Megaprocessos e Exercício Do Direito de Defesa (Bottino e Prates)

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Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma

abordagem empírica

MEGAPROCESSOS E O EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA: UMA


ABORDAGEM EMPÍRICA
Mega-trials and criminal defense: an empirical study
Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 162/2019 | p. 145 - 170 | Dez / 2019
DTR\2019\41249

Fernanda Prates
Pesquisadora do Centro de Justiça e Sociedade (FGV Direito Rio). Pós-doutoranda em
Direito (FGV Direito Rio), Pós-doutorado em Criminologia (Universidade de Ottawa,
Canada). Doutora em Criminologia (Universidade de Montréal, Canada). ORCID:
orcid.org/0000-0001-6420-6778. [email protected]

Thiago Bottino
Pós-Doutor em Direito pela Columbia Law School. Doutor e Mestre em Direito
Constitucional pela PUC-Rio. Professor Adjunto e Coordenador de Graduação da FGV
Direito Rio. Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Membro efetivo da Comissão Permanente de Direito Penal do IAB. ORCID:
orcid.org/0000-0003-0557-5412. [email protected]

Área do Direito: Penal; Processual


Resumo: Os chamados “megaprocessos” fazem parte da cena jurídica internacional há
pelo menos 30 anos. Eles se caracterizam pelo grande numero de réus e de acusações,
pela extensa e complexa matéria probatória, bem como pela longa duração dos
procedimentos. Se, por um lado, este novo modelo pode trazer um impacto positivo na
redução da criminalidade organizada, por outro, ele levanta questões importantes em
relação à aplicação dos princípios fundamentais da justiça criminal, tanto no âmbito da
investigação policial quanto do processo penal. Apesar da crescente presença dos
megaprocessos na âmbito da justiça penal, a pesquisa brasileira sobre o assunto ainda
se encontra em estágio inicial. Partindo de uma observação criminológica e de uma
perspectiva empírica, nossa pesquisa busca analisar os impactos deste modelo
processual no funcionamento da justiça criminal, tendo por base entrevistas qualitativas
realizadas com advogados criminalistas e membros do Ministério Público. A partir da fala
dos atores, o presente artigo analisa os limites concretos do exercício do direito de
defesa no âmbito dos megaprocessos .

Palavras-chave: Megaprocessos – Direito de defesa – Prerrogativas – Advocacia criminal


Abstract: Megatrials have been part of the international legal scene for at least 30 years.
They are characterized by the large number of defendants and accusers, by the
extensive and complex evidence, as well as by the long duration of the proceedings. If
this new model can have a positive influence on the reduction of organized crime, it also
raises important questions regarding the application of the fundamental principles of
criminal justice, both during police investigations and criminal proceedings. Despite the
growing presence of megatrials in criminal justice, Brazilian research on the subject is
still at an early stage. Based on a criminological observation and an empirical
perspective, our research seeks to analyze the impacts of this procedural model on the
criminal justice through qualitative interviews with criminal lawyers and members of the
Public Prosecution Office. This article analyzes the concrete limits of the exercise of the
right of defense in the scope of megatrials.

Keywords: Megatrials – Due process – Criminal defense – Criminal attorneys


Introdução
1

Os chamados “megaprocessos” fazem parte da cena jurídica internacional há pelo menos


2
30 anos . Mais recente no Brasil, esta estrutura processual vem conhecendo um
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abordagem empírica

crescimento exponencial, a exemplo dos conhecidos como “Operação Câmbio Desligo”,


“Operação Pecúlio”, Operação Satighara” e “Operação Lava Jato”, procedimento
3
paradigmático do modelo de megaprocessos . Estes processos se caracterizam pelo
grande número de réus e de acusações, pela extensa e complexa matéria probatória,
4
bem como pela longa duração dos procedimentos .
5
Dentro desse contexto, Ferrajoli trabalha a ideia de gigantismo processual, que se
desenvolve em três dimensões. A primeira, horizontal, diz respeito à abertura de
grandes investigações contra um número extremamente elevados de indivíduos; a
segunda, vertical, ampliando a responsabilidade dos acusados através de delitos de
natureza associativa; e a terceira, temporal, com a prolongação desmensurada dos
procedimentos.

Esse novo modelo processual é o resultado de uma nova estratégia de forças policiais
visando a neutralização das atividades do crime organizado, dando ênfase em
investigações longas e complexas que visam a prisão massiva de membros de uma
6
organização criminosa . Se, por um lado, este novo modelo pode trazer um impacto
7
positivo na redução da criminalidade organizada , por outro lado, ele levanta questões
importantes em relação à aplicação dos princípios fundamentais da justiça criminal,
tanto no âmbito da investigação, quanto do processo penal.

Em relação às investigações, observamos nos últimos anos a utilização crescente de


técnicas invasivas, como a utilização de interceptações telefônicas, agentes infiltrados e,
8
principalmente, colaboradores . O uso excessivo destas técnicas levanta questões sobre
possíveis violações de direitos, dentre eles a presunção de inocência e a proteção à vida
9
privada .

No que diz respeito ao processo criminal, dois aspectos merecem ser ressaltados. Em
primeiro lugar, o princípio da individualização da pena estabelece que a sentença seja
imposta de forma individualizada e proporcional à responsabilidade do autor. Ora, o
elevado número de réus, de acusações e de provas presentes nos megaprocessos cria
sérios obstáculos à individualização da pena, podendo dar ensejo a verdadeira
10
“condenação por associação” . Em segundo lugar, o direito a uma defesa plena dá ao
réu o direito de ter o perfeito conhecimento das pretensões de seu adversário, de seus
11
argumentos e das provas que ele apresenta .

Nesse sentido, cabe indagar qual a real capacidade do acusado de tomar conhecimento
da totalidade de uma prova que pode ser composta por mais de 40 mil horas de
12
gravação de interceptação telefônica, como no caso da “Operação Furacão” , ainda
mais levando em conta que muitos advogados não possuem recursos ou infraestrutura
suficiente para analisar todo esse volumoso material probatório. Apesar da crescente
presença dos megaprocessos na âmbito da justiça penal, a pesquisa brasileira sobre o
assunto ainda se encontra em estágio inicial.

Partindo de uma observação criminológica e de uma perspectiva empírica, nossa


pesquisa busca conhecer os impactos desse modelo processual no funcionamento da
justiça criminal. Para tanto, foram realizadas, ao longo de um ano, entrevistas
13
qualitativas com onze membros do Ministério Público e nove advogados criminalistas ,
todos da região Sudeste do país. As entrevistas, que tiveram em média uma hora de
duração, foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas integralmente.

Em seguida, todas foram analisadas verticalmente, possibilitando uma estruturação


temática de cada uma das entrevistas. Após a análise vertical, foi iniciada a etapa de
análise horizontal, que examinou a relação entre as falas dos entrevistados, buscando
destacar suas semelhanças e diferenças, para então identificar as falas e temas que
refletem o teor da maioria das entrevistas realizadas.

Certa dificuldade de acesso aos atores impossibilitou a realização de um número maior


de entrevistas, o que constitui um limite da presente pesquisa e afasta qualquer
discussão acerca da representatividade de nossa amostra. Espera-se que outros estudos
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abordagem empírica

consigam realizar uma análise mais abrangente e aprofundada do tema. O presente


artigo busca, a partir da fala dos atores, analisar limites concretos do exercício do direito
de defesa no âmbito dos megaprocessos.

