GRECO, Luís. Tem Futuro A Teoria Do Bem Jurídico

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Tem futuro a teoria do bem jurídico?

Reflexões a partir da
decisão do Tribunal Constitucional Alemão a respeito do
crime de incesto (§ 173 Strafgesetzbuch)

TEM FUTURO A TEORIA DO BEM JURÍDICO? REFLEXÕES A PARTIR DA


DECISÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO A RESPEITO DO
CRIME DE INCESTO (§ 173 STRAFGESETZBUCH)
Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 82/2010 | p. 165 - 185 | Jan - Fev / 2010
Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal | vol. 2/2019 | Jan / 2019
DTR\2010\8

Luís Greco
Doutor e Mestre em Direito pela Ludwig Maximilian Universität, de Munique. Assistente
junto à cátedra do Prof. Dr. Dr. h. c. mult. Bernd Schünemann.

Área do Direito: Constitucional; Penal


Resumo: O Tribunal Constitucional Alemão manifestou-se recentemente a respeito da
constitucionalidade da proibição penal de incesto (§ 173 StGB). O fato de o Tribunal não
ter reconhecido a inconstitucionalidade do dispositivo foi apenas a menor surpresa. No
presente estudo serão abordados, em primeiro plano, menos esse resultado e os
pormenores dos argumentos que a ele conduziram, do que a tomada de posição do
Tribunal a respeito da teoria do bem jurídico e da utilização do direito penal para o
fomento e promoção de "meras" convicções morais. Afinal, a Corte não seguiu, nesta
que parece ter sido a primeira manifestação expressa sobre essas questões, a linha que
corresponderia à tradição do liberalismo jurídico-penal.

Palavras-chave: Bem jurídico - Incesto - Moralismo penal - Limites do direito penal -


Conceito material de crime
Abstract: The German Constitutional Court recently confirmed the constitutionality of the
criminal prohibition against incest (§ 173 StGB), which was no real surprise. This paper
will address les this result and the details of the arguments related to it than the
considerations of the Court in regards to the so called theory of legal goods
(Rechtsgutstheorie) and the use of Criminal Law to foster and promote "merely" moral
values. In what seems to be the first direct manifestation about these issues, the Court
did not follow the line that would correspond to the liberal tradition in Criminal Law.

Keywords: Property - Incest - Criminal moralism - Limits of criminal law - Material


concept of crime
Sumário:
123
- 1. A decisão-- - 2. Bem jurídico e proteção de convicções morais na decisão - 3. O
que está errado no moralismo jurídico-penal? - 4. Liberalismo jurídico-penal fundado na
autonomia e esfera nuclear da vida privada - 5. Qual o futuro da teoria do bem jurídico?
- 6. Bibliografia

1. A decisão--

Aos olhos do Tribunal, o tipo penal da conjunção carnal entre parentes não apresenta,
por diversas razões, problemas de constitucionalidade. O Tribunal inicia explicitando os
critérios com base nos quais procederá ao exame de constitucionalidade. Segundo o
Tribunal, para que uma intervenção estatal nos direitos fundamentais seja
constitucional, deve ela, formalmente, estar fundamentada em lei e, materialmente,
respeitar os limites da esfera nuclear da autonomia da vida privada e ser proporcional
(n. 32 e s., 34 e ss.). Da teoria do bem jurídico, pelo contrário, não se poderia deduzir
qualquer critério constitucional de limitação do legislador.

A disposição do § 173 StGB resistiria a um exame fundado nos mencionados critérios. O


dispositivo estaria baseado "em uma norma de proibição difundida internacionalmente e
transmitida histórico-culturalmente" (n. 2). A proibição não ingressaria na inviolável
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decisão do Tribunal Constitucional Alemão a respeito do
crime de incesto (§ 173 Strafgesetzbuch)

esfera nuclear da vida privada, uma vez que a conjunção carnal entre irmãos não diria
respeito apenas a eles mesmos, mas também possuiria consequências para a família,
para a sociedade como um todo e também para as crianças que eventualmente
nascessem da relação sexual incestuosa (n. 40). A disposição teria em vista, em
primeiro lugar, a proteção do casamento e da família positivada no art. 6 da Constituição
alemã, já que o comportamento incestuoso conduziria a uma "perturbação das
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atribuições de papel que dão estrutura a uma família" (n. 42 e ss. [45]). Em segundo
lugar, perseguiria a proibição o fim de proteger a autodeterminação sexual,
principalmente porque a família representaria uma relação institucional de dependência,
cujos efeitos se fariam perceptíveis também após os 18 anos (n. 47 e s.) Em terceiro
lugar, a norma almejaria a prevenção de doenças genéticas nas novas gerações (n. 49).
Em quarto lugar, a disposição "parte de uma das mais sedimentadas convicções do
injusto na sociedade e busca continuar a sustentá-la por meio do Direito Penal" (n. 50).
Para a realização desses objetivos a disposição seria adequada (idônea), necessária e
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proporcional em sentido estrito (n. 52 e ss., 59, 60 e ss.). Outras objeções interpostas
pelo reclamante (violação ao art. 6, parágrafo 1, da Lei Fundamental, isto é, ao direito
dos pais de cuidar e educar os filhos, ou ao art. 3, parágrafo 1, princípio da igualdade, e
desrespeito ao princípio da culpabilidade) seriam todas injustificadas (n. 64 e ss.).
6
No seu voto divergente, Hassemer criticou cada argumento da decisão da maioria.
Segundo ele, uma convicção social não é capaz de legitimar constitucionalmente uma
norma jurídico-penal (n. 81). As razões genéticas são, por vários motivos, inaceitáveis
(n. 82 e ss.). O dispositivo não persegue, tampouco, a proteção da autodeterminação
sexual, principalmente porque a vítima nem atua de forma irresponsável, nem se
encontra numa situação de coação (n. 87 e ss.). A proteção da família não pode ser a
finalidade da norma, vez que esta não compreende vários casos em que a família é
atingida (n. 92 e ss.). Por isso, o dispositivo protege "meras convicções morais -
existentes ou supostas", e para este fim "há instrumentos diversos e mais idôneos" do
que o direito penal (n. 98 e ss. [98, 99]). Falta à disposição, por estas e outras razões,
tanto a adequação, como também os requisitos da necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito (n. 103 e ss., 115 e ss., 121 ss.).

