Apostila de Arteterapia Historia e Conceito

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ARTETERAPIA: HISTÓRIA E
CONCEITO
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ARTETERAPIA: HISTÓRIA E CONCEITO

DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES
Segunda a Sexta das 09:00 as 18:00

ATENDIMENTO AO ALUNO
[email protected]
3

SUMÁRIO

Definição de Arte-Terapia .......................................................................................... 4

Fantasia, imaginação e simbolismo ........................................................................... 8

Arte-Terapia e a Educação Artística ......................................................................... 13

A História da Arte-Terapia ........................................................................................ 21

A abertura aos sentimentos românticos ................................................................... 22

De volta para o futuro – A Arte Moderna .................................................................. 25

A Arte Bruta ............................................................................................................. 27

Os pioneiros da Arte-Terapia ................................................................................... 28

A criação artística na Arte-Terapia - Características e particularidades ................... 29

A armadura, o escudo e arte – Mecanismos de defesa na criação .......................... 35

Arte-Terapia e criatividade ....................................................................................... 39

Dar forma às emoções - Arte-Terapia e a experiência estética ................................ 43

Os mediadores artísticos ......................................................................................... 46

A relação com o material mediador .......................................................................... 50

Criar e construir - o fazer com o material ................................................................. 54

A matéria, o imaginário e os seus símbolos ............................................................. 57

Potencialidades simbólicas e criativas dos mediadores artísticos ............................ 60

Particularidades do mediador artístico: expressão plástica ...................................... 65

Desenho .................................................................................................................. 65

Pintura ..................................................................................................................... 69

Colagem .................................................................................................................. 74

Modelagem em barro ............................................................................................... 77

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 85
4

Definição de Arte-Terapia

A Arte-Terapia é definida como um método de tratamento terapêutico para o


desenvolvimento pessoal, que faz uso e integra diferentes mediadores artísticos. A
relação terapêutica é estabelecida através da interação entre o paciente,
considerado o ‘criador’, o objeto de arte, que é a ‘criação’ executada no setting, e o
arte-terapeuta, utilizando recursos como a imaginação, o simbolismo e as metáforas.
Este contexto facilita a comunicação, a reorganização dos contúdos internos, a
expressão emocional significativa e o aprofundar do conhecimento interno,
libertando a capacidade de pensar e a criatividade (Carvalho, 2001).
Por conseguinte, compreendemos que a Arte-Terapia pressupõe ‘relação’,
cuja dinâmica é triangular: entre o paciente, a criação e o terapeuta. O ato de
criação não se dá por si só, mas sob o estabelecimento de um vínculo de confiança
proporcionada pela aliança terapêutica, numa relação dialógica.
Apesar de se centrar na comunicação através de formas de expressão
artísticas, por vezes a Arte-Terapia é incorretamente rotulada como uma terapia ‘não
verbal’. Conforme o ponto de vista da arte-terapeuta americana Cathi Malchiodi
(2005: 4), a Arte-Terapia utiliza-se dos dois tipos de comunicação: verbal e não-
verbal. Isto porque a expressão verbal de pensamentos e sentimentos também faz
parte do processo na maioria das situações. Por essa razão, a auto-expressão em
Arte-Terapia geralmente envolve também a reflexão verbal, a fim de ajudar os
indivíduos a encontrarem sentido nas suas experiências, sentimentos e perceções.
O que acontece é que a Arte-Terapia é bem usufruída focando-se unicamente na
expressão não-verbal, por crianças com uma linguagem limitada por exemplo, ou
por uma pessoa idosa que perdeu a capacidade de falar por causa de um acidente
vascular cerebral ou demência, ou ainda uma vítima de um trauma, que pode ser
incapaz de colocar suas ideias verbalmente. A comunicação verbal faz parte da
elaboração do conteúdo expresso artisticamente, mas esta não é essencial, ou seja,
não é fundamental para o desenvolvimento de um processo arteterapêutico. Através
das artes, da música, do movimento corporal ou do jogo lúdico, pode-se transmitir
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profundos sentimentos, sem palavras, sendo nesse momento a principal forma de


