Gonçalves - Sociologia Da Educação

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Danyelle Nilin Gonçalves

Elizabeth Furtado
Epitácio Macário Moura

Sociologia da Educação

2ª Edição
2010
Unidade

1
Educação e Sociedade:
Explicações Introdutórias à
Sociologia da Educação
Objetivos:
• Introduzir o tema Sociologia da Educação.
• Caracterizar a educação no sentido amplo e restrito, como educação formal, não
formal e informal.
• Apresentar o pensamento de Marx, Durkheim, Weber, Gramsci e Bourdieu
enfocando a educação.
Introdução

Falar de educação é falar da própria constituição e reprodução do


sistema social, afinal é através do processo educativo que os homens apren-
dem a ser, a pensar, a conviver, a fazer e a perpetuar sua cultura, seus há-
bitos e valores, componentes da vida em sociedade.
Por causa do seu caráter permanente e onipresente, o antropólogo
Carlos Rodrigues Brandão inicia o seu livro O que é educação? com a se-
guinte sentença: “ninguém escapa da educação”. Isso porque as sociedades
de hoje e de ontem, modernas, industriais, simples, complexas, rurais, ur- A educação informal é
aquela na qual qualquer
banas, com classes, sem classes, com Estado e sem um Estado consolida- pessoa adquire e acumu-
do, com essas ou aquelas configurações e organizações, todas elas têm um la conhecimentos, através
ponto em comum: utilizam-se do processo educativo para a sua própria de experiência diária em
casa, no trabalho e no
constituição, renovação e perpetuação. lazer, sendo permanente
Assim, a educação ajuda a formar tipos de homens para agir de uma o processo de ensinar-
ou de outra maneira, para se constituir de forma associada ou de maneira aprender e aprender-en-
sinar.
competitiva. No entanto, esse processo não é único e varia de uma socieda-
de para a outra. A educação que serve a um tipo de sociedade e de grupo A educação formal pode
não necessariamente servirá a outros. ser entendida como aque-
la que está presente no
Existem sociedades em que a educação valorizada é a de tipo infor- ensino escolar institucio-
mal; no entanto, haverá sociedades, como a nossa, por exemplo, em que a nalizado, cronologicamen-
te gradual e hierarquica-
educação legitimada é a formal. mente estruturado, com
Essa educação tem objetivos claros e específicos e é representada por metodologias, currículos,
certificações e profissio-
escolas e universidades, além de depender de uma diretriz educacional cen- nais específicos.
tralizada como o currículo, determinada por estruturas hierárquicas.
A educação não formal se
Em muitas dessas sociedades, a educação formal divide espaço, mas
define como qualquer ten-
não legitimidade, com a educação não-formal. tativa educacional orga-
Como se percebe, haverá tantos tipos e formas de educação quantos nizada e sistemática que,
normalmente, se realiza
tipos de sociedades existam. fora dos quadros do siste-
Por ter um caráter complexo e contraditório, a educação atua não so- ma formal de ensino, não
precisando necessaria-
mente de maneira transformadora e progressista, mas pode atuar também mente seguir um sistema
na perpetuação das estruturas sociais, servindo, muitas vezes, como ele- sequencial e hierárquico
mento de peneiramento, seleção e conservação social, reproduzindo, refor- de progressão.
çando e legitimando as desigualdades sociais.
Assim sendo, entender a estrutura social, como os grupos se organi-
zam e para onde caminham, se revela fundamental para entender as possi-
bilidades e os limites do processo educativo, assim como o tipo de sociedade
que temos e queremos ter. Qualquer que seja ela, o fenômeno educativo será
sempre central, agindo em uma ou outra direção, dependendo do contexto.
Dessa forma, para entender a complexidade das relações recíprocas
entre sociedade e educação, é mister fazer uso dos conceitos da Sociologia
e, em especial, da Sociologia da Educação.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 11
Se a Sociologia se ocupa dos fatos relacionados à vida em sociedade,
a fim de desvendar a estrutura básica da sociedade humana, identificando
as principais forças que mantêm os grupos unidos ou que os enfraquecem
e verificando quais condições transformam a vida social, a Sociologia da
Educação, como um dos ramos dessa ciência, se ocupa dos fatos relacio-
nados ao fenômeno educacional, atentando, sobretudo, para o sistema edu-
cacional em sociedades complexas, tendo a escola como um de seus prin-
cipais objetos. Ademais, trata das funções sociais da escola, das relações
educacionais em diferentes contextos sociais, da relação entre professores e
Para você,
alunos; da problemática da igualdade de oportunidades, da constituição de
o que é Educação? identidades, das transmissões de saber e de tudo o que envolve o processo
de socialização e de reprodução social e cultural.

Nessa unidade, introduzimos uma discussão sobre o caráter perma-


nente da educação como fenômeno social. Definimos uma tipologia e refleti-
mos sobre a complexidade do fenômeno educativo que ora pode atuar como
perpetuador das desigualdades sociais, ora pode atuar como transformador
e revolucionário.

1. Explique o aspecto contraditório da educação.


2. Por que se pode pensar que a educação é um fator de produção e repro-
dução do sistema social?
3. Qual é a importância das análises da Sociologia para a educação?

Leituras
O que é educação?
Carlos Rodrigues Brandão. Brasiliense, 1995. O autor faz uma análise
sobre o processo educativo, nos levando a perceber como este se dá de forma
intensa e duradoura em todas as sociedades.
Sociologia da Educação - Pesquisa e Realidade Brasileira.
Lea Pinheiro Paixão; Nadir Zago. Vozes, 2008. O livro reúne textos de
doze autores que, a partir de suas pesquisas, buscam ampliar a compre-
ensão do leitor sobre os conflitos atuais na área de educação no Brasil. A
leitura é uma proposta de compreensão da realidade educacional brasileira.

12 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Sites:
• www.mec.gov.br
• revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/índex.php/faced

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação? 33.ed. São


Paulo:Brasiliense, 1995. (Coleção Primeiros Passos: 203).
RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro:DP&A,
2001.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 13
Capítulo 1
Marx, a Educação e o projeto de superação da
sociedade capitalista

Karl Marx é considerado como um dos maiores filósofos de todos os


tempos. Vivenciou e se envolveu nos problemas políticos e econômicos de
sua época, testemunhando o crescimento das fábricas e da produção in-
dustrial e das consequências desses processos na vida da classe trabalha-
dora. Participou, ainda, das primeiras experiências de organização e luta
Os meios de produção
são as máquinas, maté-
da classe operária, das diferentes revoltas ocorridas à época e testemunhou
ria prima, ferramentas de as consequentes repressões aos revoltosos. Suas reflexões se baseavam na-
trabalho, meios de trans- quilo que ele observava e, embora não pudesse constatar em vida as suas
porte, instalações etc.
idéias, é fato que Marx foi um homem de seu tempo que conseguiu enxergar,
para além das aparências, como o sistema capitalista se comporta por den-
tro e a necessidade de sua superação, o que o torna sempre atual.
Sua profícua obra influenciou não somente a Sociologia, mas a Histó-
ria, a Economia, Filosofia, dentre outras, além de ter servido de matriz para
o estabelecimento de diversos programas de partidos de esquerda mundo
afora. Durante a maior parte do século XX, suas idéias foram alvo de apai-
xonados debates, tendo sido considerado, por uma enquete realizada pela
Oriundos dos servos da TV alemã, em 2004, como um dos pensadores mais relevantes do país.
Idade Média, a burgue-
sia é uma classe social,
fruto do desenvolvimen-
to do processo histórico.
1.1. Marx e a educação
Durante a Idade Média,
aliou-se aos reis a fim Marx, em sua vasta obra, busca explicar como o mundo material, da
de enfraquecer o sistema produção, do trabalho, afeta o mundo da consciência, as representações,
feudal, transformando- o conhecimento e as crenças. Para ele, a consciência está intrinsecamente
se na classe governante
de nação-estados indus- ligada às condições materiais de vida. No entanto, ela aparece para os ho-
trializadas. Nos séculos mens de forma invertida, numa falsa consciência, como o autor denominou,
seguintes, apoiou as re- não sendo, portanto, os homens, capazes de captar a essência das relações.
voluções que permitiram
abolir o sistema feudal e Em cada sociedade, a forma da divisão do trabalho estabelece o lugar
a expansão do comércio, que cada um irá ocupar dentro do processo produtivo. E mais: como irá
fato que aumentou seu
poder e influência. Pos-
viver, trabalhar e agir. Na sociedade capitalista, real interesse de Marx, a
teriormente, com os avan- divisão do trabalho põe, de um lado, aqueles que detêm os meios de produ-
ços da indústria, surgiu ção e do outro, aqueles que, ao não deterem nada, têm a única opção que
uma classe inteiramente
nova, o proletariado ou
é vender a sua própria força de trabalho para os proporietários dos meios
classe trabalhadora que de produção em troca de um salário. Assim, o capitalismo traz à tona duas
se opõe à burguesia. classes principais: os burgueses (os que detêm os meios de produção) e os
proletários (os que vendem a sua força de trabalho).
Segundo Marx e Engels, a
história de todas as socie- A princípio, se pode pensar que não há nada de estranho nessa re-
dades que existiram tem lação, já que se o burguês não tem a força de trabalho e o proletário não
sido a história da luta
de classes. Opressores e tem os meios de produção seria justo que houvesse essa troca (um, compra
oprimidos estão em uma a força de trabalho e, o outro, a vende em troca do salário). Todavia, o que
luta constante que, em Marx buscou mostrar foi que não há nada de justo nessa relação, já que
muitos momentos, se faz
de modo aberta e em ou-
desde o início, o processo de divisão do trabalho e apropriação dos meios de
produção foi injusto. E, se as pessoas pensam que isso é normal, natural ou

