Sexualidade, Autismo e Vida Adulta. Contribuições para Educação Sexual

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem

ANA CARLA VIEIRA OTTONI

SEXUALIDADE, AUTISMO E VIDA ADULTA: CONTRIBUIÇÕES PARA


EDUCAÇÃO SEXUAL

BAURU
2022
ANA CARLA VIEIRA OTTONI

SEXUALIDADE, AUTISMO E VIDA ADULTA: CONTRIBUIÇÕES PARA


EDUCAÇÃO SEXUAL

Tese apresentada como requisito para


obtenção do título de doutora no Programa de
Pós-Graduação em Psicologia do
Desenvolvimento e Aprendizagem,
Faculdade de Ciências, UNESP/Bauru, sob
orientação da Profª Assoc. Ana Cláudia
Bortolozzi.

BAURU
2022
Ottoni, Ana Carla Vieira.
Sexualidade, Autismo e Vida Adulta:
contribuições para educação sexual / Ana Carla
Vieira Ottoni, 2022
186 f.

Orientador: Ana Cláudia Bortolozzi

Tese (Doutorado)–Universidade Estadual


Paulista (Unesp). Faculdade de Ciências, Bauru,
2022

1. Sexualidade. 2. Autismo. 3. Educação Sexual


4. Asperger. 5. Transtorno do Espectro Autista.
I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de
Ciências. II. Título.
AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e


Aprendizagem, docentes e servidores que possibilitaram o desenvolvimento de todo o
trabalho e a construção de conhecimentos generosamente partilhados, meus agradecimentos.
À UNESP/Bauru e ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Sexualidade, Educação e Cultura
(GEPESEC), que nos anos de graduação, mestrado e doutorado foram para mim, morada, e
me permitiram aprender, mudar, pesquisar e conhecer o mundo pela ótica da universidade
pública, gratuita e democrática.
À professora Ana Claudia Bortolozzi, Cau, que impactou o campo científico com
suas obras sobre sexualidade e deficiências, e cuja cuidadosa orientação proporcionou a
construção desta tese, além de minha formação enquanto pesquisadora, psicóloga e pessoa.
Meus profundos e eternos agradecimentos, acompanhados por muito afeto e pela reafirmação
de uma admiração imensurável. À Bruna e Beá, pelas doses de afeto e alegria, me aceitando
pacientemente em sua casa, permitindo que eu acompanhasse suas histórias.
Aos participantes da pesquisa, meus agradecimentos pela gentileza de exporem suas
opiniões, dedicando tempo e partilhando intimidades para que o conhecimento científico
pudesse ser enriquecido. Aos professores das bancas avaliadoras, obrigada pelas trocas; foi
uma honra ter o trabalho lido por referências como os professores Rafael de Tilio, Paula
Regina Costa Ribeiro e Maria Teresa Vilaça.
Às minhas amigas de infância, de escola, de faculdade, aos amigos do
UNISAGRADO, da APAE, de São Carlos, de Bauru, e do Colégio Chaminade; aos alunos e
orientandos que tanto me ensinaram e compuseram esta jornada caminhando a meu lado:
muito obrigada! A meus pacientes, seus familiares e todos que de alguma forma estiveram
nos serviços prestados por meio do Diverso Singular, agradeço, assim como à minha
psicoterapeuta Cláudia, e às cuidadosas Raquel e Eliene, que com suas formas únicas e
dedicadas me apoiaram a alcançar aonde jamais chegaria sozinha.
À minha mãe, Silvia, base e sustento, que me ensinou tudo de mais importante, me
cobriu de afeto, proteção, amor, e me permitiu viver sonhos. Agradeço com as palavras - que
faltam, para ser justa ao tamanho de sua importância - e com o coração, por onde transbordo
gratidão. Os caminhos por onde me conduziu com seu jeito amoroso e dedicado, os abraços
que me acolheram em cada fase, o choro de alegria nas conquistas, espelham nosso laço
único, invisível e infinito.
À minha irmã, Aninha, fonte de segurança e confiança, lar para onde retorno nas
dores e delícias da vida, inspiração e força que oferecem suspiro para continuar. Agradeço
com o coração pelas mãos dadas, jamais desunidas, e por compor tanto deste trabalho e dos
contornos de mim.
Aos meus pais: José Carlos, que enquanto esteve aqui espalhou afeto e alegria; e Lino,
que com sua belíssima sensibilidade acolheu, amparou os tantos acontecimentos da minha
história, ofereceu amor incondicional e me presenteou com segurança e certezas.
Aos familiares Adalgisa, Alzirina, Érika e Tainá; à Bel, Larissa, Leonardo, Edvaldo,
dona Maria, Roseli e Seu Furlan; Juninho e todos os que para além do vínculo familiar
partilham a amizade e o amor, participando de ponta a ponta da jornada: obrigada!
A meu companheiro de vida, Breno: pelo apoio incondicional no cotidiano, nas
palavras e incentivo; pelas longas conversas sobre tudo e por abraçar a missão do doutorado
comigo; pelos cafés, afagos e tempo compartilhados, agradeço profundamente. Por ser,
ainda, um bibliotecário fantástico, me ensinar pacientemente sobre tanto do que está nesta
tese; por exercer sua paternidade incomparável, alongando todos os limites, grata de todo o
coração.
À melhor parte de mim, inspiração para que não esmoreça na luta por um mundo mais
inclusivo, aceno de que há muito pelo que batalhar neste chão - meu filho, Bento. Sua
existência, em tempos tão difíceis, foi a luz arrebatadora apontando para a potência do amor,
motor de dias melhores.
À Deus, o agradecimento infindável; minha fé se sustenta nos aprendizados sobre
bondade, misericórdia, e crença de que todos devem ser abraçados e amados em suas
singularidades.

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001.
OTTONI, Ana Carla Vieira. Sexualidade, Autismo e Vida Adulta: contribuições para
educação sexual. 2022. 186f. Tese (Doutorado em Psicologia do Desenvolvimento e
Aprendizagem) – Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, Bauru,
2022.

RESUMO GERAL
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição de neurodesenvolvimento com
implicações como dificuldades na comunicação social, e interesses, movimentos ou
comportamentos restritos e repetitivos, classificadas de acordo com sua necessidade de
suporte nos níveis crescentes 1, 2 ou 3. Inseridos em uma sociedade normativa, patriarcal e
moralista, adultos com TEA/S1 enfrentam problemas com relação à sexualidade, como
acentuada vulnerabilidade para violências e direitos negligenciados. O presente trabalho
buscou, por meio do Estudo 1, levantar e descrever literatura científica sobre sexualidade e
autismo, baseada na perspectiva das próprias pessoas com TEA/S1, respeitando a
autoadvocacia e representatividade. A Revisão Sistemática de Literatura resultou na análise
de 19 artigos com características variadas, não somente nos instrumentos utilizados e
desenhos metodológicos, mas especialmente na abordagem para interpretação dos dados, que
variou de concepções neurodiversas a biologicistas e medicalizantes. Complementarmente,
o Estudo 2, realizado com objetivo de investigar as concepções e vivências sobre sexualidade,
contou com a participação de nove pessoas, que colaboraram por meio de entrevistas online
e relataram dados convergentes ao primeiro, analisados qualitativamente e organizados em
categorias temáticas. Por fim, no Estudo 3, relatou-se a elaboração de uma cartilha, criada a
partir das diretrizes e conhecimentos até então coletados, com a finalidade de promover
divulgação científica em meios não acadêmicos. Dentre as limitações principais dos estudos
cita-se a restrição das amostras, tanto de material bibliográfico quanto participantes,
impossibilitando generalização dos dados às pessoas com TEA/S1, e necessidade de
expansão de critérios de inclusão, para que adultos autistas com características mais diversas,
bem como outros tipos de estudo, façam parte das análises tecidas e enriqueçam o
conhecimento na área. O produto técnico foi avaliado pelos participantes do Estudo 2, mas
necessita aprimoramento e testes de eficácia por meio de seu uso em situação de ensino
programado.
Palavras-chaves: Transtorno do Espectro Autista. Autismo. Sexualidade. Educação
Sexual. Neurodiversidade.
GENERAL ABSTRACT
Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental condition with implications such
as difficulties in social communication, and restricted and repetitive interests, movements or
behaviors, classified according to their need for support in increasing levels 1, 2 or 3. Inserted
in a normative, patriarchal and moralistic society, adults with ASD/S1 face problems related
to sexuality, such as marked vulnerability to violence and neglected rights. The present work
sought, through Study 1, to survey and describe scientific literature on sexuality and autism,
based on the perspective of people with ASD/S1 themselves, respecting the need for self-
advocacy and representation. The Systematic Literature Review resulted in the analysis of
19 articles with different characteristics, not only in the instruments used and methodological
designs, but especially in the approach to data interpretation, which ranged from neurodiverse
to biologicist and medicalizing conceptions. Complementarily, Study 2, carried out with the
objective of investigating the conceptions and experiences about sexuality, had the
participation of nine people, who collaborated through online interviews and reported
convergent data to the first, analyzed qualitatively and organized into thematic categories.
Finally, in Study 3, it was reported the elaboration of an informative material, created from
the guidelines and knowledge collected until then, with the purpose of promoting scientific
dissemination in non-academic circles. Among the main limitations of the studies presented
so far, we mention the restriction of samples, both of bibliographic material and participants,
making it impossible to generalize the data to people with ASD/S1, and the need to expand
the inclusion criteria, so that autistic adults with more diverse characteristics, as well as other
types of study, are part of the woven analyzes and enrich the knowledge in the area. The
informative material was evaluated by the Study 2 participants, but it needs improvement
and effectiveness tests through its use in a programmed teaching situation.
Keywords: Autism Spectrum Disorder. Autism. Sexuality. Sex Education. Neurodiversity.
LISTA DE SIGLAS

AQ: Autism Quotience


CEP: Comitê de Ética em Pesquisa
CID: Classificação Internacional de Doenças
DSM: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
DG: Disforia de Gênero
DI: Deficiência Intelectual
ISF: Infecções Sexualmente Transmissíveis
LGBTQIAP+: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Travestis, Queer, Intersexo,
Assexuais, Pansexuais e outras possibilidades
OMS: Organização Mundial da Saúde
PRISMA: Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises
RSL: Revisão Sistemática de Literatura
SA: Síndrome de Asperger
TDAH: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
TEA: Transtorno do Espectro Autista
TEA/SA: Transtorno do Espectro Autista/Síndrome de Asperger
TEA/S1: Transtorno do Espectro Autista/Suporte 1
TEA/S2: Transtorno do Espectro Autista/Suporte 2
TEA/S3: Transtorno do Espectro Autista/Suporte 3
TOC: Transtorno Obsessivo-Compulsivo
TTT: Tackling Teenage Training Program
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..............................................................................................................10
INTRODUÇÃO GERAL....................................................................................................13
ESTUDO 1
1 Introdução..............................................................................................................20
2 Objetivos................................................................................................................23
3 Método...................................................................................................................23
4 Resultados..............................................................................................................26
5 Discussão................................................................................................................32
6 Considerações Finais..............................................................................................56
Referências................................................................................................................58
Apêndices..................................................................................................................65
ESTUDO 2
1 Introdução..............................................................................................................71
2 Objetivos................................................................................................................73
3 Método...................................................................................................................74
4 Resultados e Discussão..........................................................................................82
5 Considerações Finais............................................................................................110
Referências..............................................................................................................112
Apêndices................................................................................................................117
Anexos.....................................................................................................................125
ESTUDO 3
1 Introdução............................................................................................................132
2 Objetivos..............................................................................................................133
3 Método.................................................................................................................134
4 Resultados e Discussão........................................................................................135
5 Considerações Finais............................................................................................137
Referências..............................................................................................................138
CONSIDERAÇÕES FINAIS GERAIS...........................................................................139
REFERÊNCIAS................................................................................................................141
Produto Técnico....................................................................................................145
10

APRESENTAÇÃO
As temáticas autismo e sexualidade começaram a ser exploradas por nós em 2014,
com a escrita da dissertação de mestrado “Sexualidade e Transtorno do Espectro Autista:
relatos de familiares” (VIEIRA, 2016a), na qual entrevistamos mães, pais e avós de
adolescentes diagnosticados, buscando descrever a educação sexual promovida no contexto
doméstico. Na ocasião de convite dos participantes da pesquisa, recebemos questionamentos
sobre quando as próprias pessoas autistas falariam e seriam ouvidas sobre o assunto, e fomos,
nesse momento, pragmaticamente atravessadas pelos conceitos de autoadvocacia1,
representatividade2 e autodefensoria3.
Compreendemos, então, que apesar das pertinentes descobertas acadêmicas
proporcionadas pela dissertação, necessitávamos repensar nossas práticas científicas e
profissionais, a fim de não reproduzir o apagamento das pessoas autistas. Participamos, no
período entre 2016 e 2022, de ações que generosamente nos permitiram ampliar o olhar no
sentido do protagonismo e lugar de fala neurodiverso: mediamos o eixo de sexualidade, no
primeiro Fórum de Autodefensoria da APAE/Bauru; realizamos uma palestra no formato
TEDx, para divulgação de informações com amplo alcance por acesso online (VIEIRA,
2016b); publicamos produtos acadêmicos, como capítulos de livros e artigos científicos
(OTTONI; MAIA, 2019a; OTTONI; MAIA, 2019b; OTTONI; MAIA, 2019c; OTTONI et
al., 2021) e conduzimos grupos de apoio, com foco na educação sexual emancipatória
(MAIA; VILAÇA; VIEIRA; SALVIATO-EZEQUIEL, 2017).
Tornou-se evidente que o campo de estudos e intervenções voltados a autistas é
composto por disputas, em aspectos filosóficos, metodológicos e sociais. Os extremos deste
cenário podem ser superficialmente sintetizados nos polos: movimento da Neurodiversidade,
que defende a afirmação do autismo enquanto uma identidade, deslocando-o do campo
estritamente médico para a perspectiva da forma de ser e existir diversa no mundo; e o
movimento Pró-cura, próximo aos estudos médicos e das neurociências, no qual se
encontram centros que buscam principalmente compreender a origem do autismo.
Como desdobramentos deste embate, tem-se por um lado a defesa de que a sociedade
deve alterar sua forma de ver e incluir os sujeitos, modificando a lógica normativa para a

1
Autoadvocacia: conceito derivado do advogar a própria causa, em prol da emancipação das pessoas com
deficiência, por meio de processo intencional (LINDOLPHO et al., 2020).
2
Representatividade: representação de um grupo de pessoas pautando-se nos direitos humanos e, de forma
essencial, na escuta daqueles a serem representados (SOUZA, 2016).
3
Autodefensoria: processo de participação e autonomia no qual pessoas com deficiência tomam decisões
sobre suas vidas, têm voz e espaço para expressar seus desejos e necessidades (GLAT, 2004).
11

aceitação da neurodiversidade; e por outro, a ideia de que é necessário investir em


intervenções focadas nas pessoas autistas. Em concordância aos princípios da inclusão social,
nos posicionamos favoravelmente a ambas as movimentações simultaneamente, sendo
imprescindível uma reorganização social, em termos atitudinais, educacionais, midiáticos,
laborais, culturais, sexuais, tanto quanto é essencial o oferecimento de atenção individual e
especializada, em serviços multidisciplinares.
A proximidade do presente estudo a pessoas autistas com necessidade de suporte nível
1, fez com que a ótica identitária balizasse as análises, de modo a entendermos o autismo
como uma forma de existência, tão valorosa quanto todas as outras possibilidades. E nesse
caminho, nossas reflexões impulsionaram a publicação do livro infantil “As descobertas de
Mari: autismo e amizade” (OTTONI; MAIA, 2019d), composto pela narrativa de uma
professora que explica à sua turma, com palavras simples e diretas, sobre as necessidades e
potencialidades do novo aluno, autista. Embora tenha sido planejado para uso em espaços
escolares, com finalidade de apoio à inclusão educacional infantil (OTTONI; MAIA, 2019e),
não há dúvidas de que essa descerimoniosa produção tenha servido à função de organizar
nossas ideias, para que pudéssemos propor novos rumos ao trabalho acadêmico.
Compreende-se, assim, que a presente tese foi gestada a partir da referida trajetória, e integra
contribuições das diversas pessoas que dela participaram.
Dentre as muitas inquietações que motivaram este trabalho, três foram determinantes
para seu delineamento: primeiramente, gostaríamos de saber como a literatura científica
vinha abordando a sexualidade de pessoas autistas, especialmente de adultos, em suas
próprias perspectivas, e quais conhecimentos haviam sido construídos até então pela ciência.
Em segundo lugar, nos questionávamos sobre o que as pessoas autistas tinham a dizer: seus
anseios, ideias, opiniões, experiências, afetos, saberes, dificuldades e prazeres. Por fim,
indagávamos como os conhecimentos produzidos no contexto acadêmico poderiam ser
divulgados à comunidade em geral, especialmente às pessoas autistas, com linguagem
acessível.
Optamos por apresentar a tese fragmentada em três estudos: o primeiro, “Sexualidade
de adultos autistas: estudo de revisão sistemática de literatura”, foi composto por uma revisão
bibliográfica organizada; o segundo, “Sexualidade na perspectiva de adultos autistas:
análises qualitativas”, uma pesquisa descritiva empírica; o terceiro, “Relato sobre a produção
da cartilha “Diverso Singular: autismo, vida adulta, sexualidade e educação sexual”, um
breve escrito para contextualizar o produto técnico, anexado ao final. Antecedendo os estudos
há uma Introdução Geral, e após, uma seção de Considerações Finais.
12

Almejamos ampliar o alcance da tese publicando os dados em veículos acadêmicos,


especialmente no formato de artigos científicos, e em mídias sociais, com adaptações na
linguagem e formato para que públicos variados tenham acesso aos dados. Além da
submissão de manuscritos a revistas científicas, escolhemos a plataforma online e gratuita
Instagram4, na qual por meio do perfil denominado “Diverso Singular”5 os estudos serão
divulgados em vídeos, textos, imagens e momentos síncronos interativos. Este será, também,
o principal modo de acesso ao produto técnico, disponível para download gratuito.

4
O Instagram é um aplicativo que utiliza essencialmente recursos visuais, como fotos e vídeos, para
divulgação de conteúdos de naturezas diversas. É gratuito, disponível a pessoas com mais de 18 anos de
idade, e tem políticas restritivas quanto à violação de direitos humanos.
5
O perfil pode ser acessado utilizando o termo @diverso.singular no campo de busca do aplicativo, e o
formato está programado para que todo conteúdo seja aberto e acessível, com campos como Texto
Alternativo a pessoas com deficiências visuais, legendas para o caso de dificuldades auditivas e página com
todos os materiais citados nas postagens para download integral (artigos, capítulos de livro, dissertação e,
futuramente, tese e material informativo). Sua organização prévia foi realizada para que o conteúdo seja
disponibilizado aos 800 seguidores que atualmente compõem o público atingido, bem como futuros
acessos.
13

INTRODUÇÃO GERAL
O autismo foi referido pela primeira vez, com tal nomenclatura, por Leo Kanner, em
estudos conduzidos e publicados na década de 1940, nos Estados Unidos. O médico era uma
grande referência na recém-criada psiquiatria infantil, e ao observar casos clínicos com sinais
como dificuldades no desenvolvimento da linguagem, da socialização e comportamentos
atípicos em termos sensoriais e de repetição, percebeu a necessidade de criar uma categoria
diagnóstica. Na mesma época, em Viena, Hans Asperger fez registros de crianças com
padrões similares, porém maiores desempenhos em avaliações cognitivas e comunicativas
(DONVAN; ZUCKER, 2017).
A ideia de que os casos avaliados por Asperger teriam autonomia, inteligência e
habilidades de comunicação elevadas se manteve no Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM) e na Classificação Internacional de Doenças (CID) - o autismo
de Kanner era referido informalmente como “clássico” e o de Asperger como “leve”. Na
CID-106 e no DSM-IV7, utilizava-se a classificação de diversos subtipos de autismo, com
medidores de intensidade tais quais “moderado” e “severo”. Em comum, todos os
diagnósticos compartilhavam três características centrais: déficits na comunicação, na
linguagem, e padrões de comportamentos repetitivos (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2005).
A prática clínica e os estudos científicos evidenciaram ser possível e necessária a
unificação de tais subtipos diagnósticos em um continuum, sintetizado na quinta edição do
DSM pela nomenclatura Transtorno do Espectro Autista (DONVAN; ZUCKER, 2017).
Antes considerado parte dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, passou a ser
enquadrado no grupo dos Transtornos de Neurodesenvolvimento, e as três características
gerais foram reformuladas em duas: déficits na comunicação social, e interesses, assuntos ou
movimentos restritos e repetitivos. Os especificadores passaram a expressar o suporte a ser
oferecido para a pessoa diagnosticada, variando entre Nível 1 e Nível 3 de acordo com a
crescente necessidade de apoio (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). A

6
Na décima edição da CID, tinha-se o Autismo Infantil, Autismo Atípico, Síndrome de Rett, Outro
Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno com hipercinesia associado a retardo mental e
movimentos estereotipados, Síndrome de Asperger, Outros Transtornos Globais do Desenvolvimento e
Transtornos Globais não especificados do Desenvolvimento.
7
O DSM-IV propôs categorização similar à CID-10: Transtorno Autista, Transtorno de Rett, Transtorno
Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra
Especificação.
14

CID-11 propôs classificação inspirada nos avanços do DSM-5, embora possam ser
observadas variações nas nomenclaturas8 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
As mudanças diagnósticas foram importantes por inúmeras razões, entretanto, a
imensa quantidade de termos linguísticos utilizados e modificados impôs um desafio aos
pesquisadores da área: como referenciar o público-alvo de seus estudos. Sabe-se que o uso
de descritores, mesh terms e palavras-chave são essenciais para que estudiosos comuniquem
seus achados e encontrem literatura convergente a seus interesses. No caso de pesquisas que
envolvem a temática do autismo isso é delicado tanto devido à história supracitada, quanto
pelo fato de que, na maior parte dos contextos, fazer afirmações sobre pessoas TEA de Nível
1 é radicalmente diferente dos Níveis 2 e 3, o que exige tomadas de decisões para especificar
o escopo.
Na tentativa de mitigar tal problema, em estudos anteriores (OTTONI; MAIA,
2019a/2019b), voltados a pessoas antigamente incluídas no diagnóstico de Síndrome de
Asperger, ou no descritor “leve” de autismo, optou-se pelo uso da sigla TEA/SA, que
representava o conceito de espectro, e englobava participantes com autonomia significativa,
desenvolvimento avançado de linguagem funcional e sem deficiência intelectual. Embora tal
sigla tenha facilitado a comunicação científica de modo imediato, alguns fatos históricos
evidenciaram a necessidade de revisão do seu uso (DONVAN; ZUCKER, 2017).
Donvan e Zucker (2017), em uma notável historiografia sobre o autismo, relataram
que, quando o grupo de pesquisadores responsáveis pela elaboração do DSM-IV considerou
homenagear Hans Asperger, incluindo seu sobrenome no diagnóstico, ele foi retratado por
familiares e comunidade como um profissional cuidadoso e humanizado, merecedor de tal
ação. Entretanto, após alguns anos, evidências e documentações comprovaram a colaboração
do médico com o regime nazista, contribuindo ativamente para a morte de muitas pessoas no
genocídio alemão – especialmente crianças autistas com características mais “acentuadas”.
Assim, em respeito à história e memória, optou-se por suprimir o nome de Asperger, como
forma de negação da errônea menção honrosa a ele atribuída.
Consequentemente, o uso da sigla TEA/SA tornou-se inviável, tal qual os
estigmatizantes descritores de “graus” do autismo. Assim, para fazer referência aos

8
A CID-11 classifica o autismo enquanto espectro, e as subcategorias são: TEA sem Deficiência Intelectual
(DI) e com comprometimento leve ou ausente de linguagem funcional; TEA com Deficiência Intelectual
(DI) e com comprometimento leve ou ausente de linguagem funcional; TEA sem DI e com linguagem
funcional prejudicada; TEA com DI e com linguagem funcional prejudicada; TEA sem DI e com ausência
de linguagem funcional; TEA com DI e com ausência de linguagem funcional; Outro TEA especificado e
TEA não especificado.
15

subgrupos do TEA, elegeu-se como possibilidade a forma utilizada pelos movimentos


sociais: TEA de Suporte 1, 2 ou 3, de acordo com a substancialidade de apoio necessária,
sendo o TEA/S1 sinônimo do TEA/SA – e de Autismo Leve, Autismo de Alto
Funcionamento e Autismo Savant. Ativistas, especialmente dos grupos do Movimento da
Neurodiversidade, sinalizam também preferir o termo “pessoa autista” a “pessoa com
autismo”, tendo em vista a demarcação do TEA como parte de sua identidade, e não algo
anexo a si9 (SOLOMON, 2013).
As pesquisas sobre TEA têm sido citadas como campeãs de investimentos financeiros
na história da epidemiologia mundial (SOLOMON, 2013), tanto pela relevância do tema,
quanto pelo expressivo aumento de prevalência na população (BAIO et al., 2020). O campo
científico é composto por conhecimentos variados, complementares, e muitas vezes
discordantes ou contraditórios entre si. Há intensos debates acerca das possíveis causas do
TEA, eficácia das terapêuticas propostas, medicalização e métodos de inclusão. Tratando-se
de uma condição presente desde o nascimento, é compreensível que um dos maiores focos
de estudo seja relacionado à primeira infância. Além disso, os dados sobre potenciais do
diagnóstico e da intervenção precoces (GOMES; SOUZA; SILVEIRA; OLIVEIRA, 2017)
contribuem para que os estudos infantis predominem a literatura da área.
Tem sido discutida, entretanto, a importância de atenção às pessoas autistas adultas e
idosas (MILLER et al., 2018), especialmente porque que muitas receberam diagnóstico
tardio (LEWIS, 2016), não passaram por intervenções em outros momentos do ciclo vital e,
muitas vezes, ficaram à margem das políticas de inclusão (EAVES; HO, 2008), ainda
recentes em nossa sociedade (BRASIL, 2012; 2015). Embora sejam observados avanços nos
estudos, há variáveis que necessitam diligência, como programas de moradias autônomas,
trabalho, sociabilidade etc. (NEWPORT; NEWPORT, 2002; SOLOMON, 2013).
Na pesquisa longitudinal conduzida por Eaves e Ho (2008), evidenciaram-se questões
das vivências da vida adulta, como altos índices de obesidade, uso intenso de medicamentos
e comorbidades. A coexistência do TEA com transtornos psiquiátricos de humor, ansiedade
ou personalidade, também vem sendo citada como significativa (BEJEROT; ERIKSSON;
MORTBERG, 2014; VANNUCCHI et al., 2013), sem haver, entretanto, consenso sobre a
natureza desta correlação. São abordados, ainda, relatos sobre independência limitada, baixo

9
Ao longo do texto serão utilizadas as siglas TEA/S1, TEA/S2 e TEA/S3 para referenciar os diferentes
níveis de suporte e, sempre que possível, o termo “autista” ou “pessoa/mulher/homem/adolescente autista”.
Quando necessário falar sobre pessoas com TEA/S1, será usado “pessoas TEA/S1”, suprimindo o “com”
pelas razões apresentadas, como um formato simplificado de “autistas que necessitam de suporte no nível
1”.
16

status econômico, dificuldades para manter-se nos empregos ou realizar planejamentos


familiares (EAVES; HO, 2008; GRAY et al., 2014; MILLER et al., 2018). Preocupações
com relação ao envelhecimento, tais quais necessidade de acompanhamento da
aposentadoria, morte, luto e perda de pares (EDELSON et al., 2020) também são apontadas.
A sexualidade, enquanto dimensão ampla e complexa, presente no desenvolvimento
humano (MAIA, 2010), constitui um dos tópicos centrais nas discussões sobre autismo e vida
adulta. A noção de que pessoas autistas possuem direitos sexuais, interesses, desejos e
prazeres, representou ganhos científicos e sociais, nos últimos anos (VIEIRA, 2016a;
BRASIL, 2015). Atualmente, os estudos têm explorado temas importantes, como o alto risco
de vitimização para violências sexuais (PECORA et al. 2020); engajamento em relações
íntimas (SALA; HOOLEY; STOKES, 2020); processos de educação sexual (SOLOMON,
PANTALONE; FAJA, 2019); questões sobre ser mulher autista (KOCK et al., 2019);
desafios sociais implicados em relacionamentos românticos (SPERRY; MESIBOV, 2005),
entre outros.
Estudos prévios indicaram que características típicas do autismo, como hiperfocos,
sensibilidades sensoriais, dificuldades nas habilidades sociais e compreensão comunicativa,
impactam suas experiências sexuais (OTTONI; MAIA, 2019a; OTTONI; MAIA, 2019b;
OTTONI; MAIA, 2019c). Evidenciam, ademais, a falta de programas interventivos com
orientações sobre sexualidade, ou espaços onde o assunto possa ser tratado com segurança e
liberdade (VIEIRA, 2016a). Além da multiplicidade temática encontrada na literatura,
podem ser observadas também diferentes abordagens, variando, por exemplo, de óticas
biologizantes a neurodiversas, compondo um campo de conhecimento repleto de
pluralidades.
Este substrato científico oportunizou a emergência de perguntas que conduziram a
elaboração e escrita dos estudos a seguir apresentados: Quais os métodos empregados e
resultados obtidos por estudos que se propuseram estudar a sexualidade de pessoas autistas,
a partir de suas próprias perspectivas? Quais seriam as vivências e opiniões de adultos com
TEA, sobre sexualidade? Como estes dados podem ser apresentados a seu público-alvo, em
ações de apoio a seus direitos sexuais?
17

ESTUDO 1

SEXUALIDADE DE ADULTOS AUTISTAS: ESTUDO DE REVISÃO


SISTEMÁTICA DE LITERATURA
18

RESUMO

A literatura científica tem evidenciado a necessidade de investigar sobre a sexualidade de


pessoas com Transtorno do Espectro Autista/Nível de Suporte 1 (TEA/S1) para apoiá-las na
defesa de seus direitos e vivências sexuais. O objetivo deste estudo foi analisar quais os
delineamentos metodológicos e resultados obtidos na investigação científica sobre
sexualidade, em pesquisas cujos participantes tenham sido adultos autistas. Trata-se de uma
revisão sistemática de literatura, embasada na recomendação PRISMA (Principais Itens para
Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises), fragmentada em três passos. No primeiro, de
levantamento bibliográfico, realizou-se busca por artigos científicos sem delimitação de data
inicial de publicação, até julho de 2019, disponibilizados em língua portuguesa e inglesa nas
bases de dados Scielo, Pubmed, SCOPUS, Lilacs e Web of Science, a partir das combinações
de palavras-chave autism AND sexuality; asperger AND sexuality; transtorno do espectro
autista AND sexualidade; autismo AND sexualidade. Após leitura de todos os títulos e
resumos, os artigos foram armazenados em dispositivo eletrônico para seleção minuciosa, no
qual excluiu-se os duplicados e díspares da temática da pesquisa. Duas pesquisadoras
analisaram os artigos restantes, de forma independente, a partir de um protocolo detalhado
acerca do público-alvo e critérios de inclusão da amostra. O terceiro passo foi composto pela
análise e categorização dos dados, lidos integralmente e fichados de acordo com seus itens
metodológicos e resultados encontrados, sendo estes organizados em categorias emergentes
a partir do método de análise de conteúdos. Os 667 artigos encontrados inicialmente foram
triados para 30 na temática do trabalho, e selecionados 19, de acordo com a análise
protocolar. A diversidade metodológica dos trabalhos resultou na apresentação de resultados
múltiplos, categorizados em: a) características gerais da sexualidade de pessoas com
TEA/S1; b) déficits e vulnerabilidades; c) questões de identidade de gênero e orientação
sexual. Concluiu-se que artigos com instrumentos construídos especificamente às pessoas
autistas e possibilidades de respostas abertas foram mais profícuos à obtenção de dados
descritivos, bem como métodos de levantamento direto e análises neurodiversas. Criticou-se
a perspectiva da hegemonia neurotípica presente em muitos dos artigos analisados, bem como
abordagens biologicistas, medicalizantes e patologizadoras. Futuras pesquisas sobre
sexualidade de pessoas com TEA/S1 poderão ser mais férteis caso utilizem métodos
exploratórios ou descritivos, instrumentos variados, abertos e adaptados, com participantes
autistas, na lógica da autoadvocacia, e com análises que partam da sexualidade ampla,
histórica, social, cultural e complexa, desconstruindo a visão normatizadora e essencialmente
neurotípica.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Autismo. Síndrome de Asperger.


Sexualidade. Educação Sexual.
19

ABSTRACT

The scientific literature has shown the need to investigate the sexuality of people with
Autistic Spectrum Disorder (ASD/S1), to support them in the defense of their sexual rights
and experiences. The purpose of this study was to make a survey and describe articles on the
subject, whose participants had been autistic adults, analyzing their methodological designs
and results achieved. It is a systematic literature review, based on PRISMA recommendation
(Main Items for Reporting Systematic Reviews and Meta-analyses), divided into three steps.
In the first, a bibliographic survey, a search for scientific articles was carried out without
determining the initial date of publication, until July 2019, available in Portuguese and
English in Scielo, Pubmed, SCOPUS, Lilacs and Web of Science databases, a from the
combinations of keywords autism AND sexuality; Asperger AND sexuality; autistic
spectrum disorder AND sexuality; autism AND sexuality. After reading all the titles and
abstracts, the articles were stored in an electronic device to start the next step, the detailed
selection, in which duplicates and disparities in the research theme were excluded. Two
researchers analyzed the remaining articles independently, based on a detailed protocol about
the target audience and sample inclusion criteria. After full agreement between the
researchers, the third step consisted of analyzing and classifying the data, read in full and
recorded according to their methodological items and results found, which are organized into
emerging categories based on the content analysis method. The 667 articles found initially
were screened to 30 on the theme of the work, and 19 were selected, according to the protocol
analysis. The methodological diversity of the works resulted in the presentation of multiple
results, classified into: a) general characteristics of sexuality of people with ASD/AS; b)
deficits and vulnerabilities; c) issues of gender identity and sexual orientation. The
conclusion was that articles with instruments built specifically for autistic people and
possibilities for open responses were more productive to obtain descriptive data, as well as
direct survey methods and neurodiverse analyses. The perspective of neurotypical hegemony
present in many of the analyzed articles was criticized, as well as biologists, medicalizing
and pathologizing approaches. Future research on sexuality of people with ASD / AS may be
more fertile if they use exploratory or descriptive methods, varied, open and adapted
instruments, with autistic participants, in the logic of self-advocacy, and with analyses
starting from broad, historical, social, cultural and complex, deconstructing the normative
and essentially neurotypical view.

Keywords: Autism Spectrum Disorder. Autism. Asperger’s Syndrome. Sexuality. Sex


Education.
20

1 INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição de neurodesenvolvimento
definida por duas características centrais: dificuldades na comunicação social, e
comportamentos, interesses ou movimentos restritos e repetitivos. O termo espectro,
incorporado pela quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-5), sinaliza a amplitude das expressões dessas características, denotando que as
pessoas autistas são profusamente diferentes entre si, variando de extremos onde há
necessidade de apoio substancial para funcionalidade, a outros nos quais o suporte pode ser
pontual (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
O diagnóstico de TEA deve ser estabelecido por uma equipe multidisciplinar, que
mediante análise clínica investiga, além das duas características básicas do autismo, sinais
complementares, como a hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais.
Observa-se, por exemplo, dificuldades associadas ao sono e à alimentação; rigidez em termos
de rotinas, ordem e sequências; brincadeiras pouco imaginativas; custo para manter contato
visual; déficits motores; interações atípicas com pares etc. Essas evidências não estão
simultânea ou imprescindivelmente presentes, mas representam indícios de apoio ao
diagnóstico, assim como a coexistência com Deficiência Intelectual, Transtorno do Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Epilepsia, Distúrbios do sono e constipação
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
A instituição da nomenclatura “Transtorno do Espectro Autista”, em 2013, implicou
na incorporação de diagnósticos parelhos em sua abrangência, como Síndrome de Asperger,
Transtorno Autista sem Outra Especificidade e Síndrome de Rett (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014; ASSUMPÇÃO JUNIOR; KUCZYNSKI, 2015).
Embora a unificação seja um facilitador em termos diagnósticos, há autores que indicam a
importância de manter uma sinalização diferencial, considerando a identidade de
determinada população, por isso serão utilizados TEA de Suporte 1, 2 ou 3, de acordo com a
necessidade de apoio dos subgrupos (SOLOMON, 2013; VIEIRA, 2016).
Autistas que necessitam de suporte 1 (TEA/S1) apresentam características comuns ao
espectro geral, e de maneira específica, seu desenvolvimento intelectual é melhor avaliado,
estando muitas vezes nos escores médios ou acima para a idade cronológica, além de se
expressarem verbal e oralmente com maior desenvoltura e autonomia (AMORIM, 2011;
KLIN, 2006). Essas pessoas frequentemente manifestam dificuldades para demonstrar
sutilezas emocionais e identificar sentimentos alheios, o que pode gerar situações de
sinceridade exacerbada. Para muitas delas, as argumentações sobre questões cotidianas são
21

mais racionais, e o envolvimento em diálogos sem intenção comunicativa direta – conhecidos


como bate-papos – é menor (CAMARGOS JR., 2013; KLIN, 2006; OTTONI; MAIA, 2019a;
OTTONI; MAIA, 2019b).
Diversas pessoas TEA/S1 relatam facilidade para aprendizagem de conteúdos
acadêmicos que exigem habilidades lógicas, como matemática, e uma das principais
características dessa população é o hiperfoco, ou seja, o interesse em um assunto restrito por
longos períodos. São notáveis também inflexibilidades com relação a hábitos e preferências,
estereotipias motoras ou rigidez muscular, e, em alguns casos, características singulares
especiais, como alto desempenho em determinado assunto ou habilidade (CAMARGOS JR.,
2013; KLIN, 2006; OTTONI; MAIA, 2019a; OTTONI; MAIA, 2019b).
A diferença abissal entre pessoas TEA/S1 para TEA/S3 fomenta um embate no qual
foram polarizadas duas posições: o grupo pró-cura, insistente no investimento em
descobertas científicas que viabilizem a cura, ou amenização de características autísticas; e
o movimento da neurodiversidade, centrado na ideia de que o autismo é uma identidade a ser
valorizada, e que a referência da normalidade social seria grande geradora de desvalia desse
público. O primeiro grupo é, em sua maioria, composto por familiares de pessoas autistas
que necessitam apoio muito substancial e, portanto, inseridos em uma realidade desafiadora
com relação ao cotidiano e desenvolvimento dos filhos, enquanto o segundo é massivamente
representado por pessoas com TEA/S1, interessadas na autodefensoria (ORTEGA, 2009;
SOLOMON, 2013).
A ideia de que um movimento extrai investimentos financeiros e científicos do outro,
faz com que o embate seja acentuado e agressivo. Entretanto, há autores e ativistas que
defendem ambas as posições, com aplicação de recursos nas intervenções de reabilitação para
pessoas autistas e estudos das neurociências, aliadas à defesa da identidade, do respeito, e do
arranjo social inclusivo (GRANDIN; PANEK, 2015; SOLOMON, 2013). No Brasil, as
diretrizes legais sustentam os dois pontos de vista simultaneamente, ou seja, o oferecimento
de intervenções voltadas ao sujeito com deficiência e a reorganização social para inclusão,
sendo previsto na Lei nº 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão (LBI), tanto
o acesso aos serviços de educação e saúde, quanto as modificações de barreiras para a
promoção da igualdade (BRASIL, 2015; OMOTE, 1999).
O presente trabalho, focado na sexualidade de pessoas com TEA/S1, considera a Lei
nº 12.764 de 2012, segundo a qual pessoas no espectro são consideradas com deficiência e
têm, portanto, acesso aos direitos previstos na Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2012). A
22

lei reafirma garantia ao casamento e união estável, direitos sexuais e reprodutivos,


planejamento familiar e conservação da fertilidade (BRASIL, 2015).
Alguns estudos sobre a sexualidade de pessoas com TEA/S1 indicam que,
comparativamente às neurotípicas, há interesses e engajamentos sexuais similares, ao passo
que outros apontam para maior número de assexualidade na população (NEWPORT;
NEWPORT, 2002). Diversas pesquisas versam sobre as dificuldades de pessoas autistas em
relacionamentos amorosos devido às habilidades sociais e hipersensibilidades (BALLAN,
2012; FISHER; MOSCOWITZ; HODAPP, 2013; STOKES; NEWTON; KAUR, 2007),
enquanto outras abordam incidência de crimes, vitimizações e hábitos sexuais atípicos
(MAHONEY; POLING, 2011; MOURIDSEN, 2012). Um dos poucos consensos
encontrados na literatura até então, são os índices de violências sexuais expressivos, seja
pelas dificuldades de identificar e relatar essas situações (MAHONEY; POLING, 2011) ou
pelo processo de educação sexual deficitário vivenciado (VIEIRA, 2016).
Observa-se, nos artigos científicos sobre a sexualidade de pessoas com TEA/S1,
diferentes métodos e enfoques, sendo que muitos utilizam relatos de cuidadores e familiares
(VIEIRA, 2016), ao invés de proporcionar lugar de fala ao público; tecem comparações com
a sexualidade neurotípica (MAY; PANG; WILLIAMS, 2017), ou reproduzem ideias
biologicistas e repletas de mitos sobre a sexualidade de pessoas com deficiência (BEJEROT;
ERIKSSON, 2014; MAIA; RIBEIRO, 2010). Percebe-se, assim, que mesmo sem
intencionalidade, alguns estudos ferem os princípios da autoadvocacia, ou seja, da
oportunidade de as próprias pessoas com deficiência falarem sobre suas necessidades,
opiniões e anseios, assumindo a centralidade do movimento inclusivo (LINDOLPHO et al.,
2020).
Por outro lado, há estudos assentados na ideia geral do “nada sobre nós sem nós”, nos
quais as pessoas autistas participam ativamente das tomadas de decisões. Isso não significa,
necessariamente, que todos os pesquisadores e ativistas devem ser incluídos no espectro, mas
que garantam a oportunidade de participação na organização social, política e científica. Esta
perspectiva, denominada neurodiversa, afirma a identidade autista como possível e
autônoma, mas não pode ser, obviamente, generalizada a todo espectro (ORTEGA, 2009).
Frente à multiplicidade dos estudos acerca da sexualidade de pessoas autistas,
considera-se essencial compilar sistematicamente os dados publicados na literatura científica
e analisar os métodos e resultados obtidos, para apontar um possível direcionamento às
futuras pesquisas da área.
23

2 OBJETIVOS
Analisar quais os delineamentos metodológicos e resultados obtidos na investigação
sobre a sexualidade de pessoas com TEA/S1, cujos participantes tenham sido adultos autistas.

3 MÉTODO
Trata-se de um estudo de Revisão Sistemática de Literatura (RSL), que consiste na
identificação de publicações sobre determinada temática, com métodos claros e organizados
para busca, propondo avaliação de qualidade, com rigor em suas etapas (GUANILO;
TAKAHASHI; BERTOLOZZI, 2011). Para operacionalização do trabalho, utilizou-se a
recomendação PRISMA (Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-
Análises), composta por 27 itens de um checklist organizado, elencando elementos
necessários para que uma RSL seja realizada, com melhores relatos de pesquisas (MOHER
et al., 2009).
Assim como Guerra et al., (2019) propuseram, as etapas do PRISMA foram
fragmentadas em três: a) levantamento bibliográfico; b) seleção dos artigos; c) análise e
categorização dos dados. Optou-se, também, de forma similar às autoras, por seguir
adicionalmente as recomendações de Sampaio e Mancini (2007), que indicam os passos: a)
definir a pergunta de pesquisa, contendo condição de interesse, população, contexto,
intervenção e desfecho; b) buscar evidências a partir dos critérios delimitados para inclusão
e exclusão da amostra; c) revisar e selecionar os estudos de acordo com critérios
estabelecidos, com participação de dois pesquisadores independentes; d) analisar a qualidade
metodológica dos estudos; e) apresentar os resultados. Considerando que os estudos
envolvidos na temática foram essencialmente de natureza qualitativa, exploratórias ou
descritivas, os passos de descrição de desfechos, comuns aos estudos interventivos, foram
suprimidos por não existirem nos trabalhos recuperados.
Em convergência aos objetivos do estudo, estruturou-se como pergunta de pesquisa
“Quais os métodos empregados e resultados obtidos por pesquisas que se propuseram estudar
a sexualidade de pessoas com TEA/S1, a partir da perspectiva de adultos autistas?”.

3.1 Etapa 1: Levantamento Bibliográfico/Busca das evidências


Para realizar o levantamento bibliográfico, foram delimitados os seguintes critérios
de inclusão da amostra: a) pesquisas publicadas no formato de artigo científico; b) sem
delimitação inicial de data de publicação, até julho de 2019; c) disponibilizados em língua
portuguesa ou inglesa. Não houve restrições de áreas ou periódicos de publicação.
24

As combinações de palavras-chave utilizadas foram: autism AND sexuality; asperger


AND sexuality; transtorno do espectro autista AND sexualidade; autismo AND sexualidade,
e as bases de dados para busca, Scientific Electronic Library Online (Scielo), PubMed,
SCOPUS, Lilacs e Web of Science. Realizou-se a coleta nos dias 24, 25 e 26 de julho de
2019, e nesta etapa de busca, foram lidos os títulos e resumos dos trabalhos, para verificação
no enquadramento dos critérios de inclusão da amostra, e por fim, baixou-se e armazenou-se
os artigos selecionados em dispositivo eletrônico, para o próximo passo.

3.2 Etapa 2: Seleção dos artigos/Revisão e triagem dos estudos


Os artigos armazenados no passo anterior foram organizados, e excluiu-se os
duplicados. Então, fez-se a leitura do título e resumo dos trabalhos selecionados, sendo
descartados aqueles fora do enquadramento no tema da pesquisa – no caso, descrição da
sexualidade ou de aspectos sexuais de pessoas autistas. A partir desse momento, duas
pesquisadoras independentes realizaram a análise dos artigos restantes, para seleção refinada
dos trabalhos, buscando como público-alvo pessoas no espectro específico do TEA/S1, ou
seja, pessoas com comportamento verbal bem desenvolvido, autonomia para participação,
desenvolvimento intelectual não rebaixado. Fez parte desse filtro, ainda, a seleção de artigos
com participação exclusiva de pessoas autistas, descartando aqueles que envolveram
familiares e/ou profissionais, tendo em vista o foco na autoadvocacia dado pelo presente
trabalho.
Foi proposta a exclusão de artigos sobre crianças ou adolescentes, para demarcação da
necessidade de estudos sobre a vida adulta dessa população, e de trabalhos que tratem de
outras condições coexistentes, já que os aspectos da sexualidade poderiam estar relacionados
a elas, e não ao TEA/S1. Esses critérios foram sintetizados no protocolo de análise,
apresentado no Quadro 1, utilizado pelas duas pesquisadoras.