comunicação em terapia.
Os arte-terapeutas espalhados por todo mundo geram muitas definições de
ArteTerapia, mas a maioria, observa Malchiodi (2005: 256), parece que se divide em
duas categorias gerais. A primeira é baseada na afirmação de que o processo
criativo pode ser também um processo terapêutico, definido-a como “arte como
terapia”. O fazer artístico é visto como uma experiência que oferece a oportunidade
de se expressar com imaginação, autenticamente e espontaneamente. Um processo
que, ao longo do tempo, leva à realização pessoal, reparação emocional e
transformação a nível psíquico.
Uma visão holística e extensiva do ser humano é empregada na Arte-Terapia,
sendo uma prática terapêutica que objetiva resgatar, não só a dimensão integral do
sujeito, mas também os seus processos de autoconhecimento e de transformação
pessoal. É objetivo ainda, através da criação artística, resgatar a produção de
imagens, a autonomia criativa, o desenvolvimento da comunicação, a valorização da
subjetividade, a liberdade de expressão, o reconciliar de problemas emocionais e a
sua função catártica (Valladares, 2005: 15). A ArteTerapia sobressai pela sua
transdisciplinaridade e pela sua vasta aplicação, tendo pouca ou nenhuma
contraindicação.
Angela Philippini, uma das pioneiras da Arte-Terapia no Brasil, diretora da
Clínica Pomar no Rio de Janeiro, argumenta que o processo arte-terapêutico permite
que simbolicamente, e de forma perene, através das atividades expressivas, sejam
retratadas com precisão as sutis transformações que marcam o desenrolar da
existência, documentando seus contínuos movimentos do vir a ser, que se
configuram e materializam conflitos e afetos. Nesse contexto, o “fazer terapêutico”
expressa a singularidade e identidade criativa de cada um. A descoberta gradual, de
eventos psíquicos cujo significado antes era obscuro, amplia possibilidades de
estruturação da personalidade, ativa potencialidades e contribui para a construção
de modos mais harmônicos de comunicação, interação, e de “estar no mundo”
(Philippini, 2004: 15).
Com tradição de algumas dédacas nesta área, o Brasil é um país que conta
com dezenas de associações de Arte-Terapia. A arte-terapeuta Selma Ciornai, com
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um trabalho de relevo em São Paulo, define-a como “um campo de interface com
especialidade própria, pois não se trata de simples junção de conhecimentos de Arte
e Psicologia. Isso significa que não basta ser psicólogo e gostar de arte, ou, ser
artista/arte-educador e gostar de trabalhar com pessoas com dificuldade especiais
para tornar-se arteterapeuta” (Ciornai, 2004: 7). Esse ponto de vista é partilhado por
todos os arte-terapeutas com formação específica. Esta profissão é frequentemente
desvalorizada, submetendo-se a uma visão de pouco crédito por parte de outros
profissionais, por causa da falta de recursos teóricos e técnicos de pessoas que se
autointitulam arte-terapeutas.
A Associação Britânica de Arte-Terapia (BAAT) define-a como uma forma de
psicoterapia que utiliza os meios da arte como seu principal modo de comunicação,
onde o paciente não precisa ter experiência anterior ou habilidade na arte e o arte-
terapeuta não se preocupa em fazer avaliação estética ou de diagnóstico da criação
do paciente. O objetivo global da Arte-Terapia é permitir que a pessoa efetue
mudanças, e promover o seu crescimento pessoal através do uso de materiais
artísticos, num ambiente seguro e de facilitação. Também coloca enfase na relação
entre o terapeuta e o paciente, sendo esta de importância central, mas aponta que a
Arte-Terapia difere de outras terapias psicológicas em que este é um processo de
três vias entre o paciente, o terapeuta e a criação. Assim, oferece a oportunidade de
expressão e comunicação. É particularmente útil para pessoas que têm dificuldade
em expressar seus pensamentos e sentimentos verbalmente.
A Associação Americana de Arte-Terapia (AATA) converge com uma
definição bem semelhante às citadas anteriormente, definindo-a como uma profissão
da área de saúde mental que utiliza o processo criativo em arte para melhorar e
aprimorar o físico, mental e emocional bem-estar dos indivíduos de todas as idades.
Confirma a AATA que o processo criativo envolvido na expressão artística ajuda as
pessoas a tornarem-se fisicamente, mentalmente e emocionalmente mais saudáveis
e funcionais, a resolverem conflitos e problemas, desenvolverem habilidades
interpessoais, gerenciarem o comportamento, reduzirem o estresse, lidarem com
ajustes de vida e alcançarem insight.
Apesar de ter cerca de 70 anos de prática, sendo encontrada em
praticamente todos os países, já podemos encontrar definições de Arte-Terapia
7