14 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
sempre existiu, é porque as ideias dominantes de uma época são as ideias
da classe dominante.
Sendo assim, no capitalismo, a burguesia como classe dominante, além
de possuir os meios de produção, de comprar a força de trabalho do proletário
por um preço sempre menor do que ele produz, algo que Marx denominou de
extração da mais-valia, ainda consegue fazer acreditar que o capitalismo é a Karl Heinrich Marx nas-
única opção possível, que sempre foi assim na história da humanidade e que ceu em Trevis, na Prussia,
essa é a melhor forma de conduzir a relação entre os homens. em 05 de maio de 1918.
Aos 17 anos, ingressou
Em sua teoria, Marx afirma que a história da humanidade é calcada no Curso de Direito. Volta
na história da incessante luta de classes e através da construção teórica seu interesse para a histó-
ria e filosofia, por conta da
dos modos de produção, ele busca demonstrar como a história vem se de- influência de Georg Hegel
senrolando justamente a partir dos conflitos que essas classes vivenciam (intelectual e ex-reitor
em cada momento histórico. O autor vem assim afirmar o caráter social de grande respeitabilida-
de). Em 1841, doutorou-
dessas construções e, como tal, podem ser desfeitos a qualquer momento se, tendo a pretensão
pela ação dos homens, não precisando existir para sempre. Para isso, os de tornar-se professor e
homens precisariam desnudar os véus que encobrem essas relações. Isso pesquisador social mas,
poderia ser feito, em parte, através da educação, que para Marx e Engels, impedido de exercer car-
reira acadêmica, passou a
poderia servir tanto para corroborar a alienação como para possibilitar a trabalhar como jornalista
emancipação humana. e depois redator-chefe do
Jornal Gazeta Renana. No
Entretanto, para chegar a essa conclusão, Marx procurou entender o jornal, causava polêmicas
funcionamento da educação no modo de produção capitalista e para isso foi ao propor que o governo
observar como as escolas da Inglaterra funcionavam. Percebeu que o ensino aumentasse o salário dos
camponeses, em vez de
ofertado às crianças era de péssima qualidade. prendê-los, fato que pro-
Estas, em sua grande maioria, também eram trabalhadoras, já que vocou o fechamento do
periódico. Por causa de
a legislação da época permitia que as crianças trabalhassem desde que sua atuação como crítico
frequentassem a escola. No livro O Capital, sua obra-prima, Marx descreve do governo e como mili-
uma visita de um inspetor de ensino a uma escola e suas impressões: tante nas diversas revol-
tas ocorridas na época,
O mobiliário escolar é pobre, há falta de livros e de material de ensino, passou a ser considerado
personna non grata, fato
uma atmosfera viciada e fétida exerce efeito deprimente sobre as infeli- que o obrigou a partir
zes crianças. Estive em muitas dessas escolas e nelas vi filas inteiras de para o exílio, condição
imposta por quase toda a
crianças que não faziam absolutamente nada, e a isto se dá o atestado de
sua vida. Nesse período,
freqüência escolar; e esses meninos figuram na categoria de instruídos em Paris, Marx conhece
de nossas estatísticas oficiais (MARX apud RODRIGUES, 2001, p.50) (sic) Friedrich Engels, firman-
do parceria que durou
toda a vida e passa a se
Para o autor, esse tipo de escola, em vez de permitir a emancipação hu- aproximar mais dos movi-
mana, faz o contrário: perpetua as condições de opressão a que as crianças mentos operários e a con-
já estavam submetidas àquela idade. Isto por que, dependendo do tipo de tribuir com suas lutas,
através de suas reflexões
sociedade que se deseja atingir, a finalidade da educação pode variar. Na so- sobre a sociedade capita-
ciedade capitalista, a escola reforça os valores da classe dominante e ajuda lista, a exploração a que
a perpetuar as relações de exploração. Ao empreender seu estudo sobre as estavam expostos os tra-
balhadores, suas condi-
condições de trabalho da classe operária em meados do século XIX, Marx ções de trabalho e na luta
também criticou a exploração a que as crianças estavam submetidas. Ainda pela conquista de direitos.
em O Capital, Marx citando o caso de um garoto que trabalhava durante
Continua...
muitas horas ininterruptas diariamente, escreve: “quinze horas de trabalho
por dia para um garoto de 7 anos!”
Engana-se, no entanto, quem pensa que Marx discordava de que as
crianças não devessem trabalhar. Ele acreditava que era necessário combi-
nar uma educação escolar com o trabalho na fábrica, já que a combinação
trabalho manual com trabalho intelectual permitiria reaver aquilo que o
capitalismo havia apartado de vez: a possibilidade de o trabalhador tomar
para si o processo produtivo como um todo. Somente através dessa junção
é que, de fato, o trabalhador poderia combater a alienação sofrida por ele.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 15
Aos olhos de hoje, no século XXI, pode parecer estranho que Marx
concordasse com o trabalho infantil, mas é necessário vê-lo como homem
do seu tempo (ainda no século XIX) e como alguém que acreditava que é
também na fábrica que se gesta o homem para a nova sociedade a qual ele
punha suas esperanças: a sociedade comunista. É importante salientar,
ainda que Marx propunha jornadas de trabalho diferenciadas para crian-
Continuação...
Em 1848, escreve, em ças e jovens e reforçava a necessidade de uma educação formal de qualida-
parceria com Engels, o de que rompesse com a alienação do processo produtivo e que, por conse-
que viria ser considerado guinte, mudaria a consciência da classe trabalhadora.
um de seus textos mais
conhecidos: Manifesto Sugeria assim que os conteúdos educacionais deveriam contemplar
Comunista, na verdade, uma educação mental, uma educação física e uma educação tecnológica.
um panfleto dirigido às
classes trabalhadoras, so-
A primeira consistia, basicamente, em uma preparação elementar para o
bre a tomada do poder dos trabalho intelectual. A segunda, seria destinada a preparar os corpos, como
trabalhadores para a re- em treinamentos militares e atividades realizadas em ginásios esportivos. A
volução socialista. Expul-
terceira seria a iniciação dos jovens no manejo das máquinas e instrumen-
so do país mais uma vez
(nesse caso, da Bélgica), tos, realizados na própria indústria.
instala-se definitivamente Com essa formação completa, Marx acreditava que o proletário conse-
na Inglaterra onde pode
acompanhar as revoltas guiria superar sua alienação, porquanto haveria uma complementação do
e organização da classe trabalho manual com o intelectual. Os burgueses, todavia, não estariam
trabalhadora. Morre em em condições de concorrer, sem que para eles também a dicotomia trabalho
1883, vítima de uma in-
fecção na garganta. manual e intelectual se rompesse.
Todavia, refletindo sobre quem deveria oferecer esse tipo de educação,
Marx se defrontou com um problema: discordava da educação oferecida
pelo Estado burguês que, em sua essência, buscaria perpetuar as relações
de desigualdade existentes, através do reforço do processo de alienação. Um
ensino ofertado por esse Estado (que é comitê para gerenciar os negócios da
burguesia), não fugiria da tentação de ensinar os filhos dos operários a se
conformarem com sua situação.
Assim, ele sugere a inviabilidade de uma educação a cargo do Es-
tado. Para ele, a educação poderia até ser financiada pelo Estado, mas não
No capitalismo, o traba- poderia, jamais, ser essa instituição que definiria as diretrizes e elaboraria
lhador vende sua força de
trabalho em troca de um
os programas, já que o conteúdo desses seria impregnado da ideologia da
salário. No entanto, ele classe dominante. Portanto, para o autor, a escola deve ser pública, mas
não percebe que foi trans- não estatal. Marx afirmava a inviabilidade de, nos moldes da sociedade ca-
formado em mercadoria e
desumanizado. O fruto do
pitalista, ter a pretensão de uma escola igual para todos.
seu trabalho não lhe per- O autor acreditava, no entanto, que dentro de um programa revolu-
tence, mas a um outro. cionário, a educação teria o seu papel de destaque. Não à toa, no Manifes-
As mercadorias, produzi-
das por ele passam a ser to Comunista, nas medidas a serem adotadas, Marx e Engels propõem o
maiores e exteriores ao seguinte: “A educação, no comunismo teria então um caráter de educação
trabalhador, não permi- social, substituindo assim a educação doméstica, fato que arrancaria a in-
tindo que ele se reconheça
nelas. Este é o fenômeno fluência dos valores da classe dominante, reinante na família”.Essa educa-
da alienação. ção social serviria para criar novos valores e laços de solidariedade, isto é,
Segundo dados da Orga- construiria um novo homem e uma nova sociedade. Esse homem, prepara-
nização Internacional de
Trabalho, em todo o mun-
do para desenvolver um trabalho não alienado, teria todas as condições de
do, cerca de 200 milhões ampliar suas potencialidades. Aí, sim, a educação teria um caráter eman-
de crianças, entre os 5 e cipatório.
os 17 anos, trabalham.
Aproximadamente 165
milhões de crianças com
idades entre os 5 e os 14
anos, faltam ou abando-
nam definitivamente a Es-
cola para trabalhar.
Fonte: CNASTI

16 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Neste capítulo, vimos como Karl Marx entendia a educação no modo
de produção capitalista, alertando para seus aspectos contraditórios e pro-
pondo uma educação completa que permitisse ao trabalhador retomar, para
si, o processo produtivo, quebrando a lógica da alienação e permitindo a
emancipação humana.
Em seu texto Crítica ao
Programa de Gotha, Marx
afirma o seguinte:Isso
de ‘educação popular a
cargo do Estado’ é com-
pletamente inadmissível.
Uma coisa é determinar,
por meio de uma lei geral,
os recursos para as esco-
Fábrica (Legião Urbana) las públicas, as condições
de capacitação do pessoal
docente, as matérias de
Nosso dia vai chegar, ensino, etc., e velar pelo
cumprimento destas pres-
Teremos nossa vez.
crições legais mediante
Não é pedir demais: inspetores do Estado,
como se faz nos Estados
Quero justiça, Unidos, e outra coisa
Quero trabalhar em paz. completamente diferente
é designar o Estado como
Não é muito o que lhe peço - educador do povo! Longe
disto, o que deve ser feito
Eu quero um trabalho honesto é subtrair a escola a toda
influência por parte do go-
verno e da Igreja (MARX,
Em vez de escravidão. s/d).
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte
Não consegue escravizar
Quem não tem chance.

De onde vem a indiferença


Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fábrica?

O céu já foi azul, mas agora é cinza


O que era verde aqui já não existe mais. Em sua opinião, Marx es-
tava certo quanto ao cará-
Quem me dera acreditar ter alienante da educação
Que não acontece nada de tanto brincar com fogo, no sistema capitalista?

Que venha o fogo então.

Esse ar deixou minha vista cansada,


Nada demais.

A partir da análise da música acima:

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 17
1. Aponte os conceitos, elaborados por Marx, presentes na composição.
2. Como ela traduz o pensamento marxiano?
3. Com base no pensamento marxiano, como é possível que a educação
seja emancipadora e não alienante?
4. Por que para Marx era importante que o trabalhador pudesse retomar
o processo produtivo?
5. A partir das proposições de Marx, explique por que a escola deveria ser
pública e não estatal.

Texto 1: Crítica ao Programa de Gotha


“O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e mo-
ral do Estado:
1. Educação popular geral e igual a cargo do Estado. Assistên-
cia escolar obrigatória para todos.Instrução gratuita”.

Educação popular igual? Que se entende por Isto? Acredita-se que na


sociedade atual (que é a de que se trata), a educação pode ser igual para todas
as classes? O que se exige é que também as classes altas sejam obrigadas
pela força a conformar-se com a modesta educação dada pela escola pública,
a única compatível com a situação econômica, não só do operário assalariado,
mas também do camponês?
“Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita”. A pri-
meira já existe, inclusive na Alemanha; a segunda na Suíça e nos Estados
Unidos, no que se refere às escolas públicas, O fato de que em alguns Estados
deste último país sejam “gratuitos” também os centros de ensino superior,
significa tão somente, na realidade, que ali as classes altas pagam suas des-
pesas de educação às custas do fundo dos Impostos gerais. E - diga-se de
passagem - Isto também pode ser aplicado à “administração da justiça com
caráter gratuito”, de que se fala no ponto A,5 do programa. A justiça crimi-
nal é gratuita em toda parte; a justiça civil gira quase inteiramente em torno
dos pleitos sobre a propriedade e afeta, portanto, quase exclusivamente as
classes possuidoras. Pretende-se que estas decidam suas questões às custas
do tesouro público?O parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos,
escolas técnicas (teóricas e práticas), combinadas com as escolas públicas.
Isso de “educação popular a cargo do Estado” é completamente inad-
missível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos
para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as
matérias de ensino, etc., e velar pelo cumprimento destas prescrições legais
mediante inspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa
completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe
disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do
governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão (e não vale fugir
com o baixo subterfúgio de que se fala de um “Estado futuro”; já vimos o que
é este), onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de receber do povo
uma educação muito severa.