Quadro 1. Protocolo de análise dos artigos armazenados para seleção


Os dados das pesquisas devem se referir exclusivamente a adultos diagnosticados com
Transtorno do Espectro Autista na variação leve/Suporte 1/Alto Funcionamento,
tomados aqui como sinônimos e sintetizados na sigla TEA/S1.
Incluir:
I. Trabalhos que façam referência aos diagnósticos de Síndrome de Asperger e/ou
Transtorno do Espectro Autista Leve e/ou Autismo Leve e/ou Autismo de Alto
Funcionamento;
II. Trabalhos que descrevam como critério de inclusão da amostra avaliações de
desenvolvimento cognitivo, para seleção de pessoas autistas sem comorbidade, como
déficits intelectuais; avaliações de desenvolvimento verbal, para verificação de
25

condições de coletas por meio de entrevistas ou questionários; ou avaliações de


funcionalidade.
Caso o artigo analisado não cumpra, minimamente, um dos dois requisitos acima, deve
ser excluído.
Excluir:
III. Trabalhos sobre pessoas com outros espectros do autismo;
IV. Trabalhos sobre pessoas que tenham deficiências coexistentes ao TEA/S1, como
Síndrome de Down, Deficiência Intelectual, Deficiência Visual etc.;
V. Trabalhos com dados referentes a crianças, adolescentes ou idosos (considerando
como criança, adolescente ou idoso a descrição do próprio artigo, e não um marcador
cronológico unificado);
VI. Trabalhos com dados coletados de familiares e/ou profissionais, mesmo que
também incluam pessoas com TEA/S1.
Fonte: Elaborado pelas autoras

Após a seleção, foram destacados os artigos com as características compatíveis às


estabelecidas pelo protocolo, para a próxima etapa.

3.3 Etapa 3: Análise e categorização dos dados/Análise da qualidade


metodológica dos estudos e apresentação dos resultados

Os trabalhos selecionados foram lidos integralmente, e fichados de acordo com os


itens metodológicos, ou seja, autores, título, ano de publicação, periódico (Quadro 2),
natureza da pesquisa, instrumentos utilizados, e participantes ou documentos incluídos na
amostra (Quadro 3) e, por fim, resultados apresentados (Quadro 4). Para analisar os
elementos metodológicos (Quadros 2 e 3), foram realizadas comparações entre as lacunas
dos estudos e resultados obtidos por eles, de acordo com os delineamentos propostos.
Com relação aos resultados, especificamente, utilizou-se análise de conteúdos para
agrupar os dados em categorias temáticas emergentes, de acordo com sua similaridade
(BARDIN, 2011). O tema dos conteúdos analisados foi identificado por meio das palavras,
a partir de uma leitura flutuante dos resultados compilados no Quadro 4 (APÊNDICE A). A
análise foi exaustiva, ou seja, considerou todo o material organizado, mutuamente exclusiva,
já que um mesmo trecho não se enquadrou em mais que uma categoria, e concretas
(BARDIN, 2011; BORTOLOZZI, 2020).

3.4 Análise de Concordância

O protocolo de análise dos artigos armazenados para seleção (Quadro 1) foi


apresentado para duas pesquisadoras, juntamente com o objetivo geral do estudo e os artigos
selecionados para esse passo. Os critérios descritos foram discutidos para verificação de sua
compreensão e foi realizada a análise independente. Para a sistematização dos dados, ambas
26

pesquisadoras leram os artigos selecionados, buscando enquadramento nos critérios do


protocolo, e produziram um registro justificando a inclusão ou exclusão. Para cálculo da
porcentagem de concordância, o número de artigos cujas avaliações foram similares foi
dividido pela soma das concordâncias e discordâncias, e multiplicado por 100 (MCINTYRE;
GRESHAM; DIGENNARO; REED, 2007).
Comparando os resultados obtidos por ambas as pesquisadoras, obteve-se
concordância de 90%. Dos 30 artigos, houve divergência em 3, que eram de natureza
documental, ou seja, analisavam biografias, revistas ou documentos escritos por pessoas com
TEA/S1. Por não haver um item específico sobre métodos documentais no protocolo, uma
das pesquisadoras os incluiu enquanto a outra os excluiu, o que gerou análise conjunta e
consenso de inclusão desses trabalhos, por tratarem do tema com dados de pessoas cujas
características eram previstas para os estudos empíricos.

4 RESULTADOS
4.1 Etapa 1: Levantamento Bibliográfico/Busca das evidências e Etapa 2:
Seleção dos artigos/Revisão e triagem dos estudos
Foram encontrados 667 artigos nas bases de dados disponíveis para download. Após a
organização dos arquivos armazenados, foram excluídos 200 duplicados. Os títulos e
resumos dos 467 trabalhos restantes foram lidos para análise do enquadramento na temática
específica do trabalho, ou seja, descrição da sexualidade de pessoas com TEA/S1 a partir de
coletas diretas, restando 30 artigos. Para o refinamento final, a aplicação do protocolo de
análise das pesquisadoras resultou em 19 artigos. Os dados quantitativos estão expressos no
Diagrama Prisma (Figura 1).
27

Figura 1: Diagrama Prisma (Prisma Flow Diagram)

Identificação Nº de trabalhos identificados nas Nº de trabalhos identificados em


bases de dados outras fontes
(667) (0)

Nº de trabalhos após exclusão dos duplicados


Seleção (467)

Trabalhos rastreados Trabalhos excluídos (fora


(467) da temática) (437)
Eligibilidade

Artigos em texto completo Artigos excluídos por


avaliados por protocolo pesquisadoras
(30) (11)

Inclusão Estudos incluídos em


síntese qualitativa
(19)

Fonte: Modelo disponibilizado pelo site oficial do PRISMA, acesso em: http://www.prisma-
statement.org/PRISMAStatement/FlowDiagram

Dos 30 artigos lidos integralmente pelas pesquisadoras, e analisados a partir dos


parâmetros do protocolo proposto, 11 foram excluídos, sendo: seis devido ao fato de
integrarem adolescentes nas coletas de dados; um porque trabalhou com diversos espectros
do autismo, simultaneamente; dois descartados porque familiares e profissionais também
participaram da coleta, e dois porque as pessoas tinham Deficiência Intelectual moderada,
além do TEA.
28

4.2 Etapa 3: Análise e categorização dos dados/Análise da qualidade


metodológica dos estudos e apresentação dos resultados

Os dados referentes aos aspectos metodológicos dos estudos foram descritos em


passos: o primeiro se refere às características gerais (para cada artigo foi atribuído um
número, de forma a facilitar referência posterior, e a sequência se deu de acordo com a
cronologia de publicação, em ordem crescente). O segundo descreve características sobre a
natureza dos estudos, instrumentos utilizados e população e, finalmente, em um terceiro
passo, os resultados obtidos nos artigos selecionados.
Os estudos foram conduzidos, em geral, por autores e grupos diversos, havendo
repetição somente nos artigos A5, A8 e A14, escritos por Byers e Nichols (2013, 2014, 2018).
No primeiro, as autoras aplicaram um questionário para desenvolvimento de pesquisa
descritiva sobre sexualidade e TEA/S1, enquanto no segundo propuseram normatização de
uma escala com a mesma finalidade, e no terceiro estudaram comportamentos sexuais online.
Por comporem três coletas de dados e análises diferentes, todos foram mantidos nas etapas
seguintes (Quadro 2).
Sobre os periódicos de publicação, percebe-se que todos contêm trabalhos em língua
inglesa, embora sejam receptivos para estudos de nacionalidades diversas. Foram oito
pesquisas encontradas em revistas focadas no autismo: Autism (1), Research in Autism
Spectrum Disorders (2), Journal of Autism and Developmental Disorders (3), Focus on
Autism and Other Developmental Disabilities (1), Advances in autism (1). Sete dos trabalhos
foram publicados em periódicos sobre sexualidade, como Sexualities (1), Sexuality and
disability (5) e Perspectives on Sexual and Reproductive Health (1); e quatro em revistas de
medicina, educação ou psicologia gerais: PLoS ONE (1), Journal Of Clinical Psychology (1),
Journal of Clinical Medicine (1), International jornal of educational research (1) (Quadro
2).
Quadro 2: Descrição dos estudos em termos de autoria, título, ano e periódico de publicação.
Nº Autores e Título Periódico Ano
A1 SPERRY, L. A.; MESIBOV, G. B. Autism 2005
Perceptions of social challenges of adults with autism
spectrum disorder
A2 KIM, E. Sexualities 2011
Asexuality in disability narratives
A3 MEHZABIN, P; STOKES, M. A. Research in 2011
Self-assessed sexuality in young adults with High- Autism Spectrum
Functioning Autism Disorders
A4 GILMOUR, L.; SCHALOMON, P. M.; SMITH, V. Research in 2012
Sexuality in a community based sample of adults with Autism Spectrum
autismo spectrum disorder Disorders
29

A5 BYERS, E. S.; NICHOLS, S.; VOYER, S. Journal of Autism 2013


Challenging Stereotypes: Sexual Functioning of Single and Developmen.
Adults with High Functioning Autism Spectrum Disorder Disorders
A6 BEJEROT, S.; ERIKSSON, J. M. PLoS ONE 2014
Sexuality and Gender Role in Autism Spectrum Disorder: A
Case Control Study
A7 BROWN-LAVOIE, S. M.; VIECILI, M. A.; WEISS, J. A. Journal of Autism 2014
Sexual Knowledge and Victimization in Adults with Autism Developmental
Spectrum Disorders Disorders
A8 BYERS, E. S.; NICHOLS, S. Sexuality and 2014
Sexual Satisfaction of High-Functioning Adults with Autism disability
Spectrum Disorder
A9 ROSQVIST, H. B. Sexuality and 2014
Becoming an ‘Autistic Couple’: Narratives of Sexuality and Disability
Couplehood Within the Swedish Autistic Self-advocacy
Movement
A10 BARNETT, J. P.; MATICKA-TYNDALE, E. Perspectives on 2015
Qualitative Exploration of Sexual Experiences Among Adults Sexual and
on the Autism Spectrum: Implications for Sex Education Reproductive
Health
A11 HANNAH, L. A.; STAGG, S. D. Journal of Autism 2016
Experiences of Sex Education and Sexual Awareness in Developmental
Young Adults with Autism Spectrum Disorder Disorder
A12 PEARLMAN-AVNION, S.; COHEN, N.; ELDAN, A. Sexuality and 2017
Sexual Well-Being and Quality of Life Among High- disability
Functioning Adults with Autism
A13 STRUNZ, S.; SCHERMUCK, C.; BALLERSTEIN, S.; Journal Of 2017
AHLERS, C. J.; DZIOBEK, I.; ROEPKE, S. Clinical
Romantic Relationships and Relationship Satisfaction Psychology
Among Adults With Asperger Syndrome and High-
Functioning Autism
A14 BYERS, S.; NICHOLS, S. Focus on Autism 2018
Prevalence and Frequency of Online Sexual Activity by and Other
Adults With Autism Spectrum Disorder Developmental
Disabilities
A15 MACKENZIE, A. International 2018
Prejudicial stereotypes and testimonial injustice: Autism, jornal of
sexuality and sex education educational
research
A16 BUSH, H. Sexuality and 2019
Dimensions of Sexuality Among Young Women, With and Disability
Without Autism, With Predominantly Sexual Minority
Identities
A17 KOCK, E.; STRYDOM, A.; O’BRADY, D.; TANTAM, D. Advances in 2019
Autistic women’s experience of intimate relationships: the autismo
impact of an adult diagnosis
A18 MOGAVERO, M. C.; HSU, K. Sexuality and 2019
Dating and Courtship Behaviors Among Those with Autism Disability
Spectrum Disorder
A19 TURNER, D.; BRIKEN, P.; SCHÖTTLE, D. Journal of 2019
Sexual Dysfunctions and Their Association with the Dual Clinical Medicine
Control Model of Sexual Response in Men and Women with
High-Functioning Autism
Fonte: Elaborado pelas autoras
30

Com relação à produção científica distribuída ao longo do tempo, é possível observar


que após a primeira publicação, em 2005, há uma lacuna de trabalhos na área, retomada em
2011 de maneira crescente, até 2019 (Figura 2).

Figura 2: Distribuição dos artigos selecionados por anos de publicação

Fonte: Elaborado pelas autoras

A descrição metodológica dos trabalhos analisados nesta revisão incluiu, ainda, seu
enquadramento de acordo com a natureza do estudo. Assim, como apontado por Gil (2002),
considerou-se que as pesquisas seriam exploratórias, descritivas ou explicativas, de acordo
com os objetivos traçados, e bibliográficas, documentais, experimentais, ex-post facto, de
coorte, de levantamento, estudos de campo, estudos de caso e pesquisa-ação ou pesquisa-
participante, de acordo com seus delineamentos. Foram descritos, adicionalmente, os
instrumentos utilizados para realização das pesquisas, e os participantes, no caso de estudos
empíricos, ou documentos, nos documentais (Quadro 3).
31

Quadro 3: Descrição dos estudos em termos de natureza do estudo, instrumentos utilizados


e participantes ou documentos incluídos na amostra
N° Natureza Instrumentos utilizados Descrição dos
do estudo Participantes/Docu
mentos
A1 Exploratória Roteiro para encontros de grupo focal 18 pessoas autistas com
Pesquisa-ação comportamento verbal
bem avaliado
A2 Exploratória Coleta e análise dos documentos realizadas de forma Biografia de Donna
Documental assistemática Williams - Somebody
Somewhere e narrativa
da revista New Mobility,
de Miss Jane
A3 Descritiva Sexual Behavior Scale (SBS) 21 pessoas autistas alto
Levantamento funcionamento ou
Asperger e 39 pessoas
neurotípicas
A4 Descritiva Questionário de características demográficas; 82 pessoas autistas
Levantamento Autism Quotience (AQ); Sexual Experience 282 pessoas neurotípicas
Questionnaire; Teste de Vocabulário Sexual; Sell
Scale of Sexual Orientation
A5 Descritiva Autism Quotience (AQ); Depression, Anxiety, and 129 pessoas autistas de
Levantamento Stress Scales; Sexual Knowledge Questionnaire; alto funcionamento ou
Sexual Arousability and Sexual Anxiety Inventory; Asperger
Sexual Desire Inventory; Sexual Activity
Questionnaire; Sexual Functioning Questionnaire;
Sexual Cognitions Checklist (SCC)
A6 Descritiva Autism Quotience (AQ); Bem Sex Role Inventory; 50 pessoas autistas com
Levantamento 10 questões percepção de gênero, experiências e níveis de inteligência
comportamentos sexuais; The Reading the Mind in médios ou acima da
the Eyes test; Global Assessment of Functioning média
53 pessoas neurotípicas
A7 Descritiva Autism Quotience (AQ); Questionário de 95 pessoas autistas de
Levantamento características demográficas e orientação sexual; alto funcionamento
Sexual Knowledge Sources 117 pessoas neurotípicas
Knowledge of Sexual Health questionnaire;
Perceived Knowledge; Sexual Experiences Survey,
Victimization version
A8 Explicativa Autism Quotience (AQ); Background Information 205 adultos com autismo
Levantamento Form; Modelo de Intercâmbio Interpessoal de de alto funcionamento
Satisfação Sexual
A9 Exploratória Busca sistemática por artigos sobre sexualidade de Artigos publicados na
Documental pessoas autistas na revista Empowerment revista Empowerment
(2002-2009) escrito por
pessoas autistas
A10 Exploratória Roteiro de entrevista semi-estruturado para explorar 24 pessoas autistas com
Levantamento identidade e experiências sexuais inteligência média ou
acima da média
A11 Descritiva Sexual knowledge, experience, feelings and needs 40 pessoas
Levantamento scale (SexKen); The sexual awareness diagnosticadas com
questionnaire; Roteiro de entrevista autismo e 30 pessoas
neurotípicas
A12 Descritiva Demographic questionnaire; Quality of life 31 pessoas autistas de
Levantamento questionnaire (QLQ); Sexual well-being quest. alto funcionamento
A13 Descritiva Autism Quotience (AQ); Need for Social Support; 229 pessoas autistas sem
Levantamento Personal Distress subscale of the Interpersonal deficiência intelectual
Reactivity Index Mental State Perception (MSP); associada
Dyadic Adjustment Scale
32

A14 Descritiva Autism Quotience (AQ); Background Information 331 pessoas autistas
Levantamento Form; Online Sexual Experience Questionnaire cognitivamente hábeis

A15 Exploratória A análise dos documentos foi realizada de forma Documentos de adultos
Documental assistemática autistas sobre sua
sexualidade
A16 Descritiva Autism Quotience (AQ); Sexual History 248 mulheres autistas
Levantamento Questionnaire; Sexual Desire Inventory (SDI); com idades entre 18 e 30
Sexual Experience Questionnaire (SEQ); Sexual anos
Satisfaction Scale for Women (SSSW); Sexual
Awareness Questionnaire (SAQ)
A17 Exploratória Roteiro de entrevista semi-estruturado sobre 8 mulheres
Levantamento relações íntimas diagnosticadas com TEA
nos últimos 5 anos
A18 Exploratória Courting Behaviour Scale (CBS) 148 pessoas autistas
Levantamento
A19 Descritiva Autism Quotience (AQ); International Index of 96 pessoas autistas de
Levantamento Erectile Function (IIEF); Female Sexual Function alto funcionamento
Index (FSFI); Sexual Inhibition/Sexual Excitation Asperger
Scales-Short Form (SIS/SES-SF) 96 pessoas neurotípicas

Fonte: Elaborado pelas autoras

Os principais resultados dos estudos foram sintetizados e apresentados no Quadro 4,


incluído nos apêndices do trabalho devido a sua extensão (APÊNDICE 1). Para elaboração
desta síntese, selecionou-se os dados descritos no resumo e considerações finais de cada
artigo, bem como aqueles apontados como significativos na seção de resultados.

5 DISCUSSÃO
5.1 Análises sobre aspectos metodológicos dos estudos revisados
É importante ter em vista que esta revisão trata de um tema bastante específico, ou seja,
sexualidade de pessoas autistas, com um público substancialmente restrito - participantes
adultos no espectro TEA/S1. Assim, os 30 trabalhos inicialmente recuperados, filtrados para
19 a partir dos critérios de inclusão da amostra, podem ser considerados um indicativo de
que a comunidade científica vem se atentando à temática.
Deve ser realçado, neste ponto, que a produção sobre TEA têm aumentado de forma
uníssona, especialmente devido ao crescimento da prevalência na população mundial (BAIO
et al., 2020), o que justifica o avanço das publicações em assuntos diversos, como
intervenções nutricionais etc. (MAYER, et al., 2020; MONTEIRO et al., 2020). Além disso,
os investimentos financeiros realizados em pesquisas associadas ao TEA têm sido descritos
como os maiores historicamente já realizados no contexto de estudo de condições de
neurodesenvolvimento (SOLOMON, 2013).
Destaca-se, ainda, que na busca e seleção dos dados desta pesquisa, foi encontrado
somente um artigo brasileiro, publicado em língua portuguesa (DE TILIO, 2017) e excluído
33

por não corresponder à população crivada. Isso demonstra que, embora a literatura mundial
esteja em crescente, o Brasil necessita de maiores investimentos científicos na temática, bem
como fomentos à inclusão dos trabalhos nos periódicos de acesso global, já que todos os
artigos estavam indexados em revistas de grande projeção internacional, e em língua inglesa,
independentemente de sua nacionalidade.
Na filtragem dos artigos, excluiu-se um estudo que propunha a análise simultânea da
sexualidade de pessoas com diferentes espectros do TEA (FERNANDES et al., 2016). A
opção por revisar trabalhos focados no TEA/S1, exclusivamente, se deu por considerar que
nenhum desenho metodológico seria capaz de descrever a sexualidade de autistas de níveis
distintos, com suas múltiplas características, por meio de coleta direta. Isso não significa que
o desenvolvimento sexual de pessoas moderadas ou severas seja menos expressivo ou
relevante; pelo contrário, entende-se como essencial que a temática tenha seu próprio corpo
científico (HOLMES; HIMLE, 2014).
Respeitando as demandas das pessoas com TEA/S1, especialmente apontadas pelo
movimento da autoadvocacia e neurodiversidade (ORTEGA, 2009), excluiu-se os estudos
cujas coletas foram realizadas com familiares ou profissionais. Embora seus dados pudessem
ser relevantes a diversas finalidades, considerou-se que, para a descrição da sexualidade,
deveriam ser priorizados os autorrelatos. Isso porque, ao expor sobre o assunto, pessoas não
autistas inevitavelmente assumem como referência de normalidade o modo de viver, sentir e
entender o mundo neurotípico, referindo-a à sexualidade da pessoa autista como diferente do
“ideal” (ROSQVIST, 2014). Além disso, adotou-se, ao longo desta revisão de literatura, a
linguagem neurodiversa, que evita a tradicionalmente utilizada pela psiquiatria, separação
entre saudável e não saudável – daí o uso do termo neuroatípicas, para pessoas autistas, e
neurotípicas, para pessoas não autistas (SHIELDS; BEVERSDORF, 2020).
Analisa-se a variedade de periódicos envolvidos na publicação dos artigos como
positiva: os oito artigos inseridos nas revistas sobre autismo (A1, A3, A4, A5, A7, A11, A14,
A17), particularmente, têm o préstimo de alcançar um público que não está buscando, de
antemão, obras sobre sexualidade, e acabam por encontrá-las, enquanto os quatro
encontrados em periódicos generalistas de educação, psicologia e medicina (A6, A13, A15,
A19) atingem profissionais que não se relacionam nem ao TEA, nem ao estudo da
sexualidade, amplificando a abrangência das publicações.
Por outro lado, observou-se que a maior integradora de artigos desta revisão foi a
Sexuality and Disability, e que os cinco trabalhos por ela veiculados têm características
particulares notáveis (A8, A9, A12, A16 e A18). Diferentemente da maior parte dos estudos,
34

eles abordam a perspectiva neurodiversa, ou seja, o discurso de empoderamento e identidade


das pessoas com TEA/S1, além de defesa da autoadvocacia, e elaboração de análises críticas
sobre a produção científica da área. Ademais, incluíram exclusivamente participantes
autistas, sem fragmentação em grupos controles neurotípicos, e, portanto, sem dados
comparativos entre os públicos. A confluência destes trabalhos possivelmente se deva ao fato
de que, sendo uma revista especializada, o crivo editorial se atente aos elementos citados, o
que é de grande valia aos pesquisadores da área e ao público envolvido.
Dos 14 anos contemplados nas publicações encontradas, é perceptível que entre 2005
e 2012 contabilizou-se 4 artigos, enquanto de 2015 a 2019, foram 14 trabalhos lançados, com
um pico singular no ano de 2014. Essa assimetria entre as metades do período analisado,
permite afirmar uma tendência de aumento das publicações na área, representativa dos
avanços científicos expressos nesta revisão.
Seria possível inferir que, nos limites metodológicos deste estudo, o primeiro artigo
publicado acerca da temática datou de 2005, ou seja, tem um status recente na literatura.
Entretanto, julga-se oportuno abordar um fato observado ao longo da coleta de dados: de
todos os artigos manipulados, o mais antigo, excluído devido ao não enquadramento nos
critérios de inclusão da amostra, foi publicado em 1985, por Dan e Connie Torisky, na
Journal of Autism and Developmental Disorders. À época, o periódico tinha uma seção
voltada às análises tecidas por familiares de pessoas autistas, no formato acadêmico. O casal
publicou um compilado composto por: um breve comentário sobre a sexualidade de pessoas
autistas; um artigo escrito por Sybil Elgar10; cinco artigos de expoentes cientistas da área e
familiares, refutando ou confirmando as ideias da autora, e um comentário final da mesma,
no formato de tréplica, a partir das críticas recebidas (TORISKY; TORISKY, 1985).
O artigo de Elgar abordava a importância de uma educação sexual estruturada de
acordo com as características do sujeito e do espectro em que estaria inserido. Entretanto, de
forma controversa, afirmava que sexo não seria para a maioria dos autistas, e que educação
sexual poderia não compor o interesse do público. Por fim, as réplicas e tréplica concluíram
ser importante ensinar habilidades sociais às pessoas com TEA, para potencializar seus
relacionamentos, dissociar diferentes níveis do transtorno para discutir sexualidade, e pensar
em uma educação sexual adaptada (TORISKY; TORISKY, 1985).

10
Sybil Elgar, professora inglesa, foi criadora da primeira escola residencial para crianças com autismo, no
mundo, e fundadora da Sociedade para Crianças Autistas (agora Sociedade Nacional Autista). Fundou,
ainda, a primeira comunidade residencial para adultos com autismo, em 1974, considerada uma referência
do movimento mundial.
Fonte: https://www.theguardian.com/news/2007/jan/24/guardianobituaries.obituaries2
35

O estudo foi incluído nesta breve análise, apesar de não compor o quadro de artigos
selecionados, pelo seu valor histórico e pela impressionante semelhança com os dados
encontrados na atualidade, após mais de 30 anos, além de ter sido construído em um diálogo
público entre familiares e cientistas. Em pesquisa precursora (VIEIRA, 2016), percebeu-se
que muitos dos jovens com TEA/S1 e seus familiares, nunca foram informados sobre o que
é o autismo e como obter apoio, ou, quando muito, receberam materiais escritos inacessíveis
à sua compreensão, reafirmando a necessidade de aprimoramento na articulação entre
população, suas realidades, e a ciência brasileira. Daí o elogioso destaque ao método de
discussão promovido pela revista, em seção pública e interativa, infelizmente dissolvida no
final da década de 1980, apesar do periódico continuar ativo.
Com relação à natureza dos estudos selecionados para análise, observou-se que sete se
enquadraram na categoria exploratória (A1, A2, A9, A10, A15, A17, A18), onze descritiva
(A3, A4, A5, A6, A7, A11, A12, A13, A14, A16, A19) e uma explicativa (A8). Para
classificar a natureza dos estudos, foram considerados os conceitos de Gil (2002), em que
pesquisas exploratórias buscam promover familiaridade com uma temática, para torná-la
explícita ou levantar hipóteses, com planejamentos flexíveis e maior amplitude. As
descritivas visam caracterizar um fenômeno ou população específicos, além de propor
relações entre variáveis, utilizando técnicas padronizadas, e as explicativas identificam
fatores que contribuem para ocorrência dos eventos (GIL, 2002). Considerando que a
temática da pesquisa envolve a compreensão de um fenômeno, é congruente que os métodos
sejam essencialmente descritivos e exploratórios.
Os artigos foram classificados, ainda, de acordo com seus procedimentos de coleta,
sendo quinze deles de levantamento (A3, A4, A5, A6, A7, A8, A10, A11, A12, A13, A14,
A16, A17, A18, A19), que segundo Gil (2002), consiste na interrogação direta das pessoas
cuja realidade se deseja conhecer. O benefício principal deste tipo de trabalho, é a
viabilização do transporte de informações da realidade cotidiana, para as produções formais,
de maneira que elas passem a ser abordadas no campo científico. Já a pesquisa-ação, que tem
como vantagem a elaboração de soluções coletivas (GIL, 2002), foi observada em somente
um estudo analisado (A1), no qual efetuou-se três encontros com adultos autistas para discutir
suas dúvidas sobre interações ou situações sociais, sexuais e amorosas, e pensar
conjuntamente em soluções. Por fim, três artigos foram apontados como documentais (A2,
A9, A15), utilizando dados já publicados sobre o assunto para tecer suas análises, igualmente
de grande importância para a finalidade de caracterização.
36

A maior parte das coletas realizadas pelas pesquisas de levantamento se deu de forma
online, (A3, A4, A5, A7, A8, A10, A12, A13, A14, A16, A18) consideradas propícias neste
contexto por diversas razões. Embora a incidência do diagnóstico tenha aumentado na
população, encontrar potenciais participantes para pesquisas pode continuar sendo um
desafio, especialmente aos pesquisadores que não se localizam geograficamente em grandes
centros urbanos. Assim, o contato remoto permite recrutamento e coleta, mesmo que
participante e pesquisador estejam distantes. Em segundo lugar, pode ser positivo porque
muitas pessoas com TEA/S1 relatam sentir-se mais confortáveis com o uso de redes sociais
e encontros online, que pessoalmente (BYERS; NICHOLS, 2018), aumentando o
engajamento e participação em pesquisas.
Em contrapartida, as coletas realizadas presencialmente têm vantagens como o
estreitamento de vínculo, maior acesso a ações não-verbais e interações informais, e
possibilidade de aprofundamento nos dados, seja por meio dos encontros da pesquisa-ação
ou de entrevistas realizadas, nos quais ao ouvir a resposta imediata do participante, o
pesquisador propõe um novo questionamento (BORTOLOZZI, 2020). A pesquisa-ação,
especificamente, ainda propicia que a resposta de um participante seja aprimorada pela de
outro, o que seria impossível em uma coleta online padronizada (SPERRY; MESIBOV,
2005). Desta forma, julga-se que todos os métodos serviram para elucidar a temática
proposta, e que a variedade é positiva para a produção de dados complementares. São
encontrados prós e contras em todos os tipos de coletas de dados, que devem ser selecionadas
de acordo com os objetivos do estudo e recursos disponíveis para sua realização.
Os três estudos documentais analisados na revisão (A2, A9, A15) retrataram dados
extremamente ricos e foram, de forma proeminente, trabalhos que propuseram discussões
críticas e neurodiversas, a partir de relatos extraídos de autobiografias, revistas e comentários
públicos. No entanto, os métodos de seleção e análise não foram claros o suficiente para a
verificação de potenciais, falhas, ou replicabilidade dos estudos, fragilizando assim o uso de
seus dados, além de omitir informações importantes sobre as pessoas que forneceram relatos,
e recortar partes de documentos os quais não havia acesso público.
O estudo mais destoante encontrado nessa revisão, em termos metodológicos, foi a
pesquisa explicativa de Byers e Nichols (2014) (A8), que propôs a validação de uma escala
a ser aplicada em adultos com TEA/S1, para verificação de sua satisfação sexual, no contexto
de engajamento em relacionamentos românticos. A elaboração e validação de instrumentos
é de grande utilidade ao avanço científico, pois facilita a construção metodológica de autores
sucessores, além de evidenciar a população com TEA/S1 como um importante subgrupo, e
37

apresentar adaptações necessárias ao público em questão. As autoras desse estudo foram


responsáveis por três artigos recuperados, sendo o primeiro deles (A5) citado por outros 11
subsequentes, o que indica serem uma importante referência aos pesquisadores da área.
A quantidade de participantes dos 19 artigos revisados variou entre a menor amostra,
de 8 pessoas (A17), à maior, de 364 (A4). Atribuiu-se essa amplitude aos diferentes métodos
utilizados pelos estudos, sendo que grupos menores foram associados a pesquisas com
enfoque qualitativo, uso de entrevistas e participação em encontros grupais. Por outro lado,
as amostras maiores fizeram parte de métodos cujas análises principais foram quantitativas,
a partir de coletas com instrumentos fechados.
Novamente, ressalta-se que todos os métodos foram úteis e apresentaram
potencialidades para a elucidação das características de pessoas com TEA/S1, sendo as
amostras pequenas frágeis em termos de generalização dos dados, mas marcantes com
relação ao detalhamento dos mesmos; e amostras grandes mais generalizáveis, porém
superficiais em variedade das informações fornecidas.
Nota-se que quatro artigos foram focados, exclusivamente, em participantes mulheres
(A2, A15, A16, A17). A prevalência geral do TEA é masculina, sendo contabilizado um caso
em meninas a cada quatro, em meninos (BAIO et al., 2020). Assim, é muito comum que os
estudos tenham maioria de participantes do sexo masculino, e que a perspectiva feminina
seja marginalizada, como um todo. Por isso, destaca-se como excelente iniciativa dos autores
proporem estudos nesse sentido, para aumentar a representatividade das mulheres dentro do
movimento.
É importante perceber que os estudos atribuem nomenclaturas diversas ao TEA/S1:
“Autismo com comportamento verbal bem desenvolvido” (A1), “Autismo de Alto
Funcionamento” (A2, A5, A7, A8, A12, A19), “Síndrome de Asperger” (A2, A5, A19)
“Autismo com inteligência média ou acima da média” (A6, A10), “Autismo sem deficiência
intelectual associada” (A13), “Autistas cognitivamente hábeis” (A14), ou somente
“Autismo” (A4, A11, A15, A16, A17, A18). Estes dados reafirmam que, embora a unificação
do autismo na sigla TEA tenha importante valor diagnóstico e histórico, a falta de
nomenclaturas para os subgrupos do espectro dificulta a comunicação científica, tornando
necessário que autores e grupos de pesquisa atribuam especificação – como, no caso, foi feito
com o TEA/S1 (VIEIRA, 2016; OTTONI; MAIA, 2019a, 2019b).
Há uma possível solução para essa dispersão de nomenaclaturas, proposta pela
Organização Mundial da Saúde, na ocasião de reorganização da Classificação Internacional
de Doenças (CID-11). Optou-se por incorporar na CID-11 o conceito de espectro do TEA,
38

oficializado no DSM-5 (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014), mas manter


diferenciação entre os subtipos, por meio da identificação de presença ou ausência de déficit
intelectual e de comprometimentos na linguagem, de forma que o aqui denominado TEA/S1
poderia ser enquadrado no código 6A02.0, ou seja, “Transtorno do Espectro Autista sem
Deficiência no Desenvolvimento Intelectual e com comprometimento leve ou inexistente na
Linguagem Funcional” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2019). Sendo este o
manual diagnóstico mais popular na classe médica, imagina-se que a nova identificação
passará a ser utilizada a partir do início do período de vigor da nova CID, em janeiro de 2022.
Os parâmetros usados pelos autores dos artigos para selecionar participantes autistas
foram diversificados. É importante lembrar que o diagnóstico do transtorno é realizado de
forma multidisciplinar, baseado na história de vida e características atuais, em comparação
aos critérios clínicos descritos nos manuais psiquiátricos (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2014). Por tratar-se de um processo complexo, a avaliação diagnóstica
pode ser longa, dispendiosa, tardia e, muitas vezes, inacessível – especialmente em países
fragilizados acerca de políticas públicas, como o Brasil (SOUZA et al., 2019). Não existem
marcadores biológicos que possibilitem exames indicarem presença ou ausência do TEA,
nem instrumentos psiquiátricos, psicológicos ou fonoaudiológicos capazes de fazê-lo,
sozinhos. Assim, as equipes mobilizam instrumentos e profissionais de diferentes áreas, para
que a interação de suas análises resulte em um diagnóstico (SILVA; ARAÚJO; DORNELAS,
2020).
Sendo um processo complexo, as pesquisas normalmente não têm condições de
promover uma avaliação diagnóstica completa para realizar a seleção de potenciais
participantes. Desta forma, uma das alternativas é o uso de escalas de rastreamento, úteis aos
profissionais na ocasião de identificação de sinais gerais do TEA, cujos escores indicarão
presença de traços autísticos e, assim, realiza-se, ou não, encaminhamento para avaliação
minuciosa (OLIVEIRA et al., 2019).
A maior parte dos estudos recuperados utilizou a aplicação de escalas de rastreamento,
somada à autoidentificação (A4, A5, A6, A7, A8, A13, A16, A19), ou seja, ao relato do
potencial participante, indicando ter recebido diagnóstico de TEA/S1, na tentativa de
aumento de validação para inclusão na amostra. Foi comum observar, ainda, que pesquisas
aplicadas em instituições, ou com parcerias das mesmas, utilizaram os documentos inseridos
em prontuários para verificação de informações dos participantes (A6, A12, A13, A17), além
do uso da autoidentificação, exclusivamente (A3, A10, A11, A18), ou escala de rastreamento,
somente (A14).
39

Nove, das dezenove pesquisas selecionadas por esta revisão, utilizaram a escala de
rastreamento Autism-Spectrum Quotient (AQ), criada por Baron-Cohen, et al. (2001), com a
finalidade de avaliar adultos com traços autísticos, sem deficiência intelectual associada e
linguagem suficiente para autoaplicação – ou seja, pessoas com TEA/S1 (A4, A5, A6, A7,
A8, A13, A14, A16, A19). O questionário inclui 50 perguntas em diversas áreas, como
comunicação, imaginação e habilidades sociais, e possui estudos, internacionais e brasileiros,
reafirmando sua validação (EGITO et al., 2018). Dessa forma, considera-se que o uso do
AQ, para esta finalidade específica, é um critério satisfatório de inclusão da amostra,
potencializado na combinação com autoidentificação ou acesso a laudo comprobatório.
Ademais, um dos artigos revisados optou por utilizar uma escala de avaliação da
funcionalidade, ou seja, da autonomia e funcionamento do sujeito em diversas áreas de sua
vida (A6), que compõe característica diferencial de pessoas com TEA/S1, em comparação a
outros espectros (KLIN, 2006), e também pode ser uma opção possível, embora menos
completa, complexa e validada.
Sobre os instrumentos utilizados pelos estudos, além do AQ e da avaliação de
funcionalidade, contabilizaram-se: cinco elaborados pelos autores a partir dos objetivos de
suas pesquisas (A1, A10, A11, A14, A17); uma escala sobre sexualidade de pessoas com
TEA/S1 (A8); quatro questionários sócio-demográficos (A4, A7, A12, A13); uma escala de
saúde mental (A5); um sobre qualidade de vida (A12); dois de empatia e percepção mental
(A6, A13); um instrumento sobre suporte social (A13), e 29 escalas fechadas e validadas
sobre sexualidade para públicos diversos, distribuídas em treze artigos (A3, A4, A5, A6, A7,
A8, A11, A12, A13, A14, A16, A18, A19).
Importante ressaltar que pessoas com TEA/S1 apresentam características - de
linguagem, especialmente - a serem consideradas no momento de escolha e uso dos
instrumentos, por parte dos pesquisadores. A maior parte das escalas de sexualidade foram
validadas para aplicação na população geral. Alguns autores propuseram adaptações, como
uso de apenas parte das questões, ou modificação na linguagem utilizada, mas ainda assim,
conclui-se que dentre as alternativas disponíveis, instrumentos específicos, como proposto
por Byers e Nichols (2014), ou construídos ajustados ao público, são opções melhores para
atendimento das suas necessidades.
Atribuiu-se a variedade dos instrumentos utilizados nas pesquisas às diferentes
hipóteses formuladas pelos pesquisadores, tendo como exemplos: pouco conhecimento sobre
sexualidade atrelado à maior vulnerabilidade para vitimização sexual (A7); conexão entre
prazer e uso de fontes online para relacionamentos (A14); escores de depressão e ansiedade
40

em comparação aos desejos e interesses sexuais (A5); maior sensibilidade a estímulos


sensoriais associada a sintomas de disfunções (A19). Treze, dos dezenove estudos analisados,
delinearam seus métodos baseados na possível relação entre variáveis previamente
elencadas, como indicado nestes exemplos (A3, A4, A5, A6, A7, A8, A11, A12, A13, A14,
A16, A18, A19).
É relevante destacar que esses estudos, baseados na afirmação ou refutação da relação
entre variáveis arroladas, utilizaram instrumentos de coleta mais fechados, como escalas e
questionários. É o caso, por exemplo, da pesquisa que analisou bem-estar e qualidade de vida
de pessoas autistas inseridas em relacionamentos amorosos, partindo da hipótese de que ter
um companheiro ou companheira seria um fator de proteção (A12). Se, por um lado, este tipo
de pesquisa pode ser útil ao avanço da ciência em assuntos pontuais, por outro, como no caso
deste exemplo, pode ser prejudicial à finalidade descritiva e exploratória, por não permitir
que dados adicionais e diversos sejam expressos pelos participantes.
Outra crítica oportuna a esses estudos, é que o estabelecimento de correlação entre
variáveis selecionadas pelos autores pode conter, de maneira implícita, perspectivas
normativas. No exemplo supracitado, está subjacente a ideia de que ter um relacionamento
amoroso implica maiores índices de bem-estar e qualidade de vida, partindo da ideia
compartilhada entre pessoas neurotípicas que, usualmente, sentem prazer em estar
acompanhadas (A12). Essa relação pode não ser verdadeira às pessoas com TEA/S1, que
relatam dificuldades em contatos sociais (CAMARGOS JR., 2013), tendo, portanto, suas
características inexploradas pelos autores, no momento de composição metodológica. Isso
fica claro nos resultados descritos pela pesquisa, segundo os quais em termos de satisfação e
bem-estar, as pessoas solitárias atingiram maiores escores, contrariando a hipótese inicial
(A12).
Os seis estudos que não apresentaram estabelecimento prévio de relação entre
variáveis, ou seja, tiveram hipóteses abertas (A1, A2, A9, A10, A15, A17), pareceram
corresponder melhor à finalidade de descrição do fenômeno, ao contrário da maior parte dos
que escolheram variáveis pontuais para explorar. Por oferecerem oportunidade de expressão
aos participantes, puderam incluir em suas análises questões sobre a sexualidade não
previstas no momento de elaboração do método, favorecendo a representatividade e a
autoadvocacia (MACKENZIE, 2018).
Rosqvist (2014) identificou em seu estudo (A9) que documentos científicos sobre
sexualidade de autistas seguem tipos padronizados de narrativas. Assim, para concluir as
análises metodológicas da revisão, serão apresentadas as categorias de narrativas cunhadas
41

pela autora, seguidas do enquadramento dos 19 artigos nas mesmas. O primeiro tipo,
“Discurso da Assexualidade do Autista”, é encontrado em pesquisas que, ao focar nas
dificuldades do transtorno, tornam sua sexualidade irrelevante e secundária, frente a outras
questões - nesta revisão não foram encontrados trabalhos deste tipo, já que os critérios de
inclusão e mecanismos de busca filtraram aqueles com foco no assunto.
Já o “Discurso Deficitário da Sexualidade do Autista” estaria presente em artigos que
estabelecem a forma neurotípica como norma, tecendo comparações com os dados obtidos
na população com TEA/S1, atribuindo a ela adjetivos de falhas, déficits e defeitos, por não
corresponderem ao modelo (ROSQVIST, 2014). Foram encontrados 10 artigos cujas análises
poderiam ser incluídas nesta categoria (A3, A4, A5, A6, A7, A8, A12, A16, A18, A19).
Existe uma correlação entre os trabalhos que utilizam este discurso e os métodos com
instrumentos de coleta fechados.
O terceiro tipo de narrativa, denominado “Discurso da Educação Sexual”, propõe que
processos educativos podem ser realizados para que as pessoas autistas vivenciem sua
sexualidade de forma mais “aceitável”, ou seja, mais próxima ao considerado “normal”
(ROSQVIST, 2014). Essa ideia se aproxima ao conceito de integração, descrito por Aranha
(2001), que seria a tentativa de, por meio de intervenções diretas com pessoas com
deficiência, aproximá-las da norma. Um dos estudos recuperados nesta revisão (A3)
apresenta essas características, propondo que os programas de educação sexual ajudem
adultos autistas a incorporar regras sociais, compreensão e comunicação. Há outros,
entretanto, igualmente defensores de projetos de educação sexual, que apresentam objetivos
diferentes, como informá-los acerca de segurança na internet (A14), ou identificar situações
de vitimização sexual (A7), não correspondendo às características desse conjunto.
Seis dos artigos analisados nesta revisão poderiam ser classificados nos tipos de
narrativas descritos por Rosqvist (2014) como empoderamento autista e fuga da hegemonia
neurotípica (A1, A2, A9, A10, A11, A15). O “Discurso da Diferença Neurológica do
Autismo” propõe análise da sexualidade tanto com relação aos déficits apresentados, quanto
a seus potenciais, reconhecendo as diversas formas de pensar e sentir, sem atribuir a elas
valor de desvio. Por fim, o “Enredo do Modelo Social da Sexualidade Autista”, reconhece
que as diferenças não se dariam pelas características do TEA/S1, mas pelas barreiras sociais
cotidianamente presentes, em uma lógica similar ao paradigma de suporte (ARANHA, 2001).
Para Rosqvist (2014), a elaboração de estudos neste sentido inclui questionar diretamente o
público-alvo sobre sua sexualidade – o que é coerente com o encontrado na revisão de
literatura.
42

Ainda com relação aos estudos de lógica “deficitária” (ROSQVIST, 2014), percebe-se
que seis artigos revisados convidaram grupos de pessoas autistas e sem autismo para
comparar dados coletados em ambos (A3, A4, A6, A7, A11, A19). Foram propostas análises
com relação aos níveis de desejo e interesse sexual, prevalência de homossexualidade,
bissexualidade e assexualidade, além de comportamentos, experiências e funcionamento
sexuais. Alguns dos autores utilizaram, inclusive, termos como “sexualidade saudável”
(A19), para descrever pessoas cujas avaliações corresponderam aos níveis próximos das
neurotípicas, em uma lógica biologicista e excludente.
A crítica não deve ser generalizada, entretanto, a todos os estudos que propõe
comparação de dados. Alguns deles o fazem para ressaltar necessidades do grupo, como no
caso de A7 e A11, que buscaram identificar fontes de informações sobre sexualidade de
pessoas com TEA/S1, em relação às pessoas neurotípicas, para verificar quais métodos de
educação sexual seriam mais adequados, em uma lógica do “modelo social” (ROSQVIST,
2014). Assim, o delineamento comparativo não é, de antemão, inadequado ou prejudicial ao
avanço científico; mas o enfoque dado pelos autores pode tornar a abordagem normativa e
problemática.

5.2 Análises sobre resultados encontrados pelos estudos revisados

Os resultados obtidos nos estudos da revisão foram organizados em três categorias


emergentes, de acordo com sua similaridade (BARDIN, 2011). A primeira, denominada
“Características gerais”, incluiu a descrição de particularidades da sexualidade de pessoas
com TEA/S1, de forma global, sem qualificações positivas, nem negativas. A segunda
categoria, “Dificuldades e vulnerabilidades”, agrupou conteúdos valorados pelos autores e
participantes como déficits; e a terceira, “Questões de gênero e orientação sexual”, compilou
informações orientação sexual e identidade de gênero de pessoas autistas.