Sumário:

1 “ Olha, eu preciso de um maracanã para fazer audiência”: o gigantismo processual e


seus impactos no direito de defesa - 2 Entre celeridade e atropelo: a busca por eficiência
nos megaprocessos - 3 “Olha, o rolo compressor tá chegando”: A asfixia dos
megaprocessos e os limites ao direito de defesa - 4 A atuação em megaprocessos e os
riscos de criminalização da prática profissional - Considerações Finais - BIBLIOGRAFIA

1 “ Olha, eu preciso de um maracanã para fazer audiência”: o gigantismo processual e


seus impactos no direito de defesa

Conforme dito anteriormente, são características estruturais dos megaprocessos o


elevado número de réus, o volume e a complexidade da carga probatória. De acordo
com os entrevistados, tais atributos geram problemas importantes tanto para a dinâmica
do desenrolar processual quanto para a produção e análise do contexto probatório. A
fala dos advogados entrevistados é particularmente relevante para a compreensão do
impacto dessa estrutura processual no conhecimento e avaliação da prova presente nos
autos. Nesse sentido, os entrevistados nos dizem, por exemplo, que:

“É um volume brutal. O último processo no qual eu fiz alegações finais, eu estimo que eu
tenha lido dentre autos principais e apensos contendo medidas cautelares, inquéritos e
termos de homologação de acordos de colaboração, termos de homologação de acordos
de leniência, anexos, etc., algo em torno de 20.000 a 25.000 páginas. Sem nenhum
exagero. Só os autos principais tinham 7.500 páginas. Então, evidentemente que, nesse
contexto, a não ser aquele defensor que ou é extremamente zeloso e abnegado e passe
o final de semana estudando o processo, como eu fiz, ou um defensor que tem uma
equipe grande que possa dividir a leitura e fazer um índice dos documentos relevantes é
praticamente impossível conhecer o inteiro teor dos autos do processo.” (Advogado 02)

“A polícia e o Ministério público ficaram investigando um, dois anos, ouvindo a vida dos
outros, tem vários outros procedimentos investigatórios...aí vem o horror, você pega a
ação penal, a denúncia, ela faz referência a vários procedimentos. Você tem mídias e
mídias, anexos e anexos, você consegue ver isso apenas em dez (dias)? Eu tenho uma
equipe grande aqui e não consigo. Então, a impressão que me fica, é que a forma pela
qual são veiculadas as denúncias, já é feito isso de uma maneira tal para dificultar a
defesa.” (Advogado 03)

“Mas o que eu tenho visto também é: véspera de uma audiência, vamos supor, aí o
Ministério Público junta lá 500 mil páginas, 500 mil tô exagerando, vamos dizer 5 mil
páginas na véspera da audiência e diz: a defesa teve acesso, está disponível no processo
eletrônico desde ontem (...) na véspera da audiência foram juntadas num evento, se eu
não me engano, 5 mil páginas. E aí como é que eu vou me manifestar? Não tem como
se manifestar.” (Advogado 01)

Conforme se depreende dos trechos destacados, a fala dos advogados é uníssona no


sentido de que o imenso volume probatório presente nos megaprocessos torna
praticamente impossível o conhecimento de todos os aspectos relacionados a seus
clientes. Nesse sentido, esta estrutura processual acaba por criar uma situação
paradoxal na qual a própria carga probatória constitui um limite ao exercício de uma
defesa plena, tendo em vista a quase que total impossibilidade de ciência da
integralidade das provas que dizem respeito a seus representados. Apesar do volume de
informação representar uma limitação importante ao trabalho dos advogados, este
aspecto não constitui o único problema no que diz respeito ao exercício efetivo da ampla
14
defesa . De fato, vários entrevistados destacam a dificuldade constante de acesso a
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abordagem empírica

certos dados considerados fundamentais, como mostram os trechos a seguir:

“Isso sem contar com um outro problema que, como você tem muito compartilhamento
de provas por processos diferentes (...) muitas vezes você não tem autos de um
procedimento de investigação formalmente encapado e autuado que tem uma cronologia
dos atos praticados no curso da investigação. Hoje não é raro que denúncias sejam
como petições inicias do processo civil, em que o acusador elenca documento 1, 2, 3 e
assim por diante e junta documentos avulsos que há na posse dele e, evidentemente
que nesse contexto é muito difícil pra defesa saber se tudo que dizia respeito àquele
acusado, se aquele fato de fato foi juntado ou não aos autos de processo e,
eventualmente, se aquilo que poderia beneficiar o investigado.” (Advogado 04).

“(...) a realidade, porém, é que você não consegue ter acesso imediato a esses setenta e
sete outros procedimentos, porque você não é parte neles, não advoga pra ninguém
neles, então você não consegue ter acesso. E aí, até você ter acesso, seus dez dias já se
foram.” (Advogado 03).

Os advogados entrevistados citam a dificuldade de acesso à informação em se tratando


especialmente dados oriundos do compartilhamento de prova, recurso habitualmente
utilizado em determinados megaprocesso, como aqueles originários da operação Lava
Jato, por exemplo. De maneira geral, a fala dos advogados indica claramente que, seja
pelo volume importante de informações, seja pela sistemática dificuldade de acesso a
determinadas informações, a própria estrutura processual dos megaprocessos constitui
um óbice ao exercício da ampla defesa, já que, em inúmeras ocasiões, o defensor não
dispõe das condições necessárias ou de tempo hábil para tomar conhecimento de tudo
que é dito sobre seu representado, ideia que bem se traduz na fala de um dos
entrevistados ao constatar que “a gente como advogado criminalista, a gente tinha
orgulho de dizer ‘ah, eu conheço o processo de cabo a rabo’, né? Só que agora a gente
não pode mais falar isso, não existe mais isso.” (Advogado 07).

A questão da dificuldade de conhecimento da integralidade do material probatório em


razão do volume de informação também foi abordada, ainda que em menor grau, pelos
membros do Ministério Público, alguns destacando inclusive o impacto dessa
problemática no encaminhamento dado aos procedimentos investigatórios:

“Mas eu ainda tenho determinadas situações que eu deixo de investigar porque eu não
dou conta do volume de informação, volume de recursos, dados probatórios disponíveis.
Então, por exemplo, a quantidade de áudios que eu tenho interceptados não dou conta,
a análise que tem que fazer não dou conta e hoje em dia com investigação digital, eu
não consigo analisar o que foi apreendido, então eu não dou conta hoje, pelo menos
para o universo geral, não estou falando de forças tarefas, né, elementos destacados,
para o universo geral você não tem como processar o apreendido.” (Ministério Público
01)

“A gente evita ao máximo chegar nesse ponto de dar um corte na investigação, mas
existem situações em que a gente tem que ponderar qual vai ser a efetividade daquela
informação que a gente está pedindo.” (Ministério Público 03)

Alguns promotores mencionaram também a dificuldade de lidar com os megaprocessos


quando não são eles próprios que realizam a investigação, ou seja, trata-se aqui de
membros do Ministério Público que recebem o procedimento investigatório diretamente
de uma Promotoria de Investigação Penal ou de algum grupo especializado do próprio
Ministério Público:

“Então hoje em dia, por exemplo, grandes processos, esse de 9X réus …eu só tomo
conhecimento junto com o grande público, né...eu ligo a televisão e vejo junto com todo
mundo que o fulano foi preso, etc. e descubro que eu ganhei mais um processo de ‘cem
mil’ réus. É assim que funciona, porque o cara da investigação é incapaz de me procurar
e falar: olha, estamos investigando assim, assim, assado, vai acontecer isso… joga uma
bomba para a minha promotoria, e o que é pior, não se tem a tradição, né, de entrega
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da memória da investigação. Então, por exemplo, um processo que tem 9X réus, é


impossível eu em uma semana me preparar sabendo quem é cada um dos 9X réus para
fazer perguntas etc.” (Ministério Público 06)

