Manutenção Da Escravidão No Sul de Minas 2018 - Juliano Tiago Viana de Paula

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UFRRJ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

TESE

A manutenção da escravidão:
Desigualdades socioeconômicas, compadrio e hierarquias sociais no Sul
de Minas Gerais – Vila de Santa Maria do Baependi, 1830-1888.

JULIANO TIAGO VIANA DE PAULA

2018

1
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

A manutenção da escravidão:
Desigualdade socioeconômica, compadrio e hierarquias social no Sul
de Minas Gerais – Vila de Santa Maria do Baependi, 1830-1888.

LINHA DE PESQUISA: Relações de trabalho e praticas culturais.

JULIANO TIAGO VIANA DE PAULA

Sob a Orientação da Professora Doutora

Mônica de Souza Nunes Martins

Tese submetida como requisito


parcial para obtenção do grau de
Doutor em História, no Curso de
Pós-Graduação em História, Área de
Concentração em Relações de Poder
e Cultura.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil
(CAPES) – Código de financiamento 001.
This study was financed in part by the Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil – (CAPES) –
Finance Code 001

Rio de Janeiro, RJ
Agosto de 2018

2
Ficha Catalográfica

3
]]]Agradecimentos
4
DEDICATÓRIA

Tese dedicada aos meus pais (Graça e Adilson) e


irmãos (Mateus e Tati) que foram os principais
alicerces ao longo destes quatro anos de pesquisa.
Sem este apoio incondicional destes, não alçaria o
estagio final desta pesquisa.

5
Agradecimentos

Depois de 4 anos aprimorando uma escrita burocrática e acadêmica fica até


difícil empregar neste momento de momentos de agradecimento uma escrita menos
formal, mas vamos tentar.

Felizmente uma tese não é escrita somente por duas mãos, na verdade foram
varias que contribuíram para a concretização do encerramento deste ciclo de acadêmico.
Foram incontáveis pessoas e instituições (gerenciadas por algumas deles) que deram a
sua contribuição para esta tese, me perdoa caso eu esqueça alguns, me esforçarei o
máximo em contemplar a maioria das pessoas que estiveram envolvidas durante quatro
anos para no desenvolvimento desta tese.

Primeiramente agradeço a Deus por me ter dado força para a conclusão deste
trabalho. Em seguida agradeço a capes por financiar esta pesquisa e ter me concedido
uma bolsa para estudar um período no Exterior.

Agradeço Mariana Monteiro Machado, Mônica Ribeiro de Oliveira, Carlos


Eduardo Coutinho da Costa e Pedro Parga Rodrigues por terem aceitado em participar
da arguição desta pesquisa.

A professora Mônica de Souza Nunes Martins, minha orientadora, meu muito


mais que obrigado, me orientou com calma e me forneceu ótimos insights geniais para o
desenvolvimento desta pesquisa, apesar do pouco tempo que estive sobre a sua
orientação, nunca aprendi tanto. Orientou uma pesquisa que ao longo de um ano teve
vários percalços (2 roubos de notebook, perda de material de pesquisa, doenças, viagens
etc.). Se o estudo tem menos problemas do que os tem, é em razão da professora
Mônica realizar leituras precisas e comentários que extrapolavam o alcance do autor.
Muito obrigado, de novo. Dito isto, quero registrar que, “todos os erros e equívocos
destes trabalhos são de única e exclusiva responsabilidade do autor...”.

Agradeço ao professor Michel Bertrand por ter me acolhido durante o meu


estágio de doutoramento na CASA DE VELÁZQUEZ ÉCOLES FRANÇAISES À
L'ÉTRANGER, grato por ter me indicado uma relevante bibliografia sobre redes
parentais e hierarquias em sociedades tradicionais.

6
Agradeço a Jean-Pierre Dedieu, por ter me recebido na École Normale
Supérieure de Lyon. Durante um estagio de 3 semanas nesta Instituição, me apresentou
as técnicas de pesquisa oferecidas pela Base de dados Fichoz, que exige do pesquisar
um conhecimento profundo das suas fontes. Este encontro foi algo marcante em minha
vida acadêmica, pois aprendizado sobre esta base de dado se tornou um grande desafio
acadêmico, no qual foi aprimorado na base de muitos socos na mesa deferidos por Jean-
Pierre que rendeu a desistência de dois colegas argentinos que estavam também sobre
sua supervisão, nisto, com muito sacrifício, fui único a executar o cronograma de
atividade estabelecido por este pesquisador. Sendo bem sincero, uma das maiores
experiência profissionais.

Ao PPHR, agradeço ao secretario Paulo por atender com muito profissionalismo


e generosidade, ontem acabou se tornando meu grande amigo. Aos Malungos, Pablo,
Nelson, Natalia, Ana Paula Rodrigues, Moises Peixoto, Antônio Herdes e Nara por me
apoiarem nesta árdua jornada.

Agradeço os funcionários do Escrito Técnico IPHAN da cidade de São João del


Rei, Fernando, Denismara e Jairo que me ajudaram a carregar caixas e caixas de
inventários para montar um extenso banco de dados dos indivíduos que deixaram bens a
legar na Vila de Baependi, gratidão eterna.

Agradeço aos secretários paroquiais da Cúria de Campanha por permitir que


digitalizasse alguns livros paroquias que não foram digitalizados pela equipe de
pesquisadores do Family search. Ao padre Gerson, Vigário da Paroquia São Marcos,
agradeço por ter acrescentado uma questão a esta pesquisa, “como é possível à
desigualdade e a hierarquia social estar presente em uma sociedade onde os sacramentos
católicos são difundidos em todas as camadas?”. Seguinte o desafio de analise lançado
pelo nosso eclesiástico, descobrimos nesta pesquisa que, quando mais se batiza mais se
hierarquiza e se diferencia. Em outras palavras, os batismo na sociedade baependiense
oitocentista, não teve forças para promover a indistinção e a igualdade entre os seus
paroquianos.

Chegando aos finalmente, não posso deixar de registrar o enorme apoio que tive
dos meus familiares, aos meus pais, Maria da Graças e Adilson, terei eterna gratidão,
por estarem ao meu lado nesta longa jornada, pois se tornaram uma razão a mais para
lutar pelos meus objetivos. Aos meus irmãos, Mateus e Tati, agradeço-lhes por me

7
incentivarem a alçar maiores voos no mundo acadêmico, tenho profundo carinho e
admiração por eles. Aos demais parentes, meu eterno agradecimento.

A quem, eventualmente, eu possa ter cometido a indelicadeza de esquecer de


mencionar, muito obrigado. Obrigado a todos!

8
PAULA, Juliano Tiago Viana de. A Manutenção da escravidão: Desigualdade
socioeconômica, compadrio e hierarquia social no Sul de Minas Gerais – Vila
de Santa Maria do Baependi, 1830-1888. 2018. 321 f. Tese (Doutorado em
História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro, Seropédica, RJ, 2018.

Resumo
A presente pesquisa ocupa-se estudar o estabelecimento de uma sociedade escravista
numa Vila localizada na Comarca do Rio das Mortes do Sul de Minas Gerais, em um
período que se estende entre 1830 a 1888. A cobertura espacial deste trabalho
circunscreve à Vila de Santa Maria do Baependi, localidade dedicada à produção de
gêneros agrícolas e pecuários que abastecia vários mercados do centro-sul Brasileiro. O
principal objetivo é averiguar como a desigualdade socioeconômica, a disseminação da
posse escrava e as relações de compadrio e de paternalismo entre senhores e cativos
foram essenciais para a manutenção da escravidão. Para tanto, um serie de fontes foram
exploradas, como os inventários post-mortem, registros paroquiais de batismo,
testamentos, listas nominativas do termo de Baependi, relatórios do Presidente de
Província mineira e os almanaques industriais e administrativos de Minas Gerais
produzidos na segunda metade dos oitocentos. Percebe-se que, naquela realidade, a
concentração da riqueza, aquisição de cativos por distintas famílias locais e a hierarquia
intra-cativeiro foram fundamentais para a reiteração de uma sociedade escravista
marcada profundamente pela exclusão e desigualdade. Da mesma forma, observou-se
conjuntamente com estes mecanismos, que os elos parentais entre os membros da casa
grande com os indivíduos presos ao cativeiro foram traços essenciais para a conservação
dos status senhoriais.

Palavras chaves: Escravidão, hierarquia, compadrio, paternalismo e Vila de Baependi.

9
PAULA, Juliano Tiago Viana de. The maintenance of slavery: Socioeconômica
inequality, compadrio and social hierarchy in the South of Minas Gerais - Vila de
Santa Maria do Baependi, 1830-1888. 2018 .... p. Thesis (Doctorate in History).
Institute of Human and Social Sciences. Federal Rural University of Rio de Janeiro,
Seropédica, RJ, 2018.

ABSTRACT

The present research is concerned with the establishment of a slave society in a village
located in the district of Rio dos Mortes do Sul, Minas Gerais, in a period extending
between 1830 and 1888. The spatial coverage of this work circumscribes the Vila de
Santa Maria do Baependi, a locality dedicated to the production of agricultural and
livestock genera that supplied several markets in the center-south of Brazil. The main
objective is to ascertain how socioeconomic inequality, the spread of slave ownership
and the relations of paternalism and paternalism between lords and captives were
essential for the maintenance of slavery. To this end, a series of sources were explored,
such as postmortem inventories, parish baptismal registers, wills, nominative lists of the
term of Baependi, reports of the President of Minas Gerais, and the industrial and
administrative almanacs of Minas Gerais produced in the second half of the eight
hundred. In this reality, the concentration of wealth, the acquisition of captives by
different local families, and the hierarchy in the interior of captivity were fundamental
for the re-establishment of a slave society deeply marked by exclusion and inequality. In
the same way, it was observed in conjunction with these mechanisms that the parental
links between the members of the large house and the individuals bound to captivity
were essential traits for the conservation of seigniorial status.

Key words: Slavery, hierarchy, cronyism, paternalism and thevillage of Baependi.

10
Lista de Quadro

1° Capitulo

Quadro 1: População livre e escrava do Termo da Vila Baependi. ................................ 53

Quadro 2: Participação dos ativos inventariados por décadas (1820-1888) – Valores em


Libras Esterlinas. ............................................................................................................ 60

Quadro 3: Produções da Fazenda Porto Calvo, propriedade do Alferes Francisco José de


Carvalho Simões. .......................................................................................................... 115

Quadro 4: A presença do fumo nas propriedades criadoras de animais e produtoras de


alimentos (Vila de Baependi, 1820-1888) .................................................................... 138

2º Capitulo
Quadro 1: Estrutura de posse escrava da Vila de Baependi por subperíodos, 1820-
1888. ............................................................................................................................. 150
Quadro 2 : Distribuições de cativos crioulos e africanos nos plantéis escravistas da Vila
de Baependi, 1820-1888 (*Subperíodos). .................................................................... 166
Quadro 3: Distribuição de homens e mulheres crioulo e africanos nos plantéis
escravistas da Vila de Baependi, 1820-1888 (* por Subperíodo).................................170
Quadro 4: Plantéis escravistas, faixa etária e naturalidade entre homens e mulheres
crioulos, Baependi – 1820-1888 (*por subperíodo) ..................................................... 174
Quadro 5 : Plantéis escravistas, faixa etária e naturalidade entre homens e mulheres
crioulos, Baependi - 1820-1888 (* por Superíodo) ..................................................... 175

Quadro 6: Planteis escravistas, faixa etária e naturalidade entre homens e mulheres


africanos, Baependi – 1820-1888 (*por subperíodo) ................................................... 161

Quadro 7 : Estimativas de posse de escravos vistas a partir dos assentos de batismo da


Igreja Matriz de Nossa Senhora do Montserrat da Vila de Baependi, 1830-1888) ...... 184

3° Capitulo
Quadro – 1: Livros de Batismo da Vila de Baependi. ................................................ 198

Quadro - 2: Matriz, Igrejas e Capelas pertencentes à Vila de Baependi, 1830-


1888 ................................................................................................................. 204

11
Quadro - 3 : O batizado dos inocentes realizados nas fazendas da Vila de Baependi,
1820-1888 ....................................................................................................... 211

Quadro 5 : Condição Jurídica dos padrinhos e madrinhas dos filhos de mães escravas
da Vila de Baependi, 1830-1888. ...................................................................... 215
Quadro - 6: Pessoas livres mais chamadas para apadrinhar crianças livres e escravas na
Vila de Baependi, 1830-1888. ...................................................................................... 223
Quadro - 7: Escravos que mais compareceram às pias batismais da Vila de Baependi,
1830 a 1888. ....................................................................................................227.
Quadro - 8: Pessoas livres mais chamadas para apadrinhar crianças livres e escravas na
Vila de Baependi, 1830-1888. ........................................................................... 239

4° Capitulo
Quadro – 1: Senhores e seus parentes padrinhos dos seus escravos. Vila de Baependi,
1830-1888. .................................................................................................................... 256
Quadro – 2: Padrinhos dos escravos do Major Antônio Marcelino Ferreira ............. 268

12
MAPAS

Capitulo 1°

Mapa -1: Mapa da Comarca do Rio das Mortes – 1800. ............................................... 50

Mapa – 2: Mapa da Comarca do Rio das Mortes (1821)............................................... 52


Mapa – 3: Mapa dos principais caminhos de Baependi para as províncias do Rio de
Janeiro e São Paulo (c. 1820). ............................................................................ 110

Mapa – 4: Estrada de Picu que dava acesso a Capital do Rio de Janeiro. (1818) ....... 111

13
Lista de Gráfico

Capitulo 1°

Gráfico 1: Participação dos bens inventariados, Vila de Baependi (1820-1888). ......... 59.

Gráfico 2 :Preço médio dos escravos em idade produtiva (14 a 40 anos), Vila de
Baependi (1820-1888). ................................................................................................... 63

Gráfico 3 : Quantidades de rebanhos por décadas (Vila Baependi, 1820-1888). ......... 106

Gráfico 1: Valores dos rebanhos por décadas (Vila de Baependi, 1820-1888). ........... 106

14
Lista de Tabela

1° Capitulo

Tabela 1: Distribuição da riqueza inventaria por Faixa de Fortunas (em Libras


Esterlinas), Vila de Baependi – 1820-1888. .................................................................. 73.

Tabela 2: Representatividade das Faixas de fortunas em cada década, Vila de Santa


Maria do Baependi, 1820-1888 (%). .............................................................................. 75
Tabela 3: Perfil dos bens inventariados por faixa de fortunas, Vila de Baependi (1820-
888). ................................................................................................................................ 77
Tabela 4: Frequência de inventários com presença de rebanhos por subperíodos
(Baependi, 1820-1888). .................................................................................................. 96
Tabela 5: Número médio de rebanhos por inventários (Vila de Baependi, 1820-
1888) ............................................................................................................................. 102
Tabela 6: Variedades de plantações por inventários (Vila de Baependi, 1820-
1888)..............................................................................................................................118
Tabela 7: Diversificação e quantidade de plantações na Vila de Baependi, entre 1820 a
1888. ............................................................................................................................. 122
Tabela 8: Plantéis escravistas que consta em engenhos, Vila de Baependi (1820-
1888) ............................................................................................................................. 129

2° Capitulo

Tabela 9:Distribuição de homens e mulheres escravos (as) nos distintos tamanhos de


plantéis escravistas da Vila de Baependi, 1820-1888 (*por subperíodos) ................... 160

3° Capitulo
Tabela 1 : O batizado dos inocentes realizados nas fazendas...................................... 196

Tabela 2: Condição Jurídica dos padrinhos e madrinhas dos filhos de mães escravas da
Vila de Baependi, 1830-1888. ...................................................................................... 200

4º Capitulo

Tabela – 1: Bens deixados pelo senhor Floriano Dias de Carvalho aos seus
escravos. ....................................................................................................................... 288

15
Fluxograma
A família de Manoel Monjolo e Maria Crioula, escravos do senhor Floriano Dias de
Carvalho. .......................................................................................................................287

16
Abreviações.

APM: Arquivo Publica Mineiro.

ACDC: Arquivo da Cúria Diocesana da Campanha.

BN: Biblioteca Nacional.

IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

CEDEPLAR: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade


Federal de Minas Gerais.

AHETII/IPHAN/SJDR: Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei.

17
Sumário.
Introdução. .................................................................................................................... 20

Referencial teórico e metodológico ............................................................................38

CAPÍTULO 1: Escravidão e desigualdade socioeconômica numa Vila Sul


Mineira. .........................................................................................................................47
Resumo do capítulo ........................................................................................................ 48

A formação de uma Vila. .......................................................................................... 49


A representatividade dos bens econômicos nos inventários post-mortem do termo da
Vila de Baependi ..................................................................................................... 57
Poucos ricos e muitos pobres: a constituição da hierarquia socioeconômica da Vila
de Baependi .............................................................................................................. 71
Estrutura agrária da Vila de Santa Maria do Baependi............................................. 89
Rebanhos por todos os lados: a produção pecuária nos inventários post- mortem.
95
Produções agrárias em evidências ...........................................................................117
O fumo em destaque ............................................................................................... 132

CAPÍTULO 2: Senhores e seus cativos: estrutura de posse e demografia escrava na


Vila de Baependi. ........................................................................................................ 140

Resumo do capitulo. ..................................................................................................... 142

- Posse e demografia escrava revelada pelos inventários post-mortem. ..................143

- Os limites de uma fonte: A posse escrava revelada pelos inventários post-


mortem .......................................................................................................................... 147
- A estrutura de posse escrava na Vila de Baependi. .............................................. 149
- Estrutura de posse e demografia escrava ...............................................................160
-O experimento de um método para o estudo da escravidão
mineira .................................................................................................................... 181

CAPÍTULO – 3: Compadrio escravo e hierarquia social ....................................... 188


Resumo do Capitulo. .................................................................................................... 189

18
- Uma incursão sobre o compadrio escravo. ...........................................................191
- Os livros de batismo da Vila de Santa Maria do Baependi. ................................ 196
- Batizando na Matriz e nas Capelas filiais. ........................................................... 203
– Celebrando batismos fora da Igreja. ................................................................... 210
- O compadrio escravo: tecendo relações com vários setores da sociedade ......... 212
- Padrinhos preferencias e suas redes de compadres. ............................................. 225
- As redes de compadres dos padrinhos preferenciais escravos. ........................... 226
- Os padrinhos preferencias livres. ................................................................ 237

Capitulo – 4: Produzindo aliados no cativeiro: as relações paternalistas e de


compadrio entre senhores e escravos. ....................................................................... 247
Resumo do capitulo. ..................................................................................................... 249

- 4.1 - Compadrio e paternalismo: uma breve incursão historiográfica e outras


ponderações. ................................................................................................................. 250

– Senhores e pais espirituais dos seus escravos ...................................................... 255

A produção de aliados no cativeiro: elos parentais entre as famílias senhoriais com


seus cativos. ............................................................................................................ 262

4.3.1 - Os apadrinhamentos dos filhos e dos escravos do senhor Luiz Fernandes da


Costa Guimarães. .......................................................................................................... 262

4.4.2 - Elos de compadrio entre os familiares do Major Antônio Marcelino Ferreira com
seus escravos..................................................................................................................265

4.5 - Senhor, pai e padrinho: Floriano Dias Carvalho e seus afilhados


cativos. .......................................................................................................................... 285

Conclusão .................................................................................................................... 296

Fontes .......................................................................................................................... 304

Bibliografia ................................................................................................................. 307

Anexos ........................................................................................................................ 325

19
Introdução

A pesquisa que ora se apresenta, pretende analisar como a desigualdade


socioeconômica, o acesso à posse escrava e as relações de compadrio e de paternalismo
entre senhores e cativos na região, foram essenciais para que a escravidão na Vila de
Santa Maria Baependi se mantivesse até os últimos dias de sua vigência no Império do
Brasil. Por isto, o recorte desta pesquisa, inicia-se na de década de 1830, período em
que o tráfico atlântico de africanos era considerado como ato de pirataria, e fecha-se em
1888, ano em que foi abolida a escravidão na sociedade brasileira. Diante deste quadro,
pretende-se examinar até que ponto, os distintos moradores (escravos, egressos do
cativeiro, pessoas de ascendência cativa, livres pobres, agregados, homens da elite etc.,)
desta Vila Sul-Mineira, estiveram comprometidos com a reiteração de uma
desigualdade econômica, com a hierarquia e a exclusão social produzidas em sociedade
católica e escravista.
Optamos em apresentar as questões que serão abordadas nesta pesquisa através
da trajetória social e dos recursos materiais e imateriais1 adquiridos por um dos senhores
mais influente entre os habitantes da Vila de Baependi, conhecido como, Major Afonso
Gomes Nogueira. Pela atuação que deve na região, a patente de militar foi apenas uma
insígnia que o tornava reconhecido entre os moradores da Vila, pois através dos
documentos em que seu nome aparece, soubemos que exerceu uma multiplicidade de
papeis sociais2 que serão revelados nesta introdução.

Pela plataforma digital dos mormos descobrimos que o Major Afonso Gomes
Nogueira nasceu no ano 1800 e foi batizado no mesmo no ano na Matriz de Baependi3,

1
Aqui fazemos uma reflexão sobre os estudos de Giovanni Levi sobre as redes relacionais constituídas
por pessoas detentoras de prestigio social e politico uma determinada sociedade de antigo Regime
Europeu. Ver: LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século
XVII. Trad. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000.
2
Reflexo de um método onomástico apresentado por Ginzburg e Poni onde os agentes são vistos atuando
em diversas esferas sociais. Tal procedimento é feito sobre uma analise de séries documentais, tendo por
guia o nome do indivíduo. Ver: GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado
historiográfico. In: GINZBURG, Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo. A micro-história e
outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989. p. 169-178.
3
Título: Affonço Nogueira Gomes Nogueira, “Brasil, Minas Gerais, Registros da Igreja Católica, 1706-
1999” Página da Internet: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:QG6C-FVJN. Citação: "Brasil, Minas
Gerais, Registros da Igreja Católica, 1706-1999," database with images, <i>FamilySearch</i>
(https://familysearch.org/pal:/MM9.1.1/QG6C-FVJN : 9 March 2018), Affonço Gomes Nogueira in entry
for Affonço Nogueira Gomes Nogueira, Feb 1827; citing Baptism, Nossa Senhora do Monserrate,

20
era filho legitimo do Guarda Mor Francisco Gomes Nogueira e de Dona Francisca de
Meireles, seus padrinhos, foram o Capitão Teodoro Gomes Nogueira, que por sua vez,
enviou uma procuração para ser representado nesta cerimônia pelo seu irmão, Hilário
Gomes Nogueira, a madrinha escolhida, era Dona Ana Nogueira de Freire, mulher do
Sargento Mor, Antônio de Castro Souza. A existência do apadrinhamento por
procuração nas celebrações de batismo evidencia a importância dos laços de
sociabilidade criados entre os pais das crianças com seus compadres, escolhia-se a dedo
quem se tornaria o tutor espiritual do batizado, o qual, em diversos casos, poderia residir
numa localidade distante à dos pais biológicos da criança4. Neste caso, estes elos de
solidariedade fortalecidos por estas relações de compadrio ocorreu entre consanguíneos,
pois os tutores espirituais de Afonso eram seus tios.

Afonso Gomes Nogueira era bisneto de Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, o


primeiro português que se estabeleceu no povoado de Baependi, por volta de 1713. O
Bisavô de Afonso nasceu na Ilha da Madeira de Portugal, era filho do nobre fidalgo
português, Antônio Nogueira e de Francisca Fernandes do Valle, casados na Ilha da
Madeira em 1639, e naturais do mesmo lugar. Tomé Rodrigues chegou ao Brasil no ano
de 1700 e se localizou na região de paulista de Taubaté, onde se casou com Maria Leme
do Prado5. Atraído pelas noticias da descoberta do Ouro em Minas Gerais, percorreu
com alguns mineradores paulista o Caminho Novo do Vale do Paraíba, passando por
Taubaté, atravessando a Serra da Mantiqueira e atingindo a nascente dos grandes rios,
Sapucaí e seus afluentes. Sobre estas rotas começa a surgir uma pequena povoação de
mineradores às margens do Rio Baependi, Tomé Rodrigues Nogueira do Ó e sua
esposa, Maria Lemes, resolvem morar numa localidade denominada de Engenho, nesta
propriedade foi construída a Capela em homenagem a Nossa Senhora do Montserrat,

Baependi, Baependi, Minas Gerais, Brasil, Paróquias Católicas (Catholic Church parishes), Minas Gerais;
FHL microfilm 1,284,987.
4
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. 1ª ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

5
LEME, Luiz Gonzaga da Silva, Genealogia Paulistana, volume 6, Título Bicudos, Duprat & Cia., São
Paulo, 1901. CAMPOS, Arthur Nogueira, Revista da ASBRAP - n. 2, página 161 - São Paulo, 1995.

21
cuja imagem desta Santa foi trazida de Portugal, sendo este senhor considerado o
fundador da futura Vila de Santa Maria do Baependi6.

Ao torna-se proprietário da fazendo do Engenho no ano de 1715, Tomé


Rodrigues transformou-se numa das figuras mais proeminentes e reconhecidas de
Baependi nos primeiros tempos. Foi ordenado em 1714 como sargento-
mor comandante da Companhia de Ordenanças da Mantiqueira ao Rio Grande, no
"Caminho Velho". No ano de 1718 tornou-se cobrador de Quintos
do Ouro no Registo da Mantiqueira. Em 1736 foi nomeado Guarda Mor da Freguesia de
Baependi 7. No ano de 1747, Tomé Rodrigues Nogueira do Ó faleceu em Baependi e foi
sepultado na Igreja que ele fundou na Matriz de Nossa Senhora do Montserrate8.

Como pode ver, o Major Afonso Gomes Nogueira era membro de uma das
famílias mais tradicionais e estimadas do Sul de Minas, e sendo ascendente de pessoas
que tiveram grande importância para a formação da Vila de Baependi, é possível que
isto tenha contribuiu para que acumulasse ao longo de sua vida um valioso patrimônio
material e imaterial. O monte mor de Afonso Gomes Nogueira foi avaliado em
54:691$1309, uma fortuna inventariada situadas entre as faixas de riqueza mais elevada
da região10. Um dos bens que teve enorme peso nesta riqueza foram as dividas ativas,
somadas neste inventário em 22:540$260, representando 41,2% do montante deste
patrimônio. Em seguida vieram os bens de raiz calculados em 18:515$000 (33,8%), e os
31 escravos avaliados 10:882$000 ( 19,8%). Certamente o emprego desta mão obra na
produção da sua fazenda fez com que acumulassem um considerável capital financeiro
permitindo assim, que conseguisse formar uma extensa rede de credito.

6
“Referencia do Registro: Brasil, Minas Gerais, Registros da Igreja Católica, 1706-1999,” database with
images, Familysearch (https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:QG6C-NGH1:9 March 2018), Thome
Rodrigues Nogueyra do Ó in entry for Matheus Fernandes da Silva and Clara Maria Nogueyra, 1 Nov
1752; citing Marriage, Nossa Senhora do Monserrate, Baependi, Baependi, Minas Gerais, Brasil,
Paróquias Católicas (Catholic Church parishes), Minas Gerais; FHL microfilm 1,284,990.

7
No códice nº 31 da Delegacia Fiscal, na secção colonial do Arquivo Público Mineiro, encontram-se
lançamentos de dízimos do Distrito do Caminho Velho, pertencente à Vila de São João del Rei, dos anos
de 1718 a 1719, lançamentos feitos pelo Sargento Mor Tomé Rodrigues Nogueira e citados pelo Dr.
Guerino Casasanta. “Revista do Arquivo Público Mineiro”, XXI, 319.
8
9
Inventários post-mortem do Major Afonso Gomes Nogueira, Ano: 1849 cx 43. Vila de Santa Maria do
Baependi, 1820-1888. Depositados no Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
de São João del Rei.
10
Para a primeira metade do oitocentos em Baependi, as fortunas inventariadas que apresentasse uma
soma de acima de 50 contos de reis, era considerada aquelas que se encontrava no topo da riqueza.

22
Pelo número de escravos que havia nas terras do Major Afonso Gomes
Nogueira, podemos considerar esta unidade como uma grande escravaria na região. A
composição deste plantel contou ao mesmo tempo com a reprodução natural e com
tráfico negreiro. Nesta propriedade havia 8 africanos de 14 a 40 anos de idade , 9
crianças de 1 a 13 anos e 15 crioulos de 14 a 40 anos. Os cativos nascidos nesta fazenda
eram filhos e netos destes africanos que foram os primeiros habitarem esta casa
senhorial, o que nos mostra o envolvimento deste senhor com o mercado de escravo do
sudeste Brasileiro. Todos estes recursos adquiridos pelo Major Afonso lhe projetou nos
patamares sociais mais elevados da região, fazendo que se diferencia de muitos
senhores e daqueles que homens livres que não conseguiram alçar um status senhorial.

Para administrar a sua escravaria, o Major Afonso Gomes Nogueira teve que
obrigatoriamente instruir os seus cativos nos preceitos do cristianismo11, assim, entre os
anos de 1833 a 1848 (um ano antes da sua morte) levou a Igreja Matriz da Vila de
Baependi 13 crianças inocentes pertences a sua senzala para receberem os santos óleos
do Batismo. A maioria destes rebentos tiveram como tutores espirituais pessoas livres,
apena um teve como padrinho um escravo que pertencia o mesmo plantel escravista. Os
indivíduos que se tornaram compadres dos pais destas crianças alguns eram parentes do
Major Afonso Gomes Nogueira e outros eram seus amigos, em três celebrações
batismais este senhor compareceu como padrinho dos seus cativos. Por estas relações já
podemos visualizar uma aproximação familiar deste senhor com alguns escravos da sua
propriedade.

Ao cruzarmos os assentos paroquiais com outras fontes documentais desta


pesquisa (os testamentos), descobrimos que um destes escravos que foram apadrinhados
pelo Major Afonso Gomes Nogueira era sua prole ilegítima, esta inocente criança era
Maria, filha natural de Salviana, escrava do mesmo senhor. Esta criança fruto desta
relação ilícita, quando recebeu os santos óleos do batismo foi imediatamente alforriada
na pia batismal.

Maria teve a sua paternidade revelada no testamento do seu senhor, padrinho e


pai, o Major Afonso Gomes Nogueira, que a reconheceu como filha natural e a deixou
aos cuidados (sob a tutela) de seu 2° testamenteiro e filho, Afonso Gomes Nogueira de

11
BENCI, J. Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos. São Paulo: Grijalbo, 1977.

23
Sá. Diante deste caso, há que se levar em consideração a preocupação com a salvação
da alma: certamente falecer e esquecer filhos ou parentes sob o julgo da escravidão
constituía falta grave, que poderia ser cobrada no momento juízo final 12, portanto, não
por acaso, que mesmo de forma corriqueira, a inocente Maria não deixou de ser
lembrado no testamento de seu antigo senhor e falecido pai.

No geral, a atuação que o Major Afonso Gomes Nogueira teve nas relações de
compadrio da sua senzala, demonstrar como estes laços estavam sobre a sua
interferência, além disto, é uma prova que o domínio sobre os escravos era algo a ser
decidido no âmbito da esfera domestica, ou seja, conforme os anseios particulares de
cada senhores13.

Além de convidar pessoas para apadrinhar os seus cativos, o Major Afonso


Gomes Nogueira foi procurado por famílias livres e escravas da região para batizar os
seus filhos, através desta rede de compadres acabou se relacionando com pessoas
pertences a diversos setores da sociedade, desta forma, ao tomar a proteção destas
famílias acabou tornado mais extenso o seu raio de influência na Vila de Baependi.
A rede de compadres do Major Afonso Gomes Nogueira na se movimentava apenas
para baixo, ao ter seus filhos batizados na região, procurou tecer alianças para cima, os
padrinhos eram indivíduos que portavam importantes patentes militares e detentores de
muitas terras e escravos na localidade, estes homens de grande proeminência social
eram; o Sargento Mor Manoel Nogueira de Sá, Tenente José Carlos Nogueira, o
Capitão e subdelegado Dâmaso Xavier de Castro e o Capitão Luiz Gomes Nogueira
Freire, contudo, além de serem parentes do Major Afonso eram membros da elite de
Baependi, que por sua vez, compareceram com muita frequência nas pias batismais
para apadrinhar crianças pertencentes a famílias de distintos segmentos da
região.

Através da trajetória social do Major Afonso Gomes Nogueira buscamos


importantes elementos que serão investigados para sabermos como a escravidão se
manteve na região até os seus últimos de dias de vigência no Império do Brasil. Os
fatores que serão analisados para atingirmos o objetivo central desta tese são; como a
12
SOARES, Marcio de Souza. A remissão do Cativeiro: alforrias e liberdades nos Campos de Goitacases,
c. 1750-1830. Tese de Doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006.
13
MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e controle
dos escravos nas Américas – 1860-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.46.

24
desigualdade socioeconômica existente em outras regiões do Brasil oitocentista se
reproduziu nesta localidade sul-mineira? O outro aspecto consiste em saber como a
posse escrava estava disseminada pelo tecido social? Até que ponto as relações de
compadrio entre os cativos produzia uma hierarquia social intra-cativeiro? Por ultimo,
quais foram às estratégias adotadas pelos senhores na produção aliados nas senzalas?

Cada um destas questões foram rigorosamente analisadas na intenção de revelar


novos elementos sobre o funcionamento e a reprodução de uma desigual e hierárquica
sociedade escravista instalada no Império Brasileiro14. No confere os exames sobre a
desigualdade socioeconômica vista pela distribuição da riqueza, temos pesquisas que há
tempos vem demonstrando uma sociedade historicamente comprometida com a
exclusão15. João Fragoso e Manolo Florentino, em o “Arcaísmo como projeto”, entre
1790 a 1840, nos mostra como era altíssima a concentração de fortunas entre os
moradores do Vale do Paraíba Fluminense. De acordo com os autores, reiterou-se um
perfil no qual 10% mais ricos do campo e da cidade controlavam mais de 2/3 da riqueza
produzida, os cinco décimos mais pobres cabia entre 4% e 6% das mesmas16.

Analisando a distribuição da riqueza do Vale do Paraíba em um recorte temporal


mais amplo (1825-1869), Fragoso e Florentino conseguiram apreender melhor o
problema da estratificação da escravidão e acompanhar a montagem e a maturidade do
14
Pesquisas recentes veem abordando de maneira sistemática a reprodução de uma sociedade excludente
e estratificada no Império do Brasil. A saber trabalhos como; MARTINS, Roberto Borges. Minas Gerais
no século XIX: tráfico e apego à escravidão em uma economia não-exportadora. Estudos Econômicos,
13(1), 1983 .GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito: um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro
da primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993. FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto.
A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico: Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1997. FRAGOSO, João L. R. Homens de grossa aventura: acumulação e
hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2. ed., rev. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998. GUEDES, Roberto. Egressos do Cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade
social: (Porto Feliz, São Paulo, c.1798- c.1850). Rio de Janeiro: Mauad X, FAPERJ, 2008.
MALAQUIAS, Carlos de Oliveira. Remediados senhores: pequenos escravistas na freguesia de São José
do Rio das Mortes, c.1790 c.1844. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Programa
de Pós-graduação em História, Belo Horizonte, MG, 2014. SILVA, Guilherme Augusto do Nascimento e.
Os laços da escravidão: população, reprodução natural e família escrava em uma vila mineira. Piranga,
1850-1888. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de São João Del-Rei. Departamento de
Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas. Programa de Pós-graduação em História. 2014. MATHEUS,
Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do Império brasileiro
(Bagé, c.1820-1870). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2016.
15
Tal reflexão sobre a reprodução histórica da desigualdade na sociedade escravista brasileira foi bastante
enfatizados por Fragoso e Florentino em “Arcaísmo como projeto”, uma forma de demonstrar que vários
setores da sociedade (não apenas as elites) estavam empenhados com as manutenção de uma exclusão
social.
16
FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c. 1790 - c. 1840. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p .169-171.

25
sistema agrário desta região. Deste da sua montagem esta economia agraria esteve
presidido por uma forte desigualdade, entre os anos de 1825 a 1853, o decimo superior
da população controlava a metade da riqueza, com decimo menos privilegiado detendo
apenas 10% da mesma. “Na época de maturidade deste sistema (1855-1869) exacerbou-
se a concentração de fortunas no topo constituído pelo decimo privilegio” 17. Os autores
argumentam, “que o aumento da concentração de riquezas tornou mais profunda a
distancia entre os ricos e o grupo intermediário, o qual, por sua vez, matinha a mesma
distancia relativamente aos mais pobres” 18
Sobre esta estratificação social presente no
Vale do Paraíba os autores ressaltam uma importante questão:

“O caso do Vale do Paraíba reafirma a ideia inicial de que o sentido


sociológico ultima, por assim dizer, da escravidão era reiterar a
diferenciação socioeconômica entre uma elite e todos os homens livres. Tal
diferenciação alcançava níveis tão acentuados de concentração de riqueza
que tendia a tornar ínfimo o peso do grupo economicamente intermediário.
Assim, falar de exclusão social em uma sociedade escravista significa não
apenas constatar o obvio, qual seja, a presença de escravos, mas também e
principalmente observar que o movimento de crescimento da riqueza social
resultavam na exclusão de grande parte da população livre do acesso a esta
mesmo riqueza”19

A reiteração de uma profunda desigualdade socioeconômica tem sido um traço


estrutural da sociedade brasileira em diversos rincões e durante diferentes períodos. Os
mecanismos que a sustentam, porém, não são sempre os mesmo. Helem Osorio,
examinando a região do Rio Grande do Sul, entre 1756 a 1825, identificou uma elite
não apenas formada por estanceiros, mas também por negociante situados no topo mais
alto da hierarquia econômica, no qual se diferenciava frente às demais elites coloniais.
Constatou também que a fortunas dos mais ricos ao passar das décadas tendeu a crescer
o distanciando mais dos pobres lavradores. Por fim, a autora verificou como estava
distribuída a riqueza, apontando que vigorava na capitania, assim como em outras partes
da América portuguesa, uma grande desigualdade socioeconômica20. Renato
Marcondes, analisando o município cafeicultor de Lorena, encontrada uma sociedade
profundamente marcada por uma forte concentração da riqueza, pois entre os anos de

17
Idem, p.175.
18
Idem, p.176.
19
Idem, p.177.
20
OSÓRIO, Helen. O império português ao sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008, Capitulo 9.

26
1830 a 1879, 16,7% dos inventários concentravam 89,5% da riqueza produzida
localmente21.

Estruturas semelhantes foram encontradas entre outros locais22, em Minas


Gerais, em especial nas Comarcas do Rio das Mortes e de Outro Preto, entre o período
de 1750 a 1822, Carla Almeida encontrou um padrão de distribuição de riqueza
altamente concentrador. Na Comarca de Vila de Rica o empobrecimento foi geral, o
percentual de pequenos proprietários passou de 50,7% para 73,9%, os médios caíram de
40,3% para 20,4% e os grandes de 9% para 5,7%. Na Comarca do Rio das Mortes
houve quadro distinto, pois estas camadas estavam mais polarizadas, devido à
dinamização da agropecuária nesta localidade ocorreu um crescimento de pequenos
proprietários e um aumento expressivo dos setores mais abastados23.

Analisando a Vila Mineira de São João del Rei, região localizada na Comarca do
Rio das Morte, Afonso de Alencastro observou que a riqueza produzida nesta localidade
esteve sobre domínio de elite social que não era numericamente expressiva, em termo
de quantidade de inventários. De acordo com autor, estes agentes eram compostos por
31 negociantes de grosso trado que controlaram, entre o período de 1831 a 1885, 43%
das fortunas inventariadas Através destes índices Alencastro conclui que estamos de
frente a uma economia arcaica, na qual a riqueza estava concentrada nas mãos de
poucos homens posicionados no topo da hierarquia social24.

Na produção e na distribuição das riquezas havia ativos e agentes produtivos que


além de terem recebidos maiores investimentos por parte dos senhores, eram peças
fundamentais para a reiteração de uma hierarquia social economicamente excludente25.
Em uma sociedade fundamentalmente agraria e escravista obviamente que estamos nos

21
SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Os fios de Ariadne: fortunas e hierarquias sociais na Amazônia,
século XIX. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2014, p. 129-130,
22
Ver: BATISTA, Luciana Marinho. Muito Além dos Seringais: elites, fortunas e hierarquias no Grão-
Pará, 2004, p.p. 108-109. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Os fios de Ariadne: fortunas e hierarquias
sociais na Amazônia, século XIX. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2014
23
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização
social no mundo colonial, 1750-1822. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010.
24
MARCONDES, Renato L. A arte de acumular na economia cafeeira- Vale do Paraíba século XIX.
Lorena. São Paulo: Ed. Stiliano, 1998 (especialmente o capítulo 5, a distribuição da riqueza).
25
Para uma discussão mais aprofundada sobre os itens de fortunas que hierarquizava os agentes de
uma sociedade de antigo regime, ver João Fragoso. À espera das frotas: hierarquia social e formas de
acumulação no Rio de Janeiro, século XVII. Cadernos do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em
História Social. Rio de Janeiro: Departamento de História/UFRJ, 1995.

27
referindo a terras e escravos, considerados por muitos historiadores como os bens mais
valorizados nas fortunas inventariadas26.

Em “Barões de Café”, João Fragoso ao cruzar os inventários post-mortem com


as escrituras publicas dos grandes fazendeiros do Vale da Paraíba do Sul, entre 1830 a
1888, verificou que os investimentos produtivos se traduziam principalmente em
escravos, terras e no resultado da combinação deste com os cafezais. Segundo o autor,
estes três ativos somados equivalia cerca de 85% das fortunas agraria das fazendas.
Apenas as terras e os escravos, juntos, correspondiam mais de 60%27. Estes ativos até o
fim da escravidão continuaram a recebendo maiores investimentos pelos senhores do
Vale, não sendo substitutos por outros. Nas Palavras de Fragoso, “tais Barões não foram
empreendedores o suficiente para criar novas alternativas empresarias e muitos menos
optaram por atividades econômicas tradicionais e mais seguras disponíveis no mercado
da época”28. Em outras palavras, a economia continuava pelos até os anos 1880 distantes
das relações sociais baseada no trabalho assalariado e não apresentando mudanças na
estrutura patrimonial.

Em outras localidades brasileiras oitocentistas foram encontrados padrões


semelhantes e distintos daqueles observados por Fragoso. Tendo como referencia o
espaço mineiro, Afonso Alencastro ao pesquisar os inventários da elite mercantil e dos
grandes fazendeiros da Vila de São João del Rei, percebeu que os negócios mais
proeminente estavam alocados em dividas ativas, escravos e terras. Os cativos liderou a
estrutura patrimonial entre 1831 a 1875, atingindo um percentual de 29,53%. Para
região de Alegrete do Rio Grande do Sul, Luiz Farinatti constatou outro perfil de
investimento, pois descobriu que a riqueza local estava principalmente no gado, ainda
que as terras e os escravos tivessem importantes participações na composição dos
patrimônios. Porém, o autor afirma que, mesmo não recebendo maiores investimentos,

26
Idem.
27
FRAGOSO, João. Barões do café e sistema agrário escravista: Paraíba do Sul / Rio de Janeiro (1830-
1888). Rio de Janeiro: 7Letras, 2013, p. 47-48. Como Fragoso explica; foram levantados mais 400
inventários dos barões do café e de seus familiares, e destes, 33 processos apresentavam lista de
matriculas de escravos informando 3.256 cativos relacionados nestas fontes. O autor também esclarece
sobre este método o seguinte fator: “O arrolamento de todos os inventários, em um dado período, permite-
nos fotografar a estrutura econômica da região estudada. Quando levantamos seriamente todos os
inventários, temos a estrutura econômica dessa região em movimento”. dos barões do café e de seus
familiares Em: FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 46.
28
Idem, p. 180.

28
terras e escravos (como a pecuária) foram elementos que hierarquizava as relações
sociais na região29.

O binômio terras e escravos como elemento de vital importância para a


reprodução da escravidão foi algo observado nesta pesquisa. Este estudo além de
permiti que fizéssemos uma analise sobre a importância destes ativos na constituição
das fortunas e nas hierarquias sociais da região, nos possibilitou observar se houve
alguma mudança na estrutura patrimonial da região no decorrer dos oitocentos, ou seja,
empreendeu-se um analise para sabermos se os senhores baependiense optaram por
conservar as formas tradicionais de riqueza até o fim do sistema escravista.

Além de examinarmos a importância dos cativos na composição das fortunas da


Vila Baependi, procuramos averiguar como este ativo produtivo esteva disseminada em
vários setores desta sociedade, neste caso, nos interessa saber até ponto os moradores
desta localidade do Sul de Minas Gerais estavam comprometidos com a manutenção da
escravidão. Para esta analise tivemos o cuidado em lidar com os estudos que defende
uma escravidão reiterada por grandes plantations concentradora de enorme planteis de
escravos30. Por mais de três décadas, pesquisas mais refinada, através da exploração de
uma variedade de fontes, vem demonstrando uma distribuição aparentemente ampla da
propriedade escrava entre a população livre.

Os estudos de Stuart Schwartz para as áreas do Recôncavo Baiano foi um dos


primeiros a evidenciar uma estrutura de posse, em que o tamanho dos planteis
escravistas eram muito mais reduzidos e a escravidão mais difundida socialmente do
que comumente suposto pela a historiografia. Os dados encontrados por Schwartz
podem ser resumidos da seguinte maneira: níveis relativamente baixos de concentração
de escravos em grandes unidades; predominância de posses de escravos de tamanhos
pequeno e médio; posse escrava distribuída entre os vários setores livres da sociedade.
Ao constatar esta estrutura o autor conclui que: “a escravidão, enquanto instituição,

29
FARINATTI, Luis Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul
do Brasil (1825-1865). Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 2007. (Tese de Doutorado), p. 46-60.
30
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. São Paulo: Global, 2006. PRADO JR., Caio. A formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:
Brasiliense, 2004.

29
sistema econômico e formas de riquezas estavam amplamente distribuídos entre a
população brasileira” 31.

São muitas as pesquisa que vem apontando a difusão da posse cativa na


sociedade escravista brasileira. Especificamente em Minas Gerais, as informações
disponíveis apontam predominância de pequenas posses desde as primeiras décadas da
mineração. As fontes consultadas por Francisco Vidal Luna sobre a posse de escravos
em 1718, por exemplo, mostram que os donos de 1 a 5 escravos eram algo em torno de
metade dos proprietários – geralmente mais do que isso – mas não controlavam muito
mais do que um quarto desses trabalhadores; por outro lado, senhores com mais de 40
escravos simplesmente não apareciam em várias das localidades pesquisadas,
constituíam algo próximo a 2% dos proprietários e tinham em torno de 10 e 20% dos
escravos. 32. Ao examinar as listas nominativas organizadas pela equipe do CEDEPLAR
Clotilde Paiva chega a conclusões semelhantes33.

Douglas Cole Libby em uma importante pesquisa de doutoramento defendida no


ano de 1988 confirma os resultados citados anteriormente. Ao examinar os bancos de
dados que contem os mapas de população e as listas nominativas das regiões da
província mineira elaboradas na década de 1830, demonstrou que mais de 2/3 dos
proprietários possuíam de 1 a 5 escravos e que 48,2% dos cativos viviam em plantéis de
1 a 10 escravos. De acordo com Libby, a difusão da propriedade escravista em vários
setores da sociedade mineira, trouxe serias implicações para de sustentação politica da
escravidão, e, portanto, tornava mais lento o processo de abolição deste sistema no
Estado Imperial Brasileiro34.

Como o principal objetivo desta pesquisa é examinar como a escravidão foi


mantida por alguns fatores internos da região, a posse de escravos na sociedade
escravista brasileira torna-se um tema privilegiado para esta analise, por demonstrar,
que naquela realidade, havia escravarias que retinham enormes contingentes de cativos,
por outro lado, dividiam espaços com um elevado número de pequenos planteis
31
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988, p. 368.
32
LUNA, Francisco Vidal. Estrutura da posse de escravos em Minas Gerais, 1718. In LUNA, COSTA &
KLEIN. Escravismo em São Paulo e Minas Gerais. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial, 2009, p.264.
33
PAIVA, Clotilde A. Minas Gerais no século XIX: aspectos demográficos de alguns núcleos
populacionais. In: COSTA, Iraci del Nero da (org.). Op. cit., 1986.
34
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no
século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.

30
disseminados na população. Este processo permitiu que muitas pessoas acessassem o
mundo senhorial. Estudos afirmam que a disseminação da posse cativa entre os vários
setores sociais possa ser decorrente da grande oferta da mão de obra africana via trafico
negreiro35. É provável que isto seja o caso da localidade em estudo, pois durante o
período de aquecimento do comercio oceânico de escravo os africanos em idades
produtivas eram numericamente superiores aos cativos nascidos na região, mas a força
simbólica de se tornar “senhor de escravos” e alçar algumas posições na hierarquia
social talvez seja algo que contribuiu para a difusão da propriedade escrava.

Dentro dos estudos da estrutura de posse da localidade, a composição dos


planteis foi uma das questões bastante explorada nesta pesquisa. Sobre este matéria
procurou-se saber, quais foram às formas encontradas pelos senhores para a manutenção
e ampliação das suas escravarias? Também se buscou a entender, se o aumento da
população escrava da Vila de Baependi ocorreu através da reprodução natural ou do
tráfico negreiro, ou pela conjunção destes fatores.

A reprodução da escravidão mineira vista por estes indicadores, foi algo que
gerou uma serie debates entre os historiadores. Sobre este tema há três variações de
interpretações que merecem destaque. A primeira delas é defendida por Francisco Vidal
Luna, Wilson Cano e Laird Bergad, que afirma que durante o século XIX a população
escrava de Minas Gerais teria se destacado ao crescer através da reprodução natural sem
depender das importações via tráfico negreiro. O segundo eixo interpretativo é
representado por Roberto Martins e Robert Slenes, que apesar de concordarem que o
comercio atlântico de africanos teve um papel importante no crescimento da população
escrava mineira, não apresentam os mesmos argumentos com relação importação de
cativos. Por fim, a terceira via de interpretação tendo como uns dos seus principais
expoentes, Clodilte Paiva e Douglas Cole Libby acredita que a explicação esteja na
conjugação dessas duas séries de fatores, ou seja, tráfico negreiro e o crescimento
vegetativo das escravarias.

35
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África
e o Rio de Janeiro (século XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. ; GÓES, José
Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico. Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. FRAGOSO, João Luís. A economia brasileira no século XIX:
mais do que uma plantation escravista exportadora. In LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do
Brasil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990. MATTOSO, Kátia. Bahia: uma província no Império. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1992. MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio: os significados da
liberdade no sudeste escravista (Brasil, século XIX). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

31
Luna e Cano, ao afirmarem que na economia da província de Minas Gerais havia
um baixo grau de mercantilização, por este motivo, os autores consideram que
propriedades mineiras não teriam capitais suficientes para adquirir escravos em
mercados mais distantes, a solução eram os senhores contarem com o crescimento
biológico do cativeiro36.

Por sua vez, Laird Bergad em um estudo bastante ambicioso, onde levantou nada
menos de 10.028 inventários post-mortem para analisar a historia de Minas Gerais nos
séculos XVIII e XIX, considera que, com a virtual cessão das importações de novas
peças africanas para Minas, no qual teria ocorrido no final do XVIII, a reprodução
natural era a mola-mestra do crescimento da população escrava mineira. Com efeito,
durante todo o século XIX, o aumento de cativos nas posses mineiras deve ser creditado
ao crescimento vegetativo destes planteis escravistas, enquanto que a contribuição do
tráfico internacional de africanos possa ser considerada mínima37.

Discordando dos estudos de Cano e Luna, Roberto Martins inova a historiografia


enfatizando que a economia mineira era dinâmica deste do início do século XIX38,
tornando-se ao longo do oitocentos a província que mais importava escravos, e
consequentemente, a que detinha a maior população cativa do país. De acordo com os
dados pesquisados por este autor, no ano de 1819 havia 170 mil escravos, e em 1873
este número passou para 380 mil. O crescimento de contingente de cativos não era nem
remanescente da economia do ouro nem fruto da procriação natural, mas antes,
originado de importações recentes não induzidas pela mineração39.

Para Roberto Martins, a agricultura de subsistência teria contribuído para o


aumento desta força de trabalho. Neste modelo produtivo, Minas Gerais era formada

36
LUNA, F. V.; CANO, W. “Economia Escravista em Minas Gerais”. Cadernos IFCH/UNICAMP,
Campinas, outubro de 1983, p. 13.
37
BERGAD, Lair W. Escravidão e História Econômica; Demografia de Minas Gerais, 1720-1880. Bauru:
EDUSC, 2004, p. 70.
38
Lembremos que desde os anos 1980, os novos estudos vinham questionando a ideia de uma decadência
mineira ao final do chamado “ciclo do ouro”. Ver os seguintes trabalhos: MARTINS, Roberto. A
economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: Cedeplar/UFMG, 1982; SLENES,
R. W. “Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX”,
Cadernos IFCH/UNICAMP, n. 17, 1985 e LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento
da Corte na formação política do Brasil, 1802-1842. São Paulo, Símbolo, 1979. Ver também GRAÇA
FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o mito da decadência de Minas Gerais, São João
del Rei(1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002.
39
MARTINS, Roberto. A economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte:
Cedeplar/UFMG, 1982.

32
basicamente por propriedades agrícolas diversificadas internamento - fazenda, sítios e
roças – cuja produção era destinada para o autoconsumo e a venda para os mercados
locais, ou seja, a economia mineira era uma antítese das plantations exportadoras.
Citando Alcir Lenharo40, Martins considera que as produções de Minas Gerais poderia
ter abastecido alguns mercados localizados fora da província, em especial a praça
mercantil do Rio de Janeiro41. Porem achou que Lenharo exagerou em salientar a
importância do mercado carioca para a economia de Minas Gerais.

Diante destes dados faltou Roberto Martins explicar como uma economia
carregada pelo peso de um enorme setor de subsistência conseguia gerar divisas
suficientes para dar conta das maciças importações de escravos? Sobre esta interrogação
aparecem os questionados de Robert Slenes sobre a tese de Martins.

Em artigo publicado no ano de 1985, Robert Slenes afirma que o desligamento


da economia mineira do mercado exportador não era tão completo como afirma Roberto
Martins42. Slenes demostra que o setor de exportação da economia mineira era bastante
dinâmico capaz de gerar capitais necessários para importar um expressivo contingente
de cativos vindos dos portos brasileiros. Ainda segundo o autor, esta economia de
exportação tinha “efeitos multiplicadores” na medida em que era abastecida por
produtos agrícolas e pecuários para sua reprodução. Para explicar o elo entre setor de
exportação e os demais setores da província Slenes demonstra casos concretos sobre a
produção dos rebanhos suínos.

De acordo com Caio Prado Júnior (que segue neste ponto Saint-Hilaire), a
criação de porcos no Sul de Minas para serem exportados vivos ou em
forma de toucinho se fazia em estreita ligação com a produção de milho,
que constituía a ração principal desses animais. Os Martins certamente têm
razão - e nunca questionei isso - quando afirmam que o comércio de milho

40
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. São Paulo: Símbolo, 1979.
41
MARTINS, R.B. A economia escravista de Minas Gerais no século XIX. op.cit., p.1.
42
Na perspectiva de Slenes o milho, o porco, o toucinho, o tropeiro e o metal precioso estão integrados
em um mesmo sistema gerador de riqueza para a aquisição de escravos. Esta cadeia exclui ou minimiza a
possibilidade da existência de setores dinâmicos internos fora dela. Slenes admite a possibilidade de
crescimento natural, mas não a leva em conta em sua argumentação. Ver: SLENES, Robert W. Os
múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Cadernos IFCH-
UNICAMP, n.17. Campinas, junho 1985. . The demography and economics of Brazilian slavery: 1850-
1888. Stanford University, 1976. (Tese de Doutorado). . The Brazilian Internal Slave Trade,
1850-1888: Regional economies, slave experience and the politics of a peculiar market. In: Walter
Johnson. (Org.). Domestic Passages: Internal Slave Trades in the Americas, 1808-1888. New Haven:
Yale University Press, 2005.

33
para o Rio e São Paulo em lombo de muar era mínimo; mas a exportação
indireta desse produto, em lombo de porco, era considerável43.

Por esta passagem Robert Slenes nos mostra a diversidade da economia mineira
e como estes produtos ligados ao setor da agropecuária poderiam se inserir com
facilidade no mercado exportador. É sobre estes dados que reside uma dos maiores
criticas feita ao trabalho de Roberto Martins. Segundo Slenes, Martins adota uma
definição pouco convencional de economia de exportação, que não incorpora todos os
setores a elas ligados, mesmo que indiretamente, para dimensionar o setor exportador de
uma dada economia é preciso reconstituir as relações deste com a produção para o
consumo interno, tanto de alimentos quantos de produtos manufaturados. A produção de
alimentos e quaisquer outros bens destinados à manutenção do setor exportador
constitui uma forma de participação indireta na economia de exportação. Indiretas mas
igualmente importantes em termos de volume de bens gerados e de mão-de-obra
envolvida. Boa parte do contingente cativo mineiro estava alocada neste setor
econômico que, além de produzir para abastecer o mercado interno, ainda exportava
uma gama variada de produtos para as províncias vizinhas44.

Diante destes debates, os estudos de Clotilde Paiva e Douglas Cole, questionam


a pouca atenção que Roberto Martins e Robert Slenes45 tem dados sobre a importância
ao crescimento natural das escravarias mineiras. Segundo estes pesquisadores, a
reprodução vegetativa e o tráfico negreiro não são mutuamente excludentes. De acordo
com estes autores, tanto antes como após o fim do comercio de almas atlânticas de
1850, os senhores mineiros continuavam contando com os nascimentos de crianças em
suas senzalas para ampliarem os seus planteis. Paiva e Libby, ao pesquisar os mapas de
população e as listas nominativas da década de 1830, constaram que o contingente
cativo de Minas Gerais aumentava, em parte, por meio da reprodução natural, e mais,
que uma geração após o término do tráfico se encontrava plenamente reprodutiva.

O fluxo de escravos para Minas deve ter ficado bastante reduzido durante
as últimas décadas do século XVIII e a primeira década do XIX. Se esta
hipótese é correta, significaria que a população escrava experimentou um
hiato de quase duas gerações durante o qual as influências negativas do
tráfico negreiro internacional ficaram bastante diminuídas. Neste caso,

43
SLENES, Robert. “Os múltiplos de porcos e diamantes”, 1985, p.53.
44
Idem, p. 53-56.
45
Slenes admite a possibilidade de crescimento natural mas não a leva em conta em sua argumentação.

34
avanços em direção à reprodução natural deveriam ter ocorrido e teriam
consequências importantes quando do novo aumento do volume de
entradas de africanos. Uma grande e relativamente estável população
crioula estaria se reproduzindo e, até certo tempo, poderia ter absorvido
uma parcela do novo contingente africano nos padrões de reprodução ou,
ao menos, ter resistido à investida„ dos recém-chegados46.

Pelos dados encontrados nestas pesquisas sobre a escravidão em Minas Gerais,


ficou claro que ampliação de um plantel escravista contava com elementos de ordem
econômica e demográfica, como a oferta de mão da obra escrava, o acesso ao um
mercado exportador e a reprodução natural das escravarias. Porém, para que estas
propriedades tornassem mais estáveis ao longo tempo era preciso os senhores estar
atentos aos laços sociais produzidos no cativeiro. É nesse sentido, que entendemos que
as relações de compadrio ou de sociabilidades tecidas na senzala foram fundamentais
para a manutenção destas escravarias. Sobre esta premissa, creio que tem razão Manolo
Florentino e José Roberto Góes, quando afirma que “a escravidão não é efeito exclusivo
da logica econômica da empresa escravista, nem existe descolada da pessoa dos
escravos. É antes, um cenário conflitivo por definição, espaço onde estratégias se
delineiam e fazem conhecer melhor a escravidão”47.

Os mesmo autores (Florentino & Góes) ao analisar as grandes unidades


escravistas do agro fluminense, entenderam que o parentesco escravo era um dos
principais pilares da escravidão, ou seja, era um elemento pacificador que promovia um
pacto politico entre os escravos e os senhores. A paz postulada por estes autores, não
pressupõe uma sociedade sem conflitos, mas sim uma busca dos escravos em “construir
laços de solidariedade e de auxílio mútuo que os ajudasse a sobreviver no cativeiro” da
melhor forma possível, após o brutal desraizamento (social) e trauma (com a travessia)
que sofreram48.

Hebe Mattos por ser turno, ressaltou as diferenças e os conflitos no interior do


cativeiro, que acabavam por contribuir para o enfraquecimento dos laços de
solidariedade entre os cativos e para a não conformação de uma identidade étnica

46
LIBBY, Douglas C. & PAIVA, Clotilde A. Caminhos Alternativos: Escravidão e Reprodução em
Minas Gerais no século XIX. Estudos Econômicos. São Paulo: FIPE/USP, v. 25, n. 2, pp.203-233, 1995.
47
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. op. Cit., 1997, p. 174-175.
48
FLORENTINO; GÓES. Paz na Senzala, op. cit. p. 75.

35
comum. Com base neste argumento, a autora procurou demonstrar que a gestação das
relações familiares entre os escravos no Brasil significou mais uma aproximação com
uma determinada visão de liberdade que lhes era próxima do que a formação de uma
identidade étnica a partir da experiência do cativeiro. A família e a comunidade escrava
não se afirmavam como matrizes de uma identidade negra alternativa ao cativeiro, mas
em paralelo com a liberdade49.

Robert Slenes ao pesquisar as relações familiares dos cativos na região de


Campinas ao longo do XIX, notou que a diferenciação entre os escravos era produto de
uma “política de dominação senhorial”. “O autor argumenta que os senhores
estimulavam a formação de famílias entre seus escravos e instituíam, “junto com a
ameaça e a coerção, um sistema diferencial de incentivos – no intuito de tornar os
cativos reféns de suas próprias solidariedades e projetos domésticos”50. Caso se a
politica de estranheza entre escravos falhasse, a solução era adotar outras estratégia de
controle. Enfim, para o autor, “a política de domínio dos senhores era ardilosa e eficaz”
51
.

Ao estudar as escravarias de Campinas, Slenes não nega os interesses dos


escravos em se aproximar de compadres livres, mas argumenta que ao se socializarem
com estes agentes os cativos correriam o risco de ter alguns de seus laços de amizades
desfeitos no cativeiro. Diante disto, o autor considera, que a família escrava, no entanto
não se reduzia as estratégias e projetos centrados nos laços de parentesco, mas um
mundo mais amplo que os escravos criaram a partir de suas esperanças e recordações,
ou seja, “ela era apenas um instancia cultural importante que contribuiu para a formação
de um identidade nas senzalas conscientemente antagônica à dos senhores e
compartilhada por uma grande parte dos cativos”52. Se não estivermos engado, Slenes, a
priori, parte da premissa que haveria uma solidariedade (ou uma “lealdade”) entre os

49
Mattos, MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista –
Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.135.
50
SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de.
História da vida privada no Brasil – Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997. . Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava
– Brasil, Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
51
Idem, 270-271.
52
SLENES, Robert. Na Senzala uma Flor: esperanças e recordações na formação da família escrava –
Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 49.

36
cativos, e ao compartilhando destes valores suas diferenças seriam superadas, colocando
assim, a ordem escravista em risco.53.

A proposta de estudo elaborada para esta pesquisa é outra, parte da premissa que
apesar dos escravos pertencerem ao mesmo grupo jurídico não significavam que eram
iguais perante a realidade do cativeiro, e nem sempre uma possível solidariedade entre
eles comprometeria o funcionamento do sistema escravista. Como bem lembrou Carlos
Engemann, “se a reunião de um grande grupo de escravos multiplicava os fatores de
tensão, de igual modo deveria multiplicar os mecanismos de negociação” 54. Somado a
isto, como habitantes de uma sociedade extremamente hierarquizada, os cativos também
se hierarquizavam. Os exemplos disto são múltiplos: entre africanos e crioulos, entre
confrades e não confrades de diversas irmandades escravas e entre etnias africanas,
etc.55. Segundo João Fragoso, “eram sujeitos portadores de orientações valorativas
próprias”56. Portanto, partimos da ideia que nem todas as relações de solidariedades
engendradas pelos os agentes presos à senzala desencadearia num conflito, e também
não se redundassem em uma relação harmoniosa, certamente a ascensão dos escravos na
hierarquia social do cativeiro tornava estas relações mais complexas.

Para efeito destas complexidades relacionais, veremos neste trabalho que nas
escravarias de Baependi houve uma mobilidade social intra-cativeiro, os escravos que se
ascenderam sobre estas escalas foram aqueles que mais compareceram como padrinhos
nas pias batismais da região. O fato de estes indivíduos terem constituído uma ampla
rede de compadres mobilizaram uma serie de recursos materiais e simbólicos que os
permitiram a se elevarem ao topo máximo da hierarquia do cativeiro. Obviamente que
para atingir este patamar tiveram que estabelecer múltiplas relações de solidariedade
com seus parceiros de escravidão e saber lidar com os possíveis conflitos que ocorriam
na senzala. Mas o que de fato almejavam era estar entre os cativos mais prestigiados na
região. Estas questões serão melhor aprofundadas quando analisarmos um seleto grupo
de escravos que foram considerados em nossa pesquisa como os padrinhos preferencias.

53
Idem, 49-53.
54
ENGEMANN, Carlos. De laços e de nós. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008, p. 27.
55
Idem, p.51
56
FRAGOSO, João. Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor do engenho do Rio Grande, neto de
conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de
Janeiro, 1700-1760). In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs). Na Trama das Redes:
políticas e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010a, p. 249.

37
Agentes que mesmos presos aos grilhões do cativeiro foram responsáveis pela
manutenção da escravidão nesta Vila sul-mineira.

* * *

Referencial teórico e metodológico.

Nesta secção iremos esclarecer alguns conceitos para compreender um pouco da


lógica social que esteve vigente na localidade em estudo. No que diz respeito a uma
sociedade escravista ancora-se nas noções formuladas por Moses Finley, que ao
investigar a escravidão na Antiguidade afirmou que apesar do Império Romano ser
tratado como uma “unidade política e, em certo sentido, cultural, não era ipso facto uma
unidade econômica ou social”, já que “coexistiam diferentes regimes de trabalho e
modos de produção”. Assim, dentro desta “unidade política” existiam “sociedades
escravistas” e “sociedade com escravos”57 .

Na perspectiva de Moses Finley uma sociedade escravista era caracterizada


como aquela no qual o principal objetivo da renda extraída do escravo era a reiteração
das diferenças socioeconômicas entre a elite senhorial e todos os outros homens livres.
Neste sentido, o coeficiente central não era deter a riqueza, mas ter a consciência de sua
superioridade e achar-se efetivamente responsável pelo destino daquela sociedade58.

Diante deste sistema escravista apreciado por Moses Finley, procuraremos


responder se a Vila de Santa Maria do Baependi se definiria como escravista. A priori,
constatamos três dados que não difere da definição de sociedade escravidão postulada
por Finley. O primeiro é a disseminação da posse escrava em vários setores desta
sociedade, na sequência uma maioria de pessoas livres que não alçaram o status de
senhor, e por fim, um elevado de contingente de cativos sobre o domínio de poucas
famílias senhoriais. No todo, o acesso diferenciado a esta instituição marcou profundas
distinções socioeconômicas entre os homens livres daquela região.

57
FINLEY, Moses I. Escravidão antiga e ideologia moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1991, p. 81-82.
58
Idem, p. 69-96.

38
Para analisar as relações entre senhores e escravos nos apoiamos na noção de
honra na escravidão concebida pelo sociólogo norte-americano, Orlando Paterson, que a
define como “dominação permanente e violenta de pessoas desenraizadas e geralmente
desonradas”. De acordo com este autor, o escravo por ser um derrotado de guerra e por
estar isolado da herança social dos seus antepassados, tornava-se terras estrangeiras um
desonrado. Neste caso o afastamento dos laços de parentesco era o que bastava para
perder a sua honra. Portanto, ao contrário do que comumente se apregoa, a infâmia da
escravidão não residia na cor ou no desempenho de tarefas manuais, mas no fato de o
escravo ser um derrotado de guerra ou descendente dele, que trocou a honra pela vida59.

Nesta perspectiva, Patterson considera que os escravos não tinha um nome a


zelar, apenas poderia defender o valor e o nome dos seus senhores, nisto permanecia
alheio o jogo da honra. Assim os mancipios não tinham uma existência social
reconhecida fora do domínio do seu senhor, na verdade era uma extensão do poder dos
seus donos60. Estas noções podem ser visualizadas sobre o controle que os senhores
exerciam nas relações de compadrio dos seus cativos com os vários setores da
sociedade. Além do mais, quando os escravos se relacionavam com os membros da
comunidade tinha um reconhecimento atrelado à propriedade senhorial na qual
pertenciam, assim acabava elevando o prestígio do seu senhor61.

Outra questão que teremos o cuidado em analisar e que deve a micro história
como referencia, é a formação dos grupos sociais. Sobre este exame, maior influencia
vem da historiadora Italiana Simona Cerutti. Estudando a formação de grupos sócio
profissionais em Turim nos séculos XVII e XVIII, a autora afirma que devemos estar
atentos ao empreender uma pesquisa sobre as categorias sócio profissionais e com o
pressuposto de que os mesmos “podem ser descritos antes mesmo que seja analisado o
tecido das relações que os engendrou”. Ao invés disso:

Em lugar de considerar evidente o pertencimento dos indivíduos a


grupos sociais (e de analisar as relações entre sujeitos definidos a
priori), é preciso inverter a perspectiva de análise e se interrogar sobre o
modo pelo qual as relações criam solidariedades e alianças, criam,
afinal, grupos sociais. Nesse sentido, o importante não é negar a
utilidade de todas as categorias socioprofissionais – exógenas ou

59
PATTERSON, Orlando. Escravidão e Morte Social: Um Estudo Comparativo. Tradução de Fábio
Duarte Joly. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo. 2008.
60
Idem, p. 37.
61
SOARES, Marcio. A remissão do Cativeiro, op. cit., p. 105.

39
contextuais – mas impregná-las das relações sociais que, hoje como
então, contribuem para o seu nascimento62.

Ao apreciarmos este estudo sobre a modalidade da construção das identidades


sociais, procuraremos apreender os comportamentos de senhores e escravos não a partir
dos seus status jurídicos ou condições, mas através dos diversos laços sociais que
produziram ao longo de suas vidas. Tal abordagem nos permitira definir os seus
interesses para além das suas ocupações ou dos seus grupos sociais63.

No intuito compreender as estratégias adotadas pelos cativos diante de uma


sociedade marcada pela incerteza e insegurança, a noção de “racionalidade” postulada
por Fredrik Barth será de grande valia para o entendimento deste processo. Este
conceito consiste na ideia de um agente livre e com um mínimo de racionalidade sobre
as regras do jogo e suas consequências, tendo em mãos recursos necessários para tanto.
Este modelo de análise coloca em cena um ator que deveria agir dentro de uma
sociedade na qual os recursos sociais, materiais e culturais eram distribuídos
desigualmente. Um indivíduo racional, certamente, mas não dotado de uma
“racionalidade absoluta64. Em outras palavras, como também bem expôs Giovanni Levi,
“a partir dos recursos limitados que o seu lugar na trama social lhe conferia, em
contexto nos quais suas ações dependem das interações com ações alheias” 65. “Portanto,
o controle sobre o seu resultado é limitado por um horizonte de constante incerteza” 66.
Ao estudar os escravos sobre acepção deste conceito, podemos compreender que os
laços sociais produzidos por estes agentes de certa maneira dependiam das ações (de
uma vontade senhorial) empreendidas pelos seus senhores, que por sua vez, exerciam
um certo controle sobre suas relações, pois nesta sociedade escravista os senhores
tinham mais poderes que seus cativos, pois como vimos estes patriarcas era um dos
mais fortes conectores entre a vida cativa e o mundo exterior à fazenda.

62
CERUTTI, Simona. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim no século
XVII. in: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanalise. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 1998, p. 182-183.
63
Idem, p.183.
64
CF. F. Barth. Scale and Network in Urban Western Scociety In. Scale and Social Organization, cit.,
p.166.
65
De acordo com Henrique Espada Lima, o conceito de racionalidade limitada tal como é usado por Levi
não tem origem em Barth, ainda que seja bastante coerente com ele. Tal noção foi cunhada por Harvey
Leibenstein no contexto a uma crítica ao modelo economista do homem econômico. Ver:
LEIBENSTEIN; BEYOND. Economic Man. 1976.
66
Fragmento textual retirado do livro de Henrique Espada Lima, A micro História italiana, 2006, p.462.

40
Acrescento a isto, o fato dos escravos angarias benefícios na sua relação com seu
senhor, buscando no máximo possível atingir os seus objetivos, isto é, viver com maior
segurança em uma sociedade profundamente marcada pela pobreza e por uma extrema
desigualdade social. Diante desta realidade, vale dizer que vinha dos ditames dos
senhores uma parte das regras que regia a vida cativa, parte sobre a qual os escravos não
tinham domínio direto, nem poder de convencionar, como ocorria nas regras sociais
internas67.
O tratamento metodológico dado a esta pesquisa foi empregado de acordo com a
fonte a ser explorada. Os principais os documentos que examinamos foram; os
inventários post-mortem, os registros paroquiais de batismos, casamentos e os
testamentos que tiveram anexados nos processos de inventários e nos assentos de óbitos
da Vila de Baependi.
Para os inventários e os batismos, a principio por serem fontes que se reiteram
no tempo, buscou-se uma abordagem de tipo serial, onde foi possível dentro de um
longo período (1820-1888) captar as mudanças no diferentes momentos históricos, ou
seja, perceber as variações no tempo. Com relação a estas fontes quantitativas, é
importante salientar que os assentos de batismo por ser uma documentação serial e de
caráter massivos, foram as que mais contemplaram as diversas camadas da sociedade
baependiense oitocentista68.
Com relação aos inventários post-mortem, a quantificação deste corpo
documental permitiu identificar a representativa dos patrimônios produtivos nas
fortunas das pessoas que tiveram bens a declarar na Vila de Baependi. Foram analisados
todos os inventários da região de 10 em 10 anos, entre o período de 1820 a 1888. As
pecas dos inventários que nos mais chamou a atenção foram às avaliações de bens, as
dividas passivas e ativas, as partilhas das heranças e as listas de matriculas de escravos
que começaram a serem anexadas nestes documentos a partir do ano de 1872. As
analises sobre estas dados valeram-se, em alguma medida, de uma abordagem serial .
Partindo deste exame, nossos estudos centrou-se na analise da composição do

67
ENGEMANN, Carlos. Da comunidade escrava e suas possibilidades, séculos XVII-XIX. In:
FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
68
Este dado foi também observado por João Fragoso ao pesquisar as atas batismais das freguesias rurais
do Rio de Janeiro. Ver: FRAGOSO, João. Apontamentos para uma metodologia em História Social a
partir de assentos paroquiais – Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro, 2011, p. 2. (texto inédito).

41
patrimônio produtivo, no nível de distribuição e concentração das riquezas inventariadas
e no montante de riquezas ali registradas69.
Analise serializada dos dados dos inventários permitiu que verificássemos as
mudanças e as permanências do sistema agraria examinado ao longo do tempo. Como
lembra João Fragoso, “o tipo de fonte em questão apresenta a composição das fortunas
dos mortos e, portanto, através dela é possível perceber as características econômicas
básica de uma região” 70. Com a preocupação de captar o máximo destes elementos,
trabalhamos nesta pesquisa 510 inventários, que estão organizados e catalogados no
Escritório Técnico do IPHAN localizado na cidade de São João del Rei.
Para as analises das trajetórias sociais utilizamos o método proposto por Carlos
Ginzburg e Carlo Poni, qual seja, capturar as ações de um mesmo sujeito em diversas
tipologias documentais, por meio da ligação nominativa71. Segundo Ginzburg e Poni,
uma variedade de fontes pode apresentar varias características sociais, culturais e
politicas de uma mesma pessoa, em nosso caso, os assentos batismos demonstram os
indivíduos como padrinhos, compadres e afilhados, os inventários como pobres ou
afortunados, os testamentos como pessoas preocupadas com a salvação da alma ou
revelações de paternidades que foram ocultadas em vida, etc.. Portanto, ao limitarmos
nossas analises sobre as informações contidas em apenas um documento “corre-se o
risco de perder a complexidade das relações que ligam um indivíduo a uma sociedade
determinada”72.
Entre estes historiadores os estudos sobre à micro-história se tornou rico e
diversificado. Ginzburg e Carlo Poni apoiados numa enorme jazida arquivistica italiana
proporão uma maneira de conceber a historia social acompanhando o “nome” próprio
dos indivíduos ou dos grupos dos indivíduos. Neste caso a escolha do individuo não e
algo conflitante de analise social, pois permite destacar ao longo de um destino
especifico o destino de um homem, de uma comunidade e sua obra, em outras palavras,

69
Trabalhos a partir dessa abordagem surgiram com força no Rio de Janeiro, em fins da década de 1970,
através de pesquisadores nucleados em torno de Maria Yedda Linhares e Ciro Flamarion Cardoso.
Também se espalharam, através de diferentes redes de pesquisadores, por diversas regiões do Brasil – na
Bahia, em São Paulo, em Minas Gerais, no Paraná e no Rio Grande do Sul, entre outros locais.
70
João Fragoso, Barões do Café, 2016, p. 20.
71
Outros exemplos de trabalhos que utilizam a ligação nominativa como método ver: GUTMAN, Herbert
G. The Black Family in saber and. freedon (1750-1925). New York: Vintage Books, 1977; SLENES,
Robert W. Na senzala uma flor. As esperanças e as recordações na formação da família escrava, século
XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
72
GINZBURG, Carlo e PONI, Carlo. O Nome e o Como: troca desigual no mercado historiográfico,
1989.

42
uma complexa rede de relações, a multiplicidades dos espaços e os tempos nos quais se
inscreve73.

Portando, rastreando os indivíduos desta pesquisa através dos seus nomes pude
perceber que estavam imersos em varias redes relacionais constituídas pelos agentes que
vivenciaram as mudanças ocorridas na localidade em estudo. O que consideramos
essencial no método proposto por Carlo Ginzburg e Carlo Poni, é que este procedimento
pode ser aplicado em qualquer camada da sociedade, possibilitando reconstituir uma
trajetória social “a partir de baixo”, ou seja, “tornar possível à reconstituição do vivido
inacessível às outras abordagens historiográficas74”. Assim, um dos desafios lançados
nesta pesquisa foi selecionar uma massa de dados disponíveis que apresentasse casos
relevantes e significativos. Contudo, diante do método que irei empregar nesta pesquisa,
procurei montar um quadro de referencia com bases seriais, para depois, recompor
trajetórias e relações a partir de um estudo nominal75.

Para analisar e reconstruir os percursos sociais dos sujeitos que formaram


extensas redes de compadrio na região tivemos que recorrer a uma ferramenta
metodológicas que nos auxiliou na constituição destes percursos individuais, assim,
fizemos usos da base de dados Fichoz76. Esta base de dados foi desenvolvida por Jean
Pierre Dedieu, atualmente professor Emérito da Université Toulouse Jean Jaurés. Para
aprendermos manusear esta ferramenta analítica, tivemos que no período de doutorado
sanduiche encontrar com este deste pesquisador, sobre a sua supervisão num período de
três semanas, pude desenvolver alguns técnicas de pesquisa oferecida por pela base de
dados fichoz que nos revelou uma infinidade de instrumentos de pesquisa.

A ideia principal desta base de dados concerne em decompor a vida dos agentes
históricos em “eventos”. Neste sentido, para cada ato seria criado um registro com

73
JACQUES, Revel. Prefácio: In: LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial: trajetória de um exorcista no
Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 16-19.
74
Idem, p. 17.
75
Este método foi empregado por Luiz Farinatti ao analisar as famílias de elite da sociedade agraria de
Alegrete, município de Campanha, entre os anos de 1825 a 1865. Ver: FARINATTI, Luís Augusto.
Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na fronteira sul do Brasil (1825-1865). Santa
Maria: UFSM, 2010.
76
Tiago Gil ao estudar as redes de credito da região Rio Grandense de Viamão fez uso desta ferramenta
analítica desenvolvida por Jean Pierre Dedieu. Porém o autor adota tal método dentro de um
posicionamento teórico- metodológico maior proposto de Fredrik Barth, ou seja, estudar os grupos sociais
em suas diferentes dinâmicas e peculiaridades. Ver: GIL, Tiago. Coisas do Caminho. Tropas e tropeiros
do Viamão à Sorocaba, Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.

43
informações como a data, o local, a interação com outro agente e um campo de
detalhamento, entre outros. A interação e a análise detalhada de cada ato são os pontos
fortes desta forma de coletar e organizar os dados. Tal perspectiva de trabalho pode
perfeitamente ser inserida dentro das analises sobre a constituição das redes de
compadrio77. Segue abaixo o modelo desta base de dados.

1º Preenchimento

2° Preenchimento:

77
DEDIEU, Jean Pierre, "Les grandes bases de données: une nouvelle approche de l'histoire sociale. Le
système Fichoz," (2005).

44
3 Preenchimento

De uma maneira geral, para reconstituir as trajetórias dos agentes investigados


nesta pesquisa, coletei as informações sobre suas características sociais nas fontes
cartoriais e paroquiais, em seguinte inseri estes dados no sistema Fichoz. Através deste
procedimento conseguimos visualizar as suas redes de compadres que eram formadas
por pessoas pertencentes aos vários setores da sociedade.

* * *

Detalhando o estudo por capítulos, no primeiro abordaremos a desigualdade


socioeconômica que se vez presente numa Vila dedicada às atividades agropecuaristas e
voltada para abastecer os mercados interno/externo. Para compreendermos melhor os
recantos desta questão, primeiro, iremos observar como a riqueza constituiu na Vila de
Baependi, estava distribuída de forma desigual entre as distintas famílias da região. Na
sequência, veremos quais foram os patrimônios produtivos responsáveis pela reiteração
do sistema agrário local. Adiante, verificaremos a relação da mão de obra escrava com a
agricultura e pecuária, refinando o exame sobre as propriedades dos lavradores de
distintas condições socioeconômicas. Por último, analisaremos como as produções
agrarias e pecuaristas da localidade estavam articuladas com os mercados regionais e
províncias do sudeste brasileiro.
No 2º capitulo a análise recai sobre as escravarias da localidade. Primeiro,
examinamos as características dos cativos inventariados. Em seguida, realiza-se um
estudo sobre as distintas faixas de planteis escravistas, nessa seção, faremos uso de um

45
procedimento ainda pouco utilizado: estrutura de posse vista pelos registros de batismo.
Sobre este método, iremos cruzar as atas batismais com os inventários port-mortem. Tal
procedimento foi adotado para observarmos exclusivamente como propriedade escrava
esteve disseminação na região, em outras palavras, pretende-se averiguar até que ponto
diversos setores desta sociedade estavam comprometidos com a manutenção da
escravidão78.
No terceiro capitulo desta tese procurou-se analisar as alianças de compadrio que
os cativos estabeleceram com os membros do cativeiro e com os segmentos da
localidade. Na sequência foram analisadas as características gerais dos indivíduos que s
que compareceram as pias batismais da região para apadrinhar os inocentes cativos. Por
sua vez, buscou-se identificar que eram as pessoas livres e escravas que mais foram
convidador para servir de pais espirituais. Através das relações deste seleto grupo de
padrinhos preferencias, pretende-se analisar como uma hierarquia social era reiterada na
localidade.
No 4º e ultimo capitulo desta tese, nossas atenções estiveram voltadas para as
relações de compadrio e de paternalismo entre senhores e escravos da região. O
primeiro passo foi apurar a quantidade de escravos que foram batizados pelos seus
próprios donos. Em seguinte, procurou-se observar as famílias senhorias que mais
apadrinharam cativos pertencentes as suas senzalas. Em síntese, o principal objetivo
deste capitulo, consistiu em analisar como os senhores utilizavam do compadrio para
produzir aliados no cativeiro.

78
A posse escrava vista sobre a ótica dos assentos paroquias, e método que há tempo vendo sendo
utilizado por vários historiadores com intituito de examinar com a disseminação da propriedade
escrava em diversos setores da sociedade pode ser considerado um dos fatores que dava elasticidade
a escravidão. Este método foi mais aplicado para os estudos da sociedade escravista Imperial
Brasileira. Ver: GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito: um estudo sobre a escravidão no Rio
de Janeiro da primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993. Apontamentos para uma
metodologia em História Social a partir de assentos paroquiais – Rio de Janeiro, século XVIII. Rio
de Janeiro: s/d. (texto inédito) FONTELLA, Leandro Goya e MATHEUS, Santos Marcelo. Estrutura
de posse escrava na província do Rio Grande de São Pedro: um balanço historiográfico. Revista Latino-
americana de História, São Leopoldo, v. 2, nº. 9, 2013. GUTERRES, Letícia Batistella Silveira.
Escravidão, família e compadrio ao sul do Império do Brasil: Santa Maria (18441882). Rio de Janeiro:
PPGH/UFRJ, 2013. (Tese de Doutorado). . Para além das fontes: im/possibilidades de laços
familiares entre livres, libertos e escravos (Santa Maria, 1844-1882). Porto Alegre: PPGH/PUC-RS, 2005.
(Dissertação de Mestrado).

46
CAPÍTULO 1:

Escravidão e desigualdade socioeconômica em uma


Vila Sul Mineira.

47
Resumo do capítulo
Neste capítulo, examinaremos a desigualdade socioeconômica de uma região escravista
localizada no Sul de Minas Gerais. A localidade escolhida foi a Vila de Santa Maria do
Baependi que, no ano de 1814, recebeu status de Vila79. É importante ressaltar que,
apesar de nosso estudo estar centrado nesta localidade, iremos nos valer de exemplos de
outras áreas que estiveram subordinadas ao termo de Baependi, em especial os distritos
de Pouso Alto, São Tomé das Letras, Aplicação de São José do Favacho e a Freguesia
de Nossa Senhora da Conceição do Rio Verde. Todos estes locais, como a Vila de
Baependi, tinham na pecuária e na agricultura sua principal atividade econômica e
estavam situadas na fronteira ou muito próximas a ela. Com o intuito de compreender a
desigualdade socioeconômica que se formou nesta Vila, fizemos uma análise sobre o
nível de concentração da riqueza entre os moradores que tiveram seus bens declarados
após falecerem. Assim, examinamos a distribuição dos principais ativos econômicos
inventariados nesta sociedade sul-mineira. Para analisar as questões que foram lançadas
neste capítulo, a documentação privilegiada foram os inventários post-mortem (510
processos) tomados por amostragem de 10 em 10 anos. Complementando as
informações dos inventários, foram pesquisadas as listas nominativas de habitantes do
termo de Baependi produzida na década de 183080, os relatórios do presidente da
Província Mineira e os Almanaques Administrativos, Industriais e Civis realizados para
o Sul de Minas Gerais a partir da década de 1860.

79
Revista do Arquivo Público Mineiro (RAPM): Auto de Levantamento de Nova Vila, 23 out. 1814,
Santa Maria de Baependi (Vila), Criação, Reino. Edição: Imprensa Oficial de Minas Gerais, Data da
Publicação: 1896 p. 427-441.
80
Além disso, procuramos cruzar os dados encontrados nos inventários, com as informações apreendidas
nas listas nominativas de 1831/32, a partir de um banco de dados elaborado por pesquisadores do
CEDEPLAR/UFMG, de Belo Horizonte MG.

48
A formação de uma Vila.

Na Comarca do Rio das Mortes ao Sul de Minas Gerais, Baependi é uma das
regiões mais antigas. A história de seu povoamento inicia-se no ano de 1692, quando os
paulistas, Antônio Delgado da Veiga e seu filho Manoel Garcia seguiam da região de
Taubaté para os sertões da Capitania de São Vicente com a missão de capturar índios.
Os missioneiros ouviram de um destes índios, considerados gentios, que nas Serras da
Mantiqueira havia bastante ouro. Com esta notícia, emprenharam-se em uma nova
expedição81.
Antônio Delgado da Veiga e Manoel Garcia, ao passarem pela região da
Paraíba, nas fraldas da serra da Mantiqueira, encontraram um aldeamento de índios e ali
pernoitaram no alto do morro, denominando este lugar como Pouso Alto (região que
mais tarde tornou-se distrito do termo de Baependi). Seguindo caminho à margem do
Rio Verde, avistaram um índio ao qual um dos intérpretes dirigiu a seguinte pergunta:
Bae pende? Que significa: Que nação de gente é a tua? Os paulistas acharam graciosas
estas expressões e deram a esse rio o nome de Baependi. Depois, outros sertanistas
descobriram ouro nas margens desse rio e iniciaram a formação de um pequeno
povoado, ao qual denominaram de Baependi82.
Vários colonos e exploradores passaram pela região de Baependi. Pelo pouco
tempo que ficaram na localidade, deixaram pequenas roças de culturas temporárias. Um
dos primeiros habitantes a residir com sua família na localidade foi o sesmeiro Tomé
Nogueira do Ó, e sua esposa Maria Leme do Prado, que construiu um engenho e ergueu
na propriedade uma capela sob a invocação de Nossa Senhora do Monserrat. Tomé
Nogueira do Ó era natural de Funchal, Ilha da Madeira, filho do fidalgo português
Antônio Nogueira e Francisca Fernandes do Vale. Em 1711, recebeu a Patente de
Capitão da Infantaria do Distrito de Piedade (Lorena SP); em 1714, patentes de Capitão
de Taubaté; no ano 1717 foi nomeado Capitão do Comande do Caminho Novo da
Mantiqueira Grande e em 1723 tornou-se sargento-mor da região de Baependi83.
A remota origem familiar do senhor Tomé Nogueira do Ó advém de alguns
séculos atrás. Era oriundo de um fidalgo espanhol, D. Fernando Rodrigues Nogueira, do

81
Segundo informações constantes do artigo “Esboços chográficos – Baependy (1692-1822)”, na Revista
do Arquivo Público Mineiro, ano IV, 1899.
82
Idem, p. 185.
83
Idem, p. 188.

49
reino de Aragão que, devido às guerras mouras, migrou para Portugal. Filhos e netos de
D. Fernando espalharam-se pelas Canárias e Ilha da Madeira, de onde seguiram para
São Vicente e São Paulo. “Tomé Nogueira do Ó era descendente de um dos legítimos e
nobres dos Nogueiras de Portugal”, conforme se atesta pela carta de brasão dos
Nogueiras, concedida a seu neto, o Marquês de Baependi, Manuel Jacinto Nogueira da
Gama. Tomé Nogueira do Ó faleceu no ano de 1741 e suas propriedades foram
divididas entre seus filhos84.
Seis anos após a morte de Tomé Nogueira do Ó (1747), Baependi foi
reconhecida como Arraial, e no ano de 1752 tornou-se um Distrito, subordinado à Vila
de Campanha da Princesa. Em 1814, foi elevado à categoria de Vila, assim,
desmembrando-se da Vila de Campanha. Pela vontade real da Vossa Alteza, Príncipe D.
João, a região começava a ter acesso a novas prerrogativas e privilégios, como o levante
de um pelourinho em praça pública, em frente à Igreja Matriz, a construção de uma
Casa da Câmara, cadeias e oficinas do conselho. Além destes benefícios
administrativos, as terras devolutas85 que se encontravam dentro dos limites jurídicos da
localidade, podiam se tornar patrimônio e, em seguida, serem transformadas em
sesmarias para promover o desenvolvimento territorial da região 86. Na época que
Baependi foi elevada à categoria de Vila, ocorreu em toda província de Minas Gerais
diversas mudanças administrativas em seu quadro regional.
Esta política territorial fez com que as delimitações jurídicas das Freguesias,
Vilas e Comarcas mineiras fossem alteradas e reagrupadas. Essas reconstituições
geográficas se justificam por dois motivos: o primeiro consiste no desenvolvimento
econômico e populacional das localidades da Comarca do Rio das Mortes e o segundo
na falta de comunicação entres as jurisdições, termos e sedes destas Comarcas87.

84
Idem, p.187.
85
A doações de terras no arraial de Baependi, já começam no início da segunda metade do século XVIII.
Revista do Arquivo Público Mineiro, ano IV, 1895.
86
Arquivo Histórico Mineiro (APM). Carta dos oficiais da Câmara da Vila de Santa Maria do Baependi
ao Governador Dom Manuel de Portugal e Castro sobre o comunicado da elevação da Freguesia em Vila.
Cx: 38 – 30109.
87
GRAÇA FILHO, Afonso Alencastro. A Princesa do Oeste e o mito da decadência de Minas Gerais,
São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002, p. 33.

50
Mapa -1
Mapa da Comarca do Rio das Mortes – 1800 (DATA PROVAVEL)

Fonte: Arquivo Publico Mineiro (APM).

Com relação à primeira premissa, a Comarca do Rio das Mortes, na transição do


século de XVIII para o XIX, apresentou significativo crescimento populacional e
econômico. De acordo com Carla Almeida, entre os anos de 1776 a 1821, a população
da Comarca do Rio das Mortes cresceu em 158,05%88, na média anual este contingente
apresentou um crescimento de 3,5% 89.

88
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e
o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p.22.
89
ALMEIDA, Carla. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização social em Minas colonial,
1750-1822. Niterói:UFF, 2001 (Tese de Doutorado).

