Camylla Graboski

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Camylla Graboski

UMA ANÁLISE DO AUTISMO COM BASE NA TEORIA DA DETERMINAÇÃO


SOCIAL DA SAÚDE-DOENÇA

CURITIBA
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Camylla Graboski

Uma análise do autismo com base na Teoria da Determinação Social da Saúde-


Doença

Monografia apresentada ao curso de Graduação


em Psicologia da Universidade Federal do Paraná,
como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Psicologia sob orientação da profa.
Dra. Melissa Rodrigues de Almeida

CURITIBA
2021
A todas as crianças que nos espaços
pedagógicos e domésticos têm sido meu
fermento para sonhar um mundo novo e
trabalhar por ele.
AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho e o meu compromisso acadêmico não seria possível


sem as pessoas que me acompanharam até aqui.

À minha mãe Joseane e meu pai Tadeu, pela escolha de décadas atrás em
partilharem a vida e ensinarem muito além do que sabiam, por fazerem muito do
pouco que tinham e me formarem com amor e me darem o suporte material para
chegar até aqui.

Às minhas irmãs Priscylla e Ana Paula, que mesmo de longe estiveram por perto. À
Ana em especial, agradeço pela oportunidade de mesmo não sabendo muito bem o
que eu fazia na universidade, ter sido um grande motivo para nela eu entrar.

À minha querida, competente e super acolhedora orientadora, Melissa Rodrigues de


Almeida, por ter me aceito como orientadora e topar empreender os estudos junto
comigo, pelos encontros esclarecedores e pela paciência.

À Graziela Lucchesi Rosa da Silva, por ter me auxiliado neste trabalho e por ter
aceitado nosso convite na banca. E também ter feito por mim muito além: me
ensinou com tanta qualidade e presteza sobre infância, foi minha acolhedora em
tantos motivos de angústias e sofrimento ao longo da jornada acadêmica, foi meu
suporte afetivo e também material desde o meu segundo ano de curso.

À Silvana Calvo Tuleski, por ter aceito nosso convite com tanta rapidez mesmo em
um momento tão conturbado e cheio de sobrecargas de trabalho, prestar-se a
contribuir com o meu trabalho.

Ao Tiago Calve, por ter sido lá atrás meu professor da maneira mais competente e
sensível. A hoje, por ter sido meu psicólogo e enriquecer meu espaço de sonhar.

Ao Bruno, meu amor-coragem, pelas contribuições com o meu trabalho, me ensinar


a chateação da formatação e tantas outras coisas, por suportar meus momentos de
raiva e desespero, por me amparar com amor, afeto e muitas risadas.
Às minhas amadas camaradas de casa, Mari, Ana Flávia e Gabi, por serem meu
amparo, meu espaço seguro de reclamações e fofocas, pelo apoio mútuo e a vida
leve que juntas levamos. Só amor por nós.

Ao Lipka, por termos nos conhecido e nos amparado ao longo desse último ano e
pela amizade que criamos, pelas trocas, pelos aprendizados junto dos grupos de
estudos, pela paciência em ler uma parte desse trabalho.

Aos amigos que ao longo do curso tem sido meu suporte: à minha xará mais querida
Camila Akemi, pelas trocas, pela saudade de te ver e por estarmos juntas nessa
etapa. À Julinha, que sempre esteve comigo e por quem eu tenho toda a admiração
e respeito desse mundo. Ao Heitor, pela camaradagem, pela parceria de tantas
histórias. À Teté, pela alegria de (quase) sempre e pelo pouco tempo que moramos
juntas ter sido tão feliz. À Milena, ao Vitor, à Gi Durat, e a todas e todos que me
deixaram aprendizados e bons momentos.

Ao Felps, pela amizade e pela parceria de tantos pedais e afetos. Também às


amizades queridas que pelo amor à bike passei a cultivar: Antonan, Nardini, Lúcia,
Aksel, Odair e Léo.

Aos amigos do Grupo Sendo Escrito, pelos momentos afetuosos com que
partilhamos sonhos em forma de palavra.
Aos membros do LAPSIHC por proporcionarem espaços de troca tão
enriquecedores e ao Coletivo ENCONTTRA por terem me acolhido no projeto e me
suscitarem a curiosidade do pesquisar.
Desejar ser
O maior apetite do homem é
desejar ser.
Se os olhos veem
com amor o que não é, tem ser.
Manoel de Barros (Livro sobre nada, 1996)
RESUMO
Este trabalho objetivou identificar as determinações sociais que fundamentam a
produção dos sintomas do quadro do autismo em crianças e adolescentes. A partir
das contribuições dos campos da Psicologia Histórico-Cultural e da Saúde Coletiva,
discutiu-se o aumento diagnóstico do autismo por meio da dialética singular-
particular-universal, adotando como metodologia a pesquisa bibliográfica de caráter
teórico. Segundo a agência estadunidense Centros de Controle e Prevenção de
Doenças (CDC), a incidência diagnóstica do autismo aumentou expressivamente na
sociedade desde os primeiros estudos clínicos e epidemiológicos realizados, o que
levanta a pergunta central deste trabalho: “Quais determinações biológicas,
psicológicas, históricas e sociais explicam o aumento diagnóstico do Transtorno do
espectro autista?”. Com base no materialismo histórico e dialético, buscou-se
entender a expressão dos comportamentos do quadro de autismo à luz das
determinações que produzem certos padrões de desgaste e reprodução particulares
para crianças e adolescentes hoje diagnosticados como autistas. Apresentou-se
uma síntese das fases de estudo do autismo, seguida das contribuições que
pudessem desvelar suas determinações dentro da atual fase da sociedade
capitalista, distanciando-se das produções teóricas de caráter biologizante e das que
atribuem a gênese do autismo apenas a um desenvolvimento cerebral diverso. Com
a articulação entre os diferentes domínios da vida social e as dimensões da
universalidade e das particularidades da infância, hipotetizou-se de que a expressão
dos comportamentos do quadro de autismo tem suas raízes nos processos críticos
da vida social. Tomou-se como base a matriz dos processos críticos proposta por
Breilh (2006) e, entendendo-se que os distintos domínios da vida social
interpenetram-se dialeticamente, na dimensão da vida produtiva e que, apesar de as
crianças e adolescentes não estarem inseridas no mundo do trabalho, a centralidade
do trabalho corrobora para que os responsáveis pelas crianças passem menos
tempo disponível com os filhos, aliado à solidão das cuidadoras nesta sociedade
demarcada pelo individualismo e relações de competição. No domínio da vida de
consumo e cotidianidade, como resultado do desenvolvimento das forças produtivas
e do progresso tecnológico, bem como da diminuição do tempo disponível de pais e
cuidadores, as crianças são apresentadas mais cedo e por mais tempo a telas, o
que pode impactar na restrição de interesses aos objetos em detrimento dos
vínculos sociais, quando a mediação ofertada pelos adultos às crianças torna-se
reduzida. Além disso, a medicalização social da infância consolida-se no ambiente
escolar, somada às exigências sociais e a sobrecarga de trabalho dos professores e
educadores. No domínio da vida com as condições naturais, as possibilidades de
vida das famílias trabalhadoras é acentuada pela desigualdade social e pela
crescente urbanização, reduzindo os espaços das crianças que passam a viver em
moradias muito pequenas, o que aliado à redução das famílias, diminui as
possibilidades de vínculos saudáveis entre pares na infância. Nos domínios da vida
política e ideológica, apontou-se os efeitos iatrogênicos na formulação de teorias e
projetos de lei que muito pouco conduzem à humanização e à luta por direitos,
aliado ao fetichismo diagnóstico e a comoditização dos transtornos psiquiátricos
para responder às impossibilidades do mundo social em lidar com esses indivíduos,
favorecendo relações alienadas.

Palavras-Chave: Saúde Pública, Transtorno do Espectro Autista, Autismo,


Psiquiatria Infantil, Epidemiologia Social
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

1. UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO AUTISMO 11


1.1. Das lendas aos primeiros estudos 11
1.2. O trio de autores inaugurais: Grunya Sukhareva, Leo Kanner e Hans
Asperger 17
1.3. O autismo nos manuais de classificação 26
1.4. A virada neural: a tangência do sujeito em detrimento do sujeito 36

2. A TEORIA DA DETERMINAÇÃO SOCIAL NA SAÚDE-DOENÇA E A


MEDICALIZAÇÃO SOCIAL 43
2.1. A teoria unicausal e a teoria multicausal na explicação do processo
saúde-doença 44
2.2. Os processos críticos: a teoria da determinação social, a patologização
da vida e algumas correlações com o autismo 52
2.3. A medicalização social e a patologização da vida 62
2.3.1. A expressão da medicalização social na legislação e políticas voltadas
para a população autista no Brasil 71

3. OS PROCESSOS CRÍTICOS NO FENÔMENO DO AUTISMO 77


3.1. A universalidade nos processos críticos da vida social 78
3.1.1. O desgaste e reprodução na infância: novos arranjos na vida produtiva e os
processos críticos na esfera da cotidianidade 86
3.1.2. O desgaste e reprodução na infância no encontro com a vida de relações com
as condições naturais 101
3.1.3. O desgaste e reprodução na infância no encontro com as dimensões da vida
política e ideológica 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS 111

REFERÊNCIAS 115
INTRODUÇÃO

A presente monografia discute o fenômeno do autismo com base em acúmulos


do campo da Saúde Coletiva e da Epidemiologia Crítica, mais especificamente da
teoria da determinação social do processo saúde-doença, buscando relacionar a
noção de processos críticos desta teoria com o aumento diagnóstico do autismo.
Buscamos apreender no objeto a partir da dialética singular-particular-universal, que
fundamenta tanto esta teoria epidemiológica quanto a Psicologia Histórico-Cultural.
Este trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica de caráter teórico.
As investigações sobre o autismo mostram-se importantes na atualidade,
sobretudo através de perspectivas críticas. Com a última edição do Manual
Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5), percebe-se uma relativa facilitação na
aplicação diagnóstica em crianças e adolescentes, caracterizada pela flexibilização
nos critérios diagnósticos e a aceitação diagnóstica a partir dos 18 meses de idade.
Aliado a tais fatores, a literatura encara esse fenômeno predominantemente sob um
enfoque biológico, subsumindo as determinações de caráter social em produzir
alterações neurológicas e, tampouco compreendendo o quadro enquanto um
processo em curso. Evidenciamos que esse aumento diagnóstico também passou
por uma expressiva mudança na expectativa sobre os prognósticos do transtorno, o
que pode acarretar em impactos psicossociais e pedagógicos significativos no
desenvolvimento das crianças e adolescentes.
O primeiro estudo epidemiológico sobre o tema foi realizado no Reino Unido
por Victor Lotter, em 1966; desta investigação o autor concluiu que a taxa de
incidência no país era de 5 crianças com autismo a cada 10.000 crianças (WING,
1997). No ano de 1979, as pesquisadoras Lorna Wing e Judith Gould realizaram
outra sistematização epidemiológica, constatando uma incidência estimada em 20
crianças com autismo a cada 10.000 (WING, 1997). No ano de 1993, Ehlers e
Gillberg apontaram a ocorrência de 36 crianças com autismo a cada 10.000, ou
cerca de 4 a cada 1.000 (WING, 1997). Segundo a agência estadunidense Centros
de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), em 2008 a estimativa de casos nos

8
EUA era de 1 a cada 88 crianças, enquanto que somente dois anos depois, a
estimativa aumentou em quase 30% no país, recolhendo uma amostra com 1 caso
de autismo para cada 68 crianças (REVISTA AUTISMO, 2018). Em 2018, a
estimativa nos EUA ficou em 1 caso a cada 59 crianças (TISMOO, 2018). Nota-se
um crescimento exponencial no diagnóstico, acompanhada de mudanças nos
critérios diagnósticos e sua ampliação, no DSM-5, para a noção de Transtorno do
Espectro Autista (TEA). Desse modo, nos perguntamos, então, sob quais
determinações biológicas, psicológicas, históricas e sociais pode-se explicar o
aumento diagnóstico do Transtorno do espectro autista?

Nossa hipótese investigativa discorrida ao longo dos capítulos, apoia-se na


existência de uma relação dialética, determinada histórica e socialmente, que
contribui para o aumento do diagnóstico do autismo, relacionando aos hábitos e
modos de andar a vida presentes na atual fase da sociedade capitalista. Nosso
objetivo geral foi realizar uma análise inicial dos processos críticos na sociedade que
podem estar como pano de fundo para o aumento epidemiológico de autismo.

A dialética singular-particular-universal tem para o campo da Psicologia


Histórico-Cultural e na Epidemiologia Crítica importância destacada. Pasqualini
(2020) atesta que para desvelar o movimento do real em seu permanente
movimento, deve-se captar na processualidade as suas contradições. Apreender o
real sobre o fenômeno do autismo, é captar a sua totalidade hierarquicamente
definida em suas múltiplas determinações, buscando compreender os fenômenos
ocultos e organizá-los junto dos fenômenos empíricamente observáveis. É, portanto,
coexistindo as determinações da singularidade, da particularidade e da
universalidade que o fenômeno se consolida (PASQUALINI, 2020). Nesse sentido,
justifica-se a relevância deste trabalho como um ponto de partida para avançar as
investigações acerca do autismo, dado que poucos foram os trabalhos encontrados
sobre autismo sob os fundamentos da Psicologia Histórico-Cultural (ORRÚ, 2010;
GUEDES, 2014; SILVA, 2017; CASTRO, 2017; SILVA, 2019, COSTA, 2019) e até o
presente momento, nenhum estudo na perspectiva da Saúde Coletiva e pelos

9
aportes da Teoria da Determinação Social do processo saúde-doença contribuíram à
questão.

No primeiro capítulo, caracterizamos brevemente o histórico e a evolução do


conceito de autismo na psiquiatria, abordamos os principais autores que analisam
este diagnóstico. Discutimos também a apresentação do autismo nos Manuais
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM); apresentamos as
diferentes fases no campo de estudo do autismo; chegando até as divergências
particulares nos movimentos sociais relacionados à população autista.

No segundo capítulo, buscamos contextualizar no campo da medicina,


sobretudo as concepções epidemiológicas, a saber, as teorias unicausais,
multicausais e o campo da epidemiologia crítica, fundamentado na teoria
determinação social do processo saúde-doença. Apresentamos alguns elementos da
contemporaneidade, entendidos como imprescindíveis para discutir o autismo, como
a medicalização social e suas expressões particulares nas políticas públicas
brasileiras à população autista.

No terceiro capítulo, a partir da matriz dos processos críticos proposta por


Breilh (2006), discutimos as dimensões produtivas, políticas, ideológicas, a esfera da
cotidianidade e a vida com as condições naturais que podem endossar o aumento
substancial do diagnóstico de autismo na contemporaneidade. Para essa análise,
adotamos os fundamentos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural para apreender a
periodização da infância, o papel crucial da mediação no desenvolvimento da
criança e as contribuições da escola enquanto instituição secundária no
desenvolvimento humano.

10
1. UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO AUTISMO

“Sobre uma menina exemplar:


Uma menina brinca com duas bonecas e briga
com elas para que elas fiquem quietas. Ela
também parece uma boneca porque é linda e
boazinha e porque não incomoda ninguém.”
(Eduardo Galeano, A cultura do terror/3).

O fenômeno conhecido atualmente por Transtorno de Espectro Autista (TEA)


possui em seu histórico diversas denominações, como Demência Precoce,
Demência Precocíssima, Psicopatia Esquizoide, Distúrbios Autísticos de Contato
Afetivo, Psicopatia Autística na Infância, Síndrome de Asperger, Autismo de Kanner,
Autismo de baixo funcionamento e alto funcionamento, chegando até o presente
momento a ser referido como espectro autista. Acredita-se que atualmente, a
referida terminologia serve de instrumento para favorecer uma abrangência
diagnóstica, tendo em vista que, sob uma mesma terminologia, assentam-se
crianças e adolescentes cujos processos psíquicos são substancialmente
dissemelhantes.
Para evidenciar todo o processo precedente, esta seção foi organizada com
o objetivo de apresentar as distintas visões produzidas da sociedade acerca do
autismo, seja através de lendas desde o século XVIII até o primeiro período de
investigações na temática, culminando no desenvolvimento de estudos, que chegam
até o período vigente, presentes no DSM-V e as candentes divergências entre
movimentos políticos e sociais cujo autismo é tema central.

1.1 DAS LENDAS AOS PRIMEIROS ESTUDOS

O que se chama hoje de autismo aparece inicialmente em literaturas


folclóricas e religiosas. Em alguns países, como França, Escócia e Alemanha,
apresentavam-se no século XIX contos como as “crianças fadas” (GUEDES, 2014,
p. 16). Estas histórias possuíam versões distintas, mas tinham em comum a

11
presença de meninos raptados por fadas, que eram substituídos por crianças
idênticas, cujas diferenças se davam no profundo silêncio apresentados, rompido
apenas por repetidas verbalizações e explosões verbais. Segundo Wing (1997), um
estudo produzido por Kanner de 1964 menciona um caso apresentado a Martinho
Lutero1 de uma criança cuja descrição sugeria tratar-se de um infante com autismo
severo. É evidente que à época o desconhecimento do prognóstico era profundo e,
em resposta, Lutero sugeriu aos familiares da criança não ser possível resolver seu
problema, uma vez que ela estava possuída pelo demônio. A única resolução
possível, apontada pelo religioso, era levar a criança e afogá-la em algum rio
próximo.
O período anterior à descrição científica e sistemática foi marcado pelos
primeiros casos descritos cuja caracterização supõem casos de autismo. Dentre
eles, pode-se destacar o do menino selvagem de Aveyron 2, um garoto com cerca de
12 anos, localizado na floresta de La Caune, interior da França, em 1798.
Aparentemente abandonado pelos pais na região, o menino era mudo e
supostamente surdo, não possuindo quaisquer laços sociais humanos. Sob o jugo
de Pinel3, que atesta sua incapacidade de cura, o governo francês determinou que o
garoto selvagem fosse internado em uma instituição de surdos e mudos do país, na
responsabilidade do médico Jean Itard4 (WING, 1997; MAS, 2018; GUEDES, 2014;
MARFINATI; ABRÃO, 2014).
Wing (1997) confere a Itard grande importância no desenvolvimento da
educação especial. O médico francês foi diretor responsável pela Instituição Imperial
dos Surdos-Mudos na França e, em seu trabalho com crianças mudas, verificou
inconsistência na hipótese vigente de que crianças mudas possuíam retardo mental,
separando assim os diagnósticos. Em tratamento com Itard, o garoto ganhou o
1 Lutero nasceu em 1483 e faleceu em 1546 no Sacro Império Romano-Germânico, foi uma das
figuras centrais na Reforma Protestante.
2 O caso de Victor ganhou uma representação nos cinemas, sob o título O Garoto Selvagem, dirigido
por François Truffaut e lançado em 1970.
3 Philippe Pinel tinha origem francesa e sua obra é considerada o marco inicial da Psiquiatria. Nasceu
em 1745 e morreu em 1826.
4 Itard foi um médico francês que viveu entre 1774 a 1838. Dirigiu a Instituição Imperial de Surdos-
Mudos e destacamos a importância de sua obra na área da educação especial.

12
nome de Victor, e ficou sob cuidados na instituição. De acordo com Guedes (2014),
Pinel examinou Victor e o classificou com idiotia congênita, diagnóstico ao qual Itard
se opôs, inferindo que a idiotia de Victor tinha como causa a carência cultural, fruto
de anos privado de interações sociais que caracterizou sua desumanização, não
sendo, então, decorrente de um dano biológico. O trabalho desenvolvido por Itard
com Victor foi publicado no livro “Memórias dos primeiros desenvolvimentos de
Victor de Aveyron”, de 1801 (MARFINATI; ABRÃO, 2014).
Victor seguiu em atendimento no instituto e, por conta da estagnação
qualitativa em seu desenvolvimento aliado ao esmorecimento de Itard e problemas
na instituição, passou a ser cuidado pela senhora Guèrin, também responsável pelo
seu auxílio. Em seus relatos clínicos, Itard relatava que Victor parecia deficiente por
não ter sido humanizado e, assim, cinco anos foram dedicados ao uso de
metodologias humanizadoras. O caso, apesar de não ter sido considerado de
sucesso, foi ponto de partida para Itard investigar as psicoses infantis (MARFINATI;
ABRÃO, 2014).
Cabe aqui retomar brevemente o percurso histórico da psiquiatria da
infância, sendo esta especialidade bastante recente na modernidade. Seguindo os
estudos expostos por Paul Bercherie, apreende-se que a história da psiquiatria
infantil é dividida em três períodos distintos (MARFINATI; ABRÃO, 2014), os quais
elucidaremos a seguir. O primeiro cobre os três primeiros quartos do século XIX, no
qual se investigou fundamentalmente a noção de retardamento mental. Aqui, a
preocupação central era determinar o grau de irreversibilidade do retardamento
mental, em conformidade às discussões de higiene mental e educação do
subnormal. Ressalta-se que a compreensão vigente era que, na criança, não se
apresentava uma loucura enquanto uma entidade na personalidade, e sim uma
idiotia, apresentada por suas características isoladas (MARFINATI; ABRÃO, 2014).
A partir dos anos de 1820, a preocupação em relação aos meios de tratamento para
a idiotia passam a emergir. Os autores Marfinati e Abrão (2014) expõem que
Edouard Sèguin5 foi um importante precursor desse movimento, representando o
5 Nascido na França no ano de 1812. Séguin graduou-se como médico psiquiatra e seguiu seus
estudos na educação de jovens com deficiências mentais severas. Morreu em 1880, nos Estados

13
campo da médico-pedagogia. Em 1842, Sèguin orienta os dispositivos pedagógicos
de doentes mentais de Bicêtre e no ano seguinte migra para os EUA. Três anos
após sua imigração, o autor publica seu livro, Idiocy and its treatment, no qual cerca
de 200 páginas versam sobre a idiotia e formas de tratamento. Outras seções do
livro seguem o foco da higiene mental e outras desordens. Ainda, sob sua
orientação, o modelo de educação do subnormal nos EUA difunde novas ideias e
orienta a formação de novas escolas no país (MARFINATI; ABRÃO, 2014).
Outros grandes referenciais deste período foram o psicólogo Alfred Binet e o
médico Theodore Simon6, cujos trabalhos versavam acerca da aferição dos níveis de
inteligência nas crianças, através da criação de escalas métricas. Cabe ressaltar a
importância de seus trabalhos, que resultaram na primeira escala de inteligência, em
1905, que fora posteriormente utilizada para garantir a admissão de crianças e
adolescentes com idiotia nas escolas especiais, mesmo que não tenha sido esse o
objetivo da Escala Binet-Simon (MARFINATI; ABRÃO, 2014). O surgimento dessa
escala reorienta as investigações na psiquiatria infantil, uma vez que o interesse em
distinguir os extremos da escala torna-se mais evidente, para separar as crianças
nas quais o quadro de idiotia e retardo eram considerados irreversíveis das crianças
cuja inteligência e aptidões poderiam ser continuamente desenvolvidas
(MARFINATI; ABRÃO, 2014).
O segundo período histórico tem seu marco nos anos de 1880, a partir dos
primeiros tratados da psiquiatria infantil, nas línguas alemã, francesa e inglesa. Até
esse período, os psiquiatras buscavam localizar na criança as afecções observadas
no adulto, e esses tratados foram os primeiros ensaios a trazer distinções sobre as
etapas do desenvolvimento humano. Desse modo, é nesse conjunto de tratados,
sobretudo a partir da discussão exposta pelo psiquiatra Hermann Emminghaus 7, em
Psychic Disturbances of Childhood de 1887, objetivando a separação fundamental
Unidos.
6 Binet foi pedagogo e psicólogo, viveu entre 1857 a 1911 na França. Theodore Simon viveu entre
1872 a 1961, foi psicólogo e psicometrista, destacamos que o início da parceria de trabalho entre eles
iniciou-se em 1892.
7 Hermann Hemminghaus foi um psiquiatra alemão, cujo pioneirismo é atribuído aos seus estudos
sobre a psicologia da criança e do adolescente, sendo também fundador da psicopatologia do
desenvolvimento. Nasceu em 1845 e viveu até 1904, nos EUA.

14
entre a psiquiatria infantil e a psiquiatria do adulto, por entender que as
psicopatologias da infância possuíam particularidades que, ao investigar somente
através do enfoque geral não favorecia descrição mais adequada (MARFINATI;
ABRÃO, 2014). Nas palavras de Wortis,

A psiquiatria infantil é o estudo dos processos psíquicos de crianças


pequenas, em idade escolar e adolescentes. Apesar de constituir parte da
psiquiatria geral, há tantos problemas particulares que é essencial
considerá-lo separadamente. Seu caráter especial surge do fato de ser o
objeto de seu estudo, um organismo em desenvolvimento com um tempo e
dinâmica de desenvolvimento muito específicos. (SUKHAREVA, 1933 apud
WORTIS, 1953, p. 121, tradução nossa)

Nesse período, Emil Kraepelin8 publica seu “Tratado de Psiquiatria” ,


produzido nos anos de 1890 a 1907, no qual o psiquiatra classificou pacientes cujas
afecções apresentavam-se em idade prematura e com sintomas como ambivalência,
extravagância, impenetrabilidade e autismo. Estes casos foram conceituados por
Kraepelin sob o nome de demência precoce, conforme explicitam Marfinati e Abrão
(2014).

Com o advento de novos estudos trazendo distinções entre os diagnósticos


de idiotia e o surgimento da demência precoce no campo, o psiquiatra italiano
Sancte de Sanctis entende que há um problema terminológico em categorizar as
crianças observadas com idiotia e emprega uma outra categoria nosológica, a qual
denomina como demência precocíssima. Heller, em 1908, faz uso da terminologia
proposta por Sanctis ao observar crianças, constatando se tratar de um quadro
clínico mais próximo ao exposto por Kraepelin como demência precoce e distante da
idiotia, afecção até então tida como a única a apresentar-se na infância (WING,
1997; CIRINO, 2001; MARFINATI; ABRÃO, 2014). As observações realizadas em
1908 por Heller constataram crianças de 3 a 4 anos, com desenvolvimento típico,

8 Emil Kraepelin nasceu em 1856 na Alemanha e faleceu em 1926 no seu país de origem. É
referenciado como o pai da Psiquiatria Moderna, mudando qualitativamente o campo ao conceituar as
classificações das doenças mentais, agrupando-as como síndromes, isto é, pelos padrões comuns de
sintomas., acreditando também que as doenças mentais possuíam origens predeterminadas.

15
com negativismo, oposição, afetividade disruptiva, seguidos de desagregação da
linguagem, agitação psicomotora e estereotipias. Dessas características, a principal
observação é o que decorreria a posteriori: as crianças decaíam abruptamente,
deixavam de usar a fala adequadamente e apresentavam perda de autonomia
(BERCHERIE, 2001 apud MARFINATI; ABRÃO, 2014).
O quadro de demência precoce de Kraepelin foi revisado por alguns
psiquiatras, entre eles, Eugen Bleuler 9, em 1911. Este último assinala que o quadro
não se trata de uma condição inflexível e irreversível da personalidade. Outrossim,
afirma que o quadro apresentado pelos pacientes decorre de uma cisão na
personalidade e assim propõe outra definição terminológica: esquizofrenia infantil,
englobando a demência precoce e a demência precocíssima (CIRINO, 2001).
Aponta-se que o termo autismo era uma caracterização de sintomas utilizada por
Bleuler para pacientes com esquizofrenia, ao se referir à organização do
pensamento destes (MARFINATI; ABRÃO, 2014).
O terceiro período exposto por Bercherie inicia-se nos anos de 1930 e segue
até a atualidade. Este momento é marcado pela influência da Psicanálise no campo
da Psiquiatria e, sobretudo na Psiquiatria Infantil, há também a forte influência de
profissionais da Pediatria. Não à toa, a convergência teórica que se estabelece entre
Psiquiatria e Pediatria, ganha o nome de Pedopsiquiatria.
Anteriormente, os manuais de Pediatria não contavam com as discussões
psiquiátricas, o que manifestava uma lacuna científica, conforme Marfinati e Abrão
(2014). As associações de Psiquiatria e Pediatria norte-americanas passaram a se
preocupar com esta discussão e, em 1935 e 1936, realizaram encontros nacionais
que favoreceram a presença de profissionais de ambas as áreas. Havia uma relação
importante na entrada da Psicanálise no campo, juntamente com a matriz
funcionalista do behaviorismo do período em voga, proposto fundamentalmente por
Adolf Meyer10.

9 O psiquiatra suíço Eugen Bleuler viveu entre 1857 a 1939.


10 Meyer nasceu na Suíça em 1866 e, após graduar-se em Zurique como psiquiatra e especializar-se
em neuropatologia, migrou para os EUA. Com seus estudos no funcionalismo e na higiene mental,
ganhou notoriedade e foi presidente da APA. Morreu nos EUA em 1950.

16
A próxima seção tem como objetivo apresentar fundamentalmente os três
principais expoentes nos estudos acerca do autismo, cujos trabalhos de natureza
experimental fazem parte do terceiro período descrito acima.