Cabe ressaltar que este ponto foi mencionado fundamentalmente por membros do
Ministério Público que não contam com a estrutura de uma força-tarefa em sua atuação
diária. Em relação a esse aspecto, as considerações dos promotores que não atuam em
uma força-tarefa se aproximam muito das falas dos advogados quando levantam a
questão da dificuldade para analisar a integralidade da prova nos megaprocessos, tendo
em vista o volume de informação, a falta de estrutura e o breve lapso temporal dentro
do qual precisam se manifestar. De fato, a estrutura das forças-tarefas aparece na fala
dos entrevistados como elemento essencial para o adequado fluxo e desfecho de um
megaprocesso, como é possível notar no trecho abaixo:

“Olha só, processos enormes como esses, na verdade, eles são tremendamente
desgastantes (...) então é absolutamente imprescindível que você tenha uma
força-tarefa trabalhando. Só que é absolutamente impossível que você tenha
forças-tarefas do tamanho da força-tarefa da Lava Jato em todos os casos que forem
grandiosos.” (Ministério Público 04)

O volume dos megaprocessos parece causar impacto também na atividade do


magistrado da causa, muito no que diz respeito ao gerenciamento do material probatório
bem como das inúmeras decisões interlocutórias proferidas neste modelo processual.
Sobre esse aspecto, um membro do Ministério Público se manifesta no seguinte sentido:

“(...) autorizava o sujeito a receber a propina como se corrompido fosse e passava a


controlar a atuação dele, né, combinava uma ação controlada com uma infiltração leve.
É, até então, por uma questão legal, você tem que ter aquela renovação da autorização
judicial periodicamente. Cansei de ver, tanto com essa situação ou com escuta
telefônica, o juiz falar: olha, vou dar mais uma fase, vou dar mais tal fase e não renovo
mais. E aí o não renovo mais não é por conta do volume de dados já apreendido, já
capturado, não é pelo desbaratamento de uma quadrilha, é pelo trabalho que dá para
ele, né. Como cada ciclo novo eu tenho que gerar x ofícios, imobilizar alguém do cartório
para fazer isso assim, eles simplesmente cortam, né, já dei tantos ciclos, tantos
períodos, etc. e não faço mais (...) não, é o volume de trabalho, carga horária que vai
gerar, né.” (Ministério Público 01)

Conforme se observa no trecho citado, a percepção do entrevistado é no sentido de que


o volume de informação e a carga adicional de trabalho que essa dinâmica processual
demanda impactariam de maneira importante o desenrolar do procedimento
15
investigatório, limitando seu escopo e amplitude .

Para além do importante volume de informação, a questão do elevado número de réus –


outra característica deste modelo processual – também foi mencionada pelos
entrevistados como um elemento complicador dos megaprocessos. As falas destacadas a
seguir, apesar de sucinta, refletem sobremaneira a percepção dos entrevistados:
16
“Eu tenho um processo com 9X réus, serve? É inviável, não faz. Não faz, você não
consegue ler, você não consegue despachar, você não consegue nada.” (Ministério
Público 01)

“Para o bem e para o mal, nós, como órgão de investigação, estamos adquirindo uma
expertise que é ímpar no mundo. Por conta disso estamos conseguindo uma carga
probatória muito robusta. Este na verdade é um dos problemas que um processo grande
17
desses apresenta. É possível exemplificar isso por meio da Operação XXX . Nesta
18
operação as defesas em conjunto arrolaram cerca de 19X testemunhas. Logo, são
cerca de 19X depoimentos que temos que recolher em juízo (...) então os problemas são
de diversas ordens.” (Ministério Público 05)

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abordagem empírica

De fato, as falas dos entrevistados são comuns ao destacarem os problemas ligados ao


elevado número de réus nesses procedimentos. Vários dos problemas trazidos são de
ordem prática, assim, os participantes mencionam a dificuldade da dinâmica durante
audiências que podem chegar a ter, por exemplo, 30 réus, 50 advogados e mais de 100
19
testemunhas , bem como o peso de uma instrução criminal relativa a um número
extremamente elevado de pessoas, fato que sobrecarrega não apenas o Ministério
Público, mas também – de forma importante - a defesa, como indica o trecho seguinte:

“Vou falar do meu cliente, vamos colocar assim, ele era entregador da empresa, tem um
caso gigante aqui (...) aí eu estou com 8, ali não tem delação, não tem nada. Mas, ali
naquele processo o negócio é tão bizarro, que eu advogo para um segundo escalão da
organização, vendedoras, recepcionista, secretarias (...) Cada uma responde por 1600
peculatos. Coloca no mesmo saco? Tudo no mesmo saco. Aí você vai falar assim: ‘MP,
Juiz, não é bem assim, ainda que ela tenha participado tem que identificar culpa’, se não
foi um comportamento culposo. E a cooperação, será que ela, uma funcionária, tinha
uma noção do grande esquema criminoso que tinha por trás dessa organização? Os
pequenos quando se encontram nessa situação estão ferrados. Porque o juiz vai botar no
mesmo saco. Aí tá todo mundo: ‘Ah, se ela não tivesse vendido, comprado’. Cara, como
assim, cara? Sabe? "Ah não a contribuição foi relevante, sem ela a organização não
funcionava", sem ela, pô, atender um telefone e fazer uma compra. E aí fica no mesmo
saco e aí ela vai fazer delação? Fazer delação do que?” (Advogado 05)

A fala do advogado descreve dois impactos importantes da estrutura processual com um


número elevado de réus, a primeira tratando da dificuldade da individualização da
conduta – e, por conseguinte, do grau de responsabilidade penal – dos acusados e a
segunda abordando as consequências negativas da referida estrutura para aqueles réus
“de segundo escalão” que, em razão da posição ocupada na organização, muitas vezes
20
não possuem “capital” suficiente para ensejar uma colaboração premiada .

2 Entre celeridade e atropelo: a busca por eficiência nos megaprocessos

Somado à quantidade de informação abordada no tópico anterior, outro aspecto


abordado pelos entrevistados diz respeito à celeridade processual presente em
21
determinados megaprocessos . Por certo que tal característica poderia ser vista de
maneira positiva, mas, tomando por base as falas dos entrevistados, esta tendência
levanta dúvidas sobre a qualidade da justiça oferecida, tendo em vista se tratar de
processos com um número elevado de réus e de imputações sendo resolvidos em um
reduzido lapso temporal. Um representante do Ministério Público cita o exemplo de um
megaprocesso altamente complexo que teve sua instrução finalizada em poucos meses:
22
“(Magistrado/a) trabalha muito rápido, essas 18X , ele/a marcou todos os dias da
semana, de manhã e de tarde, até as defesas reclamaram lá (...) Isso é uma
característica que a gente tem visto hoje no processo. Hoje em dia, a celeridade passou
a ser uma questão, também a polícia inicia a operação, intima logo um monte, às vezes
23
conduz coercitivamente , então assim, são vários ouvidos num só momento. No modelo
antigo isso levava anos, sem exagero, anos e anos, porque você intimava, o cara não
vinha, mandava atestado médico, marcava para daqui a 3 meses, 6 meses (...). Para
24 25
exemplificar, a (nome da operação ) foi deflagrada em novembro/dezembro de 201X ,
em junho do ano seguinte já estava encerrada (...). Foi rápido. Essa duração, mesmo
para um processo comum, é boa. (MP 13)

As “reclamações” dos advogados são de diversas ordens. Os advogados entrevistados,


em especial aqueles com uma pequena ou média estrutura de trabalho, falam, por
exemplo, das dificuldade em termos organizacionais, da necessidade de limitar a atuação
em outras causas para que possam se dedicar integralmente a determinando
megaprocesso, tanto no que diz respeito à presença em atos processuais, quanto no que
26
se refere ao tempo dedicado ao estudo dos autos e preparação da defesa . De fato,
27 28
segundo Jauchen , conforme citado por Maria Elisabeth Queijo , a defesa criminal
constitui, em grande parte,
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abordagem empírica

“tarefa que requer tempo necessário e indispensável para efetuar investigações, recolha
e individualização de provas, diálogos entre o acusado e seu defensor , elaboração de
atos em que se se apoiam os argumentos e fundamentações sobre a posição defensiva e
demais trabalhos que não são possíveis de se realizar com eficácia sem os meios e o
tempo adequado”.