2. Bem jurídico e proteção de convicções morais na decisão

Os específicos argumentos do Tribunal fazem necessária uma discussão detalhada, que


não poderá ser realizada na presente sede. Que essa discussão seria uma tarefa um
tanto fácil, demonstra não apenas o voto divergente de Hassemer e o comentário de
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Hörnle, como também uma primeira e mesmo superficial reflexão. Por exemplo, o
argumento de que crianças que nasçam de relações incestuosas seriam discriminadas (n.
50) poderia conduzir também à criminalização das relações sexuais inter-raciais, desde
que se esteja em uma sociedade suficientemente intolerante. Já o argumento de que a
instituição da família é atingida em sua estrutura por relações incestuosas
fundamenta-se em razões que igualmente amparariam, em outras circunstâncias, a
extensa criminalização do homossexualismo e, ainda hoje, da troca de casais. No
presente estudo, o foco será principalmente a pergunta pelo status da teoria do bem
jurídico e a possibilidade de proteção da moral por meio do direito penal. Sobre ambas
as questões se manifestou o Tribunal, ainda que não inequivocamente e, em razão disso,
é preciso realizar algumas reflexões.

O Tribunal ocupou-se da teoria do bem jurídico ao expor os critérios de que partiria ao


avaliar a constitucionalidade da intervenção (n. 31 e ss., 39). Em primeiro lugar, o
conceito de bem jurídico seria controverso: "sobre o conceito de bem jurídico não há
ainda qualquer consenso". Ou se apresentaria como um "conceito normativo de bem
jurídico", que não diferiria da ratio legis e, por isso mesmo, seria incapaz de limitar o
legislador, ou então se apresentaria como um "conceito naturalístico de bem jurídico"
com pretensão de suprapositividade, o que estaria em contradição "com o fato de que,
segundo a ordem da Lei Fundamental, é tarefa do legislador democraticamente
legitimado fixar não só os fins da pena, mas também os bens a serem protegidos por
meio do direito penal". Ainda que a teoria do bem jurídico tenha importância dogmática
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ou político-jurídica, "não fornece ela qualquer parâmetro substancial que tenha


necessariamente de ser acolhido pelo direito constitucional". Logo são citadas
principalmente as investigações de Lagodny e Appel, que chegam a um resultado
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similarmente crítico à ideia de bem jurídico. Ou seja, a rigor o Tribunal tem dois
argumentos contra a teoria do bem jurídico: o problema de definição (o que seria o bem
jurídico?) e o problema da fundamentação ou da democracia (com que direito querem os
penalistas posicionar-se acima do legislador democraticamente legitimado?).

Como já foi mencionado anteriormente, fala o Tribunal também "de uma convicção do
injusto sedimentada na sociedade", que deveria ser reforçada pelo direito penal (n. 50).
Aqui aparece uma passagem de difícil compreensão: a discussão que se trava no direito
penal a respeito da diferenciação entre normas penais que se fundam apenas em
representações morais e normas que protegem bens jurídicos não seria relevante aos
olhos do Tribunal, já que "a proibição do incesto (se justificaria) em razão de uma
conjunção de vários objetivos plausíveis para a punição, vistos no contexto da convicção
social histórico-culturalmente fundada e ainda hoje perceptível de que o incesto é
merecedor de pena, o que se confirma também numa comparação internacional".

A disposição do § 173 StGB cumpriria ainda uma "função de apelo, de estabilização da


norma e, com isso, preventivo-geral". A passagem é difícil de compreender, na medida
em que não fica claro o que diferencia uma convicção fundada histórica e culturalmente
a respeito do merecimento de pena de um determinado comportamento da assim
chamada "mera" convicção moral.

Provavelmente, deve a passagem ser assim interpretada: quanto a se a proteção de


uma mera convicção moral já basta para justificar uma proibição penal, ou, dito de outro
modo, quanto a se a imoralidade de um comportamento é já uma razão suficiente para
atestar a constitucionalidade de sua criminalização, prefere o Tribunal não se manifestar.
No entanto, pode-se dizer que, para o Tribunal, a imoralidade de um comportamento
possui, no mínimo, status de razão adicional autonomamente relevante para uma
criminalização, e que por isso merece um posto ao lado das outras razões justificadoras
(proteção do matrimônio e da família, da autodeterminação sexual e a prevenção de
enfermidades em novas gerações).

A verdade é que a diferença entre essas duas teses parece apenas existir na teoria. Na
prática, quase tudo que é visto como imoral produzirá consequências indiretas similares
às que foram mencionadas pelo Tribunal Constitucional Alemão para legitimar a
proibição do incesto: "ego debilitado ( vermindertes Selbstbewusstsein), disfunções
sexuais na idade adulta, inibição na formação da identidade pessoal (gehemmte
Individuation), déficits na busca de identidade sexual e na capacidade de relacionar-se,
promiscuidade sexual, marginalização e isolamento social" (n. 44); até provavelmente
algumas décadas atrás, estas consequências poderiam ocorrer no caso de filhos de
homossexuais e podem ainda hoje ser atribuídas a filhos de prostitutas ou atores de
filmes pornográficos. Isso quer dizer que, diante de qualquer comportamento (hoje ou
antigamente considerado) imoral será possível descobrir razões que não sejam
unicamente referidas à moral, a partir das quais será possível justificar a proibição
penal.