18 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Texto 2
Karl Heinrich Marx nasceu em Trevis, na Prussia, em 05 de maio de
1818. Aos 17 anos, ingressou no Curso de Direito. Volta seu interesse para a
história e filosofia, por conta da influência de Georg Hegel (intelectual e ex-
reitor de grande respeitabilidade). Em 1841, doutorou-se, tendo a pretensão
de tornar-se professor e pesquisador social mas, impedido de exercer carrei-
ra acadêmica, passou a trabalhar como jornalista e depois redator-chefe do
Jornal Gazeta Renana. No jornal, causava polêmicas ao propor que o governo
aumentasse o salário dos camponeses, em vez de prendê-los, fato que pro-
vocou o fechamento do periódico. Por causa de sua atuação como crítico do
governo e como militante nas diversas revoltas ocorridas na época, passou a
ser considerado personna non grata, fato que o obrigou a partir para o exílio,
condição imposta por quase toda a sua vida. Nesse período, em Paris, Marx
conhece Friedrich Engels, firmando parceria que durou toda a vida e passa a
se aproximar mais dos movimentos operários e a contribuir com suas lutas,
através de suas reflexões sobre a sociedade capitalista, a exploração a que
estavam expostos os trabalhadores, suas condições de trabalho e na luta pela
conquista de direitos. Em 1848, escreve, em parceria com Engels, o que viria
ser considerado um de seus textos mais conhecidos: Manifesto Comunista,
na verdade, um panfleto dirigido às classes trabalhadoras, sobre a tomada do
poder dos trabalhadores para a revolução socialista. Expulso do país mais uma
vez (nesse caso, da Bélgica), instala-se definitivamente na Inglaterra onde
pode acompanhar as revoltas e organização da classe trabalhadora. Morre em
1883, vítima de uma infecção na garganta.

Leitura
Educação e luta de classes. Aníbal Ponce. Cortez, 2005. Este é um livro
de síntese. Em suas páginas, trata de toda a história da educação, desde
as sociedades primitivas, até as tendências educacionais contemporâneas.
Filmes
A fuga das galinhas. Animação. 84 minutos. Direção: Peter Lord e Nick
Park. Na década de 50, numa fazenda, em Yorkshire, a galinha Ginger
busca incessantemente um meio de conseguir escapar do fim trágico que
seus donos reservaram para ela e seus semelhantes. Mas o tempo é curto:
os Tweedy, donos da fazenda, compraram uma máquina que faz tortas de
galinha que, em breve, entrará em operação e irá sacrificar toda a popula-
ção do local.
FormiguinhaZ. Animação/Aventura/Comédia. 83 minutos. Direção: Eric
Darnell, Tim Johnson. A formiguinha trabalhadora Z passa a questionar
a falta de individualidade dos seres de sua espécie, onde todos trabalham
para a colônia como robôs.
Tempos modernos. Comédia. 87 minutos. Direção: Charles Chaplin. Ope-
rário, exasperado pela rotina do trabalho mecânico, tumultua a fábrica; é
despedido e procura sobreviver em meio aos conflitos da metrópole moderna.
Resiste às adversidades, apaixona-se por uma órfã e defende os humildes.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 19
CARVALHO, Alonso B.; SILVA, Wilton Carlos L. (orgs.). Sociologia e educa-
ção-leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006.
MARX, Karl. O capital- crítica da economia política: Livro I. Tradução
de Reginaldo Sant”Anna.18. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
______. Manifesto do Partido Comunista. Tradução de Marco Aurélio
Nogueira e Leandro Konder. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
______. Crítica ao Programa de Gotha. Disponível em http://www.mar-
xists.org/portugues/marx/1875/gotha/index.htm. Acesso em julho de
2008.
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. Tradução de José Severo de
Camargo Pereira. 9.ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989.
QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Már-
cia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos- Marx, Durkheim, We-
ber. 2. ed. revista e ampliada. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro:DP&A,
2001.

20 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 2
Durkheim e a Educação para a Conservação da
Sociedade

Durkheim presenciou ao longo da vida uma série de mudanças que


marcariam a sua obra e teriam reflexos em suas preocupações: ainda na
adolescência vivenciou um ambiente marcado pela derrota da França na
guerra contra a Prússia (Alemanha); a instituição do divórcio após intensos
embates; a discussão acerca da instrução laica que permitiria tornar a es-
cola gratuita e obrigatória para crianças de 06 a 13 anos e a proibição do David Émile Durkheim
nasceu em Èpinal, na
ensino de religião, além das questões sociais, decorrentes do conflito entre França, em 15 de abril
capital e trabalho. de 1858. De família judia,
muito cedo decidiu não
Embora a segunda metade do século XIX se apresentasse como uma seguir o caminho trilha-
época tumultuada, as expectativas para o século XX eram as melhores: do por seu avô e seu pai
havia uma euforia e esperança no futuro e no progresso advindo das inova- (ambos eram rabinos), op-
tando por levar uma vida
ções tecnológicas e descobertas científicas. secular. Em Paris, se for-
Esse ambiente marcado pela crença de que a ciência existia como mou em Filosofia, passan-
transformadora da realidade e não mais apenas como objeto de contempla- do a ensinar nos liceus da
província. Em 1887, tor-
ção; a crescente participação popular nos negócios públicos e o aumento nou-se o primeiro profes-
exponencial da instrução pública trazia consigo a necessidade de uma re- sor de sociologia do país,
flexão apurada sobre os destinos da sociedade. Com o vazio deixado pelo ministrando aulas de Pe-
dagogia e Ciência Social,
ensino de religião e com as mudanças sociais intensas se buscou uma ins- sobretudo para professo-
trução moral e cívica, entendendo que a escola teria um papel central na res primários. Nomeado
formulação e transmissão de conhecimentos imprescindíveis à convivência assistente da cadeira de
Ciência da Educação na
social e na socialização da moral, necessária para o estabelecimento do Sorbonne, tornou-se titu-
equilíbrio social. lar posteriormente. Suas
aulas transformaram-se
em grandes acontecimen-

2.1. Durkheim e a Educação


tos. Apesar de não ter ela-
borado um método peda-
gógico, teve uma imensa
Durkheim entendia que a vida em sociedade, a aquisição de deter- importância na área da
educação, haja vista que
minadas mentalidades e formas de agir não são inerentes ao indivíduo. Ao foi através desse curso
contrário, são produtos da sociedade. Para ele, todas as sociedades têm que a disciplina de ciência
ideias, sentimentos e práticas a serem inculcadas em todas as crianças social adentrou nas uni-
indistintamente, de forma a levar àquela que a princípio não está apta, a versidades francesas. Por
conta de suas reflexões,
ser tornar membro de uma sociedade, isto é, partilhar valores, crenças e Durkheim é considera-
regras. Esse processo se dá justamente através do processo educacional, do o pai da sociologia da
fator regulador da vida social que transforma a criança, desprovida de um educação, tendo sido o
único dos três fundadores
senso social, em uma peça ativa da sociedade e permite transmitir hábitos que se debruçou especifi-
e valores fundamentais para a coesão da sociedade. A educação é para camente sobre a questão
Durkheim, condição essencial de sua própria existência e se impõe aos in- da educação e sua relação
com a sociedade, elabo-
divíduos de forma irresistível. rando um livro que se in-
O autor entendia que esse processo de transmissão de hábitos, costu- titula Educação e Sociolo-
gia. Morreu em 1917, um
mes, valores e crenças se dava, sobretudo, das gerações mais velhas para ano após a morte de seu
as mais novas que ainda não se encontravam adaptadas àquela sociedade. filho e provável sucessor,
Andrés Durkheim, viti-
mado na Primeira Guerra
Mundial (1914-1918).

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 21
A análise de Durkheim sobre a educação deve ser entendida a partir
do contexto que o autor se situava. Preocupado com as intensas transfor-
mações vivenciadas em sua época, de destruição de relações sociais e de
modo de vida e surgimento de outros, Durkheim acreditava ser necessário
criar um novo sistema científico e moral que marchasse em harmonia com
a ordem industrial instaurada, tarefa que caberia à ciência. Debruçou-se
então sobre o papel que a educação desempenha na consolidação dos laços
sociais e no reforço de uma consciência coletiva em sociedades complexas.
A escola seria então a instituição que colaboraria com a recuperação da
ordem social e os professores teriam como função a constituição da moral,
“Ora, os costumes e as
idéias que determinam ate então ausente na sociedade.
esse tipo, não fomos, nós, Durkheim partiu do entendimento de que cada sociedade apresenta
individualmente que os fi-
zemos. São o produto da sistemas de educação especiais. Esses sistemas apresentam dois aspectos:
vida em comum e expri- múltiplo e uno ao mesmo tempo. Múltiplo, pois há tantas espécies de edu-
mem suas necessidades. cação, em determinada sociedade, quantos meios diversos nela existirem.
São mesmo, na sua maior
parte, obra das gerações A educação tem por função suscitar na criança: 1) certo número de
passadas”. (DURKHEIM, estados físicos e mentais, que a sociedade, a que pertença, considera como
1952) (sic).
“É uma ilusão acreditar
indispensáveis a todos os seus membros; 2) certos estados físicos e mentais,
que podemos educar nos- que o grupo social particular (casta, classe, família, profissão) considera
sos filhos como queremos. igualmente indispensáveis a todos que o formam.
Há costumes com relação
aos quais somos obriga- É a sociedade, em seu conjunto, e cada meio social, em particular, que
dos a nos conformar; se determinam este ideal a ser realizado. Cada sociedade, portanto, constrói e
os desrespeitamos, muito define para seu uso um tipo de homem. A educação, portanto, varia de acor-
gravemente, eles se vin-
garão em nossos filhos. do com as sociedades, com o tempo e com os interesses em jogo. Durkheim
Estes, uma vez adultos, criticava, assim, aqueles que acreditavam que havia uma educação única
não estarão em estado e ideal.
de viver no meio de seus
contemporâneos, com os Para realizar tal intento, o autor entendia ser necessário voltar-se às
quais não encontrarão sociedades tradicionais a fim de entender as transformações pelas quais a
harmonia. (...) Há, pois,
a cada momento, um tipo
sociedade europeia e, em especial a francesa, estava passando naquele final
regulador de educação, do de século.
qual não podemos separar
Durkheim entendia que nas sociedades em que há pouca divisão do
sem vivas resistências, e
que restringem as velei- trabalho e consequentemente solidariedade mecânica, a consciência cole-
dades dos dissidentes”. tiva é mais forte e atinge um maior número de pessoas, já que, ao exercer
(DURKHEIM, 1952, p.30) basicamente as mesmas funções, os indivíduos tendem a pensar de forma
muito semelhante. Todavia, em sociedades nas quais há uma divisão do
trabalho acentuada, e consequentemente, solidariedade orgânica, há um
enfraquecimento dos laços sociais e da consciência coletiva, posto que as
pessoas tendem a se diferenciar e há margem para interpretações pessoais.
Nas primeiras sociedades, os valores, as normas e regras são mui-
to mais facilmente introjetadas e há um maior compartilhamento dessas
normas. Nas segundas, essas regras e crenças acabam por se tornar mais
fragilizadas, já que elas ficam restritas mais a grupos específicos e variam
de acordo com o lugar onde a pessoa se encontra. Nessas sociedades, há
Esse sistema era o posi-
tivismo, corrente teórica uma tendência à busca de satisfação pessoal e ao individualismo, fenômeno
do século XIX, tinha como que interessava sobremaneira a Durkheim, e que veio se fortalecer com o
pressuposto fundamental advento do capitalismo.
o fato de que as leis que
regem o funcionamento Para essas sociedades, onde os laços se encontram mais frouxos e há
da vida política, social e uma perda de sentimentos gregários e de respeito às normas sociais, é que
econômica são do mesmo
tipo das que regulam a
a educação assume um conteúdo de educação moral, sendo elemento im-
vida natural. Portanto, o prescindível à coesão social, já que, de acordo com Durkheim, não há pos-
que reina na sociedade é sibilidade de a sociedade existir sem que houvesse em seus membros certa
uma espécie de harmonia homogeneidade e é através da educação que essa homogeneidade é reforça-
natural.