semelhantes, mas métodos de aplicação completamente díspares, por


consequência da falta de reconhecimento legal enquanto profissão de arte-
terapeuta. Podemos confirmar que somente em Inglaterra é reconhecida como
profissão com legislação própria. Isso origina a falta de uniformização na prática da
Arte-Terapia, e também uma grande ignorância sobre o assunto pela sociedade em
geral, levando o arte-terapeuta a ser confundido com um arte-educador, um
terapeuta ocupacional, um animador cultural, ou mesmo um psicólogo que recorre
às artes e um artista com bases de psicologia.
Tal origina, em todo mundo, muitas formas de aplicação da Arte-Terapia, com
diversas bases teóricas e com várias abordagens. Além de Inglaterra, não temos
conhecimento de um curso universitário em Arte-Terapia, como uma licenciatura,
sendo na maioria dos países uma formação de especialização (ou pós-graduação).
Selma Ciornai comenta que normalmente cada profissional insere a Arte-Terapia na
sua área de atuação profissional (normalmente de áreas clínicas, sociais ou
educacionais). Isso interfere no método que cada um pratica, mas, no entanto, não
se pode perder de vista que a Arte-Terapia enquanto método de tratamento
terapêutico possui características e fatores que a definem de maneira muito precisa,
partilhada por todos os profissionais com uma formação sólida e com vasto
conhecimento teórico e metodológico da abordagem (Ciornai, 2004: 8).
Numa tentativa de organizar e unificar a sua prática, nos vários países onde
se pratica a Arte-Terapia, são instituídas informalmente, ou seja, sem
reconhecimento governamental, associações profissionais que promovem a
formação de arte-terapeutas ou pós-graduações em Arte-Terapia, regem as regras
de atuação dos arte-terapeutas e promovem-lhes habilitações.
É necessário afirmar que a Arte-Terapia possui parâmetros técnicos próprios,
construídos a partir de uma experiência clínica de mais de meio século e outros
comuns a outras psicoterapias, mas contextualizados à integração das artes na
relação terapêutica (Carvalho, 2005). Por conta desse fator, Ruy de Carvalho
desenvolve o ‘Modelo Polimórfico de Arte-Terapia’, que descrevemos com detalhes
a seguir. Este é uma sistematização dos vários tipos de intervenções, com várias
bases teóricas de modo a serem aplicadas em diversos contextos e em várias
populações.
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A Arte-Terapia é aplicada a pessoas de todas as idades, portadoras de


diversas problemáticas do foro psíquico. As intervenções são realizadas em grupo
ou individualmente, em setting privado, ou em instituições diversas, como escolas,
hospitais, casas de acolhimento, lares, centros de dia, etc. Praticamente não há
contraindicações e, por isso, a intervenção deve ser planificada de maneira a
atender especificamente as necessidades da população em questão.