51
Além desta alta porcentagem populacional, a Comarca do Rio das Mortes se
destacou como elevada produção agropecuarista. Desde o final do século XVIII, foi
uma das principais abastecedoras da Província do Rio de Janeiro. Em suas pesquisas
sobre o Sul de Minas Gerais, Alcir Lenharo nos informa que esta área se encontrava em
uma situação geográfica privilegiada, sendo servida por diferentes canais de
escoamento, como as estradas do Comércio e da Polícia, Caminho Novo que, por uma
variante, chegava até Barbacena. São João del Rei, sede desta Comarca, ao longo da
primeira metade do século XVIII, ao mesmo tempo abastecia e enviava seus produtos
para várias regiões paulista e cariocas90. Saint-Hilairé, que viajou duas vezes pelo Sul de
Minas, foi quem descreveu com detalhes as formas específicas deste comércio regional.
De fato, os proprietários da região tinham suas próprias 14 tropas e, em geral, faziam
uso do trabalho dos seus filhos tropeiros.
De acordo com o viajante francês, essas empresas constituíam, portanto, uma
extensão de suas bases familiares, fundamentadas no trabalho dos filhos. “Numa
fazenda relata o autor – um dos filhos torna-se o condutor da tropa, outro se encarrega
de cuidar desta, outro das plantações, e todos, indiferentemente, ordenham as vacas e
fazem queijos”. Complementavam a força de trabalho os agregados, geralmente ligados
aos 16 proprietários por vínculos de compadrio ou parentesco mais afastado91.

90
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação política do Brasil,
1802-1842. São Paulo: Símbolo, 1979, p.61.
91
SAINT-HILAIRE, Auguste de. 1819. Viagem à Província de Goiás. Belo Horizonte/São Paulo: Ed.
Itatiaia, 1975.

52
Mapa - 2
Mapa da Comarca do Rio das Mortes (1821).

Fonte: Documento, UFSJ.

Este rápido desenvolvimento ocorrido na Comarca do Rio das Mortes, em


menos de meio século, explica a reorganização regional sofrida ao longo da primeira
metade do XIX. Diante disso, a Vila de Santa Maria do Baependi não ficou imune a
essas mudanças, pois se agrupou à Vila de Barbacena e ao Município de Pomba para
formar a Comarca de Paraibuna.
Além de Baependi, outras localidades sul-mineiras também foram agrupadas,
como as regiões de Campanha, Jacuí e Pouso Alegre compuseram a Comarca de
Sapucai. Desse modo, restaram somente as Vilas de São João del Rei, São José (atual
Tiradentes), Tamanduá e Lavras nos limites jurídicos da Comarca do Rio das Mortes92.
Na palavras do historiador Afonso Alencastro, “além dessas alterações de seus termos,

92
MARTINS, Maria do Carmo Salazar. Revisando a Província: comarca, termo, distritos e população de
Minas Gerais em 1833-35. In: Anais do V Seminário sobre a Economia Mineira. Diamantina:
CEDEPLAR/FACE/UFMG, 1900, p. 14-16.

53
temos uma infinidade de modificações nos distritos que compunham os municípios, fato
que dificulta enormemente a descrição cronológica de sua abrangência administrativa e
judiciária” 93.
Para que pudéssemos estudar o Termo de Baependi em meio a essas mudanças,
foi necessário saber a situação dos distritos que compuseram a referida região. Para
isso, procuramos entender a conformação desta localidade em três ocasiões: nos mapas
de populações de 1807/25, nas listas nominativas de 1831/39 e no Censo Imperial de
1872. Na primeira contagem populacional, a antiga Freguesia de Baependi reunia dois
distritos. Na segunda, quando era Vila, reuniu 8 Freguesias. E no recenceamento de
1870 e 1872, quando já era Municipio, possuía 6 regiões subordinadas94.

Quadro 5: População livre e escrava do Termo da Vila Baependi.

Anos Livres Escravos Totais


1807 3.255 2.871 6.126
1821 19.012 10.523 29.535
1832 10.199 7.987 18.186
1833-35 26.240 17.767 44.007
1872 28.321 9.139 37.460
Fonte: O numero total de habitantes no termo de Bapendi ate o ano de 1835 era de 44.077. Não foram
contabilizados as 6.217 pessoas para quais não há informações sobre a condição. Os 1.647 forros foram
incluidos entre a população livre. O número de livres e escravos para os anos de 1821, 1832 e 1833-35
foram extraidos da tabela montada por Marcos Ferreira de Andrade, ver em; Elites regionais e a
formação do Estado imperial brasileiro. Minas Gerais-Campanha da Princesa (1799-1850), Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2008, p. 35. Arquivo Publico Mineiro: Mapa de População do Termo de
Baependi, 1807, 1825. Silvia Pinto. População da província de Minas Gerais – 1821. Recenseamento da
população do Império do Brasil, 1872, Raimundo José da Cunha Matos, Corográfica Histórica da
província de Minas Gerais (1837), VOL 2. APM, Lista nominativa dos habitantes de alguns distritos do
termo de Baependi, 1831. Banco de dados montado pela equipe de pesquisadores do
CEDEPLAR/UFMG, sob a coordenação da Prof.ª Clotilde Paiva. Original: Arquivo Público Mineiro.
Mapa de População de 1833-35. Documentação pertencente ao APM, reproduzida e corrigida pelas
pesquisadoras Clotilde de Andrade Paiva e Maria do Carmo Salazar - CEDEPLAR/UFMG.

Esses ganhos e perdas de regiões foram fatores que interferiram na composição


populacional do Termo de Baependi. Em 1807, quando Baependi era uma Freguesia,
havia 6.126 habitantes. No ano de 1821, quando a região tornou-se um dos termos da
Comarca do Rio das Mortes, a população mais que quadriplicou, chegando a 29.535

93
GRAÇA FILHO, Afonso Alencastro., 2002, p. 33.
94
Recenseamento da população do Império do Brasil, 1872.

54
pessoas95. Esse crescimento populacional ocorreu devido à incorporação de novas
regiões. Foram agrupadas duas localidades sul-mineiras nos censos do Termo de
Baependi: as Freguesias de Aiuruoca e Pouso Alto. Tais locais contavam com um alto
número de habitantes que contribuíam para o aumento da população do termo96. A título
de comparação, em 1821, Baependi teria um número de habitantes superior a muitas
Freguesias urbanas da Corte do Rio de Janeiro, a de Santana, que tinha 10.83597.
No ano de 1832 registramos uma grande queda na população baependiense,
especialmente em contingente de cativos. De acordo com Marcos Ferreira de Andrade, a
explicação para este declínio populacional está na ausência de alguns distritos
importantes, que pertencia ao mesmo Termo, e que não constam nas listas nominativas
de 183298, incluindo a própria sede da Vila.
Entre os anos de 1833-35, o termo de Baependi apresentou números superiores
de habitantes, tanto livres como escravos. Nesta época, foram incorporadas a esse termo
mais 4 freguesias, algumas tinham populações cativas superiores à dos livres, como São
José do Favacho e Viradouro, as demais contavam com 40% a 45% de cativos. Além
disso, muitas dessas regiões contavam com escravarias que possuíam acima de 100
cativos e com alto índice de africanos99. Como exemplo, temos o plantel do Coronel,
Lavrador e Minerador, Antônio Luiz de Noronha, morador no Distrito do Varadouro
que, no ano de 1833, contava com 98 cativos em sua propriedade. Destes, 56 eram
africano-pretos: sendo 7 crianças, 38 adultos (14 a 40 anos) e 6 escravos acima de 40
anos100. Percebe-se que esta unidade estava sendo abastecida pelo comércio de Almas
Atlânticas. No termo de Baependi foram poucas propriedades que apresentaram este

95
Mapa de População de 1833-35. Documentação pertencente ao APM, reproduzida e corrigida pelas
pesquisadoras Clotilde de Andrade Paiva e Maria do Carmo Salazar - CEDEPLAR/UFMG.
96
PELÚCIO, José Alberto. Baependi. São Paulo: Gráfica Paulista, 1942. GRAÇA FILHO. A Princesa do
Oeste e o mito da decadência de Minas Gerais, 2002, p. 33.
97
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p.114.
98
ANDRADE, Marcos Ferreira de . Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro. Minas
Gerais-Campanha da Princesa (1799-1850), Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008, p.35.
99
Apud ANDRADE, Marcos Ferreira de. Rebeliões escravas na Comarca do Rio das Mortes, Minas
Gerais: o caso Carrancas. Afro-Ásia (UFBA), FFCH/UFBA - Salvador, v. 21-22, 1999, p. 45-47. Esses
resultados foram levados por Marcos de Andrade ao analisar os mapas de população da década de 1830
preservados e catalogados nos Arquivo Publico Mineiro. Ver: Marcos de Andrade, Elites regionais e a
formação do Estado Imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). 2. ed.
revista e atualizada. 2. ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2014.
100
Lista Nominativa do Distrito do Varadouro, filial da Freguesia de Aiuruoca do Termo de Baependi da
Comarca do Rio das Mortes (1831). CEDEPLAR/UFMG

55
tipo de estrutura de posse, como em todo o território mineiro, era raro encontrar
unidades produtivas que comportassem mais que 100 cativos101.
No intervalo de 1835 a 1872, verifica-se um aumento absoluto de habitantes no
termo de Baependi, mas, infelizmente, não temos dados censitários (as listas
nominativas em especial) sobre as décadas que cobrem esta lacuna temporal. Com isto,
seria arriscado levantarmos conclusões gerais. Mesmo assim, esse crescimento
populacional sinaliza que a área estava se tornando um polo atrativo de pessoas, em
virtude das atividades agropastoris. Este ponto será objeto de investigação dos tópicos
seguintes, quando se realizará um mapeamento das principais atividades econômicas
praticadas na Vila, por meio da análise dos inventários.

101
Analisando as listas nominativas de 1831-32 para a província Mineira, Douglas Libby constatou
apenas 42 propriedades que possuíam de 50 a 100 escravos. Ver LIBBY, Douglas Cole. Transformação e
trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais no século XIX, 1998, p.97.

56
- A representatividade dos bens econômicos nos inventários post-mortem do
termo da Vila de Baependi.

Para compreendermos como os agentes de grandes e modestas fortunas na Vila


de Baependi (ao longo do XIX) constituíram os seus patrimônios, lançamos mãos de
uma amostragem temporal de inventários, cuja coleta se deu através de um
levantamento por décadas, entre os intervalos de 1820,1830, 1840, 1850,1860, 1870 e
1880102. No Escritório Técnico do IPHAN da cidade de São João del Rei, encontramos
541 processos, porém, alguns não tiveram prosseguimento ou não apresentaram a
avaliação dos bens de forma completa. Assim, trabalharemos como uma amostragem de
498 documentos, ou seja, aqueles que não apresentaram problemas para as análises
seriais e qualitativas das fortunas inventariadas103.
Sabemos que os inventários post-mortem sub-representam as camadas mais
abastadas de uma localidade, pois não oferece o mesmo tratamento às mais pobres da
sociedade, cujos bens não eram passíveis de serem inventariados. Paradoxalmente,
como afirmaram João Fragoso e Renato Pitzer, é mais fáceis termos acesso à população
escrava da localidade, pois os mesmos eram propriedade dos inventariados e como tal
deviam ser arrolados e avaliados, do que “às camadas mais miseráveis dos homens
livres pobres” 104.
No entanto, isso não invalida a utilização dos inventários para a análise
pretendida. Intercruzando com outros documentos, esta fonte cartorial pode servir para
os estudos dos estrados sociais mais pobres, mas certamente privilegia os grupos mais

102
Esta metodologia de coleta de dados foi originalmente elaborada por Adeline Daumard para estudo da
evolução das riquezas e do comportamento da Burguesia Parisiense para o século XIX DAUMARD,
Adeline, 1985, p.55-73. Tal método também foi bastante explorado por Jonas Vargas para examinar as
tipologias de fortunas da região rio-grandense de Pelotas, ver : VARGAS, Jonas Moreira. Pelas margens
do Atlântico: um estudo sobre elites locais e regionais no Brasil a partir das famílias proprietárias de
Charqueadas em Pelotas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013. (Tese de Doutorado).
103
Para selecionarmos os inventários passiveis de analises seriais e qualitativas seguimos os mesmos
passos deixados por Luiz Luís Augusto Farinatti que foi um dos historiadores a investigar este tipo de
documentação cartorial. Ver: FARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e
sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 2007. (Tese de
Doutorado).
104
Sobre o uso dos inventários como fonte, conferir: FRAGOSO, João; PITZER, Renato Rocha. Barões,
homens livres pobres e escravos - notas sobre uma fonte múltipla. Os Inventários Post-mortem. In:
Revista Arrabaldes, n. 2, 1988, p. 37. Sobre esta e outras possibilidades de pesquisa em História Agrária
ver, por exemplo, LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Campus, 1997, p. 165-184. Também recorro a estas fontes pela inexistência de listas de habitantes para o
Rio Grande do Sul, cujos documentos, desde as pesquisas de Marcílio, têm sido muito importantes na
historiografia brasileira (MARCÍLIO, Maria Luíza. A cidade de São Paulo: povoamento e população,
1750-1850. São Paulo: Pioneira/USP, 1973).

57
abastados e a riqueza controlada por uma elite105. Neste sentido, os inventários tornam-
se uma fonte privilegiada, pelo seu caráter massivo e recorrente. No primeiro momento,
tal corpo documental pode descortinar a disparidade socioeconômica entre os distintos
grupos sociais e, no segundo, ele oferece uma visão dinâmica dos mesmos, ao longo do
tempo, com suas mudanças e permanências106.
Sobre estas orientações metodológicas, montamos um banco de dados onde
estão as informações nominais dos sujeitos que aparecem em todos os inventários
levantados, desde inventariantes, inventariados, herdeiros, escravos, devedores, credores
e daqueles que tiveram seus nomes mencionados naqueles processos, por qualquer outro
motivo. Depois disso, somou-se separadamente cada bem inventariado que vai de
escravos e terras107 a simples equipamentos de trabalho. Esta prática contabilística
consiste em verificar quais foram os patrimônios produtivos mais valorizados pelos
inventariantes108.
A utilização desta metodologia visa investigar duas questões que irão nortear
este capítulo: a primeira é a reiteração das tradicionais formas de riqueza e como os
senhores da região utilizavam deste recurso para a manutenção dos seus status. A
segunda questão incide sobre a distribuição desuniforme e desigual da riqueza
produzida em Baependi, e como esta prática criava fosso entre os homens ricos e pobres
na região. Estas duas questões que elucidarão a desigualdade social na localidade, não
repercutirão apenas neste capítulo, mas nos próximos que serão examinados nesta
pesquisa.
Começaremos a analisar como a localidade se comportou através do processo
de mudanças nos padrões de investimentos e dos patrimônios produtivos de pessoas que
deixaram bens registrados. No Gráfico 1, veremos em que tipo de ativos os
inventariados aplicavam os seus investimentos.

105
É necessário ressaltar que se tem em mente nesta pesquisa a sobre representação dos homens livres
pobres nos inventários. Este aspecto, particularmente tornar amostragem segura, tendo em vista sempre
obtermos uma representatividade mínima desta camada social.
106
FRAGOSO e PITZER. Op. Cit, p.37.
107
Bens inventariados que a mais receberam investimento na região.
108
Esta metodologia empregada para os estudos dos inventários post-mortem foi amplamente utilizada
pelos pesquisadores de história econômica e social. Luiz Farrinatti ao desenvolver um profícuo estudo
sobre as estratégias sociais da elite agraria de Alegrete, fez uso desta abordagem metodológica. Ver:
FARINATTI, Luis Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na fronteira sul do
Brasil (1825-1865). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPG em História Social do IFCS-UFRJ, 2007.

58
Gráfico 1 - Participação dos bens inventariados, Vila de Baependi (1820-1888).

Animais
5% Dinheiro Outros
5% 8%

Dividas ativas
16%
Imóveis Rurais
28%

Escravos
38%

Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no


Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

59
Quadro 6: Participação dos ativos inventariados por décadas (1820-1888) –
Valores em Libras Esterlinas.

- 1820 1830 1840-49 1850 1860 1870 1880-88

Bens Valores % Valores % Valores % Valores % Valores % Valores % Valores %

Ouro e prata 252,10 1,1 285,80 0,8 992,40 1,8 1.414,36 0,7 1.907,60 0,8 820,70 0,4 1.066,90 0,3

Moveis
utensílios e
Ferramentas 119,10 0,9 1.341,50 4,4 1.117,05 1,7 1.344,49 0,6 2.700,59 1,2 1.717,10 0,9 3.120,20 1,6

Dinheiro 132,10 0,6 22,01 0,1 633,95 0,9 13.265,28 6,8 1.229,07 0,5 26.602,60 14,3 15.213,40 5,2

Animais 1.302,20 6,1 2.920,30 9,1 3.976,61 6,1 9.591,80 4,9 11.281,40 5,1 8.062,20 4,3 15.433,01 5,3

Mantimentos 288,40 1,3 93,30 0,2 800,40 1,2 1.582,50 0,8 2.676,95 1,2 1.571,11 0,8 3.047,70 0,90

Imóveis
Urbanos 46,10 0,2 640,38 1,7 383,90 0,5 5.722,20 2,9 8.930,50 4,1 14,00 0,1 11.310,80 3,9

Imóveis
Rurais 3.228,80 15,3 6.716,58 20,7 15.871,11 24,2 43.650,80 22,4 47.649,16 21,9 40.209,60 21,7 132.049,70 45,8

Escravos 13.187,90 61,6 18.169,71 56,1 29.635,72 45,2 72.457,60 37,3 107.906,80 50,1 77.265,40 42,1 77.298,20 26,8

Dívidas
ativas 2.760,00 12,9 2.235,69 6,8 12.048,70 18,4 35.001,01 18,5 33.024,10 15,1 28.674,94 15,5 27.239,10 9,4

Ações e
Apólices - - - - - - 10.003,80 5,1 - - - 2.541,10 0,8

Totais 21.360,30 100% 32.425,27 100% 65.459,84 100% 194.033,84 100% 217.306,17 100 184.937,65 100 288.320,11 100

Nº de
Inventários 40 42 91 68 90 75 92
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

60
De acordo com o Gráfico 1 e o Quadro 2, os escravos, os imóveis e as dívidas,
seguindo essa ordem de importância, foram os ativos inventariados mais importantes
nos patrimônios produtivos dos Baependienses. Significa dizer que estes valiosos bens
foram fundamentais na reiteração da economia local de base agrícola.

O binômio escravo e terra sempre se mostraram eficazes na composição das


fortunas: juntos correspondiam a 66% do total bruto da riqueza inventariada. Vistos
separadamente, os cativos apresentaram um percentual de 38% e as terras 28%. No
Quadro 1, nota-se que, do início até o final do nosso recorte temporal, esses ativos
mantiveram-se como os negócios mais proeminentes na região. Porém, os escravos
tiveram a maior porcentagem na maioria dos intervalos, com exceção dos anos 1880,
onde a categoria imóvel teve o percentual mais alto. É provável que a elevação do ativo
terra na década da abolição, seja um indício de que os senhores estavam preocupados
mais com a proteção patrimonial. Ao mesmo tempo, podemos delinear a hipótese do
envelhecimento da população cativa e a própria diminuição das possibilidades de
reprodução das escravarias, fruto da lei de 1871, das dificuldades de renovação das
escravarias via tráfico interno (questão que será retomada no capítulo de nº 2). Não é
difícil supor que, com esse envelhecimento e aumento do número de escravos fora de
idade produtiva, o preço médio dos cativos inventariados tendeu a cair.
Analisando as fortunas inventariadas no Vale do Paraíba do Sul Fluminense,
entre os anos de 1830 a 1888, João Fragoso constatou que a grande maioria dos Barões
do café preferiu continuar investindo seus recursos em terras e homens, sendo estes
adquiridos por meio dos velhos expedientes do capital mercantil. Nas palavras de
Fragoso, “tais Barões não foram empreendedores o suficiente para criarem novas
alternativas empresarias, ao contrário disso, optaram por atividades econômicas
109
tradicionais e mais seguras e disponíveis no mercado local” . Fragoso observou que
terras e homens correspondiam mais de 60% dos valores das empresas agrícolas110·, em
Baependi encontramos um percentual de 66%.
Apesar do Vale do Paraíba Fluminense e a região de Baependi apresentarem
distintos espaços produtivos, a primeira mais ligada à monocultura do café, e a segunda
às atividades agrícolas consorciadas, em ambas as localidades, terras e escravos,

109
FRAGOSO, João. Barões do café e sistema agrário escravista: Paraíba do Sul, Rio de Janeiro (1830-
1888). Rio de Janeiro: 7Letras, 2013.p. 180.
110
Idem, p. 181.

61
constituíram-se em elementos de vital importância na reprodução da escravidão, sendo
responsáveis pelo seu caráter indelevelmente excludente e hierárquico111.
Retomando o Quadro 2, veremos que escravos e terras comparados aos outros
bens, foram os itens que mais elevaram as fortunas familiares da localidade. O brusco
crescimento destas riquezas ocorreu na passagem da primeira para a segunda metade do
XIX. Neste período, homens e terras na região apresentaram altos valores. De alguma
forma, a valorização desses ativos pode estar relacionada a fatores de ordem mais
abrangentes, como o fim do tráfico atlântico de africanos e a criação da lei de terras de
1850.
Quanto ao encarecimento dos escravos, a historiografia tem revelado que a
extinção do tráfico atlântico de escravos em 1850 constituiu-se em uma ameaça para
aqueles que dependiam da mão de obra cativa na condução de suas atividades
econômicas112. A alta dos preços dos escravos na década de 1860, como outros autores
já trataram, foi consequência da diminuição da oferta de mão de obra escrava e da
corrida de comerciantes para adquirir cativos e revendê-los aos grandes centros
agroexportadores do Sudeste113.

111
FRAGOSO, João Luís Ribeiro; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado
atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001, p.149.
112
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África
e o Rio de Janeiro (século XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. GOES, José Roberto.
O Cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século
XIX. Vitória: Lineart, 1993.
113
Como, por exemplo, BERGAD, Laird W. Escravidão e História Econômica: demografia de Minas
Gerais, 1720-1888. Bauru: EDUSC, 2004; SLENES, Robert W. The demography and economics of
Brazilian slavery: 1850-1888. Tese de Doutorado, Stanford: Stanford University, 1976; CASTRO, Hebe
Maria Mattos de. Ao Sul da História: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. São Paulo:
Brasiliense, 1987; SCHEFER, Rafael da Cunha. Tráfico interprovincial e comerciantes de escravos em
Desterro (1849-1888). Dissertação de Mestrado. PPG-História da UFSC, 2006.

62
Gráfico 2: Preço médio dos escravos em idade produtiva (14 a 40 anos), Vila de
Baependi (1820-1888).

Fonte: Idem.

Os dados acima apontam para a crescente elevação dos preços médios dos
escravos a partir da década de 1850. Na década de 1840, os cativos do sexo masculino
valiam, em média, 473$082 (£ 0,033) e as mulheres 472$089. Na década seguinte
(1850), os homens custavam em média 1:122$531 e as mulheres, 950$772. Nota-se que
o preço dos cativos quase que triplicou, e das cativas dobrou.
Ao estudar os inventários post-mortem da Vila de São João del Rei, Afonso de
Alencastro afirma que um escravo em fase adulta (15 a 45 anos) valia, em média,
378$041 réis, isso nos primeiros cinco anos da década de 1830. Já para os primeiros
anos da década de 1860, um mancípio adulto correspondia em média a 1:378$333
réis114. Para a Vila de Baependi, o valor investido em cativos, além de sobressair sobre
os demais bens, passou a ser mais significativo a partir da década de 1830, em relação à
década anterior (1820).
Examinando a região sul-mineira de Campanha, entre 1799 a 1865, Marcos
Ferreira de Andrade constatou que escravos, terras e dívidas foram os itens de maiores
expressões nas fortunas campanhenses. De acordo com o autor, o investimento em
cativos mostrou-se mais elevado do que em terras, isso devido ao favorecimento da

114
GRAÇA FILHO, Princesa do Oeste, op.cit. p. 266. Apud: ANDRADE, Elites regionais, op. cit. p.74.

63
conjuntura internacional e o fim do tráfico, que contribuíram para a valorização dos
cativos, algo que foi percebido para a Vila de Baependi115.
Na década de 1860, período em que se gerou mais riquezas na região, os preços
de homens e mulheres escravas continuaram a se elevar. Nos anos de 1870 houve uma
mudança: os preços dos homens continuavam aumentando e das mulheres declinando,
como uma queda de 13%. Como já sabemos, nessa época, entrou em vigor a lei do
Ventre Livre de 1871. Tal medida diminuía os interesses dos senhores sobre a
reprodução natural, pois os filhos das escravas não seguiam mais a condição social do
ventre116. Consequentemente, os preços dos escravos começavam a se afastar das
escravas. Neste caso, o preço das mulheres chegou a ser 30,4% inferior aos homens.
Na última década de vigência da escravidão117 não se constatou uma queda
brusca nos preços dos cativos da região; o que se percebeu foi uma pequena alteração
em seus valores. Dos anos 1870 para os 1880, os homens tiveram uma redução de 4,2%,
e as mulheres de 6%. Apesar dos escravos na década de 1880 serem superados pelos
investimentos em terras, continuou sendo um dos ativos mais valiosos nas fortunas
inventariadas.
Como já sinalizamos, os imóveis ocuparam a segunda posição dos ativos que
mais receberam investimentos na região. Nos inventários compilados nesta pesquisa,
percebemos que esse ativo era inventariado junto com todas suas benfeitorias, o que
inclui moinhos, paiol, cercas, valos, currais, senzalas, terras de cultura e criar e muitas
vezes as casas de vivenda. Desta forma, não era apenas as fazendas, sítios e chácaras
possuídas que entravam na avaliação, mas todo o complexo formado pelas terras e os

115
ANDRADE, op.cit., 2008, p.74.
116
Sobre o impacto da lei do ventre livre de 1871 no preços dos cativos, ver as seguintes obras; MOTTA,
José Flávio. Escravos daqui, dali e de mais além: o tráfico interno de cativos Em Constituição
(Piracicaba), 1861-1880. In: XXXIII Encontro Nacional de Economia, Anais... [CD-ROM], Natal:
ANPEC, 2005. . O tráfico de escravos na província de São Paulo: Areias, Silveira, Guaratinguetá
e Casa Branca (1861- 1887). Texto para Discussão, n. 21. São Paulo: FEA/USP-São Paulo, 2001.
TEIXEIRA, Heloísa Maria. Reprodução e famílias escravas em Mariana (1850-1888). Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
2001. GARAVAZO, Juliana. Os preços dos escravos inventariados em Batatais (São Paulo - 1850-
1888). In: VI Congresso Brasileiro de História Econômica e 7a Conferência Internacional de História de
Empresas. Anais... [CD-ROM]. Conservatória: ABPHE, 2005. FLAUSINO, Camila Carolina. Negócios
da escravidão: tráfico interno de escravos em Mariana (1850-1886). In: XV Encontro Regional de
História, Anais... [CD-ROM], São João del rei: ANPUH-MG, 2006. NOGUERÓL, Luiz Paulo Ferreira.
Preços de homens, mulheres e crianças escravos – alguns elementos para o estudo da dinâmica, da
racionalidade e da demografia escravista por meio de inventários da comarca de Nossa Senhora do Sabará
entre 1800-1887. Economia. ANPHE, 2(2), jul./dez., 2001.
117
Sobre as últimas décadas da escravidão ver; CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. São Paulo:
Cia. das Letras, 1990.

64
equipamentos necessários para nelas cultivar e beneficiar a produção – os quais
aumentavam o valor das propriedades118.
A importância monetária que os imóveis rurais foram adquirindo nas fortunas
inventariadas pode ter sido motivada por fatores externos e internos, ou seja, algo
referente às modificações locais. Em outras escalas, é provável que o aumento no preço
das terras em Baependi tenha sofrido algumas influências do processo de aplicação da
lei de terras. Esta lei foi regulamentada no ano de 1854, mas sua aplicação obedeceu a
ritmos e características diversas nos quatro cantos do Império119.
Para se ter uma ideia, o preço médio de um alqueire de terras na região de
Baependi, na década de 1840, era de 806$674 (£90), na década de 1860, chegou ao
patamar de 1:311$468(£ 249), ou seja, na passagem de um período para outro, o preço
médio dessas terras quase triplicou. Já com relação aos dados das benfeitorias,
visualiza-se algo mais surpreendente. No ano de 1840, esse tipo de propriedade valia em
média 330$000, e na década de 1860 3:311$000120. Sobre essas variações, os senhores
da região aproveitavam da aplicação dessa lei para valorizar os seus patrimônios
fundiários e aumentar suas fortunas. Aqueles que adquiriram imóveis rurais por doações
ou baixo custo nas primeiras décadas dos oitocentos, tiveram maiores vantagens em
relação aos que procuraram fazê-lo em meados do XIX121.
Em Toulouse, na França, em meados do século XIX, Adeline Daumard
observou que os imóveis se mantiveram como patrimônio preferencial de investimentos.
No restante da cidade, nos primeiros anos do século XX, os imóveis já não
representavam 31% dos patrimônios122. Em trabalho recente, analisando a região de
Alegrete do Rio Grande do Sul, entre 1830 a 1870, Graciela Garcia comparou as

118
Uma das primeiras historiadoras O complexo agrário apresentado pelos imóveis rurais inventariados
foi notado por Carla Almeida
119
Sobre os efeitos da lei de terras no sistema fundiário brasileiro ao longo do XIX temos diversos
estudos que contemplam o exame deste processos de distintas formas, são: SMITH, Roberto. Propriedade
da Terra e Transição: estudo da formação da propriedade privada e transição para o capitalismo no
Brasil, 1990. SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio: efeitos da Lei de 1850, 1996.
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra, 1996. MOTTA, Márcia. Nas Fronteiras do Poder:
conflitos de terra e direito agrário no Brasil em meados do século XIX, 1996.
120
Estamos considerando os valores destes Bens agrícolas (Alqueires e Benfeitorias) tomando com base
as avaliações que receberam nos bens raiz arrolados nos inventários.
121
Essas ações foram também observadas por Luiz Farinatti para a região de Alegrete do Rio Grande do
Sul, entre os anos de 1825 a 1865. Ver; FARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de
elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 2007.
(Tese de Doutorado).
122
DAUMARD, Adeline. (dir.) (1973), Les fortunas franceses au XIX e siècle. Enqueue sur la repartition
et la composition des captious privés à Paris, Lyon, Lille, Bordeaux et Toulouse d‟après l‟enregistrement
des déclarations de succession, Paris, Mouton.

65
maiores fortunas inventariadas. A autora observou que havia diferenças entre as duas
décadas, demonstrando que, ao longo desses anos, houve um enriquecimento das
famílias mais importantes da localidade e o aumento destas fortunas estava associado à
elevação dos preços das terras que incidiu durante este período. Além disto, Garcia
verificou que os maiores monte-mor acima de £ 20.000 só começaram a aparecer a
partir da década de 1870123. Os exames de Gabriela Garcia foram confirmados por Luiz
Farinatti, que pesquisou o mesmo recorte espacial e temporal.··.
Em Baependi, as maiores fortunas inventariadas (acima de £ 10.000)
começaram a aparecer a partir da década de 1860. Nesse grupo havia 18 famílias.
Porém, as riquezas que foram computadas na região entre os anos de 1820 a1849, não
passavam de £ 5.000124, apenas três famílias conseguiram acumular esse monte bruto.
Isto indica que valorização de homens e terras foi fundamental para que a elite
econômica pudesse ter mais acesso à riqueza produzida na região ao longo da segunda
metade do XIX.
A valorização dos imóveis no âmbito local pode ser entendida pela maior
dinamização da economia da produção de alimentos, que tornava as fazendas
localizadas em terras mais propícias ao desenvolvimento, cada vez mais valorizadas.
Porém, se olharmos para os dados do Quadro 2, veremos algo contraditório sobre esta
análise, pois as plantações foram inexpressivas nas fortunas inventariadas, mas,
tomando como base a presença de terras de cultura em vários processos pesquisados
(115 inventários), sugiro que a de cultivo de alimentos podia ser mais expressiva do que
os inventários revelam.
Os itens avaliados nos inventários dizem respeito apenas aos bens existentes no
momento da confecção do mesmo. Desta forma, os inventários apresentam os produtos
pertencentes àquela propriedade, limitando-se algumas análises de caráter mais
abrangente. Nos processos de declarações de bens, nem sempre há descrição de todas as
plantações cultivadas nas fazendas, mas colocavam-se valores nos bens que eram
partilhados. Sobre estas bases, podemos entender que o inventário captura o momento
da riqueza daquele indivíduo que veio a falecer. Se, nesse momento, houvesse um
estoque de produtos agrícolas ou rebanho de animais, seriam contabilizados e avaliados

123
GARCIA, Graciela. O Domínio da Terra: conflitos e estrutura agrária na Campanha Rio-grandense
oitocentista, 2005, p. 25.
124
Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no Arquivo do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

66
nos processos. Na ausência desses ativos, eram descritas apenas as instalações e terras
para o trabalho125.
No ano de 1854, foi aberto o inventário do Coronel José Inácio Nogueira de Sá,
considerado um dos homens mais abastados na região (com um monte-mor avaliado em
353:262$010126). Entre seus bens, foram arrolados uma enorme quantidade de fazendas
que se compõe de terras de cultura e criar. Porém, não foi mencionado nenhum tipo de
plantação em suas unidades. Pelos relatórios da presidente da província de Minas Gerais
de 1846 e 1851127, temos notícia de que esse senhor era um importante agricultor na
Vila de Baependi, pois consta que exportava uma quantidade expressiva de fumo para
várias praças comerciais do sudeste brasileiro. Provável que antes de seu falecimento,
parte desta produção e outras que lhe renderam bons lucros, tenham sido
comercializadas. Este caso ganha maior relevância ao descobrimos que a produção de
fumo e outros gêneros agrícolas como milho, feijão e arroz eram as principais atividades
agrícolas produzidas na localidade. Sobre estas atividades agrícolas, estamos diante de
setor social oriundo da produção e distribuição de gênero de primeira necessidade que
atente dando o mercado interno e externo128.
Diante dessas premissas, a valorização dos imóveis na região, ocorreu no
momento em que se presenciou um maior número de terras destinadas a plantações.
Foram arroladas, nos inventários pesquisados, uma enorme quantidade de roças
plantadas e terras de cultura destinadas ao plantio de alimentos. Este horizonte agrário
surge num período (1850-1888) em se percebe uma maior dinamização da economia
local, marcado pelo aumento proporcional dos bens inventariados.
Outro importante indicador de riqueza foram as dividas (passivas e ativas). Em
quase todos os intervalos, as dividas caracterizados nos inventários como ativas sempre
mostraram percentuais superiores às passivas129. Este comportamento no credito local
permite concluir que houve uma tendência à liquidação das dívidas existentes e ao

125
OSÓRIO, Helen. O Império português ao sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes.
Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2007, p.106.
126
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei. Inventário de Dona Maria Ribeiro de Andrade
Junqueira, ano: 1873, Cx: 016.
127
APM: JUNTA PROVISÓRIA DE GOVERNO (1821-1823), SECRETARIA DE GOVERNO
DA PROVINCIA OU SECRETARIA DA PRESIDÊNCIA (1821-1889), Seção Provincial: 1820-1890,
Notação: SP-142.
128
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. São Paulo: Símbolo, 1979, p. 19.
129
As dividas ativas não foram agregadas as riquezas, pelo fato de optarmos em trabalhar com os montes
mores líquidos.

67
incremento da riqueza social. Lélio Luiz de Oliveira, examinando os empréstimos
realizados na cidade paulista de Franca, durante o século XIX, notou que as dívidas
ativas sempre foram mais elevadas do que as passivas. Segundo o autor, tais resultados
demonstraram a capacidade e o dinamismo que a região produtora de alimentos teve em
relação ao tema do crescimento econômico130.
Além disto, o crescimento das dívidas e o seu movimento nas riquezas
inventariadas estavam relacionados ao desenvolvimento e a dinamização da economia
da região, pois no momento em que as dívidas se elevavam os demais bens, sobretudo
terras, escravos e animais cresciam.
Outra importante constatação era a baixa circulação de notas e moedas nas
fortunas inventariadas na região de Baependi. Embora, talvez, fosse comum os
inventários omitirem a posse desses ativos, ainda assim é surpreendente o peso tão
baixo dos dinheiros amoedados nos bens arrolados. A presença do ouro (em pó ou
barra) que poderia ser usado como dinheiro foi também muito pequena na descrição dos
processos e se restringe apenas ao segundo subperíodo (1850-1888) desta pesquisa.
Porém a presença de tal artefato nos permite entender como a prática de utilizar o ouro
como moeda era algo praticado na região131.
A escassez desses recursos não era exclusiva da região de Baependi. João
Fragoso revela que, mesmo a província do Rio de Janeiro sendo o centro econômico e
político do sudeste brasileiro, no período entre 1790-1860, a participação das moedas
não ultrapassou 7,1%, chegando, em um dos anos analisados, a representar 1,0%.
Segundo Fragoso, esta é uma característica de economia de mercados restritos132. Para a

130
OLIVEIRA, Lélio Luiz. Economia e História em Franca: século XIX. Franca: UNESP/FHDSS, 1997,
p. 129-134.
131
CARRARA, Ângelo Alves. Fontes quantitativas para a história de Minas Gerais no Setecentos. Juiz
de Fora: Clio Edições Eletrônicas, 2008. Artigo disponível no sate:
http://www.ufjf.br/hqg/files/2009/10/FQHMGS1.pdf.
132
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio
de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 306. Sobre o papel do credito e
da escassez de dinheiro na província de Minas Gerais ver os seguintes autores: BOXER, Charles R. A
idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
3ª ed., 2000. LIBBY Douglas C. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais
no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988. CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: Produção
Rural e Mercado Interno de Minas Gerais – 1674 – 1807. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2007. ALMEIDA,
Carla M. C. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana – 1750 – 1850. Dissertação
(Mestrado) – UFF: Niterói, 1994. CHAVES, Cláudia Maria da Graça. Perfeitos Negociantes: mercadores
das Minas Setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999. FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de Negócio:
a interiorização da Metrópole e do comércio nas Minas Setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999.
ANDRADE, M. Elite escravista no sul de Minas Gerais: opções de investimento e composição da riqueza
– século XIX. In: Anais Eletrônicos do XIV Seminário sobre Economia Mineira. Belo Horizonte:
CEDEPLAR/UFMG, 2010.

68
Comarca de Vila de Rica e Rio das Mortes, entre os anos de 1750 a 1822, Carla
Almeida encontrou resultados semelhantes. A autora constatou um baixo percentual de
moedas que variaram de um insignificante 0,07% a modesto 4,37%, demonstrando uma
economia de baixa liquidez e pequena circulação monetária133·. Este perfil também foi
observado por Roggiero Romano nas sociedades da América espanhola. Segundo este
autor, a carência de moedas de prata, ouro e cobre era provocada pelos comerciantes
que controlavam a liquidez da economia134.
Em quase todos os intervalos desta pesquisa, o dinheiro não ultrapassou 6,8%,
apenas na década de 1870 atingiu um surpreendente patamar de 14,8%. Nessa época,
ocorreu a abertura de um inventário que deteve a maior soma de dinheiro. A
inventariada desse processo era Dona Maria Ribeira de Andrade Junqueira, casada com
seu primo e inventariante, o Alferes Francisco de Andrade Junqueira, filho do Barão de
Alfenas (Ministro do Império e Deputado Provincial). No ano de 1873, foi arrolado, nos
bens dessa senhora, uma quantia de dinheiro no valor de 180:296$100 (20.320,29£) 135,
que representava 34% do total do dinheiro inventariado na região. Esses dados indicam
que, embora o dinheiro não fosse o elemento central no perfil das riquezas, tendia a se
concentrar em poucas mãos.
Dos 510 inventários analisados, somente 54 (10,5%) declararam o ativo
dinheiro entre os bens. O total de dinheiro apresentado pelos processos examinados
136
chegou a 529:099$130 (57, 098,61 £) ·, mas 79,3% desse montante estava nas mãos
de quatro pessoas (0,8% dos inventariantes), sendo todos negociantes e agricultores.
Além disso, esses indivíduos pertenciam ao grupo dos homens mais afortunados da
região137. Com relação às dívidas ativas, foram também os maiores credores. Portanto,
estamos diante de pessoas que tiveram condições de controlar a liquidez da região, pois

133
ALMEIDA, Carla M. Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização social
no mundo colonial, 1750-1822. Belo Horizonte. MG, Argymentym, 2010, p. 130.
134
ROMANO, Roggiero. “Fundamentos del funcionamiento del sistema económico colonial”. In:
BONILLA, Heraclio (org.). El sistema colonial en la América española. Barcelona: Editorial Crítica,
1991.
135
Inventário de Dona Maria Ribeiro de Andrade Junqueira, Caixa: 016, Ano: 1873. Inventário post-
mortem da Vila de Santa Maria do Baependi (1820-1888) localizado no Arquivo do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de São João del Rei.
136
Inventários post-mortem, IPHAN, Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888.
137
Carla Almeida constatou que as dividas ativas estavam mais centradas nos patrimônios das pessoas
mais aquinhoadas das Comarcas de Vila Rica e Rio das Mortes, Ver; Carla Almeida, Ricos e Pobres em
Minas Gerais, p. 239.

69
além de possuir um significativo numerário, foram capazes de dominar uma fatia
considerável do crédito138.
Na região abarcada, registramos a ocorrência de 4.290 empréstimos cujos
financiamentos variavam de 1$00 a 45:396$396, a média geral dessas dívidas giraram
em torno de 304$000139. Estes números revelam o alto grau de endividamento e a
dependência do crédito na região. Como afirmou João Fragoso e Manolo Florentino, “o
endividamento era o suporte do funcionamento do mercado colonial”, o que permitia
aos indivíduos investirem e acumularem diversos bens produtivos140. Diante desta
premissa, podemos concluir que, embora estejamos frente a um processo geral da
participação das dívidas nas fortunas baependienses, o crédito foi um dos principais
instrumentos para o crescimento do sistema agrário local.
No que concerne aos rebanhos, se por um lado, os inventários tendem a
subestimar a produção agrícola dos inventariados, por outro ele retrata com maior
fidelidade os animais possuídos, e, por conseguinte, a pecuária ali praticada. Como
vimos, no total, os rebanhos representaram 5% das fortunas declaradas, porém, a
maioria das pessoas falecidas na Vila de Baependi tinha entre seus bens um animal (380
processos/76,1%). Ao longo das quase 7 décadas pesquisadas, mais de 20 mil animais,
de diferentes portes, aparecem nos inventários.
A participação em percentuais desses semoventes nos patrimônios produtivos,
a priori, pode parecer pouco significativa, mas esta porcentagem menor que o esperado
se deve ao fato dos rebanhos terem baixo valor de mercado comparado a terras e
escravos, por exemplo141. No entanto, o número de animais e sua distribuição em várias
propriedades baependienses demonstram mais claramente a importância da pecuária
para a localidade142.

138
Além de dominarem o credito na região, eram donos de muitas terras e escravos, algo que veremos na
sequência dos tópicos.
139
Inventário post-mortem da Vila de Baependi, 1820-1888. Arquivo do Escritório Técnico II do IPHAN
da cidade de São João del Rei,
140
João Fragoso e Manolo Florentino, Arcaísmo como Projeto, o, cit., p. 176.
141
Carla Almeida, para Comarca do Rio das Mortes, entre 1750 e 1822, constatou que terras e escravos
tinham maior valor de mercado do que os rebanhos de animais. Ver: Almeida, Ricos e Pobres em Minas
Gerais, p.133.
142
Juliana Garavazo ao analisar a composição da riqueza nos inventários da região de Bananal, entre os
anos de 1851 a 1888, teve a mesma percepção ao constatar o baixo valor bruto que os animais tinha entre
os ativos inventariados. Ver: GARAVAZO, Juliana. Riqueza e escravidão no Nordeste Paulista:
Batatais, 1851-1887. Universidade de São Paulo, Programa de História Econômica 2006. (Dissertação de
Mestrado).

70
Finalmente, a riqueza em bens móveis incluía os artefatos de uso doméstico e
as mais diversas ferramentas de trabalho, como enxadas, foices, machados, carros de
bois, alambiques, armas e escavadeiras. Foram encontrados em 179 inventários, 1.108
equipamentos de trabalhos: enxadas, foices e machados foram ferramentas com maior
aparição. Nos intervalos pesquisados, estes equipamentos de trabalhos agrícolas
somados com outros objetos de uso domésticos não ultrapassaram 4,4% da riqueza
inventariada. Para o Vale do Paraíba Fluminense, entre os anos de 1830 a 1885, João
Fragoso observou que os equipamentos e instrumentos de trabalhos, não chegaram a
corresponder 10% das aplicações agrícolas.
Portanto, a pequena participação de instrumentos agrícolas na composição dos
das fortunas baependienses, associada à grande demanda de terras e homens, indica um
sistema agrícola, mais ávido à incorporação de bens imóveis e escravos para o seu
funcionamento do que para o desenvolvimento técnico da lavoura. Ou seja, um sistema
econômico de agricultura extensiva143.
Para exemplificar esse tipo de economia, temos o inventário de Dona Izabel
Maria do Espírito Santo, que foi aberto no ano de 1854. Esta senhora nasceu e batizou-
se no Arraial de Pouso Alto do Termo de Baependi, era viúva do Capitão e traficante de
escravos Miguel Pereira da Silva e sogra do Barão de Pouso Alto. Dona Izabel detinha
uma fortuna muito alta para os padrões da riqueza local, com monte-mor avaliado em
486:745$980 (£52.527) 144. Seus maiores patrimônios foram escravos e imóveis. Para o
desenvolvimento agrícola de suas produções, havia em sua propriedade 260 cativos, que
produziram em suas terras 379 alqueires de feijão, 110 alqueires arroz, 380 carros de
milho, 50 arrobas de açúcar branco, 114 arrobas de fumo e 629 varas de algodão. Para
gerar toda essa riqueza e lhe garantir uma posição privilegiada na localidade, seus
municípios contaram com uma enorme quantidade de ferramentas, sendo 108 enxadas,
68 foices, 4 machados e 17 rodas de fiar. Nesta unidade, havia também 29 carros de boi
para o transporte e o armazenamento das mercadorias.

143
O emprego de instrumentos de trabalho de baixo nível tecnológico nas atividades agrícolas foi algo
observado por vários pesquisadores nas respectivas áreas examinadas. João Fragoso para as regiões
cafeeiras do Vale do Paraíba Fluminense constatou o intenso uso de ferramentas de baixo padrão
tecnológico para o cultivo do café. Ver Fragoso, Barões do Café, op. cit., p. 42-60. Luiz Farinatti também
verificou o mesmo padrão para a região de Alegrete, VER: Farinatti, CONFINS MERIDIONAIS, op. Cit.,
p.148. E Marcelo Mateus para a região de Bagé, Ver Matheus, A produção da diferença, op. Cit., p. 142-
144.
144
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei. Inventário de Dona Izabel Maria do Espirito Santo.
Ano: 1854, Cx: 43.

71
Nota-se que estamos diante de uma propriedade escravista de economia
diversificada que, a princípio, tinha totais condições de investir em equipamentos mais
modernos para o aumento da sua produção, porém optou pelo emprego de instrumentos
de trabalhos de baixo valor, mantendo assim as velhas práticas agrícolas145, ou seja,
incorporava-se a essa propriedade mais terras e homens.
No geral, as informações aferidas até aqui, apontam para uma diversidade da
economia e a estreita relação da sociedade com a posse de terras e escravos, sendo as
formas mais básicas de determinar a riqueza na região. Assim, vimos que a produção de
tal sociedade se assentava na ambiciosa aquisição desses ativos, não somente pela
maximização dos lucros, mas como objetivo último; a continuidade da hierarquia
bastante desigual da época, pois era ela quem dava sustentação para a economia e,
portanto, para a sociedade local.

- Poucos ricos e muitos pobres: a constituição da hierarquia socioeconômica da


Vila de Baependi

Descobertos os ativos responsáveis pela reprodução do sistema agrário de


Baependi, podemos agora ver com mais clareza os fatores que proporcionaram a
construção de uma hierarquia socioeconômica na região. Sobre este exame,
analisaremos os meandros da riqueza e da pobreza numa sociedade que gerou uma
disparidade de oportunidades para poucas pessoas acumularem tão grandes recursos, e
muitas terem conseguido aquilatar poucos pecúlios ao longo de suas vidas.
No entanto, buscando melhor matizar a estrutura econômica na qual a
sociedade de Baependi estava hierarquizada, agrupamos os distintos grupos de fortunas
da região em sete faixas de riquezas, desde os mais ricos (10.000 £) até os mais pobres
(100 £). As faixas de fortunas que apareceram na Tabela 1 foram estabelecidas de
acordo com a realidade local e da confrontação com as definidas por outros autores que
pesquisaram outras regiões e, em especial, o Sul de Minas Gerais146. Nas faixas F e G,

145
Fragoso, Barões do café , op. Cit., p. 42.
146
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o mito da decadência de Minas
Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: AnnaBlume, 2002; ALMEIDA, C. Ricos e Pobres em
Minas Gerais: produção e hierarquização social no mundo colonial, 1750-1822. Belo Horizonte:
Argvmentvm, 2010. ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado Imperial
brasileiro: Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008.
COSTODIO, Juliano Sobrinho. Negócios Internos. Estrutura produtiva, mercado e padrão social em uma

72
encontram-se os pequenos proprietários, aqueles indivíduos possuidores de fortunas
avaliadas em até 500 £. Nestes grupos aglutinam-se 50% de indivíduos mais pobres da
região. Os médios proprietários reúnem camadas que constituiu as faixas D e E. Nas
faixas A, B e C, encontram-se as pessoas mais abastadas dessa hierarquia de fortunas
que compunham 18,4% dos inventários. A fortuna de alguns desses homens eram
paralelas com as que foram encontradas para as principais praças comerciais do Sudeste
Brasileiro147. Entre esses indivíduos, localizamos 18 famílias com patrimônios
inventariados acima de 100:000$000 (Cem contos de réis). Esse seleto grupo controlava
43,1% da riqueza148. Estes dados nos aproximam da verdadeira elite econômica da
região, que foi capaz de controlar os setores que mais dinamizaram a economia da
localidade.

Freguesia Sul Mineira. Itajubá – 1785-1850. Juiz de Fora, MG: UFJF, 2009. (Dissertação de Mestrado).
MALAQUIAS, Carlos. Remediados senhores: pequenos escravistas na freguesia de São José do Rio das
Mortes, c.1790-c.1844. Tese de Doutorado: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2014.
147
Comparativamente, João Fragoso, para a primeira metade dos oitocentos, indicou entre as maiores
fortunas inventariado no Rio de Janeiro, a dos negociantes Manoel Moreira Lirio, 206:906$662 reis
(26.725 £), e Marcolino Antônio Leite com 306:906$261 réis (39.598 £). Para a década de 1870 na corte,
dos setes negociante grossistas de secos e molhados se nivelavam entre 13.227 a 41.495 libras Esterlinas.
Ver Fragoso, Homens de grossa aventura, o cit., p.260. São João de Rei, sendo a praça comercial mais
importante do Sul de Minas Gerais, Afonso Alencastro encontrou o negociante grossista Francisco José
Dias, falecido em 1840, com uma fortuna de 301:413$326 reis (32.401 £) e o comendador João Antônio
da Silva Morão, falecido em 1866com 358:238$202 (36.122). Ver: GRAÇA FILHO, Afonso de A. Os
convênios da carestia: crises, organização e investimentos do comércio de subsistência da Corte (1850-
1880). Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, Dissertação de Mestrado, 1992, p. 260. Em Baependi encontrou 18
pessoas que possuíam fortunas acima de 10.000 £, desde, apena um individuo possuía acima de 50.000 £.
148
Diante das riquezas da elite Francesa encontradas por Adeline Daumard, a maioria dos homens
afortunados na região de Baependi podia ser considerada como simples lavradores. De acordo com
autora, em Paris, no início do século XX, havia 9 fortunas entre 10 e 50 milhões de francos, 1 com 89
milhões de francos (mais de 3 milhões de libras) e duas na ordem de 250 milhões de francos. Ver;
Adeline Daumard. Hierarquia e Riqueza na sociedade burguesa. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 228;
DAUMARD, Adeline. Lês fortunes franceses au XIX siècle. Enquête sur La répartition et la composition
des capitaux privés à Paris, Lyon, Lille, Bourdeaux et Toulouse d‟après l‟enregistrement des declarations
de succession. Paris, Mouton, 1973. apud (LIMA, Nuno M. Henry Burnay no contexto das fortunas da
Lisboa oitocentista. Análise Social, v. XLVI (192), 2009, p. 576).

73
Tabela 1: Distribuição da riqueza inventaria por Faixa de Fortunas (em Libras
Esterlinas), Vila de Baependi – 1820-1888.
Faixas de Fortunas % Fortuna %
Nº de Inventários Inventários em Libras Fortunas
A Acima de 10 mil £ 18 3,6 437.572,10 43,0

B De 5.001 a 9.999 mil £ 28 5,6 206.778,70 20,1

C De 2.001 a 5.000 mil £ 46 9,2 165.138,00 16,1

D De 1.001 a 2.000 mil £ 59 11,8 88.693,49 8,6

E De 501 a 1 mil £ 93 18,7 70.600,88 6,8

F De 101 a 500 £ 171 34,4 50.857,83 4,9

G Menos de 100 £ 81 16,3 5.544,28 0,5


Total 496 100% 1.025.185,28 100%
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

A primeira constatação que emerge da Tabela 1 é a concentração da riqueza.


Tal ocorrência não foi algo peculiar a Vila de Baependi. Este fenômeno era um traço
marcante em todas as sociedades católicas e escravistas do Império do Brasil. Diante
destes dados, nota-se que as faixas de fortunas A, B, e C, encontra-se em um diminuto
grupo de famílias mais afortunadas na região, que controlavam 79,2% da riqueza
produzida.
Pelo fato destas faixas agruparem os homens mais ricos da região, não significa
que era formada por um grupo homogêneo149. Repare que na faixa A apenas 18 famílias
absorveram 43% das fortunas inventariadas na Vila de Baependi, percentual bastante
expressivo que as colocou no topo máximo desta pirâmide social. Neste seleto grupo,
apenas uma pessoa atingiu o patamar acima de 50.000 £. O dono desta riqueza
inventariada era o Advogado e Deputado Provincial Antônio Taxardo da Costa
Junqueira, morador da fazenda Bocaina do Rio Verde da Vila de Baependi, que teve seu
processo aberto no ano de 1881150. É considerado em nossa pesquisa como o homem
detentor do inventário mais aquinhoado da localidade.
A presença destas excepcionais fortunas e de outras acima de 10.000 £
demonstra que havia uma variedade de estratificações socioeconômicas no grupo das

149
BARTH, Fredrik. O guru, o inicador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa,
2000.
150
Inventário post-mortem de Antônio Taxardo da Costa Junqueira,

74
pessoas mais abastadas da região. O que significa dizer que esses indivíduos de
elevados cabedais sociais se diferenciavam. Em termos políticos e econômicos, é
provável que o Advogado e Deputado Provincial Antônio Taxardo da Costa Junqueira
tinha uma posição de destaque nessa hierarquia local, seja pelo grau de Bacharel, seja
pelas suas relações pessoais e familiares, seja ainda pelos próprios bens arrolados no seu
inventário.
Na base desta pirâmide econômica, encontram-se as fortunas avaliadas abaixo
de 100 £ até 500 £. A maioria dos inventários estavam agrupados nesta camada,
chegando a compor 50,7% da população inventariada. Este amplo segmento social
concentrou apenas 5,4% das fortunas, representando os setores mais pobres da
sociedade. Contudo, é importante lembrar que os indivíduos pertencentes aos setores
mais pobres não estavam na pior das situações na pirâmide social, pois havia aqueles
miseráveis que não possuíam bens passíveis de serem inventariados.
Se em Baependi os inventários até 500 £ compunham 50,7% das declarações de
Bens e concentravam apenas 5,4% das riquezas, no Rio de Janeiro, entre 1820 a 1860,
eles representaram nesta mesma faixa, entre 36% e 48% dos inventários, concentrando
entre 1,5% e 4% das fortunas151. Em São João del Rei, sede administrativa da Comarca
do Rio das Mortes e a principal praça comercial do Sul de Minas, os indivíduos que
possuíam monte brutos até 500 £, representavam 64,4% dos documentos e
concentravam em suas mãos, somente 2,43% das riquezas152. Em Lorena, província de
São Paulo, inventários com até 500 £ perfaziam 50% da totalidade153. Em toda a
capitania do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1800 de 1825, nesta faixa de fortuna
estavam 42,5% e 72% dos inventários acumulando entre 4% e 16% das riquezas154.

151
Fragoso, Homens de Grossa Aventura, 1998, op. Cit, p. 310.
152
Afonso Alencastro, Princesa do Oeste, op. Cit., p.144
153
Marcondes, A arte de acumular na gestão da economia do café., o, cit., p.130
154
OSÓRIO, Helen. Estancieiros, lavradores e comerciantes na constituição da Estremadura Portuguesa
na América: Rio Grande de São Pedro, 1737-1822. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1999,
(Tese de Doutorado).

75
Tabela 2: Representatividade das Faixas de fortunas em cada década, Vila de Santa
Maria do Baependi, 1820-1888 (%).

Faixas de Fortunas 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880-88


A Acima de 10.001 £ - - - 50,4 42,8 54,9
B 5.001 £ a 10.000 £ 45,3 - 16,6 - 16,5 24,5 24,8
C 2.001 £ a 5.000 £ - 42,9 34,7 - 17,1 14,1 10,7
D 1001 £ a 2.000 £ 13,4 20,2 20,5 - 9,6 8,5 3,4
F 501 £ a 1.000 £ 17,9 19,1 14,4 24,8 6,7 6,6 2,7
E 101 £ a 500 £ 17,6 16,7 12,3 74,5 0,2 3,4 3,3
G Menos de 100 £ 5,8 1,1 1,5 0,7 0,04 0,1 0,2
Totais 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no


Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

Em linhas gerais, do primeiro para o segundo período, houve na Vila de


Baependi um aumento das fortunas. Percebe-se que as riquezas acumuladas pelos
inventariados na primeira metade dos oitocentos, não foram tão altas se comparadas aos
processos que foram abertos após 1850. Como já sinalizamos, muitos fatores
contribuíram para tal fenômeno. Primeiramente, os bens declarados, em especial terras e
escravos, não apresentaram os valores que vieram a possuir após a década de 1850, pois
aquela era uma conjuntura de fronteira aberta, de mão de obra acessível via comércio de
almas atlânticas e de pouca sofisticação de utensílios e benfeitorias nas propriedades
agrícolas.
Com base nos dados da Tabela 2, podemos afirmar que, do primeiro para o
segundo período, houve também em Baependi um aumento da pobreza e uma maior
concentração da riqueza. Verificamos que as pessoas que conseguiram acumular uma
fortuna até de £ 500, ficaram cada vez mais empobrecidas. Os médios proprietários que
detinham de £ 501 a £ 1.000, também viram seus patrimônios em queda.
Na hierarquia de fortunas vista entre os anos de 1820 a 1849, encontramos
apenas três indivíduos com patrimônios acima de £ 5.001. Esses agentes não
conseguiram deter 1/3 da riqueza local, suas fortunas se aproximavam das outras faixas
de riquezas que estavam abaixo. Além disso, foram superados pela faixa de fortunas
com montes brutos avaliados entre £ 2.000 a £ 5.000. Significa que a riqueza nessa
época estava menos concentrada, o que fez com que os mais ricos, nesse período, se

76
aproximassem dos grupos de fortunas médias. Nessa época, como já salientamos, era o
momento em que a economia da região se encontrava em fase embrionária, ou seja, os
anos de 1820 a 1849 correspondem praticamente ao assentamento e ao início da
consolidação do sistema agrária em Baependi.
Ultrapassado esse período, encontramos na segunda metade dos oitocentos
outros cenários, com uma economia mais dinamizada vista pela valorização conjunta
dos patrimônios produtivos inventariados. Nesse período, ao mesmo tempo, o número
de ricos aumentou e a riqueza se tornou mais concentrada. Tal concentração deve-se ao
surgimento de um pequeno núcleo de indivíduos com uma posição econômica de maior
relevo, formado por 18 famílias que tinham montes brutos acima de 10.000 £, além
disto, esse diminuto grupo controlava 43% da riqueza produzida na região.
Interessante notar, que essas riquezas (acima de 10.000 £) apareceram a partir do
ano 1860. Nessa década foram inventariadas as maiores fortunas da região, o que sugere
que a economia agrícola da localidade já estava em pleno vigor que, de certa forma,
contribuiu para que esses verdadeiros senhores de terras e homens ampliassem seus
patrimônios. Diante disto, nota-se que a concentração de riqueza se exacerbou no topo
constituído pelo décimo privilegiado. Assim, aumentou-se mais um degrau na
hierarquia econômica da localidade, tornando a desigualdade socioeconômica do termo
de Baependi mais acentuada.
Através da Tabela 3, veremos como os componentes de riquezas estavam
distribuídos de forma desigual nos distintos grupos de fortunas.

77
Tabela 3: Perfil dos bens inventariados por faixa de fortunas, Vila de Baependi
(1820-1888).

Dividas Dividas
Faixas de Fortunas Escravos Imóveis Ativas passivas Dinheiro Animais Plantações
A Acima de 10 mil £ 31,1 40,9 44,6 15,8 73,1 41,7 40,1
B 5.001 a 9.999 mil £ 18,6 21,7 26,1 23,6 22,9 18,1 33,2
C 2.001 a 5.000 mil £ 19,2 15,5 8,9 18,2 2,8 14,6 14,1
D
1.001 a 2.000 mil £ 13,2 9,2 4,3 17,3 0,4 10,1 5,6
E 500 a 1.000 £ 10,7 6,5 6,1 13,7 0,2 7,1 2,5
F 100 a 500 £ 10,1 5,5 9,7 10,1 0,5 7,3 4,1
G Menos de 100 £ 1,8 0,7 0,3 1,3 0,1 1,1 0,4
Totais 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

Um dos dados que mais nos chamou a atenção na Tabela 3 é a disparidade de


oportunidades econômicas contempladas na composição das riquezas. Repare que as
faixas de fortunas A B, e C, que reúnem as camadas mais ricas desta hierarquia de
fortunas, controlaram todos os setores da economia local, ou seja, esse seleto grupo de
afortunados foi capaz de dominar as esferas que organizavam o sistema agrário da Vila
de Baependi. Esta constatação é um sintoma da incapacidade da economia sob análise
de desconcentrar a riqueza.
As principais referências de riquezas desses homens ricos foram os escravos,
os imóveis e as dívidas ativas. A soma desses itens apresenta respectivamente 68,9%,
78,1% e 57,6% de seus bens, como já sinalizamos esses ativos foram os pilares da
reprodução da economia local.
As dívidas passivas, apesar de ser o ativo de menor envergadura nessas faixas
de fortunas, não apresentou um percentual inexpressivo (57,6%), o que indica que esses
afortunados senhores recorriam ao empréstimo para ampliarem as suas riquezas. Nota-
se que o grau de endividamento dessas pessoas era significativamente maior do que os
outros grupos de fortunas, tanto em termos absolutos como em percentuais.
O volume destas dívidas passivas entre as famílias mais ricas da região pode
ser entendido pelo fato dessas pessoas recorrerem a valiosos recursos provenientes de

78
outras praças comerciais do sudeste brasileiro. Um primeiro exemplo pode ser dado
através do Coronel José Inácio Nogueira de Sá, sua fortuna estava situada na faixa A,
avaliada em 283:071$010155. O patrimônio deste senhor, inventariado em 1854, estava
constituído em várias fazendas e casas na Cidade Baependi. Nas suas propriedades,
havia 68 escravos dedicados à produção da lavoura. Com o auxílio desta expressiva mão
de obra, o Coronel José Inácio tornou-se o maior produtor de fumo na região.
Constatamos em seu inventário 5.000 arrobas deste produto, avaliados em 30:000$000.
É notório perceber que tal atividade lhe rendeu bons lucros156. Além das plantações,
esse senhor possuía um extenso rebanho de animais, sendo 132 cabeças de gado, 538
porcos, 61 cavalos e 98 bestas de carga.
Para gerar tamanha riqueza produtiva, o Coronel José Inácio Nogueira de Sá
não se limitou ao financiamento local, recorreu a outras praças comerciais. Na Vila de
Baependi, este senhor não era um grande credor, pois emprestou apenas 3:869$010 para
alguns moradores da região, mas, por outro lado, acumulou uma enorme quantidade de
dívidas contraídas com 79 pessoas. As dívidas passivas desse senhor estiveram somadas
em 131:697$660157·, 34,3% (46:290$900) desse montante eram empréstimos vindos da
cidade do Rio de Janeiro. Um de seus credores era, nada menos do que, o Comendador
Joaquim José de Souza Breves, um dos fazendeiros mais opulentos do Vale Paraíba
Fluminense, conhecido pelos seus contemporâneos, como o “Rei do Café”158. Tais
relações de crédito demonstram que o Coronel José Inácio Nogueira de Sá alçou
espaços de atuação mais amplos, que de alguma maneira contribuiu para que a
localidade sob análise interagisse com outros mercados do sudeste brasileiro.
Antes de falecer, o Coronel José Inácio Nogueira de Sá quitou todas as suas
dívidas com os credores cariocas. Nisso, restaram àquelas provenientes do crédito local,
que deixou para sua mulher e filhos a responsabilidade de saldá-las. Mesmo com
tamanha dívida, o senhor José Inácio conseguiu constituir um valioso patrimônio que,

155
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Coronel José Inacio Nogueira de Sá.
Ano: 1854, Cx: 46.
156
Baependi ao longo século do XIX, era uma das regiões do Império do Brasil que produzia e exportava
para os mercados províncias, como para outras praças comerciais fora do país, em especial as regiões
platinas, como Argentina e Uruguai. Ver: RESTITUTTI, Cristiano Corte (2006). As fronteiras da
província: rotas de comércio interprovincial, Minas Gerais, 1839-84. Dissertação de Mestrado.
Araraquara: UNESP.
157
Os passivos do Coronel José Inácio Nogueira de Sá, representava 46,5% do total de sua fortuna.
158
LOURENÇO, Tiago Campos Pessoa. O Império dos Souza Breves nos Oitocentos. Politica e
escravidão nas trajetórias dos Comendadores José e Joaquim de Souza Breves. UFF-ICHF,
Departamento de História, 2010. (Dissertação de Mestrado).

79
de certa maneira, o manteve entre aqueles que ocuparam posições de privilégio no topo
da pirâmide socioeconômica da Vila de Baependi. Como pontuou Lawrence Stone
acerca da estratificação social, pertencer a um grupo restrito e dotado de específicas
qualidades pressupunha contínuos esforços por parte dos seus integrantes. Os indivíduos
que se encontravam nessa posição não tinham como propriedade, antes, fazer parte de
uma elite que ocupava um determinado lócus na pirâmide da sociedade159.
Retomando os dados da Tabela 3, a grande parcela ocupada pela dívida ativa
nos inventários dos mais ricos (79,6%) indica que esses homens estavam diretamente
envolvidos com atividades prestamista (como secos e molhados, vendas e compras de
escravos, concessão de empréstimo, vendas de imóveis, víveres para serem
160
comercializados com outros) . Portanto, esse diminuto grupo controlava liquidez (o
crédito) da sociedade, elemento basilar para a reprodução das atividades produtivas161.
Em todas as faixas de fortunas havia indivíduos com estatutos
socioeconômicos bastante diferenciados, porém, não no mesmo nível, pois aqueles que
acumularam maiores recursos tiveram melhores produções variáveis. Neste sentido, o
aumento de suas riquezas estava relacionado à maior capacidade de diversificar as suas
atividades lucrativas e evitar a especialização das produções162. Lembrando Fernando
Braudel: ao estudar a hierarquia mercantil europeia entre os séculos de XVI ao XIX, o
autor constatou que os mais ricos sempre procuravam diversificar as suas atividades,
pois, numa dada estrutura socioeconômica, eram pessoas com potenciais para
investirem em diversos ramos da economia. Segundo Braudel, era somente na base e no
seu intermédio que os participantes do mundo dos negócios se especializavam em um
ramo. À medida que a economia de mercado encontrava o seu progresso, ela afetava
toda a sociedade mercantil, intensificando a divisão social do trabalho. Esta
“fragmentação das funções” se manifestava primeiro nos estratos inferiores: “os ofícios,
159
STONE, Lawrence. La Crisis de la Aristocracia (1558-1641). Madrid: Alianza Editorial, 1985, p. 37-
43.
160
Nem todos os inventários pesquisados apresentam essas transações, mas um número expressivo de
processos contendo procurações que demonstra que os inventários estavam envolvidos com varias
praticas comerciais.
161
Sobre o controle do crédito por uma elite agrária ver: ALMEIDA, Carla. Ricos e Pobres nas Minas
Coloniais, op. Cit., p. 132; SAMPAIO. Antônio Carlos Jucá de. Magé na Crise do Escravismo: Sistema
agrário e evolução econômica na produção de alimentos. (1850 - 1888), DISSERTAÇÃO
DEMESTRADO APRESENTADA À PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE, 1994, p. 43-92.
162
Os trabalhos de Carla Almeida, Afonso Alencastro e Marcos de Andrade já apontam que as famílias
mais abastadas do Sul de Minas procuravam diversificar as suas produções, ou seja, nas respectivas
regiões pesquisadas por esses autores, não foram identificação produções especializadas, na verdade
houve atividades consorciadas.

80
os lojistas, os mascates especializavam-se”. Mas o mesmo não ocorria no alto da
pirâmide, visto que, “até o século XIX, o negociante de altos voos jamais se limitou, por
assim dizer, a uma única atividade”. Era “negociante, sem dúvida, mas nunca num
único ramo”, e também era, “segundo as ocasiões, armador, segurador, prestamista,
financista, banqueiro ou até empresário industrial ou agrícola” 163.
Em nosso caso, as pessoas que se encontravam no topo da riqueza, ou em
alguns degraus abaixo nas escalas de fortunas, tiveram destaque no comando militar,
possuíam altas patentes que os colocavam em posições proeminentes na hierarquia
social. Porém, exerceram vários papéis sociais no mundo dos negócios. O inventário do
Capitão e negociante Guilherme José Pereira é o único entre as grandes fortunas que
aponta para uma prática preferencialmente comercial. Seus patrimônios tinham em
comum o fato de serem assentados majoritariamente em dívidas ativas e dinheiro. Estes
dois ativos representavam 54,7% da sua fortuna, superando o total em bens imóveis
rurais, escravos, animais e roças.
Guilherme José Pereira dedicou anos de sua vida ao comércio. Ao longo dessa
jornada, constituiu uma ampla rede de crédito. Com sorte, muitos dos seus empréstimos
foram devidamente pagos pelos herdeiros dos seus devedores, o que possibilitou
acumular uma enorme quantia em dinheiro e moedas somadas em 41:000$000
(Quarenta e um contos de réis).
Em idade avançada, o senhor Guilherme José Pereira começava a destinar os
seus recursos para compra de terras e escravos, tanto é que se tornou um dos maiores
senhores de cativos da região (dono de 45 escravos). Isto não significa que tenha
abandonado o setor mercantil, mas o colocava como atividade secundária. Estas ações
eram muito comuns em várias áreas do Império Brasileiro, onde pessoas abandonavam
totalmente a vida de comerciante e tornavam verdadeiros senhores de homens e terras.
A priori, isso poderia ser explicado em função da busca de maior estabilidade por parte
das fortunas comerciais já constituídas164. Porém, além da busca da segurança, a
transformação do grande comerciante em um grande fazendeiro denotava a presença de
um forte “ideal aristocrático” que é identificado no controle desses recursos

163
BRAUDEL, Fernand. A Dinâmica do Capitalismo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 40.
164
Ver Fragoso, Homens de Grossa Aventura, 1998, p.310.; Graça Filho, Princesa do Oeste, 2002, p. 98.

81
responsáveis pela reiteração das hierarquias e exclusão dos outros agentes sociais
livres165.
Esta situação não difere166 muito da trajetória do negociante-fazendeiro descrita
por João Fragoso para o Rio de Janeiro, entre os anos de 1790 a 1840, ou seja, a
conversão do grande comerciante em fazendeiro, como pressuposto de um ideal
aristocratizante, que sacrifica o seu lucro mercantil em prol de status de senhor de
homens e terras167. Além do caso que acabamos de retratar, em Baependi, estas ações
foram exercidas por muitas pessoas, principalmente entre os mais ricos, que tiveram
condições de experimentar a vida de comerciante, porém, ciente dos riscos que tal ofício
poderia causar em seus negócios.
Entre os mais afortunados na região de Baependi, houve também pessoas que
conseguiram multiplicar suas heranças deixadas nos inventários dos seus pais. Um
exemplo disto é o Tenente Coronel Joaquim Inácio de Melo e Souza168, ao ter recebido
alguns legados do seu falecido pai, o Alferes Francisco Inácio de Melo e Souza,
conseguiu ao longo de três décadas quase triplicar o seu patrimônio.
Examinando os respectivos inventários, em 1845, ano em que faleceu o Alferes
Francisco Inácio de Melo e Souza, seu patrimônio apresentou uma quantia bruta de
17:727$370169·, 70% desta fortuna era constituída por escravos e terras. O apreço a
esses ativos confirma-se quando o Alferes contratou os serviços do Boticário, Francisco
Viotti, para tratar com remédios o seu doentio escravo Domingos. O cuidado com esse
cativo não apenas estava relacionado à reprodução da mão de obra, mas com os
sentimentos de gratidão e confiança que esse senhor tinha por esse cativo, além do que,
Domingos vivia sob a proteção desse patriarca170.

165
Fragoso e Florentino, op, cit., p.231-233.
166
Caracterização feita por Pierre Goubert, de seus congêneres franceses do Beauvais, no século XVII e
XVIII de difere muito do que encontramos para a região de Baependi, pois muitos negociantes franceses
avastaram completamente da vida rural, investindo pesadamente os seus capitais na compra de ações e
dividas públicas. Ver: GOUBERT, Pierre. Cent mille provinciaux au XVILe siêcle: Beauvais et le
beauvais de 1600 a 1730. Paris, Flammarion, 1968, p. 372-374.
167
Fragoso, Barões do Café, op. cit., p. 210-243.
168
No Almanak Industrial, Administrativo e Civil da Província de Minas Gerais, Joaquim Inácio de Melo
e Souza é relacionado no comando de guerra como Tenente Coronel Comandante de do 42º batalhão do
Estado Maior da Guarda Nacional.
169
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do Alferes Francisco Inácio de Melo. Ano:
1854, Cx: 34.
170
Como bem ponderou Marcelo Matheus, “em uma sociedade onde o Estado não prestava praticamente
nenhum tipo de assistência, alguns cativos, especialmente aqueles situados no topo da hierarquia interna
da escravidão, podiam não querer qualquer tipo de liberdade, consequentemente, podiam não querer
cortar seus laços de dependência com seu senhor”. Ver: MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da

82
No processo do Coronel Joaquim Inácio de Melo e Souza (filho), aberto no ano
de 1875, foram arrolados 8 escravos, 3 bois, 4 cavalos, 1 besta, e 1 casa localizada na
rua direita da cidade de Baependi. Provavelmente, esse imóvel era um estabelecimento
comercial, pois, das 283 pessoas que lhe deviam, 71 delas tinham lhe comprado vários
objetos de armarinhos, tecidos e utensílios para fazendas, incluindo agentes de modestos
e elevados estatutos sociais. As dívidas desses indivíduos foram calculadas em
18:917$709, tal valor foi acrescido no monte-mor do Coronel Joaquim Inácio que foi
avaliado em 55:932$320171.
Com base na constituição destas distintas fortunas, perceber-se que o filho não
trilhou o mesmo caminho do pai, pois se distanciou das atividades agrárias e optou em
investir em novos negócios. Na região de Baependi, o Coronel José Inácio de Melo de
Souza foi um dos poucos homens a se dedicar inteiramente aos negócios mercantis, pois
vimos que parte da sua fortuna foi ampliada neste comércio.
É importante explicar para o leitor que essas ações não eram contraditórias à
lógica de uma sociedade escravista fundamentada nas várias formas de produções não
capitalistas172, pois na região se reiterava as tradicionais formas de riqueza, cujo
funcionamento se dava pela incorporação de mais terras e mão de obra173.
Dando continuidade aos exames da Tabela 3, observa-se que nas faixas de
fortunas D, E e F que reúne 64,9% dos inventariantes, nota-se que ocorreram algumas
alterações. Essas mudanças podem ser vistas na diminuição dos bens relacionados às
dividas ativas e o dinheiro, pois a carência destes recursos impedia que muitos destes
indivíduos investissem mais em terras e escravos.
O que mais nos impressionou nas faixas D, E e F foi o fato das dívidas ativas
serem superadas pelas passivas, o que demonstra que, nesses grupos de fortunas, havia
uma baixa liquidez e um alto grau de endividamento. Nas faixas de fortunas A, B e C,
composta por um diminuto grupo de pessoas abastadas, ocorreu o inverso, havia mais
credores do que devedores. Nessas escalas de riquezas, as dívidas ativas eram 22%

diferença: escravidão e desigualdade social ao Sul do Império brasileiro (Bagé, c.1820-1870). UFRJ-
PPGHIS, 2016, p.38. (Tese de Doutorado)
171
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do Coronel Joaquim Inácio de Melo e
Souza. Ano: 1875, Cx: 34.
172
João Fragoso, Barões do Café, op, cit., p.42
173
Idem, p.49

83
superior às passivas. Nesse caso, eram mais superavitários e suas atividades econômicas
não tendiam a ser engolidas por suas dívidas. Nas faixas D, E e F, as ativas foram
21,1% inferior às passivas. Contudo, estes dados confirmam que o crédito na região
esteve retido nas mãos de poucas famílias, cujo patamar mais elevado desta hierarquia
de fortunas, era ocupado por senhores donos de terras e escravos.
Nas faixas D, E e F, por agrupar o maior número de inventariados, mostra-nos
que esses grupos de fortunas eram mais amplos e diversificados. Cruzando os dados dos
inventários, com os assentos paroquiais e com as listas nominativas do termo de
Baependi, foi possível encontrar nessas escalas de riquezas pessoas de ascendência
escrava. Um bom exemplo é o pardo Miguel José de Andrade. No ano de 1864,
procedeu-se à abertura de seu inventário. Ele vivia com a sua família no Arraial de São
Tomé das Letras do termo da Vila de Baependi, na rua direita, em uma morada de casa
coberta de telhas. Além desse imóvel, possuía bens rurais, como as terras no sítio da
Pontinha na fazenda do Rio do Peixe. Neste lugar, com o trabalho de sete escravos,
produziu quatro alqueires de roça de milho, um feijoal com planta de três quartas, um
arrozal com plantas de três quartas e um canavial em ponto de moer. Além disto, o
senhor Andrade possuía rebanho composto por 20 cabeças de gado e 31 porcos,
havendo 10 porcas com crias174.
Suas produções não se encerram por aí. No inventário deste senhor, há menção
de três rodas de fiar, o que indica que seus cativos se dedicavam a atividades voltadas à
produção de tecelagem e fiação, pois nesse processo foi arrolada uma enorme
quantidade de roupas e lençóis para camas e travesseiros. Estas produções domésticas
conjugadas com as atividades agropecuaristas permitiu ao senhor Miguel José de
Andrade um maior leque de opções econômicas que possibilitou figurar-se no grupo de
proprietários com riqueza intermediária no Termo Baependi.
Além dos homens pardos em ascensão, temos nesta faixa de “fortunas
intermediárias” pessoas descendentes de elites proprietárias que foram surpreendidas
pela morte enquanto avançavam as suas riquezas ou não conseguiram restabelecer o
nível de fortuna dos pais. Um destes casos é o de Antônio Fernandes dos Reis, que teve
seu inventário aberto no ano de 1888. Era filho do comerciante Jerônimo Antônio dos
Reis, falecido no ano de 1866. Seu pai possuía varias terras e escravos, além disto, tinha
174
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Miguel José de Andrade. Ano: 1865,
Cx: 13.

84
acesso a uma ampla rede crédito, que contribuiu para que conseguisse constituir uma
expressiva fortuna, somada em 48:602$000.175
Antônio Fernandes dos Reis era morador no sítio do Tijuco Preto. A
propriedade não contava com escravos para tocar os trabalhos nesta unidade, por isso
contratou os serviços do liberta Florência, ex-escravo de Candido Rodrigues de Souza.
Em seu inventário foram registradas dívidas passivas pelos serviços deste egresso da
escravidão, que ficaram em tornou de 50$000. Além deste débito, havia outros.
Somando tudo, Antônio Fernandes havia acumulado uma dívida de 703$000176. A
maior parte da riqueza de Antônio Fernandes eram as plantações e uma casa de vivenda
com suas benfeitorias e terreiros, tudo calculado em 2:265$000. Um dos seus maiores
credores foram João Maximiliano Fernandes, irmão e tutor dos seus filhos menores, que
ao longo de muitos anos abasteceu a casa de Antônio Fernandes com produtos advindos
de sua loja.
Nos inventários de Antônio Fernandes dos Reis, soubemos que morou por mais
de uma década na cidade de Ouro Preto. Nesta capital mineira, amargou o fracasso dos
seus negócios, e, assim, voltou a residir em uma das propriedades de seu falecido pai. É
provável que sua saída da casa paterna tenha sido um dos fatores que o impediu de
constituir um valioso patrimônio produtivo.
No último degrau da hierarquia de fortunas da Vila de Baependi, estão às
pessoas que pertenciam às camadas mais pobres da sociedade177, que, por sua vez, estão
situadas na faixa G. Este grupo compunha 16,5% dos inventários e controlava apenas
0,5% da riqueza. Esta faixa de fortuna estava assentada sobre uma base social bastante
heterogênea, pois havia indivíduos de vários segmentos sociais, como portugueses
empobrecidos, egressos da escravidão e famílias livres que tinham diferentes vínculos
com o cativeiro, sendo algumas mais recentes e outras mais remotas.

175
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Jeronimo Fernandes do Reis. Ano:
1866, Cx: 22.
176
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Antônio Fernandes do Reis. Ano: 1866,
Cx: 22.
177
Considerando que abaixo destes agentes de modestos bens, havia aqueles que não possuíam bens
passiveis de ser arrolados em um processo de inventário.

85
Sobre esta heterogênea base social178, temos o português, Manoel Lopes de
Oliveira, nascido e batizado na Freguesia de Santa Maria de Oliveira da Vila do Porto,
que chegou a Vila de Baependi com seus pais quando tinha 6 anos de idade. Por ter
ficado órfão tão cedo em terras estrangeiras, morou como agregado na propriedade de
Dona Maria Teresa de Jesus, viúva de Domingues Ferreira Brandão, moradora da
aplicação da Capela de São José do Favacho do Termo de Baependi.
Na propriedade desta senhora, que, por sinal, era uma grande escravaria que
contava com 24 cativos, o português Manoel Lopes de Oliveira, como administrador
dessa unidade, não obteve sequer nenhum pedaço de terra desta fazenda. No inventário
deste português, aberto no ano de 1832, foram arrolados apenas 21 cordões de ouro e
poucos móveis de baixo valor. Esses bens foram avaliados em 50$000179. Portanto, a
aquisição desses parcos recursos impediu que o mesmo galgasse alguns degraus na
hierarquia de fortunas da região.
Temos também o casal de libertos Agostinho Vieira e Mariana Antônia
Nogueira. O primeiro foi ex-escravo do Tenente José Carlos Nogueira, e a segunda, ex-
cativa de Dona Custódia Balbina Nogueira, que, por sua vez, recebeu no inventário de
sua ex-senhora, um alqueire de terra avaliada em 60$000180, e este bem, com algumas
plantações e outros utensílios domésticos, foram os ativos econômicos mais importantes
desses ex-escravos que, de alguma forma, permitiram que construíssem certa estrutura
material de vida.
Para finalizar, nessa ampla base social temos Joaquim José da Silva, nascido e
batizado no Arraial do Espírito Santo do Termo de Baependi. Era branco, senhor de um
escravo e oficial de sapateiro. Envolvido com este oficio, não é difícil imaginar que esse
senhor tenha tornado o seu cativo um aprendiz de sapateiro, tendo, portanto,
forçosamente convivido diuturnamente perto dele. Desta forma, esses agentes de
distintos status foram responsáveis pelo sustento dessa casa. É provável que esse cativo,
eventualmente, tenha participado de todo processo de produção, isto é, a compra do
couro, os modos de corte e costura dos arremates, as vendas e as cobranças dos
vencimentos dos negócios efetuados a prazo. O envolvimento com essas atividades não
178
ROSENTAL, Paul-André. Construir o “macro” pelo “micro”: Fredrik Barth e a “microstoria”. In
REVEL, Jaques (org.). Jogos de Escalas – a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
179
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Manoel Lopes de Oliveira. Ano: 1862,
Cx:39.
180
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Agostinho Vieira. Ano: 1862, Cx:15.

86
era algo desvantajoso para esse mancípios, pois poderiam adquirir certa qualificação e
ser mais estimados pela família do seu senhor181.
Sobre essa faixa (G), os escravos não pesaram tanto no patrimônio destas
pessoas de modestos recursos, chegando a perfazer menos de ¼ (18,6%) das fortunas
inventariadas. Os indivíduos desta faixa, na sua maioria, eram donos de pequenas
escravarias, apresentando uma média de 3,0% de cativos por unidades. Entre esses
sujeitos, 91,8% possuíam de 1 a 5, sendo que, apenas três, detinham de 6 a 8 escravos.
Diante de tais indicadores, é importante salientar que a aquisição de escravos por
pessoas pobres da sociedade, também seria uma forma de se distinguirem dos demais
membros dos grupos que não alçaram o status de senhor.
Além disto, os cativos pertencentes aos membros das faixas de fortuna G
poderiam ser fundamentais para estabilidade e constituição dessas famílias. De acordo
com Sant Hilaire, esses cativos poderiam desenvolver uma multiplicidade de função em
uma determinada unidade produtiva, como trabalhar nas roças ao lado de seus senhores,
ajudando as mulheres no processo de tecelagem e fiação, bem como cuidar do rebanho
de animais de vários portes182.
Além de muitos terem possuído escravos, estes agentes de baixa rentabilidade
também possuíam terras, onde 84,1% tiveram acesso a esse recurso. O que significa que
tal apropriação fundiária não era restrita a esse grupo, mas não eram donos de grandes
propriedades, a maioria vivia em pequenas roças que cobriam somente a necessidade
básica alimentar.
Para elucidar estas situações, temos o caso do Maria Tereza de Araújo e seu
irmão, Simão Silva, que moravam em um rancho coberto de telhas com porta e janelas
na fazenda do Morro Queimado, propriedade do Tenente Coronel Joaquim Silvério de
Castro e Souza Marinho. Nesse pequeno Rancho, Maria Tereza era senhora de um casal
de escravos, ambos tinham idades avançadas, sendo Francisco Angola de 50 anos e
Joana Crioula de 60. Mas, mesmo sendo dona de terras e homens, vimos que não
recusou a proteção do Tenente Coronel Joaquim Silvério, pois no inventário desta
senhora, há vários momentos em que solicitava empréstimos ao Tenente Joaquim
Silveira. Nessa circunstância, o auxílio de uma pessoa provida de significativos recursos
181
Sobre a importância de determinadas ocupações para os cativos, ver; FERREIRA, Roberto Guedes.
Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c.1798-
c.1850). Rio de Janeiro: Mauá X/Fazer, 2008 a.
182
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. Trad.
L.A.Penna. Belo Horizonte: Itatiaia (Coleção Reconquista do Brasil, v. 5). 2017, p.93.

87
(tanto econômico como social), poderia ser umas das alternativas mais viáveis para a
organização da sobrevivência e segurança em sociedade comprometida com a exclusão.
Peço ao leitor que retorne para a Tabela 3 para as últimas considerações. Nessa
camada de pessoas menos remediadas, as dívidas ativas não tiveram um peso
substancialmente relativo em seus processos de inventários. Somando o percentual em
dinheiro diminui consideravelmente. Algo esperado nessa camada, além de que,
estamos tratando de uma sociedade marcada pela pouca circulação monetária. Era
natural que dinheiro, ações e títulos constituíssem em universo pouco acessível183. Na
verdade, os membros mais pobres da sociedade inventariada sempre solicitavam crédito
aos mais abonados, daí a grande parte deles estarem no rol das dívidas passivas. Houve
vários momentos em que os mais pobres se endividavam. Ao contrair empréstimos,
perdiam os únicos bens que possuíam. João Silvério Batista Campos, natural de Barra
Mansa da Província do Rio de Janeiro, e morador da Vila de Baependi, vivenciou essa
experiência. Quando residia na região, contraiu dívidas com os homens mais influentes
da localidade. O primeiro credor foi o Comendador Custodio José Pinto, que lhe
emprestou 261$000. O outro fiador foi o Capitão Jesuíno Lopes Guimarães, que lhe fez
um empréstimo de 340$000, e os últimos foram o Dr. Antônio Carlos Viriato Capitão e
o Coronel Teodora Carlos da Silva, membros das famílias mais tradicionais da Vila de
Baependi, que lhe forneceram em dinheiro a juros. Para que seus entes não ficassem
pressionados com essas dívidas, tratou logo de quitar esses empréstimos com os bens
que possuía inclusive alguns ativos que se encontravam na cidade de Barra Mansa
foram dados para pagar estes débitos. Descontados os passivos, restou para João
Silvério Batista Campos um patrimônio líquido de 600$000184.
Tal caso não é excepcional, pois encontramos cincos inventários na faixa G de
fortuna que apresentaram o mesmo perfil. Para os demais as dívidas eram tão altas que
chegava a superar o valor do monte-mor. Esses dados podem ser considerados uma das
características marcantes dessa camada amplamente diversificada.

183
Tal situação era mais agravante numa sociedade com pouca moeda em circulação e cuja instituição
bancarias atendia uma pequena parcela da sociedade. Ver Carrara;
CARRARA, Ângelo Alves. À vista ou a prazo: comércio e crédito nas Minas setecentistas. 1. ed. Juiz de
Fora: Editora da UFJF, 2010.
184
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de João Silvério Batista Campos. Ano:
1861, Cx:12.

88
- Estrutura agrária da Vila de Santa Maria do Baependi

Tratamos aqui das discussões em torno da questão da economia agrária mineira


e como suas produções atendiam as demandas de um mercado interno e externo. Para a
discussão do objeto de pesquisa que será examinado neste tópico, que são as atividades
agrárias desenvolvidas na região de Baependi, pontuaremos, em linhas gerais, trabalhos
que podem contribuir para compreensão deste tema.
Especificamente sobre as atividades agropecuaristas, no século XVIII e XIX
em Minas Gerais, muito pouco se produziu até os anos de 1970. Eram escassos os
estudos de base empírica a desvendar o mundo rural da produção de alimentos e da
criação de rebanhos da sociedade setecentista e oitocentista de Minas Gerais. Na década
de 1950, chegaram a conclusões sobre a economia das Gerais que mais a frente suscitou
importantes debates185.
Na historiografia de Minas Gerais, merece destaque o livro de Mafalda
Zemella, O abastecimento da Capitania de Minas Gerais no século XVIII, publicado no
ano de 1951. Esta obra foi o primeiro estudo acadêmico sobre o abastecimento na região
mineradora realizada no Brasil. Zemella realizou uma analise geral da produção interna
dos gêneros de primeira necessidade na Capitania mineira, ressaltando a sua
importância apenas nos momentos de crise da mineração. A autora é taxativa ao afirmar
que “no início da mineração, a atividade orientada para a agricultura era uma exceção
tímida e absolutamente insuficiente”,186 em razão de não ser interessante o desvio da
mão de obra escrava para outras atividades econômicas que não fossem as auríferas187.
Na década de 1860, Myriam Ellis, examinando o abastecimento alimentar na
Capitania de Minas Gerais, traz muitas informações sobre o comercio nas zonas de
mineração. Entretanto, reduz o estudo do abastecimento a uma análise dos caminhos
que ligavam as minas a regiões mais distantes e dos registros por onde passavam os
mercadores que vinham de outras Capitanias188. A autora não dá importância à

185
Anterior aos estudos desenvolvidos na década de 1950 Cai Prado Junior, em “A Formação do Brasil
Contemporâneo”, (1942) já vinha apontando o renascimento agrícola que surgia no sul de Minas de
Gerais após a criação da Mineração.
186
ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo:
Hucitec, 1951, p.234.
187
Idem, p. 135.
188
ZEMELLA, Mafalda. O Abastecimento da Capitania de Minas Gerais no século XVIII. 2 ed. São
Paulo: Hucitec, 1990. p. 17-27

89
produção interna de mercadorias, concordando, assim, em linhas gerais, com
argumentação de Mafalda Zemella.
Wilson Cano também corrobora com a ideia de uma inexpressiva atividade
agropecuarista na Capitania Mineira. O autor atribui a incapacidade desta economia em
gerar “complexo econômico” devido ao seu baixo potencial de acumulação. Segundo
Cano, apesar da produção aurífera ter gerado uma alta lucratividade, apenas uma
pequena parcela dessa renda foi retida pelo mercado mineiro189.
O fato é que, estes estudiosos ao conferirem uma lógica predominantemente
externa à economia das Gerais, deixaram de perceber a complexidade e o vigor de uma
produção interna econômica da capitania de Minas Gerais. Mas, isto não significa que
negam completamente a circulação e comercio interno de mercadorias, mas que,
simplesmente, tinham centrados suas atenções num setor da economia (a mineração)
que lhes pareceriam mais relevantes para o tipo de análise que propuseram.
De início, gostaríamos de esclarecer que para os objetivos desta pesquisa
interessa a verificação do mercado interno de abastecimento e a possibilidades de
projeção econômica/social por essa via, já que se acredita que Baependi esteve ligada a
produção e a comercialização de gêneros de abastecimento desde a formação do
povoado, ainda no século XVIII. Contudo há ainda pontos que precisam ser
aprofundados com a incorporação de evidências empíricas reveladas pela descoberta de
novas fontes, permanecendo o grande desafio entender a dinâmica interna e externa
deste sistema econômico aparentemente bastante diversificado.
Nos anos 1970 surgem novas propostas de abordagem sobre a economia
mineira, nesta perspectiva. Alcir Lenharo foi um dos pioneiros190 ao chamar atenção
para a organização da produção e a comercialização dos gêneros de primeira
necessidade no mercado de Minas Gerais. Além disto, ressaltou a existência de uma
produção pecuarista, em especial no Sul de Minas, orientado para atender à demanda
consumidora da Corte sediada no Rio de Janeiro. “Segundo Lenharo, sobre estas bases
produtivas, verificou-se a ascensão política de vários fazendeiros-tropeiros mineiros,

189
CANO, Wilson. "'Economia do Ouro em Minas Gerais (século XVIII)", in: Revista Contexto, n' 3,
julho/1977, pg 31.
190
Maria Yedda Linhares estuda o abastecimento em longa duração, alinhavando-o com a expansão da
economia exportadora. Constitui uma estimulante incursão pela história do abastecimento no Brasil,
acompanhada de um grande esforço de periodização. Ver: LINHARES, Maria Yedda Leite. Pecuária,
Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil (Séculos XVII E XVIII). Arquivos do Centro Cultural Calouste
Gulbenkian, Le Portugal et l‟Europe Alambique, lê Brésil et l‟Amérique Latine. Mélanges offerts à
Fréderic Mauro, vol. XXXIV, Lisboa, Paris, Dez., 1995.