5.2.1 Características gerais


Quase todos os estudos analisados expuseram, como parte de seus dados, a existência
de interesse e engajamento sexual das pessoas com TEA/S1 (A1, A3, A4, A5, A6, A8, A10,
A11, A12, A13, A14, A15, A16, A17, A18, A19). A13 indicou que 73% de seus participantes
estiveram em relacionamentos amorosos, e A16 destacou que mulheres autistas relataram
vontade de relacionar-se – embora em menor magnitude na comparação com adultas
neurotípicas. Da mesma forma, outras revisões e meta-análises identificaram o expressivo
43

apontamento da existência de interesses e desejos em grande parte dos trabalhos científicos


analisados (HANCOCK; STOKES; MESIBOV, 2017; KALYVA, 2010; OTTONI; MAIA,
2019a).
A literatura sobre sexualidade de pessoas com deficiência indica que existem mitos,
ou seja, discursos, ideias e crenças, baseados em inverdades, que mantém relações de
dominação, de diversas naturezas. O mito da assexualidade, por exemplo, pressupõe que
pessoas com deficiência não possuem pensamentos, sentimentos e necessidades sexuais
(MAIA; RIBEIRO, 2010), tolhindo oportunidades de vivências e de acesso a informações.
De maneira correlata, a infantilização de pessoas TEA/S1 serve à função de preterir
sua sexualidade, generalizando as dificuldades da condição a todo seu desenvolvimento
humano (MAIA, 2009; VIEIRA, 2016). Evidencia-se, portanto, que os discursos e ações
derivados do imaginário da assexualidade podem representar prejuízos e privações,
necessitando confrontação por meio de dados científicos, para possibilitar novas políticas e
atitudes – daí a insistência na afirmação de interesses e desejos sexuais de pessoas TEA/S1,
nos estudos revisados.
Embora componham um substrato essencial para avanços científicos adjacentes,
muitos desses dados sobre a sexualidade de pessoas TEA/S1 são apresentados em
comparação aos obtidos com neurotípicos, indicando, por exemplo, menores níveis de
interesse, excitação e libido (A4, A5), menos experiências sexuais, probabilidades de
iniciativas em relacionamentos e orgasmos, além de atraso para início de relações (A6).
Como descrito nas análises anteriores, a centralização da visão hegemônica da sexualidade
típica, descrevendo o que destoa como desviante, é despropositada e pouco útil ao progresso,
na perspectiva inclusiva.
Newport e Newport (2002) apresentaram a seguinte comparação: não é possível uma
pessoa afirmar gostar ou não de chocolate caso nunca o tenha experimentado; da mesma
forma, é difícil fazer alegações sobre comportamentos e interesses sexuais de pessoas
TEA/S1, já que, via de regra, não tiveram as mesmas oportunidades de socialização e
experimentação que as neurotípicas. Por isso, as análises neste campo devem ser críticas e
considerar que as histórias vivenciadas e oportunidades de acesso não são igualitárias, e
podem ser variáveis importantes de seu desenvolvimento sexual.
Assim, a não ser que sejam dadas às pessoas TEA/S1 chances de experimentação de
relacionamentos, e programas de ensino sobre sexualidade especializados (NEWPORT;
NEWPORT, 2002), as comparações diretas entre interesses, excitação, relacionamentos
amorosos, níveis de libido etc., são indevidas. Seria necessário incluir na discussão dos dados
44

o fato de que as pessoas autistas “podem querer dançar, mas perderam anos de pré-dança”
(NEWPORT; NEWPORT, 2002, p. 1).
Ainda acerca do engajamento em relações amorosas e sexuais, o estudo A12 traz
dados que indicam que não houve diferenças de qualidade de vida de autistas dentro e fora
de relacionamentos, mas aqueles com parceiros ou parceiras (autistas ou não) possuíam maior
senso de pertencimento social e inclusão comunitária, bem como menores preocupações, e
melhor capacidade produtiva. É relevante destacar o beneficiamento promovido pelos
relacionamentos no que diz respeito à sociabilidade, frequentemente descrita como
deficitária, especialmente quando analisada no contexto de culturas e sociedades pouco
inclusivas (DRAHOTA, 2010). Devem ser elaboradas, portanto, intervenções que promovam
a inclusão e o desenvolvimento destes aspectos sociais, para que as pessoas TEA/S1 não
engajadas em relacionamentos também tenham acesso a estas benesses, e que aquelas
envolvidas não dependam do laço conjugal para incluir-se.
O estudo A13 sinalizou que pessoas autistas em relacionamentos com outras
neuroatípicas demonstraram maior satisfação, o que é convergente com os dados de Newport
e Newport (2002), segundo os quais o compartilhamento da condição pode facilitar
compreensão acerca das necessidades e expectativas mútuas. No estudo A18, as participantes
indicaram que falar sobre o diagnóstico diminuiu as autocríticas e favoreceu relacionamentos
melhores. Assim, para que as pessoas autistas se sintam mais confortáveis e não fiquem,
necessariamente, solidificadas na ideia de que devem namorar parceiros ou parceiras também
diagnosticados, podem ser oferecidos serviços de escuta e apoio aos relacionamentos. Aston
(2012) afirma que os terapeutas voltados a este objetivo devem tomar cuidado para não
enquadrar de antemão seus clientes nos estereótipos do TEA/S1, conhecendo-os e auxiliando
com relação a seus potenciais e déficits, colaborando com o desenvolvimento de estratégias
para melhores vivências da sexualidade.
A pesquisa A10 explorou, especificamente, essas estratégias e indicou que elas eram
empregadas especialmente nos atos sexuais, quando havia crises de ansiedade ou
hiperestimulação de seus participantes. Eles indicaram esperar até estabilizar-se da tensão,
dialogar sobre posições favoritas, realizar juntamente ao parceiro ou parceira um
planejamento organizado da relação sexual e, sobretudo, descrever ao outro suas
necessidades e desejos. Indicaram, ainda, que no caso de dificuldades de comunicação face
a face, encontravam formas alternativas de fazê-lo, como escrevendo bilhetes ou e-mails.
Esse estudo é notável por compor um exemplo de trabalho na perspectiva da diferença
45

neurológica (ROSVIST, 2014), ou seja, analisar as dificuldades e potencialidades da


sexualidade de pessoas TEA/S1, em busca de suporte à sua qualidade de vida.
Ainda sobre as estratégias desenvolvidas, a pesquisa A14 destacou as atividades
sexuais online como importantes fontes de relacionamentos e prazer para pessoas TEA/S1.
Ressaltou que os homens participantes se engajavam mais que mulheres, e que pessoas de
orientações sexuais não normativas buscavam ações online acompanhadas, enquanto
heterossexuais engajavam-se majoritariamente sozinhos. Os autores concluíram ser
necessário, portanto, que este público tenha acesso a orientações sobre segurança na internet,
pois existem inúmeras formas de exploração online, cujas identificações precoces podem
evitar a violação de direitos.
Por fim, alguns artigos revisados descreveram, especificamente, questões
relacionadas à sexualidade de mulheres TEA/S1. Foram identificadas diferenças, na
comparação com pares do sexo masculino, atribuídas ao processo educativo realizado com
meninas, no contexto da sociedade machista e patriarcal. Na pesquisa A9 os dados mostram
que as participantes foram incentivadas a iniciar suas relações sexuais mais cedo, enquanto
a expectativa colocada sobre os meninos eram de que tomassem iniciativas de aproximações
amorosas. A pesquisa A17 indica que as mulheres aprenderam a mascarar suas dificuldades
sociais melhor que homens, e que houve impactos em sua saúde mental por esta razão. Nesse
estudo, as participantes assinalaram ficar mais autoconfiantes após o diagnóstico – que para
muitas delas foi fechado somente na idade adulta.
Existem diversas discussões no campo teórico sobre as particularidades de ser mulher
com TEA/S1: alguns autores exploram a menor prevalência, considerando a possibilidade de
subdiagnóstico feminino, especialmente porque características como retraimento ou
introspecção são mais aceitas, podendo não ser identificadas como sinais para
encaminhamento avaliativo (CAMARGOS JR.; TEIXEIRA, 2013).
Há trabalhos, ainda, falando que a inclusão grupal na adolescência pode ser melhor
que de rapazes autistas, porque colegas meninas tendem a ser mais acolhedoras, e que as
expectativas expressas pelos familiares têm relação direta com questões de gênero: manter
um namoro, ser simpática, colaborar com serviços domésticos e casar-se (CAMARGOS JR.;
TEIXEIRA, 2013). O desejo pela inclusão social das adolescentes autistas pode ser utilizado
de forma prejudicial, sendo proposto como moeda de troca à inserção no grupo, relações
sexuais, inclusive por pessoas mais velhas (NEWPORT; NEWPORT, 2002).
Evidencia-se, desta forma, que os dados acerca das diferenças entre homens e
mulheres TEA/S1 devem ser analisadas em uma perspectiva crítica, histórica, social e
46

cultural (MAIA; RIBEIRO, 2011). O trabalho A19, por exemplo, indica que mulheres
aprendem melhor habilidades sociais, tem mais interesses em comum com grupo de pares e
estratégias de coping avançadas, mas não tece discussões sobre a construção social de gênero,
localizando as diferenças no campo da naturalização, e impedindo considerar que as
intervenções voltadas às meninas e mulheres devem incluir aspectos específicos, como os
analisados anteriormente.

5.2.2 Dificuldades e vulnerabilidades


A primeira questão destacada pelos estudos enquanto déficit foi o acesso a
informações sobre sexualidade, que além de ser direito das pessoas com deficiência
(BRASIL, 2015), parece estar relacionado a diversos comportamentos de adultos autistas. O
estudo A7 indicou que menores níveis de conhecimento foram encontrados em pessoas
TEA/S1, sendo associados a riscos superiores de práticas sexuais inseguras e contração de
Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISF). Os autores identificaram que os participantes
aprendiam essencialmente em fontes que não envolviam contato direto com outras pessoas,
como internet e televisão, e nas tentativas e erros das experiências, enquanto neurotípicos
instruíam-se substancialmente no contato social.
De forma similar, a pesquisa A18 cientificou que as vivências cotidianas dos
integrantes de sua pesquisa eram sua maior matriz de aprendizagem, e que muitos conteúdos
essenciais, como compreender o que era, ou não, permitido legalmente, se mantiveram
inacessíveis, gerando situações perigosas de vitimização ou criminalização. Os dados em A3
evidenciaram, semelhantemente aos de A7 e A18, níveis preocupantes de educação sexual
em pessoas TEA/S1, mas afirmou que com relação a conhecimentos sobre privacidade e
comportamentos, a compreensão foi parecida com a população neurotípica. O estudo de A4
sugeriu que, em termos de linguagem e vocabulário, os participantes autistas não
apresentaram diferenças significativas ao referir-se sobre sexualidade.
Na pesquisa A10, os adultos indicaram que o máximo obtido de informações foi sobre
biologia e reprodução por parte dos pais ou leitura de livros, e na visão dos autores do estudo
A15, o pouco acesso à educação sexual é difícil especialmente durante a adolescência,
quando padrões normativos e de idealização geram maior segregação e desrespeito. Por fim,
a pesquisa A11 analisa que a educação sexual é deficitária para todos os públicos, entretanto
pessoas com desenvolvimento típico compensam a falta de acesso formal na convivência,
especialmente com pares. Não há, portanto, consenso sobre os níveis de conhecimentos das
pessoas autistas, o que é congruente com o fato de que a população é heterogênea em termos
47

instrucionais, nem conclusões seguras de que há relações diretas entre conhecimentos e


comportamentos sexuais, mas todos os estudos são unânimes ao afirmar a importância de
uma educação sexual inclusiva.
Segundo Maia e Ribeiro (2011), a educação sexual é um processo presente no
desenvolvimento dos indivíduos desde seu nascimento, por meio do qual são construídos
valores, atitudes e comportamentos. Ainda segundo os autores, pode ocorrer de maneira não
intencional, ou seja, ao longo da vida em situações rotineiras da família, dos pares, da mídia
e da cultura, ou intencional, organizada formalmente para instruir as pessoas acerca da
temática. Na defesa de uma educação sexual crítica e emancipatória, centraliza-se a escola
como um local privilegiado para sua promoção, o que implica a necessidade de formação dos
educadores, e garantia de instituições laicas.
Entretanto, é possível que familiares e profissionais de diversas naturezas, como
psicólogos, médicos e outros envolvidos no acompanhamento de pessoas com deficiência, se
dediquem ao ensino sobre sexualidade e ao oferecimento de espaços seguros para discussão
do tema (VIEIRA, 2016). Assim como no caso da escola, seria necessário preparo e
assistência, para que a educação sexual mantivesse seu caráter emancipatório. No caso da
promoção de intervenções para pessoas com TEA/S1, devem ser consideradas as
particularidades da condição, por isso as instruções devem ser mais concretas que abstratas;
breves, específicas e claras; visuais; utilizar imitações e role-playings; realizadas em
situações de vida real e repetidas frequentemente (KOLLER, 2000).
Os estudos revisados elencaram sugestões de como programas de intervenção podem
ser estruturados para pessoas TEA/S1: na pesquisa A11, o currículo deveria ser organizado
considerando as características específicas do transtorno, e na pesquisa A17, destaca-se a
indispensabilidade de programas voltados às mulheres, suas necessidades e dúvidas próprias.
Segundo os autores do estudo A19, deve ser abordado o como ter satisfação na vida sexual,
enquanto no estudo A7 as intervenções devem visar diminuir a vitimização desse grupo.
A pesquisa A8 propõe um projeto fornecendo informações acerca de normativas,
combate aos estereótipos, e discussão de expectativas irrealistas acerca da sexualidade,
habilidades sociais e treinamento de comunicação para relacionamentos. Na pesquisa A3, os
autores ressaltaram necessidade de abordar regras sociais e comunicação, enquanto no estudo
A9 sugere-se incorporar diálogos sobre as dificuldades sensoriais e estratégias a serem
desenvolvidas para melhorar seu bem-estar. O artigo A10 indica que a educação sexual para
este público deve abordar riscos, métodos, ferramentas e diversidade, bem como
possibilidades de sexo menos doloroso e conhecimentos gerais sobre sexualidade.
48

Os programas existentes para promoção de educação sexual de pessoas TEA/S1 são


essencialmente voltados ao público adolescente. O Tackling Teenage Training Program
(TTT), estruturado para aplicação em 18 sessões, propõe exercícios sobre as categorias
temáticas: discussão da puberdade; aparência; primeiras impressões; desenvolvimento físico
e emocional; como fazer amigos e manter amizades; se apaixonando e tendo um encontro;
sexualidade e sexo; orientação sexual, masturbação e relação segura; gravidez; estabelecendo
e respeitando limites, e uso da internet (DEKKER et al., 2015).
Há estudos de validação e ajustes da aplicação do TTT disponíveis (DEKKER et al.,
2015; VISSER et al., 2015), ou propondo intervenções não padronizadas (STEFANOS;
MARIA; ELIAS, 2011), além de propostas de programas a serem aplicados pelos pais dos
adolescentes (CORONA et al., 2016; NICHOLS, BLAKELEY-SMITH, 2019). Entretanto,
há escassez de publicações e relatos de intervenções voltadas ao público adulto,
especialmente no âmbito educacional.
Diversos autores que propõem diálogos sobre autismo e sexualidade destacam o fato
de que algumas características peculiares do TEA/S1 são condicionantes de seu
desenvolvimento sexual (ASTON, 2012; DRAHOTA, 2010; KOLLER, 2000; NEWPORT;
NEWPORT, 2002; OTTONI; MAIA, 2019a). O artigo A9 sobreleva a confusão que pode
haver com relação ao que é considerado sexual ou não, em situações sociais. No exemplo de
um participante cujo hiperfoco envolvia zíperes, houve embaraços acerca de suas ações de
explorar, tocar e perguntar sobre fechos de roupas alheias, quando em sua visão estava
simplesmente investigando um objeto com textura e barulho interessantes. A dificuldade para
compreender o impacto de suas ações no outro, para além da própria perspectiva, bem como
para entender sinais verbais ou não verbais de conotação sexual, vulnerabilizam pessoas com
TEA/S1 para vitimizações ou violências físicas, sexuais e psicológicas (VIEIRA, 2016).
Ainda no conjunto de características típicas do TEA/S1, vários estudos abordaram a
questão da hipersensibilidade. No estudo A10, todos os participantes citaram desconfortos
no momento do ato sexual, indicando que estímulos como sons ou texturas tornavam maior
seu incômodo, e a dor ao toque usualmente desencadeava crises de estimulação excessiva e
ansiedade. Na pesquisa A9, os adultos expuseram que suas habilidades motoras deficitárias,
somadas às sensibilidades, tornavam o sexo muito difícil, e as mulheres do artigo A16
indicaram que esses obstáculos as levaram a elaborar estratégias, como colocar um
travesseiro para dormir com o parceiro, evitando a sensação de pele a pele. Outro aspecto
complementar, relatado no estudo A16, foi a incompreensão da necessidade de preliminares
apresentada pelos companheiros e companheiras, gerando conflitos conjugais. Neste campo,
49

ressalta-se a importância da atuação dos profissionais de Terapia Ocupacional, que por meios
diversos, como as intervenções de Integração Sensorial, podem apoiar a minimização dos
efeitos da hipersensibilidade, ou o desenvolvimento de estratégias para conforto e bem-estar
(SOUZA; NUNES, 2019).
O estudo A19 propôs uma análise a partir da hipótese de que a maior sensibilidade a
estímulos sensoriais, presente em pessoas TEA/S1, seria a variável causadora de incidência
superior de transtornos de disfunção sexual. Os dados apresentados indicaram que, com
relação ao grupo controle neurotípico, pessoas autistas têm maior propensão às disfunções.
Os homens, especificamente, apresentaram fantasias e comportamentos hiperssexuais, e
mulheres mais ações masoquistas que as “saudáveis”. As mulheres do grupo controle, em
comparação às TEA/S1, indicaram maiores desejos e excitação, lubrificação, qualidade de
orgasmo e menos dores na relação sexual, enquanto os homens neurotípicos apresentaram
melhor funcionamento sexual geral, e homens TEA/S1 mais problemas de ereção.
Deve ser ressaltado o fato de que as análises tecidas pelos autores de A19 partem de
uma perspectiva essencialmente biologicista, utilizando linguagem normativa como
“saudável” para descrever pessoas sem TEA/S1, e atribuindo a comportamentos sexuais
diversos, como o masoquismo, valor negativo. Desconsidera a sexualidade enquanto uma
construção biopsicossocial ao comparar de maneira direta os dados de adultos autistas e sem
autismo, deixando de relevar aspectos importantes como acesso à educação sexual,
experiências sociais, compartilhamento de informações etc. Por isso, indica-se que os dados
do artigo A19 devem ser observados com cautela, tendo em vista a perspectiva limitada dos
autores.
Outro exemplo de característica comum do autismo que pode influenciar sua
sexualidade é o déficit comunicacional. Os participantes da pesquisa A15 indicaram, por
exemplo, que autistas podem ser românticos, entretanto achar muito difícil flutuar nas
palavras neurotípicas, consideradas inacessíveis ou incompreensíveis, gerando dificuldades
no contexto de relacionamentos. Estes dados sobre características singulares do
desenvolvimento de pessoas autistas são essenciais para a elaboração de programas
interventivos, que ultrapassam o campo informativo, abordando o treinamento de habilidades
especiais, como comunicação e sociabilidade, ao incorporar os dados fornecidos por estudos
descritivos e exploratórios.
O primeiro estudo listado nesta revisão (A1) propôs um grupo focal para que 18 adultos
TEA/S1 expressassem suas dificuldades sociais. Nos encontros, surgiram dúvidas de diversas
naturezas, sendo muitas relacionadas à sexualidade. Questionou-se, por exemplo, como
50

estabelecer relacionamentos, e as soluções coletivas criadas foram “não bater nas pessoas” e
“ser legal com elas”. Dúvidas acerca das sutilezas humanas foram comentadas pelos
participantes, tais quais “como manejar uma conversa?” e “como comportar-se
adequadamente perto de alguém do sexo oposto?”.
Um participante com fetiche em pés, por exemplo, questionou o que fazer quando
avistasse alguém descalço, e seus companheiros deram conselhos como “não olhar, não tocar,
olhar para o outro lado e segurar as mãos”. Questionou-se, no grupo, o que seria rude em um
encontro amoroso, e as respostas foram “criticar ou fazer toques indesejados”, e sobre quais
assuntos abordar em um primeiro contato, os conselhos foram “músicas e esportes”.
Esses dados são amplos e ricos, e permitem que se compreenda que, muitas das
dificuldades de relacionamentos ou sofrimentos expressos pelos participantes, advém das
tenuidades do relacionamento humano, tidas como inacessíveis ou de difícil compreensão,
devido ao TEA/S1. Entretanto, para não restringir a análise a uma crítica meramente
deficitária (ROSQVIST, 2014), deve-se reconhecer que essas dificuldades se acentuam pelo
fato de que, na atualidade, os relacionamentos são compostos por regras não explícitas,
comportamentos imprevisíveis, e que não há abertura para discutir sobre, ou espaço seguro
de preparo para situações como essa. Tem-se, portanto, uma dificuldade gerada na interação
entre a característica social do TEA e a sociedade normativa, que oferece pouco apoio à
inclusão, especialmente nesta temática.
Os participantes das pesquisas A10, A15 e A18 indicaram dificuldades para entender
o contexto da paquera, bem como para enviar ou compreender mensagens em situações
românticas, sendo as relações sentidas como um jogo de difícil acesso, e árdua compreensão.
Esses dados levantam um debate central na discussão da sexualidade de pessoas com
TEA/S1: por um lado, compreendendo as dificuldades enfrentadas para vivenciar relações,
tende-se a propor intervenções que as auxiliem a compartilhar dos signos e regras da
sexualidade neurotípica; por outro, questiona-se se essas intervenções seriam uma forma de
normatizá-las e reproduzir a lógica da integração (ARANHA, 2001) e da hegemonia típica
de desenvolvimento (MACKENZIE, 2018).
Rosqvist e Jackson-Perry (2020) publicaram uma análise a partir de relatos postados
em fórum online e perceberam que as dúvidas e comentários tinham, majoritariamente,
conotação negativa, de onde extraíram o questionamento: “Dentro do contexto de um corpo
de literatura sobre autismo que geralmente é dirigido pelo déficit, é possível que as pessoas
autistas imaginem a si mesmas e sua experiência íntima além do déficit?” (ROSQVIST;
JACKSON-PERRY, p. 15, 2020). Os autores concluem que há duas possibilidades: 1)
51

explorar novas formas de falar sobre a sexualidade atípica, sem a conotação “anormal”; 2)
produzir pesquisas qualitativas sobre a vida íntima de pessoas TEA/S1, a partir de seus pontos
de vistas e experiências, reconhecendo que os métodos tradicionais não suportam a
complexidade do fenômeno.
Observa-se, portanto, que os autores do movimento da neurodiversidade propõem
soluções voltadas à autoadvocacia e afirmação identitária, entretanto as demandas expressas
por pessoas TEA/S1 continuam existindo neste cenário. Exemplo importante é a questão de
saúde mental: segundo os autores do artigo A13, 65% dos participantes afirmaram que,
estando solteiros, o contato com outras pessoas era exaustivo; para 61%, foi significativo o
medo de não corresponder às expectativas de parceiros; 57% não sabia como encontrar ou se
envolver com alguém, e 50% não entendia como funcionavam relacionamentos amorosos.
Em complemento, o estudo A15 indicou que essas questões geram depressão,
ansiedade, baixa autoestima, isolamento e aumento em todos os tipos de riscos. Para a
pesquisa A5, as pessoas cm TEA/S1 apresentaram maior ansiedade sexual, e segundo a
pesquisa A15, não se sentiam ouvidas quando o assunto era sexualidade, além de sofrerem
com os estereótipos de assexuado, hiper ou hipossexuado, infantilizado, dependente e inábil.
As mulheres desse mesmo estudo (A15) indicaram autoimagem negativa e dificuldades para
encontrar parceiros, e as do estudo A17 disseram se sentir mais atraentes quando estavam
fingindo, ou seja, não sendo elas mesmas, e que namorar exigia um esforço significativo.
Assim, embora as diretrizes apresentadas pelo movimento da neurodiversidade sejam
essenciais na construção de uma sexualidade atípica positiva, não resolvem questões
importantes apresentadas pelos adultos autistas, como custos de saúde mental, adversidades
nas tentativas de relacionamentos etc. Defende-se, portanto, que as ações planejadas para
apoiar pessoas TEA/S1, com relação à sua sexualidade, devem ser variadas, e distribuídas a
partir de dois focos: intervenções voltadas ao seu próprio desenvolvimento, como
treinamento de habilidades sociais e orientações acerca do funcionamento social; e centradas
no contexto global, garantindo a defesa do direito de vivenciar a sexualidade, a partir do
ponto de vista autista. Entende-se corresponder, desta forma, à perspectiva inclusiva, já que
segundo Omote (1999):
A concepção social de deficiência não nega as limitações efetivamente
apresentadas por deficientes, determinadas por condições médicas incapacitadoras
ou por condições sociais incapacitadoras, nem subestima os efeitos dessas
limitações sobre o funcionamento efetivo do deficiente. Portanto, qualquer
programa inclusivo precisa intervir tanto no meio, no sentido de que este se ajuste
às necessidades particulares de cada beneficiário, como também junto ao
deficiente, para capacitá-lo a enfrentar as exigências do meio (OMOTE, 1999, p.
12).
52

A vulnerabilidade mais importante citada pelos estudos revisados, foi com relação à
vitimização para situações de violências sexuais. O artigo A7 indicou que 78% dos
participantes autistas afirmaram ter passado por situação de vitimização, em comparação a
47% na população geral. As pessoas TEA/S1 seriam, assim, de duas a três vezes mais
propensas a experimentar exposição por contato, coerção e violação - dado similar ao estudo
A19, de que há três vezes mais chances de agressão em mulheres autistas, que em
neurotípicas.
Na pesquisa A11, os participantes também relataram ter passado por violências, como
enganos em encontros amorosos e relacionamentos abusivos, além de terem realizado
atividades ilegais, especialmente devido ao isolamento social em que viviam, e falta de
informações. O estudo A15 esclarece que muitas pessoas TEA/S1 têm mais dificuldades para
denunciar violências, ou são menos consideradas neste momento, e as mulheres participantes
da pesquisa A16 relataram situações de exploração sexual e objetificação feminina.
Estes dados são coerentes aos encontrados na literatura da área, segundo a qual
autistas apresentam mais riscos com relação às violências, e maior probabilidade de envolver-
se em crimes sexuais (SEVLEVER; ROTH; GILLIS, 2013). Segundo Stokes, Newton e Kaur
(2007), comparadas aos pares neurotípicos, pessoas com TEA tendem a emitir
comportamentos sociais mais intrusivos e inadequados, com destaque à prática conhecida
como stalking, ou perseguição da pessoa de interesse, sem reconhecimento dos limites
aceitáveis. Para os autores, as amizades, círculos sociais e convivência com pares desde cedo
são importantes para que comportamentos adequados sejam aprendidos, e os inadequados
redirecionados (STOKES; NEWTON; KAUR, 2007).
Schöttle et al. (2017) chamaram atenção para o índice significativamente maior de
parafilias em pessoas com TEA, necessitando incluir orientações acerca da temática nos
programas de educação sexual e terapêuticas da sexualidade. Early et al. (2012) apresentaram
os resultados do tratamento clínico de exposição para diminuir as ocorrências de comentários
de um jovem com TEA sobre os pés de suas colegas, que vinham causando constrangimento,
devido às dificuldades para diferenciar comportamentos de paquera e excitação, das práticas
de assédio sexual.
Percebe-se, nestes artigos, a afirmação de que na maior parte das vezes, trata-se de
um processo de educação sexual deficitário, ou dificuldades na compreensão do que é certo
ou errado em situações sociais. Assim, os autores concluem ser primordial analisar tais dados
com cautela, e fornecer programas interventivos ao público para evitar ou minimizar essas
ocorrências. Por fim, ressalta-se cuidado também para que crimes sexuais ou
53

comportamentos inadequados não sejam vinculados à condição do TEA/S1 por si só, já que
esta ação poderia estigmatizar o público de forma prejudicial.
É claro que há discordância e impasses acerca da temática na literatura, sendo que
trabalhos especialmente no campo da Psicologia Jurídica exploram possibilidades sobre
como agir em situações violentas. Steel (2016) afirmou, por exemplo, que vêm aumentando
ao longo do tempo, o número de casos nos quais réus de pedofilia e consumidores de
pornografia infantil alegam diagnóstico de TEA/S1 em suas defesas judiciais. Na visão do
autor, independentemente da condição neurológica apresentada, devem ser aplicadas as
punições decididas pelo Estado acerca do crime cometido.
Para apoiar as pessoas TEA/S1 nas situações de vitimização, são defendidos projetos
de educação sexual e orientações para sexualidade, com módulos específicos acerca de como
identificar situações perigosas, e métodos de ação acerca das mesmas (NEWPORT;
NEWPORT, 2002).

5.2.3 Questões de gênero e orientação sexual


Os artigos revisados abordaram, por fim, questões de gênero e orientação sexual das
pessoas TEA/S1, demonstrando espantoso interesse na diversidade sexual, dentre o público
estudado. No estudo A10, os autores descreveram que, dos 24 participantes, 5 se
identificaram como gender queer, e 6 como assexuais; A13 apresentou o dado de que havia
mais homossexuais, bissexuais, assexuais ou orientações não descritas, que na população
neurotípica, assim como disseram os autores dos artigos A4, A6, A8, A16 e A18.
A descrição acerca da diversidade sexual entre as pessoas TEA/S1 é importante à
finalidade da compreensão da sua sexualidade, e não representa, em si, um problema.
Entretanto, destaca-se o conjunto de conhecimentos e perspectivas teóricas utilizadas por
alguns autores para analisar os dados coletados, sendo alguns deles essencialmente
biologicistas, medicalizantes e promotores de uma consternadora associação entre
identidades, orientações sexuais diversas, e psicopatologias.
No trabalho A6, discute-se a Teoria do Cérebro Masculino, segundo a qual maiores
índices de testosterona e desenvolvimento acentuado de áreas cerebrais específicas, nas
pessoas autistas, estimulariam traços cognitivos considerados masculinos, como habilidades
de sistematização e dificuldades na empatia. Assim, os autores buscaram analisar as
características sexuais dos participantes a partir da hipótese de que seriam explicadas pela
“masculinização” cerebral.
54

Como resultados, encontraram que mulheres autistas apresentaram comportamentos


como vestir-se e comportar-se mais masculinamente, o que denominaram tomboysmo, além
de mais pessoas bissexuais e assexuais. Não foram encontradas diferenças nos papéis de
gênero de pessoas com e sem autismo. Os autores concluíram que os dados não apoiaram,
completamente, a Teoria do Cérebro Masculino, entretanto não realizaram análises sobre a
construção social de gênero, e atribuíram ao desenvolvimento neurológico características que
podem ser ensinadas e aprendidas, como a empatia.
A4 também explora a possibilidade de fundamentar o maior índice de
homossexualidade em mulheres TEA/S1 na Teoria do Cérebro Masculino, e complementa
que outro traço comum desse padrão é a dificuldade para interpretação e expressão de
emoções, considerada uma característica feminina. Assim, tanto na pesquisa de A6 quanto
em A4, os autores desconsideram que o processo educativo atribui papéis e autorizações de
gênero desde o início da vida, sendo as meninas incentivadas com relação à estética e cuidado
do outro, e os meninos dirigidos a comportamentos indisciplinados.
Ao estabelecer um paralelo entre variáveis como desenvolvimento cerebral e hormonal
e comportamentos sexuais, são ignoradas outras múltiplas influências essenciais do processo
de construção de gênero. Ao fim do estudo, no artigo A4, manteve-se a hipótese de que o
índice de testosterona explicaria a homossexualidade e bissexualidade das participantes,
sendo sugeridos aprofundamentos futuros sobre o assunto.
Esses estudos compactuam com uma tendência na literatura da área de explorar as
diversidades sexuais enquanto psicopatologias, enquadrando as mesmas em diagnósticos
médicos. Galucci, Hackerman e Schimidt (2005) tentaram traçar relações entre o autismo e
a Disforia de Gênero (DG), e por não encontrar dados significantes, sugeriram que deveriam
ser elaborados estudos investigando a relação entre DG e Transtorno Obsessivo-Compulsivo
(TOC), pois as preocupações e angústias sobre os papéis de gênero insinuavam, de acordo
com os autores, possível correlação entre ambas condições. Sendo o TOC bastante comum
em pessoas com TEA, poderia haver então uma possível correlação indireta entre autismo e
identidades não normativas de gênero.
O próprio vocabulário utilizado nos artigos denota a perspectiva médica, com termos
como “comorbidade”, “diagnóstico” e “tratamento”. A Psicologia, em conjunto a outras
ciências e áreas do conhecimento, argumenta pelo fim da valoração de doença, transtorno ou
desvio à identidade de gênero, argumentando que no mesmo sentido do autismo para a
neurodiversidade (ORTEGA, 2009), o ser trans é uma característica humana (BENTO;
PELÚCIO, 2012). Além disso, enquanto classe profissional, os psicólogos são regidos pelo
55

Código de Ética e resoluções normativas do Conselho Federal, segundo o qual as identidades


de gênero são possibilidades da existência, e os profissionais não devem agir aplicando
técnicas que favoreçam a discriminação (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2018).
Por esta razão, espaços de “tratamento” para pessoas cujas identidades de gênero não
sejam normativas são realidades negadas pelos profissionais brasileiros de Psicologia. A
coleta de dados do estudo de Pasterski, Gilligan e Curtis (2014), por exemplo, foi realizada
em uma clínica para tratar Disforias de Gênero: os autores aplicaram a escala de rastreamento
AQ para identificar quantos dos pacientes inseridos naquele espaço tinham critérios
suficientes do diagnóstico de TEA/S1. Como comentado anteriormente, em contextos
minimamente éticos e humanos, uma pesquisa como esta, não prosperaria.
O trabalho de Vries et al. (2010) avaliou crianças e adolescentes e concluiu maior
prevalência de DG naquelas com TEA, indicando em suas conclusões que “os profissionais
clínicos devem estar atentos à comorbidade e aos desafios que ela significa” (VRIES et al.,
2010, p. 932), e a mesma correlação foi apresentada em estudos publicados por importantes
revistas mundiais (ØIEN; CICCHETTI; NORDAHL-HANSEN, 2018), coincidentes com as
encontradas nesta revisão.
É importante destacar que, em primeiro lugar, analisa-se não haver fundamento para
explorações minuciosas acerca da prevalência de identidades de gênero ou orientações
sexuais não normativas em pessoas TEA/S1. A não ser no caso de estudos como A18,
segundo o qual este predomínio indica a necessidade de intervir com essa população para
apoiá-los na exploração de sua sexualidade, não são vistos avanços ou ganhos científicos a
partir destes dados – especialmente no enfoque médico.
Em segundo lugar, destaca-se que outras hipóteses deveriam ser consideradas no
desenho metodológico de estudos cujos objetivos fossem avaliar identidade de gênero e
orientação sexual de pessoas TEA/S1: seria possível haver uma correlação entre os maiores
índices de homossexualidade e bissexualidade com o fato de que as pessoas autistas são
menos dependentes da opinião social alheia, desprendendo-se com maior facilidade das
regras heteronormativas? Poderia ser considerado que a maior incidência de pessoas trans ou
não binárias no diagnóstico TEA, se deve ao fato de que os engessados papéis de gênero não
foram apreendidos, como no caso de pessoas neurotípicas? Haveria mais pessoas assexuais
autistas porque a pressão social pela vivência díade da sexualidade é menos sentida por essas
pessoas?
56

Apenas um dos estudos revisados propõe análise crítica acerca da temática: A2 aborda
a assexualidade de pessoas TEA/S1, indicando um impasse importante do movimento das
pessoas com deficiência. Por um lado, como dito anteriormente, há uma luta histórica pelo
reconhecimento da sexualidade, dos desejos, interesses e potenciais dessas pessoas, em prol
da conquista de seus direitos sexuais. Por outro, aquelas identificadas como assexuais, ou
seja, que não expressam desejos de engajar-se em relacionamentos sexuais, acabam
invisibilizadas, já que a assexualidade foi tratada ao longo do tempo como um mito a ser
combatido. Há a necessidade, portanto, do reconhecimento da identidade assexual como algo
a ser respeitado.
Donna Williams, na biografia analisada pela autora do artigo A2, indicou que
aprendeu, ao longo de sua vida, performar comportamentos de desejo sexual, porque foi
ensinada que eles faziam parte da sexualidade. Segundo a autora, há uma confusão da
assexualidade com o celibato, ser gay ou ter medo de admitir seus desejos. Miss Jane, neste
mesmo artigo, cita que a sociedade acreditou na ideia de que somente um tipo de desejo é
aceitável, desconsiderando as vivências de pessoas que não querem relacionar-se, amorosa
ou sexualmente, com outras. Assim, embora a assexualidade possa ser um mito para muitas
pessoas com deficiência, para tantas outras é uma realidade, e deve haver foco na construção
da identidade e da autoaceitação. Reafirmando dificuldades enfrentadas nesse contexto, as
mulheres do estudo A17 disseram ser difícil encontrar parceiros que topassem engajar-se em
relacionamento sem interesses sexuais.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dezenove estudos selecionados para análise nesta revisão sistemática de literatura


apontaram, em primeiro lugar, aumento do interesse científico acerca da sexualidade de
pessoas TEA/S1, devido ao crescente número de publicações entre 2005 e 2019. Os artigos,
disponibilizados em língua inglesa e de nacionalidades diversas, evidenciaram a necessidade
de avanço na literatura brasileira sobre a temática, e foram encontrados em revistas de
naturezas múltiplas e longo alcance, como especializadas em autismo e sexualidade ou
generalistas de educação, psicologia e saúde.
Os métodos utilizados pelos autores foram variados em todos os aspectos analisados,
sendo que a maior parte das pesquisas tinha caráter exploratório ou descritivo - o que é
condizente com o objetivo de caracterização da temática - e foram realizadas por meio de
levantamento direto com os participantes, apesar de haver também estudos documentais
57

(GIL, 2002). As coletas ocorreram essencialmente de maneira online, e utilizaram vários


instrumentos, como escalas de rastreamento, sendo a principal delas Autism Spectrum
Quotiente (AQ) (BARON-COHEN et al., 2001); questionários sobre sexualidade,
conhecimentos ou outras variáveis analisadas especificamente pelos autores. O número de
participantes nas coletas variou de 8 a 364, acordo com os desenhos metodológicos, sendo
as menores mais profundas em termos de diversidade de informações obtidas, porém menos
generalizáveis, e as maiores superficiais em dados, mas amplas em generalização
(BORTOLOZZI, 2020).
Considerando as narrativas descritas por Rosqvist (2014), presentes em estudos sobre
sexualidade de pessoas TEA/S1, a maior parte dos artigos revisados enquadrou-se na
categoria “Discurso Deficitário”, pois propuseram análises comparativas entre a população
com e sem autismo, partindo do princípio de que o modo de vivenciar, sentir e pensar sobre
aspectos sexuais neurotípico, seria o correto, ou modelo – fato este amplamente criticado
pelo movimento da neurodiversidade, que defende uma sexualidade atípica positiva.
Os resultados dos artigos foram organizados em três categorias temáticas. A primeira
delas, características gerais da sexualidade, incluiu dados sobre a existência de interesse e
engajamento sexual do público, quebrando o frequente mito da assexualidade, e sobre os
relacionamentos sexuais e amorosos enquanto acesso à sociabilidade, denunciando
necessidade de apoio para TEA/S1 neste ponto. Foram discutidas, ainda, as estratégias
sexuais utilizadas, como uso da internet para relacionar-se ou excitar-se e hábitos cotidianos
de cuidado com relação às crises de hiperestimulação, além de dados sobre a maior
vitimização de mulheres autistas com relação a violências sexuais, e impactos diversos em
sua saúde mental.
Na segunda categoria foram descritas as dificuldades e vulnerabilidades, como pouco
acesso à informação e educação sexual deste público, demonstrando a urgente necessidade
de programas interventivos adaptados à suas características e necessidades. Observou-se,
ainda, características típicas do TEA/S1, como hipersensibilidade, sociabilidade e
comunicação, enquanto condicionantes de seu desenvolvimento sexual, que demandam
atenção dos profissionais de apoio, como psicólogos e terapeutas ocupacionais. Por fim, o
terceiro agrupamento de dados indicou mais de identidades de gênero diversas e orientações
sexuais não heteronormativas em pessoas TEA/S1.
Discutiu-se que a variedade de métodos utilizados foi importante para descrição de
resultados diversos e exploração de variáveis múltiplas, observando-se, entretanto, que os
artigos com instrumentos construídos especificamente às pessoas TEA/S1 e com
58

possibilidade de respostas abertas, foram mais profícuos à obtenção de dados descritivos. Os


programas de educação sexual e apoio à sexualidade, inexistentes para o público adulto,
devem ser elaborados considerando a perspectiva das próprias pessoas com relação às suas
necessidades, em uma narrativa de empoderamento autista (ROSQVIST, 2014). Criticou-se
a perspectiva da hegemonia neurotípica acerca da sexualidade (ROSQVIST; SPERRY-
JACKSON, 2020), presente em muitos dos artigos analisados, bem como as abordagens
biologicistas, medicalizantes e patologizadoras, especialmente nos trabalhos acerca de
questões de gênero e orientação sexual.
Concluiu-se, desta forma, que futuras pesquisas sobre sexualidade de pessoas TEA/S1,
especialmente embasadoras de programas interventivos, poderão ser férteis caso utilizem
métodos descritivos ou exploratórios, instrumentos variados, abertos e adaptados, com
participantes autistas, na lógica da autoadvocacia, e com análises que partam de uma
sexualidade ampla, histórica, social, cultural e complexa (MAIA; RIBEIRO, 2011),
desconstruindo a lógica normatizadora e essencialmente neurotípica.
Dentre as limitações deste estudo podem ser citadas a inclusão de somente um tipo de
trabalho publicado, ou seja, artigos, indicando-se que trabalhos seguintes podem revisar
materiais como livros, dissertações e teses. Estudos com outros públicos, como adolescentes
e idosos também podem ter importantes contribuições à temática, bem como publicados em
bases de dados adicionais ou outros idiomas.