Embora se vá retornar a esse ponto, já é possível apresentar uma primeira conclusão: a


"mera imoralidade" de que falam os penalistas não passa de algo puramente teórico, no
sentido pejorativo deste predicado, já que, na prática, a possibilidade de que
comportamentos imorais conduzam indiretamente a lesões de interesses relevantes não
só não poderá ser descartada, como será bastante plausível. Por isso, quando a ciência
do direito penal fala em "meras convicções morais", deve estar querendo dizer algo
diverso do que sugere o significado literal da expressão. De outra forma não seria
possível defender a não punição do homossexualismo entre homens adultos com esse
argumento, ainda mais se se recordar que o Tribunal Constitucional Alemão alegou, além
da imoralidade dessa conduta, a proteção de menores para fundamentar a
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constitucionalidade desta proibição. E essa é exatamente a razão pela qual o Tribunal,
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não obstante declarar não ter tomado partido quanto à possibilidade de punição de
"meras convicções morais", no fundo aceita essa possibilidade.

Ou seja, o Tribunal Constitucional Alemão acabou atribuindo ao direito penal a tarefa de


manutenção e fortalecimento de convicções morais. Esta é uma tarefa em princípio
estranha à tradição liberal, pois os esforços de vários penalistas desde Feuerbach,
passando pela Escola Moderna até o Projeto alternativo do Código Penal alemão se
dirigia no sentido de separar Direito e Moral. A questão que ora se coloca é a da razão
dessa distância da postura liberal face ao moralismo jurídico-penal.

3. O que está errado no moralismo jurídico-penal?

Defina-se moralismo jurídico-penal como a tese segundo a qual a imoralidade de um


comportamento é uma boa razão, isto é, uma razão adicional e intrinsecamente
relevante, para incriminá-lo. Essa tese foi defendida pela Corte Constitucional Alemã,
primeiramente com a consideração acima mencionada de que se um comportamento
afeta interesses relevantes da comunidade, nada pode impedir que se faça alusão
também à imoralidade da conduta para fundamentar a incriminação. Um segundo
argumento, em princípio independente deste primeiro, é o da democracia: os fins do
recurso ao direito penal devem ser fixados não pelos penalistas e sua teoria do bem
jurídico, e sim pelo "legislador democraticamente legitimado" (n. 39).

Por definição, pode-se entender liberalismo jurídico-penal como a tese contrária, a


saber, a tese segundo a qual, entre outras coisas mais, a imoralidade de um
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comportamento não tem qualquer relevância para justificar a decisão de incriminá-lo.
Está claro que não é essa a posição do Tribunal. Não basta, porém, alegar que a decisão
do Tribunal pode ser subsumida sob uma determinada definição, e não sob outra; é
necessário perguntar pelas razões que fazem de uma postura caracterizável por meio de
uma definição algo correto ou incorreto. Por que consideramos correta a tese liberal e
recusamos a tese moralista?

Uma possível razão é fornecida por Hassemer em seu voto divergente. Hassemer pensa
que o direito penal é um meio inidôneo para proteger convicções morais. "O
fortalecimento ou a manutenção de um consenso social sobre valores - no presente
caso, sobre a proibição da conjunção carnal entre parentes - não pode, porém, ser o
objetivo direto de uma norma penal. Para tanto, há instrumentos diversos e mais
idôneos que o direito penal, segundo os termos do princípio da ultima ratio e da
proporcionalidade como limites constitucionais a intervenções por meio do direito penal.
O reforço de convicções morais pode, no máximo - indiretamente - ser esperado como o
resultado que a longo prazo decorre de uma justiça penal justa, racional e constante" (n.
100). Independentemente do questionamento a respeito das relações entre essas
considerações e o critério do "acordo normativo" (normative Verständigung)
anteriormente avançado por Hassemer como fundamento de legitimação de
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incriminações, é de se notar um defeito fundamental nessa argumentação. Ela
transforma o liberalismo jurídico-penal numa tese empírica e contingente. O direito
penal não poderia servir à proteção da moral, porque ele não o conseguiria fazer de
modo eficiente. Mas como pode estar Hassemer tão certo disso? Não se poderia atribuir
ao direito penal, com pelo menos idêntica plausibilidade, uma "eficácia moldadora de
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costumes" (sittenbildende Kraft), uma função de "conservação dos valores
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ético-sociais de ânimo" ou - nas palavras do Tribunal Constitucional - uma "função de
apelo, de estabilização da norma e com isso preventivo-geral" (n. 50)? As ciências
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empíricas não dão qualquer resposta conclusiva, e o senso comum, a verdadeira fonte
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da imagem de mundo da qual parte o jurista, deixa um espaço bastante reduzido para
um ceticismo nos moldes de Hassemer. Mas o Tribunal tem uma solução para tais
situações de insegurança, a saber, o recurso à prerrogativa de avaliação do legislador,
topos que aparece repetidamente na decisão que ora comentamos. Simplificadamente, a
chamada prerrogativa de avaliação (Einschätzungsprärrogative) designa a faculdade que
a Corte reconhece ao legislador de formular suas próprias suposições empíricas,
especialmente quando diante de situações empiricamente pouco claras, que envolvam,
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por exemplo, prognoses difíceis ou avaliações referidas ao plano macrossocial.
Questionar a idoneidade do direito penal para proteger a moral é questionar apenas a
verdade de uma proposição empírica, com o que o liberalismo jurídico-penal é entregue
tanto às contingências das ciências empíricas e do senso comum, como também à
prerrogativa de avaliação do legislador.