Fantasia, imaginação e simbolismo

No processo arte-terapêutico é promovido o acesso aos elementos psíquicos


como a fantasia, o mundo imaginativo e a capacidade de simbolização. Por isso,
estes aspetos desenvolvem um papel fulcral para desenvolver a criatividade.
O processo de criação artística é composto por uma série de atitudes que são
inquestionavelmente conscientes, como o manejamento do material, a construção
formal da imagem e até a relação estética experimentada. Portanto, o ‘fazer’ arte é
uma operação consciente e pressupõe o posicionamento do indivíduo no ‘aqui-e-
agora’. Isto quer dizer que há necessidade de um afastamento das repressões
internas e das censuras, que podem bloquear a criatividade, e uma concentração
dos esforços e da vontade nos passos de construção, no momento em que se está a
criar, levando a um envolvimento com o material. Para isso o ambiente confortável
do espaço de Arte-Terapia, facilitador da criação, favorece o direcionamento da
energia criadora para a atividade de execução de um objeto plástico.
Entretanto, o impulso criativo, a motivação, e a elaboração imaginária, tal
como a aquisição de uma significação simbólica fazem parte do mundo inconsciente
do criador, apesar dos fatores práticos de realização artística requererem a
disposição consciente necessária à criação. Podemos sinalizar então, uma posição
consciente do indivíduo para se conectar com a sua fantasia e a sua imaginação
(mundo inconsciente), que o leva à criação. É neste sentido que Freud (1916) afirma
que “existe uma passagem que une a fantasia à realidade – o caminho, esse é a
arte”, pois a atividade criadora é um dos meios que a ‘vida da fantasia’ obtém
expressão no mundo concreto. A arte para Freud é um canal privilegiado para o
direcionamento de necessidades pulsionais demasiado intensas. Conforme o
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desenvolvimento psíquico do sujeito e a sua adaptação à realidade, ele reprime e


recalca pulsões, vindo a formar a neurose. O investimento energético criativo da
pessoa, ou nas palavras de Freud, o investimento libidinal, que visa responder às
suas insatisfações inconscientes, promove a motivação para construção artística,
libertando da opressão interiorizada dos seus desejos.
Um homem que é um verdadeiro artista tem mais coisas à sua disposição.
Em primeiro lugar, sabe como dar forma aos seus devaneios de modo tal que estes
perdem aquilo que neles é excessivamente pessoal e que afasta as demais
pessoas, possibilitando que os outros compartilhem do prazer obtido nesses
devaneios. Também sabe como abrandá-los de modo que não traiam sua origem
em fontes proscritas. Ademais, possui o misterioso poder de moldar determinado
material até que se torne imagem fiel de sua fantasia; e sabe, principalmente, pôr
em conexão uma tão vasta produção de prazer com essa representação de sua
fantasia inconsciente, que, pelo menos no momento considerado, as repressões são
sobrepujadas e suspensas.
Há uma vasta contribuição da teoria freudiana para a arte e para o processo
criativo. Igualmente temos o desenvolvimento da teoria psicanalítica por outros
autores, que a aplicaram diretamente à arte ou utilizam a arte como meio de apoio
nos processos psicoterapêuticos – Jung, Melaine Klein, Donald Winnicott, Marion
Milner, entre outros.
Freud (1900) fala-nos de um sistema psíquico primário que não suporta o
desprazer das experiências ou da repressão. Ligado a este, há o ‘desejo’ que é
definido como uma corrente que visa diretamente o prazer. O desejo, portanto, é o
que provoca a motilidade do aparelho psíquico primário, sendo regido pela sua
satisfação ou insatisfação. O sistema psíquico primário “não pode fazer nada senão
desejar”. Freud, portanto, define o processo primário de pensamento, que está
associado ao sistema inconsciente e às descargas pulsionais que são estabilizadas
promovendo adaptação pelo ‘princípio do prazer’. O contraponto do processo
primário, que leva a uma “inibição da descarga de excitação”, é o princípio da
realidade. Assim teremos os processos ‘primário’ e ‘secundário’, em que o primeiro
está associado à linguagem dos sonhos, da fantasia e consequentemente ao que
motiva a criação artística, sendo um processo de pensamento inconsciente. “Os
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processos irracionais que ocorrem no aparelho psíquico são os processos


