Dissertação Tdah
Dissertação Tdah
Dissertação Tdah
FACULDADE DE MEDICINA
Botucatu
2017
Regina Célia dos Santos
Botucatu
2017
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM.
DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP
BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE-CRB 8/5651
Para Erick, João, Maria Clara, Miguel e Naiobi, sobrinhos amados, por deixar de brincar
com vocês em função da dedicação a essa pesquisa nas férias, finais de semana e feriados.
Para minha mãe que não conseguiu realizar seu sonho de fazer faculdade.
Agradecimentos
São muitas as contribuições das pessoas para realizar uma pesquisa de mestrado. Umas mais
relacionadas ao estudo, outras que nos fornecem amparo emocional, algumas têm os dois
aspectos. Pessoas são imprescindíveis e o poema faz alusão a esse princípio de coletividade
para nosso desenvolvimento.
À Lilian, Jéssica Rosa, Paula, Murici, amigas de perto, por nos fortalecermos juntas e pela
construção da mulher que cada uma quer ser.
À Suzana Marcolino, pela amizade e por provocar em mim o interesse pela Psicologia
Histórico-Cultural.
À Carol Takeda, Priscila, Simone Cecília, Carol Ladeira, Mafê, Renato, Durvalino e Adriana,
pela amizade sincera, um santo remédio.
Aos meus irmãos Ana, Júlio e Luiz por compartilharem tantas coisas boas da vida.
Especialmente, ao mano Paulo Cesar, por me incentivar no ingresso no mestrado e por
compartilhar comigo as correntes crítica da educação e da história. À Sheila, Juliane e
Ivonete. Também à Zenaide, pelas trocas carinhosas sobre nosso trabalho de ser professora. E
ao Janio, por ler o texto e incentivar minha escrita.
À minha mãe, dona Safira, por nos ensinar que o trabalho era um meio de sustento e de
sobrevivência em uma sociedade desigual. Para nos dar condições dignas de vida realizou
muitas atividades, cortando cana, varrendo rua, fazendo pão para vendermos, cozinhando e
limpando o chão de muitos patrões, mas jamais deixou que abandonássemos a escola, pois o
estudo, segundo ela, era algo bom e um meio de superar as duras condições impostas a nós,
que ainda tão pequenos tivemos que trabalhar para ter moradia e alimentação.
À Mariana Nastri, Miriam Malacize, Sonia Fiorentini, Charles e Rachel, que me ajudaram em
uma fase importante e de planejamento para ingresso no mestrado.
Ao Danilo Tebaldi, a quem sou imensamente grata pelo trabalho que tem feito comigo.
À professora Dionísia, pelo empréstimo de livros, pela amizade e pelo apoio psíquico aos
trabalhadores que sofrem assédio moral no trabalho.
Às professoras Juliana Pasqualini e Marilene Proença, que, por meio dos apontamentos na
banca de qualificação, me fizeram avançar na pesquisa. Agradeço, sobretudo, pelo
comprometimento, pois diante do contexto neoliberal de enxugamento dos recursos públicos
na educação, inclusive para deslocamento, se fizeram presentes na qualificação e na defesa,
possibilitando reflexões para o aprimoramento deste estudo.
À Juliana Caldas pela revisão do texto.
Aos
trabalhadores da UNESP, em suas diferentes atividades e locais de trabalho: da biblioteca; da
pós-graduação; da central de aulas; os docentes, que me possibilitaram os meios para que
realizasse este mestrado e esta pesquisa.
Aos trabalhadores das Unidades Básicas de Saúde e das escolas públicas que se dispuseram a
participar da pesquisa, fornecendo dados e os relatos das entrevistas. Em alguns locais fui
muito bem recebida e percebi que fizeram esforços para que meu trabalho pudesse ser
realizado. Sou muito grata!
À orientadora Sueli Terezinha pelo modo como nos orienta em nossas pesquisas, pelo respeito
com nossos processos, sendo paciente e dedicada a cada dificuldade que encontramos no
percurso da pesquisa. Sou grata pelo que aprendi e pela sua escolha comprometida e afetiva
de ensinar.
“19 de Novembro de 1957
Deixei que passasse um pouco o movimento que me envolveu todos esses dias antes de vir-
lhe falar de coração aberto. Acaba de me ser feita uma grande honra que não busquei, nem
solicitei. Mas, quando eu soube da novidade, meu primeiro pensamento, depois de minha
mãe, foi para você. Sem você, sem essa mão afetuosa que você estendeu ao menino pobre que
eu era, sem seu ensino, sem seu exemplo, nada disso teria acontecido. Eu não faço questão
dessa espécie de honra. Mas essa é ao menos uma ocasião para dizer-lhe o que você foi e é
sempre para mim, e para assegurar-lhe que os seus esforços, o seu trabalho e o coração
generoso que você coloca em tudo que faz, sempre de maneira viva com relação a um de seus
pequenos discípulos que, não obstante a idade, não cessou jamais de ser seu aluno.
Albert Camus”1
1
Carta de Albert Camus ao seu professor de escola primária após ser nomeado vencedor do
prémio nobel de literatura em 1957.
Resumo
In our study, we discuss the Medicalization of childhood, understood as a process that has
been transforming questions that are historical-social in origin into merely biological
questions. Due to the connection with the pharmaceutical industry and the biomedical field,
different disorders are disseminated, concealing expressions of suffering and difficulties of
going through life created by life conditions in capitalist society.
The Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is among them, and is, according to
the biomedical literature, more common throughout childhood, attributing a genetic cause in
which the brain is reputed to be the origin of hiperactivity and inattention behavior. Even
though this biomedical conception is hegemonic, there are studies showing the evolution of
referrals from children schools to health units. These studies criticize the raise of diagnosis of
this disorder during childhood, and point out that this phenomenon has a close link with the
biomedical conception and the pharmaceutical industry, a relationship based on medication
propagation and construction of diagnosis, resulting in the medicalization of childhood. In our
study, we consider the ADHD phenomenon a health-illness process, questioning, thus, the
subjacent conception of the disorder's biological determinism. According to the cultural-
historical psychology postulates adopted in our research, the biological-social relationship is
defined as an inseparable unity in the development process, therefore, the attention and the
human behavior are developed by the biological-social unity, in other words, the biologistic
framework is dismounted. Our objective was to analyze the meanings about diagnosis and
treatment in children allegedly bearer of ADHD, starting with the speeches of education
workers and primary health care workers. And this way we aim to understand how these
workers explain the determinations of this disorder and its expressions in the education and
health fields that have been leading to the medicalization of the childhood. We conducted the
research in two basic health units (BHU) and three public schools, from elementary school to
secondary education. On the first phase of the research, a questionnaire was applied,
participant observation was conducted, and collection of data, informations about the local of
research and conversations with the participants, registered in a field journal, was performed.
On the second phase, we conducted semi-structured interviews with three workers from the
education sector and four workers from the health sector for the construction of the nuclei of
meanings, which constitutes the methodological proposition of analysis of this research. The
nuclei of meanings from education workers were delimited as: a) Rowdy and inattentive
children that don't learn, children allegedly bearer of ADHD; b) Education: between work's
liking and distress; c) The nature of pedagogical work traversed by the biomedical field; d)
When the learning disability is not normal. And from the workers from the health sector
emerged the following nuclei: a) ADHD characterizing children's behavior as learning
deviations; b) From pre-diagnosis to diagnosis; c) From hyperactive and “unfocused” gaze
to pharmacological treatment; d) The misbehaved child, that doesn't learn. The analysis of
meanings indicates that the biomedical discourse penetrated the school space in order to
explain the causes of learning difficulties and that 1) even though the education workers
affirm their interest in the educational activity, there is an indicative that the conditions and
intensification of work have been facilitating the institution of this discourse; 2) when the
ADHD expressions in the education and health sectors were analyzed, the biological
explanation was verified as preponderant, which attributes agitated, hyperactive and
inattentive behavior to a brain flaw, disregarding the mediation relations of the act of
educating. In other words, children that should be being educated are being medicalized. 3)
Even though this discourse is preponderant, it was socially verified that in the education field
this understanding of ADHD is vague and riddled with doubts, and in the health field there is
no consensus about the diagnosis; they reveal that there is exclusivity of medical diagnosis,
disregarding other fields and practices of knowledge on the treatment, like those of
psychology and phonoaudiology.
With this research, we conclude that there is a task to be performed regarding the act of
educating and that it requires the understanding and overcoming of biological explanations of
the development and learning processes, conceiving, thus, that attention and regulated
behavior evolve through social mediation and not as a biologically determined phenomenon.
APRESENTAÇÃO................................................................................................................... 15
1. DA MEDICALIZAÇÃO DA VIDA À MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA ................... 18
2. TDAH: UM FENÔMENO BIOLÓGICO OU HISTÓRICO – SOCIAL? ........................... 39
3. O DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO E DA REGULAÇÃO DA CONDUTA,
SUPERANDO O DETERMINISMO BIOLÓGICO ................................................................ 48
4. OBJETIVOS ......................................................................................................................... 64
5. MÉTODO ............................................................................................................................. 65
5.1 Local da pesquisa ...................................................................................................... 67
5.2 Participantes .............................................................................................................. 67
5.3 Procedimentos do trabalho em campo ...................................................................... 69
5.4 Análise dos resultados ............................................................................................... 71
5.5 Aspectos éticos .......................................................................................................... 76
6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS............................................................... 78
6.1 Contextualização dos locais de pesquisa................................................................... 78
6.2 Sistematização dos dados da primeira etapa da pesquisa......................................... 80
6.2.1 Trabalhadores das escolas............................................................................. 81
6.2.2 Trabalhadores das Unidades de Saúde ......................................................... 86
6. 3 Análise das entrevistas ............................................................................................ 89
6.3.1 Caracterização dos participantes.................................................................. 90
6.3.2 Núcleos de significação – Trabalhadores da área da educação .................... 93
I Bagunceiras e desatentas que não aprendem, supostamente crianças portadoras
do TDAH ............................................................................................................... 93
II Ensino: entre o gostar e a angústia no trabalho ................................................. 97
III A natureza do trabalho pedagógico atravessada pelo campo biomédico ...... 102
IV Quando a dificuldade da aprendizagem não é normal.................................... 105
6.3.3 Núcleos de significação dos trabalhadores da saúde .................................. 110
I TDAH caracterizando o comportamento da criança como desvios de
aprendizagem ....................................................................................................... 111
II Do pré-diagnóstico ao diagnóstico .................................................................. 115
III De hiperativas e olhar “sem foco” ao tratamento medicamentoso ................. 121
IV A criança que não se comporta, que não se educa ........................................ 123
6.4 Diferenças e semelhanças das significações sobre TDAH entre os trabalhadores da
saúde e educação ........................................................................................................... 128
7. CONCLUSÃO: PELA DEFESA DO ATO DE ENSINAR ............................................... 133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 135
APÊNDICES .......................................................................................................................... 142
15
APRESENTAÇÃO
pesquisa e interpretação teórica dos dados, tendo como método de análise a Psicologia
Histórico-Cultural, fundamentada no materialismo histórico e dialético.