Na ciência do direito penal se encontra também outra fundamentação da postura liberal,


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a saber, o recurso à teoria do bem jurídico. Segundo essa postura, o direito penal não
pode proteger a moral, porque a sua tarefa se esgota na proteção de bens jurídicos, e a
moral não é um bem jurídico. "Meras imoralidades" não são assunto, do direito penal.
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Esta solução tem uma série de vantagens, mas ao mesmo tempo insuficiências
incuráveis, que a rigor mal foram vistas, nem mesmo pelos numerosos críticos da teoria.
A crítica à teoria do bem jurídico concentrou-se, até agora, predominantemente no
problema de definição (o que se deve entender por bem jurídico?) e, mais recentemente,
no problema de fundamentação (de onde retira a teoria do bem jurídico sua pretendida
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autoridade?) - problemas aos quais, como vimos, também alude a decisão do Tribunal
Constitucional Alemão. O problema que nos interessa está num nível ainda mais
fundamental e persistiria ainda que as dificuldades com a definição e a fundamentação
da ideia fossem resolvidas. Esse problema, que já foi insinuado ao criticarmos a ideia da
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"mera imoralidade", é o caráter consequencialista do argumento do bem jurídico. Ao
dizermos que não podemos punir um comportamento porque ele não afeta qualquer bem
jurídico, estamos afirmando que a punição desse comportamento é inútil, não nos traz
qualquer benefício. A punição não produziria consequências positivas, ou seja, ela seria,
segundo a perspectiva consequencialista, incorreta, de modo que não a devemos impor.
Essa postura tem uma série de implicações. A primeira delas é que também ela faz do
liberalismo jurídico-penal algo empírico-contingente. Afinal, é uma questão parcialmente
empírica se uma proibição protege ou não bens jurídicos, e neste aspecto a situação é a
mesma que a da argumentação de Hassemer, que é impotente diante da prerrogativa de
avaliação do legislador. Também aqui se concede ao legislador, ainda que não o direito
de apelar diretamente à imoralidade do comportamento incriminado, o de formular com
vasta liberdade prognoses empíricas a respeito das consequências do comportamento
para os mais diversos bens. E como já vimos, em praticamente todo comportamento
imoral poder-se-á encontrar consequências danosas indiretas para bens jurídicos. Em
segundo lugar, e ainda mais grave, é aquilo que a teoria do bem jurídico não vê, por
assim dizer, seu ponto cego. A melhor maneira de enxergar o problema é reportando-se
ao exemplo da descriminalização do homossexualismo, que na Alemanha era punível até
1975 (no antigo § 175 StGB). A suposta razão para deixar de punir o homossexualismo
era a de que tal comportamento não afetaria qualquer bem jurídico. Mas isso significa
que não puniremos mais o homossexualismo, porque com isso nada ganhamos. Se esse
argumento procede ou não, deve ficar aqui em aberto - recorde-se somente que o
Tribunal Constitucional manifestou opinião contrária a respeito destas questões
21
parcialmente empíricas. O decisivo, porém, é aquilo que o argumento não enxerga,
seu ponto cego, a saber, que pessoas adultas têm o direito de praticar tais atividades,
ainda que isso não nos agrade e que tenhamos de suportar eventuais desvantagens.
Noutras palavras: a teoria do bem jurídico, enquanto teoria consequencialista, enxerga
apenas as vantagens e desvantagens que podem decorrer de proibições penalmente
sancionadas. Numa lógica consequencialista, é simplesmente impossível operacionalizar
a ideia de que há direitos que operam como trunfos contra qualquer apelo ao bem
22 23
comum ou como limites colaterais (side constraints) à promoção de qualquer fim,
pois tais considerações são não consequencialistas, dizem respeito a barreiras que têm
de ser respeitadas, e não a consequências que têm de ser maximizadas. Desde uma
perspectiva consequencialista, direitos de um indivíduo são no máximo
24
"contrainteresses" passíveis de ponderação, que, portanto, só serão respeitados,
enquanto os outros não tiverem um interesse suficientemente forte no sentido de que
esses direitos sejam desconsiderados. Para uma prova adicional da incapacidade da
teoria do bem jurídico de excluir as "meras imoralidades" do direito penal, basta pensar
no que seria da decisão se o Tribunal tivesse utilizado a linguagem da teoria do bem
jurídico. O Tribunal não poderia mais recorrer à proibição de convicções morais, nem
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tampouco a certos aspectos da proteção do matrimônio e da família (principalmente no


que diz respeito aos papéis estruturadores dessas instituições). Enquanto isso, todos os
demais aspectos mencionados pelo Tribunal continuariam relevantes, de modo que o
Tribunal, ainda que se valesse da teoria do bem jurídico, conseguiria justificar a
proibição penal do incesto.

E com essa observação já nos encontramos a meio caminho de uma fundamentação


adequada da posição liberal. Essa fundamentação tem de evitar as insuficiências das
duas alternativas que acabamos de examinar: ela não pode depender de dados
empíricos, pois isso a colocaria à disposição do legislador e de sua prerrogativa de
avaliação; e ela não pode ser consequencialista, porque isso faria dela algo parcialmente
empírico, o que geraria os problemas apontados, e levaria a que não se consiga mais
levar em conta a existência de direitos imponderáveis. Tais exigências são atendidas por
uma perspectiva que parta da autonomia dos cidadãos. Para essa perspectiva, o que
interessa em primeira linha não é nem que a proteção da moral pelo direito penal seja
de reduzida eficácia, nem que ela produza poucos benefícios, e sim a sua
incompatibilidade com o respeito pela autonomia dos cidadãos. Em certas esferas, ainda
25
que bem reduzidas, o cidadão é soberano absoluto. Principalmente no que diz respeito
a questões referentes à chamada "boa vida", qualquer intervenção estatal significará um
desrespeito a essa autonomia, entendida aqui grosseiramente como o direito de viver
segundo seu próprio plano de vida e sua própria ideia de uma "boa vida". O
homossexualismo não é um delito, porque é um direito do homossexual ser como ele é.
O mesmo se diga do incesto. Ainda que o reproche social dessa prática seja ainda mais
decidido que o dirigido ao homossexualismo, pessoas adultas têm o direito de praticar
relações sexuais com pessoas adultas, de próximo parentesco ou não. Pela mesma razão
26
é, sim, de reconhecer-se - contra o Tribunal Constitucional - um direito de se drogar.
Ainda que majoritariamente não admiremos o "maconheiro", ainda que ele onere nosso
sistema de saúde - isso não autoriza a utilização do direito penal contra a posse de
tóxicos, mas no máximo uma certa recusa a medidas assistenciais. Só o argumento da
autonomia pode superar o apelo do moralista a consequências indiretas decorrentes do
exercício de um direito, afirmando que elas justamente não vêm ao caso.