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APÊNDICES
APÊNDICE A
Quadro 4: Síntese dos resultados obtidos por cada estudo selecionado
N° Resultados obtidos
A1 As situações-problemas levantadas no grupo focal, foram: “Como manejar uma conversa?”, “O que fazer
quando vejo pés descalços?”, “O que é considerado rude em um encontro romântico?”, “Qual a melhor
maneira de entrar em contato com uma pessoa que não vê há anos?”, “Como me comportar para chamar a
pessoa para sair?”, “Por que está tudo bem para as pessoas normais namorar e casar, e para pessoas autistas
não?”. Os participantes encontraram situações juntos, ressaltando a importância da coletividade para pensar
a sexualidade de pessoas com TEA/S1.
66

A2 Nos discursos de Donna Williams e Miss Jane, identificou-se questões como terem aprendido a performar
comportamentos de desejo sexual, porque a assexualidade seria vista como algo anormal; ter sua
assexualidade confundida com o celibato, ser gay ou ter medo de admitir desejos. Discute-se a urgência do
reconhecimento da assexualidade como uma identidade, pois os movimentos de defesa da sexualidade da
pessoa com deficiência adotam um discurso generalista de que as pessoas são sexuais e devem viver seus
desejos sexuais.
A3 Comparados aos indivíduos com desenvolvimento típico, pessoas TEA/S1 se engajaram menos em
comportamentos e experiências sociais, tinham menos educação sexual, e mais preocupações com relação
ao futuro; níveis similares de conhecimentos sobre privacidade e comportamentos sexuais ao grupo controle.
Ressalta-se, necessidade de programas de educação sexual especializados para pessoas autistas.
A4 As pessoas com TEA demonstraram interesse sexual e em envolver-se com outra pessoa, maior taxa de
assexualidade, e no caso das mulheres, menores taxas de heterossexualidade. Sobre linguagem acerca de
questões sexuais não foram encontradas grandes diferenças. Discute-se que altos níveis de testosterona
foram encontrados em bebês autistas, com impactos em áreas do cérebro relacionadas à interpretação e
expressão de emoções, levantando a nova hipótese de que esta testosterona prevê mais homossexualidade
de mulheres com TEA.
A5 Os participantes relataram funcionamento sexual positivo, alta ansiedade sexual, menor desejo de relação
díade, e menos excitação sexual. Os homens relataram melhor relação sexual do que as mulheres em várias
áreas. Os resultados contrariam percepções sociais negativas sobre a sexualidade de indivíduos de alto
funcionamento no espectro do autismo.
A6 Habilidades masculinas (assertividade, liderança e competitividade) foram mais fracas nas pessoas com
TEA que nos grupos controle; tomboyismo e bissexualidade bastante presentes nas mulheres autistas.
Menores experiências sexuais em adultos com TEA, maior demora para entrada na vida sexual. As mulheres
relataram comportamentos masculinos na infância, identidade de gênero e orientação sexual mais
masculinizadas na vida adulta; mas não houve dados de diferenças significantes de homens com TEA. As
pessoas com TEA relataram menos libido, menores probabilidades de tomar iniciativas em relacionamentos
baixa frequência de excitação e orgasmos sexuais. A assexualidade foi relatada em TEA, mas não nos grupos
controles. A teoria do extremo masculino do cérebro não é apoiada.
A7 Pessoas com TEA obtiveram menos conhecimentos em fontes sociais, maior de fontes não sociais e
experimentaram maior vitimização sexual. Os riscos estão correlacionados aos níveis de conhecimento sobre
sexualidade de pessoas TEA/S1, que obtém informações por meio da televisão e de experiências. 78% das
pessoas com TEA relaram pelo menos uma situação de vitimização, enquanto na população geral foram
47%. Indivíduos com TEA estavam entre duas e três vezes mais propensas a experimentar vitimização por
contato, vitimização por coerção sexual e violação do que grupo de comparação. Necessidade de programas
de intervenção.
A8 Os resultados fornecem suporte para a validade do IEMSS em todos os componentes (satisfação do
relacionamento, equilíbrio de recompensas e custos sexuais, equilíbrio entre recompensas e custos sexuais
relativos, igualdade de recompensas, igualdade de custos). Participantes com mais sintomas de
funcionamento social relataram menor satisfação sexual e pontuações mais baixas em todos os
componentes do IEMSS. Maior número de minorias sexuais no TEA que na população geral. Conclui-se
sobre a necessidade de um programa bem estruturada para discutir sexualidade com pessoas com TEA.
A9 A autora identificou diversos tipos de discurso sobre sexualidade na revista: “Discurso Deficitário da
Sexualidade do Autista”: adoção dos neurotípicos como norma, e os autistas como deficitários, comparando
suas formas de vivenciar a sexualidade; “Discurso da Educação Sexual” admite que com um processo
educativo seria possível ensinar as pessoas com TEA a vivenciarem suas sexualidades de forma aceitável;
“Discurso da Diferença Sexual”, afirmando que a sexualidade de pessoas com TEA seria produzida de forma
diferente das neurotípicas: e a sexualidade neurotípica é a considerada normal; “Discurso da Diferença
Neurológica do Autismo”; olhando o autismo tanto com relação a déficits quanto a potenciais; “Enredo do
modelo social da sexualidade autista” no qual diz-se que as diferenças não se dão pelas características do
TEA, mas pelas barreiras sociais. Essas duas últimas perspectivas são de empoderamento autista.
A10 Cinco dos participantes identificaram-se como gender-queer, seis como assexuais; relataram início de
vivências sexuais mais tarde que na população geral. Sobre paquera, relataram dificuldades para entender o
contexto, enviar ou compreender mensagens relacionadas a situações românticas; citaram exemplos de
questões sensoriais que os deixaram desconfortáveis ou em situação de dor; na relação sexual,
experimentaram dificuldades como sons ou texturas desconfortáveis; dor ao toque; crises de estimulação
excessiva ou ansiedade. Falaram de educação sexual inadequada e estratégias que funcionam bem no
contexto da crise de ansiedade ou superestimulação.
67

A11 Os autores concluíram que há necessidades nas pessoas com TEA que fazem com que o programa de
educação sexual a elas voltado seja específico. Na análise qualitativa, os sujeitos mencionaram dificuldades
com as experiências sexuais e falta de informações sobre sexualidade. As falhas na educação sexual
promovida pela escola, são em geral recuperadas pelas crianças típicas na interação com pares, e isso não
ocorre com crianças/adolescentes com TEA. O isolamento social contribui para que muitos não tenham com
quem dialogar sobre esse assunto. Alguns participantes relataram ter sido enganados em encontros sexuais,
estarem ou terem participado de relacionamentos abusivos e atividades ilegais, como perseguição.
A12 Não foram encontradas diferenças significativas no bem-estar sexual nos grupos com ou sem
relacionamentos íntimos, e os autores atribuem isso a possíveis falhas metodológicas. Também não foram
encontradas correlações de dados sobre qualidade de vida. Encontrou-se maior participação social em
pessoas com parceiros e relação entre empoderamento e independência no caso das pessoas que tinham um
relacionamento. Notou-se aumento da satisfação sexual no grupo que não estava em um relacionamento.
A13 73% dos participantes estava ou tiveram experiências anteriores em relacionamentos românticos; 7% da
amostra indicou não ter desejo de envolver-se em um relacionamento romântico; as pessoas com TEA
relacionando-se com outras pessoas com TEA demonstraram maior satisfação em seus relacionamentos.
Dos participantes solteiros, 65% disse que o contato com outras pessoas era muito exaustivo para eles, 61%
tinham medo de não corresponder às expectativas dos parceiros; 57% disse não saber como encontrar e se
envolver com alguém; 50% afirmou não entender como funcionam relacionamentos amorosos, ou o que
esperar deles. Os dados indicaram maior incidência de homossexualidade, bissexualidade e não descrição
de orientação sexual.
A14 Descobriu-se que os homens se engajam mais que as mulheres nos comportamentos sexuais online, que as
pessoas na casa dos 20 anos buscam mais informações, e que minorias sexuais se engajam mais na excitação
acompanhada que os heterossexuais. Considerando que as atividades online foram importantes para os
participantes, indica-se que um bom processo de educação sexual deve incluir assuntos sobre o uso da
internet para contatos sexuais.
A15 Analisando a fala de Naoki sobre o toque, percebe-se que só é possível pensar sua sexualidade a partir de
uma compreensão profunda de suas características. Nos outros 3 relatos de pessoas que experienciaram
dificuldades em relacionamentos, encontrou-se vítimas de abuso e estereótipos prejudiciais. Os estereótipos
mais comuns são: ser assexuado; hiper ou hipossexuado; infantilizado e dependente; inábil para expressar
sexualidade de forma apropriada. A hegemonia da sexualidade normatizada faz muito mal às pessoas com
TEA, pois ao dizer-lhes o que é bom/aceitável ou não, reprimem jeitos e comportamentos, forçando-se por
exemplo, a fazer contato visual. A falta de compreensão e espaço na sociedade para as pessoas com autismo
e sua sexualidade podem gerar dificuldades emocionais como depressão, ansiedade, baixa autoestima,
isolamento e aumento no risco de abusos e violências sexuais.
A16 Os resultados encontrados indicaram que muitas jovens mulheres tinham interesse em engajar-se em
relacionamentos, e algumas no contexto não-binário de identidade ou orientação sexual. Alguns elementos
foram descritos como impeditivos da satisfação sexual feminina, como dificuldades para encontrar um par,
auto avaliação negativa, e aspectos sensoriais. As taxas de identidades não binárias foram marcantes neste
estudo.
A17 Algumas participantes relataram se sentir mais confiantes, após o diagnóstico, e diminuição da auto-crítica.
Foram citadas questões como: dificuldades para identificar se o outro está interessado ou não em um
relacionamento íntimo; exigência de muito esforço para namorar; medo e preocupação com relação ao contar
sobre o autismo. Algumas relataram ser heterossexuais, outras bissexuais e duas assexuadas – e essas
comentaram dificuldades, por ser difícil encontrar pessoas interessadas em relacionamento sem interesses
sexuais. Relataram achar a relação sexual algo estranho, e dificuldades como questões sensoriais.
Participantes relataram ter sido exploradas em situações sexuais, sentir-se objetificadas. Dificuldades para
compreender os parceiros, bem como dificuldade para controlar o hiperfoco. Comentaram necessidade de
que as regras do relacionamento fossem as mais claras possíveis, e não intuitivas.
A18 Sobre o aprendizado acerca da sexualidade, em geral falaram sobre tentativa e erro, ou nunca terem
aprendido; muitos responderam não entender como relacionamentos funcionam; com relação a questões de
justiça, reforçou-se a importância do diálogo sobre o que é permitido ou não legalmente. Há pessoas
TEA/S1 que tem sucesso em seus relacionamentos amorosos, e outra que sentem dificuldades; a falta de
acesso ao conhecimento apareceu em muitos dos casos.
A19 Os resultados indicaram que homens e mulheres com TEA apresentaram maior propensão aos transtornos
sexuais, que o grupo controle. Em homens com TEA a inibição sexual está correlacionada de forma
significante com disfunções sexuais, enquanto não houve correlação entre funcionamento sexual e excitação.
Nas mulheres, o padrão oposto foi encontrado. Conclui-se que as peculiaridades de percepções sensitivas
podem ser responsáveis por problemas no funcionamento sexual de pessoas TEA/S1.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
68

ESTUDO 2

SEXUALIDADE NA PERSPECTIVA DE ADULTOS AUTISTAS: ANÁLISES


QUALITATIVAS
69

RESUMO

Pessoas autistas com necessidade de suporte 1 (TEA/S1) apresentam, em comparação aos


níveis 2 e 3, melhor desenvolvimento da linguagem funcional, habilidades cognitivas e
potencial para autonomia, e de acordo com a literatura científica, sofrem com privação de
acesso a direitos sexuais e educação sexual adequada. O objetivo desta pesquisa foi analisar
as vivências e opiniões sobre sexualidade, segundo os relatos de adultos TEA/S1, por meio
da participação de nove pessoas, diagnosticadas por profissional médico, com idades entre
23 e 41 anos, membros de fóruns online do Facebook destinados a esse público. A coleta foi
realizada de maneira remota, sendo o convite realizado nos grupos “Autismo/Asperger/São
Paulo” e “Jovens Asperger”. Os instrumentos utilizados foram uma ficha de identificação
dos participantes, o questionário de rastreamento de TEA Autism-Spectrum Quotient (AQ),
e o roteiro de entrevista semi-estruturada preparado para este estudo. Foram realizadas
entrevistas por videochamada, e seus áudios gravados e transcritos, para posterior análise de
conteúdos, partilhada com uma pesquisadora independente para comparação. Como
resultados, foram descritos fatores de proteção à sexualidade de pessoas TEA/S1;
dificuldades observadas, tanto de forma coletiva quanto particular; críticas sobre a forma
como a sociedade se comporta frente a relacionamentos; relatos sobre vivências amorosas
múltiplas, bem como experiências em educação sexual, sendo indicados serviços de escuta
sobre relacionamentos, para apoio, e orientações adaptadas, com clareza, concretude e
cuidado às suas demandas. Ressaltou-se necessidade de atenção à saúde sexual dos
participantes, em geral, e às vivências de mulheres TEA/S1, historicamente marginalizadas
de estudos científicos. Concluiu-se que as informações analisadas possibilitaram maior
representatividade e aproximação da ótica neurodiversa, e poderão ser utilizadas para
embasar programas ou materiais informativos e interventivos, apesar das limitações
metodológicas do estudo, como amostra pontual e dados pouco generalizáveis à toda
população com TEA/S1.

Palavras-chaves: Transtorno do Espectro Autista. Autismo. Sexualidade. Educação Sexual.


Asperger.
70

ABSTRACT
Autistic people in need of support 1 (ASD/S1) present, compared to levels 2 and 3, better
development of functional language, cognitive skills and potential for autonomy, and
according to the scientific literature, suffer from deprivation of access to rights sex education
and adequate sex education. The objective of this research was to analyze the experiences
and opinions about sexuality, according to the reports of TEA/S1 adults, through the
participation of nine people, diagnosed by a medical professional, aged between 23 and 41
years, members of Facebook online forums destined to to that audience. The collection was
carried out remotely, and the invitation was made in the groups “Autism/Asperger/São
Paulo” and “Young Aspergers”. The instruments used were a participant identification form,
the Autism-Spectrum Quotient (AQ) screening questionnaire, and the semi-structured
interview script prepared for this study. Interviews were carried out by video call, and their
audios were recorded and transcribed, for later content analysis, shared with an independent
researcher for comparison. As a result, protective factors for the sexuality of TEA/S1 people
were described; difficulties observed, both collectively and privately; criticism about the way
society behaves in relation to relationships; reports on multiple love experiences, as well as
experiences in sex education, with support services and listening to relationships being
indicated, for support, and adapted guidelines, with clarity, concreteness and care to their
demands. It was highlighted the need for attention to the sexual health of the participants, in
general, and to the experiences of ASD/S1 women, historically marginalized from scientific
studies. It was concluded that the information analyzed allowed greater representation and
approximation of the neurodiverse perspective, and can be used to support informative and
interventional programs or materials, despite the methodological limitations of the study,
such as a punctual sample and data that are not generalizable to the entire population with
ASD/S1.
Key-words: Autism Spectrum Disorder. Asperger’s Syndrome. Sexuality. Sex education.
Asperger.
71

1 INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição de neurodesenvolvimento


caracterizada por dois eixos centrais: déficits na comunicação social, e interesses,
movimentos ou assuntos restritos e repetitivos. Trata-se de um espectro porque as pessoas
são amplamente diversas entre si, e para especificar os subgrupos de diagnóstico, utiliza-se
descritores de níveis, classificados de acordo com a necessidade de apoio à funcionalidade:
muito substancial, substancial ou pontual (TEA/S3; TEA/S2 e TEA/S1, respectivamente)
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Pessoas TEA/S1 têm, em geral, escores das avaliações de inteligência dentro da
média normativa ou acima da mesma, não apresentando Deficiência Intelectual, e seu
comportamento verbal é bem desenvolvido, embora a topografia possa ser pedante,
rebuscada e literal. A compreensão verbal é deficitária, de modo que figuras de linguagem
ou explicações longas são difíceis, e entender aspectos não-verbais, como expressões faciais
ou situações sociais que envolvam interpretações sutis, pode ser imensamente desafiador
(BRITO; NETO; AMARAL, 2013; CAMARGOS JR, 2013; KLIN, 2006).
Outra característica importante de pessoas TEA/S1 é a hipersensibilidade a estímulos
sensoriais, como toques, cheiros, texturas, luzes, cores e sons, com incômodos atípicos. A
aprendizagem de habilidades lógicas pode ser facilitada em comparação às intuitivas e
interpretativas, e os hiperfocos em assuntos específicos podem durar longos períodos. Há
autistas que desenvolvem aptidões fantásticas e se tornam especialistas em assuntos
particulares, e são comuns inflexibilidades em relação às preferências, às sequências ou às
rotinas (BRITO; NETO; AMARAL, 2013; CAMARGOS JUNIOR, 2013; KLIN, 2006;
OTTONI; MAIA, 2019a).
Conforme a visão adotada pela Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), as
deficiências devem ser analisadas de acordo com o contexto histórico-cultural no qual se
inserem, de forma que no caso do TEA/S1, os obstáculos enfrentados pelas pessoas autistas
não se referem unicamente às características do transtorno, mas à sua contextualização em
uma sociedade normativa e neurotípica (ORTEGA, 2009; ROSQVIST, 2014). Dentre as
inúmeras temáticas a serem discutidas pela comunidade científica acerca do desenvolvimento
e inclusão de autistas, como escolarização, acesso ao mercado de trabalho, intervenções
disponíveis para melhora na qualidade de vida etc., destaca-se a importância de abordar sua
sexualidade (VIEIRA, 2016).
72

A sexualidade é uma dimensão humana ampla e complexa, composta por aspectos


diversos, como atos sexuais, desejos e afetos, atitudes, pensamentos e representações sociais,
além de questões orgânicas, psicológicas e de saúde, localizadas histórica e socialmente
(MAIA, 2011). Ilustrando a precisão de discussões sobre o assunto, MacKenzie (2018)
reproduziu a fala de Maeve, uma mulher de 42 anos TEA/S1:
Ser sempre a última escolhida ou saber que ninguém quer se sentar ao seu lado, a
deixa vulnerável a predadores em qualquer lugar [...] Isso é ainda mais complicado
pela falta de entendimento dos provérbios, lentidão no processamento, credulidade
e tendência a levar as coisas ao pé da letra (MACKENZIE, 2018, p. 110, tradução
nossa).

Este fragmento representa, em termos práticos, uma característica descrita por


diversos estudos sobre a sexualidade de pessoas TEA/S1: a vulnerabilidade com relação a
violências sexuais. Segundo MacKenzie (2018), a falta de compreensão e espaço na
sociedade para pessoas autistas e sua sexualidade gera, além de efeitos emocionais, maior
possibilidade de envolvimento em situações violentas, e frequentemente ocorrem denúncias
em que as pessoas neuroatípicas são desacreditadas. Devido às dificuldades de compreensão
social, pessoas autistas podem demorar a perceber que estão sendo abusadas, e segundo
estudos que reafirmam os altos índices de vulnerabilidade dessa população, a falta de
acurácia na percepção social é uma das principais razões que fomentam esse quadro
(MAHONEY; POLING, 2011; NEWPORT; NEWPORT, 2002; SEVLEVER; ROTHER;
GILLIS, 2013).
Uma das propostas para diminuição de tal vulnerabilidade consiste na promoção de
programas de educação sexual e informações sobre sexualidade para autistas, desde a
adolescência (DEKKER, et al. 2015; DEWINTER et al., 2017; MAY; PANG; WILLIAMS,
2017). Segundo Hannah e Stagg (2016), este tipo de atenção é deficitário para todos, mas as
crianças, adolescentes e adultos neurotípicos compensam a ineficácia por outros meios, como
no contato social, o que não costuma ocorrer com pessoas autistas. Assim, as intervenções
devem ser preparadas especificamente a este público, considerando suas características
peculiares e necessidades (DEKKER, et al., 2015; MACKENZIE, 2018; VIEIRA, 2016).
Além da vulnerabilidade às violências, as pessoas autistas têm seus direitos sexuais
constantemente violados. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), as
pessoas com deficiência - incluindo autistas, a partir da Lei Berenice Piana, que promove
este enquadre (BRASIL, 2012) - devem ter igualdades de oportunidades e não podem sofrer
discriminações, estando resguardado exercerem seus direitos sexuais, reprodutivos e
escolherem acerca da constituição familiar e relacionamentos amorosos.
73

Os dados indicados nos poucos estudos brasileiros que abordam o tema, explicitam
que os familiares de autistas não se sentem preparados para tratar o assunto com seus filhos,
mesmo reconhecendo sua importância (DE TILIO, 2017; VIEIRA, 2016), e profissionais de
apoio, como terapeutas, psicoterapeutas, médicos e professores também não sabem como
fazê-lo. Não há materiais ou programas voltados para essa finalidade, levando as pessoas
autistas a se informarem e a aprenderem sobre sexualidade por meio de fontes que não
envolvem contato direto com outras pessoas, como a internet ou a pornografia (VIEIRA,
2016).
Os estudos científicos sobre sexualidade de pessoas TEA/S1 estão aumentando
gradativamente (PECORA; MESIBOV; STOKES, 2016), embora no Brasil o movimento
ocorra de forma mais lenta (VIEIRA, 2019a). Uma das características comumente presentes
nas pesquisas produzidas, é o uso de discursos de familiares ou profissionais nas coletas de
dados, em detrimento à participação direta da população interessada (AYLAZ; YILMAZ;
POLAT, 2012; HARTMANN et al. 2019; VIEIRA, 2016). Segundo Kim (2011), entender a
sexualidade de pessoas autistas implica entender o autismo; e para Rosqvist (2014) comparar
a sexualidade neurotípica com a neuroatípica significa afirmar a legitimidade de uma como
normal e desejável, apontando a outra como desviante. Assim, a autora diz que os estudiosos
da área além de evitar a postura comparativa, devem propor que os problemas e soluções
acerca da sexualidade de pessoas TEA/S1 sejam, necessariamente, pensadas por elas
mesmas.
Conclui-se, portanto, que propostas de intervenção em educação sexual são
imprescindíveis e devem ser elaboradas a partir de dados coletados com o próprio público-
alvo. Assim, a presente pesquisa partiu do seguinte questionamento: quais seriam as
vivências e opiniões de adultos TEA/S1, sobre sexualidade?

2 OBJETIVOS

2.1 Geral

Analisar as concepções e vivências sobre sexualidade, a partir do relato de adultos


autistas com necessidade de suporte nível 1 (TEA/S1).

2.2 Específicos
74

a) Identificar as opiniões dos participantes sobre sexualidade de pessoas TEA/S1:


dificuldades e facilidades enfrentadas pela comunidade, questões compartilhadas entre si,
identidades, demandas coletivas etc.;
b) Caracterizar os processos de educação sexual na vida de pessoas TEA/S1: fontes
de informações, esclarecimentos, questões familiares;
c) Caracterizar o desenvolvimento psicossocial, saúde sexual, questões de gênero e
experiências em relacionamentos sexuais e amorosos.

3 MÉTODO

3.1 Natureza da pesquisa

Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva, devido ao foco no trabalho com dados
naturalísticos – ou seja, sem manipulação de variáveis ou realização de intervenções.
Segundo Nassaji (2015), as pesquisas qualitativas são amplas, envolvendo diversas fontes de
coletas para compreensão das opiniões, perspectivas ou atitudes dos participantes, com
método de análise essencialmente qualitativo, embora seja possível extrair comparações
quantitativas.
Nas pesquisas qualitativas descritivas, é realizada uma exploração dos dados para
identificar temas, padrões ou conceitos recorrentes e, em seguida, descrever e interpretar
essas categorias, sendo comum o uso de ferramentas padronizadas e de observação na coleta,
caracterizando fenômenos ou acontecimentos (NASSAJI, 2015; GIL, 2019).

3.2 Participantes

Participaram deste estudo nove adultos membros de fóruns online destinados a


pessoas TEA/S1, alocados na rede social Facebook, agrupadora da maior parte dos grupos
específicos para discussões sobre tal população. Para a seleção, foram elencados como
critérios de inclusão: a) ter idade entre 18 e 60 anos, ou seja, ser considerado nos termos
legais brasileiros como adulto; b) ter sido diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista
sem Deficiência Intelectual, ou com Síndrome de Asperger, por médico especialista –
psiquiatra, neurologista, neuropsiquiatria, pediatra, neuropediatra – o que foi avaliado por
auto relato; c) atingir escore mínimo de 26 pontos no instrumento de rastreamento Autism-
Spectrum Quotient (AQ), aplicado na primeira etapa da coleta; d) ter acesso à internet, à rede
social Facebook e ao Skype; e) participar dos fóruns online “AUTISMO/ASPERGER/SÃO
75

PAULO” e/ou “JOVENS ASPERGER” e e) aceitar voluntariamente participar, após os


devidos esclarecimentos da pesquisa.
Considerou-se que os participantes não apresentariam impedimentos nas habilidades
verbais orais e escritas necessárias para coleta de dados, devido ao uso delas para interagir
nos fóruns online. Todas as pessoas que demonstraram interesse em participar da pesquisa
preencheram os critérios necessários para inclusão na amostra (Quadro 1), sendo cada uma
identificada por nomes fictícios11.

Quadro 1. Dados gerais de identificação e descrição dos participantes


Idade e Ident. de Orientação Status de Filhos Escolariedade/
nome gênero sexual relacionamento Profissão
33 anos Feminino Bissexual Solteira Não Mestrado
Cecília cisgênero Professora
Universitária
39 anos Feminino Lésbica União Estável Não Ensino Médio
Hilda Cisgênero Repositora de frios
41 anos Feminino Bissexual Casada Sim Graduação
Cora cisgênero Professora de
inglês
23 anos Masculino Heterossexual Solteiro Não Graduação
Carlos cisgênero Desempregado
27 anos Feminino Heterossexual Solteira Não Ensino Médio
Adélia cisgênero Desenhista
37 anos Feminino Pansexual Solteira Não Graduação
Carolina cisgênero Desempregada
26 anos Feminino Heterossexual Solteira Não Graduação
Conceição cisgênero Professora de
inglês
32 anos Feminino Heterossexual União Estável Não Doutorado
Clarice Cisgênero Antropóloga/
Professora
26 anos Masculino Heterossexual Solteiro Não Ensino Médio
Ariano cisgênero Estudante
Fonte: Elaborado pelas autoras

Dos nove participantes, sete eram mulheres e dois homens, todos cisgêneros, com
idades entre 23 e 41 anos, e orientações sexuais variadas entre heterossexuais (Carlos, Adélia,
Conceição, Clarice, Ariano), bissexuais (Cecília e Cora), pansexual (Carolina) e lésbica
(Hilda). A maior parte identificou-se como solteira (Cecília, Carlos, Carolina, Conceição,
Ariano), enquanto duas pessoas indicaram união estável (Hilda, Clarice) e uma relatou estar

11
Devido ao princípio do sigilo ético com relação à identidade do participante, seus nomes foram
substituídos e o critério utilizado para escolha dos fictícios se deu pela identificação informal de semelhança
do seu discurso com obras de autores clássicos da literatura nacional: Cecília Meireles, Clarice Lispector,
Ariano Suassuna, Carolina Maria de Jesus, Cora Coralina, Adélia Prado, Conceição Evaristo, Hilda Hilst e
Carlos Drummond de Andrade.
76

casada (Cora). Esta contou também ter uma filha, em contrapartida aos oito participantes,
que não são pais ou mães.
O nível de escolaridade foi diversificado, entre ensino médio completo (Hilda,
Adélia), curso de graduação (Cora, Carlos, Carolina e Conceição), mestrado (Cecília) e
doutorado (Clarice). Quatro participantes eram professoras, de ensino básico ou superior
(Cecília, Cora, Conceição, Clarice), dois estavam desempregados (Carlos, Carolina), uma era
desenhista (Adélia) e uma repositora de frios em um supermercado (Hilda), além de um
estudante universitário (Ariano).
Dentre os profissionais responsáveis pela atribuição do laudo de TEA/S1 dos
participantes, encontrou-se essencialmente psiquiatras (Hilda, Cora, Carolina, Conceição,
Clarice, Ariano), com exceção de um hebiatra (Carlos), um neurologista (Cecília), e uma
equipe multidisciplinar (Adélia). Consensualmente, todos relataram que apesar da
participação conclusiva dos médicos, atuaram no processo avaliativo outros profissionais,
como psicólogos ou fonoaudiólogos. As nomenclaturas atribuídas variaram entre TEA,
Síndrome de Asperger e Transtorno Autista, demonstrando que os profissionais embasaram
suas análises em manuais diagnósticos diversos, especialmente DSM-IV, DSM-5 e CID-10
(Tabela 1).
Tabela 1. Dados de diagnóstico dos participantes
Nome e Idade no Profissional Nomenclatura Pontuação
idade diagnóstico responsável AQ
Cecília, 33 27 anos Neurologista Transtorno do Espectro 31
anos Autista/Síndrome de Asperger
Hilda, 39 38 anos Psiquiatra Transtorno do Espectro Autista 26
anos
Cora, 41 41 anos Psiquiatra Síndrome de Asperger 39
anos
Carlos, 23 20 anos Hebiatra Síndrome de Asperger 32
anos
Adélia, 27 11 anos Equipe Síndrome de Asperger 26
anos Multiprofissional
Carolina, 29 anos Psiquiatra Transtorno Autista 40
37 anos
Conceição, 26 anos Psiquiatra Transtorno Autista 37
26 anos
Clarice, 32 32 anos Psiquiatra Síndrome de Asperger 36
anos
Ariano, 26 24 anos Psiquiatra Síndrome de Asperger 35
anos
Fonte: Elaborado pelas autoras

Excetuando Adélia, todos os participantes receberam o diagnóstico de TEA/S1 na


vida adulta, sendo em alguns casos bastante próximos cronologicamente com relação ao
77

momento da coleta de dados (Hilda, Cora, Conceição, Clarice). Analisando os escores


atingidos pelas respostas emitidas com relação ao instrumento AQ, rastreador de traços do
TEA/S1, percebe-se que nenhum participante ficou abaixo do critério mínimo estabelecido,
de 26 pontos (WOODBURRY-SMITH et al., 2005).
Quanto aos níveis de escolaridade dos participantes, notou-se prevalência de pessoas
graduadas em ensino superior, além da presença de duas pós-graduadas em nível stricto
sensu. Ambos os participantes formados no ensino médio iniciaram cursos superiores,
pausados devido a dificuldades específicas com disciplinas oferecidas. Imagina-se que o
método de recrutamento da pesquisa possa ter selecionado pessoas com alta escolaridade,
devido ao uso da rede social como espaço de divulgação, que exige acesso livre à internet e
dispositivo eletrônico, bem como níveis de compreensão e expressão comunicacionais
elevados. É possível, também, que os voluntários tenham sido sensibilizados devido a sua
familiaridade com o universo acadêmico, pois comentaram que além de produzir pesquisas,
leram artigos como fontes de informações pré e pós diagnóstico, e que confiam na
importância da ciência para aumentar visibilidade sobre TEA/S1.

3.3 Instrumentos

Foram utilizados, nesta pesquisa, três instrumentos: uma ficha de caracterização do


participante; a escala de rastreamento Autism-Spectrum Quotient (AQ) (BARON-COHEN et
al., 2001); e o roteiro de entrevista semi-estruturada “Opiniões e vivências sobre sexualidade
na voz de pessoas com Transtorno do Espectro Autista”.

3.3.1 Ficha de caracterização do participante

Este instrumento, criado pelas autoras para confirmar informações dos critérios de
inclusão da amostra de participantes, foi aplicado individualmente, após a formalização de
consentimento da pesquisa. As questões inseridas na ficha derivaram das exigências
elencadas no item 3.2, acrescidas de informações de identificação e contatos (APÊNDICE
A).

3.3.2 Autism-Spectrum Quotient (AQ)

O Autism-Spectrum Quotient (AQ) foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores


da Universidade de Cambridge (BARON-COHEN, et al., 2001), com a finalidade de
aplicação em pessoas adultas sem deficiência intelectual associada, para rastrear traços do
autismo e quantificá-los, indicando a necessidade, ou não, de busca por avaliações
78

aprofundadas posteriores. Por suas características, o AQ é utilizado no contexto de análise


de pessoas que possam ter Síndrome de Asperger, Autismo de Alto Funcionamento ou
Autismo Leve, aqui denominados TEA/S1.
O instrumento é composto por 50 questões, divididas em 5 áreas: habilidades sociais,
atenção alternada, atenção a detalhes, comunicação e imaginação. É um instrumento
frequentemente utilizado para excluir participantes em pesquisas que podem, porventura,
estar fora do espectro (BROWN-LAVOIE; VIECILI; WEISS, 2014; BYERS; NICHOLS,
2014; STRUNZ et al., 2017; TURNER; BRIKEN; SCHÖTTLE, 2019). Para mensuração da
pontuação, os itens “concordo plenamente” e “concordo ligeiramente” somam 1 nas
questões: 1, 2, 4, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 33, 35, 39, 41, 42, 43, 45,
46. “Discordo plenamente” e “discordo ligeiramente” pontuam 1 nas questões: 3, 8, 10, 11,
14, 15, 17, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 34, 36, 37, 38, 40, 44, 47, 48, 49, 50.
Indica-se que adultos com escores maiores que 26 devem ser encaminhados para
avaliações adicionais (WOODBURRY-SMITH et al., 2005), quando a escala for utilizada
para fins de rastreamento. As pesquisas que utilizaram o AQ para seleção de participantes,
demarcaram este escore como corte mínimo para inclusão na amostra, o que foi replicado
neste trabalho. A escala foi traduzida para o português por um grupo brasileiro, para uso
específico do contexto acadêmico (OSÓRIO; SANCHES, 2015) (ANEXO 1). Os criadores
do AQ sinalizaram a possibilidade de autoaplicação do instrumento, não sendo restrita a
profissionais da Psicologia, e sem necessidade prévia de solicitação de autorização aos
autores, havendo replicações integrais da mesma em sites e livros da área (GRANDIN;
PANEK, 2015). Esta versão brasileira foi validada como adequada para avaliação de TEA,
como demonstrado no estudo de Egito et al., (2018), mas não é considerado padrão-ouro,
nem foi avaliada como instrumento específico de avaliação psicológica.

3.3.3 Roteiro de entrevista semiestruturada “Opiniões e Vivências sobre


sexualidade na voz de pessoas com Transtorno do Espectro Autista”

Para elaboração deste roteiro de entrevista, focado no atendimento dos objetivos


propostos, seguiu-se as orientações de Maia (2020) sobre como construir instrumentos de
natureza qualitativa. Primeiramente, estabeleceu-se a adaptação da linguagem utilizada de
acordo com a população participante: por tratar-se de pessoas TEA/S1, que apresentam
dificuldades na compreensão de sentenças longas e figuras de linguagem, como metáforas e
analogias (CAMARGOS JR, 2013; KLIN, 2006), as questões foram construídas com termos
mais simples, diretos e literais possíveis.
79

Em segundo lugar, foram criados eixos temáticos de questões, derivados dos objetivos
da pesquisa (BORTOLOZZI, 2020): Eixo I) Opiniões dos participantes sobre sexualidade de
pessoas com TEA; Eixo II) Relatos de adultos TEA/S1 sobre os aspectos biológicos e
psicossociais de sua sexualidade particular; Eixo III) Vivências em relacionamentos sexuais
e amorosos. Para a elaboração das questões a serem incluídas nos eixos, utilizou-se as
informações obtidas na revisão da literatura conduzida sobre o tema (OTTONI; MAIA,
2019b), além das questões incluídas no roteiro de Hannah e Stagg (2016), considerado similar
ao proposto aqui.
Em síntese, a revisão do tema (OTTONI; MAIA, 2019b) apontou que o processo de
educação sexual deste público é essencialmente informal e sem contato direto com outras
pessoas; que os déficits nas habilidades sociais e questões específicas do TEA, como
hiperfoco, influenciam seus relacionamentos, e que pode haver comportamentos
considerados inadequados devido à falta de orientações. Destaca-se o papel da família no
desenvolvimento afetivo-sexual, e a vulnerabilidade às violências e ao contágio de Infecções
Sexualmente Transmissíveis, bem como no ensino de comportamentos que necessitam ser
sistematicamente aprendidos por este público (OTTONI; MAIA, 2019b).
A organização dos eixos temáticos, complementada com questões provenientes dos
tópicos levantados pela revisão, resultou na proposta final deste roteiro de entrevista
(APÊNDICE B). Para elencar a sequência de questões, utilizou-se o critério de início por
perguntas aparentemente mais simples, para habituação do participante à interação com a
entrevistadora. A opção pela entrevista semiestruturada se deu pela possibilidade de explorar
outras respostas, além das fornecidas, ou elucidar e reelaborar ideias, no caso de não
compreensão imediata (BORTOLOZZI, 2020).
Após aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)12, o roteiro foi
submetido à aplicação e análise piloto, com uma participante cujas características preenchiam
os critérios de inclusão da amostra. Após aplicação completa, as respostas fornecidas foram
transcritas, para análise e correção de possíveis falhas e complementações dos instrumentos,
antes de dar continuidade à coleta (BORTOLOZZI, 2020).

3.4 Procedimento de Coleta de dados

A opção pelo método remoto de divulgação da pesquisa e coleta de dados se deu,


inicialmente, pela observação do fato de que muitas pessoas autistas tendem a se esquivar de

12
Número de registro e aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisas: 30960720.5.0000.5398
80

encontros com desconhecidos, ou relatam significativo desconforto nessas situações. Assim,


alguns autores têm defendido o uso de coletas online, aumentando a probabilidade de
engajamento dos participantes, devido ao menor custo de resposta, e alcançando um número
maior de pessoas – o que é relevante especialmente no caso de públicos específicos (BYERS;
NICHOLS; VOYER, 2013; DEWINTER et al., 2015). Além disso, o cronograma proposto
para coleta de dados se inseriu no contexto de isolamento social causado pela pandemia da
Covid-1913, entre abril e julho de 2020, sendo a opção online mais segura tanto para
participantes, quanto para a pesquisadora.
A coleta foi iniciada com a publicação de um convite às pessoas cujas características
eram compatíveis aos critérios de inclusão da amostra, no grupo da rede social Facebook
denominado “AUTISMO/ASPERGER/SÃO PAULO”, fórum online em que as pessoas
TEA/S1 postam e comentam dúvidas, angústias, se conhecem e interagem. A pesquisadora
obteve, por meio de contato com os moderadores dos fóruns, autorização para ler, comentar
e publicar nos grupos, após apresentação do projeto de pesquisa.
O convite para participação da coleta (APÊNDICE C) foi composto pelo anúncio da
temática, dos objetivos e critérios de inclusão da amostra. Solicitou-se que os interessados
comentassem a postagem, fornecendo seu endereço de e-mail, ou fizessem envio de
mensagem privativa da rede social, para que a pesquisadora os contatasse. Como previamente
planejado, na ocasião de não atingir número suficiente de participantes neste fórum, o mesmo
procedimento foi replicado no grupo similar “JOVENS ASPERGER”. Os grupos foram
escolhidos por serem os fóruns da temática com maior número de membros no momento da
coleta (15.202 e 2.235, respectivamente), na plataforma Facebook.
Em seguida, foi enviado um e-mail (APÊNDICE D) aos que manifestaram interesse,
repetindo as informações indicadas no convite, com o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE E) em anexo, assim como o Autism-Spectrum Quotient
(AQ). Foram explicitadas, neste e-mail, as três etapas da coleta: na primeira, ocorreu com
cada participante uma breve videoconferência, com data e horário pré-agendados, em que a
pesquisadora apresentou a pesquisa, fez a leitura conjunta do TCLE e explicou sobre a
autoaplicação do AQ.

13
A partir de 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde decretou estado de pandemia mundial
em decorrência do surto de doença causado pelo coronavírus (COVID-19), recomendando formalmente
isolamento físico em todos os países, com manutenção exclusiva de serviços presenciais essenciais, na
tentativa de diminuir o contágio.
81

Na Etapa 2, os participantes enviaram o TCLE assinado, bem como o AQ respondido,


por e-mail para a pesquisadora. Na terceira e última etapa, houve uma nova videoconferência,
para a qual os participantes deveriam estar preparados nas condições de privacidade,
conforto, e tempo mínimo disponível de 60 minutos. Ao início da última etapa, foi solicitada
autorização para gravação do áudio, e após consentimento, a pesquisadora aplicou a Ficha de
Caracterização do Participante, e o Roteiro de Entrevista.
Após o encerramento da coleta, a pesquisadora enviou individualmente um e-mail
com agradecimentos pela participação, e disponibilizou seus contatos para possíveis dúvidas
ou necessidades. As entrevistas tiveram duração mínima de 46 minutos e máxima de 2 horas
e 55 minutos, sendo a média geral simples da duração de todos os participantes de 1 hora e
34 minutos. Os áudios das entrevistas foram integralmente transcritos e transformados em
textos para análise.

3.5 Procedimento de Análise de dados

Foi realizada análise de conteúdo dos dados por parte da autora e de uma pesquisadora
independente convidada, a partir dos passos descritos:
Passo 1 - Leitura do material: as pesquisadoras fizeram a leitura de todas as
entrevistas, integralmente.
Passo 2 - Elaboração de categorização temática: as pesquisadoras agruparam os
relatos de acordo com semelhanças entre eles, criando categorias não-apriorísticas, e
atribuíram, ao final, nomes para cada uma delas. As categorias deveriam ser mutuamente
excludentes, ou seja, um mesmo conteúdo não poderia ser atribuído a mais de uma, e
organizadas na hierarquia decrescente Eixos, Categorias e Subcategorias.
Passo 3 – Reunião e comparação dos dados: as pesquisadoras se reuniram e
apresentaram as categorias criadas e a fragmentação dos relatos transcritos nas mesmas.
Embora pudesse haver discrepância nos nomes atribuídos às categorias, os conteúdos
deveriam estar em concordância mínima de 95%, calculadas pelo número de relatos
agrupados em semelhança, dividido pela soma das concordâncias e discordâncias, e
multiplicado por 100 (MCINTYRE; GRESHAM; DIGENNARO; REED, 2007). O método
previa que, caso não atingissem o critério, as pesquisadoras deveriam entrar em consenso
sobre as categorias finais, até 100% de análise similar. A pesquisadora convidada teve acesso
82

ao projeto de pesquisa, integralmente, às respostas da ficha de caracterização do participante


e às transcrições das entrevistas, bem como esclarecimentos sobre elaboração de categorias14.

3.6 Questões éticas

Além dos cuidados éticos durante a coleta e análise de dados, lembramos que este
projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas (CEP), e aprovado sem sugestões
adicionais de ajustes. Os dados coletados nesta pesquisa foram armazenados exclusivamente
pela pesquisadora, com os devidos cuidados de sigilo.
Quanto aos riscos os quais os participantes estiveram submetidos, aponta-se
inicialmente o constrangimento, tanto pela exposição de dados particulares, quanto devido à
temática abordada pelo trabalho, considerada socialmente um tabu. Além disso, devido aos
três momentos de coleta, os participantes poderiam sentir-se cansados ou sensibilizados. A
pesquisadora se disponibilizou a buscar serviços locais e gratuitos de apoio psicológico aos
participantes, após a coleta, caso necessário, mas todos estavam em processo de psicoterapia
em andamento. Era previsto que, se os participantes relatassem desconfortos ao longo do
processo, ele deveria ser interrompido sem quaisquer tipos de prejuízo, o que não ocorreu.
Não houve remuneração pela participação, nem pagamento de custos.
Os benefícios imediatos listados pela pesquisa incluíram, em primeiro lugar, a
possibilidade de os participantes expressarem sua opinião, com escutas sem julgamento, de
uma temática a qual a comunidade pouco se dispõe a atender. A longo prazo e em termos
coletivos, indicou-se que os dados coletados serão publicados, implementando pesquisas que
levem em consideração o olhar desta população; e que resultarão em outros produtos, como
cartilhas informativas, disponibilizadas gratuitamente.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os relatos obtidos a partir das entrevistas foram analisados por duas pesquisadoras
independentes, de acordo com a descrição metodológica. Entretanto, na primeira comparação
de organização dos resultados, avaliou-se diferenças estruturais que impossibilitariam a
concordância mínima de 95%. As pesquisadoras esclareceram detalhes sobre o agrupamento,
como necessidade de serem categorias mutuamente excludentes, não apriorísticas,

14
Lembrando que as análises realizadas a partir dos relatos serão utilizadas no Estudo 3 para elaboração de
material informativo a adultos com TEA/S1 sobre sexualidade, assim como os dados obtidos no Estudo 2.
83

independentes do roteiro de perguntas e escalonadas em três camadas: Eixos, Categorias e


Subcategorias. Realizaram uma nova fragmentação, novamente independente, cuja
comparação resultou em 100% de concordância. Foi encontrado consenso sobre as
nomenclaturas atribuídas aos rótulos, tendo como critério as mais simples, diretas e claras
dentre as possibilidades elencadas.
A categorização resultou em três eixos: percepções dos participantes sobre a relação
entre sexualidade e TEA/S1, de forma coletiva; relatos sobre vivências em educação sexual
e sexualidade, de maneira particular; e descrição de expectativas sobre o futuro amoroso e
sexual, também com relação a si mesmos. Os eixos foram divididos em categorias, que se
fragmentaram internamente em subcategorias, como indicado no quadro a seguir.

Quadro 2: Eixos, categorias e subcategorias da análise de conteúdo dos relatos.


EIXO 1- PERCEPÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE SEXUALIDADE E TEA/S1

Categorias Subcategorias
(1) Concepção de sexualidade Variável de acordo com o nível de apoio necessário
de pessoas com TEA Mais pessoas LGBTQIP+
(2) Condições facilitadoras Apoio e suporte familiar
Contato com amigos e grupos de pares
Acesso à internet
Comunicação direta e sinceridade por parte das pessoas com TEA
Naturalização da sexualidade e de questões relacionadas
(3) Condições dificultadoras Habilidades sociais deficitárias/Dificuldades para iniciar
relacionamentos
Compreensão sobre intenções e relações sociais
Uso de pornografia
Visão social da sexualidade autista como tabu/proibição
Características da sexualidade neurotípica
EIXO 2- RELATOS SOBRE VIVÊNCIAS EM EDUCAÇÃO SEXUAL E SEXUALIDADE

Categorias Subcategorias
(4) Histórico de aprendizado e Esclarecimentos por parte da família
fontes de informações Informações recebidas na escola
sobre sexualidade Conhecimentos obtidos em mídias digitais
Aprendizado por meio de materiais impressos
Apoio informal de pessoas do convívio além-familiar
Orientações em serviços de saúde
Vivências e experiências espontâneas
(5) Experiências sexuais e Vivências amorosas abusivas ou violentas
amorosas Boas experiências sexuais e amorosas
Relacionamentos virtuais
Experiências com parceiros autistas
Uso de brinquedos eróticos
Relação sexual e amorosa tardia ou inexistente
Expressões sexuais por meio de desenhos
Preferência por vivências díades de sexualidade
(6) Especificidades do TEA Dificuldades nas interações e relacionamentos sociais
nos relacionamentos Questões sensoriais
Discriminação dos interesses do(a) outro(a)
84

sociais, afetivos e Hiperfocos


amorosos Crises e meltdowns
Compreensão de certo ou errado
Percepção de extremos
Infantilização ou imaturidade
(7) Saúde sexual e reprodutiva Ausência de hábitos de prevenção
Autocuidados periódicos
Inexperiências e desconhecimentos sobre métodos contraceptivos
Impactos da menstruação em sua vida
Experiências com o corpo gordo
Efeitos colaterais de medicamentos
(8) Questões de Gênero e Incidência do TEA e diagnóstico tardio em mulheres
Orientação Sexual Identificação com orientação sexual não normativa
Violências sexuais e dificuldades sociais vivenciadas por ser mulher
autista
EIXO 3- DESCRIÇÃO DAS EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO AO FUTURO SOBRE
RELACIONAMENTOS
Categorias Subcategorias
(9) Anseios familiares Alcance de vivências normativas
Liberdade de escolha
(10) Expectativas particulares Constituição de família com companheiro(a) e filhos
Relacionamento díade sem filhos
Primeira experiência em relação sexual
Vivência solitária
Fonte: Elaborado pelas autoras

Os relatos obtidos nas entrevistas foram discutidos de acordo com a literatura


encontrada, e alguns trechos significativos utilizados para ilustrar as análises.

Eixo I: Percepções sobre a relação entre Sexualidade e TEA


Nas categorias iniciais, analisou-se como os participantes percebiam a sexualidade de
pessoas autistas como um todo, extrapolando suas experiências e opiniões particulares, e
comentando sobre a coletividade.

Categoria 1: Concepção de sexualidade de pessoas com TEA


Os participantes perceberam, em primeiro lugar, que a sexualidade de autistas é
variável de acordo com o nível de apoio necessário a cada um. Nesta subcategoria, disseram
que quanto mais autonomia e independência a pessoa possui, maiores as chances de ter
vivências prazerosas e acompanhadas dessa sexualidade (Cecília), e que no caso de autistas
não-verbais pode haver agravantes, como dificuldades para relatar um episódio de violência
sexual (Conceição).
Brown-Lavoie, Viecili e Weiss (2014) citaram que, em seus estudos, comparando 212
pessoas com e sem autismo, o dado de que existe maior vitimização entre pessoas com
menores níveis de conhecimento se confirmou. Para Pecora et al. (2020), a atenção à
85

sexualidade deve considerar todos os níveis do espectro, atentando-se às diferenças em


termos de habilidades e necessidades específicas.
Indicou-se, ainda, percepção de que há mais pessoas da comunidade LGBTQIAP+15
entre os autistas que entre pessoas neurotípicas. Neste ponto, é importante considerar os
dados apresentados por Hall et al. (2020) que entrevistaram adultos autistas norte americanos
não heterossexuais e concluíram que, em comparação aos pares heterossexuais cisgêneros,
apresentaram taxas significativamente maiores de transtornos mentais, déficits de saúde
física e tabagismo. Além disso, relataram mais necessidades de assistência médica não
atendidas e taxas de seguros e serviços médicos recusados, revelando disparidades
importantes com relação à saúde de autistas em minorias sexuais.
Cecília: [...] eu tenho visto em matéria de pesquisas, parece que lá fora elas estão
um pouco mais avançadas, que há uma incidência maior de pessoas que não se
conformam às regras de gênero, e não são heterossexuais, parece haver uma
incidência maior em pessoas com autismo. Eu vi esses dados algumas vezes, eu
procurei aqui no Brasil [...] e não encontrei nada. E nesses grupos [online], eu
realmente vejo que assim, raríssimas são as pessoas lá que se conformam
totalmente às regras do que é considerado normal, né, em termos de sexualidade
na nossa sociedade, então acho que esse é um dado interessante. Não partir do
princípio de que elas se conformam àquela normatividade.