1.2 O TRIO DE AUTORES INAUGURAIS: GRUNYA SUKHAREVA, LEO KANNER E


HANS ASPERGER

Comumente, na literatura clássica do autismo, atribui-se grande relevância


aos estudos produzidos por Leo Kanner, de 1943, e Hans Asperger no ano seguinte.
Nossa investigação teórica desvelou outro estudo anterior a esses autores que será
exposto neste trabalho, a saber, a produção experimental da psiquiatra soviética
Grunya Sukhareva, de 1926, a primeira autora a sistematizar aspectos concernentes
ao que é denominado atualmente de Síndrome de Asperger.
Sukhareva (1891-1981) foi uma psiquiatra ucraniana cujo trabalho se
desenvolveu no campo da psiquiatria infantil na União Soviética. Inicialmente, seus
estudos acerca do autismo, em período anterior a Kanner em quase duas décadas,
conceituou a afecção como “psicopatia esquizóide”, posteriormente sendo definida
por “psicopatia autística”, (MANOUILENKO; BEJEROT, 2015). No ano de 1926,
Sukhareva publica na revista alemã Monatsschrift für Psychiatrie und Neurologie 11
seu estudo realizado na observação de 6 meninos ao longo de dois anos, sob a
classificação de demência precoce de Bleuler e Kretschmer. As crianças observadas
pela psiquiatra encontravam-se em tratamento no Departamento Psicológico de
Crianças, em Moscou. Nestas crianças, Sukhareva descreveu uma série de
comportamentos, como: comportamento impulsivo, vida afetiva atenuada, tendência
à abstração e esquematização, déficit na expressão facial, maneirismos e falta de
modulação verbal, tendências obsessivas sobre determinados assuntos e objetos,
fala estereotipada, sensibilidade olfativa e auditiva e explosões emocionais. A autora
atribuiu ao fenômeno apresentado que o cerebelo, gânglios da base e lobo frontal

11 Revista Mensal de Psiquiatria e Neurologia.

17
seriam os substratos anatômicos alterados na psicopatia esquizoide
(MANOUILENKO; BEJEROT, 2015).
Tais crianças foram encaminhadas a uma escola terapêutica, onde
passaram a ter aulas de pintura e atividades físicas. Conforme evidenciam
Manouilenko e Bejelot (2015)12, a participação nas atividades ofertadas na instituição
favoreceram o desenvolvimento dos garotos de tal modo que eles ingressaram na
escola regular posteriormente, enfatizando que a progressão em seus
desenvolvimentos se deveu ao prognóstico e à confiança e metodologia de
Sukhareva, ao propor novas atividades e interações sociais a essas crianças como
elemento potencializador da aprendizagem.
Apesar dos significativos avanços, cabe evidenciar a não superação do
modelo asilar da psiquiatria no processo revolucionário da União Soviética. A
exemplo, tomamos os números de leitos e instituições manicomiais ampliados ao
longo do regime (WORTIS,1953). Wortis (1953) atesta que, na Rússia czarista, o
número de instituições destinadas a crianças com deficiência era extremamente
baixo, geralmente aliado a setores filantrópicos. Em contrapartida, o ano de 1936 na
União Soviética, já em sua fase stalinista, apresentava 211 instituições asilares,
atendendo o montante de 8.226 crianças com deficiência, juntamente a um
crescente número de institutos dedicados à psiquiatria preventiva da infância.
Na literatura clássica, é atribuído a Leo Kanner (1896-1980) o grande salto
da compreensão do autismo, não à toa, comumente conceitua-se o percurso anterior
a 1943 como período pré-Kanner. O psiquiatra de origem austríaca e naturalizado
estadunidense descreve um grupo de 8 meninos e 3 meninas, com idades entre 2 a
11 anos, que apresentavam características atípicas.
Kanner realizou coletas de dados com os pais das crianças, que relatavam a
conduta de seus filhos como crianças “autossuficientes”, imersas numa espécie de
“concha”, cujos comportamentos não se alteravam na presença de outrem
(GUEDES, 2014). Algumas crianças eram mudas, outras falavam de modo

12 Ressaltamos a importância do artigo produzido pelas pesquisadoras suecas, por ser um dos
únicos trabalho de língua inglesa que atribui a importância histórica nos estudos da soviética.

18
descontextualizado e apresentavam ecolalia. Os movimentos denotavam
estereotipia e o comportamento espontâneo era limitado em todas as crianças,
aliando-se a um forte apego à rotina, sensibilidade exacerbada nos órgãos
sensoriais, distúrbios de alimentação e descargas emocionais frequentes. Algo
também comumente apresentado era a alta capacidade mnêmica, sendo oriundos
de família bastante intelectualizadas. (WING, 1997; GUEDES, 2014).
Desse modo, Kanner (apud Rivière, 2007) atribuiu à síndrome que
denominou por síndrome autística de contato afetivo a tríade de comportamentos
característicos, a saber:
Relações sociais, cuja apresentação geral é uma incapacidade de desenvolver
relações espontaneamente com as pessoas e objetos;
Comunicação e linguagem, aqui, refere-se a linguagem verbal e não-verbal. A fala
quando conquistada pelo indivíduo, pode apresentar ecolalia, fala idiossincrática,
compreensão literal do que ouve, uso invertido de pronomes pessoais e aspecto de
surdez em alguns momentos;
Inflexibilidade e rígido apego a rotina, a qual a criança rompe somente a partir de
seu próprio interesse, numa necessidade obsessiva de manter-se nos mesmos
hábitos. Esta característica, Kanner apontou estar vinculada a outra particularidade:
a inépcia de apreender totalidades coerentes, recorrendo a representações da
realidade fragmentadas.
Outro pesquisador do tema foi Hans Asperger (1906-1980). De origem
austríaca, seus estudos só foram reconhecidos além da comunidade de língua
alemã através da tradução de Lorna Wing em 1981 (WING, 1997). O primeiro
trabalho em que se apresentava a discussão acerca do autismo fora apresentado
em 1938, caracterizando um garoto de sete anos cujos comportamentos descreviam
a então psicopatia autística (MANOUILENKO; BEJELOT, 2015). Mais tarde, em
1944, Asperger expôs casos de quatro crianças, cujas descrições eram similares a
de Sukhareva, a saber, falta de empatia e humor, rebaixamento nas interações
sociais, excentricidades nos movimentos e comportamentos verbais, persistência a
determinados interesses, alto domínio cognitivo e verbal. Asperger atribuiu esta

19
“desordem da personalidade” como atributo predominantemente do gênero
masculino. Anos mais tarde, o autor afirmou que os distúrbios estudados por ele e
Kanner carregavam similaridades, mas não se tratava do mesmo quadro, pelo fato
de os sujeitos com síndrome de Asperger não apresentarem comprometimento no
comportamento verbal e tampouco apresentarem déficit intelectual (WING, 1997;
GUEDES, 2014).
No artigo “Psicopatia Autística” da infância, Asperger apresenta de modo
descritivo e fascinado os casos que investigou, distanciando indivíduos com
personalidade autista do diagnóstico de esquizofrenia. Neste intento, Asperger
(1944/ 1991) aponta que, enquanto o sujeito esquizofrênico vivencia uma perda
progressiva de contato com a realidade, tal perda subjaz à vivência do indivíduo
autista desde os primeiros anos de infância. Asperger conclui sua caracterização do
quadro clínico inferindo que pode ser possível desvelar uma relação hereditária na
apresentação do quadro, e que para isso seriam necessários estudos familiares.
Diferentemente de Kanner, Asperger interessou-se pelos aspectos
educacionais na caracterização dos casos investigados (RIVIÈRE, 2007). Goldson
(2009) atesta que, diferentemente de Kanner, Asperger considerava seus atendidos
como sujeitos dotados de capacidades, muito além de pacientes cujos diagnósticos
cristalizavam a realidade. Em seu artigo, o pesquisador destaca a presença de
capacidades cognitivas e sociais em seus pacientes, passíveis de produzir
indivíduos como padeiros, engenheiros e cientistas. Assim, Asperger destaca

As habilidades que uma criança adquire crescem de uma tensão entre dois
pólos opostos: um é produção espontânea, o outro imita o conhecimento e
as habilidades do adulto. Eles precisam se equilibrar para que a conquista
seja de valor. […] A inteligência autista é caracterizada exatamente pelo
oposto desse problema. As crianças autistas são capazes de produzir ideias
originais. De fato, elas só podem ser originais e o aprendizado mecânico é
difícil para elas. Eles simplesmente não estão preparados para assimilar e
aprender o conhecimento de um adulto. Assim como, em geral, os lados
bons e ruins de alguém estão inextrincavelmente ligados, também as
habilidades e deficiências especiais das pessoas autistas estão
entrelaçadas. (ASPERGER, 1944/ 1991, p. 70, tradução nossa)

20
Apontamos que os estudos propostos por Asperger e Sukhareva não foram
internacionalmente difundidos em seus respectivos períodos. Enquanto que
Sukhareva até o tempo presente pouco é difundida, Asperger só tornou-se
reconhecido em países de língua anglófona após a tradução de Lorna Wing na
década de 1980. Algumas justificativas possíveis para esse desconhecimento aos
pesquisadores no período de pesquisas se deve ao contexto histórico entre as
grandes guerras ter dado pouca abertura aos países como a Áustria, terra natal de
Asperger, cuja dominância do regime nazifascista fazia presente (KLIN, com base
em COSTA, 2019). Enquanto que Sukhareva vivia os tempos sob a hegemonia da
União Soviética que, pelo contexto de luta socialista, era adversária dos países
capitalistas. Acerca de Asperger, Goldson (2009) atribui à eugenia, um dos aspectos
fundantes do nazismo científico, a dificuldade em seus estudos não terem sido mais
difundidos, em detrimento da perseguição às populações com deficiência. Rivière
(2007) afirma que os estudos de Asperger no período restringiram-se a publicação
em língua alemã e atribui sua baixa repercussão pelo fato de no período as teorias
psicodinâmicas terem ganhado maior notoriedade.
Desse modo, a teoria recorrente do período a buscar etiologicamente a
afecção foi a teoria socioemocional exposta por Kanner e Bruno Bettelheim (COSTA,
2019). Esta proposição teórica apontava o autismo como um produto de fatores
afetivos e emocionais, resultado de contextos familiares em que os responsáveis
não forneciam afetos aos filhos autistas e, como consequência, os filhos não
respondiam às emoções conforme as normas sociais esperam, baseando-se na
concepção psicanalítica do contexto (RIVIÈRE, 2007). Ao longo das décadas de
1940 a 1960, tal teoria ganhou notoriedade, de forma que até hoje atribui-se às
conhecidas “mães geladeira” (COSTA, 2019) a responsabilidade pela manifestação
dos sintomas autísticos nos filhos. Segundo Kanner, os pais eram bastante
intelectualizados, rígidos e sem humor (WING, 1997). Cabe evidenciar também a
indiferenciação do período entre o diagnóstico de esquizofrenia e autismo, em que
este segundo era compreendido como uma forma precoce do quadro esquizofrênico
(WING, 1997).

21
A teoria psicanalítica causou efeitos tão controversos nas famílias que trouxe
mudanças substanciais a partir da virada entre as décadas 1950 e 1960. Em
resposta, familiares passaram a criar as primeiras associações de pais e mães de
autistas, sendo a primeira a Sociedade britânica para crianças autistas, mais tarde
renomeada de Sociedade Nacional do Autismo. A repercussão ganha pela
associação levou a familiares criarem associações em outros diversos países nos
anos posteriores, fato que levantou uma nova onda de estudos na busca de novas
explicações para a etiologia, a favorecer um afastamento da teoria socioemocional.
Nos primeiros anos de 1960 passam a ser publicados estudos conferindo relação
entre alterações neurobiológicas e manifestações autísticas (RIVIÈRE, 2007) e outro
fato determinante para essa mudança no campo de estudo foi decorrente da falta de
comprovações empíricas da relação socioemocional (WING, 1997; RIVIÈRE, 2007).
O artigo de Wing publicado em 1997, aponta que Victor Lotter trouxe grande
contribuição, realizando o primeiro estudo epidemiológico do Autismo de Kanner no
ano de 1966, usando dois critérios, a saber, 1) distanciamento e indiferença com os
outros, e 2) resistência a mudanças. Tal estudo trouxe como hipótese o número de 5
crianças autistas a cada 10.000. A autora atribui a Kolvin um estudo no início da
década de 1970 como responsável por objetivar a separação entre os diagnósticos
de esquizofrenia e autismo, ao classificar diferenciações a partir do estudo com
grupos de pacientes. Ressalta-se que, no início dos estudos de Kanner, o autor
apontou a separação entre os diagnósticos, entretanto, a comunidade psicanalítica
do período lhe causou grande pressão, fazendo o pesquisador voltar atrás (WING,
1997). A psiquiatra Sukhareva também já havia concluído tal diferenciação em seu
estudo de 1926, contudo, os aspectos políticos do período não possibilitaram a
apreensão do campo de estudo soviético, conforme já mencionamos anteriormente.
Neste período, as pesquisadoras Wing e Gould deram continuidade nas
pesquisas iniciadas por Lotter e conduziram uma investigação, resultando no
número de 20 crianças com autismo a cada 10.000 crianças em Londres (WING,
1997). As autoras não se basearam somente nas crianças diagnosticadas segundo
os critérios típicos do Autismo de Kanner e utilizaram-se de testes de QI, inferindo

22
que os resultados epidemiológicos apontados baseavam-se em dados inferiores a
70, conforme os padrões dos testes de inteligência. Não somente pela epidemiologia
estimada, o trabalho de Wing e Gould é determinante para o período, uma vez que a
partir deste estudo, as pesquisadoras ressaltam que o autismo de Kanner e a
caracterização comportamental de Asperger compunham um contínuo de um
mesmo espectro. Apontavam também a necessidade de maiores estudos sobre o
autismo na vida adulta, inferindo que um grande número de adultos poderiam se
enquadrar com autismo caso o diagnóstico se valesse de mais estudos em outras
faixas etárias, sobretudo por muitos familiares de crianças autistas apresentarem
algumas características expostas por Asperger (WING, 1997; MAS, 2018). Wing
vivenciava uma relação íntima com o diagnóstico, pois não somente era
pesquisadora, como também sua filha fora diagnosticada com autismo no final da
década de 1950. Assim, sua preocupação investigativa vislumbrava atender a
população com autismo e exigir a sistematização de prognósticos e direitos a esta
população.

O objetivo da Dra. Wing em incluir em uma classificação psiquiátrica todas


as pessoas – de qualquer faixa etária – que apresentassem mínimas
variações na tríade das incapacidades foi atingida. No entanto, fica claro
para nós que Lorna Wing realizou todo esse movimento para poder garantir
que as instâncias governamentais cabidas assistissem às pessoas
diagnosticadas com autismo, independente do grau, e seus familiares. Não
se pode afirmar que a médica em questão poderia ter previsto todas as
consequências advindas da criação de um diagnóstico potencialmente tão
abrangente, como, por exemplo, a geração de uma epidemia diagnóstica
nas proporções apresentadas inicialmente. Fato que, primeiramente, não a
desimplica dessas consequências nem nos desobriga, desde o lugar de
clínicos e profissionais da saúde mental, tanto a empreender em um
movimento de reposicionamento semântico e classificatório, como a exigir
das instituições que auxiliaram, global e localmente, que a categoria TEA
seja extinta e em seu lugar sejam criadas outras classificações com outros
critérios diagnósticos, e, em segundo lugar, tampouco nos afasta da
responsabilidade de analisar o motivo pelo qual a categoria TEA adquiriu
essa dimensão social, tanto de epidemia como de produto a ser consumido.
Ou seja, olhar para a epidemia de diagnósticos de TEA é importante, mas é
necessário também olhar para o que favoreceu sua propagação social ao
longo dos anos. (MAS, 2018, p. 90)

23
Lorna, junto de seu marido John Wing, foram os responsáveis pela criação
da primeira associação de pais de autistas (RIVIÈRE, 2007; BRASIL, 2015; MAS,
2018) no ano de 1962, e também despenderam esforços em catalogar os pedidos
de atendimento psiquiátrico londrino em Camberwell (MAS, 2018). Essa constatação
é importante para evidenciar as medidas realizadas pelas associações de pais em
relação direta com a psiquiatria para garantir novos esforços em direção a desvelar
causas genéticas e prognósticos mais eficazes. Segundo Rivière (2007), é neste
período que a educação passa a ser aspecto central no tratamento das crianças e
adolescentes autistas e as associações de pais foram as primeiras instituições a
financiar a criação de escolas especializadas no atendimento de autismo. Junto do
processo pedagógico, criaram-se mecanismos de modificação de conduta.
A partir da década de 1970, Costa (2019) afirma que dois caminhos
fundamentais passaram a ter o autismo como objeto de discussão. Estes caminhos
são o enfoque neuromorfopatológico e o campo neuropsicológico. O primeiro campo
segue concepções mais localizacionistas e, como expoentes nos estudos,
destacam-se Thomas Kemper e Margareth Bauman. Na investigação realizada, os
pesquisadores apontaram alterações substanciais no hipocampo, amígdala e
subículo, com base num estudo neuronal realizado em um homem autista, que os
levou a concluir até mesmo que a causa pudesse estar relacionada com a vigésima
oitava semana de gestação. Outros estudos hipotetizaram desequilíbrio entre os
neurônios inibitórios e excitatórios; aumento de neurônios no neocortex; anomalias
no hemisfério esquerdo e malformações no sistema nervoso central (COSTA, 2019).
Por sua vez, o enfoque neuropsicológico buscava expor as causas aplicando
conhecimentos da teoria cognitiva, neste ponto apresentavam-se três hipóteses
distintas na área. A primeira delas foi descrita em 1985 por Uta Frith, Simon Baren-
Cohen e Alan Leslie, conhecida como Teoria da Mente, ao qual atribui-se os déficits
sociais do autismo. A teoria da mente afirma que o ser humano possui constructos
capazes de prever os estados emocionais, mentais e intencionais de outros
indivíduos. Sendo assim, sujeitos com autismo não desenvolviam as habilidades
relacionadas a teoria da mente, ou a possuíam de modo deficitário, trazendo

24
dificuldades na relação interpessoal (RIVIÈRE, 2007; COSTA, 2019). Frith também
esteve a frente da segunda hipótese, definida como coerência central fraca que, em
síntese, pode ser entendida como a apreensão das informações de modo
contextualizado e o sentido geral de um determinado elemento. Segundo Frith e
Happé (1994, apud Costa, 2019), é esta a justificativa para que indivíduos autistas
se mostrem com dificuldade em apreender as informações gerais, ficando limitados
a fragmentos de assuntos. A terceira corrente deste período foi a teoria das
disfunções executivas, que buscava elucidar a dificuldade de planejamento,
organização e realização de tarefas em indivíduos autistas sem relacionar tais
limitações a outros processamentos psicológicos, como linguagem, relações
interpessoais e autocontrole (COSTA, 2019).
Portanto, o que se tem acumulado nesse período são dois conjuntos teóricos
que afastam-se em termos de forma, contudo, não em termos de conteúdo. Tanto as
explicações neuromorfopatológicas quanto as neuropsicológicas não buscavam a
etiologia nas causas, tampouco a historicidade dos sintomas nos indivíduos ou sob
quais modos tais dificuldades interpelavam a vida dos indivíduos objetos de estudo.
Do mesmo modo, não há problematização acerca das relações sociais em sustentar
determinados padrões elencados como indicadores, mesmo que então a escola
passe a ser apontada como principal espaço de manejo e tratamento. Daí, pode-se
apontar o paradoxo frágil com que se sustentam essas teorias: a medida em que as
causas do fenômeno são apontadas como individuais e centradas no aparato
biológico, sem buscar entender seu percurso evolutivo, espera-se que as instituições
escolares e seu amplo conjunto de profissionais possa favorecer o desenvolvimento
do indivíduo. Rivière elucida que,

A mudança principal no enfoque geral do autismo consiste em sua


consideração de uma perspectiva evolutiva, como um transtorno do
desenvolvimento. Se o autismo supõe um desvio qualitativo importante da
evolução normal, é preciso compreender tal desenvolvimento para entender
em profundidade o que é o autismo. Este, por sua vez, de modo paradoxal,
nos ajuda a explicar melhor o desenvolvimento humano, porque torna
patentes certas funções que se produzem nele, capacidade que costumam

25
passar despercebidas, apesar de sua enorme importância, e que se
manifestam no autismo precisamente por sua ausência. (RIVIÈRE, 2007, p.
237)

Costa (2019) afirma que a passagem do século XX ao novo milênio marca o


ingresso ao campo das Neurociências, determinando o desenvolvimento de novos
estudos, situando uma cisão dentro desta perspectiva na compreensão etiológica.
De um lado, a forte influência de caráter localizacionista em buscar marcadores
neurobiológicos, utilizando diversos exames de neuroimagem para verificar a
atividade cerebral; de outro, o movimento da neurodiversidade, buscando afastar o
autismo da dimensão patológica, que será melhor elucidado na seção 1.4.
Portanto, é neste percurso histórico que o autismo passa a englobar o
conjunto de transtornos hoje difundidos como neurodesenvolvimentais. As próximas
linhas serão dedicadas a sintetizar o percurso histórico que leva-nos hoje à quinta
edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, bem como a
apresentação tida nos manuais acerca do termo autismo.

1.3. O AUTISMO NOS MANUAIS DE CLASSIFICAÇÃO

Para tomar como objeto o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


Mentais (DSM), gostaríamos de evidenciar os precedentes históricos como pano de
fundo no contínuo desenvolvimento dos manuais. Em “A nova classificação
americana para o DSM-V”, Araujo e Neto (2014) apresentam que o movimento inicial
para apreender as doenças mentais na sociedade se deu nos EUA a partir de 1840.
Neste ano, o país aplicou um censo na população, objetivando buscar a frequência
de doenças mentais a partir das categorias “idiotia/loucura”. Quarenta anos mais
tarde, o censo novamente foi aplicado, dividindo-se então em 7 categorias, a saber,
mania, melancolia, monomania, paresia, demência, epilepsia e dispsomania, período
esse marcado pelo aprofundamento nos estudos da clínica psiquiátrica em adultos,
conforme já mencionado anteriormente. Portanto, nota-se que a preocupação inicial
era a obtenção de dados estatísticos (ARAUJO; NETO, 2014).

26
As primeiras décadas XX são marcadas pelos avanços do capitalismo e as
grandes guerras, demarcando mudanças significativas no campo da Medicina,
sobretudo devido aos traumas e sequelas apresentados pelos soldados após
vivenciarem campos de batalha. Assim, a associação de veteranos juntamente com
o exército norte-americano desenvolveram uma completa classificação, a ser
aplicada em ambulatórios onde prestavam-se atendimentos aos ex-combatentes.
Sob pressão do setor militar estadunidense, em 1948, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) adiciona ao CID-6 uma seção sobre transtornos mentais no recém-
formulado manual de classificação das doenças (SIBEMBERG, 2011; ARAUJO;
NETO, 2014).
Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, os EUA despenderam esforços em
qualificar as classificações de doenças rumo à uniformização. Esse trabalho tinha
como estratégia aumentar os investimentos financeiros em hospitais psiquiátricos
baseando-se nas estatísticas diagnósticas, conforme aponta Mas (2018). Ainda cabe
ressaltar certos desvelamentos relacionados a este processo. Quintaneiro (2002)
revela, em seu estudo “O mercado farmacêutico brasileiro e o esforço de guerra
norteamericano”, que no ano de 1914 os EUA importavam quase todos os seus
produtos farmacêuticos da Alemanha e, num dos resultados de sua ascensão
política e econômica no contexto entre as grandes guerras, o número de fabricantes
de fármacos dos EUA quase triplicou, o que os colocou em segundo lugar de
maiores fabricantes de drogas em 1937. Assim, parece existir uma relação
determinada por fatores políticos e econômicos, que deve ser captada pelo
movimento real na apreensão do desenvolvimento histórico das edições dos
manuais. A seguir, apresentaremos os movimentos pelos quais o autismo passou
nas distintas versões.

DSM-I
A primeira versão do Manual de Transtornos Mentais foi lançado em 1952,
tendo como pano de fundo a unificação de nomenclaturas utilizadas na classificação
psiquiátrica. O movimento necessário a realizar esse intento já se delineava desde

27
1917, objetivado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) e pela Associação
Americana de Médicos e Psicólogos. No entanto, foi com o cenário do pós-guerra
que as condições objetivas se moldaram, a partir dos relatos de soldados cuja
sintomatologia demandava um lugar formal no sistema de saúde (MAS, 2018). Cabe
destacar que a sexta versão do CID, publicado em 1948, apresentava um capítulo
dando destaque as psicopatologias, mas sua caracterização fora realizada a partir
das necessidades dos soldados a partir dos danos produzidos pelas vivências de
guerra, não coincidindo com as classificações diagnósticas da população civil
(SIBEMBERG, 2011).
Nesta primeira edição, as afecções mentais são classificadas em dois
grupos principais, a saber: 1) quando há a perturbação das funções mentais como
resultado de uma deficiência primária presente no cérebro, sendo caracterizado por
prejuízo nas funções cognitivas, como memória, atenção, orientação, labilidade de
afetos; e 2) danos que são resultados de uma dificuldade de adaptação do indivíduo,
em que as perturbações da funcionalidade cerebral são vistas como dano
secundário ao transtornos psiquiátricos (MAS, 2018).
O DSM-I não apresentava uma diferenciação nas desordens psiquiátricas
presentes na infância, conforme aponta a elaboração teórica de Natalie Mas (2018).
Sobretudo, a discussão sobre a patologia autista também não se expressa. A
palavra autismo surge ao longo do manual sendo citada em quatro momentos: 1°)
ao caracterizar sintomas da chamada reação psicótica; 2°) na descrição sintomática
da Reação esquizofrênica do tipo paranoica; 3°) para definir que as reações
psicóticas em crianças que manifestem principalmente o sintoma autístico seriam
diagnosticadas com Reações psicóticas típicas da infância; 4°) para descrever o tipo
de pensamento dos sujeitos diagnosticados com Personalidade esquizoide (MAS,
2018). As reações esquizofrênicas do tipo infantil eram assim caracterizadas

Aqui serão classificadas as reações esquizofrênicas que ocorrem antes da


puberdade. O cenário clínico pode se diferenciar das reações
esquizofrênicas de outras faixas etárias, porque a imaturidade e a
plasticidade do paciente no momento de início da reação. Reações
psicóticas em criança, que manifestam primeiramente autismo, serão

28
classificadas aqui. Podem ser adicionadas ao diagnóstico manifestações
sintomatológicas especiais. (APA, 1952, p. 28 apud MAS, 2018, p. 71)

DSM-II
A edição lançada no ano de 1968 mantinha uma aproximação com o campo
psicanalítico e caracterizava os transtornos mentais como expressão simbólica da
subjetividade (SIBEMBERG, 2011). Desse modo, o manual apresenta as
psicopatologias segundo as estruturas psíquicas na teoria psicanalítica. No prefácio
da edição, os autores mostram-se preocupados em produzir um manual que
garantisse a estabilização entre as nomenclaturas (APA, 1968).
Nessa versão, há uma maior acuidade em discutir as psicopatologias na
infância e adolescente, cunhando um capítulo para a temática, em que o desajuste
mental com expressões comportamentais ganha destaque (APA, 1968). Segundo a
Mas (2018):

A palavra infantile aparece oito vezes nessa edição; infancy aparece 14


vezes, childhood 56 vezes, adolescence 38 vezes, adult 11 vezes,
personality 91, behavior 86 (sendo que 23 delas estavam associadas às
afecções de crianças e adolescentes), conduct não aparece nessa edição,
adjustment ou maladjustment apareceram 45 vezes, sendo que, dessas,
40% estavam associadas às afecções nas infâncias e adolescência e
apenas 17,78% associadas às afecções de adultos ou idosos. Isso nos
mostra que o transtorno psiquiátrico da criança segue sendo estabelecido
na psiquiatria e está cada vez mais relacionado à questão do
comportamento.(MAS, 2018, p. 57)

A palavra autism é introduzida duas vezes, uma para descrever sintomas da


Esquizofrenia do tipo infantil e em seguida na caracterização do pensamento na
Personalidade Esquizóide (pensamento autístico sem perda da realidade) (MAS,
2018). Sibemberg (2011) destaca que nesta edição, o autismo é considerado um
sintoma do quadro de Esquizofrenia da infância e que, posteriormente, tal
diagnóstico desaparece, movimento contrário à terminologia de autismo. Portanto, o
autismo segue como definição de um sintoma, numa aparente concordância
metodológica nas duas primeiras versões.