Para além dos problemas práticos que decorrem da atuação neste tipo de processo, os
advogados levantam questionamentos importantes em relação à eventual fragilização do
exercício de defesa decorrente da celeridade acentuada de determinados
megaprocessos, como bem indica o trecho a seguir:“Uma outra característica do
processo da Lava Jato é a rapidez, e a rapidez dos processos, ela tem que ser pensada
num duplo sentido. Quando a gente fala na razoabilidade na duração do processo penal,
ou dos processos em gerais, isso tem que ser pensado, com perdão da redundância,
num duplo sentido. Por quê? Tem que ter razoabilidade pra não demorar ao infinito. E
tem que ser uma razoabilidade pra não tão rápido que impeça o exercício da defesa. E
hoje a gente trabalha muito com a ideia de razoabilidade só num primeiro sentido, que é
o da rapidez. Agora, muita velocidade impede de as coisas assentarem também, pra
você poder fazer um trabalho eficaz, consistente. Você tá fazendo seu trabalho de
doutorado, tem só meia hora. E aí? Que trabalho você vai fazer? É um trabalho mais
difícil. Claro, o trabalho não pode durar dez anos também. A gente vive num momento
que se cobra muito resultados. Então, ação, ação, quer dizer, mas eles atropelam muito
a defesa. Uma quarta coisa que eu queria falar é que muitos requerimentos são
indeferidos. Requerimentos, às vezes, importantes (...) é eficiente. É muito eficiente.
Pode botar aí. É muito eficiente. É eficiente demais. Mas à custa da defesa, eu acho. À
custa das garantias da defesa (...) é uma máquina que engole a defesa.” (Advogado 03)

As considerações feitas pelo entrevistado refletem a fala de vários advogados no sentido


de que a busca pela eficiência dos megaprocessos, com objetivo, muitas vezes, de dar
“uma resposta rápida à população”, ocorre em detrimento do exercício irrestrito do
29
direito de defesa . É possível que a rapidez de certos procedimentos abordada pelos
advogados tenha origem na proximidade cada vez maior entre o direito e a comunicação
social. Assim, casos com ampla divulgação midiática parecem impor ao Direito ritmos
que não são os seus e que se mostram incompatíveis com os processos de formação da
30
decisão judicial . De fato, o ritmo judicial em nada se aproxima do ritmo midiático. Se
aquele exige cautela e observação, sendo, por vezes, demasiado longo, o da
comunicação é o oposto, como ressalta Hespanha:

“Aqui (...) impera um fluxo informativo frenético, que exige da informação: rapidez,
impacto, espetáculo, novidade (...) A comunicação vive do movimento, não da
permanência. O impacto atual dos meios de comunicação social explica que a sua
influência se faça sentir também no campo do direito. Esta influência se exerce em
31
vários planos, tendo consequências mais ou menos profundas.”

Nesse sentido, modelo de “megajustiça” suscita o debate acerca da coexistência entre os


imperativos de segurança e eficiência e o direito do acusado a um julgamento justo, no
qual a busca por uma eficiência processual se vê acompanhada de um enfraquecimento
dos direitos fundamentais dos acusados, refletindo a tendência observada por Rainer e
Wilson ao afirmarem que o gerencialismo na justiça criminal representa “a cutting back
of due process rights in which the goals of efficiency and effectiveness prevail over
32
substantive justice ends” . De fato, talvez esse novo modelo processual introduza uma
mudança no modelo tradicional de justiça, que contrapõe o crime control ao due process
33
, criando um novo modelo que contrapõe a eficiência/rapidez ao due process.

Tais questionamentos se revelam fundamentais, levando em conta o fato de que os


objetivos de simplificação/rapidez dos procedimentos e de aumento de produtividade
presentes no gerencialismo introduziram na justiça criminal uma nova forma de
legitimidade baseada no desempenho e que essa lógica talvez constitua de fato um
elemento limitador ao exercício pleno dos direitos de defesa. Em termos de política
criminal, observamos que tal tendência é impregnada por discursos de luta contra a
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Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

impunidade e contra a corrupção, de luta contra a “banalização” da justiça e de seu


necessário fortalecimento enquanto instrumento eficaz de combate à criminalidade
organizada. A ideia de justiça “eficiente” reflete um movimento mais amplo de política
criminal que busca, através da imagem de justiça eficaz, restaurar a legitimidade das
agências penais, se concentrando no “como punir” e não mais no “por que punir”.

Nessa lógica orientada para o resultado, o sistema penal se centra em sua própria
34
atividade e seu bom funcionamento se transforma em um fim em si mesmo . Mais
ainda, a ideia de “combate” à criminalidade organizada nos remete à análise feita por
Sheptycki, mostrando que a noção, não de qualquer crime, mas aquela de “crime
organizado”, bem como de seu combate, se tornam fundamentais para o fortalecimento
e legitimação do Estado. Essa construção da figura do crime organizado como um objeto
de governança constitui, segundo o autor, uma tendência global de coexistência entre o
enfraquecimento do conceito de Estado-nação e a centralização da figura do “crime
organizado” no âmbito do discurso oficial de combate à criminalidade, observando assim
que “ turning organised crime into an object of governance was one way for sovereign
35
state actors to assert the importance of the estate in the practice of governance” .

3 “Olha, o rolo compressor tá chegando”: A asfixia dos megaprocessos e os limites ao


direito de defesa

Normalmente os megaprocessos se tornam públicos com as chamadas megaoperações,


cada vez mais frequentes nos noticiários nacionais. Dois instrumentos muito utilizados
no contexto dos megaprocessos são o bloqueio de bens e, em menor grau, a prisão
processual dos envolvidos. O emprego de ambas as ferramentas tem um impacto
importante na qualidade da defesa dos envolvidos, como se mostrará adiante. Em
relação ao bloqueio de bens, a fala dos advogados é uníssona em indicar que a utilização
deste instrumento causa prejuízos importantes na espécie de defesa que poderá ser
proporcionada aos envolvidos em um megaprocesso. Esta dificuldade é de duas ordens,
a primeira se relaciona à dificuldade de contratação de profissionais especialistas que
possam analisar determinados aspectos técnicos dos processos, como, por exemplo, um
perito contábil. É justamente nesse sentido a fala a seguir:

“(Sobre contratação de perito) qualquer profissional que eu precise eu tenho (...) Só que
o cliente tá com os bens todos bloqueados, como é que eu pago? Isso acaba com o
direito de defesa, até com pagamento de honorários, é algo assim que a gente tem tido
dificuldade. Eu falo pro cliente: ‘olha tem um profissional que vai te custar R$
100.000,00’ e o cliente: ‘olha daqui a 10 anos eu pago, tô com os bens bloqueados’.
Entendeu? Aí o advogado se vira. Você tem que se virar. E eu acho que o Ministério
Público percebeu que sufoca.” (Advogado 05)

De acordo com a fala do advogado, o bloqueio de bens ensejaria assim uma limitação
prática ao direito de defesa, impedindo a utilização de profissionais capazes de produzir
dados e análises importantes para seu exercício e diminuindo, portanto, a qualidade da
defesa técnica proporcionada aos investigados e acusados em megaprocessos. Para além
da limitação quanto à qualidade da defesa oferecida, os advogados entrevistados
abordaram o impacto do bloqueio de bens em sua própria prática profissional bem como
no desfecho do processo. Assim, dois advogados observam que:

“É, esse é um problema grave, porque essas operações, quando é deflagrada a chamada
fase ostensiva delas, além de medidas cautelares probatórias, como busca e apreensão
residencial e de coação pessoal, como condução coercitiva e prisão temporária ou
preventiva, a regra é que haja um bloqueio universal de bens e valores da pessoa. Os
juízes tendem a só permitir o desbloqueio daquilo que tem natureza alimentar: pensão,
aposentadoria, salário... e manter todo o resto bloqueado. O resultado prático é que a
pessoa fica sem liquidez e solvência pra contratar um escritório de advocacia e,
portanto, fica sem liquidez e solvência pra ter uma defesa técnica combativa e
adequada. Acho que seria temerário eu dizer que isso é um objetivo, certamente não é
um objetivo declarado, me pergunto se é um objetivo não declarado dessas medidas, de
Página 8
Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

justamente dificultar o exercício da defesa técnica por parte dessas pessoas que sem
liquidez ou solvência, ou vão contratar um profissional menos qualificado, que tá
disposto a fazer por um preço aviltante ou de graça.” (Advogado 02).