22 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
da, fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais,
reclamadas pela vida coletiva. Isto é, embora os meios sejam específicos e
dentro das próprias sociedades haja uma tremenda diversidade, há sempre
valores e crenças básicas que devem ser comum a todos.
É a sociedade a entidade capaz de ligar uma geração à outra e trans-
formar o ser egoísta em alguém capacitado para a vida social e moral.
A solidariedade pode ser
No entanto, àquele momento, Durkheim, percebia que “cada profissão, entendida como os laços
reclama aptidões particulares e conhecimentos especiais, meio que é regido que unem os membros
entre si e ao grupo.
por certas idéias, certos usos, certas maneiras de ver as coisas”, e que, por- A solidariedade é consi-
tanto, já que a criança deve ser preparada em vista de certa função, a que derada mecânica quan-
será chamada a preencher, a educação não pode ser a mesma, desde certa do liga diretamente o in-
divíduo à sociedade. As
idade, para todos os indivíduos. crenças e sentimentos são
Apontava, dessa forma, para uma educação diversificada e especia- comuns a todos os mem-
bros do grupo, tornando-
lizada e, para ele, essa especialização, se tornava cada vez mais precoce. os pouco desiguais entre
Conforme o autor, para encontrar um tipo de educação absolutamente ho- si. Os laços que os unem
mogêneo e igualitário, seria preciso remontar até as sociedades pré-históri- devem-se às semelhanças
do que compartilham.
cas, no seio das quais não existisse nenhuma diferenciação. A solidariedade orgânica
Para ele, isso não se revelava um grande problema já que, em sua é derivada da divisão so-
perspectiva, as pessoas não podem e nem devem se dedicar, todos, ao mes- cial do trabalho que, ao
se complexificar, promove
mo gênero de vida. De acordo com Durkheim, cada um, segundo suas apti- um processo de individu-
dões, tem diferentes funções a preencher, e será preciso que se coloque em alização dos membros do
harmonia com o trabalho que a cada um é designado. grupo.

Essa tarefa caberá, principalmente, à escola que, na perspectiva


durkheimiana, será a instituição responsável por presidir e organizar os con-
teúdos que irão soldar os indivíduos dentro do todo orgânico da sociedade.
Embora se reconheça a sua importância, Durkheim foi e é alvo de
muitas críticas. Suas sentenças “nem todos somos feitos para refletir; e será
preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação” de-
ram margem a muitas interpretações e críticas, o que levou a considerar
Durkheim como um conservador e ideólogo que reforça as diferenças sociais.

Educação, segundo
Durkheim, é:
“a ação exercida, pelas
gerações adultas, sobre
as gerações que não se
Nessa unidade, estudamos o pensamento de Durkheim, considerado o pai encontram ainda prepa-
da Sociologia da Educação. Apresentamos alguns de seus principais concei- radas para a vida social;
tos e de como o autor entendia o papel da educação em diferentes sociedades tem por objeto suscitar e
desenvolver, na criança,
na constituição da personalidade do indivíduo. certo número de estados
físicos, intelectuais e mo-
rais, reclamados pela so-
ciedade política, no seu
conjunto, e pelo meio
especial a que a criança,
particularmente, se des-
tine”. (DURKHEIM, 1952,
p.32)
“A educação não é, pois,
para a sociedade, se-
não o meio pelo qual ela
prepara, no íntimo das
crianças, as condições
essenciais da própria
existência” (DURKHEIM,
1952, p.32).

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 23
1. Por que a educação é um fator de coesão social?
2. Cite exemplos que corroboram a ideia durkheimiana de inculcação de
valores e crenças.
Qual é o papel atribuído à 3. Com base na teoria de Durkheim, explique seu seguinte comentário: “É
educação, segundo uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos”.
Durkheim?
4. Qual é o papel destinado à educação numa sociedade com características
de solidariedade orgânica?
5. Durkheim acreditava que a escola como instituição seria a grande res-
ponsável por organizar os conteúdos necessários à inserção do indivíduo
nessa coletividade. Em sua opinião, nos dias atuais, esse papel ainda é
destinado à escola? Justifique.

Definição de Educação
Para definir educação, será preciso, pois, considerar os sistemas educativos
que ora existem, ou tenham existido, compará-los, e apreender deles os caracteres
comuns. O conjunto desses caracteres constituirá a definição que procuramos. Nas
considerações do parágrafo anterior, já assinalamos dois desses caracteres. Para
que haja educação, faz-se mister que haja, em face de uma geração de adultos, uma
geração de indivíduos jovens, crianças e adolescentes; e que uma ação seja
exercida pela primeira sobre a segunda. Seria necessário definir, agora, a
natureza especifica dessa influência de uma sobre outra geração.
Não existe sociedade na qual o sistema de educação não apresente o
duplo aspecto: o de ser, ao mesmo tempo, uno e múltiplo.
Vejamos como ele é múltiplo. Em certo sentido, há tantas espécies de
educação, em determinada sociedade, quantos meios diversos nela existi-
rem. É ela formada de castas? A educação varia de uma casta a outra; a
dos “patrícios” não era a dos plebeus; a dos brâmanes não era a dos sudras.
Da mesma forma, na Idade Média, que diferença de cultura entre o pajem,
instruído em todos os segredos da cavalaria, e o vilão, que ia aprender na
escola da paróquia, quando aprendia, parcas noções de cálculo, canto e gra-
mática! Ainda hoje não vemos que a educação varia com as classes sociais
e com as regiões? A da cidade não é a do campo, a do burguês não é a do
operário. Dir-se-á que esta organização não é moralmente justificável, e
que não se pode enxergar nela senão um defeito, remanescente de outras
épocas, e destinado a desaparecer. A resposta a esta objeção é simples.
Claro está que a educação das crianças não devia depender do acaso, que
as fez nascer aqui ou acolá, destes pais e não daqueles. Mas, ainda que a
consciência moral de nosso tempo tivesse recebido, acerca desse ponto,

24 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
a satisfação que ela espera, ainda assim a educação não se tornaria mais
uniforme e igualitária. E, dado mesmo que a vida de cada criança não fos-
se, em grande parte, predeterminada pela hereditariedade, a diversidade
moral das profissões não deixaria de acarretar, como consequência, grande
diversidade pedagógica. Cada profissão constitui um meio sui-generis, que
reclama aptidões particulares e conhecimentos especiais, meio que é regido
por certas ideias, certos usos, certas maneiras de ver as coisas; e, como a
criança deve ser preparada em vista de certa função, a que será chamada a
preencher, a educação não pode ser a mesma, desde certa idade, para todos
os indivíduos. Eis por que vemos, em todos os países civilizados, a tendência
que ela manifesta para ser, cada vez mais, diversificada e especializada; e
essa especialização, dia a dia, se torna mais precoce. A heterogeneidade,
que assim se produz, não repousa, como aquela de que há pouco trata-
mos, sobre injustas desigualdades; todavia, não é menor. Para encontrar
um tipo de educação absolutamente homogêneo e igualitário, seria preciso
remontar até as sociedades pré-históricas, no seio das quais não existisse
nenhuma diferenciação. Devemos compreender, porém, que tal espécie de
sociedade não representa senão um momento imaginário na história da hu-
manidade. Mas, qualquer que seja a importância destes sistemas especiais
de educação, não constituem eles toda a educação. Pode-se dizer até que
não se bastam a si mesmos; por toda parte, onde sejam observados, não
divergem, uns dos outros, senão a partir de certo ponto, para além do qual
todos se confundem. Repousa assim sobre uma base comum. Não há povo
em que não exista certo número de ideias, de sentimentos e de práticas que
a educação deve inculcar a todas as crianças, indistintamente, seja qual for
a categoria social a que pertençam. Mesmo onde a sociedade esteja dividida
em castas fechadas, há sempre uma religião comum a todas, e, por conse-
guinte, princípios de cultura religiosa fundamentais, que serão os mesmos
para toda a gente. Se cada casta, cada família tem seus deuses especiais,
há divindades gerais que são reconhecidas por todos e que todas as crianças
aprendem a adorar. E, como tais divindades encarnam e personificam certos
sentimentos, certas maneiras de conceber o mundo e a vida, ninguém pode
ser iniciado no culto de cada uma, sem adquirir, no mesmo passo, todas
as espécies de hábitos mentais que vão além da vida puramente religiosa.
Igualmente, na Idade Média, servos, vilões, burgueses e nobres, recebiam
todos a mesma educação cristã.
Se assim é, nas sociedades em que a diversidade intelectual e moral
atingiu esse grau de contraste, por mais forte razão o será nos povos mais
avançados, em que as classes, embora distintas, estão separadas, por abis-
mos menos profundos.
Mesmo onde esses elementos comuns de toda a educação não se ex-
primem senão sob a forma de símbolos religiosos, não deixam eles de exis-
tir. No decurso da história, constitui-se todo um conjunto de ideias acerca
da natureza humana, sobre a importância respectiva de nossas diversas
faculdades, sobre o direito e sobre o dever, sobre a sociedade, o indivíduo,
o progresso, a ciência, a arte, etc., ideias essas que são a base mesma do
espírito nacional; toda e qualquer educação, a do rico e a do pobre, a que
conduz às carreiras liberais, como a que prepara para as funções industriais,
tem por objeto fixar essas ideias na consciência dos educandos. Resulta des-
ses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de
vista intelectual, quanto do físico e moral; que esse ideal é, até certo ponto,
o mesmo para todos os cidadãos; que a partir desse ponto ele se diferencia,
porém, segundo os meios particulares que toda sociedade encerra em sua

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 25
complexidade. Esse ideal, ao mesmo tempo, uno e diverso, é que constitui
a parte básica da educação. Ele tem por função suscitar na criança: l) um
certo número de estados físicos e mentais, que a sociedade, a que pertença,
considera como indispensáveis a todos os seus membros; 2) certos estados
físicos e mentais, que o grupo social particular (casta, classe, família, pro-
fissão) considera igualmente indispensáveis a todos que o formam. A socie-
dade, em seu conjunto, e cada meio social, em particular, é que determinam
este ideal, a ser realizado.
A sociedade não poderia existir sem que houvesse em seus membros
certa homogeneidade: a educação perpetua e reforça essa homogeneidade,
fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais, recla-
madas pela vida coletiva. Por outro lado, sem uma tal ou qual diversificação,
toda cooperação seria impossível: a educação assegura a persistência desta
diversidade necessária, diversificando-se ela mesma e permitindo as espe-
cializações. Se a sociedade tiver chegado a um grau de desenvolvimento em
que as antigas divisões, em castas e em classes não possam mais manter-
se, ela prescreverá uma educação mais igualitária, como básica. Se, ao mes-
mo tempo, o trabalho se especializar, ela provocará nas crianças, sobre um
primeiro fundo de ideias e de sentimentos comuns, mais rica diversidade
de aptidões profissionais. Se o grupo social viver em estado permanente
de guerra com sociedades vizinhas, ela se esforçará por formar espíritos
fortemente nacionalistas; se a concorrência internacional tomar forma mais
pacífica, o tipo que procurará realizar será mais geral e mais humano.
A educação não é, pois, para a sociedade, senão o meio pelo qual ela
prepara, no íntimo das crianças, as condições essenciais da própria existên-
cia. Mas adiante veremos como ao indivíduo, de modo direto, interessará
submeter-se a essas exigências. Por ora, chegamos à formula seguinte: A
educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que
não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto sus-
citar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais
e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio
especial a que a criança, particularmente, se destine.

DURKHEIM, Émile. Definição de educação. In : --------. Educação e sociologia.


3. ed. Tradução de Lourenço Filho. São Paulo : Melhoramentos, 1952. p. 29-32.
Capítulo I

Leituras
Educação e Sociologia.
Émile Durkheim. Melhoramentos, 1955. Nessa obra, Durkheim analisa o
processo educacional, argumentando que bem longe de ter o indivíduo e
os seus interesses como único e principal objetivo é, antes de mais, o meio
pelo qual a sociedade renova continuamente as condições da sua própria
existência.