90
comerciais locais” originados do “comércio de gêneros e animais”, cujo centro de
produção estava “localizado no Sul de Minas como reflexo da expansão da mineração,
ou seja, um grupo de homens abastados que pouco a pouco, passou a ter maior projeção,
chegando a influir nos rumos da política nacional”191.
Na década 1980, foi publicado um importante trabalho sobre complexidade da
economia mineira do século XVIII. Carlos Magno Guimaraes e Liana Maria Reis
analisaram as cartas de sesmarias concedidas aos moradores de Minas Gerais na
primeira metade do século XVIII, mostrando que a agricultura era uma atividade que
absorvia expressivo contingente populacional, inclusive uma quantidade significativa de
mão de obra escrava. Embora alguns autores já viessem tratando das atividades
agropastoris afins, em Minas Gerais, no século XVIII, pode-se considerar que o estudo
de Guimaraes e Reis abriu portas para uma pesquisa mais sistemática sobre o assunto.
Segundo estes pesquisadores, é preciso reconhecer a existência de um complexo
abastecedor nas Minas desde o início dos setecentos, o que muitas vezes foi negado pela
historiografia tradicional. Assim, uma agricultura escravista e destinada ao
abastecimento interno de mercadorias, pode ser detectada ao longo de todo formação
histórica das gerais, e não necessariamente a partir da crise da mineração192.
Porém, tais questões foram sistematicamente levantadas por Roberto Borges
Martins e Almicar Martins. Ao estudarem a sociedade mineira do século XIX,
ressaltaram o apego de uma agricultura de subsistência não exportadora da escravidão.
As teses dos irmãos Martins questionam estudos que consideram que uma economia
externa foi determinante para a manutenção da escravidão moderna193.
Em um texto apresentado no evento do CEDEPLAR, intitulado A economia
escravista das Minas Gerais do século XIX, Roberto Martins afirma que a existência de
um sistema escravista na província de Minas Gerais ao longo do XIX foi o maior que

191
Idem, p. 33-36
192
GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Escravidão em Minas Gerais (1700
- 1750). Revista do Departamento de História. Belo Horizonte: número: 2 p. 7-36 junho de 1986.
193
MARTINS, Roberto Borges. Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego à escravidão numa economia
não-exportadora. Estudos Econômicos, Instituto de Pesquisas Econômicas – USP, v. 13, n. 1, 1983. Ver
tambem: . , Amilcar V. & Martins, Roberto B. “Slavery in a nonexport economy: nineteeth-
century Minas Gerais revised” In: Hispanic American Historical Review, 63 (3), 1983.
. Minas e o Tráfico de Escravos no Século XIX, Outra Vez” in Szmrecsányi, Tamás & Lapa, José
Roberto do Amaral(orgs.). “História Econômica da Independência e do Império”, São Paulo:
Hucitec/ABPHE/Edusp/Imprensa Oficial, 2002.
. “Growing in Silence: The Slave Economy of Nineth-Century Minas Gerais, Brazil”, Tese de
Doutorado, Varderbilt University, 1980b.

91
existiu em toda história da instituição servil no Brasil. Durante o século XIX, a
população cativa mineira apresentou um vigoroso crescimento:

de aproximadamente 170 mil indivíduos, em 1819, e passou a 380 mil em


1873. Neste ano, Minas Gerais tinha mais escravos que as dez províncias
situadas ao norte da Bahia, mais as de Goiás, Mato Grosso e Para reunidas.
Esse contingente servil era ainda maior que a população cativa de qualquer
outra sociedade escravista do Novo Mundo em qualquer época, com exceção
dos Estados Unidos, Cuba e Haiti nos seus pontos máximos. 194

De acordo com Roberto Martins, a existência deste vasto sistema escravista


não esteve associada às plantations exportadoras, nem uma economia mineradora do
século XIX e nem fruto da procriação natural, mas resultado de importações recentes,
também não induzidas pela mineração, que ao longo do século XIX ocupava apenas
uma pequena parcela da mão de obra escrava195. Nesse cenário, os escravos eram
empregados na agricultura, pecuária e várias atividades artesanais e manufatureiras.
Para Martins, os cativos dedicavam-se a uma economia caracterizada por unidades
agrícolas de autoconsumo voltadas para os mercados locais196.
Nessa economia agrícola de baixa mercantilizarão o que teria levado Minas
Gerais a se torna a maior província escravista do Império? Para chegar a essa conclusão,
Roberto Martins, partiu da teoria de E. G Wakefield197, no qual argumenta que a
existência de terras abundantes e abertas e a mão de obra escassa teria impossibilitado a
formação de um mercado de trabalhadores livres, formadores, assim, de um campesino
independente. Nesse contexto, um grupo de proprietários não trabalhadores só poderia
sobreviver através de recursos continuados do trabalho forçados198.
Francisco Vidal Luna e Wilson Cano, em parte, corroboram com as teses de
Martins a respeito do crescimento de uma população cativa sobre o caráter de uma
economia de baixo nível de mercantilizarão, porém, não deixam de indagar a questão de
como uma econômica pouco monetarizada conseguiu forma um extenso plantel
escravista? Luna e Cano acreditam que a constituição desse enorme contingente de

194
MARTINS, Roberto Borges. A economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte,
CEDEPLAR/UFMG, 1980. 55 p. (Texto para Discussão, 10) CDU 33 (091) (815.1),p.1.
195
Idem, p. 4-5.
196
Idem, p.3.
197
Segundo Roberto Martins, o caso de Minas Gerais tem explicação na “hipótese de Wakefield”. Não
havia em Minas uma oferta regular e voluntária de trabalho porque grande parte das terras não havia sido
apropriada, ou seja, havia terras livres, disponíveis para a ocupação. Como lembra o autor, não havia se
completado o processo de acumulação primitiva observado por Marx.
198
Idem, p.6

92
cativos não teria sido fruto da importação de escravos, mas, sim, do crescimento natural
ocorrido nas propriedades mineiras199.
A crítica feita por Robert Slenes ao modelo explicativo de Martins foi mais
incisiva: considerou exagerada a explicação de uma economia escravista desarticulada
com um mercado exportador. Slenes formulou a mesma pergunta de Luna e Cano:
como uma economia de baixo percentual de exportação foi capaz de absorver tantos
escravos vindos dos portos brasileiros?200 As respostas que Slenes deu as estas questões
foram bastante distintas da desses autores.
Em tese, Slenes aceita algumas explicações de Roberto Martins, no que se
referem ao elevado número de escravos existentes nos planteis mineiros, mas não se
conforma com a ideia das unidades escravistas mineiras serem sustentadas por uma
economia independente desvinculada de um mercado exportador. O autor entende que
os escravos sendo empregados em atividades que estivessem fora dos circuitos
comerciais externos não significaria uma independência.
Em seu artigo “Múltiplos de porcos e diamantes”, Slenes demonstra que a
economia de exportação tinha “efeitos multiplicadores” sobre as produções de alimentos
e de víveres, e na medida em que criava uma grande demanda por esses artigos de
consumo garantia a sua reprodução201. O autor dá alguns exemplos de como se dava a
ligação entre esses dois setores. Como o caso da exportação de produtos derivado da
criação de porcos que para seu sustento contava com a produção do milho202. Sobre a
conjugação destes ativos, Slenes nos esclarece um importante elemento:

De acordo com Caio Prado Júnior a criação de porcos no sul de Minas


para serem exportados vivos ou na forma de toucinhos se fazia em
estreita ligação com a produção de milho, que constituía a ração principal
desses animais. Os Martins certamente têm razão – e nunca questionei
isto – quando afirmam que o comércio de milho para o Rio e São Paulo
em lombo de muar era mínimo, mas a exportação indireta desse produto,
em lombo de porco, era considerável. Ou seja, a criação de porcos
propiciava o estabelecimento de uma agricultura paralela de grande
importância enquanto empregadora de mão de obra e participante da

199
Luna, Francisco Vidal & Cano, Wilson. “Economia escravista em Minas Gerais” In Cadernos IFCH-
Unicamp, Campinas, outubro de 1983.
200
SLENES, Robert W. “Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escrava de Minas Gerais no
século XIX.” IN: Estudos Econômicos. São Paulo, v. 18, Nº 3, IEP/USP, 1988, pp. 449-495. Ver por
exemplo o debate no periódico Hispanic American Historical Review: Martins (1983); Slenes (1983);
Martins (1984)
201
Idem, 452-455.
202
Idem, 460-463.

93
economia monetarizada, que os Martins não conseguem perceber nos
dados sobre as exportações com que trabalham203.

Com essa perspectiva, Slenes afirma a inserção de Minas Gerais na economia


nacional vinculada à plantation pela via do abastecimento, conseguindo, assim, o
capital necessário à aquisição de escravos e sustentando o crescimento demográfico
vivenciado pela província no século XIX204. Apresentando-se, portanto, uma visão
oposta de Roberto Martins, que pensa a economia mineira como “a antítese da
economia de plantation exportadora” constituída, sobretudo, de unidades agrícolas
produzindo principalmente para o autoconsumo, e vendendo o excedente para os
mercados locais”205.
Apesar de reconhecermos que os estudos de Martins enriqueceram
sobremaneira a historiografia do período oitocentista mineiro, as explicações de Robert
Slenes parecem mais adequadas para resolvermos tais questões que serão analisadas
neste capítulo. Em conformidade com algumas abordagens de Slenes, vimos que nos
inventários da Vila de Baependi é possível verificar a ocorrência de grandes
propriedades escravistas dedicadas a produção de gênero de abastecimento que, embora
apresentando uma produção diversificada, como sugere Martins, não está desligada do
circuito de comércio das regiões produtoras de café e das praças comerciais do sudeste
brasileiro, especialmente o Rio de Janeiro.
Em sua tese de doutorado, Clotilde Andrade Paiva, propôs-se a realizar um
estudo sobre a economia de Minas Gerais no século XIX. Em suas considerações,
defende que o panorama verificado por Slenes possui bases sólidas, apontando o setor
de exportação como mais dinâmico, e, como tal, gerava efeitos multiplicadores sobre os
demais setores.

A tese da diversificação e do dinamismo da economia mineira é o


principal ponto que o presente estudo reafirma. As evidências deste
dinamismo são múltiplas. A presença de alargada e complexa base
produtiva reflete uma economia que está em estágio avançado de
reestruturação, a mineração há muito perdeu sua posição de atividade
nuclear e o resultado não é o tão decantado fenômeno da “decadência”
que se manifesta através da desorganização produtiva, fuga de população
e o retrocesso para uma economia de subsistência. A dinamicidade
manifesta-se também no crescimento populacional, na grande presença de

203
Idem, p. 453
204
Robert Slenes, Os múltiplos de porcos, 1988, p. 480-481.
205
Roberto Martins, Economia escravista, 1981, p.37.

94
escravos, na pujança das atividades mercantis e nos expressivos vínculos
com mercados externos206.

Percebe-se que as conclusões da autora não descartam as proposições dos


autores anteriormente apresentados, apenas evidencia que o sistema agrário mineiro
encontrava-se nas primeiras décadas dos oitocentos em fase de montagem e evolução, e
seu desenvolvimento era determinado por um mosaico de atividades produtivas.

- Rebanhos por todos os lados: a produção pecuária nos inventários post-


mortem.

Apresentados os estudos que contribuíram para o desvendamento da estrutura


agrária mineira, importa-nos, agora, analisar as produções pecuaristas desenvolvidas na
região de Baependi. Pretende-se investigar, como os diversos rebanhos estavam
distribuídos nas propriedades da região, apontando seus números, valores e as alterações
desta composição no tempo. Além disto, iremos averiguar como esta atividade
pecuarista estava em conexão com outras praças do centro-sul Brasileiro.
Os inventários post-mortem serão mais utilizados para examinar a produção
pecuarista na região. Embora não sendo a fonte ideal para este tipo de investigação, já
que não nos informa sobre a totalidade do rebanho existente, é a única documentação
passível de serialização que dispomos para a localidade de Baependi. Além disso,
outros pesquisadores conseguiram alçar bons resultados fazendo uso desta fonte207,
como Hebe de Matos para seus estudos em Capivari208, Carla Almeida para as Comarca
de Vila Rica e Rio das Mortes na passagem do XVIII para o XIX209, Helem Osório para
o Rio Grande do Sul210 e Mônica de Oliveira para os estudos da economia cafeeira para

206
PAIVA, Clotilde Andrade. População e Economia nas Minas Gerais do Século XIX. São Paulo,
FFLCH/USP, 1996. (Tese de doutorado), p.164.
207
Afonso Alencastro para São João del Rei (2002), Marcos Ferreira de Andrade para Campanha (2008),
Eduardo José Vieira (2015 para Lavras e Juliano Sobrinho (2009) para Itajubá, fizeram também uso dos
inventários para analisar as estruturas agrarias destas regiões sul-mineiras).
208
MATTOS, Hebe Maria. Ao sul da História. Lavradores na crise do trabalho escravo. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
209
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização
social no mundo colonial, 1750-1822. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2010.
210
Para o Rio Grande do Sul, Helem Osório pode contar com excelentes mapas de animais, no qual
conseguiu abarcar a totalidade dos rebanhos existentes na região. Isto lhe permitiu desenvolver uma
analise mais profunda da produção pecuarista existente na localidade. Com intensa de cruzar as fontes.
Osório não abriu das informações contidas nos inventários post-mortem. Sua tese foi posteriormente

95
a Zona da Mata Mineira211. Também para Buenos Aires, orientamos para os estudos de
Juan Carlos Garavaglia, que utilizou esta documentação para examinar o patrimonio dos
grande proprietários rurais desta região platina212.
Vejamos agora os dados exposta na Tabela 4. Esta tabela foi montada com base
no conjunto de animais arrolados entre os bens inventariados. Pela Tabela 4,
verificamos um aumento considerável da presença dos rebanhos bovinos, equinos,
suínos e muares nas unidades produtivas de Baependi do primeiro para o segundo
subperíodo, o que confirma que a criação destes animais era amplamente difundida
entre os habitantes desta Vila sul-mineira.
Antes de nos aprofundarmos nessas análises, é importante ressaltar que a
grande maioria das fazendas dedicadas à criação de rebanhos de vários portes possuía,
em média, 18 animais, indicando assim que a pecuária desenvolvida na Vila de
Baependi no correr do oitocentos era uma atividade produtiva presente tanto nas
grandes como nas pequenas unidades produtivas.

Tabela - 4 : Frequência de inventários com presença de rebanhos por subperíodos


(Baependi, 1820-1888).

1820-1849 1850-1888
Rebanhos Nº/I % Nº/I %
Bovinos 109 63,3 201 59,4
Suínos 44 26,7 159 31,6
Equinos 107 62,2 208 62,4
Muares 62 36,0 160 47,3
Caprinos 31 17,9 60 17,6
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei. N/I: número de
inventários.

Com base nestes dados, foi possível visualizar um cenário baseado na


diversidade, onde os rebanhos bovinos, equinos, suínos e muares estavam em auge na
economia pecuarista da Vila de Baependi. É evidente a predominância destes animais

publicada pela editora da UFRGS: OSÒRIO, Helem. O império portugues no sul da América:
estanceiros, lavradores e comerciante. Porto Alegre: Editorada UFRGS, 2007.
211
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de família: mercado, terra e poder na formação da
cafeicultura mineira (1780-1870). Bauru: Edusc; Juiz de Fora: Funalfa Edições, 2005.
212
GARAVAGLIA, Juan Carlos. Patrones de inversión y “elite económica dominante”: los empresarios
rurales en la Pampa bonaerense a mediados del siglo XIX, 1999.

96
em detrimento dos caprinos e ovinos. Porém, criação bois e cavalos se mostraram mais
disseminadas nas unidades da região.
Com a relação à pecuária bovina, a difusão deste rebanho se deve ao seu uso
para o transporte – utilização de carros de bois – como força motriz, além da utilização
para o fornecimento de carne, leite e do aproveitamento do couro. Além disso, a criação
do rebanho bovino era uma das produções mais tradicionais do Sul de Minas e de suas
áreas periféricas213. Nas localidades sul-mineiras, na passagem do século XVIII para o
XIX, foram encontradas várias fazendas criadoras de gado. A média de bovinos
encontrados nessas propriedades foi visivelmente superior a outras Comarcas da
Província de Minas Gerais214. Portanto, a surpreendente presença do gado bovino entre
os proprietários nos mostra que a Vila de Baependi esteve vocacionada para esta
produção pecuarista.
No que se refere aos equinos, à disseminação desse rebanho nas propriedades
baependienses indica que os fazendeiros da região tinham apreço especial por este
animal. Tal predileção faz sentido, ao sabermos que o Termo de Baependi foi
considerado o berço do cavalo manga-larga machador.215
Esta raça cavalar era diferente das demais, por ter sido uma das poucas a
apresentarem melhorias na marcha e preparado para executar várias atividades rurais.
Além disso, a raça manga-larga foi selecionada para compor as tropas Imperiais, que
necessitavam de cavalos luxuosos para importantes cerimônias216. Com estas
qualidades, este cavalo tornou-se um dos animais mais valiosos nas fortunas
baependienses, fazendo com que muitos fazendeiros ostentassem este animal entre seus
rebanhos.
Além destes fatores, a distribuição do rebanho equino pelas propriedades da
região também poderia ser utilizada para diversas finalidades, como meio de locomoção
dos inventariados para as regiões da província mineira ou fora dela, para caçadas e até
mesmo na lida diária nas fazendas. Carla Almeida, ao perceber uma expressiva
quantidade de animais cavalares na Comarca de Rio das Mortes, entre o período de
1750 a 1822, relacionou o volume deste rebanho a dois fatores. O primeiro consiste na
213
LENHARO, op. Cit., p. 52.
214
Carla Almeida, Ricos e pobres em Minas Gerais, op. Cit., p.99.
215
MATTOS, J.A. J. de. Família Junqueira: sua história e genealogia. Rio de Janeiro: Ed. Família
Junqueira, 2004, p. 101-139. Ver também; José Alípio Goulart, o Cavalo na formação do Brasil e Tropas
e tropeiros na formação do Brasil. E sobre a historia do cavalo manga-larga marchador, A história do
cavalo Manga-larga marchador; José Américo Junqueira Matos.
216
Idem, 2004.

97
criação destes animais para comercialização, o segundo fator estava associado à
possibilidade destes animais para serem usados para transportar mercadorias para a
província do Rio de Janeiro. De acordo com a autora, a aproximação geográfica e as
boas condições das estradas que ligam essas duas regiões facilitava o percurso destes
animais até a praça comercial do Rio de Janeiro217.
Observando os livros de passagem das Comarcas do Serro Frio e do Rio das
Velhas, na segunda metade do século XVIII, Claudia Chaves detectou que os produtos
derivados do rebanho bovino, como as solas, couros e as carnes eram transportados por
bestas de cargas, e as demais mercadorias eram conduzidas em lombos de burros e
cavalos. Segundo Chaves, a quantidade de mercadorias é determinada pelo número de
cavalos disponíveis para cargas. Cada equino transportava uma carga, cujo peso poderia
variar de seis a oitos arrobas218. Igualmente, observamos que nos inventários post-
mortem as éguas foram numericamente superiores aos cavalos. Este dado pode indicar
que elas poderiam servir como suporte para a criação de muares. Era comum ver nos
processos pesquisados éguas paridas com crias de burros e jumentos. Tudo isto
contribuía para a disseminação e aumento deste rebanho de muar.
Portanto, não restam dúvidas, de que o cruzamento desses distintos rebanhos
colaborou para que os muares219 tornassem-se o terceiro animal que mais esteve
presente nas propriedades da região. A significativa quantidade de muares nas unidades
produtivas de Baependi indica que esta Vila Sul-Mineira manteve relações com
mercados mais distantes, como a praça comercial do Rio de Janeiro. Este dado ganha
maior consistência ao constatarmos a presença de tropas de bestas em várias fazendas
da localidade. É provável que estas propriedades tivessem como principal função
realizar o transporte dos produtos da roça para o armazenamento e/ou para a
comercialização entre os municípios e regiões mais longínquas. Com relação a este
rebanho, computamos nos inventários da Vila de Baependi 1.832 bestas.
A existência de muares em uma determinada propriedade implicava na posse
de um volume significativo de animais cavalares, numa demanda específica de trabalho.
Cruzando as éguas com os burros temos o nascimento de mulas, um animal híbrido e
217
ALMEIDA, op. Cit., 2010, p.102.
218
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos Negociantes: mercadores nas Minas setecentistas. São
Paulo: Anablume, 1999, p.103.
219
Os cavalos e bestas utilizados na capitania/província de Minas Gerais eram provenientes da Vila de
Paulista de Sorocaba, onde havia uma grande feira destes animais. Ver; GIL, Tiago Luís. Coisas do
caminho: tropeiros e seus negócios do Viamão a Sorocaba (1780-1810). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ,
2009. (Tese de Doutorado).

98
estéril. Assim se obtém mais animais muares para o transporte de mercadorias para os
mercados vizinhos e mais distantes. Isto explica porque o Alferes José Joaquim Pires
possuía 9 éguas e 52 animais de tropas220. Nesta tropa havia muitas mulas e bestas
arreadas, que talvez tivessem se originado no cruzamento entre equinos e muares.
Além dos rebanhos muares e cavalares, havia na propriedade do Alferes Jose
Joaquim Pires uma significativa produção agropecuarista, analisando mais detidamente
estes recursos, vê-se que possuía 21 cabeças de gado vacum, porcos de criar avaliados
em 80$000, 40 carneiros, 62 alqueires de feijão, 12 arrobas de algodão, 643 arrobas de
fumo, e uma roça de milho e arrozal. Contado uma expressiva quantidade de animais de
tropas, certamente grande parte da produção da sua fazenda era transportada no lombo
de burros e bestas em direção aos mercados regionais e, provavelmente as praças
comerciais do Rio de Janeiro e São Paulo.
A quantidade de cativos pertencentes à senzala de José Joaquim Pires também
era algo considerável, nada menos que 57 se dedicavam a plantação de alimentos e
criação de rebanhos. Sobre este dado cabe um parêntese a respeito de uma discussão
bastante recorrente na historiografia a respeito da pouca utilização dos escravos nas
atividades pecuaristas do Sul de Minas Gerais. Estas conclusões partem de uma leitura
dos viajantes europeus que permaneceram um tempo nas regiões sul-mineiras, durante a
primeira metade dos oitocentos. Referindo-se ao uso da mão-de-obra escrava na
pecuária, em Minas Gerais, Saint-Hilaire fez uma distinção entre o Norte e o Sul da
Província. No Norte - em particular na Região a Leste do Rio São Francisco, ao redor da
hoje cidade de Montes Claros - prevalecia uma opinião convergente com a visão
tradicional da historiografia, a de que escravos e gado não se misturam bem221. Nessa
área,
“Em geral, não se gosta de confiar as funções de vaqueiro a escravos, porque os
que as exercem vivem ordinariamente longe das vistas do senhor. Os vaqueiros
são muito comumente os próprios filhos do proprietário, ou então homens livres
a quem se dá o terço do produto do rebanho” 222.

220
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do padre José Joaquim Pires. 1859. Caixa
500.
221
COSTA FILHO, M. A cana-de-Açúcar em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Instituto do Açúcar e do
Álcool, 1963. GORENDER, J. O escravismo colonial. 3.ed. São Paulo: Ática, 1980. COSTA, E. V. Da
senzala à colônia. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966. MARTINS FILHO, A., MARTINS, R.
B. Slavery in a nonexport economy: nineteenth-century Minas Gerais revisited. Hispanic American
Historie Review, v. 63, n. 3, p. 537-568, aug. 1983.
222
SAINT-HILAIRE, Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. (1830). Trad.
MOREIRA, V. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975a. (Coleção Reconquista do Brasil, v. 4), p.48.

99
No Sul, no entanto, no Vale do Rio Grande, era usual a utilização de escravos no
trato do gado. O naturalista de certa forma associa essa diferença ao fato de que o
regime de exploração do gado fosse, aqui, mais intensivo em mão-de-obra do que no
Norte, ficando os animais (e, portanto os escravos) restritos a uma área mais próxima da
sede da fazenda, e da vigilância do dono223:

“Enquanto que no sertão oriental do S. Francisco os vaqueiros são


homens livres, que vivem geralmente longe dos olhos dos patrões, (na
Região do Rio Grande) o cuidado dos animais é normalmente confiado
a escravos. Como acontece em todo o resto do Brasil que percorri, na
Região do Rio Grande não se sabe o que seja um estábulo. Todavia, os
animais não ficam entregues a si mesmos, como ocorre no sertão. Os
fazendeiros que se dedicam em escala maior à criação de gado dividem
suas pastagens em várias partes, seja por meio de fossos, seja por
palissadas (sic) que tenham pelo menos a altura de um homem. Uma
dessas divisões é para as vacas leiteiras, outra para os bezerros, uma
terceira para as novilhas e finalmente a quarta para os touros”. (SF p.
50-51).

Assim, numa fazenda perto de Carrancas, na Região de São João Del Rei, onde
pernoitou, escravos e escravas faziam a ordenha das vacas, e usavam cuias para encher
224
de leite “pequenos barris cintados de aros de ferro” . Sempre muito severo em seu
julgamento das práticas da agropecuária brasileira, o viajante condescende em
acrescentar, nessa passagem, um raro elogio:

“O gado dos arredores do Rio Grande tem justificada fama, graças


ao tamanho e força. Alimentado em ótimos pastos, às vacas dão
leite quase tão rico em nata quanto o das nossas montanhas. Com
ele se faz grande quantidade de queijos exportados para o Rio de
Janeiro”.···.

Alcir Lenharo foi um dos primeiros estudiosos a examinar a relação da mão obra
escrava com a produção pecuarista no século XIX, constatou um expressivo contingente
de escravos sendo remanejados para o setor pecuarista. De acordo com o autor, o
encaminhamento desta força de trabalho para esta atividade contribuiu para que muitos

223
Idem, p. 48.
224
Idem, p. 48.

100
fazendeiros sul-mineiros exportassem com mais facilidade os seus produtos para as
praças comerciais paulistas e cariocas225.
Sobre as produções pecuarista, Lenharo verificou que muitos cativos que
pertenciam aos senhores do Sul de Minas foram aproveitados nestas atividades, pois era
comum ver estes cativos na função de tropeiros226. Na senzala do Alferes José Joaquim
Pires, havia mancipios que foram denominados como tropeiros, provavelmente ficaram
responsáveis de fornecer os produtos que eram produzidos nesta fazenda para as praças
comerciais do centro-sul Brasileira.
Retomando as analises da tabela de n° 4, na sequência, temos os suínos, que
assumem a quarta posição entre os rebanhos que estiveram presentes nas unidades
produtivas da região. No primeiro subperíodo, esses animais estavam presentes em 44
inventários. Na segunda metade do XIX, este número subiu para 159 criadores, e,
assim, houve um acréscimo de 56,7% de pessoas dedicadas a esta criação.
O aumento da presença destes animais nas propriedades durante a segunda
metade dos oitocentos pode ser facilmente explicado pelo fato de ter sido a produção
pecuarista, nesse momento, mais voltada principalmente para o mercado exportador.
Tomando como base o relatório da presidência de província do ano de 1857, saíram de
Minas Gerais para outras províncias 1.164.529 arrobas de carne de porco227. É
importante frisar que grande parte desta produção era originária das fazendas do Sul de
Minas228. Além do toucinho e da carne de porco ser amplamente consumidos nos
mercados do centro-sul, eram insubstituíveis na dieta dos mineiros229.
Na produção pecuarista da região, merece destaque aqueles proprietários que
diversificaram mais ainda suas atividades produtivas investido na criação do rebanho
caprino230. Apesar de este animal ter sido arrolado em poucos inventários, do primeiro
para o segundo subperíodo mostrou maior presença nas unidades produtivas. Entre os
anos de 1820 a 1849, o rebanho caprino esteve presente em 31 unidades, e no período
de 1850 a 1888 estes números subiram para 61.

225
Alcir Lenharo, Tropas da Moderação, 1997, p. 69.
226
Idem, p. 70.
227
Relatório do presidente da província, enviado ao ministério dos Negócios do Império, 21/12/1857,
APM, Seção Provincial, SP-655.
228
Idem, (1857).
229
Lenharo, Tropas da Moderação, op, cit., p. 72.
230
Com relação à designação caprina, inclui também os rebanhos de ovelhas, pelo fato destes animais
atenderem o mesmo setor comercial, que é a produção de têxtil.

101
Em linhas gerais, é provável que o crescimento de propriedades com a
presença de caprinos esteja relacionado ao incremento da produção têxtil na região.
Tanto é que, entre os anos de 1850 a 1888, foi o período que mais se registrou o maior
número de rodas de fiar e tear nos processos abertos. Portanto, o aumento da criação de
caprinos é um forte indício da difusão desta produção em Baependi.
De um período para outro, o número de rodas de fiar nos inventários da região,
tem um crescimento de 70,4%. Dos 88 inventariantes que possuíam este artefato
doméstico, apenas 4 não possuíam escravos, o que demonstra que muitos senhores de
Baependi, fizeram uso desta força de trabalho para o aumento da produção têxtil.
Diante dos dados que foram até agora apresentados neste tópico, analisamos
apenas a presença destes animais nas propriedades baependienses: a média, a
quantidade e os valores destes rebanhos serão examinados a partir dos dados expostos
nas tabelas abaixo.

Tabela 5: Número médio de rebanhos por inventários (Vila de Baependi, 1820-


1888).

Rebanhos 1820-1849 1850-1888


Bovinos 18,3 34,8
Suínos 23,8 30,8
Equinos 7,5 6,7
Muares 9,8 7,9
Caprino 39,7 43,2

Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no


Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João de Rei.

Na Tabela 5, suínos e caprinos foram os que apresentaram as maiores médias


por inventários, porém, na tabela anterior, esses animais não estiveram tão presentes nas
unidades como os outros animais. Isto indica que havia muitos criadores na região que
concentravam em suas propriedades enormes rebanhos de porcos e cabras. O que
demonstra que estas produções pecuárias estavam destinadas a abastecer tanto o
mercado interno como o externo de consumo231.

231
Douglas Cole Libby, afirma que o grande sustentáculo da economia mineira no século XIX foi à
agricultura mercantil de subsistência que esteve destinas ao mesmo tempo para o mercado interno como

102
Para primeira metade do XIX (1820-1849), a média de bovinos era de 18,3
cabeças por unidades e, na segunda metade dos oitocentos, esse número quase duplicou,
subindo para 34,8. Analisando as regiões sul-mineira no século XIX, Carla Almeida,
Afonso Alencastro Graça Filho, Marcos Ferreira de Andrade e Juliano Custodio
Sobrinho encontraram medias de bovinos superiores às encontradas para Baependi.
Almeida, para a Comarca do Rio das Mortes, entre os anos de 1780 a 1822, constatou
um índice de oitenta cabeças de gado vacum por propriedades232. Graça Filho, para a
Vila de São del Rei, localizou uma média de 146 cabeças entre os anos de 1831 a 1850,
e 133 na segunda metade do século XIX233. Andrade para Vila de Campanha checou um
média de 73 bovinos entre os anos de 1803 a 1850234·. Para Freguesia Sul Mineira de
Itajubá, entre os anos de 1795 a 1850, Sobrinho constatou uma media de gado vacum de
27,8 cabeças por unidades235. Luís Farinatti encontrou uma impressionante média de
vacuns nos inventários da região de Alegrete do Rio Grande do Sul. O autor averiguou
uma média de 3.833 animais por propriedade236.
Pelo fato do termo de Baependi não ter apresentado uma média igual ou
superior destas regiões sul-mineiras, isto não reduz o dinamismo econômico que a
produção bovina teve na localidade, pois verificamos uma expressiva quantidade de
carros de bois em vários processos, num total de 447 carros movidos à tração desses
animais. Além disto, importante ressaltar que os bois de carros estavam presentes em
todas as unidades escravistas, o que demonstra a sua importância para atividades nas
fazendas.
Isto quer dizer que a difusão da pecuária bovina na região contava com a
utilização de carros movidos a tração de animais, que, certamente, eram utilizados para
transportar as mercadorias produzidas nas fazendas para os mercados. Em determinadas
situações, mulas e bestas eram substituídas pelos bois de carros. Além disso, é preciso
considerar que a utilização desses animais era fundamental para manutenção dos
engenhos que contava com sua força motriz. Sheila de Castro Faria para região de

para os circuitos comerciais fora da província de Minas Gerais. Ver: Libby, Transformação e trabalho em
uma economia escravista, op cit. p. 178.
232
ALMEIDA, Ricos e pobres nas Mina Gerais, op. Cit., p.97
233
Graça Filho, A princesa do Oeste, op. Cit., p.146
234
ANDRADE , Elites Regionais... op. Cit., p.97
235
SOBRINHO, Juliano C. Negócios internos: estrutura produtiva, mercado e padrão social em uma
freguesia sul mineira. Itajubá – 1785-1850. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ( Dissertação de mestrado), 2009, p. 152.
236
FARINATTI, Confins Meridionais, op. Cit., p. 133-136.

103
Campos de Goitacazes verificou que quase todos os engenhos eram movidos à força
animal237. Em Baependi, localizamos 40 inventários que apresentaram engenhos em
seus bens de raiz. Considerando o número de propriedade, essas unidades representaram
apenas 7,8% do total de processo238. Neste modesto universo de engenhos, dois eram
operados por cilindros e um por água.
Sobre o uso dos animais para o funcionamento de engenhos, há uma
propriedade na Vila de Baependi que merece destaque, a fazenda Morro Grande,
pertencente ao Tenente Manoel Antônio Pereira, figura de grande projeção social na
Vila de Baependi. Nessa unidade havia dois engenhos de cana avaliados em 800$000 e
um canavial calculado em 6:000$000239. De acordo com estes dados, tudo leva crer que
nas terras do Tenente Manoel Pereira, havia enormes canaviais prontos para serem
moídos. Para o desenvolvimento desta produção, este senhor contava com 45 bois de
carros e mais 65 escravos, sendo 32 em idade produtiva (14 a 40 anos), 20 crianças (3 a
12 anos) e 12 em idade avançada, de 43 a 80 anos de idade. Tendo a seu dispor toda
essa força de trabalho, é possível que o Tenente Manoel Antônio Pereira tenha obtido
bons lucros na produção do seu engenho, que, para muitos, era uma das atividades mais
seguras e que gerava maiores status para os fazendeiros240.
A produção de açúcar e aguardente na propriedade do Tenente Manoel Antônio
Pereira, parece ter sido uma importante atividade. Vimos em seu inventário aberto no
ano de 1869, quantidade de tachos, pipas, açucareiros de metais, fôrma de fazer açúcar e
alambiques, além de constarem benfeitorias próprias de um engenho. Porém, nesses
processos não foram discriminadas a produção do seu engenho, mas consultando os
inventários dos devedores do Tenente Manoel Pereira, consta que esses lhe ficaram
devendo várias sacas de açúcar e arrobas deste produto.
A plantação de cana na fazenda do Morro Queimado não estava isolada:
convivia com outras culturas que se mostraram bastantes significativas para a produção

237
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial (Sudeste,
século XVIII). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p.247.
238
Clodilte Paiva e Marcelo Godoy, no ano de 1836 encontraram na província mineira uma amostra de
320 engenhos, quase 60% produzia cachaça e cerca de 72% era movido a animais. Ver Engenhos e casas
de negócios nas Minas Oitocentistas. In: Seminário Sobre a economia mineira, 6., 1992Belo Horizonte.
Anais...Cedeplar, 1992. P.29-52.
239
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do Tenente Manoel Antônio Pereira. 1869.
Caixa 14.
240
PEDROZA, Manoela da Silva. Engenhocas da Moral: uma leitura sobre a dinâmica agrária tradicional
(freguesia de Campo Grande, século XIX). Campinas: [s.n.], 2008. (Tese de doutoramento).

104
agrária desta unidade. Nessa propriedade havia 70 alqueires de arroz, 70 de feijão, 90
carros de milho, 58 sacas de sal e 6 teares. No setor pecuarista, o Tenente Manoel
Antônio Pereira possuía 194 cabeças de gado, 17 porcos, 41 cavalos e 9 bestas241,
inclusive todos esses muares encontravam-se arreados, ou seja, prontos para transportar
as mercadorias produzidas nesta unidade para outras regiões. A importância da riqueza
acumulada por estes senhores pode ser vista no total dos bens avaliados: 183:193$520
(19.614,74 £)242.
Diante destes dados, podemos perceber que a riqueza do Tenente Manoel
Antônio Pereira, lhe permitiu apoderar-se de várias atividades econômicas, assim
evitando uma futura crise econômica. Os estudos sobre as unidades produtivas
consorciadas são bastante debatidos na historiografia243, no que se refere às fazendas
mineiras. Essas foram marcadas pela diversificação interna e pela relativa
autossuficiência, conforme observaram os irmãos Martins244.
Retomando os dados da Tabela 5, equinos e muares245 foram os que
apresentaram as menores médias por inventários. Em outra situação, vimos que esses
animais estavam presentes em quase todas as propriedades. Conjugadas essas duas
informações chegamos à seguinte conclusão, esses dois rebanhos de cargas foram os
que mais estiveram disseminadas na região, ou seja, seus baixos níveis de concentração
indicam que havia uma enorme quantidade de propriedades, não somente voltada a uma
economia de subsistência, mas eram também unidades envolvidas com a

241
A importância da riqueza acumulada por este senhor pode ser vista no total dos bens avaliados:
183:193$520 (19.614,74 £).
242
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do Tenente Manoel Antônio Pereira. 1869.
Caixa 14.
243
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. São Paulo: Símbolo, 1979. GODOY, Marcelo Magalhães.
Espaços Canavieiros Regionais e Mercado Interno – subsídios para o estudo da distribuição espacial da
produção e comércio de derivados da cana-de-açúcar da Província de Minas Gerais. X Seminário sobre a
Economia Mineiro. CEDEPLAR/UFMG. Diamantina, 2002. . Fazendas Diversificadas, Escravos
Polivalentes: caracterização sócia demográfica e ocupacional dos trabalhadores cativos em unidades
produtivas com atividades agras açucareiras de Minas Gerais no século XIX. XIV Encontro Nacional de
Estudos Populacionais. Caxambu, set.2004. CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: Produção Rural
e Mercado Interno de Minas Gerais – 1674 – 1807. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2007. . Paisagens
Rurais do Termo de Mariana. In: GONÇALVES, Andrea Lisly; OLIVEIRA, Ronaldo. (org.). Termo de
Mariana: história e documentação. Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 2004.
244
MARTINS, Roberto Borges; MARTINS, Amílcar Filho. Slavery in a nonexporteconomy –
ineteenthcentury – Minas Gerais. Hispanic American HistoricalReview. 63 (3), 1983.
245
Marcos Andrade, para a região sul-mineira de Campanha também chegou a conclusões semelhante,
observar que os muares estiveram presente em quase toda a unidade produtivas. Ver; Marcos de Andrade,
Elites Regionais e a Formação do Estado Nacional Brasileiro, p. 97.

105
comercialização e ao abastecimento de produtos. Tudo isto, contribuiu para inserção
econômica da região no amplo circuito comercial do sudeste brasileiro.

Gráfico 2: Quantidades de rebanhos por décadas (Vila Baependi, 1820-1888).

Gráfico 3: Valores dos rebanhos por décadas (Vila de Baependi, 1820-1888).

Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no


Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

106
Tomando como base os dados dos Gráficos 3 e 4, não resta dúvida de que o
gado bovino fosse de longe a principal produção pecuarista da Vila de Baependi, tanto
em quantidade quanto em valores. Além disto, também era a criação mais
mercantilizada que a de outros rebanhos.
Nota-se que no Gráfico 3, o número de bovinos foi predominante em todos os
intervalos, indicando a vocação da região para esta produção. É bastante claro que o
investimento na criação de bovinos não era absoluto e experimentou modificações ao
longo do período. Os maiores índices alçados pelo número desse animal em relação aos
outros rebanhos encontra-se nos dados referentes aos anos de 1850.
A grande difusão deste rebanho ocorreu, justamente, quando a região passava
por uma alteração em seu eixo econômico. Nessa transição, o gado aumentou
consideravelmente sua participação no rebanho total da localidade, que, de 38,8% no
primeiro período, passou para 45,1% no segundo. Com o acréscimo do rebanho bovino,
entre os anos de 1850 a 1888, ocorreu também o aumento de bois de carros, com um
crescimento de 42,3%. A ampliação de carros de bois na região, era um indicador da
dinamização da agricultura, principal atividade em que era utilizado.
Além disso, o número médio de gados bovinos por propriedades, de um
período para outro, passou de 18, para 34 animais, o que resultou na maior concentração
deste rebanho nas fazendas pecuaristas de grande porte. Isto também condiz com a
produção para o mercado. No que tange a quantidade de animais, o rebanho bovino
alcançou 42,7% do total, com relação aos valores dos animais sua importância ganha
mais relevo, apresentando um percentual de 53,5% do total. Estes dados ganham maior
destaque, ao sabermos que a Vila de Baependi estava numa das principais rotas
comerciais que conectava o sul de minas as províncias de São Paulo e do Rio de
Janeiro.
As relações comerciais de Baependi com estas províncias podem ser
apreciadas, quando no ano de 1817, alguns moradores da Vila de Santa Maria de
Baependi (MG) remeteram com o apoio do capitão-mor Manoel Pereira Pinto, um
comunicado a Câmara da Vila de Lorena, a necessidade de conserto do caminho da
Serra da Mantiqueira. Por tal via realizava-se o escoamento de produtos desta Vila sul-
mineira para Lorena e outras regiões paulistas. Segundo as palavras do próprio capitão-
mor: “Atesto, e faço certo, não só pelas representações, que me têm sido feitas, como
pelo pleno conhecimento, que tenho, que a Serra da Mantiqueira, por onde transitam
numerosas tropas e viandantes para corte do Rio de Janeiro e a cidade de São Paulo se

107
acha incapaz de se passar pelos grandes faltos e desmanchos das calçadas, que tem
motivado grandes prejuízos de animais, e que não havendo reparo se arruinará a mesma
estrada totalmente, e impossibilitará no todo a passagem, e, por conseguinte se
diminuirão os interesses reais”246.
Além dos caminhos da Serra da Mantiqueira, havia outra rota que interligava a
região de Baependi as províncias São Paulo e Rio de Janeiro, esta era a estrada de Picu,
que corta parte do termo de Baependi, onde escoava os produtos do sul de Minas em
direção ao mercado carioca247.
Antes da inauguração desta estrada, o Caminho de Baependi para a Capital do
Rio de Janeiro exigia alto custos de transporte. Contornavam uma região de serra e
encontravam a estrada geral de São Paulo e Rio de Janeiro e o caminho de Parati no
porto da Cachoeira no Rio Paraíba. No ano de 1818, muitos fazendeiros de prestígio
local da Vila de Campanha, Baependi e Pouso Alto propuseram à secretaria do Estado
um projeto para construir uma estrada que ligaria a serra da Mantiqueira às estradas que
vão em direção ao Rio de Janeiro e São Paulo. Alegaram que o encurtamento pouparia
cinco marchas de tropas (cinco dias) para aqueles que antes teriam que passar pelo
registro da Mantiqueira248.
Percebendo a extrema necessidade da abertura de novas vias terrestres, os
proprietários do Sul de Minas alertaram as autoridades da corte a quantidade expressiva
de mulas e bestas que transitavam por esses caminhos e justificaram que o encurtamento
desta estrada atenderia aos interesses econômicos dos dois lados: dos fazendeiros
mineiros e dos comerciantes da praça mercantil carioca. Tais interesses comerciais
foram atendidos na medida em que Rio de Janeiro era suprido pelos produtos advindos
das fazendas sul-mineiras249.

246
A correspondência de Antônio da Silva Prado encontra-se disponível no Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo. AESP, Ordem 232.
247
O termo de Baependi era utilizado nas formalidades comerciais do porto do Rio de Janeiro
(MAXWELL, WRIGHT & CO. Commercial Formalities of Rio de Janeiro. Baltimore: Sherwood & Co.,
1841, p. 101). “Graças às novas estradas abertas, ou reformadas, o Rio passou a portar-se como centro
drenador de gêneros de primeira necessidade e de exportação, que lhe permitia conservar o papel de
principal centro exportador do país” (LENHARO, As Tropas da Moderação, p. 48.). Cf. LENHARO,
Alcir. “Rota menor: o movimento da economia mercantil de subsistência no centro-sul do Brasil, 1808-
1831”. Anais do Museu Paulista, Tomo XXVIII, p. 29-49, 1977-78. São Paulo: USP, 1978.
248
ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO: Ofício de 28 de novembro de 1818 em que os
moradores das Vilas de Campanha e Baependi pedem licença para a abertura de uma estrada. "Junta do
Comércio". Cx. 443.
249
Lenharo, op, cit., 1979, p. 53-67.

108
Depois de tantos esforços, a estrada foi inaugurada em 1822. Com a abertura
desse novo caminho as exportações mineiras subiram para 119%, e o tabaco foi o carro-
chefe nesse mercado, chegado a representar, entre os anos de 1822-1823, 64% das
exportações. Mas o boom no Picu foi observado para outras mercadorias – a soma das
exportações de ambos os registros em 1823-1826 e 1830-1833 resultou num incremento
de remessas anuis de fumo, panos, queijos, bovinos e suínos de, respectivamente, 149%,
307%, 462%, 675% e 390%250.
A localização geográfica da Vila de Baependi e os caminhos e estradas que
interligam essa região sul-mineira às províncias Cariocas e Paulista, pode ser facilmente
observadas no mapa de 1820, feito para demarcar a proximidade que havia entre as
localidades do Sul de Minas com essas duas cidades.

250
Exportações (dados oficiais): vide Apêndice. Exportações (inclusive extravios): VEIGA, Bernardo
Saturnino da. Almanach Sul-Mineiro para 1874. Campanha: Typ. do Monitor Sul-Mineiro, 1874, p. 35.
Nota: O autor do Almanach calcula “o comércio de exportação do Sul de Minas feito por intermédio das
seguintes recebedorias: Pico, Passa-Vinte, Itajubá, Presidio do Rio Preto, Sapucahy-Mirim, Campanha de
Tolledo, Jaguary, Ouro Fino, Caldas, Jaguára, Dores do Guaxupé, Ponte-Alta e Monte Santo”, porém na
relação das rendas lista apenas dez das treze recebedorias citadas, pois “deve-se considerar como também
pertencente ao Sul de Minas parte do rendimento das seguintes estações (...): do Presidio do Rio Preto, do
Jaguára e da Ponte-Alta” (VEIGA, Almanach Sul-Mineiro, p. 47).

109
Mapa -3
Mapa dos principais caminhos de Baependi para as províncias do Rio de Janeiro e São
Paulo (c. 1820).

Fonte: Apud, RESTITUTTI, Cristiano Corte. Comércio terrestre e marítimo do fumo de Minas no século
XIX, XIII SEMINÁRIO SOBRE A ECONOMIA MINEIRA – DIAMANTINA, 2008, p. 3.

110
Mapa - 4
Estrada de Picu que dava acesso a Capital do Rio de Janeiro. (1818)

Fonte: A foto original esta sobre a guarda do Arquivo Nacional. Imagem digitalizada partir da
reprodução publicada do livro Elites Regional e a Formação do Estado Imperial Brasileiro. Minas Gerais
– Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008. p. 187.

No ano de 1855, o Barão de Pouso Alto, Francisco Teodoro da Silva, morador


no termo de Baependi, encaminhou uma solicitação para o governador da Província de
Minas Gerais, informando estado de ruína que se encontrava a Estrada de Picu, pediu as

111
autoridades políticas que reformassem este caminho com urgência251. Na lista
nominativa de Pouso Alto de 1839, soubemos que este senhor era dono de uma grande
escravaria composta por 130 cativos252. Além disso, herdou de sua sogra, Dona Izabel
Maria do Espírito Santo, um patrimônio avaliado em 200:000$000253. Nessa herança
havia escravos, terras e um imenso rebanho de bovinos e suínos. Ao cobrar do governo
de Minas o melhoramento desta estrada, o Barão de Pouso Alto, além, é claro, de
demarcar sua posição na hierarquia das elites mineiras, também tinha interesse em
expandir os seus negócios para outras localidades do centro-sul brasileiro. O caso
apresentado, não é representativo para traçarmos um real panorama da participação da
região nos circuitos comerciais do Império, porém, também não deixa de ser um
indicativo do dinamismo econômico existente na Vila de Baependi ao longo dos
oitocentos. Porém, os dados quantitativos refletidos por análises de casos poderão nos
mostrar a região num cenário mais amplo.
Retomando os dados dos Gráficos 3 e 4, apesar do gado bovino ser o maior
rebanho e o animal que mais recebeu investimento na região, outros rebanhos também
tiveram peso nas fortunas. Em quantidade, os suínos foram o segundo animal que esteve
mais presente nas propriedades de Baependi, o que demonstra que estas unidades
estavam empenhadas na comercialização dos produtos provenientes deste rebanho. Com
relações aos seus valores, não conseguiu se manter na mesma posição, foi superado
pelos muares em todas as décadas, e em alguns destes intervalos apresentou valores
menores do que os equinos.
Acentuada queda nos valores dos suínos na região, pode ser vista na primeira
metade do XIX, de acordo com os relatórios da presidência da província, entre os anos
de 1818 a 1844, estes animais tinham um preço unitário que oscilava entre 3$000 a
4$500, enquanto isso, os equinos valiam de 10$000 a 25$000254. Nos inventários post-
mortem, os valores de suínos e equinos não destoavam muito dos preços apresentados

251
Relatório apresentado ao presidente da província de Minas Gerais Venâncio José de Oliveira Lisboa
durante transmissão de cargo pelo segundo vice-presidente Francisco Leite da Costa Belém. Ano de 1855.
252
APM, Listas nominativas de Pouso Alto de 1839 – banco de dados elaborado por Clotilde Paiva,
CEDEPLAR/UFMG
253
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Dona Izabel Maria do Espirito Santo.
Ano: 1854, CX: 32.
254
Relatório sobre o Estado da Instrução Pública e particular da Província de Minas Gerais apresentado ao
presidente Conselheiro Herculano Ferreira Pena por Joaquim Ribeiro da Luz, diretor-geral interino. Data
limite: 11/03/1818 a 11/03/1818.

112
pelos relatórios. Os porcos nos processos analisados tiveram uma avaliação média de
3$600 e os cavalos de 17$000.
Infelizmente, não encontrados nos relatórios da presidência da província a
média de preço para os animais muares, mas nos inventariados, constatamos que bestas,
mulas e jumentos receberam uma avaliação média de 44$008255. Tal valorização pode
estar associada ao fato desses animais estarem aptos a serem utilizados em diversas
atividades agrícolas, especialmente para aquelas em que eram usados para transportar
mercadorias para regiões próximas e mais distantes.
O número de rebanhos suínos na região continuou se elevando durante a
segunda metade dos oitocentos. Nesse período, estes animais passaram pelo vigoroso
crescimento de 69,4%, e foi o momento onde esteve mais disseminado nas propriedades
de Baependi. Fato interessante é que esta alta produção de suínos ocorreu justamente
numa época (1850 a 1888) em que a região conheceu seu maior dinamismo econômico.
Significa que houve um aumento de propriedades dedicadas à criação deste animal, que
estavam dispostas a exportar os produtos derivados deste rebanho para outros mercados.
Novamente tomamos emprestadas as informações contidas no inventario do
Coronel José Inácio Nogueira de Sá256. Nesta unidade produtiva, havia 318 suínos,
sendo 13 capados, 80 de criar, 120 leitões e 105 cabeças de porcos em ponto de ceva.
De acordo com a descrição destes animais, nota-se que este rebanho estava em pleno
desenvolvimento, tanto que o número de animais a serem abatidos (38), indica tratar-se
de uma produção pecuarista voltada para atender o mercado consumidor.
Para escoar toda essa produção e outras que havia em suas terras, o Coronel
José Inácio Nogueira de Sá, contava com uma tropa de animais que era composta por 40
bestas arreadas e um jumento velho. Nesta propriedade havia outros muares, porém, não
foram reconhecidos como animais de tropa, tendo 16 bestas mansas, 5 burros e 5
jumentas. Tudo aponta que estes animais eram utilizados no comércio local. Para o
desenvolvimento desta produção, este senhor contava com 68 escravos em sua unidade
produtiva. Alguns tiveram suas ocupações mencionadas, sendo um feitor, nove
tropeiros, um carpinteiro, um carreiro, dois ferreiros, um arreado e um retireiro; os
demais não tiveram suas ocupações declaradas, provavelmente estavam dedicados aos
255
MINAS GERAIS, Presidência da Província. Ouro Preto: Tipografia Provincial, 1857. Disponível em:
Acesso em: 11 out. 2016.
256
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do Coronel José Inácio Nogueira de Sá.
Ano: 1854. Caixa: 40.

113
trabalhos nas roças. Pelo visto, trata-se de uma escravaria bastante hierarquizada, onde
havia cativos que mobilizavam mais recursos do que os outros “parceiros de
escravidão”257.
O número de escravos atuando como tropeiros indica que nessa propriedade
exportava-se uma enorme quantidade de produtos destinados aos mercados. Como já
havíamos demonstrado através do trabalho de Alcir Lenharo, na província de Minas
Gerais, em especial no Sul de Minas, é comuns cativos aparecerem na testa de tropas ou
na função de tropeiros.
Alcir Lenharo, em seus estudos sobre as tropas de Minas Gerais, afirma que a
totalidade dos empregados das tropas é bem superior aos das boiadas e “porcadas”. E a
participação de escravos era bastante expressiva: entre os 89 camaradas havia 69
cativos. A maior presença de cativos em relação aos livres nas tropas pode ser
facilmente explicada pelo fato desses transportarem maior quantidade de gêneros de
exportação. Consequentemente, eram cargas advindas de propriedades onde o trabalho
era composto basicamente pela mão de obra escrava, utilizada no período pós-imediato
à safra e processamento do produto258.
Além do alto volume de suínos espalhados pelas terras do Coronel José Inácio
Nogueira de Sá, havia nessa unidade 80 carros de milhos – certamente, parte desta
produção era utilizada para engorda desse rebanho. Portando, estamos diante de uma
propriedade em que a criação de porcos, a produção do milho e a mão de obra cativa se
articulavam259.
Pelos dados disponíveis não temos total segurança em afirmar qual era o
destino destes produtos. No entanto, acreditamos que a produção pecuária desta unidade
(suínos), tenha atendido a vários mercados locais e outros mais distantes, como as
praças comerciais Paulista e Carioca.

257
Sobre hierarquia na senzala, ver: FRAGOSO, João R. L. Efigênia Angola, Francisca Muniz forra
parda, seus parceiros e senhores: freguesias rurais do Rio de Janeiro, século XVIII. Uma contribuição
metodológica para a história colonial. Topói, v. 11, n. 21, 2010, p. 74-106.
258
LENHARO, As Tropas da Moderação, 1979, op, cit., p.54. Ver também: BURTON, R. Viagens aos
planaltos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nacional, (Coleção Brasiliana, v. 197). 1941. CALÓGERAS,
P. Transportes Archaicos. In: Estudos Históricos e Políticos. (Coleção Brasiliana, v. 74). 1927. DORNAS
FILHO, J. Aspectos da Economia Colonial. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959. ZAMELLA, M. O
abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: USP, s.d.
259
Os aspectos produtivos desta fazenda esta de acordo com as características da economia mineira
apontada por Slenes, onde “exportação indireta do milho no lombo dos rebanhos suínos, poderia ser algo
que tornava este produto um gênero agrícola que abastecia o mercado externo. Ver: Robert Slenes, Os
múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX, p. 481.

114
Ao associarmos os dados aqui disponíveis com os resultados encontrados por
outros historiadores sobre a produção de suínos na pecuária mineira, as afirmações
acima se tornam mais confiáveis. De acordo com os estudos de Claudia Chaves, os
suínos foram os principais produtos de exportação da Capitania de Minas Gerais.
Segundo a autora, as porcadas não movimentavam somente nos mercados mineiros: os
suínos eram também comercializados nas capitanias vizinhas. Os pecuaristas praticavam
uma criação extensiva, ocupando grandes terrenos. Além disto, havia uma grande
produção deste rebanho nas Comarcas do Rio das Mortes, Rio das Velhas e Serro Frio.
Chaves, ao analisar os registros de passagem, percebeu uma grande disputa entre os
atravessadores pelo controle do milho. Tal rivalidade era movida pelo fato do milho
contribuir para a manutenção dos rebanhos, pois se utilizavam do farelo do milho para a
engorda dos porcos e dos animais de cargas260. As propriedades mineiras que
conseguissem conjugar esses itens (porcos, milhos e bestas), e contando com uma
expressiva mão de obra escrava, provavelmente conseguiram exportar as suas
produções para vários mercados.
Os estudos que foram realizados sobre a economia mineira na década de 1980
tentaram explicar o grau de mercantilização da província de Minas Gerais e sua
impressionante população escrava. O maior embate sobre esta questão se deu entre
Roberto Martins e Robert Slenes261. Martins argumenta que a escravidão na província
mineira foi sustentada por um mercado auto consumidor e de diversidade interna, sem
recorrer à economia exportadora262. Em posição contrária, Slenes questiona a conclusão
de uma economia interna que seria responsável pela geração de recursos necessários
para a aquisição de cativos. Defende que Martins reduz demasiadamente o peso do setor
exportador nas Minas Gerais263.
A crítica feita por Robert Slenes quanto à importância do setor exportador se
traduz em duas afirmações básicas: em primeiro lugar, o lucro advindo das exportações
de ouros e diamantes possibilitaria um senhor importar mais escravos. A segunda
afirmação consiste que o mercado exportador não deve ser compreendido somente pelos
produtos diretos dos gêneros exportáveis (como café, açúcar e tabaco), mas por vários
setores produtivos que abastecem e viabilizam os empreendimentos destinados ao
260
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos negociantes: mercadores das Minas Setecentistas. São
Paulo: Annablume, 1999.
261
MARTINS, Minas e o Tráfico de escravos no século XIX, op, cit., p. 15.
262
SLENES, Múltiplos de porcos e diamantes, op cit. p. 485.
263
Idem, p. 484.

115
mercado mundial. Desta forma, a criação de gado, porcos e de toda sorte de gêneros de
abastecimento deveria ser computada como setores ligados à exportação264.
Com isto, Slenes esclarece que tal economia de exportação tinha efeitos
multiplicadores sobre o mercado interna na medida em que criava uma grande demanda
sobre vários produtos que eram comercializados na província mineira. Um destes ativos
era a criação de rebanhos suínos e a produção de milho, sendo um dos setores da
economia de Minas Gerais que se articulavam. Neste caso, a produção de milho não era
exportada de forma in natura, mas era a principal fonte de alimento para a criação de
porcos. No lombo destes animais, o milho transformava-se em um produto que atendia a
várias praças regionais e provinciais do sudeste brasileiro 265.
Retomamos as análises do Gráfico 4, com relação aos muares, já vimos como
esse rebanho esteve valorizado na região. No que se trata do número desses animais, por
décadas percebemos mudanças na sua composição. Da primeira para segunda metade
dos oitocentos, os muares passavam por um significativo crescimento, de 31,8% para
68,2%. O aumento desses animais de carga entre os proprietários confirma uma maior
mercantilização da produção agropecuarista em Baependi, entre os anos de 1850 a 1888.
Os muares eram criados com a finalidade quase que exclusivamente comercial.
No século XIX, as mulas tinham como principal destino a feira de Sorocaba, onde eram
comercializados para outra região, em especial para a província de Minas Gerais266. Ao
longo deste período, o Sul de Minas foi uma das regiões mineiras que mais importou
esse rebanho. Os proprietários que detinham um número expressivo desses animais
compunham tropas para escoar suas produções para outras localidades267. Saint-Hilairé,
que viajou duas vezes pelo Sul de Minas, foi quem descreveu com detalhes as formas
específicas deste comércio regional. De acordo com o viajante, os fazendeiros do Sul de
Minas Gerais tinham suas próprias tropas (de mulas e bestas) compostas por 14 animais
de carga e, em geral, faziam uso do trabalho dos seus filhos tropeiros268.
É importante ressaltar que a elevação do número de tropas ocorreu em um
período em que região mantinha relações comerciais estreitas com a Corte do Rio de
Janeiro. De acordo com o relatório do presidente da província de Minas Gerais, no de
264
Idem, p. 485.
265
Idem, p. 486.
266
BADDINI, Cassia Maria. Sorocaba no Império: comércio de animais e desenvolvimento urbano. São
Paulo: Fapesp; Annablume, 2002.
267
LENHARO, As tropas da Moderação, 1979, op. Cit., p.50-56.
268
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975b.

116
1857, a Vila de Baependi exportava para a Capital do Império, milho, feijão, arroz,
tabaco, porcos mortos e em pé, gado vacum e queijos. Segundo os relatos das
autoridades locais, essas mercadorias eram transportadas para a província carioca nos
lombos de bestas, que eram formadas por várias tropas com destino para esta praça
comercial269.
Os equinos foram o terceiro rebanho mais comercializado na região. Também
como os outros animais passaram por significativo crescimento. Entre os anos de 1850
a 1888, período de maior dinamismo na localidade, os cavalares tiveram um aumento
de 28,7%. Interessante que em quase todos os inventários, havia a presença de bovinos
e equinos, o que já era de se esperar, considerando a necessidade de cavalos de serviços
para os custeios do gado. Por este e outros motivos que já foram apontados nesta
pesquisa, à participação do rebanho cavalar nos inventários da região se mostrou mais
estável ao longo tempo.

- Produções agrárias em evidências.

O tópico anterior preocupou-se em caracterizar a produção pecuarista existente


na região. Esta análise revelou que a criação de rebanhos teve um papel destacado no
mundo rural baependiense oitocentista, sendo um dos setores produtivos que mais
dinamizou a economia da região. O gado bovino e os suínos somados a uma expressiva
quantidade de muares e equinos foram os rebanhos que mais tiveram destaque na
produção pecuarista da Vila de Baependi. Portanto, a articulação destas produções
contribuiu para que a referida Vila participasse dos mais importantes circuitos
comerciais do Sudeste Brasileiro.
Para a seção que ora se apresenta, pretende-se examinar a produção alimentar
que se desenvolveu na Vila de Santa Maria do Baependi. Procuraremos demonstrar
quais foram às plantações de alimentos mais produzidas e comercializadas nas
propriedades da região. Com as fontes de que dispomos, a análise sobre esse horizonte
agrário não será tarefa fácil, principalmente se pretendermos fazer conclusões mais
generalizadas. Os inventários que serão investigados para este estudo apresentam
269
Relatório apresentado ao presidente da Província de Minas Gerais Venâncio José de Oliveira Lisboa
durante transmissão de cargo pelo segundo Vice-Presidente Francisco Leite da Costa Belém. Notação: PP
-REL-058, Ano: 1857.

117
algumas limitações para estas abordagens. No que concerne às plantações, o
falecimento dos inventariados poderia ocorrer num momento de entressafra ou
finalização da colheita, onde não mais existiriam as plantações daqueles produtos em
sua unidade. No que tange aos alimentos, essa subestimação ainda é maior com relação
à quantidade apresentada por esses bens: em muitos casos, os avaliadores não
consideravam os gêneros agrícolas que poderiam ser adquiridos nos mercados e nem os
que foram comercializados antes do falecimento dos inventariados. Na maioria das
vezes, contabilizavam o que estava presente no momento de abertura dos processos270.
Para caracterizar a produção agrária que se desenvolveu na Vila de Baependi,
trabalharemos com quatro corpos documentais, a saber: os inventários post-mortem, os
Relatórios da Presidência da Província, e os Almanaques do Sul de Minas (1864, 1870,
1874, 1885, 1888) e os registros de passagem da estrada de Picu. Cruzando estas
documentações foi possível saber como funcionava o sistema agrário da região.

Tabela 6: Variedades de plantações por inventários (Vila de Baependi, 1820-1888).

Produtos 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 Totais


Arroz 4 2 5 7 20 8 7 53
Feijão 4 2 8 6 18 11 10 59
Sal 2 2 5 7 4 6 6 32
Milho 5 6 10 15 35 24 23 117
Fumo 8 7 10 7 10 7 5 53
Açúcar 2 2 3 6 11 3 5 32
Algodão - - - 3 2 3 2 10
Café - - 2 1 4 2 3 12
Mandioca - - 1 1 3 3 8 16
Trigo - - 1 - - 1 - 2
Mamona - - - - - 2 - 2
Polvilho - - - 1 - - - 1
Farinha - - 2 2 2 3 - 9
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

270
Em alguns relatórios de província de Almanak industriais mineiros muitos produtores de alimentos da
região de Baependi, aparecem comercializando um volume significativo de mercadorias, porém, essas
produções não foram comtempladas em seus inventários.

118
Pela forma que estão distribuídas as plantações na Tabela de n° 6, podemos
perceber quais foram os produtos mais cultivados na região e como estes plantios
estavam consorciados. Digo isto, pois 64% dos inventariados da região produziram em
suas propriedades diversos tipos de gêneros alimentícios voltados para o consumo
interno e para atender as necessidades básicas dos mercados locais e provinciais. Além
disto, é importante dizer, que estas propriedades produtoras de alimentos estavam
também dedicadas produção pecuarista, ou seja, investiram na criação e na
comercialização de vários rebanho de animais.
Sobre estas produções consorciadas, Alcir Lenharo nos esclarece que se trata
de fazendas sul-mineiras que tinha uma produção agropecuarista destinada a abastecer
as praças locais e os mercados fora da província mineira. Segundo o autor, os produtos
advindos destas atividades rurais eram escoados através das estradas do Comercio (Rio
Preto), da Polícia, do Caminho Novo e do Picu. A produção das propriedades sul-
mineiras era maciça quando aos gêneros de subsistência, remediam-se, queijos, gado
vacum, suínos (toucinhos), carnes salgadas, além de exportar um significativo volume
de fumo para a cidade do Rio de Janeiro271. Em vista deste comercio, certamente a
região em estudo foi favorecida por estas rotas, pois os caminhos cortavam o Termo de
Baependi permitindo que fosse servidos por estes diversos canais de escoamento, no
qual fazia uso destes (em especial a estrada de Picu) para exporta os seus produtos para
vários mercados do sudeste Brasileiro.
Segundo Alcir Lenharo, a construção das estradas no Sul de Minas se
constituía em veículos de normatização das condições de abastecimento do mercado
Carioca e da projeção da ação integradora do centro-sul, com isto, o Rio Janeiro
tornava-se o polo drenador de gêneros de abastecimento do sudeste brasileiro272. De
acordo com Lenharo, a precisão do Rio de Janeiro em consumir produtos agrícolas de
primeira necessidade, justifica-se pela irradiação da economia cafeeira que gerou o
271
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. O abastecimento da Corte na formação política do Brasil
– 1808-1842). Rio de Janeiro: SMC, 1993 p.62-75. Douglas Cole Libby, examinando as atividades
produtivas de Minas Gerais, afirma que nesta província suas escravarias não estavam voltadas para as
atividades de exportação, mas sim nas produções voltadas ao abastecimento dos mercados locais,
conformando um complexo agropecuário mercantilizado. Ver: LIBBY, Douglas. Transformação e
Trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais século XIX. São Paulo. Brasiliense: 1988, p.14 A
complexidade do sistema agrário sul Mineiro foi também demonstrado por João Fragoso em seus estudos
sobre o mercado interno no sudeste Brasileiro. Ver: FRAGOSO, João L. R. Homens de grossa aventura –
Acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998.
272
Lenharo, 1979, p. 30.

119
aparecimento de grandes propriedades escravista especializadas em sua produção, este
processo causou uma restrição ainda maior à produção de gêneros de primeira
necessidade, agravando o problema do abastecimento no mercado carioca. Tal situação
ganhava contornos novos à medida que as mesmas propriedades cafeeiras abarrotadas
de escravos, convertiam-se em centros de consumo carentes de gêneros agrícolas de
primeira necessidade. Casos extremos de quadro iriam ocorrer nos inicios dos anos de
1850, quando a produção do café chegava a níveis mais altos, generalizando a falta de
comestíveis a um ponto de saturação273.
Retomando as analises dos dados da tabela de n° 6, percebe-se que o milho foi
o gênero agrícola mais citado nos inventários da localidade, apareceram 117 processos,
mas como já alertamos o fato de ser o produto mais cultivado em Baependi, não esteve
isolado de outras produções, pois esta plantação era cultivada junta as demais. Em
vários documentos constatamos a presença de moinhos, monjolos, pilões, fornos e
tachos, indicando a presença do milho. Além disto, encontramos 69 inventários que
arrolaram carros de milho sem nenhuma plantação destes produtos. Provavelmente,
esses inventariados teriam alugado terras para cultivá-lo, com o objetivo de angariar
recursos provenientes da comercializado do milho na região.
Dividindo espaço com outras plantações (e com vários tipos de rebanhos),
temos o feijão e o arroz, que foram mencionados em poucos inventários. Se somarmos
estes dois plantios, não superaram as plantações de milho. Pesquisando os registros de
passagem das Comarcas Mineiras do Rio das Velhas e Serro Frio ao longo do século
XVIII, Claudia Chaves constatou quantidades mínimas de arroz e feijão nesses
registros. De acordo com a autora, esses produtos agrícolas, sobretudo o feijão, faziam
parte da alimentação básica dos mineiros. Ao que parece, esses alimentos eram
largamente cultivados em pequenos roçados, dispensados para o comércio de longa
distância. Segundo Chaves, “isto nos faz pensar que o feijão, produto alimentar
indispensável, não era alvo de uma especialização comercial, dado o fato de ser
amplamente cultivado e de haver ao redor das Vilas o que hoje podemos chamar de um
cinturão verde”. Sobre o cultivo destes produtos, Chaves considerou os relatos do Saint-
Hilaire, que confirmou que em Minas Gerais no ano 1816, feijão e arroz eram vistos
como os principais alimentos que compunham a mesa dos mineiros. Além disso,

273
Idem, p. 38.

120
segundo o viajante francês, o comercio destes produtos não se constituiu como um ramo
especializado do mercado mineiro274.

274
Ver: SAINT-HILAIRE, 1975, op. Cit., p.96.

121
Tabela 7: Diversificação e quantidade de plantações na Vila de Baependi, entre
1820 a 1888.
Produto Medidas Quantidade
Alqueires Plantados 644
Arrozal 15
Roça 7
Arroz Litros 660
Alqueires Plantados 1.374
Roça 6
Feijoal 12
Feijão Litros 462
Alqueires Plantados 1.533
Carro de Milho 2.108
Roça 40
Cargueiro 200
Milho Planta de Milho 350
Arrobas 10.109
Pés 43.500
Paus de fumo 388
Fumo Fumal 11
Sacas 1.607
Bruacas 57
Arroba 1
Sal Cargas 27
Arroba 333
Sacas 4
Algodão Algodoeiro 1
Arroba 253
Litros de Açúcar Branco 24
Barril de Aguardente 139
Sacas 2
Alambique 6
Canavial 30
Açúcar Engenhos 51
Pipas de Aguardente 7
Alqueires Plantados 113
Arroba 548
Cafezal 3
Sacas 5
Café Pés 130.000
Alqueires Plantados 7
Mandioca Mandiocal 6
Cargas 17
Trigo Alqueires Plantados 3
Fonte: Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados
no Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

122
O quadro encontrado por Claudia Chaves sobre a agricultura mineira no século
XVIII refletiu sobre o que foi averiguado para Vila de Baependi durante o XIX. De fato,
arroz e feijão aparecem mencionados em poucos inventários, encontramos em 56
processos o primeiro e o segundo em 50, porém, essas culturas agrícolas demonstraram
extensos cultivos nas propriedades da região. Arroz foi plantado em 644 alqueires e o
feijão em 1.374, o que demonstrou uma significativa produção alimentar.
Diante deste cenário há um dado importante: a maioria das pessoas que
cultivavam arroz e feijão era grandes senhores de escravos, com uma média de 27
cativos por unidades. No entanto, estas plantações foram fundamentais para a
manutenção dessas escravarias, pois o cultivo desses alimentos atendia a dieta básica
dos escravos.
Entre os senhores que possuíam extensas plantações, temos o Major José
Ribeiro da Luz, que detinha 70 alqueires de feijão e 400 alqueires de milho (com 30
carros de milhos). Como vimos, estudos tem afirmado que o plantio de feijão na
Capitania/Província de Minas Gerais era mais destinado ao consumo doméstico, ou seja,
era um produto que atendia à dieta básica dos escravos e, mesmo, dos senhores. Mas
pela quantidade de alqueires de feijão que existiam na propriedade do senhor José
Ribeiro da Luz, podemos afirmar com segurança, que parte desta plantação junto com a
produção de milho, foram utilizados para atenderem os mercados vizinhos, seja da
província mineira ou de fora dela275.
Para atingir tal nível de produção, foi preciso que o Major José Ribeiro da Luz
contasse com a força de trabalho de 93 escravos, além disto, era importante que
garantisse aos seus subalternos um alto consumo alimentar. Nesse processo, o plantio
do milho e do feijão nesta unidade foi essencial para atender as demandas alimentares
do cativeiro. Assim, suprindo tais necessidades, haveria maior produção nesta fazenda.
A respeito da provisão de mantimentos para os cativos, Rafael Marquese
analisando a o “Manual do agricultor Brasileiro”, de Carlos Augusto Taunay, do ano de
1839276, salienta que neste manual, os senhores eram orientados em promover uma boa

275
VON WEECH, J. Friedrich. Agricultura e o comércio no sistema colônia. São Paulo: Martins Fontes,
1992. LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Nota a respeito de medidas de grãos utilizadas no
período colonial e as dificuldades para a conversão ao sistema métrico. In: Boletim de História
Demográfica, ano VIII, n. 21, março 2001.
276
TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. (2a.ed.) Rio de Janeiro, Typographia
Imperial e Constitucional, 1839. De acordo com Rafael Marquese, o Manual do agricultor brasileiro
inaugurou uma forma inédita de encarar a administração do trabalho escravo nas propriedade rurais
brasileiras com mais racionalidade. Tudo isto implicava numa de dirimir os conflitos que poderiam

123
alimentação para seus cativos, objetivo deste pratica consistia no aumento da produção
das suas lavouras. Esta proposta centrava-se na possibilidade de elevar a fertilidade dos
solos por meio da produção de mais adubo e aumentar a oferta de mantimentos para os
escravos. Segundo Marquese, Taunay alerta, que a boa alimentação não bastava para se
obter uma mão obra vigorosa, era preciso vestir e alojar convenientemente os seus
cativos, ou seja, em senzalas secas e arejadas que apresentasse um bom estado de uso,
pois assim os senhores teria em suas mãos uma força de trabalho mais saudável277.
Pelos dados que temos sobre a escravaria do Major José Ribeiro da Luz, é
provável que o mesmo estivesse ciente destas obrigações, tanto é, que dos 93 cativos
que habitavam a sua senzala, apenas três foram discriminados em seu inventário com
algum problema de saúde relacionado ao trabalho no eito, os demais se encontravam em
pleno vigor físico e aptos para realizar diversas tarefas em sua unidade produtiva. Assim
acreditamos que, o amplo suprimento de comidas que recebiam nesta fazenda, além de
torna-los mais sadios foi um recurso que contribuiu para o funcionamento desta
propriedade. Desta forma, alimentação diária seria uma das melhores fontes que
asseguraria a fidelidade e a utilidade destes escravos.
Além da alta produção de alimentos na fazenda do Major José Ribeiro da Luz,
havia também uma expressiva produção pecuarista. Esse senhor era dono de um
rebanho composto por 61 cabeças de gados (com 10 carros de boi), 27 porcos (4
cevados) e 30 carneiros, 15 cavalos e uma tropa de 11 bestas arriadas. Como muitos
senhores do Sul de Minas, acabou fornecendo viveres para a cidade do Rio de Janeiro,
especialmente o comercio de carnes verdes, que, a partir de determinado momento,
atendeu também à região cafeeira em expansão no Vale Paraíba paulista e
fluminenses278.

ocorrer entre os escravos como membros da casa grande. Ver Rafael Marquese, Feitores do Corpo e
Missionários da Mente, 2004, p.279.
277
MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e
controle dos escravos nas Américas – 1860-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 135-139.
278
Sobre o comercio de carne verde ver: LINHARES, Maria Yedda Leite; SILVA, Francisco Carlos
Teixeira da. História da Agricultura Brasileira: combates e controvérsias. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MARCONDES, Renato Leite. "Formação da rede regional de abastecimento do Rio de Janeiro: a
presença de negociantes de gado (1801-1811)". Topoi. Rio de Janeiro: 2001. CAMPOS, Pedro Henrique
Pedreira. Nos caminhos da acumulação: negócios e poder no abastecimento de carnes verdes para a
cidade do Rio de Janeiro, 1808-1835. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de
PósGraduação em História da UFF. Niterói, 2006. Há uma pesquisa de mestrado defendida recentemente
que trata do comercio de carne verde na Imperial Fazenda de Santa Cruz do Rio de Janeiro: MORAES,
Edite. O comércio das carnes verdes e a transformação socioeconômica da Imperial Fazenda de Santa
Cruz com a construção do Matadouro Industrial (1870-1890). (Dissertação Mestrado), Programa de Pós-
Graduação em História - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2017.

124
Retomando os dados da Tabela 7, dentre os produtos agrícolas que acabamos
de identificar, temos a produção do café, no qual encontramos 548 arrobas, 113
alqueires, 5 sacas, 3 cafezais e 10.000 pés deste gênero. Mas isso não significa que a
cafeicultura foi à atividade econômica mais relevante da região, pois essa produção
estava mais concentrada do que disseminada. Se olharmos novamente para a Tabela de
n° 6, veremos que foram apenas 12 inventariantes envolvidos nesta atividade. Deste
modo, esta pequena produção cafeeira na região estava inserida num mosaico de
atividades agrícolas alimentares279.
A produção cafeeira começou a aparecer de forma bastante modesta a partir da
segunda metade dos oitocentos. Entre os processos analisados nesse período, apenas o
inventário de João Antônio de Paiva contemplava o café como principal atividade
econômica, pois na sua unidade não havia outro gênero dividindo espaço com esse
produto. A riqueza líquida desse senhor era 38:665$010 (£ 4.172,59)280, o que sugere
que a produção cafeeira em suas terras tenha lhe rendido bons lucros. Nessa propriedade
havia 27 escravos que produziram 2.500 pés de café, algo equivalente 125 arrobas de
café281, uma produção bastante irrisória comparada o que foi encontrado por Thiago
Campos Pessoa nas propriedades do Comendador Barão Joaquim José de Sousa Breves
(mais conhecido como o Rei do Café). Na fazenda do Pirahy, 10.780 escravos
produziram 521,5 mil arrobas de café282.
Nota-se que a região estudada por Thiago Pessoa estava voltada para uma
produção especializada, algo diferente encontrado na localidade em exame. Na Vila de
Baependi, havia economia mercantil de subsistência que produzia uma gama gêneros
agrícolas que comercializar o seu excedente com os mercados locais e com outras
praças comerciais do centro-sul. Como já salientamos o fluxo deste excedente
279
Afonso Alencastro para Vila de São João dele Rei, entre os anos de 1830 a 1885, encontrou apenas
sete inventários que declarava entre seus bens de raiz a existência de cafezais. Ver; Princesa do Oeste,
p.128.
280
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de João Antônio de Paiva, Ano: 1861, cx:
12.
281
Segundo Stein uma arroba de café corresponderia a 14,4 quilogramas . Sobre as medidas de
conversões nos baseamos nos cálculos empreendidos por Stanley Stein, consultando o seu livro,
Vassouras. Um município brasileiro do café, 1850-1900. 1ª ed., 1957; trad. port.. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990. Ver outras obras que nos apresenta estes cálculos. VALVERDE, Orlando. A fazenda de
café escravocrata no Brasil. 1ª ed., 1965. In: Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: Vozes,
1985. SIMONSEN, Roberto. Aspectos da história econômica do café. São Paulo: Separata da Revista do
Arquivo, 1940.
282
LOURENÇO, Thiago Campos Pessoa. A Indiscrição como ofício: o complexo cafeeiro revisitado (Rio
de Janeiro, c.1830 - 1888). UFF: Programa de pós-graduação em História, Tese de Doutorado, 2015, p
188.

125
comercializado regionalmente era orientado para atender as demandas consumidoras da
corte do Rio de Janeiro283.
Em 1867, ano da abertura do inventário do Coronel Teodoro Carlos da Silva284,
encontramos registrado nesse processo 130 mil pés de café. Soubemos que este produto
não foi plantado na Vila de Baependi, mas, sim, na região paulista de Querluz. Em
Baependi, esse senhor esteve envolvido com vários setores da agropecuária, como a
criação de rebanhos bovinos, suínos e muares. Além disso, monopolizou uma extensa
área para o cultivo de 100 alqueires de feijão e de 400 de milho. Pelo fato desse senhor
ter escolhido a região de Baependi para diversificar a sua produção, é prova que a
localidade em estudo tinha vocação para as atividades consorciadas.
Outros inventariados que produziram café em suas propriedades faziam
juntamente com plantação de outros alimentos e com a criação de rebanhos, o que
demonstra que as unidades produtivas predominante na região era aquela que conjugava
a produção agrícola com a pecuária.
Os outros produtos relacionados nas Tabelas 6 e 7 foram importantes para a
composição da estrutura agrária da localidade, como a produção de açúcar.
Encontramos nos inventários analisados 65 (12,7%) propriedades envolvidas na
fabricação deste produto. Esse universo era representado por 30,7% das grandes
escravarias, que detinham uma média de 60 escravos por unidades produtivas. Estudos
desenvolvidos para o plantio de cana de açúcar na Colônia apontam que tal atividade
demandava maior mão de obra cativa285. Talvez isso explique a alta concentração de
cativos nas unidades produtora de cana na região.
Examinando a relação de engenhos no ano de 1836, Clodilte Paiva e Marcelo
Godoy dão o número de 8 engenhos existentes na Vila de Baependi286. Já o relatório do
presidente da província de Minas Gerais de 1855, indica que na região sob análise
283
Lenharo, 1979, p. 23.
284
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Coronel Teodoro Carlos da Silva, Ano:
1867, cx: 12.
285
Stuart B. Schwartz, Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial, São Paulo,
Companhia das Letras, 1988, p. 144-176. . “A sociedade do açucar”, Parte III (capítulos 9,10, 11 e
12), Segredos Internos, engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo, trad. port., Companhia da
Letras, 1988 (1985). pp. 209-279.: GODOY, Marcelo Magalhães. No país das minas de ouro a paisagem
vertia engenhos de cana e casas de negócio – Um estudo das atividades agras açucareiras tradicionais
mineiras, entre os Setecentos e os Novecentos, e do complexo mercantil da província de Minas Gerais.
São Paulo: FFLCH/USP, 2004. Tese de doutorado.
286
PAIVA, Clotilde Andrade; GODOY, Marcelo Magalhães. “Território de Contrastes: Economia e
Sociedade das Minas Gerais do século XIX” in História e educação, homenagem à Maria Yedda Leite
Linhares, Rio de Janeiro: Mauad e Fazer, 2001.

126
haviam18 engenhos, sendo 17 para fabricação de aguardente e 1 de rapadura287·. Por
fim, o Almanaque administrativo, civil e industrial do Sul de Minas realizado durante a
segunda metade dos oitocentos, aponta que no ano de 1874 havia nas Freguesias rurais
do Município de Baependi, 47 engenhos288. Esse número não destoa muito do que
encontramos nos inventários, uma quantidade 39 engenhos289.
Como o café, a produção de açúcar na região não era uma atividade isolada.
Um senhor dono de engenho desenvolvia outras produções em sua unidade, como
criações de animais e o cultivo de diversos alimentos. Este parece ser o caso do Alferes
Francisco José de Carvalho Simões, inventariado no ano de 1872 e figura de grande
projeção na Vila. Tal notoriedade pode ser justificada, pelo fato desse senhor ter
controlado uma extensa rede de crédito e ter conseguido manter um plantel composto
por 62 escravos, além de possuir um patrimônio avaliado em 180:260$010290, que o
colocava entre os homens mais ricos da localidade.
Pelo fato da propriedade do Alferes Francisco José de Carvalho Simões
apresentar complexo agrário composto ao mesmo tempo por produções consorciadas e
especializadas, achamos melhor montar um quadro que demonstre como o cultivo da
cana de açúcar dividia espaços com um mosaico de produções agrícolas.

287
Relatório que a Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou na 2.a sessão ordinária
da 10.a legislatura de 1855 o presidente da província, Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos. Ouro
Preto, Typ. do Bom Senso, 1855. Disponível na internet em <
http://www.crl.edu/content/brazil/mina.htm>, acesso em janeiro de 2004.
288
MARTINS, A. de Assis. Almanak administrativo, civil e industrial da província de Minas Gerais do
anno de 1869 para servir no de 1870. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1870.
VEIGA, Bernardo Saturnino da. Almanach Sul Mineiro. Campanha: Tipografia do Monitor Sul Mineiro,
1874. . Almanach Sul Mineiro. Campanha: Tipografia do Monitor Sul Mineiro, 1884. MARQUES,
César Augusto; VEIGA, Luís Francisco da. Parecer da Comissão de História acerca da obra de Bernardo
Saturnino da Veiga. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB, t. 3,
v. 61, 1880. p. 404 – 406.
289
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventários da Vila de Baependi, 1820-1888.
290
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de Alferes Francisco José de Carvalho
Simões, Ano: 1872, cx: 29.

127
Quadro 3 : Produções da Fazenda Porto Calvo, propriedade do Alferes Francisco
José de Carvalho Simões.

Produção açucareira Criações Plantações Ferro Escravos
75 Gados 2 Alqueires de 40 Arrobas ferro
Engenho de Cana com Cilindros Bovinos Arroz novo
11 carros de 15 Alqueires de 18 Libras de
1 Alambique boi Feijão ferro novo
30 Alqueires de 1 Tenda de
153 arrobas de Açúcar Branco 28 porcos Milho Ferreiro 62
40 Carros de
1 arroba de açúcar mascavo 2 Cavalos milhos -
19 Bestas 88 Alqueires de
42 barris de Cachaça arreadas Mamona -
5 Vacas para
3 Pipas cortes 40 paus de fumo -
- - 6 sacas de sal -
12 arrobas de
- - algodão - -
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

Repare que na Fazenda do Porto do Calvo, o açúcar e a aguardente291 eram as


principais atividades dessa unidade. Tais produções podem ser atestadas pela presença
de equipamentos e benfeitorias próprias de um engenho, como tachos, caldeirões,
fôrmas de fazer açúcar, um alambiques e três pipas. Todos esses utensílios geraram para
esse senhor, 153 arrobas de açúcar branco, 1 arroba de açúcar mascavo e 42 barris de
cachaça. Para que alçasse toda essa produção, o Alferes Francisco José de Carvalho
Simões teve que contar com um expressivo contingente de cativos pertencentes ao seu
plantel.
Mas, de acordo com os dados expostos no Quadro 3, percebemos que o senhor
Francisco José de Carvalho Simões investiu em outros setores da economia rural, o que
demonstra que parte desta mão de obra estava alocada em outras atividades produtivas
existentes nessa unidade. Tanto é, que no inventário desse senhor, muitos dos seus

291
De acordo com Ernest Labrousse, a proposito da cachaça, pode se repetir o sobre o papel
desempenhado pelo vinho na economia francesa, um produto destinado ao mercado, através do qual o
camponês penetra nos mercados locais. Ver LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et
des revenusem France au XVIII siècle. Paris: Dalloz, 1993. Trad. Espanhola. Fluctuaciones economicas e
historia social. Matrid: Tecnos, 1980, 367.

128
cativos foram descritos como “aptos a todos os trabalhos de roça”; certamente estavam
qualificados para exercerem diversas de funções sobre esse setor292.
Portanto, a diversidade econômica e a complementação das atividades
desenvolvidas na propriedade do Alferes Francisco José possibilitaram a inserção dessa
unidade produtiva no comércio em nível muito mais elevado e em relação à de outros
segmentos de menor diversificação. Obviamente nem todas as propriedades
apresentaram o mesmo nível de produção encontrado na fazenda do Alferes Francisco
José de Carvalho Simões, e também, nem todo senhor dono de engenho em Baependi
era possuidor de um enorme plantel de cativos. Segue abaixa as faixas de planteis onde
havia engenhos.

Tabela 8 : Plantéis escravistas que consta em engenhos, Vila de Baependi (1820-


1888).

Planteis escravistas Nº de Engenhos %


1 a 5 cativos 9 20,1
6 a 19 cativos 17 37,7
acima de 20 cativos 19 42,2
Total 45 100,0
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

Nota-se que na Tabela 8, as grandes e médias escravarias foram as que mais


estiveram envolvidas com produção de açúcar na região. Porém, se examinarmos a
quantidade de senhores envolvidos com a produção de engenho e outros que não
investiram nesta atividade, saberemos que foram poucos senhores em Baependi a
dedicar-se ao cultivo da cana. Do total de planteis escravistas que foram inventariados,
apenas, 11,2% estavam ligados a este tipo de economia. Analisando a Capitania e
depois a Província de São Paulo, entre 1765 a 1822, Denise Aparecida Soares de Moura
constatou que a maioria dos engenhos estava instalada em pequenos planteis de cativos
que possuíam até 9 escravos, com o percentual de 87,1%293. Analisando a região sul-

292
Nos inventários analisados nessa pesquisa, vimos que em varias escravarias haviam muitos escravos
preparados para exercerem qualquer atividade voltada a produção das lavouras de alimentos. Este dado
será analisado nesta pesquisa quando tratarmos da demografia escrava na Vila de Baependi.
293
MOURA, Denise Aparecida Soares de. De uma freguesia serra acima à costa atlântica. Produção e
comércio da aguardente na cidade de São Paulo (1765-1822), Topoi, v. 13, n. 24, jan.-jun. 2012, p. 20.

129
mineira de Campanha, entre os anos de 1799 a 1850, Marcos Ferreira de Andrade
constatou que foram as escravarias de médio porte a conter a maioria dos engenhos,
representando 52%294.
Como podem ver, os dados encontrados para Baependi diferem um pouco dos
trabalhos citados, pois os engenhos se mostraram melhor distribuídos entre as médias e
grandes propriedades escravistas. Significa que na região sob análise, a atividade
açucareira exigia uma maior mão obra cativa para sua produção, isto comparando com
as localidades citadas. Diante desta estrutura produtiva, é possível afirmar que parte
desta produção açucareira não circulava apenas nos mercados locais sul-mineiros, mas
atendia à necessidade e ao consumo de outras praças comerciais do sudeste brasileiro.
Retomando novamente os dados da Tabela 6, temos o sal, produzido em larga
escala nas propriedades do Termo de Baependi. Nos inventários pesquisados,
computamos 1.607 sacas deste produto. Tal volume demonstra que os fazendeiros da
região estavam atentos no que se refere à manutenção dos seus rebanhos.
Para esses casos, o sal foi um dos alimentos indispensáveis para a dieta dos
animais na Vila de Baependi. Este artigo era de consumo raro na província mineira.
Sem dúvida era considerado no mercado de Minas Gerais como o item de maior
demanda na economia mineira. Os Almanaques Industriais, Administrativos e Civis que
foram realizados para o Município de Baependi ao longo da segunda metade do XIX,
demonstram que o sal era o segundo gênero mais caro no mercado desta cidade, onde
cada saca valia em media de 2$800 a 3$000. O produto mais caro era a aguardente: cada
cargueiro custava entre 30$000 a 32$000295. O elevado preço desse produto no mercado
baependiense, em parte explica porque alguns fazendeiros da região procuravam
agregar as produções açucareiras em suas atividades consorciadas.
Constatamos a presença de sacas de Sal em 26 inventários, desses, 19
processos foram abertos durante os anos de 1850 a 1888, período no qual a região se
encontrava em pleno desenvolvimento econômico. Apenas quatro inventariados na
região possuíam quase 50% das sacas sal. Esses senhores tinham em suas unidades
acima de 100 sacas deste produto. Esta quantidade é justificável pelo fato de serem

294
Andrade, Elites Regionais, op, cit., Pg. 49
295
VEIGA, Bernardo Saturnino da. Almanach Sul Mineiro. Campanha: Tipografia do Monitor Sul
Mineiro, 1874. . Almanach Sul Mineiro. Campanha: Tipografia do Monitor Sul Mineiro, 1884.
MARQUES, César Augusto; . Parecer da Comissão de História acerca da obra de Bernardo
Saturnino da Veiga. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB, t. 3,
v. 61, 1880. p. 404 – 406.