29
DSM – III
A terceira edição, do ano de 1980, é marcada por uma série de mudanças
acerca dos modos de realização do diagnóstico no campo psiquiátrico e sobre as
formas de tratamento, esse último ponto ausente nas edições anteriores. Há um
distanciamento das caracterizações psicodinâmicas em detrimento de um modelo
regulamentado nas descrições diagnósticas. Sibemberg (2011) expõe que o objetivo
do manual era garantir maior confiabilidade e homogeneidade nas classificações,
pois até então a linguagem diagnóstica mostrava-se muito variada. Assim, para
fornecer critérios objetivos e mais definidos, a concepção etiológica fora afastada.
Sob a pretensa noção de “diagnóstico funcional”, os critérios passam a ser conforme
os comportamentos observáveis, apoiando-se na compreensão de desenvolver um
manual objetivo e ateórico. Da mesma forma é pensado o sistema multiaxial na
investigação de critérios presentes para a conclusão da diagnose. Ao adotar este
sistema, há a impossibilidade de intersecções entre os eixos diagnósticos, ou seja, a
diagnose torna-se produto de linhas paralelas, que não desenvolvem para o
dinamismo presente nos diagnósticos (SIBEMBERG, 2011).
Há que se ressaltar que a objetivação dessa edição é determinada pelo
avanço de hipóteses biológicas nos estudos, buscando identificar determinantes
orgânicos aos problemas psíquicos. Nesse sentido, a sistematização do DSM – III é
um marco na apropriação dos transtornos mentais ao escopo organicista, contando-
se de descrições genéricas e universais (FREITAS-SILVA; ORTEGA, 2016). Nesse
sentido, Sibemberg (2011) exprime

A experiência do sofrimento psíquico, das paixões da alma, colocada numa


lógica discursiva foi substituída de forma reducionista a uma coleção de
comportamentos observáveis, à catalogação de agrupamentos de sintomas
clínicos que falam por si, favorecendo uma clínica essencialmente
farmacológica e cognitivo-comportamental. (SIBEMBERG, 2011, p.95)

O DSM-III marca um importante passo acerca do lugar da infância no campo


psiquiátrico, com a seção Distúrbios que habitualmente se manifestam primeiro na
infância ou adolescência. Esse fato é determinante, corroborando com a crescente

30
investigação de psicopatologias em crianças e adolescentes. É necessário salientar
que o diagnóstico utilizado nas edições anteriores, a esquizofrenia do tipo infantil,
desaparece nesta versão, sob a alegação de ser pouco recorrente na sociedade
(MAS, 2018). Os distúrbios descritos na seção supracitada eram Retardamento
mental, Distúrbios específicos de desenvolvimento e Distúrbios globais de
desenvolvimento, no qual o Distúrbio autista aparece como um sub-grupo com a
seguinte caracterização:

Distúrbio Autista.
As características essenciais constituem uma forma de distúrbio Global de
Desenvolvimento grave com idade inicial na primeira infância ou na infância.
As outras características do distúrbio são descritas abaixo: A) Incapacidade
qualitativa na interação social recíproca; B) Incapacidade qualitativa na
comunicação verbal e não-verbal e na atividade imaginativa; C) Repertório
de atividades e interesses acentuadamente restritos; D) Início na primeira
Infância ou infância. (APA, 1989, p. 41-42, apud MAS, 2018, p. 75)

DSM- IV
A quarta edição de 1994 tem seu foco em fundamentar os propósitos
clínicos, educacionais e de pesquisa, baseando-se empiricamente (tais quais as
versões anteriores) para evidenciar os fenômenos psicopatológicos. Neste manual, a
descrição dos critérios são brevemente apresentadas, e há uma economia da
linguagem empregada. Há uma reaproximação com os critérios classificados pela
OMS (APA,1994).
É na tradução desta edição que se cunha pela primeira vez a palavra
transtorno ao conjunto de afecções anteriormente conceituadas por distúrbio,
alteração essa implicada de modo determinante na compreensão das
psicopatologias infantis (MAS, 2018). Em primeiro lugar, é necessário salientar o
aumento das investigações e definições acerca das desordens na infância e
adolescência. Em segundo lugar, as afecções caracterizadas como distúrbios na
infância possuíam sua manifestação nessa etapa do desenvolvimento humano,
enquanto que na redesignação para o termo transtorno apresenta a compreensão
de que tais afecções são diagnosticadas pela primeira vez nas etapas da infância,

31
presentes na seção “Transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na
infância ou na Adolescência” (APA, 1994).
Nesta versão, o diagnóstico de autismo é empregado para caracterizar os
quadros que anteriormente eram referidos como autismo infantil precoce, autismo
infantil e autismo de Kanner. Conforme consta o manual, os padrões estabelecidos
para diagnosticar crianças e adolescentes seguia em conformidade com a tríade
cunhada por Kanner. Na investigação clínica, deve-se garantir a soma de no mínimo
6 ou mais dos critérios apresentados a seguir:

(A) Alteração qualitativa na interação social, ao menos dois dos critérios abaixo:
1 Diminuição no uso de comportamentos não-verbais múltiplos, como contato
ocular, expressão facial, postura corporal e gestos para lidar com a interação
social;
2 Dificuldade em desenvolver relações sociais apropriadas para o nível de
desenvolvimento;
3 Falta de procura espontânea em dividir satisfações, interesses ou realizações
com outras pessoas, por exemplo: dificuldades em mostrar, trazer ou apontar
objetos de interesse;
4 Ausência de reciprocidade social ou emocional.
(B) Alteração qualitativa na comunicação, marcando ao menos um dos critérios
abaixo:
1 Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem verbal, sem a
presença de mecanismos de compensação através de outras formas de
expressão intencional, tais como gestos ou mímicas;
2 Em indivíduos com capacidade de verbalização, diminuição da habilidade de
iniciar ou manter uma conversa com outras pessoas;
3 Ausência de ações variadas, espontâneas e imaginárias ou ações de imitação
social apropriadas para o nível de desenvolvimento.
(C) Padrões de comportamento, atividades e interesses repetitivos e limitados,
caracterizado por ao menos um dos critérios abaixo:

32
1 Obsessão por partes de objetos;
2 Hábitos motores estereotipados e repetitivos;
3 Inflexibilidade quanto a mudanças de rotina ou rituais não funcionais
específicos;
4 Obsessão por determinados padrões estereotipados, interesses restritos com
variação tanto em intensidade quanto em foco (APA, 1994).

Os sintomas são dependentes da idade e do gênero do sujeito, sendo


prevalentes nos meninos. Contudo, em casos de meninas autistas, o agravo mental
é considerado qualitativamente superior (APA, 1994).

DSM – 5
A edição vigente publicada em 2013 é marcada pela busca de uma
linguagem comum a profissionais de diversas abordagens no campo da saúde
mental, ampliando o escopo de influência profissional a se instigar, diferentemente
das versões anteriores

As informações aqui resumidas são úteis para todos os profissionais ligados


aos diversos aspectos dos cuidados com a saúde mental, incluindo
psiquiatras, outros médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros,
consultores, especialistas das áreas forense e legal, terapeutas
ocupacionais e de reabilitação e outros profissionais da saúde.(APA, 2014,
p. xli)

As afecções que na versão anterior estavam presentes no conjunto de


transtornos diagnosticados na infância ou adolescência são alocados na nova seção
dos Transtornos de Neurodesenvolvimento. Segundo o manual, os diagnósticos
apresentados nesta seção revelam-se nos primeiros períodos do desenvolvimento,
variando seus danos entre condições muito específicas na aprendizagem e condição
motora, até disfunções globais. Há também a possibilidade de dois ou mais
diagnósticos da mesma seção apresentarem-se dinamicamente no mesmo
indivíduo, fato este que incita uma relação de comorbidade aparentemente

33
naturalizada no manual. Os transtornos de neurodesenvolvimento apresentados são
Deficiência intelectual, atraso global de desenvolvimento, transtornos da fala,
transtorno de espectro autista, TDAH, TDAH não especificado, transtorno específico
de aprendizagem, transtorno de desenvolvimento da coordenação, transtorno de
movimento estereotipado, transtornos de tique, outros transtornos de
neurodesenvolvimento especificado e não especificado (APA, 2014).
A classificação Transtorno de Espectro Autista passa a englobar os
distúrbios do autismo infantil precoce, o autismo de Kanner, autismo de alto
funcionamento, autismo atípico, transtorno global de desenvolvimento, transtorno
desintegrativo da infância e o transtorno de Asperger. Segundo a APA:

Os sintomas desses transtornos representam um continuum único de


prejuízos com intensidades que vão de leve a grave nos domínios de
comunicação social e de comportamentos restritivos e repetitivos em vez de
constituir transtornos distintos. Essa mudança foi implementada para
melhorar a sensibilidade e a especificidade dos critérios para o diagnóstico
de transtorno do espectro autista e para identificar alvos mais focados de
tratamento para os prejuízos específicos observados. (APA, 2014, p. xlii)

Agora, os comportamentos que outrora constituíam uma tríade do critério


diagnóstico passam a ser uma díade, a saber, “déficits persistentes na comunicação
social e na interação social em múltiplos contextos” e “padrões repetitivos e restritos
de comportamento, interesses ou atividades” (APA, 2013, p.50), devendo se
enquadrar em ao menos dois dos seis marcadores apresentados no manual,
evidenciados a seguir

A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social


em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue,
atualmente ou por história prévia (os exemplos são ilustrativos, ver o texto):
1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de
abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa
normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a
dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais.
2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para
interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal
pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou
déficits na compreensão e uso gestos, a ausência total de expressões
faciais e comunicação não verbal.
3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos,

34
variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se
adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar
brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por
pares.
B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou
atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes,
atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e
não exaustivos; ver o texto):
1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos
(p. ex., estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos,
ecolalia, frases idiossincráticas).
2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões
ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento
extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições,
padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer
o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente).
3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade
ou foco (p. ex., forte apego a ou preocupação com objetos incomuns,
interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos).
4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum
por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a
dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou
tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento.
(APA, 2014, p. 50-51, grifos nossos)

Aliado a isso, os critérios devem se apresentar precocemente,


demonstrando um prejuízo clinicamente verificável nos diversos âmbitos que
constituem a vida do sujeito no presente momento (APA, 2014). Assevera-se que o
diagnóstico deve ser apresentado seguindo três graus de severidade, conforme os
níveis de apoio que o indivíduo apresenta no cotidiano, baseado na persistência dos
sintomas e dependência da criança no âmbito de suas relações, entendendo- se
poder haver oscilações nesses graus conforme o tempo. Apresenta-se também 3
especificadores, a saber, (1) com ou sem comprometimento intelectual
concomitante; (2) com ou sem comprometimento da linguagem concomitante; (3)
associado a alguma condição médica ou genética conhecida ou a fator ambiental
(APA, 2014).
Seria de se esperar que, dado o grau de alterações para este diagnóstico, a
discussão acerca de suas possíveis causas pudesse aparecer com maior destaque.
No entanto, o manual apenas refere como fatores de risco ambientais baixo peso ao
nascer e exposição fetal ao ácido valproico; enquanto que acerca dos fatores
genéticos e fisiológicos propõe uma estimativa entre 37% a 90%, intervalo distante o

35
suficiente para se tornar questionável, e conclui que até 15% dos casos vigentes
podem estar relacionados a uma mutação genética na variação do número de
cópias genéticas, afirmando também uma possibilidade poligênica na apresentação
dos sintomas.
Há que se ressaltar a significativa mudança produzida na incorporação das
características no diagnóstico. Conforme proposto por Kanner em 1943 e
determinado até o DSM-IV, as alterações apresentadas por sujeitos com autismo
caracterizava-se por três aspectos: rebaixamento nos interesses sociais, alteração
na comunicação, aliado a padrões de comportamentos e interesses limitados e
repetitivos. Com o advento do último manual, a descrição passa a incorporar tais
atributos, constituindo-se uma díade representada por déficit na comunicação e
interação social, além de comportamentos e interesses restritos e repetitivos. Assim,
parece-nos coerente apontar que a noção de espectro proporcionou uma maior
abrangência diagnóstica na atualidade. Mas a que se deve a aplicação terminológica
de espectro? Há evidências no seu uso a corroborar com o aumento estatístico de
casos? E por fim, a aplicação do diagnóstico ampliou a compreensão e favoreceu o
autodiagnóstico?

1.4. A VIRADA NEURAL: A TANGÊNCIA DO SUJEITO EM DETRIMENTO DO

CÉREBRO

Desde a década de 1990, como se encontram os estudos do tema? Na


seção 1.2 apresentamos o desenvolvimento histórico dos estudos, chegando até o
período de 1990. Afirmamos em seguida que a partir da década de 1970, dois
caminhos de estudos passam a ser aplicados, procurando distanciar-se da
concepção psicanalítica e, por consequência, de sua visão epistemológica acerca
das psicopatologias. Estas novas perspectivas corroboraram para o entendimento
biológico e organicista de sujeito, sobretudo do sujeito com transtornos mentais.
Neste tópico queremos trazer uma síntese sobre o giro desenvolvimental nas
investigações. No campo da Neurociência, a década de 1990 é conhecida como a

36
“década do cérebro”, tendo sido reconhecida como tal por George Bush, ao enfatizar
que os EUA tinham a pretensão de investir em estudos de caráter neurocientífico. O
peso dado a este enfoque produziu discussões acerca do funcionamento cerebral
em muitos campos de estudos, sobretudo nas ciências humanas, contudo, os
investimentos obtidos davam-se somente neste campo de pesquisas,
secundarizando outras áreas do conhecimento. É evidente que, se por um lado,
estes investimentos serviram para desenvolver fundamentos acerca do
funcionamento e processamento cerebral, bem como da relação do cérebro e o
desenvolvimento de psicopatologia e até mesmo da inteligência artificial, por outro,
uma série de conflitos foram produzidos por conta de tais avanços.
Ortega (2009a; 2009b) revela uma cisão argumentativa entre duas posições
divergentes fortalecidas no percurso da década até o tempo presente. De um lado, o
enfoque neurocientífico culminou em novas áreas de pesquisa e
superdesenvolvendo outras áreas, como a neuropsicologia. Os grupos acadêmicos
que representam essa lógica entendem o cérebro como motor de todo o
desenvolvimento humano e, pensando propriamente no campo das psicopatologias,
o enfoque dado por estes grupos através de exames de neuroimagem visa elucidar
qual é a base orgânica e cerebral que se distingue nos processos psicológicos. Em
outros termos, acredita-se que por exames e sua busca em diagnósticos por
imagem, entendendo que o autismo, por exemplo, se refere a uma condição
patológica. Assim, a busca por marcadores neurobiológicos centralizou grande parte
dos debates a partir desse período, empregando tomografia por emissão de
pósitrons (PET), ressonância nuclear magnética funcional (fMRI) E estimulação
magnética transcraniana (COSTA, 2019). É nesta perspectiva que o enfoque

37
prognóstico ganha maior destaque, no que tange ao uso de medicamentos e
intervenções terapêuticas, empregando métodos como ABA 13, TEACCH14 e PECS15.
Por outro, emerge o movimento de “neurodiversidade”, como um
desdobramento dos “estudos da deficiência” fomentadas desde os anos de 1970 no
Reino Unido. Segundo o blog Autismo e Realidade (2020), o conceito de
neurodiversidade foi empregado pela socióloga Judy Singer em 1999, adotando a
concepção de que o autismo é uma diversidade cerebral, que nega o autismo como
um transtorno. Para os apoiadores da neurodiversidade, o autismo é uma variedade
cerebral, uma neuroatipicidade, marcada pela atipicidade das funções neuronais,
sendo apenas mais uma manifestação funcional tanto quanto os sujeitos
neurotípicos,uma vez que “não existem duas mentes que possam ser exatamente
iguais” (AUTISMO E REALIDADE, não paginado). Segundo a autora, tratando-se de
uma diversidade, os sujeitos neuroatípicos devem ser respeitados assim como
outras categorias sociais, como a homossexualidade, a dominância pela
sinistralidade e a surdez. Contudo, a autora também distingue a neurodiversidade da
deficiência, enfatizando que a neurodiversidade não é um quadro patológico,
tampouco demande cuidados singulares como quadros de deficiência necessitam.
Em seu artigo, denominado “Por quê você não pode ser normal na sua vida?
De um ‘problema sem nome’ à emergência de uma nova categoria da diferença”
(ORTEGA, 2009a), a neurodiversidade ganhou tamanha notoriedade que elevou a

13 A técnica da Análise do Comportamento Aplicada consiste numa tecnologia baseada nos


princípios de análise do comportamento para favorecer o aprendizado de novos comportamentos,
dividida em três etapas: avaliação comportamental, seleção de metas e objetivos e o
desenvolvimento programa de tratamento. Para uma síntese mais sistematizada da técnica, acessar
Ribeiro; Blanco, 2016.
14 Método TEACCH- Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Desvantagens na
Comunicação, foi criado no final da década de  1960. O programa envolve psicologia comportamental
e psicolinguística, garantindo a estruturação de um ambiente adequado ao uso de reforçadores e o
uso de imagens visuais como recurso de comunicação não-verbal a fim de que a criança internalize
os processos verbais e possa aumentar sua autonomia. Para uma síntese mais sistematizada da
técnica, acessar Ribeiro; Blanco, 2016.
15 O Sistema de Comunicação Alternativa por Figuras (PECS) foi criado em 1985 por Andrew Bondy
e Lori Frost.Visa incentivar a comunicação, sistematização de rotina e redução de comportamentos
indesejáveis na criança por meio da assimilação de figuras, num contexto estruturado. A técnica
divide-se em 6 fases distintas até a criança responder espontaneamente, manifestando seus desejos.
Para uma síntese mais sistematizada da técnica, acessar Ribeiro; Blanco, 2016.

38
categoria a movimento. Singer no ano de 1999, apontou a neurodiversidade como
movimento que emergiu por uma série de fatores, como o 1) fortalecimento de
movimentos feministas que influenciaram mães de pessoas autistas a questionarem
a lógica psicanalítica e sua pretensa culpa a responsabilizar as famílias e sobretudo
o papel da mulher como mãe de uma criança autista; 2) o surgimento da Internet,
que favoreceu a troca livre de informações sem mediação do campo médico e 3) a
criação de grupos de apoio, que favoreceu a redução da autoridade médica sob
esses indivíduos (ORTEGA, 2009b). Destacamos que o movimento de
neurodiversidade é composto por sujeitos considerados de alto rendimento, ou seja,
comumente diagnosticados com síndrome de Asperger. Os defensores da
neurodiversidade defendem a auto-advocacia e a troca livre de informações pelas
redes sociais, por entenderem que sua condição não é patológica, destacando que
os métodos interventivos no quadro autista são uma violação da expressão
singularmente humana dos sujeitos, colocando-se contra métodos terapêuticos,
farmacológicos e genéticos que visem tratar o autismo, ou mesmo identificar ao
longo da gestação as possibilidades de o feto ser portador de autismo. O movimento
também ganhou destaque por conta do cinema que, através da retratação de
autistas considerados de alto rendimento, apresentou casos bastante singulares de
indivíduos, como é a conhecida Temple Grandin, especialista em Zootecnia. Grandin
já veio a público por diversos momentos em defesa da neurodiversidade, e afirmou
que os sujeitos com autismo podem engendrar casamentos mais satisfatórios com
pessoas autistas e/ou como sujeitos excêntricos, pois “ seus intelectos trabalham em
onda similar” (ORTEGA, 2009b).
Como se pode observar, as expressões divergentes entre os grupos são
inúmeras. Ocorreram situações anteriores no Canadá em que a resolução de
conflitos necessitou de suporte jurídico (ORTEGA, 2009a). Entretanto, mesmo em
aparente divergência entre os grupos acerca da posição em defesa e contrária às
intervenções de cura, a essência do processo mostra-se a mesma. Por trás da
aceitação e da negação, emerge a posição de indivíduo, desenvolvimento humano e
patologia que centraliza-se em uma noção biologicista de cérebro, reduzindo seres

39
humanos à sua massa encefálica, qual seja o seu quadro e suas condições de
humanização16. Essa contradição, centrada especificamente na determinação
biológica através do cérebro, nos parece um desdobramento da Psiquiatria em
outros movimentos, como a própria neurodiversidade.
Também fruto dessas contradições, as últimas duas décadas marcaram o
surgimento de investigações pseudocientíficas acerca do autismo. Apresentaremos
dois casos a seguir. No que tange à justificação causal do quadro autístico, o estudo
de Andrew Wakefield em 1998 inferiu que o autismo possuía como fator de risco o
emprego da vacina preventiva de rubéola, caxumba e sarampo – a MMR - no Reino
Unido. Contudo, seus escritos versam sobre uma falsa polêmica, uma vez que em
nenhum momento o autor conseguiu relacionar adequadamente tais fatores e, como
consequência, produziu um aumento considerável nos anos posteriores das
referidas doenças que a vacinação prevenia. Nas décadas posteriores, uma série de
estudos relataram a inconsistência das informações divulgadas por Wakefield.
Nesse sentido, podemos assinalar o estudo de Hviid et al (2019) que coletou
informações de crianças nascidas entre 1999 e 2010 na Dinamarca, contabilizando
cerca de 650.000 crianças, dentre as quais não constatou-se diferenças entre as
crianças vacinadas e não vacinadas com MMR e a incidência de autismo dentro
desta população.
Por sua vez, Kerri Rivera em seu livro “Curando os sintomas conhecidos
como autismo” (2016), inferiu que a cura para o quadro pode ser efetivada pela
aplicação de dióxido de cloro, uma substância utilizada para clarear papel e
branquear produtos altamente corrosiva, cujo nome popularmente conhecido é
Solução Mineral Milagrosa (MMS, do inglês). A aplicação deste deve se realizar por
ingestão oral ou via anal e, como consequência, produz uma grande descamação
das paredes intestinais. Tal substância foi sugerida inicialmente por Jim Humble a

16 Buscamos aqui realizar uma crítica às teorias que concebem a formação cerebral a partir de
pressupostos inatistas e maturacionistas, bem como às proposições que isolam-se na formação
cerebral para conceber a personalidade. Destacamos a primazia e a centralidade do cérebro como
órgão que não apenas “conserva e reproduz nossa experiência anterior, mas também o que combina
e reelabora, de forma criadora, elementos da experiência anterior, erigindo novas situações e novo
comportamento” (VIGOTSKI, 2018, p.15).

40
partir de 1996, que alega ter curado seus amigos de malária na floresta amazônica
pela ingestão desse químico. Após seu feito, Humble criou sua própria igreja,
pretendendo ofertar um novo meio de cura à saúde humana, a chamada Genesis II
(ALMEIDA, 2019).
Conforme relata Werner (2019), o uso desse tipo de substâncias produz
efeitos prejudiciais importantes sobre o corpo. Contudo, tanto Rivera quanto Humble
e seu septo de seguidores, entre os quais podemos apontar Lair Ribeiro 17, apontam
que a substância expelida por crianças e adolescentes após o manejo da
“terapêutica” é, nada mais nem menos que “vermes causadores do sintoma de
autismo” (WERNER, 2019). Tais intervenções são proibidas em diversos países,
entretanto, a internet e as redes sociais operam numa lógica de território sem leis, o
que favorece a criação de grupos nos quais os pais trocam receitas e sugerem aos
membros mecanismos de aplicação. Assim, percebe-se que a internet é uma
ferramenta duplamente potencializadora a ambos os grupos, seja para os autistas
de alto funcionamento manifestarem-se contra quaisquer mecanismos terapêuticos e
reivindicarem direitos, seja para pais e familiares buscarem meios interventivos,
mesmo que estes possam não ter efeitos prognósticos eficientes.
Conforme já mencionado neste trabalho, Lorna Wing cunhou o termo
espectro e as compreensões acima citadas situam-se no mesmo quadro. O enfoque
neurocientífico potencializado a partir da década de 1990 popularizou o conceito
juntamente com o advento da internet. Tais mudanças, tanto na redefinição
terminológica quanto nos enfoques de estudos são fruto das demandas da
sociedade, ao mesmo tempo em que pesquisadores conduziam novos estudos,
tratando-se assim de uma relação mediada e mediadora das diligências sociais. Se
por um lado, o acesso à informação e a divulgação beneficiou a criação de
prognósticos terapêuticos, de outro contribuiu para uma facilitação quase
desenfreada no diagnóstico. De igual modo, nos debates contemporâneos sobre o

17 Lair Ribeiro (1945- ) é médico cardiologista e nutrólogo, escritor de autoajuda e coach brasileiro.
Tornou-se conhecido por difundir a pseudociência com os métodos interventivos do MMS e do uso de
óleo de côco ao câncer.

41
autismo percebe-se a dicotomia presente em buscar curas e intervenções de um
lado e um movimento diametralmente oposto, em que se almeja redefinir o autismo
como uma condição ausente de patologia, afirmando suas possibilidades de ser e
existir de formas diversas ao que a sociedade e, sobretudo, a medicina reforçam.
Contudo, ressaltamos a proposição de que tais movimentos possuem
perspectivas distintas, mas assemelham-se essencialmente em captar a
individualidade como produto meramente cerebral, reforçando a primazia de um
determinismo orgânico. A noção centrada no aparato neurobiológico para explicar o
autismo carrega uma série de limites. Dentre esses, no campo científico destaca-se
a falta de discussões epistemológicas que se distancie da responsabilização
individual na condição autista, aliado a busca desenfreada de estudos em caráter
epigenético em favorecer a patologização do quadro, ao entender que o processo de
individuação se dá quase que magicamente através do complexo neuronal.

42
2. A TEORIA DA DETERMINAÇÃO NA SAÚDE-DOENÇA E A MEDICALIZAÇÃO
SOCIAL

[...] Inocentes na reclusão, anjos no inferno,


Trabalham. Tudo é de bronze, tudo é de ferro.
Nunca ali se pára, e não se brinca jamais;
pálidas na cinza, as faces não coram mais.
Apenas amanhece e elas já estão cansadas.
Nada compreendem de seu destino, coitadas!
(Victor Hugo)

A seção anterior caracterizou o percurso do autismo até os manuais de


classificação e sua crescente popularização na sociedade. Sabemos que autismo é
um termo que designa uma série de particularidades, sinalizados pelo rebaixamento
da linguagem verbal e não verbal, por alterações significativas na consciência (esta
tendendo à dificuldade em apreender totalidades coerentes) (KANNER apud
RIVIÈRE, 2007) e interação social, bem como por comportamento rotineiro,
tendendo à presença de estereotipias na conduta e hábitos. Esse conjunto de
sintomas já carregou diversas nomenclaturas e a sociedade lhe atribuiu causas
distintas, como aparições fantásticas de fadas e demônios, cisão da personalidade,
quadros de desumanização por privação social, danos biológicos variados e
múltiplos, desvelo decorrente dos vínculos familiares não reforçarem condutas
socialmente bem aceitas e desenvolvimento atípico do processamento cerebral.
Podemos afirmar que o autismo apresenta-se como problema na sociedade
mediante um conjunto concreto de representações e percepções a partir de sua
caracterização sintomática. Entretanto, nos parece insuficiente desdobrar somente
tais noções ou seus aspectos históricos, uma vez que tal trabalho já foi
proficuamente realizado. Coerente com o método do materialismo histórico dialético
e ao empreender estudos acerca da investigação científica no campo
epidemiológico, Breilh (1991) assinala que o procedimento deve partir dos
fenômenos aparentes, definido pelo autor como “concreto-descritivo” e, através da
racionalização implicada numa abordagem teórica, chegar ao ponto “concreto-
racional”. Entendendo que os fenômenos aparentes são processos condicionados

43
pelas condutas e práticas sociais (BREILH, 1991), e a necessidade de apreendê-los
em sua essência, neste capítulo discutiremos o processo desenvolvimental do
autismo fundamentando-se na teoria da determinação social do processo saúde-
doença, para a qual a esfera social qualifica e organiza centralmente a produção de
vivências, adoecimentos e diagnósticos na contemporaneidade.
A teoria da determinação social do processo saúde-doença afirma a
centralidade da vida social na produção de perfis patológicos, entendendo que o
processo saúde-doença é condicionado ao modo de produção vigente. Concordando
com a crítica à noção hegemônica dos “fatores de risco”, por esta teoria entendemos
que a saúde-doença é determinada por processos críticos, protetores e/ou
destrutivos, que podem agir em diferentes níveis e esferas da vida. Diferentemente
das teorias médicas hegemônicas que buscam localizar o processo saúde-doença
numa determinada alteração genética ou ambiental, ou mesmo atribuindo múltiplas
causas indiferenciadas entre si como responsáveis pelo desenvolvimento de
patologias, entendemos que o social tem importância destacada de acordo com as
condições de vida e saúde dos indivíduos.