De modo a elucidar como se dá esse processo de medicalização da infância
organizamos a discussão do primeiro capítulo da dissertação com vista a apresentar as
concepções biomédicas que fundamentam o TDAH e as concepções críticas que discutem as
relações históricas do processo de patologização da vida e que, em consonância com os
interesses econômicos da indústria farmacêutica, vem sendo aprofundado. Portanto requer ser
analisado a partir das relações de produção na sociedade capitalista.
Considerando que para a infância o fenômeno TDAH é a expressão mais
importante desse processo, nos propomos a debater a partir da questão: Um fenômeno
biológico ou histórico – social? Em nosso estudo identificamos que as explicações sobre
esse transtorno se dividem em dois campos de concepções. Um campo reúne fundamentos
sobre o transtorno como determinação biológica, isto é, explicado como falha no cérebro que
tem origem genética. A criança nasceu com essa predisposição a desenvolver tal patologia. O
outro reúne estudos críticos que questionam o viés meramente biológico e apresentam um
conjunto de elementos que afirmam ser um transtorno controverso que tem levado a uma
crescente medicalização das crianças.
Convergimos com análises elaboradas para além dos sintomas a ele relacionados.
Sendo esses sintomas atribuídos a uma patologia da aprendizagem e por afirmar o diagnóstico
em crianças trazem implicações para ocultação as questões complexas da educação escolar.
Assim, a partir da compreensão do transtorno como um fenômeno histórico-
social, nos propomos a explicar como a atenção e o comportamento regulado da criança é
desenvolvido por meio de mediações sociais. E desse modo, nos opomos a abordagens
biologicistas do campo biomédico que propaga a crença de que a falta de atenção e o
comportamento não regulado na criança decorre de uma falha ou déficit cerebral. E
consequentemente, essa visão implica em desinvestimento pedagógico na criança já que a
criança só obterá atenção e controle do corpo por meio farmacológico.
Diante os objetivos elencados para pesquisa organizamos a sua realização em duas
etapas em que os dados coletados e os relatos dos trabalhadores da educação e da saúde,
através das entrevistas realizadas nas escolas e unidades de saúde, permitiram compreender as
significações que esses trabalhadores atribuem ao conhecimento e diagnóstico do transtorno,
bem como o tratamento.
18
Com isso ressaltamos que a medicalização não é sinônimo de medicar, pois esta é
uma prática médica histórica. Em nosso estudo discutimos a medicalização como um conceito
que se refere a um processo que vem se impondo no modo de explicar e conduzir a vida,
19
sendo que esse processo pode ou não se utilizar da prescrição medicamentosa. É certo que
para compreender o processo de medicalização destacamos o importante papel da indústria
farmacêutica na produção de medicamentos e propagação de transtornos ao explicar as
dificuldades da vida como um limite do corpo biológico.
O campo biomédico, para Tesser (2006b), exerce suporte científico e clínico para
o processo de medicalização, no entanto, Almeida e Gomes (2014) afirmam que é justamente
por ter avanços científicos referentes a tratamentos e cura que a legitimidade desse campo é
facilmente instituída como prescrições para o modo de conduzir a vida.
2
Segundo Collares e Moysés (1994, p.26), “mais recentemente, com a criação/ampliação de campos do
conhecimento, novas áreas, com seus respectivos profissionais, estão envolvidas nesse processo. São psicólogos,
fonoaudiólogos, enfermeiros, psicopedagogos que se vêm aliar aos médicos em sua prática biologizante. Daí a
substituição do termo medicalização por um outro mais abrangente - patologização -,uma vez que o fenômeno
tem-se ampliado, fugindo dos limites da prática médica.”.
24
Dos serviços públicos cada vez mais privatizados, até o turismo, no qual o
“tempo livre” é instigado a ser gasto no consumo dos shoppings, são
enormes as evidências do domínio do capital na vida fora do trabalho, que
colocam obstáculos ao desenvolvimento de uma subjetividade autêntica, ou
seja, uma subjetividade capaz de aspirar a uma personalidade não mais
particular nem meramente reduzida a sua “particularidade”. A
alienação/estranhamento e os novos fetichismos que permeiam o mundo do
trabalho tendem a impedir a autodeterminação da personalidade e a
multiplicidade de suas qualidades e atividades. (ANTUNES; ALVES, 2004,
p. 349, grifo dos autores)
Esses exemplos e muitos outros nos fazem refletir sobre o que é normal e
anormal, patológico e saudável, doença e saúde, doença mental e saúde
mental e sobre a ideologia subjacente à formulação, formatação e adoção dos
compêndios empíricos DSMs produzidos pela psiquiatria. (SENA, 2014, p.
103)
longo do tempo. A sociedade dividida em classes, que se estrutura pela desigualdade social,
ora isola os sujeitos do convívio social, classificando-os como loucos, ora medicaliza a
propagação dos transtornos, ampliando os limites patológicos. Desse modo, podemos
entender a segregação e o processo de medicalização como atos e prescrições realizados pelas
sociedades economicamente e socialmente desiguais e que se constituem como práticas de
violência e silenciamento dos sujeitos por meio de instituições.
3
Para Antunes e Alves (2004), “trabalhadores” são aqueles que vivem da venda da força de trabalho,
independente de qual ramo, englobando, inclusive, os que estão no trabalho informal.
30
como Venvanse®, produzido pela Shire.4 Outra substância aprovada para o tratamento do
TDAH é Atomoxetina, princípio ativo da Stratteran®, fabricado pela Eli Lilly. (FÓRUM
SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E SOCIEDADE, 2015).
4
Conforme relato em entrevistas com professores, os medicamentos Ritalina® e Concerta®, com princípio ativo
do metilfendidato, podem ser fornecidos pelo SUS, desde que mediante receita médica, inclusive o recente e
mais caro Venvanse®.
34
Portanto, a criança mais agitada, mais inquieta e que não consegue aprender é
classificada como portadora de um transtorno. O investimento educacional ao invés de ser
dado na ênfase da relação humana entre professor e aluno, é alterado pelo uso do fármaco,
que é prioritariamente eleito como a solução diante das dificuldades de indisciplina na escola
e do controle do comportamento das crianças. Ou seja, quem não se comporta como esperado
e não tem sua atenção focalizada é diagnosticado como alguém que tem uma alteração
fisiológica ou química no cérebro. No entanto, essa escolha afeta a formação da subjetividade
da criança, pois atua no modo como ela se vê e como é vista socialmente.
(2015), crianças que deveriam apenas ser educadas estão sendo medicalizadas. No capítulo
seguinte investiremos em compreender o denominado transtorno a partir dessa questão:
TDAH é um fenômeno biológico ou histórico- social?
39
Do mesmo modo que Rossi e Rodrigues (2009) dão ênfase aos sintomas na
caracterização do TDAH, Azevedo, Caixeta e Mendes (2009) realizaram estudos de caráter
epidemiológico no campo da neuropsiquiatria infantil e reiteram que o diagnóstico é
essencialmente clínico e são observados comportamentos de desatenção, de hiperatividade e
de impulsividade, avaliados no ambiente escolar e relatados pela família.
autores, a nomeação e classificação tão precoce do indivíduo como uma pessoa doente, que
não é “normal”, em que a criança é incapaz de realizar atividades sem uso de medicamento,
pode afetar sua autoimagem.
Em pesquisas efetuadas por Eidt (2004; s/d) e Eidt e Tuleski (2010), destaca-se o
crescente uso do metilfenidato no tratamento do transtorno e, segundo Moysés (2013a;
2013b), não há estudos sobre os efeitos e futuras consequências do seu uso em crianças.
Porém, a recente publicação do Ministério da Saúde (BRASIL, 2015) cita o levantamento
feito pelo Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo
(CVS/SES/SP) nos 553 casos notificados do uso do metilfenidato. Foi analisado que o uso do
medicamento em crianças menores de seis anos causou reações de sonolência, lentidão de
movimento e atraso no desenvolvimento. Outros eventos cardiovasculares, entre taquicardia e
hipertensão, e transtornos psíquicos, depressão, psicose, além de dependência do
medicamento. Distúrbios neurológicos também foram observados como reações, discinesia,
espasmos e contrações musculares involuntárias.
Outra pesquisa que teve como referência o DSM foi realizada por Vasconcelos et
al (2003) em uma escola pública do ensino básico, no município de Niterói – RJ. Professores
e familiares (responsáveis pelas crianças) preencheram um questionário de 18 sintomas
definidos a partir do DSM- IV e se obteve uma prevalência de 17% para o diagnóstico de
TDAH em um total de 403 crianças.
5
Diferentes traduções apresentam formas distintas na grafia do nome do autor. Neste trabalho, utilizaremos
Vigotski quando nos referirmos ao autor sem referência a uma obra específica e, quando estiver vinculado a uma
obra, será mantida a grafia da publicação.
49
Adotamos como nosso referencial os estudos formulados por Luria (1979; 1991),
Vygotski (1931/1995), Vigotski (1934/2010) e Leontiev (1978a, b, c), que ao questionarem a
determinação biológica das funções psíquicas nos ensinam como se dá o desenvolvimento da
atenção e o domínio da conduta na criança, entendendo-os como processos sócio-históricos do
desenvolvimento.
[...]
52
3.1 Atenção
A atenção foi definida por Luria (1991) como uma das funções psíquicas mais
importantes da atividade consciente por ter a incumbência de selecionar estímulos essenciais
para a atividade.
6
“La tarea de toda teoría científica consiste precisamente en analizar las relaciones fundamentales que existen
entre el medio y el organismo”.
53
7
“La historia de la atención del niño es la historia del desarrollo de su conducta organizada. Es una historia que
comienza desde el momento en que nace. La atención primaria corre a cargo de los mecanismos nerviosos
heredados que organizan el transcurso de los reflejos según el principio de la dominante conocido por la
fisiología. De acuerdo con ese principio, el factor organizador en el funcionamiento del sistema nervioso es la
existencia de un foco de excitación principal que inhibe el curso de otros reflejos y se refuerza a costa de ellos.