“E um dos impactos do bloqueio de bens é a dificuldade pra contratar, de pagar o


advogado. É uma dificuldade enorme. Ou você banca a causa, ou ele tem amigos pra te
pagar. É assim. É exatamente assim. É uma forma de asfixiar o réu. E qual o caminho
que aparece como mais auspicioso? Claro. Delação, só pra ficar gravado.” (Advogado
03).

Os dois trechos selecionados retratam bem o impacto do bloqueio de bens na capacidade


do investigado/acusado em um megaprocesso constituir uma defesa de qualidade e
quando o faz, de saldar os valores acordados. Os entrevistados mencionam, por
exemplo, o fato de alguns advogados terem seus honorários honrados apenas após o
desbloqueio (ainda que parcial) de bens. Um advogado menciona especificamente o
desconforto de ter que apresentar à justiça seu contrato de honorários, para fins de
36
desbloqueio de valores .

Por mais que este não seja o caso na totalidade dos procedimentos, a fala dos
entrevistados parece importante por trazer novas nuances à imagem popular dos
advogados criminalistas que estão enriquecendo de forma quase que instantânea com a
37
atuação em megaprocessos . Outro aspecto amplamente abordado entre os advogados
entrevistados diz respeito às consequências da utilização do bloqueio de bens (e, por
certo, também da prisão) no processo de decisão do acusado no que se refere à
possibilidade de acordo de colaboração premiada. Assim, vários entrevistados sugerem
que tais práticas são empregadas, sobretudo para criar um processo de asfixia,
impedindo o exercício pleno de defesa, o que terminaria por ensejar a realização da
38
colaboração pelo investigado/acusado . As falas dos entrevistados trazem à tona o
impacto que as medidas não privativas de liberdade tais como o cerceamento
patrimonial decorrente do bloqueio de bens podem ter na escolhas dos acusados em
megaprocessos, devendo desta forma ser aplicadas com a parcimônia necessária.

Outra ferramenta menos comum, mas também frequente nos megaprocessos, diz
respeito às prisões processuais. Não abordaremos aqui a discussão acerca de sua
validade ou legitimidade e sim o impacto da privação de liberdade na construção de uma
defesa de qualidade, levando em consideração a natureza complexa temas jurídicos e
fáticos tratados nos megaprocessos. Sobre este tópico, os advogados levantam os
seguintes pontos em suas falas:

“O ponto é o seguinte: quando eu tive o primeiro contato com o cliente, me permitiram


falar pessoalmente, em uma área, reservadamente com ele, como a lei me autoriza,
mas nas vezes seguintes eu tive que falar por interfone. Veja você, documento
apreendidos, bens bloqueados e ainda você não consegue ter uma comunicação livre
com seu cliente? (...) segunda coisa é a dificuldade de comunicação. Você falar por
interfone, eu lembro de um julgado tribunal penal europeu que dizia que o simples fato
de você suspeitar de que a conversa está sendo gravada já em si cerceia a conversa (...)
essa coisa de você não conseguir falar com liberdade, como a lei te autoriza, é muito
grave, é muito grave. Você tem que ter um lugar que, garantidamente, você possa ter
uma conversa pessoal e reservada, que ninguém ouça e que você possa falar com
liberdade.” (Advogado 03).

“O contato é dificultado; hoje, por exemplo, eu visitei uma unidade e tinha uma fila de
uns 10 advogados na porta esperando pra falar com seus clientes. Em regra, se fala num
parlatório coletivo, em que não há a menor privacidade, são três advogados atendendo
os seus respectivos clientes ao mesmo tempo. Essa unidade até tem duas salas
‘reservadas’, entre aspas, mas a direção só deixa que o advogado use com autorização
judicial expressa, e a sala dita ‘reservada’ tem uma porta vazada no meio, em que era
pra ter um vidro e tiraram o vidro. Então, na verdade, ela não é nada reservada (...) isso
se agrava com o fato de que hoje o STJ entende que, se o alvo original de uma
Página 9
Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

interceptação telefônica é um cliente, e circunstancialmente são interceptadas conversas


do cliente com seu advogado, essa prova é lícita. É um encontro fortuito de prova, e a
prova pode ser aproveitada em juízo; me parece um absurdo porque o fundamento da
inviolabilidade do sigilo profissional da advocacia existe independentemente de quem é o
alvo original da interceptação, seja o cliente, seja o advogado, a conversa não pode ser
monitorada, quer a conversa presencial, num parlatório dentro de uma unidade
penitenciária, quer a conversa telefônica, hoje são completamente devassadas.”
(Advogado 02).

“O grande problema você fala pelo interfone. Qual a segurança que eu tenho de falar
com um cliente meu pelo interfone. Ponto 1: zero. Ponto 2: Eu preciso exibir documento,
então eu preciso sentar do lado do meu cliente (...) você não consegue, por exemplo, o
processo é eletrônico hoje, eu não consigo entrar com um tablet, qual o problema de
entrar com um tablet e mostrar pro cliente o processo?” (Advogado 04).

Pelo que se depreende da fala dos advogados, a privação de liberdade de um cliente –


sobretudo em um megaprocesso – suscita uma limitação no exercício de defesa que é de
duas ordens. Em primeiro lugar, os advogados destacam a dificuldade de construção de
uma estratégia de defesa tendo em vista que muito da carga probatória dos
megaprocessos (provas documentais) não pode ser analisada e discutida em conjunto
com o cliente em razão das limitações decorrentes de sua prisão, não obstante previsão
expressa no Estatuto da Ordem do Advogados do Brasil garantindo a comunicação
39
pessoal e reservada com clientes presos . Em segundo lugar, os advogados mencionam
um sentimento de insegurança no que diz respeito à comunicação realizada nas
unidades prisionais. A ausência quase completa de locais destinados à comunicação
reservada entre advogado e cliente nas prisões faz com que os defensores não se sintam
confortáveis para ouvir determinadas informações e compartilhar determinados pontos
e/ou estratégias de defesa, fazendo com que a comunicação entre esses dois atores –
essencial para garantir o amplo exercício de defesa – se torne limitada e pontual, o que
engendra um enfraquecimento importante da qualidade da defesa oferecida.