Além disso, só o recurso à autonomia pode servir de baluarte contra a fundamentação


democrática da tese moralista pelo Tribunal Constitucional Alemão. Muitas podem ser as
"competências do legislador democraticamente legitimado", ainda assim não pode ele
tocar no intocável.

A fundamentação da tese liberal na ideia de respeito à autonomia é, portanto, superior


tanto à tentativa eficientista de Hassemer, quanto à teoria do bem jurídico. Além disso,
a tese aqui avançada possui uma vantagem estratégica - decisiva para o doutrinador
alemão e não de todo irrelevante para o observador estrangeiro - sobre a teoria do bem
jurídico: ela pode ser facilmente reconduzida a um topos de cada vez maior relevância
em recentes decisões do Tribunal Constitucional Alemão, a saber, à esfera nuclear da
vida privada.

4. Liberalismo jurídico-penal fundado na autonomia e esfera nuclear da vida privada

Respeitar a autonomia do indivíduo significa reconhecer-lhe uma esfera dentro de cujos


limites só ele pode tomar decisões. Está claro que essa ideia guarda ampla
correspondência com a figura da esfera nuclear da vida privada, de crescente relevância
na jurisprudência constitucional alemã. Isso significa que a aqui proposta fundamentação
da tese liberal na ideia de autonomia encontra guarida na jurisprudência constitucional
alemã, superando, pelo menos para o direito alemão, a segunda das acima apontadas
dificuldades da teoria do bem jurídico, a que chamamos de problema de fundamentação.
Porque enquanto a teoria do bem jurídico sempre se viu diante do desafio de prestar
contas da fonte de sua pretensão de autoridade, e agora ainda terá de sobreviver ao
forte golpe de uma expressa quase recusa pela jurisprudência constitucional, a ideia de
que o indivíduo dispõe de uma esfera intocável de autonomia aparece em algumas das
mais importantes recentes decisões do Tribunal Constitucional Alemão.
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Tem futuro a teoria do bem jurídico? Reflexões a partir da
decisão do Tribunal Constitucional Alemão a respeito do
crime de incesto (§ 173 Strafgesetzbuch)

O Tribunal declarou, por exemplo, permitido que um preso fizesse declarações lesivas à
honra na correspondência dirigida a um parente próximo, ainda que ambos saibam que
essa correspondência é controlada e que as lesões à honra chegarão, portanto, ao
conhecimento da vítima. O Tribunal falou aqui da necessidade de garantir um "espaço
(...) em que o indivíduo esteja entregue apenas a si mesmo, sem qualquer vigilância
externa, ou em que ele possa se relacionar com pessoas de sua especial confiança sem
levar em conta expectativas sociais de comportamento e sem medo de sanções
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estatais". E na decisão sobre a escuta domiciliar, medida polemicamente chamada de
grosser Lauschangriff (tradução literal e deselegante: "grande ataque da escuta"), impôs
o Tribunal claros limites: "O desenvolvimento da personabilidade na esfera nuclear da
vida privada pressupõe a possibilidade de expressar eventos internos, como sensações e
sentimentos, bem como reflexões, opiniões e experiências de caráter personalíssimo (...)
Pertencem a essa esfera também expressões de sentimento, de experiências
28
inconscientes e formas de manifestação da sexualidade". Também a decisão que ora
comentamos só passa a ocupar-se da proporcionalidade depois que examina e exclui
uma violação dessa esfera nuclear (n. 40).

Mas por que chega o Tribunal, ainda que partindo do mesmo critério, a uma solução
diversa da aqui defendida? Uma análise mais detida revela que o Tribunal aplicou
erroneamente seu critério da esfera nuclear da vida privada. "A conjunção carnal entre
irmãos não diz respeito apenas a eles mesmos, mas também possui consequências para
a família, para a sociedade como um todo e também para as crianças que
eventualmente nasçam da relação sexual incestuosa" (n. 40). Uma tal argumentação
reduz a esfera nuclear intocável a algo na prática inexistente, pois - como se observou
repetidamente acima - toda ação, por mais privada que seja, pode ter consequências
indiretas para outros. Com essa dificuldade já teve de se deparar o próprio Stuart Mill,
ao propor que se diferenciassem comportamentos referidos ao próprio atuante de
29
comportamentos referidos a terceiros. Quando se começa a perguntar pelas
consequências, abandonou-se o campo dos imperativos de respeito e com isso o âmbito
do intocável e imponderável. Respeitar a autonomia significa que se leve a sério o ser
humano porque ele é um ser humano, e não só porque isso nos convém.