2.1. A TEORIA UNICAUSAL E A TEORIA MULTICAUSAL NA EXPLICAÇÃO DO


PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

A teoria da determinação social do processo saúde-doença desenvolve-se


em contraposição aos modelos unicausal e multicausal nas investigações. Para
caracterizar o percurso dessas teorias, faremos uma breve digressão histórica,
chegando até o presente momento no campo.
O epidemiológo Jaime Breilh (1991) bem elucida que para entender as
transformações que a medicina e a ciência epidemiológica sofrem, é necessário
esclarecer as transformações do tecido político e econômico da sociedade. Entre os
séculos XIV até XVII, a sociedade européia protagoniza a crise do modo de
produção feudal e a decorrente passagem ao modo de produção pré-capitalista. As
forças absolutistas manifestam-se pela contradição entre a nobreza e a burguesia

44
nascente, marcando a vitória desse segundo segmento social. Nesse contexto, a
instituição estatal ganha suas formas, sobretudo através de suas funções
administrativas pelo surgimento da burocracia, categoria social própria do Estado e
que torna-se responsável pela manutenção do bem-estar social, endossado também
pela consolidação do sistema jurídico (BREILH, 1991). No processo de trabalho,
denota-se a condição de livre concorrência manufatureira e a formação do chamado
trabalhador coletivo, em que a divisão sócio-técnica foi adaptando o processo de
trabalho conforme o tempo e a capacidade dos operários (BREILH, 1991).
Compreende-se que, nesse período histórico, as coletividades tratavam as noções
epidêmicas, sanitárias e médicas hegemonicamente a partir de concepções mágico-
religiosas (ROSEN, 1979 apud BREILH, 1991).
Seguindo o profundo reordenamento do tecido social do período absolutista
e das manufaturas, o surgimento das grandes indústrias configura o cenário
sociopolítico entre 1775 a 1860. Com a finalidade de garantir o benefício produtivo e
a crescente acumulação de valor, nota-se a extensão e a melhoria do maquinário
industrial e alguma melhoria das condições de vida (BREILH, 1991). Conforme
destacam Almeida e Gomes (2014 com base em FOUCAULT, 1984; ROSEN, 1979;
DONNANGELO, 1976), no século XVIII no contexto europeu, a saúde tornou-se um
conceito em destaque, pela necessidade de normatizar a vida social por meio da
intervenção médica. O modelo estatal de saúde-doença característico do século
XVIII foi consequência dos avanços necessários ao Estado para garantir as relações
sociais em desenvolvimento no período. Gomes (2017 com base em ROSEN, 1979)
destaca a massificação do saneamento, a reordenação dos espaços urbanos
contando com a ampliação das ruas a fim de garantir ventilação e reduzir as
possibilidades de barricadas populares, a coibição da indigência, a formação de
vigilância nas atividades em espaço público, bem como da produção de alimentos e
comércio, fiscalização do espaço privado e a normatização das demandas
relacionadas às condições de trabalho. É nesse processo que se circunscrevem
determinados marcos regulatórios, como a Polícia médica alemã e a Lei de Higiene
Francesa, precursora do higienismo, ações de profundo caráter normatizador

45
(GOMES, 2017 com base em DONNANGELO, 1976; FOUCAULT, 1984; AYRÉS,
2002).
Entre os séculos XVII e XVIII, organizam-se as concepções iniciais do
processo epidemiológico, de um lado com o modelo virchowiano e de outro a
corrente contagionista18. O enfoque contagionista analisava a doença como um ente
externo ao indivíduo e afirmava que era papel do Estado exercer a orientação e
controle sobre as patologias, premissas que foram englobadas pelo absolutismo
médico. Já o movimento anti-contagionista, que teve como precursor Rudolf
Virchow19, orientava-se por dois princípios: a) a saúde da população concerne a toda
a sociedade e; b) as condições econômicas e sociais exercem impacto determinante
sobre a saúde e a doença, processos que devem ser tomados na investigação
científica (BREILH, 1991). Nesse contexto, assistia-se ao aumento da urbanização
desordenada e acentuação da proletarização, contando com extensas jornadas de
trabalho em péssimas condições e um grande quadro de pauperização. As cidades
européias testemunharam um cenário de tensões sociais e com altas taxas de
morbimortalidade, decorrente das condições de vida precárias. Destarte, as
intervenções estatais sobre a saúde caracterizava-se pelo enfoque coletivo de ação,
a fim de reduzir os problemas de saúde e sanitários (ROSEN, 1979 apud ALMEIDA;
GOMES, 2014).
Outro ponto a destacar é a necessidade imanente de, não somente garantir
a reprodução da força de trabalho operária e camponesa, como também o seu
devido disciplinamento às leis da nova sociedade. A marca desse novo conjunto de
subordinações tem como princípio a repressão social, demarcando novos
fundamentos e primando pela formação das famílias, a fim de garantir padrões de
sociabilidade que sustentem padrões higiênico-morais, em que as relações sociais
tenham caráter mais restrito à vida familiar, quando fora dos espaços industriais
(GOMES, 2017 com base em FOUCAULT, 1984). Outros sinais desse período
também foram a livre circulação de mercadorias, a definição jurídica de democracia

18 A corrente contagionista tem seu marco de popularidade nesse período, contudo, seu precursor foi
o médico e matemático Girolamo Fracastoro, que nasceu em 1478 e viveu até 1553.
19 O polonês Rudolf Virchow foi médico e político. Nasceu em 1821 e faleceu em 1902 na Alemanha.

46
e igualdade e o necessário reconhecimento dos problemas da população
pauperizada, como o assentamento das periferias urbanas (BREILH, 1991).
Nos idos de 1870, ocorre a passagem do período de livre concorrência das
grandes indústrias para o capitalismo monopolista, reconhecido como a terceira fase
capitalista. Como marcas desse período, tem-se a criação de cartéis; a
movimentação sindical para a obtenção da redução de jornadas de trabalho; e o
almejo de domínio de matérias-primas (BREILH, 1991). Esta última foi uma das
responsáveis por aprimorar a exportação agrícola e a construção de vias terrestres a
fim de garantir meios de transporte. Nessa perspectiva, tanto o mundo natural
quanto o mundo social sofreram impactos destrutivos, frutos dessa exploração
(BREILH, 1991).
O modelo biomédico como explicação dos processos de saúde e doença
surge nesse contexto, entre os séculos XIX e XX, abrindo caminhos para uma
transição à intervenção em nível individual, com destaque para dois aspectos.
Primeiramente, as modificações no espaço urbano e a redução das doenças
infectocontagiosas decorrentes do período anterior diminuíram as necessidades de
um enfoque coletivo e, em segundo lugar, o desenvolvimento da capacidades
técnico-científicas com a revolução industrial propiciaram à medicina uma
possibilidade de intervenção acentuada sobre o corpo (ALMEIDA; GOMES, 2014).
Diferentemente do século anterior, as doenças infectocontagiosas estavam sendo
controladas e a força de trabalho, o trabalho vivo 20, assim estava se mantendo: vivo.
O sucesso da medicina anatomoclínica ao endossar os processos de adoecimento
centrando-se no aparato orgânico, que vai chegar até os dias atuais, nos quais a
investigação “encontra-se” em níveis moleculares e genéticos (ALMEIDA; GOMES,
2014). Esse é o contexto em que se consolida na história epidemiológica a teoria
unicausal das doenças, com o suporte dos descobrimentos microbiológicos. Se por
um lado, o conhecimento bacteriológico, o reconhecimento de parasitas e vírus foi

20 A partir das contribuições de Karl Marx e Friedrich Engels, temos que o conceito de trabalho vivo é
um sinônimo para a força de trabalho, isto é, a exploração da força de indivíduos trabalhadores a fim
de manter a produção de mais-valia (NETTO; BRAZ, 2006). Em contrapartida, o trabalho morto
corresponde àquele que se objetiva nos meios de produção.

47
um importante avanço científico no controle de muitas afecções e foi engendrado
pelo avanço das forças produtivas do período, de outro, reforçou um conhecimento
epidemiológico baseado em nexos causais unilaterais (BREILH, 1991). Deste modo,
entende-se que este modelo de apreensão do andar da vida pela medicina estava
relacionado a uma síntese de necessidades específicas da sociedade neste
contexto, mais especificamente, das necessidades da classe dominante de
manutenção e restauração da força de trabalho.
O modelo de organização monopolista do capital, a partir de 1920, com o
imperialismo e a conquista de novos territórios, vai garantindo a consequente
expansão de mercados. A tendência da prática médica passa a ser o que Breilh
(1991) chama Medicina Científica. Corroborado pelo modelo capital-imperialista,
formam-se escolas e institutos de investigação microbacteriológicas. Este
desenvolvimento sócio-técnico manteve-se e, cabe destacar, ainda hoje se mantém
pela premissa de desresponsabilização da organização social sob os danos na
qualidade de saúde das populações, individualizando os aspectos patológicos. Breilh
(1991) assinala que o aceleramento desse fazer médico é o responsável pela
subordinação da ciência ao projeto burguês, mesmo que não-consciente de tal
determinação, garantindo também a hegemonia do modelo médico nas explicações
da vida e instituindo normativas sobre os indivíduos. Nas palavras de Breilh (1991):

Uma vez mais, a dialética da ciência e ideologia se mostrava no


desenvolvimento do conhecimento e da técnica, colocando-os
contraditoriamente a serviço do ímpeto lucrativo do regime capitalista que
entrelaçou curiosamente a maior produtividade de que tem conhecimento a
história com a capacidade maior para deteriorar seu recurso fundamental,
que é a própria força de trabalho humana. (p. 81-82)

Para exemplificar a relação do capital com o corpo médico, retomamos em


Breilh (1991) o exemplo do Laboratório da Fadiga. Essa entidade foi fundada em
1927 e seguiu em atividades de pesquisa e registros até 1947, impulsionado por
Lawrence Henderson através de financiamentos da Fundação Rockefeller. As
pesquisas em sua totalidade tinham como finalidade investigar o funcionamento
celular, a fisiologia muscular, a circulação sanguínea a nível molecular e outras

48
indagações ligadas à fisiologia do trabalho. Junto de tais resultados, institutos como
o de Harvard encontraram-se subsidiados para aplicar os princípios da Reforma de
Flexner21. As pesquisas realizadas pela entidade e a sistematização de Flexner
convergiram a tal modo que instaura-se uma nova prática no modelo científico-
hospitalar, rompendo os nexos sociais e recaindo no paradigma clínico-individual
(BREILH, 1991).
O contexto pós-guerra e a consolidação da guerra fria marcam um
acirramento das potências imperialistas e a dependência dos países periféricos,
nesse contexto, o papel do Estado em intervir nas mudanças sociais foi significativo
(LAURELL, 1982). Na América Latina, Voskovic (1975, apud BREILH, 1991) afirma
que as proposições políticas entre os grupos dirigentes alternavam entre propostas
mais ‘estabilizadoras’ e as ‘desenvolvimentistas’. Em decorrência da aceleração do
processo de acumulação de capital e a crise de 1970 em escala global, o
predomínio da concepção desenvolvimentista nos países latinos faz-se
determinante, a fim de “atenuar os efeitos do monopólio” (BREILH, 1991, p. 102).
Com as desigualdades significativas que a crise econômica não consegue camuflar,
a sociedade precisa encarar as necessidades sociais e dar resposta a elas. Assim,
fenômenos sociais como a expulsão do campo, a marginalização, a urbanização e a
situação habitacional tornam-se pautas das tensões sociais. No contexto de crise
econômica, os Estados passam a se ver na necessidade de responder à sua
população, para mostrarem-se efetivos e diminuir as tensões sociais; com tal
objetivo, buscou-se uma planificação da saúde, com o custo mais baixo possível
para manter um relativo equilíbrio tecnocrático.
Como fenômeno interno à medicina, a inépcia do modelo unicausal mostra-
se candente, deixando explícita a impossibilidade de produzir novos conhecimentos
acerca das doenças mais recorrentes nos países industrializados, como os
problemas cardiovasculares e tumores (LAURELL, 1982). Nesse cenário de
reorganização, alternativamente surge a teoria multicausal. Proposta por Brian

21 A Reforma de Flexner foi uma proposta de Abraham Flexner para a educação das ciências
médicas na formação de profissionais. Para uma análise mais sistematizada dessa proposição,
acessar Pagliosa e Da Ros, 2008.

49
MacMahon, a multicausalidade entende que a doença não é resultado de um único
agente patogênico, mas a relação e soma de duas partes: 1. os eventos causais, ou
seja, os agentes externos independentes do corpo orgânico em resposta; 2. após a
entrada do agente no organismo, a segunda parte é a resposta dos mecanismos
intracorpóreos. Tomando como exemplo o caso de transmissão da malária, doença
viral cuja taxa de transmissão nas décadas de 1960 e 1970 fora bastante
investigada no campo médico-epidemiológico, temos que as pesquisas tiveram
relações mercantis bastante predominantes, sobretudo com a aplicação do inseticida
DDT (dicloro-difenil-tricloroetano) para o controle endêmico do mosquito, mesmo
que isso não gerasse impactos significativos na transmissão (BREILH, 1991). A
partir desse exemplo, podemos considerar que, na multicausalidade, os fatores
ambientais são apresentados primeiramente porque não podem ser ignorados e, em
segundo lugar, os fatores ambientais possuem valor de troca, garantindo os
interesses da classe dominante no desenvolvimento e sistematização do Estado
burguês, que, por sua vez, marca o desenvolvimento das práticas científicas
(BREILH, 1991). No referido exemplo da malária, esse valor de troca está
evidenciado pela venda de inseticidas e pela produção de novos pesticidas,
mostrando que se há a falta de garantias sanitárias na prevenção e no tratamento,
há a eficiência nos lucros dos produtores de pesticidas.
Juntamente com a multicausalidade e o reconhecimento dos fatores
ambientais, a expressão das concepções ecológico-funcionalistas populariza-se na
concepção de saúde. Fundamentado pela ecologia, Robert Smith (apud BREILH,
1991) apresenta a noção de ecossistema para explicar os mecanismos e níveis da
cadeia alimentar aplicados aos seres humanos. Para o autor, a produção e
reprodução da vida trata-se de uma relação homeostática entre organismo e
ambiente e pressupõe que as cadeias alimentares se desenvolvem em redes
alimentares, pois determinadas espécies podem partir de mais de um lugar na
cadeia. A tentativa de relacionar as concepções ecológicas no âmbito saúde-doença
ganhou mais destaque nos estudos após a publicação de Leavell e Clark em 1965,
ao cunharem a teoria da “história natural das doenças”. Os autores distribuíram num

50
esquema triangular os elementos atuantes em ação contínua, ou seja, homem-
agente-meio. Por agente, entendem-se vírus, bactérias, fungos, parasitas, bem
como agentes radioativos, tóxicos e cáusticos; o homem/hospedeiro é interpelado
conforme sua imunidade, idade, sexo, predisposição genética, resistência física e
estar saudável; por fim, o meio é encarado como a relação física e biológica com o
ambiente, como o clima, qualidade do ar, condições de higiene, disponibilidade de
alimento, entre outras. Entende-se que nessa categorização há uma noção mais
integradora por apreender a saúde-doença como processos determinados por
elementos históricos. Contudo, ainda condena a doença a níveis biológico-
evolutivos, reduzindo o ser humano a um corpo biológico ao tergiversar a atividade
humana e o desenvolvimento progressivo das capacidades de transformação da
natureza como categorias naturais (BREILH, 1991). Uma alimentação saudável,
melhores condições climáticas, uma vida menos atribulada não estão disponíveis na
natureza apenas conforme a vontade dos indivíduos (ALMEIDA; GOMES, 2014).
Essas teorias aparecem também nas explicações sobre os transtornos
mentais. Como já destacado, a década de 1960 é um marco histórico nas teorias
epidemiológicas e nas explicações médicas no âmbito saúde-doença, prolongando-
se na década de 1970, em decorrência da acentuação das tensões sociais e a
consequente busca por responder a esses problemas pela medicina em explicações
biológicas. Nesse sentido é que pode-se entender o surgimento da teoria
epigenética para a investigação de marcadores biológicos e os transtornos mentais.
Freitas-Silva e Ortega (2016) argumentam que a grande ambição a partir do último
terço do século XX visava localizar genes responsáveis por doenças como
esquizofrenia, bipolaridade, autismo, entre outros transtornos. Desse modo, passou-
se a buscar localizar essas heranças genéticas a partir de estudos com familiares de
sujeitos diagnosticados com os transtornos. Contudo, a ambição de localizar os
genes causadores das patologias não se concretizou, pois não houve relações
significativas ao relacionar o material genético de familiares de portadores desses
transtornos. E assim a hipótese foi alterada: ao invés de almejar localizar o gene
particular para tal patologia, passa-se a entender que o gene contribui para a

51
formação da doença, no entanto, este marcador biológico não pode responder
exclusivamente por sua etiologia. É nesse bojo que o conceito de epigenética passa
a ser empregado: tanto como mecanismo hipotético na investigação e justificação de
nexos causais para doenças mentais, quanto como contra-argumento para a
frustração ao se delimitar os estudos numa perspectiva multifatorial. A epigenética é
a explicação psiquiátrica entre a interação do genoma e o ambiente; em termos
biológicos podemos entender que é a correspondência entre o ambiente externo e a
carga genética do indivíduo que, no encontro com o mundo externo, produz
alterações que manifestam os sintomas das doenças (FREITAS-SILVA; ORTEGA,
2016). Certamente que analisar as sistematizações nos estudos epigenéticos
ultrapassa as possibilidades desse trabalho, contudo, parece-nos equivocado
analisar as determinações do ambiente somente através de estudos por meio de
marcadores biológicos e suas interações genéticas, mesmo que nesta leitura
neurocientífica suas bases sejam menos deterministas (FREITAS-SILVA; ORTEGA,
2016). Entendendo a complexidade dos processos psicológicos e as múltiplas
determinações que decorrem no sofrimento psíquico, reconhecemos suas
capacidades de produzir alterações no funcionamento cerebral, contudo, a
epigenética aplicada parece favorecer formulações que busquem no cérebro as
causas, sem apreender as modificações do funcionamento neuronal como
consequência dos processos objetivos nas vivências dos indivíduos.

2.2. OS PROCESSOS CRÍTICOS: A TEORIA DA DETERMINAÇÃO SOCIAL, A


PATOLOGIZAÇÃO DA VIDA E ALGUMAS CORRELAÇÕES COM O AUTISMO

Tomando como fundamento os pressupostos da Medicina social


latinoamericana e os estudos da Epidemiologia crítica, que investiga os fenômenos
da saúde-doença no âmbito de uma sociedade, entendendo que a saúde e a doença
desenvolvem-se mútua e dinamicamente. Tal processo ocorre em unidade, como
resultado e como produtor da vida da coletividade, Entendendo-se que a
singularidade e a universalidade coexistem reciprocamente, as transformações e

52
reprodução da sociedade também trazem transformações no biológico-singular
(BREILH, 1991). Cada momento histórico de uma sociedade carrega suas
particularidades e um conjunto de significações. Assim, o estudo sistemático na
epidemiologia crítica abarca três momentos: A) os processos estruturais dessa
sociedade; B) os padrões de reprodução e consumo (reprodução social) presentes e
possíveis conforme as condições de classe; C) compreensão das condições
biológicas existentes entre esses grupos bem como seus padrões típicos de saúde-
doença (BREILH, 1991).
Neste sentido, o autor destaca que a epidemiologia tem como ponto de
partida as manifestações externas do objeto, servindo para descrever os processos
sintomáticos, auxiliando na hierarquização daquilo que se mostra nos indivíduos e
auxiliando a delimitação no âmbito da saúde-doença, o que não deve ser encarado
como a totalidade do fenômeno objetivo (BREILH, 1991). Na epidemiologia crítica
latinoamericana, entendemos que, assim como a produção das condições de vida se
dá de modo coletivo, a produção de doenças e promoção de saúde também
depende das determinações dos grupos sociais (VIAPIANA, 2017; BREILH, 1991).
É, portanto, necessário analisar os aspectos universais propagados sob este
sistema de organização social para entender quais são seus mecanismos
particulares. Assim, o entendimento de um problema clínico envolve dialeticamente
tanto os processos sociais quanto os sintomas biopsíquicos, ou seja, deve-se buscar
entender sob quais determinações nos traços essenciais da sociedade determinados
padrões reprodutivos podem estar implicados na singularidade enquanto padrões de
desgaste.
A epidemiologia clássica, conforme destaca Breilh (1991), capta os
fenômenos epidemiológicos a partir do aparente através do método indutivo,
conforme caracteriza o empirismo. Isto é, capta os fenômenos segundo sua
apresentação sensível, pois segundo esta escola filosófica, a impressão sensível
tem maior validade de apreender o real. Tomando os processos como fenômenos
empíricos, temos assim a formação do conhecimento de modo probabilístico, uma
vez que as experiências individuais possuiriam primazia em determinar os

53
fenômenos. Como exemplo para caracterizar os processos psíquicos e a saúde-
doença nesta escola filosófica, o excerto de Hume pode nos dar algumas sínteses:

[...] se ocorre que, por um defeito de um órgão, um homem não é suscetível


de determinada espécie de sensação, sempre descobrimos que é
igualmente incapaz de ter as ideias correspondentes. Um cego não pode ter
idéia de cores, nem um surdo de sons. Se restituirmos a cada um deles o
sentido que lhe falta, abrindo caminho à entrada dessas sensações, abre-se
igualmente caminho às idéias, e ele não terá dificuldade em conceber esses
objetos. O mesmo acontece quando o objeto adequado para provocar uma
determinada sensação nunca foi aplicado ao órgão correspondente. Um
lapão ou um negro não tem nenhuma noção do gosto do vinho. E, embora
sejam raros ou inexistentes os casos de uma deficiência desse gênero na
mente, casos de pessoas que nunca experimentaram ou que sejam
incapazes de experimentar um sentimento ou paixão próprio à sua espécie,
apesar disso encontramos a mesma observação em grau mais atenuado.
Um homem de comportamento tímido não pode fazer idéia de um
inveterado espírito de vingança ou crueldade; nem um coração egoísta pode
facilmente conceber os extremos da amizade e da generosidade. (HUME,
apud MARCONDES, 2008).

A caracterização apontada pelo filósofo expoente da escola demarca a


centralidade dos conteúdos sensíveis e processos psicológicos da personalidade
como precursores da experiência individual na apreensão do real. De igual modo,
aponta-se que a falta e/ou limitação desses conteúdos sobre a consciência ganham
maior destaque, sem buscar as causas para tais diferenças. Entende-se que a
causalidade é simplesmente o resultado de uma forma habitual de captar esses
fenômenos. Assim, tem-se que o conteúdo do real já está posto nas experiências
sensíveis, noção esta que a epidemiologia crítica se lança contrária, por não
objetivar análises sólidas para além do fenômeno descrito e, tampouco investiga os
nexos causais das patologias.
Ressaltamos que a epidemiologia crítica lança esta análise na contraposição
à epidemiologia clássica, mantida sob viés empiricista (BREILH, 1991). Agora,
passemos a destacar como essa crítica apresenta-se hoje. Tomando como base o
DSM-5, as prováveis causas do autismo estariam ligadas aos fatores de risco
ambientais, referindo-se especificamente à idade parental avançada, baixo peso no
nascimento ou exposição a ácido valpróico; aos fatores de risco genéticos, com um
padrão de herdabilidade entre as discrepantes marcas de 37% a 90% e “mutação

54
genética conhecida”, que, segundo o manual, não parece haver relação tão concreta
e determinante (APA, 2013). Após uma sequência extensa de páginas em descrição
do TEA, o que se tem no manual para apontar as causas são inferências
probabilísticas que muito pouco nos servem para entendê-lo, atribuindo causalmente
os fenômenos concretos da realidade a fatores isolados externos. Acerca dos
fatores ambientais apresentados no caso do espectro, percebe-se que tais quadros
estão muito mais ligados aos hábitos e estilos de vida dos indivíduos. O conceito de
fator de risco foi empregado no manual sem apresentar definição, mero
complemento associado aos termos “fisiológico” e “genético”. Gomes (2017) destaca
que a definição de risco acaba por tomar os sujeitos como responsáveis por suas
condições de saúde.
A teoria do risco, apesar de colocar-se numa referida neutralidade científica,
é demarcada no processo epidemiológico clássico como “instrumento estratégico do
causalismo positivista” (BREILH, 2006b, p. 199). Atuando como modelo hegemônico
no processo saúde-doença, o paradigma do risco, de acordo com Breilh (2006a)
caracteriza-se por quatro componentes, a saber:

a) Torna a saúde-doença vazios de conteúdo histórico, nesse sentido, tais riscos


coisificam-se em função do sujeito, isto é, os riscos são caracterizados como uma
matéria indeterminada, fruto de uma inversão na relação sujeito-objeto no qual
destitui o sujeito de sua posição em detrimento do objeto;

b) Reducionismo probabilístico, marcado pela ausência da elucidação sobre os


processos causais do quadro patológico, nesse sentido, um conjunto ínfimo torna-se
um mecanismo causal completo desde que possa dar cabo de ser atribuído como
responsável em desencadear a doença;

c) Ambiguidade interpretativa, presente na caracterização de sintomas visíveis


empiricamente. Tal ambiguidade engendra na caracterização dos sintomas e
consequências do fenômeno, atribuindo-lhes o caráter causal;

55
d) Os níveis ontológico, metodológico e praxiológico no plano empírico são
reduzidos em sua hierarquia, tomando-os como fatores coligados que possam ser
manipuláveis conforme as necessidades explicativas demandem.

O conceito de ‘risco’ centraliza etimologicamente a ideia de contingência


dos eventos causais considerados essencialmente ‘prováveis’. Mas a rigidez
da ideia de contingência não permite distinguir que, na geração das
condições de saúde, alguns processos atuam de forma estrutural ou
permanente, outros atuam de modo diário, embora não permanente, e
outros, ainda, são de caráter eventual. (BREILH, 2006b, p. 199)

A epidemiologia crítica tem suas bases nas contribuições da Medicina Social


Latinoamericana, cujo início da produção teórico-prática data os anos de 1960 e
desenvolve-se no campo da Saúde Coletiva (ALMEIDA, 2018). Assim, a Teoria da
Determinação Social do processo saúde-doença é uma vertente teórica da Saúde
Coletiva, de orientação marxista, e visa sustentar outro modo de explicação para os
fenômenos no âmbito da saúde, entendendo o caráter dinâmico e ativo entre o
biológico, o psicológico e o social. Neste sentido, destacamos que o processo
saúde-doença apresenta-se na corporeidade e no psiquismo, os quais estão
subordinados ao social, conduzindo determinadas formas de expressão sintomática.
Concomitantemente, a saúde-doença desenvolve-se individualmente e na esfera
social. Entretanto, entende-se que há uma hierarquia do social sobre o biopsíquico,
visto que as formas particulares com que os seres humanos organizam e produzem
a vida estão engendradas num determinado contexto na história, conduzindo a
determinadas concepções de saúde, da doença, do adoecer e mecanismos
específicos de manejar esses fenômenos (ALMEIDA, 2018).
Breilh (1991) destaca a centralidade da categoria reprodução social na
elucidação da saúde-doença, pois com ela pode-se apreender

o processo produtivo em seu movimento, estudar a oposição dialética entre


produção (forma de autoconsumo do indivíduo, que inclui o processo de
trabalho no sentido restrito, mas não se reduz a ele) e consumo individual
(forma de produção do indivíduo produtor e seus dependentes) e permite
ainda compreender a oposição dialética entre reprodução natural-animal e a
realização histórica de um sujeito social consciente. (BREILH, 1991, p. 196).

56
Entendendo que o âmbito social é historicamente definido pelos modos de
produção social da vida, a forma de vida segundo a lógica capitalista reorganiza a
esfera da reprodução social. Para caracterizar os particulares mediadores da
reprodução social capitalista na relação com os indivíduos singulares e entender
como estes se localizam no âmbito da saúde-doença, recorremos às categorias
produção, consumo e distribuição. Como categoria mais abstrata, a produção
abarca a unidade e oposição na relação entre sujeito e produção social da vida e
sua consequente transformação da natureza. O trabalho é a atividade de
transformação material na natureza; no modo de produção capitalista, entendemos
que o caráter produtivo do trabalho é circunscrito à capacidade de criação de valor
que possa ser apropriado pelo capitalista, isto é, o sujeito dono dos meios de
produção e empregador da força de trabalho. Nesse modo de produção, uma
diferenciação importante nas categorias da economia política refere-se às noções de
trabalho produtivo e o trabalho improdutivo. O primeiro refere-se à criação de valor
direta, apropriada pelos capitalistas, referindo-se tanto aos trabalhadores braçais
quanto trabalhadores intelectuais, implicados diretamente na produção industrial. A
segunda categoria refere-se aos trabalhadores que permitem ao capitalista
apropriar-se de parte da mais-valia industrial, trabalho este mais associado ao
processo e lucro comercial (NETTO; BRAZ, 2006). Já a distribuição refere-se à
proporcionalidade com que os indivíduos participam do processo de produção, por
sua vez o consumo individual refere-se aos produtos que são desfrutados pelos
indivíduos (ALMEIDA, 2018).
O autor equatoriano caracteriza a noção de perfil epidemiológico como
expressão social da dialética produção-consumo relacionada ao processo saúde-
doença. O perfil epidemiológico manifesta particularidades conforme a classe social,
sintetizando internamente entre seus grupos as contradições presentes em cada
grupo social. Podemos então caracterizar o conceito de perfil epidemiológico como a
síntese dos processos dialéticos nos diversos âmbitos da vida, relacionando-se a
universalidade dos fenômenos aos domínios particulares e singulares (BREILH,
2006b; LAURELL; SERRANO, 1982; VIAPIANA, 2017).

57
Na sociedade capitalista, em suas contradições internas, a noção
hegemônica de doença encontra justificações na biologia individual, clínica e
empírica. Nesta compreensão, o fenômeno social é mascarado, ou então é reduzido
a causalidades ambientais como desencadeador. Em contraposição, Laurell (1982)
assevera a relação mútua e dinâmica entre os processos sociais e biológicos, que
podem ser investigados através dos dados epidemiológicos de uma sociedade e
apontar para as particularidades da população e seus distintos grupos sociais.
Laurell (1982) destaca que a expressão social da saúde-doença se evidencia ao
buscar na coletividade tanto sua definição, como também suas possíveis causas.
Desse modo, é nesta sociedade, com suas relações determinadas segundo os
modos de produção, seu padrão de desenvolvimento e suas possibilidades de
consumo e acumulação de capital que podem nos dar evidências sobre as
condições de manutenção da vida, bem como sobre as formas de adoecer e morrer.
Os processos de saúde-doença se expressam nas relações sociais e no
indivíduo, podendo agir com frequência e impactos distintos. No compromisso
teórico de produzir uma ciência epidemiológica coerente com os princípios do
materialismo histórico e dialético e em contraposição à noção de “fatores de risco”,
conforme abordado anteriormente, Breilh (1991) traz a ideia de “processos”. Alguns
processos, portanto, possuem caráter permanente, pois, referem-se a relações
inerentes às dinâmicas laborais, políticas, econômicas, culturais e ecológicas desse
modelo de organização da esfera social (BREILH, 2006a). Tomando o exemplo
exposto pelo autor, empregar a categoria de “risco” significaria reconhecer os
“fatores de risco” como mera eventualidade dos processos fisiológicos em relação
com o meio social, ou seja, tratar da saúde do trabalhador, sobretudo quando este
recebe baixas remunerações, como contingência, quando na verdade sob o
capitalismo os baixos salários são uma característica inerente (BREILH, 2006a). Do
mesmo modo, determinados processos se produzem nessa sociedade e incidem
como processos permanentes sobre a infância, contribuindo para determinadas
condutas, que podem nos apontar elementos para refletir sobre o autismo.