En el proceso nervioso dominante se engendran las bases orgánicas de aquel proceso de la conducta que recibe el
nombre de atención”.
55
quando o autor explica a atenção nos primeiros dias de vida. Se ela surge enraizada pela
estrutura orgânica, gradualmente vai sendo determinada pelo social. Vejamos como isso é
discutido pelo autor:
8
“Vemos, por lo tanto, que el desarrollo de la atención del niño, desde los primeros días de su vida, se encuentra
en un medio complejo formado por estímulos de un doble género. Por un lado, los objetos y los fenómenos
atraen la atención del niño en virtud de sus propiedades intrínsecas; por otro, los correspondientes estímulos-
catalizadores, es decir, las palabras orientan la atención del niño. Desde el principio, la atención del niño está
orientada. Primero la dirigen los adultos, pero a medida que el niño va dominando el lenguaje, empieza a
dominar la misma propiedad de dirigir su atención con respecto a los demás y después en relación consigo
mismo”.
56
9
“El desarrollo cultural de la atención comienza también, en el estricto sentido de la palabra, en la más temprana
edad del niño, cuando se produce el primer contacto social entre él y los adultos de su entorno. Al igual que todo
desarrollo cultura! es, al mismo tiempo, social.
El desarrollo cultural de cualquier función, incluida la atención, consiste en que el ser social en el proceso de su
vida y actividad elabora una serie de estímulos y signos artificiales. Gracias a ellos se orienta la conducta social
de la personalidad; los estímulos y signos así formados se convienen en el medio fundamental que permite a!
individuo dominar sus propios procesos de comportamiento”.
57
10
“Así es como se desarrolla el lenguaje, el pensamiento y todos los demás procesos superiores de la conducta.
De igual modo sucede con la atención voluntaria Al principio, es el adulto quien orienta la atención del niño con
sus palabras, creando una especie de indicaciones suplementarias, algo así como flechas, sobre los objetos de su
entorno, elaborando con ellas poderosos estímulos indicadores. Luego es el niño quien empieza a participar
activamente en tales indicaciones y es él mismo quien utiliza la palabra o el sonido como medio indicador, es
decir, orienta la atención del adulto hacia el objeto que le interesa”.
59
11
“Nos detendremos muy brevemente en un fenómeno muy complejo, denominado vivencia del esfuerzo, que
resulta incomprensible desde el análisis subjetivo. ¿Cómo aparece, desde dónde llega a la atención voluntaria? A
nuestro entender, el esfuerzo se debe a una actividad suplementaria compleja que calificamos como dominio de
la atención. Tal esfuerzo, naturalmente, no existe donde el mecanismo de la atención comienza a funcionar
automática mente. Hay en la vivencia del esfuerzo procesos suplementarios, conflictos y luchas e intentos de
orientar los procesos de la atención en otro sentido, y sería un milagro que todo ello sucediera sin desgaste de
fuerzas, sin un serio trabajo interno del sujeto, de un trabajo que puede medirse por la resistencia que encuentra
la atención voluntaria”.
12
“Llegamos a la siguiente interpretación de los procesos de la atención voluntaria. Esos procesos deben
estudiarse como una cierta etapa en el desarrollo de la atención instintiva, con la particularidad de que las leyes
generales y el carácter de su desarrollo coinciden plenamente con lo que pudimos establecer para otras formas de
desarrollo cultural de la conducta. Podemos decir, por lo tanto, que la atención voluntaria es un proceso de
atención mediada arraigada interiormente y que el propio proceso está enteramente supeditado a las leyes
generales del desarrollo cultural y de la formación de formas superiores de conducta. Eso significa que la
atención voluntaria, tanto por su composición, como por su estructura y función, no es el simple resultado del
60
desarrollo natural, orgánico de la atención, sino el resultado de su cambio y reestructuración por la influencia de
estímulos-medios externos”.
13
“La transformación del material natural en forma histórica es siempre un proceso de cambio complejo del
propio tipo del desarrollo y no una simple transición orgánica. La conclusión principal que podemos hacer de la
historia del desarrollo cultural del niño con referencia a su educación, consiste en que ésta ha de salvar una
cuesta allí donde veía antes un camino llano, que debe dar un salto allí donde pensaba que podía limitarse a dar
un paso. El mérito principal de las nuevas investigaciones consiste precisamente en haber puesto de manifiesto
un panorama complejo allí donde antes se veía uno sencillo”.
61
14
“La historia del desarrollo cultural del niño debe estudiarse al igual que el proceso vivo de la evolución
biológica, en analogía con la aparición gradual de nuevas especies animales y la desaparición, durante la lucha
por la existencia, de especies viejas, con el curso dramático de la adaptación de los organismos vivos a la
naturaleza. El desarrollo cultural del niño sólo puede ser comprendido como un proceso vivo del desarrollo, de
formación, de lucha y, en ese sentido, debe ser objeto de un verdadero estudio científico. Al mismo tiempo, ha
de introducirse en la historia del desarrollo infantil el concepto de conflicto, es decir, de contradicción o choque
entre lo natural y lo histórico, lo primitivo y lo cultural, lo orgánico y lo social”.
62
[...]
Este estudo, portanto, realizado pelos autores supracitados, traz elementos teórico-
práticos para a educação escolar e alternativas à vigência medicalizante na educação que
tende a direcionar na criança suas dificuldades em aprender, responsabilizando-a por essa
dificuldade. Diferentemente disso, esses autores contribuem para que observemos as relações
e propostas pedagógicas.
Leite (2015, p.160) adverte que o papel da escola deve ter como finalidade a
superação dos comportamentos hiperativos e desatentos, não servir como um ambulatório que
antecede o diagnóstico feito pelos médicos. Por meio do ensino sistematizado, “a criança pode
ganhar recursos internos para modificar sua conduta”, isto é, o domínio da conduta é educado,
mediado pelas relações, sendo requerido um trabalho educativo para que os alunos sejam
63
“capazes de regular a própria conduta”. Sendo papel da escola por meio do ensino
sistematizado “formar a personalidade do aluno, daquilo que determina seu comportamento
(valores, motivos, objetivos) e isto não é garantido por qualquer atividade senão a atividade
de estudo formativa”.
4. OBJETIVOS
5. MÉTODO
levado a um número crescente de crianças medicadas por esse transtorno, não o entendendo
apenas como mais uma patologia. Busca-se, portanto, compreender as relações materiais,
sociais e culturais de constituição sócio-histórica da infância hoje em instituições como a
escola e os serviços de saúde, inseridas em uma dada realidade objetiva que se relaciona e
produz a subjetividade da criança.
Para tanto, nos afirmamos em Laurell (1982) quando argumenta que o processo
saúde-doença é de natureza social e relacionado de modo articulado a outros processos
sociais, políticos e econômicos. A análise ora apresentada será feita a partir de sujeitos
concretos, em que o problema da saúde-doença não se limita apenas à determinação biológica.
Como nos apresentam Skalinski e Praxedes (2003, p. 308):
E é para essa perspectiva que nosso estudo converge, apresentando uma análise
crítica do TDAH e da medicalização da infância. Desse modo, os elementos evidenciados na
análise numa perspectiva do materialismo histórico compõem uma rica totalidade de
determinações a serem vistas em movimento. Foi o que Marx (1859/1978) pretendeu revelar
sobre o equívoco das visões idealistas que não se pautam pela análise dos elementos da vida
concreta. Ao discutir população em sua obra Crítica da Economia Política, divergiu da visão
dos idealistas da Economia Política, que desconsideraram em seus estudos os elementos da
divisão de classes, do trabalho assalariado e do capital. Sendo que para Marx (1859/1978, p.
116), o método deve revelar “uma rica totalidade de determinações e relações diversas” do
fenômeno.
67
A pesquisa foi realizada em duas Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo que
em uma delas havia o programa Estratégia Saúde da Família (ESF), e em três escolas públicas
que atendem crianças matriculadas em creche, pré-escola, ensino fundamental I e II na região
norte de um município do Centro-Oeste Paulista, estado de São Paulo, que, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano 2016 teve a população estimada
em aproximadamente 141 mil habitantes.15
5.2 Participantes
15
Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
68
profissionais da escola e da saúde desenvolvem com essas crianças e que por isso se
constituem como fontes orais para a análise pretendida.
Além disso, outro meio para obtenção de dados da pesquisa nessa etapa se deu
pela observação dos trabalhadores da educação e saúde nos diferentes momentos de contato
com eles. As informações e impressões observadas foram registradas em diário de campo.
70
Todos os contatos, conversas realizadas, idas nas escolas e nas unidades de saúde
foram relatados em diário de campo, como instrumento de registro de observações, dados e
informações no trabalho da pesquisadora.
Para Schraiber (1995), a entrevista como instrumento de pesquisa é uma fonte oral
e de ampliação do registro que revela as representações dos sujeitos em torno da temática da
pesquisa. Além da entrevista, e de modo complementar, fizemos uso da observação
participante, registrando em diário de campo materiais, a serem apresentados neste estudo
como mais uma possibilidade no trajeto investigativo.
Quanto à análise dos dados coletados por meio das entrevistas, investimos na
apreensão de núcleos de significação como proposto por Aguiar e Ozella (2006; 2013). A
partir do material produzido pelas entrevistas, a pesquisadora teve como tarefa extrair
conteúdos mediante os objetivos da pesquisa e organizar o material para constituição dos
núcleos de significação abstraídos nas falas dos sujeitos. É nesse sentido que a proposta de
nucleação de significações, extraídas dos conteúdos das falas desses sujeitos, expressa os
significados que são atribuídos à existência do fenômeno pesquisado, ou seja, por meio da
análise do discurso dos trabalhadores, revela-se mediações sociais e econômicas.
Desse modo, este movimento analítico interpretativo não deve ser restrito à
fala do informante, ele deve ser articulado (e aqui se amplia o processo
interpretativo do investigador) com o contexto social, político e econômico,
permitindo o acesso à compreensão do sujeito na sua totalidade. (AGUIAR,
OZELLA, 2013, p.311)
[...] sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem
várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas
zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e,
ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata. O significado, ao
contrário, é um ponto imóvel e imutável que permanece estável em todas as
mudanças de sentido da palavra em diferentes contextos. (VIGOTSKI,
1934/2010, p. 465)
Essa etapa de organização dos conteúdos das falas dos trabalhadores nos deu uma
quadro de possibilidades denominado de pré-indicadores e indicadores, conforme exemplo
realizado a partir de uma entrevista (Apendice F). Essa etapa antecipa a constituição dos
núcleos de significação, explicitando através de quadro como o estudo analítico foi feito, em
que é exposto o processo e o movimento do sujeito sobre a temática TDAH e medicalização.
pesquisadora, pois conforme propõem Aguiar e Ozella (2006, 2013), o trabalho analítico é um
exercício de interpretação do discurso do participante. No entanto não é uma interpretação
aleatória, sempre será uma interpretação mediada pelos objetivos elencados na pesquisa e a
perspectiva teórica adotada. Do empírico ao interpretativo do sujeito em um contexto sócio-
historicamente determinado. (AGUIAR, OZELLA, 2013, p.310).