130
donos dos maiores rebanhos de gado vacum da região, e a presença do artigo salino em
suas unidades contribuiria na dieta destes animais e na sua comercialização nos
mercados vizinhos e em outras praças do centro-sul brasileiro.
O senhor que detinha o maior número de sacas de sal era o nosso conhecido
Coronel, José Inácio Nogueira de Sá. Em sua propriedade conseguiu armazenar 336
sacas desse artigo. Como já sabemos, era dono de um extenso rebanho bovino e de uma
tropa de besta composta por alto número animais de carga. Sendo um dos homens da
região que circulava em diversas praças comerciais negociando os seus produtos, é
quase certo, que importava destes mercados um significativo volume de sal, que era
utilizado para a manutenção do seu rebanho. Importante ressaltar que este senhor
possuía 224 cabeças de gado, quantidade expressiva para o padrão local. Estes dados
sinalizam que o Coronel Nogueira de Sá esteve envolvido com o comercio de carnes
verdes.
Denomina-se de carne verde, a carne bovina recém-abatida, também chamada
por carne fresca. O comercio desta carne era dominado pelos Marchantes ou
negociantes, que ficavam incumbidos de negociar as reses para a matança e distribuir os
retalhos para os açougues. Os Marchantes acabaram comprando o gado dos fazendeiros
dedicados à criação deste rebanho. Com o passar do tempo, cresceu o controle nas mãos
dos marchantes que, por volta de 1848, acabaram se destacando neste comercio de
distribuição de carnes, convertendo-se assim em senhores deste mercado296.
Aureliano Restier Gonçalves, que pesquisou o comércio das carnes verdes no
Rio de Janeiro, refere-se à formação de poderosas sociedades secretas de marchantes
desde 1831, que dominavam o mercado bovino. "Já eram senhores de grandes capitais."
Todo o gado que vinha de fora ficava estacionado pelo menos dois dias em Visconde de
Carvalho e Engenho da Pedra, facilitando a ação monopolística dos marchantes. Dessa
maneira, eles provocaram um curioso desdobramento de suas atividades, concentrando
as tarefas de criação, transporte e comercialização da carne no próprio mercado da
capital297.
Além da propriedade do Coronel José Inácio Nogueira de Sá, já apontamos
nesta pesquisa, que havia mais de vinte cinco unidades produtivas que mobilizaram uma
296
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Nos caminhos da acumulação: negócios e poder no
abastecimento de carnes verdes para a cidade do Rio de Janeiro, 1808-1835. Dissertação de Mestrado
apresentado ao Programa de PósGraduação em História da UFF. Niterói, 2006, p. 77-87.
297
GONÇALVES, Aureliano Restier. “Carnes verdes em São Sebastião do Rio de Janeiro (1500-1900)”.
In: Revista do Arquivo do Distrito Federal, vol. IV. Rio de Janeiro: 1952.

131
enorme quantidade de sacas sal para a manutenção e comercialização do seu rebanho,
mas há um dado importante nos inventários destes fazendeiros, foram arrolada nesses
processos uma quantia expressiva de gados de cortes, touros e vacas falhadas, animais
que logo seriam encaminhados para o abate. No próprio rebanho do senhor José Inácio
Nogueira de Sá, havia 7 gados de cortes e 19 touros.
Também na propriedade do Juiz de Paz da Freguesia de São Tomé das Letras,
Joaquim Jose de Oliveira Filho, havia 88 sacas de sal destinadas para a manutenção de
um rebanho bovino composto 194 cabeças, que estavam sendo cuidados por 50
escravos. Entre estes animais havia 12 gados de cortes e mais 16 touros. Considerando
as conexões terrestres e comerciais que a Vila de Baependi tinha com o Rio de Janeiro,
não é difícil imaginar que parte destas produções pecuaristas tenha abastecido esta
capital que era o principal centro drenador do mercado de carnes verdes do sudeste
brasileiro·.

O fumo em destaque

Não é de hoje, que a região de Baependi é citada como uma das principais
áreas produtoras de fumo na província de Minas Gerais. Alcir Lenharo, foi um dos
primeiros estudiosos a evidenciar a elevada produção de fumo na região sob analise.
Segundo o autor, apesar de havido um processo heterogêneo das forças produtivas, a
economia mercantil de subsistência não foi o único setor no cenário agrário do Sul de
Minas. “Nesta região, o tabaco converteu-se numa atividade bastante significativa, cujo
centro mais conhecido de produção era o de Baependi” 298.
A pesquisa que ora se apresenta não se destina oferecer muitas respostas para
o desenvolvimento do fumo299 nesta extensa área sul-mineiras, mesmo porque não
teríamos condições nesse trabalho. O que de fato pretendemos, é demonstrar através dos
inventários post-mortem consultados como a produção fumo estava mercantilizada e
conjugada com as outras produções agrícolas e pecuárias da região.
Dos 510 processos inventários que foram declarados, 60 (11,7%) destes
documentos trouxeram alguma referência ao cultivo do fumo. Tais produtos foram

298
Alcir Lenharo argumenta tambem, que do mesmo modo o algodão no norte de Minas generalizou-se e
incrementou a exportação deste produto em ramas, varas ou de manufatura produzida na região. Ver:
Alcir Lenharo. As Tropas da Moderação, 1979, p. 61.
299
Expressão definida por Douglas Cole Libby.

132
discriminados da seguinte forma: arroba de fumo roda de fumo, botes de rapé, paus de
fumo, pés de fumo e fumal. Diante de um percentual não tão expressivo, essas
atividades produtivas tornam-se relevantes quando analisarmos sua estreita relação com
a mão de obra escrava e com as atividades consorciadas desenvolvidas na Vila de
Baependi.
Das 60 pessoas envolvidas com a produção do fumo, 54 delas possuíam
escravos em seus planteis, sendo que 14 detinham de 1 a 5 cativos, 18 de 6 a 19, e 20
senhoreavam acima de vinte cativos. Sabemos que em geral, o fumo poderia ser
produzido em larga escala sem recorrer à mão de obra cativa, porém, a presença de
escravos envolvidos nessas atividades demonstra como os senhores da região estavam
dispostos a lucrar com essa produção, e, além disso, expandi-la para outros mercados.
Entre essas faixas de planteis escravistas, a produção de fumo mostrava-se
mais concentrada nas grandes escravarias. Dentre elas, apenas cinco unidades
produziram uma média de 7.732 arrobas de fumo. Em percentuais representava 76,4%
do total. Essa produtividade tornava-se mais acentuada quando calculamos
separadamente a quantidade de arrobas produzidas pelo Coronel José Inácio Nogueira
de Sá, que, sozinho, conseguiu processar 5.000 arrobas de fumo. Em seu inventário,
toda essa produção foi avaliada em 30:000,$000300.
As avaliações que foram feitas sobre as arrobas de fumo arroladas no
inventário do Coronel José Inácio Nogueira de Sá, de alguma forma têm haver com a
cotação do preço desse produto no mercado Carioca. Em 1850, o tabaco sul-mineiro era
valioso, a arroba de tabaco Baependiense estava cotada em 6$400 réis na praça
comercial do Rio de Janeiro301, algo muito próximo da avaliação feita para as arrobas de
fumo produzidas nas fazendas do Coronel José Inácio, onde cada uma destas arrobas
valia em média 6$000. Diante desta alta produção, é certo que os efeitos desse mercado
tenham contribuído para ampliação da fortuna desse senhor.
O Coronel José Inácio Nogueira de Sá foi citado diversas vezes nos relatórios
da presidência da Província de Minas Gerais como um importante produtor de tabaco,
seguramente tenha se destacado por ser um dos maiores exportadores desse produto no
Sul de Minas Gerais. Acreditamos que o alcance de tal posição foi possível, pois em sua
300
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário de José Inácio Nogueira de Sá, Ano:1854,
cx: 040.
301
RESTITUTTI, Cristiano Cortes. Comércio terrestre e marítimo do fumo de Minas no século XIX.
SEMINÁRIO SOBRE A ECONOMIA MINEIRA – DIAMANTINA, 2008, p. 23.

133
propriedade havia uma estrutura de trabalho que o possibilitou escoar suas produções
para vários mercados, no qual se contava com uma força de trabalho de 68 cativos e de
98 bestas, sendo 52 arreadas.
Dos escravos que pertenciam ao Coronel Jose Inácio Nogueira de Sá, 2 eram
arredores, 2 campeiros, 1 carpinteiro, 1 carreiro, 1 feitor, 2 ferreiros, 1 retireiro e mais
10 cativos exercendo a função de tropeiros, destes últimos, a media de suas idades era
30 a 40 anos. Entre escravos envolvidos com tropas, 9 eram africanos e apenas um era
crioulo, o que demonstra que este senhor selecionou os cativos mais antigos e
experientes para conduzir as suas mercadorias para as praças comerciais.
Toda esta estrutura de trabalho e produtiva contando ainda com a abertura de
novas estradas no Sul de Minas, de alguma maneira contribuíram para que José Inácio
Nogueira de Sá projeta-se no espaço da corte. Consultando o inventário post-mortem
deste senhor, constatamos que tinha estabelecido relações comerciais com varias firmas
cariocas, como os Vergueiros&Cia, Os Sampaio do Rio de Janeiro, Os Aranas e
Joaquim Pereira de Almeida&Cia, sabemos que esta ultima casa comercial
preponderava no setor de abastecimento302. Através destes dados, podemos entender
como certos grupos familiares ou pessoas se aproximavam da corte através da prestação
de serviço ao estado.
Porém, é oportuno assinalar que nem todos os proprietários sul-mineiros mais
significativos estavam sendo arrolados na esfera de poder, pois havia aqueles que
através de uma barganha com a politica do Estado obtiveram em grau maiores e
menores benefícios particulares consideráveis, como graças à prestação de serviços
públicos e importantes postos nobiliárquicos. Os que representavam os proprietários e
os comerciantes do interior especializado no abastecimento (como era o caso do
Coronel José Inácio Nogueira de Sá) encontravam-se numa etapa de acumulação de
força, projetando nos níveis das municipalidades e nas administrações provinciais303.
Soubemos que a maioria dos produtores de tabaco da província de Minas
Gerais eram donos de grandes escravarias e de extensos rebanhos muares304. Para se ter
uma ideia, dos quinze maiores exportadores que passaram pelas estradas da Mantiqueira

302
Gorenstein, Riva. O enraizamento de interesses mercantis portugueses na região Centro-Sul do
Brasil: 1808-1822. Dissertação de mestrado, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1978, p.47.
303
Lenharo, 1979, p. 52-56.
304
Idem, p. 17.

134
e do Picu no ano de 1828, dez deles possuíam acima de 60 escravos. Entre esses
homens, cinco eram moradores do termo de Baependi305.
Um destes homens era o Guarda-Mor Gregório Ribeiro de Carvalho, morador
da Fazenda Bocaina do Capivari do termo de Baependi. Nos registros de passagem da
estrada de Picu, esse senhor foi considerado o segundo maior exportador de fumo, pois
entre os anos de 1815 a 1822 enviou por esta rota 9.87 arrobas de fumo306.
No inventário do Guarda-Mor Gregório Ribeiro de Carvalho, aberto no ano de
1823, averiguamos que havia em sua propriedade 160 escravos e uma tropa composta
por 80 bestas. Certamente, a força desses homens e animais foi de fundamental
importância para o escoamento dessa produção de fumo. Nesses processos foram
também declaradas 1.075 arrobas de fumo, o que tornou esse senhor na primeira metade
dos oitocentos, o detentor de maior volume de arroba de fumo inventariada na
localidade.
Em seguida, temos o Português e Capitão Miguel Pereira da Silva307, que era
quem possuía o maior número de escravos, totalizando 188 cativos. Este senhor era
natural da Freguesia de Santa Marinha do Bispado da Cidade do Porto308, era casada
com Dona Izabel Maria do Espírito Santo, considerada, em nossa pesquisa, uma das
inventariantes mais afortunadas na região. O casal era morador do Distrito do Pouso do
Termo de Baependi.
O Capitão Miguel Pereira da Silva era um homem de prestígio no Sul de
Minas309. Em 1822 teve sua fazenda em Pouso Alto elogiada nos diários de Saint-
Hilaire, “por suas benfeitoras, muito importantes, de regularidade muito rara neste
país”310. Esse senhor foi um dos construtores da estrada de Picu que ligava as regiões
sul-mineiras ( em especial Baependi) ao Rio de Janeiro, e além disso, foi o que mais

305
Idem, p. 18
306
Museu Regional de São João del Rei - Inventários de São João cx 213, Inventariado: Capitão Gregório
José Ribeiro, Local – Vila de São João del Rei. Trechos do testamento anexado no Inventário de Capitão
Gregório José Ribeiro, Ano: 1816, Cx: 213.
307
O Capitão Miguel Pereira da Silva nasceu na Freguesia de Santa Marinha do Bispado da Cidade Porto,
natural e batizado na mesma Freguesia. Familysearch.org/recover/password: Copia de Testamento do
Capitão Miguel Pereira da Silva anexa no Óbito. Ano de 1835, Livro de Óbito da Freguesia de Pouso
Alto do Termo de Baependi.
308
Familysearch.org/recover/password: Copia de Testamento do Capitão Miguel Pereira da Silva anexa
no Óbito. Ano de 1835, Livro de Óbito da Freguesia de Pouso Alto do Termo de Baependi.
309
Tal afirmação de se baseia pela extensa gama relacional e por uma infinidade de legados deixados para
seus afilhados, familiares, viúvas, pobre e escravos pertencentes a escravaria. O testamento do Capitão de
Miguel Pereira da Silva foi redigido em 1835 na Freguesia de Pouso Alto pertencente ao termo da Vila de
Baependi.
310
Saint-Hilaire (1974, p. 64)

135
exportou tabaco por esse caminho: das 24 conduções, enviou para essa estrada 12.042
arrobas, sendo o maior negociante deste produto nos registros de Picu.311
O Capitão Miguel Pereira da Silva era sogro312 do Capitão Francisco Teodoro
da Silva (o futuro Barão de Pouso Alto). Por sua vez, também proprietário-tropeiro na
rota do Picu, exportando por essa estrada 4.202 arrobas de fumo e importando 41
cativos313.O Barão foi um dos inventariantes da esposa do Capitão Miguel, Dona Isabel
Maria do Espírito Santo, cujos bens em 1855 foram avaliados em 441 contos de réis,
com 259 cativos314.
O capitão Miguel Pereira da Silva também não esteve de fora do comércio
negreiro. Foi considerado no Sul de Minas o segundo maior traficante de escravos.
Junto com seu irmão, filho e genro importavam pela estrada de Picu 130 cativos315.
Provavelmente a aquisição desses escravos advindos do tráfico atlântico de africanos 316,
tenha aumentado a sua escravaria, pois no inventário de sua esposa apareceram 71
escravos a mais.
O Alferes José Joaquim Pires, morador da Vila de Baependi, foi outro que
também exportava os seus produtos pela estrada de Picu. Este senhor tem seu nome
citado em vários registros de passagem desta rota317. Também, como outros senhores da

311
RESTITUTTI, Comércio Terrestre e Marítimo, p. 20.
312
É importante salientar que os ditos “novos” proprietários eram, algumas vezes, parentes ou herdeiros
dos “antigos”, ou de outros ainda ativos.
313
O volume de exportação de tabaco do Capitão Francisco Teodoro da Silva, foi constato por Cristiano
Corte Restittuti em um dos registros de passagem da estrada de Picu no ano de 1822, ver Restuttit,
Comercio Terrestre e Martimo... p, 6.
314
Temos digitalizado os inventários post-mortem de Dona Izabel Maria do Espirito Santos, aberto no de
anos de 1854, localizado na cx: 43 no Escritório técnico do IPHAN da cidade de São Joao dei Rei, porém,
os dados deste inventariam já tinha sido divulgado por Marcos Ferreira de Andrade em sua tese de
doutoramento, assim segue a referencia; ANDRADE, Marcos Ferreira de (2008). Elites regionais e a
formação do estado imperial brasileiro – Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, p. 132.
315
Encontramos as exportação e importações do senhor Miguel Pereira da Silva e seus parentes em um
dos registros de passagem da estrada de Picu indicado por Cristiano Corte Restittuti, que se encontra nos
documentos avulsos da Presidência da Província de Minas Gerais, referente a registros, Barreiras e
Recebedorias, documentação localizada no Arquivo Publico Mineiro. Ver também: RESTITUTTI,
Cristiano Corte (2006). As fronteiras da província: rotas de comércio interprovincial, Minas Gerais,
1839-84. Dissertação de Mestrado. Araraquara: UNESP.
http://www.biblioteca.unesp.br/bibliotecadigital/document/?did=4628
316
Robert Slenes sublinha, que, ao longo de toda a primeira metade do século XIX, o sul de Minas Gerais
manteve a capacidade expressiva de importar, podendo sustentar um tráfico de africanos considerável.
Segundo o Autor, outro fator poderia de ter influenciado na manutenção da procura de cativos pelos
mineiros, como os efeitos multiplicadores das atividades voltadas para a exportação, incentivando setores
internos como suporte direto para produção. Ver; SLENES, Robert. “Slavery in a Nonexport Economy: a
Reply” in: Hispanic American Review, vol.64, nº 1, fevereiro de 1984, p. 135-146.
317
Documentos avulsos da Presidência da Província de Minas Gerais, referente a registros, Barreiras e
Recebedorias, documentação localizada no Arquivo Publico Mineiro.

136
região, era um grande produtor de tabaco. Em seu inventário aberto no ano de 1853,
constatamos a produção de 643 arrobas de fumo bom. Para tocar essa atividade, esse
senhor contava com um expressivo número de animais muares e escravos, formado por
52 bestas e 60 cativos318.
Ao investir na mão de obra escrava e na criação de animais de tropas, o Alferes
José Joaquim Pires não pensou em direcionar essa força trabalho apenas para o cultivo
do fumo, foram utilizadas nas outras plantações, como para o cultivo do milho e feijão,
que gerou para esse senhor 1.000 cargueiros de milho (avaliados em dois contos de reis)
e 162 alqueires de feijão (avaliados em trezentos e vinte quatro mil réis). Certamente
esses produtos, junto com o fumo, eram comercializados nessa unidade, tornando mais
diversificada essa produção agrícola.
O Alferes José Joaquim Pires não era o único fazendeiro da região a cultivar o
fumo ao lado de outras plantações. Outras pessoas que cultivaram esse produto em suas
unidades, também procuraram diversificar as suas produções, como o já citado Guarda-
Mor Gregório Ribeiro de Carvalho, que além de ser um grande produtor de tabaco na
Vila de Baependi, cultivou em suas propriedades 20 alqueires de arroz, 20 de feijão e
180 carros de milho. Abaixo temos um quadro que demonstra como o fumo estava
consorciado com outras atividades produtivas das localidades.

318
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei .Inventário post-mortem de José Joaquim Pires. 1853.
Caixa: 12. (Caixa da Vila de Baependi, 1830-1888).

137
Quadro 3 : A presença do fumo nas propriedades criadoras de animais e
produtoras de alimentos (Vila de Baependi, 1820-1888).

Rebanhos Nº /Prol. % Plantações Nº/ Prop. %

Gado 53 25,3 Alqueires de Arroz 13 17,8

Suínos 39 18,4 Alqueires de Milho 27 37,1

Eqüinos 52 24,6 Alqueires de Feijão 16 21,9

Muares 42 19,9 Canavial 5 6,8

Caprino 25 11,8 Sal 12 16,4

Totais 211 100 Totais 73 100


Fonte: 510 processos. Inventários post-mortem da Vila de Baependi, 1820-1888. Nº/Prop: número de
propriedades de criações de animais e produtoras de alimentos .

Com base no Quadro de nº 4, parece que nenhuma propriedade estava


exclusivamente dedicada à produção de fumo. Aliás, como em outros casos vistos neste
tópico, as atividades sempre estiveram consorciadas. João Fragoso ao estudar a região
do Sul de Minas Gerais no inicio dos anos de 1990, já afirmava com muita convicção,
que esta área era formada por um complexo agropecuário de produção diversificada,
voltada ao abastecimento interno, com destaque ao fumo. Ao lado da criação de animais
e do cultivo de vários alimentos, a produção de fumo sul-mineiro estava na pauta de
exportação para a praça carioca, especialmente os que eram remetidos pelas freguesias
de Cristina e Baependi319.
Mas o que mais nos interessou no Quadro 4 foi fato da região de Baependi
tendo um produto (fumo) de alto valor comercial e desejado em vários mercados
nacionais e internacionais, ter escolhido, ao longo do século XIX, dar continuidade às
suas atividades consorciadas. Tais opções econômicas podem ser explicadas pelo
motivo de estarmos analisando uma sociedade agrária que não estava disposta a investir
os seus recursos em uma única produção, em outras palavras, a reprodução desse
arcaico sistema produtivo ainda era algo que lhes davam maiores seguranças e
condições para garantir a manutenção dos seus status.
Para finalizar esta análise: pelo fato da produção do fumo ter interligado a
região de Baependi a vários mercados não teve forças suficientes para desconstruir o
319
FRAGOSO, Homens de Grossa Aventura, op. cit. p.129.

138
modelo socioeconômico que vigorou na região ao longo dos oitocentos. Na verdade,
este produto teve que ser incorporado ao mosaico de formas de produções não
capitalistas320.

320
Fragoso e Florentino, Arcaísmo como projeto, op. Cit., p. 159.

139
CAPÍTULO 2
Senhores e seus cativos: estrutura de posse e demografia escrava
na Vila de Baependi.

140
Resumo do capitulo.

Tento em vista a temática do capitulo, interessa-nos, em particular, resgatar as


principais analises sobre a estrutura de posse e da demografia escrava no Brasil. Em
dialogo com os estudos da escravidão, estruturaremos este capitulo na arena dos debates
sobre a estrutura de posse escrava na tradição da historiografia brasileira. Feito isso,
analisaremos o nível de concentração e de disseminação da propriedade escravista
(signo de maior distinção e poder nesta Vila), entre os habitantes da Vila de Baependi.
Procuremos entre três recortes temporais (1820-1850, 1851-1870 e 1871-1888)
delinear alguns aspectos da estrutura de posse e da demografia escrava a fim de
identificar as alterações ocorridas na composição e distribuição da população cativa e na
medida do possível relacioná-las com as transformações socioeconômicas que
ocorreram no Império Brasileiro. Para realizarmos esta investigação, contaremos com os
inventários post-mortem, que além de mostrarmos a relação de cativos que foram
avaliados, nos apresentam suas características físicas, etárias e étnicas.

No final deste capitulo analisaremos a estrutura de posse através dos assentos


paroquiais de batismo. Objetivo é averiguar até que ponto estas fontes eclesiásticas
podem revelar a difusão da propriedade nesta Vila sul-mineira. Em síntese, o quadro
que veremos matiza e problematiza interpretações já cristalizadas sobre a concentração
ou difusão da posse escrava em vários setores da sociedade escravista brasileira.

141
Posse e demografia escrava revelada pelos inventários post-mortem.

Estudos clássicos confirmam que nos extremos da sociedade escravista


brasileira, as grandes plantations eram consideradas a essência da escravidão. Sobre
esta premissa, imperava a ideia de uma massa de escravos e uma elite de senhores que
excluía todos outros donos de cativos que situavam em outras camadas da sociedade.
Este modelo explicativo foi descrito por Gilberto Freire em Casa Grande Senzala321 e
seguido por décadas por uma geração de historiadores322. A partir dos anos de 1980,
surgem pesquisas mais refinadas que ao explorarem diversas fontes demonstram de
modo convincente as variações regionais do sistema escravista323. Na esteira destes
exames, a noção da predominância das grandes escravarias no Brasil começa a ser
questionada, principalmente quando comparado aos padrões de posse encontrados nas
Ilhas Caribenhas324. Assim, a posse cativa, signo de status, ascensão e poder, estavam
não somente diluída em vários setores da sociedade escravista brasileira, como também
se organizava, majoritariamente, em pequenos planteis escravistas, propriedade de
sujeitos de poucas posses, mas, ainda sim, egressos do cativeiro donos de outros
homens. Os trabalhos que chegaram a este consenso analisaram diferentes realidades

321
FREIRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia
patriarcal, 43a ed. (1a ed., 1933), Rio de Janeiro, Record, 2001. De Freyre, ver também, por exemplo,
Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano, 12a ed. (1a ed.,
1936), Rio de Janeiro, Record, 2000.
322
PRADO JÚNIOR (Caio), Formação do Brasil Contemporâneo (Colônia), Editora Brasiliense,
9ª.edição, São Paulo, 1969. SIMONSEN (Roberto C.), História Econômica do Brasil (1500-1800),
6ª.edição, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1960, (Coleção Brasiliana, Série Grande Formato, vol.10).
ZEMELLA (Mafalda P.), O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII, Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da USP, São Paulo, 1975, (Boletim de História da Civilização Brasileira,
vol.118). FAORO (Raymundo), Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro, 2ª.
edição, revista e aumentada, Globo, Porto Alegre; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo,
1975. ELLIS (Myriam), Contribuição ao Estudo do Abastecimento das Zonas Mineradoras do Brasil no
Século XVIII, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1961, (os Cadernos de Cultura, nº. 124).
HOLANDA (Sérgio Buarque de), “A Mineração: Antecedentes Luso-Brasileiros”, in História Geral da
Civilização Brasileira, tomo I – A Época Colonial, 2º. vol., Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1973.
323
Um grupo de economistas da Universidade de São Paulo realizou minuciosas pesquisas sobre o
escravismo no Brasil, baseadas em dados contidos em censos manuscritos não publicados. Estes trabalhos
incluem, entre outros, os estudos de COSTA (1979); LUNA (1981) LUNA & COSTA (1982); COSTA
(1982); COSTA & GUTIÉRREZ (1985); GUTIÉRREZ (1987 e 1988) e, por fim, o trabalho de MOTTA
(1988b). Trabalhos mais especializados desses autores sobre proprietários de escravos, demografia a
família escrava serão citados adiante. Existe também um significativo grupo de pesquisas estudando o
censo de Minas Gerais do início do século XIX no CEDEPLAR (Belo Horizonte) e na Universidade
Federal de Minas Gerais. Veja, por exemplo, PAIVA (1988), LIBBY & GRIMALDI (1988) a
GUERZONI FILHO & NETTO (1988).
324
LUNA, F. V.; KLEIN, H. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de 1750 a
1850. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Edusp, 2006.

142
demográficas e econômicas, sobre tudo nas colônias/províncias de Minas Gerais e
Bahia.
Os estudos realizados sobre Minas Gerais e Bahia durante o período
Colonial/Imperial brasileiro revelaram um padrão de estrutura de posse em que os
tamanhos dos planteis eram muito mais reduzidos e a escravidão esteve mais
disseminada no tecido social comumente suposto pela historiografia325.
A partir destes novos exames, a noção de uma escravidão restrita aos interesses
dos senhores donos de grandes lavouras foi sendo gradativamente abandonadas em
favor da concepção de um consenso, onde indivíduos de diversos setores da sociedade
estavam comprometidos com o funcionamento deste sistema·. Nesses moldes, a
escravidão não era somente naturalizada, mas inerente à mesma sociedade, como
necessária.
Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa, foram um dos primeiros
autores a perceber como a posse de escravos estava disseminada na sociedade.
Analisando as unidades escravistas de Minas Gerais ao longo do XVIII, Luna e Costa
verificaram que o elevado número de grandes propriedades concentradoras de enormes
contingentes de cativos não se confirmava no plano empírico. De acordo estes autores,
havia um predomínio de planteis com reduzidos números de escravos. Em várias
localidades, a maior frequência coube aos senhores que detinham de 1 a 4 mancípios.
No que diz respeito às grandes escravarias com mais de 40 cativos, sua participação se
revelou de grande monta, pois foram raros os senhores donos destes planteis326. Em
outras palavras, a economia que abrigava a maior população escrava do Império do
Brasil327 era definida pela pequena posse escravista ao longo dos setecentos, e sua maior
parte, também nos oitocentos.
Os dados levantados por estes autores são coerentes com que foi constatado no
Recôncavo Baiano para o período Colonial. Neste importante centro econômico da
América Portuguesa, Stuart Schwartz encontrou um predomínio de pequenas posses, no

325
Faz-se referencia aos estudos clássicos; PRADO JÚNIOR (Caio), Formação do Brasil
Contemporâneo (Colônia), Editora Brasiliense, 9ª.edição, São Paulo, 1969. SIMONSEN (Roberto C.),
História Econômica do Brasil (1500-1800), 6ª.edição, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1960, (Coleção
Brasiliana, Série Grande Formato, vol.10).
326
LUNA, Francisco Vidal. Minas Gerais. Senhores e escravos. Análise da Estrutura Populacional e
Econômica de Alguns Núcleos Mineratórios (1718-1804). São Paulo, FEA-SP, 1980, (Tese de
Doutorado), p. 40.
327
MARTINS, Roberto Borges. A economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte:
CEDEPLAR/UFMG, 1982.

143
qual os cativos estavam distribuídos entre senhores de distintas camadas da sociedade.
Resumidamente, as principais teses de Schwartz estão inclusas nesta passagem:

“a escravidão no Brasil distribuía-se largamente entre a população livre,


constituindo-se na base econômica da sociedade como um todo e em uma
forma de investimento extremamente comum e acessível”. Mas, que a
aquisição de cativos por pessoas de poucos recursos indica que a mão-de-
obra [sic] escrava “era barata, relativamente abundante, fácil de obter e, mais
importante, fácil de repor”. Por isso a “ubiquidade” da propriedade de
escravos mesmo entre ex-escravos, os denominados “forros” (que receberam
alforria, manumissão) ou “libertos”328.

Além de estes estudos serem os primeiros a evidenciar desconcentração da


posse escrava, acabaram demonstrando que os efeitos desta estrutura assentavam a
escravidão numa ampla base social. Em Minas Gerais no século XIX, Douglas Cole
Libby, percebeu que a presença majoritária de pequenos planteis escravistas foi decisivo
para o alargamento das bases sociopolíticas da escravidão na província. Em seu estudo
pioneiro sobre as listas de habitantes mineiros na década de 1830, o autor detectou uma
impressionante dispersão da posse escrava em diversos setores da economia329. Libby
constatou que os domicílios possuidores de escravos, eram chefiados por uma
considerável parcela de pessoas de cor de modestas ocupações, com maiores destaques
para às costureiras e fiadeiras, estas por sua vez, foram somente superadas pelos
agricultores330. Portanto, envolvimento destes distintos agentes na escravidão mineira,
era algo que assegurava a manutenção deste regime.
Dando sequência a estes estudos, Douglas Libby afirma que, a relativa
ausência de um setor de exportação em Minas Gerais conduziu a configuração de uma
escravidão mais democrática, isto é, grande parte das escravarias mineiras não estava
apenas sob o domínio daqueles senhores ligados a agricultura de exportação, mas
agentes de diversos setores da sociedade331. Com estas afirmações, Libby abre uma
questão: como este padrão democrático conseguiu sustentar o maior plantel escravista

328
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835, São
Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 368-70.
329
LIBBY, Douglas C. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século
XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 104-10.
330
Idem, p. 121.
331
Idem, p. 122.

144
do Império Brasileiro?332. Este tema, a respeito da difusão da escravidão mineira, e
outros serão tratados nesta pesquisa333.
Sobre as orientações destes estudos e de outros que aparecerão neste capítulo,
pretendemos examinar até que ponto a posse escrava em Baependi foi capaz de manter
uma sociedade escravista profundamente desigual e excludente.
No primeiro capítulo desta tese, vimos que a desigualdade socioeconômica que
havia em Baependi revelou uma sociedade bastante estratificada onde a riqueza
produzida era controlada por poucas famílias. O principal patrimônio produtivo
causador desta disparidade foram os escravos (seguidos de terras). Agora, veremos
como mais detalhes o nível de concentração e disseminação deste valioso bem social na
referida localidade sul-mineira, sendo o item nas fortunas inventariadas que mais
produzia diferenças entre os homens livres334.
As principais fontes que serão investigadas neste capítulo serão os inventários
post-mortem e os registros paroquiais de batismo. Primeiro realizaremos uma análise
sobre a estrutura de posse a partir das informações coletadas em 437 inventários; em
seguida, cruzaremos os resultados encontrados nesses processos com os dados das
estruturas de posse reveladas pelos assentos de batismo. Esta ferramenta metodológica
foi utilizada por vários historiadores em suas respectivas pesquisas. Os primeiros destes
estudiosos foram José Roberto Góes335 e João Fragoso336. Na sequência temos Tiago Gil
e Bruno Sirtori, que, ao analisarem as propriedades cativas da região de Viamão,
fizeram uso dos assentos de batismo para calcular o padrão de posse desta localidade
Riograndense 337.

332
Idem, p. 124.
333
Idem, p. 125.
334
FINLEY, Moses I. Escravidão antiga e ideologia moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1991, p. 112.
335
José Roberto Góes para analisar o grau de distribuição da propriedade escrava no Rio de Janeiro na 1°
metade do século XIX, utilizou conjuntamente os inventários post-mortem e os assentos paroquiais de
batismo. A comparação entre os percentuais de posse de escravos no meio rural do Rio de Janeiro, em
inventários e em batismos, mostrou semelhanças significativas dos números encontrados. Ver: GÓES,
José R. O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do
século XIX. Vitória: Lineart, 1993, p. 75.
336
FRAGOSO, João. Principais da terra, escravos e a república: o desenho da paisagem agrária no Rio de
Janeiro Seiscentista. Revista Ciência e Ambiente, Santa Maria (UFSM), nº. 33, pp. 97-120. jul./dez., 2006
337
Os resultados encontrados sobre o padrão de posse nos assentos de batismo, foram comparados com os
Róis de Confessados, censos eclesiásticos realizados para a preparação dos fiéis para o período da
quaresma. Ver; GIL, Tiago L. e SIRTORI, Bruna. A geografia do compadrio cativo: Viamão, continente
do Rio Grande de São Pedro, 1770-1795, p. 5.

145
Por último (até onde sabemos), temos Letícia Batistela Silveira Guterres
338
(2013) e Marcelo dos Santos Matheus (2016) que também fizeram uso desta
metodologia. Guterres apesar de não ter utilizado os inventários post-mortem para o
estudo das estruturas de posse, utilizou dos assentos paroquiais de batismo para verificar
como a propriedade escrava estava disseminada na região gaúcha de Santa Maria. Por
sua vez, Marcelo Matheus achou necessário intercruzar às fontes cartoriais e paroquiais,
o que o levou a encontrar dados interessantes sobre a escravidão na localidade Bagé,
durante o século XIX339.
Para os estudos do escravismo mineiro, os assentos de batismo também foram
utilizados por alguns historiadores340 para analisar até que ponto a escravidão em Minas
Gerais era reiterada pela reprodução natural ou pelo tráfico atlântico de africanos.
Douglas Cole Libby, Clotilde Paiva e Tarcísio Botelho foram os primeiros a aplicar
estes métodos em suas pesquisas. Estes estudiosos valeram-se dos assentos de batismo
de escravos adultos como indicadores indiretos para examinar o impacto do comércio
negreiro na província mineira341.
Libby, trabalhando com três bases de dados cedidas por outros pesquisadores,
analisou a Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de São João del Rei, entre 1736-1854, a
localidade de Catas Altas, entre 1715-1753, e, finalmente, a Paróquia de Nossa Senhora

338
GUTERRES, Letícia Batistella Silveira. Escravidão, família e compadrio ao sul do Império do Brasil:
Santa Maria (1844-1882). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2013. (Tese de Doutorado), p. 82-84.
339
MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do
Império brasileiro (Bagé, c.1820-1870). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2016, p.183-192.
340
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. A escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: BOTELHO, Tarcísio R. e
outros (org.). História quantitativa e serial no Brasil: um balanço. Goiânia: Anpuh-MG, 2001.
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del- Rei - séculos
XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, 2007. ANDRADE, Marcos Ferreira. Elites regionais e a formação
do estado imperial brasileiro - Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 2008. LIBBY, Douglas C; FRANK, Zephyr L. Voltando aos registros paroquiais de
Minas colonial: etnicidade em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 29, p. 383-415, 2009. GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro e outros. Famílias escravas
em Minas Gerais nos inventários e registros de casamento – o caso de São José do Rio das Mortes, 1743-
1850. Varia História. 23(37), p. 184-207, jan/jun 2007. CAMPOS, Kátia M. Nunes. “Sem dados não há
demografia”: uma proposta para a criação de um banco de dados demográficos e sua aplicação em uma
paróquia mineira, 1760-1804. Tese (Doutorado em Demografia). Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG,
2011. ANDRADE, Mateus. R.; LEMOS, Gusthavo. Terra de compadres: família e enraizamento social
em Guarapiranga, séculos XVIII e XIX. In: BOTELHO, Tarcísio R.; ANDRADE, Mateus R.; LEMOS,
Gustavo. (Orgs.). Redes Sociais e História. Belo Horizonte: Veredas&Cenários, 2013.
341
PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado
em História) – FFLCH/USP, 1996. LIBBY, Douglas C. O tráfico internacional e a demografia escrava em
Minas Gerais: um século e meio de oscilações. In: FURTADO, Júnia F. (org). Sons, formas e movimentos
na modernidade atlântica: Europa, Américas e África. São Paulo: Annablume/ Belo Horizonte: Fapemig:
PPGH-UFMG, 2008. BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. A escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In:
BOTELHO, Tarcísio R. e outros (org.). História quantitativa e serial no Brasil: um balanço. Goiânia:
Anpuh-MG, 2001.

146
do Pilar de Ouro Preto, no período de 1712 a 1843 (com lamentável lacuna para o
intervalo de 1720-35)342. Carolina Perpétua Corrêa, sobre a orientação de Libby, adotou
o mesmo procedimento metodológico. Examinado a região mineira de Santa Luzia,
utilizou os assentos de batismo de escravos adultos para verificar o impacto do tráfico
negreiro na referida localidade343. Como se pode perceber, ainda não apareceram
estudos que examinem as posses escravas mineiras por meio dos assentos paroquiais.
Deixaremos os exames sobre a estrutura de posse apreciada pelas fontes
paroquiais para a segunda seção deste capítulo. Agora analisaremos o perfil das
unidades escravistas que foram inventariadas na Vila de Baependi. Nossa intenção é
investigar o padrão de propriedade escrava revelada pelos inventários post-mortem, ou
seja, em que nível as faixas de plantéis escravistas estavam disseminadas ou
concentradas na região. Para fins de análise, buscam-se caracterizar os escravos que
pertenciam a estes distintos plantéis. Na sequencia destes exames, analisaremos também
a demografia da posse escrava na região Assim, serão observadas as taxas de
masculinidade, as origens (africanos ou crioulos) e as faixas etárias (crianças, adultos e
velhos). Acreditamos que estes estudos possam tornar mais refinados os exames sobre a
posse cativa.

– Os limites de uma fonte: A posse escrava revelada pelos inventários post-


mortem.

Antes de adentramos nos exames sobre a posse cativa na Vila de Baependi, faz-
se necessário uma breve apresentação da principal fonte que será examinada neste
tópico. É evidente que os inventários post-mortem constituem uma amostra com
limitações da população respectiva, especialmente por sub-representar as camadas mais
abastadas e deixar de fora uma ampla gama de pobres e despossuídos que não foram
comtemplados por esta documentação. Justamente por isso, a referida documentação
apresenta um limite muito evidente por não abarcar a totalidade dos habitantes de uma
determinada localidade.
Antes do ano de 1809, só eram obrigados a realizarem inventarias aqueles
pessoas que deixassem herdeiros menores. Caso todos os herdeiros fossem adultos, era

342
LIBBY, Douglas Cole. Notes on the Slave Trade and natural increase in Minas Gerais in the
eighteenth and nineteenth centuries. November, 2004.
343
CORREA, Carolina Perpétua.

147
comum que a partilha dos bens fosse feita amigavelmente entre eles para se evitar as
despesas com o processo, principalmente se vivessem afastados dos centros urbanos
onde estavam os tabeliães344. Somente a partir de 17 de julho de 1809 é que a abertura
dos inventários se tornou obrigatória para os falecidos. De acordo com a historiadora
Ida Lewkowicz, a obrigatoriedade sobre a feitura deste documento esteve relacionada à
necessidade de buscar novas fontes de rendimentos para o Erário. Nas palavras da
autora:

Desde a abertura dos portos a arrecadação aduaneira diminuíra e foram


criados então vários impostos para socorrer o Erário. Entre eles estava o
imposto sobre o selo do papel e a décima das heranças e legados.
Recolhê-los significava forçosamente inventariar os bens deixados pelos
falecidos345.

Mesmo tendo o aumento de inventários após este decreto, uma parcela


expressiva da população continuava excluída deste rol, no qual aqueles que possuíam
algum patrimônio passível de ser inventariado o fariam. Os inventários que serão
examinados nesse trabalho, não representam todos os segmentos da sociedade
baependiense, porém, comtempla aqueles que tiveram um mínimo de bens a declarar.
Tal problemática fica evidente quando esta fonte é comparada com documentos, como
as listas nominativas de habitantes da província de Minas Gerais346. Através dessas
listas, encontramos um elevado número de domicílios que não possuíam escravos, com
um percentual de 66%347, com relação aos inventários. O percentual de pessoas sem

344
LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da desigualdade em Minas Gerais (séculos XVIII e
XIX). São Paulo, 1992. Tese (Doutorado em História) – USP, p. 243-244.
345
Idem, p. 243.
346
Temos que deixar claro para o leitor que não foram encontradas listas nominativas de habitantes para a
Vila de Santa Maria Baependi. Esta amostra consiste nas listas dos distritos e Freguesia que faziam parte
do Termo de Baependi, num total de 12 regiões. (Lamentavelmente para a importante Vila de Sabará
também não foram localizadas estas listas nominativas). Ver o software de consulta:
www.poplin.cedeplar.ufmg.br.
347
Este índice é uma constante nas pesquisas sobre a distribuição dos cativos por fogos347 em Minas
Gerais, Douglas Cole Libby aponta em sua pesquisa que, no mesmo período, estas propriedades mineiras
sem cativos conformavam 66,7% do total. Ver: LIBBY, Douglas C. Transformação e trabalho em uma
economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 73. Comparando os
dados encontrados por Douglas Cole Libby para Província Mineira na década de 1830, em São Paulo
segundo Francisco Luna e Hebert Klein, se apresentava no ano de 1829 com 74% dos domicílios sem
escravos. Ver: LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Economia e sociedade escravista: Minas Gerais e São Paulo
em 1830. In: LUNA, Francisco. V; COSTA, Iraci del Nero; KLEIN, Hebert S. Escravismo em São Paulo
e Minas Gerais. São Paulo: EDUSP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009, p. 208. Ao
consultarmos os dados da Lista Nominativa do Termo de Piranga, Guilherme Augusto do Nascimento e
Silva, não encontramos escravos em 64,8% dos fogos piranguenses. Ou seja, no início da década de 1830,
cerca de dois terços dos domicílios da região não continham cativos. Ver: SILVA, Guilherme A. N.

148
cativos nunca ultrapassou 15% no período de 1820 a 1888. Portanto, ao pesquisarmos
os inventariados da Vila de Baependi, deixaremos de fora um contingente expressivo de
despossuídos. Mesmo assim, ciente em evitar generalizações que a fonte não permite
fazer, os exames sobre os inventários se tornam pertinentes para o tipo de abordagem
pretendida, principalmente quando se trata de fazer comparações entre períodos
diversos348.

A estrutura de posse escrava na Vila de Baependi

Dos 68 anos que abrange o recorte temporal desta pesquisa, foram arrolados
nos inventários de 437 senhores e 5.905 escravos. Estes processos representavam 85,6%
dos inventariados. Por outro lado, apenas 14,4% de pessoas que declararam os seus bens
na Vila de Baependi não possuíam escravos. É importante alertar que na região há um
número significativo de indivíduos que não se tornaram senhores de cativos. Há
também aqueles que alçaram tal status, mas não abriram inventários, somente
testamentos349.
Com relação à sobrevivência dos inventários, Libby, que antes já havia
intercruzado esta fonte cartorial com os censos eclesiásticos de São João del Rey, cogita
a hipótese que os inventários dos grandes senhores de escravos tenham desaparecidos.
Nas palavras do autor: “é bastante plausível sugerir que, de uma forma ou de outra, as
famílias da elite mineira e seus advogados conseguiram ficar de posse de inventários
que deveriam ter permanecido nos cartórios”350. Acreditamos que tais impressões sejam
válidas para os arquivos cartoriais da cidade Baependi, com os quais tivemos bastante
contado351. Portanto, espera-se que ao menos parte das escravarias dos senhores que não

Região, economia e população escrava piranguense na segunda metade dos Oitocentos. In: Anais do XV
Seminário sobre a Economia Mineira. Diamantina: CEDEPLAR, 2012.
348
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidades produtivas: Mariana – 1750-1850.
Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 1994.
349
Este número de senhores que não abriram inventários foi localizado nos assentos de batismo.
350
LIBBY, Douglas Cole & PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São
José d„El Rey em 1795. Revista Brasileira de Estudos da População, v.17, n.1/2, jan./dez.2000.
351
Carolina Perpetua Correa teve a mesma impressão ao investigar os arquivos cartoriais da cidade de
Santa Luzia, tanto é a autora também nos alertou para este tipo cuidado ao fazermos um levantamento dos
inventários depositados nos arquivos cartoriais de situação. Ver: CORRÊA, Carolina Perpétuo. “Por que
sou um chefe de famílias e o Senhor da Minha Casa”: proprietários de escravos e famílias cativas em
Santa Luzia, Minas Gerais, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Departamento de História,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2005.

149
abriram inventários ou tiveram seus processos extraviados seja revelada pelos assentos
paroquiais, dado que será analisado na próxima seção deste capítulo.
Na tabela abaixo, apresentaremos alguns indicadores da estrutura de posse
escrava da Vila de Baependi, no qual examinaremos as tendências às dispersões e da
concentração dos planteis escravistas.

Quadro 7: Estrutura de posse escrava da Vila de Baependi por subperíodos, 1820-


1888.

1820-1850
Faixas de Plantéis Escravistas Senhores % Escravos %
1-5 escravos 70 44,5 189 10,9
6-10 escravos 41 25,6 307 17,5
11-19 escravos 25 15,6 326 18,8
20-49 escravos 20 12,5 615 36,2
50 ou mais escravos 3 1,8 288 16,6
Total 159 100 1.725 100

1851-1870
Faixas de Plantéis Escravistas Senhores % Escravos %
1-5 escravos 58 43,6 156 7,3
6-10 escravos 32 24 247 11,5
11-19 escravos 16 12,1 252 11,7
20-49 escravos 16 12,1 510 23,8
50 ou mais escravos 11 8,2 971 45,7
Total 133 100 2.136 100

1871-1888
Faixas de Plantéis Escravistas Senhores % Escravos %
1-5 escravos 52 50,9 123 9,5
6-10 escravos 15 14,7 135 10,4
11-19 escravos 17 16,6 238 18,4
20-49 escravos 15 14,7 504 39,1
50 ou mais escravos 3 3,1 291 22,5
Total 102 100 1.291 100
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del Rei.

150
Como podem perceber, a estrutura de posse escrava352 em tela comprova que a
escravidão em Baependi não era governada apenas por grandes escravarias, pois haviam
plantéis de variados tamanhos que tiveram peso neste processo, a começar pelas
propriedades que detinham de 1 a 5 cativos. Estas pequenas unidades sempre
representavam mais de 40% do total de senhores da região, com elevado pico, entre os
anos de 1871 a 1888, chegando a quase 50%. No entanto, em nenhum intervalo, nunca
detiveram mais que 10% dos cativos, sendo que no primeiro subperíodo concentraram
apenas 9,7% de escravos, enquanto que 3,7% dos senhores (+ 50 escravos) ficavam com
22,8 dos mancipemos. Mesmo assim, fica evidente que, na região em estudo, o
comprometimento com o sistema escravista não era apanágio exclusivo de uma elite
senhorial353, mas também de muitos senhores de almas que não podiam ser
considerados elite.
Pelo Quadro de n° 1, percebemos que entre os anos de 1820 a 1850 a posse
escrava tendeu a ficar mais disseminada entre os inventariantes354. Tal processo pode
ser notado no aumento de pequenos plantéis (1-5 e 6-10) e no percentual de cativos por
eles acumulados. Assim, podemos afirmar que ao longo deste período, muitos
inventariados na região tiveram acesso ao mundo senhorial.
O amplo predomínio de pequenas posses não era exclusivo da região de
Baependi: outras localidades do Império Brasileiro apresentavam este modelo. Em
Serro Frio, Freguesia ligada à Mineração, no ano de 1738, 90% dos senhores possuíam
até 10 escravos e detinham 55% dos cativos. A franca predominância destas pequenas
posses tem a ver com o caráter fragmentário da extração do ouro e a amplitude do
número de indivíduos dedicados a esta atividade355. Em Mariana, entre as décadas de
1750 e 1850, Carla Almeida averiguou que os senhores donos de 1 a 5 escravos sempre
representavam 40% dos proprietários, enquanto os que possuíam acima de 20 cativos,

352
Salienta-se que, infelizmente, não há consenso sobre a classificação da posse escrava.
353
Marcio Soares ao pesquisar a região de Campos de Goitacazes teve a mesma impressa sobre a
estrutura de posse que se instalou nesta referida localidade.
354
Apenas para relembrar o que foi dito, a fonte (os inventários) utilizada não contempla os indivíduos
extremamente pobres – em razão da escassez ou inexistência de patrimônio.
355
LUNA, Francisco Vidal. Minas Gerais: escravos e senhores. Análise da estrutura populacional e
econômica de alguns núcleos mineratórios (1718-1804). São Paulo, FEA-USP, 1980, p.78. Podemos
comparar os resultados ora apresentados com índices calculados por Alice P. Canabrava (2) e referentes à
posse de riqueza em várias localidades da Capitania de São Paulo, no século XVIII, e que levou em conta
apenas a população cujos testamentos apresentavam algum tipo de bem. Vê-se, de imediato, que os
números obtidos para São Paulo são relativamente altos quando confrontados aos de Minas Gerais. Ver:
CANABRAVA, Alice. Uma Economia em Decadência: Os níveis de riqueza na Capitania de São Paulo”,
In> Revista Brasileira de Economia,vol.26, nº 4, out/dez.1972, p. 11.

151
nunca eram menos de 7%356. No ano de 1835, em São Gonçalo dos Campos e Santiago
do Iguape, ambas as localidades Baianas, 82% e 68,5% dos senhores conviviam com 1 a
5 mancípios em suas unidades, dominando respectivamente 41% e 12% dos cativos357.
No Sertão Pernambucano, entre o período de 1777 a 1887, Flavio Rabelo Versai e José
Raimundo Vergílio constataram que 2/3 dos escravos pertenciam a senhores que
detinham não mais que 20 cativos. Quanto ao tamanho dos plantéis, vê-se que mais da
metade dos senhores tinha de 5 ou menos escravos358.
Na região pastoril de Araxá nas Minas Gerais, por meio de listas nominativas,
Deborah dos Reis verificou que os senhores com até 10 escravos nunca foram menos de
65% dos produtores. No início da década de 1830, eles chegaram a ser
aproximadamente 88% do universo dos senhores de escravos, e dividia entre si em
torno de 51% dos cativos, o que quer dizer também, que quase a metade dos escravos
estava sobre o poder de apenas 12% dos proprietários. Essa forte concentração se
manteve nas décadas posteriores, entre 1856 e 1858. Os grandes escravistas
representavam cerca de 30% dos produtores e possuíam aproximadamente 68% dos
escravos359. Em Guarapuava, província do Paraná, na década de 1850, a concentração
de escravos nas grandes escravarias foi bastante considerável. Nesta região, em torno de
45% dos cativos pertenciam a 14% dos proprietários com mais de 10 cativos, enquanto
que 55% estavam em escravarias com até 10 escravos360. Na região de Palmas, também
no Paraná, entre 1850 e 1871, em torno de 73% dos senhores possuíam até 10 cativos,
porém, apenas 38,2% dos escravos habitavam suas senzalas. Consequentemente, os
grandes escravistas, que eram 27% dos senhores, detinham 61,8% dos escravos361.
No velho sul dos Estados Unidos, na primeira metade dos oitocentos, 28,5% dos
escravos estavam em propriedades com até 9 cativos que pertenciam a três quartos dos
senhores de escravos; já os senhores com mais de 20 cativos eram apenas 9,5% do total.
No entanto, nessa região, 44% dos escravos estavam concentrados nas posses com mais
356
ALMEIDA, Carla. Alterações nas unidades produtivas mineiras, p. 140.
357
BARICKMAN, Bert J. Um contrapondo baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 241.
358
VERGOLINO, José Raimundo O e VERSIANI, Flávio Rabelo. Posse de escravos e estrutura da
riqueza no Agreste e sertão de Pernambuco (1777-1887). Estudos Econômicos, v. 33, nº. 2, 2003, p. 362.
359
REIS, D. O. M. dos. Características demográficas dos escravos em Araxá (MG), 1816-1888. Anais
eletrônicos do XXXIII Encontro Nacional de Economia. Natal: ANPEC, 2005, p. 11. Disponível em:
<http://www.anpec.or.br/encontro2005/artigos/A05A018.pdf> Acesso em: 08 mar. 2013.
360
FRANCO NETTO, F. População, escravidão e família em Guarapuava no século XIX. Curitiba:
PPGH/UFPR, 2005. (Tese de doutorado), p. 259.
361
SIQUEIRA, A. P. P. Cativeiro e Dependência na Fronteira de Ocupação: Palmas, PR, 1850-1888.
Florianópolis: PPGH/UFSC, 2010. (Dissertação de Mestrado), p. 37.

152
de 20 escravos362. Em Baependi, entre os anos de 1820 a 1850, essa última proporção
era bem maior, onde 58,8% dos cativos viviam em plantéis que detinham mais 20
cativos.
A estrutura de posse da região da Jamaica também apresenta um padrão
diferente daquela do sul dos Estados Unidos. Hilary Beckles, realizando uma contagem
minuciosa sobre este território constatou, que ali dominavam as grandes plantations.
Em 1832, demonstrou que nesta ilha os cativos perfaziam 86,5% da população, sendo
que mais da metade vivia em propriedades com acima de 150 cativos. A Jamaica, em
suas configurações demográficas globais, era considerada uma grande plantation363. Ao
compararmos os dados analíticos dos arrolamentos dos senhores de escravos de
Baependi com o mesmo tipo de dados para o sul dos Estados Unidos e Jamaica, torna-se
claro que a estrutura de posse da região em análise tem algumas similaridades e
diferenças com estas distintas sociedades escravistas.
Quanto à proporção de escravos concentrados em unidades acima de 20 cativos,
Baependi se assemelha mais com o sul dos Estados Unidos, mas, em relação à
quantidade de escravos vivendo em pequenas posses, os dados encontrados em nossa
Vila Sul-Mineira diferem do sul norte-americano. Em Baependi, entre os anos de 1820 a
1850, os pequenos senhores (donos de 1 a 5) controlavam apenas 10,9% do contingente
de cativos. No mesmo período (1820-1850), no sul norte-americano, as famílias que
possuíam em média 8 escravos detinham um terço da população de cativos. Portanto, a
dessemelhança entre Baependi e o sul norte-americano não se acentua no topo da
estrutura de posse, mas na base deste sistema.
Comparada com a estrutura de posse Jamaicana, Baependi apresenta algumas
semelhanças com esta ilha em sua base. Na Jamaica, ao longo da primeira metade dos
oitocentos, os senhores com menos de cinco cativos compunham 54% dos proprietários,
mas controlavam apenas 4,4% dos escravos. Na região de Baependi 45,4% dos
pequenos patriarcas (1 a 5 cativos), controlavam apenas 10,9% dos mancípios. Com
relação às propriedades que possuíam acima de 100 escravos, observa-se que eram
excepcionais na região, pois representavam 1,2% de senhores, e somente 15,5% dos

362
B. J. Barickman, Persistence and decline: slave labor and sugar production in the bahian recôncavo,
1850-1888, JLAS, (1996): 581-633. Este sistema era, essencialmente, aquele que Stuart Schwartz
descreveu para o Recôncavo. (SCHWARTZ, 1985, p. 204-211).
363
SCHWARTZ, Stuart. Sugar plantations in the formation of Brazilian society Bahia, 1550-1835, New
York, Cambridge University Press, 1985, p. 88.

153
escravos viviam nestas unidades. Isto evidencia que disseminação da posse cativa se fez
mais presente em Baependi do que na Ilha Jamaicana.
No segundo subperíodo, entre os anos de 1850 a 1870, os donos de 1 a 5
escravos diminuíram suas participações no universo senhorial da Vila, registrando uma
queda de 8,2%. Este declínio pode estar associado ao fim do tráfico internacional de
africanos, que, consequentemente, elevou subitamente os preços dos cativos, e fez com
que muitos senhores deixassem de frequentar o mercado de escravos. Com este déficit,
as unidades concentradoras de escravos tornam-se mais visíveis nos inventariados
pesquisados. Tal concentração neste período atingiu seu cume mais elevado.
Flavio Gomes, ao estudar o Rio de Janeiro, percebeu uma concentração de
escravos nas mãos de poucos senhores. Segundo o autor, isto se intensificou com o fim
do tráfico negreiro de 1850. Estas alterações na estrutura de posse da capital fluminense
estão associadas ao súbito aumento do preço dos cativos, o que impediu que muitos
fazendeiros e lavradores de porte médio renovassem as suas escravarias364.
Hebe Mattos também dará destaque ao fim do tráfico negreiro de 1850 quando,
ao analisar o caso do Rio de Janeiro, aponta a extinção do tráfico e o aumento no preço
dos cativos, o que não apenas inviabilizou a aquisição de novos escravos pelos antigos
senhores, como consequentemente os levaram a desfazer parte das suas escravarias
quando a escravidão era reproduzida sobre o tráfico interno365.
Jonas Vargas, analisando a região de Pelotas entre os anos de 1850 e 1885,
indicou que houve um substancial aumento no valor do cativo do ano de 1850 para
1865, período no qual o preço dos escravos entre “15 e 40” anos quase triplicou.
Segundo Vargas, o aumento do preço dos cativos teria surgido, principalmente pela
“diminuição da oferta desta mercadoria e da corrida de comerciantes para adquirir
cativos e revendê-los aos grandes centros agroexportadores do sudeste”. O autor segue
argumentando que a elevação do preço dos mancípios após a década de 1850 teria
tornado menos acessível sua compra, pelo menos para os pequenos proprietários de
Pelotas. Ao cruzar os dados da alta do preço com os da diminuição dos inventários com

364
REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 269.
365
MATTOS, Das cores do silêncio..., op. cit., p. 94.

154
escravos, o autor percebeu que foi justamente ao longo da segunda metade do XIX que
a percentagem desses inventários começou a baixar366.
Neste período (1850-1871), um diminuto grupo de senhores, que tiveram o
privilégio de possuírem em suas unidades mais de 50 cativos, passou a controlar uma
parcela significativa das escravarias. Embora representassem apenas 8,2% dos senhores,
possuíam 45,7% dos cativos. Ao rés do chão desta estrutura, 7,3% dos mancípios
estavam nas mãos de senhores que constituíam 43,6% dos plantéis escravistas.
Tal situação confirma a pertinência da periodização proposta e reforça a
caracterização do período de 1851 a 1870 como uma fase do desenvolvimento do
sistema agrícola local voltado para a produção de alimentos. As profundas alterações na
estrutura de posse neste segundo subperíodo em relação ao anterior indicam claramente
que foi nesse momento que a economia da região passou por um crescimento, mantendo
a agropecuária como principal atividade produtiva. E os avanços destas produções
contribuíram para que os grandes senhores de escravos da Vila de Baependi ampliassem
os seus plantéis concentrando um maior número de escravos em suas unidades
produtivas.
Os dados coligidos pela historiografia para as regiões dedicadas a produção
agropecuaristas, confirmam que o maior número de senhores se concentraria na faixa de
1 a 5 escravos e que a maioria dos cativos viveria em plantéis com até 10 escravos367.
No entanto, estas vinculações têm que ser tomadas mais como tendências do que como
verdades absolutas, pois nem sempre todas as ligações previstas se dão. A
especificidade do desenvolvimento histórico regional pode às vezes ocasionar estruturas
não tão previsíveis. Baependi parece ser um bom exemplo dessa possibilidade.
Vejamos.

366
VARGAS, Jonas Moreira. Das charqueadas para os cafezais? O tráfico interprovincial de escravos
envolvendo as charqueadas de Pelotas (RS) entre as décadas de 1850 e 1880. In: XAVIER, Regina Célia
Lima (org.). Escravidão e liberdade: temas, problemas e perspectivas em análise. São Paulo: Alameda,
2012, p. 5-8.
367
SCHWARTZ, Stuart B. Padrões de propriedade escrava nas Américas: nova evidência para o Brasil.
Estudos Econômicos. São Paulo, v.13, n.1, jan/abr. 1983. PAIVA, Clotilde A. Minas Gerais no século
XIX: aspectos demográficos de alguns núcleos populacionais. In: COSTA, Iraci del Nero da. Brasil:
História econômica e demográfica. São Paulo: IPE, 1986. ; LIBBY, Douglas Cole & GRIMALDI,
Márcia. Crescimento da população escrava: uma questão em aberto. In: IV SEMINÁRIO SOBRE
ECONOMIA MINEIRA, 1988: CEDEPLAR/FACE-UFMG. LUNA, Francisco Vidal. Minas Gerais:
escravos e senhores. São Paulo: IPE, 1981. LIBBY, Douglas Colle. Demografia e escravidão. LPH:
Revista de História, Mariana, v.3, n.1, 1992.

155
A primeira destas constatações é perceptível em Baependi, pois mais de 50%
das propriedades contava com 1 a 5 cativos, sendo uma das faixas de plantéis que mais
ampliava a base social do escravismo na localidade. Quanto à segunda afirmação, a
mesma para localidade não se verifica, onde a maioria dos cativos vivia em poucas
unidades escravistas que contava com a força de trabalho de mais 20 escravos.
No geral, em todos subperíodos desta pesquisa, os escravos estavam menos
presentes nos pequenos plantéis e mais concentrados nas grandes escravarias, porém,
este quadro passou por algumas oscilações. Na passagem do primeiro (1820-1850) para
o segundo subperíodo (1850-1870) houve uma pequena queda de senhores que
detinham de 1 a 5 escravos e o aumento de proprietários que possuíam acima de 20
cativos. Sobre estas alterações ocorridas após fim do tráfico negreiro, a posse escrava na
região tendeu a ficar menos desconcentrada e mais concentrada nas mãos de alguns
senhores. Esta centralização foi tão acentuada, que apenas 11 senhores na região deterão
45% da população cativa. É provável que esta exacerbada concentração tenha tornado
mais hierarquizados e distintos os senhores de Baependi.
Comparando com os dados encontrados para Curitiba, os percentuais de
escravos detidos por pequenas unidades escravistas são muito inferiores a Baependi.
Nesta região, os senhores donos de 1 a 5 cativos dominavam 60,5% deste contingente.
De acordo com Francisco Vidal Luna e Iraci Costa, Curitiba era uma região produtora
de alimentos deste do início do século XIX. Nesta localidade não houve nenhuma
plantação de cana, açúcar e fumo (produtos de caráter exportador). Além do mais, esta
região estava muito distante dos principais eixos econômicos do centro-sul que
englobavam fundamentalmente as Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais368.
Ao confrontar os nossos dados com a região rural de Magé, região próxima do
Rio de Janeiro e fornecedora de farinha de mandioca para esta praça comercial
notaremos que nessa localidade a concentração da posse escrava era maior que em
Baependi. Entre os anos de 1850 a 1856, Magé tinha 63% dos senhores (1 a 10 cativos)
controlando 19% dos escravos, os senhores donos de grandes escravarias (acima de 20),
que representavam 17% dos escravistas, concentravam em suas unidades, 58% dos
trabalhadores mancípios. A partir destes dados, Antônio Carlos Sampaio Jucá acredita
que a estrutura de posse de Magé não se assemelha em nada ao que foi encontrado para

368
LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci. Posse de escravos em São Paulo no início do século XIX, in:
Estudos econômicos, n° 13, São Paulo, Fipe, 1983, p. 214.

156
as regiões produtoras de alimentos. O autor classificou essa estrutura como inédita,
apresentando um perfil de posse cativa muito mais similar às localidades voltadas para a
agro exportação369. Nesse sentido, quando o autor compara Magé com as regiões
açucareiras do recôncavo baiano, percebe que a referida localidade carioca esteve ligada
ao mercado externo durante a segunda metade dos oitocentos370.
Ao comparamos Baependi com Magé chega-se a algumas conclusões até certo
ponto surpreendentes. O que fez ambas as regiões terem uma estrutura de posse
diferente das outras localidades dedicadas à produção de alimentos? A reposta pode
estar no desenvolvimento agrário destas áreas. Baependi, como Magé, esteve dedicada a
uma economia de subsistência alimentar, porém, ambas possuíam produtos que tiveram
inserção em vários mercados do centro-sul brasileiro, como o fumo e os produtos
derivados da pecuária (toucinhos). Além disso, a localidade em estudo, mesmo não
sendo tão próxima do Rio de Janeiro como é o caso de Magé, desde as primeiras
décadas do XIX já tinha suas rotas comerciais interligadas a esta praça carioca.
A produção agropecuarista realizada em Baependi e as rotas comerciais que
facilitavam o abastecimento destes produtos nos mercados consumidores do sudeste
brasileiro foram importantes para a aquisição de cativos, e os senhores que tiveram
capitais empenhados nestas produções conseguiu ao mesmo tempo preservar e aumentar
as suas escravarias. Assim, concentravam um contingente expressivo de cativos em suas
unidades.
A estrutura de posse, entre os anos de 1871 a 1888, precede o momento
definitivo da abolição da escravidão brasileira. Durante este período, os plantéis que
possuíam de 1 a 5 cativos continuaram a serem os mais frequentes na região, porém, em
todos os subperíodos analisados, nunca chegaram a absorver sequer ¼ da população
cativa. Durante as últimas décadas da escravidão, estes pequenos senhores
representavam 50,9%, e dominavam 9,5% dos escravos. Com relação às propriedades
escravistas de médio porte (6-10 e 11 a 19 escravos), registrou-se uma pequena queda
no seu contingente de senhores e cativos. Quanto às unidades que possuíam 20 a 49
cativos, estas, por sua vez, passaram a controlar quase a metade do contingente de
mancípios da localidade. Neste grupo havia 24 senhores que detinham 46,7% dos

369
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. Magé na crise do escravismo: sistema agrário e evolução econômica
na produção de alimentos, (Dissertação de Mestrado), UFF, 1994, p. 122-123.
370
SCHWARTZ, Stuart B. Padrões de propriedade escrava nas Américas: nova evidência para o Brasil.
Estudos Econômicos. São Paulo, v.13, n.1, jan/abr. 1983.

157
escravos inventariados, maior índice apresentado por esta faixa de plantel, ao longo de
todos os recortes temporais analisados. E em um estágio acima encontramos aqueles
patriarcas que controlavam em suas propriedades mais de 50 cativos. Para que estes
senhores conseguissem enfrentar as crises da escravidão e chegassem às últimas
décadas deste regime ostentando imensas escravarias371, foi necessário que fizessem uso
de várias estratégias sociais, uma que nos pareceu mais eficaz foi incorporação destes
escravos nas relações familiares da casa grande, pois ao envolvê-los nesta rede
reciprocidades verticais, os tornavam mais comprometidos com a manutenção destas
propriedades. Veremos esta questão com maior profundidade nos próximos capítulos
desta tese.
Para melhor compreender as mudanças que correram na estrutura de posse da
localidade, em especial nas últimas décadas da escravidão, é necessário que se apresente
outros dados. Em primeiro lugar, nota-se que houve um crescimento na população
escrava até o ano de 1870, e, a partir daí, ocorreu um decréscimo em seu contingente,
registrando uma queda de 25,1%. Em segundo lugar, devemos lembrar que outra
característica deste mesmo período foi à diminuição do percentual do investimento feito
pela elite baependiense em escravos, sobretudo na década de 1880, aonde este
patrimônio produtivo chegou a compor 26,8% das fortunas inventariadas.
Este processo visto nas últimas décadas da escravidão decorre diretamente de
uma nova dinâmica imposta ao sistema, de modo que os investimentos em escravos já
não se apresentavam tão representativos quanto no período anterior372. Conforme
exposto no Capítulo 1, o percentual de riqueza alocada em escravos até a década de
1870 foi relevante, atingindo em média 45% a 55% das riquezas inventariadas.
Entretanto, devido alguns fatores, entre eles a percepção do fim da escravidão brasileira,
a aplicação de recursos em escravos reduziu-se sistematicamente ao longo do tempo.

371
Uma destas escravarias foge dos padrões mineiros levantados por Douglas Cole Libby. Tal plantel
pertencia ao Deputado da Província, Doutor Antônio Torquato Forte Junqueira, que possuía no ano de
1882, 119 escravos.
372
MOTTA, José Flávio. O tráfico de escravos na província de São Paulo: Areias, Silveiras,
Guaratinguetá e Casa Branca (1861-1887). Texto para discussão. Série Economia. São Paulo: FEA/USP,
21, 2001. VENÂNCIO, Renato Pinto. A riqueza do senhor: crianças escravas em Minas Gerais do século
XIX. Estudos Afro-Asiáticos, (21):97-108, dez, 1991. VENÂNCIO, Renato Pinto & LIMA, Lana Lage da
Gama. Os órfãos da lei: o abandono de crianças negras no Rio de Janeiro após 1871. Estudos Afro-
Asiáticos. Rio de Janeiro, (15): 24-33, 1988. MARCONDES, Renato L. A propriedade escrava no Vale
do Paraíba paulista durante a década de 1870. Texto para Discussão. Série Economia. São Paulo:
FEA/USP-Ribeirão Preto, 2000.

158
A partir daí, podemos concluir que as alterações ocorridas na estrutura de posse
da região de Baependi possam estar relacionadas a uma diminuição constante e
progressiva das grandes propriedades escravistas, e a contínua disseminação das
pequenas posses (1-5 cativos) pelo tecido da sociedade. É significativo, a esse respeito,
que dos 17 senhores que possuíam acima de 50 escravos, onze tiveram seus inventários
abertos, entre os anos de 1850 a 1870. E no subperíodo subsequente (1871-1888) apenas
três declararam plantéis com estas dimensões.
Tomando novamente os dados encontrados para Magé, Jucá constatou que
nesta região, entre as décadas de 1870 e 1880 havia poucas propriedades com mais de
30 escravos. Por outro lado, o grande número de inventariados com escravos ou sem
cativos deixa claro que a posse dos mesmos, tão difundida até o fim do tráfico atlântico,
tendeu a se concentrar cada vez mais a partir da abolição deste comercio. De acordo
com o autor:

A diferença, portanto, entre Magé e as outras regiões agroexportadoras não


estava no fato em si da existência de um processo de concentração da
propriedade escravista, que seria comum a ambas, e sim em que esta
concentração tenha se dado, em Magé, nos pequenos plantéis e nas outras
regiões nos grandes plantéis373.

Nota-se, no que toca à disseminação da posse cativa nos momentos finais da


escravidão, Baependi se assemelha a Magé. Ambas as localidades apresentam
resultados parecidos, mas a diferença consiste na concentração da posse. Em Baependi,
entre os anos de 1871 a 1888, quase a metade da população cativa continuava residindo
nas grandes unidades produtivas (acima de 20 escravos). Na região de Magé no mesmo
período, a maioria dos escravos vivia em pequenos planteis onde havia de 1 a 5
mancipios.
A chave de explicação para entendermos esta diferença na estrutura de posse
das distintas regiões encontra-se no desenvolvido dos seus respectivos sistemas agrário.
Apesar de estarmos examinando uma documentação (os inventários post-mortem) que
não abarque a totalidade da sociedade, tal fonte nos mostrou que uma determinada elite
escravista da Vila de Baependi conseguiu preservar os seus patrimônios ao longo
tempo, tendo, assim, melhores condições de concentrar em sua propriedade um
expressivo contingente de cativos.

373
SAMPAIO JUCÀ, Magé na crise do escravismo, op. cit., p.131.

159
Tomando como base os dados sobre a estrutura de posse revelada pelos
inventários até aqui, podemos concluir que posse escrava oscilou em dois eixos: esteve
disseminada entre os senhores que possuíam poucos cativos (1 a 5), e concentrada, nas
mãos de poucos patriarcas donos de grandes escravarias (acima de 20). Porém, a
desconcentração da posse escrava se mostrou, ao longo do período analisado, mais
regular. Assim, compreende-se que os pequenos senhores foram predominantes,
demonstrando que a continuidade da escravidão em Baependi não era do interesse
somente dos grandes fazendeiras locais, mas também de modestos senhores situados
nos extratos econômicos mais baixos da sociedade374. Quando cruzarmos as
informações dos inventários com os assentos de batismo, veremos com maior clareza
esta ampliação da escravidão na região.

Estrutura de posse e demografia escrava.

Outras variáveis, como as concentrações de homens, mulheres, africanos e


crioulos, podem nos ajudar a refletir sobre a estrutura escravista da região de Baependi.
Em todo o período abordado, a proporção entre a quantidade de homens e mulheres se
caracterizou por um relativo desiquilíbrio.

374
MARCELO, op. cit., p. 220.

160
Tabela 1: Distribuição de homens e mulheres escravos (as) nos distintos tamanhos
de plantéis escravistas da Vila de Baependi, 1820-1888 (*por subperíodos).
1820-1850

Sexo 1 a 5 cativos 6 a 10 cativos 11 a 19 cativos 20 a 40 cativo + de 50


cativos
Homens 60,6% 58,3% 57,9% 68,3% 64,2%

Mulheres 39,4% 41,4% 42,1% 31,7% 35,8%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

1851-1870

Sexo 1 a 5 cativos 6 a 10 cativos 11 a 19 cativos 20 a 40 cativo + de 50


cativos
Homens 57,0% 55,8% 62,8% 63,5% 61,3%

Mulheres 43,0% 44,2% 37,2% 36,5% 38,7%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

1871-1888

Sexo 1 a 5 cativos 6 a 10 cativos 11 a 19 cativos 20 a 40 cativo + de 50


cativos
Homens 50,6% 55,9% 57,8% 62,3% 47,5

Mulheres 49,4% 44,1% 46,2% 37,7% 52,5

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no


Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de São João del Rei.

A flutuação da masculinidade pelos três subperíodos examinados levanta o


primeiro indício de que o quadro demográfico que se irá descortinar escondia uma
dinâmica própria da região sobre análise. À primeira vista, nenhuma surpresa375. No

375
Nenhuma novidade para os trabalhos referentes à escravidão, que mostram que as regiões estavam
diretamente ou indiretamente ligadas ao comércio de almas africanas, ver: FLORENTINO, Manolo e
GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 -
c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. . Em costas negras. uma história do tráfico
atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo

161
primeiro recorte em tela, que se estende entre os anos de 1820 a 1850, era constante o
desiquilíbrio sexual entre os cativos no interior das propriedades de todos tamanhos.
Considerando todos os escravos que foram inventariados neste período, os homens
representavam 63%, ou seja, quase 2/3 da população de mancípios.
Nas listas nominativas do termo de Baependi376, elaboradas na década de 1830,
os cativos apresentaram um percentual de masculinidade menor do que foi encontrado
nos inventários post-mortem, com uma porcentagem 59,7%377. Apesar desta variação, a
presença de cativos do sexo masculino no termo de Baependi é bastante expressiva.
Como veremos a seguir, este perfil está de acordo com a maior presença de africanos
nos distintos tamanhos de plantéis, pois, os africanos eram a fonte de maior
desequilíbrio entre homens e mulheres. Por este lado, a desproporção entre os sexos
vista nas escravarias da Vila de Baependi revela uma tendência no que diz respeito aos
escravos provenientes do continente africano. O predomínio de cativos do sexo
masculino derivava não apenas da preferência dos senhores, mas igualmente da
redenção de mulheres pelas sociedades africanas, em virtude da sua capacidade
produtivas e reprodutivas378.
No que concerne às taxas de masculinidade nos respectivos plantéis
escravistas, nota-se que na primeira metade dos oitocentos, os índices de masculinidade
eram maiores nas pequenas e grandes escravarias, indicando a proximidade destas
propriedades com o comércio de almas africanas, pois umas das características básicas
do tráfico negreiro, é que ele era essencialmente masculino379.

Nacional, 1997. FRAGOSO, João. Sistema Agrários em Paraíba do Sul: 1659-1920. Rio de Janeiro:
PPGH/UFRJ, 1982. . Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do
Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. SCHWARTZ, Stuart B. Padrões
de propriedade de escravos nas Américas: nova evidência para o Brasil. Estudos Econômicos. Vol. 13, Nº
1, pp.256-287, jan-abr., 1983. . Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Cia. das Letras, 1988.
376
Gostaríamos de relembrar que não temos listas nominativas para a Vila de Baependi, estamos
trabalhando com os dados das listas de habitantes referentes às Freguesias e distritos que compunham o
termo da Vila.
377
Listas Nominativas da década de 1830. CEDEPLAR-UFMG. Coord. Clotilde A. Paiva. Original:
Arquivo Público Mineiro.
378
KLEIN, Herbert S. A experiência afro-americana numa perspectiva comparativa: a situação atual do
debate sobre a escravidão nas Américas. Afro-Ásia, Salvador, nº. 45, pp. 95-121, jan./jun. de 2012.
p.53.
379
Afirmação feita por Manolo Florentino ao constatar em sua pesquisa de doutoramento uma expressiva
quantidade de homens sobre a de mulheres nos mercados de escravos no Valongo. Ver; FLORENTINO,
Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro
(séculos XVII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.

162
Para a cidade do Rio de Janeiro, na primeira metade do XIX, Manolo
Florentino e José Roberto Góes encontraram altas taxas de masculinidade para os
pequenos plantéis. De acordo com os autores, isto não se deve a uma maior compra de
africanos homens, mas sim, a perda de mulheres (africanas e crioulas) para grandes
unidades produtoras, que buscaram viabilizar a maximização dos potenciais internos da
reprodução natural das suas escravarias. Segundo Manolo e Góes, isto esclarece a queda
relativa de homens nos grandes plantéis escravistas380.
Em “Uma lógica demográfica elástica”, artigo publicado no ano de 2011, (15
anos depois de Paz na Senzala) Manolo Florentino retoma esta questão e salienta que a
incorporação de mulheres pelas grandes unidades escravistas era uma maneira dos
senhores brasileiros se prepararem para um eventual término oficial do fluxo de
africanos previsto na lei anti-tráfico entre Brasil e Inglaterra. Desta forma, o autor alega
que o impacto desta lei na escravidão brasileira diminuiu o desiquilíbrio sexual entre os
cativos das plantantios fluminenses381.
Neste período, acreditamos que em Baependi uma significativa quantidade de
mulheres que pertenciam às pequenas posses tenha sido transferida para as grandes
unidades, porém, durante as décadas de ilegalidade do tráfico atlântico, estas volumosas
propriedades continuavam a receber escravos vindos deste comércio demonstrando altas
taxas de masculinidade. Portanto, como podem ver, estes dados diferem do que foi
encontrado nas plantations fluminenses.
Os motivos que levaram os senhores de Baependi a continuarem importando
escravos africanos durante o período de ilegalidade do tráfico negreiro, concerne no fato
da região encontrar-se ainda em fase de montagem do seu sistema agrário – para a
instalação destas atividades produtivas foi necessário que muitos plantéis escravistas
contassem com uma ampla mão de obra cativa vinda deste comércio, pois a força de
trabalho advinda da reprodução natural não daria conta desta demanda.
No segundo subperíodo, que tem como marco inicial o fim do tráfico atlântico
de africanos, os plantéis com até 10 cativos apresentaram um menor desequilíbrio entre
os sexos. Esta queda na taxa de masculinidade pode ter sido ocasionada pela explosão
dos preços dos escravos após a década de 1850, o que, por certo, afastou ainda os
pequenos produtores do acesso à condição senhorial. Tal dado se confirma ao
380
FLORENTINO; GÓES. Paz na Senzala, op. cit. p. 67.
381
FLORENTINO, Manolo. Uma lógica demográfica elástica: o abolicionismo britânico e a plantation
escravista no Brasil. Colômbia: Historia Crítica, número. 47, pp. 139-159, mai-ago. 2012.

163
relembrarmos que no tópico anterior deste capítulo vimos que, entre os anos de 1851 a
1870, nas pequenas faixas de plantéis, houve uma redução no número de senhores e
escravos. É provável que este déficit esteja coligado com as mudanças ocorridas neste
período. Por outro lado, nas grandes escravarias (acima de 20 escravos), a quantidade
superior de homens mantinha-se com elevado índice, o que revela que estas unidades
produtivas estavam em conexão com o mercado inter-regional e província de cativos.
No último recorte desta pesquisa, a taxa geral de masculinidade estava mais
propensa ao equilíbrio sexual, tanto que, neste período, registramos a primeira faixa de
plantel onde as mulheres eram numericamente superiores aos homens. Este dado foi
observado para os planteis que possuíam acima de 50 cativos, provavelmente o
potencial reprodutivo destas cativas tenha contribuído para a renovação destes plantéis.
Estas propriedades apresentaram uma taxa de feminilidade de 52,7%.
Dentre as faixas de plantéis pesquisadas, entre os anos de 1871 a 1888, as
únicas que continuaram mantendo um alto padrão de masculinidade foram as que
possuíam de 20 a 49 cativos. Como já dissemos estas escravarias, por absorver um
elevado número de escravos, foram as que tornaram a posse cativa na região mais
concentradora. Ao deter uma parcela significativa da população escrava local, impedia
que outros patriarcas chegassem a tal nível, e, assim, contribuía para que muitos
senhores da localidade detivessem poucos escravos.
Ao constatarmos um diminuto grupo de senhores que conseguiram preservar e
ampliar as suas escravarias, podemos afirmar, que estes homens representavam uma
elite senhorial que fortaleceu os seus etos de elite escravista como uma forma de
reproduzir a escravidão como meio de reiterar a diferença com os seus pares382.
No que confere o índice de crioulos e africanos nos plantéis escravistas da Vila
Baependi, é importante frisar ao leitor que nem todos os escravos tiveram suas origens
anotadas pelos escrivães: dos 5.152 cativos arrolados nos processos, 2.921 (56,6%)
tiveram estes dados mencionados. Destes, 1.871 eram crioulos e 1.050 africanos.
Com relação aos africanos, na medida em que o tráfico negreiro ia se
intensificando, suas procedências eram mais especificadas. Com o fim deste comércio
de almas, a tendência era que ficassem mais homogeneizados, e a maioria dos cativos
vindos da África eram classificados como “de nação”. O número de procedências
reconhecidas foram 435, sendo que 330 foram registradas como da África Central

382
FINLEY, Moses. Escravidão Antiga e Ideologia Moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1991.

164
(Angola, Congo, Rebolo, Cabinda, Cassange, Benguela e Monjolo) e 17 da África
Ocidental (Mina e Guine), e África Oriental (todos de Moçambique). Os escravos
inventariados designados pelos escrivães como africanos, da Costa e de Nação,
aparecem com mais frequência entre os anos de 1850 a 1888, somando 615 mancípios.
As listas nominativas da década de 1830, dos Distritos e Freguesias que estavam sobre a
administração do Termo de Baependi, não especificaram as origens dos africanos.
Nestas fontes censitárias todos foram recenseados como africano-pretos.
No que diz respeito aos cativos nascidos no Brasil, estamos considerando todos
aqueles descritos como “crioulos”, “pardos”, “mulatos”, “cabras” e escravos com até 7
anos ou menos. É importante pontuar que, em alguns inventários abertos durante a
segunda metade dos oitocentos, foram mencionadas as procedências regionais dos
escravos crioulos. Encontramos pequenos e grandes plantéis que detinham em suas
unidades cativos oriundos de outras regiões do Império Brasileiro. Foi o caso, por
exemplo, do pequeno plantel do tropeiro, lavrador e pardo, Leopoldino Leandro da
Cruz, que era senhor de dois cativos: os pretos Polônio, de 12 anos de idade e bom
pajem, e José de 18 anos, bom roceiro. Estes vieram da cidade de São José do Rio Preto
da Província de São Paulo. O plantel em questão foi arrolado em 1885 e, a tirarmos
pelas idades dos escravos, não há dúvidas de que os mesmos foram incorporados a esta
propriedade em algum momento da segunda metade do século XIX, quando o tráfico
atlântico já se encontrava proibido no Brasil383.
No ano de 1885 foi aberto o inventário de Dona Ana Francisca de Jesus, esposa
do Capitão Joaquim Alves Taveira Pinto. Neste processo foram arrolados 38 escravos,
destes, oito procediam de outras regiões brasileiras, sendo 2 da Bahia, 2 de Angra dos
Reis (RJ), 1 de Barra Mansa (RJ), 1 de Pernambuco e 1 do Maranhão. Em média, a
faixa etária destes cativos era 15 a 30 anos, e, provavelmente, estes também foram
adquiridos no tráfico interprovincial de cativos. Esclarecidos alguns pontos, passamos
aos dados que serão examinados.

383
SLENES, Robert W. The Demography and Economics of Brazilian Slavery, 1850-1888. PhD.
Dissertation (History) – Department of History, Stanford University, 1976, p. 610.

165
Quadro - 2: Distribuições de cativos crioulos e africanos nos plantéis escravistas da
Vila de Baependi, 1820-1888 (*Subperíodos).

1820-1850
Crioulos Africanos
Plantéis escravistas Nº % Nº %
1 a 5 cativos 67 9,1 50 9,1
6 a 10 cativos 111 15,1 65 11,7
11 a 19 cativos 173 23,6 113 20,3
20 a 49 cativos 221 30,5 164 29,5
+ 50 cativos 159 21,7 163 29,3
Total 731 100,0 555 100,0
1851-1870
Crioulos Africanos
Plantéis escravistas Nº % Nº %
1 a 5 cativos 64 8,8 29 7,1
6 a 10 cativos 119 16,4 29 7,1
11 a 19 cativos 83 11,4 43 10,6
20 a 49 cativos 243 33,6 81 20,1
+ 50 cativos 213 29,8 223 55,1
Total 722 100 405 100
1871-1888
Crioulos Africanos
Plantéis escravistas Nº % Nº %
1 a 5 cativos 46 10,8 1 1,1
6 a 10 cativos 65 15,3 7 7,8
11 a 19 cativos 74 17,4 16 17,9
20 a 49 cativos 199 47,1 57 64,1
+ 50 cativos 39 9,4 8 8,9
Total 423 100 89 100
Fonte: Idem

166
Tomando como base a presença de crioulos e africanos em todos os recortes
temporais desta pesquisa, perceba que a escravidão na região eram relativamente mais
crioulizados, porém, os senhores de Baependi não estiveram desconexos do tráfico
oceânico de africanos.
No primeiro recorte (1820-1850), a proporção de africanos na Vila era
impulsionada, principalmente, por grandes senhores, especialmente aqueles que
possuíam acima de 50 cativos, assim, notam que o processo de africanização nas
escravarias baependienses se deu no topo da estrutura de posse, ou seja, entre aqueles
poucos senhores, que tiveram o privilégio de frequentar com mais força o mercado de
escravos africanos. Diante disto, é muito provável que o envolvimento direto com o
comércio atlântico tenha conferido a estes senhores algum prestígio social perante aos
demais senhores da região.
Na outra extremidade, os senhores que possuíam de 1 a 5 cativos também
detiveram uma quantidade expressiva de africanos, com um percentual de 42,7%. Em
proporções, as pequenas unidades escravistas foram a segunda faixa de tamanho de
plantéis a apresentar porcentagens significativas de escravos procedentes da África.
Pelo exposto, o perfil da naturalidade escrava na Vila de Baependi, entre os
anos 1820 a 1850, dependeu mais dos pequenos e grandes plantéis do que dos médios.
Na segunda metade dos oitocentos, especialmente, entre os anos de 1850 a 1870,
ocorreram mudanças. Durante esta fase, as pequenas posses mantiveram quase intactas
o seu contingente de crioulos, mas por outro lado, assistiram à redução de africanos em
suas propriedades. Isto, de certa forma, reforça o que encontramos no tópico anterior
(ver Quadro 2). A explosão dos preços dos cativos após o fim do tráfico atlântico de
almas africanas afastou muitos senhores pobres do acesso ao mercado de escravos384.
Neste segundo subperíodo (1850-1870), os senhores que possuíam acima de 50
cativos ainda mantiveram em suas escravarias mais africanos do que crioulos. Também
notem que a presença de escravos africanos nestas propriedades escravistas passou por
um aumento na passagem da primeira para a segunda metade dos oitocentos.
Certamente estes além-mares eram remanescentes das últimas décadas do
funcionamento do comércio oceânico de cativos.

384
Manolo e Góes constaram a perda de escravos por pequenos senhores na última etapa de legalidade do
tráfico de africanos. Ver; Manolo e Góes, Paz na Senzala, op. Cit., p.67.

167
Os médios plantéis escravistas tiveram o seu quadro de crioulos e africanos
reduzidos, enquanto as propriedades que possuía de 20 a 49 cativos – consideradas
nesta pesquisa também como grandes escravarias – viram uma redução de cativos
vindos da África. Mas, por outro lado, foram as propriedades que apresentaram o maior
número de escravos crioulos neste período (1851-1870). Acreditamos que parte destes
mancípios nativos tenha sido adquirida no mercado interprovincial ou fruto de uma
reprodução natural.
Helen Osório interpretou a presença superior dos crioulos em algumas fazendas
rio-grandenses como sendo resultado da importação de escravos adultos nascidos em
outras regiões brasileiras. Chegou a essa conclusão devido à observação que fez do
elevado predomínio de indivíduos do sexo masculino entre esses grupos, na faixa de
66%, o que a levou a considerar que:

Esta taxa de crioulos do sexo masculino provavelmente indique que a sua


presença no conjunto da população escrava não deva à reprodução dos
cativos no Rio Grande, mas a compra de escravos crioulos via tráfico interno.
Grifo nossos385. (grifo nosso).

Luiz Farinatti, ao examinar a população cativa da região de Alegrete do Rio


Grande do Sul, verificou o predomínio de crioulos, na ordem de 60% frente a 40% dos
africanos. O autor concorda que uma parte destes escravos nascidos no Brasil seja
oriunda do mercado interprovincial, mas alerta, diferentemente de Osório, que não se
deve minimizar demasiadamente a influência da reprodução endógena dos plantéis386.
Mônica Ribeiro de Oliveira, estudando a Zona da Mata mineira, demonstrou
que o contingente de africanos se elevou na segunda metade do XIX. De acordo com a
autora, estes dados são reveladores ao demostrar que a implantação de um sistema
agrícola exportador na Mata Mineira teria contado em grande parte com a compra de
africanos no mercado para sua montagem. Mas a grande presença de cativos advindos
da África, “não foi suficiente para explicitar a formação e a composição dos planteis

385
OSÓRIO, Helen. Estancieiros, lavradores e comerciantes na constituição da estremadura portuguesa
na América. Rio Grande de São Pedro, 1737-1822. Niterói, Curso Pós-graduação em História,
Universidade Federal Fluminense. (tese de doutoramento). 1999.
386
FARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira
Sul do Brasil (1825-1865). Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 2007. (Tese de Doutorado).

168
escravistas, que estavam, certamente, condicionados a outros fatores, tais como tráfico
intraprovincial ou mesmo a reprodução natural”387.
Como vimos na região em estudos, o elevado número de crioulos não implica
dizer que a região de Baependi, ao longo do XIX, não participasse ativamente do tráfico
negreiro, uma vez que dos 1.050 africanos identificados nas fontes, ou seja, 20,3% dos
escravos dos 5.152 cativos inventariados entre 1820 a 1888, não deixam de representar
uma parcela importante dessa população. Por outro lado, 1.871 crioulos que tiveram
suas origens identificadas também não deixam de ser um forte argumento de que,
aparentemente, convivia-se, ao mesmo tempo, com alternativas de reprodução natural,
além, é claro, do comércio de escravos não africanos de outras regiões brasileiras.
No último recorte, compreendido entre os anos de 1871 a 1888, os africanos
quase desaparecem das propriedades escravistas inventariadas. As únicas posses a
sustentar uma relativa quantidade de além-mares, foram aquelas que possuíam de 20 a
49 cativos. A queda no número de africanos na região também pode ser observada no
Censo Imperial do ano de 1872. Neste ano, os africanos em Baependi representavam
apenas 10,9% dos indivíduos presos ao cativeiro, confirmando a tendência observada

pelos inventários. Isto estaria claramente vinculado ao término efetivo do tráfico de

escravos, em 1850, e, portanto, a diminuição de entrada de africanos. Além disso, estes


poucos além-mares remanescentes deste comércio negreiro envelheceram, restando nas
últimas décadas (1871-1888) um diminuto grupo de cativos procedentes da África. De
qualquer modo, é inegável que a presença de africanos até este momento é um forte
indício que a região recorreu amplamente ao tráfico atlântico de escravos. Feitas estas
ponderações, passemos para o Quadro 3.