4 A atuação em megaprocessos e os riscos de criminalização da prática profissional

Um último aspecto muito abordado pelos advogados reflete um receio crescente da boa
parte da classe profissional, em especial aqueles atuando em megaprocessos de grande
repercussão midiática. Nesse sentido, vários advogados falam de maneira extremamente
preocupada sobre os riscos de criminalização da pratica da advocacia criminal, em suas
mais variadas dimensões, como demostram as passagens a seguir:

“Onde é que eu vejo a criminalização da advocacia? Eu vejo a criminalização da


40
advocacia, por exemplo, quando se instaura um inquérito para apurar vazamento e
começam a querer ouvir os advogados (...) Então, é instaurado inquérito como uma
forma de pressão sobre os advogados. Isso eu acho muito grave. Acho isso muito grave.
Como eu acho grave também essa coisa de querer buscar no advogado o sujeito de
obstrução de justiça. Isso é uma forma, também, de criminalizar a advocacia.”
(Advogado 05)

“Qual o limite do exercício de defesa? Acho que esse é o ponto central, até tava
conversando com alguns advogados que não fazem delação, que orientavam o cliente a
não fazer delação. Aí eles falam hoje em dia: ‘nem oriento mais a isso, não tenho nem
mais coragem, porque se ele vai amanhã no MP e fala que eu mandei não fazer delação,
isso pode ser interpretado como obstrução à justiça, e a gente tem N casos de suspeita
de obstrução’. Então, assim, eu acho que tem sido feita uma interpretação muito
equivocada com relação a limite, qual o limite? Eu posso orientar o cliente a não
confessar, por exemplo, eu posso orientar a não fazer delação? Eu entendo que sim,
porque eu acredito que vou absolver ele, que a prova é fraca. Então, tá ocorrendo? Tá
ocorrendo, não tenho dúvidas que tá ocorrendo.” (Advogado 03)

“Você dizer que o fato de você exercer um direito que está previsto em lei, ou seja, você
Página 10
Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

tá fazendo um ato processual que está previsto em lei e isso ser considerado obstrução
de justiça, para mim é o fim dos tempos, assim, acaba a advocacia então. Tem para
quê? É considerar que o advogado só serve para sentar do lado do cara e delatar (...) os
desvios de conduta têm que ser apurados, em qualquer profissão, mas a gente não pode
criminalizar o ato de dizer que não quer fazer delação ou se envolver em entidades de
direitos de defesa ou de estudo mesmo das ciências criminais.” (Advogado 02)

Historicamente, é possível relacionar o atropelo às prerrogativas da advocacia criminal e


ao exercício do direito de defesa à ampliação do poder punitivo estatal, como bem
41
destacado por Malan e Mirza . Os autores identificam nos últimos anos os reflexos desta
política criminal, destacando, por exemplo:

“as reiteradas tentativas de atribuição da autoria de crime de lavagem de bens e capitais


a advogados criminalistas em decorrência da cobrança de seus legítimos honorários
profissionais, além de diversos Projetos de Lei que almejam : (i) impor aos acusados de
crimes graves a defesa técnica dativa; (ii) atribuir a autoria do crime de apropriação
indébita qualificada aos advogados que percebem honorários advocatícios provenientes
de atos ilícitos; (iii) proibir a entrevista pessoal e reservada entre o preso acusado de
pertencer a organização criminosa e o seu advogado, e instituir a possibilidade de
interceptação da comunicação entre eles etc”.

Nesse sentido, as falas aqui retratadas refletem um receio constante na prática dos
advogados, e indicam as pressões e o cerceamento aos métodos tidos como mais
combativos dentro da advocacia criminal, sugerindo a existência de uma tendência ao
sufocamento da defesa técnica e um favorecimento às práticas de colaboração premiada.
42
Este aspecto é analisado por Diogo Malan , entendo haver aí uma clara ameaça às
prerrogativas dos advogados. De fato, o direito ao silêncio, previsto constitucionalmente,
sugere que as orientações dadas por advogados no exercício de sua função e mesmo o
concerto de versões entre este e seu cliente ou outro advogado integraria a estrutura
normativa dessa garantia fundamental. Nesse sentido, se o investigado pode mentir,
silenciar ou omitir fatos que o incriminem, torna-se plausível o argumento de que ele
também poderia, no contexto do exercício da autodefesa, ajustar sua versão dos fatos
43
com outro investigado .

Considerações Finais

O presente artigo buscou analisar os limites ao exercício do direito de defesa no contexto


dos megaprocessos. Assim, mostrou-se que o grande volume probatório presente nos
megaprocessos bem como a dificuldade de acesso a determinadas informações, torna
praticamente impossível o conhecimento de todos os aspectos relacionados ao caso,
representando um limite importante à defesa plena. Outro aspecto abordado diz respeito
à quantidade de acusados neste modelo processual, o que dificultaria o trabalho da
defesa no sentido de individualizar as condutas para então analisar a responsabilidade
penal de seu cliente. A rapidez de alguns procedimentos também foi destacada pelos
advogados, que trataram das dificuldades organizacionais e de análise quando da
atuação em um processo complexo que se desenrola em um curto lapso temporal. Para
além dos problemas práticos, os advogados levantam questionamentos importantes em
relação à eventual fragilização do exercício de defesa decorrente da celeridade
acentuada de certos megaprocessos. Tratou-se ainda dos instrumentos usualmente
utilizados em grandes operações e megaprocessos, quais sejam, o bloqueio de bens e
prisões cautelares. O artigo mostrou assim que o bloqueio gera limitações significativas
no exercício do direito de defesa tendo em vista as dificuldades para contratar
advogados e posteriormente, assistentes técnicos que se fizerem necessários. A prisão,
por sua vez, impossibilita o compartilhamento e análise conjunta de documentos e
outras provas entre advogado e cliente, criando ainda uma atmosfera de desconfiança
ao longo dos diálogos, que, via de regra, não se dá em espaço reservado como
determinado o Estatuto da Advocacia, gerando um novo empecilho para o pleno
exercício do direito de defesa. Um último aspecto diz respeito à criminalização da
advocacia que, segundo os advogados entrevistados, funcionaria como um instrumento
Página 11
Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

de pressão para que a classe deixe de lado a forma tradicional do exercício da advocacia
em prol de uma nova prática centrada nas colaborações premiadas O artigo mostra que,
de modo geral, os problemas estruturais do megaprocessos, aliados a seus predicados
44
de eficácia e eficiência , trazem à tona o delicado equilíbrio entre este modelo
processual e exercício dos direitos fundamentais dos acusados, questionando ainda a
qualidade da justiça proporcionada pelos megaprocessos e os riscos de erros judiciários
45
decorrentes dessa estrutura processual.

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1 A pesquisa foi realizada como parte do estágio de pós-doutorado da autora Fernanda


Prates realizado na Fundação Getúlio Vargas – RJ e financiado pela Capes, através do
Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), sob a supervisão do autor Thiago Bottino.
Participaram da coleta de dados alunos bolsistas e voluntários da graduação da FGV
Direito Rio, Ana Helena Nascif, Bruno Saraceni, Daniel Esperato. Daniel Wise, Gabriel
Custodio, José Cury, Lucas Germano, Sergio Kezen, Tatiana Murta e Yago Falcão, a
quem os autores agradecem.

2 Destacamos, por exemplo, o “Maxiprocesso di Palermo” e a “Operação mãos limpas”


na Itália, o “Pizza connection Trial” e “United States v. Casamento” nos Estados Unidos e
as operações “SharQc” e “Printemps 2001” no Canadá.

3 De acordo com a seção A Lava Jato em números no Paraná, apresentada no site do


Ministério Público Federal e atualizada em dezembro de 2018, no estado do Paraná já
houve, no âmbito da operação, 2.476 procedimentos instaurados, 1.166 mandados de
busca e apreensão, 227 mandados de condução coercitiva, 149 mandados de prisão
preventiva, 152 mandados de prisão temporária, 6 prisões em flagrante, 176 acordos de
colaboração premiada firmados, 11 acordos de leniência, 82 acusações criminais contra
347 pessoas, 226 condenações contra 146 pessoas, contabilizando 2.120 anos, 5 meses
e 20 dias de pena. (BRASIL. Ministério Público Federal. A Lava Lato em números no
Paraná. Disponível em:
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Acesso em: 20.02.2019).