26 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Filmes
O enigma de Kaspar Hauser.
Drama. 109 min. Direção: Werner Herzog. Em 1828, em Nuremberg, o mis-
terioso jovem Kaspar Hauser é deixado em uma praça após passar toda a
vida trancado em uma torre. Aos poucos, ele tenta se integrar à sociedade e
entender sua complexidade.
Casamento grego.
Comédia. 95 minutos. Direção: Joel Zwick. Toula Portokalos tem 30 anos,
é grega e trabalha no restaurante de sua família. O sonho de seu pai é vê-la
casada com um grego, mas ela espera algo mais da vida. Com muito custo
consegue convencer seu pai a lhe pagar aulas de informática, como forma
de melhorar seu trabalho. No curso, ela conhece e se apaixona por Ian Mil-
ler, sendo correspondida. Porém, Ian é inglês e por causa disso eles decidem
manter seu namoro em segredo. Mas logo eles são descobertos, desencade-
ando um processo de aceitação para Ian, para que ele possa se adequar às
tradições gregas.

CARVALHO, Alonso B.; SILVA, Wilton Carlos L. (orgs.). Sociologia e Educa-


ção-leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos,
1978.
QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Már-
cia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos.- Marx, Durkheim, We-
ber. 2. ed. revista e ampliada. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro:DP&A,
2001.
RODRIGUES, José Albertino (org.). Durkheim. São Paulo: Ática, 1995.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 27
Capítulo 3
Weber: a Educação, o desencantamento do
mundo e a pedagogia do treinamento

Os ensaístas da obra de Max Weber concordam que, para entendê-lo,


faz-se necessário compreender as relações que ele manteve durante a vida,
suas viagens e o contexto em que viveu.
Das viagens aos Estados Unidos, a impressão sobre o papel da buro-
Maximilian Carl Emil cracia numa democracia o fez, mais tarde, escrever muitas de suas obras.
Weber nasceu em 21 de
abril de 1864 em Erfurt, As primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais que
Alemanha, filho de um começavam a surgir, sobretudo em seu país, a Alemanha, permitiram que
jurista e político alemão Weber se debruçasse e contribuísse, sobremaneira, para a constituição de
de classe média alta. Teve
oportunidade de conviver
uma metodologia específica para as ciências sociais que se diferenciasse
com figuras do mundo das ciências naturais.
intelectual e da política, o
que incentivou suas refle-
Ao perceber que na universidade de seu tempo, os cargos acadêmicos
xões. Sua vida se dividiu estavam sendo preenchidos por indivíduos que utilizavam a cátedra para
entre essas duas áreas: fazer discursos políticos de inspiração fascista, Weber se dispôs a estudar
a atividade intelectual e esse fenômeno e distinguir os papéis concernentes à política e à ciência.
a participação política na
vida alemã, e embora, não Em todos os seus estudos está a preocupação com um fenômeno deno-
tenha ocupado nenhum minado racionalização, um longo processo histórico que resulta na forma-
cargo oficial, acabou por
participar da construção ção dos pilares do Ocidente, de uma civilização caracterizada por processos
da Constituição da Re- de institucionalização quando as regras vão se tornando cada vez mais ra-
pública de Weimar, em cionais e sendo abandonadas as concepções místicas que marcavam épocas
1919. Em 1882, iniciou
uma formação ampla, se
anteriores e que dominavam toda a vida social.
concentrando em estudos
de História, Economia, Fi-
losofia e Teologia. Aos 34
anos, após sofrer sérias 3.1 Weber e a educação
perturbações nervosas
que o levaram a deixar os Apesar de não fazer parte de suas preocupações centrais, de seus es-
trabalhos docentes, pas- critos podemos deduzir grandes reflexões sobre a educação e de como ela se
sou uma temporada nos
dá num mundo capitalista.
Estados Unidos, que lhe
causou grande impres- Weber preocupou-se em entender como esse processo de abandono
são. Retomou seus escri- das concepções místicas, denominado por ele desencantamento do mundo,
tos, publicando A Ética
Protestante e o Espírito afeta todos os setores da vida social.
do Capitalismo. Voltou à Com base nos tipos ideais, metodologia criada por ele, Weber distin-
atividade em 1903, como
coeditor do Arquivo de Ci- gue três tipos de dominação que teriam relação com três tipos de educação
ências Sociais, publicação diferentes.
extremamente importante
no desenvolvimento dos
O primeiro tipo seria a dominação racional-legal, que se fundamenta
estudos sociológicos na no cumprimento da lei e é baseada em regras. A forma mais pura deste
Alemanha. Na fase final tipo de dominação é a burocracia, caracterizada pela impessoalidade nas
da vida, se ateve à Socio-
logia e embora não tenha
relações, pela disciplina, pela crescente necessidade de especialização e por
tido uma produção con- uma crescente racionalização dos quadros e meios administrativos.
tínua, é considerado um Um segundo tipo de dominação seria a tradicional e se fundamenta
dos fundadores da Socio-
logia. Weber morreu de na crença que valida o poder exercido por um chefe. A autoridade não per-
pneumonia em 1920 em tence a um superior escolhido pelos habitantes do país, mas a um homem
Munique, Alemanha. que é chamado ao poder em virtude de um costume, de uma tradição. Seu

28 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
tipo correspondente é a dominação patriarcal. Nesse tipo, a administração
correspondente não tem controle previamente definido, a composição dos
quadros administrativos se dá de forma não especializada e sua hierarquia
não possui racionalidade, já que a escolha dos membros normalmente está
relacionada à ligação do pretendente ao chefe.
Um terceiro tipo de dominação seria a dominação carismática que
se fundamenta na crença “cega” de um líder, que se acredita possuir pode-
res “sobrenaturais”: o líder carismático. Por se fundamentar basicamente
na emoção, não possui nada de racional e não está sujeita às regras estatu-
ídas e tradicionais. A composição dos quadros administrativos nessa ordem Para Weber, a dominação
se dá segundo o carisma e vocação pessoais e não devido à qualificação é a probabilidade de en-
profissional, à posição social ou à dependência pessoal, como nos casos contrar obediência dentro
de determinado grupo de
anteriormente citados. pessoas. Pode basear-se
Weber acredita que as associações políticas humanas, assim como nos mais diferentes moti-
vos de submissão.
o Estado, passaram por um processo de institucionalização, na qual as O carisma é uma quali-
regras foram se tornando cada vez mais racionais, isto é, cada vez mais dade pessoal considerada
incorporadas e introjetadas pelos indivíduos que, aos poucos, foram aban- extraordinária, em virtude
da qual se atribui a uma
donando as concepções mágicas e tradicionais como justificativas para o pessoa poderes ou qua-
comportamento humano e para a administração social. “É o império da lei lidades sobrenaturais,
e da razão”. Assim, as formas de dominação, nas sociedades ocidentais, ca- sobre-humanas.
minharam para o tipo racional-legal, típico de sociedades complexas.
Nesse contexto, o tipo de educação que se processa é bastante distinto
do de sociedades que se baseiam, sobretudo, no carisma ou na tradição. Ao
relacionar os tipos de educação com os tipos de dominação legítima, per-
cebe-se que Weber estava tentando demonstrar que os tipos de educação,
carismática e tradicional, eram comuns nas sociedades pré-capitalistas e a
educação burocrática, especializada, de treinamento é própria da sociedade
capitalista, seu real interesse.
Percebendo que a educação é a forma como os indivíduos se preparam
para lidar com as transformações causadas pelo processo de racionalização
da vida, Weber entende que esse processo alterou substancialmente os modos Dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e
de educar, os sentidos atribuídos à educação, o reconhecimento e acesso ao
Estatística) revelam que
status e bens materiais para aqueles que têm acesso à educação sistemática. aqueles que têm rendi-
Nas sociedades baseadas no carisma, a educação tinha como função mento mensal de até meio
salário mínimo ocupam
despertar o carisma, qualidades heróicas ou dons mágicos e era voltada apenas 1,8% das vagas
justamente para heróis e feiticeiros. em universidades públi-
cas brasileiras. Em con-
Nas sociedades baseadas na tradição, o tipo de educação visava edu- trapartida, as pessoas que
car “um tipo de homem culto”, onde o ideal de cultura dependia da camada recebem mais de cinco sa-
social para o qual o homem estivesse sendo preparado. Weber nomeou-a lários mínimos por mês
são 54,3% dos estudan-
de educação para o cultivo. Essa educação, tinha como função, preparar o tes dessas universidades.
aluno para “uma conduta de vida”. (IBGE, 2007).
Nas sociedades, baseadas na racionalização da vida social, há uma
crescente burocratização da administração pública e das corporações ca-
pitalistas. Todas as atividades humanas são transformadas em atividades
especializadas.
Nessas sociedades, a educação tem como função treinar e transmitir
conhecimentos especializados com finalidades práticas úteis à administra-
ção do estado e às empresas capitalistas.
Essa organização burocrática pressupõe o domínio da língua escrita
e da aprendizagem. A exigência do treinamento especializado (é buscado
que o homem se torne um perito) assume importância fundamental, fa-
zendo que os títulos se tornem cada vez mais prestigiados. Há assim uma

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 29
minimização de uma educação de caráter mais integral, mais formativa em
detrimento de uma educação mais parcial, especializada e reducionista.
Ademais, pelo prestígio dos títulos e o que eles proporcionam, a edu-
cação se transforma cada vez mais em mecanismo de ascensão social e
de obtenção de status privado, já que nem todos podem ter acesso a ela e,
conseqüentemente, ao que ela proporciona.
Weber se posiciona de forma pessimista em relação aos rumos que
o capitalismo moderno e o processo de racionalização da vida estavam di-
tando em termos educacionais, já que, com o puro treinamento, o homem
O que você pensa a res- perderia a possibilidade de se desenvolver integralmente em nome de uma
peito das ideias de We- preparação que visava dinheiro, status e poder.
ber acerca dos rumos da
educação?

Nessa unidade estudamos o pensamento de Max Weber e a análise que o


autor faz do capitalismo e de suas consequências para a vida social. Embo-
ra não tenha se debruçado especificamente sobre a educação, como objeto
de estudo, suas reflexões sobre a racionalização da vida social nos permite
perceber como esse processo altera as formas e sentidos atribuídos à edu-
cação. No capitalismo, a educação deixa de ser um instrumento de cultivo e
passa a ser um mecanismo de obtenção de status, riqueza e poder.

1. Quais as consequências do processo de racionalização para o sistema


educacional?
2. De acordo com o pensamento weberiano, qual é a finalidade da educação
no capitalismo?
3. À luz do pensamento de Weber, como se explica o processo de desigual-
dade que marca o sistema educacional brasileiro?

Leitura
Ciência e política: duas vocações.
Max Weber. Martin Claret,2001. Nestes dois ensaios, Max Weber estuda e
analisa, em profundidade, as condições de funcionamento do Estado Mo-
derno. Para ele, a Ciência contribui para o desenvolvimento da tecnologia,
que controla a vida. O poder político é a preocupação do autor. Estes en-
saios trazem luz e compreensão a outros textos weberianos.

30 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Filmes
V de vingança.
Ficção Científica.132 minutos. Direção: James McTeigue. Em uma Inglater-
ra do futuro, onde está em vigor um regime totalitário, vive Evey Hammond.
Ela é salva de uma situação de vida ou morte por um homem mascarado,
conhecido apenas pelo codinome V, que é extremamente carismático e ha-
bilidoso na arte do combate e da destruição. Ao convocar seus compatriotas
a se rebelar contra a tirania e a opressão do governo inglês, V provoca uma
verdadeira revolução. Enquanto Evey tenta saber mais sobre o passado de
V, ela termina por descobrir quem é e seu papel no plano de seu salvador
para trazer liberdade e justiça ao país.
O grande ditador.
Comédia/Drama/Guerra. 124 minutos. Direção: Charles Chaplin. Em meio
à Segunda Grande Guerra Mundial, judeus estavam sendo esmagados pelo
preconceito alemão. Chaplin, genialmente, interpreta os dois protagonistas
da história: o ditador Adenoid Hynkel (em clara referência a Hitler) e o bar-
beiro Judeu. Irônico e atrevido, o filme é uma obra-prima única com uma
das melhores mensagens antiguerra já transmitidas.