387
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de Famílias. Mercado, terra e poder na formação da
cafeicultura mineira – 1780-1870. Bauru: Edusc; Juiz de Fora: Funalfa, 2005, pp. 72 e 124.

169
Quadro - 3: Distribuição de homens e mulheres crioulo e africanos nos plantéis
escravistas da Vila de Baependi, 1820-1888 (* por Subperíodo).

1820-1850
CRIOULOS AFRICANOS
Sexo Homens Mulheres H Homens Mulheres H
Plantéis Escravistas N° N° % N° N° %
1-5 cativos 29 23 55,7 33 9 78,5
6-10 cativos 44 43 50,5 42 14 75,0
11-19 cativos 42 39 51,8 68 30 69,3
20-49 cativos 104 53 62,2 114 29 79,7
50 cativos 85 68 55,5 118 26 81,9
Total 304 226 57,3 375 108 77,6
1851-1870
CRIOULOS AFRICANOS
Sexo Homens Mulheres H Homens Mulheres H
Plantéis Escravistas N° N° % N° N° %
1-5 cativos 38 17 69,0 12 4 75,0
6-10 cativos 74 44 62,7 22 3 88,0
11-19 cativos 49 32 60,4 29 10 59,1
20-49 cativos 105 51 67,3 48 11 81,3
50 cativos 103 58 63,9 100 27 78,7
Total 369 202 64,6 211 55 79,3
1871-1888
CRIOULOS AFRICANOS
Sexo Homens Mulheres H Homens Mulheres H
Plantéis Escravistas N° N° % N° N° %
1-5 cativos 17 24 41,4 - 1 -
6-10 cativos 36 29 55,3 3 3 50,0
11-19 cativos 48 28 63,1 9 6 60,0
20-49 cativos 109 84 56,4 37 14 72,5
50 cativos 26 17 60,4 5 2 71,4
Total 236 182 56,4 54 26 67,5
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de São João del Rei. H%:
Percentuais de homens sobre mulheres.

E um primeiro olhar, percebermos que o desequilíbrio sexual no cativeiro era


mais constante entre os africanos do que os crioulos. Este padrão repetia-se, com
diferentes gradações, em praticamente todas as faixas de plantéis. Para efeito de análise,
explicaremos como ocorreu a dinâmica deste processo nos distintos subperíodos.

170
Na primeira metade do oitocentos em Baependi, vimos uma supremacia
numérica de mulheres crioulas sobre as africanas. Isto fez com que as escravas nascidas
no Brasil apresentassem maior equilíbrio sexual, porém, estes dados não isentam a
região de ter as suas escravarias renovadas e ampliadas pelo comércio de almas
africanas.
O que queremos dizer é que este crescimento vegetativo não desvinculou a
região de Baependi do trato negreiro, pois temos dados que confirmam esta articulação.
O primeiro dado consiste no maior número de africanos homens sobre os crioulos do
mesmo sexo. O segundo concerne na elevada razão de masculinidade dos além-mares,
apresentando um índice de 342,2, ou seja, mais de três homens africanos para cada
mulher da mesma origem.
Estes dados encontrados para Baependi na primeira metade do XIX assemelha-
se com o que Manolo Florentino constatou para a cidade do Rio de Janeiro na década de
1820. Havia três africanos para cada mulher. Esta área pesquisada pelo autor tinha boa
parte das suas produções destinadas para atender o mercado internacional,
configurando-se ao longo do XIX como o principal porto escravista do continente
americano388.
Como já salientamos, a Vila de Baependi ao longo do século XIX esteve
voltada para abastecimento do mercado interno, porém, havia algumas produções que
atendiam às demandas de um mercado externo, uma delas era o cultivo do fumo. Por ter
sido produzido em larga escala na região, supria várias praças comerciais brasileiras e
estrangeiras. Assim, a produção deste gênero permitiu que muitos senhores da
localidade circulassem por vários mercados, em especial a do Rio de Janeiro, no qual
tiveram acesso à mão de obra advinda do tráfico atlântico de escravos.
A exemplo disto, temos o já mencionado Capitão Miguel Pereira da Silva,
morador no termo de Baependi, no Arraial do Pouso Alto, que no início da década de
1830 foi reconhecido no Sul de Minas como o maior exportador de fumo. Em 24
viagens pela rota de Picu389, enviou para a praça mercantil do Rio de Janeiro 12.040
arrobas de fumo. Ao comercializar toda esta produção, trouxe desta cidade 188 cativos.

388
Manolo & Góes, Paz na Senzala, op. cit., p. 78-90.
389
Fonte: Revista do Arquivo Público Mineiro, IX, II, MarJun/1904, p.656.

171
Este volume de escravos adquiridos lhe tornou conhecido como o maior traficante
negreiro do Sul de Minas Gerais390.
Além do Capitão Miguel Pereira, outros senhores produtores de fumo na região
conseguiram importar uma quantidade significativa de cativos procedentes do porto
carioca391. Depreende-se, portanto, que a produção de fumo na região foi de suma
importância para importação de cativos vindos do comércio de almas atlânticas.
No segundo recorte, entre os anos de 1851 a 1870, as taxas de masculinidade
de crioulos e africanos se elevavam. A resposta para a razão deste aumento consiste na
queda numérica de mulheres nos respectivos grupos de origem. Porém, é importante
frisar que o desequilibro sexual esteve mais propenso entre os africanos do que entre os
crioulos. Como podem ver, neste período marcado pelo fim do tráfico negreiro havia
uma proporção de quatro homens africanos para cada mulher da mesma procedência
continental. Este dado confirma a lógica da demografia do tráfico: a opção dos senhores
pela compra de africanos adultos jovens do sexo masculino.
Ricardo Salles, analisando a região de Vassoura no século XIX, observou que
com o fim do comércio negreiro de 1850, iniciou-se, como era de se esperar, a presença
mássica de crioulos espalhados pelas propriedades da região, representando em média,
53,98% dos cativos. De acordo com o autor, a série com os dados dos inventários
mostra que somente em 1859 os nativos superaram os africanos. Em 1864, os crioulos
voltaram a crescer, com um percentual de 50,58% contra 49,42% de africanos. Só que
desta vez, de forma permanente e crescente até a última década da escravidão (1880).392.
Em nosso caso, os inventários post-mortem abertos após a extinção do tráfico
internacional de escravos, pós 1850, apontam uma alteração na proporção entre crioulos
e africanos. A partir deste momento, os nascidos no Brasil apresentaram um percentual
de 68,2% contra 31,8% dos cativos que vieram da África. Este crescimento se deve ao
processo de reprodução natural que estava em curso na região desde da primeira metade
do século XIX.

390
Em um dos inventários desta pesquisa, encontramos os bens inventariados da esposa do Capitão
Miguel Pereira da Silva, Dona Isabel Maria do Espírito Santo, cujos bens em 1855 totalizaram 442 contos
de réis, com 259 cativos. Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888.
Depositados no Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de São João
del Rei. Inventariado de Dona Isabel Maria do Espírito Santo, Ano: 1855 cx.43.
391
Seu irmão, seu filho e seu genro, juntos, importaram outros 130 cativos. Era sogro do Capitão
Francisco Theodoro da Silva, por sua vez também proprietário-tropeiro na rota do Picu, exportador de
tabaco (4.202 arroba) e importador de escravos (41 cativos), e futuro Barão de Pouso Alto.
392
SALLES, Ricardo. E o vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do
Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 181-184.

172
Porém, a abolição definitiva do tráfico atlântico de escravos em 1850 não
ofuscou a presença de africanos na região. Apesar de serem superados pelos crioulos,
não deixaram de ter uma atuação marcante em Baependi até a década de 1860, pois
estes escravos vindos África ainda desempenhavam um papel muito importante nas nas
propriedades escravistas e nas relações sociais como um todo entre senhores e escravos.
No último recorte temporal (1871-1888), as faixas de plantéis escravistas apresentaram
menor desequilíbrio no sexo dos cativos, isto ocorreu devido o declínio observado
nas taxas de masculinidade e africanização das propriedades cativas. Este déficit
parece indicar que a região diminui a sua capacidade de importar, passando a
depender mais da reprodução natural. Veremos este dado com maior detalhe nos
quadros abaixo..

173
Quadro 4 : Plantéis escravistas, faixa etária e naturalidade entre homens e mulheres crioulos, Baependi –
1820-1888 (*por subperíodo).

1820-1850
Homens Mulheres
Planteis Escravistas Crianças % Adultos % Idosos % Crianças % Adultos % Idosos %
1-5cativos 11 6,4 14 8,8 5 19,2 3 2,9 15 14,8 5 20
6-10cativos 21 12,2 22 13,9 1 3,8 27 26,7 12 11,8 4 16
11-19cativos 35 20,4 31 19,6 6 23,1 6 5,9 26 25,7 7 28
20-49cativos 60 35,3 54 34,1 10 38,4 26 25,7 24 23,7 4 16
50cativos 44 25,7 37 23,4 4 15,3 39 38,6 24 23,7 5 20
Total 171 100 158 100 26 100 101 100 101 100 25 100
1850-1870
Homens Mulheres
Planteis Escravistas Crianças % Adultos % Idosos % Crianças % Adultos % Idosos %
1-5cativos 8 7,2 25 12,9 4 4,2 6 7,5 11 10,7
6-10cativos 24 21,6 26 13,4 54 55,1 17 21,5 20 19,6 7 33,3
11-19cativos 11 9,9 25 12,9 13 13,2 7 8,8 19 18,6 6 28,5
20-49cativos 35 31,5 63 32,6 11 11,2 28 35,4 22 21,5 1 4,7
50cativos 33 29,7 54 27,9 16 16,3 21 26,5 30 29,4 7 33,3
Total 111 100 193 100 98 100 79 100 102 100 21 100
1871-1888
Homens Mulheres
Planteis Escravistas Crianças % Adultos % Idosos % Crianças % Adultos % Idosos %
1-5cativos 4 11,1 12 8,1 1 1,8 5 10,8 19 21,8
6-10cativos 3 8,3 25 16,8 9 16,9 3 6,5 18 20,6 8 20,5
11-19cativos 6 16,6 32 21,6 10 18,8 8 17,3 12 13,7 8 20,5
20-49cativos 20 55,5 66 44,5 23 43,3 25 54,3 31 35,6 18 46,1
50cativos 3 8,3 13 8,7 10 18,8 5 10,8 7 8 5 12,8
Total 36 100 148 100 53 100 46 100 87 100 39 100
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888. Depositados no
Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de São João del Rei.

174
Quadro 5 : Planteis escravistas, faixa etária e naturalidade entre homens e
mulheres africanos, Baependi – 1820-1888 (*por subperíodo).

1820-1850
Planteis Homens Mulheres
Escravistas Crianças % Adultos % Idosos % Crianças % Adultos % Idosos %
(1-13) (14-40) (>40) (1-13) (14-40) (>40)
1-5 2 50 20 6,6 11 15,4 - - 7 8,5 2 10,0
escravos
6-10 0 - 33 11,1 9 12,6 - - 10 12,1 4 20,0
cativos
11-19 0 - 60 20,1 8 11,2 - - 28 34,1 2 10,0
cativos
20-49 0 - 97 32,2 15 21,1 6 - 21 25,6 2 10,0
cativos
50 cativos 2 50 90 30 28 39,4 - - 16 19,5 10 50,0
Total 4 100 300 100 71 100 6 - 82 100 20 100
1850-1870
Planteis Homens Mulheres
Escravistas Crianças % Adultos % Idosos % Crianças % Adultos % Idosos %
(1-13) (14-40) ( (1-13) (14-40) ( >40)
>40)
1-5 cativos - 11 11,2 1 0,9 - - 2 9,5 2 9,5
6-10 - 10 10,2 12 10,8 - - 1 4,7 1 4,7
cativos
11-19 1 50 10 10,2 18 16,2 - - 5 23,8 5 23,8
cativos
20-49 1 50 16 16,3 31 27,9 - - 5 23,8 5 23,8
cativos
50 cativos - 52 52,1 49 44,1 - - 8 38 8 38
Total 2 100 98 100 111 100 - - 21 100 21 100
1871-1888
Planteis Homens Mulheres
Escravistas Crianças % Adultos % Idosos % Crianças % Adultos % Idosos %
(1-13) (14-40) ( (1-13) (14-40) ( >40)
>40)
1-5 cativos - - - - - - - - - - 1 4,1
6-10 - - - - 3 6,2 - - 1 50 2 8,2
cativos
11-19 - - 1 12,1 8 16,6 - - - - 6 25,4
cativos
20-49 - - 6 75 33 68,7 - - 1 50 13 54,1
cativos
50 cativos - - 1 12,1 4 8,3 - - - - 2 8,2
Total - - 8 100 48 100 - - 2 100 24 100
Fonte: Inventários post-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888.

175
A supremacia numérica de crioulos e de africanos do sexo masculino em todos
os plantéis da região era esperada, pois os homens eram considerados mais adequados
ao desempenho das tarefas próprias nas propriedades, e os cativos deveriam estar
imediatamente aptos à integração no processo produtivo. Acreditamos que tal
predileção senhorial era independente da composição do gênero do tráfico393.
Como a pecuária era uma das atividades produtivas mais comuns em Baependi,
isto faria sentido, já que o manejo do gado é geralmente uma tarefa masculina.
Também, poder-se-ia sugerir que isso fosse resultado da concessão de alforrias, em
geral mais frequente para as cativas do que para cativos394. Mas uma conclusão a este
respeito terá que aguardar maiores pesquisas.
Quando se examina a inserção da região no comércio atlântico de almas,
podemos chegar a resultados que diferem de algumas áreas do Império Brasileiro. Entre
os anos de 1820 a 1850, houve um alto percentual de homens africanos nas faixas de
idade mais produtiva. Observe-se que entre os grupos etários de 14 a 40 anos e mais de
41, os escravos do sexo masculino procedentes da África eram numericamente
superiores aos cativos nascidos no Brasil. Estes dados mais uma vez confirmam a
participação dos senhores baependienses no comércio negreiro.
Por outro lado, a presença de cerca de 59% de crianças espalhadas pelos
plantéis da região adverte para não se minimizar demasiadamente a influência da
reprodução endógena dos planteis. O quadro de n° 19 elucida que o elevado contingente
de infantes na primeira metade dos oitocentos aponta para dois aspectos; o primeiro é o
de ter ocorrido um crescimento natural na população cativa; o segundo seria a
antiguidade das propriedades escravistas, sobretudo das grandes que agregavam em seus
espaços uma enorme quantidade de sítios, chácaras e terrenos. Baependi era de
ocupação relativamente antiga: consta no Alvará Real de 1769 que a região foi elencada
393
KLEIN, Herbert. The internal slave trade in nineteenth century Brazil: a study of slave importations
into Rio de Janeiro in 1852. Hispânica American Historical Review, LI, no. 4 (nov. 1971), pp. 567-568.
394
Os autores que relacionaram o número de escravos em inventários, listas nominativas e cartas de
alforrias, constaram que as mulheres tiveram mais acesso a liberdades do que os homens. VER: SLENES,
Robert W. The demography and economics of Brazilian slavery: 1850- 1888. Tese de doutorado. Stanford
University, Stanford, 1976. MOTTA, José Flávio. Escravos daqui, dali e de mais além: o tráfico interno
de cativos na expansão cafeeira paulista (Areias, Guaratinguetá, Constituição/Piracicaba e Casa Branca,
1861-1887). 1. ed. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2012. LUGÃO, Ana. Família e transição.
Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920, dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990. GÓES, José Roberto Pinto de. Escravos da
paciência: um estudo sobre a obediência escrava no Rio de Janeiro (1790-1850), tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1998. FLORENTINO,
Manolo; GOES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e o tráfico atlântico, Rio de Janeiro,
c. 1790- c. 1850. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

176
a distrito no ano de 1757, subordinado à Vila de Campanha da Princesa395. Daí a
presença marcante de crianças deste da década 1820, que foi alterada pelas mudanças
que ocorreram ao longo do XIX.
Com relação ao crescimento vegetativo das propriedades escravistas
baependienses, de fato mulheres e crianças nascidas no Brasil foram fundamentais para
a composição destes planteis durante a primeira metade dos oitocentos. Visto que, neste
momento, as maiores proporções de crianças foram computadas nas grandes
escravarias, sendo as mais beneficiadas pela reprodução natural de cativos, pois 1/3 dos
seus escravos tinham menos de 14 anos de idade. Por outro lado, nestas unidades, havia
uma forte dependência ao tráfico atlântico, o que se conclui que as grandes posses
foram as que tiveram maior capacidade de conjugar os dois modelos de reprodução da
escravidão para a manutenção e a ampliação de seus plantéis.
No que concerne à associação destes dois fatores, Clotilde Paiva e Douglas
Libby afirmam que o Tráfico internacional de escravos e o crescimento natural das
propriedades escravistas não são mutuamente excludentes. Analisando Minas Gerais,
tanto antes como após o término do tráfico negreiro internacional, os pesquisadores
argumentam que a orientação da economia mineira para o mercado interno favorecia o
crescimento físico das escravarias. Esta reprodução dar-se-ia mesmo levando-se em
conta os efeitos adversos do tráfico internacional de escravos396.
Utilizando as listas nominativas da província mineira elaboradas na década de
1830, Libby e Paiva constataram que, em parte, Minas Gerais se sustentava por meio da
reprodução natural, e mais que uma geração após o termino do tráfico se encontrava
plenamente reprodutiva397.

O fluxo de escravos para Minas deve ter ficado bastante reduzido durante as
últimas décadas do século XVIII e a primeira década do XIX. Se esta
hipótese é correta, significaria que a população escrava experimentou um
hiato de quase duas gerações durante o qual as influências negativas “do
tráfico negreiro internacional ficaram bastante diminuídas. Neste caso,
avanços em direção à reprodução natural deveriam ter ocorrido e teriam

395
cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/baependi/histórico.
396
PAIVA, Clotilde A e LIBBY, Douglas C. ―Caminhos alternativos: escravidão e reprodução em
Minas Gerais no século XIX.‖ Estudos Econômicos. São Paulo: IPE/USP, 25(20: 203-233), maio/ago.,
1995.
397
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no
século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988. O autor tem também em conta a crítica do censo de 1872, feita
por PAIVA, Clotilde Andrade & MARTINS, Mª do Carmo Salazar. Revisão crítica do recenseamento de
1872. Anais do Segundo Seminário sobre Economia Mineira. Belo Horizonte,
CEDEPLAR/FACE/UFMG, 1983, p. 149-63.

177
consequências importantes quando do novo aumento do volume de entradas
de africanos. Uma grande e relativamente estável população crioula estaria se
reproduzindo e, até um certo tempo, poderia ter absorvido uma parcela do
novo contingente africano nos padrões de reprodução ou, ao menos, ter
resistido à investida” dos recém-chegados398.

A importância da reprodução interna e externa da escravidão foi apontada por


João Fragoso nas regiões do Vale do Paraíba Fluminense. De acordo com o autor, isto
pode ser comprovado pela análise da composição das escravarias. Consoante o
pesquisador:

(...) tal configuração da população local de Paraíba do Sul além de sugerir


uma forte taxa de mortalidade infantil, particularmente, entre os escravos,
revela o comportamento de uma população aberta, que é perpassada pelo
tráfico de escravos. Ou melhor, indica a presença de um movimento de
população que se dá à margem do crescimento natural da população local.
Movimento que, como mecanismo da reprodução extensiva do sistema
agrário da economia de exportação, incorporava periodicamente homens em
idade produtiva ao processo produtivo e através desse à população local. Daí
o fato de na composição da população local se encontrarem mais homens do
que mulheres, ou ainda, de se verificar um grupo adulto mais expressivo que
o infantil (...)399.

Na região de Montes Claros, Norte de Minas Gerais, Tarcísio Botelho


encontrou evidências do processo de reprodução natural entre os escravos. Segundo
Botelho, em uma economia baseada na pecuária e voltada para o mercado interno
desenvolveram-se, segundo ele, as possibilidades para a ocorrência de processos de
reprodução natural. Em suma, o autor constatou que a localidade conseguiu preservar e
mesmo expandir seu contingente cativo ao longo dos oitocentos400.
As duas possibilidades de reiteração da escravidão, como o crescimento natural
e o tráfico atlântico, em certo ponto não foram mutuamente excludentes nas escravarias
de Baependi. Sabemos que houve um elevado número de crianças e africanos nas
escravarias da região, porém, os senhores que possuíam até 10 escravos não tiveram o
privilégio de contarem ao mesmo tempo com estes dois modos de reprodução da
escravidão, pois nessas posses havia uma enorme dependência em relação ao tráfico de
cativos, tendo em vista a mínima participação de crianças. Portanto, o que restava para

398
PAIVA; LIBBY, 1995, p. 213.
399
FRAGOSO, op. cit., 1983, p.237.
400
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Famílias e escravarias: demografia e família escrava no norte de
Minas Gerais no século XIX. São Paulo: FFLCH/USP, 1994. (Dissertação de Mestrado em História).

178
estes pequenos senhores eram os poucos cativos que conseguiam advindos do comércio
negreiro.
Cremos que a conjugação dos dois setores (reprodução interna e tráfico) foi
fundamental para reprodução da escravidão mineira ao longo da primeira metade do
XIX, mas devemos advertir que havia elementos de exclusão neste processo, pois um
diminuto grupo de senhores donos de grandes planteis acabavam minando as chances de
outros senhores detentores de modestos recursos a terem suas escravarias ampliadas ao
mesmo tempo por um crescimento vegetativo e pelo tráfico negreiro. É provável que
isto explique a alta concentração de escravos nas mãos de poucos patriarcas.
Na passagem da primeira para segunda metade do XIX, especificamente entre
os anos de 1851 a 1870, temos outra feição da estrutura de posse escrava da região.
Neste curto período houve uma inversão: aumentou o número de crioulos adultos e
reduziu a quantidade de crianças. Isto significa que os nativos em idade produtiva foram
os maiores responsáveis pela crioulização dos plantéis. Provavelmente, estes cativos
eram remanescentes da reprodução natural que ocorreu nos plantéis escravistas da
região durante a primeira metade do século XIX. Além disso, é importante destacar que
o elevado índice de crioulos adultos nas escravarias da Vila de Baependi indica a
presença do tráfico interno atuante na região durante este período (1851-1870).
Além dos mais, tendo em vista a permanência da alta razão de sexo entre os
crioulos adultos neste período, percebem-se novamente como os senhores de Baependi
conseguiram manter os seus plantéis produtivos, mesmo numa época de crise de mão de
obra e envelhecimento dos cativos.
Com relação aos africanos e às africanas, estes tiveram seu contingente
bastante reduzido. A maior queda registrada foi vista entre os homens adultos, que, por
sinal, foram superados pelos idosos do mesmo sexo. As africanas também tiveram uma
enorme baixa, o que resultou num notável desequilíbrio entre os sexos. Portanto, a falta
de uma equidade sexual entre os africanos, pode representar a conduta de uma
população cativa que não mais sofria a entrada maciça de escravos via tráfico.
Entre os anos de 1851 a 1870, as escravarias que possuíam acima de 50 cativos
conseguiram reter mais 50% dos africanos adultos e 44,1% de idosos da mesma
procedência, o que mostra que estas unidades escravistas foram as que mais
frequentaram o mercado de africanos. Além disto, a grande presença de idosos nesta
época evidencia que o comércio ilegal de escravos se manteve forte após a Lei de 1831,
como já mencionei.

179
Os demais plantéis sofreram uma acentuada baixa de escravos procedentes da
África, em especial as posses que continham até 10 cativos. Mas por outro lado, estas
propriedades aumentaram os seus estoques de crioulos, o que leva a crer que
reproduziram os seus plantéis sem a sistemática compra de cativos desde
aproximadamente o fim do comércio negreiro.
Passando para o último subperíodo, constatamos outras mudanças na estrutura
de posse da cidade Baependi. A começar pela redução no percentual de crianças, que só
foi real entre os anos de 1871 a 1888, já que nos decênios anteriores, estes infantes
apresentaram taxas positivas de crescimento natural.
A explicação para esta queda de crianças pode estar relacionada à criação da
Lei do Ventre Livre de 1871. Antes da promulgação desta lei, as meninas recém-
nascidas eram a esperança de perpetuação da futura mão de obra escrava. Com o
advento desta Lei, muitos senhores optaram em não investir no custo-benefício destas
ingênuas dadas a menor capacidade para o trabalho pesado401. Corroborando a hipótese,
notamos que a porcentagem de meninas de 1 a 14 anos de idade sofre uma queda de
26,6%. Além disso, nos inventários abertos após a Lei do Ventre Livre, vimos que as
meninas descritas como ingênuas não receberam avaliações nestes processos, o que
denota a falta de interesse dos senhores pela reprodução destas infantes.
A exemplo, temos o inventário de Dona Ana Lucrécia da Costa Junqueira,
casada com o Deputado Provincial Antônio Tachardo da Costa Junqueira. Em seu
inventário aberto no ano de 1881, consta 121 cativos e mais 28 ingênuos. Todas estas
crianças aparecem descritas na companhia de suas mães; pelo valor dado a estas
escravas, parece que estes ingênuos não foram avaliados.
Com a promulgação da Lei do Ventre Livre, nota-se um maior investimento
das propriedades escravistas da região na força de trabalho mais produtiva e com maior
expectativa de cativeiro. Isto é percebido na maior participação de homens e mulheres
adultos e idosos em todos os tamanhos de plantéis.
Em se tratando dos escravos idosos, estes, em sua grande maioria eram
africanos, estiveram concentrados em apenas três escravarias que possuíam acima de 50
cativos. Isto confirma que a capacidade de trabalho dos escravos acima de 40 anos
nestas unidades passava a ser mais valorizada após a lei de 1871. Além do mais, não
401
TEIXEIRA, Heloísa Maria. Reprodução e famílias escravas em Mariana (1850-1888). Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
2001.

180
podemos esquecer que ao viverem por muitas décadas nestas propriedades, acabavam
sendo estimados pelos seus senhores, os quais lhe forneceriam ajuda e proteção nos
momentos mais críticos da escravidão. Isto de certa forma contribuía para que tivessem
longa vida no cativeiro. Este tipo de situação pode ser exemplificado por Francisco
Benguela, casado e de 60 anos de idade, que, ao servir o Alferes Jose Alves Pereira de
Melo durante quatro décadas, foi alforriado no testamento deste senhor no ano de 1883
pelos bons serviços prestados. É provável que este senhor tenha dito muito apreço e
consideração por este escravo, o que permitiu que Francisco e sua família vivessem ao
lado deste patriarca durante muitas décadas.

O experimento de um método para a escravidão mineira.

Para sabermos da disseminação da escravidão em Baependi, foram utilizados


até aqui os inventários post-mortem para compreensão deste processo. Alertamos que
era conveniente usar com cautela dados derivados desta fonte, pois esta documentação
cartorial sub-representa apenas os agentes que declaram bens passíveis de serem
inventariados, excluída uma imensa camada da sociedade.
No intuito de levantarmos novos dados sobre a disseminação da posse escrava
na região de Baependi ao longo do século XIX, lançaremos mão dos registros
paroquiais de Batismo, que se estende entre as décadas de 1830 a 1880. Esta fonte
eclesiástica é considerada por muitos estudiosos como a mais massiva e cotidiana, ou
seja, onde vários setores da sociedade estão representados. Devido a enorme serie de
assentos de paroquias de batismo da Vila de Baependi, esta fonte em nossa pesquisa é a
que melhor retrata o tecido social da localidade em estudo. Deste modo, faremos uso
das atas batismais para demonstrar como a escravidão na região em foco estava
espraiada sobre uma larga base social.
Com os registros paroquiais de batismo podemos realizar estimativas sobre a
estrutura de posse na localidade através de uma fonte que não possui fins econômicos.
Como os inventários e as listas nominativas são as fontes mais utilizadas pelos
historiadores para examinarem a composição dos planteis escravistas, este expediente
metodológico não tem sido empregado assiduamente pelos pesquisadores que tratam da

181
escravidão brasileira, principalmente aqueles que estudam a Capitania/Província de
Minas Gerais402.
Os primeiros historiadores a utilizarem os assentos de batismo para a
reconstituição de posses escravas foram José Roberto Góes403, Manolo Florentino
(2003), João Fragoso404, Bruna Sirtori e Tiago Gil405, Cacilda Machado406, Leandro
Fontella407 e Marcelo Mateus (Texto inédito)408. Todos alegaram os problemas que este
método poderia gerar em seus trabalhos. Góes colocou que “embora seja certo que esta
não é a fonte mais adequada à aferição de estruturas de posse de escravos, deve, ainda
assim, espelhá-la de alguma maneira aceitável”409. Em suas análises, este pesquisador
optou em quantificar as mães dos inocentes batizados, pois entendeu que ao examinar o
ventre que determina a condição jurídica dos cativos poderia ter uma melhor
compreensão das dimensões das escravarias. João Fragoso resolve apenas quantificar as
atas de batismo, porém, não deixou de expor os perigos analíticos destas fontes
eclesiástica, mas sinaliza que os dados obtidos nos registros de batismo confrontados
com outros corpos documentais (inventários por exemplo) podem gerar resultados
importantes.
Manolo Florentino e Cacilda Machado, sendo os primeiros a realizar um estudo
das estruturas de posse por meio dos assentos paroquias de óbitos, não deixam de
salientar as fragilidades desta fonte eclesiástica. Além disso, na nota 15 de final de
texto, os autores esclareceram que
402
Na falta de listas nominativas para o exame da posse escrava, os assentos paroquias de batismo pode
relativamente suprir tais carência documental. Luiz Farinatti e Marcelo Mateus foram uns dos primeiros
historiadores a fazerem uso deste método. Ver: FARINATTI, Luís Augusto E. e MATHEUS, Marcelo
Santos. Registros de batismo e inventários post mortem como fontes para o estudo da estrutura de posse
de escravos no sul do Brasil (século XIX): possibilidades e limites. ESTUDIOS HISTÓRICOS –
CDHRPyB- Año VIII - Julio 2016 - Nº 16 – ISSN: 1688 – 5317. Uruguay.
403
GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito: um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da
primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993.
404
FRAGOSO, João. Principais da Terra, Escravos e a República. O desenho da paisagem agrária no Rio
de Janeiro Seiscentista. Revista Ciência e Ambiente, Santa Maria (UFSM), nº. 33, pp. 97-120, jul./dez.,
2006.
405
GIL, Tiago L. e SIRTORI, Bruna. A geografia do compadrio cativo: Viamão, Continente do Rio
Grande de São Pedro, 1770-1795. In: Regina Xavier (org.). Escravidão e Liberdade: temas, problemas e
perspectivas de análise. São Paulo: Alameda, 2012.
406
MACHADO, Cacilda. Compadrio de escravos & paternalismo: o caso da Freguesia de São José dos
Pinhais (PR), na passagem do século XVIII para o XIX. Anais do III Encontro Escravidão e Liberdade no
Brasil Meridional. Florianópolis: 2007.
407
FONTELLA, Leandro Goya. Sobre as ruínas dos Sete Povos: estrutura produtiva, escravidão e
distintos modos de trabalho no Espaço Oriental Missioneiro (Vila de São Borja, Rio Grande de São
Pedro, 1828 – 1858). Porto Alegre: PPGH/UFRGS, 2013. (Dissertação de Mestrado)
408
MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do
Império brasileiro (Bagé, c.1820-1870). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2016.
409
José Roberto Góes, O cativeiro imperfeito, op. Cit., p. 74.

182
na verdade, não sabemos se o proprietário que sepulta um número baixo de
escravos no início do período está, de fato, sepultando os últimos cativos de
sua vida. Isso quer dizer que, ao analisarmos os dados dessa, colocamos
todos os proprietários na mesma faixa etária, sem levarmos em consideração
a diferença de idade entre eles. É possível que tal procedimento eleve,
portanto, a proporção de pequenos proprietários no cômputo geral. Por outro
lado, não há garantias de que todos os donos de escravos não sepultassem
muitos de seus cativos em cemitérios dentro das fazendas, subtraindo-os,
pois, ao registro eclesiástico (2003, p. 199-200 [nota 15]).

Bruna Sirtori e Tiago Gil, ao examinar algumas regiões do continente de São


Pedro no século XVIII, acabaram aperfeiçoando o método utilizado por João Fragoso,
ao invés de apenas realizar uma contagem dos assentos paroquiais, resolveram
considerar em suas análises todos os cativos que foram possíveis de serem identificados
de um mesmo senhor. Assim, esses pesquisadores computaram as mães dos batizados,
seus pais, padrinhos, madrinhas, avôs e avós. Sirtori e Gil também nos alertaram que
devemos ter certa cautela ao adotar este procedimento. Nas palavras dos autores:

É preciso dizer, antes, que este procedimento possui um vício, dando destaque
a senhores com maior número de mulheres em idade fértil no plantel (dado
pelo grande número de pais não informados), o que distorce substancialmente a
hierarquia entre os senhores410.

Levando em consideração as fragilidades analíticas apresentadas pelas atas


batismais, por outro lado, os assentos de batismo pode revelar um número expressivo de
senhores de escravos que, quando de sua morte, não tinham mais escravos, por uma
série de motivos, como, por exemplo, a sua fragilidade frente a conjunturas econômicas
desfavoráveis411.
Diante todos esses autores, optamos utilizar a metodologia empregada por
Marcelo Matheus, que analisou os assentos de batismo da região de Bagé do Rio
Grande do Sul. Em nosso caso, seguindo a orientação deste historiador, quantificados
todos os escravos que comparecem às pias batismais da Vila Baependi, sejam como
inocentes batizados, pais, mães, padrinhos e madrinhas. Sobre este procedimento, foram
eliminados os repetidos, por exemplo: uma mãe que levou cinco filhos para serem
batizados foi contabilizada apenas uma vez. A mesma experiência que Matheus teve
com a elaboração deste método foi também experimentada nesta pesquisa, pois o
410
SIRTORI; GIL, A geografia do compadrio cativo, op. Cit., p. 7.
411
Marcelos Matheus. A produção da diferença, p. 201-202.

183
trabalho de eliminar os escravos repetidos em cada coluna do Excel relacionados à
coluna dos seus senhores foi uma atividade que demorou meses para ser finalizada, já
que agregar todos os cativos de um mesmo senhor e eliminar os repetidos para não gerar
homônimos, foi quase um trabalho manual.
Os plantéis escravistas confeccionados a partir dos dados fornecidos pelos
Bancos de batismo foram divididos em quatro faixas, de 1 a 5 cativos, 6 a 10, 11 a 19 e
a partir de 20 escravos. Como irão notar no quadro a seguir, as análises foram
desmembradas em três recortes temporais, com uma diferença para o primeiro, que
inicia na década de 1830 e se estende até o ano de 1850. Os resultados podem começar a
ser observado no Quadro 7.

Quadro 7 : Estimativas de posse de escravos vistas a partir dos assentos de batismo


da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Montserrat da Vila de Baependi, 1830-
1888).

1830-1850
Plantéis Senhores % Escravos %
1-5 escravos 149 89,2 291 57,1
6 a 10 escravos 6 3,5 33 6,4
11 a 19 escravos 9 5,3 114 22,3
>20 escravos 3 1,7 71 13,9
Total 167 100 509 100
1851-1870
Plantéis Senhores % Escravos %
1-5 escravos 114 85,7 228 60,1
6 a 10 escravos 14 10,5 100 26,3
> 11 escravos 5 3,7 51 13,4
Total 133 100 379 100
1871-1888
Plantéis Senhores % Escravos %
1-5 escravos 150 88,7 280 64,8
6 a 10 escravos 13 7,6 82 18,9
> 11 escravos 6 2,5 70 16,2
Total 169 100 432 100

Fonte: Assentos paroquiais de Batismo da Vila de Baependi (1830-1888)

Chama atenção em todos os períodos verificados, a quantidade de senhores que


tiveram seus nomes registrados nas atas batismais da Vila de Baependi – 469. Em
termos gerais, este número de proprietários escravista está em harmonia com os estudos

184
que foram citados neste tópico, embora algumas destas pesquisas tratassem de regiões e
contextos distintos. Os resultados encontrados por Bruna Sirtori e Tiago Gil para
Viamão e Porto Alegre, entre 1770 e 1790, Marcelo Matheus para Bagé Rio-Grandense,
entre 1830 a 1870, e para Mambucaba, distrito de Angra dos Reis, entre 1830 a 1871,
apresentam uma quantidade bastante expressiva de senhores (251 em Viamão, 610 em
Porto Alegre, 499 em Bagé e 214 em Mambucaba).
Comparando os dados da estrutura de posse vistos pelos assentos de batismo
com o que encontramos nos inventários, nota-se que os senhores e os escravos
revelados pelas fontes eclesiásticas estão em maior número nas faixas de plantéis que
possuíam de 1 a 5 escravos. No outro estremo, nas escravarias que detinham mais de 20
cativos, havia poucos senhores e cativos.
Os dados encontrados nos inventários diferem do que foi observado nos
assentos de batismo: na primeira fonte, a maioria dos senhores estava espalhada nas
pequenas escravarias que contavam com 1 a 5 cativos, enquanto que um expressivo
contingente de escravos estava sob poder das grandes propriedades. Como pode-se ver,
a maioria dos senhores que levavam os seus cativos para batizar possuíam até 5
escravos. A diferença é que nos assentos de batismo a maioria dos escravos concentrou-
se em pequenos plantéis. Esta centralização é resultado da imensa quantidade de
pequenas posses reveladas pelos registros paroquiais.
Com os registros de batismos da Freguesia de São Gonçalo (1651 – 1668) João
Fragoso (2006) averiguou que os 62,9% dos donos de escravos registraram apenas
27,8% dos cativos, na faixa mais equilibrada, 17,8% dos senhores conduziram a pia
batismal 16,5% dos escravos. Em contraste, 55,7% dos assentos foram de escravos de
somente 19,3% dos proprietários. Para este autor, estes dados sugeriam “[...] certa
dispersão da propriedade cativa e o peso dos donos de pequenos plantéis. Em
contrapartida, [...] além daquela multidão de senhores há razoável grau de concentração
da escravaria em algumas mãos”412.
José Roberto Góes, por sua vez, quantificando as mães nos registros de
batismos da Freguesia de Inhaúma (1816 – 1844), encontrou o mesmo padrão. Naquela
Freguesia, 16% das mães escravas que levaram seus rebentos ao batismo pertenciam a
53,1% dos senhores, 36,8% era posse de 36,6% e, afinal, 47,2% delas eram escravas de
412
FRAGOSO, João. Os principais da terra, escravos e a república: o desenho da paisagem agrária do Rio
de Janeiro seiscentista. Revista Ciência e Ambiente, n. 33 (jul/dez, 2006) Santa Maria: UFSM, 2006, p.
108.

185
apenas 10,3% dos donos de cativos413. Bruna Sirtori constatou que os senhores que
batizaram apenas um cativo eram 52% do total, mas detinham apenas 26% dos escravos
batizados. Aqueles que levaram dois escravos até a pia batismal representaram 24%,
concentrando os mesmos 24% dos cativos, já os senhores com mais de 2 escravos
batizados perfizeram 24% destes, porém, acumulavam significativos 50% dos
cativos414. Leandro Fontella, ao pesquisar os assentos de batismos da Capela de Santa
Maria da Boca do Monte, entre os anos de 1814 e 1822, 70% dos senhores conduziram
ao batizado 38,5% dos cativos, na faixa intermediária, 12,5% dos proprietários levaram
à pia batismal 13,8% dos escravos. Por fim, 47,7% dos cativos batizados pertenciam
apenas a 17,5% dos senhores.415 Pode-se perceber, portanto, que em diferentes regiões
brasileiras, e com algumas variações documentais e no próprio método, repetiu-se o
padrão da disseminação das posses escravas416.
O cruzamento destas distintas fontes acaba nos revelando um importante dado
sobre a desigualdade social na Vila de Baependi. Apesar das fontes eclesiásticas
demonstrarem a disseminação da posse escrava de forma mais abrangente, os
inventários por abarcar um restrito segmento social, acabam nos fornecendo uma visão
mais realista da concentração da posse cativa. Portanto, os dados oferecidos por
distintos corpos documentais confirmam um padrão de dispersão dos plantéis
escravistas onde um grande contingente de pequenos senhores417 dividiam espaços com
uma elite concentradora de muitos braços cativos. Portanto, conclui-se que, agregando
os resultados fornecidos por estas fontes, acreditamos que o status senhorial em
Baependi era algo almejado por indivíduos pertencentes a distintos setores desta
sociedade.
Tratando da reprodução da escravidão pelos recortes examinados, entre os anos
de 1830 a 1850, a maioria absoluta dos senhores tiveram poucos cativos que
compareceram à pia batismal, 89,9% deles tinham 1 a 5 escravos, concentrando mais de
413
GÓES. O cativeiro imperfeito, op. Cit., p.105.
414
SIRTORI, B. Entre a Cruz, a Espada, a Senzala e a Aldeia, 2008, p. 114.
415
FONTELLA, Leandro Goya. Luso-brasileiros, guaranis, crioulos e africanos: notas de pesquisa sobre
demografia histórica, escravidão e hierarquias sociais no sul do Brasil (Santa Maria da Boca do Monte,
1814 - 1822). In: Anais da IX Mostram de pesquisa do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul:
produzindo história a partir de fontes primárias. Porto Alegre: Companhia Rio-grandense de Artes
Gráficas – CORAG, 2011, p. 14.
416
Este padrão geral da estrutura de posse revelada pelos assentos de batismo em varias região do Império
Brasileiro foi algo que já havia sido notado por Marcelo dos Santos Mateus e Leandro Fontella –ao
compararem suas respectivas regiões de analise com localidades do sul e sudeste brasileiro.
417
Neste caso estamos tratando de uma gama de senhores que não tiveram pecúlios suficientes para
declarar bens.

186
57,1% dos cativos. No outro extremo, 1,3% dos senhores que possuíam mais de 20
mancípios nas cerimonias, perfaziam 13,7 dos mesmos. Na passagem para o segundo
subperíodo, os percentuais não se alteram muito, mostrando certa estabilidade das
escravarias. O pequeno aumento no número de senhores e escravos nas faixas de
plantéis de 6 a 10 cativos podem advir do crescimento natural nas escravarias que
ocorreu na região após a década de 1850.
Deve-se registrar que o número total de senhores que aparecem nos registros de
batismo, entre os anos 1851 a 1870, teve uma queda de 11,2%, provavelmente este
declínio, e decorrente da alta nos preços dos cativos que ocorreu após o fim tráfico,
impedindo que muitos senhores de renovarem as suas escravarias.
Neste período (1850-1870), conseguimos localizar alguns senhores que
levaram para as pias batismais da região uma leva de crianças para serem batizadas,
porém, os seus inventários não foram computados em nossa amostra por terem
declarados os seus bens após a Lei Áurea de 1888. Um destes senhores era o Coronel
Justa Maciel, que levou a Igreja Matriz de Baependi 45 cativos. O outro era o português,
Consul e negociante, Luiz Fernandes da Costa Guimaraes, que encaminhou para os
Párocos da região 22 crianças do seu plantel. De todos, o Capitão Antônio Florêncio
Pereira foi o que apresentou uma impressionante marca, pois levou para as pias de
Baependi 52 escravos. Pelo fato destes senhores não terem aberto os seus inventariados
ao longo do recorte pesquisado, só foi possível descobrir estas grandes escravarias
através das fontes eclesiásticas do batismo.
Além dos assentos de batismo revelarem escravarias de pessoas de prestígio na
região, esta fonte também nos mostra alguns senhores ou senhoras de modesta condição
social, que não tiveram bens suficientes para serem inventariados. A exemplo disso,
temos o caso de Ana Gomes do Espirito Santo, crioula forra, viúva, filha natural de
Catarina Gomes do Espirito Santo, irmã da Irmandade de NSA de Ouro Preto e
moradora na Vila de Baependi. Com base em seu testamento, redigido no ano de 1838,
esta senhora declarou possuir dois cativos moleques avaliados em 50$000. Ana Gomes
residia com estes escravos e uma afilhada em uma casa coberta de capim avaliada em
20$000. Logo se percebe que estes bens não eram suficientes para serem inventariados,
além do fato de que os únicos cativos que tinha doou em testamento para seu filho,
Felix Gomes Moreira da Silva. Nisto lhe restou apenas um imóvel de baixo valor.
O fato desta crioula forra ter acumulado ao longo da vida pequenos pecúlios,
isto não desfez de seu status de senhora, pois de acordo com as informações contidas

187
em testamento, apesar das dificuldades enfrentadas, Ana Gomes do Espirito Santo
soube governar os seus cativos até a hora da sua morte. Desta forma, tal postura
senhorial lhe rendeu algum reconhecimento perante as demais pessoas livres (pobres) e
aos membros do cativeiro. Acreditamos que este tipo de notoriedade, possa ser um dos
fatores que motivou pessoas de distintos segmentos da região a adquirirem escravos.
Tratando do último recorte temporal, que se estende entre as últimas décadas
da escravidão, o número de senhores que tiveram suas posses reveladas pelos assentos
de batismo aumentaram, com destaque para aqueles que possuíam de 1 a 5 cativos (180
senhores), que demonstraram um elevado percentual de 88,7%, detendo 64,8% dos
escravos batizados (280 cativos) nesta época.
Os inventários abertos neste período nos mostram um aumento de pequenos
senhores e o decréscimo dos grandes. Além disso, a concentração da posse de cativos
não estava tão elevada como nos períodos anteriores (algo percebido tanto nos
inventários como nos assentos de batismo). Assim, conclui-se que nos momentos finais
da escravidão, não apenas os grandes senhores, mas uma ampla camada social na região
ainda estava comprometida com a manutenção desta instituição, que em sua grande
maioria eram representadas por senhores donos de poucos escravos, ou seja, indivíduos
de modesto status social foram sendo assimilados hierarquicamente a esta estrutura.
Tudo isto fornecia a legitimidade e a estabilidade que o sistema conheceu até a sua
extinção.
Concluindo, assim, a diluição da escravidão na sociedade baependiense, e o
comprometimento de amplos setores da localidade com essa instituição, fez com que a
sua longevidade não fosse um interesse de um grupo especifico. “Exatamente nisto que
reside a sua força”.

188
CAPÍTULO – 3

A manutenção da desigualdade: Compadrio e hierarquia intra-


cativeiro.

189
Resumo do Capitulo

Neste capitulo centraremos nossas as atenções nas relações de compadrio dos escravos
com os demais membros do cativeiro e com outros indivíduos pertencentes aos
segmentos da sociedade. Faremos um estudo sobre as características gerais das pessoas
que foram convidadas para comparecerem como padrinhos nas pias batismais das
Igrejas, Capelas e fazendas da Vila de Santa Maria do Baependi para batizar escravos. O
objetivo é examinar como os laços sociais produzidos pelos cativos através de seus elos
de parentesco poderiam hierarquizar as relações que foram tecidas no interior do
cativeiro, ou seja, nossa intenção aqui consiste empreender uma analise sobre a
hierarquia social intra-cativeiro. Para isto, através de uma serie de atas de batismo,
faremos uma analise sobre o perfil social dos indivíduos que compareceram as pias
batismais para apadrinhar os cativos. Apurados estes dados quantitativos, analisaremos
como hierarquia social poderia ser revelada pelas redes de compadres das pessoas livres
e escravas que mais foram convidados para apadrinhar crianças na região.

190
Uma incursão sobre o compadrio escravo.

O compadrio entre os escravos, há tempos, vem sendo objeto de interesse dos


historiadores. Entre estes estudiosos há um consenso de que os laços parentais foram
uma das formas encontradas pelos cativos para criarem e ampliarem as suas redes de
relações com a comunidade escrava e com outros setores da sociedade.
Um dos trabalhos pioneiros que tratou de forma específica as relações de
compadrio dos cativos com vários setores da sociedade é o de Stuart Schwartz em
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. Partindo dos aspectos
religiosos e sociais do batismo, o autor indicou que no Recôncavo Baiano, no final do
século XIX, a maioria das pessoas livres que apadrinharam os filhos dos cativos não
formava um grupo homogêneo, pois muitos destes padrinhos desfrutavam de status
social igual ou superior ao do proprietário do cativo418.
Com relação aos padrinhos escravos, Schwartz verificou que estes
apadrinharam somente 20% de crianças pertencentes às senzalas da região. Por outro
lado, estes cativos serviram de tutores espirituais em 70% dos batizados de escravos
adultos. De acordo com o autor, esta situação pode ser interpretada por dois ângulos. O
primeiro consiste no fato de os senhores terem indicados escravos mais aculturados para
servirem de padrinhos a fim de facilitar o ingresso dos africanos recém-chegado na
força de trabalho. Também pode ter havido o reconhecimento dos proprietários de que
tal boçal carecia de novos vínculos sociais para uma melhor adaptação ao trabalho do
eito. Na visão do historiador, estes motivos podem ter estado por de trás do desejo dos
cativos de apadrinhar seus companheiros advindas de suas antigas terras africanas.
Desta forma, o compadrio poderia ser encarado por eles como ato de solidariedade,
criando, assim, um forte laço de identificação cultural e comunitária419.
Nota-se que o autor de Segredos de internos ainda não havia percebido uma
possível hierarquia social nas relações de compadrio dos escravos nos engenhos
baianos. Tal questão começa a ser instigada a partir dos estudos da década de 1990
sobre a escravidão.
Manolo Florentino e José Roberto Góes afirmam que o parentesco escravo foi
de fundamental importância para as estratégias senhoriais de manutenção da “paz da

418
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988, p. 334.
419
Idem, p.313.

191
senzala”, uma vez que o tráfico constante de novos cativos introduzia permanentemente
um estado de guerra latente no cativeiro420. Sobre este aspecto, a família escrava deve
ser considerada como um pilar do próprio sistema escravista por promover a “paz no
cativeiro”. Em outras palavras, o parentesco escravo servia como elemento de
estabilização social, ao permitir ao senhor aferir uma renda política. Porém, devemos
salientar que a “paz” postulada por Florentino e Góes não pressupõe uma sociedade sem
conflitos, mas sim uma busca dos mancípios em “construir laços de solidariedade e de
auxílio mútuo que os ajudasse a sobreviver no cativeiro”421.
Analisando a segunda metade do século XIX, Hebe Mattos ressaltou as
diferenças e os conflitos no interior do cativeiro, que acabavam por contribuir para o
enfraquecimento dos laços de solidariedade entre os cativos e para a não conformação
de uma identidade étnica comum. Com base neste argumento, a autora procurou
demonstrar que a gestação das relações familiares entre os escravos no Brasil significou
mais uma aproximação com uma determinada visão de liberdade que lhes era próxima
do que a formação de uma identidade étnica a partir da experiência do cativeiro. A
família e a comunidade escrava não se afirmavam como matrizes de uma identidade
negra alternativa ao cativeiro, mas em paralelo com a liberdade422.
Robert Slenes procurou se distanciar das abordagens anteriormente
mencionadas dando enfoque ao compadrio e à família escrava como elemento de
resistência à escravidão e espaço de recriação das heranças africanas. Segundo Slenes, a
predominância numérica de africanos nas plantations do Sudeste, antes de 1850, fez
com que a maioria dos escravos compartilhasse significativas heranças linguísticas e
culturais procedentes da África Central, formando o que o autor denomina de proto-
nação banto. Desta forma, possíveis diferenças étnicas entre os escravos seriam de certo
modo superadas em virtude da reelaboração e redefinição de suas referências culturais e
de origem. O autor ainda questiona um isolamento sociocultural entre africanos e
crioulos, enfatizado por Hebe Mattos. A constituição destes laços de parentesco e a
dependência demandavam muito tempo e, particularmente na primeira metade do XIX,

420
FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico
atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 - c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 64.
421
Idem, p. 65.
422
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista – Brasil,
século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.135.

192
a distância entre nativos e estrangeiros não eram tão grandes, pois boa parte dos
escravos crioulos fazia parte da primeira geração dos além-mares423.
As divergências de abordagens entre os autores mencionados são de extrema
importância para se pensar como eram hierarquizadas as propriedades escravistas no
Brasil. A priori, a perspectiva de Florentino e Góes mostram-se a mais adequada para a
linha de investigação proposta, que é perceber as dessemelhanças e singularidades entre
os escravos no interior do cativeiro. Porém, as dissidências entre os cativos analisadas
pelos autores de Paz da senzala, são compreendidas pela ótica dos conflitos étnico-
culturais. Em nossa pesquisa faremos este tipo abordagem, mas considerado o cativeiro
como um espaço bastante estratificado, procuraremos examinar até que ponto o
compadrio poderia hierarquizar as relações dos cativos.
O laço de compadrio produzido pelos escravos se orientava para dois nortes:
um no sentido horizonte, com os membros da comunidade escrava; e o outro vertical,
com pessoas de elevados estatutos. Segundo Silvia Burger, tratava-se de uma dupla
estratégia: reforçar laços dentro da própria escravaria e garantir ganhos com os livres.
Em estudo intensivo sobre a Vila mineira de São João del Rei, no século XVIII e na
primeira metade do século XIX, esta autora sugeriu que, como de fato houve uma
expressiva quantidade de homens livres sendo tutores espirituais de cativos, o
compadrio poderia ser entendido como uma “aliança para cima” na medida em que
estas escolhas estavam baseadas em sujeitos que, de algum modo, estavam situados em
patamares mais elevados na hierarquia social que o da mãe da criança. A autora afirma
nesse sentido:

Nada mais “normal” do que a pretensão de que esta divisão pudesse


ser feita com homens situados socialmente num patamar superior e
que pudessem dispor de mais recursos – não só financeiros, mas
também políticos e de prestígio, para os cuidados dos afilhados.424

Donald Ramos, analisando os registros paroquiais da Vila Rica setecentista,


verificou que os escravos tiveram como compadres pessoas de vários segmentos da
sociedade mineira, porém, a maioria dos laços de compadrio foi tecida com os seus
companheiros de infortúnio. O autor conclui que a escolha de tutores espirituais presos
423
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava
no sudeste do Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1999, p.52
424
BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal: família e sociedade, São João del Rei. Séculos
XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, 2007, p. 323.

193
ao cativeiro demonstra ser uma estratégia dos cativos de criar laços sociais com
iguais425. Diferente de Brugger, Ramos nota que os escravos de Vila Rica almejavam
tornarem mais fortalecidas suas alianças com os parceiros da escravidão do que os
indivíduos pertencentes a outros setores da sociedade.
Examinando as atas batismais da região de Campinas no século XIX, Cristiana
Rocha afirma que os escravos desta localidade tiveram extremo cuidado em tecer laços
horizontais e verticais pelo compadrio. De acordo com a autora, é importante pensar que
a proximidade com pessoas livres, em especial com os senhores e seus familiares,
poderia gerar conflitos em relação aos demais escravos da fazenda. Por isso, era crucial
que o escravo “de confiança” do senhor soubesse também cultivar e manter seus laços
de solidariedade com seus companheiros da senzala, sem os quais sua sobrevivência e
segurança estariam ameaçadas. Afinal, sua convivência com os proprietários podia
trazer benefícios, mas também gerava tensões e incertezas, já que o escravo doméstico
se encontrava constantemente sob a vigilância e avaliação daqueles. Qualquer passo em
falso podia fazer ruir os benefícios conquistados, ao longo de anos, e significar um
retrocesso do cativo em relação à ocupação (transferência do trabalho doméstico para o
do eito, por exemplo), ou em relação à concessão de alforria em testamento, que podia
ser excluída, através de um codicilo (modificação nas disposições feitas). Com isso,
esse tipo de escravo precisava se equilibrar entre os laços de solidariedade verticais, em
relação aos senhores, e os horizontais, tecidos junto a seus iguais no interior da
comunidade cativa426. Em sua pesquisa de doutoramento, Cristiana Rocha encontrou
diversos casos em que os cativos procuravam equilibrar as suas relações apadrinhando
mais crianças da escravaria a que pertencia do que de outros plantéis.
Jonis Freire, analisando a Freguesia rural do Nosso Senhor do Bom Jesus do
Rio Pardo, constatou que a maioria dos escravos convidava pessoas livres para
batizarem seus filhos. Mas, o autor considera que o estabelecimento de relações com o
segmento cativo, embora menor, também se fez presente e quase nas mesmas
proporções. Parece que, além de procurar estabelecer relações com indivíduos de status
superior ao seu, os escravos dessa freguesia não se esqueceram dos seus “irmãos de

425
RAMOS, Donald. Teias sagradas e profanas: o lugar do batismo e compadrio na sociedade de Vila
Rica durante o século de ouro. Varia História, Belo Horizonte, nº. 31, pp. 41-68, 2004., 2004, p.58.
426
ROCHA, Cristiany Miranda da. Gerações da senzala: famílias e estratégias escravas no contexto dos
tráficos africano e interno. Tese de Doutorado. UNICAMP, 2004, p.78.

194
cativeiro”, com os quais travavam relações cotidianamente dentro de um sistema tão
penoso, quase sempre num mesmo plantel427.
Em uma recente pesquisa de doutorado defendida no programa de Pós-
Graduação em História Social da USP (2017), Daniel Barroso, analisando os registros
de batismo do Engenho do Bom Intento da Vila de Belém-Pará, constatou que a maioria
dos cativos davam preferência pelo estabelecimento de vínculos horizontais do
compadrio, pois a maioria dos cativos se ligou a compadres e comadres da mesma
condição social. Mas, segundo o autor, os poucos escravos que tiveram seus filhos
apadrinhados por pessoas livres acabavam demarcando os seus lugares sociais na
hierarquia interna da comunidade cativa428.
Até aqui, os autores citados enfatizam a importância que tinham os laços
horizontais forjados pelos escravos no interior do cativeiro. Para estes estudiosos,
através das relações de parentesco, os cativos conseguiram manter e fortalecer os seus
elos de solidariedade num mundo hostil a eles. Concordo com esta assertiva, mas
sublinharia que escolher outros escravos para apadrinhar um dos seus filhos não pode
ser considerado, ao menos de forma automática, uma aliança horizontal, ou seja, entre
iguais. Mesmo nas senzalas havia hierarquias e as mesmas tinham que ser devidamente
ponderadas na escolha de padrinhos. Afinal, quando um escravo escolhe um
companheiro de cativeiro para ser pai espiritual de um dos seus rebentos, é provável que
este padrinho-escravo estava melhor situado na hierarquia do cativeiro do que o pai da
criança. Além do que, não podemos esquecer que o compadrio, em qualquer grupo
social, era também uma relação assimétrica, pois as pessoas escolhidas para apadrinhar
apresentavam um estatuto social mais elevado do que do pai do batizado.

427
FREIRE, Jonis. Compadrio em uma freguesia escravista: Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG)
(1838-1888)∗ Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP,
realizado em Caxambú- MG – Brasil, de 20- 24 de Setembro de 2004. 2004, p.24.
428
BARROSO, Daniel Souza. Múltiplos do cativeiro: casamento, compadrio e experiência comunitária
numa propriedade escrava no Grão-Pará (1840-1870), Afro-Ásia, Salvador, nº. 50, pp. 93-128, 2014.

195
- Os livros de batismo da Vila de Santa Maria do Baependi

Foi a partir do Concilio de Trento (1545-1563) que os registros paroquiais


começaram a se generalizar. Este corpo documental ocupou lugar de destaque nos
estudos sobre a demografia populacional das sociedades de antigos regimes. Para o
Brasil, a produção de assentos paroquiais assumiu contornos específicos. Tais
documentos estiveram sobre a administração de um regime de Patronado, onde o clero
secular e regular ocupava um importante lugar na máquina administrativa do Império
brasileiro até a Proclamação da República429.
Os eclesiásticos exerceram várias funções públicas, como a reconstituição de
paroquiais, nomeação de padres, remuneração de parte do clero e outros serviços. Um
dos exercícios mais relevantes era o controle sobre os sacramentos católicos. Vários
párocos ficavam responsáveis de coletar informações referentes aos nascimentos,
casamentos e falecimentos dos paroquianos. “Ao Estado cabia à responsabilidade na
construção e conservação de templos, além da garantia da decência do culto, exercitada
através da conservação das alfaias, paramentos e outros elementos do ritual católico”430.
Ao longo do período colonial esse sistema apresentou sérias lacunas que
começaram a ser resolvidas no final do século XVIII. Após os acontecimentos do ano
de 1822, este serviço tornou-se mais eficiente. Na organização administrativa dos
registros paroquiais, a Província de Minas Gerais foi a que demonstrou maior avanço.
Nos anos de 1830 a 1840, o governo provincial mineiro primou pela ênfase na definição
da divisão político-administrativa, na organização do aparelho burocrático e na
constituição de um sistema de fluxo de informações estatísticas. Neste quadro, a coleta
de dados dos registros paroquiais foi bastante valorizada 431.

429
AGUIAR, Marcos Magalhães. Estado e Igreja na capitania de Minas Gerais: notas sobre mecanismos
de controle da vida associativa. Varia História, Belo Horizonte, v. 21, p. 42-57, 1999. COSTA, Iraci del
Nero. Registros paroquiais: notas sobre os assentos de batismo, casamento e óbito. LPH: Revista de
História. Ouro Preto (MG). 1(1): 46-54, 1990. . Vila Rica. São Paulo: IPE/USP, 1979. LOTT,
Miriam Moura. Casamento e família nas Minas Gerais: Vila Rica - 1804-1839. Belo Horizonte: UFMG,
2004. (Dissertação de Mestrado - História). GOLDSCHMIDT, Eliana M. Reis. Casamentos mistos:
liberdade e escravidão em São Paulo Colonial. São Paulo: Annablume, 2004.
430
AGUIAR, Marcos Magalhães. Estado e Igreja na capitania de Minas Gerais: notas sobre mecanismos
de controle da vida associativa. Varia História, Belo Horizonte, v. 21, p. 42-57, 1999.
431
LIBBY, Douglas Cole; BOTELHO, Tarcísio R. Filhos de Deus: batismos de crianças legítimas e
naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810. Varia História, Belo
Horizonte, v. 31, p. 69-96, 2004. COSTA, Iraci del Nero. Registros paroquiais: notas sobre os assentos de
batismo, casamento e óbito. LPH: Revista de História. Ouro Preto (MG). 1(1): 46-54, 1990.

196
A partir destas mudanças, cada clero ficava encarregado de informar aos seus
superiores sobre os eventos vitais ocorridos em suas paróquias. Estas exigências
começaram a valer em 1836. Além disso, cada vigário era obrigado enviar para o
governo provincial um mapa de resumo dos nascimentos, casamentos e falecimentos
dos seus fregueses432. Segundo Tarcísio Botelho e Caio Boschi, “O principal efeito desta
política foi, sem dúvida alguma, a melhoria na cobertura e na qualidade das informações
dos registros paroquiais, especialmente de batismos” 433.
No que corresponde às populações escravas, os assentos paroquiais não
incorporavam um contingente muito significativo, mas, com o avançar do século XIX,
os cativos passaram a ser mais computados nessas séries documentais, tanto que, em
algumas regiões mineiras, os membros do cativeiro se aproximavam numericamente dos
batismos contraídos por pessoas livres. A facilidade de acesso ao registro paroquial
certamente estimularia os senhores a registrarem suas “crias”, pois, assim, obteriam um
registro legal de sua posse434.
Com a criação da lei de Rio Branco de 1871, as crianças filhas de mães cativas
que nascessem após esta lei eram consideradas livres. Assim, viveriam junto com suas
mães até completarem sete anos de idade. Dos sete aos quatorzes anos, prestariam
pequenos serviços para o senhor de sua mãe, como uma forma de compensar os custos
gastos. Completados os 14 anos de idade, ficaria a cargo do senhor receber uma
indenização do estado, ou contar com o trabalho deste ex-ingênuo até completar 21 anos
de idade. O peso desta lei fez com que muitos senhores fossem mais criteriosos nos
batismos dos seus escravos, em particular em um período quando a escravidão passava
por sérias crises435.
A Lei do Ventre Livre que, gradualmente, desfazia do trabalho escravo no
Brasil, de alguma forma contribuía para que os assentos paroquiais dos inocentes
cativos não apresentassem enormes lacunas436. Os efeitos da Lei de Rio Branco nas atas
batismais da Vila de Santa Maria do Baependi serão analisados nos próximos tópicos

432
Cf. Lei Provincial nº 46, de 21 de março de 1836.
433
BOTELHO, Tarcísio R; BOSCHI, Caio César. Digitalização e disponibilização de acervos Paroquiais
da Rota da Estrada Real. Revista Cadernos de História, v. 10, nº. 13, ano: 2008.
434
BOTELHO& BOSCHI. Digitalização e disponibilização de acervos Paroquiais da Rota da Estrada
Real, op, cit., p.113.
435
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.134.
436
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Famílias e escravarias: demografia e família escrava no norte de
Minas Gerais no século XIX. São Paulo: FFLCH/USP, 1994. (Dissertação de Mestrado em História).

197
deste capítulo. Agora faremos uma descrição mais operacional dos livros de batismo da
região.

Quadro: 1 - Livros de Batismo da Vila de Baependi.

Livros de Batismo da Vila de Baependi Nº de Páginas

Livro Nono de Batismo 1830-1840 243

Livro Onze de Batismo 1845-1853 198

Livro Doze de Batismo 1853-1859 194

Livro Treze de Batismo 1859-1865 195

Livro Quatorze de Batismo 1865-1875 298

Livro Quinze de Batismo 1875-1883 209

Livro Dezesseis de Batismo 1885-1887 128

Livro Dezessete de Batismo 1887-1893 181


Fonte: Cúria Diocesana da Cidade Campanha. Livros de Batismo da Vila de Santa Maria do Baependi,
1830-1888.

Os livros paroquiais de batismos expostos neste quadro encontram-se


preservados e catalogados na Cúria Diocesana da Cidade de Campanha, localizada no
Sul do Estado Minas Gerais. Neste acervo documental há 53 livros paroquiais da região
de Baependi, sendo 26 de batismo, que cobrem o período de 1723 a 1928; 13 de
matrimônios que inicia no ano de 1745 e encerra-se em 1924; e para óbitos há 14, entre
1745 a 1916.
Para esta pesquisa, foram utilizados 8 livros de batismo, que cobrem o período
de 1830 a 1888. O primeiro livro consultado foi o de Nº 9, sendo numerado e rubricado
pelo Padre Manoel Pereira de Souza, nomeado Vigário da Vara no ano de 1821. Tal
cargo lhe conferia a responsabilidade de administrar as Paroquiais, Capelas e Igrejas
filiais à Matriz de Baependi.
As Paróquias que estiveram sob administração da Matriz de Baependi foram a
de Pouso Alto, Itamonte, Carmo de Minas, Cristina, Conceição do Rio Verde, São
Tomé das Letras, Pedraval, Virgínia, Passa Quadro e Capivari. Além do Padre Manoel
Pereira de Souza, atuaram como vigários desta vara os seguintes sacerdotes: Cônego

198
João Rodrigues Afonso, Pe. Julião Carlos Rangel da Silva, Cônego Joaquim Gomes do
Carmo, Mons. Dr. Luiz Pereira Gonçalves de Araújo e Mons. Marcos Pereira Gomes
Nogueira. Ao longo do desenvolvimento deste capítulo alguns destes Párocos terão suas
relações sociais analisadas437.
Nos livros de batismos notam-se lacunas devidas ao extravio de uma ou outra
folha. A par destas folhas faltantes em pequeno número, encontramos ainda duas outras
fontes de perdas. Em primeiro aparece o fato de nem todos os livros apresentarem termo
de encerramento, o que nos indica a existência de lacunas correspondentes ao extravio
das últimas folhas dos códices em questão. Esta possibilidade confirma-se pelo espaço
de tempo, relativamente amplo, que está a separar o último assento de um livro, do
primeiro registro do códice sucessivo, passíveis desta análise.
Outra lacuna nestes documentos eclesiásticos infere-se na reabertura de
assentos, com base na justificativa de que o registro original não fora localizado nos
livros paroquiais. Ao que tudo indica, os batismos não eram, necessariamente,
registrados imediatamente antes ou depois de ministrado o sacramento; talvez os padres
anotassem os dados em um papel qualquer para depois efetuarem os lançamentos
definitivos. Em um dos códices encontramos um fato que parece confirmar a hipótese
aqui aventada.
Os assentos de batismo apresentavam uma variedade de tipologias. Esses
registros paroquiais trazem: no livro Nono de Batismo da Vila de Santa Maria do
Baependi, a primeira ata assinada e redigida pelo Vigário Manoel Pereira de Souza,
ocorreu no ano de 1798, período posterior ao recorte temporal (1830-1888) desta
pesquisa. Estes assentos e os outros redigidos antes da década de 1830 constam como
suplementos, ou seja, foram incorporados ao livro de batismo por não terem sido
lançados a tempo. Para confeccionar estas atas, os Párocos recorriam à memória dos
pais, padrinhos ou pessoas próximas da família das crianças batizadas.
O livro Onze, que cobre os anos de 1845 e 1853, foi numerado e rubricado pelo
Vigário da Vara e Coadjutor (provável substituto de algum bispo) Julião Carlos Rangel
da Silva. Seu sobrenome Silva consta assinado em 198 páginas deste livro de batismo.
A abertura deste livro se deu no dia 7 de novembro de 1845 e seu encerramento em 1
janeiro de 1853. A data inicial e de fechamento de um livro paroquial indicam que há
poucas lacunas na série das atas batismais. A única brecha encontrada neste livro de nº

437
Estes serão os Párocos Joaquim Carmo Souza, Manoel Pereira Gomes e Julião Carlos da Silva.

199
11 foi à falta das folhas 83 e 84, referentes a períodos de 1 a 23 de junho de 1849.
Segundo a média dos registros de folhas, esta lacuna responde pela falta de 17 a 19
registros de batismo, o que corresponde a menos de 0,5% do total de registros para o
recorte de 1845 a 1853.
Nas três últimas páginas do livro de batismo de nº 11, há suplementos nos
quais constam registros batismais que não foram anotados no tempo previsto. O Pároco
que confeccionou estas atas alegou que estes assentos não chegaram no tempo previsto,
pelo fato das cerimonias de batismos terem ocorrido em outras localidades. Neste livro,
encontramos algo inusitado entre os assentos de batismo, onde uma inocente criança
batizada passou da condição de filha natural para legítima. Segue abaixo a descrição da
ata batismal onde foi registrada esta conversão:438

“Aos 11 de agosto de mil oitocentos e quarenta e nove, como se vê de assento


de nº89, foi batizada uma inocente de nome Emerenciana filha natural de
Dona Josefa Porcina do Nascimento, a qual se desposou depois com o pai da
criança Antônio Joaquim Arantes ficando assim a prole (Emerenciana)
legitimada pelo subsequente matrimônio. Para constar fiz este a pedido do
próprio pai que assinou comigo, aos 5 janeiros de 1856” 439.

Através deste assento de batismo podemos comtemplar várias situações. A


primeira delas é a passagem do estado de naturalidade para o de legitimidade da
inocente Emerenciana. Percebam que esta batizada teve a sua paternidade reconhecida
após o casamento dos seus pais. Este dado é um indício de que a ilegitimidade das
crianças nas cerimônias de batismo possa de alguma maneira estar associada às relações
ilícitas dos seus pais.
Seguindo, neste registro não há figura dos padrinhos, algo raro nos assentos
paroquiais da região. A ausência de padrinhos e madrinhas nos assentos se justifica por
celebrações feitas às pressas, provavelmente em situações de risco de vida das crianças.
Neste caso seria importante que os inocentes recebessem o sacramento católico sem
presença de seus tutores espirituais, do que morrerem pagãs. As Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia determinam que os Párocos ensinem os fregueses a

438
Cúria Diocesana de Campanha. Assentos paroquiais de Batismos da Vila de Santa Maria do Baependi.
Livro paroquial de nº 9, 1845-1853.
439
Cúria Diocesana de Campanha. Assentos paroquiais de Batismos da Vila de Santa Maria do Baependi.
Livro paroquial de nº 9, 1845-1853.

200
administrar um batismo em caso de necessidades. Esta aprendizagem deveria ser
dirigida de modo especial às parteiras440.
O livro de nº 13 novamente foi aberto, numerado e rubricado pelo Vigário da
Vara Joaquim Gomes Carmo. O termo de abertura deste livro ocorreu na data de 29 de
fevereiro de 1859 e de encerramento em 18 de fevereiro de 1865. Neste livro não
detectamos nenhuma lacuna entre os assentos, o que demonstra a boa qualidade da
documentação, algo que facilitou a análise sobre as relações de compadrio entre os
habitantes da Vila de Baependi. Assim, foram assinadas 195 folhas pelo referido
Vigário.
O Pároco que se responsabilizou por ministrar e redigir os assentos de batismo
do livro de nº 14 (1865-1875) foi o Mons. Luiz Pereira Gonçalves de Araújo. No ano de
1868, este sacerdote foi escolhido para recepcionar a Princesa Izabel e seu marido,
Conde d‟EU na Vila de Baependi. Ao lado de sua alteza, conduziu uma celebração
solene sobre a edificação da Igreja de Santa Izabel de Hungria441. Sua participação nesta
cerimônia provavelmente lhe conferiu notoriedade e importância diante dos seus
humildes paroquianos e pessoas poderosas da região. Este evento contou com a
presença de pessoas de elevada estima na região, como o Juiz de Direito Antônio
Máximo Ribeiro da Luz, o Juiz Municipal Antônio Carneiro Viriato Catão, o Promotor
Público Antônio Torquato Forte Junqueira, o Comendador Carlos Teodoro de
Bustamante, o Dr. Manoel Joaquim Pereira de Magalhães, o ex-prefeito da Câmara
Municipal de Baependi e o Comendador José Pedro Américo de Matos442.
Retomando as análises descritivas das fontes paroquiais, o livro de batismo de
número 14º foi o que apresentou a maior quantidade de assentos redigidos: ao todo
constam 1.192 atas batismais e 298 páginas rubricadas pelo Mons. Luiz de Araújo. O
termo de encerramento foi registrado no dia 29 de agosto de 1875. Como já
sublinhamos, foi justamente nestes anos que o sistema agrário da região encontrava-se
em pleno vigor. Isto provavelmente teria contribuindo para o aumento da população
local, o que acarretou no crescimento no número de crianças batizadas.
O livro de número 15º, que abrange os anos de 1875 a 1883, foi numerado e
rubricado pelo Vigário e Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira. Este livro foi o
440
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Vol.79. Brasília: Edições do Senado Federal, 2007.
441
PELLEGRINO, Sylvia Regina. Izabel, A Imperatriz do Brasil. Edição Kindle, Curitiba, Ano: 2013,
p.64.
442
Evento descrito no do livro “Baependi”, de José Alberto Pelúcio. Visita Beija-mão. Te Deum. Baile.
Ver: PELUCIO, José Alberto. Baependi. São Paulo: Gráfica Paulista, 1942/1.

201
segundo que obteve o maior número de assentos batismais, com 209 páginas que
continham em média 7 a 8 assentos. As cerimônias destes batizados e suas descrições
permitiram ao Pároco Nogueira ter conhecimento mais refinado sobre a lógica
comportamental da sociedade Baependiense. Os livros de número de 16º e 17º, que
encobrem os anos de 1875 a 1893, tiveram todas as suas páginas abertas, numeradas e
rubricadas também pelo então, Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira.
Outra questão que pairava sobre estes assentos de batismo era o fator
devocional. Encontramos três padrinhos Santos: um destes pais espirituais era o Santo
Manaferro, que foi padrinho de Gorjeta, filha de um italiano residente em Baependi,
Florentino Matroziani e de Dona Tereza Agustina. Diante destes dados, nota-se que
foram poucos santos na região escolhidos para padrinhos.
Analisando as relações de compadrio na região de Valença, localidade de alta
concentração de escravos na Província do Rio de Janeiro, Sidney Pereira da Silva
encontrou, entre os anos de 1823 e 1885, apenas dois casos de Santos para os
apadrinhamentos, num total de 3.883 registros443.
Com relação às madrinhas Santas, notificamos a presença de 157 protetoras
espirituais. Estas madrinhas representam 0,1% de comadres não carnais, mas a simples
presença merece ser destacada. Destes casos, 18 foram protetoras espirituais de
inocentes escravos e 139 de crianças livres. Isto indica, que os cativos tinham de tecer
relação mais prática.
Na região de Vila Rica, Donald Ramos deixou claro que a escolha de uma
Santa como madrinha era comum entre livres, mas entre os cativos isto era algo raro 444.
Em nossa pesquisa estas protetoras espirituais começam a aparecer no ano de 1823. O
primeiro caso registrado foi do inocente Francisco, filho natural de Maria Angélica de
Mendonça, de que foram padrinhos, Joaquim de Oliveira Castro e Nossa Senhora do
Rosário. Porém, a madrinha espiritual mais recorrida, foi Nossa Senhora da Conceição,
pois esta Santa estava presente em 59 assentos, todas as crianças que a tiveram como
madrinha eram livres. A aparição desta protetora nos registros de batismo da região
ocorreu no ano de 1873, e até onde sabemos, foi convocada até os últimos dias da

443
SILVA, Sidney Pereira da. As relações parentais entre escravos: o batismo de escravos em Valença,
Província do Rio de Janeiro (1823-1835). In: FALCI, Miridan Britto (org.). Gênero e escravidão. Rio de
Janeiro: Encadernação Fátima Franklin, 2009.
444
RAMOS, Donald. Teias Sagradas e profanas: o lugar do batismo e compadrio na sociedade de Vila
Rica durante o século do ouro. Varia História, nº 31, Janeiro, 2004, p.64.

202
escravidão no país, ondem se encerra o recorte desta pesquisa. Provavelmente tenha
sido invocada como madrinha nos anos subsequentes.

- Batizando na Matriz e nas Capelas filiais.

Dentre os batismos de pessoas livres e escravas que serão analisados neste


capítulo, a maioria foi celebrada na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Montserrat de
Baependi, mas identificamos várias capelas e fazendas da região que serviram como
espaço para celebração destes batismos. Foram realizadas nestes locais, entre os anos
1830 a 1888, 11.190 cerimônias batismais. Entretanto, este conjunto não corresponde ao
total de batismos celebrados ao longo do período em tela, pois se encontram excluídos
os registros referentes aos batismos de escravos recém-chegados da África e
considerados pela Igreja como adultos.
A Matriz de Baependi, conhecida como Nossa de Senhora de Montserrat de
Baependi, assim mencionada nos assentos paroquiais, teve várias Capelas e Igrejas
subordinadas a sua administração religiosa. O surgimento desta Matriz se deu quando o
Capitão Mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, o patriarca da família Nogueira na região,
decidiu erguer em sua fazenda denominada Engenho uma Capela. Em 1752 sua filha
Dona Maria Nogueira do Prado decidiu doar estas terras para a fundação da Freguesia
de Baependi, porém, sobre uma condição: de que a Igreja Matriz da localidade
recebesse o nome Nossa Senhora do Montserrat . Assim em 1754, deu-se a transferência
da antiga Capela do Engenho para a atual Matriz de Baependi445.

445
Inventário e Testamento do Capitão-Mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó. Museu Regional de São
João del Rei na caixa C-37. Número de folhas originais: aproximadamente de 250 a 300 folhas. O
documento está extremamente deteriorado, muitas folhas estão grudadas ou rasgadas, impedindo a
contagem exata. A numeração original das folhas (as que não estão rasgadas) está apagada. O documento
está incompleto, faltando a folha de rosto. Inventariante: MARIA LEME DO PRADO. Inventário
Redigido: São João del Rei em 741.Transcrito por: Ana Bárbara R. Pereira da Silva a pedido de Luís
Antônio Villas Bôas. Data da Transcrição. Parte “transcrita do testamento do Capitão Mor TOMÉ
RODRIGUES NOGUEIRA DO Ó”. “Para os herdeiros todos os bens achados na casa do dito Capitão
Mor TOME RODRIGUES NOGUEIRA DO Ó aí de presente aos ditos inventariantes Dona MARIA
LEME DO PRADO (... ilegível) lhe diferiu julgar sobre os Santos Evangelhos quantos eram os filhos
deles herdados e todos os bens que por morte e falecimento do defunto seu marido foram lavrados (...
ilegível) e dia, mês e ano em que faleceu o dito defunto e se fez testamento e que não deixou coisa
alguma (...ilegível) foi feito a dita inventariante os juramentos em que pôs sua mão direita debaixo dos
ditos livros e prometeu dar conta de todos os bens que pertenciam ao casal (... ilegível)... Mande um
pedido comissão ao escrivão do meu cargo para que vá em o lugar de Baependi fazer dos defuntos TOME
RODRIGUES e JOSÉ DE SÁ e faça inventário de seus bens por parte deste Juízo de Órfãos para cujo ato
(... ilegível) os juramentos as ditas donas viúvas inventariantes para que debaixo dele deem ao dito
inventário os bens dos casais e elegeram para avaliar um homem de são consciência para lhes avaliar (.....
) São João del Rei, 24/SET/1741.

203
Quadro: 2: Matriz, Igrejas e Capelas pertencentes à Vila de Baependi, 1830-1888.

Nº de
Denominação e localização Batismos
Matriz de N. Sra. de Montserrat de Baependi 9.790

Capela de Santo Antônio do Piracicaba 704

Capela de NSA dos Remédios das Aguas Virtuosas de Caxambu 212

Capela de São Sebastião da Encruzilhada 79

Capela de São Jose do Favacho 28

Capela de São Tome das Letras 23

Capela de N. Sra. do Rio Verde 10

Total 10.846
Fonte: Cúria Diocesana da Cidade de Campanha. Livros de Batismo da Vila de Santa Maria do
Baependi, 1830-1888.

Como já evidenciamos, a Igreja Matriz de Baependi era o recinto onde


preferencialmente se celebravam as cerimônias batismais, provavelmente porque era
ainda um dos poucos centros irradiadores da fé e que contava com a devida decência da
pia batismal recomendada pelas Constituições Primeiras446, além de ser um sacramento
preferencialmente administrado pelos Párocos.
Como podemos notar, na Matriz de Baependi houve 9.790 cerimônias de
batismo. Neste local foram batizadas 7.358 crianças filhas de mães livres, 2.205 de
mães escravas, 14 de mães forras e 31 de mães libertas. Verificando os status jurídicos
destas mulheres, percebemos como os assentos paroquiais podem ser fontes reveladoras
sobre a estrutura social que se configurou na região.
Apesar de estarmos lidando com indicadores gerais, no que se refere às mães
das crianças livres que foram batizadas na localidade, num total 7.357, apenas 963 ou
13% ostentava a deferência do título de Dona, e somente 4 mães livres foram
classificadas pelos Padres da Vila de Baependi como senhoras. Analisando um período
e região distintos dos nossos, João Fragoso constatou que na Freguesia de Irajá, entre os
anos de 1728 a 1739, tão-somente 23 (14%) mães livres foram reconhecidas pelos

446
Constituições Primeiras. Livro I, Título XIX.

204
Clérigos da localidade como “donas”. Segundo o autor, as moças portadoras de tal
honra eram de fato as melhores da terra, pois faziam parte das famílias mandatárias da
Freguesia447.
Em nossa amostra, muitas das mães livres com insígnia de Dona, pertenciam às
famílias senhoriais mais tradicionais da sociedade baependiense, e, além disso, eram
casadas com pessoas detentoras de importantes patentes militares e títulos de honrarias
(como comendadores), mas também haviam aquelas recém-saídas da pobreza e de
ascendência escrava que ao longo tempo na companhia dos seus maridos conseguiram
se ascender socialmente na hierarquia local. Apesar de estarmos estudando um contexto
diferente daquele analisado por Fragoso, a permanência da velha estratificação social
costumeira de uma sociedade de antigo regime é ainda percebida no distintivo de Dona
para algumas mães livres que levaram os seus rebentos para serem batizados nas Igrejas
da região.
Na Matriz de Nossa Senhora de Montserrat de Baependi, o Mons. Marcos
Pereira Gomes Nogueira foi o Pároco que mais redigiu e batizou crianças: ao todo
celebrou 4.577 batismos de inocentes e ingênuos na localidade, sendo 3.545 livres e 735
cativos. Por monopolizar a redação dos registros, tornou-se o maior porta voz de
celebrações e festas na comunidade, além de ser também o que mais nos informou sobre
a hierarquia social da escravidão que vigorava na região448.
O Mons. Marcos nasceu em Baependi no dia 18 junho de 1847, numa chácara
de propriedade de seu tio, o português e negociante Manuel Constantino Pereira
Guimarães. No Lava-pés, então uma das extremidades da Vila. Era filho de João
Constantino Pereira Guimarães, imigrante português da região do Minho e de Ana
Engrácia Nogueira Meirelles, que era bisneta do Capitão-Mor Tomé Rodrigues
Nogueira do Ó, considerado o fundador de Baependi.
O primeiro sacramento de batismo ministrado pelo Pároco Marcos Pereira
Gomes Nogueira ocorreu no ano de 1864. Batizou com os Santos Óleos a inocente
Cecilia parda, filha de Sebastiana parda, escrava do italiano, Doutor Francisco Viotti.

447
FRAGOSO, João. "A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do
Rio de Janeiro, século XVII. Algumas notas de pesquisa." In: Revista Tempo 8. (15). 2003.
http://www.ifcs.ufrj.br/~ppghis/pdf/joao_nobreza_bandos.pdf.
448
GUEDES, Roberto. O vigário Pereira, as pardas forras, os portugueses e as famílias mestiças.
Escravidão e vocabulário social de cor da freguesia de São Gonçalo (Rio de Janeiro, período colonial
tardio) In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Brasil Colonial (1720-1821), vol. 3.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

205
Foram padrinhos desta criança, Alberto, escravo de Dona Izabel Rodrigues Viotti e
Marcelina Leopoldina da Conceição.
Em 1868 o Padre Marcos Pereira Gomes Nogueira participou da cerimônia de
lançamento da pedra fundamental da Igreja de Santa Isabel. Este evento contou com a
ilustre presença da jovem Princesa Isabel, benemérita doadora daquele templo em
agradecimento pela graça da concepção de um príncipe herdeiro449. Dois anos após este
evento o Pároco Nogueira assume o posto de Vigário Geral da Paróquia de Baependi.
O Padre Marcos Pereira Gomes Nogueira batizou 34 crianças que eram seus
sobrinhos. Estas cerimônias foram ministradas na Matriz de Nossa Senhora do
Montserrat de Baependi. Além da Matriz, o Mons. Marcos batizou crianças em outras
Capelas da Vila de Baependi. Na Capela de Santo Antônio de Piracicaba, celebrou 394
batismos, sendo 329 inocentes livres e 65 cativos. Na Capela de São Sebastião da
Encruzilhada todas as crianças batizadas pelo Pároco Nogueira eram filhas de pais
escravos: ao todo foram 11, sendo que nove delas pertencia ao Capitão José de Souza
Meireles, filho do também Capitão João de Souza Meireles.
Na capela de Nossa Senhora dos Remédios das Águas de Caxambu, localizada
dentro da fazenda do Comendador Carlos Teodoro Bustamante, foram celebrados 145
batismos de crianças, destes, 128 foram ministrados pelo Pároco Manoel Pereira Gomes
Nogueira, sendo 107 crianças livres e 21 escravas. Nenhum dos filhos do Doutor
Bustamante foram batizados neste local, mas receberam o sacramento do batismo na
Matriz de Nossa Senhora de Montserrat de Baependi pelo próprio Mons. Marcos.
De acordo com os assentos paroquiais pesquisados, os batismos celebrados
pelo Mons. Marcos na região de Baependi se estenderam entre os anos de 1864 a 1906.
Após este ano, precisou se ausentar temporariamente, pois recebeu um convite de
governar o Bispado de Pouso Alegre durante a ausência de D. João Batista Correia
Nery, que partiu para Roma, em visita ao Papa S. Pio X. Em 1916, o Padre Marcos
Pereira Gomes Nogueira faleceu vítima de um atropelamento de trem.
As celebrações batismais ministradas pelo Mons. Manoel Pereira Gomes
Nogueira não se restringiram ao espaço da Igreja Matriz de Baependi, derramou os
Santos Óleos do batismo em vários oratórios particulares de fazendas e capelas da
região (Baependi). Por detrás destas visitas havia o anseio de ampliar o seu raio de ação
social, pois a estratégia de difundir a sua atividade sacerdotal lhe serviu para aproximar

449
PELUCIO, José Alberto. Templos e Crentes. São Paulo: Gráfica Paulista, 1942/2.

206
de pessoas importantes da região, ou seja, indivíduos que poderiam lhe oferecer algum
ajuda financeira nos reparos da Matriz ou lhe apoiar na elevação de cargo religioso na
hierarquia eclesiástica.
Caso um pouco parecido foi notado por Giovanini Levi na região Italiana de
Piomente durante o século XVII. Através das práticas de exorcismo do Padre Giovan
Batista Chiesa, Levi notou como o campo relacional deste sacerdote foi ampliado em
vários vilarejos onde eram feitas suas pregações. De acordo com Levi, as visitas de
Chiesa não nasceram de um ofício sacerdotal localizado em torno de sua Paróquia, e seu
movimento foi exatamente o contrário: primeiro exorcizou em outras regiões, e, quando
se encontrava no ápice de sua carreira, começou a exercer sua atividade religiosa na sua
comunidade de origem (Santena)450. Através das pregações de Chiesa em várias
freguesias, o autor percebeu que este Pároco, conseguiu ascender uma cadeia de
relações com pessoas importantes que lhe deram apoio contra as pressões dos bispos
locais 451.
Comparadas às atuações sacerdotais destes distintos padres, através das fontes
consultadas, temos informações que o Mons. Marcos exerceu atividades religiosas que
eram legais perante a Madre Igreja, sobre estas ações, conseguiu difundir a sua fama e
formar uma ampla rede de amigos e conhecidos que poderiam lhe ajudar em sua
projeção sacerdotal.
A atuação do Mons. Marcos na paroquia de Baependi pode ser observada à luz
de um método indiciário proposto por Giovanni Levi, ou seja, a imagem de um brokers.
Conforme Levi, os brokers seriam pessoas que possuíam características diferenciadas
dentro da sua “aldeia” e que, por conta disto, vinculavam a sua comunidade com o
mundo exterior, defendendo interesses ligados à sua facção, mas que, indiretamente,
beneficiavam outras famílias da localidade. Por sua vez, estes agentes possuíam as
chaves de acesso aos poderosos do centro decisório de um sistema maior e o poder de
realizar esta conexão transformava-o num potentado local e/ou regional. Neste sentido,
o broker seria “um mediador entre a comunidade e a sociedade mais ampla”452.
Sendo prerrogativa inevitável do broker ter legitimidade social é inteligível
pressupor que o Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira era detentor destes recursos,

450
GIOVANNI, Levi. A Herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio
de Janeiro: civilização Brasileira, 2000, p. 60-62.
451
Idem, p. 67.
452
Idem, p. 51.

207
conforme se observar em seu inventário: conformou alianças em sua comunidade de
origem como em outros lugares do Império Brasileiro. Através desta fonte, descobrimos
que produzia e exportava folhas de fumo para as casas comerciais da cidade do Rio de
Janeiro e para a região paulista de Lorena453. E mais, em conta corrente de uma saldo de
1:000$000 em London Brazilian Bank. Ao falecer no ano de 1916, seu inventario foi
avaliado em 57:434$959454.
Além disso, o Mons. Marcos era um homem de confiança e quisto por D.
Silvério Gomes Pimenta, Bispo da Diocese de Mariana, tanto que foi escolhido por este
eclesiástico para se tornar Bispo de Pouso Alegre (Paróquia localizada no Sul de
Minas). Diante desta trajetória, é possível perceber as marcas deixadas pelo Mons.
Marcos nos diversos segmentos sociais da vida baependiana, que se deram por meio do
seu trabalho como religioso, fazendeiro, negociante, politico e educador.
Pelo fato de Mons. Marcos ter circulado por estes distintos espaços, é provável
que tenha trazido novas ideias para o desenvolvimento de Santa Maria do Baependi, que
o levaram a reivindicar por alterações importantes na região. Mons Marcos mostrou a
sua força e deixou a sua marca principalmente nas construções e nas ações que
favorecia os moradores por meio das suas intervenções, como a restauração da Matriz
do Nossa Senhora Montserrat, que desde a sua inauguração no ano 1754 não havia
passado por nenhum reparo. Também foi um dos responsáveis pela realização do
primeiro cemitério extramuros.
Essas necessidades trazidas pelos Mons. Marcos Pereira certamente eram
influenciadas pelas ideias que trouxe de outras regiões da província mineira e nas suas
várias vindas e idas à Corte do Rio do Janeiro e a província de São Paulo. Sepultado em
sua fazenda Boa Esperança, recebeu ainda uma ultima retribuição, foi erguida na praça
da cidade de Baependi ( que hoje leva o seu nome) uma estátua em sua homenagem.
A história do Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira mostra a atividade
concreta de um empreendedor político local, que, durante o período em que esteve
paroquiano na região, conseguiu desenvolver uma ação transformadora das regras
reguladoras de uma sociedade de ordens, através da realização de uma carreira

453
O Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira mantinha transações comerciais com a Casa Sucena de José
Pereira de Souza & Cia. Estabelecimento Comercial localizado na capital do Rio de Janeiro, na av. Rio
Branco, n°: 76 a 86. Estabelecimento fundado em 1806.
454
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira
, ano: 1916, Caixa: 58.