Após definição dos indicadores mais uma vez retomamos a leitura de todo
material que deu início a etapa de nucleação, ao passo que os núcleos foram sendo definidos e
nomeados de acordo com algumas expressões e palavras ditas pelos participantes.
essas trabalhadoras têm sobre a relação com as famílias é de que se mostram gratas ao
trabalho realizado pela escola. (Diário de campo, 11 de agosto, 2015).
Apesar dessas escolas, 1 e 2, estarem localizadas no mesmo bairro, têm visões
divergentes sobre as famílias. A coordenação da escola 2 afirmou que a maioria das famílias
era “desestruturada”, mostrando uma percepção de que há pouco o que fazer com essas
crianças.
Outro fato que chamou nossa atenção na escola 1 quando coletamos os dados, é
que estavam organizando a festa da família, porque na opinião da coordenadora e da diretora
o rearranjo familiar estava sendo modificado e que, portanto, organizar festas para o dia das
mães e/ou dia dos pais não era, na opinião delas, a representação familiar de todas as crianças.
Sendo assim, a festa da família representava todos os tipos de família, da criança que vivia
com a avó e ou da criança que vivia com duas mães ou dois pais. (Diário de campo, 10 de
setembro de 2015)
A Escola 3, segundo informação dada pela diretora, está localizada em um bairro
onde os moradores têm condição econômica mais favorecida em comparação a outros bairros
da cidade. Observamos que no entorno da escola há oferecimentos de serviços e
equipamentos públicos como o parque e áreas de lazer. É um bairro com mais proximidade da
região central da cidade e de centros culturais da prefeitura para a juventude.
Outro elemento destacado pela coordenação da escola 3 é de não havia
dificuldades de trabalho com a população atendida, pois segundo ela havia um trabalho de
parceria feito com as famílias, já que estava lotada nessa unidade escolar há mais de 10 anos.
A UBS próxima a essa escola oferece alguns serviços tal como o atendimento em
saúde da criança, contando com profissionais de várias especialidades.
referem ao sexo, tempo de trabalho, idade e formação. Outros participantes da pesquisa que
também preencheram o questionário, ou com quem conversamos, não foram agregados para
essa caracterização, uma vez que optamos por selecionar apenas os trabalhadores que
realizavam trabalho com crianças de 5 a 10 anos.
Diretoria 2 2 Pedagogia
Fonoaudiólogo 1 1 Fonoaudiologia
Médico 4 1 3 Medicina
Psicólogo 1 1 Psicologia
Psicopedagogo 1 1 Psicopedagogia
ajuda, mas quando isso acontece, procuram [UBS de referência]”. 16 Embora identifique o
comportamento mais agitado e faz suposições de que são crianças que precisam de ajuda da
saúde, nos parece que não é uma diretriz do trabalho dela avaliar a criança e encaminhar para
a saúde para averiguar diagnóstico de TDAH.
Outro elemento nos pareceu importante se refere à discussão realizada no HTPC
dessa escola. Elas debatem mais entre si, do que percebi nas outras reuniões das outras
escolas.
Na escola 2 após algumas conversas realizadas com a coordenadora pedagógica
do Ensino fundamental I pontuou que o assunto de nossa pesquisa deveria ser discutido com a
psicopedagoga que comparecia na escola uma vez por semana e agendou um dia para que
pudéssemos participar do HTPC. A psicopedagoga forneceu informações para a pesquisa,
bem como relatou seu trabalho em duas escolas e como a rede municipal de ensino concebe o
seu trabalho, conforme reposta à questão 3 “ Investigação, atendo alunos que apresentam
dificuldades e transtornos de aprendizagem, avaliação, intervenção, encaminhamentos,
orientações”17.
Essa trabalhadora foi contratada pela prefeitura em 2014 para atender duas escolas
da rede e realizar um trabalho de identificação das crianças com dificuldades de
aprendizagem, especificamente para avaliar se há algum problema associado que necessita de
encaminhamento para averiguação médica. Seu trabalho é realizado junto à coordenação de
um núcleo de apoio que tem cinco psicopedagogas e uma psicóloga que coordena e atende os
casos de dificuldades de aprendizagem.
A psicopedagoga se desloca semanalmente para essa escola para acompanhar as
crianças que estão em uma lista previamente feita pela coordenação pedagógica e pelos
professores. A partir desta lista ela verifica se há alguma criança com dificuldade de
aprendizagem que requer orientação aos professores de como proceder com essa criança e
orientação às famílias. É por meio de “provas piagetianas” realizada pela criança com
orientação da profissional, que a mesma identifica se essa criança precisa ser encaminhada
para um serviço de saúde de neuropediatria que tem como objetivo diagnosticar o transtorno
de aprendizagem. A supervisão desse trabalho é feita por uma psicóloga, que em conjunto
16
5 ) Conheceu ou conhece alguma criança diagnosticada com TDAH em sua unidade escolar ou unidade de
saúde que recebe tratamento? Tem alguma relação de trabalho com essa criança, como por exemplo, é sua aluna,
ou frequenta essa escola?
6) Sabe nos informar quais situações que levaram a identificação e diagnóstico do TDAH?
17
3) Atualmente desempenha quais atividades? Com qual série do fundamental I, se for professor (a)?
84
18
4) Durante o período em que desenvolveu seu trabalho, na sua profissão, identificou uma criança ou mais
considerada como indisciplinada, hiperativa ou desatenta e encaminhada para o serviço de saúde? Quantas?
85
agente comunitária (ACS) alega que acreditava que não era exatamente a existência do
transtorno na criança, mas sim a falta de limites que os pais têm dificuldade de colocar na
educação dos filhos e que isso levava às dificuldades ligadas ao comportamento da criança.
(Diário de campo, 21 de agosto, 2015)
Embora esses trabalhadores não atuem diretamente na realização do diagnóstico e
tratamento das crianças têm percepções desse tema. As auxiliares de enfermagem e a
coordenadora, também enfermeira, já atenderam crianças com o diagnóstico de TDAH, mas
só realizam ações de puericultura, avaliação antropométrica, vacina e medição de peso e
altura. Portanto, as crianças que têm esse diagnóstico não foram identificadas na unidade e
não recebem tratamento da equipe. Os casos de saúde mental são discutidos com o NASF em
reunião de equipe.
Por não ter criança que recebe tratamento por TDAH nesta unidade não foi
possível incluir os trabalhadores na segunda etapa de pesquisa. Ressaltamos, no entanto, que
os trabalhadores da unidade demonstraram interesse na pesquisa e propuseram que a
devolutiva da pesquisa poderia ser realizada com a apresentação dos dados após conclusão do
estudo em reunião.
A conversa com os trabalhadores da UBS que possui a área de saúde mental da
criança foi realizada individualmente. O primeiro contato foi feito com a coordenadora
formada em enfermagem, que nos apontou quais trabalhadores deveríamos conversar e que,
segundo ela, teriam contato com crianças de cinco a dez anos, diagnosticadas com TDAH.
Nessa primeira conversa com a coordenadora, ela nos relatou ser crítica à
medicalização da infância, informando que a própria imprensa cumpre o papel de propagar
que uso de medicamento ajuda no desempenho escolar. E cita uma matéria recente do jornal
do município, mostrando-se indignada, porque, segundo ela, elucida a positividade de
medicamentos no sucesso escolar ao apresentar um relato de conteúdo em prol da
medicalização. (Diário de Campo, 14 de setembro de 2015).
Na conversa com uma pediatra, ela nos relata que naquele momento não havia
nenhuma criança em tratamento e encaminhada por ela. Apenas informou que tinha uma
paciente adolescente que estava solicitando medicamento, porque se queixou de dificuldades
para concentrar-se nos estudos e quanto a isso estava avaliando melhor, pois ainda não tinha
feito nenhuma prescrição medicamentosa para a paciente. (Diário de Campo, 14 de setembro
de 2015).
88
20
5) Conhece, atualmente alguma criança diagnosticada com TDAH que recebe tratamento nesta unidade?
89
Rita
É formada em Fonoaudiologia. Interessou-se por essa profissão porque na época
identificou que poderia ter uma diversidade nesse campo de trabalho, inclusive associar a
terapia com uma interface com a educação escolar. Logo que conclui o aprimoramento
prestou concurso, sendo aprovada veio para a cidade onde realiza seu trabalho na Atenção
Básica em Saúde Pública. Informou que gosta muito do seu trabalho porque faz uma série de
atividades e destaca que faz audiometria, terapia, atua com diferentes faixas etárias, entre
crianças e adolescentes, e também da saúde mental.
91
Carol
A professora Carol é jovem e está trabalhando com o ensino fundamental I há sete
anos. Fez Pedagogia em universidade pública do interior paulista. Seu interesse de trabalho
durante o curso de graduação sempre foi a Educação Especial. Depois de formada fez pós-
graduação nessa área. Atualmente seu trabalho é realizado na sala multifuncional com
crianças com deficiência e transtornos de aprendizagem.
Ceumar
É nascida no interior de São Paulo. Veio para a cidade atual morar no período da
adolescência, pois seu pai veio em busca de trabalho. O que levou toda a família a se mudar e
desde então mora na cidade. Na vida adulta morou por nove anos na capital paulista, logo
após casar-se. O seu retorno para a cidade atual onde mora e trabalha foi em função de sua
efetivação na rede estadual da educação.
Ceumar realiza duas jornadas de trabalho. De manhã trabalha em uma escola de
ensino fundamental I da rede estadual (localizada em uma região periférica devido a distância
do centro da cidade e também no que se refere à desigualdade social). No período da tarde
trabalha na escola municipal onde realizamos nossa pesquisa de campo.
Juçara
É trabalhadora da educação há 27 anos e há 10 anos atua na coordenação
pedagógica de uma Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental da rede municipal do
município. Sua primeira formação na educação foi no magistério, quando na época havia
curso médio integrado ao técnico. Mas a graduação em pedagogia em curso especial de
universidade pública para professores em exercício. E depois fez pós-graduação em Gestão
Escolar.
Jorge
Tem graduação em Psicologia, formado em 2004. Após concluir o curso de
graduação fez aprimoramento na cidade onde trabalha e reside atualmente, vivendo nela desde
então.