COHN, Gabriel (org). Weber. Tradução de Amélia Cohn e Gabriel Cohn. São
Paulo: Ática, 1979.
FREUND, Julian. Sociologia de Max Weber. Tradução de Luís Cláudio de
Castro e Costa. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
GONZALEZ , Wânia R. C. “A educação à luz da teoria sociológica webe-
riana”. Disponível em www.anped.org.br/reunioes/25/minicurso/educaca-
oteoriaweberiana. Acesso em abril de 2008.
QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Már-
cia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos.- Marx, Durkheim, We-
ber. 2. ed. revista e ampliada. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
VIANA, Nildo. Weber: tipos de educação e educação burocrática. Rev.
Faculdade de Educação e Ciências Humanas de Anicuns- FECHA/FEA -
Goiás, 01, 117-132, 2004.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 31
Capítulo 4
Gramsci e a Escola Unitária

Gramsci vivenciou as primeiras décadas de um século que, desde o seu


início, já denotava ser um período de profundas transformações. Afinal, foi
nele que ocorreu a primeira guerra em escala mundial, sucedida por outras;
Antonio Gramsci nasceu
a ascensão de movimentos xenófobos e de estados totalitários, revoluções
em 1891, na Sardenha, nos âmbitos social, cultural, sexual, tecnológico e político; a dominação do
em uma família pobre e capitalismo como modo de produção econômico e ideológico e as consequen-
numerosa. Foi vítima de tes reações, como organizações de sindicatos, greves gerais, movimentos de
uma doença que o deixou
corcunda e prejudicou contestação ao sistema e tentativas de uma sociedade socialista. Não é à toa
seu crescimento. Estu- que o historiador Eric Hobsbawm, em seu livro Era dos extremos- o breve
dou Letras na Universi- século XX, o divide em três grandes fases: a era da catástrofe, a era de ouro
dade de Turim. Entrou
para o Partido Socialista e o desmoronamento. Isso, para demonstrar o quão tumultuado e criador foi
e se transformou num o século XX, já que dele surgiram grandes inovações, mas também terríveis
jornalista notável, escre- destruições para a humanidade. Gramsci contribuiu, sobremaneira, como
vendo para o L´Avanti,
órgão oficial do Partido militante político e teórico, mas sua relevância está justamente no fato de que
e para vários outros jor- ele conseguiu transcender a sua época, trazendo, em suas análises, discus-
nais socialistas na Itália. sões que ainda hoje, no início do século XXI, se fazem atuais.
Em 1919, rompeu com o
partido e militando em Isso se dá, não somente porque o capitalismo continua dando mos-
comissões de fábrica di- tras do seu caráter destrutivo, mas, principalmente, porque, malfadados os
rigiu a grande greve geral
acontecimentos das duas últimas décadas do século XX, a esperança em
de Turim em 1920 e aju-
dou a fundar o Partido uma sociedade mais justa, igualitária e solidária persiste nos corações e
Comunista Italiano (PCI). mentes de milhões de pessoas ao redor do mundo.
Apesar de sua imunida-
de parlamentar, em 8 de
novembro de 1926, a po-
lícia fascista o prendeu e
o sentenciou a uma pena
4.1 Gramsci e a Educação
de cinco anos de confina- Gramsci é considerado por muitos como o teórico da superestrutura,
mento. No ano seguinte,
um tribunal o condenou justamente pelo fato de que se dedicou a analisar os elementos superestru-
a 20 anos de prisão. turais do capitalismo e da necessidade de sua superação, atribuindo àquela
Cumpriu 10 anos e já um grande peso no processo de transformação social.
bastante doente, ganhou
a liberdade condicional, Percebe-se, em seus escritos, a preocupação em desvendar as formas de
para tratar-se. Morreu dominação do capitalismo, seja através da literatura, do teatro, da educação
em Roma, aos 46 anos,
dias após ter saído da
ou dos meios de comunicação.
prisão, em 1937. Seus De sua preocupação em demonstrar as diferenças entre o oriente e o
numerosos escritos, re- ocidente, não do ponto de vista geográfico, mas da composição de suas so-
digidos em grande parte
quando estava preso e ciedades, deriva sua discussão acerca da hegemonia. Para Gramsci, nas
editados postumamente sociedades orientais, o Estado e as estruturas políticas concentram todo o
(Cadernos do Cárcere), poder, e a sociedade civil se mostra débil e pouco organizada, sendo difícil se
influenciaram profun-
damente o pensamento contrapor ao Estado.
marxista do século XX e Nas sociedades ocidentais, ao contrário, a sociedade civil tem estru-
as discussões acerca da
cultura, do papel dos in-
tura, é múltipla e organizada e pode, dessa forma, dividir com o Estado e as
telectuais e da escola no estruturas políticas a administração da vida social. Nessas sociedades que
processo de transforma- têm uma vida mais plural e um capitalismo mais avançado, o poder se mos-
ção social, preocupação
central da obra de Gra-
tra diluído entre o Estado e a sociedade civil.
msci.

32 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Nessas sociedades, a política tem que ser feita na sociedade e deve se
referir aos espaços de poder disponíveis, não se limitando apenas à coerção
física ou ao poder econômico. A conquista da hegemonia, conceito central
na obra gramsciana, se dá na união entre coerção e consenso, ou seja, não
apenas na força, mas também, e principalmente, na persuasão. Isso o sepa-
ra de Lênin, que em seus escritos sobre hegemonia insistia no seu aspecto
puramente político. Ele entendia que a sociedade política era mais impor-
tante que a sociedade civil, portanto, o objetivo a ser atingido, sendo para
"Na produção da vida os
isso necessária uma conquista anterior de hegemonia política. O problema homens geram também
essencial era a derrubada do aparelho estatal pela violência. Gramsci, ao outra espécie de produ-
contrário, situa a luta contra a classe dirigente no terreno da sociedade ci- tos que não têm forma
material: as ideologias
vil, que teria assim, primazia sobre a sociedade política. políticas, concepções re-
O processo que transforma determinadas classes sociais em classes ligiosas, códigos morais,
e estéticos, sistemas le-
dirigentes não é automático e nem essa conquista se dá, segundo Gramsci, gais, de ensino, de comu-
de maneira espontânea. Faz-se necessário que essa hegemonia seja cons- nicação, o conhecimen-
truída. Portanto, deve ser de interesse de uma classe que queira obter o to filosófico e científico,
representações coletivas
poder, construí-la. de sentimentos, ilusões,
Justamente pelo campo da sociedade civil ser tão fecundo e ser um modos de pensar e con-
cepções de vida diversos
espaço efetivo de luta pela hegemonia, Gramsci entende que o campo das
e plasmados de um modo
subjetividades, das ideias e da cultura - portanto, dos sujeitos, dos inte- peculiar. A classe inteira
lectuais, da escola, da organização da cultura - tornara-se absolutamente os cria e os plasma deri-
decisivo. O intelectual se distinguia das concepções correntes por desacre- vando-os de suas bases
materiais e das relações
ditar de uma tomada do poder que não fosse antecedida por transformações sociais correspondentes."
de mentalidade. (QUINTANEIRO, BAR-
BOSA; OLIVEIRA, 2003,
Assim sendo, se faz necessária a apropriação do saber e da cultura p.37).
como elementos essenciais para a conquista da hegemonia. Gramsci enten- Para refletir sobre a hege-
de que esse processo deve ocorrer ainda nos marcos da sociedade capita- monia, Gramsci se base
na teoria de Lenin de que
lista. no interior de cada força
Uma das grandes contribuições teóricas do autor reside no fato de ele social, existe uma fração
de classe que dirige políti-
ter atribuído um grau de importância às discussões da educação, entenden-
ca e culturalmente o resto
do-a como elemento fundamental da construção de uma nova sociabilidade. da sociedade. Para conse-
Para ele, os agentes principais das mudanças seriam os intelectuais e um guir seu intento esse seg-
dos seus instrumentos mais importantes, a escola. mento social deve genera-
lizar os seus valores, sua
Partindo de análises feitas por Marx e Lênin, acerca do papel re- cultura, o seu programa
volucionário do proletariado e da necessidade de tomada de consciência, político, permitindo que
o resto da sociedade inte-
como preceito capital para a ocorrência da revolução, Gramsci amplia es- riorize e adote como seus
sas discussões demonstrando o papel estratégico da educação e da função essas estratégias. Esse
determinante dos intelectuais na construção da consciência de classe dos complexo processo deno-
mina-se hegemonia.
trabalhadores. Sempre entendendo e acreditando na capacidade orgânica
dos trabalhadores de construírem uma nova civilização.
Gramsci alerta sobre a necessidade de um indivíduo conciliar a ativi-
dade manual e intelectual, entendendo que a atividade intelectual não deve
ser domínio de uma classe.
Elabora, assim, uma nova concepção de intelectual, segundo a qual
todos os homens são intelectuais, embora admita que na sociedade nem
todos tenham uma função intelectual.
O fato é que, no processo de conquista do poder, os grupos sociais do-
minantes impõem sobre o restante da sociedade suas concepções de mun-
do e utilizam-se, para isso, da escola, da imprensa, da igreja etc. Assim,
eles elaboram sua própria hegemonia política e cultural e conta, em seus
quadros, com intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência, tendo
como função garantir o consenso da sociedade.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 33
Gramsci afirma que os intelectuais são os comissários do grupo do-
minante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do
governo político.
Nesse sentido, se percebe que um aspecto essencial a ser levado em
consideração na hegemonia da classe dirigente reside no seu monopólio
intelectual. Gramsci assevera que os intelectuais da classe historicamente
progressista, em determinadas condições, exercem tal poder de atração que
terminam, em última análise, subordinando a si os intelectuais de outros
grupos sociais.
É, portanto, por intermédio da sociedade civil que a classe dominante
De todos os teóricos mar- exerce sua hegemonia sobre as demais classes, a fim de conseguir o consen-
xianos, foi Gramsci quem timento das massas. Isso se dá através da cultura e da ideologia.
mais conseguiu avançar
na discussão acerca da Conforme Nogueira (2003), Gramsci vê o intelectual como um pro-
dominação e da direção tagonista estratégico da produção da autoconsciência crítica de uma co-
da sociedade. Para ele,
munidade: um organizador, um dirigente, um “especialista” na elaboração
isso se dá não apenas
através da força, mas em conceitual e filosófica, intimamente colado à aventura histórica de um povo-
sociedades complexas, nação e, portanto, encharcado de política.
através da disputa. Uma
classe é dominante por- Como a proposta o autor é que os trabalhadores se apoderem da so-
que consegue obter o con- ciedade civil, propõe uma reforma moral, a ser realizada através da escola
senso de outras classes. unitária.
Essa luta se daria na So-
ciedade Civil, âmbito em Ao analisar a sociedade e a crise escolar de sua época, Gramsci per-
que se moveriam as insti- cebeu que nas sociedades modernas as atividades práticas se tornaram
tuições destinadas a obter
esse consenso, dando es-
complexas e as ciências se mesclaram à vida social de tal forma que foi se
tabilidade à formação so- criando, paulatinamente, um sistema de escolas particulares de diferentes
cial. Importa salientar que ramos profissionais mediante uma precisa individualização.
o consenso não é perma-
nente, podendo ser perdi- Se anteriormente, havia uma divisão entre escola clássica, destinada
do a qualquer momento. às classes dominantes e aos intelectuais; e a profissional, para as classes
instrumentais, o desenvolvimento da base industrial fez surgir, ao lado da
escola clássica, a escola técnica, nas quais o destino do aluno e sua futura
atividade são predeterminados, passando a predominar sobre aquelas, con-
sideradas desinteressadas demais.
Parte das reflexões de Gramsci sobre educação foi motivada pela re-
forma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da Educação de Benito
Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional,
“completo”, e aos das classes pobres uma escola voltada, principalmente,
para a formação profissional. Ao contrário, o pensador defendia uma escola
“única inicial de cultura geral, humanista, formativa”.
"A questão da hegemonia
significa, para as classes A proposta de Gramsci para superar essa crise está justamente nessa
populares, o dever de re- escola unitária capaz de equacionar o desenvolvimento da capacidade de
sistir ao canto da sereia
dos projetos das classes trabalhar manualmente e da capacidade de trabalhos intelectuais. A escola
dominantes. Significa po- unitária equivaleria ao ensino fundamental e médio, com formação huma-
der articular o conjunto nista (entendida no sentido amplo do termo) e tinha como função inserir
da sociedade ao seu pro-
jeto. Ser agente do proces-
os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a certo grau de matu-
so e não mero espectador ridade e capacidade à criação intelectual e prática e a certa autonomia na
passivo". (DIAS, 1994, orientação e na iniciativa.
p.132).
Para isso, o autor sugere práticas pedagógicas e o passo a passo das
fases a serem desenvolvidas, percebendo a necessidade de, ao largo das no-
ções instrumentais de instrução, serem ensinadas noções sobre o Estado e
a sociedade, como elementos primordiais de uma nova concepção de mundo
que entra em luta contra as concepções que ele chama de “folclóricas”. Não
esquecendo a necessidade de ser uma escola criadora, no sentido de ex-
pandir a personalidade do indivíduo, tornada autônoma e responsável, com