58
Buscar a essência da saúde-doença nos processos sociais implica
concretamente sobre os processos psíquicos e, portanto, na práxis da Psicologia.
Os processos são determinados conforme as condições dos grupos num
determinado tempo e espaço, condições essas que estão implicadas conforme as
necessidades humanas. Tais circunstâncias podem possuir caráter valorativo,
equitativo e restaurador aos sujeitos. De igual modo, podem ser destrutivas,
insalubres e privadoras do restabelecimento. Por conseguinte, temos então os
processos protetores ou benéficos, que dão suporte e estimulam o
desenvolvimento profícuo da vida humana individual e social, enquanto que, de
outro lado, temos processos destrutivos, processos que levam à privação e
deterioração da vida humana na esfera universal e singular. Assim, por sua natureza
dialética, os processos protetores e destrutivos atuam em unidade num mesmo
fenômeno. As características de um determinado pólo tendem a se tornarem mais
expressivas, o que pode mascarar as determinações do outro pólo. Dessa síntese
dos processos, temos que os processos mais significativos e/ou empiricamente
observáveis, são denominados processos críticos (BREILH, 2006b; VIAPIANA,
2017). Os processos críticos são considerados mais estratégicos para a ação em
saúde, por sua capacidade de desenrolar consequências significativas para a vida
do indivíduo (ALMEIDA; BELLENZANI; SCHUHLI, 2020).
Destaca-se que não se trata de entender os processos protetores e
destrutivos separadamente, e sim entender que é pelas condições do mundo social
em seus âmbitos particulares que padrões restaurativos e destrutivos são expressos
ou não. O fenômeno do ser social desenvolve-se a ponto de erigir novas condutas e
afetar a expressão fenotípica e genotípica na singularidade. Nas palavras de Breilh:

em seu desenvolvimento concreto, os processos da reprodução social


adquirem facetas e formas protetoras ou facetas e formas destrutivas,
conforme sua operação desencadeie mecanismos deste ou daquele tipo
nos genótipos e fenótipos humanos do grupo envolvido. (BREILH, 2006b, p.
203).

59
Diferente da epidemiologia clássica e sua referida atribuição a eventuais
fatores de risco as doenças nos indivíduos, por meio da noção de processos críticos
podemos apontar possíveis determinações dos fenômenos observáveis. Outro ponto
importante é que por meio da noção de processos críticos, podemos entender se os
fenômenos relacionados aos processos críticos possuem caráter permanente,
intermitente ou eventual ao indivíduo, bem como quais são os impactos destes na
singularidade. Breilh (2006b), em conformidade com o método do materialismo
histórico e dialético, assinala três âmbitos nos quais pode-se verificar os processos
críticos: o universal, o particular e o singular. Em cada um dos âmbitos, o autor
aponta algumas dimensões de análise, a saber: a vida produtiva, vida de consumo e
da cotidianidade, vida política, vida ideológica e vida de relação com as condições
naturais (BREILH, 2006b; VIAPIANA, 2017).
Conforme destacado anteriormente, a esfera universal possui um peso
determinante sobre os processos críticos. Contudo, por sua relação dialética, os
domínios particular e singular também incidem sobre o universal e todos esses
domínios participam da produção de processos biopsíquicos favoráveis ou
destrutivos nos indivíduos (VIAPIANA, 2017). Apreendendo as determinações
dialéticas entre singular-particular-universal, podemos entender que a singularidade
enquanto fenômeno único e irrepetível é condicionado pelos contextos sociais e
históricos, favorecendo a manifestação de certos padrões de desgaste e reprodução
associados a esses contextos. As particularidades atribuídas a esses grupos sociais
são tecidas pelos traços essenciais da reprodução social, atribuídos à categoria da
universalidade. Assim, tomando como objeto o fenômeno do autismo, concebemos
que a expressão dos sintomas configura-se nos indivíduos, com particularidades
socialmente atribuídas na infância e adolescência, mas que carregam nesses
indivíduos determinadas apropriações associadas à esfera da reprodução social
nessa fase da sociedade capitalista.
As singularidades consolidam-se conforme as capacidades apropriadas dos
grupos sociais, mediadas pela dimensão particular; tais capacidades, socialmente
adquiridas, corroboram com determinados padrões de desgaste e reprodução entre

60
os grupos sociais, relacionando contínua e progressivamente a singularidade e a
universalidade. O universal, por sua vez, deve ser apreendido como o conjunto de
elementos a reger a reprodução social da vida, mediado pela produção, a
distribuição e o consumo. Destacamos que o geral não é uma abstração pura e
simples, mas sim a captação do real nesse dado contexto histórico, a saber, os
conjuntos normativos determinantes da sociedade capitalista em sua fase de
acumulação flexível (PASQUALINI; MARTINS, 2015; ALMEIDA; BELLENZANI;
SCHUHLI, 2020).
Acerca dos processos benéficos e destrutivos, resgatamos Laurell e Serrano
(1982). As autoras afirmam que o processo saúde-doença é marcado por padrões
sociais, situados na dialética dos padrões de desgaste e reprodução. Estes são
gerados no processo de atividade humana e, na experiência singular, é o que
determina os padrões de queixa-conduta destacados e empiricamente observáveis.
O desgaste refere-se às condições em que os grupos sociais e indivíduos passam a
ser afetados em suas atividades, resultando na redução da capacidade potencial
e/ou efetiva biopsíquica. A reprodução, por sua vez, refere-se à capacidade
restaurativa corporal e psíquica constantemente reduzida com a objetivação do
trabalho. A reprodução pode ser vista como o tempo de almoço ao longo do trabalho
e suas possíveis pausas, as condições favoráveis em ir ao trabalho, o
assalariamento que garante determinados padrões de consumo necessários à vida,
capacidade de estudo e especialização para realizar a atividade e a possibilidade de
lazer fora da atividade produtiva (LAURELL, 1982; VIAPIANA, 2017). Nas palavras
de Laurell (1982),

Este modo de entender a relação entre o processo social e o processo


saúde-doença aponta, por um lado, o fato de que o social tem uma
hierarquia distinta do biológico na determinação do processo saúde-doença
e, por outro lado, opõe-se à concepção de que o social unicamente
desencadeia processos biológicos imutáveis e a-históricos e permite
explicar o caráter social do próprio processo biológico. Esta conceituação
nos faz compreender como cada formação social cria determinado padrão
de desgaste e reprodução e sugere um modo concreto de desenvolver a
investigação a este respeito. (LAURELL, 1982 p. 15).

61
Breilh em seus estudos desenvolveu a matriz dos processos críticos para
elucidar sua técnica de pesquisa, apresentada a seguir:

Dimensões ╱ Domínios Universal Particular Singular

Vida produtiva

Vida de consumo e da
cotidianidade

Vida política

Vida ideológica

Vida de relação com as


condições naturais

Os processos expostos na matriz são categorizados para buscar qualificar


suas múltiplas determinações e, a partir disso, produzir uma síntese. Entendemos
que a organização capitalista é marcada por características relativamente estáveis
(VIAPIANA, 2017) e os processos pontuados não ocorrem necessariamente da
mesma forma. Cabe ainda apontar que os processos são separados formalmente
apenas a critério expositivo, pois na realidade manifestam-se dialeticamente. Breilh
(1991) destaca cinco categorias de processos que atravessam as esferas da vida: a
vida produtiva, relacionada à atividade de trabalho; a vida de consumo, relacionada
à incorporação das dimensões da sociedade na esfera de consumo das
mercadorias; a vida política, relacionada à expressão da correlação de forças na luta
política; a vida ideológica, relacionada ao predomínio das visões que justificam e
correspondem às relações hegemônicas no capitalismo; e esfera da vida em relação
com o ambiente, esta entendida como a capacidade de incorporação do ambiente
natural à dinâmica de exploração (BREILH, 1991; VIAPIANA, 2017). Embora nosso
objetivo não tenha sido a produção da matriz de processos críticos do autismo,

62
dados os limites desse trabalho, nos apoiamos em algumas dessas categorias na
busca de apreender suas determinações.

2.3. A MEDICALIZAÇÃO SOCIAL E A PATOLOGIZAÇÃO DA VIDA

Destarte, a medicina passa a atravessar cada vez mais toda a esfera social,
por meio do processo de medicalização social. A medicalização social seria a
redefinição dos problemas sociais em termos médicos, buscando as origens dos
processos sociais na biologia, sobretudo a partir de explicações que saem do
biológico e voltam a ele (GARRIDO; MOYSÉS, 2011). A medicalização se exprime
na busca por características inerentes aos indivíduos para afirmar seus limites e
incapacidades. O modelo médico define qual é a norma socialmente aceita,
patologiza os que não correspondem à métrica desta norma e a eles fornece
tratamentos que, não por acaso, são hegemonicamente pela via farmacológica.
No exercício do saber médico, recaptando as esferas da vida social, a norma
medicalizante reduz as dimensões sócio-políticas a questões individuais (GUARIDO,
2011). Collares e Moysés (2011) atestam que a biologização da vida acaba por
garantir dois objetivos: de um lado, isenta as responsabilidades ao sistema social em
produzir sofrimento e alterar os funcionamentos biopsíquicos; de outro, coloca no
indivíduo a responsabilidade por seu quadro.
O fenômeno da medicalização é um processo ininterrupto na sociedade
moderna, ao delegar à ciência médica o status de ciência racional detentora de
verdades absolutas nos mais diversos espaços da sociabilidade. No que tange ao
campo da educação, apresentam-se justificativas nada plausíveis ao fracasso
escolar. A escola comumente atesta na criança certos pré-diagnósticos, que chegam
a psicólogos e psiquiatras com a rotulação prévia de serem desnutridas e/ou
apresentarem distúrbios neurológicos. E assim o movimento das queixas escolares
sob demanda da escola buscam continuamente profissionais que venham a afirmar
esses mesmos juízos prévios, sem buscar na organização do sistema escolar a
essência da queixa (MOYSÉS; COLLARES, 2011). As críticas presas neste ciclo

63
viciado tendem a ignorar o psiquismo em estruturação nas crianças para afirmar a
existência de déficits neurológicos. Nesse sentido, concordamos com Almeida e
Gomes (2014) ao destacarem que a importância do debate sobre o fenômeno da
medicalização é ir além desta crítica e buscar entender que vida é essa e sob quais
condições ela se desvela, que atualmente necessita de tamanha intervenção
terapêutica e medicamentosa.
O fenômeno da biologização da vida evidencia uma tendência a propagar
um maior grau de dependência da medicina na sociedade. Tal dependência acaba
por produzir um controle social pelo diagnóstico. O pesquisador Ivan Illich (1975)
denomina a categoria de iatrogênese social como a acentuação da produção de
consumo de serviços de saúde e atos preventivos incentivados pela indústria
farmacêutica para exercer controle sobre as condições de vida que anteriormente
eram tidas como normais e/ou patologias cujo sofrimento eram esporádicos e não
permanentes. Com a palavra, Illich (1975)

Esta dependência em face da intervenção profissional tende a empobrecer


o meio social e físico em seus aspectos salubres e curativos, embora não
médicos, diminuindo as possibilidades orgânicas e psicológicas de luta e
adaptação que as pessoas comuns possuem. (ILLICH, 1975 p. 37-38)

A medicina a ocupar novos campos na reprodução social garante uma


acentuada corrida em busca de medidas de prevenção e de controle sem que,
contudo, as causas das doenças sejam analisadas. Sobretudo no campo do
sofrimento psíquico, cabe destacar o lugar com que essa dependência configura a
vida. No que tange à infância, Angell (2011) aponta que nos Estados Unidos os
transtornos mentais ocupam nas últimas décadas a principal causa de
incapacitação, muito à frente das doenças físicas como síndrome de Down e
paralisia cerebral. Tal exposto nos chama atenção, pois se trata de uma ampliação
abrupta dos quadros patológicos.
Almeida e Gomes (2014, com base em CONRAD, 1992) definem que uma
das características da medicalização social é a ampliação dos limites do
patológico. Essa ampliação ocorre a partir de três mecanismos, a saber:

64
1. Elasticidade das categorias nosológicas, flexibilizando os critérios
diagnósticos abrangendo cada vez mais a singularidade dos indivíduos. No caso do
objeto deste trabalho, esse processo é evidente no caso da redefinição do autismo e
a noção de espectro; 2. Estabelecimento de novas categorias nosológicas; 3.
Aumento de estímulos à prevenção com base na responsabilização individual dos
“riscos”, em que o indivíduo, para não desenvolver determinadas doenças, passa a
exercer controle extremado sob seus hábitos e alterar seu estilo de vida, assim, viver
passa a ser um processo contínuo de proteger-se da doença. Com esta ampliação
tem-se a disseminação da indústria farmacêutica conquistando um nicho de
mercado maior, pois o consumo de mercadorias não é somente para sujeitos
doentes (ALMEIDA; GOMES, 2014).
O aumento do número de pessoas diagnosticadas com transtornos
mentais comumente é associado ao maior grau de especialização na saúde em
produzir novos marcadores e testes. Tal movimento de especialização age em
conformidade com as necessidades sociais em buscar novas respostas - ou mesmo
reformular as perguntas - para os diagnósticos. Victor Lotter ao produzir o primeiro
estudo epidemiológico sobre o autismo em 1966 apontou que a cada 10.000
crianças na Inglaterra, 5 possuíam autismo (WING, 1997; COSTA, 2019).
Atualmente, a OMS aponta que a cada 88 crianças, uma criança apresentará os
sintomas autistas. Traduzindo esse dado na mesma grandeza populacional de
Lotter, chegamos ao número aproximado de 113 crianças a cada 10.000 crianças.
Esses dados revelam um aumento magistral para um diagnóstico cujos nexos
causais mostram-se tão pouco reveladores. Ou seja, a identificação de novos e
controversos marcadores e a produção de testes têm impulsionado esse
crescimento. Se por um lado, a medicina qualifica-se continuamente de forma
benéfica à prevenção, por outro recai na iatrogênese social, isto é, os efeitos sociais
indesejados decorrentes do controle médico exacerbado sobre os indivíduos
(ILLICH, 1975). A modernidade medicalizada normatiza e rege a vida social ,
culminando em perdas drásticas na autonomia dos indivíduos sobre seus corpos,
suas condutas. Dados como os expostos acima apontam não somente para o

65
aumento diagnóstico, como também para a ampliação de novas terapias de caráter
comportamental mencionadas anteriormente e a formação de uma maior clientela
para medicamentos antipsicóticos como risperidona, depakene e haloperidol de
maneira permanente na vivência dos indivíduos. Maria Aparecida Moysés (2020),
em sua participação no congresso da Associação Brasileira de Saúde Mental,
referindo-se à risperidona, afirmou que o medicamento produz danos neurológicos
irreversíveis, levando a atrofia do lobo frontal após o uso contínuo de 30 meses.
Entretanto, dados significativos acerca dos prejuízos não são divulgados, pois
entram em conflito com os interesses do complexo médico-industrial, em particular
com os lucros da indústria farmacêutica.
Como mencionado no final do capítulo anterior do trabalho, temos hoje uma
posição aparentemente divergente entre os movimentos pró-cura e anti-cura acerca
do autismo. Enquanto que o primeiro grupo entende o autismo como uma patologia
determinada pelo funcionamento cerebral, o segundo grupo endossa as noções de
diversidade e neuroatipicidade, afirmando que o espectro é uma condição cerebral e
os prognósticos disponíveis na sociedade desrespeitam os processos de
individuação. A neurodiversidade refere-se “a diferentes formas de existir a partir da
formação cerebral e neurológica” (AUTISMO E REALIDADE, 2020). Jaime Breilh
expõe um contraste à esta noção ao trazer a discussão sobre as diferenças entre os
estilos de vida e a configuração dos perfis epidemiológicos. Breilh (2006a) afirma
que a diversidade possui potencialidades manifestas em suas diferenças
biológicas, étnicas, a idade e o gênero dos indivíduos. O caráter heterogêneo na
constituição intersubjetiva ganha lugar particular na epidemiologia por dar
explicações sobre as condições de vida dos sujeitos e seus grupos sociais
correlatos. Nesse sentido, concordamos com Breilh (2006a) ao destacar que a
heterogeneidade tem sua dimensão favorável e enriquecedora quando presente
numa sociedade equitativa. Ressaltamos que a equidade trata-se de um processo
estrutural social, cujos modos de produção e repartição de bens garantem acesso
sob as mesmas condições aos indivíduos. Portanto, uma sociedade equitativa é
aquela em que não somente é garantido o acesso aos bens de consumo

66
elementares e histórico-sociais aos sujeitos, como também a produção dos mesmos
bens é realizada e apropriada de modo mais igualitário.
Entretanto, a realidade social é atravessada pela inequidade. A
desigualdade é a expressão observável e materializada entre os indivíduos, que
mascara a determinação da inequidade nos processos sociais (BREILH, 2006a).
Logo, entendemos que há uma intrínseca relação entre a inequidade, a
desigualdade e a diversidade. Apontar a diversidade (no caso do autismo, a
diversidade neurológica) sem retomar qual a significação desta heterogeneidade
numa sociedade cuja produção e partilha dos bens é desigual, endossa a
exploração e a subordinação. Entendemos que o emprego do termo é uma
reivindicação em busca de dignidade e acesso aos direitos afirmando uma
necessária posição social, contudo tal processo nos parece ainda muito aquém de
todas as modificações essenciais, sobretudo quando esta multiplicidade parte de
justificativas no campo psiquiátrico, o qual apropria-se de tais qualidades do diverso
para exercer sua hegemonia histórica. À luz da Psicologia Histórico-Cultural,
reafirmamos que a diversidade materializa-se nas singularidades, que são únicas e
irrepetíveis, desenvolvendo-se na relação com a universalidade mediada pelas
particularidades. Entretanto, em nossa sociedade a diversidade está determinada
pela desigualdade, ao mesmo tempo em que a sociedade capitalista, se nutre da
patologização dessa diversidade; em oposição aos princípios da Psicologia
Histórico-Cultural da promoção do desenvolvimento humano omnilateral, com base
em mediações adequadas para as especificidades e diferenças entre as
singularidades. Nesse sentido, parece-nos adequada a crítica exposta pelo
movimento anti-cura em destacar que as psicoterapias, sobretudo terapias
comportamentais, servem para homogeneizar os comportamentos no quadro autista
(ORTEGA, 2009b): contudo, nossa crítica deve ir além dessas terapias, pois elas
apenas servem às necessidades de adaptação às normas do capital. A
homogeneização das subjetividades humanas é aspecto intrínseco a esta sociedade
e trata-se, portanto, de construir um projeto de sociedade que potencialize o

67
desenvolvimento ao invés de obstruí-lo ou promovê-lo de forma unilateral e
empobrecida apenas para atender às exigências de eficácia e produtividade.
Parece-nos indubitável afirmar que o autismo, tal como circunscreve-se hoje
nos dados epidemiológicos, nas queixas escolares e nas demandas que levam
desde crianças a adultos a buscarem o diagnóstico, é produzido por características
da particularidade da vida moderna capitalista. São as necessidades normativas no
desenvolvimento que demandam dos sujeitos mais capacitados em lidar com
múltiplas atividades simultaneamente, maior tenacidade e domínio do próprio
controle, sem mostrar-se em oposição ou desafiando normas, por exemplo. Espera-
se que o desenvolvimento se dê de forma linear e harmônica, bem como espera-se
que crianças e adolescentes já tenham quase que de maneira inata todas as
condições internas de seu desenvolvimento. Destarte, mostra-se mais fácil localizar
nas debilidades e limites das crianças e adolescentes diagnosticados e, com isso
obscurecer a essência do fenômeno localizada na reprodução social particular dessa
sociedade. No caso do autismo, percebe-se que ao justificar o espectro nos
indivíduos, temos uma redução da subjetividade e um entendimento empobrecido
sobre o psiquismo. A cisão aparente entre os movimentos pró-cura e anti-cura expõe
o grau de complexidade e disputa presentes no meio social e no campo médico.
Contudo reforçamos ainda que apresentem propostas de ações divergentes, recaem
na redução da singularidade dos sujeitos ao cérebro. Vejamos a seguir.
Com estratégias diferentes e formas distintas de apreender o autismo, os
defensores da neurodiversidade e representantes da linha anti-cura buscam afirmar
suas identidades como sujeitos autistas. Afirmam que o autismo é uma condição de
vida intrínseca à forma de suas vivências, oriunda de uma “conexão” cerebral
diferente. Pela afirmação da identidade autista, acabam afastando-se das
discussões psicológicas ao entendê-la como uma condição neurológica (ORTEGA,
2009b). Os sujeitos autistas de alto funcionamento defendem o direito ao
autodiagnóstico e muito comumente afirmam o alívio após receberem o diagnóstico
de autistas, por entenderem que é um conforto possuir uma identidade esclarecida
pelo diagnóstico fornecido e embasado pela neurologia, conforme elucida Ortega

68
(2009b). Entendemos que esse alívio advém do encontro de uma explicação para
uma espécie de “inadaptação” às exigências sociais vigentes. Ou seja, há de fato
uma dificuldade em corresponder às demandas sociais, porém, ao invés de
questionar essas exigências e as relações que as fundamentam, acabam caindo na
explicação neurológica como uma forma de resolução desse conflito. Nesse sentido,
a noção de que a condição atípica está centrada no cérebro determina o que Ortega
(2009b) caracteriza por cerebralismo: a cerebralidade do autismo é manifesta como
um axioma, presente no cérebro do indivíduo e não presente no indivíduo e suas
vivências como um todo; sendo assim uma condição neurológica que ao ser tomada
como um aspecto biológico inerente leva a um “distanciamento subjetivo da doença”,
uma dessubjetivação (ORTEGA, 2009b, s/p). Assim, percebe-se que mesmo com
estratégias muito distintas dos defensores do autismo como uma patologia, os
defensores da neurodiversidade apresentam uma perspectiva naturalizada de
doença mental e se mantém sob a mesma lógica medicalizante, ao buscar a
formação de uma “neurocultura” e ver na lógica médico-neurológica as respostas
almejadas, reduzindo a subjetividade ao cérebro.
O desenvolvimento das neurociências é um caso particular de
especialização e em nosso estudo tem merecido destaque. Souza (2013) elucida
que a década de 1990 foi oportunamente qualificada como a “década do cérebro”,
tendo os EUA como centro de investigações neurocientífico. Em termos políticos,
econômicos e científicos, o estudo do cérebro foi o norte de pesquisas no país. Para
essa finalidade de pesquisa, dois órgãos governamentais estadunidenses foram os
maiores responsáveis por trazer a neurociência como objeto nos mais diversos
campos de pesquisa, a saber: o NINDS (Instituto Nacional de Desordens
Neurológicas) e o NIMH (Instituto Nacional de Saúde Mental). O anúncio público das
grandes intenções do país foram registradas pela exclamação do então presidente
no período George Bush, tamanho o investimento nessas pesquisas (SOUZA,
2013). Com o destaque político-econômico do país frente ao mundo, não é de
surpreender que a iniciativa neurocientífica tenha sido tomada e endossada no
restante do planeta, ganhando posições destacadas nas políticas públicas em outras

69
potências mundiais e adentrando disciplinas nas áreas da saúde, tecnologia e nas
ciências humanas.
O ano de 2013, sob o governo do democrata Barack Obama, destacou-se
também para a inovação científica, sob a justificativa de avançar o capitalismo (cabe
rememorar que o país e boa parte do mundo ainda sofria com a repercussão da
quebra econômica de 2008) e promover inovação na área das neurociências
continuamente. Assim, inaugurou-se o projeto Brain Iniciative, um projeto
governamental estimado em 12 anos. Vieira (2020) apresenta que os objetivos da
iniciativa são:

1.Descobrir a diversidade: identificar e estabelecer as condições


experimentais para acessar os diferentes tipos de neurônios a fim de
determinar suas relações na saúde e na doença;
2.Mapear múltiplas escalas: gerar diagramas de circuitos cerebrais da
escala celular até a escala cerebral;
3.Observar o cérebro em ação: produzir uma visão dinâmica total do
cérebro funcionando e aplicar métodos melhorados para o monitoramento
da atividade cerebral em larga escala;
4. Demonstrar causalidade: relacionar a atividade cerebral com o
comportamento através de instrumentos precisos que modulam a dinâmica
dos circuitos neurais;
5. Identificar princípios fundamentais: produzir conceitos fundamentais para
as bases biológicas dos processos mentais através de novas teorias e
ferramentas de análise de dados;
6. Avançar a neurociência aplicada ao ser humano: desenvolver tecnologias
para entender o cérebro humano e desenvolver tratamentos mais eficazes
para as doenças e transtornos; criar e dar suporte às redes de pesquisa
voltadas para o cérebro humano;
7. Da iniciativa BRAIN para o cérebro: integrar abordagens conceituais e
tecnológicas novas contidas nas metas acima para descobrir como os
padrões de atividade neural são transformados em cognição, emoção,
percepção e ação tanto na saúde quanto na doença (VIEIRA, 2020, apud
BRAIN INICIATIVE, 2013).

Logo, entendemos que os fenômenos que ocorrem na busca por mais


diagnósticos no cientificismo presente na psiquiatria circunscreve-se na
cerebralização dos sujeitos; tampouco é por mera causalidade que a
neurodiversidade hoje coloca-se como um movimento de defesa das diversidades.
Pode-se entender que há uma relação íntima e determinante entre as políticas
governamentais, a indústria farmacêutica e as pesquisas científicas em entender o

70
funcionamento dos indivíduos reduzindo os diferentes modos de subjetivação em
seus tecidos neurais. Embora exista um interesse político em buscar novos
mecanismos de cura para determinadas doenças como a Alzheimer por exemplo,
subjacente, há também um ambiente de competição entre empresas para a
produção de inovações tecnológicas a serem patenteadas e garantir a venda de
produtos com novas tecnologias (VIEIRA, 2020).

2.3.1 A EXPRESSÃO DA MEDICALIZAÇÃO SOCIAL NA LEGISLAÇÃO E


POLÍTICAS VOLTADAS PARA A POPULAÇÃO AUTISTA NO BRASIL

Apresentaremos algumas expressões da medicalização social no âmbito


político.
A Lei 12.764 de 2012, instituiu a Política Nacional de Proteção aos Direitos
da Pessoa com Transtorno de Espectro Autista. Segundo esta lei, à população
autista asseguram-se os direitos à saúde, educação, assistência social, acesso ao
mercado de trabalho e visa incentivar pesquisas epidemiológicas que caracterizem a
incidência do diagnóstico no país, junto de demais deveres do Estado à população
autista. A lei 12.764 é um marco legal que legitima a assistência à população autista
através da Rede de Atenção à Saúde Mental por meio do CAPS (LÔBO, 2019).
Em 2017, a lei 13.438 mudou substancialmente um inciso da lei 8069/1990,
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei 13.438 acrescenta um artigo
ao ECA, tornando obrigatória:

[…] a aplicação a todas as crianças, nos seus primeiros dezoito meses de


vida, de protocolo ou outro instrumento construído com a finalidade de
facilitar a detecção, em consulta pediátrica de acompanhamento da criança,
de risco para o seu desenvolvimento psíquico. (BRASIL, 2017, p. 2)

Essa aferição visa buscar precocemente potenciais riscos psíquicos ao


desenvolvimento das crianças de forma obrigatória. Quais protocolos poderão ser
empregados para aferir quadros de risco psíquico em crianças na primeira infância?
Os protocolos mais utilizados no caso do autismo são o CARS (Escala de Avaliação

71
de Autismo na Infância, uma escala de 15 itens a ser respondida pelos pais de
crianças a partir dos 2 anos de idade; o STAT (Ferramentas de Triagem em
Crianças Autistas de Dois anos), que consiste em uma avaliação interativa realizada
por médico treinado em crianças de 24 a 35 meses; o CHAT (Checklist para Autismo
em Crianças), que pode ser aplicado em crianças a partir de 18 meses; e o M-CHAT
(Checklist para Autismo em Crianças Modificado), que pode ser aplicado em
crianças de todas as idades e consiste num questionário a ser auto-preenchido
pelos responsáveis da criança, com perguntas de sim e não (LOSAPIO; PONDÉ,
2008). As autoras afirmam tratar-se de escalas de rastreamento de risco, o que não
deve ser confundido e tomado como um diagnóstico fechado. Contudo, em oposição
a tais procedimentos sendo tomados como medidas obrigatórias, concordamos com
Lôbo (2019) ao apontar que o rastreamento precoce pode ser um indicador
iatrogênico, não compreendendo a criança em seu processo de desenvolvimento,
formalizando o autismo unicamente como um transtorno de causas orgânicas.
Aliado a isso também foi criado em janeiro de 2020 uma nova
regulamentação sobre o autismo. Esta última, a lei 13.977 ou Lei Romeo Mion,
institui a Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (CIPTEA), centralizando num
só documento o RG, CPF e reafirmando o diagnóstico por meio de uma carteirinha.
Que a garantia de direitos a todas as populações deve seguir em
conformidade com suas particularidades, não há dúvidas. Contudo, o que há por trás
de medidas supostamente preventivas como o rastreamento de risco psíquico? A
apresentação de uma carteirinha trará mudanças nas condições de acesso à
educação, saúde e outros direitos sociais ou trata-se de uma proposição taxativa?
Qual a essência mascarada pela noção de fator de risco presente na lei 13.438?
Uma testagem preventiva e uma carteirinha são, de fato, necessidades da
população autista?
Assinalamos que a noção de necessidade em saúde é um conceito em
disputa, portanto, deve ser entendida com rigor. Segundo Jaime Breilh, o debate
contemporâneo sobre as necessidades apresenta duas teorias principais. A primeira
defende que todos os sujeitos possuem as mesmas necessidades, a qual o autor

72
define como teoria objetiva. De outro lado, a teoria relativista expõe que as
necessidades humanas são uma construção sociocultural baseadas em esquemas
subjetivos (BREILH, 2006a). No primeiro grupo, a caracterização de um enfoque
positivista é evidente, na medida em que se almeja operar com os seres humanos
baseando-se nas mesmas leis da natureza, isto é, apreendendo as necessidades
humanas tendo como fundamento o naturalismo positivista, buscando um “em si”
nas carências humanas. Por sua vez, a segunda teoria tem como marca o
desconhecimento de que a necessidade construída se fundamenta em
necessidades básicas objetivas, que são definidas socialmente.
Em desacordo com ambas as proposições, concordamos com Breilh (2006a)
ao afirmar que as necessidades humanas não são exclusivamente objetivas nem
tampouco exclusivamente subjetivas. As necessidades se desenvolvem
expressando-se inicialmente em âmbito individual segundo os processos mais
elementares. Essas mesmas necessidades elementares são a mola propulsora para
o desenvolvimento histórico e social, modificando sua própria gênese, bem como o
fenótipo e o psiquismo humano. Nessa mesma direção, a Psicologia Histórico-
Cultural afirma a historicidade das necessidades humanas ao identificá-las como o
ponto de partida para a atividade. A passagem do ser humano biológico para o ser
social é fruto da transformação da natureza a fim de produzir os meios para
satisfação das necessidades humanas desveladas pela atividade de produção. Tal
transformação modifica tanto os objetos naturais quanto o corpo biológico humano e
o processo da atividade consciente. As necessidades humanas são expressões das
determinações históricas e sociais. Podemos conceber que as carências de
indivíduos nos idos do século XVIII não são as mesmas que no período
contemporâneo. Breilh (2006a) assinala que as necessidades individuais são
marcadas por um maior grau de simplicidade e abstração, por tratarem-se das
necessidades mais imediatas e objetivas da existência. Ao atingir a esfera das
necessidades coletivas, elas absorvem as necessidades mais simples e singulares,
tornando-as mais complexas e concretas. Portanto, as necessidades individuais
afetam e são afetadas dialeticamente pela esfera social.