92
Maria
É formada em Medicina, fez Residência em Pediatra e especializou-se em
neuropediatria. Informou que realiza uma diversidade de tarefas, na instituição onde trabalha,
entre elas realiza atividades de assistência e orientação de alunos em dois ambulatórios que
atendem a população infantil.
Gal
É formada em Medicina, médica pediátrica com mestrado. Informa que a ênfase
de seu trabalho está focada em desvios de aprendizagem. Interessou-se por esse tema quando
fazia residência em pediatra e atualmente coordena um ambulatório na cidade em que mora e
trabalha.
93
média, mas com alteração das funções executivas, como atenção. Daí foi
sugerido o déficit de atenção. (Carol)
21
Os Xs referem ao nome do menino diagnosticado com TDAH e que se tornou aluno da sala multifuncional.
96
classes, como a que vivemos, há disputa de projetos que adentram o espaço escolar. Tal
disputa, segundo Freitas (2014), cada vez mais tende a ser favorável aos empresários da
educação, que estão influenciando conteúdos, métodos e ritmos de aprendizagem, por meio de
produtos e serviços como, por exemplo, o apostilamento.
acordo com a nota técnica Nº 42 / 2015/ MEC / SECADI /DPEE do MEC “O acesso aos
serviços e recursos pedagógicos de acessibilidade nas escolas públicas regulares de ensino
contribui para a maximização do desenvolvimento acadêmico e social do estudante e
impulsiona o desenvolvimento inclusivo da escola” (BRASIL, 2015).
Desse modo, a sala multifuncional é um espaço dirigido à criança e suas
necessidades específicas de aprendizagem, possibilitando que aprenda os conteúdos que ela
tem mais dificuldade. Conforme esclarecido por Carol em entrevista com a pesquisadora,
trata-se de um trabalho realizado por ela em contato com a professora regular responsável
pela série na qual a criança é matriculada. Atende quinze crianças, quantidade determinada
pelo MEC, em horários diferentes. Quanto à quantidade de crianças com deficiência nas salas
regulares ela explica:
se for uma deficiência severa ela acaba diminuindo, não coloca outra
inclusão junto, mas a gente tem sala que tem até três inclusões. Entendeu?
Porque essas inclusões são inclusões leves, deficiências leves, que nem tem
uma sala que tem deficiência auditiva e uma deficiência intelectual, porque o
auditivo o cognitivo dele é preservado, ele precisa da interprete então da pra
conciliar as duas deficiências. A gente tem uma sala com deficiência visual e
deficiência intelectual. (Carol)
Apesar do TDAH não ser considerado uma deficiência para educação especial de
acordo com a legislação do MEC, a escola 3, que tem a sala multifuncional, atende crianças
com o suposto transtorno, como o aluno atendido pela professora Carol. Com isso, segundo
Carol, ajudá-lo em sua aprendizagem, no entanto isso não alterou o seu tratamento, pois ele
continuou fazendo uso do tratamento medicamentoso. A diferença entre o TDAH e a
deficiência amparada pelo atendimento na lei é explicada pela professora:
O TDH não é considerado uma deficiência, porque a deficiência tem
alteração cognitiva, né? No TDH a criança não tem uma alteração cognitiva,
de função, ela tem alteração na atenção e acaba refletindo na aprendizagem,
mas muitas vezes quando medicado da forma correta a gente acaba tendo
sucesso com crianças com TDH. Porque consegue fazer com que ele tenha
atenção, então o cognitivo é preservado, a deficiência normalmente ela tem
alguma parte que é afetada, uma parte do cognitivo afetada.(Carol)
jogos esportivos. Segundo Magalhães e Mesquita (2014), todos denotam relevância para os
processos de ensino.
os jogos têm por si mesmos uma função no desenvolvimento e por isso
devem ser inseridos como atividade pedagógica nas escolas. Quando isso
acontece, entretanto, ele passa a ser dirigido pelo adulto e pode apresentar à
criança aspectos da vida social que ela não pode perceber por si
(MAGALHÃES; MESQUITA; 2014, p. 268)
A professora Ceumar relata do modo mais amplo o que é para ela seu trabalho. Os
significados atribuídos do que é ensinar. Isso foi exposto por ela na entrevista de maneira
calma e clara. Sua reflexão nos faz pensar sobre essa atividade que não é simples.
É impossível entender o trabalho docente sem refletir as relações entre sociedade
e educação. Tanto para Saviani (1999) como para Paparelli (2009) só é possível compreender
a educação a partir da sociedade dividida em classes, bem como o papel da escola pública
nessa sociedade desigual.
Paparelli (2009) explica que no trabalho docente existe a indissociabilidade entre
planejamento e execução do trabalho e que o processo educativo que é o trabalho docente
ocorre por meio das relações entre sujeitos:
o que implica no fato de que a execução do trabalho só pode se dar na
presença simultânea de estudante e professor. O aluno não é apenas objeto,
mas, também, sujeito da educação, co-produtor da atividade pedagógica. Ou
seja, o aluno é objeto de trabalho do professor e, ao mesmo tempo, sujeito de
um processo do qual sai transformado, apropriando-se de um saber que a ele
é incorporado, havendo algo que permanece para além do ato de aprender,
algo que é utilizado pelo educando pela vida afora. E o professor também sai
transformado desse processo. Sendo assim, consumo e produção dão-se
simultaneamente, sendo eles, portanto, inseparáveis. (PAPARELLI, 2009,
p.10)
trabalhadores com as crianças: “Se o coordenador não conhecer com afinco as necessidades
dos seus alunos e trabalhar acalmando a ansiedade dos seus professores, a escola não
caminha. Ele é o articulador da escola contemporânea” (Juçara).
Como nos ensina Moro Rios (2015), a atividade se produz e se sustenta por
múltiplas determinações, seja ela na vida da criança e na vida adulta.
Apesar dos participantes não mencionarem a jornada de trabalho intensificada
pelo planejamento e avaliações das atividades das crianças, a atividade torna-se mais
intensificada também pela dupla jornada de trabalho. Há que ressaltar a própria natureza
específica da atividade de ensino que pressupõe a construção de vínculos afetivos com a
criança, mobilizando os trabalhadores afetivamente e intelectualmente. Portanto, uma visão
que não fragmenta o sujeito, não separa cognição e afeto, pois como defende Vigotski
(1934/2010, p.16) há uma “unidade dos processos afetivos e intelectuais, que em toda a ideia
existe, em forma elaborada, uma relação afetiva do homem com a realidade representada
nessa ideia”.
Nesse sentido é compreensível que o desgaste gerado pela função de ensinar,
somado aos processos intensificados de trabalho de mais alunos em sala, duplas jornadas de
trabalho, além da execução da aula e planejamento, atividades burocráticas realizadas pelos
professores, pode facilitar a aceitação do discurso biomédico na escola, porque compreende
que a resolução do problema está centrada na criança. E ao classificá-las como portadoras de
uma patologia como o TDAH impede a compreensão da realidade em que as dificuldades de
aprendizagem são produzidas.
A professora nos explicou como organizava seu trabalho para obter a atenção da criança
na sala, porém, à medida que observa que as dificuldades da criança têm características
“acentuadas” de comportamento e a falta de concentração, solicitou para que a família
averiguasse.
aí to sempre chamando a criança pra aula, sempre chamando a criança pra
aula, ta sempre perto de mim, quando eu percebo que a criança não consegue
mesmo realizar todas as atividades, eu seleciono algumas pra ela, que eu
acho que é mais importante, por exemplo, se tem 10 atividades, a criança vai
fazer cinco. E isso a maioria das vezes eu procuro fazer com que a criança
faça tudo aquilo que foi que os outros também fizeram. Aí, eu vou
observando e quando eu percebo assim que é muito acentuado essas
situações, eu chamo os pais, a gente conversa, eu oriento, eu pergunto se eles
também percebem isso em casa. Tem pais que relatam que percebem
também, assim essa agitação em casa, que não consegue parar pra sentar e
comer, por exemplo. Ou então teve uma mãe que relatou assim pra mim, não
a do XXXXXXX, outra mãe, que a criança não conseguia parar, por
exemplo, pra ouvir uma música ou pra assistir um desenho, que precisava ta
o tempo todo se mexendo, assim, ai, mas eu também não sei te explicar
exatamente como, entende? E aí, foi uma das mães que eu pedi pra que a
mãe investigasse, mas assim, elas reclamam que é uma lentidão muito
grande, entre marcar a consulta com o pediatra. (Ceumar)22
22
Os Xs referem ao nome do menino que foi diagnóstico com TDAH e aluno da professora Ceumar, que por
aspectos éticos não pode ser identificado.
104
A dispersão da criança é encarada como algo incomum que precisa ser controlada.
E dadas às condições de trabalho do professor sobra pouco tempo para refletir sobre sua
prática dada a dupla jornada, uma vez que o pouco tempo que dispõe também é para se
refazer, planejar e dar seguimento a sua jornada seguinte. É esperado, portanto, que a angústia
da professora seja real. E nesse caso, a explicação pelo viés do transtorno é maquiada
ideologicamente sobre a origem real do mesmo. Conforme nossa perspectiva teórica são os
elementos de produção da vida concreta que nos dá a chave de compreensão acerca do
TDAH.
A contradição da explicação biologizante sobre o fenômeno é exposta quando a
professora relata sobre outros elementos da mesma criança, supracitada como hiperativa.
é um menino inteligente, um menino esperto, um menino que tem uma
aprendizagem fácil ele aprende as coisas. Aí, o que acontecia, para suprir
essa necessidade a vó paga uma professora particular para ele, que trabalha
com ele. Essas necessidades mais imediatas que muitas vezes ele não
consegue em sala de aula, por quê? É diferente quando tamos os dois, é
diferente o contexto da sala de aula. Tudo dispersa, dispersava ele, se cai o
lápis do amigo aqui, dispersa. (Ceumar)
105
Se a criança é identificada pela professora como dispersa, ela também traz outros
elementos que constituem o modo de ser dessa mesma criança como “esperto”, “inteligente”,
“tem uma aprendizagem fácil”.
O relato de Ceumar expõe o quão controversa é a explicação biológica do TDAH,
que se restringe aos comportamentos naturalizados das crianças.
E desse modo a validade do discurso de patologização, por alegar cientificidade,
institui-se como inquestionável, reduzindo as dificuldades do ensino, temas e práticas
organizativas do campo educacional para o discurso médico que é supervalorizado
socialmente. (CALIMAN, 2008; BRZOZOWSKI; CAPONI, 2010).