34 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
“uma consciência moral e social sólida e homogênea”, na qual a aprendiza-
gem seja esforço do aluno. O papel que caberia ao professor seria de exercer
a função de “guia amigável”.
O surgimento dessa escola unitária, para ele, daria início não somente
a novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial no âmbito da
escola, mas se alastraria para toda a vida social, emprestando-lhe um novo
conteúdo.
Bento Mussolini, jorna-
Nesse novo contexto entre vida e cultura, a academia teria uma nova lista e político italiano,
organização, tendo como princípio construir mecanismos para selecionar e criador do Fascismo. Go-
desenvolver capacidades individuais das massas populares. Tudo isso visava vernou a Itália entre 1922
fornecer o desenvolvimento de uma concepção de mundo histórico-dialética. e 1943, autodenominan-
do-se Il Duce, o condutor.
Gramsci alerta para o fato de que a multiplicação de escolas profis- Em 28 de abril de 1945,
sionais, apesar de se apresentar como democrática, não o é, pois isso não foi morto por guerrilheiros
da resistência italiana.
consiste no fato de um operário se tornar mais qualificado e sim, em que
cada cidadão possa se tornar governante e que a sociedade o coloque em
condições de poder fazê-lo. O que ocorre, no entanto, é que o tipo de escola
destinada para o povo já nem conserva esse caráter ilusório, na medida em
que restringe a camada governante preparada.
Demonstra ainda uma inquietação no fato de que a participação das
massas nas escolas passe a gerar facilidades que não devem ser provocadas
se o objetivo real for criar uma nova camada de intelectuais que possa che-
gar às mais altas especializações. Percebe-se, dessa forma, a preocupação
fundamental do autor em elevar o nível cultural das massas, como parte
fundamental do processo de conquista da hegemonia.
"(...)não existe atividade
Nosella, em um artigo publicado sobre a atualidade de Gramsci, in- humana da qual se possa
forma a necessidade de se reler o autor italiano a fim de entender a forma excluir toda intervenção
de compromisso político que o intelectual e o educador precisam firmar. intelectual, não se pode
separar o Homo faber do
Para isso ele faz uso de uma carta de Gramsci, escrita na prisão à esposa, Homo sapiens. Em suma,
em que explica o conceito de cultura desinteressada, utilizado por ele em todo homem, fora de sua
seus escritos e que podem dar margem a explicações errôneas. Ao explicá- profissão, desenvolve
uma atividade intelectual
lo, Gramsci responde que desinteressado se contrapõe a “oportunista, ime- qualquer, ou seja, é um
diatista, utilitarista...como tantos projetos educacionais que bem conhece- “filósofo”, um artista, um
mos”. (GRAMSCI apud NOSELLA, 2008). homem de gosto, partici-
pa de uma concepção de
A julgar por muitos de nossos problemas educacionais, se percebe o mundo, possui uma linha
quão atual esse intelectual se mantém. consciente de conduta
moral, contribui assim
para manter ou para mo-
dificar uma concepção de
mundo, isto é, para pro-
mover novas maneiras de
pensar" (GRASMCI apud
NOGUEIRA, s/d, p.10-11)

Neste capítulo estudamos o pensamento de Gramsci, considerado um dos "Em vez de se seguir ao
pensadores mais influentes do pensamento educacional. Vimos a diferença advento de uma nova so-
ciedade, a “escola unitá-
traçada pelo autor entre as sociedades orientais, aquelas cujo Estado é forte ria” torna-se ela mesma
e a sociedade civil é fraca e desmobilizada, e as sociedades ocidentais, onde instrumento de edifica-
o estado divide o poder com a sociedade civil. Nessas últimas, a estratégia ção desta sociedade: um
de tomada de poder não pode será mesma utilizada nos outros tipos de so- elemento a mais para
possibilitar às classes su-
ciedade, visto que nessa, a batalha não pode ser feita somente com o uso da balternas a aquisição de
força, mas da persuasão, da batalha das ideias. Nesse sentido, Gramsci pro- recursos decisivos para
põe a escola unitária, escola essa que conseguiria devolver ao trabalhador e romper com a subalterni-
dade e assumir um maior
a seus filhos a retomada do processo produtivo, quando trabalho intelectual protagonismo social”.
e o manual se uniriam novamente. (GRASMCI apud NOGUEI-
RA, s/d, p.10).

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 35
1. Explique o conceito de hegemonia em Gramsci.
2. Qual é a relação entre a discussão realizada por Gramsci sobre as socie-
dades ocidentais e seus escritos sobre educação?
Em sua opinião, a escola 3. Qual é o papel destinado aos intelectuais, segundo o autor?
unitária seria uma pro-
posta interessante para 4. Por que a escola unitária se diferenciaria das demais escolas?
resolver algumas dispari-
dades existentes no Bra- 5. Em sua opinião, qual é a contribuição de Gramsci para os debates sobre
sil? Por quê? educação?

Leituras
A questão da ideologia em Gramsci.
Leandro Konder, . Disponível em http:// www.acessa.com/gramsci/?page=
visualizar&id=298. Nesse artigo, é feita uma discussão acerca do conceito
de Ideologia na obra de Antonio Grasmci. Para isso, faz uso da concepção
utilizada por Marx e Engels e ampliada pelo italiano.
A pedagogia de Gramsci e o Brasil.
Rosemary Dore Soares, 2004. Disponível em http://www.acessa.com/gra
msci/?page=visualizar&id=168. Nesse artigo é discutida a introdução da
análise gramsciana sobre a escola no Brasil, a importância que a análise
do autor ganhou na interpretação da escola e do sistema educacional bra-
sileiro e algumas dificuldades decorrentes da incompreensão de alguns de
seus conceitos.

Filmes
Encouraçado Potemkin.
Drama. 75 min. Direção: Sergei Eisenstein. Dramatização de uma revolta
de marinheiros contra seus oficiais ocorrida em 1905 na Rússia que serviu
como uma das antecipações da revolução socialista ocorrida em 1917. Um
dos filmes mais importantes da história do cinema devido ao seu uso subli-
me e pioneiro da edição de imagens.

36 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Che.
Drama. 126 min. Direção: Steven Soderbergh. No dia 26 de novembro de
1956, Fidel Castro navega até Cuba com oito rebeldes. Um deles era Ernesto
“Che” Guevara, um médico argentino que dividia com Castro um objetivo
comum: derrubar o governo corrupto de Fulgêncio Batista. Che prova ser
indispensável na batalha, e rapidamente aprende a arte de guerrilha. Ao
mesmo tempo que retrata as batalhas rumo à revolução, CHE demonstra,
através de imagens da famosa viagem de Guevara às Nações Unidas, a re-
percussão que a vitória socialista cubana teve nos EUA e no mundo. O po-
der das ideias e ações de um homem que mudou o curso da história.

COUTINHO,Carlos Nelson . Atualidade de Gramsci. Disponível em <http://


www.artnet.com.br/gramsci/arquiv40.htm>. Acesso em 01 de agosto de
2003.
DIAS, Edmundo Fernandes. Sobre a leitura dos textos gramscianos: usos
e abusos In Revista Idéias. Ano I nº 1 jan/julho 1994. pp 111-137.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Pau-
lo: Círculo do Livro, s/d.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Os intelectuais, a política e a vida. Disponí-
vel em <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv113.htm>. Acesso em 01
de agosto de 2003.
______. Gramsci e a escola unitária. Disponível em <http://www.artnet.
com.br/gramsci/arquiv162.htm>. Acesso em 01 de agosto de 2003.
NOSELLA, PAOLO. Compromisso político e competência técnica: relen-
do Gramsci. Disponível em <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv332.
htm>. Acesso em 20 de outubro de 2008.
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977.
SAVIANI, Nereide. Educação brasileira em tempos neoliberais In Revista
Princípios, 1996 pp 52-61.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 33ª ed. Campinas: Autores As-
sociados, 2000. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 37
Capítulo 5
Bourdieu, a Escola e a violência simbólica

Bourdieu acompanhou e contribuiu decisivamente para as mudanças


que ocorreram na França (e por que não dizer, do mundo) no período em que
esteve atuante, tendo se transformado, ao longo dos anos, em um exemplo
de intelectual militante, permitindo uma oxigenação da Sociologia com sua
obra versátil e profunda.
Tornou-se um dos maiores expoentes da sociologia do século XX, ao
Pierre Bourdieu nasceu fazer uma síntese de Marx, Durkheim e Weber.
em 1930, em Béarn, no
sudoeste da França, em Seus interesses acadêmicos foram os mais diversos: estudou temas como
uma vila cuja língua na- a educação, cultura, mídia, política, linguística, arte e atuou nos últimos anos
tiva não era o francês. de vida como porta-voz dos excluídos, contra todas as formas de opressão, ex-
Passou sua infância e seu
período de escola funda- ploração e dominação, tema central de sua extensa e variada obra.
mental entre os filhos de Ainda na década de 50, quando foi enviado à Argélia, se envolveu nas lutas
camponeses, de operários
e de pequenos comercian-
pela emancipação argelina. Ao voltar para a França, acompanhou as lutas do
tes. Seu pai era funcioná- movimento estudantil a favor de uma maior abertura e liberdade. Seus es-
rio dos Correios. Recebeu tudos sobre os mecanismos explícitos e implícitos de desigualdade escolar
uma bolsa de estudos e
e o estudo crítico sobre a estrutura escolar o transformaram numa espécie
foi aconselhado, por um
de seus professores, a de ícone da juventude dos anos 60, ainda que, em muitos momentos, ele não
inscrever-se no melhor tenha sido bem interpretado.
curso preparatório para
uma instituição de elite Ao longo dos anos 70, Bourdieu se dedica a várias pesquisas sobre
e de grande prestígio na o processo de diferenciação social a fim de elaborar uma teoria geral das
França: a École Norma- classes sociais. Na década de 80, volta seu interesse para os estudos sobre
le Supérieure. O curso
preparatório reunia os os campos literário, jornalístico e acadêmico.
melhores estudantes do O início dos anos 90 é marcado pelo agravamento da questão econômi-
país em uma atmosfera de
competição intensa e de-
ca e social na França, com o aumento do desemprego e da precarização do
voção acadêmica. Na Éco- mundo do trabalho. Bourdieu consegue mobilizar um número expressivo de
le, se defronta com a cul- intelectuais para um projeto coletivo que culminou no livro de quase 1.000
tura burguesa e elitista da
maioria de seus colegas.
páginas, denominado A Miséria do Mundo. Essa obra alcançou grande pro-
Essa experiência marca- jeção não somente nos meios acadêmicos, mas entre o público em geral, que
ria sobremaneira, Pierre passou a discuti-la, encená-la e trazer o debate para a esfera pública sobre
Bourdieu. Em 1955, já as mudanças sociais que vinham afetando o país e o mundo. Dessa forma,
formado em Filosofia, por
motivos disciplinares, é Bourdieu encarnou, como poucos, o intelectual preocupado com as ques-
enviado à Argélia, para tões de seu tempo e que ao mesmo tempo conseguiu transcendê-lo.
atuar como professor e
pesquisador. Essa expe-
riência foi um divisor de
águas na vida profissional
de Bourdieu e marcaria
5.1 Bourdieu e a Educação
profundamente a sua atu- O autor é um dos sociólogos contemporâneos que mais contribuíram
ação desde então, o levan-
do da Filosofia às Ciências para a análise da educação e da instituição escolar. Com Jean-Claude Pas-
Sociais. No início da déca- seron, escreveu dois livros fundamentais para entender o problema da desi-
da de 60, volta à França gualdade escolar: Os herdeiros (1964) e A reprodução- elementos para uma
e inicia uma intensa pro-
dução bibliográfica que só
teoria do ensino (1970).
findaria com sua morte, Por tratar de um tema tão apaixonante, não há consenso em relação
em 2002.
às suas teorias. No entanto, não se pode deixar de pensar que, a partir da