73
Cabe ressaltar a hierarquia entre as necessidades coletivas em relação às
necessidades individuais. Numa sociedade complexa e dinâmica como a sociedade
capitalista do século XXI, as necessidades podem ser classificadas em distintas
esferas, como no âmbito do trabalho; na vida organizacional; necessidades da vida
de consumo e cotidiano; necessidades na consciência e subjetividade; bem como
com as condições naturais e do meio ambiente (BREILH, 2006a). Assim, as
necessidades coletivas ganham maior complexidade face às necessidades
individuais, o que coloca estas como subordinadas e dependentes das relações de
necessidade que afetam os grupos sociais. As necessidades coletivas

[...] são processos em movimento, com características e modos de devir


determinados pelas condições socioestruturais e pelos conflitos de
interesses a que elas correspondem, com especificidades que, não sendo
levadas em conta, conduzem a graves erros de interpretação e de ação.
(BREILH, 2006a, p. 173)

A configuração de um Estado serve também para dar resposta à


complexificação das necessidades coletivas. Lenin (1917/ 2007) afirma que a
organização do Estado foi resultado da sociedade em determinado grau de
desenvolvimento, como um testemunho de que essa sociedade está imersa em
contradições insolúveis; para atenuar os conflitos entre classes sociais antagônicas,
é que organiza-se essa nova forma de poder. A depender das condições históricas
nos modos econômicos e políticos, o papel do Estado corresponde a determinados
interesses manifestos entre essas classes. Nas sociedades capitalistas, as
necessidades são mediadas pela produção e consumo; sem a necessidade não há
produção, sem produção não há produtos e objetivações a se consumir.
As necessidades coletivas são subsumidas e definidas em conformidade com
os modos de produzir. Podemos entender que as necessidades, sob o capitalismo,
na medida em que passam a ser reconhecidas como carências sociais, são
reconhecidas como direitos, ao mesmo tempo em que são transformadas em
mercadorias, ao passo em que são consumidas e possuem valor de troca. Não
somente os direitos são tomados como mercadoria, como a força de trabalho é

74
também tomada como mercadoria: a força de trabalho é reconhecida conforme
determinados padrões de vigor físico, capacidade mental e cognição, atenção e
criatividade que, entre outros padrões singulares, caracterizam padrões particulares
de sociabilidade, que podem ser reforçados ou excluídos da sociedade. Arouca
(1975) atesta que, entretanto, mesmo tratando-se de necessidades coletivas, a
sociedade capitalista produz necessidades que não é capaz de satisfazer,
localizando-as em dois âmbitos. De um lado dessas necessidades há a criação do
consumo produtivo, que permite a objetivação da mais-valia; de outro lado, há um
conjunto de necessidades decorrentes do mesmo sistema social, expressos na
aparência da violência, as doenças carenciais, os transtornos mentais e os danos à
saúde, que não são consumidos e tampouco podem ser subtraídos como
expressões do processo produtivo.
Nota-se que a gestão individual dos riscos caracteriza ações como a
promulgação da lei 13.438 e a CIPTEA. Ademais, essas medidas em aparência
tomadas como direito, servem para excluir, segregar e medicalizar, ao passo em que
favorecem diagnósticos sem promover inclusão e condições de humanização de
pessoas autistas de modo omnilateral.
Na mesma direção desses projetos, também faz-se presente como medidas
de retrocesso os ataques à lei Paulo Delgado (lei 10.216/01) e a promulgação da lei
10.502/2020. A lei 10.2016/01 institui a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM),
responsável por redirecionar os serviços de assistência à saúde mental na rede
comunitária através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e promover a extinção
gradativa dos manicômios, constituindo um marco fundamental no acesso aos
direitos à assistência humanitária à população com transtorno mental. Em 6 de
dezembro de 2020, o Ministério da Saúde do governo Bolsonaro apresentou o
“revogaço” de cerca de 100 portarias que instituem normativas no âmbito da saúde
mental no país. Até o presente momento, o revogaço não ocorreu, mas ressaltamos
que esse projeto de contrarreforma coaduna interesses entre a Associação
Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Federação
Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) e o Governo Federal,

75
colocando a centralidade da saúde mental no modelo manicomial, fomentando a
ampliação do financiamento às comunidades terapêuticas, retrocessos marcados à
canetada (PINHO, 2018).
Outro retrocesso necessário de se destacar, é a promulgação do decreto nº
10.502/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial Equitativa,
Inclusiva e com Aprendizado ao longo da vida. Este documento vai na contramão da
garantia de um sistema educacional inclusivo, conforme a Lei 13.146/2015 defendia,
no Estatuto da Pessoa com Deficiência, uma vez que a lei 10.502 descaracteriza o
sistema inclusivo e garante a implementação de classes especiais, legitimando
práticas excludentes e capacitistas às crianças e jovens com deficiência. A despeito
de a lei afirmar como possibilidade de escolha para os familiares entre um modelo
inclusivo de educação e um modelo de atendimento especializado, ressaltamos que
essa medida age em caráter de desresponsabilização do Estado frente ao modelo
inclusivo, por restringir recursos que garantam essas práticas no ensino regular. Em
nota crítica, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO, 2020) alerta que
o decreto ignora as vozes dissonantes na sociedade civil e tampouco pôs-se em
prática a discussão ampla com os movimentos sociais e a sociedade. Vemos então
que essa medida pode marcar mais um passo na contrarreforma psiquiátrica e nas
práticas de inclusão social, agravando as medidas patologizantes e a exclusão de
indivíduos com deficiência de forma discriminatória.

76
3. OS PROCESSOS CRÍTICOS NO FENÔMENO DO AUTISMO

[…] Tudo que é efêmero é somente


Preexistência;
O Humano-Térreo-Insuficiente
Aqui é essência;
(Goethe, Fausto II, p. 650)

Nas seções anteriores, apresentamos os pressupostos históricos acerca do


autismo e sua indexação na psiquiatria infantil; bem como as concepções em
disputa acerca do TEA na contemporaneidade. Caracterizamos também as teorias
clássicas no campo da epidemiologia e elucidamos a teoria da determinação social
do processo saúde-doença como a metodologia empregada neste estudo, pela sua
contribuição alicerçada no Materialismo Histórico-Dialético, método também adotado
pela Psicologia Histórico-Cultural. Pensando nas particularidades da vida
contemporânea, neste capítulo versaremos a respeito de alguns elementos dos
modos da reprodução social hoje, que podem estar presentes na essência do
fenômeno do autismo na nossa sociedade. Para isso, teremos como base a matriz
dos processos críticos, apresentada por Breilh (2006a) e discutida por Viapiana
(2017).
Entendemos que a reprodução social dos indivíduos é circunscrita e
sobredeterminada pelos grupos sociais dos quais os indivíduos participam, tendo
através desses vínculos sua expressão da subjetividade condicionada. Portanto, por
meio desses grupos sociais, os indivíduos se apropriam de e se objetivam em
modos de andar a vida, o que corrobora com o desenvolvimento de padrões de
desgaste e reprodução no meio social.
No caso do autismo, apresentaremos a universalidade dos processos sociais
e, como particularidades, nosso eixo de análise será a infância e adolescência. O
conjunto de sintomas empregados para diagnosticar indivíduos como autistas
comumente são os comportamentos verbais, caracterizado pelo empobrecimento da
linguagem, padrões idiossincráticos de palavras e frases; comportamento
estereotipado; padrões restritos de interesses e comportamentos, tendendo a

77
padrões pouco flexíveis; qualidade nas interações sociais, com a dificuldade de
iniciar relações entre pares e falta de empatia (TIMIMI, 2020). Relembramos também
que, a despeito dos interesses difundidos na psiquiatria e na neuropsicologia, com
os estudos epigenéticos e a busca por marcadores neurológicos, não se tem obtido
resultados significativos que apontem para as bases biológicas como causas do
autismo. Entendemos que mudanças neurobiológicas podem ser consequência da
reprodução das relações sociais pelos indivíduos. Outrossim, concordamos com a
afirmação de Timimi (2020) ao apontar que tal diagnóstico pode ter se popularizado
através de manifestações políticas e sociais, sobretudo ao entender que os referidos
comportamentos apontados pelo diagnóstico relacionam-se aos aspectos culturais,
por se tratarem de processos psicológicos superiores.

3.1. A UNIVERSALIDADE NOS PROCESSOS CRÍTICOS DA VIDA SOCIAL

Tomando como ponto de partida que o nexo biopsíquico é determinado pela


historicidade das relações sociais, entendemos que os modos de adoecer estão
imbricados pela vida social e suas mudanças. O trabalho, do ponto de vista
ontológico, é o que “constitui parte integrante do ser humano, da sua mais universal
determinação para a sua mais particular ocorrência” (PEDRÓN, 2019, p.48). Pelo
trabalho, os indivíduos garantem suas formas de subsistência e a satisfação de suas
necessidades e, ao passo que se desenvolvem por meio dessa atividade, o trabalho
também modifica o ser humano e suas relações. Como atividade constituidora da
vida social, Lukács (1980 apud ANTUNES, 2009) entende que o trabalho constitui o
fenômeno originário e protoforma do ser social. Portanto, para apreender as
particularidades da vida contemporânea e o desvelo de transtornos mentais, tal qual
o TEA, retomamos a centralidade do trabalho e suas determinações frente à vida
cotidiana. Ainda que o diagnóstico do autismo ocorra predominantemente na
infância, período que não tem o trabalho como atividade principal, a organização e
os processos de trabalho são fundamentais para entender a vida social em geral,
inclusive das crianças e adolescentes.

78
Mas a dinâmica do trabalho não se fundamenta por ela mesma. No sistema
capitalista, o trabalho assalariado é a base da produção e do consumo. No capítulo
anterior, apontamos algumas relações imbricadas entre o capital e o âmbito da
ciência médica e, nesse momento, cabe caracterizarmos algumas determinações e
fases próprias desse sistema. Para isso, retomaremos brevemente os últimos trinta
anos do século XIX, que marcam o surgimento da fase superior do capitalismo, o
imperialismo.
O imperialismo tem sua origem com a formação de monopólios, o vasto
desenvolvimento industrial e a reorganização do papel dos bancos na sociedade. Se
no período anterior, a tarefa principal dos bancos era de intermediários de
pagamentos, a partir desse novo cenário econômico, sua tarefa passa a ser
primordialmente organizar os sistemas de créditos. Assim, tem-se a fusão entre os
monopólios industriais e financeiros e o desenvolvimento da indústria bélica, que
torna-se elemento central da economia e decorre em guerras como alternativas para
refrear as ondas de crise (NETTO; BRAZ, 2006; ALMEIDA, 2018). Em 1916, Lenin
(apud NETTO; BRAZ, 2006) sintetiza os aspectos principais do imperialismo: 1)
Concentração de capital e de produção a nível de monopólios, isto é, dentro desse
novo modo de produção, capitalistas monopolistas apoiam-se mutuamente na
produção e distribuição, não com o objetivo inicial de aniquilar os setores não-
monopolistas, mas sim de garantir o controle da maior parte do consumo de bens; 2)
Fusão entre capital industrial e capital bancário, dando origem ao capital financeiro;
3) Exportação de capitais, ou seja, garantir territórios viáveis a fim de consumir
reproduzir as relações sociais capitalistas; 4) Criação de associações internacionais
monopolistas, a fim de partilhar economicamente o mundo entre si; 5) Partilha
territorial do mundo entre potências capitalistas, que ganha a forma de uma
recolonização.
O desenvolvimento dessas características do imperialismo leva à
mundialização da economia, a fim de garantir lucros acima da média e escapar dos
efeitos da queda nas taxas de lucro, ainda que em um processo desigual e

79
combinado nos diferentes países, (NETTO; BRAZ, 2006). Portanto, cabe destacar
que o imperialismo pode ser subdividido em fases.
A primeira fase imperialista, chamada de fase clássica do imperialismo,
ocorreu entre 1870 até 1940. Nesse período, a incidência de crises econômicas é
fortemente destacada, o que traz à tona a necessidade de novas intervenções por
parte do Estado para refrear seus efeitos. Um marco desse período é a Grande
Depressão de 1929, em especial para o desenvolvimento da teoria keynesiana de
modelo estatal. Outros destaques desse período são os avanços de mobilização
sindical na Europa, com partidos políticos de fortes políticas de massas; a
Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, quando o primeiro estado proletário se
abre ao mundo. Em meio a essas contradições e, segundo Netto e Braz (2006),
como forma de regime ideal na defesa os ideais do imperialismo, o terrorismo de
Estado por meio do fascismo se apresenta, ao passo em que busca enfraquecer a
organização dos trabalhadores, regulando a massa salarial, favorecendo o grande
capital e busca militarizar a vida social, o que também favorece a indústria bélica.
A segunda fase, os anos dourados do imperialismo, situa-se entre o pós-
guerra até 1970 e é marcada por um grande desenvolvimento econômico,
sustentado pela intervenção estatal nas crises cíclicas, em que as ideias de Keynes
são postas em prática. Tal intervenção tece o percurso de refuncionalização do
Estado, que serve também para desonerar parte dos gastos da indústria para a
manutenção da força de trabalho, com os serviços públicos sendo prestados aos
trabalhadores (NETTO; BRAZ, 2006). No âmbito do trabalho, dois fenômenos são
marcantes. Em primeiro lugar, o modelo de gestão rígida do binômio taylorismo-
fordismo (já em prática na fase clássica) mostra-se eficiente. Antunes (2009) indica
que esse modelo tem como base a produção em massa de mercadorias, a fim de
garantir produtos mais homogêneos e, sobretudo, racionalizando ao máximo a linha
de produção, reduzindo o tempo e acelerando o ritmo de trabalho. O trabalho aqui é
estruturado de forma parcelar e fragmentada, em que os trabalhadores são
submetidos a atividades repetitivas, sendo que a maior parte da produção é feita
dentro das unidades fabris, ambientes de trabalho altamente concentrados e

80
verticalizados. Em segundo lugar, outro traço que destacamos é o aumento
progressivo do setor terciário nesse contexto, caracterizado por setores do trabalho
improdutivo ligados a atividades financeiras, comerciais, vigilância, educação, lazer
etc. (NETTO; BRAZ, 2006).
Em 1973, o estado de bem-estar social da fase anterior se vê em crise pelo
aumento substancial do valor do petróleo e a desvinculação do valor do dólar em
relação ao ouro. Aliado a esses processos, o aumento da adesão sindical nos
países imperialistas e as revoltas populares nas ruas, abrem espaço para a terceira
fase do imperialismo, o capitalismo contemporâneo (NETTO; BRAZ, 2006). Se os
anos dourados tinham como prerrogativa ondas longas de crescimento e crises
econômicas episódicas e localizadas, nesse momento a dinâmica se inverte: as
crises voltam a ser dominantes e as retomadas na economia tornam-se episódicas e
generalizadas na esfera mundial.
Para refrear as consequências das crises aos monopolistas, um tripé no
plano político-econômico mostra-se a saída ideal, a saber: a reestruturação
produtiva, a financeirização do mercado e a ideologia neoliberal (NETTO; BRAZ,
2006). Estes componentes são determinantes para elucidar as particularidades da
reprodução social contemporaneamente e suas vinculações com os processos
críticos.
O circuito produtivo passa por mudanças significativas, a fim de flexibilizar o
modelo de gestão e de exploração. O modelo rígido do taylorismo-fordismo é assim
substituído pela acumulação flexível. Segundo Harvey (1993 apud Netto e Braz,
2006), este é um modelo apoiado na flexibilidade, desde a generalidade dos
processos de trabalho, ao mercado de trabalho e sua empregabilidade, aos produtos
e também no padrão de consumo. Grandes inovações tecnológicas, comerciais e
organizacionais também são a expressão desse movimento. Na base dessa
flexibilidade, encontra-se a reestruturação produtiva. O que esse novo modelo
mantém do ciclo taylorista-fordista é a produção em larga escala, inovando-a ao
buscar nichos particulares de consumo. Não é coincidência que nesse período
tenhamos a mundialização da cultura de massas, bem como o advento de modas

81
fugazes e o apelo a artifícios que deem cabo à transformação cultural (HARVEY,
1989 apud ALMEIDA, 2018).
A mundialização penetra o mundo do trabalho em um novo fenômeno: a
desterritorialização da produção. Agora, não mais o processo de trabalho é
fragmentado e mediado pelas esteiras, mas as unidades de trabalho são
fragmentadas e realocadas em novos territórios. Para decidir os novos lugares do
globo em que as empresas monopolistas serão alocadas, o critério único é a força
de trabalho mais barata e, por consequência, mais precarizada (NETTO; BRAZ,
2006; ANTUNES, 2009). Essa modificação do mundo do trabalho possui três
consequências significativas aos trabalhadores. A primeira diz respeito à expansão
das fronteiras do trabalhador coletivo, dado que a produção de componentes é
exportada para outros locais de montagem e o trabalhador tem acessos limitados ao
produto final de seu trabalho. A segunda é a exigência de qualificações mais altas e
a capacidade de participar de múltiplas atividades, caracterizando a força de
trabalho como mais qualificada e polivalente. Inversamente, também ocorre que
muitas atividades são desqualificadas, de forma a empregar um trabalho vivo que
pode ser substituído e descartado em qualquer tempo. A terceira mudança refere-se
ao modo de gestão de trabalho, o capital esforça-se em quebrar a consciência de
classe, aplicando noções em que os trabalhadores possam se ver dentro de uma
equipe de trabalho, afirmando que a empresa é a “casa” do trabalhador. Nota-se, na
realidade o trabalhador deixa de se reconhecer como trabalhador, passando a ser
visto enquanto colaborador, associado, entre outros termos (NETTO; BRAZ, 2006).
A acumulação flexível, também chamada toyotismo, é uma readaptação no
sistema produtivo para rearranjar as necessidades de acumulação capitalista
(ALVES, 2011 apud ALMEIDA, 2018). Tal flexibilização atravessa as condições de
segurança no trabalho, nesse sentido, Antunes (2009) atesta que os direitos e
conquistas históricas dos trabalhadores, de modo que a legislação dos regimes de
contrato, o tempo de trabalho, a variação salarial, as condições de trabalho e a
organização sindical se veem regulamentadas e flexibilizadas. Passa a valer o
chamado part in time (trabalho em regime parcial), reduzindo o piso salarial e os

82
direitos trabalhistas e colocando os trabalhadores na dependência de buscar outras
atividades remuneradas para garantir sua sobrevivência. Associado a isso, outras
formas de desregulamentações passam a ser empregadas, como os regimes de
contrato temporários, o crescimento da informalidade, expansão das atividades
terceirizadas e quarteirizadas, fim do banco de horas, enfraquecimento da relação
sindical com o fim da obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical, entre
outras medidas. Assim, nota-se que a flexibilidade mascara de outro modo o
fenômeno do desemprego maciço, bem como o subdesemprego e a precarização
como fenômeno estrutural (NETTO; BRAZ, 2006). Nas palavras dos autores

A precarização e a “informalização” das relações de trabalho trouxeram de


volta formas de exploração que pareciam próprias do passado (aumento
das jornadas, trabalho infantil, salário diferenciado para homens e mulheres,
trabalho semi-escravo ou escravo) e ao final do século XX, ao cabo de vinte
anos de ofensiva do capital, a massa trabalhadora não padece apenas nas
periferias – também nos países centrais a lei geral da acumulação
capitalista mostra o seu efeito implacável. (NETTO; BRAZ, 2006, p.154).

Outro fenômeno determinante no capitalismo contemporâneo para a


reprodução social é o neoliberalismo. Precisamente, esta é uma ideologia orientada
pelo capital monopolista que é responsável por vender uma concepção de ser
humano, “considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista”
(NETTO; BRAZ, 2006, p. 159), aliado a uma concepção de sociedade, “tomada
como um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados”
(NETTO; BRAZ, 2006, p. 159), que serve para naturalizar uma concepção de
desigualdade entre os indivíduos, através do domínio sobre os meios de
comunicação social. O neoliberalismo tem como prerrogativa comum uma
demonização do Estado e apontando com permanente insistência a necessidade de
“reformas”, a fim de enxugar o papel do Estado. Em outros termos, essa
demonização não pretende qualquer ruptura com o Estado, mas visa diminuir as
funções estatais coesivas, isto é, as funções orientadas pela garantia de direitos
sociais (NETTO; BRAZ, 2006).

83
O avanço das capacidades tecnológicas também é fruto da reestruturação
produtiva no caráter toyotista. É a partir das necessidades de produção em massa,
garantindo a qualidade total e o aumento da produtividade necessária ao capital que
novos maquinários e o desenvolvimento da robótica. A racionalização empregada
pela Toyota sobre sua força de trabalho tem como intuito formar uma “fábrica
enxuta”, reduzindo a quantidade de trabalhadores necessários (ANTUNES, 2009).
Destacamos esses aspectos estruturais por corroborarem com os processos
de desgaste e reprodução no âmbito do trabalho e atravessarem a vida cotidiana.
Sobre os impactos das dimensões na vida produtiva, vemos em Gomes (2017) que
esse novo ciclo de acumulação produz aumento nas doenças crônicas, como as
lesões por esforço repetitivo (LER), maior desgaste psíquico decorrente da pressão
por metas, sobrecarga de tarefas, assédios e a flexibilização do trabalho. Os novos
arranjos produtivos demandam dos trabalhadores corpos e mentes mais adaptados
e homogeneizados para lidar com o aumento das jornadas e o acúmulo de tarefas,
reforçando os ideais produtivos de trabalhadores multifuncionais e voláteis,
almejando sujeitos mais concentrados, colaborativos, disciplinados, o que é refletido
no aumento de trabalhadores com depressão, ansiedade e doenças
cardiovasculares (GOMES, 2017; VIAPIANA, 2017).
Vemos que a atividade do trabalho é atravessada pelo seu caráter
contraditório. Se por um lado, o trabalho é a atividade vital, produtora de riquezas e
produtora da sociabilidade humana, na sociedade capitalista essas potencialidades
da atividade não se desvelam a priori. Martin (2020) pontua a determinação do
caráter fetichista a sobredeterminar o trabalho dos indivíduos; ao passo em que esta
atividade tem sua finalidade em garantir somente os meios de sobrevivência, tem-se
a constituição psíquica da alienação sobre os trabalhadores (MARTIN, 2020).
Mészáros (2006) ao retomar os estudos de Marx sobre o tema, exprime que
a crítica candente ao fenômeno da alienação não é subjetiva e tampouco conceitual.
A alienação possui quatro aspectos principais, a saber: 1. O sujeito está alienado de
sua própria natureza, do produto de seu trabalho e de seus vínculos com o mundo
sensível externo; 2. O sujeito está alienado de si mesmo e da sua atividade,

84
caracterizando a relação alienada com o ato de sua produção; 3. o indivíduo aliena-
se de seu ser enquanto membro do gênero humano, sua atribuição enquanto ser
genérico, estranha-se da sua essência humana; 4. o sujeito aliena-se dos outros
seres humanos (MÉZSÁROS, 2006; MARTIN, 2020).
Assim, por meio da alienação, Marx (1844 apud MÉSZÁROS, 2006) permite
a compreensão das relações estranhadas tanto em relação ao indivíduo e à
natureza, quanto na relação “homem-humanidade” (MÉSZÁROS, 2006, p. 21) e
entre os sujeitos. A alienação produz nos sujeitos uma relação de passividade e
estranhamento, na medida em que os sujeitos que trabalham e produzem as
riquezas não reconhecem seu produto final e tampouco possuem condições de
desfrute dos objetos produzidos. O trabalhador vê sua atividade enquanto atividade
autônoma à sua força de trabalho, processo este que se acentua na terceira fase do
imperialismo, a chamada “destruição produtiva” (MÉSZÁROS, 2006), em
decorrência da acelerada transformação tecnológica.
A alienação produz perdas substanciais aos trabalhadores, Martin (2020)
expõe que as perdas são em diversas dimensões, com a perda dos objetos e a
perda progressiva da realidade, perde-se a noção da finalidade prática de sua
atividade, perde-se a riqueza de sua contribuição histórica. A ideologia neoliberal
endossa as noções de sujeitos independentes, autossuficientes, no entanto,
entendemos que, por meio dos modos de subjetivação e do caminhar da vida, essas
noções em aparência carregam a expressão da indiferença. Retomamos a
exposição de Silveira apresentada por Martin (2020):

[...] o indivíduo indiferente, isolado, separado dos demais e de si mesmo é


profundamente histórico. Contudo, essa sua historicidade só pode ser
realizada, efetivada pela mediação do valor de troca, da mercadoria. [...]
Nessa alienação do indivíduo frente a si mesmo e aos demais, o que
aparece naturalizado não são as formas pessoais e sociais de
dependência, mas o próprio nexo material. (SILVEIRA, 1989 apud MARTIN,
2020, p. 95).