[...] você tem que dar o limite. Às vezes, as crianças não têm. Essas meninas
mesmo, elas eram terríveis. Então, mas você não tem que brigar, você tem
que ensinar o respeito. Muitas vezes é a falta da referência, que pode fazer
tudo. Hoje em dia pais deixam a educação para escola e está errado isso. A
escola é responsável por tudo. Então você acaba tendo que ensinar muito
mais que só o ler e escrever, você acaba, tendo que ensinar o
comportamento, regra, socialização. Então, e o pai só grita, grita, grita,
grita, grita ou bate. Não resolve. [P: Tem muito aqui, assim? Você acha?] 23
Tem, tem bastante, tem porque a clientela daqui é uma clientela diferenciada
do que XXXX, no caso as famílias são, tem de tudo, na verdade, mas a
maioria das famílias é de uma classe econômica um pouco mais favorável
que XXXX, por exemplo. Então, os pais acabam querendo deixar o tempo
máximo que puder na escola e daí dá menos trabalho e a escola acaba tendo
que ter duas funções. 24 [P: Então, a demanda do professor é grande?]
A professora acaba tendo duas funções. As menininhas que você viu me
abraçar ali eram terríveis. Aí, peguei um dia, parei. Conversei com elas, mas
assim, foram várias vezes até elas pararem, sossegarem, porque alguém tava
explicando pra elas, não tava brigando com elas o tempo todo. Você tava
explicando o que pode e o que não pode, porque não pode, são crianças. [...]
Tá aprendendo. Agora tem muito pai e mãe que só bate, que era o caso desse
meu aluno, no começo ele apanhava muito. [P: O XXXXXX?]
É, porque ninguém... apanhava muito do pai, porque ele coloca cortina pra
baixo, ele punha a casa pra baixo.
Até que foi falado que “viu, não é normal, não é um comportamento que ele
quer fazer, a hora que ele vê, ele já ta fazendo, ele tem impulsividade. A hora
que ele vê já fez”. Daí que eles foram buscar. [Carol, grifos nossos]
A regulação da conduta, embora reafirmado por ela como aspecto a ser ensinado,
não nos parece que há clareza do papel da escola quanto a isso. Apesar de creditar na família a
mediação para que a criança desenvolva o comportamento esperado na escola, ainda assim
retoma o papel que a escola deve também fazer, no entanto não encara que esse seja o papel
da escola.
Em resposta a pergunta sobre as causas do transtorno, Carol explica que não teve
tantos alunos com TDAH, por isso sempre se remete ao caso de um aluno específico, cujo
trabalho com ele foi realizado em dois anos.
23
P refere à pesquisadora na entrevista
24
Os Xs equivalem aos nomes do bairro e respectiva escola II. Nessa fala ela menciona que o bairro e a
população que frequenta a escola II é menos favorecida economicamente, segundo sua opinião.
107
no meu caso no aluno que eu tive pensando, no aluno que eu tive ele não
tinha uma referência de pai e mãe, ele não tinha limite nenhum dentro de
casa, nunca teve limite de autorregulação, ele nunca seguiu regras, ele
sempre pode fazer o que ele quis, a hora que ele quis, do jeito que ele quis.
Sempre foi usado o transtorno dele como uma forma de justificar tudo o que
ele fazia. (Carol)
hiperativa. Porém, atribuir como sendo as possíveis causas do TDAH não é suficiente para
sustentar a ideia de que o transtorno é determinado socialmente. Incorrem na defesa de que
sua causa é biológica. Ou seja, são os problemas sociais que geram as dificuldades, porém são
nomeadas como um transtorno mental, recaindo a responsabilidade na criança
individualmente.
A pesquisa realizada por Eidt (2014) elucida esse quadro de crescimento de
patologias que medicalizam a vida:
Assim, entende-se que o surgimento e a intensificação de certas patologias
não se explicam apenas pelo fator biológico, mas estão em consonância com
as transformações das relações sociais vigentes em nossa sociedade.
Percebe-se ainda que a ênfase do tratamento é centrada quase que
exclusivamente na medicação.
Essas práticas evidenciam um processo de alienação vigente na própria
ciência, na medida em que alguns pesquisadores e profissionais
desconsideram os múltiplos fatores que tem determinado o surgimento de
novas doenças - ou o aumento vertiginoso de patologias já conhecidas -,
deslocando o foco de análise de questões sociais e econômicas unicamente
para o plano individual e orgânico. (EIDT, 2004, p. 32 e 33)
II Do pré-diagnóstico ao diagnóstico
1980, a partir daí acho foi exatamente a convivência com ela que, que
incentivou muito a fazer neurologia infantil e esse tema tem muito a ver. Aí
depois, quando me formei não tinha residência especifica em neurologia
infantil naquele ano, tinha que fazer ou neurologia ou pediatria, optei por
fazer pediatria pra depois fazer neurologia infantil. Mas assim, desde que eu
comecei a fazer tanto a pediatria como a neurologia infantil, um tema que eu
sempre gostei muito, sempre dei muita palestra sobre o assunto. Lidamos
com professores, com equipe multidisciplinar, criamos eu e a XXXX,
criamos o ambulatório especifico XXXXXXXXXX e acho que tem um
grande número de pacientes que vem devido ao TDAH pelo menos com
suspeita de, né. (Maria)
Para Jorge essa foi a criança que ele teve o primeiro contato, quando era estudante
de aprimoramento e isso causou certa impressão, mas não conhecia o diagnóstico, sendo que a
atendente de enfermagem informou o que poderia ser.
Já para Rita foi diferente. Partiu dela o interesse de se informar, compreender
mais, pois havia uma demanda que chegava para ela, conforme ela mesmo disse eram
“pacientes encaminhados das escolas, né”. Ela não trouxe uma data específica de quando
começou pesquisar sobre o transtorno, porém nos informou que fazia um bom tempo que
sentiu necessidade de entender devido à prática de seu trabalho.
Observamos que na área médica, conforme nos relatam as trabalhadoras, a
concepção e conhecimento do transtorno são abordados em cursos formais. Maria desde
quando fazia graduação, em 1980. E para Gal seu contato com a discussão sobre crianças
com comportamento hiperativo como queixa escolar foi no período em que fazia residência
em pediatria.
Essa trabalhadora nos explica que foi a partir de uma pesquisa de doutorado que
teve maior contato com o tema da dificuldade de aprendizagem e que precisava dar uma
resposta a essa demanda de trabalho que chegava como queixas de aprendizagem escolar e de
comportamento de crianças no pronto-socorro do hospital. Acredita que atualmente as
crianças encaminhadas com queixas escolares são melhores atendidas, em função da criação
de um ambulatório específico para as dificuldades de aprendizagem.
O período marcado pelas trabalhadoras, anos de 1980 e 1990, como sendo o
primeiro contato das trabalhadoras do campo médico com o TDAH é discutido por Caliman
(2008). O autor coloca como foi que nessas décadas “a interpretação neurobiológica do
transtorno tornou-se amplamente aceita” (p. 560), devido aos investimentos em pesquisas na
saúde mental realizadas pelo National Institute of Mental Health (NIMH), dos EUA,
associando o transtorno com um fator de risco social que afetava a segurança: “Mais do que
nunca, os estudos sobre a desordem da atenção e do controle do comportamento e a pesquisa
cerebral estavam conectados”. Se a década de 1980 demarca a publicação do DSM em sua 3ª.
versão, a de 1990 é denominada de “década do cérebro”, pela ênfase biológica nos estudos
das doenças mentais, quando temos também a publicação da 4ª. versão do DSM (CALIMAN,
2008).
Esses elementos históricos são trazidos porque interpretamos como sendo essa
possível transposição incorporada aos currículos dos cursos de medicina no Brasil, tanto na
graduação quanto na residência. Esses dados nos fazem pensar sobre a relação histórica do
conhecimento sobre o transtorno e dos cursos e a demanda de trabalho informada pelas
médicas. Nesse sentido Maria nos explica qual é o seu entendimento de TDAH:
Ele é uma doença que tem uma base orgânica, é neuropsicoendocrino, vamos
dizer assim, né. É uma doença ou um jeito do cérebro trabalhar tem uma
base orgânica hereditária, que é uma alteração de neurotransmissores ao
nível da região frontal e pré-frontal. E nessa área, eu costumo brincar, essa
nossa área é nossa área de disconfiomêtro. Ou seja, a pessoa que tem um
desbalanço de neurotransmissores, de serotonina e dopamina principalmente
nessa área tem dificuldade em esperar sua vez, em controlar impulsividade,
em controlar o comportamento hipercinético, em ter uma atenção focada, em
se colocar no lugar do outro, esperar sua vez. Falam demais, porque não têm
esse freio inibitório que é um desbalanço de neurotransmissores. (Maria)
114
Nesse mesmo raciocínio de origem biológica do transtorno, Gal nos explica sua
concepção, porém de modo correlacionado:
É uma condição neurobiológica, neurogenética, não é uma doença. Não é
uma coisa: “Ah tenho pneumonia, faço raios-X, tomo antibiótico. Aí eu faço
de novo, eu não tenho mais”, entende? Não é isso, isso é genética, esse é o
transtorno, tá. As crianças com hiperatividade e com déficit de atenção, aí eu
acho que existe por mais motivos. Como eu disse pra você tem criança que
tem apneia do sono. Uma criança com depressão, ela pode ter hiperatividade
e déficit de atenção, a criança com a ansiedade aumentada. Criança com
anemia pode ter déficit de atenção, a criança com hipotireoidismo, a criança
com uma síndrome genética outra. Mil coisas, milhões podem dar, se eu
pego uma criança superdotada que tem, por exemplo, 10 anos que tem o QI
de 12, 13 anos né, tá inserida numa classe de 10 anos e a parte emocional
dela é de 5, 6, olha, olha o conflito que isso pode gerar. Ela tá numa classe,
vamos dizer assim, numa seriação que não leva em conta nem a parte
emocional, nem a parte intelectual dela, os conflitos vão acontecer. Quase
todos os superdotados que eu recebi aqui foram encaminhados como se eles
fossem TDAH, quase não, todos. E eu não tenho nenhum, aliás, eu tenho
uma criança que a professora encaminhou dizendo que era superdotada. E
ela não era. O resto, todos os que fizeram parte do meu mestrado que foram
encaminhados, foram encaminhados como TDAH. (Gal)
II Do pré-diagnóstico ao diagnóstico
Quanto à faixa etária das crianças que chegam ao serviço de saúde, Maria
esclarece que é a mesma iniciada na vida escolar.