208
individual e da atividade inovadora, ocupando espaços deixados pelas regras imprecisas
e contraditórias desta sociedade aparentemente estruturada em instituições rígidas.
Diante destas atuações, podemos compreender o Padre Marcos como pessoa de
liderança local em cansativa atividade de mediação entre o estado e a comunidade, e
entre diversas pessoas ligadas a distintos segmentos da localidade455.
Na sequência temos o Padre Joaquim Gomes do Carmo, o segundo Pároco que
mais realizou cerimoniais batismais na Vila de Baependi. Soubemos que ficou um longo
período na região ministrando este primeiro sacramento cristão, entre 1803 a 1869.
Durante a sua estadia em Baependi, tornou-se Vigário da Vara da Comarca de
Baependi. Tal função fez com que acompanhasse vários clérigos no exercício do
sacerdote católico, tanto que, antes de falecer, professorou o Mons. Manoel Pereira
Gomes Nogueira. O Padre Joaquim Gomes Carmo exerceu esta função sacerdotal até
ano de 1866, ano de seu falecimento.
Durante o período em que esteve como Pároco na Vila de Baependi, foi
responsável por lavrar e celebrar 3.048 cerimônias de batismo, deste total, 2.467 eram
inocentes livres batizados e 581 eram escravos. Na Capela de Santo Antônio da
Piracicaba foram 111 batismos celebrados por este Pároco, sendo 20 de inocentes
escravos e 91 de livres. E na Capela de São Sebastião da Encruzilhada, foram 13
inocentes filhos cativos batizados e 21 livres.
O terceiro Pároco da Vila de Baependi que mais batizou crianças foi Julião
Carlos Rangel da Silva, filho de Julião Carlos Rangel e Maria Francisca da Silva, já
falecidos, naturais de Pitangui. Em seu testamento alegou que era pobre e homem de
poucos bens, tinha em seu poder apenas uma casa onde morava com a sua irmã,
Leopoldina Delfina Rangel. Faleceu no dia 20 de junho de 1856 com 80 anos de idade,
foi sepultado na Matriz de Nossa Senhora de Montserrat de Baependi perto das escadas
do altar-mor456.
Quando era Vigário da Vila de Baependi, batizou crianças pertencentes às
distintas condições jurídicas. Ao todo realizou 1.882 cerimônias de batismo, sendo
1.417 inocentes livres e 465 de escravos. Na Matriz de Nossa Senhora de Montserrat
onde foi sepultado, derramou os Santos Óleos em 1.243 crianças livres e 401 infantes

455
LEVI, op. Cit., 2000, p. 192- 197. Ver, em especial o capítulo IV, momento no qual Giovanni Levi
demonstra a importância sociopolítica do Padre Exorcista Giulio Cesar Chiesa para a comunidade de
Santena.
456
AHETII/IPHAN/SJDR. Testamento do Padre Julião Carlos Rangel da Silva, ano.1856, cx:08.

209
filhos de pais cativos. Na Capela de Piracicaba foram 11 livres e 3 escravos, e na
Encruzilhada uma criança escrava e nove inocentes livres.
Na Igreja de São Tomé das Letras, Freguesia subordinada à Vila de Baependi,
foram poucas as vezes em que os Párocos da Matriz de Baependi foram até este local
para batizar crianças. Em São Tomé o Padre Julião Carlos Rangel da Silva batizou
apenas três crianças e o Mons. Marcos apenas duas.

– Celebrando batismos fora da Igreja

Os batismos realizados na Vila Baependi não ficaram circunscritos aos recintos


das igrejas e capelas filiais. Na sociedade oitocentista brasileira, não era comum Párocos
batizarem crianças em espaços distintos da Igreja. As Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia previam em seu título XII, a possibilidade de administrar o
sacramento do Batismo fora da Igreja em qualquer lugar por qualquer pessoa: “se
alguma criança ou adulto estiver em perigo de vida, antes de poder receber o Batismo na
Igreja, pode e deve receber fora dela, em qualquer lugar, por efusão, ou aspersão, e por
qualquer pessoa”457.
As situações que se apresentava na Vila de Baependi não condizem muito com
estas regulamentações religiosas. Vimos muitos Padres Baependianos deslocando-se de
suas Igrejas para batizarem crianças nas fazendas da região. Estas visitas ocorreram em
10 ocasiões.

457
Conforme texto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Brasília: Senado Federal, 2007,
p.17.

210
Quadro 3 : O batizado dos inocentes realizados nas fazendas da Vila de
Baependi, 1820-1888.

Fazendas Nome dos proprietários Nº Batismo

Fazenda do Angahy (Tenente) José de Souza Meireles 42


Aguas Virtuosas do Caxambu (COMENDADOR) Carlos Teodoro Bustamante 14
Fazenda da Roseta (BARAO) Justo Domingos Maciel 14
Fazenda do Bom jardim dos Penhas (CAPITAO) Antônio Goncalves Penha 13
Fazenda do Congonhal (PADRE) Jose Esaú dos Santos 13
Fazenda Sto. Antônio do Morro Queimado (SENHOR) Joaquim Ferreira Alves Madeira 10
Fazenda da Gamarra (TENENTE) Manoel Antônio Pereira 8
Fazenda da Ressaca (SENHOR) Francisco Xavier Maia 7
Fazenda da Boa Vista do Rio do Peixe (SENHOR) Jose Goncalves Valim 6
Fazenda Ribeiro do Vale Formoso (CAPITAO) Amaro Gomes Nogueira 6
Fontes: Assentos Paroquiais de Batismo da Vila de Santa Maria do Baependi (1830-1888)

Entre estas visitações paroquiais, o Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira foi
quem mais batizou crianças fora da igreja: compareceu a 60 unidades. Aquela em que
esteve mais presente foi a fazenda da Roseta, propriedade do Barão da Roseta, o senhor
Justo Domingos Maciel.
O pároco Joaquim Gomes do Carmo compareceu a 29 fazendas para batizar
crianças pertencentes a distintas famílias da região. Nas terras da Roseta, celebrou
quatro cerimônias de batismo, todos estes inocentes batizados eram filhos naturais de
Angélica, escrava do senhor Justo Domingos Maciel. O fato de estes escravos terem
sido batizados no oratório desta unidade demonstra que este senhor tinha algum apreço
e admiração pela mãe destes rebentos, pois Angélica foi à única cativa desta fazenda a
ter seus filhos apadrinhados dentro da casa do Barão.
O Padre Joaquim Gomes Carmo fez o mesmo percurso do Mons. Marcos. Foi
até a fazenda das Águas Virtuosas de Caxambu, propriedade do Comendador Carlos
Teodoro Bustamante, para batizar um inocente livre, filho de João Francisco de
Carvalho e Luiza Zeferina de Souza.
Na fazenda do Angalis, propriedade do Capitão José de Souza Meireles, foram
batizadas 42 crianças, sendo 20 livres e 22 escravas. Destes inocentes cativos, cinco
pertenciam ao senhor Meireles. A grande maioria destes batizados recebeu os Santos

211
Óleos das Mãos do Padre Custodio Monteiro de Monte-Raso. Este pároco foi o
fundador da Capela de Nossa de Senhora da Conceição mencionada no quadro acima.
No oratório desta fazenda celebrou 14 batismos, sendo que em 4 destas celebrações
estavam os inocentes filhos do Capitão José de Souza Meireles.
A frequência com que estes Párocos compareciam às fazendas para batizarem
crianças, prova que as normas das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia,
que penaliza estes atos, não eram compridas. Desta forma, estes eclesiásticos
aproveitavam destas brechas normativas para tecer importantes relações com distintas
casas senhoriais da Vila de Baependi.
Muitas destas fazendas eram propriedades das pessoas mais abastadas e
influentes na região, ou seja, de homens portadores de prestígio na comunidade local.
Portanto, os esforços empreendidos por estes Párocos em batizar crianças em várias
fazendas espalhadas pelo Termo de Baependi não consistia apenas em um dever
religioso, mas em fortalecer os seus laços com pessoas de prestígio que poderiam lhes
fornecer algum apoio no futuro.

- O compadrio escravo: tecendo relações com vários setores da sociedade.

Antes de iniciarmos os exames das relações de compadrio dos cativos com os


vários segmentos da sociedade de Baependi, é necessário esclarecer a metodologia
empregada para os dados que foram coletados para a escrita deste capítulo.
Parto, portanto, do tratamento metodológico das fontes proposto por Silvia
Brugger, que, para compreender os significados sociais do compadrio, parte das análises
das condições jurídicas das pessoas envolvidas nas cerimônias de batismo. Sobre este
método, a autora tomou como referência a condição jurídica da figura materna, “por
estar muito mais presente nos registros do que a paterna, omitidos, no caso de filhos
ilegítimos458. Entretanto, a autora salienta que em muitas situações, as escolhas de
padrinhos e madrinhas não eram decididas apenas pelas mães, poderia partir de ambos
os progenitores, mesmo em casos de proles ilegítimas.
Seguindo a orientação de Brugger, na confecção das tabelas tomamos como
referência a figura das mães cativas, pelo fato de estarem mais presentes nas cerimônias
de batismo e por ser o ventre que determina a condição dos inocentes batizados. Mas

458
Silvia Brugger, Minas Patriarcal. Op, cit., p.289.

212
incluímos nesta análise os casais escravos legítimos e aqueles mistos em que as mães
eram escravas e os pais forros, libertos e sem menção a sua condição. Optamos por este
método para capturamos o máximo de relações em que os cativos estavam envolvidos.
Com isto, iremos analisar os laços de compadrio dos escravos com vários setores da
sociedade.
O corpo documental analisado é composto por 2.796 atas batismais referentes
às crianças filhas de pais e mães cativos, num período que se estende, entre 1830 a
1888. Destes rebentos, 1.145 (40,9%) foram referidos pelos Párocos da região como
legítimos, estavam na companhia dos pais nas pias batismais, e 1.651 (59,1%) como
naturais, vivendo somente com as mães solitárias. Nem todas as mães que não tiveram a
presença de seus companheiros nas cerimônias de batismo foram registradas pelos
Párocos como solteiras, razão pelo qual adotei o termo “solitária”, termo sugerido por
João Fragoso ao analisar as crianças registradas como naturais nas Paróquias rurais do
Recôncavo da Guanabara no século XVIII459.
Em nosso banco de dado, os padrinhos e as madrinhas foram classificados
pelos Padres de Baependi como libertos, forros, escravos, mas uma significativa
quantidade de tutores espirituais não teve seus status jurídicos declarados por estes
Párocos. A omissão destes dados não nos impediu de realizar uma análise destas
relações, pois muitos destes pais espirituais que não tiveram suas condições jurídicas
arroladas nas atas batismais. Por outro lado, tiveram suas ocupações registradas pelos
eclesiásticos, e, assim conseguimos saber que uma parte deste contingente de pessoas
eram livres.
Suspeita-se que estes tutores espirituais eram pessoas livres pobres ou egressos
do cativeiro. Nos registros paroquiais, vimos que a maioria destes indivíduos de
condições indeterminadas foram designados apenas com um sobrenome, indicativo,
talvez, de serem recém-libertos ou pessoas de ascendência escrava. Todavia, como é
sabido, era costume dos libertos e até mesmo dos livres pobres a adição de um
sobrenome familiar de seus ex-senhores460. Além disso, todos foram padrinhos de
crianças cativas, o que sugere serem eles egressos da escravidão ou pessoas que
mantinham algum tipo de ligação com as senzalas.

459
Termo técnico da demografia. FRAGOSO, João. Apontamentos para uma metodologia em História
Social... op. cit.
460
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

213
Certamente, se essa gama de padrinhos e madrinhas fosse escravos sua
condição não escaparia aos olhos dos Párocos, pois, junto a sua indicação viria o nome
de seu proprietário. Além do mais, foi registrada pelos clérigos uma quantidade
significativa de indivíduos presos à escravidão, o que prova que os Padres estavam
atentos em notificar nos assentos de batismo o status jurídico deste mancípios. Tendo
estes dados a nosso favor, não correremos tanto o risco de considerar estes padrinhos
que não tiveram as suas condições jurídicas mencionadas nas atas como livres, mesmo
cientes de estarmos tratando de um segmento bastante amplo e heterogêneo. Ou seja,
não havia nenhum tipo de determinação que a qualidade social de certo indivíduo
devesse ser anotada, sendo esta uma característica das hierarquias (costumeiras) de cada
localidade e de cada pároco, de acordo com o diferente grau de inserção social que cada
padre tinha na comunidade em que atuava.461
Feita esta breve explanação metodológica, iremos visualizar na tabela abaixo o
as relações de compadrio dos indivíduos que vivenciaram a experiência de cativeiro na
histórica Vila de Santa Maria do Baependi, entre o período de 1830 a 1888.

461
GUEDES, Roberto. O vigário Pereira, as pardas forras, os portugueses e as famílias mestiças.
Escravidão e vocabulário social de cor na Freguesia de São Gonçalo (RJ, período colonial tardio). In:
FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Brasil colonial (ca.1720-ca.1821). Rio de
Janeiro: 2014.

214
Quadro 4 : Condição Jurídica dos padrinhos e madrinhas dos filhos de mães
escravas da Vila de Baependi, 1830-1888.

1830-1850
Condição Jurídica Padrinhos % Madrinhas %
Livres 456 69,4 433 66,1
Libertos 3 0,4 1 0,1
Forros 3 0,4 9 1,3
Quartados 1 0,1 - -
Escravos 194 29,5 212 32,3
Santas - - 1 0,1
Total 657 100 655 100
1850-1870
Condição Jurídica Padrinhos % Madrinhas %
Livres 627 78,8 604 75,2
Libertos 2 0,2 1 0,1
Forros 3 0,3 1 0,1
Escravos 171 21,2 197 24,4
Total 803 100 803 100
1871-1888
Condição Jurídica Padrinhos % Madrinhas %
Livres 634 62,9 549 56,7
Libertos 5 0,4 20 2
Forros 6 0,5 6 0,6
Quartados - - 1 0,1
Escravos 362 35,9 392 40,4
Santas - - 6 0,6
Total 1.007 100 968 100
Fontes: Assentos Paroquiais de Batismo da Vila de Santa Maria do Baependi (1830-1888).

As informações quantitativas coletadas dos próprios assentos de batismo


corroboram com os números acima acerca da importância que o compadrio tinha para
os escravos da região de Baependi. A princípio, nota-se o reconhecimento que os
cativos tiveram sobre esta instituição que se traduziu no alto percentual de pessoas
livres como pais espirituais dos seus rebentos.
Para os cativos, a escolha de padrinhos e madrinhas não pareceu oscilar sobre
dois extremos sociais462, percebe-se que a maioria se ligou a pessoas livres. Segundo

462
Algo visto por Silva Brugger no compadrio escravo da Vila São João del Rei, entre os anos de 1750 a
1850. BRÜGGER, Silvia M. J., op. cit., 2002, cap. 5.

215
Robert Slenes, a construção pelos escravos dos laços de compadrio que ultrapassavam
os limites da senzala demonstra “a necessidade, num mundo mais hostil, de criar laços
morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos seus filhos”. Slenes cita
casos de escravos que puderam contar com favores de compadres livres para a obtenção
da alforria. Por outro lado, mostra como a aproximação em relação ao universo da
liberdade e a dependência em relação aos seus senhores ou outros homens livres, talvez,
gerassem uma posição desconfortável ao escravo no interior da escravaria, na medida
em que ele poderia ter sido um aliado do senhor em possíveis contendas com seus
companheiros de cativeiro463.
Considerado que este argumento deva ser problematizado, pois, os indivíduos
livres que teceriam laços de compadrio com os cativos, muitos eram egressos do
cativeiro ou pessoas que viviam sob a dependência dos seus senhores. Evidencia-se,
portanto, o caráter múltiplo do compadrio entre livres e escravos: esse tanto podia ser
utilizado para reforçar laços entre livres pobres e cativos, marcados mais pela
proximidade que pela hierarquia, quanto como um mecanismo para que membros da
elite (e aspirantes a ela) estabelecessem relações indiretas. Talvez essas relações de
compadrio acontecessem primariamente em razão da proximidade entre cativos e livres
pobres, aproximados pelo cotidiano da labuta e pobreza rural.
Continuando na mesma toada, a aproximação dos escravos com a população
livre tornar-se mais intensa ao descobrirmos que, na maioria das cerimônias de batismo
dos inocentes cativos, os padrinhos livres estavam na maior parte das vezes
acompanhados pelas madrinhas da mesma condição jurídica; ambos compareceram
juntos as pias batismais 1.563 vezes. Nestes casos, a opção por dois pais espirituais
livres corrobora com o que vem sendo reforçado por Silvia Brugger, de que o
compadrio se estabeleceu como uma “aliança para cima”464.
Considerando essa elevada presença de tutores livres, podemos acentuar que o
número de vezes que os cativos aparecem apadrinhando crianças escravas ao lado de
pessoas livres tornou-se um dado pouco expressivo, pois apenas 113 cativos e 184
cativas foram convidados para apadrinhar os inocentes escravos ao lado de agentes
livres.

463
SLENES, Robert. Senhores e Subalternos no Oeste Paulista. In: ALENCASTRO, Luis Felipe de
(org.). História da vida privada no Brasil. v. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 1997, p.271.
464
Brugger, 2002, p. 287.

216
Ana Lugão Rios, trabalhado com a família escrava da Paraíba do Sul, entre
1872 e 1888, afirma que a opção por padrinhos livres e madrinhas escravas teria sido
uma maneira de conciliar o interesse no status social dos padrinhos com os cuidados e a
solidariedade que uma madrinha escrava poderia facilmente prestar às crianças.465 Esta
combinação de padrinhos livres e madrinhas cativas foi observada por Brugger e Tania
Kjerfve em Campos do Goitacazes, entre 1754 e 1766. Segundo as autoras, este tipo de
escolha prende-se mais a fatores de ordem pragmática, tais como a interferência em
possíveis conflitos ou a facilitação da alforria466. Tais explicações fazem sentido, pois
na região em análise, as madrinhas escravas foram mais requisitadas do que os
padrinhos da mesma condição.
Com base no que demonstramos, podemos entender que as relações de
compadrio entre os escravos estiveram mais fortalecidas no mundo dos livres do que
nas “comunidades das senzalas”, pois quando havia a possibilidade de escolha, a
tendência era convidar pessoas que não estavam presas ao cativeiro. Portanto, na
localidade em estudo, as hierarquias sociais não favoreciam a consolidação dos laços
horizontais entre cativos, sendo a função principal do compadrio o estabelecimento de
relações verticais entre os escravos com pessoas livres.
Com isto, não queremos dizer que o baixo percentual de escravos como
padrinhos de crianças cativas elimine qualquer chance destes indivíduos fortalecerem os
seus laços no interior do cativeiro, mas é importante salientar que, pelo fato de terem a
maioria das pessoas livres como seus compadres, isto fez com que muitos destes
mancípios fossem mais seletivos aos escolherem padrinhos presos à escravidão. De fato,
teriam dado preferência àqueles escravos que estivessem melhores posicionados na
hierarquia do cativeiro, ou seja, cativos que teriam condições de dar proteção e direção à
vida dos seus afilhados e compadres467.
Sobre este processo podemos entender que uma multidão de escravos não foi
chamada para batizar crianças, e provavelmente não mobilizaram um mínimo de

465
RIOS, Ana Lugão. Família e transição: famílias negras em Paraíba do Sul. 1872-1920. Dissertação de
Mestrado, Niterói, 1990, p.58.
466
KJERFVE e Brugger, Silvia M. J. "Compadrio: relação social e libertação espiritual em sociedades
escravistas (Campos, 1754-1766)", Estudos Afro-Asiáticos, n. 20 (1991).
467
João Fragoso ao pesquisar as relações de compadrio dos escravos das freguesias rurais do Recôncavo
da Guanabara, constatou que haviam escravos melhores posicionados na hierarquia do cativeiro que se
tornaram protetores de varias famílias presas a escravidão. Ver: FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Principais
da Terra, Escravos e a República. O desenho da paisagem agrária no Rio de Janeiro Seiscentista. In
Revista Ciência e Ambiente, Santa Maria (UFSM), nº. 33, jul./dez. pp. 97-120, 2006; FARINATTI, op.
cit., 2011a.

217
recursos materiais e relacionais que os outros dispunham. Não por acaso, vimos que
muitos cativos na região passaram a vida inteira no cativeiro sem sequer apadrinhar ao
menos uma criança presa à senzala.
Além disso, podemos também pensar que os laços que ligam alguns cativos
excluem os outros, tornando, assim, mais distintos e hierarquizados. Pelas fontes
pesquisadas, temos informações que muitos casais de cativos com vários rebentos não
tiveram pessoas livres como compadres, mas parceiros de senzala que poderiam cumprir
a função de torna-se um poderoso aliado. Um escravo, especialmente da mesma
escravaria ou de propriedades vizinhas, poder ser mais acessível e confiável, alguém
inclinado a ter em alta consideração aos afilhados e os pais e responder com mais
rapidez ou generosidade a alguma necessidade468.
Havia cativos de consideração como Ireneo Tropeiro, escravo do maior
negociante da Vila de Baependi, Luiz Fernandes da Costa Guimarães. Este mancípio
compareceu a seis oratórios particulares das fazendas da região para tornar-se compadre
de duas famílias escravas. Seus afilhados estiveram espalhados nas propriedades dos
senhores Venâncio da Rocha Figueiredo e Manoel Ferreira Alves. Na unidade do
primeiro senhor apadrinhou um inocente cativo, e na segunda tornou-se tutor espiritual
de cinco crianças, filhos de Severo e Generosa. O fato de Ireneo ser escolhido padrinho
espiritual de todos os filhos deste casal, é sinal de que tinha prestígio nesta senzala,
além de servir para mediar às relações entre estes patriarcas.
Por outro lado, padrinhos e madrinhas forros e libertos foram os que menos
apadrinharam crianças filhas de cativos na Vila de Santa Maria do Baependi. É fato que
constituíam um segmento minoritário, mas as madrinhas forras e libertas foram as que
mais compareceram as cerimônias dos inocentes cativos. Este dado, talvez possa ser
explicado na medida em que as alforrias, segundo alguma pesquisa, eram mais
concedidas a mulheres do que os homens469. Acredito que este dado demográfico não

468
GRAHAM, 2005, p. 73-75.
469
OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. O liberto: o seu mundo e os outros. São Paulo: Corrupio; [Brasília,
DF]: CNPq, 1988.; PAIVA; KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850).
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. KJFERVE Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas
Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume, 1995;
LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Slavery and economy of São Paulo, 1750-1850. California:
Stanford University Press, 2003. KJFERVE, Tânia Maria G.; BRUGGER, Silvia Maria. Compadrio:
relação social e libertação espiritual em sociedades escravistas (Campos, 1754-1766). Estudos Afro-
asiáticos. Nº 20. Rio de Janeiro: Cadernos Cândido Mendes, 1991. METCALF, Alida C. A família
escrava no Brasil Colonial: um estudo de caso em São Paulo. História e População: estudos sobre a
América Latina. São Paulo: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, 1990. GUEDES, Roberto.

218
seja suficiente para explicar tal constatação. Outra explicação que me parece mais
plausível consiste num gradativo processo de abandono da designação liberto e forro
condicionada pela mobilidade social destes agentes, como é o caso do ex-preto forro
Miguel Nogueira. Quando era escravo do Sargento-Mor Manoel Nogueira de Sá,
Miguel era designado nos registros batismais como preto; quando se tornou forro, ainda
continuava sendo definido com a mesma cor. Após alçar o status de senhor, sua
condição jurídica e cor deixaram de ser mencionadas pelos Párocos nas atas paroquias.
Provavelmente, a mobilidade e a ascensão social do senhor Miguel Nogueira
não permitiram que fosse mais reconhecido como preto forro, distanciando-se do
estigma de cativeiro. Como salienta Roberto Guedes, “a ascensão social provocava a
mudança de cor ou a atribuição de signos de prestígio social, ao passo que
(re)aproximar-se do cativeiro provocava o rebaixamento social manifesto na cor”470.
Além disto, Guedes também salienta, que a qualidade não é uma categoria engessada,
mas pode alterar no decorrer da vida dos agentes sociais, em função das circunstancias
relacionais que o mesmo estava envolvido, um casamento que leve a mudança de cor, a
inserção em uma rede de compadres, o acesso à posse escrava etc.,471
Acreditamos que este processo tenha ocorrido com vários agentes que não
tiveram suas condições mencionadas em nossos assentos de batismo, considerando que
numa sociedade escravista a mobilidade social era aberta para todos 472. Portanto, a
posse de bens, as relações com pessoas de notoriedade e o alcance de um status
senhorial, certamente contribuíam para que muita gente com ascendência escrava mais
ou menos distante conseguisse encobrir a mancha do cativeiro473.
No que remete a questão devocional no compadrio dos cativos, ainda outro tipo
de opção se fez presente: encontramos alguns casos em que as madrinhas terrenas foram

Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c.1798-
c.1850). Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2008. SOARES, Márcio de Sousa. A remissão do cativeiro:
alforrias e liberdades nos Campos dos Goitacases, c.1750 – c.1830. Niterói, RJ: Universidade Federal
Fluminense, 2006. (Tese de Doutorado em História).
470
GUEDES, Roberto. Estratégias de mobilidade social em sociedades escravistas. Uma análise
comparada (Porto Feliz/São Paulo/ Brasil e Torbee/São Domingos, séc. XVIII e XIX). Fronteiras, v. 10,
nº. 18, pp. 51-93, jul./dez. 2008b, p. 2.
471
No capítulo 2 de seu livro “ Egressos do cativeiro desenvolve importantes aspectos teóricos sobre a
mobilidade social em sociedade de antigo de regime aberta a pessoas de modestas qualidades sociais.
GUEDES, Roberto. Op. Cit. Rio de Janeiro: Ed. MAUADX, 2008.
472
MACHADO, C. A trama das vontades. Negros, pardos e negros na produção da hierarquia social (São
José dos Pinhais – PR, passagem do XVIII para o XIX. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ,
2006.
473
SOARES, Márcio. A remissão do cativeiro: a dádiva da alforria e o governo dos escravos nos Campos
dos Goitacases, 1750-1830. Rio de Janeiro: Apicuri, 2009.

219
substituídas pelas madrinhas Santas. Os números não são muitos expressivos, ao todo
foram 7 inocentes escravos que tiveram Santas como madrinhas. A protetora mais
requisitada foi N. Sra. dos Remédios (3), seguindo de N. Sra. da Conceição (2), Nossa
Senhora (1) e N. Sra. da Vitória. Destes batismos, seis inocentes cativos filhos naturais
foram entregues aos cuidados espirituais destas Santas, e apenas uma criança legítima
teve como madrinha algumas destas santidades.
Mas não eram apenas os escravos que invocavam estas madrinhas Santas: as
pessoas livres também recorreriam à proteção divina destas tutoras espirituais para
amparar os seus filhos. Para este grupo constatamos a ocorrência de 122 casos, e a mais
requisitada era Nossa Senhora da Conceição. João José Reis, analisando os registros
paroquias da cidade de Salvador, afirma que essa Santa seria uma “espécie de Deusa
brasileira da fecundidade” regendo simbolicamente o nascimento e a morte das
crianças474. Para os assentos de batismo da Vila de São João del Rei, Silvia Brugger
salienta que as protetoras eram diferentes manifestações de Nossa Senhora, sendo a
mais frequente, tanto para filhos de escravas como de livres, Nossa Senhora da
Conceição475.
É importante frisar que em nossa pesquisa não encontramos a figura de protetor
e devocional em relação aos padrinhos, tanto para livres como para escravos. Silvia
Brugger ressalta “que as devoções apareciam em substituição apenas à figura materna, e
nunca à do padrinho”. De acordo com a autora, pode-se pensar que a figura masculina
era o principal elemento agenciador das redes de compadrio tecidas em distintas
camadas da sociedade.476 Na Paraíba do Sul oitocentista, Cristina Rocha encontrou
pouquíssimos santos na figura de padrinhos para os escravos e pessoas livres. O mesmo
não ocorreu com as madrinhas devocionais, que tiveram grande e especial importância
entre os cativos ingênuos.477 Ana M. Lugão Rios, examinando duas freguesias rurais dos
Sul da província do Rio Janeiro, encontrou uma quantidade expressiva de Santas como
madrinhas de escravos, embora este tipo de apadrinhamento tenha se concentrado na
segunda metade do século XIX478.

474
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX, São
Paulo, Cia. das Letras, 1991, p.198.
475
Brugger, 2002, p. 302-303
476
Idem, 303.
477
ROCHA, Cristiany Miranda da. Gerações da senzala: famílias e estratégias escravas no contexto dos
tráficos africano e interno. Tese de Doutorado. UNICAMP, 2004.
478
Ana Lugão . Família e Transição, op. cit. p.74.

220
Contudo, acredito que a quase inexistência de padrinhos Santos em algumas
localidades mencionadas tem a ver com a importância da figura masculina nas relações
de compadrio, mas o fato de um livre, forro, liberto ou escravo escolher uma Santa
como tutora espiritual de seu rebento condiz também com dimensão espiritual e da
crença que estas pessoas tinham sobre esta santidade, pois uma madrinha espiritual pode
ser evocada por vários motivos, tais como a promessa de um pedido atendido, um parto
sem complicação, a falta de uma tutora carnal e o desejo de viver uma vida
minimamente digna em uma sociedade escravista fortemente marcada pela exclusão e
pobreza, algo que retratamos no primeiro capítulo desta tese.
Até aqui, análise conjunta dos dados apresentados reforça a ideia de que o
compadrio tendia a ligar a família dos inocentes cativos a pessoas que estavam
posicionadas num patamar superior na hierarquia social. Para um melhor
aprofundamento destas relações, veremos como estas escolhas se deram em três
intervalos temporais desta pesquisa, com o objetivo de compreender como o compadrio
entre os escravos estava estrategicamente se comportando no tempo, em função dos
arranjos individuais e coletivos dos escravos e de seus senhores. Para esta análise,
continuaremos examinados os dados expostos na quadro de n° 4.
De acordo com os dados desta tabela, percebe-se que, ao longo de todo
período, mais de 60% dos padrinhos dos cativos eram livres (apesar de algumas
variações, possivelmente resultado do pequeno número de registros em termos
absolutos). É interessante notar que a opção por compadres livres, entre os escravos,
tendeu a crescer ao longo de todo recorte cronológico desta pesquisa, que se estende
entre 1830 a 1888. Isto sugere que familiaridades entre livres e escravos na região foram
se tornando mais estreitas com os passar tempo. Motta, ao pesquisar a vida dos escravos
de Bananal nas primeiras décadas do século XIX, observou que os índices de
ilegitimidade foram menores do que o indicador de legitimidade para as crianças
cativas. A partir disso, ele sugere que a evolução da família escrava, bem como as
relações de compadrio dos cativos com o segmento da sociedade, melhorou no
período479.
No primeiro recorte temporal, que se estende entre 1830 e 1850, a participação
de padrinhos livres nas cerimônias dos inocentes cativos da região demonstrou um

479
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em
Bananal (1801-1829). São Paulo, Annablume, 1999. p. 354/363.

221
índice bastante elevado. Por outro lado, o número de escravos como padrinhos de
crianças cativas se mostrou bastante baixa. Talvez o que estes dados estejam indicando
seja uma lenta, mas contínua, intensificação das relações hierarquizantes entre os
escravos, em um período onde o tráfico de africanos encontrava-se em intenso processo
de aceleração. O que queremos dizer é que a elevada presença de africanos nas
escravarias de Baependi durante este subperíodo (1830-1850) fez com que os escravos
forjassem relações de compadrio com pessoas livres do cativeiro.
É provável que neste ambiente de intensa entrada de estrangeiros nos portos
brasileiros, os africanos recém-chegados à região ainda não tinham sido convidados
para serem padrinhos. Isto, de alguma maneira, contribuía para que os cativos tecessem
relações com que estivessem fora do mundo do cativeiro. Ao invés de serem padrinhos,
vimos que alguns destes africanos foram batizados ao chegarem à região, entre 1833 a
1851. Receberam os Santos Óleos 35 africanos adultos que pertenciam aos senhores
mais afortunados na região. Estes eram o Coronel João de Almeida Pedroso, o Tenente
Manoel Antônio Pereira e, por último, o Tenente Coronel reformado da Guarda
Nacional, João Evangelistas de Souza e Guerra. Portanto, estamos diante de um seleto
grupo de senhores que recorreram ao comércio de almas atlânticas para ampliar as suas
escravarias.
O Tenente João Evangelista de Souza Guerra foi o que mais levou africanos às
pias batismais da localidade: ao todo foram batizados quatro escravos procedentes da
região da Guiné. Em sua escravaria, escolheu Antônio para ser protetor destes recém-
chegados, com a incumbência de interagir lós a novos laços de relacionamento e adaptá-
los ao trabalho na propriedade, ou seja, afim de reconheçam os seus papéis (como
subalternos) em uma sociedade escravista marcada por uma forte hierarquia social.
Sobre este caso, podemos refletir que, num contexto de intensa entrada de
africanos, poderia haver novos conflitos no interior do cativeiro, mas com a inserção
numa comunidade escrava já estabelecida conformada por diversos laços familiares, tais
desavenças poderiam diminuir, e na qual o batismo significaria um momento de
pacificação e integração destes novos membros. Neste ponto, concordo com Florentino
e Góes, ao perceberem que o compadrio (ou parentesco) no período de pico do tráfico

222
tinha um importante papel de apaziguar os conflitos que ocorriam no interior da
senzala.480
Na situação em análise, parece que o batismo tenha sido utilizado para evitar
possíveis agitações na escravaria do Senhor João Evangelista de Souza Guerra, pois, ao
escolher um cativo de confiança e experiente para auxiliar os africanos que chegavam à
sua propriedade, diminuía o potencial de risco de fugas e revoltas, auferindo destas
alianças uma renda política.
O segundo subperíodo, compreendido entre os anos de 1850 a 1870, é o
momento em que os livres compareceram em maior número nas cerimônias de batismo
dos cativos, e, provavelmente, é a ocasião em que os cativos foram mais seletivos em
convidar um companheiro de senzala para apadrinhar um dos seus rebentos. Em outras
palavras, era o período em que as relações de convívio no cativeiro estavam mais
distintas e hierarquizadas.
Um caso que pode demonstrar como as relações de compadrio no cativeiro
estavam intensamente mais hierarquizadas, é o do casal José Antônio e Ana. Ambos
eram escravos do Coronel e Barão da Roseta, Justo Domingos Maciel. Durante 20 anos
após o término do tráfico de 1850, estes cativos tiveram dois filhos apadrinhados por
um casal de livres e outros por escravos. Um dos seus rebentos teve como padrinho e
madrinha, Manoel Antônio de Oliveira e Ana Angélica, o outro filho foi batizado por
Benedito e Plácida, escravos do Tenente Coronel Joaquim Inácio de Melo e Sousa. Com
relação aos tutores livres, ambos eram casados, porém, não temos muitas informações
sobre o padrinho, apenas da madrinha, pois soubemos que esta senhora foi procurada
por várias famílias da região para apadrinhar seus filhos, o que indica que tinham algum
reconhecimento na localidade. Em relação aos compadres escravos de José Antônio e
Ana, estes pertenciam a um dos senhores mais proeminentes de Baependi.
Diante deste quadro relacional, percebe-se que os compadres deste casal de
cativos foram muito bem selecionados, um compadrio que ao mesmo tempo auferia
ganhos para o Coronel Justo Maciel e para seus escravos. Os benefícios obtidos por este
senhor consistia na ampliação do seu raio de ação de social, pois, à medida que seus
escravos se relacionam com outros setores da sociedade, mais influentes se tornavam na
região. Além disso, este casal de escravos teve como comadres mancípios pertencentes

480
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico
atlântico, Rio de Janeiro, c.1790- c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 63-74.

223
a um senhor bastante prestigiado na localidade. Certamente os laços de compadrio entre
estas distintas escravarias tenham contribuído para tornar mais estreitas as alianças
políticas entre estes senhores ocupantes de importantes postos militares.
Obviamente os ganhos auferidos por José Antônio e Ana sobre estas relações,
não foram os mesmo de seu senhor, como bem elucidou Giovanni Levi: “numa
sociedade hierárquica e segmentada a distribuição de recursos se dava de acordo com a
situação social de cada um”.481 Sobre apreciação desta lógica, é notório perceber que
estes agentes situavam-se em distintas camadas da sociedade. Mesmo assim, José e Ana
não deixaram de ser criteriosos na escolha de um padrinho para seus rebentos – o que
lhes permitia acessar uma rede de compadres que os colocavam melhores situados na
hierarquia do cativeiro.
Retomando os dados da Tabela 3, no último recorte, entre os anos 1871 a 1888,
já fomos avisados de que houve uma continua reiteração da forte presença de padrinhos
livres nos batismos de escravos da região, mas se compararmos com outros períodos,
este grupo sofreu uma pequena queda, o que resultou no aumento de padrinhos escravos
no interior da comunidade cativa.
O aumento de padrinhos escravos neste período, talvez esteja relacionado ao
amadurecimento da escravidão na região. Em outros termos, havia nas escravarias de
Baependi um número expressivo de cativos que durante a vida de cativeiro adquiriram
experiência e valiosos recursos que fez com se tornassem padrinhos preferenciais.
Como vimos no Capítulo 2 desta tese, nas últimas décadas da escravidão houve
um significativo crescimento de escravos idosos nas escravarias da região, sendo que a
maioria eram nascidos em Baependi. Portanto, este dado reforça o que estamos
afirmando: a significativa presença de cativos com larga experiência de escravidão
contribuiu para que o compadrio escravo neste período fosse mais tecido dentro da
própria senzala.
Apesar de haver algumas modificações na estrutura do compadrio escravo na
região, a predileção por pessoas livres como padrinhos dos inocentes cativos durou até o
fim da escravidão, mas estou certo de que estas relações não se resumiam apenas na
busca de apoio e proteção com pessoas de status superior, mas uma forma aproveitada
pelos escravos de se distinguirem no interior dos seus grupos sociais. Em outras

481
LEVI, Giovanni. Prefácio. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de.
Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: editora FGV, 2009.

224
palavras, uma maneira encontrada para se ascender na hierarquia do cativeiro. Dito isto,
tenho certeza de que estas relações contribuíram para a sobrevivência da escravidão
nesta dita Vila Sul-Mineira, pois quando mais esta instituição avançava nos oitocentos,
mais hierarquizadas ficavam as relações sociais nas escravarias da região.
Fazendo um balanço geral deste tópico, não resta dúvida que a hierarquia
social se fez presente no interior das escravarias de Baependi. Tal estrutura foi
descoberta pela maior incidência de pessoas livres ou portadores de sobrenomes com
indicativos de famílias livres sendo compadres dos cativos. Esta predileção gerou sérias
consequências na comunidade escrava, não permitiu que um expressivo contingente de
cativos exercesse estas funções, vendendo-lhes o acesso a um instrumento que poderia
promover as suas ascensões sociais. Sobre estes laços, os escravos na vila de Baependi
foram mais seletivos em convidarem membros do cativeiro para apadrinhar um dos seus
filhos.

- Padrinhos preferencias e suas redes de compadres.

Com intuito de explorar mais a fundo a reprodução de uma hierarquia social


nas relações de compadrio na Vila de Baependi, analisaremos neste tópico as redes de
compadres das pessoas livres e escravas que mais compareceram como padrinhos nas
pias batismais da região. Aqui noção de redes é entendida como um “complexo sistema
de vínculos que permitem a circulação de bens e serviços, materiais e imateriais, no
marco das relações estabelecidas entre seus membros”, tal como definiu Michel
Bertrand482. De acordo com Bertrand, esta rede caracteriza-se por relações
fragmentadas, estruturadas não em torno a um núcleo central, mas ao redor de vários
centros que geram uma estrutura polinodal, construída no interior de um grupo que tem
uma existência prévia à rede e que serve de apoio a estas relações entre os membros
dela483.
Nesta perspectiva analítica, pude realizar apenas a identificação de redes
parciais, com base nas quais se podem desvendar as lógicas relacionais que por elas
transitam, assim descobrimos que os indivíduos através de suas amplas redes de
compadres puderam se relacionar em varias camadas desta sociedade, constituindo
482
BERTRAND, Michel. De la família a la red de sociabilidad. Revista Mexicana de Sociología, Vol. 61,
nº 2, abril-junho 1999, p. 62.
483
Idem, 61.

225
assim um valioso capital relacional que contribuía para que estivessem melhores
posicionados na hierarquia sociais dos seus respectivos grupos.
Frente a estas analises vale também nos orientarmos sobre a noção de rede
formulada por Jean-Pierre Dedieu e Zacarias Moutoukias, segundo estes autores, o
conceito de rede reside não só em termos das relações mantidas no seu interior, entre os
próprios membros de uma mesma rede, mas também variedade de recursos que havia
nas relações mantidas externamente pelos membros desse grupo. Amigos e parentes
relacionados com redes, ou seja, conectados a partir de diferentes tipos de laços
compartilhando determinados fins e estratégias potencializavam seus recursos
individuais, bem como os da rede como um todo, ao cumprirem funções externas à
própria rede484.Vale acrescentar que isso era particularmente importante no que tange a
atividades de "caráter profissional" seja o campo mercantil, militar, eclesiástico seja da
agricultura, dentre outros especialmente em termos do acesso a variadas fontes e tipos
de informação e de conexões externas, multiplicando assim quase que de forma
geométrica a capacidade e a potência de ação de uma determinada rede. Neste sentido,
em toda rede sociais sempre havia aqueles que mobilizavam maiores recursos na
sociedade e sobre uma relação de reciprocidade com os membros inferiores desta rede
acabava lhe gerando algum beneficio485.
A questão dos padrinhos preferências deva ser considerada a luz de deste
desdobramento analítico, veremos que os indivíduos que mais foram chamados para
apadrinhar crianças na região, eram homens de elevada posição social e exerciam uma
variedade de funções (mercantis, agrícolas, militares e eclesiástica) que de alguma
maneira, poderia beneficiar aqueles que fizessem parte das suas redes de compadres.

- As redes de compadres dos padrinhos preferenciais escravos.

Para examinarmos estas questões, selecionamos os escravos que compareceram


4 ou mais vezes nas cerimonias de batismo. Assim identificamos 9 cativos que que
formaram este seleto grupo de padrinhos. Como denominou João Fragoso em um estudo
484
Jean-Pierre Dedieu e Zacarias Moutoukias, "I..:historien de l'administration et la notion de réseaux", in
J.L. Castellano e J.-P. Dedieu (orgs.), op. cit., p. 247-264, 250. Ver também o trabalho destes autores em
seus respectivos trabalhos.
485
Zacarias Moutoukias, ''La notion de réseau em histoire sociale: un instruI ment d'analyse de l'action
collective", in J.L. Castellano e J.-P. Dedieu ; (orgs.), op. cit., p. 231-245.

226
sobre a Freguesia de São Gonçalo, padrinhos reis, ou seja, aqueles mancípios na visão
do autor que mais eram chamados para apadrinhar crianças presas à escravidão ou até
aqueles livres deste regime486.
Nos tópicos anteriores, vimos que a maioria dos cativos escolheram pessoas
livres para apadrinharem os seus filhos e poucos parceiros de senzala para exercerem tal
função, sobre esta serie de batismo, percebemos que havia uma estratificação social nas
escravarias de Baependi. Nesta seção encontramos um diminuto grupo de escravos
como padrinhos preferenciais, isto significa que o topo da hierarquia social do cativeiro
era mais estreito e seleto, ou seja, na região foram poucos mancipios que conseguiram
constituir uma ampla rede de afilhados e compadres. Vermos agora aqueles que
conseguiram alçar este recurso.

Quadro - 7: Escravos que mais compareceram às pias batismais da Vila de


Baependi, 1830 a 1888.

Padrinhos Escravos Nº de afilhados Senhores dos Padrinhos

José 12 Dr. Francisco Viotti

Manoel 11 Sr. Bernardinho José da Silva (Tropeiro)

Antônio 7 Cap. João Batista de Alvarenga

Porfirio Crioulo 6 José Luiz de Figueiredo

Luiz 5 Cap. José de Souza Meireles

João Manoel 5 Venâncio Antônio de Gusmão

Eduardo 5 José de Seixas Batista

Manoel 4 Alferes Agostinho Fernandes

Benedito 4 Ten. Col. Joaquim Inácio de Melo e Souza


Fonte: Assentos Paroquiais de Batismo da Vila de Santa Maria do Baependi, 1830-1888.

486
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Principais da Terra, Escravos e a República. O desenho da paisagem
agrária no Rio de Janeiro Seiscentista. In Revista Ciência e Ambiente. Santa Maria: UFSM, nº 33,
jul/dez, 2006, pp. 97-120.

227
Observando as informações expostas, vê-se que José, escravo do Doutor
Francisco Viotti, foi o mais requisitado para apadrinhar crianças na região,
comparecendo a treze pias batismais da localidade. Seus afilhados estavam distribuídos
em cinco distintas escravarias da Vila de Baependi. Mais interessante, porém, é que não
se restringiu à senzala; também foi padrinho de uma criança livre, filha legítima de João
Antônio de Oliveira e Ana Francisca do Espírito Santo.
O fato de este casal de livres convidar um escravo para ser padrinho de um dos
seus filhos não parece ser nenhum absurdo: talvez fossem agregados na fazenda da
família Viotti ou ex-escravos deste senhor. Além disso, João Antônio de Oliveira e Ana
Francisca do Espírito Santo não aparecem em nenhum registro de batismo apadrinhando
crianças. Estabelecer laços com escravos do proprietário daquelas terras não seria visto
como uma aliança para baixo, tanto mais se o cativo escolhido fosse alguém que
contava com prestígio na sua rede de relações.
Vale, sobretudo, acrescentar que não bastava ter estatuto social reconhecido
como livre para ser superior a um escravo; havia muitos livres pobres nessa sociedade
que viviam de forma mais precária do que muitos indivíduos presos ao cativeiro. Além
disto, sabemos que, para além do estatuto social reconhecido na pia batismal, o que
importava eram as relações existentes e principalmente “estar socialmente arranjado”487
Se nos basearmos apenas nestas relações, já podemos afirmar que José ocupava
uma posição privilegiada no contexto da escravidão que poucos escravos da Vila de
Baependi tinham alcançado. Mas seguimos apresentando mais dados sobre a teia
relacional deste cativo e dos outros que serão examinados nesta pesquisa.

No que se trata do senhor de José, o Doutor Francisco Viotti, sabe-se que era
natural de Gênova, Itália, e que chegou à região no ano de 1828. No ano de 1832, antes
de completar 21 anos, casou-se com Izabel Caetana Rodrigues da Silveira, pertencente
à família Rodrigues Afonso de Campanha-MG, e Nogueira Cobra, de Baependi. O
sogro do Dr. Viotti, Domingos Rodrigues Afonso, descendia de Guilherme Van
der Haagen (da Silveira), de Bruges, um dos primeiros habitantes da ilha
do Faial, nos Açores. A sogra de Francisco Viotti, Dona Izabel Caetana
de Faria era neta do Capitão-Mor, Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, e sua

487
Martha Hameister. Para dar calor à nova povoação, op. cit, 2005, p. 242.

228
488
mulher Maria do Leme Prado, povoadores de Baependi . Tudo isto nos
mostra, a inserção de social de Francisco Viotti em famílias de prestigio
na localidade.

Francisco Viotti, durante o período em que viveu na Vila de Baependi, tornou-


se um dos homens mais destacado da região, pertencendo aos estratos mais superiores
desta sociedade, foi um dos primeiros senhores a introduzir o comercio do fumo crespo
no município de Baependi489.
Além disso, por ser um dos poucos médicos da localidade, se relacionava com
diversas famílias da região e seus pacientes iam de escravos a Barões. Da mesma forma
que seu escravo José, o Dr. Viotti foi convidado por diversas pessoas da localidade para
apadrinhar os seus rebentos, e tomou sobre sua proteção espiritual 22 crianças da
localidade. Entre estes inocentes, apadrinhou os filhos do negociante e Consul
Português, Luiz Fernandes da Costa Guimarães, e do Sargento-Mor Manoel Nogueira
de Sá. Também teve seus filhos apadrinhados por pessoas de elevada posição na Vila de
Baependi, como o oficial reformado do Exército Brasileiro, João Evangelista de Souza e
Guerra, que foi Tenente Coronel da Guarda Nacional e cobrador de impostos na Câmara
de Baependi. É muito provável que o enorme prestígio do Senhor Viotti, pudesse influir
no próprio prestígio de José refletindo nos convites que recebia.
Porém, esta explicação não basta. O senhor Viotti tinha outros escravos e
nenhum deles chegou perto do número de vezes em que José esteve presente nas pias
batismais. Os outros cativos do Dr. Viotti conseguiram apadrinhar no máximo 2
crianças. Este índice foi verificado também para as escravas que serviram de madrinhas.
Portanto, não resta dúvida de que José ocupasse o topo mais alto na hierarquia desta
escravaria.
José esteve na companhia de 7 madrinhas livres e 6 escravas. Uma das tutoras
livres era Ana Angélica de Souza, casada com o pardo Manoel Antônio de Oliveira,
irmão de José Antônio de Oliveira, compadre do escravo José. A outra madrinha livre
foi Tomazia Correia, ex- escrava do senhor Antônio Correia da Silva, e filha natural de
Maria liberta, casada com Manoel Antônio de Meireles, ex-cativo de Leonor Luiz de
Meireles. Com relação às escravas madrinhas, duas pertenciam a Francisco Viotti, e as

488
BARBOSA, W. História; Família Viotti. Bio. Família Viotti. Disponível em: <
http://www.familiaviotti.com/artigo_exibe.php?id=1>.
489
Jornal “O Baependiano”, Data: 04 de maio de 1879 .

229
outras quatro a pessoas donas de distintas escravarias na região. Tudo leva crer, que a
participação de José como padrinho nestas cerimonias de batismo tornava suas redes de
relações mais extensas na região.
Com estes dados e os que já foram demonstrados, percebe-se que José estava
implicado numa ampla e complexa rede relacional, na qual exercia diversos papéis
como padrinho. Tal situação nos leva a entender que os escravos não podem apenas ser
compreendidos no âmbito jurídico, ou seja, somente como cativo pertencente a uma
propriedade senhorial e ponto. No caso que estamos analisando, José posto em
diferentes relações sociais, exerceu várias funções naquela sociedade. Além de
apadrinhar várias crianças e ser conhecido como escravo de uma prestigiosa casa
senhorial, foi padrinho de casamento e irmão da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e da Boa Morte. Em alguns inventários consultados, vimos que José
acompanhava o seu senhor em várias visitas médicas nas fazendas da localidade. É
possível que José prestasse alguma ajuda ao Dr. Viotti no cuidado com seus pacientes.
Por transitar em vários lugares da Vila, isto permitia que este cativo tecesse diversas
relações, tornando-se bastante conhecido na região. Portanto, percebe-se que a vivência
deste escravo não se limitou ao grupo social a que pertencia, mas a diversas relações
sociais que produziu ao longo da vida.
Estes capitais relacionais constituídos por José são, na verdade, recursos que
estavam disponíveis naquela sociedade490. Por meio de várias estratégias este cativo
conseguiu ter acesso a estes expedientes. Toda esta malha relacional não se deu de um
dia para outro, pois foram anos de vivencia para construir estes laços. Além do mais,
estamos tratando de um indivíduo preso ao cativeiro que tinha uma mobilidade física
limitada e um acesso restrito aos meios de ascensão social do que sujeitos de outros
segmentos. Apesar destas restrições, soube tecer alianças que poderia lhe beneficiar no
futuro.
A atuação de José nas relações de compadrio remete à noção de estratégia
empregada por Fredrick Barth. Este conceito consiste na ideia de um agente livre e com
um mínimo de racionalidade sobre as regras do jogo e suas consequências, tendo em
mãos recursos necessários para tanto. Este modelo de análise coloca em cena um ator
que deveria agir dentro de uma sociedade na qual os recursos sociais, materiais e

490
HESPANHA, Antônio Manuel. Imbecilitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010.

230
culturais eram distribuídos desigualmente. Um indivíduo racional, certamente, mas não
dotado de uma “racionalidade absoluta491. Em outras palavras, como também bem expôs
Giovanni Levi, “a partir dos recursos limitados que o seu lugar na trama social lhe
conferia, em contexto nos quais suas ações dependem das interações com ações
alheias”492. “Portanto, o controle sobre o seu resultado é limitado por um horizonte de
constante incerteza”493.
Considerando o modelo de análise proposto por Barth, podemos compreender
que a atuação do escravo José sobre a malha parental em que estava submerso de certa
maneira dependia das ações empreendidas pelo seu senhor, que, por sua vez, tinha certo
domínio sobre suas relações – o objetivo era fazer valer a sua autoridade moral e obter
alguns ganhos políticos sobre os laços de compadrio deste escravo. Apesar deste
controle senhorial, José soube angariar os recursos disponíveis (mas limitados) destas
relações, por compreender as regras do jogo e suas consequências.
O segundo escravo que mais compareceu às pias batismais da região exercendo
a função de padrinho foi Manoel, escravo do senhor e tropeiro Bernardino José da Silva.
Este cativo nasceu no ano de 1840 na Capela de São José do Favacho do Termo da Vila
de Santa Maria do Baependi, e era filho dos africanos/pretos José e Jacinta, cativos do
mesmo senhor. Manoel foi batizado na Matriz de Nossa Senhora de Montserrat de
Baependi, foram seus padrinhos, Julião, escravo de Gabriel Penha, e Jacinta, cativa do
lavrador e senhor Manoel José Pereira.
O senhor Manoel José Pereira apadrinhou um dos filhos de Bernardino José da
Silva. Deste modo, o compadrio entre seus escravos tornava suas alianças mais
fortalecidas. De acordo com a lista nominativa da Capela de São José do Favacho de
1831494, estes senhores eram vizinhos de propriedade, provavelmente isto tornou suas
relações e as de seus escravos mais estreitas.
Nesta peça documental (as listas nominativas) o senhor Bernardino José da
Silva foi classificado como branco, tropeiro, de 31 anos de idade e casado com a
senhora Delfina Umbelina, também de cor branca e de 26 anos. Na lista nominativa de

491
CF. F. Barth. Scale and Network in Urban Western Scociety In. Scale and Social Organization, cit.,
p.166.
492
De acordo com Henrique Espada Lima, o conceito de racionalidade limitada tal como é usado por Levi
não tem origem em Barth, ainda que seja bastante coerente com ele. Tal noção foi cunhada por Harvey
Leibenstein no contexto a uma crítica ao modelo economista do homem econômico. Ver:
LEIBENSTEIN; BEYOND. Economic Man. 1976.
493
Fragmento textual retirado do livro de Henrique Espada Lima, A micro História italiana, 2006, p.462.
494
Lista Nominativa de 1831. Capela Nsa do Favacho, termo da Vila de Baependi; APM.

231
1831, este senhor aparece como dono de 14 cativos, sendo 2 crioulos, 1 mestiço (cabra e
caboclo)495 e 9 africanos/pretos. Este dado demonstra que sua escravaria era alimentada
pelo tráfico negreiro. Entre estes recém-chegados estavam os pais de Manoel, José que
na época tinha 18 anos de idade e Jacinta com 9 anos, ambos solteiros496.
Na Matriz de Baependi no dia 20 de maio de 1867, Manoel casou-se com
Francisca, escrava de Bernardino José da Silva, que era filha dos falecidos africanos-
pretos Teodoro e Tereza, que também foram escravos deste senhor.
Um dos padrinhos de casamentos de Manoel e Francisca foi nada menos do
que o próprio senhor, Bernardino José da Silva. É importante frisar que esta foi à única
cerimônia de casamento na qual este senhor Silva aparece como padrinho, o que
significa que este patriarca tinha apreço e consideração por estes cativos. Tal afeição
surgiu devido ao fato destes escravos e seus pais terem convivido por muito tempo ao
lado deste senhor – estas longas relações tornava-os mais próximos, onde a confiança e
o respeito foram algo bastante valorizado entre estes distintos agentes.
Janaina Christina Perrayon Lopes, analisando os registros de casamento da
Freguesia da Candelária na primeira metade do séc. XIX, nos alerta que a presença dos
senhores como testemunhas dos laços matrimoniais dos seus cativos não deva se reduzir
a ideia de controle senhorial sobre estas uniões, mas as relações de aproximação. Nas
palavras da autora:

Quando um escravo consegue levar seu senhor com um parente dele para
celebrar e apadrinhar seu casamento é porque, no mínimo, há um razoável
grau de consideração entre eles. O tempo de convivência familiar e o grau de
importância que um exerceu na vida do outro talvez os tenha aproximado e,
além disso, gerado uma consideração e respeito que vemos refletida no
compromisso assumido, e manifesto publicamente, de um proprietário que se
tornou padrinho de casamento de seus escravos497.

Luiz Fernando Veloso Nogueira aventa outra hipótese: que estando na presença
de seus senhores, com o intuito de solicitar a permissão destes para se casarem, os
casais cativos poderiam estar vislumbrando a possibilidade de terem uma morada

495
Curia Diocesana de Campanha: Livro de casamento da Vila de Baependi, 1842-1869, nº 8.
496
Lista Nominativa de 1831. Capela N. Sra. do Favacho, termo da Vila de Baependi; APM.
497
LOPES, Janaína Christina Perrayon. Casamentos de escravos nas freguesias da Candelária, São
Francisco Xavier e Jacarepaguá: contribuições aos padrões de sociabilidade matrimonial no Rio de
Janeiro (c.1800-c. 1850). Rio de Janeiro: UFRJ – Programa de Pós-Graduação em História Social, 2006.
Dissertação de Mestrado.

232
separada dos que demais escravos; quem sabe poderiam cultivar uma roça própria para
o seu consumo e até, talvez, ter algum excedente que pudessem comercializar498.
No caso em análise, é provável que Manoel tenha angariado na propriedade
onde morava alguns recursos materiais. Até onde sabemos, ficou aproximadamente 47
anos convivendo ao lado do seu senhor. Após a morte deste patriarca, Manoel e à
esposa continuaram servindo a viúva, Dona Delfina Umbelino de Andrade. No
inventário de Bernardino José da Silva, aberto em 1887, Manoel e Francisca sequer
foram mencionados nas partilhas de bens, o que nos leva a crer que estes escravos já
eram considerados como membros desta família, e por estarem enraizados nesta unidade
e serem estimados pela sua senhora e seus familiares, não houve a necessidade de
inclui-nos no rol da partilha dos bens.
Manoel como José (cativo do Doutor Viotti), monopolizou os convites de
batismo que foram emitidos para a senzala do seu senhor. Dos 15 escravos de
Bernadinho José da Silva chamados para apadrinhar, Manoel foi solicitado a
comparecer a 11 cerimoniais de batismo como tutor espiritual dos seus afilhados. É
provável que a consideração e apreço que tinha na casa senhorial da qual fazia parte,
tenha contribuído para que se tornasse um escravo bastante estimado pelos seus
parceiros de cativeiro e até pelos senhores destes.
Manoel apadrinhou escravos de quatro distintas senzalas da região, porém,
onde mais teve afilhados foi na escravaria do Barão de São Tomé, homem de elevada
estima social no Sul de Minas e membro de uma das famílias mais tradicionais da
Comarca do Rio das Mortes, os Junqueira. Vários integrantes desta família ocuparam
importante cargos políticos na Província de Minas Gerais, muitos foram deputados
provinciais e até ministros499. Neste caso, percebe-se que, diferente do Dr. Viotti,
Bernardino José da Silva aproveitou do compadrio de seu escravo Manoel para tecer
relações verticais com pessoas de estatutos sociais superior ao seu. Assim, salientamos
que os laços de parentesco entre os membros do cativeiro aproximavam não somente os
escravos como também senhores que pertenciam a distintos estratos da sociedade.
Portanto, através das relações de compadrio entre escravos pertencentes a distintas

498
NOGUEIRA, Luiz Fernando Veloso. Relações familiares entre escravos: a trajetória de Manoel e Eva
– Freguesia do Divino Espírito Santo do Lamim/MG (1859-1888). 124 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2013.
499
ANDRADE, Marcos de. Elites regionais e a formação do Estado Imperial Brasileiro. Ver o 4º
capitulo do livro, no qual Andrade estuda a trajetória política do Barão de Alfenas.

233
senzalas, torna-se possível visualizarmos uma hierarquia social no interior dos grupos
senhoriais.
Na situação que se apresenta Bernardino José da Silva, apesar de ser branco e
senhor, era um fazendeiro de médio porte e dono de um plantel de escravos que não se
igualava aos grandes da região. Além disto, não obteve nenhuma patente militar ou de
honraria, a falta destes recursos provavelmente o impediu que chegasse ao mesmo
patamar do Barão de São Tomé. Ciente do lugar que ocupava na sociedade e com
interesse em subir alguns degraus nesta hierarquia senhorial permitiu que um dos seus
escravos se relacionasse na senzala destas poderosas de família. Talvez fosse uma forma
de estar mais próximo destas pessoas de prestígio.
É importante destacar que entre os escravos Bernadinho José da Silva, Manoel
e sua esposa Francisca foram únicos que possuíam ocupações especializadas nesta
propriedade. Manoel era carpinteiro e Francisca cozinheira, os demais escravos foram
arrolados como roceiros. A mobilidade ocupacional deste casal de cativos insinua ao
menos três fenômenos: a sensível ampliação de recursos diante da escravaria, a maior
aproximação com a família do seu senhor e um distanciamento com os membros do
cativeiro.
Gilberto Freire500 chama a atenção para a existência de uma hierarquia entre os
cativos nos engenhos pernambucanos, argumentando que os escravos domésticos ou
aqueles envolvidos com a produção especializada de alguma fazenda açucareira, a rigor,
teriam maiores proximidades com seu senhor e seriam considerados praticamente
membros da família dos seus patriarcas. No caso que estamos analisando, este tipo de
aproximação entre senhores e escravos ressaltado por Freire já foi anunciada nesta
seção, pois demonstramos que o senhor Bernardo José da Silva testemunhou os laços
matrimonias de Manoel e Francisca. Esta proximidade familiar os tornava mais distintos
no interior da senzala.
De modo geral, todos estes recursos auferidos por Manoel e Francisca lhe
davam maior prominência na hierarquia da senzala. Presos ao cativeiro ocuparam um
lugar de destaque neste ambiente extremamente estratificado. Estas conquistas se
justificam pelo fato de este casal de cativos terem dominado as normas da localidade e

500
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. São Paulo: Global, 2006, p 556-557.

234
dos códigos morais da propriedade senhorial a que pertenciam501. Essa talvez fosse a
razão de serem proporcionalmente mais convidados para apadrinhar e, com isto,
estenderem a tutela de suas redes de amizades às famílias escravas em formação nos
plantéis escravistas.
Por fim, Manoel e Francisca não tiveram acesso à liberdade e muito menos
alçaram a condição de senhores, mas, por outro lado, por serem cativos de consideração,
estavam sob a proteção de uma família senhorial que não permitiu que vivessem como
muitos livres pobres que se encontravam em estado de miserabilidade na região502.
O terceiro escravo mais solicitado para comparecer como padrinho nas
cerimônias religiosas de batismo foi Antônio, escravo do Capitão João Batista de
Alvarenga. Este cativo nasceu e foi batizado na Freguesia de São Sebastião da
Encruzilhada. Era filho dos pretos, Antônio e Jacinta, escravos do mesmo senhor.
A rede de compadres tecida por Antônio apresenta um dado que não vimos em
outros casos. Este cativo foi o único de sua senzala a apadrinhar crianças. Com relação
aos outros escravos desta fazenda, ou foram proibidos pelo seu senhor para exercerem
tal função, ou de fato não foram convidados para serem padrinhos, por talvez não
estarem melhores posicionados na hierarquia do cativeiro. Como já sabemos que a
maioria de cativos foram batizados por pessoas livres, acreditamos que a segunda opção
seja mais plausível.
Desta forma, podemos apontar que na escravaria do Capitão João Batista de
Alvarenga, o processo de exclusão e hierarquização entre os cativos era mais intenso,
talvez mais atenuante do que os casos anteriores. Além disto, este tipo de situação nos
mostra como o domínio sobre os escravos era algo a ser decidido no âmbito da esfera
domestica, conforme os anseios particulares de cada senhor, neste caso, o poder dos
senhores não eram circunscritos a uma interferência externa, seja do Estado, ou de
autoridades locais e de outros patriarcas503.

501
Sobre escravos que compreendia os códigos morais das casas senhoriais ver: FRAGOSO, João.
Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor do engenho do Rio Grande, neto de conquistadores e compadre
de João Soares, pardo: notas sobre uma hierarquia social costumeira. In .; GOUVÊA, Maria de
Fátima (orgs.). Na trama das redes: política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 264. Ver tambem, João FRAGOSO. Principais da Terra,
Escravos e a República. O desenho da paisagem agrária no Rio de Janeiro Seiscentista. In Revista Ciência
e Ambiente, Santa Maria (UFSM), nº. 33, jul./dez. pp. 97-120, 2006
502
Situação um pouco parecida foi vista Giovanni Levi, ao constatar componeses da região de Santena
vivendo sob a tutela de grande senhores de terras, em busca proteção. Ver: Giovanni Levi. A Herança
Imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII, 2000, p. 62-86.
503
Rafael Marquese, Feitores do corpo, Missionários da Mente, p. 39-45.

235
Nas das escravarias do Dr. Francisco Viotti e do Tropeiro Bernardino José da
Silva, ao menos haviam outros escravos que apadrinhavam crianças na região. É claro
que suas redes de compadres não eram tão extensas comparadas as de José e Manoel,
mas foram convidados por algumas famílias escravas da localidade para apadrinhar os
seus rebentos, o que de certa forma fazia com que ocupassem uma posição na hierarquia
do cativeiro acima daqueles que não conseguiram forjas novos vínculos através dos
laços de compadrio.
Assim, podemos afirmar que Antônio, na escravaria do Capitão João Batista de
Alvarenga, reinou sozinho, ou seja, todos os convites emitidos para esta senzala foram
direcionados para este cativo. Isto sugere que Antônio, nesta propriedade, foi um dos
mancípios que contribuiu de forma efetiva para que seu senhor ampliasse as suas redes
de relações.
O intervalo entre os anos de 1851 a 1875 foi o período em que Antônio
compareceu às pias batismais da região. Neste curto espaço de tempo, apadrinhou 6
inocentes batizados registrados pelos Párocos como filhos naturais, ou seja, crianças que
não tiveram apenas a sua condição materna reconhecidas nos assentos de batismo.
Destes seus afilhados quatro eram pardos, sendo dois filhos da parda Rita, cativa de
Dona Izabel Maciel, 1 de Maria crioula, pertencente ao Tenente José Francisco Maciel e
1 de Venância, escrava do Capitão João Batista de Alvarenga.
Com relação às madrinhas que estiveram na companhia de Antônio nas
cerimônias de batismo, Justina esteve ao seu lado em três ocasiões, e a liberta Ana
Justina em duas. Em duas celebrações este escravo compareceu sozinho às pias, pois
para estes dois registros houve a invocação de uma madrinha Santa, a Protetora Nossa
Senhora da Vitória. Apesar da crença e confiança que as mães destas crianças tinham
nesta madrinha Santa, poderia também optar por uma madrinha terrena, que lhes
ajudassem a acessar alguns recursos materiais e simbólicos, mas para esta função
escolheram um escravo que tinha o compromisso moral de zelar pelas suas vidas e de
seus filhos. Neste caso, Antônio assume um importante papel como protetor desta
família escrava.
Não obstante, este caso demonstra mais vez, que nas escravarias da Vila de
Baependi os escravos também teciam relações para cima sem necessariamente
recorrerem à proteção de pessoas livres, sendo que estes elos verticais poderiam se dar
no interior do cativeiro, pois haviam cativos melhores situados nas senzalas prestes a
exercer este papel.

236
José, Manoel e Antônio, os escravos mais procurados para apadrinhar crianças
na região, estavam em condições de dar auxílio e proteção a várias famílias presas aos
grilhões da escravidão. Acreditamos que estes cativos estavam nos patamares mais altos
da hierarquia do cativeiro, por terem conseguido mobilizar uma série de recursos
materiais e relacionais que os outros cativos não dispunham. As suas relações com seus
senhores e outras famílias senhoriais da região os destacavam frente aos outros cativos.
Outro dado importante sobre estes cativos padrinhos preferencias é que não
estiveram apenas comprometidos com as obrigações do compadrio, pois eram membros
de irmandades religiosas, detinham ocupações especializadas, auxiliavam seus senhores
em visitas médicas e foram padrinhos de casamento, além de terem mantido contatos
diretos com os membros da casa grande e com alguns amigos dos seus senhores.
Portanto, o percurso individual destes cativos nos mostra que estavam inscritos em
diferentes esferas da vida social.
Desta forma, proponho que os escravos na região de Baependi não devam ser
entendidos somente como uma categoria jurídica homogênea, mas sim a partir das suas
relações sociais em diversos âmbitos para além da escravidão. É neste sentido que busco
observá-los assimilando algumas ideias desenvolvidas por Simona Cerutti (1998). Para
a autora, devemos ter cuidado com as classificações socioprofissionais e com o
pressuposto de que os agentes “podem ser descritos antes mesmo que seja analisado o
tecido das relações que os engendrou”. Ao invés disso:

Em lugar de considerar evidente o pertencimento dos indivíduos a grupos


sociais (e de analisar as relações entre sujeitos definidos a priori), é preciso
inverter a perspectiva de análise e se interrogar sobre o modo pelo qual as
relações criam solidariedades e alianças, criam, afinal, grupos sociais. Nesse
sentido, o importante não é negar a utilidade de todas as categorias
socioprofissionais – exógenas ou contextuais – mas impregná-las das
relações sociais que, hoje como então, contribuem para o seu nascimento504.

Dando sequência às conclusões deste tópico, além de José, Manoel e Antônio


exercerem diversos papéis na sociedade escravista de Baependi, vimos que mobilizaram
uma série de recursos que os colocaram em posições vantajosas nas hierarquias do
cativeiro. Desta forma, é possível que fizessem parte de um segmento que compunham
uma elite escrava constituída em meio aos plantéis escravistas.

504
CERUTTI, Simona. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim no século
XVII”. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 1998, p. 182-183.

237
- Os padrinhos preferencias livres.

Para realizamos um estudo sobre os padrinhos livres preferenciais da Vila de


Baependi selecionou aqueles compadres que compareceram por mais de vinte vezes nas
cerimônias de batismo. Esta seleção se justifica pelo fato das outras pessoas que foram
convidadas para batizar não terem atingindo esta marca: o máximo de vezes que foram
convidados para serem padrinhos foi quatro. Interessante ressaltar que, entre estes
indivíduos que compareceram em poucas cerimônias de batismo, nenhum deles tiveram
suas condições jurídicas e ocupações mencionadas pelos Párocos. Portanto, o fato de
não terem sido registrados com alguma insígnia social, talvez isto explique os poucos
convites emitidos a estes homens.
Com relação às pessoas livres que estiveram presentes em mais de 20
celebrações batismais, a maioria deles tiveram suas patentes militares, profissões
sacerdotais, títulos e horarias registrados pelos Padres de Baependi. Alguns foram até
mencionados nos assentos de batismo como senhores. Tais reconhecimentos, por si só,
justificam os inúmeros convites recebidos por estes homens de elevada proeminência
social.

238
Quadro - 8: Pessoas livres mais chamadas para apadrinhar crianças livres e
escravas na Vila de Baependi, 1830-1888.

Afilhados Afilhados Total de


Padrinhos Título dos Padrinhos Livres Escravos Afilhados
Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira Monsenhor e Vigário da Vara 87 32 119
Luiz Fernandes da Costa Guimaraes Negociante/Cônsul Português 49 9 58
Francisco Antônio de Melo Negociante 28 16 44
Joaquim Gomes do Carmo Padre 36 6 42
Manoel Antônio Pereira Tenente 31 6 37
Joaquim Raimundo dos Santos S/Título 30 7 37
Justo Domingos Maciel Barão 25 10 35
José Pedro Américo de Matos Comendador 27 6 33
João Evangelista de Souza Guerra Tenente Coronel 32 - 32
José Carlos Nogueira Tenente 24 6 30
Manoel Inácio Lopes S/Título 25 4 29
José Inácio Nogueira de Sá Tenente 21 3 24
Carlos Teodoro Correia Tenente 20 9 29
Manoel Joaquim Pereira de Magalhães Doutor 22 6 28
José Raposo Lima Alferes 27 4 27
Antônio de Oliveira Castro Coronel 24 3 27
Joaquim Pereira Alves Madeira Tenente Coronel 23 4 27
Salviano de Paula Braziel S/Título 27 - 27
Manoel Alves Maciel Juiz de Paz 25 - 25
José Carlos de Seixas Rabelo (Pardo) S/Título 25 - 25
Francisco Marcelino Pereira Juiz de Paz 25 - 25
Antônio Pinto Ribeiro Capitão 22 2 24
Joaquim Antônio da Silva S/Título 23 - 23
Alexandre Roiz Afonso S/Título 23 - 23
Raimundo Antônio de Castro S/Título 23 - 23
Joaquim Inácio de Melo e Souza Tenente Coronel 18 4 22
José Inácio de Carvalho Capitão/Cavalheiro da Ordem de Cristo 20 2 22
Manoel Antônio de Castro S/Referência 22 - 22
Antônio Marcelino Ferreira Capitão 17 4 21
Francisco Viotti Doutor 22 4 21
Fonte: idem.

239
Os dados que constam no quadro de nº6 alinham-se perfeitamente com os
resultados obtidos no primeiro capítulo desta tese. Pois os homens mais ricos e
influentes foram os mais chamados para apadrinhar crianças livres e escravos na
localidade, em outros termos, um seleto grupo de senhores que conseguiram conjugar
um amplo domínio territorial e humano na região505. Entre os anos de 1830 a 1888,
estes senhores que controlavam mais de 70% da riqueza produzida na região
confirmaram presença em 813 celebrações de batismo. Em média cada um teve 38
afilhados, representando cerca de 6,8% do batismo realizados.
Destes padrinhos preferenciais, encontramos 20 que pertenciam à elite local506.
Encontrei referências a eles em alguns inventários post-mortem, testamentos e listas de
habitantes que foram examinadas neste trabalho. Estes dados são importantes, ao indicar
a existência de um grupo de homens que sistematicamente era solicitado a apadrinhar, e,
assim, puderam construir ou integrar uma ampla rede de compadres. Mas, de fato quem
eram estes homens?
Como podemos ver no quadro acima, muitos padrinhos preferencias foram
caracterizados, pelo menos em alguns registros, com distintivos de prestigio social, tais
como patentes militares, sacerdócio e outras honrarias. Mas entre eles, havia aqueles
que nas atas batismais não tiveram nenhum título mencionado pelos Párocos,
provavelmente, não tinham. Parece que os Padres foram detalhistas em registrar estas
insígnias, pois era importante portar tais distintivos junto ao nome e ser assim
reconhecido na comunidade. Ao todo, 475 tiveram suas ocupações declaradas pelos
padres, representando 3,9% do total de pessoas que compareceram como padrinhos nas
pias da região.
Os padres ocuparam lugar de destaque neste universo, no qual estiveram
presentes como padrinhos em 161 cerimônias religiosas. Este dado torna-se relevante ao
sabermos que os eclesiásticos eram proibidos pelas normas da igreja de exercer este tipo
de função507. Apesar destes impedimentos, foram convidados por pessoas de diversos
estratos desta sociedade.

505
Esses homens referidos em nossa pesquisa como “padrinhos de muitos afilhados” ou “padrinhos
preferenciais” também controlavam o crédito local, além de ocuparem os principais postos Câmara
Municipal de Baependi.
506
Silvia Brugger encontrou uma quantidade semelhante de homens de prestígio na Vila de São João del
Rei. Ver: BRÜGGER, Silvia M. J. Minas patriarcal, 2007, Ver estes dados no Capitulo V.
507
MONTEIRO DA VIDE, S. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Lisboa: Typ. 2 de
Dezembro, 1719. [São Paulo, 1853],

240
Para região de São João del Rei, entre 1736 a 1850, Silvia Brugger notou que
muitos sacerdotes se tornaram compadres dos seus paroquianos. Segundo a autora, esta
escolha se justifica por vários fatores, um deles poderia ser de ordem religiosa, na
medida em que seria visto como um intermediário entre Deus e o homem, capaz de
interceder pelos afilhados perante a corte celestial, de modo mais eficaz do que os
demais mortais. Além disso, a inserção no clero era portadora de alguns prestígios
perante a sociedade. Por outro lado, os padres eram homens solteiros e, via de regra, não
possuíam descendentes e herdeiros forçados. Brugger salienta que além dos Párocos,
outras pessoas com títulos aparecem como destaque entre os padrinhos. Nisto conclui-se
que os interesses nos prestígios dos padres como pais espirituais faz sentido.508
Nessa perspectiva, podemos entender a preferência por padres e militares como
padrinhos. Dentro deste grupo de homens mais requisitados para este papel, o recordista
no número de afilhados foi o nosso conhecido, Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira,
que apadrinhou 119 crianças pertencentes a diversas famílias da localidade. Destas, 87
eram livres e 32 escravas; entre estes inocentes havia 90 legítimos, 28 naturais e 1
exposto em sua casa.
Dez afilhados do Mons. Marcos eram escravos e pardos, destes, apenas dois
eram filhos de casais cativos que tiveram suas relações reconhecidas pela Igreja. Vinte e
uma das mulheres que tiveram seus filhos apadrinhados pelo padre Marcos Pereira
tinham o título de Donas, e somente dois dos seus compadres tiveram suas ocupações
mencionadas, um deles era o pedreiro Antônio Augusto da Fonseca, um dos homens
contratado pelo Mons. Marcos para fazer os reparos na Igreja Matriz de Baependi, o
outro era o Doutor Antônio Carlos Carneiro Catão Junior, filho do Comendador e
Deputado Provincial Olímpio Viriato Carneiro Catão, também considerado como um
dos homens mais ricos e de alta estima na região.
Com relação às madrinhas que estiveram na companhia do Mons. Marcos na
cerimônias de batismo, quatro eram escravas e uma liberta. Ana, ex-cativa de Dona
Maria Cândida de Castro. Também na companhia deste Pároco nas celebrações
batismais havia 48 madrinhas com designativo de Dona. Esta ampla e complexa rede de
compadrio demostra a inserção do Mons. Marcos em vários estratos desta sociedade,
pois estes múltiplos contados relacionais tinham sido um importante recurso político
para este padre. Como indica Richard Graham, “o tamanho de uma clientela era a

508
BRUGGER, 2002, p.304.

241
medida de um homem” 509. Sobre esta lógica, o compadrio era um importante
mecanismo para o alargamento das alianças sociais.
Depois do Mons. Marcos, o segundo padrinho preferencial foi o negociante
português Luiz Fernandes da Costa Guimarães. Pelos inventários pesquisados,
descobrimos que este senhor era um dos maiores credores da região, tendo em sua rede
de crédito 174 devedores, incluindo indivíduos detentores de importantes patentes
militares até escravos. Isto de alguma maneira pode ter refletido em suas relações de
compadrio com diversas famílias da Vila de Baependi, pois seus compadres contavam
com seus empréstimos para saldar dívidas com outros credores ou investir em alguns
setores da economia local.
Como podemos observar na Tabela 5, que com toda esta disponibilidade
credito não é de se estranhar que Luiz Fernandes da Costa Guimarães fosse padrinho de
58 crianças. Entre estes inocentes, havia 49 filhos de pessoas livres e 9 de escravos.
Com relação aos rebentos livres, dois foram registrados como brancos e os demais não
tiveram suas cores mencionadas. Apenas quatro dos seus compadres tiveram seus títulos
informados pelos párocos, todos eram militares, sendo um Capitão, dois Tenentes e um
Major. Todos estes senhores também estão relacionados em nossa mostra como os
indivíduos que mais foram procurados para apadrinhar crianças em Baependi. Um
deles, que teve um dos seus filhos batizado por Luiz Fernandes, era o Capitão José
Inácio de Carvalho, que foi agraciado com o título professo de Cavaleiro da Ordem de
Cristo. Por este compadrio pode-se ter uma noção do nível de prestígio do padrinho.
Com relação às comadres do senhor Luiz Fernandes, 16 tiveram seus títulos de Donas
registrados. No geral, as demais pessoas que se tornaram compadres e comadres deste
negociante português não tiveram suas condições e nem títulos mencionados pelos
clérigos da localidade. Mas de qualquer forma, percebe-se a existência de ampla rede de
compadre tecido por este senhor, que na visão Jean-Pierre Dedieu e Zacarias
Moutoukias, eram compostos por indivíduos que detinham uma variedade de recursos
externos a este rede, em outras palavras, eram pessoas que mobilizavam distintos
recursos e transitavam em diferentes esferas da sociedade510.

509
GRAHAM, Ricard, GRAHAM, Richard. Patronage and Politics in nineteenth-century, Brazil.
Stanford Press University, 1990.
510
Jean-Pierre Dedieu e Zacarias Moutoukias, "I..:historien de l'administration et la notion de réseaux", in
J.L. Castellano e J.-P. Dedieu (orgs.), op. cit., p. 247-264, 250.

242
Em se tratando dos escravos, Luiz Fernandes da Costa Guimarães apadrinhou 9
inocentes cativos, sendo oito filhos naturais e um legítimo. Entre estes rebentos havia
quatro pardos e um preto. Quatro destas crianças eram escravas do senhor Luiz
Fernandes, dado que mostra a presença de valores patriarcais nas relações de
compadrio, questão que será investigada no próximo capítulo.
Dando sequência às análises dos campeões de batismo, temos outro negociante
da Vila de Baependi que se destacou entre as pessoas mais procuradas para apadrinhar
crianças. Este era o senhor Francisco Antônio de Melo, que tomou como afilhados 44
crianças, sendo 28 livres e 16 escravos. Entre os compadres e comadres deste
negociante, apenas um casal apresentou algum título. Este era nosso conhecido, Capitão
José Inácio de Carvalho, professo com o hábito dos Cavaleiros da Ordem de Cristo, e
sua esposa, Dona Lucia Maria da Conceição. Os convites que o prestigioso Capitão José
Inácio emitiu para estes homens de negócio foram indícios de que a elite mercantil
instalada na Vila de Baependi era bastante valorizada e respeitada pelos moradores
desta localidade.
No que se trata dos cativos, o senhor Francisco Antônio de Melo apadrinhou 16
crianças presas ao cativeiro, sendo 4 filhos de casais cativos e 12 filhos naturais de mães
solteiras; destas 5 foram registradas como pretas. Uma destas famílias escravas
pertencia ao Capitão e Cavaleiro da Ordem de Cristo José Inácio de Carvalho. Portanto,
este batismo é prova de que estes senhores queriam estreitar suas relações.
Pela via das relações de compadrio, os homens de negócio Luiz Fernandes da
Costa Guimarães e Francisco Antônio de Melo tiveram diferentes inserções nestas
redes. O primeiro ligou-se a um menor número de escravos, porém, a maioria dos seus
compadres eram livres. O segundo negociante demonstrou estar mais conectado com os
indivíduos presos ao cativeiro, e isto fez com que Francisco Antônio de Melo
apresentasse uma rede de compadres não tão ampla com os livres como a de Luiz
Fernandes da Costa Guimarães, que, por sua vez, apadrinhou menos escravos.
No mais, isto demonstra que as redes de compadres destes homens se estendia
para além dos negócios mercantis. De fato, estes negociantes encontravam-se
profundamente inseridos na região, e os habitantes viam vantagens em ter estes homens
de negócios como padrinhos dos seus filhos. Mas devemos salientar que o prestígio
destes homens não se resumia ao comércio: eram também senhores de escravos e
usavam desse status para se manterem no topo da hierarquia local. E ainda eram irmãos

243
em várias irmandades da Vila de Baependi, tanto que doaram valiosos pecúlios para o
concerto de altares-mores de algumas capelas e igrejas do Termo de Baependi.
Além de apadrinharem uma considerável quantidade de crianças na região,
estes negociantes receberam inúmeros convites para serem padrinhos de casamentos.
Luiz Fernandes da Costa Guimarães foi convidado para comparecer a 28 cerimônias,
enquanto que Francisco Antônio de Melo testemunhou 58 uniões matrimoniais. É
importante ressaltar que os noivos pertenciam a várias camadas sociais. Portanto, estes
dados demonstram a pretensão que estes senhores tinham em fazerem redes.
Esta estratégia relacional de ser ao mesmo tempo padrinho de batismo e de
casamento de famílias da localidade foi algo observado atentamente por Vera Alice ao
analisar a sociedade mineira setecentista. Segundo a autora:

Em sociedades tradicionais, pela própria natureza da dinâmica das relações


sociais, que são intensamente personalizadas, é comum que indivíduos
específicos destaquem-se pela exacerbação do valor social que lhes pode ser
conferido em virtude de algum traço de comportamento socialmente
valorizado”.511

Nesta linha de interpretação, podemos entender que o elevado número de


convites emitidos para alguns senhores da região pode estar associado à exacerbação do
seu valor social nesta sociedade. Para compreendermos esta lógica, faremos um exame
das relações de compadrio do 5º senhor que mais batizou crianças na região. Este
“campeão de batismo” era, o Tenente Manoel Antônio Pereira, que além ter ser
representante da Guarda Nacional do Império, exerceu importantes funções políticas na
Câmara Municipal da Vila de Baependi.
Pelos Almanaques industriais, administrativos e civis da Província de Minas
Gerais, descobrimos que este senhor se tornou, no ano de 1864, Vereador da Câmara de
Baependi, cumprido mandato, seis anos depois foi promovido a Tenente da 1º
Companhia da Parada do Largo da Matriz de Baependi. Além de este importante posto
militar, se tornou um dos homens mais abastados da região. Como mostramos no
primeiro capítulo, parte da sua riqueza era convertida em terras e homens, sua
escravaria era composta por 89 cativos, o que o colocava na mesma posição dos grandes
senhores que apresentavam plantéis escravistas fora dos padrões mineiros. Diante desta

511
SILVA, Vera Alice Cardoso. Aspectos da função política das elites na sociedade colonial brasileira - o
„parentesco‟ espiritual como elemento de coesão social. Revista Varia História, Belo Horizonte, v. 31, p.
97-119, 2004.

244
resumida apresentação, podemos considerar que o Tenente Manoel Antônio Pereira era
um digno membro da elite socioeconômica da Vila de Baependi.
O fato de deter e controlar todos esses recursos permitiu que acessasse uma
ampla rede de compadres composta por famílias de vários segmentos da sociedade.
Recebeu muitos convites para comparecer nas pias batismais da região, ao todo foram
37 celebrações em que compareceu como padrinho, sendo 34 crianças filhas de pessoas
livres e de 3 inocentes cativos. Um destes rebentos preso à sua senzala era um dos seus
afilhados. Este apadrinhamento ocorreu pelo fato da criança encontrar-se em risco de
vida. Nisto, teve que receber os Santos Óleos do batismo para não falecer com o pecado
original.
Mas este episódio não impediu que o Tenente Manoel Antônio Pereira
mantivesse relações com o cativeiro: foi compadre de duas famílias escravas
pertencentes a distintas escravarias da região. Uma era de seu filho, o Alferes Francisco
Antônio de Pereira, e outra de sua comadre, Dona Izabel de Souza Rodrigues. É
provável que este compadrio ocorresse devido o fato destes escravos serem íntimos
destas famílias senhoriais.
Descobrimos que no testamento do Tenente Manoel Antônio Pereira, Rita, sua
escrava e comadre, recebeu um tratamento diferenciado dos demais escravos. Neste
documento há uma passagem em que este senhor pede encarecidamente a seu
testamenteiro e filho, Manoel Antônio Pereira Junior, que encaminhe aos cuidados da
sua filha, Dona Emerenciana, “a Mulatinha de nome Rita, filha de Francisca parda,
escrava da mesma minha filha, e com as mesmas condições de não poder ser avaliada e
nem tomada por dívidas, passando por sua morte aos seus filhos legítimos”512.
Pela importância deste pedido, suspeitamos que além de ser compadre de sua
escrava Rita, o Tenente Manoel Antônio Pereira também seja pai. Por meio destas
exigências testamentarias fica claro os cuidados que este senhor teve em não tornar
pública esta relação ilícita, mas como um bom cristão e católico preparando-se para o
“bem-morrer” e com a angústia provocada pelo receio da condenação eterna513,
procurou dar um mínimo aconchego para sua prole ilegítima, a deixando sobre a
proteção de uma de suas filhas.

512
Trecho retirado do Testamento do Tenente Manoel Antônio Pereira. Testamento anexado em seu
inventário.
513
Márcio Soares. A remissão do cativeiro, op, cit., p.98.

245
Com relação aos compadres livres do Tenente Manoel Antônio Pereira, apenas
dois tiveram suas ocupações declaradas pelos Párocos da região. Um deles foi o seu
filho, o Alferes Francisco Antônio Pereira, e, o outro, o sapateiro Antônio Guilherme da
Silva, morador do distrito de São Sebastião da Encruzilhada do termo de Baependi. No
que se refere às comadres, apenas 7 destas senhoras foram registradas como Donas.
As alianças que o Tenente Manoel Antônio Pereira teceu com estas famílias de
baixo estatuto social permitiu que construíssem uma sólida base de legitimidade social
amarrada em diversas direções do espaço social, solidificando sua posição como elite.
Podemos dizer que o estabelecimento desse conjunto de vínculos com vários setores da
sociedade possibilitou que este proeminente senhor se mantivesse entre os homens de
maior notoriedade e de reconhecimento da região.
Ao visualizarmos as redes relacionais do Tenente Manoel Antônio Pereira e de
outros agentes detentores de importantes títulos militares e eclesiásticos na região,
percebemos como a noção de patriarcalismos concebida por Gilberto Freire ganha força
sobre estas relações, pois sintetiza a arquitetura do poder gestado no conjunto das
relações que ligavam os principais chefes da elite da agraria aos seus familiares, aos
seus (muitos) escravos, e à população de livres pobres que habitavam seus domínios514.
Diante desta prerrogativa, vimos que a gama de relações constituída pelos senhores de
prestigio da localidade, formava-se quanto estes se tornaram protetores espirituais de
famílias pertencentes a distintos estratos sociais da sociedade baependiense.
Com relação aos padrinhos preferenciais sem patentes militares e títulos de
honrarias, estes não tiveram suas relações de compadrio tão horizontais comparadas
àqueles que possuíam estas prerrogativas. Em suas redes de compadres ficaram de fora
as famílias escravas da região, pois apadrinharam somente crianças filhas de pais livres
da localidade. Este dado pode ser compreendido em duas vias, a primeira é o fato de os
escravos contarem proporcionalmente com pessoas de prestígio social para serem seus
compadres, a fim de estarem melhores projetados na hierarquia do cativeiro. A outra
explicação possa residir numa estratégia social adotada por estes padrinhos sem títulos,
que procuravam ascender socialmente se afastando daquelas famílias que não
estivessem presas ao cativeiro.

514
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. São Paulo: Global, 2006.

246
Estas explicações são bastante plausíveis, pois para um indivíduo tecer uma
ampla rede de compadres, a posição que ocupava numa escala da sociedade era
determinante para a constituição destes laços. Tanto que confirmamos, nesta pesquisa,
que foram as pessoas mais proeminentes da Vila de Baependi as que mais receberam
convites para apadrinharem crianças. Ligando-se através do compadrio com pessoas de
vários estratos da sociedade, tiveram condições de expandir o seu poder de influência
sobre uma extensa malha social composta por inúmeras famílias que estavam sobre suas
proteções.

247
Capitulo - 4

Produzindo aliados no cativeiro: as relações paternalistas e de


compadrio entre senhores e escravos.

248
Resumo do capitulo

Neste quarto e ultimo capitulo concentro-me em examinar as relações de compadrio e


de paternalismo entre senhores e escravos da Vila de Santa Maria do Baependi.
Primeiro iremos apresentar os principais estudos que negam e visualizam uma
compatibilidade entre batismo e escravidão, em outras palavras, a presença ou não de
valores patriarcais nas relações de parentesco dos senhores com seus escravos. Para
estes exames, o principal corpo documental serão os registros paroquiais de batismo,
mas iremos intercruzar as informações disponíveis nesta fonte com outros documentos
eclesiásticos (casamento e óbitos) e cartoriais. A princípio, iremos empreender uma
analise de caráter quantitativo, pretende-se observar a quantidade de senhores que
estiveram presentes nas cerimônias de batismo dos seus cativos. Apurado este dado,
selecionaremos as famílias senhorias que mais apadrinharam cativos na região para
sabermos até que ponto os senhores de Baependi investia na produção de aliados no
cativeiro. Como o foco central desta tese é investigar a manutenção de uma sociedade
escravista numa Vila Sul-Mineira dedicada à produção agropecuarista, é importante
saber como estas estratégias senhoriais em torno dos laços de compadrio produzidos
pelos escravos poderia dar mais estabilidade para este sistema.

249
- Compadrio e paternalismo: uma breve incursão historiográfica e outras
ponderações.

Nos capítulos anteriores, vimos que a desigualdade socioeconômica, a


disseminação da posse escrava e a hierarquia no cativeiro foram mecanismos que
contribuíram para a manutenção da escravidão em uma região dedicada a produção
agropecuarista. Com o proposito de melhor conhecermos o vigor e a longevidade deste
sistema, faremos nesta ultima seção um estudo sobre o paternalismo e o compadrio
entre senhores e escravos na Vila de Baependi.

