos anos 1960, veio a crise. Foi uma crise, provisória, mesmo
porque o desenvolvimentismo prosseguiu depois de 1964, pois o processo de
industrialização conquistara corações e mentes e estava maduro, incorporando
uma série de interesses empresariais e de sindicatos. Naquele momento, criou-
se essa percepção, que não se rompeu com sérios problemas de inflação e de
balanços de pagamentos, e a crise política, iniciada com a renúncia de Jânio
Quadros.
Durante a crise eram discutidos essencialmente três temas: o que fazer para
sustentar a continuidade do processo de crescimento no Brasil; qual seria a
exata participação do capital estrangeiro; e de que forma a industrialização
poderia reverter a miséria urbana que estava se formando. Celso Furtado, no
final de 1962 e início de 1963, já como ministro do Planejamento, preparou o
Plano Trienal, que contemplava todas essas questões. O Plano tinha uma parte
sobre estrutura, outra setorial, pensando a médio e a longo prazos, e havia
também uma parcela grande e central dedicada à questão inflacionária. Aquela
era uma crise que levava a que se debatesse, inevitavelmente, a sustentação
macroeconômica.
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O segundo ciclo desenvolvimentista pode ser dividido em três períodos. O
primeiro foi de 1964 a 1968, de busca de soluções para a sustentabilidade
macroeconômica, para o qual se deu uma solução conservadora: arrocho
salarial e concentração de renda. O segundo período foi de 1968 a 1973, etapa
do auge conhecido como “milagre econômico”.
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Mas o pensamento desenvolvimentista não desapareceu. Foi preservado nas
universidades, nas instituições como o BNDES, a Caixa Econômica Federal
(CEF), o Banco do Brasil (BB), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e
Esplanada dos Ministérios. A democracia brasileira não abdicou disso.
Desenvolvimentistas e liberais conviveram nesses órgãos. No passado, quando
o pensamento desenvolvimentista era hegemônico, havia uma estratégia para a
montagem de um parque industrial moderno, acompanhado de um processo de
urbanização correspondente.
A Caixa tem contribuído efetivamente para a inclusão social por meio do sistema
bancário, pela canalização dos programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha
Vida e ao fazer investimentos em saneamento básico. Essa instituição é
instrumento importante dessa primeira formulação, dessa primeira estratégia,
que correu muito bem durante os dois mandatos do presidente Lula. Gosto mais
dessa linha, por absorver com facilidade as outras seis, e aposto que nenhuma
entre elas absorve as demais com a mesma facilidade.
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(PAC), capitalização do BNDES e pela expansão do crédito da Caixa e do Banco
do Brasil. Com a renda aumentada, a população consome mais bens modernos
e não da baixa produtividade, favorecendo a modernidade das empresas que
passam a utilizar mais tecnologia. Está provado, nos últimos anos, tal como
ocorreu nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, a melhoria da distribuição
de renda alimenta o investimento e o progresso técnico. Este é um círculo
virtuoso que, no último governo, representou a marca divisória entre o passado
e o futuro no Brasil.
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elétrica na Amazônia, isso não é feito pelo fato de a fonte estar lá, mas por querer
melhorar a nação como um todo.
Ricardo Bielschowsky
Doutor em Economia (PhD) pela Universidade de Leicester. Economista da CEPAL e
professor na UFRJ. Entre os seus trabalhos mais recentes se salientam os seguintes:
• Pensamento Econômico Brasileiro - o ciclo ideológico do desenvolvimentismo.
Rio de Janeiro, Contraponto, 2002.
• Políticas para a retomada do crescimento – reflexões de economistas brasileiros
(org.). Brasília: Cepal/Ipea, 2002
• Investimento e reformas no Brasil- indústria e infra-estrutura nos anos 1990
(coord.). IPEA e CEPAL, 2002
• Celso Furtado e o pensamento econômico brasileiro”, in Bresser-Pereira (org) A
grande esperança em Celso Furtado. São Paulo, Editora 34, 2002
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