Categoria 2: Condições facilitadoras


Rosqvist (2020) comenta que é raro, porém extremamente necessário, que a literatura
sobre autismo extrapole a visão deficitária, deixando de localizar a sexualidade no campo do
desviante, em comparação aos neurotípicos. Nesta lógica, os participantes da pesquisa
comentaram, em diversas categorias, sobre aspectos que facilitavam suas vidas, apoiavam
vivências prazerosas, e deveriam ser reconhecidas como positivas e incentiváveis pela
comunidade, superando a ideia de desvalia.
Em primeiro lugar, mencionaram ser importantes o apoio e suporte familiar, com
potencial de acolher, conversar, ensinar, falar sobre questões íntimas que não seriam
comentadas em nenhum outro espaço, desde a infância até a vida adulta (Cecília, Hilda).
Entende-se, que por uma série de questões, algumas famílias optem por atribuir a
responsabilidade dos diálogos a profissionais, como psicólogos, mas para Hilda, o efeito de
ser apoiado por pessoas próximas é indiscutível.
Hilda: Da mesma forma que elas conversam comigo conversam também com
minha companheira. Temos essa ajuda muito boa. Acho que toda família de autista
tem que ter alguém que o autista pode confiar, pode contar tudo. [...] Porque é uma

15
LGBTQIAP+: sigla representativa das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais/travestis, queer,
intersexo, assexuais, pansexuais e outras possibilidades não heterossexuais.
86

coisa que às vezes as famílias olham e falam “mas como eu vou falar isso pra minha
filha, como eu vou falar isso pro meu filho?” vai falando, vai mostrando, porque é
complicado deixar a escola falar, deixar a criança se sentindo um patinho feio sem
saber o que ela tem. Adolescente não entendido é adolescente problemático. Então
é uma coisa que os pais hoje em dia estão jogando tudo pra cima do psicólogo, tudo
é o psicólogo que tem que falar, o psiquiatra, o neurologista, a família em si não
sabem lidar com o autista. Acho que o maior problema do autista hoje em dia é
falta de informação da família.

Em pesquisas anteriores (VIEIRA, 2016), ao entrevistar familiares de adolescentes


TEA/S1, percebeu-se que muitos reproduziam a educação sexual vivenciada, essencialmente
composta pelo silêncio. Por isso, entende-se que incentivar a rede de apoio para abordagem
desta temática demande instrumentalizar as pessoas, não somente com informações
científicas, mas também com reflexões críticas e emancipatórias.
Os participantes indicaram que o contato com amigos e grupos de pares colaborava
para que vivessem melhor: as amigas de Cora, presentes desde a adolescência, discutiam
frequentemente sobre sexualidade, auxiliando a participante a rever inclusive seus próprios
preconceitos. Para Carolina, os amigos, também autistas, tiveram um papel essencial no
momento de suas descobertas sexuais, além de acompanhar os acontecimentos da vida adulta,
e Ariano contou sobre uma “amiga-que-aconselha”, ou seja, uma pessoa neurotípica que
explicava a ele, de maneira lógica, as minúcias sociais.
Newport e Newport (2002) ressaltam a importância das amizades na vida de autistas,
mas relembram que, durante a infância e a adolescência, a mediação de adultos sobre essas
relações, talvez necessite ser mais próxima, para evitar episódios de exclusão ou bullying,
em uma dinâmica de favorecimento da diversidade. Na vida adulta, os grupos podem
significar formas de conhecer outras pessoas, trocar informações, e, muitas vezes, elucidar
questões que parecem simples, mas são, para o autista, uma barreira social imensa
(NEWPORT; NEWPORT, 2002).
O acesso à internet foi muito elogiado pelos participantes, pois no caso de Cecília,
que vive em uma cidade pequena e não conhece pessoalmente outras pessoas TEA/S1, é uma
forma excelente de expandir a convivência. Os participantes citaram como valiosos os fóruns
de discussão e trocas de experiências, hospedados especialmente nas redes sociais (Hilda) e
a oportunidade de ver conteúdos eróticos (Cora). Além disso, a internet propicia alcance a
pesquisas científicas, com conhecimentos atualizados sobre o TEA/S1 (Adélia), e os
mecanismos de buscas generalizadas, como Google, possibilitam que perguntas diversas
sejam respondidas. Foi abordada a chance de paquerar, sem o compromisso de envolver-se
fisicamente com o outro (Conceição), o que pode ser interessante especialmente para quem
avalia a presença física como frustrante (Clarice).
87

O uso da internet enquanto espaço para potenciais relacionamentos sexuais, amorosos


ou de amizades e trocas é amplamente defendido pela literatura (NEWPORT; NEWPORT,
2002). Ortega (2009) comenta, ainda, sobre seu valor histórico, já que as redes online
permitiram que movimentos sociais, como da neurodiversidade, se desenvolvessem pelo
mundo, e Brown-Lavoie, Viecili e Weiss (2014) ressaltam o fato de a internet ser uma das
maiores fontes de conhecimento das pessoas autistas.
Deve ser problematizado, neste ponto, o fato de que a utilização da internet no Brasil,
embora tenha se expandido nas últimas décadas, continua sendo precarizada e limitada. Silva
et al. (2020) analisaram o acesso nas casas brasileiras e identificaram que, em locais mais
empobrecidos do país, como as regiões norte e nordeste, há menor acesso que outros, como
sul e sudeste, indicando exclusão de parcelas da população, e chamando atenção à
importância de programas sociais de uso a preço diminuído ou gratuito - não somente devido
às questões de bem-estar aqui citadas, mas também outras essenciais, como formação
educacional.
Finalizando as condições compreendidas como facilitadoras de suas experiências
sexuais, os participantes identificaram em sua comunicação direta e sinceridade, um atributo
valoroso, já que falam sobre seus desejos, intenções e pensamentos, francamente (Hilda,
Ariano). Disseram, ainda, que a naturalização da sexualidade e de questões relacionadas,
ou seja, o fato de tratarem o assunto com menos embaraços, resulta na facilidade com
experimentações sexuais sem tabus ou preocupações excessivas (Cora, Carolina), e
diminuição dos preconceitos e julgamentos alheios (Conceição). Nota-se, neste item, a
recognição de suas características, comumente apontadas como critérios diagnósticos ou
limitações, enquanto potenciais que podem favorecer vivências melhores.
Cora: Dentro delas, pra elas, sexualidade não é problema nenhum. A falta de filtro
faz com que a sexualidade seja vista com menos impedimentos sociais. Essa tabu
de beijar na rua “ai não pode beijar na rua”, a gente não tem, então acho que o
autista deixa isso fluir com maior naturalidade, parece que é uma coisa, dentro
desse tabu que você só é o que você mostra pra sociedade, o autista tem isso
enfraquecido, não precisa dar tanta satisfação social assim. Ele não se influencia
tanto pelo “não pode”, se eu quero eu vou lá e faço. Eu entendo que isso assusta o
telespectador.

Categoria 3: Condições dificultadoras


Os participantes da pesquisa reconheceram, adicionalmente, que algumas dimensões
representavam dificuldades e necessitavam atenção. As habilidades sociais deficitárias e
dificuldades para iniciar relacionamentos, foram identificadas em forma de dúvidas sobre o
que era ou não adequado socialmente, e como conseguir contato com pessoas (Cecília), assim
88

como insegurança e imprecisão para expressar os sentimentos, causando conflitos com


parceiros e parceiras (Hilda, Conceição, Ariano). Falou-se, ainda, que ocorriam sobrecargas
com os pares devido ao apego excessivo (Hilda), e confusões sobre como ter e manter um
relacionamento (Cora, Carlos), ou fazer perdurar uma conversa fluindo (Carolina).
As habilidades sociais são essenciais a todos os seres humanos, tendo em vista que a
vida e os comportamentos das pessoas estão continuamente entrelaçados e interdependentes.
A literatura científica sobre o assunto tem se expandido consideravelmente, e abordado
competências diversas, como iniciar e manter conversas, falar em grupo, expressar
sentimentos, defender direitos, desculpar-se, solicitar mudanças, e assim sucessivamente
(BOLSONI-SILVA, 2002). É evidente, portanto, que as propostas interventivas, como
Treinamento de Habilidades Sociais, podem beneficiar autistas que se queixam de
dificuldades para compreender e agir em relacionamentos amorosos. As propostas de atuação
específicas com esse público estão se expandindo, com o uso de histórias sociais em sala de
aula para ensino comportamentos sociais a crianças autistas (SILVA; ARANTES; ELIAS,
2020), ou intervenções mediadas por pares (CRESPO, 2020), por exemplo.
É pertinente pensar, entretanto, que o fenômeno dos relacionamentos humanos deve
ser analisado enquanto uma interação (Clarice). Seria injusto propor que as pessoas autistas
mudassem seus repertórios de habilidades sociais, e não reconhecer que estes
relacionamentos, no atual contexto sócio-histórico, são propensos a mudar rapidamente,
imprevisíveis, com flexibilidades que geram insegurança, e estabelecidos ou finalizados com
rapidez (BAUMAN, 2004). Assim, para além das intervenções focadas no aprimoramento
das habilidades sociais, seria necessário oferecer espaços e condições para discussões críticas
sobre a realidade e a sociedade, tornando acessível a compreensão de que a culpabilização
da pessoa TEA/S1, por suas dificuldades sociais em relacionamentos românticos, é
reducionista.
Os participantes abordaram também dificuldades na compreensão sobre intenções e
relações sexuais, pois a habilidade de identificar situações potencialmente perigosas, sinais
sexuais e não sexuais alheios, foi avaliada como escassa (Cecília, Hilda, Carlos, Adélia,
Conceição, Clarice).
Cecília: São pessoas que muitas vezes podem não conseguir identificar de cara um
abuso, não só um abuso sexual né, mas todos os tipos de abuso que podem
acontecer num relacionamento, sabe? Às vezes não conseguem pegar uma
maldade, ou talvez uma traição, ou o fato de estar sendo usado [...] e é uma certa,
não sei, ingenuidade, uma falta de traquejo social para perceber quando essas coisas
estão acontecendo. Muitas vezes também por não terem tido muito acesso à
educação sexual de qualidade, seja na escola, seja em casa, não saber identificar
também sozinhas quando uma situação é de abuso, mesmo de abuso sexual, porque
89

nem todo abuso sexual é necessariamente um estupro, então às vezes a pessoa não
consegue identificar e acaba permitindo aquilo acontecer, mesmo nas amizades [...]

Esta característica é citada na literatura como ingenuidade, em comparação aos pares


(CAMARGOS JR., 2013), déficits para compreender expectativas sociais (KALYVA, 2010),
dificuldade para interpretar intenções alheias (FISHER; MOSKOWITZ; HODAPP, 2013),
ou julgamento social (HANNAH; STAGG, 2016). Aparentemente, devido ao fato de ser
relatado por inúmeras pesquisas ao redor do mundo, trata-se de uma característica
estreitamente relacionada ao TEA/S1. Parece essencial, portanto, que quaisquer programas
ou ações voltadas a discutir sexualidade com este público, arranjem formas de ensinar tais
habilidades de maneira eficaz, especialmente devido à correlação com vitimização sexual.
O uso da pornografia foi citado, na coleta de dados, como um dificultador das
vivências sexuais de adultos autistas, especialmente porque tendem a apresentar dificuldades
de flexibilizar o conteúdo dos filmes com relação à vida real, podendo criar expectativas
fantasiosas, ou tentar reproduzir rigorosamente uma ação assistida, que seria vista, em uma
experiência factual, como violenta. Além disso, comentou-se que a pornografia não colabora
para o ensino do respeito mútuo e de relacionamentos sexualmente saudáveis (Cecília,
Carlos).
Devido à dificuldade para aprendizagem de habilidades caracterizadas como
“intuitivas”, é comum que autistas busquem aprender sobre interações sociais de forma mais
“rígida e racional”. Em outras palavras, buscam modelos e regras que descrevam, claramente,
quais comportamentos devem ser emitidos em determinadas situações, e o fazem, muitas
vezes de forma inflexível com relação às mudanças ambientais (OTTONI; MAIA, 2019b).
No caso da pornografia, tradicionalmente produzida em uma perspectiva machista, não
consensual, e irrealista acerca dos corpos, tempo de excitação e expressão dos prazeres, tomar
como regra esses materiais, de fato pode fazer com que pessoas TEA/S1 vivenciem
experiências frustrantes e até mesmo perigosas, para si ou para o outro.
A visão social da sexualidade autista como um tabu ou proibição foi citada pelos
participantes como variável que contribui para as dificuldades sentidas, acerca da
sexualidade.
Clarice: [teria que mudar] o nome sexualidade por um nome, por exemplo assim,
respiração. Mudaria que o oxigênio não é privatizado, as pessoas simplesmente
respiram, porque elas vivem, sabe? Ninguém pode ser acusado de respirar (choro).
Ninguém pode ser acusado de amar fora de determinado padrão. Não tem muito
padrão para respirar, as pessoas podem fazer aulas de ioga, de meditação, não tem
jeito legítimo e bárbaro. Não tem respiração bárbara, porque senão a pessoa morre.
90

Em uma belíssima analogia, Clarice indica que a sexualidade deveria ser vista como
uma necessidade vital, e que sendo tratada dessa forma, fossem naturalizadas as diversas
maneiras de sentir, amar e relacionar-se. O paradoxo “legítimo x bárbaro”, utilizado em sua
fala, parece expressar uma crítica à perspectiva da hegemonia neurotípica (ROSQVIST,
2014), segundo a qual existe a “a forma normal x a forma autista” de vivenciar a sexualidade.
Ariano contribui para a discussão:

Ariano: Você entende um pouquinho do sistema Windows/Linux? Você sabe que


são sistemas diferentes que funcionam de formas diferentes. Eu filosofei muito
sobre isso, se o autismo é ou não uma deficiência. Eu sei que não é um transtorno,
porque os normais consideram tudo que é diferente deles um transtorno. Mas
quanto a ser uma deficiência ou não, cheguei à seguinte conclusão: na sociedade
dos normais, é. Mas se a sociedade fosse de maioria de pessoas autistas,
governantes autistas, todas regras autistas, as pessoas normais seriam deficientes.
Porque assim, tem coisas que os autistas não conseguem fazer que os normais
fazem? Tem. Mas tem muita coisa que os autistas conseguem fazer muito bem, que
os normais não conseguem. Então numa sociedade de autistas, você seria
deficiente.

Ao tecer suas críticas, o participante retoma a essencial discussão, historicamente


desdobrada na literatura, sobre a relativização da norma e do desvio. Segundo Rosqvist e
Jackson-Perry (2020), as experiências autísticas desafiam esse empreendimento social,
criado como bom e saudável, correspondente à sexualidade típica, demonstrando que é
possível vivenciá-la de forma descentralizada das concepções patologizantes, biomédicas e
de neurotipicidade. Ainda nesse sentido, os participantes da pesquisa comentam sobre
características da sexualidade neurotípica que consideram difíceis de entender ou lidar, em
um movimento de enxergar, no compartilhamento social comum, e não em si ou nas
características do autismo, aspectos que necessitariam ser repensados.
Em primeiro lugar, citam sobre a forma de conduzir relacionamentos sem esclarecer
seus rumos, ou apresentar lógica no jeito em que se iniciam e terminam (Cecília).
Comentaram ser incômodos os hábitos de mudar de posições sexuais frequentemente (Cora),
ou falar sobre sexualidade todo o tempo, mesmo quando o assunto não está diretamente em
pauta (Carlos, Conceição). Indicaram que as pessoas neurotípicas tendem a fazer coisas de
forma pouco refletida e insincera, como pedir desculpas (Carolina), ou descuidarem de
questões básicas de higiene, levando coisas à boca frequentemente (Ariano). É notável o fato
de que, em um espaço de livre expressão, as pessoas autistas falem sobre críticas ou
discordâncias, e que devido às perspectivas essencialmente neurotípicas da produção
científica, elas tenham alcançado tão pouca, ou nenhuma projeção, até então.

Eixo II: Relatos sobre vivências em educação sexual e sexualidade


91

Relatando sobre suas experiências particulares, os participantes expuseram dados


também sobre a educação sexual vivenciada.

Categoria 1: Histórico de aprendizado e fontes de informações sobre sexualidade

Ao discutir educação sexual no contexto das pessoas com deficiência, é essencial


lembrar da natureza social e histórica deste processo, frequentemente mediado por um
conceito de normalidade, que parece agir como uma “camisa-de-força”, definindo e
classificando os comportamentos sexuais, e exigindo, daqueles que educam, o constante
exercício do questionamento (MAIA, 2009, p. 285).
Os esclarecimentos por parte da família foram citados, por algumas participantes
(Cecília, Hilda, Adélia, Carolina, Ariano), como fatores de proteção ao desenvolvimento de
sua sexualidade, indicando terem aprendido questões como concepção humana, aspectos
anatômicos, Infecções Sexualmente Transmissíveis e conteúdos críticos, como compreensão
de sua orientação sexual.

Hilda: Eu falo que minha sexualidade foi tranquila porque eu tive um apoio de
família, de uma tia, que mesmo sem entender que eu era autista na época, permitiu
que as clientes dela, que eram sapatões, me ajudassem. Elas sempre me deram
muita abertura, até porque eu não tenho uma facilidade de diálogo com a minha
mãe, então minha tia e minha avó fizeram essa ponte. Eu falo que minha tia e minha
avó são culpadas pela minha felicidade hoje.

Amaral (2009), em um dos poucos estudos brasileiros sobre educação sexual de


adolescentes autistas, comenta que, devido a diversas e complexas variáveis familiares, é
comum que haja a negação da sexualidade do filho com TEA, bem como sua infantilização,
sendo essencial acolhimento das famílias para que possam refletir sobre suas ações e
discursos, apoiando o amadurecimento e independência dos filhos.
As informações recebidas na escola também foram citadas, em alguns casos porque
seu oferecimento contribuiu para a compreensão acerca da sexualidade (Cecília, Carlos,
Clarice, Ariano), em outros porque identificou-se que seriam de extrema importância, e sua
ausência gerou impactos negativos (Hilda). Interessante destacar que as experiências citadas
foram essencialmente informais, por meio de colegas que falavam sobre o assunto ou
professoras que abordavam o tema fora do horário da aula, embora tenha havido referência
também a palestras e ensino organizado.
Compreende-se que a educação sexual escolar pode ser informal, quando em um
processo não intencional são emitidas ações espontâneas na vida dos sujeitos; e intencional,
institucionalizada, deliberada, organizada para tal finalidade (WEREBE et al., 1981). Deve
haver cautela para que, com roupagem progressista, a educação sexual não sirva como
92

instrumento de reafirmação da repressão, ao demonstrar a sexualidade como algo sujo,


distante, perigoso e repleto de regras normativas.
Além da família e da escola, foram citadas as mídias digitais, especialmente internet e
televisão, enquanto fontes de informações, além de materiais impressos, como revistas e
livros de literatura clássica. Apareceram, nos exemplos, animes adultos, magazines
adolescentes (Todateen), revistas para mulheres (Querida, Marie Claire, Claudia) e obras de
arte (Capitães de Areia, Lolita, Amor de Perdição, Senhora).
Pastana (2014), ao analisar materiais midiáticos e seu papel na educação sexual,
ressaltou que apesar de abrangentes e dispostos a dialogar sobre sexualidade, eles transmitem
padrões e modelos idealizados de feminilidade, masculinidade, práticas sexuais, padrões de
gênero e prazeres. No contexto educativo das pessoas autistas, no qual existe a tendência de
fixar regras a partir dos modelos apresentados, isso pode representar um problema tanto
quanto os casos de pornografia, anteriormente citados.
O apoio informal de pessoas do convívio além-familiar apareceu nos relatos como
fonte de educação sexual, no caso de Clarice, que foi orientada pela funcionária que fazia a
limpeza da casa de seu pai, quando era adolescente. Além disso, os serviços de saúde, em
Unidades Básicas ou consultórios particulares de médico ginecologista foram citados:

Conceição: O que eu mais gostei foi a última médica que eu fui, eu acho importante
fazer uma conscientização sobre autismo. Instruções simples: tira a roupa, coloca
o hobbiezinho, e deixa sua roupa aqui. Deveria ter fotos de sequência de coisas que
devem ser feitas, e coisas do tipo se eu for sozinha no médico, o que eu devo dizer?
O que é importante dizer? Tanto esses passos, que parece óbvio para as pessoas,
mas me gera dúvidas. Tipo, tem que depilar? Toma banho antes? Como eu tomo
banho? Até para lavar a vagina, onde deve ser lavado? O que eu gostei muito foi
que a médica pegou o espelho e me mostrou exatamente o que era para ser feito,
foi muito legal e didático. É um paciente adulto, mas não tem aquela [...] eu achei
muito legal, mostrou onde ficava tudo, mostrou de forma concreta.

A médica de Conceição teve a sensibilidade de promover ações de orientação sobre


sexualidade, considerando características essenciais da aprendizagem de pessoas TEA/S1:
concretude; palavras simples e diretas; uso do ensino sequencial e atenção às ações que
parecem comuns ou naturais, mas podem gerar dúvidas e anseios (VIEIRA, 2016).
Segundo Solomon e Pantalone (2019), é urgente reconhecer que educação sexual não
é importante apenas para crianças e adolescentes TEA/S1, mas também para jovens e adultos.
Um processo educativo adequado pode resultar em decisões bem embasadas, maior
autonomia e diminuição das vitimizações sexuais, sendo mais efetivo que as vivências e
experiências espontâneas, por meio das quais, em tentativas e erros, são estabelecidos os
aprendizados (Ariano). Fazem parte, dos direitos sexuais das pessoas autistas, conhecer o
93

funcionamento de seus corpos e ter acesso aos recursos disponíveis de saúde sexual e
reprodutiva, além de trabalhar colaborativamente com profissionais e pesquisadores na
construção de um currículo útil às suas necessidades, sem medo ou vergonha associados
(SOLOMON; PANTALONE, 2019).

Categoria 2: Experiências sexuais e amorosas

Algumas participantes da pesquisa relataram experiências de vivências amorosas


abusivas e violentas, de natureza psicológicas, físicas e sexuais (Cecília, Cora, Adélia,
Conceição). Escancarou-se, novamente, a urgente necessidade de ações protetivas voltadas a
estas mulheres, com informações sobre identificação de relacionamentos abusivos, e de
estabelecimento de estratégias de recusa e busca de apoio. Segundo Sala, Hooley e Stokes
(2020), as mulheres autistas apresentam maior probabilidade de viver relacionamentos
abusivos devido à dupla vulnerabilidade de gênero e dificuldades em decorrência do autismo,
como identificação precária de situações perigosas.
Cora: Eu apanhei e sofri um estupro. Da última vez que eu tive problema, quando
a pessoa me agrediu, eu machuquei a mão e tive que operar o dedo, meu dedo é
todo deformado por causa da briga, eu fui me defender.

Adélia: Me deu muito trabalho, já me humilhou, já me fez coisa horrível. Eu tenho


medo de me relacionar e passar pelo que eu sofri anteriormente.

A dinâmica de relacionamentos abusivos é complexa, e envolve variáveis múltiplas,


compartilháveis entre a comunidade, ou particulares, que necessitam ser analisadas. Pereira,
Camargo e Aoyama (2018) descreveram contingências de algumas mulheres abusadas que
mantinham seus comportamentos, como esperança de mudança do parceiro, dependência
financeira e emocional, preocupação com os filhos e ausência da rede de apoio. Dessa forma,
materiais interventivos com orientações sobre sexualidade para pessoas TEA/S1 devem ser
claros ao abordar os múltiplos sinais de relações desse tipo, para auxiliá-las na identificação.
Acerca de boas experiências sexuais e amorosas, participantes disseram ter vivido
relações positivas (Carolina) e livres (Clarice), com destaque para situações nas quais as
questões sexuais foram ultrapassadas e obtiveram companheirismo, apoio, cuidado e conexão
intelectual (Cora, Clarice). Kock et al. (2019) entrevistaram adultos TEA/S1 e concluíram
que, especialmente após o diagnóstico, se sentiam mais confiantes em seus relacionamentos,
mas que o custo do engajamento era bastante alto, pois exigia compreender o outro e as regras
de funcionamento da relação, e atenção a assuntos desinteressantes, em suas perspectivas.
Para Mogavero (2019), a satisfação em relacionamentos amorosos e sexuais é bastante
94

variada entre adultos autistas, o que requer atenção individualizada a suas necessidades, em
programas de apoio.
Cora: Eu me sinto a pessoa mais sortuda do mundo. Meu marido estudou pra me
ajudar, ele me enxergou, quis me entender. O que hoje define relacionamento pra
mim não é sexo: é bondade, companheirismo, nossa, se sexo vier é maravilhoso, e
eu tô na minha melhor fase, nunca estive tão bem, feliz e realizada, e é uma
conquista dele, ele que me ajudou.

Houve relatos de experiência, também, sobre relacionamentos virtuais, nos quais os


participantes indicaram desejo de envolvimento devido às diversas possibilidades oferecidas
por esta modalidade, porém relataram medo de vazamento de conteúdos eróticos e exposição,
bem como receio sobre julgamento de familiares (Carlos, Carolina). Uma participante contou
estabelecer brincadeiras eróticas com amigo virtual (Adélia), somente por mensagens
escritas, interpretando os personagens fictícios que criava, pois em experiências anteriores
foi vítima em situação de sexting16, o que a fez evitar troca de materiais íntimos.
Byers e Nichols (2018), em estudo focado na análise de comportamentos online dos
adultos autistas, identificaram os relacionamentos virtuais como possibilidades importantes,
e devido aos muitos perigos envolvidos em tais práticas, chamam atenção para o fato de que
um programa de educação sexual e orientações para sexualidade deve conter informações
sobre como manter-se seguro, neste contexto. Esta é uma proposta interessante, pois alguns
participantes disseram utilizar a internet menos do que gostariam devido ao medo de
invasões, exposições, e assim sucessivamente (Adélia, v Ariano).
Dois participantes citaram experiências com parceiros autistas, sendo que, por um
lado, relatou-se terem sido ruins, especialmente com um deles que era bastante machista, o
que a levou não desejar conhecer outros rapazes TEA/S1 (Adélia), e, por outro lado, indicado
como ótimas vivências, sendo feita a opção de envolver-se exclusivamente com pessoas
incluídas nesta condição (Carolina). A contradição de opiniões expressa que, além do
diagnóstico, as pessoas autistas têm muitas outras características de seu modo de ser que
podem ser agradáveis, ou não, ao outro, sem a possibilidade de generalizações. Autores como
Newport e Newport (2002) opinam que há facilidades em namorar dentro do espectro, devido
à maior compreensão mútua de hábitos e necessidades vistas, pelos neurotípicos, como de
difícil compreensão.
As participantes mulheres relataram uso de brinquedos eróticos, indicando serem
prazerosos para experiências solitárias ou acompanhadas, e comentaram que poderia haver

16
Compartilhamento de conteúdo erótico por meio de mensagens virtuais, especialmente via aplicativos de
celular.
95

adequações para autistas, como a diminuição do barulho de funcionamento (Cecília),


adaptações sensoriais (Cora) e alça de apoio para quem tem dificuldades motoras (Carolina).
Citou-se, ainda, necessidade de orientações e dicas sobre como pedir à companheira para
utilizar os brinquedos (Hilda), além de espaços privativos para explorar os objetos, já que os
sex shop costumam ser expostos (Adélia).
Alcântara e Tomanini (2020) avaliaram que, embora o uso de brinquedos eróticos
tenha sido por muito tempo uma reprodução da submissão feminina, tem tomado contornos
mais extensos, de forma que atualmente, as mulheres podem vivenciar novas formas de
fantasias e práticas, protagonizando seus erotismos. No caso de inclusão da temática em
materiais educativos, deve ser referida a importância da higienização, especialmente no uso
compartilhado, para controlar a transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis
(ORSO; PRATA; SARANHOLI; CORRÊA, 2017).
Três participantes relataram relações sexuais e amorosas tardias ou inexistentes:
Cecília contou ter dado o primeiro beijo aos 32 anos de idade - o que, em sua visão, foi
distante dos pares, que o fizeram na adolescência - e Carlos indicou não ter experienciado
nada, até o momento da coleta. Adélia estabeleceu relacionamentos amorosos, entretanto
com supervisão próxima da mãe e privacidade controlada, o que a impediu de efetuar relações
sexuais, embora desejasse.
O estudo de Byers, Nichols e Voyer (2013), com adultos autistas indicou que a maior
parte daqueles que se relacionam amorosa ou sexualmente o fazem mais tarde em
comparação à média da população, devido às especificidades do desenvolvimento de
sociabilidade, o que condiz com os dados dos participantes. Acerca da privacidade, Amaral
(2009) sinaliza a importância de esclarecer aos familiares de pessoas autistas a necessidade
não somente de planejar e respeitar seus espaços íntimos, mas ensiná-los que são seguros e
não serão invadidos, para que seus direitos sexuais se mantenham garantidos.
Uma das participantes contou que vivencia suas expressões sexuais por meio de
desenhos, sua forma particular de conexão desde o início de sua infância, já que não falava
até os cinco anos de idade (Adélia). Sendo a comunicação um dos pontos sensíveis do TEA,
é interessante que as pessoas possam explorar formas alternativas e diversas, como
representações gráficas, corporais, teatrais, artísticas, linguísticas e criativas.
Os participantes explicitaram preferência por vivências díades de sexualidade,
majoritariamente (Cecília, Hilda, Cora, Carlos, Carolina, Clarice, Ariano), mas comentaram
também valorizar momentos solitários, que não exigem engajamento em relações sociais.
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Clarice: A gente não precisa ser simpático quando está sozinho, uma resposta
grossa, mas em nada menos verdadeira. Eu gosto de estar junto com a pessoa,
entendeu? Eu acho um valor muito maior em relação às carícias que levam ao
orgasmo. Como diz o Nietzche, a gente tem que se amar muito para poder amar
alguém. A pessoa estar com alguém que não ama a si próprio, como vai amar ela?
Se a pessoa autista está com alguém que não ama a si mesmo o suficiente para amar
outra pessoa, melhor que ela fique sozinha.

Para Newport e Newport (2002), oferecer apoio para que a pessoa TEA/S1
desenvolva sua autoestima e autovalorização, é uma forma de apoiar seu bem-estar, tanto
quanto protegê-la de vitimizações. Assim, independentemente da preferência por relações
díades, solitárias, ou variáveis, é essencial que, sentindo-se amparada, possa fazer escolhas
mais conscientes e seguras.

Categoria 2: Especificidades do TEA nos relacionamentos sociais, afetivos e amorosos


As dificuldades nas interações e relacionamentos sociais, anteriormente citadas com
relação às pessoas autistas como um todo, foram comentadas sobre as esferas particulares
dos participantes. Falou-se sobre não saber conhecer pessoas novas ou demonstrar interesse
e fazer o jogo social da paquera (Cecília), tal qual engajar-se em assuntos considerados
interessantes às pessoas (Carlos, Carolina). Além disso, ter poucos amigos foi apontado como
algo que dificulta variar os vínculos sociais; e os conflitos interpessoais, dificuldades para
entender frases sexuais e de duplo sentido ou compreender quando confiar nos outros, foram
sinalizadas (Adélia, Conceição).
Sperry e Mesibov (2005) encontraram uma forma eficaz de apoiar as pessoas TEA/S1
acerca da socialização: realizaram grupos focais, onde as dúvidas eram expostas e,
coletivamente, estratégias comportamentais traçadas para que o membro alcançasse o que
desejava. Um homem expressou, por exemplo, desejo de contatar uma mulher, que não via
há muitos anos, e tentar um relacionamento amoroso com ela, e após discussões coletivas,
foram indicadas como ações enviar um e-mail, perguntando se ela estava solteira, ou ligar na
central de comunicações do bairro, pedir seu telefone, e chamá-la para tomar café. Estes
grupos de apoio, que hoje podem ser realizados de maneira remota ou por meio de fóruns
online, são interessantes não somente por acolher as demandas das pessoas autistas sem o
julgamento neurotípico, mas também pela representatividade de ter pessoas no espectro
pensando em soluções para si mesmas.
As questões sensoriais também foram citadas, e os participantes comentaram
dificuldades como: contato pele a pele, roupas e tecidos apertados, cremes e pomadas
(Cecília), barulhos de eletrodomésticos e campainhas, automóveis ou zumbidos (Hilda,
97

Adélia, Clarice), música alta e cheiros variados (Cora, Adélia, Carolina), tipos específicos de
alimentos (v), sensação de molhado (Conceição), areia em qualquer parte do corpo, pessoas
falando excessivamente (Clarice), e toques íntimos, como abraços (Ariano). Para os
participantes, são observados impactos diretos em seus relacionamentos amorosos e sexuais,
devido a estas questões:
Hilda: Tava um barulho muito alto e eu não conseguia ficar, falei “quero ir
embora” e ela falou “mas eu não vou”, eu peguei e “tô indo embora”. Ela não
entendeu, pra ela o barulho tava normal, pra mim tava o povo encostando um no
outro, isso não tá certo, fui pra casa, liguei pra minha tia e falei “ai tia, deixei a C.
num show”. Ela: “como assim? Você vai voltar pra lá, pede desculpa pra ela”.
Depois só que eu consegui entender que realmente eu tenho problema com barulho.
Quando a pessoa não sabe acha que a gente está fazendo frescura, mas incomoda,
incomoda e muito.

Conceição: Eu odeio beijos. Aquele beijo molhado você fica com sensação de
molhado, eu não gosto dessa sensação, então pode ser uma barreira, a questão
sensorial. A barreira sensorial de não gostar de ser tocado. Vai ser grudento...as
pessoas vão suar, vai ser grudento, e eu não gosto de coisa grudenta [...] tenho esse
choque térmico quando encosta pele, e isso é complicado.

Alguns autores citam possibilidades de intervenções que podem ajudar autistas na


diminuição de sensibilidades impeditivas de relacionamentos íntimos, como meditação,
exploração gradual dos sentidos envolvidos na relação sexual, exercícios e, em última
instância, uso de medicação (NEWPORT; NEWPORT, 2002). Podem ser realizados
tratamentos com profissionais especializados na área (SOLOMON, 2013), como terapeutas
ocupacionais, e incentivo a diálogos entre essas pessoas e seus parceiros, para que juntos
concluam quais limites serão respeitados, e que estratégias podem ser utilizadas para
diminuição dos desconfortos (KOCK, et al., 2019).
Interessante notar que, se por um lado, as hipersensibilidades são identificadas como
déficits, por outro podem ser exploradas como potenciais fontes de prazer e excitação.
Algumas participantes comentaram sobre benefícios sensoriais como gostar de ser tocada
com pressão, receber massagem, cafuné ou apertões (Cecília, Carolina), sentir de forma
acentuada o cheiro de comidas e produtos cosméticos, causando bem-estar (Cora), e
satisfazer-se cheirando a si mesma ou ao outro em momentos íntimos (Carolina).
A dificuldade na discriminação dos interesses dos(as) outros(as) também foi
novamente citada, com queixas sobre o quanto pode ser complicado identificar sinais sexuais
e amorosos alheios. Em alguns casos, vínculos de amizade foram rompidos após confusões
acerca dos indícios compreendidos erroneamente como de paquera (Cecília, Conceição), e
houve situações de preocupação e medo em serem manipulados devido à pouca criticidade
sobre o outro (Carlos, Adélia, Ariano). Sobre este assunto, Carolina recebeu um conselho
98

interessante do amigo, também autista: estudar a linguagem do corpo, por meio de


conhecimentos construídos na área, para verificar quais mensagens são emitidas não-
verbalmente nas relações sociais.
Existem diversas obras publicadas na literatura científica e leiga sobre linguagem
corporal, mas deve haver, neste caso, a mesma ressalva feita em outros pontos de ensino para
pessoas autistas: devido à alta probabilidade de assumir o que é visto como regra, haverá
pouca flexibilidade em situações nas quais o conhecimento não pode ser diretamente
aplicado. Além disso, este conjunto de conhecimentos não compõem uma ciência exata,
sendo facilmente confundido o sinal de mexer nos cabelos para demonstração de interesse
sexual, por exemplo, com o fazer um rabo de cavalo confortável.
Outra característica frequente na vida de pessoas TEA/S1 é a presença dos hiperfocos:
todos os participantes comentaram sobre assuntos favoritos do momento, como Covid-19,
psicologia, educação especial, jogos, programação de computadores, filosofia etc. Foram
citadas dificuldades em decorrência dos longos períodos dispendidos em tais tópicos, e
tentativas de controlar-se para que houvesse reciprocidade nas relações (Cecília).

Cecília: Minhas amizades eu tento encontrar com base, pessoas que gostem mais
ou menos das coisas que eu gosto. Elas nunca gostam o tanto quanto eu gosto
(risos) eu poderia passar dias falando sobre aquilo e isso não vai acontecer. [...] Eu
gostaria de falar muito mais do que falo, e algumas vezes eu fico até atormentada
por não poder falar mais, mas eu tento me controlar.

Conceição: A minha melhor amiga é a psicopedagoga, porque a gente tem assuntos


em comum, eu posso entrar num assunto e não vou sair dele tão cedo, a pessoa não
está mais querendo falar sobre aquilo. As minhas áreas de interesse são áreas
majoritariamente femininas. Eu tenho hiperfocos, mas sou muito metódica, as
coisas que eu falo são metódicas. Sou muito detalhista e as coisas não interessam,
coisas muito teóricas, é difícil homem que se interesse nisso.

Analisando materiais midiáticos sobre autismo, é perceptível grande atenção às pessoas


famosas, que teriam diagnóstico de TEA/S1: em alguns casos, como de Albert Einstein, trata-
se somente de especulações, e em outros, como da ativista ambiental Greta Thunberg, e da
doutora em zootecnia Temple Grandin, explora-se como os hiperfocos foram utilizados em
favor de torná-las mulheres de sucesso. Entende-se que este ponto deve ser problematizado:
muitas das pessoas autistas possuem hiperfocos que não servem à finalidade produtivista,
como destas personalidades famosas, e as expectativas irreais que derivam delas, podem ser
prejudiciais.
O discurso de superação, onde os feitos de pessoas com deficiência são enfatizados,
pode ser visto como uma expressão do capacitismo, em que a valorização é voltada ao mérito
individual. Sendo a meritocracia um importante pilar do capitalismo, que responsabiliza o
99

sujeito tanto por suas conquistas quanto por suas impossibilidades, são destacadas como
pessoas de valia aquelas que trabalham e atingem os ideais de produtividade (LUIZ, 2020),
inclusive dentro do espectro autista. Assim, existiria uma hierarquia de valor da pessoa
TEA/S1, estando em níveis superiores aquelas cujos interesses são rentáveis, acima de outras
que apreciam tópicos sem aplicações econômicas diretas. Deve haver cuidado para não
perpetuar este tipo de discurso, e defender a liberdade de pessoas autistas desfrutarem seus
hiperfocos, independentemente de quais sejam.
Ainda sobre traços do TEA que influenciam a sexualidade dos participantes, foram
citadas ocorrências de crises e meltdowns (Hilda, Cora, Carolina), ou seja, episódios nos
quais perante perda de controle dos impulsos, e ao sentir-se hiperestimulada, nervosa ou
desorganizada, a pessoa pode se autoagredir, chorar, emitir comportamentos repetitivos ou
gritar. Hilda citou que as crises enfrentadas foram atendidas no hospital geral como
ocorrências de ansiedade, o que sinaliza necessidade de os profissionais de saúde estarem
melhor preparados para atender pessoas autistas. Cora comentou sobre diálogos
estabelecidos com o companheiro, para que compreendesse e executasse conjuntamente
estratégias de enfrentamento, e Carolina identificou que deve haver atenção e comunicação
clara nos relacionamentos, para que não haja confusão com ocorrências de agressão ao outro.
Assim como no caso das habilidades sociais e questões sensoriais, existem
intervenções que propõem formas de lidar com tais crises, visando inclusive diminuir as
autoagressões, que podem tornar-se muito prejudiciais. Há propostas analítico-
comportamentais de bloqueio, redirecionamento ou reforçamento diferencial de outros
comportamentos concorrentes, para tais crises (MARTINS; BARROS, 2017), assim como
abordagens diversas com a mesma finalidade, que podem ser um apoio adicional.
A compreensão do que é certo ou errado, por parte do adulto TEA/S1, também foi
citada:
Carlos: Eu já tenho mentalidade pra saber o que é certo e errado, o que é real e não
é, e até antes de eu completar a faculdade, eu tinha uns pensamentos bem errados.
Eu já tinha noção de muitas das coisas que eu gostava eram erradas ou se não eram
erradas, se eu fosse ter uma parceira sexual, ela teria que consentir. Eu tinha essa
noção de que qualquer coisa que queira fazer sexualmente com seu parceiro ou
parceira ela tem que consentir. Hoje eu tenho essa noção, apesar que hoje eu acho
que mesmo consentindo estaria um pouco errado. Você não vai contar pra polícia
não, né? É sobre dominar. É só isso. Eu não sei se é um crime, mas, enfim. Mas eu
não sei se eu sou a mesma pessoa que eu era há 2 anos atrás.

Carlos comentou sobre sua fantasia acerca de dominação, e demonstrou preocupação


em ser denunciado à polícia, por medo de que tal prática fosse considerada um crime, mesmo
que nunca a tivesse realizado ou visto, somente pensado sobre ela. Demonstrou, assim, a
100

pouca interlocução que teve para discutir os limites do aceitável e da criminalização,


apontando para a urgente necessidade de discussões com essa população sobre fantasias e
práticas, consentimento e crimes sexuais (SOLOMON; PANTALONE, 2019).
Newport e Newport (2002) comentam que, em alguns casos, as dificuldades de
compreensão das regras sociais, agravada pela falta de instruções claras, faz com que pessoas
autistas se aproximem de comportamentos considerados criminosos, como o stalking, ou
perseguição do outro e arranjo de formas para encontrá-lo, obsessivamente. Dentre os
assuntos mais importantes a serem abordados com pessoas autistas, na visão dos autores,
predomina a necessidade de ensinar que o “não” é uma negativa, sem insistências
conseguintes.
Ariano comentou predominância na percepção de extremos, com dificuldades para
compreender nuances, sendo tudo classificado, em sua perspectiva, como “0 ou 1”, gerando
impactos em seus relacionamentos, especialmente devido às inflexibilidades resultantes desta
característica. Por fim, alguns participantes comentaram sobre infantilização ou imaturidade,
indicando que em comparação aos pares, demoraram para sentir-se adolescentes (Carlos),
que ainda se viam como crianças (Ariano), ou que, mesmo vivendo autonomamente, a
autoimagem enquanto mulher demorou a desenvolver-se (Conceição).
Maia (2009) explica que, uma das razões pelas quais a infantilização de pessoas com
deficiência ocorre, é a generalização de suas necessidades específicas para sua vida como um
todo. No campo do TEA/S1, isso pode ocorrer, por exemplo, quando a necessidade de
direcionamentos claros devido à falta de compreensão de sinais perigosos é generalizada à
sexualidade, e os familiares impedem as vivências desta pessoa, a silenciam ou distanciam
deste assunto. Em última instância, essa infantilização os afasta de uma educação sexual
adequada (MAIA, 2009), além de impossibilitar que a própria pessoa veja a si mesma como
capaz de estabelecer relacionamentos, ter prazer ou viver de maneira autônoma (VIEIRA,
2016).

Categoria 3: Saúde sexual e reprodutiva


Com relação aos hábitos de prevenção, ambos os participantes homens relataram nunca
ter ido a médicos de saúde sexual (Carlos, Ariano). Segundo Ruiz e De Tilio (2020), para
que os vínculos entre serviços de saúde e homens sejam fortalecidos, é necessário esclarecer
as barreiras – institucionais e sociais – que perpassam as masculinidades e seus significados.
Isso pode exprimir mudanças não somente nos espaços de saúde e contexto amplo da
sociedade, mas também na formação e discurso dos profissionais envolvidos nestes serviços.
101

Algumas participantes indicaram não utilizar métodos contraceptivos de forma regular


(Cecília, Hilda, Carolina, Clarice):
Clarice: Eu utilizei por pouco período na minha vida o comprimido, né, eu usei a
camisinha. Eu tenho algumas reservas, não quero tomar mais um comprimido. Eu
tomo comprimidos para dormir, não quero mais um comprimido no meu rim, a
mulher tem esse direito. Claro que ela não quer se ferrar e engravidar sem planejar,
mas também vai ser de novo na história da humanidade, o corpo da mulher será
aquele que sofrerá intervenção, nem que seja um comprimido? Então não tem
comprimido pra homem?

Para discutir corpos e sexualidade feminina, é imprescindível considerar que, por meio
da regulação biomédica e outras agências de controle, como a religião, existe uma intensa
desqualificação moral conferida às mulheres que “falham” no controle de sua reprodução
(BRANDÃO, 2020). Além disso, durante toda a vida, sofrem constrangimentos e violências
que direcionam suas práticas sexuais e contraceptivas – bem exemplificadas na fala de
Clarice, que defende o rompimento desta lógica. É necessário, portanto, compreender a
contracepção como uma prática cultural e relacional, que necessita apoio e criticidade por
parte dos serviços de saúde (BRANDÃO, 2020).
Sobre autocuidados periódicos, algumas participantes comentaram ir ao médico
ginecologista regularmente (Hilda, Cora, Adélia, Carolina, Conceição), e frisaram a
necessidade de acesso facilitado a este serviço, sendo que, as que indicaram uso de convênios
(Cora, Carolina), tiveram melhores oportunidades de tomar decisões, como uso do DIU, ou
estabelecer rotina anual de consultas e exames.
Os participantes comentaram também inexperiências e desconhecimentos sobre
métodos contraceptivos (Carlos, Carolina, Conceição, Ariano):
Carlos: Eu nunca coloquei uma camisinha, mas eu sei mais ou menos como coloca,
segurar a pontinha e tal. E durante um período eu tinha 2 camisinhas na minha
carteira, mas a chance de eu encontrar uma namorada é zero. Eu não tenho tanta
informação sobre método contraceptivo. Eu tenho as que foram dadas na escola e
as poucas que eu peguei na internet. O que eu iria fazer [se tivesse uma relação
sexual] é usar camisinha e pedir para tomar a pílula. Mas, essa não é a que aborta
não, né? Eu sei que existe um método, que eu não sou a favor, que parece que a
mulher engravida, mas nasce morto, eu sou contra isso aí.

Ariano: Eu tenho muito medo de fazer bebês, com a minha ex, eu fiquei com tanto
medo que foi de roupa. Eu sei que tem os comprimidos, e tem o preservativo. É
que geralmente preservativo quebra, né, e isso dá medo. Eu tenho medo de quebrar.