O compadrio como reforço das relações paternalista, há tempos veem sendo um


tema bastante discutido pelos historiadores, não obstante o estado atual dos debates
permite, hoje, que se chega a um balanço relativamente consistente sobre esta temática.

Dada à proliferação de trabalhos que se preocupam em tratar deste tema, não


caberia no restrito espaço aqui disponível mencionar a ampla bibliografia. Mas
considero essencial apontar, a princípio, autores que considero marcantes para as
reflexões mais centrais do balanço e das ponderações que serão aqui analisadas.

Sobre a orientação conceitual de um modelo de família patriarcal cunhada por


Gilberto Freire515, Katia Mattoso alega, sem muita comprovação empírica, que o
compadrio inaugurado nas pias batismais poderia tornar mais estreito as relações
familiares entre senhores e escravos516. A autora acena que seria usual o senhor
apadrinhar os seus cativos, pois são vínculos que “se harmonizam perfeitamente com as
517
regras dessa sociedade brasileira na família extensiva, ampliada e patriarcal” .
Segundo Matoso, o costume dos patriarcas de batizar os seus escravos foi atestado por

515
Segundo Gilberto Freyre foi “numerosos os escravos que, no sistema patriarcal brasileiro, gozaram da
situação de afilhados de senhores de casas-grandes e de sobrados”. Muito embora, é bom que se diga, ele
reconheça que esses casos não deveriam ser considerados como “típicos”. (FREYRE, 1985. Tomo I:
288).
516
Segundo Sheila Faria, a organização da família patriarcal difundida por Gilberto Freyre e
posteriormente incorporada e discutida por outros autores baseava-se na ideia de que “nas casas-grandes,
os filhos, a mulher, aos agregados e os escravos estariam inteiramente subordinados ao patriarca
onipotente. A família patriarcal era constituída a partir de casamentos legítimos, mas o domínio patriarcal
se ampliaria através da mestiçagem e de filhos ilegítimos, resultado do poder sexual do senhor sobre suas
escravas e mancebas”. (VAINFAS, 2002: 212)
517
MATTOSO, Katia. Ser escravo no Brasil. SP: Brasiliense, 1982, p. 132.

250
diversos relatos de viajantes coevos que reafirmaram o pretenso interesse dos cativos
em procurar compadres de elevada posição social518.

Pesquisas posteriores não tem confirmado tal assertiva. Examinando os registros


paroquiais de batismo da cidade de Salvador e de algumas regiões açucareiras do
Recôncavo Baiano durante o século XVIII, Stuart Schwartz, aponta para o fato de que
os senhores raramente serviam de padrinhos para seus escravos, em quatro paroquiais
investigadas por este autor, nenhum dos cativos teve seus patronos como compadres.
Com base nestes resultados, o pesquisador conclui que, ao menos nestas localidades
baianas o compadrio não era utilizado para reforçar os laços paternalistas entre senhores
e seus dependentes519.

Sobre estes dados, Schwartz levanta uma importante questão, como poderiam o
senhor disciplinar, vender ou32 explorar irrestritamente sua propriedade viva enquanto
assumia a obrigação de padrinho?520 Pois, uma vez irmanados espiritualmente aos seus
escravos, estariam em uma situação na qual não poderiam exercer a violência sobre os
mesmos. De tal modo, evitariam a aceitar tal incumbência, para que sua autoridade,
expressa também pelo direito de submeter a castigos corpóreos os seus escravos, não se
visse diminuída521. Diante de todas estas conformidades, Stuart Schwartz conclui que a
escravidão era incompatível com sacramento do batismo.

Em "Purgando o Pecado Original”: compadrio e batismo de escravos na Bahia


no século XVIII, publicado no ano de 1988, Stuart Schwartz em parceria com o
historiador norte-americano, Stephen Gudeman demonstraram que,

“dentro da instituição e das relações de compadrio, onde se esperaria


encontrar demonstrações claras de posturas paternalistas expressas pelos
senhores com relação aos escravos, há poucos indícios dessas posturas. Os
senhores e seus parentes, raramente batizavam e se tornavam guardiões
espirituais dos próprios escravos, e sua ausência desses papéis refuta o
suposto paternalismo dos senhores de escravos brasileiros” 522.

518
NEVES, Maria de Fátima R. das (1990) “Ampliando a família escrava: compadrio de escravos em São
Paulo do século XIX” en Nadalin, Sergio; Marcílio, Maria Luiza, e Balhana, Altiva P. (orgs.) História e
população: estudos sobre a América Latina (São Paulo: SEADE).: 240
519
SCHWARTZ, Stuart. B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. 1550-1835.
Tradução de Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
520
Idem, p. 327-348.
521
Idem p. 337.
522
GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de
escravos na Bahia no século XVIII, In: REIS, João José (Org.) Escravidão e Invenção da Liberdade.

251
As explicações de Guademan e Schwartz não se apoiam apenas em uma ampla
base empírica, mas no famoso comentário de Henry Koster, proferido na segunda
metade do século XIX, de que os senhores não poderiam aceitar o vínculo do compadrio
com seus cativos, sob o risco de não mais conseguir aplicar castigos em seus próprios
afilhados523. No entanto, encontra-se ai uma oposição entre escravidão e o sacramento
do batismo·.

Sangra Lauderdale Graham considera duvidoso que o castigo seja o principal


fator que impedia que os senhores tornassem padrinhos dos seus escravos. Graham
concorda que a aplicação do castigo comprometia a imagem dos senhores como protetor
espiritual dos afilhados cativos, porém, a autora considera que embora nenhuma
autoridade institucional restringisse formalmente os donos de serem padrinhos dos seus
escravos, nenhuma ideologia de igualdade diluísse a autoridade do senhor sobre os
cativos, uma percepção de interesse contraditória e uma preferência por se distanciar
dos escravos parece que dissuadiam os senhores de assumir o papel de padrinho524.

Alida Metcalf, analisando os engenhos de açúcar da Vila de São Paulo Colonial,


também observou a ausência de valores paternalista nos batismo de escravos, descobriu
somente um senhor que de forma urgente e excepcional assumiu o papel de padrinho de
um dos seus cativos inocente que se encontrava em risco de vida525. Para a Vila mineira
de Sabará, Kathleen Higgins constatou que nenhum escravo da região foi apadrinhado
pelos seus patriarcas526.

Considero estas explicações pertinentes, porém, um possível distanciamento


entre estes distintos agentes via relações de compadrio deve ser relativizado, apesar de
senhores e escravos não terem se tornados compadres, isto não inviabilizava uma
aproximação entre eles, pois as ligações parentais dos cativos com outros setores da
sociedade interessavam aos senhores, estes laços de alguma forma contribuíam para que
ampliassem suas redes de relações, portanto tais estratégias de ganhos não os tornavam
tão isolados. Além do mais, como bem lembrou Luiz Farinatti, “não há dúvidas de que
Estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. Ver tambem: GUDEMAN, Stephen.
Spirituals relationships and selecting a godparent. Mon, 10, 1975, p. 221-237.
523
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil (São Paulo: Cia. Editora Nacional). (1942)
524
GRAHAM, Sandra. Caetana diz não. cit. op., p.72
525
METCALF, Alice. Family and frontier. . 188-189.
526
KATHLEEN, Higgins. “Licentions liberty” in a Brazilian gold-mining region: slavery, gender, and
social control in eighteenth-century Sabara, Minas Gerais (University Park, Pennsylvania State University
Press, 1999), p. 138-143.

252
se tratava de uma oportunidade importante para o estabelecimento ou ritualização de
527
relações significativas para os escravos e para seus senhores” . Enfim, com relação
aos esses estudos, advogamos que de alguma maneira os senhores deveriam interferir no
encaminhamento dos batismos dos seus escravos que nascessem em suas propriedades,
isto de alguma maneira encurtava um possível distanciamento entre eles.

Nota-se que os trabalhos que foram até agora citados refutam a ideia que o
paternalismo poderia ser fortalecido através dos elos parentais entre senhores e
escravos, mas pesquisas posteriores vêm demonstrando que havia certo grau de
influência e ingerência dos senhores sobre as relações de compadrio dos seus cativos528.

Analisando a Freguesia de São José dos Pinhais, Cacilda Machado encontrou


poucos senhores apadrinhando os seus cativos, esta constatação fez com que a
historiadora admitisse que houvesse uma possível incompatibilidade entre escravidão e
batismo. Porém, todavia, a autora salienta que a tese de que o compadrio não era
utilizado como reforço das relações paternalistas entre escravos e senhores, deve ser
relativizada. “É preciso admitir ao menos algum grau de controle dos senhores sobre a
529
socialização de seus escravos.” . Analisando a localidade mencionada, Machado
mostrou a presença significativa de parentes dos senhores na qualidade de padrinho dos
seus cativos, ressaltando a existência de um conteúdo paternalista nestas relações530.

Carlos Bacellar, para a Vila Paulista de São Luiz de Paraitinga, entre 1773 até
1840, não deixou de notar, que alguns escravos eram apadrinhados por membros da

527
FARINATTI, Luiz. Os compadres de Estevão e Benedita: hierarquia social, compadrio e escravidão no
sul do Brasil (1821-1845). XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH. 2011, p. 14.
528
Com relação a esta questão, a uma linha de interpretação que defende a autonomia escrava nas
relações parentais, onde os senhores não conseguiriam mapear todas as malha social dos seus cativos e
outros que corrobora com o absoluto controle senhorial sobre estas relações. Esta discussão é antiga e
pode-se dizer que teve início com os trabalhos de Florentino e Góes, op.cit e Slenes, op.cit. e é
persistente. Para o compadrio de africanos, há trabalhos que apontam indícios para a participação
senhorial na escolha dos padrinhos: PINTO, Natália. 2011b. Também, para a região de um importante
porto de escoamento da produção cafeeira nos oitocentos, Mambucaba, Vasconcellos identificou os
mesmos sinais para o compadrio de adultos africanos. VASCONCELLOS, Márcia Cristina de. O
compadrio entre escravos numa comunidade em transformação (Mambucaba, Angra dos Reis, século
XIX). Afro-Ásia, n.28, 2002, pp.47-78. Além destes, ao analisar um importante núcleo urbano da
Capitania de Minas Gerais (Vila de Nossa Senhora do Carmo), onde os escravos africanos eram a maioria
daquela população, Maia mostra como os africanos recém-chegados apropriaram-se dos significados do
batismo e fizeram do apadrinhamento um caminho de aproximação e solidariedade étnica. MAIA, Moacir
Rodrigo de Costa. O apadrinhamento de africanos em Minas colonial: o re (encontro) na América.
Mariana (1715-1750). Afro-Ásia, n.36, 2007, pp.39-80
529
MACHADO, 2008, p.192.
530
Idem, p.193.

253
parentela dos seus senhores, evidenciando uma brecha no modelo proposto por Stephen
Gudeman e Stuart Schwartz para o batismo de escravo na Bahia. Bacellar ainda
encontrou relações de compadrio em algumas senzalas com a presença de filhos, irmãos
ou sobrinhos do senhor dos escravos enquanto padrinhos dos pequenos rebentos que
nasciam ou dos escravos africanos que chegavam através do comércio Atlântico. O
autor encontrou casos, em que 1/3 de escravos foram apadrinhados pelos patentes dos
seus senhores.531.

Examinando a região de Campinas no século XIX, no intuito de examinar a


formação das comunidades de senzala, Cristina Rocha, verificou que a maioria dos
escravos teve como compadres pessoas livres da região, porém, muitos destes padrinhos
eram parentes dos senhores532. Nestas condições, autora afirma que estas relações
podem ser compreendidas como um paternalismo indireto, onde os senhores
convidavam os seus familiares para serem tutores espirituais dos seus cativos, evitando
assim, não estar muito familiarizado com os membros do cativeiro. De forma
semelhante, Natália Pinto, analisando o compadrio escravo na cidade de Pelotas, entre
os anos de 1830 e 1850, destaca os elos parentais que unia escravos ao “bando
senhorial” 533.

Para Silvia Brugger, no entanto, não basta perceber que a presença dos parentes
dos senhores nas cerimonias de batismo dos escravos era algo que poderia reforçar as
relações paternalistas entre senhores e escravos. É preciso centrar nas alianças
hierarquizadas entre sujeitos de distintos estratos da sociedade, pois raramente pessoas
de modestos recursos tornavam-se padrinhos de crianças pertencentes a famílias de
prestígios. Brugger conclui que, embora existissem laços de solidariedades entre
padrinhos, afilhados e compadres, havia também componente de dominação presente

531
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. „Criando porcos e arando a terra: família e compadrio entre
os escravos de uma economia de abastecimento (São Luís do Paraitinga, Capitania de São Paulo, 1773 –
1840)‟.Disponível:http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos3/carlos%20de%20almeid
a%20prado.pdf. Acesso em 25 de janeiro de 2014.
532
ROCHA, Christisna. Gerações da senzala, op.cit, p.83.
533
PINTO, Natália Garcia. A Benção do Compadre. Experiências de parentesco, escravidão e liberdade
em Pelotas, 1830/1850. Dissertação de Mestrado, UNISINOS: São Leopoldo, 2012. Ver também da
mesma autora: Parentes, aliados, inimigos: o parentesco simbólico entre os escravos na cidade de Pelotas,
1830/1850, século XIX. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. ANPUH: São Paulo, 2011. A
autora chama de bando senhorial os parentes ou escravos da parentela do proprietário.

254
nestas relações.534 Sobre esta logica a autora postula, “que o compadrio era um
importante instrumento de constituição do caráter patriarcal daquela sociedade” 535.·.

Apesar de estes estudiosos reconhecerem a presença de valores de paternalistas


nas relações de compadrio dos cativos, ainda não conseguiram visualizar o caráter
estrutural que estas relações tinham na sociedade escravista, em outras palavras, não se
averiguou como os elos parentais entre os membros da casa grande com os indivíduos
presos ao cativeiro poderia ser uns dos elementos que garantiria a manutenção e ordem
social da escravidão. Sobre esta perspectiva, procuraremos examinar nos próximos
tópicos quais os interesses que os senhores tinham sobre o alargamento dos laços sociais
produzidos pelos seus escravos com seus parentes e com outros segmentos da
sociedade.

– Senhores e pais espirituais dos seus escravos.

Para desenvolver um estudo sobre a presença dos valores paternalista nas


relações de compadrio dos escravos da Vila de Baependi, utilizei um sistema composto
por três distintos corpos documentais, estes são: os inventários post-mortem536,
testamentos e os assentos paroquias de batismo e casamento. Intercruzadas estas fontes
foi possível averiguar a quantidade de senhores, parentes e amigos que se tornaram
padrinhos de escravos na região.

Cruzando os dados dos inventários e testamento com os coletados nos assentos


de batismo foi possível verificar que eram os parentes e amigos dos senhores que se
tornaram compadres dos seus cativos, com isto, descortinou-se uma multiplicidade de
teias relacionais em que os escravos estavam envolvidos. Com a utilização deste método
conseguimos evidenciar uma variedade de situações, encontramos casos em que apenas
os parentes dos senhores eram padrinhos dos seus cativos, momentos que os cativos
foram apadrinhados por homens de prestigio local e amigos dos seus senhores, e
episódios em que os compadres pertenciam a vários grupos da sociedade.

534
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal, op, cit., p; 325.
535
Idem, p.325-326.
536
Com relações aos inventários post-mortem, fizemos um banco de dados no qual coletamos os nomes
da esposa, filhos, netos e bisnetos dos senhores inventariados, cruzamos estas informações com os dados
disponíveis nos assentos de batismo.

255
Quadro – 1: Senhores e seus parentes padrinhos dos seus escravos. Vila de
Baependi, 1830-1888.

Parentes consanguíneos
Senhores e espirituais dos Padrinhos não
Padrinhos Senhores Consanguíneos dos senhores Total
70 347 1.668 2.085
3,3% 16,7 % 80 % 100 %
Fonte: Assento Paroquial de Batismo da Vila de Santa Maria do Baependi (1830-1888) – Arquivado e
catalogado na Cúria Diocesana de Campanha-MG.

Os dados acima, embora chame atenção por si só, não deve ser encarado de
forma absoluta. Certamente não foram muitos senhores que se tornaram compadres dos
seus cativos, apenas 3,3% destes patriarcas incumbiram-se de exercer este papel. Isto
aparentemente demonstra o que foi postulado Stephen Gudeman e Stuart Schwartz, que
o compadrio não serviu para salientar os aspectos paternalistas entre senhor-escravo,
muito menos como vínculo ou reforço do mesmo537.

Porém, se exploramos outros dados fornecidos pelas fontes teremos outro


panorama. Pelas informações contidas nos assentos de batismo e nos inventários post-
mortem538, constatamos que na região havia 499 pessoas que alçaram o status de senhor,
se trabalhar apenas com este universo senhorial, saberemos que 14% destes

537
GUDEMAN & SCHWARTZ. Purgando o pecado original, p.41
538
Alguns autores buscaram no cruzamento de inventários e assentos paroquiais a solução para uma
análise ampliada, e mais profunda, do compadrio. Ver: BACELLAR, Carlos A. P (2010a). Escravidão e
compadrio em São Paulo colonial, século XVIII. Seminario Internacional Familias Iberoamericanas en
el marco del Bicentenario. Córdoba, Argentina. . Tierras de solidaridad: familia y compadrazgo
entre los esclavos de una economía de abastecimiento, São Luis do Paraitinga, Brasil, 17731840. In:
ESTRADA IGUÍNIZ, M.; MOLINA DEL VILLAR, A. (Ed.). Estampas familiares en Iberoamérica: un
acercamiento desde la antropología y la historia. México: Centro de Investigaciones y Estudios
Superiores en Antropología Social, p. 253-271.BRÜGGER, Silvia M. J. (2007), Minas patriarcais:
família e sociedade (São João del Rei - séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume. FARINATTI, Luís
A. E. (2011), Os compadres de Estevão e Benedita: hierarquia social, compadrio e escravidão no sul do
Brasil (1821-1845). XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH. HAMEISTER, Martha D.
(2010), Padrinhos de pretos no extremo-sul do Estado do Brasil no século XVIII. 10º Congresso da
BRASA, Brasília. MACHADO, Cacilda (2006), As muitas faces do compadrio de escravos: o caso da
Freguesia de São José dos Pinhais (PR), na passagem do século XVIII para o XIX. Revista Brasileira de
História [S.I.], v. 26, n. 52, p. 49-77. MAIA, Moacir R.C. (2010), Tecer redes, proteger relações:
portugueses e africanos na vivência do compadrio (Minas Gerais, 1720-1750). Topoi. v. 11. n. 20, p. 36-
54. PEDROZA, Manoela S. (2008), Capitães de bibocas: casamentos e compadrios construindo redes
sociais originais nos sertões cariocas (Capela de Sapopemba, freguesia de Irajá, Rio de Janeiro, Brasil,
século XVIII). Topoi [S.I.], v. 9, n. 17, p. 67-92, jul.-dez. PINTO, Natália G. (2011), Parentes, aliados,
inimigos: o parentesco simbólico entre os escravos na cidade de Pelotas, 1830/1850, século XIX. XXVI
Encontro Nacional de História. São Paulo: ANPUH.

256
proprietários escravistas foram padrinhos dos seus escravos, algo que representa 1/5 dos
senhores da Vila de Baependi. Além disto, por meio das informações disponíveis nos
assentos de batismo, foi possível saber que em cada 10 padrinhos de escravos, três eram
os seus próprios senhores. Tomando como base este contingente de senhores e no que
tange a pratica de apadrinhamento, fica claro que não havia uma forte resistência ao
compadrio entre os senhores e seus escravos.

Com relação aos parentes dos senhores, incluímos neste grupo esposas, filhos,
netos, bisnetos, primos, tios (as), cunhados e compadres, pessoas que tinham laços
consanguíneos e espirituais com estes patriarcas. Importante frisar, que a noção de
família nesta pesquisa não é entendida aquela apenas composta de parentes
consanguíneos e afins, mas sim, por múltiplos laços políticos e de sociabilidade onde os
membros de uma família se conectavam as varias redes relacionais. Este modelo de
família está de acordo com que foi constatado por Giovanni Levi para os habitantes da
região Italiana de Piemonte no século XVII. Levi propõe para aquela realidade uma
concepção de família que se expressa no sentido de grupos não co-residentes, mas
interligados por vínculos de parentela consanguínea ou por alianças e relações fictícias
que aparecem na nebulosa realidade institucional do Antigo Regime539. Veremos neste
capitulo varias alianças sociais tecidas por distintos grupos que devido a sua
complexidade não foram encobertas pelo sistema de norma da igreja católica.

Retomando as analises do quadro de nº1, os familiares dos senhores


compareceram como padrinhos nas pias batismais dos seus cativos em 347 celebrações,
apresentando um percentual de 16,7%. Visto em outro ângulo que, em cada 10 escravos
batizados na escravaria de Baependi, seis tinham como padrinhos parentes dos seus
senhores. Isto demonstra como os cativos estavam integrados aos núcleos familiares dos
seus senhores, sendo que tais aproximações foram agenciadas por estes patriarcas.

Sobre estes dados, é importante frisar que a expressiva participação da parentela


senhorial nas cerimonias de batismo dos cativos da localidade é bastante alta se
comparada a outras regiões. Sobre um estudo comparativo, vimos que em outras

539
LEVI, Giovanni. “Três histórias de família: os núcleos parentais”. In: Giovanni Levi. A herança
imaterial. Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000, 87-130.

257
localidades do Império Brasileiro540 a quantidade de parentes dos senhores que foram
padrinhos dos seus cativos não era tão elevado comparada a Vila de Baependi.

Por isto, acreditamos que o padrão de compadrio na localidade em estudo parece


tecer caminhos diferentes do que foi encontrado para outras regiões da sociedade
escravista brasileira. Examinando a Vila de Curitiba ao longo do século XIX, Schwartz,
tal como em sua pesquisa anterior com Gudemam na Bahia, verificou que nesta
localidade paranaense o padrão era praticamente o mesmo, quase nunca os senhores
eram pais espirituais dos seus cativos, tal função ficou sobre a incumbência de poucos
parentes. O autor conclui que entre 1750 e 1820, nenhum escravo foi batizado pelo
próprio senhor, enquanto que 5% tiveram como padrinhos ou madrinhas parentes do
senhor. De 1820 até a abolição da escravatura, esses padrões continuavam sendo a
norma. Para o autor, “a separação de status implícita nessas estatísticas indica o fracasso
de um paternalismo para superar as proibições inerentes aos papéis espirituais e
541
econômicos em conflito” . Nas palavras de Stuart Schwartz, “os papéis de senhor e
padrinho eram considerados contraditórios” 542.

Sheila de Castro Faria ao consultar os registros de batismo da região de Campos


do Goitacazes do Rio de Janeiro no século XVIII, afirma que realmente, os senhores
não estavam presentes nas celebrações dos ritos dos seus cativos, rara vezes estes
proprietários escravistas apadrinhavam escravos pertencentes a outras casas
senhoriais543. Silva Brugger para a Vila Sul-Mineira de São João del Rei, teve a mesma

540
SCHWARTZ, Stuart. .Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo na Bahia do
século XVIII.‖ In: REIS, João J. (org.). Escravidão e invenção da Liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1988.
NEVES, M. de F. R. das. ―Ampliando a família escrava: o compadrio de escravos em São Paulo no
século XIX.‖ In: NADALIN, S. O., MARCÍLIO,M.L. (orgs.), História e população: estudos sobre a
América Latina, São Paulo:ABEP, IUSSP, CELADE, Fundação SEADE, 1990. HIGGINS, Kathleen J.
The slave society in eighteenth-century Sabará: a community study in colonial Brazil. New Haven: Yale
University, 1987..MACHADO, C. A trama das vontades. Negros, pardos e negros na produção da
hierarquia social (São José dos Pinhais – PR, passagem do XVIII para o XIX. Tese de doutorado. Rio de
Janeiro: IFCS/UFRJ, 2006. MOTTA, José Flávio. Corpos Escravos, Vontades Livres: posse de cativos e
família escrava e Bananal (1801-1829). São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999. Senhores e subalternos no
Oeste paulista. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. História da vida privada no Brasil: Império. 7a
reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
541
SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. São Paulo, 2001, p. 266.
542
Idem, p. 267.
543
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, /1998, p. 310. Ver outros trabalhos que trata da temática do compadrio escravo
da autora: FARIA Sheila de Castro. Família escrava e legitimidade: estratégias de preservação da
autonomia. Estudos Afro-Asiáticos, n.23, 1992.FARIA Sheila de Castro. História da Família e
Demografia Histórica. In. FLAMARION, Ciro. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de
Janeiro. Ed. Campus, 1997, pp. 241258.

258
impressão de Faria, a autora constatou pouquíssimos senhores sendo tutores espirituais
dos seus cativos, apenas 1,1% destes proprietários foram padrinhos dos seus próprios
escravos544. Ana Lugão Rios, analisando 2.668 registros batismos da Paraíba do Sul, no
período de 1872 e 1888, constata que apenas 09 (0,32%) escravos tiveram seus senhores
como padrinhos545. José Roberto Góes também assinalou as dificuldades em reunir as
partes conflituosas do batismo e da escravidão. Góes também observa que na Freguesia
rural de Inhaúma do Rio de Janeiro, durante a primeira metade do século XIX, os
senhores não apareceram apadrinhando nenhum de seus escravos546.

Estudos recentes547 também têm constatado que os senhores evitavam o máximo


em apadrinhar os seus cativos. Fernando Franco, ao analisar a Freguesia de Nossa
Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, no período de 1790 a 1834, encontrou o mesmo
padrão, porém, deparou com um número expressivo de parentes dos senhores
apadrinhando os seus escravos, vendo nestas relações um “paternalismo indireto”, como
caracteriza Schwartz548. Por sua vez, Martha Daisson Hameister, ao descobrir uma
raridade de senhores sendo padrinhos dos seus cativos na Vila do Rio Grande na
primeira metade do XVIII, acaba corroborando com a mesma tese defendida por
Schwartz, que a escravidão e o sacramento do batismo são instituições opostas entre
si549.

544
BRUGGER, Silva. O apadrinhamento de escravos adultos (São João del Rei, 1730-1850). ANPUH –
XXIII Simpósio Nacional de História – Londrina, 2005, p.4.
545
RIOS, Ana Lugão. Família e transição: famílias negras em Paraíba do Sul. 1872-1920. Dissertação de
Mestrado, Niterói, 1990.
546
José Roberto Góes utilizou-se de inventários post mortem e de registros batismais, conjuntamente, para
observar o índice de senhores padrinhos de escravos. Ver: GÓES, José R. O cativeiro imperfeito. Um
estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993.
547
As pesquisas atuais vêm confirmando o que há muito tempo tem sido observado por Stephen
Gudeman e Stuart Schwartz, a ínfima presença de senhores como padrinhos nas cerimonias de batismo do
seus cativos. Seguem os trabalhos que não foram citados no corpo do texto desta pesquisa: BACELLAR,
Carlos Almeida Prado. Os compadres e as comadres de escravos: um balanço da produção historiográfica
brasileira. Anais eletrônicos do XXVI Encontro Nacional de História, São Paulo, 2012. Disponível em:
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1307925540_ARQUIVO_Oscompadreseascomadresde
escravos.pdf. FARINATTI, Luís Augusto. A espada e a capela: relações de compadrio dos oficiais de
milícia na fronteira meridional do Brasil (1816-1835). História Unisinos, vol. 16, p.294-306, 2012b.
MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do
Império brasileiro (Bagé, c.1820-1870). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2016.
548
FRANCO, Fernando Netto. População, escravidão e família em Guarapuava no século XIX.
Guarapuava: Editora Unicentro, 2007, p.318-319.
549
HAMEISTER, Martha Daisson. Para dar Calor à Nova Povoação: estratégias sociais e familiares na
formação da Vila do Rio Grande através dos Registros Batismais (c.1738-c. 1763). Tese (Doutorado em
História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006, p. 225.

259
Como Hameister, Marcio de Souza Soares, ao verificar que os senhores de
Campos de Goitacazes (entre 1750-1830) não pronunciavam as suas paternidades ao
libertar seus escravos ilegítimos nas pias batismais, também acabou aderindo à tese da
incompatibilidade entre compadrio e escravidão defendida por Schwartz. De acordo
com Soares, o antagonismo entre estas duas instituições era o que interditava a
constituição de uma vinculo espiritual entre senhores e escravos550.

Pesquisas atuais alertam que é necessário relativizar a tese de que o compadrio


não era utilizado como reforço das relações paternalistas, trabalhos como de Cacilda
Machado e Silvia Brugger e outros que foram publicados posteriormente confirma que,
apesar do papel dos senhores serem contraditórios como padrinhos dos seus cativos de
alguma forma estes patriarcais exerciam certa ingerência sobre os laços sociais
produzidos pelos seus escravos. Como vimos, uma das maneiras dos senhores
intervirem nas relações parentais dos seus mancipios era convidar seus membros
familiares para apadrinhar seus cativos, estas ações foram caracterizadas pela maioria
destes estudiosos como uma forma de “paternalismo indireto”.

Frente a estes debates, concordamos que o paternalismo senhorial estava


presente nos laços de compadrio produzidos pelos escravos, mas entendemos que esta
questão não pode ser apenas compreendida na polarização de uma discussão que
demonstra um paternalismo indireto quando os parentes dos senhores tornam padrinhos
dos seus escravos, ou contraditório, quando o próprio senhor torna-se tutor espiritual
dos seus cativos.

Diante desta dicotomia, afiançamos que a presença de valores paternalista no


compadrio apresentava outras feições, e uma destas características residia no fato de
como os senhores poderiam aumentar os seus prestígios através das relações de
parentesco que seus escravos mantinham com vários setores da sociedade.

O envolvimento dos cativos com pessoas de distintos segmentos da Vila de


Baependi, já pode ser comprovado no quadro de nº 1, percebam a quantidade de
indivíduos que não eram parentes dos senhores apadrinhando os seus cativos, estes
agentes pertenciam a inúmeras camadas sociais, muitos deles eram senhores, agregados,

550
SOARES, Márcio de Souza. A remissão do cativeiro: a dádiva da alforria e o governo dos escravos
nos Campos dos Goitacazes, 1750-1830. Rio de Janeiro: Apicuri, 2009, p 84.

260
forros, pardos livres, homens de patentes militares e aqueles agraciados com títulos de
honrarias (Barões, Comentador, Cavalheiro da Ordem de Cristo, etc.).

As redes de compadres que os escravos constituíam ou estivessem envolvidos


assumia uma dimensão políticos onde os ganhos senhoriais eram de grande monta, pois
esta gama de relações facultava aos seus donos terem suas autoridades reconhecidas, e
ao mesmo tempo, ampliavam suas redes relacionais, tanto no sentido vertical como
horizontal, ou seja, com os vários membros da comunidade.

Dito isto, acreditamos que os senhores observavam com muita atenção as


relações de compadrio dos seus escravos, salvo um caso ou outro, tal prudência chegava
quase ser a mesma quando convidava alguém para apadrinhar um dos seus filhos. É
claro que o apadrinhamento de um filho do senhor não tinha a mesma importância a de
uma criança presa a sua senzala, além do mais, hierarquicamente, os escravos estavam
situados em patamares considerados mais modesto da estratificação da propriedade
patriarcal, mas por outro lado, não eram desvinculados de uma casa senhorial que lhes
sustentavam e protegiam. Para retratamos este tipo de situação, temos o compadrio de
Emerenciana parda, escrava do Tenente José Carlos Nogueira. Esta cativa teve três
filhos naturais apadrinhados pelo primo do seu senhor, o também Tenente, Teodoro
Francisco Nogueira, nestas cerimônias batismais dois dos seus filhos foram libertados
na pia, um pelo seu senhor e outro pelo próprio padrinho.

Além de apadrinhar os filhos naturais de Emerenciana parda, o Tenente Teodoro


Francisco Nogueira, no ano de 1853, também batizou o inocente Joaquim, filho de José
Carlos Nogueira, assim nota-se, que estamos diante de um compadrio, onde um senhor
escolhe um parente de confiança para zelar pela proteção de seu filho e de seus
escravos.

Esta gama de relações permitiu Emerenciana parda que ocupasse uma posição
elevada no interior desta senzala. Esta mobilidade intra-cativeiro pode ser vista através
dos batismos que foram realizados nesta escravaria. Dos trinta e dois escravos do
Tenente José Carlos Nogueira, 10 tiveram filhos batizados e apenas 2 apadrinharam
crianças na região, os demais não receberam convites para batizar. Entre estes cativos,
Emerenciana foi à única escrava que teve filhos alforriados e compadre de prestigio que
era também parente do seu senhor. Diante deste quadro, é certo afirmar que estamos
diante de uma propriedade escravista bastante hierarquizada, onde havia escravos

261
situados em diferentes escalas sociais desta casa senhorial. Como observou o
antropólogo Fredrik Barth, “pessoas situadas em posições diferentes podem acumular
experiências particulares e lançar mão de diferentes esquemas de interpretação, ou seja,
podem viver juntas, mas em mundos diferentemente construídos” 551.

A produção de aliados no cativeiro: elos parentais entre as famílias senhoriais


com seus cativos.

4.3.1 - Os apadrinhamentos dos filhos e dos escravos do senhor Luiz Fernandes da


Costa Guimarães.

Nesta pesquisa foram inúmeras vezes que citamos o nome Luiz Fernandes da
Costa Guimarães, o curioso é que não temos em nossa posse o inventario e o testamento
deste senhor, documentos importantes que contribuiriam para descrever a trajetória
social de uma pessoa. Mas suas características sociais foram descritas em quase todas as
fontes pesquisadas, sinal de seu enraizamento local e de sua “fama” na região.

Sob a pena da tinta dos Escrivães e dos Párocos da Vila de Baependi, Luiz
Fernandes da Costa Guimarães teve seu nome citado em várias transações comerciais,
inventários, testamentos, cerimônias de batismos e casamentos realizados na Matriz,
Capelas e fazendas da localidade. Ao seguirmos os rastros deste senhor em distintos
documentos, notamos que estava imbricado em uma multiplicidade de situações
exercendo diferentes papeis sociais na localidade em estudo552.

Para reconstituir a trajetória de Luiz Fernandes da Costa Guimarães, utilizamos


o método proposto por Carlo Ginzburg e Carlo Poni, qual seja, a busca de um mesmo
sujeito em diferentes fontes documentais De acordo com estes autores, um registro
cartorial apresenta os indivíduos apenas enquanto compradores, vendedores, realizando
uma hipoteca, etc.; os eclesiásticos enquanto pai, mãe, padrinho; os processos criminais
como réu, testemunha, vítima; no entanto, limitando-se a estas informações ou a

551
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa
Livraria, 2000, p. 176.
552
BARTH, Fredrik. “Os Grupos Étnicos e suas Fronteiras”, 2002, pp. 30-31.

262
somente a consulta de um desses documentos “corre-se o risco de perder a
complexidade das relações que ligam um indivíduo a uma sociedade determinada” 553.

Todavia, foi preciso realizar uma investigação densa nos documentos, no qual
tivemos que mapear a quantidade de vezes que o Luiz Fernandes da Costa Guimarães
aparece citada nas fontes cartoriais e paroquiais da região, feito este procedimento,
descobrirmos que era natural do Reino de Braga e atuou em varias setores da sociedade
baependiense, como credor, Consul Português, padrinhos de muitos afilhados, senhor de
escravos e de terras. Através dos assentos de casamento, descobrimos que era casado
com, Dona Emília Conceição e Melo Guimarães, pertencente a uma das famílias mais
proeminentes da região, os “Melo e Souza” 554.

Apurada algumas características sociais deste senhor, faremos uma analise dos
batismos dos seus filhos e de seus escravos para abordamos o objeto central deste
capitulo, que a produção de aliados no cativeiro.

Luiz Fernandes da Costa Guimarães foi senhor de um considerável plantel de


cativos. Nos livros de batismo da Vila de Baependi, datados de 1830 a 1888,
computamos 2.789 batismos de escravos. Pois bem, desse total, o nome de Luiz
Fernandes da Costa Guimarães aparece 22 vezes como senhor de 13 escravos adultos e
21 crianças, um destes inocentes batizados foi alforriado na pia pelo próprio senhor Luiz
Fernandes, esta era Firmina, filha natural da parda Claudiana, os padrinhos desta
criança, foram o Capitão e Cavaleiro professo da Ordem de Cristo, Joaquim Inácio de
Carvalho e Dona Joana Emerenciana de Melo555.

A parda Claudiana foi à escrava que mais teve filhos batizados na escravaria do
seu senhor, dois de seus rebentos foram apadrinhados pelo próprio Luiz Fernandes da
Costa Guimaraes e um pelo seu filho, Joaquim Fernandes da Costa Guimarães. Ao todo
esta cativa cedeu a esta escravaria sete crianças nascida do seu ventre, assim contribuía
diretamente para a ampliação e manutenção deste plantel.

553
GINZBURG, Carlo e PONI, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In:
GINZBURG, Carlo (org.). A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p.
175.
554
Para mapear todos os eventos sociais em que Luiz Guimarães estava envolvido, utilizamos da base de
banco de dados Fichoz que nos mostrou a atuação deste senhor em todos os espaço daquela sociedade.
555
Assentos de batismo da inocente Firmina, Cúria Diocesana de Campanha-MG, Livro 06.

263
Através desta gama relações, acreditamos que as relações de Claudiana parda
com o seu senhor não se restringiam apenas a reprodução física desta escravaria, pois
além de Luiz Fernandes dar proteção e sustento a esta cativa e a sua filha e torna-la
afilhada de um dos seus filhos, alforriou esta inocente criança na pia batismal na Igreja
Matriz de Baependi. E mais, conseguiu para Claudiana parda e sua filha Firmina,
compadres e padrinhos de elevada posição social, um deles era o Capitão Joaquim
Inácio de Carvalho, homem de alta estima na Vila de Baependi.

Os filhos de Claudina parda também tiveram como padrinhos filhos, cunhados,


amigos e pessoas que moravam como agregados na propriedade de Luiz Fernandes da
Costa Guimarães, ou seja, como argumentou Gilberto Freire, indivíduos que eram
membros de uma extensa família senhorial556.

Nas cerimônias de batismo dos filhos de Claudina parda, em nenhuma destas


celebrações foi mencionado pelos Párocos da região a paternidade destes inocentes
batizados - dois dos filhos desta escrava foram apadrinhados por Luiz Fernandes da
Costa Guimarães, um deles se chamava Luiz, o mesmo nome do seu padrinho-senhor.
Considerando à proximidade que havia entre Luiz Fernandes e Claudiana, é provável
que uma destas crianças seja filha deste senhor, porém, se de fato ocorreu este
intercurso sexual, temos neste compadrio mais uma paternidades senhorial que não foi
confirmada nos registro paroquiais de Baependi.

Um dado importante sobre o compadrio na família do negociante Luiz


Fernandes da Costa Guimarães, consiste em saber que um dos padrinhos dos seus filhos
também apadrinhou um dos seus escravos. Este foi o seu sogro, o Coronel Joaquim
Inácio de Melo e Souza. Este senhor era um homem respeitado na Vila de Baependi,
além de ostentar uma importante patente militar da Guarda Nacional, foi delegado de
policia, coletor de impostos, Tenente do 42º batalhão do largo da Matriz de Baependi e
senhor de muitos escravos. Também foi um dos homens procurado por muitas famílias
na região para apadrinhar os seus filhos.

O filho e o escravo de Luiz Fernandes da Costa Guimarães que se tornaram


afilhados do Coronel Joaquim Inácio de Souza Melo, foi Joaquim, o filho mais velho do

556
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. São Paulo: Global, 2006.

264
senhor Luiz Fernandes, e Manoel, filho natural de Efigênia, uma das escravas mais
antiga desta unidade. Estes inocentes de distintas condições sociais e jurídicas foram
batizados no mesmo dia e na mesma Igreja da Matriz de Nsa. Monsserat de Baependi.

Importante ressaltar que Manoel, filho da escrava Efigênia, foi o único cativo da
propriedade de Luiz Fernandes da Costa Guimarães a vivenciar este tipo de situação,
isto é, ser afilhado do compadre e sogro do seu senhor, por isto, rogava do privilegio
frente aos demais parceiros de cativeiro, de ser protegido por um importante membro
desta casa senhorial557. Este tipo de compadrio parece implicar na certeza de que
Manoel, filho natural de Efigênia, desfrutaria de algum privilegio e talvez até de uma
alforria ou uma parcela, por mais ínfima que fosse ao testamento do seu padrinho. Em
troca, o Coronel Joaquim Inácio de Melo e Souza teriam um afilhado e uma comadre
que enalteceria o seu nome no ambiente do cativeiro, tornando assim, mais extenso o
seu raio de ação social.558.

Com relação aos outros cativos que tiveram filhos apadrinhados na propriedade
de Luiz Fernandes da Costa Guimarães, temos Tereza parda, considerada uma das
escravas que mais teve filhos batizados nesta escravaria. Diferente de Claudiana,
nenhum dos rebentos de Tereza foi apadrinhado pelo seu senhor ou parente dele, toda
sua prole teve como protetores pessoais que tinham contraído alguma dívida com o seu
senhor. É possível que este compadrio permitisse que Luiz Fernandes da Costa
Guimarães produzisse e ampliasse uma clientela de submissos. Como salienta o
sociólogo Orlando Paterson, a reputação dos senhores era diretamente proporcional à
sujeição dos seus escravos, estendida aos demais subalternos livres que compunham o
seu quadro de dependentes559·. Nesta ótica, mais uma vez se observa o grau de
interferência do senhor Luiz Fernandes nos laços de compadrio dos seus escravos.

557
Marcio Soares. A remissão do Cativeiro, op, cit., p.98.
558
Ao analisar as relações de compadrio entre os escravos e os fidalgos da terras da Capitania do Rio de
Janeiro, João Fragoso percebeu que estes nobres senhores pretendia ampliar o seu poder mando entre os
membros da senzalas. Ver: FRAGOSO, João- “Elite das senzalas e nobreza da terra numa sociedade
rural do Antigo Regime nos trópicos: Campo Grande (Rio de Janeiro), 1704-1741”, in: FRAGOSO J. &
GOUVÊA M. F. (Org.) – O Brasil Colonial – 1720-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
559
PATTERSON, Orlando. Slavery and Social Death: A Comparative Study. Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1982, p. 339-342. Ver também: FRAGOSO, João. Capitão Manuel Pimenta Sampaio,
senhor do engenho do Rio Grande, neto de conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas sobre
uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro, 1700-1760). In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de
Fátima (orgs). Na Trama das Redes: políticas e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010a, p. 249.

265
4.4.2 – Elos de compadrio entre os familiares do Major Antônio Marcelino
Ferreira com seus escravos.

Para analisar as relações de compadrio dos escravos do Major Antônio


Marcelino Ferreira, faremos uso do mesmo procedimento metodológico adotado na
situação do anterior. Para este caso temos uma maior variedade de corpos documentais
incluindo os dados que foram coletados no inventário do Major Ferreira e de sua esposa.
Na intenção de analisar as estratégias utilizadas por este senhor na produção de aliados
no cativeiro, iremos relacionar as informações contidas no inventário post-mortem e no
testamento de Antônio Marcelino Ferreira com os assentos de batismo e casamento dos
seus cativos. De antemão, gostaríamos de frisar que as relações de parentesco na
escravaria do Major Ferreira apresentavam outras feições do que encontrados na senzala
do negociante Luiz Fernandes da Costa Guimarães. Antes de analisarmos os laços
parentais tecidos pelos escravos de Antônio Marcelino Ferreira, faremos uma breve
descrição da trajetória social deste senhor que durante 32 anos levou os seus cativos
para serem batizados nas pias batismais de Baependi.

Através do site dos mórmons descobrimos que Antônio Marcelino Ferreira


nasceu no ano de 1820 e foi batizado na Igreja Matriz da Vila de Santa Maria do
Baependi560, porém, sua filiação não foi informada por esta plataforma eletrônica561.
Curioso que o nome dos seus pais também não foi mencionado em outros documentos
no qual este senhor é citado. No inventário do Major Antônio Marcelino Ferreira,
composto por 100 paginas, em nenhuma destas folhas sua paternidade foi declarada,
portanto, ainda ficaremos sem ter acesso a esta informação.

O Antônio Marcelino Ferreira fazia parte de uma elite econômica que controlava
cerca de 47% da riqueza produzida na região, seu monte-mor foi avaliado em

560
"Brasil Batismos, 1688-1935," data-base, Familysearch. https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:XJQ2-
XRZ : 9 March 2018. Marcelino Ferreira in entry for Emerenciana Ferreira, 04 Jul 1852; citing Nossa
Senhora do Monserrate, Baependi, Mines Gerais, Brazil, reference , index based upon data collected by
the Genealogical Society of Utah, Salt Lake City; FHL microfilm 1,284,987.
561
Aqui faz-se referencia, especificamente, ao trabalho realizado pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos
dos Últimos Dias, a qual disponibilizou boa parte dos registros paroquiais existentes para o Brasil – tanto
para o período colonial, quanto para o imperial – em seu portal eletrônico:
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:9Q97-Y33D-
4MY?wc=M5FGN1%3A369888101%2C369888102%2C370430001&cc=2177275

266
111:266$266562, uma patrimônio considerado acima dos padrões da localidade 563
. Em
torno de 70% desta fortuna foi aplicado em terras e escravos (era dono de 33 cativos),
como dissemos no primeiro capitulo, além destes bens terem sidos os maiores geradores
de riqueza, contribuiu para que o Major Ferreira como muitos senhores da região
aumentassem os seus prestígios numa sociedade profundamente marcada pela pobreza e
desigualdade social. A aquisição destes recursos somada a uma elevada posição social
permitiu ao Major Antônio Marcelino Ferreira que ocupasse importantes cargos
políticos na localidade, através dos almanaques sul-mineiros, descobrimos que se tornou
vereador e Vice-Prefeito da Câmara Municipal de Baependi.

O Major Antônio Marcelino Ferreira era casado com Dona Julia Cândida
Pereira, pertencente a um das famílias mais proeminentes da região, pois era filha do
nosso conhecido, Tenente Manoel Antônio Pereira e de Dona Emerenciana Cândida da
Anunciação, matrimônio que lhe acrescentaria uma notoriedade local. Durante o tempo
que viveram juntos tiveram 15 filhos, sendo todos nascidos e batizados na Igreja Matriz
de Baependi.

Através dos assentos de batismo percebemos que o Major Antônio Marcelino


Ferreira era muito quisto na região, tanto é, que tinha influência sobre uma extensa rede
de compadres constituída por 19 famílias da localidade, destas, 15 era de livres,
incluindo famílias da elite, pardos, ex-escravos e agregados. No que confere aos
escravos batizados por este senhor, três pertenciam à escravaria do seu sogro, o Tenente
Manoel Antônio Ferreira, e uma era sua escrava, Brasiliana, filha legitima de Fidelis e
Jesuína. Provavelmente eram cativos estimados por estes senhores que acabaram se
tornando membros da família destes patriarcas.

Além disto, esta rede de compadres tecida pelo Major Antônio Marcelino
Ferreira apresenta uma questão importante para esta pesquisa, consiste no fato de

562
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei. Inventário do Major Antônio Marcelino Ferreira, ano:
1880, Caixa: 33.
563
Através de uma tipológica de fortunas elaborada no primeiro capítulo, os patrimônios inventariados
dos homens mais ricos da Vila de Baependi foram classificadas acima de 100 contos de reis. A

267
estarmos analisando uma sociedade em que os desiguais se relacionam, e as alianças do
compadrio servia para remediar estes laços564.

Tratando da formação dos laços de sociabilidade entre os desiguais, o casal


Felício e Jesuína foram uns dos cativos a terem seus filhos apadrinhados pelo Major
Antônio Marcelino Ferreira, que também era seu senhor. Os demais rebentos deste casal
de escravos foram batizados pelos parentes do Major Ferreira. Abaixo segue um quadro
que apresenta o número de vezes em que os familiares do Major Ferreira compareceram
as cerimonias de batismo dos seus cativos.

564
FRAGOSO, João. Principais da Terra, Escravos e a República. O desenho da paisagem agrária no Rio
de Janeiro Seiscentista. Revista Ciência e Ambiente, Santa Maria (UFSM), n. 33, jul./dez., 2006, pp. 97-
120.

268
Quadro – 2: Padrinhos dos escravos do Major Antônio Marcelino Ferreira.

Padrinhos Grau de parentesco dos padrinhos com o Nº de


dos escravos Major Ferreira Apadrinhamento
Tertuliano Alves Ferreira Filho 4
Amélia Virginia Ferreira Filha 4
José Izalino da silva Filho 1
José Eduardo Ferreira Filho 1
Alexandrina Augusta Ferreira Filha 1
Maria Inácia Ferreira Filha 1
Eliza Priciliana Ferreira Filha 1
Dona Emerenciana Cândida Pereira Sogra 1
Porcina Cândida da Anunciação Pereira Cunhada 1
Joaquim Severiano pereira Cunhado 1
Aureliano Augusto Pereira Cunhado 1
Antônio marciano pereira Cunhado 1
Luciano de Paula pereira Cunhado 1
Elias José da mota Compadre 1
Jeronimo ribeiro da silva S/Parentesco 1
Joaquim Vás de Luciros S/Parentesco 1
José Camilo Braga S/Parentesco 1
Manoel Pacheco Pena S/Parentesco 3
Benedito Vitoriano Martins (Sapateiro) S/Parentesco 3
Vicente Escravo do Major Ferreira 1
Luís Escravo de José Izalino Ferreira 2
Miguel Escravo Manoel Antônio Pereira Junior 1
(Cunhado do Major Ferreira)
Francisco Escravo Manoel Antônio pereira Junior 1
(Cunhado do Major Ferreira)
Jesuína Escravo do Major Ferreira 1
Fonte: Assentos de Batismo da Vila de Baependi, 1830-1888. Cúria Diocesana de Campanha.

269
Conforme os dados apresentado no quadro acima, é unanime admitir que
houvesse uma aproximação familiar que entre os escravos do Major Antônio Marcelino
Ferreira com os seus familiares, das 33 crianças cativas que foram batizadas na
escravaria deste senhor, 20 tiveram como pais espirituais seus parentes. Dos 15 filhos
que o senhor Ferreira, sete deles foram padrinhos dos seus cativos.

Com relação aos outros parentes, o Major Antônio Marcelino Ferreira


apadrinhou uma criança em sua senzala na companhia de sua sogra, Dona Emerenciana
Cândida Pereira, como madrinha, e cinco dos seus cunhados também foram padrinho
dos seus escravos. Além disto, Elias José Mota, um dos compadres do Major Ferreira,
tomou a responsabilidade de proteger um destes cativos.

Tertuliano Alves Ferreira e Amélia Virginia Ferreira, ambos solteiros e


considerados os filhos caçulas de Antônio Marcelino Ferreira, foram os que mais
apadrinharam crianças na escravaria do seu pai, ao todo, cada um compareceu como
padrinho e madrinha em quatro celebrações de batismo. O fato de Tertuliano e Amélia
terem apadrinhados muitos escravos do seu pai, talvez possa ser explicado por serem os
únicos filhos a residirem na casa paterna, isto de alguma forma fez com que mante-se
contados diários com estes cativos sendo os membros desta família senhorial mais
próximo aos indivíduos pertencerdes a esta senzala.

Diante destas relações de compadrio é possível que os escravos do Major


Ferreira já tivessem forjado alguns laços de afinidade com seus familiares, elos que
foram construídos em diversas situações de sociabilidades. Na relação das dividas ativas
do inventário do Major Ferreira, pude constatar que muitos dos seus cativos haviam
prestados serviços nas propriedades de seus parentes, um deles foi, Fidelis de nação,
que trabalhou como carpinteiro em uma das terras do Tenente e Juiz de Paz, Joaquim
Alves Pereira Madeira, cunhado do Major Ferreira. O senhor Joaquim Madeira
testemunhou o casamento de Fidélis com Luzia preta de nação, depois de alguns anos
deste matrimonio apadrinhou um dos filhos deste casal de cativos.

Na partilha dos bens do inventário post-mortem do Major Antônio Marcelino


Ferreira, vimos que seus escravos foram doados para seus filhos. Tertuliano Alves
Ferreira recebeu desta herança paterna seu afilhado Domingos. Antes de ocorrer à
partilha, Tertuliano pediu ao Juiz Órfãos que este cativo lhe fosse entregue no momento
da repartição dos bens. Este cativo era filho da falecida escrava Luzia preta, a quem o

270
senhor Tertuliano tinha muito “apreço e amor de criação”. Estes dados indicam que
havia entre Tertuliano Alves Ferreira e Luzia fortes laços de solidariedades antes
mesmos de se tornarem compadres, e esta longa convivência fizeram com estreitassem
os seus laços familiares através dos elos do compadrio.

Os vínculos sociais que havia entre os familiares do Major Ferreira com seus
escravos foram importantes para que se estabelecessem uma relação de compadrio entre
eles, porém, a formação destes laços dependia em grande parte da vontade do Major
Antônio Marcelino Ferreira, pois era quem fornecia sustento e proteção a estes cativos.
Por isto, a iniciativa deste senhor em tornar os seus escravos mais próximos dos seus
parentes, possa ser uma maneira encontrada de governar estes mancipios com mais
eficiência e tranquilidade. Ao envolvendo-os no convívio familiar da casa grande, faria
com que seus escravos sentissem mais amparados em meio à dura realidade do
cativeiro, tendo deles maior expectativa de fidelidade e a extração de mais trabalho.

Além disto, a inciativa do Major Antônio Marcelino Ferreira de tornar mais


próximo dos seus cativos através do entrosamento familiar destes com seus parentes,
seja uma forma de obter um conhecimento individualizado da escravaria que estava
sobre o seu comando, pois os escravos tinham suas idiossincrasias que deveria ser
levadas em conta nos curso desta gestão. Portando, agindo desta forma, os senhores
perceberiam as inclinações pessoais de cada escravo e adotaria regras uniforme para
comanda-los565.

Diante desta administração senhorial, também não devemos esquecer que apesar
da sagacidade senhorial em controlar as ações dos seus escravos, é preciso salientar que
estes cativos não eram totalmente manipulados pelo Major Antônio Marcelino Ferreira,
ao contrario, foram suficientemente astutos e habilidosos em tirar proveito das relações
e sendo capazes de imprimir comportamentos estratégicos566

565
Rafael de Bivar Marquese percebeu tais estratégias senhoriais ao consultar os manuais agrícolas da
primeira metade do século XIX. Ver: MARQUESE, Rafael. ver: MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores
do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1680-1860.
São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Conferir também CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade:
Uma História das últimas Décadas da Escravidão na Corte; . Machado de Assis: historiador. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.
566
Este faz uma reflexão sobre as analises empreendidas por Giovanni Levi sobre as estratégias
relacionais dos camponeses pobres na estratificada sociedade de Santena, ver: LEVI, Giovanni. A
Herança Imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000, p. 105.

271
Ao terem seus filhos apadrinhados pelos parentes do senhor Antônio Marcelino
Ferreira, estes cativos ampliaram as chances de conseguir uma inserção diferenciada no
cativeiro e uma maior mobilidade ocupacional no interior desta escravaria. Pois muitos
destes escravos estavam assentados em ocupações especializadas (como tropeiro, oficial
de carpintaria, alfaiate, tecedeira, etc.) desta fazenda, o que não deixa de ser uma forma
de ascensão social interna ao cativeiro. Neste sentido, a mobilidade é aqui entendida não
apenas com a mudança de status jurídicos na hierarquia social, mas pelo viés
intergrupal567.

No quadro acima, há escravos do Major Antônio Marcelino Ferreira que não


mantiveram relações de compadrio com seus parentes, mas se ligaram a cativos de
outras propriedades. Bernardo e Ana tiveram como compadre, Francisco, escravos do
Tenente Manoel Antônio Pereira. Cipriano e Perpetua, teve dois filhos apadrinhados por
Eusébio, pertencente ao Coronel Jose Inácio de Melo e Souza. Estas relações nos
informam que os escravos destas famílias senhoriais não convidavam quaisquer cativos
para serem padrinhos dos seus filhos, e sim escravos da família de elite, tais como eles
também eram568. Aqui, estamos diante de escravos que teriam boa dose de “orgulho de
servilidade”, ou seja, sujeitos que eram estimados por pertencerem a importantes
propriedades senhoriais da Vila.

Analisando os assentos de casamentos da Vila de Baependi disponível pelo site


dos mórmons569, observamos que o Major Antônio Marcelino Ferreira convidou alguns
dos seus cunhados para serem padrinhos de casamentos dos seus cativos, estes por sua
vez, foram testemunhas de três enlaces matrimonias destes escravos, em uma destas
ocasiões o próprio Major Ferreira testemunhou uma união marital de um dos seus
mancipios. Esta pratica não era excepcional na região, pois muitos proprietários
escravistas contavam com seus familiares para testemunhar os matrimônios dos seus
escravos, uma iniciativa que pode ser considerada como uma forma de governar os seus
cativos, tanto que, foram pouquíssimos casos de casamentos entre escravos de

567
Levi, 1998, p. 212.
568
Pude observar este dado em minha dissertação de mestrado, onde os escravos de uma prestigiosa
família (a família Junqueira, ver: Marcos Ferreira. Elites regionais e a formação do Estado Imperial
Brasileiro, 2008.) da Freguesia de São Tomé das Letras mantinham relações de compadrio com os cativos
que pertenciam aos senhores membros deste grupo familiar. Ver: PAULA, Juliano Tiago Viana de Paula.
Escravidão, família e compadrio numa Freguesia Sul-Mineira. Freguesia de São Tomé das Letras (1830-
1870). PPHR-UFFRJ (Dissertação de Mestrado), 2013.
569
https://www.familysearch.org/search/catalog/30068?availability=Family%20History%20Library.

272
propriedades diferentes, pois tais impedimentos era uma forma dos senhores não
perderem o controle sobre a socialização dos seus cativos.

O sogro do Major Antônio Marcelino Ferreira, o Tenente Manoel Antônio


Pereira, também apadrinhou alguns de seus escravos, além disto, seguindo o exemplo
do seu genro, convidou parentes para ser compadre dos seus cativos.

Ao analisar as relações de compadrio de outras famílias senhoriais da Vila de


Baependi, descobrimos que não foram apenas o Major Antônio Marcelino Ferreira e seu
sogro, o Tenente Manoel Antônio Pereira a convidar familiares para apadrinharem seus
cativos, outros senhores da região também exploravam deste recurso. Um dado
importante, é que estes patriarcas foram os que tiveram maiores sucesso em ampliar as
suas escravarias e governar uma multidão de escravos até o fim do sistema escravista
brasileira.

Para se ter uma ideia, nesta pesquisa constatamos 68 senhores que eram
proprietários de grandes escravarias (acima de 20 cativos), pelo incrível pareça, todos
tiveram escravos apadrinhados pelos seus parentes, mas o que mais impressiona, é que
70% destes patronos compareceram como padrinhos nas cerimonias de batismo dos
seus cativos, como já apresentamos, houve situações que um destes senhores batizaram
mais de um escravo em suas senzalas.

Por outro lado, os pequenos (1-5 cativos) e os médios (6-10 cativos) senhores da
Vila de Baependi raramente convidavam parentes para apadrinhar um dos seus cativos,
não era comum estes “pequenos patriarcas” 570 tornarem compadres dos seus cativos, ao
todos compareceram como padrinhos em apenas 10 cerimônias de batismos dos seus
escravos. Assim nota-se que a pratica de batizar os seus próprios escravos e convidar
familiares para desempenhar tal função, era de costumes dos grandes fazendeiros
escravista de Baependi. Diante destes dados elenca-se uma importante questão: será que
a presença de valores paternalista no compadrio dos cativos (algo negado por muitos
estudiosos) possa ser mais elemento na região que contribuiu para manutenção da
escravidão?

570
LIMA, C. A. M. Pequenos patriarcas: pequena produção e comércio miúdo, domicílio e aliança na
cidade do Rio de Janeiro (1786-1844). Tese de doutorado. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 1997.

273
Acredito que sim, como vimos neste trabalho, à desigualdade socioeconômica
vista pela concentração terras e escravos sobre o domínio de poucas famílias e a
disseminação da posse cativa tiveram papéis estruturais para a elasticidade deste sistema
na região. Porém, para que a escravidão durasse até os seus últimos dias, foi necessário
que os senhores de Baependi investissem na produção de alianças no cativeiro, e um dos
recursos dispositivos capaz de tornar estes distintos agentes mais próximos, foi o
compadrio, que por sua vez, desempenhou um importante papel estrutural571.

Nos aspectos gerais e nos casos abordados nesta pesquisa o compadrio


funcionou como um elemento politico e pacificador que evitava possíveis tensões entre
os membros da casa senhorial com os do cativeiro. A estratégia dos senhores em
aproximar parentes e amigos do convívio familiar dos seus escravos foi uma forma de
alargar o seu raio de influencia, acha vista, que houve uma significativa presença de
esposas, filhos, cunhados, sogros, compadres, amigos, etc. como compadres dos seus
cativos. Como já demonstramos, em cada 10 escravos batizados na região, de 5 a 6 dos
seus tutores espirituais eram membros da casa senhorial.

Interessante ressaltar que estes laços ajudem a explicar os raros conflitos


violentos entre senhores e escravos na região. A opressão e a violência da escravidão
era presente em toda a Vila, mas tais conflitos não tiveram forças suficientes para
desfazer da escravidão que esteve presente por muito tempo nesta localidade. Ao
consultarmos o mapa criminal572 e o banco de dados dos processos que contem 314
573
crimes cometidos por escravos da Vila de Baependi , entre período de 1830 a 1888,
não encontramos registros de casos concretos de rebelião coletiva ou individual contra
os próprios senhores, ficando estes casos de violência pessoal, quando muito, restritos a
pessoas distanciadas da família proprietária de escravos e geralmente por brigas entre
bêbados, dívidas ou passional. Um pouco mais frequentes foram os roubos de animais e
as fugas, ainda assim, não são tão numerosas que possam configurar uma estratégia de
uso constante e reiterado pelos escravos da Vila.

571
Com relação à elasticidade do sistema escravista inspiramo-nos nas noções teóricos postuladas por
Witold Kula. De acordo com o autor, toda estrutura social deve comportar um grau de adaptação e de
elasticidade que permita que ela possa se reiterar no tempo. Ver; KULA, Witold. Problemas y métodos de
la historia económica. Barcelona: Ediciones Península, v.100. 1973.
572
Estes dados estão disponíveis nos relatórios da presidência da província de Minas Gerais, site do
Arquivo Publico Mineira (APM).
573
Os processos crimes da Vila de Baependi encontram-se arquivados e catalogados no Arquivo histórico
da Biblioteca Municipal da Cidade Baependi, a uma media de 700 processos sobre o cuidado deste órgão.

274
Portanto, inserir os seus cativos numa comunidade cristã e entrosa-los em seus
esquemas familiares através dos laços de compadrio, foi uma das maneiras encontradas
pelos senhores Baependiense para se prevenirem contra possíveis fugas em massa ou
rebeliões escravas que poderiam ameaçar o bom funcionamento das suas propriedades
escravistas.

Também o fato dos senhores protegerem os seus cativos e incorpora-los a alguns


redes de sociabilidade, é uma pratica que esta de acordo com um contexto onde a
Constituição do Imperial Brasileira (1824), ao garantir o direito a propriedade em sua
plenitude, não tocava nos assuntos relacionado à escravidão, dando amparo legal a esta
instituição. Desta forma, os escravos eram considerados como não cidadão, pois
estavam fora do pacto político que havia sido fundado pelos Estados Nacionais. O fato
dos cativos não participarem da sociedade civil, toda a sua relação com esta espera
deveria ser remediada pelo seu senhor574. Esta noção jurídica derivou em grande parte
do paternalismo contido nas teorias administrativas escravistas norte-americana e
brasileira. Na apreciação destas normas, os mancipios sempre estariam na condição de
adolescentes, incapaz de ser emancipados da tutela senhorial por ser inaptos para o
autogoverno. Sobre este viés, a administração escravista, por conseguinte, deveria ser
exercida sobre a totalidade da vida dos escravos, e não apenas sobre seu trabalho 575. De
alguma maneira, estas premissas nos leva a entender a autonomia que os senhores
tinham em gerenciar com liberdade as relações produzidas pelos seus cativos com a
sociedade, ao ponto de envolvê-los em uma rede de relações com objetivo de obter certa
renda politica.

Já vimos que a região nas ultimas décadas da escravidão apresentava um


significativo número de senhores detentores de muitas terras e escravos, o controle
sobre estes valiosos recursos, permitiu a estes homens que se elevassem no topo de uma
hierarquia social, mas para que se mantivessem neste patamar, foi preciso tecer alianças
com os membros das senzalas.

Esta iniciativa que, diga de passagem, muitas vezes decorria das próprias
contradições inerentes à relação entre ambos, como era o caso, por exemplo, dos
574
BERBEL, M. e MARQUESE, R. “A escravidão nas experiências constitucionais ibéricas, 1810-1824”.
Texto apresentado no Seminário Internacional Brasil: de um Império a outro (1750-1850), realizado no
depto. de História/FFLCH-USP, 05-09 de setembro de 2005.
575
Rafael de Bivar Marquese. Feitores do corpo, missionários da mente, 2004, p. 368-380.

275
senhores de engenho. Conforme assinalou Stuart Schwartz, “a produção eficiente de
açúcar dependia, até certo ponto, da colaboração dos escravos” Além dos riscos de
sabotagem que poderia comprometer o fabrico, tal ato logo arrasaria uma safra, por isto,
tal produção exigia uma mão de obra especializada. Logo, conclui o autor, a produção
do fabrico de açúcar não dependia exclusivamente da elevada quantidade de
trabalhadores, mas sim da qualidade e da boa vontade dos cativos576.

Amiúde, esta aposta senhorial em tecer laços com os seus escravos surtia o
efeito esperado. Muitos estudos577 tem demonstrado uma variedade de casos de
fidelidade dos cativos para com seus senhores em momentos críticos, ainda que fossem
motivados pelo desejo de angariar alguns recursos originários da casa grande. A analise
dos processos de crimes tem nos mostrado plano de revoltas e fugas planejadas sendo
denunciadas pelos próprios companheiros de escravidão e por aqueles recém-livres
desta instituição. Há outras situações que retratam escravos pegando em armas para
defender os seus senhores578. De certa forma, tudo isto contribuía para a legitimidade
social da escravidão que era constantemente atualizada579.

Exemplificadas estas situações de proximidade entre senhores e escravos, nos


casos que estamos tratando, os elos parentais entre as famílias senhoriais e as escravas
contribuíram para a estabilidade e a reprodução da ordem escravista. Como exemplo, já
demonstramos que os senhores que mantiveram relações de compadrio com seus
576
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
577
CUNHA, Manoela Carneiro da. Sobre os silêncios da lei: lei costumeira e positiva nas alforrias de
escravos no Brasil do século XIX. In: Antropologia do Brasil: mito, história, etnicidade. São Paulo:
Brasiliense, 1986..COSTA, Iraci Del Nero da, SLENES, Robert W. e SCHWARTZ, Stuart B. A família
escrava em Lorena (1801). Estudos Econômicos, v. 17, nº. 2, mai./ago., 1987. MOTTA, José Flávio.
Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo:
Fapesp/Annablume, 1999; FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas, damas mercadoras: as pretas minas
nas cidades do Rio de Janeiro e de São João Del Rey (1700-1850). Niterói: UFF, 2004. (Tese apresentada
ao Departamento de História da Universidade Federal Fluminense – Concurso para Professor Titular em
História do Brasil). FLORENTINO, Manolo G. e FRAGOSO, João. Marcelino, filho de Inocência
Crioula, Neto de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872),
Estudos Econômicos, v. 17, nº. 2, pp. 151-173, mai./ago., 1987. FLORENTINO, Manolo e GÓES, José
Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790 - c.1850. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. SOARES, Márcio. A remissão do cativeiro: a dádiva da alforria e o
governo dos escravos nos Campos dos Goitacases, 1750-1830. Rio de Janeiro: Apicuri, 2009.
578
COSTA, Ana Paula Pereira. Armar escravos em Minas colonial: potentados locais e suas práticas de
reprodução social na primeira metade do século XVIII. Vila Rica, 1711-1750. 2010. Tese (Doutorado em
História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 2010.
579
Fizemos este exame refletindo sobre a pratica da alforria para a manutenção da escravidão. Ver: cf.
SOARES, Marcio de S. A remissão do cativeiro: a dádiva da alforria e o governo dos escravos nos
Campos dos Goitacazes, c 1750 - c. 1830. Rio de Janeiro: Apicuri, 2009.

276
cativos, e convidaram familiares e amigos para toma-los também como afilhados, foram
os que conseguiram manterem em suas propriedades uma imensa força de trabalho até
abolição da escravidão. Portanto, a conquista de tais recursos, em certa media, esteve
condicionada aos acordos e alianças que estes senhores mantiveram com seus escravos.

Sem querer reduzir a atuação dos cativos, é preciso ressaltar que nestas relações
os senhores eram os que mais exerciam poder, por mais que os escravos participassem
ativamente destes processos sociais, esta atuação se dava, quase sempre, na condição de
pessoas subjugadas. Além do mais, em uma sociedade escravista com alto nível de
distinção e pobreza fundada sobre relações pessoais, transpassada por múltiplos
conflitos, tensões e inseguranças eram importantes para um escravo estar sobre proteção
de um senhor580.

Acresce a isto o fato de que era com esses senhores que os escravos procuravam
angariar algum benefício, buscando no máximo possível atingir os seus objetivos, isto é,
assentar um costume aceitável no convívio diário. O que equivale a dizer que vinha dos
ditames dos senhores uma parte das regras que reagiam à vida cativa, parte sobre a qual
os escravos não tinham domínio direto581. Diante disto, considero que as relações de
sociabilidade dos escravos em todos os cantões da sociedade, na medida do possível,
eram sempre monitoras pelos seus senhores.

O próprio ato de escolher padrinhos para seus rebentos ou convidar seus


senhores e familiares deste para apadrinhar seus filhos, não era algo necessariamente
decidido pelos escravos, mas uma prerrogativa senhorial, e ao mesmo tempo, um
indicativo de reconhecimento que o senhor tinha da importância daquele escravo para o
pleno funcionamento da sua propriedade582. Sobre esta questão, Carlos Bacellar coloca
pontos importantes sobre o grau de autonomia dos cativos nas suas relações de
compadrio. Nas palavras do autor:
580
Marcio Soares, A remissão do Cativeiro, p. 111-119.
581
Acerca dos domínios senhoriais sobre as ações dos escravos, ver: ENGEMANN, Carlos. Da
comunidade escrava e suas possibilidades, séculos XVII-XIX. In: FLORENTINO, Manolo (org.).
Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005, p. 201. Ver também: Carlos Engemann. De laços e de nós. Rio de Janeiro: Apicuri,
2008.
582
PINTO, Natália Garcia. A benção do compadre. Experiências de parentesco, escravidão e liberdade
em Pelotas, 1830/1850. Dissertação de Mestrado, UNISINOS: São Leopoldo, 2012. Ver também da
mesma autora: . Parentes, aliados, inimigos: o parentesco simbólico entre os escravos na cidade de
Pelotas, 1830/1850, século XIX. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. ANPUH: São Paulo,
2011. A autora chama de bando senhorial os parentes ou escravos da parentela do proprietário.

277
“Podemos tentar imaginar, por exemplo, como escravos logravam
escolher, ou convidar, o capitão mor ou outro potentado local para
apadrinhar seu rebento. Como teriam acesso pessoal a um indivíduo
que, muitas vezes, não tinha contato direto nem mesmo com seu senhor,
e também não entretida com estes laços de parentesco? E, mais do que
isso, como conseguiam organizar a ida de todos até a igreja, na vila,
muitas vezes em dia útil da semana, tirando esses padrinhos ilustres de
sua rotina na lavoura, especialmente para comparecerem na vila e
cumprir com a cerimônia? Desta forma, mesmo se considerarmos que
havia uma certa autonomia dos pais escravos, não seria de todo irreal
supor que seus senhores interferiam, até para facilitar as coisas, abrindo
portas, fazendo de seu compadre um compadre de seu cativo,
implementando redes de solidariedade mais complexas” 583.

Dito isto, reconhecemos que os escravos em suas impotências tornavam-se uma


extensão do poder do senhorial, pelo fato de socializar por meio dele. Em outras
palavras, sem o senhor os cativos não existiam. Ao afirmar isto, referimo-nos a noção
de honra na escravidão concebida pelo sociólogo norte-americano, Orlando Patterson584.
O autor adverte que os escravos eram sempre por definição um estrangeiro, embora
fizesse parte de uma sociedade no qual o acolheu, foram sempre considerados uma
espécie de intrusos (outsider), em virtude da estraneidade característica do cativo
desenraizado. Portando é preciso sublinhar que o estrangeiramento não era étnico, mas,
sobretudo sociológica, uma vez que o sujeito escravizado era feito estrangeiro ao ser
privado das suas funções e arranjos sociais com seus antepassados585.

583
BACELLAR, C. A. “Criando porcos e arando a terra: família e compadrio entre os escravos de uma
economia de abastecimento (São Luís do Paraitinga, Capitania de São Paulo, 1773-1840)”. (Texto
apresentado no 3 Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 2 a 4 de maio, Florianópolis:
2007). Ver também outros artigos do autor onde esta questão é tratada com mais clareza; .
Escravidão e compadrio em São Paulo colonial, século XVIII. Seminário internacional Famílias Ibero-
americanas en El Marco Del Bicentenario. Córdoba: Argentina, 2010. . Os compadres e as
comadres de escravos: um balança da produção historiográfica brasileira. In: Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho de 2011. Outras pesquisas que também adverte o
cuidado sobre a autonomia de escolha dos cativos: HAMEISTER, Marta. Para dar calor à nova
povoação: estudo sobre estratégias sociais e familiares a partir dos registros batismais da Vila de Rio
Grande (1738-1763). Tese de Doutorado, UFRJ, 2006. MACHADO, Cacilda. A trama das vontades:
negros, pardos e broncos na construção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri,
2008. GIL, Tiago L. e SIRTORI, Bruna. A geografia do compadrio cativo: Viamão, Continente do Rio
Grande de São Pedro, 1770-1795. In: Regina Xavier (org.). Escravidão e Liberdade: temas, problemas e
perspectivas de análise. São Paulo: Alameda, 2012, pp. 123-142. GUTERRES, Letícia Batistela Silveira.
Escravidão, família e compadrio ao sul do Império do Brasil: Santa Maria (1844-1882). Rio de Janeiro:
PPGH/UFRJ, 2013 pp. 77-91. (Tese de Doutorado)
584
Para elaborar uma definição de escravos, Patterson realizou um estudo comparativo em 66 sociedades
espalhados pelo mundo em diferentes épocas onde o trabalho escravo era empregado. PATTERSON,
Orlando. Slavery and social death: a comparative study. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
585
Idem, p. 54-58.

278
Sobre esta perspectiva, Pattersson salienta que o fato dos escravos não terem
uma existência social independente ou valor publico, acabava se tornando um ser
desonrado. Além do mais, não tinha um nome próprio a zelar. Podia apenas defender o
valor e o nome do seu senhor. Mas deve-se enfatizar que a desonra era uma condição
generalizada, pois uma pessoa livre e horada, sempre a mercê de desrespeitos e insultos,
ocasionalmente vivenciava atos específicos de desonra aos quais, é claro, reage
tomando as medidas necessárias. Mas independente disto, o escravo, geralmente
permanecia alheio o jogo da honra586.

O que era universal na relação de senhores e escravos era o forte sentimento de


honra que a experiência do poder senhorial gerava e, inversamente, de desonra da
condição cativa587. As características que Eugenio Genovese atribuiu para os senhores
de escravos do sul dos Estados Unidos, como suas garras, graciosidades, cortesias,
sentimentos de independências, violência, impulsividade e costume de mando, revelam
patriarcas bastante honrados diante dos seus escravos588. Neste caso o contraponto de
sentimento de honra do senhor é a experiência que o escravo tem de sua perda. A dita
personalidade cativa é apenas a expressão mais visível da perda deste valor589.

O estabelecimento de relações familiares e de parentesco fictícios poderia tornar


a desonra dos escravos menos atenuante na sociedade escravista que o incorporou. Pois
além de ingressar numa comunidade cristã (e adaptar a ela com tempo), teriam acesso a
uma serie de recursos, sobretudo imateriais, como está relacionado a uma extensa rede
social, ser reconhecido no cativeiro por ser padrinho de muitas crianças cativas e uma
mobilidade ocupacional que facultassem uma maior proximidade com seus senhores.
Mas o acesso aos privilégios decorrentes dessa aproximação sempre correspondia às
expectativas comportamentais nutridas pelos seus donos590.

Nesse sentido, não é difícil entender que a inclusão dos escravos nas relações
familiares dos seus senhores os distanciariam daquela estraneidade característica de seu
desenraizamento. Além disto, sendo protegidos, sustentados e apadrinhados pelos seus
patriarcas, os cativos tomariam de emprestado o prestigio dos seus donos, e com isto, se
586
Idem, p.31.
587
Idem, p.32.
588
Discussão de Genovese acerca dos senhores de escravos da Carolina do Sul. Ver; GENOVESE,
Eugenio. The World the Slaveholders Made. New York, Vintage Books, 1971, parte 1, p. 5-8.
589
PATTERSON, Orlando. Slavery and Social Death... p. 32.
590
SOARES, Marcio. A remissão do Cativeiro... p. 106.

279
diferenciava dos demais parceiros da escravidão e libertos, alçando melhores posições
na hierarquia do cativeiro591.

Diante tudo isto, o que vimos permite concluir que o compadrio era algo que
reforça as relações paternalistas entre senhores e escravos, ainda que nesse empenho
poucos senhores batizassem os seus cativos, porém, convidaram muitos dos seus
parentes e amigos para tomarem seus escravos como compadres e afilhados. Além
disso, ao aproximar sua parentela de seus cativos, os senhores extraiam destas relações
uma importante renda politica, tornando mais próximos escravos e familiares,
consolidariam uma rede de proteção que poderia ser um elemento importante no
controle de tensões e conflitos em suas propriedades.

Um dado importante visto neste tópico, e que o parentesco entre a família


senhorial e a escrava ocorria com mais intensidade em propriedades que contavam com
um alto numero de escravos, como bem lembrou Florentino e Góes, lugares
privilegiados da dissenção e conflitos592. Quando comparados com os senhores donos
de media e pequenas escravarias, foram os senhores detentores de grandes unidades
escravistas que mais compareceram nas cerimonias de batismo dos seus escravos como
padrinhos.

Somado a isto, foram estes senhores parentes de escravos, que até os últimos
dias da escravidão brasileira conseguiram manter em suas escravarias uma multidão de
cativos, ou seja, foram os que menos perderam forças produtivas durante as ultimas
décadas (1871-1888) da escravidão no país. Provavelmente o investimento na produção
de aliados presos as suas senzalas, conferiu a estes patriarcas a manutenção dos seus
status e a reprodução da escravidão na localidade.

Por tudo isto, creio que estejam certos, Manolo Florentino e José Roberto Góes,
ao afirmarem que “a escravidão não é efeito exclusivo da logica econômica da empresa
escravista, nem existe descolada da pessoa dos escravos. É antes, um cenário conflitivo
por definição, espaço onde estratégias se delineiam e fazem conhecer melhor a

591
Sobre esta questão podemos pensar nas redes de compadres de José, escravos do Doutor Francisco
Viotti, que foi convidado para apadrinhar uma criança livre na região. As redes de compadrio deste
escravo padrinho preferencial foi examinada no 3° capitulo desta tese.
592
FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico
atlântico. Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850, 1997, cap. 3.

280
593
escravidão” . Em um estudo direcionado a esta questão, Florentino e Góes
demonstraram a compatibilidade, na primeira metade dos oitocentos, entre a existência
do tráfico atlântico de africanos e da formação de famílias estáveis entre os escravos do
sudeste brasileiro. Num contexto onde a diversidade de procedências entre os cativos
poderia gerar fortes tensões nos grandes planteis fluminenses, argumentaram os autores,
que os escravos buscaram estabelecer elos de parentais entre si para apaziguar estes
conflitos. O compadrio, assim, instituía a “paz na senzala”, trazendo ganhos políticos
para os senhores, mas também fornecendo aos cativos alguns instrumentos que poderia
tornar a vida em cativeiro mais tolerável. Criticando os estudos que situam ao exagero,
na vontade do senhorial o devir da história, os autores afirmam que “sem se constituir
em um instrumento direto de um controle senhoria, a família escrava funcionava como
elemento de estabilização social, ao permitir que os senhores auferir uma renda
politica”. Diante desta questão, os autores asseveram que, para que ocorresse a
reiteração temporal de uma sociedade escravista no agro fluminense, foi preciso que os
senhores estimulassem a formação de famílias entre seus cativos, sobre esta logica, o
compadrio cumpria um importante papel politico, no sentido de pacificar, organizar e
reduzir os enfretamentos entre os escravos no interior do cativeiro594.

Em outras localidades brasileiras, a escravidão se reproduziu em outras bases,


Cacilda Machado, ao examinar região Paranaense de São José dos Pinhais, encontrou
elementos que terão sobrevida a este sistema. Segundo a autora, nesta localidade onde o
tráfico atlântico tinha um papel secundário na reiteração temporal do escravismo (nesta
região as escravarias não continham mais do que 15 cativos), a manutenção do status
senhorial dependeu em grande medida da vontade dos cativos. Para dar estabilidade a
escravidão, os senhores de São José dos Pinhais deram mais autonomia aos seus
escravos nas escolhas dos seus nubentes, esta relativa independência permitiu que
muitos deles unissem a pessoas livres de cor, contribuindo assim, para um elevado
índice populacional deste segmento na Freguesia. Esses cativos, que conseguiram um
ventre livre para seus filhos, demonstram uma conquista concreta de uma maior
autonomia no interior do cativeiro. No que confere os ganhos senhoriais obtidos nestas

593
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. op. Cit., 1997, p. 174-175.
594
Idem, p. 29-36.

281
relações, estes laços matrimoniais acabaram reiterando a hierarquia da escravidão e
produzindo diferenças entre cativos nas próprias comunidades das senzalas595.

Os estudos de Manolo Florentino, José Roberto e de Cacilda Machado, partem


de regiões com demografias escravas completamente dessemelhantes. No agro
fluminense a reprodução física das escravarias se realizou praticamente através do
tráfico atlântico de africanos. Em São José dos Pinhais do Paraná ocorreu de forma
diferente, nesta localidade o crescimento vegetativo dos planteis foi crucial para
reiteração de uma sociedade escravista596. Estes fatores que contribuíram para a
manutenção do sistema escravista nestas distintas localidades estavam presentes na Vila
de Baependi, pois nesta região sul-mineira, tanto a reprodução natural como o tráfico
negreiro contribuiu para a conformação das suas escravarias597. Portando, isto fez com
que os senhores baependienses adotassem estratégias diferentes dos senhores
fluminenses e paranaenses na condução dos seus escravos.

Para entendermos estas distintas estratégias senhoriais vejam os dados


encontrados por estes estudiosos. Na pesquisa de Manolo Florentino e José Roberto
Góes, os escravos do agro fluminense tiveram poucas pessoas livres como seus
compadres, mas por outro lado, a maioria dos seus rebentos foram apadrinhados pelos
seus parceiros de senzala, formando assim uma enorme comunidade constituída por
varias famílias escravas. Em São José Pinhais, Cacilda encontrou o mesmo padrão
constatados por estes autores, porém, quando a autora analisa os arranjos matrimoniais
de casamentos mistos, percebe que a maioria dos escravos se casou com pessoas livres e
cativos de outras propriedades. De acordo Machado, esta relativa autonomia foi
concedida por aqueles senhores donos de grande planteis na região598.

Os dados que encontramos para a Vila de Baependi diferem dos que foram
observados por estes historiadores, a começar pelo fato que na região em estudo, a
maioria dos escravos não se ligou através dos laços de compadrio com pessoas do

595
MACHADO, Cacilda. Op. cit., 2008, p.105-107.
596
Idem.
597
Esta característica da demografia escrava mineira foi ressalta Paiva e Libby ao consultarem as lista
nominativas da província de Minas Gerais na década na 1830. Ver: LIBBY, Douglas Cole; PAIVA,
Clotilde Paiva. Caminhos alternativos: escravidão e reprodução em Minas Gerais no século XIX. Estudos
Econômicos, São Paulo, IPE/USP, v. 25, n. 2, p. 203-233, maio-ago. 1995. LIBBY, Douglas Cole.
Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo:
Brasiliense, 1988.
598
MACHADO, 2008, p. 106.

282
mesmo status jurídico, outro dado, foram os poucos casamentos entre cativos de
escravarias diferentes, isto somado aos casos raros de uniões mistas entre os mancipios
com pessoas livres da localidade. Ausências destes elementos foram compensados por
outros, onde os senhores de Baependi tiveram que utilizar de algumas estratégias para
manter uma escravidão que ao mesmo tempo era sustentada pela reprodução natural e
pelo tráfico negreiro. Para reiterar esta logica escravista, a produção de aliados no
cativeiro que se deu através dos laços de compadrio, permitiu a estes patriarcas que
administrassem suas propriedades com mais estabilidade.

Diferente do agro fluminense e da região paranaense de São José dos Pinhais, os


senhores de Baependi permitiu que muitos dos seus escravos mantivessem elos
parentais com pessoas livres e tivessem a maioria dos seus filhos apadrinhados pelos
membros família senhorial. Esta iniciativa traduzida em um “paternalismo local”, em
integrar os seus escravos ao seu convívio familiar possa ter sido uma formula
encontrada para a reiteração da escravidão na região.

A reprodução desta ordem implica no fato de que nem todos os escravos faziam
parte do núcleo parental dos seus senhores, apesar de termos constatado um número
significativo de famílias escravas tendo filhos apadrinhados pelos membros da casa
grande, mesmo assim, devemos considerar que este recurso não estava aberto a todos.
Isto incluía não apenas os cativos, mas pessoas livres em busca de proteção. Assim,
afirma-se, que a ligação dos cativos com uma parentela senhorial, seria algo que gerasse
uma renda politica para os seus senhores, utilizando deste artificio, estes patriarcas
conseguiriam tornando suas escravarias mais hierarquizadas. A estratificação deste
espaço se daria no momento que concedesse privilégios específicos àqueles escravos
que fizesse parte do seu núcleo parental, tornando assim, mais acirradas as disputas por
parcos recursos disponíveis no cativeiro. Tudo isto, nos levar a entender, a dimensão
politica que o compadrio assumia no exercício da dominação senhorial, pois estes
ganhos senhoriais dava maior elasticidade à escravidão599.

Esta politica senhorial de manter estreitas as relações compadrio dos membros


da casa grande com o cativeiro, de certa maneira, fez com que a tão esperada “paz da
599
Sobre questão, Witold Kula aponta, que toda estrutura social deve comportar um grau de adaptação e
de elasticidade que permite que ela possa se reiterar no tempo. Ver: KULA, Witold. Teoria econômica do
sistema feudal. Lisboa: Presença, 1979. . Da Tipologia dos Sistemas Econômicos. In:
FOURASTIÉ, J. (Org.). Economia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1979

283
senzala” defendida por alguns autores nesta pesquisa se estabelecesse em Baependi,
prova disto, como já mencionamos, foram os raríssimos casos de crimes de escravos
contra os senhores e seus familiares e vice-versa. Nos inventários dos senhores da
região, não foram arrolados sequer nenhum instrumentos de punição (chicotes, manilho,
mascaras de ferros, pelourinho etc,.) que poderia comprometer a integridade física dos
cativos, ao contrario disto, relatou-se nestes processos uma expressiva quantidade de
ferramentas de trabalhos cortantes sobre o domínio destes cativos. É claro que não
estamos descartamos qualquer possibilidade de uma revolta escrava, mas uma
aproximação entre senhores e senhores que eram fortalecidas por alguns laços de
sociabilidade poderia reduzir as chances de uma insurreição.

Outro dado importante, é que a senzala como ambiente de moradia dos cativos
foi mencionada em pouquíssimos inventários, em 399 processos que consta a presença
de escravos, este espaço foi declarado em apenas 16 (4,0%) documentos. Por outro lado,
as casas de pau a pique e as cobertas de telhas e capim foram relatadas foram relatadas
em 229 (57,3%) inventários de senhores da região. Ao apresentarmos estes dados, não
queremos diluir as tensões que havia entre senhores e escravos em Baependi, mas não
poderemos deixar de registrar, que a concessão destes espaços se fez sobre a base de
muitas negociações, e a reiteração destes acordos, provavelmente tenham sido
facilitados pela aproximação que havia entre os membros da família senhorial com os
da senzala.

284
4.5 – Senhor, pai e padrinho: Floriano Dias Carvalho e seus afilhados cativos.

Em nome de Deus – amem. Eu Floriano Dias de Carvalho filho legitimo


de Agostinho Dias de Carvalho e Mariana Moreira de Jesus já falecidos,
nascido e batizado nesta Freguesia de Baependi, solteiro em cujo estado
tenho vivido. Não tenho filhos algum, por isso sem herdeiros que possam
sucedes os meus bens. Nomeio para meus testamenteiros. Em primeiro
lugar a José Cassiano Pereira, em segundo lugar, Manoel Alves Maciel, e
em terceiro lugar Antônio de Oliveira Castro. Meu corpo será envolto em
habito de Santo Antônio, e sepultado na Capela de Piracicaba sem pompa
alguma. Meu testamenteiro mandará dizer dez missas por minha alma e as
corpos presentes que for possível. Deixo liberta a escrava Maria pelos
bons serviços que me tem prestado. Deixo também liberto os filhos da
mesma escrava – Antônio, Tereza, Manoel e Teodoro – duzentos mil
reis a cada um, e aos a uma nomeados a minha morada de casa e todas as
terras a distancia de meia légua, com a condição de não poderem dispor
delas, sucedendo sempre uns aos outros na mesma família. As terras que
existirem além da meia légua será vendidas por meio testamenteiro a
beneficio do monte. O meu testamenteiro vendera o meu escravo Manoel e
meu herdeiro nomeado conservara com decência o meu oratório. Depois de
cumpridas minhas disposições, instituo herdeiro do restante dos meus
bens ao meu escravo Antônio que acima liberto. E desta forma tenho feito
o meu testamento, ultima derradeira vontade, e por não saber e escrever vai
assignado o meu rogo pelo tenente Coronel João Evangelista de Souza
Guerra. Gamarra vinte cinco de Agosto de mil oitocentos sessenta seis.600
(Grifo nosso).

Assim se registrou na fazenda Gamarra, nos 25 de agosto de 1866, o testamento


de Floriano Dias de Carvalho, filho legitimo de Agostinho Dias de Carvalho e Mariana
Moreira de Jesus, já falecidos. Quando ditou as suas ultimas vontades estava bastante
ciente dos legados que iria deixar para os entes queridos que vivessem ao seu lado. Por
ter vivido no estado de solteiro e não ter dito filhos que herdassem os seus bens, tornou
os seus escravos os únicos beneficiários da sua herança.

Um dado que pode elucidar um pouco esta atitude, consiste no fato de o senhor
Floriano Dias Carvalho ter tomando estes cativos como seus afilhados, pois
constatamos que foi o único senhor da Vila de Baependi apadrinhar todos os seus
escravos. Algo parecido foi encontrado por Carlos Bacellar na região paulista de São

600
Testamento de Floriano Dias de Carvalho. Copia Anexada no inventário post-mortem de Floriano Dias
de Carvalho. Aberto no ano de 1866, nº 299, cx: 34.

285
Luís do Paraitinga, onde um alferes, lavrador e dono de 14 cativos batizaram todas as
crias presas aos suas escravarias601.

Retomando a analise sobre o testamento de Floriano Dias de Carvalho, o


primeiro dado que nos chamou a atenção, e a libertação incondicional de uma família
escrava composta por uma mãe e suas proles. Maria, uma das escravas mais antiga da
fazenda São Pedro, pelos bons serviços prestados e por muito tempo ter sido fiel ao seu
senhor, pelas ultimas vontades do seu patriarca acabou se tornando livre. Mas a gratidão
que Floriano Dias de Carvalho tinha por esta escrava, não se encerra apenas na
concessão de sua liberdade, seus filhos também receberam uma atenção especial deste
senhor, pois cada um recebeu neste testamento valiosos recursos que os asseguravam
numa localidade profundamente marcada pela exclusão e pobreza. Além disto, os
pecúlios que foram deixados de herança fizeram com que vivessem em melhores
condições do que muitos homens e mulheres livres da região.

Como expressou Floriano Dias de Carvalho em seu testamento, por ser “solteiro
em cujo estado tenho vivido. Não tenho filhos algum, por isso sem herdeiros que
possam suceder os meus bens”. Este fragmento textual visto de forma detalhada
sinaliza uma forte relação que havia entre este senhor com os escravos que foram
agraciados em seu testamento. Neste caso, ausência de filhos e esposa fazia com que o
Floriano Dias de Carvalho ficasse mais próximo dos seus escravos.

Nas terras de Floriano Dias de Carvalho, localizadas na fazenda São Pedro,


havia um planteis composto por 12 escravos, Maria e seu companheiro Manoel
Monjolo, mais os filhos era a única família escrava residia nesta propriedade, os demais
cativos eram africanos recém-chegados nesta unidade. Sobre o pai destas crianças
falaremos daqui pouco.