Olha o começo de vida escolar eu acho que é mais comum, seis anos, sete
anos é mais comum. Mas eu tenho criança que chega bem precoce, três anos,
quatro anos já ta assim, e alguns que chegam já no final da adolescência que
a gente atende até 18, às vezes eu atendo até 20, dependendo da situação e
passou a vida inteira no sofrimento muito grande, sem ter esse diagnóstico,
sem entender o que aconteceu com ele, indo mal, sendo considerado como
burro ou como mal-educado, que na verdade ele tinha uma incompetência a
aceitar certas regras. (Maria)
uma questão sim de agitação, uma dificuldade na atenção. E qual uma coisa
que eu vejo que é muito interessante que acontece, a mãe chega e fala assim
“olha pro videogame ele se concentra que é uma beleza, pras outras coisas
não”. Então, com atividades que são prazerosas ele consegue manter a
atenção, ele consegue se concentrar, pra atividades que não são tão
prazerosas, que frustram um pouco, que ele ta lidando de repente com uma
matéria com um conteúdo que ele não domina muito, aí ele já não presta a
atenção, então não é transtorno de déficit de atenção. Então eu me baseio
também muito por isso e também na clínica, né. Às vezes, a criança que vem
com o diagnóstico de transtorno de déficit de atenção, com hiperatividade ou
sem, que tem os dois, tem a presença de hiperatividade ou pode ter a
ausência dela, de repente, por exemplo. Num grupo de crianças começa a
brincar com uma brincadeira, por exemplo, um jogo que exige atenção, que
exige concentração e consegue completar a brincadeira até o final ou que
chega, senta, na mesa faz um desenho, consegue permanecer sentada,
consegue estruturar um desenho na folha. Então, por todos esses dados aí
você vai vendo que a criança não tem uma hiperatividade, déficit atenção. Já
aconteceu XXXXX, de eu ter crianças, receber crianças realmente
hiperativas? Já. Mas dá pra contar no dedo de uma mão. (Jorge)
Nos sete anos de trabalho realizado por Jorge no serviço de saúde mental da
criança, ele contabiliza ter tido menos de cinco crianças com hiperatividade. Quanto a
demanda de trabalho, Rita relata que as crianças que chegam ao serviço geralmente vêm
encaminhadas das escolas, umas com diagnóstico que ainda estão sendo realizados e outros já
concluídos.
Geralmente chegam através das escolas. As professoras observam e a criança
não rende, dificuldade no aprendizado, né. Algumas com comprometimento
na fala né, que chega antes, no período pré, né. E que a gente observa que
pode ter relação, essas questões, fala e atenção. Dificuldade escolar, acho
que é uma coisa interligada sim. (Rita)
Essa relação entre as funções psíquicas, fala e atenção, é destacada por Rita, no
entanto, não houve um aprofundamento maior sobre essas funções, interrelacionando com
implicações para o desenvolvimento da aprendizagem. Porém ela faz um destaque. Nesse
sentido, é importante retomarmos a interfuncionalidade dessas funções psíquicas no
desenvolvimento da criança. E conforme discutido anteriormente, retomamos brevemente
que, a atenção voluntária, começa a ser organizada após um ano de idade e tem por
característica a seleção de informações da atividade consciente. Por essa razão os processos
de linguagem desempenham papel essencial na atenção do homem, ou seja, para a
aprendizagem escolar, é o que nos ensina os postulados em Luria (1991) e em Vygotski
(1931/1995; 1934/2010).
117
Apesar de Rita entender que a relação entre a atenção e a fala deva ser
considerada como importante para a aprendizagem da criança, Maria nos informou que o
diagnóstico do transtorno é realizado pelo meio clínico com aplicação de testes e observação
de sintomas:
Então, quando nós conseguimos chegar nesse diagnóstico, aí sim, isso é um
transtorno, quer dizer, isso realmente é uma patologia. O comportamento
hipercinético e desatento é um, como se você contasse que a criança tem
febre, você pode ter esse mesmo comportamento por várias condições. Você
pode ter febre, porque você tem gripe ou você pode ter febre, porque você
tem meningite. Então, pode ser um transtorno do sono, pode ser uma
epilepsia que não está sendo vista e malcuidada, pode ser um problema de
diabetes, de tireóide, de anemia. Um problema exclusivamente emocional e
comportamental dessa criança ou do ambiente familiar e vai levar a uma
sintomatologia parecida, uma superdotação. Então, pra gente chegar à ideia
de que é um transtorno, que realmente é um transtorno de déficit de atenção
e hiperatividade, eu preciso de exames orgânicos e de avaliações funcionais.
Eu preciso do neuropsicólogo, de uma testagem desde do QI, da atenção,
memória e tudo mais, só depois de tudo isso é que nós fechamos esse
diagnóstico. E aí, eu vou discutir com a família e com a escola qual que é a
melhor conduta pra esse paciente. (Maria)
Um mês, por aí, mais ou menos um mês porque são várias sessões da
psicologia, da neuropsicologia. A gente não pode cansar a criança em termos
de testagem. Então, um dia testa uma coisa, outro dia testa outra, tal. E no
serviço público, a gente faz um fluxograma disso, mas é um pouco
demorado. Os exames físicos, orgânicos, são mais rápidos. Ao mesmo tempo
eu mando os questionários pra família, escola, culto religioso, se tem alguma
coisa. Todos os ambientes que a criança frequenta, porque se ela tem um
comportamento desatento ou desatento e hipercinético, ela tem que ser a
mesma em todos os ambientes. Se ela tem isso só na escola, é porque ela ta
com problema na escola, entendeu? Por isso tem que fazer isso. Tem que
fazer os exames orgânicos como eu te falei pra descartar causas orgânicas,
outras né. E a avaliação neouropsicológica que é uma avaliação funcional. E
aí, se a gente pensar, por exemplo, “ah tem uma concorrência com o... com
uma possível dislexia”, ai eu peço pro fono especialista na área neurológica
avaliar essa criança. (Maria)
Nós não temos uma, uma avalição, uma, um atendimento, uma assistência é,
preventiva, entende? A criança vem pra mim muito tarde né, ela vem já pra
mim não, pra nossa equipe, pro ambulatório muito tarde pra tudo, a nossa
cultura é muito ruim, a formação dos pais é ruim no sentido que eles não têm
uma cultura de que, por exemplo, a criança ta, ta tendo tique “ah isso é
frescura”, a criança é hiperativa “ah então põe fazer futebol que passa” e
quando chega aqui já é tarde, a criança não quer, não faz ler e escrever
porque não quer né então a gente precisa modificar isso, a gente precisa vir
da raiz, do cerne, a gente precisa modificar muito isso, isso ta gritante pro
Brasil.
Então, assim, apesar do ambulatório ter esse formato e é o que dá pra fazer
aqui que é legal. Quando a gente trabalha na educação é que ai você vê, que
você consegue chegar no professor, orientar o professor, explicar o que é
Tourette, explicar o que é uma criança que pode ter um transtorno obsessivo
compulsivo, né, que ta acompanhando com o psiquiatra, mas que precisa que
a escola também acolha, que entenda, que ampare, explicar o que é uma
dislexia e como que vai ensinar, porque é muito fácil falar assim pro
professor “essa criança tem um transtorno de aprendizagem ou essa criança
tem um retardo mental leve, você vai ensinar do que ela sabe pra frente e
respeitar o ritmo dela de aprendizado e compará-la ela nesse ano, com ela no
ano passado, somente. Você não vai comparar ela com mais ninguém porque
o importante é o que ela ganhou”. É muito fácil falar isso né? Ai você
professor, você pega a criança e fala assim “o que é que ela sabe pra eu partir
dali pra frente? Qual que é o ritmo dela?” entende? Então coisas que até na
120
tua formação mesmo como professora você deveria ter isso já, você não tem.
Então, assim, é, fica muito cômodo pra uma equipe avaliadora se a gente
tiver aqui né nos portões da universidade né te mandando um laudo
bonitinho escrito ali, mas e aí, o quê que você tem que fazer mesmo né, que
ele não ta ali, né, porque não é uma pedagoga que ta te orientando. Entende?
Então com isso a gente só conseguiu ver que funcionava quando a equipe
toda trabalha em conjunto com a educação, dentro da educação. [...] a gente
faz a mesma avaliação das crianças com laudos. Ai a mãe recebe o laudo e a
gente é... pega autorização dela e a gente vai dar essa devolutiva pro
professor, aí a gente consegue fazer essa diferença. Paralelo a isso, por
exemplo, o fono vai orientar o professor “olha essa criança você precisa
trabalhar daqui: correspondência letra, som, você vai trabalhar” claro que a
fono não vai ensinar o que o professor tem que fazer, é obvio. Nem a
psicóloga, mas ele vai dizer o meio, entende? Então assim, ai a gente,
quando a mãe autoriza, ela assina o laudo, a gente marca com o professor e
gente conversa sobre o laudo e sobre as estratégias com o professor de cada
criança que a gente avaliou. (Gal)
Mesmo nas atividades em que criança tinha interesse, Jorge observou sofrimento
intenso, em que ela chorou e era muito agitada. Uma situação difícil pra ele, avaliando nesse
caso a prescrição medicamentosa como auxilio do tratamento psicoterápico.
Kamers (2013) chama atenção quanto a transformar os sofrimentos da infância
que vem sendo interpretados como um transtorno neurobiológico e que isso pode ocasionar
em uma investida de silenciamento de dimensão psíquica e histórica. Ou seja, a causa dos
problemas que tem levado ao sofrimento da criança não é revelada, não é compreendida.
Apesar de ter relatado essa situação cuja criança recebeu tratamento
medicamentoso e psicoterápico de grupo por ter o diagnóstico de TDAH, Jorge nos informou
que a porcentagem de crianças diagnosticadas é baixa, ou seja, apenas 5% dos casos que
chegam ao serviço ele considera o diagnóstico desse transtorno. E quanto ao uso do
medicamento no tratamento do TDAH, Jorge afirma que isso precisa ser repensado, pois ele
vê com preocupação o crescimento do tratamento medicamentoso:
É muito grave. Então, assim, o quê que acaba acontecendo quando a criança
não tem indicação ela não vai responder, não vai responder, porque a
questão é outra. Quando há a indicação você percebe a mudança, só que o
123
efeito da ritalina ela dura muito pouco tempo, né. Hoje em dia tem
medicamentos muito mais avançados, caríssimos, que os efeitos colaterais
são mínimos e a eficácia é maior, que realmente você percebe. Mas são
medicamentos que você não vai ficar dando pra vida toda, tem muito critério
pra fazer isso. O que não há, infelizmente. Não tem. Que existe uma
hipermedicalização e um hiperdiagnóstico, um diagnóstico que se banalizou
e é uma questão séria, complexa. E eu acho que, a gente ta lidando com
vidas né, que vão se tornar adolescentes, adultos e aí? Como é que vai ficar?