O relato de Carlos é emblemático com relação ao desconhecimento, especialmente em


termos práticos, acerca dos métodos a serem utilizados, confundindo pílula do dia seguinte
com remédios abortivos, e afirmando saber medianamente como se utiliza camisinha. Da
mesma forma, Ariano disse ficar preocupado porque preservativos “quebram”, igualmente
demonstrando que, embora possa haver algum conhecimento teórico, a educação sexual falha
102

em termos práticos. Nesse sentido, segundo Somolon e Pantalone (2019), um programa de


educação sexual para pessoas autistas precisa, necessariamente, de materiais tangíveis e
concretos, pois nem sempre há generalização automática de conteúdos teóricos para
habilidades práticas.
As participantes falaram sobre os impactos da menstruação em sua vida (Cecília,
Adélia, Conceição), questão que também chamou atenção como necessidade específica de
discussão com mulheres autistas.
Adélia: A minha menstruação veio aos 11 anos, eu lembro até hoje quando eu
menstruei. E agora tô tomando anticoncepcional para parar de ter aquelas cólicas,
eu tive cólicas muito fortes no passado, ficava de cama chorando de dor mesmo,
parecia um pesadelo, parecia que tinha alguma coisa arrancando de dentro de mim.
Aí então, tomando anticoncepcional tá me ajudando. Eu quero mesmo parar de
menstruar, porque eu não aguento mais, é muito chato, mexe em tudo comigo. Fica
triste, fica feliz, fica magro, xinga os outros, eu não gosto muito não, porque antes
de menstruar me dava dores de cabeça, me dava diarréia, ansiedade.

Adélia ilustra, em sua fala, que os efeitos colaterais da menstruação, como ansiedade,
mudanças de humor e dores, podem ter um impacto significativo em suas rotinas, cogitando
possibilidades para deixar de menstruar, assim como relatado por Conceição. Cridland et al.
(2014) conduziram uma pesquisa com adolescentes autistas do sexo feminino e concluíram
que não somente os efeitos da menstruação, mas também o ensino sobre seu significado,
formas de autocuidado e outras informações necessitam atenção para que, assim como no
caso anteriormente citado acerca dos métodos contraceptivos, se trate de um procedimento
claro, generalizável e compreensível. Devem ser discutidos, ainda, nos estudos e práticas de
saúde da mulher, possibilidades confortáveis com relação à supressão da menstruação, se
este for o caso.
No que diz respeito às experiências estabelecidas pelos participantes com o corpo
gordo, tem-se o dado de que duas realizaram cirurgia bariátrica (Cora, Carolina), e duas
comentaram vivenciar dificuldades na aceitação grupal, contando terem sido privadas de
experiências, inclusive amorosas e sexuais, devido a esta característica, identificando ser
necessária abertura na sociedade para reconhecimento da beleza de todos os tipos de corpos
(Adélia, Conceição).
Para Costa, Coiado e Gaiotto (2019), os estereótipos do corpo gordo, que variam desde
a conexão com doenças, à falta de controle e caráter, negligência ou preguiça, têm impactos
negativos na vida das pessoas. O enfrentamento desta violência perpassa não somente pelos
questionamentos sociais, mas também pela atenção à produção científica, especialmente de
áreas da saúde, para que não reproduzam essas relações errôneas, além da maior
103

representatividade em materiais midiáticos e artísticos, com associação de corpos diversos a


características não estigmatizadas.
Finalizando os comentários dos participantes sobre saúde, Cora revelou ter sentido
efeitos colaterais de medicamentos em sua vida sexual:

Cora: Já foi complicado, já foi muito complicado, muito frustrante, ah, claro,
porque eu tomava antidepressivo, né? O doutor tirou tudo, não precisa tomar mais
nada, faz terapia que vai funcionar. E realmente, é isso. Então era frustrante porque
se eu tomava aquele monte de remédio, a própria fluoxetina atrapalhava muito a
sexualidade.

Não é incomum que o diagnóstico de TEA/S1 seja confundido ou coexista com


condições psiquiátricas como a depressão, ansiedade, transtornos de humor, personalidade e
outros (VANNUCCHI et al., 2013). Dada a complexidade da relação entre os fenômenos,
também não há consenso sobre existência precedente de uns sobre outros, mas é possível
imaginar que, vivenciar as características do autismo em uma sociedade normativa, seja um
importante fator de risco para saúde mental. O relato de Cora denuncia o cuidado, que deve
ser sempre vigilante e presente, com a medicalização da vida, especialmente em casos nos
quais além de desnecessária, a droga atue sobre os prazeres de forma tão incidente.

Categoria 4: Questões de gênero e orientação sexual

A primeira questão abordada nesta categoria foi a incidência de TEA e o diagnóstico


tardio em mulheres. Considerando que os estudos epidemiológicos sobre autismo afirmam a
prevalência masculina do transtorno na população, em uma diferença de quatro casos do
gênero masculino, a cada um do feminino (BAIO et al., 2020), observou-se esta característica
como inesperada. É relevante comentar, entretanto, que algumas mensagens foram enviadas
às pesquisadoras, por parte de membras destes grupos, demandando que as pesquisas
científicas se atentem às mulheres, e ao fato de serem preteridas tanto com relação à
oportunidade de obter diagnóstico, quanto das discussões sobre o assunto.
Ao longo da coleta de dados, as participantes reafirmaram esta pauta, o que pode ser
analisado como uma das motivações de seu voluntariado para a pesquisa, elucidativa sobre a
predominância feminina na amostra. Diversos estudos concordantes com relação à exclusão
de meninas e mulheres na literatura sobre o autismo, foram encontrados: para Camargos Jr.
e Teixeira (2013), deve ser aprofundada a hipótese de subdiagnóstico feminino no TEA.
Segundo os autores, comportamentos caracterizados como sinais de alerta para
encaminhamento à avaliação, especialmente na infância, são mais tolerados em meninas que
em meninos, resultando em menor índice de atenção, no caso delas (CAMARGOS JR.;
104

TEIXERA, 2013). A introspecção, por exemplo, é um marcador de desenvolvimento humano


essencial, neste contexto, entretanto interpretada como desejável no caso de crianças do sexo
feminino, de quem comumente se espera delicadeza, timidez e pouca extroversão.
Neste sentido, as características incluídas nos manuais diagnósticos, como parte dos
critérios do autismo, poderiam ser consideradas essencialmente masculinas. De acordo com
Pereira e Souto (2019), a participação rebaixada de mulheres nos estudos médicos e
psiquiátricos, de maneira histórica, contribui para que isto ocorra - não somente no TEA, mas
também em outros quadros. Complementarmente, o estudo de Kock et al. (2019) afirma que,
desde o início da infância, são ensinados enfaticamente às meninas comportamentos como
cuidado do outro e comunicação interpessoal, de forma que suas dificuldades, especialmente
na sociabilidade, acabam sendo mascaradas. O fato de meninas serem mais acolhedoras nos
grupos de pares, outra habilidade reforçada em suas histórias, faz com que a exclusão social
seja menos evidente, e que a identificação dos fatores de risco não ocorra como no caso dos
meninos (CAMARGOS JR.; TEIXERA, 2013).
Tal discussão pode se estender a outro dado de identificação notável: dos nove
participantes da pesquisa, somente Adélia teve diagnóstico atribuído na infância, enquanto
os outros foram identificados entre os 23 e 41 anos de idade. Mesmo considerando que, para
todos os participantes, tratou-se de identificação tardia, a média de idade do diagnóstico dos
homens foi de 22 anos, enquanto das mulheres, excetuando o caso de Adélia, de 32 anos.
Uma das possíveis explicações para este dado reside no denominado “Ciclo da
invisibilidade de mulheres autistas”, que consiste no fato de que as pesquisas científicas
utilizam amostragens maiores de homens, e isso faz com que os dados produzidos descrevam
características de um autismo masculino. Em consequência, menos mulheres são
diagnosticadas, gerando números de prevalência de homens no espectro, que alimentam o
referido ciclo (PASCHOAL, 2019; PEREIRA; SOUTO, 2019).
Estes dados iniciais apontam a necessidade de mudanças no campo de estudos e
atuação sobre TEA/S1. Dentre as possibilidades, podem ser citadas pesquisas com
delineamentos metodológicos inclusivos às mulheres, bem como desenvolvimento de
reflexões e questionamentos acerca dos critérios diagnósticos, considerando especialmente a
educação diferencial de gêneros, na sociedade machista e patriarcal. Pensando nos serviços
e políticas ofertados, podem ser planejados aprimoramento das redes de diagnóstico e apoio
às mulheres autistas, bem como formação dos profissionais disponíveis para avaliação, com
atenção às meninas encaminhadas. Em termos mais amplos, pode-se, ainda, rever a forma
105

como o autismo é referido na mídia e na literatura, reformulando rótulos comuns como o uso
da cor azul para representar o espectro (PEREIRA; SOUTO, 2019).
Ainda sobre os processos avaliativos e diagnósticos referidos pelos participantes,
observou-se atuação especialmente de médicos psiquiatras, e provável uso de manuais
variados, já que as nomenclaturas atribuídas foram bastante diversas. Embora a história de
classificações do TEA, seja repleta de acontecimentos que explicam mudanças em seus
critérios, é importante analisar criticamente o fato de que os manuais diagnósticos e suas
frequentes revisões propõem, geralmente, expansões cada vez maiores. Assim, não somente
o autismo, mas todas as condições mentais e psicológicas, são susceptíveis a variáveis
preocupantes, como participação das indústrias farmacêuticas nos grupos de trabalho para
elaboração destes materiais (RIBEIRO et al., 2020). Por isso, se por um lado deve haver o
cuidado de defender o direito ao diagnóstico, especialmente devido aos benefícios que podem
ser acessados pelas pessoas após emissão do laudo (BRASIL, 2012; 2015), é necessário
cuidado para evitar a patologização e medicalização, intimamente ligadas às ações
psiquiátricas.
Conceição: Eu não acredito que o autismo é 4 por 1, eu acho que a mulher tem
uma capacidade de adaptação melhor, e se ela não tem um déficit intelectual...eu
sou conhecida pelos meus amigos por ser inteligente. Então eu vi o médico e a
psicóloga bater muito na tecla: “mas você dá conta de fazer as coisas”, como se
autista não fosse capaz de fazer as coisas. Então ainda tem um estereótipo muito
fechado, que autista não vai dar conta, e pro homem isso fica mais evidente. Nossa
sociedade trabalha de um jeito que o homem é mais dependente. Ele é criado com
mais cuidado, a mulher tem que se virar pra mostrar que ela é mulher. Ela vai lutar
mais, vai ser mais sociável. Tem muitas questões: um menino tímido chama
atenção, mas menina tímida “é normal, melhor que seja tímida”.
Clarice: O artigo de jornal da BBC17 falando sobre Síndrome de Asperger,
mulheres e a dificuldade de diagnóstico por ser mulher, enfim, porque os
instrumentos são feitos a partir de características de homens, da existência de
homens em uma sociedade patriarcal que já coloca a mulher numa posição que não
é a mesma de homens.

As dificuldades referidas pela literatura com relação ao estabelecimento do


diagnóstico, como falta de instrumentos unificados e padronizados, foram percebidas
também na seleção de participantes. O uso da escala de rastreamento AQ, por exemplo,
mostrou-se útil enquanto apoio à autoidentificação da pessoa TEA/S1, mas os próprios
participantes teceram críticas condizentes com relação ao instrumento.

17
Em abril de 2018, o veículo de notícias BBC publicou uma notícia sobre autismo em mulheres (“Só
descobri que tinha autismo depois de adulta”), citando possibilidade de subnotificação, com relatos de seis
adultas sobre seus processos diagnósticos. Esta notícia foi compartilhada amplamente, de forma que
algumas participantes contaram ter tido acesso, e sido encorajadas por ela na busca pelo diagnóstico.
Acesso em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-43549847
106

Em primeiro lugar, comentaram que a gradação de respostas seria confusa,


especialmente porque as opções “concordo ligeiramente” e “discordo ligeiramente” eram
muito próximas, além de algumas perguntas identificadas como pouco claras (Cora, Carolina,
Clarice). Disseram, também, que o instrumento serviu unicamente para identificar
características do momento presente, mas que foram treinadas a ponto de algumas delas não
existirem mais, como a falta de proatividade comunicacional. Isso não significa, entretanto,
que não tenham sido marcos importantes em sua história de desenvolvimento, a serem
considerados.
Pensando que algumas intervenções para pessoas autistas têm, justamente, o foco de
modificação de comportamentos para melhorar a qualidade de vida, a crítica é apropriada, já
que os critérios diagnósticos mencionam a importância de analisar a história de vida dos
sujeitos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Os escores observados nas
respostas dos participantes da pesquisa variaram entre 26 e 40 pontos, servindo à finalidade
de confirmação aproximada dos traços autísticos para inclusão nos critérios da amostra.
São necessários investimentos na adaptação adequada de instrumentos de
rastreamento internacional, para uso livre na realidade brasileira (KINIPPEBER; GARCIA;
MACHADO, 2020), atentando-se a aspectos como os referidos pelos participantes desta
pesquisa. Observa-se, entretanto, que alguns estudos recentes, debruçados sobre a tarefa de
criar escalas nacionais, embora realizem desenhos metodológicos cuidadosos e promissores,
reproduzem a exclusão de mulheres de sua amostra, como no caso do trabalho de Maia
(2019), no qual todos os participantes eram homens.
Dando continuidade à análise da descrição de características dos participantes, com
relação à orientação sexual, observou-se que três mulheres e dois homens se identificaram
como heterossexuais, embora duas delas indicassem abertura para experimentar outros tipos
de relações, caso tivessem oportunidades. Sendo assim, considerando as participantes
bissexuais, pansexual, lésbica e heterossexuais abertas a outras possibilidades, tem-se que o
dado encontrado é condizente com o indicado pela literatura: adultos autistas sinalizam
atrações não heterossexuais mais frequentemente que os pares na população geral
(DEWINTER; GRAAF; BEGEER, 2017).
O fato de as pessoas autistas relatarem atrações não heteronormativas com maior
frequência, bem como assexualidade, vem sendo extensamente explorado pela literatura
(BARNETT; MATICKA-TYNDALE, 2015). Isto deve ser problematizado, não pelas
constatações quantitativas observadas nos estudos, mas pela abordagem empregada por
muitos deles para analisarem seus dados. Há autores que buscam explicações em
107

conhecimentos meramente biologicistas, como na Teoria do Cérebro Masculino, ou nas taxas


acentuadas de testosterona que pessoas autistas tendem a apresentar (GILMOUR;
SCHALOMON; SMITH, 2012; DEWINTER; GRAAF; BEGEER, 2017). Além do
empobrecimento empregado a fenômenos tão complexos quanto os desejos e afetos, tais
análises favorecem, no imaginário científico, o delírio onipotente de controle da orientação
sexual alheia. Duas participantes do estudo, trouxeram contribuições relevantes ao debate:
Cecília: [...] eu tenho visto em matéria de pesquisas, parece que lá fora elas estão
um pouco mais avançadas, que há uma incidência maior de pessoas que não se
conformam às regras de gênero, e não são heterossexuais, parece haver uma
incidência maior em pessoas com autismo. [...] E nesses grupos [online], eu
realmente vejo, raríssimas são as pessoas se conformam totalmente às regras do
que é considerado normal, né, em termos de sexualidade na nossa sociedade.

Carolina: Olha, parece que tem mais assexuais entre a gente, mais agêneros e mais
trans. Eu tenho essa impressão. E com os que são heteros, eles também estão mais
nessa pegada como eu falei, mais desinibição, não tem problema em testar coisas
diferentes [...] Tenho lido autistas de fora do Brasil que falam de alguma coisa, não
ligada à sexualidade, mas à forma de inibição, que eles também notam que talvez
tenha alguma coisa nisso, que eles não sentem também.

Cecília e Carolina expandem as possibilidades de análise dos dados sobre orientação


sexual de pessoas com TEA/S1, pontuando que autistas têm menor dependência das amarras
da inibição social, que tanto controlam os comportamentos dos neurotípicos. Para Kim
(2011), a grande contribuição que a comunidade científica pode oferecer às pessoas autistas,
na identificação de minorias sexuais, é apoio para o processo de aceitação. Muitos estudos
vêm servindo à finalidade de enquadrá-las no espaço do desviante, fixando uma ideia de
normatização, combatida por outros autores e movimentos, como pode ser observado no
recorte de discurso analisado por Rosqvist (2014):

De quem é o problema? É fácil pensar nas diferentes expressões sexuais como um


problema. [...] Médicos e familiares tentam fazer com que nós, autistas, mudemos
nossos comportamentos. Estes comportamentos são realmente um problema – e se
forem, são um problema de quem? Todas as expressões sexuais devem ser aceitas,
desde que não machuquem a própria pessoa, ou a outras. Vocês devem nos apoiar
com nossas deficiências – não nos normatizar! (ROSQVIST, 2014, p. 357, tradução
nossa).

Ainda sobre a identificação com orientação sexual não normativa das participantes
(Cecília, Hilda, Cora, Carolina, Conceição, Clarice), é importante discutir a dupla
vulnerabilidade a qual a pessoa TEA/S1 não heterossexual está exposta. Sendo o Brasil um
país de altos índices de LGBTfobia (TEIXEIRA, 2019), crimes como humilhação, exclusão,
agressões físicas, sexuais, psicológicas, financeiras e religiosas, são muito frequentes e
podem representar desafios adicionais às pessoas com dificuldades para identificá-los,
encontrar redes de apoio e agir sobre eles. Assim, além dos avanços legais gradualmente
108

alcançados no sentido de criminalização de tais violências (TEIXEIRA, 2019), que são


políticas públicas essenciais, é importante apoiar este público-alvo na percepção de espaços
seguros, contingências favoráveis e estratégias de enfrentamento de situações perigosas.
Outra característica notável relatada pelos participantes é que oito, de nove
entrevistados, não tem filhos, e alguns comentaram, que os mesmos não fazem parte de seus
planejamentos de vida (Cecília, Hilda, Adélia, Carolina, Clarice). Dois identificaram,
especificamente, que crianças seriam difíceis de lidar devido a suas hipersensibilidades
sensoriais, especialmente sonoras (Hilda, Carlos). Ambos os participantes do sexo masculino
(Carlos, Ariano) relataram desejar serem pais, mas preocuparem-se com relação à questão
financeira, pois encontravam-se dependentes de suas famílias.
Algumas participantes (Hilda, Cora, Carolina, Clarice) contaram sobre dificuldades
nos relacionamentos com familiares próximos, especialmente suas mães, sentindo falta de
compreensão sobre sua forma de ser e viver. Curiosamente, foram também participantes que
tiveram diagnósticos mais tardios em comparação ao grupo, o que é congruente ao dado
citado por Lewis (2016), de que a demora na avaliação e conclusão diagnóstica impactam a
autoaceitação e compreensão externa das pessoas.
Algumas participantes sinalizaram violências sexuais e dificuldades sociais
vivenciadas por ser mulher autista, reafirmando também os dados discutidos anteriormente.
Clarice: É muito óbvio que as mulheres autistas vão estar camelando mais tempo
sem diagnóstico por toda essa maquinaria que funciona assim. Os homens podem
ser “grosseiros”, as mulheres tem que ser “educadas”. É aquela velha história que
os feminismos falam muito bem, é uma questão de saúde pública que tem que ter
um basta. A sociedade é patriarcal? É, infelizmente é. O que vamos fazer? Vamos
fazer contenção desse patriarcado descontrolado, tem que atender a saúde das
mulheres também, ou a feminilização não chegou ainda nessa conclusão? Tem que
atender a saúde das mulheres e diagnóstico não é um passo preliminar de tantos
outros encaminhamentos pra cuidar da saúde?

Dentre as premissas centrais do Sistema Único de Saúde brasileiro, está a


democratização de acesso, que deve ser universal e igualitário, prevendo atendimento a todos,
considerando suas experiências e necessidades. Santos e Costa (2019) relataram o admirável
trabalho realizado em Teresina/Piauí, denominado “Rosas Azuis”, no qual por meio da
entrega de um cartão integrativo, todos os serviços e profissionais locais, habilitados a apoiar
o acompanhamento de mulheres autistas, estiveram vinculados, em um caminho de
intergeracionalidade e transdisciplinaridade, visando o acompanhamento sistemático,
gratuito e de qualidade. Percebe-se, portanto, que especialmente os serviços com caráter de
saúde coletiva, têm condições de propor ações que resultem em acolhimento desta população.
109

Eixo III: Descrição de expectativas com relação ao futuro acerca de


relacionamentos
Além das experiências vivenciadas, os participantes da pesquisa se expressaram,
também, sobre expectativas em termos de seu futuro amoroso e sexual.

Categoria 1: Anseios familiares

Sobre o que as famílias esperavam de seus futuros, os participantes relataram perceber


o desejo pelo alcance de vivências normativas, como casar-se e não se separar, mesmo que
houvesse problemas no relacionamento (Cora), ou encontrar um relacionamento
heterossexual e ter filhos (Carlos, Carolina). Para Conceição, havia uma incômoda pressão
para que arrumasse um parceiro, considerando que a vida seria mais feliz desta forma. Por
outro lado, foram feitos relatos indicando que tiveram liberdade de escolha, sem
direcionamento de quais deveriam ser os rumos particulares das filhas (Cecília, Adélia).
Cora: Quando minha mãe morreu e teve a reunião de todo mundo, minha tia falou
assim: “a sua mãe queria te castigar pelo jeito que você era”. Porque eu sempre tive
uma liberdade muito grande com a minha sexualidade. Eu não via problema
nenhum em transar com quem eu quisesse. [...] Quando minha mãe morreu, foi um
alívio porque eu deixei de ter esperança dela gostar de mim. E até hoje eu não tenho
problema nenhum de falar, eu me dou muito bem com minha parte sexual, só que
eu assustei todo mundo. E eu queria que tivesse alguém que identificasse isso como
um possível traço, eu sempre disse que o sexo me alivia. [as expectativas] sempre
foi uma coisa que estava no meu controle, porque eu não deixava as pessoas darem
opinião. Eu não podia deixar porque a opinião dos outros sempre foi aquela parte
agressiva, dominadora de todo mundo. Então eu pude casar com quem eu quis, eu
separei, quando eu voltei do carnaval minha mãe me espancou “você separou do
seu marido”, jogava vaso em mim. Minha mãe não aguentava nas próprias pernas
e me arrancou sangue.

É comum que as expectativas familiares existam, acerca do futuro amoroso e sexual


de seus membros, e que sejam variadas tanto com relação aos filhos neurotípicos, quanto aos
TEA/S1. Elas expressam, a perspectiva dos membros sobre felicidade, sexualidade, trajetória
de vida e outros assuntos envolvidos nas escolhas da vida adulta, de tal modo que podem ser
encontradas opiniões mais ou menos normativas, e muitas podem gerar sofrimentos
significativos, como relatado por Cora. Comparando as expectativas familiares da amostra
desta pesquisa com estudo anterior (VIEIRA, 2016), percebe-se que pais de adolescentes
autistas tendem a pensar que encontrar um parceiro ou parceira também diagnosticado seja
uma possibilidade interessante, não citada aqui.

Categoria 2: Expectativas particulares quanto ao futuro


110

Alguns/as participantes disseram desejar, para si mesmos, a constituição de família


com companheiro(a) e filhos para o futuro (Carlos, Carolina), enquanto outros indicaram
esperar um relacionamento díade sem filhos (Adélia), vivência solitária (Ariano), ou, por
fim, estavam focados na busca por suas primeiras experiências em relação sexual
(Conceição). Esta variedade de expectativas expressa a diversidade de características dos
participantes da amostra, e relembram, por fim, a possibilidade de oferecimento de apoio ao
planejamento de vida, tanto por parte da família quanto de profissionais que acompanhem as
pessoas TEA/S1, auxiliando-os a reconhecer seus potenciais e habilidades, facilitadores de
rumos pessoais e profissionais, bem como pensar de forma realista e organizada sobre as
possíveis configurações futuras de suas vidas.
Adélia: Já disse a meus pais que não vou ter filhos nem vou casar, só ter um
namorado, companheiro, para mim já está ótimo, mas vou prestar bem atenção em
qual pessoa vou me relacionar porque tem muitos aí que você já sabe o que estão
causando, né? Brigas e até morte, você sabe. Não vejo esperanças de ter um novo
amor na minha vida, mas estou deixando que o universo faça isso pra mim, eu não
vou mais ficar esperando porque se eu ficar fazendo isso nunca vai acontecer, então
eu deixo o tempo passar até aparecer, porque eu não tô esperando mais não.
Ariano: A única que sabia da A7 é minha irmã mais velha, o resto deve achar a
mesma coisa que eu, que eu vou ficar sozinho pra sempre.

Também é possível pensar que essas expectativas, por vezes pouco elaboradas ou sem
estabelecimentos de vínculos sexuais, amorosos e reprodutivos, são colocadas como
longínquas para pessoas adultas, reforçando a necessidade e pertinência dos programas de
educação sexual para essa população (HANNAH; STAGG, 2016).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar das limitações metodológicas observadas no estudo, como amostra pontual e


dados pouco generalizáveis à população TEA/S1, os relatos fornecidos pelos participantes,
com riqueza de detalhes e opiniões, possibilitaram comparações com a literatura científica
da área, coincidindo, em diversos momentos, com os achados do Estudo 2. Além disso, as
informações, qualitativamente categorizadas, poderão ser úteis a futuros programas ou
materiais informativos e de intervenção em sexualidade, e podem ser vistas como um avanço
inicial na oportunidade de as pessoas autistas falarem sobre o assunto, em uma lógica de
representatividade.
No primeiro eixo de análise dos dados, foram descritas percepções sobre relação entre
sexualidade e TEA, que segundo os participantes, depende dos níveis de apoios necessários
à pessoa diagnosticada, e pode ser melhorada com suporte de familiares, amigos e serviços
111

de saúde. Dentre as potencialidades percebidas, indicou-se o uso da internet para acessar


relacionamentos, informações e materiais eróticos, apesar de perigos subjacentes, além de
características como sua sinceridade e naturalidade para falar sobre o assunto. Dentre as
dificuldades observadas, tanto de forma coletiva quanto particular, os participantes citaram
as habilidades sociais e comunicacionais, e compreensão insuficiente sobre sinais sexuais,
que poderiam resultar em vitimização. Foram tecidas, adicionalmente, críticas sobre a forma
como a sociedade se comporta no que diz respeito a relacionamentos amorosos e sexuais,
deslocando a responsabilização pelas dificuldades das pessoas TEA/S1 das características
autísticas, exclusivamente.
Foram problematizados também o uso da pornografia, que essencialmente irrealista
e normativa, acaba por dificultar a aprendizagem sobre comportamentos sexuais, e a visão
da sexualidade autista como um tabu, além das características neurotípicas que representam
estranhezas aos participantes, invertendo a lógica do normal x desviante. As experiências em
educação sexual foram múltiplas, com participação de familiares, professores, médicos, e
fontes midiáticas de conhecimento, descritas em geral como deficitárias e incompletas, além
de pouco adaptadas às suas realidades e necessidades.
As vivências amorosas, que variaram entre livres e positivas, abusivas ou violentas,
incluíram ainda relatos sobre possibilidades além da genitalização, como experiências
intelectuais, artísticas e lúdicas. Questões do TEA/S1 como sensibilidades sensoriais e
hiperfocos foram comentadas ora como dificuldades, ora como prazeres, apesar de sentirem
impactos negativos em seus relacionamentos, em decorrência das mesmas. Alguns
participantes citaram crises e meltdown, acentuando necessidade de apoio nestes momentos,
bem como a infantilização, imaturidade e vigilância familiar, em casos pontuais.
Sobre a saúde sexual dos participantes, observou-se insuficiência nos cuidados
especialmente dos homens, que não faziam acompanhamentos periódicos nem tiveram
experiências prévias. Quanto às mulheres, notou-se que sendo melhor o acesso ao serviço de
saúde, mais refinadas foram suas possibilidades de consultas periódicas e escolhas, como no
uso de métodos contraceptivos e supressão da menstruação. Foram relatados sofrimentos e
exclusão social a partir da experiência do corpo gordo, e diagnósticos tardios do TEA/S1,
bem como consequências em decorrência disso, como fragilidade de vínculos familiares e
dificuldades no autoconhecimento. Merecem destaque os dados sobre vivências femininas
no autismo, marginalizadas da literatura científica, de maneira histórica.
Conclui-se, assim, que os dados coletados e analisados compõem importantes
informações a serem discutidas com pessoas TEA/S1, bem como familiares, profissionais de
112

apoio, cientistas da área e população interessada. Analisa-se, ainda, que a autodefensoria


realizada pelos participantes permitiu elaboração de estudo em uma perspectiva mais
próxima ao discurso do modelo social da sexualidade autista (ROSQVIST, 2014), que da
hegemonia neurotípica, colaborando para tratamento do assunto sob ótica mais neurodiversa
do que o observado até então na literatura.
Sugere-se que estudos futuros possam realizar análises com amostras maiores e mais
diversificadas em termos de gênero, escolaridade, localização geográfica e configurações
familiares, bem como incluir outras faixas etárias e instrumentos de coleta, para
enriquecimento das análises. Imagina-se, ainda, que pesquisas sobre aplicações práticas em
orientação para sexualidade apoiariam o avanço científico, e seriam de grande valia ao
público interessado.

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APÊNDICE A: Ficha de caracterização do participante


Ficha de caracterização do(a) participante
Dados de identificação
118

▪ Nome:
▪ Idade:
▪ Identifica-se com qual gênero?
Feminino ( ) Masculino ( ) Outro ( ):
▪ Identifica-se com qual orientação sexual?
Heterossexual ( ) Homossexual ( ) Bissexual ( ) Assexual ( ) Outro ( ):
▪ Status de relacionamento atual:
▪ Tem filhos?
Sim ( ) Não ( )
▪ Grau de escolaridade mais elevado:
▪ Profissão atual:
Informações sobre diagnóstico
▪ Profissional responsável pela atribuição do diagnóstico:
▪ Idade na ocasião do diagnóstico:
▪ Nomenclatura dada ao diagnóstico:
Contatos
▪ Cidade em que mora:
▪ E-mail:
▪ Telefone:
Tem interesse em receber informações sobre a pesquisa? Caso sim, elas serão
enviadas por e-mail.

Gostaria de participar de outras pesquisas sobre Autismo futuramente?

APÊNDICE B: Roteiro de entrevista semi-estruturada “Opiniões e Vivências sobre


sexualidade na voz de pessoas com Transtorno do Espectro Autista”
Eixo I) Opiniões dos participantes sobre sexualidade de pessoas com TEA
Questão 1) Agora, falaremos um pouco sobre sexualidade. O que é sexualidade, na
sua opinião?
Questão 2) Você acha que pessoas TEA/S1* têm dificuldades relacionadas à
sexualidade? Caso responda que sim, complementar: Quais?
Questão 3) Você acha que pessoas TEA/S1 têm facilidades relacionadas à
sexualidade? Caso responda que sim, complementar: Quais?
119

Questão 4) Nos fóruns online, é comum que as pessoas TEA/S1 postem perguntas ou
falem sobre sexualidade. Quais temas você percebe serem mais comuns, nos grupos
do Facebook que participa?
Questão 5) Em sua opinião, a internet ajuda ou atrapalha para que pessoas TEA/S1
vivenciem sua sexualidade? Complementar: De que forma?
Questão 6) Você acha que pessoas TEA/S1 podem sofrer mais ou menos violências ou
abusos sexuais que pessoas sem autismo? Após resposta inicial, complementar: Por
quê?
Questão 7) Nas perguntas a seguir, falaremos sobre sua sexualidade, em particular. Por
enquanto, gostaria de expressar mais alguma opinião sobre a sexualidade de pessoas
com TEA/S1, como um todo?
Eixo II) Relatos de adultos TEA/S1 sobre os aspectos biológicos e psicossociais de
sua sexualidade particular
Questão 1) Quando você era criança e adolescente, como foi o desenvolvimento de
sua sexualidade? Caso não haja compreensão completa da pergunta, adicionar:
Como foram situações de paquera, nesta fase, ou descoberta da masturbação, por
exemplo?
Questão 2) Na infância e adolescência, onde obtinha informações sobre sexualidade?
Depois, complementar: Você teve pessoas que ajudaram para aprender sobre o
assunto?
Questão 3) Atualmente, com quem dialoga sobre sua sexualidade?
Questão 4) Como é sua relação com saúde sexual? Caso haja dúvidas,
complementar: Faz exames ginecológicos ou urológicos de rotina?
Questão 5) Você avalia ter informações suficientes sobre Infecções Sexualmente
Transmissíveis? Caso sim, complementar: Onde aprende sobre elas? Caso não,
complementar: Por quê?
Questão 6) Você acredita ser bem informado sobre uso de métodos contraceptivos,
como camisinha, pílula anticoncepcional etc.? Caso sim, complementar: Onde
aprende sobre elas? Caso não, complementar: Por quê?
Questão 7) Pensando em situações de violência e abuso sexual, você acredita ser
mais vulnerável que pessoas neurotípicas? Caso indique que sim, complementar: Por
quê?
Questão 8) Você já teve acesso à pornografia? Caso responda que sim,
complementar: qual sua opinião sobre os materiais pornográficos?
Questão 9) Sua família conversa sobre sexualidade com você? Caso responda que
sim, complementar: como costumam ser essas conversas?
Questão 10) Quais são as expectativas de sua família sobre sua sexualidade? Caso
haja dúvidas, complementar: o que eles esperam do seu futuro, em termos sexuais e
amorosos?
Questão 11) Você se sente atraído por pessoas de quais gêneros? Caso haja dúvidas,
reformular: Você se identifica como homossexual, bissexual, heterossexual, assexual,
ou qual outra orientação? Após resposta, complementar: como foi para você o
processo de identificar suas preferências sexuais?
Questão 12) Existe alguma característica da sexualidade neurotípica que seja difícil
de entender ou lidar, para você? Caso não haja compreensão, reformular: Tem algo
que as pessoas não autistas façam ou pensem sobre sexualidade, que te parecem
estranhas ou incompreensíveis?
Questão 13) Agora, falaremos um pouco sobre suas experiências sexuais. Você
gostaria de contar mais alguma coisa sobre sua sexualidade, antes disso?
Eixo III) Vivências em relacionamentos sexuais e amorosos
120

Questão 1) Você prefere relacionar-se com outras pessoas, ou ficar sozinho?


Questão 2) Você já teve experiências sexuais e amorosas com outras pessoas? Caso
responda que sim, complementar: como foram essas experiências, para você? Depois,
complementar: como você encontra seus potenciais parceiros?
Questão 3) Você se encontra em um relacionamento com outra ou outras pessoas,
atualmente? Caso indique que sim, complementar: é/são neurotípicas ou TEA/S1? E
então, questionar: Quais são os desafios enfrentados em seu relacionamento, em
decorrência do TEA/S1? Após, complementar: E quais facilidades você encontra em
seu relacionamento devido ao TEA/S1?
Questão 4) Nos relacionamentos sexuais estabelecidos, você faz uso de métodos
contraceptivos? Caso responda que sim, complementar: Quais? Caso responda que
não, complementar: Por quais razões?
Questão 5) Você sente prazer nas relações sexuais que estabelece? Caso responda que
não, complementar: Por quê?
Questão 6) Você tem hipersensibilidade a algum estímulo sensorial? Caso responda
que sim, complementar: Qual ou quais? Complementar: Você tem dificuldades com
ela nas relações sexuais?
Questão 7) Quais são seus assuntos de maior interesse, no momento?
Questão 8) Como o hiperfoco é tratado em seus relacionamentos amorosos e sexuais?
Após resposta, complementar: quais estratégias você utiliza para que se sinta mais
confortável?
Questão 9) Você se sente satisfeito com sua sexualidade? Caso não, complementar: O
que poderia acontecer para que se sentisse melhor?
Questão 10) Você já teve acesso a brinquedos sexuais? Caso sim, complementar:
Acredita que eles sejam adequados a pessoas TEA/S1 ou poderiam ser adaptados de
alguma forma?
Questão 11) Você teve liberdade para realizar seu planejamento familiar, ou seja, para
escolher seus relacionamentos, se teria ou não filhos, e assim sucessivamente?
Questão 12) Como seria um relacionamento amoroso e sexual excelente, na sua
opinião?
Questão 13) Existe algo que a sociedade poderia mudar, com relação à sexualidade,
para que todos vivessem melhor?
Questão 14) Se fosse dar um conselho para alguém TEA/S1 vivenciar sua sexualidade
da melhor maneira possível, o que você diria?
*No início da entrevista, questionar ao participante como gostaria de se referir ao TEA/S1: autismo ou
outro termo similar. Utilizar o termo de sua preferência ao longo da entrevista, substituindo os termos
TEA/S1 pelo de escolha do participante. Adicionalmente, fazer flexão de gênero na linguagem para
masculino ou feminino de acordo com a identificação do participante.

APÊNDICE C: Convite para participação na coleta


Prezados(as) participantes do grupo,
Estou realizando uma pesquisa, de doutorado, sobre TEA/S1 e sexualidade. O objetivo
é que adultos diagnosticados tenham um espaço para falar sobre suas ideias, sentimentos e
necessidades em relacionamentos amorosos e sexuais. A pesquisa será realizada por meio de
uma entrevista online (por Skype ou Vídeo do Whatsapp).
Se você tem entre 18 e 60 anos de idade, foi diagnosticado(a) com Transtorno do
Espectro Autista, Autismo ou Síndrome de Asperger por um profissional médico; e gostaria
121

de contribuir com a ciência falando sobre o tema, escreva nos comentários desta postagem
seu e-mail, para que eu entre em contato, ou me envie uma mensagem no endereço:
[email protected]
A pesquisa tem compromissos éticos com os participantes, por isso os dados serão
preservados (ou seja, ninguém saberá o nome ou características que poderiam identificar a
pessoa participante), e somente eu, pesquisadora responsável, terei acesso ao material.
Os dados da entrevista serão utilizados para elaborar a tese, ou seja, publicar
cientificamente a opinião de adultos com TEA/S1, e a partir deles eu escreverei um material
para criar programas de educação sexual e apoio à sexualidade. Tudo isso será
disponibilizado publicamente a quem se interessar.
Agradeço a atenção, e me coloco à disposição para esclarecimentos,

Ana Carla Vieira Ottoni


Psicóloga - CRP 06/128598 e Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento e
Aprendizagem (UNESP/Bauru)

APÊNDICE D: E-mail com instruções iniciais para participação na coleta


Caro(a) Nome do participante,
Obrigada pelo interesse em contribuir com esta pesquisa. Sua opinião e suas
experiências serão muito importantes para que cientistas, profissionais e familiares
compreendam melhor questões sobre a sexualidade de pessoas TEA/S1.
Gostaria de agendar com você uma chamada de vídeo, onde explicarei como será feita
a entrevista e tirarei suas dúvidas. Podemos fazer por meio do Skype ou do Whatsapp, me
diga qual rede prefere e envie-me seu endereço ou número de contato, por gentileza. Essa
chamada terá duração média de 5 a 10 minutos.
Durante a chamada, irei explicar a você sobre um documento chamado Termo de
Consentimento, que envio em anexo aqui no e-mail. Ele serve para comprovar que a pesquisa
é séria, e que o participante concordou com a mesma. Se quiser, faça download desse arquivo,
assim podemos ler juntos(as) durante a chamada de vídeo.
Envio em anexo também um formulário para preenchimento. Ele tem uma lista de
perguntas sobre suas preferências de um questionário chamado AQ, que indica traços
autísticos. Também explicarei melhor sobre esses documentos na chamada.
122

Agradeço por seu esforço em participar da pesquisa, mais uma vez. Sua contribuição
será muito importante!
Atenciosamente,
Ana Carla Vieira Ottoni
Psicóloga (CRP 06/128598)
Mestre e Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP/Bauru)

APÊNDICE E: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


Pelo presente instrumento que atende às exigências da Resolução n. 466, de 12 de
dezembro de 2012 do Conselho Nacional da Saúde sobre pesquisas envolvendo seres
humanos e Art. 9° Código de Ética Profissional do Psicólogo, o(a) Sr.(a)
______________________________________________________________________,
portador(a) da cédula de identidade______________________, após leitura minuciosa deste
documento, devidamente explicado pelo pesquisador em seus mínimos detalhes, ciente da
coleta de dados e não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e explicado, firma que
sua participação é com CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO com relação à
pesquisa: “SEXUALIDADE NA VOZ DE PESSOAS COM TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA: ANÁLISE DESCRITIVA E CONTRIBUIÇÕES PARA
PROPOSTAS INTERVENTIVAS”, realizada pela pesquisadora Ana Carla Vieira Ottoni,
sob orientação da Profa. Dra. Ana Claudia Bortolozzi. O objetivo da pesquisa é investigar as
vivências e opiniões sobre sexualidade de adultos com Transtorno do Espectro
Autista/Síndrome de Asperger. A coleta de dados será realizada por meio do preenchimento
de um questionário, por e-mail, sobre características do TEA, e por uma entrevista
semiestruturada, aplicada pela própria pesquisadora responsável, via Skype.
O(a) participante está ciente da editoração e demonstração dos registros com fins de
publicação científica. Está ciente de que, embora a aplicação da entrevista tenha seu áudio
gravado, os dados serão utilizados apenas pelo pesquisador com a finalidade de categorizar
o que foi dito pelo participante integralmente. Será garantida total proteção a respeito das
gravações, sendo estas guardadas pelo pesquisador em local seguro e de acesso exclusivo.
Está ciente também de que sua participação é voluntária e que dela poderá desistir, a qualquer
momento, sem explicar os motivos.
Dentre os riscos apresentados na participação da pesquisa, ressalta-se possível
constrangimento, devido às informações sobre sua vida particular, e sensibilidade por
123

envolver assuntos íntimos. No caso de situações de desconforto significativo, a pesquisadora


responsável apoiará o participante até um serviço de apoio psicológico gratuito e local.
Acerca dos benefícios imediatos, cita-se a possibilidade de falar sobre aspectos da
sexualidade em sua própria visão, para que possíveis intervenções futuras voltadas às pessoas
autistas seja baseada em informações próximas às suas necessidades e realidades.
Cientificamente, colaborará para que as pesquisas na temática sejam representadas pela
própria população.
Caso o(a) participante da pesquisa queira apresentar reclamações em relação a sua
participação na pesquisa, poderá entrar em contato com o Comitê de Ética da Faculdade de
Ciências da UNESP-Campus de Bauru, pelo endereço Avenida Eng. Luiz Edmundo Carrijo
Coube, 14-01 no Departamento de Psicologia ou pelo telefone (14) 3103-6000.
Por estarem de acordo assinam o presente termo em duas vias.

Bauru, ____ de _______________de _______

______________________________ ______________________________
Assinatura do(a) Participante Assinatura da Pesquisadora

Nome da Pesquisadora Responsável: Ana Carla Vieira Ottoni


E-mail: [email protected]

APÊNDICE F: E-mail de finalização da coleta


Prezado(a) Nome do participante,

Agradeço por ter participado de todos os passos da pesquisa, e por ter falado sobre suas
ideias, experiências e opiniões.
Irei escrever a tese de doutorado, e a mesma será apresentada até outubro de 2021,
aproximadamente. Você receberá uma cópia da tese, bem como um relatório resumido
explicando os resultados da pesquisa, e o material elaborado para programas de educação
sexual e apoio à sexualidade.
Caso tenha dúvidas ou queira dialogar sobre a pesquisa, pode escrever um e-mail, que
responderei assim que possível.
124

Estou à disposição,

Atenciosamente,

Ana Carla Vieira Ottoni


Psicóloga (CRP 06/128598)
Mestre e Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP/Bauru)
125

ANEXO 1: Autism-Spectrum Quotient (QA)

Quociente do Espectro do Autismo – Adultos (QA)


16+ anos
Simon Baron-Cohen, Sally Wheelwright, Richard Skinner, Joanne Martin and Emma
Clubley, 2011
Tradução para português de Ana Osório, Beatriz Sanchez e Júlia Egito
Uso exclusivo para pesquisa

Nome:
Data preenchimento:

Como preencher este questionário


Abaixo está uma lista de afirmações. Leia cada uma delas com muita atenção e assinale em
que medida você está ou não de acordo, fazendo um X na resposta, como nos exemplos
abaixo. POR FAVOR NÃO DEIXE NENHUMA AFIRMAÇÃO POR RESPONDER.

Exemplos:
Concordo Concordo Discordo Discordo
totalmente ligeiramente ligeiramente totalmente
E1. Estou sempre pronto(a) a arriscar X
E2. Gosto de jogos de tabuleiro X
E3. Tenho facilidade em aprender tocar X
instrumentos musicais
E4. Culturas diferentes me fascinam X

Responda, por gentileza:


Concordo Concordo Discordo Discordo
totalmente ligeiramente ligeiramente totalmente
1. Prefiro fazer coisas com outras pessoas do que
sozinho(a).
2. Prefiro fazer as coisas sempre da mesma maneira.

3. Quando tento imaginar uma coisa, tenho muita


facilidade em criar uma imagem na minha mente.
126

4. Com frequência fico tão absorvido(a) com uma


coisa que esqueço todo o resto.
5. Frequentemente noto pequenos ruídos que outras
pessoas não ouvem.
6. Costumo prestar atenção aos números das placas
dos automóveis ou a outras sequências de
informação do mesmo tipo.
7. As outras pessoas com frequência me dizem que
falei algo indelicado, apesar de eu achar que fui
delicado(a).
8. Quando leio uma história, consigo imaginar
facilmente a aparência dos personagens.
9. Sou fascinado por datas.

10. Quando estou em grupo, tenho facilidade em


seguir várias conversas ao mesmo tempo.
11. Tenho facilidade em compreender situações
sociais.
12. Tenho tendência a notar detalhes que os outros
não reparam.
13. Prefiro ir a uma biblioteca do que a uma festa.

14. Tenho facilidade em inventar histórias.

15. Tenho maior tendência a me aproximar de


pessoas do que de coisas.
16. Tenho tendência a ter interesses fortes e fico
incomodado(a) se não posso me dedicar a eles.
17. Gosto de bater papo.

18. Quando estou falando, as outras pessoas têm


dificuldade em tomar a palavra.
19. Os números me fascinam.

20. Quando leio uma história, sinto dificuldade em


entender as intenções dos personagens.
21. Não aprecio ler livros de ficção.

22. Tenho dificuldade em fazer novos amigos.

23. Vejo constantemente padrões nas coisas que me


rodeiam.
24. Prefiro ir ao teatro do que ir a um museu.