601
Carlos Barcellar. Os compadres e as comadres de escravos, op, cit., p. 8. Barcellar verificou que de um
total de um 21 assentos de batismos de cativos analisados mais detidamente, referentes a trinta e um
proprietários, encontrou apenas treze destes que chegaram, alguma vez, a se tornar padrinhos de seus
cativos, perfazendo somente quarenta e nove registros, ou insignificantes 4,8%, aí incluídos quatro
batizados “em artigo de morte”, em que o senhor pode ter sido apenas a solução mais disponível no
momento de emergência. Em nossa pesquisa averiguamos que foram 70 senhores da Vila de Santa Maria
do Baependi a comparecer como pais espirituais dos seus cativos.

286
A família de Manoel Monjolo e Maria Crioula, escravos do senhor Floriano Dias
de Carvalho.

Manoel Monjolo e Maria Crioula

Antônio Tereza Marcos Teodora

Pedro Jose José Maria

José

Fonte: Assentos Paroquiais de Batismo da Vila de Santa Maria do Baependi (1830-1888).

Portanto, é possível que o Floriano Dias de Carvalho tenha tornado estes cativos
como membros da sua família, pois como demonstramos, havia entre eles uma ligação
espiritual e de proteção condicionada pelas relações de compadrio.

É fundamental que ressaltamos que na distribuição destes recursos houve


predileções, ou seja, havia herdeiros preferencias, demonstrando que os bens não foram
repartidos de maneira igual para todos. Antônio, um dos escravos de Floriano Dias
Carvalho, libertado incondicionalmente em seu testamento, foi sem sobra duvida, o que
recebeu a maior quinhão desta herança. Segue abaixo uma resumida tabela dos bens
adquiridos por estes escravos:

287
Tabela – 1: Bens deixados pelo senhor Floriano Dias de Carvalho aos seus
escravos.

Bens legados Valores Bens legados Valores


a Marcos, Tereza e Teodora. a Antônio.

Terras 600$750 Todo rebanho de animal 65$000

Cassa de Morada 2 Córregos 250$000 Credito Ativo 4:858$758

Terras da Fazenda da Limeira 600$000 Terras separadas dos 2Córregos 600$000

- - Dinheiro em Cofre 1:050$000

- - Escravo Manoel Monjolo 1:300$000


Fonte: AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João Del-Rei. Inventário post-mortem de Floriano Dias de
Carvalho.1866. Caixa: 34. (Caixa da Vila de Baependi, 1830-1888).

Os bens que Floriano Dias de Carvalho deixou para seus afilhados e ex-escravos
é algo que impressiona. Como pode ver, Antônio foi o mais favorecido nesta partilha,
provavelmente entre os seus irmãos, era o mais pretérito por este senhor, tanto é, que
além ter sido agraciado com terras, dinheiro e animais, Antônio recebeu do seu ex-
senhor um escravo. Provavelmente a adoção deste cativo contribuiu para que Antônio
depois de livre fosse reconhecido como senhor na região, pois após o falecimento de seu
padrinho e ex-donos aparece sendo tratado como senhor em vários assentos paroquiais
da Vila de Baependi.

Para nossa surpresa, tal escravo doado nada mais era do que próprio pai de
Antônio, Manoel Monjolo, no qual foi louvado entre os bens inventariados de Floriano
Dias de Carvalho. Por este inventário descobrimos que esta posse não ocorreu de forma
direta, pois Manoel ainda estava sobre o domínio do tutor dos órfãos602, o lavrador e
Fazendeiro, José Cassiano de Oliveira Castro, que se encarregou de administrar os bens
deixados por Floriano Dias de Carvalho até os herdeiros se tornarem maiores de idade.
No ano de 1866 quando foi aberto o inventario de Floriano Dias de Carvalho, Antônio

602
De acordo com Código Filipino (Livro IV, Titulo CII); As contas de tutela, que muitas vezes eram
apensas aos inventários, constituíam-se em peças nas quais o tutor do herdeiro órfão era obrigado a
discriminar a receita e a despesa dos bens pertencentes a seu tutelado. Se a divisão da herança havia
operado de forma a preservar a integridade das unidades produtivas que compunham o patrimônio
partilhado, tais contas acabavam por registrar o movimento de receita e despesa dos estabelecimentos
agrários, tornando-se fontes valiosas para seu estudo.

288
tinha apenas de 10 anos, após morte deste senhor, seu pai Manoel Monjolo não se
encontrava sobre os domínios da Fazenda São Pedro. No auto de prestação de Contas
feita ao Juiz Órfão da Vila de Baependi temos a seguinte versão:

“Diz José Cassiano de Oliveira, ex-tutor do orfão Antônio, herdeiro do


finado Floriano Dias de Carvalho, que tendo requerido sua exoneração da
tutela, foi nomeado José Garcia de Menezes. Suplicante já faz entrega dos
bens ao novo tutor, a exceção do escravo Manoel pertencente ao dito
órfão, que insubordinado e disso é doente e faz oito meses que não trabalha
para o provento do órfão e nem tão pouco tem dado jornais, e assim anda
vagando de casa em casa, fazenda a fazenda como se fosse livre. Por isto o
suplicante querendo fazer entrega deste escravo ao tutor atual, requer a VS
se digne manda passar para ser o mesmo apreendido aonde se acha dentro
do tempo, a fim de ser entregue a dito tutor, e como não tinha este escravo
no lapso de tempo dado jornal algum, requer que seja descontado este
tempo em suas contas que tem de prestar. Visto como não pode obrigar o
escravo a trabalhar por ser insubordinado, por ter evadido de sua
companhia por todo tempo. Fazenda São Pedro, Baependi 8 de agosto de
1873”603.

Diante desta queixa formalizada por José Cassiano de Oliveira Castro na


prestação de Contas feita ao Juiz Órfão, é provável que o trabalho de Manoel Monjolo
fosse algo que garantia o sustento dos órfãos, e por esse motivo, o tutor dos herdeiros de
Floriano Dias tratou logo de comunicar as autoridades locais a apreensão imediata deste
escravo, pois os tutelados poderiam corriam o risco de passar por seria necessidades.

Ao abandonar a casa senhorial, Manoel Monjolo não se distanciou apenas do seu


senhor, mas também dos seus familiares que decidiram em não segui-lo nesta arrisca
empreitada. Frente a este tipo situações, muitos trabalhos tem ressaltado que a fuga de
um cativo poderia causar sérios danos aos entes queridos que permanecessem sobre
jugo da escravidão, como uma forma de repudiar este ato, os senhores poderia separar
os seus familiares por venda ou lhes retirarem alguns benefícios conquistados no
interior das escravarias604.

603
Fragmento textual retirado das queixas feitas por José Cassiano de Oliveira Castro ao Juiz de Órfão da
Vila de Baependi. AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei .Inventário post-mortem de Floriano Dias
de Carvalho. 1866. Caixa: 34. (Caixa da Vila de Baependi, 1830-1888).
604
SLENES, Robert - Na Senzala uma Flor, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. , "Senhores e
Subalternos no Oeste Paulista". In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org.) - História da Vida Privada
no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SCHWARTZ, Stuart - Escravos, Roceiros e Rebeldes. Bauru: EDUSC, 2001. RIOS, Ana Maria Lugão -
Família e Transição. Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872 1920. Mestrado. Niterói: UFF, 1990.

289
No caso em tela, ao invés de Maria e seus filhos serem penalizados pela fuga de
seu marido, não sofreram nenhum prejuízo com este ato. Se analisarmos esta atitude
com base na noção de estratégia formulada por Fredrik Barth, podemos dizer que esta
escrava605 foi suficientemente racional em compreender quais as consequências que tais
escolhas e ações poderiam causar em sua vida606. Além disto, por Maria viver em uma
sociedade profundamente marcada pelas incertezas, sabia muito bem que a proteção e o
sustento de um senhor era um importante recurso que lhe dava segurança607, portando, o
risco de se envolver em uma fuga tornaria o futuro deste cativa de seus rebentos mais
imprevisto608.

Com isto, queremos afirmar que a ação social empreendida pelos escravos
dependia da reação dos outros609, isto é, dos seus senhores, neste caso, os cativos
avaliam as suas situações tento como critério o poder moral senhorial e a consequência
que tal poder lhe confere. Além disto, a possibilidade dos cativos formarem famílias e
acessar determinados recursos disponíveis no cativeiro dependia em grande parte da

NEVES, Maria F. R. - "Ampliando a família escrava: compadrio de escravos em São Paulo do século
XIX." In: História e População. São Paulo: ABEP, 1990. MOTTA, José Flávio- Corpos Escravos-
Vontades Livres. Posse de cativos e Família Escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: Annablume-
Fapesp, 1999. MATTOSO, Katia- Ser Escravo no Brasil. 3ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.
KARASH, Mary – A vida dos escravos no Rio de Janeiro. 1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
605
Neste caso podemos pensar , que Maria em situação de perigo eminente, foi obrigada a escolher entre
a submissão e a rebeldia.
606
Conforme o próprio Grendi, outras referências teóricas foram importantes para os seus escritos, como
a noção de racionalidade propostos por Fredrik Barth. BARTH, Fredrik. Process and form in social life.
London: Oxford, 1981. Em especial o Capítulo 6. . O guru, o iniciador e outras variações
antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. Levi também uso deste conceito para
compreender as escolhas dos camponeses diante dos proprietários de terras na região de Santena no
século XVIII. Ver: Giovanni Levi. A Herança Imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século
XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
607
Tal situação foi constata por Eugenio Genovese ao analisar um diário de um senhor dono de uma
fazenda de algodão na região da Carolina do Sul, este fazendeiro relata que seus escravos eram
alimentavam melhor do que os camponeses pobres que ficavam vagando pelas fazendas prestando
serviços para garantir o sustento dos seus familiares. Enquanto os escravos sob a proteção de senhor tinha
direito a moradia, vestuário e alimentação. Ver Eugenio Genovese. A Terra Prometida. O Mundo que os
escravos criaram. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 216.
608
Aqui faço uma alusão aos estudos de Levi, ao analisar os camponeses da região Santena, percebeu que
ao invés destes homens moverem uma luta contra os proprietários de terras, preferiu se aliar a eles, com o
objetivo de reduzir as margens de incertezas em uma sociedade marcadas pela miséria e exclusão sociais.
Ver: 0 LEVI, Giovani. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000
609
BARTH, Fredrik. Process and form in social life. London: Oxford, 1981.

290
ação de demais pessoas para que suas estratégias tivesse êxito num mundo da
escravidão “marcado pela pobreza” 610.

A ausência de Manoel Monjolo no convívio da sua esposa e filhos serviu para


tornar mais estreito os laços afinidades que seus familiares mantinham com seu senhor,
além destes serem protegidos e apadrinhados por Floriano Dias de Carvalho, viam-no
como importante senhor que iria ampara-los nos momentos mais críticos de suas vidas.

Nesta família escrava, Antônio como já dissemos, era o cativo mais estimado
por Floriano Dias de Carvalho, tanto é que se tornou o maior herdeiro da sua fortuna. A
soma do seu patrimônio herdado foi avaliado em 6:839$347, ou seja, 59,1% dos monte-
mor (11:565$000) líquido inventariado611, um fortuna considerada de porte médio para
os padrões da localidade.

No inventário post-mortem de Floriano Dias de Carvalho e em alguns assentos


de batismo da região, vimos que foram acrescentados para Antônio alguns sobrenomes,
no qual passou a ser chamar Antônio Dias de Carvalho, provavelmente um sobrenome
escolhido em homenagem ao seu antigo senhor e padrinho. Nas plantations sulistas dos
Estados Unidos, Herbet Gutmam encontrou solidas evidencias da maioria dos escravos,
após serem libertos adotavam os sobrenomes dos seus senhores como uma forma de
unir e reforçar os laços de compadrio entre diferentes gerações612. Outros estudiosos
Norte-americanos reconhecem a importância das interpretações de Gutmam, mas
destacam algumas variações regionais importantes, pois, em certos casos, os recém-

610
Estou falando de estratégia como a empregou Giovanni Levi, distanciando-se tanto da ideia de um
sujeito totalmente livre e consciente para exercer sua vontade, quanto de uma macroestrutura dada a priori
que determina mecanicamente a atuação dos mesmos. Ao contrário, Levi propõe a visão da atuação
estratégica em sociedade como “uma ativa obra de transformação do mundo natural e social”,
empregando as margens de liberdade que lhes permitem os condicionantes estruturais. LEVI, Giovanni.
Sobre a micro-história, 1992, p.p.135-6. Ver também: . A Herança Imaterial: trajetória de um
exorcista no Piemonte do século XVII, 2000. LIMA FILHO, Henrique Espada. Microstoria: escalas,
indícios e singularidades, 1999.
611
AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei .Inventário post-mortem de Floriano Dias de Carvalho.
1866. Caixa: 34. (Caixa da Vila de Baependi, 1830-1888).
612
GUTMAN, Herbert. The black family in the slavery and feedom,1750-1925. New York: Vintage,
1976.

291
egressos do cativeiro adotavam os sobrenomes dos seus ex-donos com a expectativa de
extrair disso algumas vantagens613.

Segundo Eduardo Silva, a iniciativa em adotar um sobrenome senhorial, era um


indicio de que os libertos estavam cientes do capital simbólico representado pelo
sobrenome de um senhor poderoso e bem situado na hierarquia social614. Martha
Hamiester ressalta que adoção do sobrenome do senhor era um indicativo dos cativos ou
libertos demarcarem o seu pertencimento a uma casa senhorial615. Herdar o sobrenome
do seu ex-senhor, significou para o Antônio, uma espécie de renascimento traduzido
pela afirmação de uma nova identidade social que redefiniria o seu lugar numa
sociedade escravista e hierarquizada como uma pessoa livre616, além de eliminar a
nodoa do cativeiro em sua vida.

O ingresso de Antônio como pessoa livre na sociedade hierárquica da Vila de


Baependi, ao que parece, ocorreu de forma segura. Além de herdar de seu antigo senhor
terra, escravo, animais e dinheiro, teve acesso a uma extensa rede de credito tornando-se
credor de muitas famílias resididas na localidade. Ao todo foram 32 pessoas que
passaram a lhe dever, sendo que a maioria destes indivíduos pertencia aos setores menos
aquinhoados desta sociedade, o único devedor de elevado posição, era o Tenente
Coronel e oficial reformado da Guarda Nacional, João Evangelista de Souza Guerras.

Sobre devedores de Antônio Dias de Carvalho a um caso bastante emblemático.


Dona Ana Cassiana Nogueira lhe devia em dinheiro uma quantia equivalente em
1:417$000, porém, está divida não foi contraída por esta senhora, mas sim pelo seu
falecido marido, o Capitão Antônio de Oliveiro de Castro com Floriano Dias de
Carvalho quando ambos eram vivos. Por não ter dinheiro suficiente para liquidar este
credito, em troca ofereceu algumas de suas terras para saldar este pagamento. Um dos

613
Orlando Patterson. Slavery and Social Death. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1982, p.
56.BERLIN, Ira. Gerações de cativeiro: uma história da escravidão nos Estados Unidos. Trad. de Julio
Casrañon. Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 169-214.
614
De acordo com Eduardo Silva, esta estratégia foi adotada pelo pai Dom Obá logo após a obtenção da
alforria. Ao se apropriar do sobrenome Fonseca Galvao, esperava se tomar o prestigio de uma poderosa
família baiana. SILVA, Eduardo. "O Dom Obá II D'África Príncipe do Povo - Vida, tempo e pensamento
de um homem livre de cor", Companhia das Letras, 1997.
615
Sobre a pratica de nomeação em sociedade de antigo regime, ver: HAMEISTER, Martha Daisson.
Para dar calor à nova povoação: estudo sobre estratégias sociais e familiares a partir dos registros
batismais da Vila do Rio Grande. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, (Tese de Doutorado), 2006, p. 132-37.
616
Marcio Soares, A remissão do cativeiro, op. cit., p. 169-173.

292
seus patrimônios que foram arrolados para liquidar dívida, foi uma terras de cultura e
criar localizada na fazenda Limeira.

José Cassiano de Oliveira Castro, tutor de Antônio Dias de Carvalho, era quem
iria cobrar esta divida, mas se recusou a exercer tal função, pelo motivo da devedora ser
a sua mãe e se encontrar enferma. “Como bom filho” 617propôs para o Juiz de Órfãos da
Vila de Baependi a nomeação do lavrador, José Garcia de Menezes, por este, residi
próximo das terras e casas dos legatários e herdeiros de Floriano Dias de Carvalho.

A presença de José Garcia de Menezes na prestação de contas de tutela dos


herdeiros de Floriano Dias de Carvalho é sinal que este senhor conseguia ao longo da
vida constituir um extenso capital relacional que foi acionado no momento em que estes
órfãos mais necessitavam.

Retomando os dados desta prestação de tutela, Dona Ana Cassiana Nogueira, diz
ao Meritíssimo senhor Juiz de Órfãos, “por ser uma viúva e se encontrar em uma idade
avançada, quer deixar a sua vida arranjada e pagar o que deve não querendo deixar
618
nenhum trabalho para seus filhos” . O empenho desta senhora em saldar esta divida,
não implicava apenas num compromisso ético e moral, mas também era uma forma de
eliminar qualquer relação de compromisso ou dependência (o caso aqui financeira) com
pessoas recém-saídas da escravidão. Digo isto, pois Dona Ana Cassiana tinha um nome
a zelar, além ser casado com um senhor detentor de importante patentes militar,
pertencia a uma das famílias mais tradicionais da Vila de Baependi, e por estes motivos,
a manutenção deste status era fundamento em uma sociedade que reiterava a todo o
momento as distinções entre os diversos grupos.

Depois de tantas propostas, foi acatado pelo Meritíssimo Juiz Órfão, o Doutor
Olímpio Viriato Carneiro Catão, o pedido de Dona Ana Cassiana Nogueira em
converter a divida que seria paga em dinheiro em terras localizadas na Fazenda Limeira.
Apesar da aprovação deste acordo, em um maio de 1873, o novo tutor dos órfãos, José
Garcia de Menezes, fez um despacho ao Juiz de Órfãos propondo que uma parte desta
divida seja paga em dinheiro no valor de 510$000. Este pedido se justifica, pelo fato dos
bens deixados por Floriano Dias de Carvalho não terem ainda dado rendimentos, e por

617
Referencia feita pelo juiz de órfãos no termo de tutela.
618
Trecho retirado do documento de prestação de contas de tutela anexado no Inventario de Floriano Dias
de Carvalho.

293
isto, o tutor julga necessário receber parte deste credito em dinheiro para fazer algumas
despesas urgentes de que necessitam os órfãos.

Por fim, o Juiz de Direito da Comarca de Baependi acabou novamente deferindo


o pedido de Dona Ana Cassiana Nogueira, no qual as dividas sejam pagas aos herdeiros
de Floriano Dias de Carvalho em terras e não em dinheiro. Alegou-se que a legislação
da época, determinava que em situações como esta, as divida que fossem cobradas em
dinheiro poderia também ser pagas também em terras. Além disto, o Juiz Direito
argumentou “que a deficiência de dinheiro na atualidade e sendo Dona Ana Cassiana
Nogueira idosa não querendo deixar trabalho para seus filhos, é coerente que esta divida
seja paga em terras”.

Este caso que acabamos apresentar é fundamental para entendermos o que os


estudos da micro historia vem nos alertando há décadas, é que todo sistema normativa
não esta isento de contradição, ou seja, estamos acenando para os desvios e incoerências
da ação dos agentes sociais diante das normas. E estas ações são capazes de modificar e
moldar a própria estrutura da norma619.

Aplicando este modelo analítico no caso pesquisado, percebam que depois de


vários acordos e propostas com o tutor dos órfãos de Floriano Dias Carvalho, Dona Ana
Cassiana Nogueira acabou sendo favorecida pela incoerência do sistema de lei do
Império Brasileira. Pelo fato desta senhora ter alguma influência na região e vivendo em
uma sociedade bastante hierarquizada onde até o direito naturalizava a desigualdade620
(até hoje), fez com que os magistrados responsáveis por este caso encontrassem meios
que a favorecesse. Portanto, ao colocarmos em relevo todas as possibilidades locais
existentes nas relações entre estes sujeitos, torna-se possível uma melhor compreensão

619
Esta é uma proposta teórica formulada por Giovanni Levi sobre influencia da concepção de sociedade
formulada por Fredrick Barth. Levi elaborou quando estudou o avanço do Estado Moderno, a partir da
realidade de uma pequena comunidade piemontesa no século XVII: “Normalmente, nós observamos esta
sociedade de longe, estando, portanto, atentos aos resultados finais que, em regra, escapam ao controle
das pessoas e às suas próprias vidas. Parece-nos que as leis do Estado Moderno tenham se imposto sobre
resistências importantes e, historicamente, irrelevantes. Mas as coisas não se deram exatamente dessa
forma: nos intervalos entre sistemas normativos estáveis ou em formação, os grupos e as pessoas atuam
com uma própria estratégia significativa capaz de deixar marcas duradouras na realidade política que,
embora não sejam suficientes para impedir as formas de dominação, conseguem condicioná-las e
modificá-las.” LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial – trajetória de um exorcista no Piemonte do século
XVII, 2000, p.45.
620
LEVI, G. Reciprocidade mediterrânea. IN: Oliveira, M.R e Almeida, C.M.C. (Org.). Exercícios de
Micro História. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2009.

294
da forma como estes desenvolveram estratégias próprias e particulares em resposta à
realidade normativa da qual faziam parte e estavam em constante interação621.

Apesar dos herdeiros de Floriano Dias de Carvalho não terem ganhado esta
causa, conseguiram amealharem uma fortuna que não os deixou entregue a sorte. Além
do mais, suas relações não gravidavam apenas entre seus tutores, se relacionaram com
em outros setores da sociedade. O próprio Antônio Dias de Carvalho compareceu como
padrinho em alguns casamentos e cerimonias de batismo da região, esta inserção se
deve pelo reconhecimento que seu antigo senhor e padrinho tinham na Vila de
Baependi.

Interessante ressaltar que em alguns momentos no inventário de Floriano Dias de


Carvalho, Antônio foi citado como filho deste senhor. Pelo seu assento de batismo
vimos que foi registrado pelos párocos de Baependi como filho legitimo de Manoel
Monjolo e Maria, o que demonstra que não há nenhuma possibilidade de ser filho
natural do seu falecido senhor. Mas o fato de Antônio ser mencionado como filho de
Floriano Dias de Carvalho em algumas prestações de contas, é um forte indicio de como
este senhor e este ex-escravos (que depois virou seu afilhado) tinham forte laços de
lealdade e afinidade que chegava a ser confundido como uma relação de pai e filho aos
olhos daquela sociedade. Talvez possam compreender este laço como uma espécie de
“dupla filiação”, o pai verdadeiro Manole Monjolo, era alguém que amargava todas as
humilhações e sofrimento pelos quais um homem escravo poderia passar nesta
sociedade, Floriano Dias de Carvalho, senhor benevolente, era aquele que abraçava
resolutamente a cauda da proteção da mãe e dos filhos.

Sobre isto, a ausência paterna de Manoel Monjolo na sua família, de alguma


maneira, fez com seus rebentos valorizassem ainda mais a figura protetora de Floriano
Dias Carvalho, pois este senhor ao invés de abandona-los e deixa-los entregues a uma
sociedade escravista que os hostilizava, cumpria rigidamente com seu papel de patriarca
em dar proteção e sustento aos seus dependentes– e foi muito além destas obrigações,
deixaram de herança todos os bens que conseguiu amealhar ao longo da vida para os
escravos que considerava como membros da sua família.

621
ROSENTAL, Paul-André. Construir ele “macro” par le “micro”: Fredrik Barth et lamicrostoria. In:
REVEL, Jacques (Org.) Jeux d‟échelles: lamicro-analyse à l‟expérience. Paris: Gallimard-Le Seuil, 1996.
p.141-159.

295
Comparado a outras situações evidenciadas nesta pesquisa consideramos este
caso como algo excepcional622, através do compadrio, os senhores de Baependi
encontrou um meio de aproximar-se dos seus cativos. É claro que uma enorme parcela
destes patriarcas não se tornaram padrinhos dos seus cativos, mas fizeram questão de
convidarem seus familiares para tomar os seus escravos como afilhados, esta atitude fez
com que muitos destes mancipios se sentissem mais protegidos e encontrassem um
lugar nesta hierárquica complexa e poligâmica família patriarcal623.

Mas devemos alertar que tudo era feito com muita ciência, pois as relações de
compadrio entre a parentela senhorial com os cativos não era apenas uma obra do acaso,
sobre a constituição destes laços havia uma estratégia senhorial em tornar o cativeiro
um espaço mais distintos e hierarquizados, e o fato de não inserir todos os escravos
nesta ampla teia familiar acabava os diferenciando, portanto, aqueles mancipios que
estivessem mais próximo do seu senhor e familiares, além de terem maiores condições
de mobilizar recursos disponíveis no cativeiro, tornariam mais distintos dos seus
pares624, e a falta de uma indistinção no cativeiro tornaria a escravidão em Baependi
mais elástica.

622
Ainda, Edoardo Grendi quando trata do “excepcional normal”, enfatiza a necessidade de se ater
também e, principalmente, àquilo que dentro de um certo contexto parece fugir à regra, revelando, pois,
algo que o documento não deixa transparecer uma vez que não é constante; permitindo assim, indagar às
estruturas invisíveis dentro das quais aquele objeto se articula. GRENDI, Edoardo; VILLANI, Pasquale.
Testicommestibili, o meno. Quadernistorici, Bologna: ilMulino, v.33, n.3, p.1195-1206, 1976. Sobre o
casosexecpional ver trabalho como: GRIBAUDI, Maurizio. Échelle, pertinence, configuration. In:
REVEL, Jacques (Org.) Jeux d‟échelles: lamicro-analyse à l‟expérience. Paris: Gallimard-Le Seuil, 1996.
p.113-140. LEVI, Giovanni. Centro e periferia di uno statoassoluto: tresaggisu Piemonte e Liguria in età
moderna. Torino: Rosenberg &Sellier, 1985.
623
Uma concepção de família formulada por Gilberto Freire em Casa Grande&Senzala.
624
Aqui entenda “seus pares” apenas pelas condição jurídica.

296
Conclusão

Como já dissemos na introdução desta pesquisa, o objetivo principal desta tese, é


realizar um estudo sobre a manutenção da escravidão em uma vila sul-mineira dedicada
à produção agrícola e pecuária destinadas a abastecer os mercados regionais e
provinciais do centro-sul do Brasil. Sobre este sistema agrário vimos que a escravidão
em Baependi reproduziu-se através elementos presentes nesta localidade. O primeiro
deles foi à presença de uma extrema desigualdade socioeconômica revelada pela
concentração da riqueza na região, onde um diminuto grupo de famílias controlavam
nada menos que 79,3% destes recursos. Esta constatação é um sintoma da incapacidade
da economia sob análise de desconcentrar a riqueza.
Além de controlarem todos os setores da economia local, estas famílias (apenas
18 famílias) detentores de excepcionais riquezas (acima de £ 10.000), aplicavam maior
parte de seus investimentos em escravos e terras (seguindo esta ordem de importância),
ativos que tiveram enorme importância na organização do sistema agrário da região. Ate
onde sabemos, estes bens continuaram a ser valorizado nestas fortunas até abolição da
escravidão, o que significa que muitos senhores optaram em conservar as formas
tradicionais de riqueza.
O conservadorismo destas famílias abastadas era nutrido pelo desejo de
continuarem investindo seus recursos na compra de cativos, pois em se tratando de uma
sociedade agraria e escravista, os escravos eram considerados como o maior símbolo de
distinção entre os indivíduos livres625. Portando, sem querer reduzir a importância de
outros ativos produtivos, não resta duvida que os escravos na Vila Baependi eram o
elemento de maior diferenciação social. Assim, sobre recorte estudado (1830-1888),
podemos concluir que na região havia uma elite que continuava reiterando a
desigualdade socioeconômica entre elas e todos os homens livres a partir da renda
expropriada da mão de obra cativa626. Em outras palavras, uma elite, fomentada por uma
ideia de acumulação de riqueza que colocava à frente dos lucros os lugares sociais que
ocupavam e procuravam reproduzir.
A reiteração da desigualdade socioeconômica entre os homens livres da
localidade pode ser melhor vista no momento em que o sistema agrário da região

625
FINLEY, op. cit., p. 77
626
Idem, 84-85.

297
passava mudanças na virada da primeira para segunda metade do século XIX. Através
dos dados coletados nos inventários, observamos que nesta passagem ocorreu
simultaneamente, a elevação riqueza produzida e um aumento considerável de
inventários sem escravos e terras, todo este processo tornou os afortunados um grupo
mais seleto e consequentemente elevou o numero de pobres na nossa conhecida Vila de
Baependi.
Esta tamanha disparidade tornava ínfimo o peso dos grupos economicamente
intermediário627, assim conclui-se que estamos diante de uma sociedade que tendi a ser
mais polarizada do que dividida em camadas de riquezas. Porém, estes extremos não
eram homogêneos, ricos e pobres eram grupos bastante heterógenos. Entre os mais
abastados havia aqueles com maior prestígio social e politico e detentores de maiores
escravarias. Com relação aos pobres, as diferenças e a hierarquias se multiplicavam
mais ainda, pelo fato de ser o segmento mais amplo e diversificado. Mas o elemento de
maior definição da diversidade destes grupos foi à posse ou não de escravos e terras,
sendo uma das formas mais básicas de definir o nível de suas fortunas e os lugares que
estas pessoas ocupariam nesta sociedade.
Assim, afirma-se que a produção de tal sociedade se assentava na ambiciosa
aquisição desses ativos, não somente pela maximização dos lucros, mas como objetivo
último; a continuidade da hierarquia bastante desigual da época, pois era ela quem dava
sustentação para a economia e, portanto, para a sociedade local.
Como mostramos nesta pesquisa, ter escravos na Vila de Baependi não era um
privilégio apenas dos senhores brancos e afortunados, pois até os mais pobres
inventariados tinha em suas terras ao menos um cativo. Sobre esta premissa, apreciasse
uma importante questão que foi bastante discutida nesta pesquisa; a disseminação da
posse escrava.
Vimos que na região havia grandes planteis escravistas que detinham quase da
metade da população escrava, porém, tiveram que dividir espaços com uma expressiva

627
Estes dados foi observado em varias localidade do Império do Brasil. Ver: FRAGOSO, João. Homens
de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX.
Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. FARINATTI,
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tropeiros e seus negócios do Viamão a Sorocaba (17801810). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2009. (Tese
de Doutorado).

298
quantidade de escravarias que contava com a força de trabalho de 1 a 5 escravos. A
difusão destas propriedades foi um dos indicadores que nos auxilio para observarmos o
grau de comprometimento social dos moradores da Vila de Baependi com a escravidão.
Como havíamos mostrado estes pequenos planteis passaram por algumas
oscilações, na passagem para a segunda metade do XIX tiveram uma pequena queda,
muito em função do aumento do preço dos cativos provocado pelo fim do tráfico
internacional de africanos, mas apesar das mudanças provocadas por este comercio de
almas, estas pequenas escravarias (1-5 escravos) continuavam espalhadas pelo termo de
Baependi.
Ao estudarmos a estrutura de posse revelada pelos assentos de batismo,
observamos que o número de pequenas escravarias se eleva na região, no qual tivemos a
oportunidade de verificar uma miríade de indivíduos, inclusive os forros e libertos,
logrando-se em se tornarem senhores de (poucos) escravos, considerado o elemento
fundador e (re) produtor da hierarquia e da distinção social628.
Certamente estas pessoas que não abriram inventários, mas tiveram alguns dos
seus escravos registrados nos assentos de batismais pelos párocos da região,
provavelmente em algum momento de suas vidas tiveram que abrir mão dos seus
cativos, seja pelo motivo de falecimento, dívidas contraídas ou pela morte de um
escravo, mas apesar destes infortúnios, sempre almejavam em manter um status
senhorial em sociedade comprometida com uma extrema desigualdade social.
Tudo isto, nos faz concluir, que a propriedade escrava em Baependi, signo de
status, ascensão e poder, estavam não só concentrada nas mãos de poucas famílias,
como também difundida, majoritariamente, em pequenas escravarias, sujeitos de poucas
posses, mas, ainda sim, senhores de outros homens. Em outros termos, a diluição da
posse cativa e o comprometimento de amplos setores da sociedade com essa instituição
fez com que a sua longevidade não fosse um interesse exclusivo de um grupo social
especifico, era sobre processo que “residia a sua força” 629.
Outro dado observado nesta pesquisa foi a escolhas de padrinhos para os filhos
dos cativos da região, vimos que estas opções não pareceu oscilarem em mundos
extremos, constatou-se que a maioria dos escravos tiveram pessoas livres como
padrinhos dos seus filhos. Tal predileção nos mostrou dois importantes fatores: um
628
FINLEY, Moses. Escravidão antiga e ideologia moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1991.
629
Para os dados desta realizadade, Cf. SCHWARTZ, Stuart B. Patterns of slaveholding in the Americas:
new evidence from Brazil. American Historical Review, v. 87, n. 1, p. 55-86, Feb. 1982.

299
envolvimento maior com o mundo dos livres do que com os seus parceiros do cativeiro
e uma hierarquia no cativeiro. No primeiro caso os escravos buscavam pessoas
melhores situadas para zelarem pela sua proteção e de seus rebentos, no segundo, os
cativos foram mais seletivos em convidar escravos para tornarem pais espirituais dos
seus rebentos.
Por sua vez, estas escolhas acabavam criando uma forte hierarquia social no
cativeiro, podendo ser vista em vários aspectos: o primeiro consiste no fato de uma
imensa maioria de cativos não terem sidos convidados para apadrinharem crianças na
região, assim deixaram de ter compadres e afilhados a sua volta que lhe enaltecessem na
comunidade escrava. O segundo aspecto desta estratificação, concerne nos cativos que
ao menos uma vez na vida foram chamados para batizar, obtendo um importante recurso
que poderia contribuir para suas projeções na escravidão. O ultimo aspecto, era o que
tornava as relações na senzala mais hierarquizadas, é o fato de ter havido poucos
escravos que compareceram quatro de vezes ou mais como padrinhos nas cerimônias de
batismo da região. Denominamos estes seleto grupo de escravos como “padrinhos
preferenciais”. Portanto, a presença deste diminuto grupo de cativos significou que o
topo da hierarquia social do cativeiro era mais estreito e seleto, ou seja, na região foram
poucos mancipios que conseguiram constituir uma ampla rede de afilhados e
compadres.
A presença destes escravos “campões de batismo” prova também que, as
chamadas “alianças para cima”, onde os pais das crianças se ligavam a pessoas de
prestigio na sociedade, era uma pratica que ocorria entre os escravos, lembremo-nos que
José, Manoel e Antônio, “padrinhos reis” nas senzalas, tinham mobilizados
significativos recursos no cativeiro (um oficio especializado, casamentos, autonomia no
que diz respeito à mobilidade, proximidade com seus senhores e outros da região, etc.)
tornando-se nas comunidades escrava padrinhos de muitos afilhados.
Apesar dos escravos terem adotado diversas estratégias relacionais para se
ascenderem no cativeiro, os laços que estabeleciam com os membros da senzala e com
pessoas de outros segmentos provavelmente eram controlados pelos seus senhores.
Sobre esta prerrogativa, acreditamos que o elevado número de pessoas livres
apadrinhando escravos e uma multidão de cativos que não foram padrinhos seja algo
arquitetado pelos senhores. Além disto, acrescento que estes patriarcas interferiam na
hierarquia social que se estabelecia no cativeiro. Retomando os exemplos de José,
Manoel e Antônio, para alçarem a condição de padrinhos preferencias e se manterem

300
como membros de uma “elite da senzala” tiveram que manter relação de proximidade
com seus senhores, caso não fossem estimados pelos seus donos, talvez não
alcançassem tal patamar. Nesta situação, a mobilidade social intra-cativeiro dependia
em certa medida das ações senhoriais630.
Para continuarem reiterando os seus status senhoriais e administrar os seus
escravos com mais eficiência, os senhores de Baependi tiveram que investir na
produção de aliados no interior do cativeiro, e uma das formas encontradas para
fortalecer estas alianças, foi convidar os seus parentes para serem padrinhos dos seus
cativos, em outras palavras, uma maneira de tornar mais próxima à casa grande da
senzala. Pelo incrível que pareça, os senhores que mais aderiram esta pratica, foram os
que possuíam muitas terras, escravos e detentores das maiores fortunas locais. Como já
havíamos mostrado no primeiro capitulo, esses homens foram os principais
responsáveis em promover uma alta concentração da riqueza e uma extrema
desigualdade socioeconômica na região.
Ao fazerem que seus familiares se tornassem compadres dos seus cativos, os
senhores acabavam fazendo que estes indivíduos se sentissem mais amparados por uma
propriedade senhorial no qual eram membros. Independente se os escravos são
batizados por uma parentela senhorial, os senhores tinha a obrigação garantir mínimo de
proteção a eles, fornecendo-lhe alimentação, moradia e vestuário. Mas na região em
estudos, os senhores (donos de grandes planteis) acharam necessário em tornar mais
fortalecidas as suas relações paternalistas com seus cativos, e apadrinha-los ou convidar
parentes para exerce este papel tornava estes laços mais sólidos.
Pelo visto estas iniciativas foram bastante eficazes, pois permitiu aos senhores
que governassem com certa tranquilidade as suas escravarias até abolição do sistema
escravidão. Além disto, evitaram que ocorressem em suas fazendas possíveis rebeliões
escravas e atentados contra sua pessoa e seus familiares. Como já havíamos dito, foram
raros os crimes de escravos contra senhores na região. Portanto, inserir os seus cativos
numa comunidade cristã e entrosa-los em seus esquemas familiares foi uma forma de se
prevenir de possíveis ataques vindos das suas senzalas.
Os senhores ao tornarem seus cativos compadres e afilhados dos seus familiares,
estrategicamente depositavam em suas senzalas (que já eram bastante hierarquizadas)

630
Diante destas ações faremos referencia aos estudos sobre a racionalidade e estratégia devolvidos por
Fredrik Barth e Giovanni Levi.

301
mais elementos de distinção entre os escravos, pois aqueles que foram apadrinhados
pelos membros da casa grande, provavelmente se diferenciavam de outros escravos que
não tiveram seus filhos batizados por estes indivíduos. Além do mais, em se tratando de
senzalas onde poucos escravos tiveram a chance apadrinhar crianças na região,
certamente os senhores souberam utilizar destes recursos para garantir a manutenção
dos seus planteis. Portando, o principal objetivo era individualiza-los para melhor
governa-los, e a partir da renda expropriada desta mão de obra se ascenderem
socialmente sobre seus pares livres631.
Diante destas praticas senhorias, achamos complicado entender como se
reproduzia a escravidão através dos manuais produzidos pelas elites senhoriais do
sudeste principalmente, como sugere Rafael Marqueses. Pois acreditamos que o
governo dos escravos era algo multifacetado, variando de uma região do Império
Brasileiro para outra, talvez seja preciso estar atento um complexo regional no qual a
escravidão oitocentista estava inserida.
Nesta pesquisa fizemos um estudo comparativo mostrando como eram distintas
as demografias escravas das respectivas regiões estudadas por Manolo Florentino e José
Roberto Góes e outra por Cacilda Machados, nisto, vimos que em ambas as localidades
as relações entre senhores e escravos se deram de forma diferente. Baependi sendo uma
região que conjugava os fatores demográficos destas localidades (tráfico negreiro e
reprodução natural), as relações paternalistas foram construídas em outros moldes, no
qual a produção de aliados no cativeiro intermediado pelo compadrio permitiu aos
senhores Baependienses que governassem suas escravarias com maior êxito até fim da
escravidão.
Sobre este dado e outros que analisamos (como a mobilidade e a hierarquia intra-
cativeiro) nesta pesquisa talvez esteja à resposta para a pergunta do por que os escravos
no Brasil permaneceram relutantes em sacudir a inercia das estruturas sociais da ordem
escravista, em outras palavras, por que se recusaram em fazer uma revolução social,
abolindo o cativeiro e construindo uma sociedade mais justa e igualitária632. Na

631
Como assinalou Moses Finley, um tipo de sociedade escravista que uma produz uma diferenciação
social entre os livres, pois as distinções entre senhores e escravos era algo inato desta sociedade. Ver:
FINLEY, Moses I. Escravidão Antiga e Ideologia Moderna. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Graal, 1991.
632
FRAGOSO, João. Prefácio. In: GUEDES, Roberto. Egressos do Cativeiro: trabalho, família e
mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c.1798 - c.1850). Rio de Janeiro: Mauad X; FAPERJ, 2008, p.
15.

302
verdade estejam aqui os “padrões socioculturais” que não permitiram o avanço destas
mudanças radicais.

303
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 Lista Nominativa de São José do Favacho.
 Lista Nominativa de São Tomé das Letras.
 Lista Nominativa da Freguesia do Capivary.
 Lista Nominativa da Freguesia de Pouso Alto.
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 Registros Paroquiais de Batismo (1830-1888).


 Registros Paroquiais de Casamentos (1830-1888).
 Registros Paroquiais de Óbitos (1830-1888).

Livros paroquias consultados na plataforam Digital do Family Seaech.

 Registros Paroquiais de Batismo (1830-1888).


 Registros Paroquiais de Óbitos (1830-1888).

Arquivo Publico Mineiro


Mapa de População.
 Distrito de são José do Favacho, termo de santa Maria do Baependi. microfilme:
MP: rolo-07/flash 01

 Curato do Turvo, Termo de santa Maria de Baependi. Microfilme: MP rolo-


07/flash 01

 Capela de são Vicente, Freguesia de Aiuruoca, Termo de Santa Maria do


Baependi. mp-cx.13-doc.08

 Capela dos Serranos, termo de Santa Maria do Baependi. MP-cx.13-doc.07.

304
Relatórios da presidência de Província de Minas Gerais.

 Correspondência expedida pela Diretoria de Instrução Pública ao Presidente da


Província (registro). 1871
 Correspondência expedida pela Inspetoria Geral da Instrução Pública à Fazenda
Provincial.
 Diretoria Geral de Instrução Pública (1827-1859), Agência Geral de Instrução
Púb, 1818-1899.

 “Criação de vilas no período colonial”, v.1, f. 3, pp. 427-441, 1896.

Arquivo Histórico da Cidade de Baependi.


 Processos criminais da Vila de Santa Maria do Baependi (1830-1888).

AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto


do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei.

 Inventários port-mortem da Vila de Santa Maria do Baependi, 1820-1888.


 Processos criminais Vila de Santa Maria do Baependi, 1830-1888.

Biblioteca Nacional (BN)


Periódicos633:
O Baependiano.
Ecos de Baependi.
O patriota.
Amor ao progresso - 1876 (1.0 jornais de Baependi).

633
Foram várias as publicações iniciadas no município, porem, só conseguimos poucos números mais
atuais, bem como a relação de todos os Jornais que existiram. A presente relação foi extraída do livro
Baependí, escrito por José Wilson Serva, quando das ":0memorações do 1.0 Centenário de elevação de
Baependí à condições de Cidade.

305
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dos-imigrantes-europeus/lei-de-1831.

Lei número 581, de 4 de setembro de 1850 – Lei Eusébio de Queirós. In:


http://www.prr1.mpf.gov.br/nucleos/nucleo_criminal/trabalho_escravo_indigena/doutri
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ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII.
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321
Na escravaria do Tenente Coronel Joaquim Inácio de Melo e Souza, o escravo Benedito
foi quem mais apadrinhou criança, ao todo compareceu em 6 cerimonias de batismo
como padrinho dos inocentes cativos. Pelo visto esta propriedade escravista era bastante
estratifica na região, pois quase todos os cativos batizados nesta unidade receberam
como tutores espirituais nas pias batismais pessoas livres.

APENAS TRES ESCRAVAS DE JOAQUIM INACIO FORAM MADRINHAS:


CARLOTA AO LADO DE JOAQUIM COMO PADRINHOS, TAMBEM ESCRAVO
DO TEM. JOAQUIM INACIO APADRINHARAM UMA CRIANÇA NA
ESCRAVARIA DO JOSE INACIO DE CARVALHO.

322
Ano Batizados Pais Mães Padrinhos Títulos dos padrinhos

Padrinhos dos escravos do Coronel Joaquim Inácio de Melo de Souza

323
1834 Maria Joaquim Jacinta Matias Tomaz de Castro -
(Preto) (preta)

1837 Francisco Joaquim Jacinta (preta) Antônio Inácio de Melo e Souza Senhor de escravo
Manoel (Preto)
1849 Salvador Vitória José Garcia de oliveira -
(preto)

1851 Sebastião Maria Luiz Fernandes da costa Guimaraes Negociante


(pardo) (crioula)

1856 Manoel Francisca Joaquim Inácio de Melo e Souza Promotor Publico


(parda) Júnior

1859 Rita Francelina José Inácio de Carvalho Cavalheiro da Ordem de


(Parda e Cristo
Doceira)
1866 Filomena Maria Joaquim Fernandes da Costa Capitão e doutor
Guimaraes
1869 Joana Paulina Joaquim Fernandes da Costa Capitão e Doutor
(parda) Guimaraes
1873 Barbara Francisca Antônio Rodrigues Viotti Doutor
(parda)
1873 Eugenia Maria Antônio José de Seixas Junior Comerciante
(preto) (preta)
1873 Honoria Paulina Tarcísio Pereira de Noronha -
(preto) (parda)
1874 José Francisca Antônio Rodrigues Viotti Doutor
(parda)
1874 Inácio Pedro Maria Florência Antônio José de Seixas Júnior Comerciante
(preto) (Cozinheira)

Fonte: Assento de paroquial de batismo da Vila Santa Maria do Baependi, 1830-1888.

324
ANEXOS

Anexo 1

Inventariados da Vila de Santa Maria do Baependi.

INVENTÁRIADOS ANO CAIXA


Pereira, Antônio Gouveia. 1803 1
CONCEIÇÃO. José de Seixas 1819 1
COSTA, Felícia da. 1819 1
GUSMAO, Inácio Xavier . 1819 1
NEVES, Clementina Celestina. 1820 1
SANTOS, Pio Roiz. 1820 1
JESUS, Tereza Maria. 1820 1
ROSA, Francisco Nunes. 1820 1
MARCARENHA, Jose Monteiro. 1820 1
CUNHA, Francisco Pereira. 1820 1
ARAUJO, Maria Tereza de. 1821 1
PUGAS, Jose Roiz. 1821 2
SOUZA, Eugênio Rodrigues. 1821 2
PROENÇA, José Dias. 1821 2
SOUZA, Eugenia Rodrigues. 1821 2
OLIVEIRA, Francisco Lemes de. 1822 2
CARVALHO, Gregório Ribeiro de. 1823 2
SILVERIA , Florência Maria Angélica da. 1824 2
FREIRE, Francisco Roiz 1824 2
OLIVEIRA, Ângelo Bento. 1824 2
SILVA, Manoel Leite 1824 2
VIEIRAM, Leocádia Francisca. 1825 2
Fonseca, Maria Josefa da. 1825 2
BERNANDES, Maria 1825 3
LIMA, TOMÉ MOREIRA. 1825 3
LIMA,TOME MOREIRA 1825 3
RIBEIRO, Custodia Maria. 1825 3
MACEDO, José Joaquim de. 1826 3
RIBEIRO, Tristão Antônio. 1826 3
FONSECA, Francisco Xavier. 1826 3
JESUS, Ana Maria. 1827 3
MARIA CUSTODIA DE JESUS 1827 3
SILVA, MARIA GOMES. 1827 3
PAES, João da silva 1827 3

325
CASTILHO, Ana Bernarda. 1827 3
JESUS, Catarina Maria de. 1828 3
MAGALHÃES, Delfina Citrina de Albuquerque. 1828 3
JESUS, Claudiane Antônia 1829 3
MAGALHÃES, Antônio Pereira. 1829 3
JESUS, Bernarda Maria de. 1829 3
SOUZA, Antônio Francisco de. 1829 4
CAMARGOS, Ana Francisca de. 1830 4
GUIMARÃES, Maria Soares. 1830 4
MACEDO, Custódio Pereira de. 1830 4
SÃO JOSÉ, Ana Flora de. 1830 4
SÃO JOSÉ, Ana Flora de. 1830 4
ASSUNÇÃO, Ana Zeferina da. 1830 4
NASCIMENTO, José Dias do. 1831 4
CARDOSO, José de Faria. 1831 4
MARIA, JULIA 1832 4
ROSÁRIO, Bernarda Francisca do. 1832 4
MACIEL, Vicente Ferreira. 1832 4
SOUZA, João da Costa e. 1832 4
CUSTODIA MARIA RIBEIRO 1832 4
SILVA, Genoveva Ribeiro da. 1832 4
PEREIRA, Manoel Francisco. 1833 4
FREIRE, Ana de Meireles. 1833 4
NOGUEIRA, Custódia Maria. 1833 5
FARIA, Joana Clementina de. 1834 5
OLIVEIRA, Antônio Marques de. 1834 5
JESUS, Teodora Josefa de. 1834 5
NASCIMENTO, Joaquim Manoel do. 1834 5
JESUS, Mariana Delfina de 1834 5
SANDES, Luiz Ignácio. 1834 5
ROQUE, Manoel Pereira dos Santos. 1835 5
MESQUITA, José Pereira Ramos de. 1835 5
SOBREIRO, João Alves. 1835 5
LANDIM, Matilde Correa de Souza. 1835 6
SOBREIRO, José Ignácio. 1836 6
CHAVES, Domingos Dias. 1836 6
FREITAS, José Fernandes de. 1836 6
SILVERIA, Maria 1836 6
XAVIER, Emerenciana Inácia. 1837 6
SOBREIRO, José Ignácio. 1837 6
SANTOS, Ana Pereira dos. 1837 6
SILVA, Antônio Manoel de Campos e. 1837 6
BONSUCESSO, Maria Joaquina do. 1837 6

326
NOGUEIRA, Mariana Cezarina. 1837 6
SILVA, José Carvalho da. 1838 7
VIANA, João Marcelino. 1838 7
PINTO, Dominicano Pereira. 1838 7
CASTILHO, Manuela Iria de. 1839 7
GOMES, Manoel Martins. 1839 7
SILVA, Claudina Maria da Fonseca 1839 7
MACIEL, Catarina Antônia. 1839 7
GONÇALVES, Antônio Luís. 1839 7
GUEDES, Antônio Luiz. 1839 7
SILVA, Tomé Antônio da, e. 1840 7
JESUS, Ana Margarida de, e. 1840 7
SILVA, Esméria Ribeira da. 1840 7
SIMOES, Baltazar Rodrigues. 1840 8
SOUZA, João Pinto de. 1840 8
GOUVEA, Maria Batista. 1840 8
NOGUEIRA, Ana Tereza. 1841 8
VALIM, Antônio Gonçalves. 1841 8
JESUS, Emerenciana Maria de. 1841 8
SÁ, Ana Tereza Nogueira de. 1841 8
GUIMARÃES, Bernardo José Fernandes. 1841 8
MELO, Francisco José de. 1841 8
LUZ, Maria Ribeira da. 1842 8
GRAVI, Joaquim 1842 8
CONCEIÇÃO, Lauriana Maria da. 1843 8
MAIA, Antônio José. 1843 8
SILVA, Joaquim Pereira da. 1843 8
SILVA, João Pereira da. 1843 8
SILVA, Joaquim Ferreira da. 1843 9
JESUS, Gertrudes Maria de. 1843 9
NASCIMENTO, Mariana Mendes do. 1843 9
SILVA, JOAQUIMA TEXEIRA DA. 1843 9
ARANTES, Helena Marques de. 1844 9
SILVA, Joaquim José da. 1844 9
Maria Joaquina. 1844 9
PRUDENTE, Pedro Antônio, e. 1844 9
OLIVEIRA, Bernardo Gomes de. 1844 9
BRANQUINHO, José Justiniano. 1844 9
PEREIRA, Antônio Daniel. 1845 9
Ramos, Francisca de Paula. 1845 9
VIANA, Joaquim 1845 10
COSTA, Domiciano Cláudio da. 1845 10
ESPÍRITO SANTO, Maria Alves do. 1845 10

327
JESUS, Maria Josefa de. 1845 10
PINTO, Manoel Antônio Pereira. 1845 10
RABELO, Manoel Carlos. 1845 10
CARVALHO, Maria Gomes de. 1845 10
FARIA, Joaquim Antônio de. 1845 10
SOUZA, Tomé Francisco de. 1845 10
MELO, Francisco Ignácio de. 1845 10
ALMEIDA, Tereza Correia de. 1845 10
BRÁS, Benedito Correia. 1845 11
CÂNDIDA, Ana Hipólita. 1845 11
CONCEIÇÃO, Maria Silvéria da 1845 11
CRUZ, Joaquim Rodrigues da. 1845 11
COELHO, Manoel Teixeira. 1846 11
JESUS, Francisca Maria de. 1846 11
JESUS, Margarida da Fonseca. 1846 11
MARTINS, Francisco Xavier. 1846 11
SILVA, Francisco Moreira da. 1846 11
BARBOSA, José Ramos. 1846 11
GOUVEA, José Inácio 1846 11
COSTA, Ignácio Ferreira da. 1846 12
CARVALHO, Manoel Ribeiro de. 1846 12
NASCIMENTO, Francisca de Paula. 1846 12
JESUS, Jacinta Maria de. 1847 12
ALMEIDA, Francisca Lobo de. 1847 12
JESUS, Maria Fernandes de. 1847 12
SANTOS, Geraldo Maurício dos. 1847 12
CONCEIÇÃO, Teodora Maria. 1847 12
JESUS, Maria Ignácia de. 1847 12
CABRAL, José de Arruda. 1847 12
BARROS, Felisberto Rodrigues da Cunha. 1847 12
JESUS, Mariana Antônia de. 1847 12
JESUS, Mariana Antônia de. 1847 12
VILARINHO, João Ferreira. 1847 13
SANTOS, Custodia Maria dos. 1847 13
DUARTE, Antônio Joaquim. 1847 13
ESPÍRITO SANTO, Maria Josefa do. 1847 13
Mariano Antônio ( Alferes e cigano ) 1847 13
SOUZA, Antônio Lopes. 1848 13
JESUS, Maria Delfina de. 1848 13
JESUS, Mariana Inocência de. 1848 13
JESUS, Maria Justina. 1848 13
JESUS, Mariana Marcelina de. 1848 13
ASSIS, FRANCISCA RIBEIRO DE. 1848 13

328
CASTRO, Bento Dias de. 1848 14
CARVALHO, Manoel Francisco de. 1848 14
CARVALHO, Manoel José de, 1848 14
FERREIRA, Mateus. 1848 14
JESUS, Mariana Inácia de. 1848 14
NASCIMENTO, Maria Luciana do. 1848 14
OLIVEIRA, Francisco Garcia de. 1848 14
PEREIRA, Antônio. 1848 14
COSTA, Carlos Jose. 1849 14
SILVA, Joaquim Correia da. 1849 14
COBRA, Antônio Gomes Nogueira. 1849 14
CAROLINA, TEODORA 1849 14
ESPÍRITO SANTO, Mariana Jesuína do. 1849 14
PENHA, João Goncalves 1849 15
NOGUEIRA, Maria Silveira. 1849 15
SILVS, Inácio de Loyola e. 1849 15
NOGUEIRA, Afonso Gomes. 1849 15
PAULA, Joaquim Bueno de. 1849 15
BRITO, Joaquim José de. 1850 15
JESUS, Catarina Maria de. 1850 15
RIBEIRO, Manoel Pinto. 1850 15
CARVALHO, Ana Joaquina de. 1850 15
SILVA, Joaquim Pedro da. 1850 15
RIBEIRO, Jose de Freita. 1850 15
NASCIMENTO, Ana Tereza do. 1850 15
ARAÚJO, Serafim de Medeiros e. 1851 15
CONCEIÇÃO, Maria Joaquina da. 1851 15
JESUS, Jacinta Clementina de. 1851 16
RIBEIRO, Francisca Delminda. 1851 16
RODRIGUES, Maria Francisca 1851 16
PEREIRA, Joaquim José. 1852 16
ENOUT, Nicolao Magloire , 1852 16
PENHA, Jose Goncalves. 1852 16
ENOUT, Mariana Cezarina de Meireles. 1852 16
JESUS, Claudiana Frauzina de. 1853 16
ASSUNÇÃO, Gertrudes Teodora da 1853 16
VIEIRA, José Joaquim 1853 16
BRASILINA, Helena Áurea. 1853 16
JESUS, Angélica Maria de. 1853 16
PIRES, José Joaquim 1853 16
GARCIA, José Silvério. 1853 16
SILVA, Manoel de Carvalho 1853 16
SILVA, Alberto Monteiro da. 1854 16

329
SILVA, Silverio Ribeiro 1854 17
RIBEIRO, Antonio José. 1854 17
JESUS, MARIA CUSTODIA DE. 1854 17
MELO, Dâmazo Pereira e. 1854 17
MARFISA, Maria 1854 17
SÁ, José Ignácio Nogueira de. 1854 17
CUNHA, Inocêncio José da. 1854 17
PILAR, Manoel Antônio do. 1855 17
MONTEIRO, Francisco Jose. 1855 17
PRUDENTE, Felicíssimo Jose. 1855 17
CONCEIÇÃO, Rosa Teodora da. 1855 17
MELO, Antônio Ignácio de. 1855 17
SILVA, Antônio Jose. 1855 17
CASTRO, Joaquim de Oliveira. 1855 17
GARCIA, Gabriel Alves. 1855 17
PINTO, Francisco Pereira. 1855 17
SILVA, José Moreira da. 1855 18
MELO, José Alves Pereira e. 1855 18
SÃO JOSÉ, Angélica Honório. 1855 18
ESPÍRITO SANTO, Isabel Maria do. 1855 18
SÃO JOSÉ, Angélica Honório de. 1855 18
MACIEL, José Bernardes. 1856 18
PACHECO, Manoel Alves de Alvarenga. 1856 18
DIAS, Francisco de Paula. 1856 18
MEREILES, Francisco de Paula. 1856 18
MACIEL, Lourenço Domingues. 1856 18
NOGUEIRA, Inácia Teodora. 1857 18
PEREIRA, Manoel Marcelino. 1857 18
FREIRE, Joao Batista. 1857 18
LEMES, Joao de Souza. 1857 18
NOGUEIRA, Ana Zeferina. 1857 18
PEREIRA, Manoel Marcelino. 1857 18
SOUZA, Justino José de. 1857 18
SÃO JOSÉ, Ana Zeferina de. 1858 19
JESUS, Antônia Maria de. 1858 19
CARVALHO, Manoel Gabriel de. 1858 19
SILVA, João Ferreira da. 1858 19
BRITO, Antônio José de. 1858 19
JESUS, Ana Custódia de. 1859 19
RABELO, Tomázia de Seixas. 1859 19
MAIA, Francisco Xavier. 1859 19
VIEIRA, Policena Maria. 1859 19
CARVALHO, Ana Silveira de. 1859 19

330
NOGUEIRA, José Carlos. 1859 19
ESPÍRITO SANTO, Ana Cândida do. 1859 19
ESPIRITO SANTOS, Frauzina Claudina 1860 19
Flauzina. 1860 19
CARVALHO, Ignez Gomes de. 1860 19
RODRIGUES, Maria Claudina. 1860 20
TAVEIRA, Manoel Alves. 1860 20
RIBEIRO, Joana Tereza. 1860 20
CAMPOS, João Silvério Batista. 1861 20
CONCEIÇÃO, Francisca Maria da. 1861 20
SANTOS, Pio Rodrigues dos. 1861 20
MACHADO, Nazária da Silva. 1861 20
JESUS, Genoveva Ribeiro de. 1861 20
CUNHA, Luiza Leocádia da. 1861 20
CUNHA, Luiza Leocadia da. 1861 20
SILVA, Ignácia Carolina Fortes. 1861 20
SOUZA, Antônio Ignácio de Melo e. 1861 20
SOUZA, JOSE PINTO 1862 20
NOGUEIRA, José Custódio. 1862 20
CORREA, João Teodoro. 1862 20
CASTRO, Antônio de Oliveira. 1862 20
ANJOS, Maria Ribeiro dos. 1862 21
CARVALHO, José Martins de. 1862 21
CARVALHO, Vitória Ribeiro de. 1862 21
BRITO, Antônio José de. 1862 21
ESPÍRITO SANTO, Carlota Maria do. 1862 21
JESUS, Maria Domiciana de. 1862 21
LUZ, Joaquim Silvério da. ( 1863 21
SOUZA, José Pinto de. 1863 21
TAVEIRA, José Alves. 1863 21
FARIA, José Augusto de. 1863 22
NOGUEIRA, João Ribeiro. 1863 22
COSTA, João 1863 22
Souza, Ana Inacia de 1864 22
PINTO, Antônio Pereira. 1864 22
São Jose, Avelina Pereira 1864 22
SOUZA, Genoveva Antônia de. 1864 22
JESUS, Joaquina Maria de. 1864 22
SILVA, Antônio Ribeiro. 1864 22
JESUS, Ana Maria de. 1864 22
PAIVA, Pedro Jose. 1864 22
GUSMÃO, Margarida Francisca 1864 22
ANDRADE, Miguel José de. 1864 22

331
SOUZA, Vicência Umbelina de. 1864 23
MELO, Miguelina Aguida da Conceição. 1864 23
SANTANA, Inacio José 1864 23
Fonseca, Carlos Narciso da, 1864 23
SILVA, José João da. 1865 23
FERREIRA, José Eugenio 1865 23
PINTO, João de Souza. 1865 23
ALVES, Jose Justino. 1865 23
SOUZA, Barbara Umbelina de. 1865 23
FARIA, José Augusto de. 1865 23
RIBEIRO, João Pinto. 1865 23
JESUS, MARIA LUIZA DE. 1865 23
OLIVEIRA, Tomé Francisco de. 1865 23
NOGUEIRA, Feliciana Mathildes. 1865 24
BENETIDA, Maria do Carmo. 1865 24
CABRAL, Bento Diogo Leite. 1865 24
CARVALHO, Floriano Dias de. 1866 24
FERREIRA, Luiz Marques. 1866 24
SILVEIRA, Ana Gomes da. 1866 24
GOMES, Manoel Ferreira. 1866 24
PAIVA, João Antônio de. 1866 24
REIS, Jerônimo Fernandes dos. 1866 24
COSTA, Helena Cândida da. 1866 24
CARMO, Joaquim Gomes. 1866 24
FABER, Nicolão 1866 24
Oliveira, Maria do Carmo de. 1866 24
GUIMARÃES, João Batista. 1867 24
OLIVEIRA, Jose Garcia. 1867 24
TEXEIRA, José Francisco. 1867 25
CONCEIÇÃO, Miguelina Águida da. 1867 25
JESUS, Ana Ribeiro de. 1867 25
ANDRADE, Maria Nazaré de. 1867 25
NASCIMENTO, João Pedro. 1867 25
CARVALHO, Vicente Rodrigues. 1867 25
SILVA, Antônio Machado da, 1867 25
LUZ, José Ribeiro. 1867 25
SILVA, Teodoro Carlos da. 1867 25
FARIA, Ana Antônia. 1867 25
NOGUEIRA, Domiciano Ribeiro. 1867 25
NOGUEIRA, Francisco Antônio. 1867 25
PRADO, Manoel Rodrigues do , e. 1867 25
GONÇALVES, José Domingues. 1868 25
FONSECA, João Batista da. 1868 25

332
LEOPOLDINA, Cândida Lina. 1868 26
NOGUEIRA, Francisco Ribeiro. 1868 26
PAULA, Francisco Antônio de. 1869 26
Lamim, Francisco de Paula. 1869 26
GUIMARÃES, José Correia. 1869 26
COSTA, Antônio Felisberto da. 1869 26
BRANDÃO, Vicente Soares. 1869 26
JESUS, Helena Maria de. 1869 26
SILVA, José da Costa. 1869 26
PEREIRA, Manoel Antônio. 1869 26
JESUS, Delfina Maria de. (Dona) 1869 26
NASCIMENTO, Francisca Maria do. 1869 26
Brígida. 1870 26
SILVA, Francisco Gonçalves da. 1870 26
RESENDE, José da Costa. 1870 26
JESUS, Brígida Maria de. 1870 26
OLIVEIRA, Tereza Joaquina de. 1870 26
NOGUEIRA, Custódia Balbina. 1870 27
ALVARENGA, Tristão Antônio de 1870 27
CARDOSO, Joaquim Rodrigues. 1870 27
CONCEIÇÃO, Ana Joaquina da. 1870 27
CHAVES, José Ferreira. 1871 27
JESUS, Ana Marcelina de. 1871 27
ALVES, Manoel Joaquim. 1871 27
RODRIGUES, Francisco José de Souza. 1871 27
JESUS, Ana Francisca de. 1872 27
PAIVA, Joaquim Severino de. 1872 27
Rocha, Antônio Francisco. 1872 27
SIMÕES, Francisco José de Carvalho. 1872 27
PENA, Gervásio José Ferreira. 1872 27
BARBOSA, Francisco Pinto. 1873 27
SILVA, Antônio Ferreira da. 1873 27
JESUS, Ana Francisca de. 1873 27
SÁ, Joaquim Carlos Nogueira de. 1873 27
JUNQUEIRA, Mariana Vitória de Andrade. 1873 28
JUNQUEIRA, Maria Ribeiro de Andrade. 1873 28
CARVALHO, Ana Claudina de. 1874 28
GÓIS, José Gonçalves de. 1874 28
ROCHA, Ana Marcelina da. 1874 28
COSTA, Gabriel Francisco da. 1874 28
MACIEL, Francisco Antônio. 1874 28
PAES, Joaquim da Silva. 1874 28
CATÃO, Olímpia Rosalina de Guimarães. 1875 28

333
FERREIRA, Ana Izabel. 1875 28
CATÃO, Olímpia Rosalina Guimaraes, 1875 28
CONCEIÇÃO, Cândida Maria da. 1875 28
JESUS, Helena Ana de. 1875 28
SOUZA, Joaquim Inácio Melo e. 1875 28
GUERRA, João Evangelista de Souza. 1875 28
PEREIRA, Guilherme José. 1875 28
ALMEIDA, Tomáz Batista Pinto de. (DOUTOR) 1875 29
NASCIMENTO, Rita Flausina do. 1875 29
GUIMARÃES, Joaquim Fernandes da Costa. 1876 29
ANDRADE, Joaquim José de. 1876 29
CATARINA, MARIA (PARDA) 1876 29
PAULA, Mariana Carolina de. 1876 29
PEREIRA, Joaquim Roberto. 1876 29
JESUS, Mariana Silvéria de. 1876 29
JESUS, Maria Gabriela de. 1877 29
ANUNCIAÇÃO, Emerenciana Cândida da. 1877 29
SOBRINHO, Jose Joaquim Bernardes. 1878 29
CARMO, Maria 1878 29
MACEDO, José Joaquim de. 1878 29
SILVA, Maria Francisca. 1878 29
SANTOS, Manoel Antônio dos. 1878 29
SILVA, Maria Francisca. 1878 29
SILVA, Manoel Ferreira da. 1878 30
MARCELINO, Manoel Inacio 1878 30
SOUZA, José Faustino 1878 30
ROCHA, Paulino Carlos da. 1878 30
Alves, Mariana Justina. 1878 30
BARROS, Domiciano Pereira. 1878 30
PENHA, José Pinto Ribeiro. 1878 30
ANDRADE, Honória Zeferina de. 1878 30
CASSIA, Veronica Umbelina. 1878 30
CARVALHO, Marcelina Vieira. 1878 30
FREITAS. Bernarbe Pereira 1878 30
JESUS, Ana Antonia de. 1878 30
JESUS, Maria Candida de 1878 30
LOPES, Manoel Ignácio. 1878 30
CARMO,Maria. 1878 30
SILVA, Maria Francisca da. 1878 30
SOUZA, Joaquim Custodio. 1878 30
FERREIRA, José Joaquim. 1879 30
SOUZA, Ana Rosa de. 1879 31
TAVEIRA, João Alves. 1879 31

334
MACIEL, Custódio Fernandes. 1879 31
TORRES, Luiz. 1879 31
FARIA, Ana Josefa de. 1880 31
MELO, Francisco Antônio de Carvalho e. 1880 31
OLIVIEIRA, Ana Delfina de. 1880 31
JESUS, Umbelina Generosa de. 1880 31
PEREIRA, Tereza Cândida. 1880 31
ANDRADE, José Penha de. 1880 31
FERREIRA, Antônio Marcelino. 1880 31
FARIA, Francisco de Paula 1880 31
JUNQUEIRA, Helena Nicésia 1880 31
SOUZA, Maria Candida de. 1880 31
SOUZA, Carolina Angélica de. 1881 31
JUNQUEIRA, MARIA AUTA SILVA. 1881 31
PENA, José Leôncio de Andrade. 1881 32
JESUS, Cândida Carolina de. 1881 32
JUNQUEIRA, JOSE FRAUZINO. 1881 32
JUNQUEIRA, Antônio Taxardo da Costa. 1881 32
ABREU JÚNIOR, João Coelho de. 1881 32
JESUS, Maria Tereza. 1881 32
MAIA, João Ribeiro. 1881 32
CORREA, Zeferino José. 1881 32
CONCEIÇÃO, Vicência Maria da. 1882 32
PEREIRA, Júlia Cândida das Dores. 1882 32
RIBEIRO, MANOEL JOSE 1882 32
ALVARENGA, Barbara Maria 1882 32
GUIMARÃES, Antonio Fernandes da Costa. 1882 32
Nascimento, Helena Maria do. 1882 32
NOGUEIRA, Benevinta Mendes. 1882 32
RIBEIRO, Joaquina Cândida. 1882 32
SANTOS, Joaquim Gonçalves dos. 1882 33
SOUZA, Joaquim Vieira de. 1882 33
SOUZA, Maria Silvéria de. 1883 33
NOGUEIRA, Mariana Cândida. 1883 33
CARVALHO, Antonio Tolentino de. 1883 33
JESUS, Frauzina Cândida de. 1883 33
CATÃO, Rita de Cássia. 1883 33
CONCEICAO, Manoela Candida da. 1883 33
GOMES, Calixto. 1883 33
NOGUEIRA, Rita de Cássia. 1883 33
OLIVEIRA, Lourenço Teixeira 1883 33
ALMEIDA, Constança Nogueira de. 1884 33
CORREA, Luiz José. 1884 33

335
SANTOS, Claudina Constancia dos. 1884 33
JESUS, Ana Maria de. 1884 33
Rocha, Francisco Carlos. 1884 33
NOGUEIRA, Mariana do Carmo. 1884 33
RIBEIRO, Antonio Pinto. (CAP) 1884 33
RESENDE, MANOEL FELICISSIO DE. 1884 34
CASTRO, Joaquim Dias de. 1884 34
JESUS, Mariana Cândida. 1884 34
MACIEL, Antônio Fernandes. 1884 34
PEREIRA, Daniel Antônio. 1884 34
PINHEIRO, José Álvaro. 1885 34
SILVA, Clara Esméria da. 1885 34
JESUS, Rita Maria de. 1885 34
NOGUEIRA, Salviano Ribeiro. 1885 34
PINTO, Francisco da Silva. 1885 34
RIBEIRO, Maria Inácia. 1885 34
COSTA, Feliciano Luiz da. 1885 34
COBRA, Luiz Joaquim Nogueira de Meireles. 1885 34
JESUS, Vitoria Cândida de. 1885 34
JUNQUEIRA, Antônio Taxardo da Costa. 1885 34
CONCEICAO, MARIA PEREIRA. 1885 34
JESUS, PRUDENCIANA ANTONIA DE. 1885 34
MACIEL, Manoel Thomaz. 1885 35
NASCIMENTO, Maria Luiza do 1885 35
NATIVIDADE, Inácia Maria da. 1885 35
PEREIRA, Maria Euzebia. 1885 35
RIBEIRO, Miguel Francisco. 1885 35
SILVA, Cassiano Correia da. 1885 35
SOUZA, Ana Clementina. 1885 35
SOUZA, José Ferreira de. 1885 35
CONCIECAO, RITA MARIA DA. 1886 35
Caldeira, Filomena Silveira. 1886 35
NOGUEIRA, Joaquim Francisco. 1886 35
DIAS, Francisco Garcia de Oliveira. 1886 35
VARGAS, Francisco da Pena. 1886 35
SIQUEIRA, Francisca Honória de. 1886 35
ABREU, João Coelho de. 1886 35
Alves, Joao de Souza. 1886 35
CORREA, Egídio Quirino. 1886 35
Jesus, Veronica Maria de. 1886 35
ROCHA, Joaquim de Souza. 1886 36
JESUS, Silveria Cândida 1887 36
JESUS, Silveira Cândida de. 1887 36

336
Valim, Joao Goncalves. 1887 36
GONCALVES, Tomaz Moreira. 1887 36
BRASILINA, Generosa Áurea. 1887 36
SILVA, Bernardino Jose da. 1887 36
COSTA, Antônio Joaquim. 1887 36
ANDRADE, Gabriel Teophilo de. 1887 36
OLIVEIRA, Antônio Francisco. 1887 36
CHAGAS, Tomé Francisco das. 1887 36
FERNANDES, José Martins. 1887 36
OLIVEIRA, Acácio Antônio de. 1887 36
RIBEIRO, Rosaria Maria. 1887 36
TEIXEIRA, João de Medeiros. 1887 36
JESUS, Ana Cândida de. 1888 37
MATOS, João Ribeiro de, e. 1888 37
PINTO, Joaquim Alves Taveira. 1888 37
REIS, Antônio Fernandes dos. 1888 37

337
ANEXO 2

A presença de Bens Rurais e Urbanos na Vila de Baependi, 1820-1888.

RURAIS
URBANOS

1820
1830
1840
1850
1860
1870
1880

ANEXO 3

Avaliaçao dos bens rurais inventariados da Vila de Santa Maria de Baependi, 1820-
1880.

Avaliaçao dos bens urbanos inventariados da Vila de Santa Maria de Baependi,


1820-1880.

1820
1830
1840
1850
1860
1870
1880-88

1820 1830
1840 338
1850
1860
1870
1880-88
ANEXO 4

Evolução dos bens agrarios inventáriados - Baependi 1820-1888

70
60

50
40
30
20 BENFEITORIAS

10
0 CASAS DE VIVENDA

1820 1830 1840 1850 TERRAS DE


1860 CULTURA E CRIAR
1870
1880-88

ANEXO 5

Distribuição das propriedades escravistas de acordo com os níveis de fortunas


inventariadas - Vila de Baependi, 1820-1888.

1-5 6-10 11-20 Acima de 41


Faixas de fortunas Escravos Escravos Escravos 21-40 Escravos Escravos
Menos de 100 £ 34 3 - - -
101 a 500 £ 85 31 5 1 -
501 a 1 mil £ 37 26 11 3 -
1.001 a 2.000 mil £ 11 19 18 7 -
2.001 a 5.000 mil £ 9 6 15 16 3
5.001 a 9.999 mil £ 2 8 8 11 6
Acima de 10 mil £ - - - 3 15
Fonte: AHETII/IPHAN/SJDR – Arquivo Histórico do Escritório Técnico II do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei .Inventário post-mortem da Vila de Baependi, 1820-
1888.

339
ANEXO 6

COMPADRES E AFILHADOS DE LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARAES (NEGOCAITE)

ANO NOME PAI MAE


1847 GENEROSA FELIZBERTO GONCALVES DE MOREIRA RITA MARIA MIGUELINA

1849 RITA (BRANCA) JOAO FRANCISCO DE CARVALHO LUCIA ZEFERINA DE SOUZA

1850 MARIA JOAO NEPOMUCENO EMERECIANA MARIA DE JESUS

1851 JOSE (BRANCO) DOMINGOS GARCIA DE OLIVEIRA MIGUELINA AQUIDA DA CONCEICAO

1851 SEBASTIAO (PARDO) MARIA CRIOULA (ESCRAVA)


-
1852 LUCIANA ? PRETA E ESCRAVA
-
1853 ANTONIO ANTONIO CASSIANO DA SILVA ROZAURA MARIA DE JESUS

1853 JOAQUIM JOSE INACIO DE CARVALHO (CAPITÃO) LUCIA MARIA DA CONCEICAO (DONA)

1853 ANA ANA CARLOTA NOGUEIRA


-
1854 DOMINGOS JOAO FRANCISCO PINTO ANA LUIZA DE SOUZA

1854 ANA E MARIANA JOSE FERREIRA DE SOUZA ANA SILVERIA

1854 LUCIANA FRANCISCO ANTONIO DE CARVALHO (TENENTE) MARFISA CANDIDA NOGUEIRA (DONA)

1854 ANA VENANCIO DA ROCHA FIGUEIREDO DONA ANA CARLOTA NOGUEIRA

1855 FRAUZINA JOAQUIM ANTONIO DA SILVEIRA ANTONIA MARIA DE JESUS

1857 ANA JOAQUIM ROIZ DE MATTOS FRANCISCA NATONIO DE JESUS

1857 EMILIANA ANTONIO TEXEIRA LEAL RITA HONORIA DE CASSIA (DONA)

1857 MARIA MARIA VICENCIA


-
1857 CLAUDINA JOAQUIM SILVERIO DA LUZ ANA CLAUDINA ?

1858 JOAO BENTO FRANCISCO NUNES MARIA JOSE DA COSTA

1858 VAERIO FRANCISCO JOAQUIM PEREIRA MARIA ANGELICA DE SOUZA (DONA)

1860 JOSE CASSIANO CORREIA DA SILVA ANDREZA MA RIA DE JESUS

1861 MARIA JOSE DOMINGUES GABRIEL ANA SIVELRIA DA CONCEICÃO

1861 PEDRO E JOAQUIM JOAO PEDRO DE MENEZES (TENENTE) CANDIDA MARIA DA ANUACIACAO (DONA)

1861 MARIA CLAUDINA JOSE CLEMENTINO DE ????? INES CLAUDIBA DE CARVALHO


1862 CLAUDINA JOAQUIM SILVERIO DA LUZ ANA CLADINA RIBEIRO

1864 GABRIEL FELICIANO JOSE FERREIRA MARIA CLEMENTINA DE CASTRO

1864 FREDERICO VICENTE MARTINS DA COSTA PEIXOTO CAROLINA UMBELINA DE PAIVA


(PORTUGUÊS)
1865 RITA TOMAZIA
-
1866 ANTONIA DOMINGOS JOSE DE SOUZA ANA MARCELINA DO ROZARIO

1867 JULIO ANTONIO MARCELINO FERREIRA (MAJOR) JULIA CANDIDA DAS DORES (DONA)

1869 MARIANA MANOEL DE OLIVEIRA SOUZA (PORTUGUES) MARIA CANDIDA DE SOUZA

1869 JOSE MARIA CAROLINA GAMA


-
1871 MARIA MANOEL ALVES MACIEL JÁ FALECIDO IZABEL FRANCISCA MACIEL

1873 MATILDES SERGIO DE OLIVEIRA RIOS IZABEL UMBELINA DA LUZ

1873 MARIA FRANCISCO FERNANDES DA SILVA SÁ CANDIDA MARIA VIANNA (DONA)

1873 PEDRO CANDIDO MONTEIRO DA SILVA ANA MARGARIDA DE JESUS

1873 JOSE CLAUDIANA PARDA (ESCRAVA)


-
1874 FERNANDO JOAQUIM FERNANDES COSTA GUIMARAES OLIMPIA ROZALINA DA COSTA GUIMARAES (DONA)

1874 FRANCISCO CLAUDIANA PARDA (ESCRAVA)


-
1875 JOSE ANTONIO FRANCISCO DE CARVALHO ANA LUCIA NOGUEIRA

1876 TEREZA BERNARDINO CARODOSO DE MACENO MARIA CUSTODIA DE TOLEDO

1877 MARIA ANTONIO FERNANDES DA COSTA GUIMARAES AUTA AUGUSTA DA COSTA GUIMARÃES (DONA)

340
1877 MARIA ANTONIO FERNANDES DA COSTA GUIMARAES AUTA AUGUSTA DA COSTA GUIMARÃES (DONA)

1877 IRINEO (PARDO) JOANA PARDA (ESCRAVA)


-
1878 JOAQUIM ANTONIO CASSIANO DA SILVA ANA FRANCISCA DE JESUS

1878 MARCOS ANTONIO PEREIRA GOMES NOGUEIRA MARIA CUSTODIA NOGUEIRA

1878 ZENAIDE FERNANDES DA COSTA GUIMARAES JOSEFINA AUSGUSTA DE ALMENDA (DONA)

1878 MARIA (PARDO) JOANA (ESCRAVA)


-
1879 AUTILIA CUSTODIO PEREIRA GUIMARES MARIA GENEROSA DA COSTA GUIMARAES (DONA)

1880 JOSE (PARDO) FRANCELINA PARDA (ESCRAVA)


-
1880 GLORINA (PRETA) LUIZ PARDO (ESCRAVO) FRANCELINA PARDA (ESCRAVA)

1881 JUVENAL JOAQUIM DIAS RIBEIRO ANA MARCELINA DE CARVALHO

1881 RITA LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARAES MARIANA GUILHERMINA DA COSTA GUIMARAES (DONA)

1883 REINALDO JOSE MARIA DA COSTA GUIMARAES ANA NONATA GUIDES

1884 CARLOTA MATEUS (LIBERTO) ROSA (LIBERTA)

1887 ANA JOSE BASILIO DO ESPIRITO SANTO MARIA DA PAIXAO DA CONCEICAO (DONA)

1887 ORMINDA JOSE GRACIANO DA ROSA VIRGINIA TOLENTINA RIBEIRO

341
ANEXO 7

COMPADRES DOS ESCRAVOS DE LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARAES.

ANO NOME PAIS MAES PADRINHOS

1854 MANOEL _ EFIGENIA JOSE INACIO DE MELO E SOUZA (ALFERES)

1866 TEREZA _ EVA JULIO CEZAR DA SILVA

1866 JOSE _ RITA JOSE EDUARDO NOGUEIRA

1869 JOAO _ CLAUDIANA (PARDA) JOAQUIM FERNANDES DA COSTA GUIMARÂES


(NEGOCIANTE)
1871 FIRMINA (LIBERTA NA PIA) _ CLAUDIANA (PARDA) JOAQUIM INACIO DE CARVALHO (CAPITÃO)

1873 JOSE _ CLAUDIANA (PARDA) LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARÃES (NEGOCIANTE)

1874 FRANCISCO _ CLAUDIANA (PARDA) LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARÃES (NEGOCIANTE)

1876 MARIA (PARDO) _ CLAUDIANA (PARDA) CIPRIANO JOSE FERREIRA

1877 IRINEO (PARDO) _ JOANA LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARÃES (NEGOCIANTE)

1877 MARIA (PARDO) _ CLAUDIANA (PARDA) JOAO INACIO MARCELINO JUNIOR

1878 ZEFERINA (PARDO) _ CLAUDIANA (PARDA) JOAO INACIO MARCELINO JUNIOR

1880 JOSE (PARDO) _ FRANCELINA LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARÃES (NEGOCIANTE)

1880 GLORINA (PRETA) LUIZ FRANCELINA LUIZ FERNANDES DA COSTA GUIMARÃES (NEGOCIANTE)

1883 ERNESTO (PARDO) _ VENANCIA (PRETA) JOSE (ESCRAVO)

1883 JOVINO (PARDO) _ VENANCIA (PRETA) JOSE (ESCRAVO)

1884 MARIA _ TERESA (PARDA) FRANCISCO ANTONIO DA SILVA

1884 GENEROZA (PRETA) _ TERESA (PARDA) FRANCISCO ANTONIO DA SILVA

1885 ANTA (PRETA) _ ISABEL JOSE FERNANDES DA COSTA GUIMARÃES (DOUTOR)

1886 IZABEL _ ISABEL JOSE FERNANDES DA COSTA GUIMARÃES (DOUTOR)

1886 ANTONIO (PRETO) OLIMPIO TERESA (PARDA) CUSTODIO PEREIRA GOMES

1886 ALFREDO (PARDO) _ TERESA (PARDA) CUSTODIO PEREIRA JESUS

342
ANEXO 8
COMPADRES E AFILHADOS DO TENENTE MANOEL ANTONIO PEREIRA.

ANO AFILHADOS PAI MAE

1849 JOSE JOSE SILVELRIO LUZ (MAJOR) MARIA CANDIDA NOGUEIRA (DONA)

1851 IZABEL (BRANCA) LUÍZ ANTONIO DA COSTA MARIA CANDIDA DO ESPIRITO SANTO

1854 EMERECIANA MANOEL JOAQUIM DE BRITO MARIA JOAQUINA

1855 GERALDO (ESCRAVO) FRANCISCO (ESCRAVO) RITA (ESCRAVA)

1856 LADGENIO JOAQUIM SILVERIO DA LUZ ANA CLAUDINA PEREIRA

1857 GABRIELA FRANCISCO ANTONIO PEREIRA (ALFERES) ANA CANDIDA FERREIRA DE ARAUJO (DONA)

1857 NICOLAO FRANCISCO JOAQUIM DE ANDRADE ANA FLACELINA DE ALVES

1858 ERINEO MANOEL ANTONIO PEREIRA JUNIOR CORNELIA MARIA MARFISA (DONA)

1859 FRANCISCO SILVERIO ANTONIO DA LUZ MARIANA CAROLINA DA SILVA

1860 JOSE JOAQUIM ALVES DE PEREIRA MADEIRA JULIA FRANCISCA DE JESUS

1860 JOAQUIM ANTONIO GUILHERME DA SILVA (SAPATEIRO) DOROTEA CAROLONA DE SOUZA

1860 MANOEL MANOEL ANTONIO PEREIRA JUNIOR CARMELIA MARIA MARFISIA

1861 ANTONIO ANTONIO SEVERINO NOGUEIRA OORCINA CANDIDA DA ANUCIACAO

1861 ANTONIO ANTONIO SEVERINO NOGUEIRA PURCINA CANDIDA DE ANUCIAÇÃO

1862 JOSE ANTONIO MANOEL MARIA TAL

1863 FILOMENA FRANCISCO BERNARDINO DE ANDRADE EMERECIANA CANDIDA PEREIRA DE ANDRADE (DONA)

1863 VICENTE - TEREZA (ESCRAVA)

1864 JOSE FRANCISCO BERNARDINO DE SOUZA VIRGULINA BALBINA DE LIMA

1866 SEBASTIAO (ESCRAVOS) JOSE (ESCRAVO) ANASTACIA (ESCRAVA)

1867 MANOEL JOSE BERNARDINO FERREIRA AURA FRANCISCA DE JESUS

1868 FRANCISCA MARCIANO ALVES PEREIRA TEREZA CRISTINA PEREIRA (DONA)

1870 LUIZ MANOEL ANTONIO ANTONIA GUILHERMINA

1870 OZEAS JOSE FERREIRA DE CARVALHO FRANCELINA EUZARIA DA SILVA (DONA)

1871 JOSE FRANCISCO BERNARDINO DE ANDRADE EMERECIANA CANDIDA PEREIRA

1872 JOSEFINA JOAQUIM CARLOS DE SOUZA MARIA CUSTODIA DA SILVA

1872 ANA JOAO DOMINGUES NOGUEIRA ANA MARIA DE JESUS

1873 JOAQUIM HONORIO FELIZ PIRES DA SILVA MARIA TEREZA DO ESPIRITO SANTO

1875 MARIA ( EXPOSTA) - -

1878 FRANCISCA CORNELIO JOAQUIM PEREIRA GABRIELA AUGUSTA PEREIRA (DONA)

1881 JOSE IRINO ANTONIO PEREIRA AMERICA FILOMENA PEREIRA (DONA)

1885 ANA JOSE ANTONIO DIAS BEATRIZ FLAUZINA DE JESUS

1885 IZAURA MANOEL ANTONIO PEREIRA JUNIOR PURCINA LEOPOLDINA PEREIRA (DONA)

1886 ANA JOAQUIM INACIO LOPES JUNIOR MARIA BERALDA DE JESUS

Fonte: Assentos de Batismo da Vila de Baependi, 1830-1888.

343
ANEXO 9

PADRINHOS DOS FILHOS DOS ESCRAVOS DO TEN. MANOEL ANTONIO PEREIRA.

ANOS AFILHADOS PAIS MÃES PADRINHOS


1835 MATEUS - - ANTONIO MARCELINO FERREIRA (MAJOR)

1837 GERALDO FRANCISCO RITA MANOEL ANTONIO PEREIRA (TENENTE)

1838 JOAO JOAQUIM LUCIANA ANGOLA ADAO (ESCRAVO)

1839 BALBINA JOAQUIM LUCIANA ANGOLA MARIANO (ESCRAVO)

1847 GERMANO INACIO SABINA TOME ANTONIO DIAS

1847 PRUDENCIO JOAQUIM LUCIANA ANGOLA ANTONIO FRANCISCO DIAS

1848 VICENTE JOÃO ANGOLA LUCIANA ANGOLA ALEXANDRE ROIZ AFONSO

1849 SATURINO - IZABEL PRETA JOAQUIM PEREIRA ALVES MADEIRA (SENHOR)

1850 CLAUDINA BERNARDINHO MARIA DOMINGOS

1851 SEBASTIANA PRETA JOAQUIM LUCIANA ANGOLA ANTONIO MARCELINO FERREIRA (MAJOR)

1854 CAMILO PRETO JOÃO ANGOLA LUCIANA ANGOLA JOAQUIM PEREIRA ALVES MADEIRA

1855 EDUARDO PRETO JOSÉ PRETO MARIA TEREZA ANTONIO MANOEL

1856 FRANCISCA JOÃO ANGOLA MARIANA ANTONIO MARCELINO FERREIRA (MAJOR)

1856 JOAO JOAQUIM LUCIANA ANGOLA AFONSO (ESCRAVO)

1856 DELFINA MIGUEL ANA MANOEL (ESCRAVO)

1858 MARCOS VICENTE ROZAURA MANOEL (ESCRAVO)

1858 GALDINO JOAQUIM LUCIANA ANGOLA ANONIO PEREIRA LIMA

1859 MARCELINA JOÃO ANGOLA MARIANA ANTONIO JOSE GOMES DE CARVALHO (NEGOCIANTE)

1860 ADELAIDE FRANCISCO RITA CARLOS NARCISO DA FONSECA

1861 MARIA JOÃO ANGOLA MARIANA ANTONIO SEVERINO NOGUEIRA

1861 AMBROZIO JACNTO SEBASTIANA JOAQUIM (ESCRAVO)

1861 CAROLINA FRAUZINO RITA FIDELIZ (ESCRAVO)

1861 BRIGIDA JOAQUIM LUCIANA ANGOLA JOAQUIM (ESCRAVO)

1862 SEBASIANA PRUDENCIO BONIFACIA ÍNACIO (ESCRAVO)

1863 VICENTE PORCINIO EUFRAZIA TOMAZ AVELINO DE ARANTES

1863 LUCIANA MIGUEL ANA GENEROSO (ESCRAVO)

1863 ZEFERINA JOÃO ANGOLA MARIANA JOÃO ROIZ RIBEIRO

1865 RITA RITA SENHOR MANOEL ANTONIO PEREIRA JUNIOR

1866 RITA MIGUEL ANA AURELIANO JOSE RIBEIRO

1866 HELENA JOÃO ANGOLA MARCIANA FORTUNATO JOSE DE SANTA ANA

1867 CUSTODIO FRAUZINO RITA ALOIZO LIBERTO

1868 CASSIANO JOSÉ PRETO MARIA LINO PEREIRA PINTO

1868 FRANCELINO FRAUZINIO RITA JOAQUIM (ESCRAVO)

1869 BLANDINA JOSÉ PRETO MARIA ANTONIO (ESCRAVO)

1870 ANA MIGUEL ANA VICENTE (ESCRAVO)

1871 EVA JACINTO SEBASTIANA CRIOULA PIO (ESCRAVO)

1871 JOAO JOSÉ PRETO MARIA JOÃO DOMINGUES NOGUEIRA

1873 CARLOS IZABEL PRETA FORTUNATO JOSE DE SANTANA

1873 CLARA VICENTE ROZAURA ANTONIO MARCELINO FERREIRA

1873 EDUARDO JOSÉ PRETO TEREZA ANTONIO MANOEL

1873 ELIZA SEBASTIANA CRIOULA MANOEL PRODICO PENNA

1874 EUGENIA PRETA PERPETUA PRETA MIGUEL (ESCRAVO)

1874 SEVERINO PRETO ANTONIO PERPETUA PRETA MIGUEL (ESCRAVO)

Fonte: Idem.

344
ANEXO 10

Descendentes e Ascendentes de Tomé Rodrigues Nogueira do Ó.

Fonte: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:QG6C-NGH1.

345
ANEXO 11

Descendentes e Ascendentes do Major Afonso Gomes Nogueira.

Fonte: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:QG6C-GGHX

346
ANEXO 12

Assentos de Batismo de Major Afonso Gomes Nogueira

Fonte: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:QG6C-GGHX

347
Família do Major Antônio Marcelino Ferreira, Vila de Baependi (1830-1888).

Fonte: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:XVQP-GQW

348
ANEXO 14

Família do Capitão José de Souza Meireles

Fonte https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:XVQP-GQW

349
ANEXO 15

Descendentes e ascendentes do Tenente Manoel Antônio Pereira.

Fonte: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:XVQP-GQW

350
ANEXO 16

Ascendentes do Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira.

Fonte: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:XV

351
ANEXO 17

352
ANEXO 18

MONS. MARCOS PEREIRA GOMES NOGUEIRA

353

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