primários”. O processo secundário apresenta-se como o pensamento racional e
consciente, motivado pelo recalcamento dos desejos.
Proponho descrever o processo psíquico admitido exclusivamente pelo
primeiro sistema como “processo primário”, e o processo que resulta da inibição
imposta pelo segundo sistema, como “processo secundário” (Freud, 1900: 173).
Da mesma forma, a definição de primário e secundário é obtida de acordo
com o momento de vida em que surge, conforme o desenvolvimento do aparelho
psíquico. O processo primário faz parte do sistema anímico desde o início da vida,
enquanto o processo secundário se impõe posteriormente, sobrepondo-se ao
primário, levando o indivíduo ao amadurecimento e à adaptação dos seus instintos.
Sobre as ideias de Freud, Carvalho (2009) coloca que, “de um ponto de vista
dinâmico, a atividade artística pode ser encarada como uma forma de expressão
espontânea, dando acesso a material do inconsciente, tal como sonho”.
Diferente do funcionamento inconsciente dos sonhos, o ‘devaneio’ é descrito
por Freud (1908) como os desejos conscientes, organizados e aceites pela
consciência. Os devaneios, na concessão de Freud podem ser vistos como o extrato
da criação artística, sendo esta faculdade fundamental para o criador. Freud aponta
que o escritor criativo, na generalidade os artistas, podem ser comparados a “um
sonhador em plena luz do dia”. O devaneio é comparado ao brincar da criança que
expressa a sua realidade através dos seus brinquedos e jogos, consciente que o
mundo criado na brincadeira não é o real, mas uma representação desejada. A
atividade imaginativa do brincar é substituída na fase adulta pelo devaneio. Tal como
a criança, o artista cria um mundo de fantasia, carregado de investimento emocional,
onde pode reorganizar os elementos da sua mente inconsciente, mas que mantém a
distinção entre a fantasia (inconsciente) e a realidade. O brincar e a arte servem
como ponte de ligação entre a fantasia e a realidade. O artista, ao criar a partir dos
seus devaneios satisfaz os seus desejos inconscientes (Segal, 1993: 87), e pretende
resolver os seus conflitos através da criação. O fantasiar, de acordo com Freud
(1911), apresenta-se como uma tendência geral do aparelho mental, que, com a
introdução do princípio da realidade é separada e encontra expressão como forma
de devaneio mas que, entretanto, já começa no brincar das crianças. Segal (1993),
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ao explicar o funcionamento da fantasia segundo Freud, coloca que esta consiste na