O fenômeno da alienação possui duas esferas: a dimensão sociológica,


demarcada pelas condições econômicas e sociais; e a dimensão psicológica,

85
expressa nos processos psíquicos nas singularidades (SILVEIRA, 1989 apud
MARTIN, 2020). Acerca dos impactos psíquicos da alienação, muitas são as formas
manifestas nos indivíduos em lidar com as formas de estranhamento. Pode-se
visualizar correspondências entre a alienação e o sentimento de impotência; a falta
de sentido e a baixa expectativa de futuro como culpa do próprio indivíduo; noções
deformadas da realidade; ausência de normas individuais que possam reger a
conduta do sujeito; isolamento enquanto ruptura com as relações afetivas e
desesperança frente a elas; e o auto-estranhamento enquanto conduta de
passividade (MARTIN, 2020 com base em SEEMAN, 1959).
Os processos de alienação expressam-se, portanto, na saúde do trabalhador
e nas doenças decorrentes do processo de trabalho. Segundo Martin,

O capitalismo provoca diretamente o sofrimento/ adoecimento físico ou


psíquico; o trabalhador adoecido sofre pressão e/ou discriminação,
principalmente no espaço do trabalho; o “cuidar” do adoecimento pode
provocar efeitos colaterais perversos – mais adoecimento (uso de
medicamentos ou procedimentos invasivos e/ou desnecessários), iatrogenia
via isolamento, enclausuramento, gerando quase sempre a cronificação do
sofrimento; criação de doenças pode ser pautada pela necessidade de
consumo. São processos que têm como base o modelo biomédico da saúde
e da doença, que desconsideram a natureza histórica e social do processo,
tendendo em centralizar o tratamento exclusivamente no uso de medicação
e a culpabilizar os trabalhadores pela sua condição de saúde. (MARTIN,
2020, p. 105)

3.1.1 O DESGASTE E REPRODUÇÃO NA INFÂNCIA: NOVOS ARRANJOS NA


VIDA PRODUTIVA E OS PROCESSOS CRÍTICOS NA ESFERA DA
COTIDIANIDADE

Assim, temos que os novos arranjos produtivos produzem implicações ao


psiquismo e reprodução da vida cotidiana dos trabalhadores. O sociólogo Ricardo
Antunes manifesta que o trabalho “mostra-se como uma experiência elementar da
vida cotidiana, nas respostas que oferece aos carecimentos e necessidades sociais”
(2009, p. 166). As exigências produtivas interpelam a consciência em todos os

86
âmbitos da vida e, não somente isso, mas a tecnologia proporciona modos
alternativos de sociabilidade. Assim, gostaríamos de propor aproximações entre os
fatores de desgaste e reprodução na infância e adolescência, sobretudo entendendo
como os modos de andar a vida contemporâneos podem estar ligados ao aumento
diagnóstico do espectro autista.
Em um estudo realizado na Califórnia, Keyes et al (2012) apontam que o
diagnóstico de autismo em crianças cresceu 11 vezes no estado entre 1992 e 2002.
Os pesquisadores também apontaram que crianças cada vez mais novas passaram
a ser diagnosticadas, sendo que essas taxas de incidência são em crianças
fundamentalmente das áreas urbanas. Parece importante destacar que esse
aumento da prevalência não está relacionado apenas ao aumento das pesquisas
médicas sobre o autismo, mas sim às particularidades das relações sociais oriundas
da reestruturação produtiva sobre a vida de crianças e adolescentes.
A aceleração nos arranjos produtivos determina a centralidade do trabalho e,
consequentemente, a redução do tempo disponível para as atividades domésticas,
as atividades de lazer e descanso. Trabalhadores que possuem filhos passam a ter
menos tempo disponível com seus filhos (ALMEIDA; GOMES, 2014). Aliado a
essa redução de tempo, Fonseca (2012) atesta que uma das particularidades dos
arranjos familiares do século XXI é a solidão dos cuidadores, questão que parece-
nos ser uma das consequências da acentuação do individualismo e da
competitividade das relações sociais determinada pelo neoliberalismo. Assim, os
cuidadores, sobretudo as mães, possuem uma rede de apoio reduzida para
conversar e auxiliar nos cuidados com os filhos, ampliando o sofrimento psíquico
nessa condição de vida. Timimi (2020), em seu livro recém-publicado Medicina
Insana, alerta para o fato de que, além do aumento das jornadas de trabalho e de
ambos os cuidadores estarem inseridos no trabalho produtivo e fora dos lares, outro
fato que se apresenta de modo mais acentuado na contemporaneidade são os
cuidados infantis tornando-se atividade profissional de mulheres trabalhadoras com
baixos salários, demonstrando que há uma profissionalização nas atividades de
cuidado infantil (TIMIMI, 2020). As atividades de cuidado são predominantemente

87
atribuídas às mulheres, seja pelas mães, pelas babás no contexto doméstico ou as
professoras do ensino infantil, demonstrando que o ingresso da mulher no trabalho
público, fora do ambiente doméstico, trazem consigo a sobrecarga feminina, uma
vez que as atividades domésticas não foram ostensivamente tomadas como
responsabilidade paritária dos homens no contexto familiar. Neste aspecto, Ribeiro
(2020) analisa que a área da educação infantil é costumeiramente associada ao
dom, atribuindo às mulheres uma vocação nata para relacionar-se com as crianças,
favorecendo concepções espontaneístas sobre as relações entre as cuidadoras e a
criança, em que a qualificação técnica e a seleção de conteúdos no ensino é
secundarizado, visto que o ambiente escolar é encarado como expansão do lar.
Ademais, destaca-se que a noção inatista de dom atribuída aos papéis de gênero
feminino mascara também a profissionalização precária e subalterna de cuidadoras
domésticas, contando-se com uma formação técnica limitada e permeada pelo
senso comum.
Timimi (2020) argumenta que os modos de vida universalizados na
sociedade capitalista incidem na reprodução de determinados papéis de gênero
desde o nascimento das crianças. Sobre as meninas, tem-se colocado uma série de
valores acentuados em sua inserção no contexto escolar, de que devem ser boas
alunas e terem bons comportamentos; isso porque o comportamento das meninas
ainda são é controlado e vigiado no contexto familiar (TIMIMI, 2020). O sexismo
institucionalizado na cultura ocidental normatiza os valores do que significa ser
homem na sociedade, valorando um conjunto de significados atribuídos às
capacidades de força, vigor físico, reatividade, a tal ponto que favorece um
tratamento preferencial para os meninos desde a infância. No âmbito escolar, há
uma preocupação acerca dos comportamentos dos meninos antes mesmo que este
se expresse, o que caracteriza-se nos meninos enquanto representação de riscos.
Os meninos que apresentam características diferentes dos comportamentos
valorados, ou apresentam dificuldades na expressão de sentimentos (quando não a
agressividade) podem potencialmente ser apontados como autistas. Na exposição
midiática, na troca entre os pares, na valoração produzida nos meninos acerca de

88
condutas socialmente aceitas ao gênero masculino, podem entrar em conflito na
formação social dos garotos, uma vez que a exposição a ideais hiper-
masculinizados entram em conflito com a formação de vínculos e com as
expectativas de suas cuidadoras, decorrente da feminização das atividades de
cuidado. Por fim, segundo Timimi (2020), historicamente os comportamentos de
crianças e adolescentes do sexo masculino são objetos de intervenção clínica no
contexto infantil, circunscrevendo uma série de problemáticas acerca dos papéis de
gênero em nossa sociedade e os danos que tais imposições podem acarretar em
comportamentos agressivos e sofrimento psíquico nos meninos.
A rede de apoio restrita também produz consequências sobre as crianças.
Fonseca (2012), baseando-se em estudos evolucionistas, expõe que uma das
características em bebês de grupos nômades era o desenvolvimento de
capacidades psicológicas atreladas à sociabilidade. O bebê estava ligado a um
grupo maior de cuidadores a fim de garantir sua sobrevivência, suas mediações com
o mundo estavam atribuídas entre os sujeitos em comparação com os objetos e,
antes mesmo de estabelecer comunicação dialógica, a criança apropriava-se das
expressões faciais e trocas de olhares para apreender o real. Atualmente, com um
grupo de cuidadores reduzido e suas capacidades de ação sobre a criança, as
mediações da criança com o mundo encontram-se limitadas.
Nesse sentido, entendemos que a necessidade do capital, aprofundada com
a reestruturação produtiva, de aprimorar os meios tecnológicos atravessa a vida
cotidiana, uma vez que não ficaram restritos ao mundo do trabalho. Temos hoje uma
quantidade infindável de telas, funcionalidades tecnológicas e dispositivos que
compõem a vida social desde a infância. Os pesquisadores Heffler e Oestreicher
(2015), buscando entender os impactos das exposições às telas na infância,
afirmam que a estimulação das vias neuronais ligadas ao processamento auditivo e
visual acabam trazendo prejuízos na atenção às interações sociais. Segundo os
autores, a fixação ocular em bebês é normal nos primeiros meses, reduzindo sua
frequência entre os 2 a 6 meses, quando o olhar do bebê passa a desenvolver
especificidades, como apreender a distância do objeto, o movimento ocular passa a

89
acompanhar o movimento do objeto e o contraste de cores. À medida que o bebê
passa a apreender as especificidades dos objetos, reforçam-se seus interesses
sobre alguns objetos em detrimento de outros. O reforço pela luminância, movimento
e composições de cores oriundos de brinquedos com sons e luzes e as telas
passam a dar mais interesse aos bebês, o que substitui a fixação do olhar pelas
faces de seus cuidadores em detrimento do interesse pelas telas (HEFFLER;
OESTREICHER, 2015).
Fonseca (2012) corrobora com esses apontamentos ao afirmar que as
contingências produzidas pelos brinquedos tecnológicos e as telas desenvolvem
na criança um interesse mais acentuado sobre esses meios, afetando o
subdesenvolvimento do interesse social, ao que a autora define por contingência
intersubjetivante, qual seja, a capacidade desenvolvida através dos cuidadores para
que a criança crie uma imagem de si e do outro, no plano real da vida. A exposição
às telas e os brinquedos modernos são definidos pela autora como contingências
perfeitas, por produzirem respostas imediatas e previstas. Destarte, a autora conclui
que as crianças autistas são as crianças que buscam continuamente as contigências
perfeitas, mantendo um interesse reduzido nas interações que deveriam ser
encaradas a fim de decifrar as expressões e todas as complexidades das relações
sociais. Segundo Heffler e Oestreicher (2015), por conta da plasticidade
desenvolvida com a exposição das telas, a criança com autismo tende a ter um
processamento facial mais lento, falta de diferenciação do olhar em relação a
distância, mostra-se menos atenta às cenas sociais da realidade e resposta lenta
aos objetos. Heffler e Oestreicher (2015) também expõem que o cérebro autista
possui suas especificidades após um período de desenvolvimento típico, isto é, esta
informação nos revela que o autismo não se trata de uma condição inata e orgânica
como costumeiramente procura-se veicular, mas sim uma condição biopsíquica
manifestada posteriormente, que tem relação com a qualidade das mediações
disponibilizadas para a criança ao longo do seu contexto de vida.

Crianças são atraídas pela visualização de materiais audiovisuais (AV) que


frequentemente não têm importância para a primeira infância (ou criança

90
muito pequena). Através de um processo de neuroplasticidade, a exposição
à tela AV causa a especialização de vias cerebrais que processam
estímulos auditivos e visuais de modo não-social. Estas vias sensoriais
especializadas interferem na atenção aos estímulos sociais, e interrompem
o desenvolvimento da especialização social do cérebro. A falta de atenção
aos cuidadores e ao contexto social contribui com o atraso do
desenvolvimento global. O modelo explica muitos dos achados neurológicos
atípicos no transtorno da síndrome autística. Os efeitos positivos da
intervenção precoce são consistentes com o modelo.(HEFFLER;
OESTREICHER, 2015, p. 115, tradução nossa)

Tanto Fonseca (2012) quanto Heffler e Oestreicher (2015) apontam que uma
possibilidade para amenizar as condições da patologia seria reduzir o acesso da
criança às telas. Heffler e Oestreicher (2015) reforçam também a importância da
estimulação precoce, como o emprego do método ABA. Contudo, essa medida
parece-nos deter-se apenas à aparência do problema. Destacamos que não se
trata apenas de reduzir o acesso, mas refletir sobre a qualidade da ação e
mediação dos adultos no mundo da criança.
O desenvolvimento da criança não é um processo homogêneo e estático.
Conforme elucida Vigotski em seus estudos da pedologia (2017), não há uma lei
geral que circunscreva o papel da hereditariedade nos aspectos do desenvolvimento
e, tampouco, pode-se buscar a mesma lei geral a partir das determinações do meio.
Assim, deve-se estudar cada aspecto do funcionamento psíquico separadamente e
em suas interrelações, na medida em que os distintos aspectos estão em uma
relação de dependência entre si no sistema como um todo. Apresentaremos uma
síntese a seguir dos processos psicológicos da infância, com ênfase até os sete
anos de idade, para retomarmos a análise sobre o papel da mediação e as
implicações do uso das tecnologias na infância.
Cabe pontuar que o desenvolvimento humano enquanto um processo
contínuo e dinâmico, possui períodos e etapas, desde o nascimento até a
adolescência, intercaladas pelas crises do desenvolvimento, conforme postuladas
por Vigotski (2017). Os períodos de crise são rupturas qualitativas que abrem
caminho através da atividade na vida de criança, indicando a organização de novas
estruturas mais complexas das funções psicológicas por meio de uma nova

91
atividade dominante22. Tuleski et al (2019) apontam que nos períodos de crise a
criança mostra-se mais difícil de ser educada, por estar adquirindo novas
habilidades e a sua situação social em desenvolvimento 23 não possuir amparos
adequados para estabilizar as novas conquistas. Nas crises, é pela educação
disponibilizada por seus cuidadores que a criança encontra meios adequados para a
superação da crise e a passagem para a nova atividade dominante. O papel dos
cuidadores deve servir para a troca afetuosa com a criança, a acolhida, a
demarcação de limites necessários à criança e a organização da rotina (TULESKI et
al., 2019).
Pasqualini (2013) retoma a contribuição de Abrantes (2012) para elucidar
que as épocas de desenvolvimento, a saber, a primeira infância (0-3 anos), a
infância (3-10 anos) e adolescência (10-17 anos) são caracterizadas por dois
períodos em cada época. Esses períodos são definidos conforme o marco das
crises, orientando-se para a passagem de uma nova atividade dominante e a sua
determinação sobre a esfera psíquica. Acerca dessas esferas psíquicas, Pasqualini
(2013) postula que no primeiro período de cada época, tem-se a primazia da esfera
afetivo-emocional e, dando sequência à época, o novo período te m a predominância
da esfera intelectual-cognitiva. Ou seja, essas particularidades atribuídas ao
processo de desenvolvimento infantil constituem o lugar de importância e
necessidade na relação entre adulto-criança, bem como da criança-objeto social. A
primeira crise é a pós-natal, marcando a condição de vida extrauterina do bebê e
dando início ao período da comunicação emocional direta como atividade
dominante, enquanto ação complexa dirigida ao outro; seguida desta tem-se a crise
de um ano, em que a atividade dominante passa a ser de caráter objetal
22 Vigotski (2018) evidencia que o desenvolvimento psicológico na infância está intimamente
vinculado às atividades objetivadas pela criança em cada período de desenvolvimento. À medida que
ocorrem as rupturas qualitativas nas crises de desenvolvimento na periodização, as funções
psicológicas reorganizam-se em novas relações hierárquicas. Desse modo, a atividade dominante em
cada período forma a consciência favorecendo novas funções dominantes, assimiladas em sua época
principal.
23 O conceito de situação social do desenvolvimento refere-se à relação que se estabelece entre a
criança e o meio, não tomado como algo externo e independente da criança (TULESKI; EIDT, 2016).
Considera então que o desenvolvimento psíquico na infância é fruto das vivências que são realizadas
pela criança a partir das condições concretas criadas pelos seus mediadores e educadores
(SINGULANI; MELLO, 2015).

92
manipulatório, orientada e organizada pela expressão mútua de emoções na relação
entre adulto-criança; a terceira crise ocorre após os três anos de idade e marca o
início da infância, quando o jogo de papéis passa a atividade dominante; aos sete
anos tem-se a marca de uma nova crise, abrindo o caminho para a atividade de
estudo; aos treze anos, com a atividade principal da comunicação íntima pessoal e,
por fim, aos dezesseis anos tem-se mais uma crise com a passagem para a
atividade profissional/ estudo (FACCI, 2004; PASQUALINI, 2013).
No primeiro ano de vida da criança, o traço mais determinante da
consciência é que esta é totalmente indiferenciada no seu aspecto funcional e sua
atividade principal é a comunicação emocional (VIGOTSKI, 2017). Entretanto, os
processos mais elementares podem ser memorizados pelo bebê. Nessa fase, a
memória do bebê não existe enquanto tal; o bebê consegue distinguir os objetos
entre os conhecidos e os desconhecidos; por meio da mediação e a comunicação
afetiva, o bebê distingue os rostos e vozes conhecidas e desconhecidas, mas a sua
memória e a conservação mnêmica não está separada da atividade. Mas o recordar
em si ainda não existe enquanto função isolada, o bebê reconhece a mamadeira, os
alimentos e os objetos aos quais tem acesso enquanto esses objetos mostram-se
para ele (VIGOTSKI, 2017). Ainda, Vigotski (2017) expõe que nos primeiros meses
de vida, os conteúdos que o bebê assimila como memória ultrapassam os conteúdos
de tudo que é memorizado ao longo de toda a vida, o que ressalta a importância de
os cuidadores colocarem à disposição do bebê diversas possibilidades de objetos e
instrumentos a serem manipulados, para configurar um ambiente estimulante e rico
na situação social da criança. Lima, Valiengo e Ribeiro (2014) caracterizam que
diferentemente do que as concepções maturacionistas e biologizantes do psiquismo
apontam, a percepção do bebê vai sendo desvelada a partir da maturação do
cérebro e pelos estímulos que o mundo externo lhe apresenta. Assim, podemos
afirmar que a experiência acumulada pela criança na atividade fundamenta a sua
passagem qualitativa para um nível superior de desenvolvimento (LIMA; VALIENGO;
RIBEIRO, 2014).

93
Na etapa objetal-manipulatória (primeira infância), as funções
indiferenciadas internamente passam a se organizar e uma função predominante se
manifesta, é a percepção afetiva. Aqui, a percepção ocupa lugar central na
consciência enquanto primeira função diferenciada. A memória, a atenção e o
pensamento se manifestam de modo indiferenciado da percepção. Assim, tomando
como exemplo a memória, ela atua “quando e enquanto puder participar da atividade
da percepção” (VIGOTSKI, 2017, p. 99). O pensamento concreto-visual é voltado
para a ação prática, configurando um modo de pensar da criança em que ela pensa
somente até os limites daquilo que é percebido. O mesmo ocorre com suas
emoções, ela pode demonstrar suas emoções no limite do que ela percebe. A partir
desse domínio exercido pela percepção no restante das funções psíquicas, Vigotski
(2017) chama a atenção para essa etapa, por ser aqui a primeira organização do
sistema de relações interfuncionais da consciência. Destacamos que os três
primeiros anos de vida são de interesse especial em nosso trabalho por tratar-se do
período em que as crianças têm sido mais diagnosticadas como autistas e, portanto,
o desenvolvimento da percepção enquanto função psicológica superior nessa etapa
deve ganhar maior enfoque, tanto nesse trabalho quanto em produções posteriores.
Segundo Mukhina (1996 apud LIMA; VALIENGO; RIBEIRO, 2014), a
atividade da manipulação objetal consiste em três fases distintas na primeira
infância, alterando seus modos de operar na realidade da criança e conduzir sua
percepção a novas situações de destaque na organização da formação psicológica.
A primeira fase é caracterizada pelo uso indiscriminado do objeto, a segunda fase
consiste no uso do objeto em conformidade com sua função e a terceira fase
consiste no uso livre pela criança, em que ela está consciente sobre a finalidade do
objeto mas pode aplicá-lo em outras atividades, independente da função específica.
A fase subsequente é a pré-escolar, também chamada de jogo de papéis,
que se manifesta na infância dos 3 aos 7 anos 24. Segundo Vigotski (2017), a

24 O desenvolvimento psíquico é caracterizado por mudanças qualitativas, tendo como condição


desenvolvimental o processo pedagógico, assim, as fases de periodização não se tratam de
periodizações naturais e universais. São muito além disso, indícios da situação social do
desenvolvimento da criança e suas necessidades singulares (PASQUALINI, 2013). Portanto,
entendemos que a definição apontada por Vigotski e Elkonin para apreender o desenvolvimento

94
percepção enquanto função psicológica mais diferenciada, abre caminho para o
desenvolvimento da memória na criança. Com a linguagem e seus significados mais
desenvolvidos, a criança opera na sua realidade por meio da brincadeira, utilizando
objetos dos adultos, colocando-se numa relação ativa, em que o mundo dos adultos
influencia na sua brincadeira e o conteúdo fundamental são os indivíduos (FACCI,
2004; PASQUALINI, 2013). Esse período marca o contraste da situação social da
criança, que possui dois mundos específicos distintos: a sua vida familiar em relação
aos responsáveis com quem vive e o contexto escolar, onde forma um grupo distinto
e íntimo de relações cotidianas (FACCI, 2004). Progressivamente, o contexto
escolar vai atribuindo novos sentidos e significados na vida da criança, até a
passagem dos sete anos, que marca então a criança em um novo contexto: é a
criança apropriando-se dos signos, entrando em contato com os códigos da língua
escrita e o encontro dessa nova atividade desvela à criança uma nova crise e uma
sucessiva nova fase de estabilidade, em que a atividade de estudo passa a ser
central, reorganizando suas funções psicológicas superiores.
Feita a caracterização do desenvolvimento psicológico até os sete anos e o
papel destacado dos cuidadores na mediação, retomamos então o encontro dos
meios tecnológicos com a infância, para pensar nas implicações com o autismo.
Entendemos que a televisão hoje constitui uma parte do mundo social da infância,
como também o celular, computador, tablet e outros recursos. Os programas
televisivos disponíveis para o público infantil podem possuir caráter educativo
(SOLER, 2012), bem como jogos digitais e filmes. Os programas infantis apresentam
as objetivações genéricas ao público, reforçando padrões de sociabilidade e a
utilização de instrumentos, favorecendo a apropriação pela criança de modos do
brincar humano. Pela observação, a tevê exerce sobre a criança a necessidade do
brincar para objetivar as capacidades humanas apresentadas nos desenhos e
programas (SOLER, 2012). Por meio dos programas televisivos, a criança apreende
objetos simbólicos que podem operar em suas brincadeiras, mas que para que

psíquico tem em nossa sociedade diferenciações, a exemplo, a redução do ensino pré-escolar coloca
a criança mais precocemente no período de atividade escolar, diferente do período apontado pelos
autores.

95
essas mediações sejam qualitativamente interiorizadas pela criança, a mediação na
relação sujeito-sujeito torna-se imprescindível, para ofertar programas que tenham
viés educativo e relacionar os conteúdos visualizados com a realidade social da
criança (SOLER, 2012). Para isso, destacamos que a televisão, quando ofertada aos
bebês, sem a mediação atenta e cuidadosa, pode acabar por subdesenvolver novos
interesses, sobretudo os interesses na interação com os seus cuidadores e as
possibilidades do desenvolvimento da linguagem, tornando-a empobrecida. Como
mencionamos, antes da percepção enquanto função dominante, a consciência do
bebê é indiferenciada em suas funções, enquanto que os estímulos visuais e
auditivos desenvolvem-se nas primeiras semanas de vida. Ao passo que as telas da
televisão, do celular, do tablet, assim como os brinquedos com dispositivos
tecnológicos são mais ofertados e o acesso da criança a estes meios são menos
restritos, as funções cerebrais do bebê estarão subordinadas aos objetivos e
informações disponíveis desses meios e o contato comunicacional com seus
cuidadores pode mostrar-se menos atrativo para o bebê. Na fase objetal-
manipulatória, com o maior interesse da criança sobre esses dispositivos e, sendo
seus dedinhos tão ávidos em acessar vídeos no Youtube, por exemplo, toda a
percepção da criança fica seduzida por esses instrumentos, caso os adultos não se
coloquem na ação mediadora.
E, afinal de contas, o mundo social da infância é regido e determinado pelos
aspectos disponíveis a ela, na relação com o mundo dos adultos. Não é novidade
que o acesso aos recursos nas telas de celular, os aplicativos e programas são
regidos por algoritmos, ferramentas computacionais que tornam o uso dessas
ferramentas tecnológicas viciante. Gillespie (2018) argumenta que os algoritmos
exercem importância crescente em selecionar informações importantes aos
usuários, mapeando nossos interesses e exprimindo nossa participação na vida
pública através dessas informações. Termina-se um vídeo e em segundos uma nova
informação visual e auditiva começa a ser reproduzida, baseadas nas informações
de busca disponibilizadas pelos sujeitos. Além disso, por tratarem-se de formas
monetarizadas de informação, tanto programas de televisão quanto aplicativos,

96
vídeos etc. reproduzem anúncios e propagandas que objetivam vender produtos e
reproduzir padrões de comportamento e conduta. Na medida em que vídeos e
músicas podem simplesmente ser repetidas continuamente nesse tipo de mídia,
podemos refletir como um acesso não mediado e irrestrito pode favorecer a restrição
de interesses e contribuir para o surgimento de comportamentos repetitivos e
inflexíveis de crianças, que muitas vezes acabam diagnosticadas como autistas.
Timimi (2020) alerta para a produção de uma subjetividade fragmentada por
meio das relações virtuais decorrentes dos avanços tecnológicos, permeadas pela
aparência, superficialidade e imediatismo, em que tudo é mercantilizável, inclusive
classificações psiquiátricas e o conceito de saúde mental. O ambiente virtual produz
mudanças acerca da compreensão dos adultos sobre a infância e sobre o
comportamento das crianças. Pensando-se em crianças mais velhas e
adolescentes, o ambiente virtual proporciona um contexto adequado de classificação
de comportamentos como o “adolescente isolado”, “quieto”, “nerd”, uma forma de
adequar as expectativas do mundo em relação a si através da busca pela
classificação, indo na contramão de entender sua sociabilidade como fruto de um
sistema sócio político, bem como o lugar da adolescência nessa sociedade (TIMIMI,
2020).
Posto que na infância e adolescência a sociabilidade é configurada
predominantemente no ambiente doméstico e no espaço escolar, cabe destacar
também o papel do contexto escolar na infância. Leal e Souza (2014) atestam para
a importância de analisar o ambiente escolar implicado nas determinações da
sociedade capitalista, isto é, uma sociedade estruturada na exploração da força de
trabalho. A educação escolar é aspecto fundamental no desenvolvimento e
formação dos indivíduos, propiciando a mediação dos alunos com a realidade social
e historicamente produzida. Duarte (2016) assinala que o papel do contexto escolar
está na socialização sistematizada dos conhecimentos científicos, artísticos e
filosóficos, favorecendo a passagem do conhecimento de senso comum à
consciência filosófica. Contudo, vê-se que a escola sofre uma condição de

97
“esvaziamento da educação e de sua formação do indivíduo” (LEAL; SOUZA, 2014,
p. 20).
O contexto escolar desvela uma contradição entre aquilo que é prescrito
como norte na educação, qual seja, a formação plena e integral dos sujeitos, e a
forma efetivamente estruturada, que corrobora para uma adaptação dos indivíduos
à sociedade (LEAL; SOUZA, 2014). É nesse contexto que o fenômeno da queixa
escolar se fundamenta: os alunos cujos comportamentos podem ser descritos como
indisciplinados, desatentos, desinteressados, violentos ou que não estão
alfabetizados são queixas frequentes no ambiente escolar. Leal e Souza (2014)
expõem que o contexto educacional, pelos crescentes casos de alunos laudados,
com dificuldades comportamentais e de aprendizagem, tenha se acostumado com
as dificuldades enfrentadas pelas crianças, queixando-se sem levar em
consideração o contexto social e os modos de vida dos alunos, encarando os
problemas escolares como condições inatas e individuais, circunscrevendo as
dificuldades de ordem intelectual e comportamental como fenômeno interno à
criança. Segundo Souza (1997 apud LEAL; SOUZA, 2014), basear-se nesse modelo
explicativo psicologizante e medicalizante tem como pano de fundo uma concepção
de mundo que busca explicar a realidade a partir das estruturas psíquicas e/ou
biológicas e que nega a influência dos contextos sociais e institucionais sobre o
psiquismo. Tal concepção segue um modelo de explicação dos problemas de
caráter social, transferindo-o para os indivíduos, como responsáveis pelo seu
sofrimento psíquico, preconizando uma impossibilidade de encarar o indivíduo para
além de seus sintomas e encerrando quaisquer condições de desenvolvimento em
face de suas dificuldades. Nas palavras das autoras:

O processo de escolarização em uma sociedade dividida em classes como


a nossa e na qual há um enorme progresso científico e tecnológico que
exige características específicas das pessoas apresenta uma complexidade
que deve ser compreendida por todos aqueles que trabalham com
educação e buscam a ‘formação’ do indivíduo e não apenas a sua
‘adaptação’. Uma das dificuldades nesta sociedade é a existência de
desigualdade no acesso e na permanência nas escolas, bem como a
desigualdade de acesso aos bens materiais e não materiais, elementos que
fazem parte dessa complexidade, que estão na base da constituição das

98
dificuldades existentes no processo de escolarização. (LEAL; SOUZA, 2014,
p. 26)

Assim, a medicalização social entra pela porta da escola, mas não encontra
espaço para saída. O discurso que naturaliza comportamentos indesejados na
infância, avalizado pela medicina, propõe normativas e ganha popularidade no
ambiente pedagógico. As professoras vivenciam uma carga extenuante de trabalho
pedagógico, salários reduzidos e uma desqualificação de suas atividades por parte
do Estado. Costumeiramente, contam com salas de aula com dezenas de alunos,
além da pressão de uma equipe pedagógica para resultados. Ademais, ao trabalhar
com alunos cujas necessidades vão além das pedagógicas e mesmo o pouco
suporte e tempo para qualificação e planejamento molda os limites postos no
trabalho pedagógico para as professoras, ao educar alunos com demandas mais
específicas. Diante de tudo isso, as professoras reconhecem os alunos que no
contexto escolar apresentam dificuldades de comunicação, interação social,
dificuldades de alfabetização, entre outras queixas possíveis, porém o excesso de
atividades demandadas às profissionais dificulta encarar a centralidade dessas
dificuldades no sistema de ensino brasileiro, recaindo em atribuições de caráter
medicalizante. Somam-se a estes fatores a formação precarizada dos profissionais,
fundamentada em pressupostos espontaneístas e não-críticos sobre o papel do
contexto escolar, revigorados pelas concepções neoliberais. Moysés e Collares
(2011) afirmam que esse movimento de biologizar os problemas sociais atinge
paralelamente dois objetivos: de um lado, isenta-se as responsabilidades do sistema
social e, em termos individuais, as vítimas se tornam as próprias responsáveis pelo
desajuste vivenciado.
Em casos de crianças com laudo diagnóstico, como no TEA, os alunos não
são vislumbrados como sujeitos ativos e de potencialidades, estes são reduzidos a
seus laudos de forma iatrogênica, levando à cronificação das crianças, com base na
concepção de que possuem limites inatos naturalmente. Assim, comumente reduz-
se todo e qualquer comportamento manifesto pelo aluno como expressão de seu
diagnóstico.