4 CODE, M. (2009). Law reform initiatives relating to the megatrial phenomenon.


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affaires criminelles complexes, Toronto, Ministère du Procureur général de ’Ontario.
Disponível em: [http://www.isrcl.org/Papers/2008/Code.pdf]. Acesso em: 20.02.2019.

5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. (Trad. de Diritto e


ragione: teoria del garantismo penale). São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 622. Ver também:
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; TAVARES, Natália Lucero Frias; OLIVEIRA,
Anderson Affonso de. A interceptação telefônica no contexto dos maxiprocessos no
Brasil: uma análise quantitativa e qualitativa de dados entre 2007 e 2017. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, vol. 143, ano 26, São Paulo: Ed. RT, maio 2018.

6 RCMP (2009). Programme des produits de la criminalité. Disponível em:


[http://www.rcmp-grc.gc.ca/poc-pdc/pro-crim-fra.htm]; RUIZ VASQUEZ, J.C (2007). La
réforme des forces de police au Canada: les tensions entre la sécurité des citoyens, les
libertés fondamentales et le fédéralisme. International Journal of Canadian Studies, n°
36, pp. 161- 190. SHEPTYCKI, J. (2003). The Governance of Organised Crime in Canada.
The Canadian Journal of Sociology, Vol. 28, No. 4, pp. 489-516

7 PIEHL, A.M, COOPER, S.J., BRAGA, A.A. & KENNEDY, D.M. (2003). Testing for
structural breaks in the evaluation of programs. Review of Economics and Statistics, 85,
pp. 550-558. MORSELLI, C., TANGUAY, D. & LABALETTE, A.M. (2008). Criminal Conflicts
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Siegel & H. Nelen (Ed.), Organized Crime: Culture, Markets, and Policies (pp. 145-164).
New York: Springer.

8 INTERNETLAB. Vigilância das Comunicações pelo Estado Brasileiro e a Proteção a


Direitos Fundamentais. InternetLab. São Paulo, 2016; ANTONIALLI, D., SOUZA ABREU.
Além da Lava Jato: o que dizem (e não dizem) os dados sobre interceptações no Brasil.
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Acesso em 12.07.2016; DIVAN, Gabriel A. Crítica científica de “A colaboração premiada
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TAVARES, Natália Lucero Frias; OLIVEIRA, Anderson Affonso de. A interceptação
telefônica no contexto dos maxiprocessos no Brasil: uma análise quantitativa e
qualitativa de dados entre 2007 e 2017. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol.
143, ano 26, São Paulo: Ed. RT, maio 2018, p. 91.

9 LEMAN-LANGLOIS S. ET SHEARING C. D. (2009). Human Rights Implications of New


Developments in Policing. 2009. ICHRP Working Paper. Disponível em:
[http://www.ichrp.org/files/papers/172/policing_and_surveillance_leman-lanlgois_and_shearing.pdf
].

10 Barreau du Québec (2004). Rapport final du comité en droit criminel sur les
megaprocès. Disponível em:
[http://www.barreau.qc.ca/pdf/medias/positions/2004/200402-rapportfinalmegaproces.pdf].

11 Sylvestre, C. (1993). Le principe du contradictoire en procédure pénale. R.R.J., p.


913

12 Disponível em:
[http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI172498,21048-Transcricao+de+interceptacao+telefonica+

13 Entrevistas foram realizadas também com réus colaboradores, um magistrado e um


policial. Entretanto, o conteúdo destas entrevistas será objeto de artigo posterior.

14 Vários advogados mencionam ainda dificuldades ligadas à falta de estrutura


adequada dos escritórios quando se trata de atuação em um megaprocesso: “(...) às
vezes tem processo que no papel teriam 60 volumes, você tem que achar no meio disso
tudo. Só que é eletrônico, é pior ainda de você achar, é horrível de manusear, tem que
ficar navegando, abaixando, e são arquivos pesados, o computador fica lento né. Nossos
escritórios não têm essa estrutura.” (Advogado 06)

15 O magistrado ouvido na presente pesquisa não aborda especificamente medidas


cautelares examinadas no curso da investigação, mas trata das dificuldades inerentes
aos megaprocessos ao longo da instrução criminal: “Esses processos, quando chegam, é
uma comoção na vara (...) eu nunca fui de prender muito, eu tenho uma visão restritiva
contra a prisão preventiva, mas bloqueio de bens eu sempre bloqueei muita coisa. Mas
no início eu fiquei com receio por razões pragmáticas. Porque eu percebi que o trabalho
que dá é uma coisa absurda (...) porque isso dá um trabalho absurdo para secretaria.
Não só para secretaria, mas para todo o andamento do processo, porque depois vêm os
pedidos de restituição (...)então, tem coisas para se preocupar nessas operações (...) eu
acho que lado pragmático leva que você pondere bem se é o caso de tomar essas
medidas. Especialmente quando é que ele não é único processo que você está tocando.”
Página 15
Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

(Magistrado 01). Diante de tais dificuldades, foi criada foi criada pelo Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro em 05.09.2009 a Central de Assessoramento Criminal (CAC/TJ/RJ),
que tem como finalidade o processamento de feitos criminais de grande complexidade
encaminhados pelos juízes do foro central que versem, especialmente, sobre crime
organizado, observados, entre outros critérios, o número de réus e a extensão da
instrução. Para garantir a segurança dos trabalhos, o local onde funciona a Central é
monitorado por um sistema de câmeras, os servidores trabalham em sistema de rodízio,
substituídos a cada quatro meses e supervisionados por um juiz indicado pela
presidência do TJ/RJ e os funcionários processantes são identificados apenas por
códigos.

16 A quantidade exata de acusados foi omitida de forma a preservar o anonimato do


entrevistado.

17 O nome da operação foi omitido de forma a preservar o anonimato do entrevistado.

18 A quantidade exata de testemunhas foi omitida de forma a preservar o anonimato do


entrevistado

19 Essa estrutura “mega” gera transtornos relacionados inclusive à questão de espaço.


Destacamos, por exemplo, um megaprocesso que precisou ser realizado nas
dependências de um Tribunal do Júri, pois seria o único espaço apto a receber o número
de pessoas envolvidas naquele procedimento.

20 O problema ligado ao número de réus também foi suscitado pelo magistrado


entrevistado, que questiona, inclusive, a real eficácia dos megaprocessos: “A sensação
que eu tenho é que quando você coloca todo mundo no mesmo processo, 30 pessoas
importantes com capacidade para pagar bons escritórios no mesmo processo, você está
pedindo para aquilo ali não acaba nunca. Porque é impossível processar aquela
quantidade de gente. Vai virar uma zona lá dentro. (…) eu acho muito problemático. O
ideal realmente é separar, ainda que seja o mesmo juiz processando, mas eu acho que
deva separar e fazer discussões à parte. Tem muita coisa que pode dar errado. O juiz
acaba tendo uma função de administrador do tempo, dos atos processuais.” (Magistrado
01).

21 Este elemento se faz presente fundamentalmente em processos envolvendo a


atuação de forças-tarefa no âmbito da Justiça Federal. De acordo com os entrevistados,
não se observa a mesma rapidez processual em megaprocessos tramitando na esfera da
Justiça Estadual.

22 Referência às oitivas realizadas. A quantidade exata de acusados foi omitida de forma


a preservar o anonimato do entrevistado.

23 A entrevista foi realizada pouco antes do julgamento, pelo Plenário do Supremo


Tribunal Federal (STF), das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPFs) 395 e 444, declarando que a condução coercitiva de réu ou investigado para
interrogatório não foi recepcionada pela Constituição de 1988.