Ainda assim, esse erro da decisão deve servir de alerta, porque aponta para um
problema que, há de se admitir, a opinião aqui defendida ainda tem de superar. De um
lado, a nossa posição, por sua referência direta à jurisprudência constitucional alemã,
consegue solucionar o acima denominado problema de fundamentação que assolava a
teoria do bem jurídico. O problema de definição, isto é, a questão de delimitar a intensão
e principalmente a extensão do conceito utilizado, permanece por resolver. A
Constituição outorga à doutrina, portanto, a nova tarefa de traçar em detalhes o mapa
do intocável e imponderável. E a prova de que essa tarefa é realizável nos é fornecida
pelas numerosas certezas de que aqui já dispomos: por exemplo a proibição da
30
escravidão, do genocídio ou da tortura.

Essas manifestações do indisponível demonstram, também, que nem sempre se trata de


salvaguardar a esfera privada do cidadão. A esfera nuclear da autonomia pode ser
desrespeitada também publicamente. Por isso, deve-se cuidadosamente ir além da tese
do Tribunal Constitucional, pois as razões que levam ao reconhecimento de uma esfera
nuclear da vida privada são justo aquelas que impõem o respeito à autonomia do
cidadão.

5. Qual o futuro da teoria do bem jurídico?

Representará a decisão do Tribunal Constitucional o fim da teoria do bem jurídico? Que


função pode essa teoria cumprir, além da já dada pelo critério da autonomia ou da
esfera nuclear da vida privada e pelo exame de proporcionalidade? A resposta já foi dada
por alguns defensores da teoria do bem jurídico, como Hassemer: a rigor, o exame de
proporcionalidade já pressupõe uma teoria do bem jurídico, pois é necessário um ponto
de referência para avaliar se um comportamento é adequado, necessário e proporcional
31
em sentido estrito. Uma intervenção tem de ser idônea e necessária para alcançar
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Tem futuro a teoria do bem jurídico? Reflexões a partir da
decisão do Tribunal Constitucional Alemão a respeito do
crime de incesto (§ 173 Strafgesetzbuch)

algo e ela tem de ser adequada em relação a algo. O fato de que não se pode legitimar
uma intervenção com a proteção de valores morais é correto, mas não decorre da teoria
do bem jurídico, e sim do argumento da autonomia acima exposto.

À teoria do bem jurídico resta ainda a importante e majoritariamente sequer reconhecida


tarefa de distinguir bens jurídicos (coletivos) verdadeiros e falsos com base em critérios
32
claros.

A decisão do Tribunal Constitucional Alemão exagera, portanto, ao recusar de todo a


teoria do bem jurídico. Excepcionando-se parte do argumento da proteção do
matrimônio e da família (n. 42 e ss., especialmente a menção às "atribuições que dão
estrutura a uma família", n. 45) e a expressa referência à proteção da moral (n. 50), o
resto da decisão não é outra coisa que uma avaliação fundada na teoria do bem jurídico.
O erro da decisão não é o de não aplicar a teoria do bem jurídico, e sim de esquecer a
tese do liberalismo jurídico-penal, segundo a qual a imoralidade de um comportamento
não é uma razão para puni-lo, e de desconhecer o potencial da própria teoria da esfera
nuclear da vida privada. A correta aplicação dessa ideia tornaria desnecessários tanto o
exame de proporcionalidade, quanto o recurso à teoria do bem jurídico.

6. Bibliografia

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1. Trad. Alaor Leite e Luís Greco, com pequenas modificações, do original Was lässt das
Bundesverfassungsgericht von der Rechtsgutslehre übrig? Gedanken anlässlich der
Inzesentscheidung des Bundesverfassungsgerichts. Zeitschrift für internationale
Strafrechtsdogmatik, 2008, p. 234 e ss. (Disponível em: [www.zis-online.com]).
Agradeço à Profa. Dra. Auxiliadora Minahim (Universidade Federal da Bahia), ao Prof. Dr.
Daniel Pastor (Universidad de Buenos Aires) e ao Prof. Dr. Paolo Comanducci (Universitá
degli Studi di Genova) pela oportunidade de discutir as presentes ideias. Algumas das
modificações acrescentadas à presente versão do trabalho são consequência direta
dessas discussões.

2. Eis o teor do § 173 StGB: "Conjunção carnal entre parentes. (1) Aquele que mantiver
conjunção carnal ( Beischlaf) com descendente consanguíneo, será punido com pena
privativa de liberdade de até três anos ou pena de multa. (2) Aquele que mantiver
conjunção carnal com parente consanguíneo em linha ascendente, será punido com pena
privativa de liberdade de até dois anos ou pena de multa; o disposto permanece válido
ainda que a relação de parentesco esteja extinta. Da mesma forma serão punidos os
irmãos consanguíneos que mantiverem conjunção carnal entre si. (3) Descendentes e
irmãos não serão punidos de acordo com esse dispositivo se, no momento do fato, ainda
não possuírem 18 anos".

3. De 26.02.2008; disponível na íntegra em: [www.bundesverfassungsgericht.de], fonte


a que se referem as citações presentes no texto. Publicação oficial em BVErfGE 120,
224.

4. A expressão original, de difícil tradução, é: Beeinträchtigung der in einer Familie


strukturgebenden Zuordnungen.

5. Sigo no presente texto a tradução que me parece mais difundida na doutrina


constitucionalista brasileira (por exemplo, Mendes et alii. Curso de direito constitucional.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 321, 330 e 332) dos termos Geeignetheit,
Erforderlichkeit e Verhältnismäßigkeit im engeren Sinne, apesar de, pessoalmente,
considerar o termo "adequação" impróprio, por ser uma tradução mais direta de
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Tem futuro a teoria do bem jurídico? Reflexões a partir da
decisão do Tribunal Constitucional Alemão a respeito do
crime de incesto (§ 173 Strafgesetzbuch)

Angemessenheit, palavra que na doutrina e jurisprudência alemã é usada como sinônimo


da proporcionalidade em sentido estrito. O importante é observar que a Geeignetheit se
refere apenas à relação meio-fim, à capacidade de uma restrição de contribuir para a
obtenção do fim almejado. Por isso é que, noutra sede, usei o termo "idoneidade"
(Greco, Luís. Cumplicidade através de ações neutras. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.
135 e ss.). Utilizando o termo "idoneidade" como tradução de Geeignetheit também
Costa Andrade. A "dignidade penal" e a "carência de tutela penal" como referência de
uma doutrina teleológico-racional do crime. Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano
2, fasc. 2, 1992, p. 173 e ss. (p. 186).