99
Sabe-se que atualmente o acesso ao ensino de crianças com autismo deve
ser garantido, sob a escolha da família, por meio de escolas públicas ou privadas,
em que os responsáveis decidem se a criança será atendida em escola de ensino
regular ou em modalidade especial. Discutiremos brevemente as particularidades de
cada um desses modelos.
Há que se destacar então que o modelo de ensino brasileiro é regido nas
últimas décadas a partir do modelo de Progressão Continuada, modelo este que
separa o ensino em ciclos e restringe as possibilidades de o aluno ser retido na
série, em caso de não ter sido alfabetizado, por exemplo (VIÉGAS, 2007). A
progressão continuada tem dois aspectos principais: de um lado, sua justificativa
revela os critérios econômicos do Estado, que visa reduzir custos sobre a educação
dos alunos, pois crianças que reprovam têm maiores custos econômicos. De outro
lado, a justificativa pedagógica enaltece a baixa auto-estima dos alunos quando são
retidos por não terem sido alfabetizados (VIÉGAS, 2007). Desse modo, percebe-se
que os alunos quando não atingem os objetivos esperados para aquela etapa,
somado às dificuldades do ambiente escolar em abarcar diferentes especificidades
dos alunos, estes são simplesmente empurrados para a série seguinte. As
professoras precisam dar conta de alunos com demandas específicas em meio ao
restante dos colegas que acompanham suas propostas pedagógicas e o aluno pode
mostrar-se culpado e ansioso pelas suas dificuldades escolares, não o implicando
no processo de superar suas dificuldades. No caso de alunos autistas, com
singularidades, comportamentos e interesses bastante distintos, esse “empurrar”
para a série seguinte não favorece condições de acesso ao ensino, reduzindo o
contexto escolar a um “ambiente de socialização”, que tampouco isso bem lhe
fornece. No caso das escolas especiais, tem-se um maior cuidado em respeitar as
singularidades dos alunos, contudo, tratando-se de um ambiente permeado mais
pela lógica médica de cuidados que a educação em si, novamente este aluno
encontra-se implicado em um contexto excludente. Respeita-se assim os limites de
interesses dos alunos, mas impossibilita o desvelar de suas potencialidades, na
medida em que as intervenções no contexto escolar especial podem restringir-se a

100
reduzir os comportamentos indesejados desses alunos à tentativa de não errar e
proporcionar propostas pedagógicas sem sentido. Novamente aqui, o aluno é
encarado e reduzido ao seu diagnóstico, e o contexto escolar é reduzido a um
espaço de afeto e socialização, muito embora nem mesmo essas características
estejam efetivamente presentes.
Outro espaço cotidiano do aluno laudado são as unidades de atendimento
especializado à criança, geralmente encaminhadas sob demanda das escolas.
Collares e Moysés (2011) afirmam que tal encaminhamento segue uma lógica
meramente formal, uma vez que boa parte desses alunos já são “diagnosticados”
nas escolas: comumente são alunos desnutridos e/ou com distúrbios neurológicos.
Assim, o trabalho da equipe de saúde conforme o esperado pela equipe pedagógica
é atestar o laudo infalível e, ao passo em que a equipe constata que a criança
possui boas condições de aprender, a escola muitas vezes rejeita essa afirmação e
passa a buscar outros locais, outros especialistas, até que algum profissional venha
a afirmar sua opinião estabelecida (COLLARES; MOYSÉS, 2011). Nesses casos, o
manejo da equipe multiprofissional, conferindo-se as dificuldades dos alunos em
seguirem no contexto escolar e desenvolverem-se, perpassa desafios. Ao ter de
envolver familiares, professores e a equipe pedagógica no desenvolvimento do
aluno, implica mudanças na visão que os adultos têm sobre a criança e suas
perspectivas de desenvolvimento, buscando desvelar condições outras de conduzir
a relação professor-aluno. Sobre a relação da psicologia no contexto educacional,
Leal e Souza (2014) mostram a necessidade de questionar a produção das queixas,
desvelar junto aos pares a complexidade que a envolve, entender as concepções
comuns no contexto escolar, conhecer o cotidiano da escola, bem como as práticas
instituídas, como metodologia e procedimentos pedagógicos aplicados ao aluno. Em
outros termos, entendemos que a psicologia, ao trabalhar com crianças inseridas no
contexto educacional, deve sair do ambiente clínico e entender a criança enquanto
um aluno, desvelando suas habilidades potenciais e as habilidades já conquistadas,
muito além daquilo que encerra-se com o diagnóstico.

101
Contudo, destacamos que nem toda a prática psicológica explica o indivíduo
como um sujeito ativo e autor de seu próprio desenvolvimento, muitas são as
práticas que subvertem a própria potencialidade da psicologia e encerram o
indivíduo à patologia. Nesse sentido, entendemos que, a despeito das contribuições
possíveis das metodologias aplicadas à estimulação precoce, como ABA, TEACCH,
e PECS para a população autista, vemos que essas metodologias contribuem ainda
muito pouco para a vida das crianças, sobretudo as com grau mais acentuado de
dificuldades. Aplicadas em contextos clínicos de modo arbitrário, operando
contingências destituídas de qualquer sentido para a criança e induzindo-a
comportamentos sem significado para o indivíduo por meio da modelagem, estas
metodologias reduzem os comportamentos à tentativa de não errar (GUEDES,
2014).
Em seus estudos sobre a Defectologia, Vigotski (2012) defende que na
educação de crianças com deficiência, a deficiência não deve ser considerada como
aspecto principal, outrossim cabe entender como a deficiência se desenvolve, bem
como entender as manifestações na personalidade da criança em resposta à sua
deficiência e suas dificuldades.

3.1.2 O DESGASTE E REPRODUÇÃO NA INFÂNCIA NO ENCONTRO COM A


VIDA DE RELAÇÕES COM AS CONDIÇÕES NATURAIS

Pontuaremos aqui algumas determinações nas relações com as condições


naturais que podem nos apoiar na explicação do fenômeno autista e seu
crescimento na sociedade. Viapiana (2017) o caracteriza esse domínio como a
interrelação entre os indivíduos e a natureza ao produzirem suas vidas, num
intercâmbio mediado pelas relações sociais e a formação dos espaços sociais. Essa
dimensão da vida está implicada nas alterações substanciais da urbanização, tendo
como em de seus resultados a diminuição dos espaços de sociabilidade na infância.
Outro fenômeno relacionado a este domínio, em nossa análise, refere-se ao

102
desenvolvimento do controle de natalidade e a redução nas taxas de nascimento na
sociedade.
Harvey (2014) analisa o desenvolvimento das forças produtivas a partir da
década de 1970, atestando que seus resultados na sociedade são variados e
atravessam todas as esferas da sociabilidade dos indivíduos. O desenvolvimento
das tecnologias produtivas produzem uma aceleração na produção e no consumo; a
acentuação de serviços e mercados financeiros; o desenvolvimento dos mercados
de massa, favorecendo uma ampla gama de estilos de vida e atividades recreativas,
permeadas pela volatilidade e efemeridade de produtos, modas, processos de
trabalho, ideologias e valores estabelecidos (HARVEY, 2014). Essas transformações
interferem nas formas de sociabilidade e de compreensão das relações humanas
com o mundo, determinados por novos modos significativos de relacionar-se com as
noções de espaço e tempo, produzindo “impacto desorientado e disruptivo sobre as
práticas político-econômicas, sobre o equilíbrio do poder de classe, bem como sobre
a vida social e cultural” (HARVEY, 2014, p. 259).
A acentuação das transmissões via satélite tornou acessível o consumo de
informações instantâneas e da televisão de massas, ao passo que as barreiras
espaciais são rompidas progressivamente (HARVEY, 1992). Temos acesso quase
imediato a notícias na Índia e na França, acessamos às novidades na produção
cinematográfica nos Estados Unidos e na China, podemos visualizar os registros
fotográficos da aurora boreal na Islândia e temos acesso quase irrestrito à
gastronomia de qualquer país. Tudo isso disponível à mão, por meio da efemeridade
de digitar ou enunciar os comandos para que serviços de busca nos respondam em
instantes. Escreve Harvey (2014) que tal compressão nas relações espaço-
temporais têm para os indivíduos a consequência de maior desgaste psíquico
devido à sobrecarga sensorial, pelo fato de estarmos condicionados a uma
estimulação contínua e quase ininterrupta de informações visuais e auditivas.
Sobre a infância, a compressão do espaço-tempo produz mudanças
significativas sobre os modos de ser e dever-ser. As crianças já têm o seu
desenvolvimento psíquico submetido a essa disponibilidade informacional,

103
favorecendo noções de volatilidade e efemeridade frente ao real. A volatilidade
dificulta planejar-se a longo prazo, como bem escreve Harvey (2014). Nesse sentido,
entendemos que essa dificuldade pode recair em uma adaptação individual frente à
noção de variabilidade. De outro modo, pode-se acentuar uma sobrecarga psíquica
definida pela ansiedade e a insegurança frente às relações sociais.
A sobrecarga sensorial manifesta-se duplamente: seja pelo excesso de
estímulos disponíveis ao consumo, como também favorecendo as noções de dever-
ser por meio das imagens. A formação da identidade é sobredeterminada pela
formação de simulacros, isto é, a reprodução de réplicas quase tão idênticas ao real
que possam com ele ser confundidas. As crianças e adolescentes (e não somente
elas!) encontram por meio de imagens noções expressivas e esteticamente
aparentes para basearem-se nesses modelos de dever-ser, favorecendo
modelagens de comportamentos e interesses restritos.
A compressão do espaço-tempo encontra nos avanços da urbanização
implicações particulares no âmbito da infância. Segundo o geógrafo, os avanços
tecnológicos produzem assim uma redução das dimensões do real, de modo que
sentimos o mundo e as dimensões do tempo atuando de forma mais instantânea,
enquanto o espaço torna-se reduzido (HARVEY, 2014). Assim, pode-se entender
que as condições impostas pelo capital às famílias leva a restrição nos espaços de
lazer e o brincar da infância é cada vez mais comprimido, nesse sentido, o uso de
dispositivos de celular e videogames são assimilados como alternativas
preferenciais para lidar com essa condição. As condições de vida das famílias
trabalhadoras, acentuada pela desigualdade social e pela acentuação da
urbanização, reduz progressivamente os espaços da infância e da brincadeira,
passando a viver em apartamentos ou moradias muito pequenas. A criança, se em
gerações passadas tinha acesso à rua para brincar e socializar, hoje tem seus
limites restritos, pois está permeada de medo e insegurança (ALMEIDA; GOMES,
2014). As praças e parques são limitadas nas condições de segurança e higiene,
mas possuem seu substituto infalível no que diz respeito ao estímulo: os shoppings
centers são hoje recheados de lojas e parques infantis para esse público tão sem

104
espaços mas tão cheios de possibilidades de consumir, favorecendo interesses
restritos e repetitivos no seu público infantil.
Outro fenômeno que determina as particularidades da infância e favorece
diagnósticos é a redução nas taxas de natalidade. O controle biológico do aparelho
reprodutor, sobretudo o feminino, permitiu uma prevenção sobre as taxas de
gestação, oportunizando um grande benefício à população feminina. Contudo, ao
passo que as famílias tornam-se menores25, menores são também as
possibilidades de as crianças estarem com pares para socializar e brincar no
ambiente doméstico, o que pode contribuir para comportamentos tomados como
sintomas do autismo, num mundo predominantemente dominado pelos adultos.
Ainda nessa dimensão de relação com as condições naturais, o estudo de
Stephanie Seneff chama a atenção. Em 2015, a autora apresentou no congresso
“Alliance for Natural Health USA” uma correlação de dados, aproximando as taxas
epidemiológicas de autismo com os índices de uso do agrotóxico glifosato
(UNISAUDEMS, 2019). Segundo Seneff, há um correlato entre os índices de
glifosato presentes no leite materno, evidenciando que o insumo tóxico é acumulado
no tecido orgânico. Este insumo é utilizado no cultivo de sementes transgênicas,
presentes nas monoculturas de milho e soja. Seneff apresentou dados
correlacionando os efeitos neurológicos manifestos em pessoas com autismo com
os biomarcadores que seriam impactados pelos efeitos neurotóxicos do
agroquímico. Em sua conclusão, a autora afirmou que, em 2025, aproximadamente
50% das crianças serão autistas, decorrente desse impacto. Contudo, ainda que
muitos estudos comprovem os impactos destrutivos sobre a saúde do uso de
agrotóxicos, cabe destacar que cientistas não consideram os dados suficientes para
afirmar esse nexo causal com o autismo, o que indica a necessidade de maiores
pesquisas nesse campo. Ademais, o crescimento do diagnóstico de autismo

25 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos anos 2000, a taxa bruta de
natalidade (cálculo baseado na razão entre nascidos vivos residente e a população residente) era de
20,86 nascidos vivos a cada 1.000 habitantes. No ano de 2010, a taxa reduziu para 15,08 e o ano de
2020 atingiu a marca de 13,99 a cada 1.000 habitantes. Aponta-se pelo instituto que essas taxas se
manterão em redução contínua até 2060.

105
relaciona-se também, conforme será discutido no próximo tópico, com o fenômeno
da medicalização da vida social.
Anteriormente, já apresentamos críticas a visões que reduzem aspectos do
comportamento humano à biologia ou à neuroquímica cerebral e à multicausalidade
como explicação dos processos de desgaste e reprodução, teoria esta que parece
ser a base de Seneff. Entretanto, sabe-se que os impactos dos usos de
agroquímicos são diversos, abrangendo todas as variações de insumos tóxicos
presentes na produção de alimentos, a saber, inseticidas, acaricidas, herbicidas,
fungicidas, nematicidas, bactericidas e vermífugos (PERES et al, 2003; MORIN,
2016). A exposição a esses venenos pode produzir doenças neurotóxicas, doenças
degenerativas, problemas cardiovasculares, doenças respiratórias, desregulação
endócrina, cânceres e toxicidade reprodutiva (PERES et al, 2003). Analisar as
determinações do uso de agrotóxicos propiciados pela chamada “revolução verde”
nos processos de saúde-doença em nossa sociedade certamente ultrapassa as
possibilidades deste trabalho, mas destacamos que suas determinações não se
esgotam apenas na possibilidade de desenvolvimento do autismo, sendo um
problema social de forte impacto que merece maiores investigações epidemiológicas
a nível nacional.

3.1.3. O DESGASTE E REPRODUÇÃO NA INFÂNCIA NO ENCONTRO COM AS


DIMENSÕES DA VIDA POLÍTICA E IDEOLÓGICA

Por fim, apresentaremos as determinações do autismo na sociedade atual


relacionadas com os domínios da vida política e ideológica, entendendo que estes
se articulam com a natureza dos processos de desgaste referentes ao diagnóstico
de autismo na infância. Destaque especial atribuímos ao fenômeno da iatrogênese
social, tal qual exposta por Illich (1975), entendida como uma expressão da
medicalização da vida.
Illich analisa os efeitos da má conduta médica enquanto efeito iatrogênico,
normatizando a vida, tendo como resultado a medicalização das categorias sociais.

106
Para o autor, os efeitos normatizadores da medicina empreendidos na sociedade
tornam-na menos sadia, agindo paradoxalmente contrária à sua proposição (ILLICH,
1975). Se, para a sociedade, tal mecanismo pode ser encarado enquanto paradoxo,
em essência mascara as necessidades da medicina industrial de garantir seu
público de consumo. Assim, podemos entender que a vida na sociabilidade
capitalista “não é mais uma sucessão de diferentes formas de saúde, e sim uma
seqüência de períodos cada qual exigindo uma forma particular de consumo
terapêutico.” (ILLICH, 1975, p. 43)
No que tange à infância, Illich (1975) expõe que a medicalização desse
período corrobora com a reprodução da sociedade de classes. O controle médico
tece sua normativa sobre a criança desde o período gestacional, interpelando a
relação entre parturiente e bebê (ILLICH, 1975), até a aferição no bebê de
determinados sinais de desenvolvimento, na busca de apreender potenciais riscos
psíquicos e doenças que a criança possa apresentar. A criança, assim como os
velhos e as pessoas com deficiência que não estão submetidos à esfera produtiva,
ganham um caráter de invalidação sobre sua situação social. A criança é então
submetida ao olhar do profissional que, partilhando determinadas concepções com a
sociedade, é o que confere e determina a relação do sujeito-paciente com a sua
experiência (ILLICH, 1975). E na medida em que o rótulo diagnóstico é apontado a
partir de uma anamnese e sobre o subjetivismo empírico de um profissional que
ocupou metade de uma hora com uma criança, mais ouvindo os responsáveis
acerca das carências na criança, tem-se a receita milagrosa rumo à dependência
dos meios médicos.
Nesse sentido, entendemos que projetos como a lei nº 13.438/19, longe de
garantirem direitos, solidificam a noção de preventivismo ao risco psíquico,
respaldando a medicalização dos comportamentos infantis e contribuindo para o
aumento do diagnóstico de autismo. Carbone et al (2020), numa investigação em
clínicas de estimulação precoce, afirmaram que cerca de 67% das crianças que
eram submetidas ao teste M-CHAT e tiveram seus exames positivos para a
possibilidade de autismo, tratavam-se de falsos positivos. Destarte, retomamos em

107
Illich (1975) a análise de que a investigação e intervenção precoce tornam a criança
um mero objeto para as atribuições do médico, este enquanto responsável, tornando
essa criança um consumidor de serviços para a vida. Longe de prevenir, tal
expressão da medicalização entrava quaisquer condições integralmente preventivas,
favorecendo o consumo de serviços de saúde especializados (ILLICH, 1975).
De outro modo, a medicalização social no contexto educacional pode
encontrar novos aliados favoráveis à segregação e à exclusão através da lei
10.502/20. Isso se deve ao fato de desresponsabilizar o Estado da obrigatoriedade
das políticas de inclusão nas instituições regulares de ensino. O projeto conta com
ambiguidades as quais já foram apresentadas neste trabalho, contudo, cabe
evidenciar que embora esse processo de segregação não seja em si uma
determinação que incide diretamente sobre as particularidades da criança tomada
como autista, a falta de assistências singulares mais adequadas para crianças que
demonstrem dificuldades de socialização e no uso da linguagem, como é o caso
daquelas diagnosticadas com autismo, pode interferir no olhar que os profissionais
escolares possam ter sobre essas dificuldades, sugerindo-se às famílias a busca por
profissionais que diagnostiquem e o possível encaminhamento para escolas
especiais. As dificuldades de aquisição de aprendizagem e desenvolvimento
humanizado em integralidade nesses espaços educacionais para a população com
deficiência, encontra outros limites na esfera da saúde, como os ataques à lei Paulo
Delgado (10.216/01) e demais políticas de saúde mental conquistadas com o
movimento pela reforma psiquiátrica. Ao passo que as condições humanizadoras e
distantes das medidas hospitalocêntricas, como o cuidado em liberdade, sofrem
ataques no Brasil, podemos esperar mais diagnósticos de transtornos mentais em
todas as etapas e períodos, crianças invalidadas por quadros patológicos
questionáveis e a cronicidade oculta pelo uso de fármacos e terapêuticas
normatizadoras.
Outro processo político e ideológico de merecido destaque é a Carteira de
Identificação Nacional de TEA, promulgada em 2020. Parece-nos indubitável que a
despeito das dificuldades enfrentadas por sujeitos autistas em acessar determinados

108
serviços, tal medida evidencia um caráter mais irrisório em termos de conquistas de
direitos à população.
A sociedade neoliberal empreende sobre os indivíduos valores de
competição e comparação que endossam concepções individualistas, valorando os
sujeitos que se “adaptam” enquanto “vitoriosos”, enquanto que os sujeitos que
expressam seus sofrimentos são tomados por “perdedores” (TIMIMI, 2020). Os
valores competitivos naturalizados na sociedade encontram seu reforço ideológico
através da produção e venda de imagens, como atestado por Harvey (2014) ao dizer
que uma das implicações e desafios nessa esfera da sociabilidade está posta na
relação atravessada pelas imagens na sociedade. Segundo Harvey (2014), o padrão
de flexibilidade fundamentado na pós-modernidade é dominado pelas categorias
ficcionais, pela imaterialidade, capital fictício, pela efemeridade, pelas imagens, pela
adoção a nichos de consumo, personificando noções de Ser flexível que vai além
das proposições de flexibilidade no âmbito do trabalho. Assim, aponta-se que a
sociabilidade contemporânea vincula-se às imagens, que tornaram-se mercadorias
capazes de reproduzir como simulacro as noções de poder e riqueza, a qual aponta
também noções de ser para os indivíduos tidos como “derrotados”; por não caberem
na rotulagem da vitória, buscam subterfúgios que concatenem sua experiência a
grupos sociais de pertencimentos, permeado por aspectos subjetivistas.
Martins (2007) atesta que o fenômeno da alienação atua em duplo vínculo
sobre os indivíduos, tanto de forma passiva quanto ativa. Nesse sentido, a alienação
produz a negação de uma relação consciente entre o indivíduo e a vida social, o que
revela uma condição submissa dos indivíduos sobre a sociedade. A alienação incide
na personalidade como uma mutilação, culminando na fetichização da personalidade
e seus comportamentos ritualizados, trazendo à tona para a personalidade uma
máscara da alienação. Nas palavras da autora:

A personalidade alienada, ou a alienação em seus níveis psicológicos,


expressa-se como se fosse um duplo da pessoa. Que pouco a pouco ocupa
seus gestos, suas reações, seus pensamentos e sentimentos, gerando a
muda aceitação, a resignação e o conformismo da pessoa ou o seu
fracasso, expresso em diferentes formas de sofrimento psicológico. Nesse

109
sentido é que a personalidade se converte numa pseudoconcreticidade,
numa máscara destinada a expressar papeis que as circunstâncias externas
exigem. (MARTINS, 2007, p. 133)

Entendemos que a proposta de uma carteirinha de identidade autista visa


apresentar em um documento a função social do diagnóstico, uma função social que
cumpre seu papel ao afirmar para o outro uma condição no mundo, de forma
inatista. Paralelo à lei, pode-se conceber que a noção de neurodiversidade também
engloba esse conjunto de aspectos próprios da teoria social pós-moderna. Enquanto
uma resposta conflagrada para afirmar sua condição subjetiva no mundo, a
neurodiversidade utiliza-se das mesmas categorias nosológicas da psiquiatria para
manifestar sua crítica à instituição médica, retroalimentando paradoxalmente tanto a
psiquiatria, quanto a cerebralização reificada na apreensão da subjetividade. Arce
(2004), ao retomar Duarte (1993), aponta que a alienação na pós-modernidade
favorece com que os indivíduos passem a centrar-se em um dos pólos da formação
da singularidade, o polo da particularidade, negando as vinculações e o
estabelecimento de uma relação consciente entre a singularidade e a genericidade.
Tais proposições endossam o caráter de um fetichismo da individualidade
presente nesta sociedade, nutridos pela reificação perpetrada pelas categorias
diagnósticas nos transtornos mentais. Timimi (2020) alerta para a comoditização das
classificações psiquiátricas enquanto valores de troca nos processos ideológicos
hegemônicos. Segundo o autor, a massificação das categorias psiquiátricas
configuram-se como marcas, produzindo assim uma variedade de produtos e
serviços para atender esses públicos, contando com a exportação de mercadorias
como livros, brinquedos, cursos para familiares, medicamentos e tratamentos
particulares. Longe de superar o problema e apreender as manifestações singulares
do sofrimento psíquico, a psiquiatria e sua expressão na sociedade captam as
expressões de tais características particulares e naturalizam a noção de que
“ninguém é normal” para que o fetichismo diagnóstico perpetue-se em solo fértil.

110
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, discutimos o fenômeno do autismo a partir das contribuições da


Epidemiologia Crítica ao buscar apreender os processos críticos presentes nos
modos de andar a vida de crianças e adolescentes na sociedade. Por meio de
análise bibliográfica, realizamos um esforço teórico a partir da lógica dialética,
entendendo que os indivíduos concretos singulares têm sua sociabilidade produzida
como síntese de múltiplas determinações. Assim, a sistematização de Breilh (2006)
da matriz dos processos críticos, mostra-se como importante ferramenta para captar
as determinações gerais sobre os domínios da vida de indivíduos em diferentes
grupos sociais e suas expressões singulares.
Partindo da análise teórica de Breilh (2006), os domínios desenvolvem-se de
modo contínuo e interpenetrado, a partir das esferas da vida produtiva, ideológica,
no consumo e na cotidianidade, na vida política e na relação com as condições
naturais. Desse modo, ao investigar o autismo na infância, temos que os processos
críticos (isto é, os processos de caráter social no encontro com as singularidades e
atuando sobre os indivíduos de modo destrutivo ou protetor) podem ter relação
determinante com o fenômeno são produto da reprodução social da vida,
conflagrando assim um determinado perfil epidemiológico.
Em nossa análise, assumimos a hipótese da existência de uma relação
dialética entre o aumento acentuado do diagnóstico de autismo e a esfera da
reprodução social em assegurar certos modos de andar a vida, por meio da
ideologia dominante, as relações sociais e a dialética distribuição-consumo. Desse
modo, entendemos que as características costumeiras do diagnóstico de autismo,
como o rebaixamento da linguagem, alterações na atenção, falta de empatia,
dificuldade nas interações sociais e comportamentos ritualísticos e/ou
estereotipados, não são meros frutos de um desenvolvimento neurológico atípico,
mas sim expressões particulares corroboradas pela vida dentro da sociedade e da
sociabilidade capitalista.

111
No esforço em relacionar a matriz proposta por Breilh (2006) e os domínios da
vida nas particularidades da infância de crianças diagnosticadas como autistas,
assinalamos alguns processos críticos. Acerca destes domínios, destacamos que,
apesar de a criança não estar inserida na atividade de trabalho, a centralidade do
mundo do trabalho corrobora para que os responsáveis pelas crianças passem
menos tempo disponível para os filhos, aliado à solidão dos cuidadores, sobretudo
as mulheres, em possuírem uma rede de apoio mais ampliada para garantir
assistência às crianças. As famílias vêm reduzindo seu número de integrantes e, de
mesmo modo, os espaços da sociabilidade da infância também são apresentados de
forma mais reduzida, o que reduz as possibilidades de vínculos sociais saudáveis
entre os pares nessas etapas de periodização. Desse modo, as mediações da
criança com o mundo encontram-se limitadas, ao passo que a sociedade apresenta
uma intensificação na compressão tempo-espaço determinado pela acentuação das
tecnologias na esfera produtiva e na vida cotidiana (HARVEY, 2014). Através do
desenvolvimento tecnológico, as crianças são apresentadas mais cedo e por tempos
prologandos a telas, jogos virtuais, informações midiáticas e algorítmicas que
coadunam para uma relação mais interessada entre os objetos tecnológicos em
detrimento dos vínculos sociais, quando os esforços da mediação entre adulto e
criança são mais reduzidos. O acesso às tecnologias favorecem uma redução das
dimensões do real para a criança.
Outras determinações significativas encontram-se na relação entre o mundo
social e a medicina. Esta segunda, no esforço em desenvolver-se continuamente,
passa a reger e normatizar a vida social, medicalizando comportamentos que
outrora foram tidos como condutas normais na infância e, por outro lado, acentuando
as noções preventivistas, culminando em rotulagens psiquiátricas sobre crianças
cada vez mais novas. A medicina passa a controlar toda a vida social, favorecendo
para que no ambiente escolar os problemas de comportamento e aprendizagem
sejam repaginados para transtornos. A medicalização, assim, pode ser apontada
como favorecendo a alienação no contexto escolar.

112
Apontamos que não podemos afastar a possibilidade de um radical biológico no
quadro de autismo, contudo, até o presente momento os estudos não são
conclusivos, apenas hipóteses fundamentadas na multicausalidade, afirmando
alterações neurais como causas, deixando de lado as possibilidades de que tais
alterações possam ser consequência de um dado fenômeno, de origem e essência
histórica e social. Esse esforço em buscar hipóteses biológicas, maturacionistas e
inatistas para os processos mentais quase nada explicam, apenas reforçam a noção
neoliberal de cisão entre os indivíduos entre os “vencedores” e “perdedores” e,
muitas vezes, justificam uma impossibilidade de desenvolvimento.
Sobre a noção de neurodiversidade, devemos apartar o prefixo “neuro” para
desvelar apenas a diversidade no tecido social. Apontar o desenvolvimento atípico
através desse conceito é abraçar a formação da personalidade como fruto apenas
das aparências, buscar respostas inatas e fixas para um fenômeno que é muito
maior: a desigualdade social perpetrada pelo capital. As singularidades, enquanto
fenômeno único e irrepetível, possuem expressões de vontade, motivação,
interesses e desejos múltiplos e diversos, que não se devem a uma cisão entre
neurotípicos e neuroatípicos. Mas a relação entre a teoria social pós-moderna e
seus subterfúgios subjetivistas encerram a história entre grupos e identidades, um
movimento muito maior e que é assimilado pelo movimento da neurodiversidade.
Nesse sentido, nos posicionamos criticamente a esse movimento, por assumir o
discurso psiquiátrico em seus pontos e vírgulas, ainda que revele, de outro lado, a
expressão de indivíduos que encontram-se em estranhamento em relação à
desigualdade perpetuada pelo capitalismo.
Apontamos que como esforços ulteriores nessa perspectiva de estudo, há
lacunas que necessitam ser superadas, como a falta de estudos relacionando a
incidência do diagnóstico nas crises de periodização na infância; sobretudo, parece-
nos importante investigar as etapas do ano zero até a transição para o jogo de
papéis. Destaca-se a necessidade de estudos empíricos sustentados pela
Epidemiologia Crítica que relacionem os processos críticos na infância e o fenômeno
de autismo. Outro ponto de merecido destaque no campo da antipsiquiatria e da

113
Saúde Coletiva, é a sistematização de um debate ontológico sobre os transtornos
mentais. E, por fim, cabe mencionar que se o modo de produção da reprodução
social da vida contemporânea é a base para o surgimento e a patologização de
crianças e adolescentes como autistas, transformar esta base é imperativo para
vislumbrar novos caminhos de socialização e as potencialidades dessas crianças e
adolescentes.
Pontua-se também que este estudo visa identificar como os modos de vida na
sociedade atual contribuem para o aparecimento das características diagnósticas do
autismo. Reconhecemos as dificuldades enfrentadas por mães, pais, educadores e
professores para contribuir com o desenvolvimento das crianças diagnosticadas
como autistas e, nesse sentido, não queremos culpabilizar indivíduos singulares.
Endossamos a necessidade de que as teorias psicológicas e pedagógicas possam
desenvolver formas de contribuir com o processo de desenvolvimento dessas
crianças e adolescentes, afastando-se das explicações neurológicas e biológicas,
pois além de não contribuírem para entender as múltiplas determinações desse
fenômeno (o que pode permitir agir sobre esses aspectos mais fundamentais na
produção do autismo) reduz as possibilidades de criação de estratégias pedagógicas
e psicológicas que favoreçam um desenvolvimento omnilateral.

114
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