satisfação de um desejo inconsciente de maneira imaginária no momento em que a
realidade externa falha na resposta. Nas palavras de Segal: “O artista, tal como o
devaneador, cria um mundo de fantasia no qual pode satisfazer seus desejos
inconscientes”. A atividade criadora tem, assim, uma função essencial de promoção
do equilíbrio psíquico, ao conter a frustração pulsional, obtendo-se através da obra,
o sentido de reparação, preenchimento e significação interna.
Há outro conceito fundamental preconizado por Freud (1910) para o
entendimento da motivação interna na criação artística: a ‘sublimação’. É definida
como uma defesa psíquica madura, que oferece um desvio bem-sucedido a instintos
que não têm resposta à sua satisfação. Essa satisfação é conseguida por meio da
sublimação pulsional, que pode ser vista como uma substituição, ou mais
propriamente como uma simbolização da satisfação de tais pulsões.
No seu artigo Leonardo Da Vinci e uma lembrança da sua infância (1910),
Freud comenta o quanto a obra de Leonardo é uma sublimação da vida sexual do
artista, definida pelo autor como ‘atrofiada’ (associando-a ao homossexualidade):
“Conseguiu sublimar a maior parte da sua libido em seu intenso investimento em
pesquisas…Convertendo a sua paixão em ânsia de conhecimento”. Associa o fato
deste artista com frequência deixar as suas obras inacabadas à intensidade
colocada no trabalho de investigação. Na sua suposta inconstância, Leonardo não
se preocupava com o fim das suas obras. Mas, na verdade, como refere Freud, há
biógrafos que alegam que o artista já os dava por terminados. O interessante para
ele seria o problema apresentado pela pintura, e “após o primeiro via inúmeros
outros problemas que surgiam, como costumava acontecer com suas intermináveis
e infatigáveis investigações sobre a natureza”. Consequentemente parece que a
obra de arte era um espaço limitado para que Leonardo pudesse exprimir tudo o que
tinha em seu pensamento. A sublimação realizava-se quando a satisfação sexual
era substituída simbolicamente pela intensa atividade intelectual e criativa das suas
pesquisas e invenções.
A transformação da força psíquica instintiva em várias formas de atividade, da
mesma maneira que a transformação das forças físicas, não poderia ser realizada
sem prejuízo. O exemplo de Leonardo mostra-nos quantas outras coisas precisam
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ser consideradas com relação a estes processos. O adiamento do amor até o seu
pleno conhecimento constitui um processo artificial que se transforma em uma
substituição.
Através do conceito de sublimação, percebemos que a criação artística é
executada a partir de um investimento libidinal que a princípio foi deslocado,
encontrando uma saída mais elevada para a sua satisfação. O indivíduo responde à
tal necessidade pulsional, simbolicamente, através da arte. Através do símbolo
criado pela sublimação compensadora, consegue-se a restauração de elementos
psíquicos que possam ter um destino de frustração. Segal cita Proust [s.d.] que
afirma que “só se pode criar aquilo a que se renunciou”, correlacionando com a
conceção de sublimação onde se torna necessário a renúncia e a inibição do fim
pulsional.
A sublimação da pulsão constitui um aspecto particularmente evidente do
desenvolvimento cultural; é ela que torna possível às atividades psíquicas
superiores, científicas, artísticas ou ideológicas, o desempenho de um papel tão
importante na vida civilizada. Se nos rendêssemos a uma primeira impressão,
diríamos que a sublimação constitui uma vicissitude que foi imposta às pulsões de
forma total pela civilização. Seria prudente refletir um pouco mais sobre isso (Freud,
1927: 62).
A questão do simbolismo, na teoria psicanalítica, está diretamente ligada à
sublimação, já que a resposta trazida por esse mecanismo apresenta-se na forma
de um símbolo inconsciente compensador. A função reparadora da arte serve-se
deste conceito, de que a atividade reparadora é composta por elementos simbólicos
que se prestam a representar o nascimento de algo novo, substitutivo do que foi
anteriormente destruído. A construção de um símbolo processa-se como uma
“reconstrução reparadora” ou como “a restauração do mundo interno” (Segal, p.
104). É importante referir que tal atividade psíquica, onde há a oportunidade de
externalizar conteúdos internos, dando-lhes “vida” no mundo externo, é
esclarecedora para o indivíduo ao diferenciar o que é externo do que é interno de si
mesmo. Assim, ele não deixa coincidir o sentido de criatividade com o delírio.
Salvaguarda-se uma posição de saúde mental do sujeito criador.
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A simbolização está presente nas imagens criadas através da arte e do


brincar. Nas duas situações a imaginação é ativada. É enriquecida e facilitada pela
mobilização de conflitos psíquicos que possam limitar os processos criativos. Segal
argumenta que “um símbolo não é usado para negar a perda, mas para superá-la”, e
esta afirmação indica que o caminho para a restauração do conteúdo interior
fragmentado, produtor de sofrimento psíquico, passa necessariamente pela
imaginação, proporcionando a criação de novos símbolos significativos e integrados.
Obtendo-se significados, os símbolos comunicam com o mundo externo e também
servem de ligação com a vida inconsciente.