25. Não fico incomodado(a) se minha rotina diária


for alterada.
26. Com frequência sinto que não sei manter uma
127

conversa.
27. Tenho facilidade em “ler nas entrelinhas”
quando falam comigo.
28. Geralmente me concentro mais no todo do que
nos detalhes.
29. Não sou muito bom/boa em lembrar números de
telefone.
30. Geralmente não reparo nas pequenas mudanças
de uma situação ou na aparência de uma pessoa.
31. Consigo dizer quando a pessoa com quem estou
conversando fica entediada.
32. Consigo facilmente fazer mais do que uma coisa
ao mesmo tempo.
33. Quando falo no telefone, não tenho a certeza
quando é a minha vez de falar.
34. Gosto de fazer as coisas de forma espontânea.

35. Com frequência sou o(a) último(a) que entende


uma piada.
36. Tenho facilidade em entender o que uma pessoa
está pensando ou sentindo apenas olhando para o
seu rosto.
37. Se sou interrompido(a), consigo rapidamente
voltar ao que estava fazendo.
38. Sou bom/boa de papo.

39. Os outros frequentemente me dizem que eu


insisto muito nas mesmas coisas.
40. Quando era criança, gostava de brincar de faz-
de-conta com as outras crianças.
41. Gosto de colecionar informação sobre
categorias de coisas (p. ex., tipos de carros, de aves,
de trens, de plantas, etc.).
42. Tenho dificuldade de me imaginar na pele de
outra pessoa.
43. Gosto de planejar com cuidado todas as
atividades em que participo.
44. Aprecio eventos sociais.

45. Tenho dificuldade em entender as intenções das


outras pessoas.
46. Situações novas me deixam ansioso(a).

47. Gosto de conhecer pessoas novas.

48. Tenho uma postura conciliadora em situações


de interação social.
128

49. Tenho dificuldade em lembrar o dia de


aniversário dos outros.
50. Tenho muita facilidade em brincar de faz-de-
conta com as crianças.

Versão brasileira de Ana Osório, Beatriz Sanchez e Júlia Egito. Julho de 2017.
129

ESTUDO 3

RELATO SOBRE A PRODUÇÃO DA CARTILHA “DIVERSO SINGULAR:


AUTISMO, VIDA ADULTA, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SEXUAL”
130

RESUMO

A literatura científica fez avanços com relação à descrição de aspectos da sexualidade de


adultos autistas, mas estes conhecimentos são comumente restritos à comunidade acadêmica.
O objetivo do estudo foi descrever o processo de elaboração, materialização e avaliação do
produto técnico “Diverso Singular: Autismo, Vida Adulta, Sexualidade e Educação Sexual”,
elaborado a partir dos conhecimentos compilados nos Estudos 1 e 2. As diretrizes principais
foram o uso de expressões diretas, claras, sem figuras de linguagens abstratas; exemplos
concretos, por meio dos relatos dos participantes do Estudo 2, para ilustrar os dados descritos
e apoio em recursos visuais. As etapas metodológicas se deram na sequência: I. Organização
de conteúdos; II. Escrita do texto; III. Produção estética e diagramática; IV. Avaliação do
material. Os textos foram compostos por notas introdutórias para contextualização do leitor
sobre a pesquisa, o autismo, inclusão, sexualidade e educação sexual; por conteúdos sobre
sexualidade e autismo e, ao final, diretrizes para programas interventivos voltados a este
público. A cartilha foi produzida no aplicativo online Canva, e sua versão final conta com 41
páginas, com avatares representando os participantes a fim de humanizar suas falas e fontes
com pouca ornamentação para evitar hiperestimulação sensorial. Os participantes do Estudo
2 foram convidados a avaliar o material, por meio de um formulário online anônimo, e as
respostas enviadas sinalizaram aprovação da produção. Dentre os potenciais observados
destaca-se a representatividade, por meio da amplificação dos relatos dos autistas
participantes do Estudo 2, e facilidade de distribuição do formato escolhido. As limitações
envolvem o fato de que não foi realizado um procedimento de ensino com uso do material, o
que torna inviável a afirmação de sua eficácia, e de que o público continua restrito devido à
necessidade de uso da internet para acesso e leitura.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Autismo. Sexualidade. Educação Sexual.
Cartilha.
131

ABSTRACT
Scientific literature has made advances in terms of describing aspects of sexuality in autistic
adults, but this knowledge is commonly restricted to the academic community. The objective
of the study was to report the production of an informative material, designed to provide
access to a wide audience regarding the data found in the literature review and previous
qualitative research (Studies 1 and 2). The main guidelines were the use of direct, clear
expressions, without figures of abstract languages; concrete examples, through the reports of
Study 2 participants, to illustrate the data described and support in visual resources. The
methodological steps followed: I. Content organization; II. Text writing; III. Aesthetic and
diagrammatic production; IV. Material evaluation. The texts started with introductory notes
to contextualize the reader (about research, autism, inclusion, sexuality and sex education);
complemented by answers to two questions: “What do the studies on sexuality and autism
say?” and “Sex education – how to do it?”. It was decided to first treat the contents that
appeared similarly in both studies, and then the exclusive data of the second. The informative
material was produced in the Canva online application, and its final version has 41 pages,
with avatars representing the participants in order to humanize their speeches and fonts with
little ornamentation to avoid sensory hyperstimulation. Study 2 participants were invited to
evaluate the material, through an anonymous online form, and the responses sent signaled
approval of the production. Among the potentials observed, representativeness stands out,
through the amplification of the reports of autistic participants in Study 2, and ease of
distribution of the chosen format. The limitations involve the fact that a teaching procedure
was not carried out using the material, which makes it impossible to affirm its effectiveness,
and that the public remains restricted due to the need to use the internet for access and
reading.
Keywords: Autism Spectrum Disorder. Autism. Sexuality. Sex Education. Manual.
132

1 INTRODUÇÃO

O Estudo 1 demonstrou que, apesar de haver discordâncias e contradições no campo


de conhecimentos que explora a sexualidade de adultos autistas, existem informações
convergentes, descritas por pesquisas com métodos, públicos-alvo, locais, objetivos e tipos
de análise diversos. Estes dados têm o potencial de ajudar pessoas a compreenderem melhor
o assunto, programarem intervenções assertivas e pensarem soluções individuais ou coletivas
para a inclusão sexual. O Estudo 2, por meio dos relatos coletados com participantes autistas,
possibilitou a reafirmação de dados discutidos pela revisão sistemática de literatura, e os
extrapolou, ao indicar dimensões do assunto até então não tratadas.
Pela forma como estão dispostas as contingências da realidade acadêmica de pós-
graduação brasileira, os estudos deveriam ser, prioritariamente, publicados em veículos de
divulgação científica, no formato de artigos. Embora esteja clara a importância de partilhar
com pares os achados e discussões, entende-se ser também necessário enfrentar a realidade
na qual o comportamento de pesquisadores se mantém sob controle da métrica de produção
formal (GUAZI; LAURENTI; CARRARA, 2018). Por isso, optou-se pela elaboração de um
produto técnico, no formato de cartilha, criado com finalidade de ampla divulgação,
linguagem compreensível para públicos diversos e não restrito a acadêmicos, cuja elaboração
será descrita ao longo deste breve relato.
Parte-se do princípio de que a sexualidade é uma dimensão humana presente ao longo
de toda a trajetória de vida, e engloba aspectos biológicos, psicológicos, sociais, culturais,
morais, estéticos, ultrapassando a visão estereotipada de que se restringe à genitalização. Por
isso, o processo de educação sexual, ou seja, de ensino-aprendizagem sobre sexualidade,
deve integrar outros conhecimentos e habilidades além dos tradicionais aspectos
reprodutivos, como relacionamentos amorosos, prazeres, papéis de gênero etc (MAIA;
RIBEIRO, 2011).
Embora a literatura enfatize a importância de programas de educação sexual voltados
ao público autista, são poucos e internacionais os materiais encontrados construídos de modo
específico e adaptado, como o livro-cartilha Taking Care of Myself (WROBEL, 2003), o livro
Relationship Building & Sexual Awareness for kids with Autismo – S T A R S 2
(HEIGHWAY; WEBSTER, 2015) e os relatos do programa Trackling Teenage Training
(TTT) (DEKKER et al., 2015). Por isso, dentre as possibilidades de instrumentos que podem
compor o processo de educação sexual, sugere-se acessar materiais amplamente utilizados,
133

sobre os mais diversos conteúdos, e realizar modificações necessárias de acordo com o


repertório dos participantes.
Pode-se citar como exemplos de materiais: livros instrucionais, tipo “Mamãe, como
eu nasci?” (RIBEIRO, 2011); materiais educativos, como protótipos de silicone, bonecos
sexuados e folhetos informativos; vídeos lúdicos, tal qual “Por onde saem os bebês?” (POR
ONDE, 2019); literatura infantil - “Sem mais segredos: Juju, uma menina muito corajosa”
(SPAZIANI et al., 2015); jogos interativos, músicas e outros artefatos culturais (AMARAL;
CASEIRA; MAGALHÃES, 2017). O uso de diversos materiais audiovisuais e concretos em
processos de educação sexual destinados às pessoas com deficiência é descrito como um
importante procedimento didático em Bortolozzi e Vilaça (2020), Maia e Vilaça (2019) e
Bortolozzi (2021).
Toda situação de ensino implica utilização de uma abordagem filosófico-
metodológica, para que haja coerência na programação e medida de eficácia da aprendizagem
(BORTOLOZZI; VILAÇA, 2020). A educação sexual pode ser, portanto, realizada a partir
dos mais diversos preceitos pedagógicos: histórico-culturais, analítico-comportamentais,
construtivistas, entre outros. Não sendo o objetivo do presente estudo aprofundar os
pormenores dos diversos métodos, indica-se diretrizes globais que facilitariam o
desenvolvimento de conhecimentos e habilidades:
[...] linguagem clara, direta, breve e concreta, com evitação de figuras de linguagem
como metáforas e analogias (ou, sendo o caso, explicitação de seus significados);
apresentação de informações acompanhadas de apoios visuais, como imagens ou
vídeos; utilização de estratégias de resoluções de problemas reais e dramatizações,
que se aproximam o máximo possível do que ocorrerá em seus cotidianos;
embasamento em materiais didáticos concretos, como protótipos em tamanho real.
Recomenda-se, ainda, que sejam realizados momentos em ambientes naturais, para
facilitar a generalização do aprendizado (OTTONI et al., 2021)

A elaboração do material de apoio descrito neste estudo foi feita com base em tais
diretrizes, na tentativa de responder ao questionamento: como os dados obtidos nos estudos
podem ser apresentados a seu público-alvo, em ações de apoio a seus direitos sexuais?

2 OBJETIVOS

Descrever o processo de elaboração, materialização e avaliação do produto “Diverso


Singular: Autismo, Vida Adulta, Sexualidade e Educação Sexual”.

3 MÉTODO
134

Pode-se considerar este estudo uma pesquisa-ação, já que segundo Gil (2002), tal
método implica a resolução de um problema coletivo – neste caso, a construção de um
produto técnico a partir de demanda social - por parte de pesquisadores e grupos envolvidos
no assunto abordado. A elaboração do material informativo passou pelas etapas: I.
Organização de conteúdos; II. Escrita do texto; III. Produção estética e diagramática; IV.
Avaliação do material.

I. Organização de conteúdos

O passo inicial para elaboração do material consistiu em estabelecer quais


conhecimentos precisariam ser explicitados de antemão, para possibilitar a compreensão das
informações específicas de sexualidade e autismo. Optou-se, então, por iniciar o material
com notas introdutórias descritivas sobre autismo, inclusão, sexualidade e educação sexual,
além de uma página explicativa acerca das pesquisas que o inspiraram, e uma breve
apresentação para contextualização.
Considerando que os conhecimentos dos Estudos 1 e 2 tinham como principal função
descrever sobre sexualidade de adultos autistas a partir da literatura científica e de seus
relatos em primeira pessoa, o tópico seguinte foi denominado “Sexualidade e Autismo”,
unindo conteúdos científicos e trechos das falas dos participantes.
A seguir, considerou-se que possíveis leitores interessados em promover educação
sexual se beneficiariam de diretrizes baseadas nos estudos, portanto partindo das ideias de
Maia e Ribeiro (2011) sobre como organizar um programa interventivo, apontou-se algumas
sugestões. Encerrou-se o material com palavras finais e disponibilização de endereço de e-
mail, além das referências utilizadas.

II. Escrita do texto


Os textos foram escritos tendo em vista a construção de frases mais curtas e diretas
possíveis, com exemplos concretos e evitação de figuras de linguagem abstratas, como
metáforas. Para tornar a leitura mais fluida, as referências foram inseridas ao final do
documento, sinalizadas ao longo do texto por números sobrescritos, e trechos dos relatos dos
participantes do Estudo 2 utilizados para exemplificar os conteúdos, aproximando-os do
leitor.

III. Produção estética e diagramática


135

A materialização se deu a partir do aplicativo online Canva, que disponibiliza templates


e recursos visuais para elaboração gráfica. As fontes das letras utilizadas foram formatadas
para tamanho médio 12, sendo maior quando possível, com poucas ornamentações para não
sobrecarregar o leitor com estímulos visuais. Utilizou-se recursos de aquarela colorida para
dar destaque aos títulos de seções, e foram atribuídos avatares aos participantes, para
humanizá-los.

IV. Avaliação do material


Após elaboração da primeira versão do material, ele foi enviado aos participantes do
Estudo 2 para que opinassem sobre cada uma das seções, especialmente nos aspectos
estéticos, sensoriais, de linguagem e de conteúdo. Eles receberam um formulário, por meio
do recurso online Google Forms, onde podiam discorrer livre e anonimamente, sugerindo
mudanças ou afirmando pontos que poderiam ser mantidos. Na ocasião de envio do
formulário, que ocorreu por e-mail, indicou-se que haveria quinze dias para retorno das
respostas. As sugestões de modificações foram analisadas, aplicadas, e realizados ajustes
para versão final.

4 RESULTADOS e DISCUSSÃO

O produto técnico conta com 41 páginas, com solicitação de registro ISBN18,


disponibilizado para compartilhamento de modo gratuito, por meio do perfil do Instagram
denominada Diverso Singular, criado para esta finalidade, nos fóruns de discussões online
sobre TEA/S1 da plataforma Facebook, e outros espaços dedicados ao tema. Ele está
disponível, integralmente, no Apêndice A.
Sete participantes responderam o formulário avaliativo, tecendo as considerações a
seguir:

Cecília: Minha opinião em geral sobre a cartilha foi muito boa. Eu achei o número
de páginas ótimo, na medida certa; achei o design de toda a cartilha lindo, colorido,
vistoso, convidativo e percebi também que as figuras eram diversas e inclusivas.
Nas notas sobre o Autismo, onde eram descritas as características da condição,
achei que foi uma das descrições mais abrangentes. Você fugiu de meramente citar
as características gerais do autismo, para discorrer sobre elas de forma profunda,
mostrando algo que as pessoas nem sempre se atentam: que o autismo faz com que
as coisas funcionem pra nós de formas profundamente diferentes, mas nem sempre

18
O registro do material por meio do ISBN foi solicitado mas ainda não havia sido liberado no momento de
envio da versão final desta tese.
136

óbvias ou visíveis. Ensinar isso às pessoas é importante, porque pode fazer com
que elas se tornem mais compreensivas no trato conosco, sabendo da complexidade
da condição. O mesmo posso dizer sobre a seção sobre sexualidade. O que está
escrito nela pode ajudar muito as pessoas leigas a entenderem melhor o que é
sexualidade e como ela também é complexa. Achei muito bom a seção sobre
sexualidade e autismo, tanto a parte sobre as pesquisas científicas quanto as partes
onde você se baseou nas nossas falas (muito bem escolhidas, por sinal) para mostrar
de forma concreta a maneira como os achados teóricos realmente se encaixam. A
parte sobre como fazer a educação sexual para pessoas com autismo foi ótima
também, trazendo dicas e ideias muito boas que se adequam muito bem às nossas
necessidades de explicações diretas e simples, concretas, didáticas, bem como ao
treino de variadas habilidades e situações. Enfim, fiquei muito surpresa
positivamente! Parabéns!
Clarice: Desde já quero dizer que achei a cartilha bem bonita! Parabéns! Está
bonita, com uma dinâmica de inputs de informação "friendly" no sentido literal e
também no sentido da acessibilidade, na medida em que os inputs não geram
sobrecarga sensorial (pelo menos, no meu caso). Por enquanto, gostaria de sugerir
a você 2 alterações, detalhes pontuais, nada demais, apenas pensando em contribuir
com o material. 1. Na minha fala da p. 21, onde se lê "nenhum pecado", leia-se
"pecado algum". 2. Se for possível e não muito trabalhoso, registro que preferiria
uma pequena alteração no avatar referente a mim [participante pede alteração na
figura com relação à gola da blusa. Foram oferecidas opções diferentes de avatar,
mas por fim optou pelo que foi inicialmente utilizado].
Conceição: Que delícia ver o trabalho tomando forma.
Ariano: Fico feliz de ter participado. Agradeço por ouvir.

As participantes Carolina, Cora e Adélia responderam agradecendo o envio, e não


teceram sugestões de modificações. Com relação à observação de Clarice, foi realizada
mudança no termo de sua fala, e oferecida troca de avatar, mas ela optou por continuar com
o que havia sido inicialmente selecionado.
As investigações sobre sexualidade e autismo têm se expandido nos últimos anos,
especialmente com relação ao nível de suporte 1, anunciando a necessidade de atenção a todo
o espectro. Embora haja dados consistentes sobre o assunto na literatura, instrumentos
específicos voltados a adultos autistas, familiares e interessados continuam escassos,
especialmente em formatos não acadêmicos. Neste ponto, considera-se que o material
informativo é inovador e tem potencial para avançar na divulgação científica do assunto.
Entretanto, devem ser ressaltadas limitações importantes, para que estudos futuros
desenvolvam esta ou outras propostas com relação à educação sexual do público-alvo
referido. Em primeiro lugar, ao considerar que uma situação de ensino envolve a
programação de um arranjo de contingências (SKINNER, 1972), não se pode afirmar, com
o que foi aqui relatado, tratar-se de um material necessariamente efetivo, já que não houve
avaliações para medida de eficácia da aprendizagem de seus conteúdos.
137

Além disso, embora o retorno fornecido pelos participantes tenha sido positivo, não é
possível generalizar tal aprovação e afirmar que o conteúdo seja relevante, útil ou correto
para todas as pessoas TEA/S1. O formato digital do material informativo, apesar de promover
acesso facilitado, quando comparado a artigos indexados em bases fechadas, continua
limitado a um grupo de pessoas – no caso, as que têm acesso a redes comunicacionais online
e participam dos meios que a divulgação do material alcançará.
Guias, cartilhas ou livros com programas cujas instruções de aplicação sejam mais
específicas podem facilitar a atuação de familiares, profissionais e outros interessados em
liderar programas de educação sexual. O “Relationship Building & Sexual Awareness for
Kids with Autism: S.T.A.R.S 2” (WEBSTER; HEIGHWAY, 2016), por exemplo, é um
material voltado para pessoas autistas em idade escolar, que propõe o ensino em quatro áreas:
Compreensão de Relacionamentos, Treinamento de Habilidades Sociais, Consciência Sexual
e Assertividade. Ele inclui orientações de como avaliar o ponto de partida de cada
participante, nas habilidades a serem ensinadas, e propõe reflexões aos envolvidos no
programa de educação sexual, como “quais conhecimentos a criança demonstra ter sobre
sexualidade?”. Pesquisas futuras podem considerar tais diretrizes para avançar na qualidade
do material informativo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A divulgação científica em países como o Brasil, em que o do trabalho de
pesquisadores é medido e reconhecido por meio de publicações formais, como artigos
acadêmicos, acaba por aprofundar o abismo entre conhecimento e sociedade. A elaboração
do material informativo relatado neste estudo foi um passo inicial na tentativa de estabelecer
uma ponte entre os dados e discussões dos Estudos 1 e 2, e pessoas interessadas, como
adolescentes e adultos autistas, familiares e profissionais.
Trabalhos com relatos em primeira pessoa, como no caso do material que utilizou
fragmentos dos relatos de participantes do Estudo 2, são interessantes para manter a
representatividade e protagonismo de autistas no que diz respeito a suas visões. Propor
programas de educação sexual emancipatória implica trabalhar o conceito de sexualidade de
forma ampla, e é essencial localizar os leitores nas discussões atuais sobre TEA, o que
justifica as notas introdutórias do material, sinalizadas como positivas no feedback oferecido
por participantes.
138

Não houve mudanças substanciais no material antes e após a avaliação oferecida pelos
participantes, mas não é possível generalizar sua aprovação já que o público consultado foi
muito restrito. Para melhorias futuras, sugere-se criar estudos com programação de ensino
para avaliação de sua eficácia como instrumento para aprendizagem; aprimoramento com
instruções específicas a mediadores dos programas de educação sexual; e expansão do
formato para que a acessibilidade seja melhorada – por meio de vídeos e outras formas de
divulgação.

REFERÊNCIAS

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algumas potencialidades para discussão dos corpos, gêneros e sexualidades. Em: RIBEIRO,
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Professores(as). São Paulo: Cultura Acadêmica Digital; Ed Unesp, 2020.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa, 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.
GUAZI, T.; LAURENTI, C.; CARRARA, K. Boas práticas científicas: uma discussão
analítico-comportamental. Interação em Psicologia, v. 22, n. 1, 2018.
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de Sexualidade Humana, v. 32, n. 1, 2021.
POR ONDE saem os bebês [por] Universidade das Crianças UFMG, 2019. 1 vídeo (0:3:30
min). Publicado pelo canal Universidade das Crianças UFMG. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=_LHBSBTSWQc . Acesso em 10 de janeiro de 2022.
RIBEIRO, M. Mamãe, como eu nasci? Editora Moderna, 2011.
SKINNER, B. F. Tecnologia do Ensino. Editora da Universidade de São Paulo, 1972.
SPAZIANI, R.; MAIA, A. C. B.; RIZZA, J. L.; AVILA, D. A. Sem mais segredo: Juju,
uma menina muito corajosa. Editora Multifoco, 2015.
WEBSTER, S. K.; HEIGHWAY, S. Relationship Building & Sexual Awareness for
Kids with Autism: S.T.A.R.S 2. Future Horizons, 2016.
139

CONSIDERAÇÕES FINAIS GERAIS


As discussões sobre sexualidade de pessoas TEA/S1 têm notável relevância, tanto
social quanto científica, devido à necessidade de avanços nas pesquisas com público
brasileiro, identificada no Estudo 2, e à premência de propostas informativas e interventivas
para maior acesso aos direitos sexuais, visibilidade e diminuição de vitimização, iniciadas no
Estudo 3.
Alguns dados encontrados foram coincidentes nos dois primeiros estudos, como a
existência de interesse e engajamento amoroso e sexual, contrariando os mitos da
assexualidade ou hipossexualidade, e uso da internet para obter informações,
relacionamentos e prazeres, bem como demanda por instruções sobre segurança online.
Foram citadas, também, nas duas pesquisas, a importância de serviços de apoio e escuta, para
suporte contínuo às suas experiências, além da dupla vulnerabilidade da mulher autista.
No que diz respeito à educação sexual, identificou-se nos dois estudos iniciais
processos deficitários, com fontes de informações pouco organizadas e normativas. As
sugestões para implementação de programas eficientes incluíram a elaboração de currículo
adaptado às características do TEA, e o ensino de habilidades ou conhecimentos de forma
clara e concreta. A vitimização e os estereótipos sexuais foram apontados como focos de
discussão, adicionais à necessidade de treinamento de habilidades sociais, e atendimento
sobre dificuldades sensoriais.
Tanto no primeiro estudo, quanto no segundo, grupos compostos por pessoas TEA/S1
para elaboração conjunta de estratégias e soluções sobre sexualidade foram citados como
possibilidades efetivas, remotas ou presenciais. A necessidade de modificar o discurso,
frequentemente localizado em uma lógica de hegemonia neurotípica, para a visão do modelo
social da sexualidade autista (ROSQVIST, 2014) ficou evidente. Os impactos na saúde
mental de pessoas TEA/S1 merecem destaque, bem como vulnerabilidades da população
LGBTQIP+, e possibilidades de emissão de comportamentos inadequados, especialmente
devido às dificuldades de compreensão social.
De maneira diferencial, o Estudo 1 apontou, nos artigos analisados na revisão
sistemática de literatura, aspectos metodológicos como uso do autorrelato para promoção da
representatividade, variedade de métodos de coleta e análise em vistas ao enriquecimento dos
dados da área, e importância de estudos qualitativos, que possibilitam voz às pessoas autistas.
140

Apesar das limitações encontradas no produto técnico descrito no Estudo 3, pode-se citar
como seu ponto positivo central o destaque para esses relatos.
Contribuições adicionais do Estudo 2 incluíram relatos dos participantes sobre temas
diversos, como a participação familiar, de amigos, grupos de pares e serviços de saúde, nas
vivências sexuais e amorosas, enquanto fatores de proteção. Foram citadas, como potenciais
de sua sexualidade, a comunicação sincera e a naturalidade com que tratam o assunto, e
tecidas críticas sobre o uso da pornografia, e abordagem sobre este tópico como um tabu, em
uma lógica reducionista, acrítica, valorada como desviante. Quanto às experiências sexuais,
relatou-se tanto histórias prazerosas e positivas, quanto abusivas e violentas, e vivências do
prazer por meio do uso de brinquedos eróticos ou expressões artísticas. Particularidades como
crises sensoriais e estratégias de enfrentamento, dificuldades para flexibilizações e
autopercepção de infantilização, foram relatadas, tal qual hábitos de saúde sexual e
conhecimentos sobre métodos contraceptivos. Por fim, citou-se experiências de exclusão
social devido ao corpo gordo, efeitos colaterais de medicamentos psiquiátricos com impactos
na sexualidade e críticas ao instrumento de rastreamento AQ.
As principais limitações e falhas dos estudos parecem ser a impossibilidade de
generalização dos dados, por tratar-se de uma amostra limitada de estudos e participantes,
sendo possível haver outras informações e necessidades não abordadas até então. Além disso,
no caso da segunda pesquisa, percebe-se que o método de convite e coleta de dados
selecionou um subgrupo específico das pessoas TEA/S1, com alta escolaridade, prevalência
feminina e diagnóstico tardio, que podem também ter limitado as informações coletadas.
Analisando os dados descritos pelos estudos, observa-se o levantamento de inúmeros
aspectos que necessitam atenção e visibilidade, para apoiar as pessoas TEA/S1, respeitando
suas perspectivas, desejos e necessidades. Assim, conclui-se que foram organizadas
informações importantes, com potência para apoiar a ação de profissionais, familiares e
pessoas autistas com relação à sexualidade na vida adulta. Almeja-se que a cartilha
amplifique tais informações, alcançando públicos diversos.
141

REFERÊNCIAS

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C.; HARRINGTON, R.; LOPEZ, M.; FITZGERALD, R. T.; HEWITT, A.;
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Data de
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BRASIL. Lei n˚ 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília: 2015. Disponível
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agosto de 2020.
144

APÊNDICE A – “DIVERSO SINGULAR: AUTISMO, VIDA ADULTA, SEXUALIDADE


E EDUCAÇÃO SEXUAL”
Diverso
Singular
AUTISMO, VIDA ADULTA, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SEXUAL

ANA CARLA VIEIRA OTTONI


ANA CLAUDIA BORTOLOZZI
Apresentação

Boas-vindas!

Eu sou Ana Carla Vieira Ottoni, e criei este material para divulgar
informações coletadas em minha pesquisa de doutorado, chamada
"Sexualidade, autismo e vida adulta: contribuições para educação
sexual¹. Sou psicóloga, trabalho com inclusão escolar e atendo
adultos autistas no projeto clínico Diverso Singular².

Eu sou Ana Cláudia Bortolozzi, psicóloga e professora de


Psicologia da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita
Filho” (UNESP/Bauru-SP). Estudo a temática da sexualidade e
deficiências há mais de 20 anos, e orientei a pesquisa de
doutoramento que deu origem a este material. Autora de várias
obras, como o livro “Sexualidade e Deficiência: uma releitura”.

É muito importante que informações encontradas por pesquisas sejam


divulgadas de diversas maneiras. Escolhemos o formato de cartilha
para que mais pessoas possam ler: adolescentes e adultos autistas,
familiares, profissionais e demais interessados no assunto.

A linguagem utilizada é clara e direta a fim de facilitar acessibilidade.


Para leitura em outros formatos, como tese ou artigos científicos,
sugerimos consultar as referências nas últimas páginas.

Esta cartilha é composta por: notas iniciais explicativas sobre autismo, inclusão,
sexualidade e educação sexual; dados coletados na literatura e em nossa
pesquisa acerca da sexualidade de adultos autistas; sugestões para pessoas
interessadas em elaborar e aplicar projetos de educação sexual a este público, e
por fim, referências para encontrar obras e aprofundar conhecimentos.

1
Autismo
Para começar, vamos falar um pouquinho sobre o Autismo: ele foi descrito pela
primeira vez em 1943, por um médico chamado Leo Kanner, nos Estados Unidos. Em
1944, outro médico, chamado Hans Asperger, estudou em Viena casos parecidos com
os de Kanner, e nomeou a condição encontrada de Síndrome de Asperger³.

De 1943 até hoje, houve diversas modificações


nos nomes utilizados: Autismo Clássico, Sugerimos a leitura do
Transtorno Autista, Síndrome de Asperger, livro “Outra Sintonia”³
Transtorno Global do Desenvolvimento, Autismo (John Donvan e Caren
de Alto Funcionamento, Savant, e outros… Zucker) para conhecer
detalhes sobre a história
do autismo.

A partir de 2014, os manuais que determinam como fazer diagnósticos,


chamados DSM-5⁴ e CID-11⁵, indicaram que seria interessante unificar o
autismo no nome TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA).
As duas características principais do TEA são:

Déficits na comunicação social


Interesses, movimentos ou assuntos restritos e repetitivos, com padrões
de rigidez

o que antigamente era classificado em graus leve,


moderado ou severo, hoje descreve-se assim⁴:

A pessoa autista apoio nível de suporte 1


necessita em apoio substancial nível de suporte 2
apoio muito substancial nível de suporte 3
seu dia-a-dia de

A CID-11⁵ classifica o autismo em: TEA sem Deficiência Intelectual (DI) e com comprometimento
leve/ausente de linguagem funcional; TEA com DI e com comprometimento leve/ausente de linguagem
funcional; TEA sem DI e com linguagem funcional prejudicada; TEA com DI e com linguagem funcional
prejudicada; TEA sem DI e com ausência de linguagem funcional; TEA com DI e com ausência de linguagem
funcional; Outro TEA especificado e TEA não especificado.

As duas classificações acima são consideradas corretas e atualizadas. 2


Espectro
significa conjunto de variedades
é o termo utilizado para indicar que autistas são únicos, diversos entre si, e que os
traços do autismo podem ser muito diferentes de pessoa para pessoa

por isso, o símbolo do autismo é um


infinito multicolorido,
representando a amplitude do
espectro

Quando falamos sobre algum assunto específico relacionado ao autismo, como sexualidade, é
necessário indicar o nível de suporte (S1, S2 ou S3) das pessoas referidas, porque as necessidades
e potencialidades podem ser diferentes.
Consentimento sexual, por exemplo, é uma questão com implicações distintas comparando uma
pessoa que necessita de suporte muito substancial com outra de suporte pontual.

Este material foi construído com foco em pessoas no


transtorno do espectro autista nível de suporte 1
(tea/s1)
por isso, caso o leitor queira conhecer mais sobre o assunto em outros níveis de suporte, pode
acessar os artigos indicados nas referências. Infelizmente há pouco produzido até então, mas os
trabalhos vêm crescendo nos últimos anos!

Sugestões para conhecer mais sobre TEA/S1:


Livros, artigos e palestras de pessoas autistas como Temple Grandin⁶ e
Jhon Elder Robison⁷

Perfis em redes sociais de autistas brasileiros⁸ ou estrangeiros⁹ divulgados


com finalidade de interação sobre o assunto

Grupos e Fóruns Online¹⁰ com foco na discussão sobre TEA/S1

Filmes, séries e documentários¹¹ que retratem vivências de pessoas autistas


3
Autismo
As características mais comuns do TEA/S1 são¹²:

Inflexibilidades
Compromisso com rituais, rotinas ou sequências, desorganizando-se com mudanças ou
imprevistos; Rigidez com relação a alimentos e outros estímulos de preferência, como roupas,
brinquedos, sapatos, livros.

Sensibilidade atípica perante estímulos sensoriais


Incômodos no contato com luzes, sons, toques, cheiros, gostos, texturas; Sensações de dores,
frio ou calor intensificadas (hipersensibilidade) ou diminuídas (hipossensibilidade).

Déficits na compreensão da comunicação humana


Dificuldades para interpretar figuras de linguagem como ironias, hiperlativos, metáforas,
piadas, chistes e indiretas; para interpretar ações não-verbais, como expressões faciais,
espaços sociais aceitáveis; para prever como o outro se sentirá em situações diversas – o que
fomenta a crença errônea de que têm pouca empatia; Envolvimento com situações perigosas
devido à dificuldade para compreender situações sociais.

Expressão verbal enrijecida e/ou atípica


Modo de falar formal, rebuscado e com poucas figuras de linguagem; Dificuldades para iniciar,
manter e encerrar conversas, e expressar verbalmente pensamentos, sentimentos e
sensações; para mentir ou identificar mentiras ditas pelas pessoas; Preferência por diálogos
diretos, menor envolvimento em bate-papos; Sinceridade acentuada.

Hiperfocos
Interesse por um assunto específico por longos períodos de tempo, com dedicação exclusiva
ao mesmo e dificuldades para envolver-se em tópicos diferentes e diversificados. Pode-se
desenvolver habilidades notáveis nessas áreas de interesse.

aspectos motores
Pode haver pouco uso de gestos e maior rigidez muscular ao movimentar-se; Estereotipias
como movimentar as mãos, os pés, andar em círculos; Dificuldades para aprender brincadeiras
e habilidades como andar de bicicleta, jogar bola, escrever e pintar.

Características singulares
Algumas pessoas podem apresentar características como memória visual excelente, memória
numérica e facilidade com cálculos, inteligência acima da média em alguma área específica, ou
em várias; habilidades artísticas, esportivas ou linguísticas notáveis. Toma-se cuidado com
essa informação para que não haja a expectativa exacerbada de familiares sobre essas
características.

meltdown, shutdown e crise de sobrecarga sensorial e/ou social


Em situações de intensa interação social ou sensorial, como multidões e espaços
excessivamente barulhentos, algumas pessoas podem sentir crises que desencadeiam
comportamentos externalizantes (jogar objetos, morder, mutilar-se) ou internalizantes
(ansiedade, fraqueza) e exigem que a pessoa tenha tempo e condições para se recuperar. Há
quem chame esses momentos de "ressaca".

Nem todas as pessoas autistas apresentam todas essas características. Elas são as mais
frequentes, mas pode haver outras não listadas.

4
Nossa pesquisa
A pesquisa que deu origem a este material¹ teve duas etapas:

I. Uma Revisão Bibliográfica, ou seja, a leitura de diversos artigos científicos publicados


sobre sexualidade e autismo
II. Entrevistas realizadas com nove adultos autistas que expressaram suas opiniões
sobre sexualidade
Vamos apresentar os participantes, pois nas próximas páginas haverá trechos de suas entrevistas

cecília, 33 anos carolina, 37 anos adélia, 27 anos


mulher bissexual mulher pansexual mulher heterossexual
professora universitária desempregada desenhista

cora, 41 anos clarice, 32 anos hilda, 39 anos conceição, 26 anos


mulher bissexual mulher heterossexual mulher lésbica mulher heterossexual
professora de inglês antropóloga repositora de frios professora

ariano, 26 anos carlos, 23 anos


homem heterossexual homem heterossexual
estudante universitário desempregado

Os nomes dos participantes foram substituídos pelos de autores da literatura nacional para preservação de
suas identidades. 5
Inclusão
Todas as pessoas são diferentes e únicas.
Entretanto, a sociedade é organizada baseada em uma ideia de NORMA. Os prédios, as
calçadas, os currículos escolares, os empregos, vestibulares...tudo é organizado para
pessoas com características que cumprem essa expectativa normativa.
Isso faz com que muitas pessoas fiquem à margem da sociedade, sem conseguir se
locomover, estudar, trabalhar, sentir-se parte, relacionar-se.
INCLUIR significa, portanto, modificar a sociedade para que todas as pessoas acessem
todos os direitos.
Infelizmente, nessa sociedade normativa, pessoas divergentes são responsabilizadas, e
faz-se de tudo para que elas se aproximem da norma.

Vamos ver o que nosso participante Ariano fala sobre isso:

Você entende um pouquinho do sistema Windows/Linux?


Você sabe que são sistemas diferentes que funcionam de formas
diferentes. Eu filosofei muito sobre isso, se o autismo é ou não uma
deficiência. Eu sei que não é um transtorno, porque os normais
consideram tudo que é diferente deles um transtorno. Mas quanto a
ser uma deficiência ou não, cheguei à seguinte conclusão: na sociedade
dos normais, é. Mas se a sociedade fosse de maioria de pessoas autistas,
governantes autistas, todas regras autistas, as pessoas "normais"
seriam deficientes. Porque assim, tem coisas que os autistas não
conseguem fazer que os "normais" fazem? Tem.
Mas tem muita coisa que os autistas conseguem fazer muito bem, que
os "normais" não conseguem.
Então numa sociedade de autistas, você seria deficiente.

Entender o autismo como uma neurodivergência¹³, na visão da


inclusão social¹⁴, significa compreendê-lo como uma diferença
humana que deve ser acolhida pela sociedade. Além disso,
precisam existir adaptações para que autistas usufruam seus
direitos educacionais, laborais, sexuais, culturais etc.
6
Sexualidade

A sexualidade é uma dimensão humana ampla e complexa¹⁵


que faz parte da vida de todas as pessoas desde o nascimento até a morte

Muitas pessoas pensam que sexualidade e sexo são a mesma coisa.


Mas SEXUALIDADE envolve diversos aspectos da vida humana, como:

PAPÉIS DE GÊNERO NORMAS CULTURAIS QUESTÕES DE SAÚDE

REPRODUÇÃO E DESEJOS E AFETOS ASPECTOS


PLANEJAMENTO FAMILIAR BIOLÓGICOS

AUTOCUIDADOS E
PRAZER IMAGEM CORPORAL
AUTOCONHECIMENTO
...
Mesmo natural e presente na vida de todas as pessoas, este assunto continua sendo um
grande tabu - tanto devido à desinformação, quanto às discordâncias sobre o que as pessoas
devem fazer com suas sexualidades. Nossa participante Clarice tem uma bela fala sobre isso:

[teria que mudar] o nome sexualidade por um nome, por exemplo


assim, respiração. Mudaria que o oxigênio não é privatizado, as
pessoas simplesmente respiram, porque elas vivem, sabe? Ninguém
pode ser acusado de respirar (choro). Ninguém pode ser acusado de
amar fora de determinado padrão. Não tem muito padrão para
respirar, as pessoas podem fazer aulas de ioga, de meditação, não
tem jeito legítimo e bárbaro. Não tem respiração bárbara, porque
senão a pessoa morre.

7
Educação Sexual

é como aprendemos sobre sexualidade ao longo da vida.


a sexualidade tem dimensões para além da biológica: ela é cultural, social, moral,
individual, psicológica, histórica…

Por isso temos muito a aprender sobre ela!


a educação sexual pode ocorrer de duas maneiras¹⁶:

FORMAL INFORMAL

Quando há um planejamento Ocorre sem planejamento


prévio, organizado e prévio, por meio das ações do
intencional para ensinar sobre dia-a-dia, como comentários,
sexualidade propagandas, obras artísticas,
Exemplos: aulas de biologia nas instruções espontâneas,
escolas, intervenções sobre o silenciamento, regras e hábitos,
assunto em projetos sociais, pornografia etc.
ações de profissionais como É a principal fonte de educação
psicólogos, enfermeiros etc. sexual em nossa sociedade.

algumas pessoas argumentam que a educação sexual não deve ser feita para não
“incitar” o assunto; entretanto, ela já está ocorrendo, a todo tempo…por isso, é
interessante pensar em propostas formais, organizadas de maneira ética,
científica, pedagogicamente cuidadosa e adaptada de acordo com as
necessidades e faixas etárias

Os conteúdos abordados podem ter caráter


mais biologicista (voltado a aspectos
físicos, genitais e biológicos da
sexualidade) ou emancipatório, com foco
no respeito à diversidade humana, uso de
informações científicas, atenção às
necessidades e dúvidas dos educandos,
vistas ao planejamento familiar e cuidados
com a saúde, o respeito a si e ao outro e
proteção de violências sexuais¹⁷
8
Sexualidade e
Autismo
Vamos começar falando sobre aspectos legais!

De acordo com a Lei nº 12.764 de 2012¹⁸, o autismo é


considerado deficiência. Por essa razão, pessoas autistas
têm inúmeros direitos, descritos na Lei Brasileira de
Inclusão (Lei nº 13.146 de 2015¹⁹).
No que diz respeito à sexualidade, a LBI indica que:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa,


inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso
a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como
adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas.

As leis são um importante argumento para a organização e expansão de programas de


educação sexual para autistas de todas as idades. Soma-se a isso o fato de que autistas
são mais vulneráveis a violências sexuais²⁰, e que promover oportunidades de vivências
prazerosas é essencial para seu bem-estar.

O ensino sobre identificação de situações potencialmente


perigosas e de estratégias pra fuga desses contextos é
muito importante para diminuir a vitimização sexual.

É interessante a psicoeducação para que as pessoas


autistas saibam de seus direitos e como acioná-los.

9
Sexualidade e
Autismo

existem diversas formas de discutir sobre a sexualidade


de pessoas autistas e é muito importante atentar-se a isso para não reproduzir o
apagamento e protagonismo do público-alvo. Um estudo²¹
demonstrou que, ao tratar este assunto, é comum os cientistas e
autores cometerem erros como inferir que autistas não tem desejos
sexuais (discurso da assexualidade); ou fixar um ideal de sexualidade
neurotípica e comparar as pessoas autistas a ele, apontando sua
sexualidade como insuficiente, inadequada ou indesejável (discurso
deficitário).
Sugere-se que a sexualidade seja vista como diversa para todos os
seres humanos, e que pode sim haver influências das
características do TEA na vida sexual cotidiana. Entretanto, isso
deve ser observado não para culpabilizar os autistas, mas sim
reconhecer as barreiras sociais que enfrentam, e pensar em formas
de promover uma sociedade mais igualitária também no sentido
sexual.

Alguns estudos apontaram características gerais


relacionadas à sexualidade de adolescentes e adultos
autistas:

Há interesse em relações amorosas e sexuais²² assim como no caso de


neurotípicos - ou seja, existem pessoas assexuais, que não tem esse
engajamento, e muitas outras que namoram, transam, se casam, etc. Deve-se
tomar cuidado, portanto, com a infantilização e privação de oportunidades de
relacionamentos sociais.

Vejamos a seguinte comparação²³: não é possível uma pessoa afirmar


gostar ou não de chocolate caso nunca o tenha experimentado; da
mesma forma, é difícil fazer alegações sobre comportamentos e
interesses sexuais de pessoas TEA/S1, já que, via de regra, não tiveram
as mesmas oportunidades de socialização e experimentação que as
neurotípicas.

10
Sexualidade e
Autismo
Pessoas autistas em relacionamentos amorosos têm
mais inserção social e comunitária²⁴
Um estudo demonstrou que pessoas em relacionamentos amorosos tinham mais
oportunidades sociais e sentimento maior de pertencimento. Isso demonstra a necessidade
de investimento em programas de inserção cultural, como grupos, clubes, espaços acessíveis.

Em alguns estudos, autistas relacionando-se com autistas


demonstraram maior satisfação²⁵
Em nossa pesquisa, isso foi variável: alguns participantes preferiam relacionar-se com
neurotípicos, outros com neuroatípicos. Importante pensar em serviços e programas de apoio a
casais, que podem alcançar melhor qualidade de vida por meio da escuta e acompanhamento.
Podemos ver um exemplo de Hilda, mediado por sua tia:

Tava um barulho muito alto e eu não conseguia ficar, falei “quero ir


embora” e ela falou “mas eu não vou”, eu peguei e “tô indo embora”.
Ela não entendeu, pra ela o barulho tava normal, pra mim tava o
povo encostando um no outro, isso não tá certo, fui pra casa, liguei
pra minha tia e falei “ai tia, deixei a C. num show”. Ela: “Como
assim? Você vai voltar pra lá, pede desculpa pra ela”. Depois só que
eu consegui entender que realmente eu tenho problema com
barulho. Quando a pessoa não sabe acha que a gente está fazendo
frescura, mas incomoda, incomoda e muito.

As pessoas criam estratégias pra viver melhor sua


sexualidade, seja em relacionamentos ou sozinhas²⁶
Essas estratégias dependem dos gostos, necessidades e características de cada um.
Exemplos: dialogar frequentemente com companheiros sobre posições mais confortáveis e
fantasias sexuais; realizar planejamento conjunto da relação sexual, expondo seus receios;
descrever claramente o que gosta ou não com relação às ações do outro; fazer adaptações
sensoriais para o dia-a-dia...Hilda compartilha uma situação pessoal:

Eu tenho dificuldade de saber onde é meu


limite, até onde meu corpo aguenta. E eu temo
machucar minha companheira. Então quando eu
vejo que estou um pouquinho mais alterada eu
não tenho relação com ela. Eu digo “vamos
deixar para amanhã”.
11
Sexualidade e
Autismo
para muitas pessoas, a Hipersensibilidade ou
hipossensibilidade com relação a estímulos sensoriais
impactam sua sexualidade²⁷
É frequente que pessoas no espectro sintam incômodo, aflição ou dor quando perante a
barulhos, luzes, toques, cheiros, gostos, texturas ou outros estímulos sensoriais. Isso pode
influenciar não somente a relação sexual, momento em que há diversos desses estímulos, mas
também atividades cotidianas, tais quais abraços, situações de confraternização, divisão de
tarefas domésticas, expressão de afeto etc. Conceição exemplifica:

Eu odeio beijos. Aquele beijo molhado você fica com sensação de


molhado, eu não gosto dessa sensação, então pode ser uma barreira,
a questão sensorial. A barreira sensorial de não gostar de ser tocado.
[O contato sexual] vai ser grudento...as pessoas vão suar, e eu não
gosto de coisa grudenta [...] tenho esse choque térmico quando
encosta pele, e isso é complicado.

Alguns autores citam possibilidades de intervenções como meditação, exploração


gradual dos sentidos envolvidos na relação sexual, exercícios e, em última instância,
uso de medicação²⁸.
Podem ser realizados tratamentos com profissionais especializados na área²⁹ como
terapeutas ocupacionais.