6. O Tribunal Constitucional Alemão, como todos os tribunais colegiados desse país,


discute e decide em sessão secreta, publicando a decisão como ato coletivo do tribunal,
assinada por todos os julgadores que a ela contribuíram (§ 30 I
Bundesverfassungsgerichtsgesetz). Não há, portanto, um voto do relator ou dos demais
julgadores, como entre nós. Reserva-se, porém, ao julgador com opinião divergente a
faculdade de publicar seu voto em separado (§ 30 II da mesma lei), faculdade essa que
é usada apenas em casos excepcionais, como no caso que ora tratamos.

7. Hörnle, Tatjana. Das Verbot des Geschwisterinzests - Verfassungsgerichtliche


Bestätigung und verfassungsrechtliche Kritik. NJW, 2008, p. 2085 e ss.

8. Não deixa de ser irônico que trabalhos que se propõem a ser uma sistematização da
jurisprudência constitucional sejam agora citados por essa mesma jurisprudência para
alicerçar suas próprias posições, em um círculo de citações.

9. BVerfGE 6, 389 (426, 434: imoralidade; 437: proteção indireta de menores); vide
também o Projeto Governamental de Código Penal, Entwurf 1962, p. 376 e ss., que
mantinha a incriminação do homossexualismo e a fundamentava com base nesses
mesmos argumentos.

10. Uma tal definição é proposta por: Feinberg, Joel. Harm to Others. New York/Oxford,
1984, p. 14 e ss. Parece-me que, para seguirmos em frente com as presentes reflexões,
não é necessário definir de modo mais claro o conteúdo do termo " moral", por exemplo
fazendo referência a alguma teoria de ética normativa. Tentei uma tal precisão na minha
tese de doutorado, em que o termo moral, no contexto de discussões como a presente,
foi reconstruído como o conjunto de exigências de comportamento fundadas de modo
não consequencialista, o que entendi como sinônimo de exigências de comportamento
fundadas de modo deontológico ou segundo uma ética de virtudes (Greco, Luís.
Lebendiges und Totes in Feuerbachs Straftheorie. Berlin: Duncker & Humblot, 2009, p.
120). Para uma definição de consequencialismo cf. abaixo nota 20.

11. Hassemer. Theorie und Soziologie des Verbrechens. Frankfurt a. M., 1973, por
exemplo p. 229 e ss.

12. Mayer, Hellmuth. Das Strafrecht des Deutschen Volkes. Stuttgart, 1936, p. 26.

13. Welzel, Hans Über den substantiellen Begriff des Strafgesetzes. In: ______.
Abhandlungen zum Strafrecht und zur Rechtsphilosophie. Berlin/New York, 1975, p. 224
e ss. (p. 229).

14. Dúvidas principalmente em K. F. Schumann. Positive Generalprävention. Heidelberg,


1989, p. 49; K. F. Schumann, Empirische Beweisbarkeit der Grundannahmen von
positiver Generalprävention. In: Schünemann; Von Hirsch; Jareborg (coords.). Positive
Generalprävention. Heidelberg, 1998, p. 17 e ss. (p. 23 e ss.); considerando estas
suposições empiricamente fundadas, por sua vez: Schöch, Empirische Grundlagen der
Generalprävention. In: Vogler (coord.). Festschrift für Jescheck, Berlin, 1985, vol. 1, p.
1081 e ss. (1103 e ss.).

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Tem futuro a teoria do bem jurídico? Reflexões a partir da
decisão do Tribunal Constitucional Alemão a respeito do
crime de incesto (§ 173 Strafgesetzbuch)

15. Fundamental: Engisch, Karl Vom Weltbild des Juristen. 2. ed. Heidelberg, 1965, p.
15.

16. Cf. em detalhes e com referências: Schlaich, Klaus; Korioth, Stefan. Das
Bundesverfassungsgericht. 7. ed. München, 2007, n. 532 e ss.

17. Por exemplo Roxin, Klaus. Rechtsgüterschutz als Aufgabe des Strafrechts? In:
Hefendehl (coord.). Empirische und dogmatische Fundamente, kriminalpolitischer
Impetus, Köln, 2005, p. 135 e ss. (144 e ss.); Roxin, Klaus. Strafrecht, Allgemeiner Teil.
4. ed. München, 2006, vol. 1, § 2/7; Schünemann, Bernd Das Rechtsgüterschutzprinzip
als Fluchtpunkt der verfassungsrechtlichen Grenzen der Straftatbestände und ihrer
Interpretation. In: Hefendehl; Wohlers; Von Hirsch (coords.). Die Rechtsgutstheorie,
Baden Baden, 2003, p. 133 e ss.; Hefendehl, Roland. Mit langem Atem. Der Begriff des
Rechtsguts. GA, 2007, p. 1 e ss.; na Argentina: Zaffaroni, Eugenio Raúl; Alagia,
Alejandro; Slokar, Alejandro. Derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires, 2002,
p. 128; entre nós: Tavares, Juarez. Critérios de seleção de crimes e cominação de
penas. RBCCrim 0, São Paulo: Ed. RT, 1992, p. 75 e ss. (p. 78 e ss.); também eu
defendi essa postura, por exemplo: Greco, Luís. Princípio da ofensividade e crimes de
perigo abstrato. RBCCrim 49, São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 89 e ss. (p. 97 e ss.).