24 O nome da operação foi omitido de forma a preservar o anonimato do entrevistado.

25 A data exata foi omitida de forma a preservar o anonimato do entrevistado

26 Problemas similiares foram abordados no julgamento United States v. Gallo: “The


court stated that these "monster trials" burden the court, the defendants and the jury.
According to the court, the defendants lose their rights to counsel because many
attorneys cannot commit the time required for a multi-defendant, multicharge case, and
thus, will not take the case. The defendants are also faced with the increased possibility
of having to seek alternative counsel during the course of the trial because the time
Página 16
Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

commitment has become too burdensome for the defendant's retained counsel. The
court also noted the tremendous legal fees incurred by defendants in cases where a trial
runs several months”. CODE, Michael. Law reform initiatives relating to the mega trial
phenomenon. 53 Crim. L.Q. 421, 2007-2008, p. 01. Disponível em:
[https://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/clwqrty53&div=31&id=&page=].
Acesso em: 11.04.2019.

27 JAUCHEN, Eduardo M. Tratado de Derecho Penal. Santa Fé: Rubinzal Culzoni, 2012.
Tomo I, p. 168.

28 QUEIJO, Maria Elisabeth. Direito ao tempo e aos meios necessários para a preparação
da defesa técnica. In.: MALAN, Diogo & MIRZA, Flavio (Org). Advocacia Criminal: Direito
de Defesa, Ética e Prerrogativas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. Pp. 125, 126.

29 Ressalte-se que tal dinâmica se mostra, de fato, extremamente perigosa, ainda mais
levando-se em conta o fato de que o “ direito de defesa transcende o interesse particular
do acusado, possuindo importantíssima dimensão objetiva, consubstanciada em
verdadeira garantia ético-política de legitimidade da jurisdição penal (nemoiudex sine
defensione)”. MALAN, D. & MIRZA, F. Apresentação. In. : MALAN, Diogo & MIRZA, Flavio
(Org). Advocacia Criminal: Direito de Defesa, Ética e Prerrogativas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2014.

30 HESPANHA, António Manuel. O Caleidoscópio do Direito. O Direito e a Justiça nos dias


e no mundo de hoje. Coimbra, Portugal: Edições Almedina SA, 2014.

31 HESPANHA, António Manuel. O Caleidoscópio do Direito. O Direito e a Justiça nos dias


e no mundo de hoje. Coimbra, Portugal: Edições Almedina SA, 2014. p. 414.

32 RAINER, J.W. e WILSON, M.J. (1993). Managing Criminal Justice, Harvester


Wheatsheaf, Hemel Hempstead.

33 PACKER, H. (1968). The Limits of the Criminal Sanction, Oxford University Press,
AVIRAM, H. (2011). Packer in Context: Formalism and Fairness in the Due Process
Model. Law & Social Inquiry, Volume 36, Issue 1, pages 237–261.

34 KAMINSKI, D. Troubles de la pénalité et ordre managérial. Recherches sociologiques.


Vol. 33. N° 1. Pp. 87-107. 2002; SLINGENEYER, T. La nouvelle pénologie. Une grille
d’analyse des transformations des discours. Des techniques et des objectifs dans la
pénalité. Champ pénal/penal field. vol. 4. Pp. 87-107. 2007; PRATES, Fernanda. Prática
de Interceptação e os Riscos do Modelo de “Megajustiça”. In: SANTORO, A. E. R.;
MIRZA, Flávio. Interceptação Telefônica: os 20 anos da Lei n. 9.296/96. 1. ed. Belo
Horizonte: D'Plácido Editora, 2016.

35 SHEPTYCKI, J. High policing in the security control society. Policing, Policing: a


Journal of Policy and Practice,1(1), 70-79. 2007

36 “(...) em algumas situações, a gente pede autorização judicial para o pagamento de


honorários, que é horrível, porque você tem que juntar teu contrato, aí fica aquela coisa
assim: o advogado tá ganhando tudo isso. Fica uma situação um pouco chata.”
(Advogado 06).

37 É nesse sentido a seguinte fala: “Aliás, todo mundo fica: ‘Ah, fulano cobrou 3
milhões’. Eu tenho promessa hoje de 10 milhões. Sabe quando eu vou receber? Tenho
certeza que nunca. Hoje em dia eu brinco: ‘Eu prefiro receber dez mil reais hoje do que
uma promessa de 10 milhões’”. (Advogado 05).

38 Este tópico será abordado em um segundo artigo a ser produzido no âmbito da


mesma pesquisa que deu origem ao presente texto. Acerca do tema, ver BOTTINO, T.
Página 17
Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

Colaboração premiada e incentivos à cooperação no processo penal: uma análise crítica


dos acordos firmados na “Operação Lava Jato”. Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo: Ed. RT, v. 24, n. 122, p. 359-390, ago. 2016. SANTORO, A., TAVARES, N. L.
F. ; OLIVEIRA, A. A interceptação telefônica no contexto dos maxiprocessos no Brasil:
uma análise quantitativa e qualitativa dos dados entre 2007 e 2017. Revista Brasileira
de Ciências Criminais, v. 143, p. 89-116, 2018. TORON, A. O direito de defesa na Lava a
Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 122. 2016..

39 É o que prevê o inciso III do artigo 7º do EOAB, in verbis: “Art. 7º - São direitos do
advogado: (...) III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo
sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em
estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”.

40 Faz-se referência aqui à prática dos chamados “vazamentos seletivos”, muito


presentes na Operação Lava Jato. Aliás, o próprio juiz Sergio Moro discorre sobre o que
ele considera como sendo a salutar publicidade conferida às investigações, em artigo
tratando da Operação ManiPulite: “os responsáveis pela operação manipulite ainda
fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por
certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘manipulite’ vazava
como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram
veiculados no ‘L’Expresso’, no ‘La Republica’ e outros jornais e revistas simpatizantes.
Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais
envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com
informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de
revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva
(…) A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os
investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos
magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o
apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas
investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato
tentado. Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe
aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição
abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser
alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às
informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação
possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação manipulite.” (MORO, S.
Considerações sobre a operação manipulite. Revista CEJ, Brasília, n. 26, p. 56-62,
jul./set. 2004)

41 MALAN, D. & MIRZA, F. Apresentação. In.: MALAN, Diogo & MIRZA, Flavio (Org).
Advocacia Criminal: Direito de Defesa, Ética e Prerrogativas. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2014.

42 MALAN, D. No sistema brasileiro, delação premiada é como uma cuíca numa


orquestra sinfônica. Consultor Jurídico. Disponível em:
[https://www.conjur.com.br/2017-jun-25/entrevista-diogo-malan-criminalista-professor-ufrj-uerj
]. Acesso em: 30.03.2019.

43 MALAN, D. No sistema brasileiro, delação premiada é como uma cuíca numa


orquestra sinfônica. Consultor Jurídico. Disponível em:
[https://www.conjur.com.br/2017-jun-25/entrevista-diogo-malan-criminalista-professor-ufrj-uerj].
Acesso em: 30.03.2019.

44 MACKAY,R. Résumé législatif du projet de loi C-53: Loi sur la tenue de procès
criminels équitables et efficaces. 2011. Disponivel em:
[http://www.parl.gc.ca/About/Parliament/LegislativeSummaries/bills_ls.asp?ls=c53&source=library_prb
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Megaprocessos e o exercício do direito de defesa: uma
abordagem empírica

45 DENOV, M. & CAMPBELL, K. Criminal Injustice : Understanding the Causes, Effects,


and Responses to Wrongful Conviction in Canada. Journal of Contemporary Criminal
Justice, Vol. 21 No. 3, 2005. 224-249. ZALMAN, M.. Criminal Justice System Reform and
Wrongful Conviction : A Research Agenda. Criminal Justice Policy Review 17: 4, 2006.
pp. 488-492.

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