12
Sexualidade e
Autismo
hiperfocos são assuntos/temas pelos quais as pessoas
nutrem interesse intenso, com desejo de dedicar-se ou
falar exclusivamente sobre eles³⁰
Segundo conceição e cecília:

Minhas amizades eu tento encontrar com


base, pessoas que gostem mais ou menos
das coisas que eu gosto. Elas nunca gostam
o tanto quanto eu gosto (risos) eu poderia
passar dias falando sobre aquilo e isso não
vai acontecer [...] Eu gostaria de falar muito
mais do que falo, e algumas vezes eu fico até
atormentada por não poder falar mais, mas
eu tento me controlar.

A minha melhor amiga é a psicopedagoga,


porque a gente tem assuntos em comum, eu
posso entrar num assunto e não vou sair dele
tão cedo, a pessoa não está mais querendo
falar sobre aquilo. As minhas áreas de
interesse são áreas majoritariamente
femininas. Eu tenho hiperfocos, mas sou
muito metódica, as coisas que eu falo são
metódicas. Sou muito detalhista e as coisas
não interessam, coisas muito teóricas, é difícil
homem que se interesse nisso.

Os hiperfocos podem ser uma forma de obter prazer, aprimorar-se ao extremo em


determinadas habilidades ou assuntos, e aproximar-se de pessoas com interesses similares.
Entretanto, em relações de amizade, amorosas ou sexuais, pode haver dificuldades, como as
citadas pelas participantes, devido ao fato de as outras pessoas sentirem pouca
reciprocidade na comunicação. Quando a pessoa desenvolve um bom autoconhecimento, e
estabelece formas de interagir com seus hiperfocos, pode usar estratégias para entender-se
com o parceiro sobre como ocorrerão as interações.
Exemplo: se em determinado dia o desejo de dedicar-se ao hiperfoco está intenso, sinalizar
ao parceiro que fará isso em seu espaço; ou colocando lembretes para demonstrar atenção a
assuntos importantes para a outra pessoa, tipo "Como foi seu médico?".
13
Sexualidade e
Autismo

a internet possibilita diversas formas de vivenciar


a sexualidade³¹: estabelecendo relações online;
acessando conteúdos eróticos; aprendendo sobre
educação sexual; dialogando com pessoas em
fóruns de discussão...

Ao mesmo tempo que a internet representa possibilidades excelentes para o exercício da


sexualidade, há também perigos, como potenciais violências - que se intensificam quando há
pouca percepção de situações ameaçadoras - e outros crimes virtuais. Por isso, é essencial
o ensino de métodos de proteção, seja com relação a dados e acesso protegido a todos os
tipos de site, quanto a percepção de situações mais ou menos seguras.
Vamos ver os exemplos na fala de Carlos e Cecília:

Eu diria que é uma relação de 50%, 50%, mais pra 60% em relação a
atrapalhar, isso é uma coisa que minha avó já chamou atenção. Que
muitas das coisas que estão na internet não são reais, ou seja, muita coisa
que quem tem TEA vê na internet não é exatamente como é realmente,
sabe? [...] Eu diria que tem alguns que funcionam pra mim, mas tipo, eu
sempre fico no mesmo lugar, nunca saio do lugar, o máximo que eu vou
são as imagens do Google e eu nem clico nas imagens, eu só vejo de
longe. Isso porque eu tenho paranóia enorme em relação a computador.
Tenho medo de pegar vírus, hacker.

O TEA tem uma questão que às vezes a gente aprende uma coisa, e acha
que aquela coisa é a regra, né? E a gente não consegue mudar aquele
pensamento pra outras situações, então às vezes a pessoa acaba
aprendendo com a pornografia o que seria uma relação sexual, e talvez
ela não consiga compreender que na verdade não precisa ser exatamente
aquilo. Não tem essa flexibilidade, então eu acho que pode ser ruim.
Sexualidade e
Autismo
Os estudos sobre mulheres autistas têm diversos dados
importantes para explorarmos:
mulheres autistas são subdiagnosticadas³²
Muitas mulheres conseguem a formalização de seu diagnóstico somente na vida adulta, e
muitas após vivenciar experiências em diversos profissionais que as diagnosticaram e até
mesmo medicalizaram para condições psiquiátricas errôneas.
Diversos estudos indicam que uma das variáveis que influenciam o subdiagnóstico é o fato
de que os critérios e instrumentos diagnósticos foram construídos a partir de participantes
homens, de forma que a expressão do autismo em mulheres acaba por ser pouco
reconhecida. Vamos ver o que Clarice diz sobre isso:

É muito óbvio que as mulheres autistas vão estar camelando mais tempo
sem diagnóstico por toda essa maquinaria que funciona assim. Os homens
podem ser “grosseiros”, as mulheres tem que ser “educadas”. É aquela
velha história que os feminismos falam muito bem, é uma questão de saúde
pública que tem que ter um basta. A sociedade é patriarcal? É, infelizmente
é. O que vamos fazer? Vamos fazer contenção desse patriarcado
descontrolado, tem que atender a saúde das mulheres também, ou a
feminilização não chegou ainda nessa conclusão? Tem que atender a
saúde das mulheres e diagnóstico não é um passo preliminar de tantos
outros encaminhamentos pra cuidar da saúde?

o subdiagnóstico alimenta o ciclo da


invisibilidade feminina³³

15
Sexualidade e
Autismo
educação diferencial de gênero e masking
A forma como homens e mulheres são educados desde o início da vida é diferente em vários
aspectos³⁴. Os brinquedos oferecidos, como carrinhos e super-heróis a meninos, bonecas e
itens de cozinha a meninas, são um símbolo importante do que chamamos educação
diferencial de gênero: mostra-se quais lugares sociais serão ocupados, e quais
oportunidades poderão ser desfrutadas. Neste exemplo, de aventura, liberdade e liderança a
meninos, cuidado à família e à casa a meninas.
Tem-se explorado que essa educação diferencial também impacta o diagnóstico de autismo
em mulheres, já que características vistas como sinais de encaminhamento para avaliação -
como introversão - são mais aceitas em meninas que em meninos. Além disso, como
mulheres são socialmente mais cobradas para encaixar-se em padrões e grupos sociais,
desenvolvem estratégias denominadas Masking (ou, Mascaramento), em que aprendem a
imitar comportamentos alheios, performá-los para inserir-se e ser bem aceitas, mesmo
quando são sofridos ou não fazem sentido para si mesmas. Como diz Conceição:

Eu não acredito que o autismo é 4 por 1, eu acho que a mulher tem uma capacidade de
adaptação melhor, e se ela não tem um déficit intelectual...eu sou conhecida pelos
meus amigos por ser inteligente. Então eu vi o médico e a psicóloga bater muito na
tecla: “mas você dá conta de fazer as coisas”, como se autista não fosse capaz de fazer
as coisas. Então ainda tem um estereótipo muito fechado, que autista não vai dar conta,
e pro homem isso fica mais evidente. Nossa sociedade trabalha de um jeito que o
homem é mais dependente. Ele é criado com mais cuidado, a mulher tem que se virar
pra mostrar que ela é mulher. Ela vai lutar mais, vai ser mais sociável. Tem muitas
questões: um menino tímido chama atenção, mas menina tímida “é normal, melhor que
seja tímida”.

dupla vulnerabilidade³⁵
Mulheres autistas vivenciam, portanto, dupla vulnerabilidade: por serem neuroatípicas, e
mais vulneráveis a uma série de violências sexuais; e sendo do gênero feminino, mais
suscetíveis a realidade de exclusão, sofrimento e marginalização, na sociedade machista e
patriarcal. As expectativas colocadas no futuro de meninas e mulheres autistas, inclusive,
são diferenciais e podem gerar imenso sofrimento (acentuado no caso do diagnóstico
tardio), como exemplificado por Cora:

Quando minha mãe morreu e teve a reunião de todo mundo, minha tia falou
assim: “a sua mãe queria te castigar pelo jeito que você era”. Porque eu sempre
tive uma liberdade muito grande com a minha sexualidade [...] Quando minha
mãe morreu, foi um alívio porque eu deixei de ter esperança dela gostar de
mim.
Sexualidade e
Autismo
algumas habilidades sociais são importantes para
vivências positivas de sexualidade³⁶
Habilidades sociais, como comunicação, por exemplo, podem facilitar
relacionamentos. Em um estudo³⁷, adultos autistas indicaram sentirem-se românticos
e terem desejo de expressar carinhosamente seus sentimentos, mas apresentam
dificuldades para utilizar os termos e palavras que neurotípicos consideram
adequadas. Outras questões comunicativas, como a identificação de sentimentos
alheios em situações diversas; percepção de necessidades do outro e flexibilizações
de rotinas, hábitos ou interesses, podem facilitar a manutenção de relacionamentos.
Para o aprimoramento dessas habilidades, sugere-se intervenções específicas, como
o Treino de Habilidades Sociais³⁸.

É importante destacar, também, que as dificuldades em relacionamentos humanos


são comuns a todas as pessoas. Na atualidade, relações com amigos, parceiros
sexuais e/ou amorosos costumam ter regras não explícitas, comportamentos
imprevisíveis, expectativas irreais e pouca abertura para comunicação direta - nem
espaços onde se possa obter ajuda sobre isso.
Nossos participantes Cecília, Carolina e Conceição têm excelentes exemplos de
aspectos que lhe parecem difíceis ou estranhos em relacionamentos, especialmente
com neurotípicos:

Ser muito imprevisível, parece que as pessoas meio que agem de um jeito “ah, vamos
caminhando pra ver onde vamos chegar” e isso me causa bastante ansiedade. Também
uma certa tendência a pensar coisas e não falar, esperar que você adivinhe o que a
pessoa precisa, ou como você deve se comportar, ou quando você tenta oferecer apoio.
Não tem muita lógica no modo como os relacionamentos começam e terminam, né? [...] eu
acho que hoje nós vivemos numa era em que assim, as pessoas, se tornou muito fácil você
terminar um relacionamento e começar outro, então às vezes as coisas parecem acabar
mais ou menos assim: ah, se a conversa não me agradar, eu já paro, sabe? É muito difícil de
entender, é muito cansativo.

Eu acho difícil entender a comunicação deles pras coisas. Mas com relação à
sexualidade em si, o máximo que eu notei foi [...] deles serem a maioria
extrovertidos, ou mesmo algumas coisas me soam estranhas. Se eu derrubo
uma coisa e peço desculpas, eu realmente estou muito sentida e pedindo
desculpa, mas eu vejo que eles fazem isso da boca pra fora, então pra mim é
muito estranho.

Fingir orgasmo é uma coisa bizarra, não faz sentido. Mas as pessoas falam que
estão cansadas e preferem fingir. Mas elas dizem que tudo é no diálogo, elas
também ficam medindo o tamanho do pênis, é estranho.
17
Sexualidade e
Autismo
pode haver impactos na saúde mental relacionados à
vivência da sexualidade
Alguns estudos³⁹ indicam que dificuldades cotidianas relacionadas à sexualidade - a
exaustão devido a contatos sociais; receio de não corresponder às expectativas alheias;
esforços para encaixe-se no ideal normativo etc - promovem condições de saúde mental
como depressão, ansiedade, baixa autoestima e isolamento.
Por essa razão, indica-se que além das mudanças sociais e culturais, sejam oferecidos
serviços de acompanhamento, como psicoterapia, que possam apoiar pessoas autistas no
que diz respeito à sua sexualidade e à saúde mental como um todo. Hilda exemplifica:

Eu tive 2 crises de ansiedade


também que me deixaram 4
dias no hospital e eu falei
“isso não é normal, eu tenho
que ver o que é que está me
adoecendo”. E eu procurei
ajuda do CAPS e me disseram
“a gente vai te encaminhar", e
eu agradeço que a psicóloga
do CAPS era entendida de
autismo. Se eu tivesse uma
ajuda antes eu tinha evitado Adélia ilustra a importância de agir particularmente,
minhas duas crises nervosas mas não esquecer que o nível coletivo é que muitas
e teria entendido que eu vezes colabora para o adoecimento:
poderia ter continuado minha
faculdade sem medo, que se
eu tivesse contado a um
coordenador de curso, eles
poderiam fazer alguma coisa. .
A sexualidade é uma coisa muito importante na
vida de todos nós, autistas ou não, a gente tem
que ir à luta, não desistir quem somos, e aceitar
quem somos, e não deixar as pessoas
atrapalharem nossa vida, aquelas pessoas que
tentam rebaixar a gente.

18
Sexualidade e
Autismo
​pessoas autistas são mais vulneráveis à violências sexuais⁴⁰

Algumas variáveis que influenciam essa realidade são: dificuldades para compreender e/ou evitar
situações perigosas e danosas; ter suas denúncias desacreditadas; acesso limitado a
informações, que dificulta a percepção de uma situação como violenta.
Assim como a probabilidade de ser vítima é maior, é possível que se envolvam em situações
difíceis, como stalkear pessoas de seu interesse sem perceber limites aceitáveis, por exemplo.
Estes dados demonstram, mais uma vez, a importância de um programa de educação sexual
atencioso a pessoas autistas de todas as idades.

São pessoas que muitas vezes podem não conseguir identificar


de cara um abuso, não só um abuso sexual né, mas todos os tipos
de abuso que podem acontecer num relacionamento, sabe? Às
vezes não conseguem pegar uma maldade, ou talvez uma traição,
ou o fato de estar sendo usado [...] e é uma certa, não sei,
ingenuidade, uma falta de traquejo social para perceber quando
essas coisas estão acontecendo. Muitas vezes também por não
terem tido muito acesso à educação sexual de qualidade, seja na
escola, seja em casa, não saber identificar também sozinhas
quando uma situação é de abuso, mesmo de abuso sexual,
porque nem todo abuso sexual é necessariamente um estupro,
então às vezes a pessoa não consegue identificar e acaba
permitindo aquilo acontecer, mesmo nas amizades [...]

19
Sexualidade e
Autismo

a População lgbtqiAPN+ é expressiva no espectro

Há diversos estudos⁴¹ voltados ao objetivo de comprovar que existem mais pessoas com
identidades sexuais não normativas dentre autistas, em comparação com os neurotípicos,
como Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, ​Queer, Assexuais/Arromânticas,
Pansexuais, Não Binárias, Gênero Fluido e outros. Nossas participantes Carolina, Cora e
Clarice comentam:

Eu gosto de homens e travestis e mulheres trans. Eu nunca me


senti me encaixando como hetero porque desde que eu descobri
que existe travesti essa sempre foi a minha maior atenção. O meu
gosto desde a adolescência nunca foi tipo, "normal". Pra mim
mulher é zero atração, se houvesse uma ocasião e tivesse uma
mulher, beleza, eu faria porque tô ali, mas nossa não tenho o
mínimo interesse. Totalmente tranquilo.

São pessoas. [...] É um ser humano, se você gosta da pessoa,


funciona. Eu morei 6 meses com uma moça. É pessoa, ser humano,
o que eu valorizo é quem me trata bem, não me bate, tenho prazer
em conversar.

Olha, não sei falar disso como pessoas que estudam essas coisas, mas
acho que tem uma espécie de um degradê, eu acho que eu tenho por
homens, uma atração heterossexual, mas eu não acho que é pecado
algum, nenhuma coisa escabrosa sentir atração esporádica, pontual, sem
nenhum ataque de pelancas, por mulheres. Porque ué, qual o problema?
Se tiver um problema, então vamos conversar.

Existem abordagens⁴² que atribuem este dado a questões de neurociências, como o "Cérebro
Masculino", indicando que altos níveis de testosterona seriam responsáveis pela diversidade
sexual. Infelizmente, são estudos reducionistas, que desconsideram variáveis do desenvolvimento
humano, e pensam a sexualidade não normativa como uma patologia. O compromisso de áreas do
conhecimento preocupadas com os direitos humanos, como a Psicologia deve ser, é defender a
diversidade sexual como parte da humanidade.
Por isso, outras explicações possíveis para a questão da sexualidade não normativa no espectro
devem ser exploradas, e algumas perguntas interessantes seriam: haveria uma correlação entre
os maiores índices de homossexualidade e bissexualidade com o fato de que as pessoas
autistas são menos dependentes da opinião social alheia, desprendendo-se com maior
facilidade das regras heteronormativas? Poderia ser considerado que o maior número de
pessoas trans ou não binárias no diagnóstico TEA, se deve ao fato de que os engessados
papéis de gênero não foram apreendidos, como no caso de pessoas neurotípicas? Haveria mais
pessoas assexuais autistas porque a pressão social pela vivência díade da sexualidade é
menos sentida por essas pessoas?
20
Sexualidade e
Autismo

Cecília e Carolina tecem reflexões muito interessantes sobre isso:

[...] eu tenho visto em matéria de pesquisas, parece que lá fora elas estão um
pouco mais avançadas, que há uma incidência maior de pessoas que não se
conformam às regras de gênero, e não são heterossexuais, parece haver uma
incidência maior em pessoas com autismo. [...] E nesses grupos [online], eu
realmente vejo, raríssimas são as pessoas se conformam totalmente às regras
do que é considerado normal, né, em termos de sexualidade na nossa
sociedade.

Olha, parece que tem mais assexuais entre a gente, mais agêneros e mais trans.
Eu tenho essa impressão. E com os que são heteros, eles também estão mais
nessa pegada como eu falei, mais desinibição, não tem problema em testar
coisas diferentes [...] Tenho lido autistas de fora do Brasil que falam de alguma
coisa, não ligada à sexualidade, mas à forma de inibição, que eles também
notam que talvez tenha alguma coisa nisso, que eles não sentem também.

21
Sexualidade e
Autismo

Coisas que facilitam a vivência da sexualidade

Apoio familiar⁴³
Quando disposta a tratar o assunto com naturalidade, respeito e empatia, a família tem o
potencial de acolher, ensinar, apoiar, mediar relações. Vejamos o exemplo de Hilda:

Eu falo que minha sexualidade foi tranquila porque eu tive


um apoio de família, de uma tia, que mesmo sem entender
que eu era autista na época, permitiu que as clientes dela,
que eram lésbicas, me ajudassem. Elas sempre me deram
muita abertura, até porque eu não tenho uma facilidade de
diálogo com a minha mãe, então minha tia e minha avó
fizeram essa ponte. Eu falo que minha tia e minha avó são
culpadas pela minha felicidade hoje.

Amizades⁴⁴
Neurotípicos ou neurodivergentes, os amigos possibilitam a convivência em grupo - que
facilita o desenvolvimento de habilidades sociais, contato com novas pessoas, experiências
prazerosas, partilhas e acolhimento - além de serem fonte de aprendizado sobre
sexualidade e chance de observar outros pontos de vista e ideias. Ariano comenta:

Ter uma amiga-que-aconselha me ajuda bastante, ela fala


o que fazer. E quando a namorada fica brava ela me fala o
que fazer. Eu acho que a maior dificuldade é ter um
relacionamento. Eu costumo brincar que pra mim não
precisa nem conversar sobre sexualidade, porque é algo
que eu nunca vou usar. A maior dificuldade é conseguir
mesmo, sabe? Ter alguém. Até outro dia eu nem sabia
como achar os autistas na internet, foi a amiga-que-
aconselha que me falou.

22
Sexualidade e
Autismo

sinceridade e comunicação direta


Algumas características como a sinceridade, a verdade, a comunicação direta fazem
com que as relações de amizade, amorosas ou sexuais sejam muito positivas, e devem
ser valorizadas.

Naturalização da sexualidade
Para muitas pessoas autistas, como nossos participantes, a sexualidade é natural, e deve ser tratada
com menos embaraços. Isso resulta na facilidade com experimentações sexuais sem tabus ou
preocupações excessivas e diminuição dos preconceitos e julgamentos alheios.

Dentro delas, pra elas, sexualidade não


é problema nenhum. A falta de filtro faz
com que a sexualidade seja vista com
menos impedimentos sociais. Essa tabu
de beijar na rua “ai não pode beijar na
rua”, a gente não tem, então acho que
o autista deixa isso fluir com maior
naturalidade, parece que é uma coisa,
dentro desse tabu que você só é o que
você mostra pra sociedade, o autista
tem isso enfraquecido, não precisa dar
tanta satisfação social assim. Ele não
se influencia tanto pelo “não pode”, se
eu quero eu vou lá e faço. Eu entendo
que isso assusta.

singularidades
É claro que essas características, que facilitam as vivências da sexualidade e devem ser
valorizadas, não são generalizadas a todas as pessoas autistas. Da mesma forma, cada um tem
um conjunto de hábitos, manias, habilidades, dificuldades, que podem tornar as experiências e
relações muito prazerosas. Este reconhecimento deve existir, especialmente para que não haja a
impressão de que há somente aspectos difíceis ou negativos na vida com TEA.
23
Sexualidade e
Autismo
As relações amorosas e sexuais estabelecidas
são diversas⁴⁵
Tanto nos estudos lidos quanto nas entrevistas de nossos participantes, percebemos
que há formas diversas de viver a sexualidade.

vivências solo
Há pessoas que optam pelo não estabelecimento de relações com outras pessoas.
Algumas delas não sentem desejo ou necessidade de exercitar sua sexualidade; outras
encontram formas de expressão e prazer com alternativas, como nos contam Adélia e
Conceição

Eu gosto de ver animações hentari,


estilo de anime erótico, e agora tem Eu me sinto excitada por
estilo furry, tem de ficção científica, e coisas estranhas. Slime.
tal, essas coisas. Quando eu tenho Aquela coisa me deixa
vontade de ver, eu vejo. Às vezes eu excitada, mas é uma coisa
gosto de ficar vendo pra me inspirar estranha. Não me sinto muito
pra pôr nos meus desenhos, que eu sexualmente atraída pelas
gosto muito de fazer. Sou autodidata, pessoas.
aprendi a desenhar sozinha. Foram os Mas tipo eu não quero enfiar
desenhos que me ajudaram a me o slime, mas tem algumas
comunicar com a minha mãe. Eu não texturas que me dão prazer.
falava até os cinco anos. Então os
desenhos ajudou a comunicar.

vivências acompanhadas positivas


Algumas de nossas participantes relataram ter encontrado em relações
amorosas e sexuais companheirismo, apoio, cuidado e conexão intelectual:

Eu me sinto a pessoa mais sortuda do mundo. Meu


marido estudou pra me ajudar, ele me enxergou, quis
me entender. O que hoje define relacionamento pra
mim não é sexo: é bondade, companheirismo, nossa,
se sexo vier é maravilhoso, e eu tô na minha melhor
fase, nunca estive tão bem, feliz e realizada, e é uma
conquista dele, ele que me ajudou.
24
Sexualidade e
Autismo
vivências acompanhadas negativas
Algumas participantes da pesquisa relataram experiências de vivências amorosas violentas,
de natureza psicológicas, físicas e sexuais, demonstrando a urgente necessidade de ações
protetivas, com informações sobre identificação de relacionamentos abusivos, e de
estabelecimento de estratégias de recusa e busca de apoio.

Eu apanhei e sofri Me deu muito


um estupro. Da trabalho, já me
última vez que eu humilhou, já me
tive problema, fez coisa horrível.
quando a pessoa Eu tenho medo de
me agrediu eu me relacionar e
machuquei a mão passar pelo que
e tive que operar eu sofri
o dedo. anteriormente.

experiências consideradas tardias


Relata-se experiências consideradas tardias quando comparadas com amigos e pares,
especialmente neurotipicos. Interessante discutir a não normatização do tempo para
vivver experiências, para que as pessoas não sintam essa frequente sensação de que
“estão atrasadas”

Não tive relacionamento até os 32 anos de idade,


nunca dei um beijo, nunca tive nenhum namorico
antes disso

Uso dos brinquedos eróticos


As participantes relataram uso de brinquedos eróticos, indicando serem prazerosos para
experiências solo ou acompanhadas, e comentaram que poderia haver adequações para autistas,
como a diminuição do barulho de funcionamento, adaptações sensoriais e alça de apoio para
quem tem dificuldades motoras. Citou-se, ainda, necessidade de orientações e dicas sobre como
pedir ao outro para utilizar os brinquedos, além de espaços privativos para explorar os objetos, já
que os sex shop costumam ser expostos.

25
Sexualidade e
Autismo
Saúde sexual⁴⁶
Observou-se que as participantes mulheres têm hábitos de monitoramento da saúde sexual mais
frequentes, fortalecendo a ideia de que a atenção aos homens deve melhorar.
As mulheres demonstraram, como um todo, serem mais informadas com relação a métodos
contraceptivos, como é possível ver na fala de Carlos:

Eu nunca coloquei uma camisinha, mas eu sei mais ou


menos como coloca, segurar a pontinha e tal. E
durante um período eu tinha 2 camisinhas na minha
carteira, mas a chance de eu encontrar uma namorada
é zero. Eu não tenho tanta informação sobre método
contraceptivo. Eu tenho as que foram dadas na escola
e as poucas que eu peguei na internet. O que eu iria
fazer [se tivesse uma relação sexual] é usar camisinha
e pedir para tomar a pílula. Mas, essa não é a que
aborta não, né?

As participantes falaram sobre os impactos da menstruação em sua vida, como no caso de Adélia:

A minha menstruação veio aos 11 anos, eu lembro até


hoje quando eu menstruei. E agora tô tomando
anticoncepcional para parar de ter aquelas cólicas, eu
tive cólicas muito fortes no passado, ficava de cama
chorando de dor mesmo, parecia um pesadelo, parecia
que tinha alguma coisa arrancando de dentro de mim. Aí
então, tomando anticoncepcional tá me ajudando. Eu
quero mesmo parar de menstruar, porque eu não
aguento mais, é muito chato, mexe em tudo comigo.
Fica triste, fica feliz, fica magro, xinga os outros, eu não
gosto muito não, porque antes de menstruar me dava
dores de cabeça, me dava diarréia, ansiedade. 26
Caso haja interesse, o detalhamento
sobre o que os estudos científicos
dizem sobre autismo e sexualidade
podem ser lidos na pesquisa¹

os primeiros trabalhos com foco em sexualidade e autismo


publicados como artigos científicos são da década de
1980, mas a produção se intensificou nos últimos dez anos.

Sugerimos que interessados pelo assunto continuem lendo e se atualizando sempre que
possível - pois a ciência muda, evolui, descobre e desconstrói a todo tempo!

outros tipos de materiais podem contribuir para que a


compreensão sobre a sexualidade de adultos autistas se
expanda, como livros, vídeos publicados nas mais diversas
plataformas, documentários, resenhas, biografias,
magazines...

Para que bons programas de educação sexual sejam planejados, dados como estes até
aqui apresentados devem ser levados em consideração, especialmente aqueles
produzidos por pessoas no espectro.

27
Promovendo Educação
Sexual

Familiares, profissionais e demais interessados em promover programas de Educação Sexual a


autistas podem utilizar as informações dos próximos tópicos em seu trabalho:

entre educação sexual formal ou informal


Sabemos que no Brasil, por não haver políticas de incentivo, a educação sexual ocorre de
maneira muito informal. É importante que as pessoas dispostas a realizarem programas para
adolescentes e adultos autistas saibam que, por meio de suas ações, diálogos e exemplos,
promovem o ensino sobre sexualidade a todo tempo. Entretanto, realizar um planejamento
formal, organizado e adaptado, faz com que a eficácia da aprendizagem seja maior. Assim,
sugere-se que juntamente às interações cotidianas e informais, haja momentos dedicados
especificamente a isso.

adaptando de acordo com os métodos de ensino


É interessante que as sugestões elencadas a seguir sejam adaptadas à realidade de cada
pessoa. Assim, se o método de ensino de habilidades utilizado é baseado na Análise do
Comportamento, por exemplo, pode-se adequar as ideias a esta proposta. Quando questionadas
sobre "qual a melhor forma de ensinar sobre sexualidade?", costumamos responder com a
reflexão "qual forma de ensinar funciona bem para esta pessoa?".
Incentivamos, portanto, que os projetos sejam delineados de acordo com a base filosófica-
metodológica já utilizada na psicoterapia, aulas, intervenções grupais, momentos de ensino etc.

selecionando responsáveis pela promoção da educação


sexual
Estudos⁴⁷ indicam que não faz sentido atribuir o processo de educação sexual a somente uma
pessoa, afinal, informalmente aprende-se com as ações cotidianas de todos ao redor. Entretanto,
para as ações formais, é comum ter um ou mais líderes responsáveis pela elaboração do projeto.
O importante é que os participantes, os líderes do projeto e outras pessoas importantes de seu
dia-a-dia estejam em comunicação, apoiando-se e aprendendo mutuamente.
Caso os familiares não se sintam preparados para liderar um projeto de educação sexual, podem
contratar profissionais como psicólogos, professores, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos,
enfermeiros ou outros que tenham disposição para estudar o assunto e cumprir uma proposta
convergente à realidade das pessoas envolvidas.

sempre bom lembrar: cuidado para não infantilizar


participantes adolescentes e adultos!
Promovendo Educação
Sexual

dicas fornecidas pelos estudos científicos⁴⁸

​Os estudos revisados elencaram sugestões de como programas de intervenção


podem ser estruturados:

- Com linguagem simples, direta, descritiva, detalhada e sempre que possível literal;

- Com recursos concretos;

- Com apoio de recursos visuais;

- Repetidas quantas vezes forem necessárias;

- Se possível, com momentos individuais e grupais, para o ensino de habilidades


particulares e outras melhores desenvolvidas coletivamente;

- Em ambientes artificiais e naturais, como clínicas e espaços que a pessoa


frequente habitualmente;

- Currículo organizado considerando as características específicas do autismo;

- Considerar conteúdos como satisfação na vida sexual, normativas e diversidade


humana, combate aos estereótipos, expectativas irrealistas acerca da sexualidade,
riscos sexuais, métodos contraceptivos, sexo menos doloroso e conhecimentos
gerais sobre sexualidade;

- Objetivo de diminuir a vitimização sexual;

- Promoção de treino habilidades sociais e comunicação para relacionamentos,


abordar regras sociais e comunicação;

- Incorporação de diálogos sobre as dificuldades sensoriais e estratégias a serem


desenvolvidas para melhorar o bem-estar.

29
Promovendo Educação
Sexual

Além dessas dicas, os líderes de projeto de educação sexual devem se atentar aos
dados expostos sobre o que os estudos científicos trazem acerca da sexualidade e
autismo na vida adulta, pois podem extrair dali outros conteúdos ou ideias para seus
programas.

5 passos para elaboração de um projeto⁴⁹

Sugerimos alguns passos para a elaboração do projeto baseados no artigo de Maia


e Ribeiro (2011):

1) Um programa deve advir de aceitação e colaboração de


todos os agentes educativos envolvidos;

2) a discussão sobre sua implementação deve ser ampla e


integrar todos os envolvidos;

3) os objetivos devem corresponder às demandas dos


participantes;

4) devem ser oferecidas capacitações aos educadores


envolvidos;

5) dentre os recursos utilizados, citam-se vídeos,


dramatizações, dinâmicas, construções coletivas, exposições
e discussões, recursos simbólicos como fantoches, sempre
embasados nos direitos sexuais.

30
Promovendo Educação
Sexual

podemos ver alguns exemplos em um trecho de artigo que


publicamos sobre o assunto⁵⁰:

Conteúdos Estratégias

Dramatizações, onde membros dos


Rastreamento de grupos de pessoas grupos representam papéis ou sugerem
com interesses em comum, e ações aos colegas que estão atuando,
engajamento em encontros e sobre experiências amorosas e sexuais.
convivências com eles Este exercício poderia ser enriquecido
(especialmente na busca por ao considerar relatos previamente
parceiros amorosos, sexuais ou de coletados com os participantes, de
amizade) situações vivenciadas por eles mesmos.
Após descrição de um enredo inicial
com situação-problema, seriam
propostas perguntas na tentativa de
encontrar soluções, como: “Luiz está
Comunicação assertiva e interativa, interessado em uma colega de trabalho,
demonstrando interesse e mas não sabe como identificar se ela
curiosidade sobre o próximo, corresponde seu interesse. O que Luiz
dosando o uso do humor e da poderia observar mais atentamente?”.
sinceridade e alternando entre Espera-se que os membros do grupo
assuntos sérios e descontraídos proponham soluções a partir de suas
múltiplas vivências e informações. No
caso da não resolução da problemática,
os mediadores poderiam intervir,
demonstrando comportamentos
socialmente habilidosos, explicando-os
detalhadamente, e oportunizando que
Aceitação das negativas alheias
os participantes imitem, repitam,
questionem e repliquem.

31
Promovendo Educação
Sexual

Conteúdos Estratégias

Para as habilidades que exigem


Moderação com relação a impulsos
observação atenta pode-se usar
ou hábitos (como repetir a relação
recursos audiovisuais, tais como filmes
sexual excessivamente, insistir no
e séries, que têm como vantagem a
comunicar-se por horas a fio sobre o
oportunidade de analisar e reanalisar
mesmo hiperfoco ou falar sobre si
uma cena pelo grupo quantas vezes
mesmo insistentemente).
forem necessárias, e em velocidades
Compreensão das fronteiras sociais, mais pausadas. Cenas de interação,
espaços que as pessoas precisam e como conversas informais, podem ser
os sinais que elas dão sobre isso. úteis na identificação de sinais de tédio
alheio em meio a uma conversa, ou
sinais sutis que indicam o momento de
Leitura de sinais sociais (interesse
falar e de ouvir, alternadamente. Após a
amoroso ou sexual do outro,
identificação de tais sinais, os
situações potencialmente perigosas,
mediadores devem fornecer espaço
relacionamentos abusivos ou
para discussão, exercício e treino, já
violentos).
que a observação, exclusivamente, não
será suficiente à generalização de tal
habilidade para situações naturais.

Construções coletivas como jornais,


vídeos e estudos podem ser conduzidas
para que as pessoas autistas reconheçam
Valorização das características do
seus potenciais e defendam maneiras não
TEA e abertura para vivências
normativas de vivenciar a sexualidade. Os
neuroatípicas da sexualidade
resultados dessas construções podem
ser compartilhados com a população em
geral.

32
Promovendo Educação
Sexual

experiências exitosas podem ser acessadas para inspirar


projetos de educação sexual

Um estudo⁵¹ propôs um grupo focal para que 18 adultos TEA/S1 expressassem


suas dificuldades sociais. Nos encontros, surgiram dúvidas de diversas naturezas,
sendo muitas relacionadas à sexualidade. Questionou-se, por exemplo, como
estabelecer relacionamentos, e as soluções coletivas criadas foram “não bater nas
pessoas” e “ser legal com elas”. Dúvidas acerca das sutilezas humanas foram
comentadas pelos participantes, tais quais “como manejar uma conversa?” e “como
comportar-se adequadamente perto de alguém do sexo oposto?”.

​ s programas existentes para promoção de educação sexual de pessoas TEA/S1


O
são essencialmente voltados ao público adolescente. O Tackling Teenage Training
Program (TTT)⁵², estruturado para aplicação em 18 sessões, propõe exercícios
sobre as categorias temáticas: discussão da puberdade; aparência; primeiras
impressões; desenvolvimento físico e emocional; como fazer amigos e manter
amizades; se apaixonando e tendo um encontro; sexualidade e sexo; orientação
sexual, masturbação e relação segura; gravidez; estabelecendo e respeitando
limites, e uso da internet.

33
Promovendo Educação
Sexual 7

materiais de apoio
Existem poucos materiais de apoio criados especificamente para educação sexual de
pessoas autistas, como o Taking Care of Myself⁵³. Por isso, sugere-se o uso de materiais
utilizados em projetos de educação sexual como um todo, que possam ser adaptados às
necessidades específicas das pessoas que participarão do projeto. Vamos ver alguns
exemplos:

kits de educação sexual⁵⁴


Empresas especializadas vendem kits para a realização de intervenções em educação
sexual, com itens como: protótipos de pênis e vulva; exemplares de métodos
contraceptivos; folhetos explicativos, absorventes, líquido sintético para demonstração
da textura do sêmen etc. Eles são especialmente interessantes para as pessoas com
TEA devido à sua concretude. É possível criar um kit comprando os itens separadamente
e de acordo com a necessidade do projeto específico.

Materiais lúdicos e simbólicos


Há materiais, como os bonecos sexuados, que possibilitam a discussão de assuntos
como relação sexual, parto e outros aspectos biológicos de forma mais lúdica. São
bonecos, normalmente confeccionados em tecidos, que possuem seios, vulva, pênis,
escrotos, ânus, e no caso da modelo grávida, possibilidade de simular o parto vaginal
com um bebê.

34
Palavras Finais

Este material não foi escrito com a intenção de esgotar o tema ou dar
direcionamentos restritos. Sendo sobre uma temática bastante nova tanto no
campo científico quanto na prática cotidiana, percebemos ser necessário publicar
algo inicial, aberto a modificações, atualizações e sugestões conforme o público
interessado demande e os estudos indiquem.

Este material é dedicado aos nove participantes que


ofereceram seu tempo, expuseram suas ideias e
intimidades tão generosamente.
seus relatos e histórias ilustram os estudos científicos
e ensinam, didática e humanamente, como pensar suas
necessidades e potencialidades.

É dedicado também a todos os adultos autistas, com quem o mundo tem sido tão
pouco gentil.

Estaremos à disposição por meio dos contatos abaixo:

Ana Carla Vieira Ottoni


[email protected]

Ana Claudia Bortolozzi


[email protected]
35
Referências

1. Tese "Sexualidade, autismo e vida adulta: contribuições para educação sexual", defendida
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem,
UNESP/Bauru, autoria de Ana Carla Vieira Ottoni, sob orientação de Ana Claudia Bortolozzi -
pode ser encontrada nos mecanismos de busca do repositório institucional
2. Diverso Singular é um projeto de atendimentos clínicos e divulgação científica, criado para
comunicação com a comunidade de adultos autistas e divulgação dos dados da Tese,
inclusive este material informativo. O perfil é público e pode ser acessado com o termo
@diverso.singular no item de busca do aplicativo online Instagram.
3. DONVAN, J.; ZUCKER, C. Outra Sintonia: a história do autismo. Companhia das Letras, 2017.
4. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais. 5 ed. Porto Alegre: ARTMED, 2014.
5. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. ICD 11 Coding Tool. Disponível em:
https://icd.who.int/ct11/icd11_mms/en/release. Acesso em: 02 de jan/2022.
6. GRANDIN, T.; PANEK, R. O cérebro autista: pensando através do espectro. Editora Record,
2015.
7. ROBISON, J. E. Olhe nos meus olhos: minha vida com Síndrome de Asperger. Editora
Larousse, 2008.
8. O Instituto Autismo e realidade sugere uma lista de militantes autistas com perfis online para
interação no link: https://autismoerealidade.org.br/2021/03/25/autistas-influenciadores/
9. O site The Might publicou uma lista de influenciadores autistas estrangeiros no link:
https://themighty.com/2019/08/actually-autistic-instagram/
10. Em nossa pesquisa, interagimos nos grupos "Jovens Autistas Aspergers" e
"Autismo/Asperger/São Paulo", na rede social Facebook. Há grupos também nas
plataformas Telegram, Whatsapp, Discord, que podem ser encontrados utilizando as
palavras-chave Autismo, Asperger e TEA.
11. Algumas sugestões por nós visitadas, as quais recomendamos, são: Temple Grandin, Mary e
Max: uma amizade diferente, Rain Man, Uma viagem inesperada, Loucos de amor, Adam,
Atypical, O farol das orcas, Meu nome é Radio, X + Y: a brilliant young mind, Amor no
Espectro.
12. OTTONI, A. C. V.; MAIA, A. C. B. Série Atypical: vivências sociais, afetivas e sexuais de um
jovem com autismo. Em: CARVALHO, L. R. S.; MAIA, A. C. B. (Org.). Leituras sobre a
sexualidade em filmes, vol. 2. São Carlos: Pedro & João editores, 2019, p. 15-37.
13. ORTEGA, F. Deficiência, autismo e neurodiversidade. Ciência e Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p.
67-77, 2009.
14. OMOTE, S. Normalização, integração, inclusão...Revista Ponto de Vista, v. 1, n. 1, 1999.
15. MAIA, A. C. B.; RIBEIRO, P. R. M. Educação sexual: princípios para ação. Doxa, v. 15, n. 1, p.
75-84, 2011.
16. WEREBE, M. J. CHAUÍ, M.; KEHL, M. R. Educação Sexual: instrumento de democratização ou
de mais repressão? Cadernos de Pesquisa, v. 31, 1981.
17. VIEIRA, A. C.; MAIA, A. C. B. A educação sexual na vertente biológica: perspectiva de
dirigentes de uma escola pública de ensino fundamental. Revista Relpe, v. 2, n. 1, 2016.

36
Referências

18. BRASIL. Lei n˚ 12.764 de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção
dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei no
8.112, de 11 de dezembro de 1990. Brasília: 2012. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Data de acesso: 02
de jan. de 2022.
19. BRASIL. Lei n˚ 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília: 2015. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm >. Data de acesso: 02
de jan. de 2022.
20. MAHONEY, A.; POLING, A. Sexual abuse Prevention for People With Severe Developmental
Disabilities. Journal of Developmental Disabilities, v. 23, p. 369-376, 2011.
21. ROSQVIST, H. B. Becoming an ‘Autistic Couple’: Narratives of Sexuality and Couplehood
Within the Swedish Autistic Self-advocacy Movement. Sexuality and Disability, v. 32, p. 351-
363, 2014.
22. Artigos A1, A3, A4, A5, A6, A8, A10, A11, A12, A13, A14, A15, A16, A17, A18, A19 da lista
inserida ao final deste documento.
23. NEWPORT, J.; NEWPORT, M. Autism-Asperger’s & sexuality – puberty and beyond.
Arlington, Texas: Future Horizons, 2002.
24. Artigo A12 da lista inserida ao final deste documento.
25. Artigo A13 da lista inserida ao final deste documento.
26. Artigos A10 e A14 da lista inserida ao final deste documento.
27. Artigos A9 e A10 da lista inserida ao final deste documento.
28. NEWPORT, J.; NEWPORT, M. Autism-Asperger’s & sexuality – puberty and beyond.
Arlington, Texas: Future Horizons, 2002.
29. KOCK, E.; STRYDOM, A.; O’BRADY, D.; TANTAM, D. Autistic women’s experience of intimate
relationships: the impact of an adult diagnosis. Advances in autism, v. 5, n. 1, 2019.
30. KLIN, A. Autismo e Síndrome de Asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de
Psiquiatria, v. 28, p. S3-S11, 2006.
31. Artigo A14 da lista inserida ao final deste documento.
32. CAMARGOS JR, W; TEIXERA, I. A. Síndrome de Asperger em mulheres. Em: CAMARGOS JR.
Síndrome de Asperger e outros Transtornos do Espectro do Autismo de Alto Funcionamento:
da avaliação ao tratamento. Belo Horizonte: Artesã, 2013. p. 87-106.
33. PASCHOAL, A. Autismo em mulheres: o mito do 4 para 1. Comunicando Direito, [s.l].
Disponível em: http://comunicandodireito.com.br/autismo-em-mulheres-o-mito-do-4-para-1.
2019. Acesso em 06 de agosto de 2020. / PEREIRA, A. K. M.; SOUTO, V. T. A cor do autismo e
sua relevância na representação simbólica de mulheres. Anais do 9ºCongresso Internacional
de Design da Informação, p. 1403-1411, 2019.
34. MAIA, A. C. B.; NAVARRO, C.; MAIA, A. F. Relações entre gênero e escola no discurso de
professoras de ensino fundamental. Revista Psicologia da Educação, n. 32, p. 25-36, 2011.
35. SALA, G.; HOOLEY, M.; STOKES, M. A. Romantic Intimacy in Autism: A Qualitative Analysis.
Journal of Autism and Developmental Disorders, 2020.
36. STOKES, M.; NEWTON, N.; KAUR, A. Stalking, and Social, and Romantic Functioning Among
Adolescents and Adults with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental
Disorders, v. 37, n. 10, p. 1969-1986, 2007.

37
Referências

37. Artigo A15 da lista inserida ao final deste documento.


38. BOLSONI-SILVA, A. T. Habilidades sociais: breve análise da teoria e da prática à luz da
análise do comportamento. Interação em Psicologia, v. 6, n. 2, p. 233-242, 2002.
39. Artigos A13 e A15 da lista inserida ao final deste documento.
40. Artigos A7, A11 e A19 da lista inserida ao final deste documento.
41. Artigos A4, A6, A8, A10, A13, A16 e A18 da lista inserida ao final deste documento.
42. Artigos A4 e A6 da lista inserida ao final deste documento.
43. VIEIRA, A. C. Sexualidade e Transtorno do Espectro Autista: relatos de familiares. 2016.
164 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Faculdade de Ciências. Bauru, 2016.
44. NEWPORT, J.; NEWPORT, M. Autism-Asperger’s & sexuality – puberty and beyond.
Arlington, Texas: Future Horizons, 2002.
45. MOGAVERO, M. C.; HSU, K. Dating and Courtship Behaviors Among Those with Autism
Spectrum Disorder. Sexuality and Disability, v. 38, p. 355-364, 2019.
46. RUIZ, J. M.; DE TILIO, R. Análise do discurso sobre gênero e cuidados em saúde de homens
internados num hospital. Psicologia Política, v. 20. n.47, p. 132-148, 2020.
47. VIEIRA, A. C. Sexualidade e Transtorno do Espectro Autista: relatos de familiares. 2016.
164 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Faculdade de Ciências. Bauru, 2016.
48. KOLLER, R. Sexuality and Adolescents with Autism. Sexuality and Disability, v. 18, n. 2, p.
125-135, 2000. / SOLOMON, D.; PANTALONE, D. W.; FAJA, S. Autism and Adult Sex Education: A
Literature Review Using the Information–Motivation–Behavioral Skills Framework. Sexuality and
Disability, v. 37, 2019.
49. MAIA, A. C. B.; RIBEIRO, P. R. M. Educação sexual: princípios para ação. Doxa, v. 15, n. 1, p.
75-84, 2011.
50. OTTONI, A. C. V.; BORTOLOZZI, A. C.; VILAÇA, M. T.; LEÃO, A. M. C. Estratégias para a
educação sexual de adultos com Transtorno do Espectro Autista. Revista Brasileira de
Sexualidade Humana, v. 32, n. 1, 2021.
51. Artigo A1 da lista inserida ao final deste documento.
52. DEKKER, L. P.; VEGT, E. J. M. van der; VISSER, K.; TICK, N.; BOUDESTEIJIN, F.; VERHULST,
F. C.; MARAS, A.; GREAVES-LORD, K. Improving Psychosexual Knowledge in Adolescents with
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54. As fotos utilizadas no documento foram copiadas da página da Semina Educativa, uma
empresa que comercializa materiais de educação sexual, meramente a título ilustrativo.

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