18. Vide abaixo, item 5.

19. Exemplos do primeiro gênero de críticas: mais antigamente, Bockelmann, Paul. Vom
Sinn der Strafe, Heidelberger Jahrbücher 5, 1961, p. 25 e ss. (p. 26 e ss.); atualmente,
Stratenwerth, Günter. Zum Begriff des "Rechtsgutes". In: Eser et alii (coords.).
Festschrift für Lenckner. München, 1998, p. 377 e ss. (p. 388). Exemplos do segundo
gênero: Lagodny, Otto. Schranken der Grundrechte. Tübingen, 1996, p. 144; Vogel,
Joachim. Strafrechtsgüter und Rechtsgüterschutz durch Strafrecht im Spiegel der
Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts, StV, 1996, p. 110 e ss. (p. 112); Appel,
Ivo. Verfassung und Strafe, Berlin, 1998, p. 206; Appel, Ivo., Rechtsgüterschutz durch
Strafrecht? KritV 82, 1999, p. 278 e ss.

20. Entendendo-se aqui por consequencialismo a tese segundo a qual uma ação será
moralmente correta a depender unicamente de suas consequências, cf.: Shaw, William.
The Consequentialist Perspective. In: Dreier, J. (coord.). Contemporary Debates in Moral
Theory, Malden, 2006, p. 5 e ss. (p. 5); bem similar: Birnbacher, Dieter. Analytische
Einführung in die Ethik, Berlin/New York, 2003, p. 173; Frey, R. G. Act-Utilitarianism. In:
LaFollette (coord.). The blackwell guide to ethical theory, Malden: Blackwell, 2000, S.
165 f. (f. 165); Kamm, F. M. Nonconsequentialism. In: LaFollette (coord.). The blackwell
guide to ethical theory, Malden: Blackwell, 2000, p. 205 e ss. (p. 205).

21. Vide acima nota 10.

22. Dworkin, Ronald. Rights as Trumps. In: Waldron (coord.). Theories of Rights. Oxford,
1984, p. 153 e ss.

23. Nesse sentido, fundamental: Nozick, Robert. Anarchy, State, Utopia. Malden, 1974,
p. 28 e ss.

24. Para o direito penal, fundamental: Schaffstein, Friedrich. Zur Problematik der
teleologischen Begriffsbildung im Strafrecht. Festschrift der Leipziger Juristenfakultät für
Richard Schmidt. Leipzig, 1936, p. 49 e ss. (p. 56 e ss. e 64).

25. Sobre o conceito de soberania extensamente: Feinberg, Joel. Harm to Self. New
York/Oxford, 1986, p. 52 e ss.

26. BVerfGE 90, 145 (172).

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Tem futuro a teoria do bem jurídico? Reflexões a partir da
decisão do Tribunal Constitucional Alemão a respeito do
crime de incesto (§ 173 Strafgesetzbuch)

27. BVerfGE 90, 255 (260).

28. BVerfGE 109, 279 (313); aprofundadamente: Roxin, Klaus. Großer Lauschangriff und
Kernbereich privater Lebensgestaltung. In: Schöch et alii (coords.). Festschrift für
Böttcher, Berlin, 2007, p. 159 e ss. com ulteriores referências.

29. Mill, John Stuart. On liberty. London: Penguin Books, 1985 (primeiramente publicado
em 1859), cap. 1 (p. 68 e ss.); vide já a crítica do seu contemporâneo: Fitzjames
Stephen, James. Liberty, Equality, Fraternity. Cambridge, 1967 (reimp. 2. ed., 1874), p.
28. Mais detalhes, com referências: Greco, Luís. A crítica de Stuart Mill ao paternalismo.
Revista Brasileira de Filosofia 54, 2007, p. 321 e ss. (p. 331 e ss.)

30. Apesar de que esta última proibição esteja sendo atualmente - e erroneamente -
questionada, a respeito: Greco, Luís. As regras por trás da exceção: reflexões sobre a
tortura nos chamados "casos de bomba-relógio". RBCCrim 78, São Paulo: Ed. RT, 2009,
p. 7 e ss.

31. Hassemer, Darf es Straftaten geben, die ein strafrechtliches Rechtsgut nicht in
Mitleidenschaft ziehen? In: Hefendehl; Wohlers; Von Hirsch (coords.). Die
Rechtsgutstheorie, Baden Baden, 2003, p. 57 e ss. (p. 60).

32. Vide os esforços de Roxin, Claus. Strafrecht, Allgemeiner Teil. 4. ed., München,
2006, vol. 1, § 2 n. 46 e ss., 76 e ss.; Schünemann, Bernd. Vom Unterschicht- zum
Oberschichtstrafrecht. Ein Paradigmawechsel im moralischen Anspruch? In: Kühne;
Miyazawa (coords.). Alte Strafrechtsstrukturen und neue gesellschaftliche
Herausforderung in Japan und Deutschland, 2000, p. 15 e ss. (p. 26, 28); Schünemann,
Bernd Das Rechtsgüterschutzprinzip als Fluchtpunkt der verfassungsrechtlichen Grenzen
der Straftatbestände und ihrer Interpretation. In: Hefendehl; Wohlers; Von Hirsch
(coords.). Die Rechtsgutstheorie, Baden Baden, 2003, p. 149; Amelung, Knut. Der
Begriff des Rechtguts in der Lehre vom strafrechtlichen Rechtsgüterschutz. In:
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155 e ss. (p. 171 e ss.); Hefendehl,oland. Kollektive Rechtsgüter im Strafrecht, Köln,
2002, p. 139 e ss.; Hörnle, Grob anstössiges Verhalten. Frankfurt a. M., 2005, p. 88.

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