(Jorge)
Tinham uma, né pra fala, né. É, ah não falou até cinco anos, mas vai falar e
não é bem assim que a gente vem acompanhando né, que enfim...
Ela dá muito sinais, não é determinante. A linguagem oral, a expressão, né,
você vai num desenvolvimento.
[...] É um processo, vamos dizer assim, é um processo, né? O início da fala,
o desenvolvimento, leitura e escrita, tudo um processo, tá tudo interligado.
Quando alguma coisa não vai bem, tipo algum problema escolar de
aprendizado, não aparece do nada ele já dá sinais lá atrás e um dos sinais é a
linguagem, a linguagem oral, entendeu? Criança que demora pra falar,
criança que tem um distúrbio articulatório que você trabalha, trabalha,
trabalha, trabalha, difícil, né?! A gente já fica de olho nessa criança quando
entrar na escola já é um dado, entendeu? (Rita)
Maria, por sua vez, expõe que o TDAH não é um fenômeno do presente, mas sim
um transtorno citado em publicações do sec. XIX:
Olha as pessoas pensam que é uma coisa atual, uma invenção atual. Na
verdade, a primeira, quando eu dou muito essa aula, palestra, congressos
sobre isso, a primeira citação que eu encontrei foi de 1860.
Exatamente, hoje é descrito um quadro, acho que é uma publicação austríaca
que é descrito uma poesia dentro da discussão de um quadro de um caso
clínico e você lendo aquela poesia você fala “essa criança é hiperativa”, se
ele tinha um transtorno de déficit de atenção ou não, não sabemos, mas com
certeza essa criança é hiperativa. Então isso é uma coisa que existe desde
que a humanidade é humanidade, o que que aconteceu? Aconteceu que as
exigências da sociedade, das escolas fizeram com que a gente tivesse mais
gatilhos emocionais pra essas coisas, pra desencadear determinadas,
determinados transtornos e que hoje eles são mais valorizados porque se
preocupam mais, você vê mais as crianças de uma forma mais específica.
Não é uma invenção atual.
[...]
E historicamente, já que você ta perguntando, você começa com uma criança
que é descrita como uma criança que não se comporta, uma criança que não
se educa né e isso lá em 1800 e pouco. E aí, isso depois, isso se torna assim
como, como um quadro de sequelas mínimas, porque se acreditava na
neurologia que você poderia ter, por exemplo, algum problema trauma
craniano, um problema de nascimento alguma coisa. E aí, você se torna um
encefalopata, que era uma sequela grande, uma paralisia cerebral, mas
poderia ser só uma sequela mínima, que é, por exemplo, um déficit de
atenção, uma hiperatividade, se andando um pouco mais eles vão descobrir
assim: Ah, não é só a criança que sofreu algum problema de parto ou algum
problema de infecção ou seja lá o que for, a criança, às vezes não tem nada
disso no seu antecedente e tem esse comportamento. Então, começa a ser
definido como distúrbio do déficit de atenção e foi separado em algum
momento distúrbio de déficit de atenção com hiperatividade como uma
doença a parte do distúrbio de atenção sem hiperatividade e só depois. Agora
com o CID, com o DSM IV que começa a ideia do transtorno. Então,
chamar de transtorno aquilo que é orgânico, é bem recente, o nome é
recente. Aí, no início se achava que ocorria só com criança e depois dois
psiquiatras, isso final dos anos 90, eles diagnosticaram esse mesmo
transtorno neles mesmo. E aí se começou a ver que existe em adulto e hoje a
gente sabe o seguinte, que 60% das crianças que tem déficit de atenção com
hiperatividade vão continuar com esse comportamento na vida adulta. Ou
125
mesmo, eu vou pôr um rotulo em todo mundo e vai sair todo mundo rótulo
de TDAH. Mas não é a maioria, entende? Por isso que eu acho assim. (Gal)
mais até agressiva, às vezes, eles não têm o preparo pra lidar com essas
questões emocionais que estão influenciando diretamente e até mesmo sendo
a causa desse comportamento. Também não sabem, não tem preparo, isso é
muito pobre. É do conhecimento, assim, da dinâmica familiar que está
influenciando diretamente o comportamento da criança e medicam. Por
muitas vezes há insistência dos pais, se não medicar não é médico, se não
pedir eletro, se não pedir ressonância, se não pedir tomografia e se não der
algum medicamento não é médico, vai procurar outro. (Jorge)
por uma das médicas para que esses trabalhadores se apropriem dessa compreensão
biologicista de desenvolvimento. Considerando que nessa faixa etária, cinco a dez anos, a
ênfase do trabalho educacional nos primeiros anos do ensino fundamental deve ser o da
alfabetização, há, segundo o nosso entendimento, uma inversão no que se refere à demanda de
formação, uma vez que as reflexões deveriam ser sobre as práticas e teorias de alfabetização e
não em cursos que tendem a buscar falhas cerebrais para explicar a não aprendizado da
criança.
Divergimos dessa compreensão biologizante do desenvolvimento humano e nos
fundamentamos nas formulações de Luria, Vigotski e Leontiev ao afirmarmos que a atenção e
o processo de regulação da conduta se dão por meio das mediações sociais, uma vez que a
unidade biológico-social se desenvolve em duas linhas e o biológico segue sendo superado
pelo social.
Apesar dos trabalhadores da educação apontarem que as condições de vida da
sociedade atual estão alterando a organização das famílias e o modo como vêm educando as
crianças, tal apontamento não foi suficiente para a compreensão desse processo, e, pudesse
implicar a questionamentos em relação a visão biologicista do TDAH. Contudo, afirmamos,
conforme discussão teórica realizada nesta pesquisa, as condições atuais de vida têm
impactado nas dificuldades de ensino-aprendizado neste momento histórico.
Por fim, nossa análise aponta para as dificuldades do processo de aprendizagem
em um momento em que a medicalização é uma prática em ascensão, responsável, em certa
medida, pela inibição de uma discussão que enfatize o sujeito como um ser histórico. As
dificuldades que envolvem a aprendizagem da criança nesse momento atual deveriam ser
apropriadas como elementos no trabalho de ensinar e isso requer refletir sobre os desafios
pedagógicos e contribuições das ciências humanas nesse trabalho. Portanto, questionamos a
intervenção médica que reduz a criança ao um corpo meramente biológico e que por meio da
concepção e práticas biologicistas vem contribuindo para que mais crianças sejam
medicalizadas em vez de educadas.
.
135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
APÊNDICE A
Dados de Identificação
Nome: ___________________________________________________________________________
Sexo: Idade:
Local de trabalho/escola:______________________________________________________________
Profissão/formação:__________________________________________________________________
1)Há quanto tempo trabalha nesta escola? 2) Há quanto tempo desenvolve esse trabalho?
4) Durante o período em que desenvolveu seu trabalho, na sua profissão, identificou uma criança ou
mais considerada como indisciplinada, hiperativa ou desatenta e encaminhada para o serviço de saúde?
Quantas?
_____________________________________________________________________________
5) Conheceu ou conhece alguma criança diagnosticada com TDAH em sua unidade escolar ou unidade
de saúde que recebe tratamento? Tem alguma relação de trabalho com essa criança, como por
exemplo, é sua aluna, ou frequenta essa escola?
___________________________________________________________________________
6) Sabe nos informar quais situações que levaram a identificação e diagnóstico do TDAH?
__________________________________________________________________________________
7) Sabe nos informar se as crianças diagnosticadas estão em acompanhamento na área de saúde? Se
sim, onde?
___________________________________________________________________________
APÊNDICE B
Dados de Identificação
Nome: ___________________________________________________________________________
Sexo: Idade:
Local de trabalho/escola:
___________________________________________________________________________
Profissão/formação:_________________________________
3) Nas atividades que desenvolve tem contato direto com as crianças em acompanhamento na
unidade? ( ) Sim ( ) Não
4) Durante o período em que desenvolve seu trabalho, na sua profissão, identificou uma criança
considerada como hiperativa ou desatenta? Quantas +-?
_____________________________________________________________ _____
5) Conhece, atualmente alguma criança diagnosticada com TDAH que recebe tratamento nesta
unidade?
___________________________________________________________________________
6) Se responder sim na questão anterior, que tipo de trabalho realiza com ela?
__________________________________________________________________________________
APÊNDICE C
1. Dados gerais
(Sexo; idade; escolaridade; estado civil; religião; local de origem; local de trabalho; função;
cargo)
2. Trabalho
Conheceu esse transtorno através de que fonte (como teve contato, leu algo sobre, etc) ?
APÊNDICE D
1. Dados gerais
(Sexo; idade; escolaridade; estado civil; religião; local de origem; composição familiar)
2. Trabalho
(História da inserção no trabalho/profissão/atividades; relate sobre seu trabalho)
3. Sobre o TDAH:
Desde quando conhece esse transtorno? Quais FONTES? Como teve contato?
Para você, porque existe esse transtorno?
5. Tratamento
Sabe responder que tratamento é dado para essa/s criança/s?
Há outros tipos de tratamento?
Na sua avaliação, quais os resultados do tratamento medicamentos depois de iniciado o
tratamento? Que mudanças têm observado na criança?
APÊNDICE E
25
Regina Célia dos Santos (responsável pela pesquisa) – Rua Prof. Josephina Pinheiro Machado Ciaccia, nº
413 – Jardim Itália – CEP 18609-404 – Botucatu – SP – e-mail: [email protected] – Telefone: (14) 9
81148601.
26
Sueli Terezinha Ferrero Martin (orientadora da pesquisa) Departamento de Neurologia, Psicologia e
Psiquiatria FMB UNESP Botucatu –– e-mail: [email protected] – Telefone: (14) 3880-1220
147
APÊNDICE F
Quadro de Pré-indicadores
Pré- Indicadores Indicadores
13) Gostar do que faz/do trabalho educação Aspectos emocionais que dão sentido ao
14) Entrega ao trabalho/se realiza trabalho.
54) Vida corrida dos pais Quanto mais problemas gerados pela dinâmica da
55) Muitos pais trabalham sociedade: intensa jornada de trabalho, muitas
56) Avós que cuidam dos netos atividades e em tempo acelerado impactam na
57) Consumismo vida escolar da criança
58) Vida agitada
59) Diferentes horários para muitas atividades
60) O TDAH surgiu com problemas
63) Mais problemas sociais, mais problemas na
escola.