38 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
década de 60, a escola e a educação institucional passaram a ser vistas com
olhos mais críticos e isso se deve à análise desses autores que subverteram
as teorias existentes.
Isso porque, até então, prevalecia uma idéia bastante otimista e base-
ada nos ideais republicanos e funcionalistas de que o acesso à escolarização
formal ensejaria uma mudança social, permitindo que pessoas de diferentes
classes sociais tivessem igualdade de condições de acesso à educação e ao
que ela proporcionava em termos de realização das potencialidades huma-
nas e de superação de desigualdades, atraso econômico e construção de
uma nova sociedade, baseada na meritocracia. Durante a década de 90, a
Partia-se do pressuposto de que os indivíduos competiriam em igual- taxa média de desempre-
go na França era de 12%.
dade de condições dentro do sistema e aqueles que mais se destacassem por
seus méritos individuais avançariam em suas carreiras acadêmicas, o que
os possibilitaria ocupar posições superiores na hierarquia social.
Contudo, no início da década de 60, dois processos apontavam para as
promessas não cumpridas quando da massificação do ensino.
Pesquisas quantitativas, financiadas pelos governos inglês, francês e
americano, apontaram para o peso que a origem social desempenhava no
sucesso e no fracasso escolar e, ademais, a massificação do ensino propor-
cionou um efeito interessante: havia um sentimento de frustração dos es-
tudantes com o baixo retorno social dos diplomas no mercado de trabalho. O movimento estudan-
til francês foi responsável
Bourdieu e Passeron, em suas obras, utilizaram os dados qualitativos pelo Maio de 68, evento
das pesquisas para pensar uma nova teoria que apontava a escola como que repercutiu sobrema-
uma instância legitimadora e, muitas vezes, reprodutora das desigualdades neira no mundo. As lutas
pela liberdade e posterior-
e das relações de poder vigentes, já que as condições de partida não bene- mente pelos direitos civis
ficiavam a todos: os alunos não competiam em condições de igualdade e e das minorias se origi-
traziam consigo uma bagagem social e cultural que seriam avaliadas com o naram da mobilização de
estudantes que, cansados
mais ou menos rentável no mercado escolar. do autoritarismo das ins-
As “condições de partida”, portanto, determinavam, em muitos casos, tituições educacionais,
promoveram barricadas
as “condições de chegada”. A escola cumpriria um papel essencial de legiti- nas ruas e nas universi-
madora das desigualdades, ao dissimular as bases sociais, convertendo-as dades. Conseguiram a
em diferenças cognitivas, relacionadas ao mérito e dons. adesão de importantes
segmentos, como os tra-
Assim, os autores desnudaram as práticas escolares, demonstrando balhadores que promove-
como por trás de um processo que se julga universal e puramente merito- ram conjuntamente uma
crático se escondem critérios de triagem, seleção e peneiramento social. As greve geral, forçando os
setores conservadores a
avaliações seriam, por assim dizer, um verdadeiro julgamento cultural e um recuo.
moral dos alunos. A chamada Terceira Re-
pública trouxe a obriga-
Os autores foram além e demonstraram, a partir de suas investigações, toriedade escolar para
como os grupos sociais constroem através da experiência um conhecimento crianças de 6 a 13 anos
prático sobre o que é possível ou não de ser alcançado por seus membros e e a proibição do ensino
religioso nas escolas pú-
sobre as formas de fazê-lo. Dessa forma, a partir da estimativa de sucesso e blicas, ideais que até hoje
fracasso escolar, os grupos sociais adequam suas escolhas. estão entre os pilares edu-
cacionais da França. Ha-
As classes populares, ao perceber que as suas chances são reduzidas
via a crença de que, na
e por sentirem que o investimento é incerto e o risco de não obterem êxito é escola pública e laica, a
alto, optam por investir de modo moderado, adotando uma postura “liberal” cultura religiosa daria lu-
em relação à educação dos filhos, com pouca cobrança e acompanhamento, gar à cultura cívica.

privilegiando as carreiras mais curtas.


As classes médias sabem que as chances são superiores às das classes
populares e nutrem esperanças de ascensão social.
Assim, adotam uma postura de renúncia de obtenção de determinados
bens, investindo pesadamente em prol da educação dos filhos.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 39
As elites, por já disporem de capital econômico e social e certo
capital cultural, acreditam que o sucesso é visto como natural, e dessa
forma investem pesadamente na educação dos filhos, porém de uma manei-
ra mais descontraída que a classe média. Sabem, assim, que as condições
objetivas tornam o fracasso praticamente improvável.
Em Os Herdeiros, os sociólogos franceses, ao analisarem alunos da
Faculdade de Letras, verificaram que, enquanto os estudantes de classes
abastadas tinham uma atitude diletante em relação à cultura escolar, os
alunos oriundos das camadas médias/populares pautavam-se pelo esforço
Nesse sistema, as posi- e ascetismo na realização do curso superior.
ções hierárquicas são Os primeiros herdaram uma “atmosfera cultural de família”, adqui-
baseadas no mérito, e na
competência. O princi- rida por meio da frequência sistemática aos teatros, cinemas e museus, de
pal argumento em favor leituras de livros e revistas e da convivência no circulo familiar e social.
da meritocracia é que ela
proporciona maior justiça
A familiaridade com as obras de arte, adquirida de forma lenta e pro-
do que outros sistemas gressiva no seio familiar, conferia a esses estudantes “privilégio cultural”,
hierárquicos, já que as que os distinguia dos outros alunos da faculdade e fazia a diferença no seu
distinções não se dão por
sexo ou etnia, nem por ri-
desempenho escolar.
queza ou posição social, Após críticas ao livro Os Herdeiros, os autores refinaram suas teorias e
entre outros fatores bioló- lançaram A Reprodução- elementos para uma teoria do ensino onde procu-
gicos ou culturais.
raram argumentar que o sistema de ensino contribui, decisivamente, para
a reprodução das desigualdades sociais, apresentando o conceito de violên-
cia simbólica. A tese da obra é de que toda ação pedagógica é, objetivamen-
te, uma violência simbólica, esta entendida como uma imposição arbitrária
apresentada àquele que sofre de maneira dissimulada.
A ação pedagógica impõe um determinado arbitrário cultural, imposto
a toda a sociedade, através do sistema de ensino, sendo necessária, para
isso, uma autoridade pedagógica.
Essa inculcação é realizada até quando os educandos naturalizem o
seu conteúdo, incorporando-os aos seus próprios valores, adquirindo o que
Bourdieu denominou habitus. Para os autores, o sistema de ensino institu-
cionalizado trabalha nessa perspectiva: inculcar os valores dominantes e
reproduzir a dominação social.

As análises de Bourdieu
permitiram mostrar que
existem diferentes capi-
tais que são acionados em
distintos momentos. Um
deles é o capital cultural
que não necessariamente Vimos nessa unidade o pensamento de Pierre Bourdieu, considerado,
tem relação com o capital por muitos, como o maior sociólogo do século XX, pela inovação de sua te-
econômico. O capital cul-
tural é adquirido na socia-
oria e pela amplitude que elas tomaram. No campo educacional, Bourdieu
lização primária realizada é alvo de intensas polêmicas, tanto por seus conceitos, como o de violência
pela familiar e na trans- simbólica, como pela análise crua que ele fez (com Passeron) sobre a escola
missão de conhecimentos
via instituições educacio-
e seus mecanismos de seleção e peneiramento social, encobertos pela ideo-
nais. logia do dom e da meritocracia.
A violência simbólica é
uma forma de coação que
se fundamenta na fabri-
cação contínua de cren-
ças no processo de socia-
lização e que induzem o
indivíduo a se posicionar
no espaço social seguindo
critérios e padrões do dis-
curso dominante.

40 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
1. Com base na sua vivência, apresente exemplos que corroborem as dis-
cussões de Bourdieu acerca:
• Da violência simbólica
• Do peneiramento social O sistema educacional
brasileiro é meritocrático?
• Da meritocracia Por quê?
• Do fracasso escolar

2. Quais as contribuições que Bourdieu trouxe ao debate educacional?

Leitura
A sociologia da educação de Pierre Bourdieu: limites e
contribuições.
Cláudio Marques Martins Nogueira, Maria Alice Nogueira. Educ. Soc.,
Campinas, v. 23, n. 78, Apr. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302002000200003&lng=en
&nrm=iso>. O artigo destaca as contribuições e aponta alguns limites da
Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu. Na primeira parte, são analisa-
das as reflexões do autor sobre a relação entre herança familiar(sobretudo,
cultural) e desempenho escolar. Na segunda parte, são discutidas suas te-
ses sobre o papel da escola na reprodução e legitimação das desigualdades
sociais.

Filmes
O sorriso de Monalisa.
Drama. 125 minutos. Direção: Mike Newell. Uma professora serve de inspi-
ração para suas alunas, após decidir lutar contra normas conservadoras do
colégio em que leciona.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 41
Mentes perigosas.
Drama. 99 minutos. Direção: John. N. Smith. Oficial da marinha (Michelle
Pfeiffer) abandona carreira militar para realizar o antigo sonho de ser pro-
fessora de inglês. Mas o grupo de alunos rebeles que tem pela frente logo
na primeira escola em que leciona será capaz de colocar à prova todo seu
treinamento e experiência adquiridos na caserna.

CARVALHO, Alonso B.; SILVA, Wilton Carlos L. (orgs.). Sociologia e educa-


ção-leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006.
NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A sociolo-
gia da educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educ. Soc.,
Campinas, v. 23, n. 78, Apr. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scie-
lo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302002000200003&lng=en&nrm=
iso>. Acesso em: 08 Dec. 2008. doi: 10.1590/S0101-73302002000200003.
PAIXÃO, Lea P.& ZAGO, Nadir. Sociologia da Educação- pesquisa e reali-
dade brasileira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro:DP&A,
2001.

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