Arte-Terapia e a Educação Artística

Alguns autores referem que a Arte-Terapia tem as suas raízes na Educação


Artística. É o pensamento moderno das teorias da Educação Artística que introduz
uma forma de trabalho, muito próxima da Arte-Terapia, visando a arte como um
meio de desenvolvimento sensorial, intelectual e sensitivo, bem como a criatividade
global do indivíduo (Waller, 1984: 1). Autores como Herbert Read, em Educação
pela Arte, de 1943, e Viktor Lowenfeld, em O Desenvolvimento da Capacidade
Criadora, de 1947, trazem uma nova proposta educativa focalizada na liberdade
criativa das crianças e numa relação diferenciada entre professores e alunos.
Diane Waller, arte-terapeuta inglesa, refere que durante a década de 1940,
em Inglaterra, a Arte-Terapia como nós a conhecemos ainda não existia, mas
seguindo o pensamento de Read, a arte é orientada como vital no desenvolvimento
da personalidade como um todo. O papel do professor é estimular o
desenvolvimento por propostas, não influenciando a expressão pessoal, providenciar
materiais adequados e estimular o envolvimento na criação. Isso é muito semelhante
à proposta da Arte-Terapia. Nessa época já há artistas e professores de arte a
trabalhar em hospitais, mas no meio clínico são considerados como “terapeutas
ocupacionais”. Nas escolas os professores que seguem essas novas teorias são
apenas “professores progressistas”.
A fim de clarificar o papel do arte-terapeuta e do professor de arte, em 1967,
foi formada a BAAT, que se aliou a União Nacional de Professores, obrigando os
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seus membros a terem qualificações de ensino. Cada vez mais a necessidade de


uma especialização impõe-se, uma vez que artistas e professores de artes rejeitam
o papel de simples “provedores de materiais artísticos”. Utilizando-se da arte,
querem estar completamente envolvidos no tratamento de pacientes. Na altura, a
falta de formação específica para o trabalho de ArteTerapia faz com que esses
profissionais se voltem para as teorias da Educação Artística, considerando o
modelo mais próximo a ser utilizado. Waller relata que até 1980, o Departamento de
Saúde e Segurança Social inglês enxerga a Arte-Terapia como algo submetido à
terapia ocupacional, sendo a arte utilizada nos hospitais meramente como um
hobby, ou como forma de relaxamento ou recreação, além da visão mais antiga de
apoio em diagnósticos de síndromes psicológicas. Ainda nessa época, apesar da
Arte-Terapia já estar teoricamente definida, a Educação Artística, a Arte-Terapia e a
Terapia Ocupacional são práticas confundidas nas instituições, seja pela falta de
formação específica para cada profissional, ou pela falta de espaço próprio para a
intervenção de cada uma nas instituições.
Com o estabelecimento da teoria e da prática da Arte-Terapia, cada vez mais
próximas e desenvolvidas em direção às correntes de psicoterapia, tornam-se
maiores as diferenças entre os arte-terapeutas e os professores de artes. Passa a
ser evidente que o trabalho arteterapêutico tem perspetivas diferentes do ensino da
arte. Desde o espaço onde são desenvolvidas as sessões, o número de indivíduos,
a relação estabelecida entre o arteterapeuta e paciente, que leva em consideração
aspetos diferenciados e que em educação não se utilizam, como transferência,
contra-transferência, defesas psíquicas diversas, as dinâmicas grupais, entre outras.
Além da criação propriamente dita, que é estimulada sem nenhuma expectativa por
parte do arte-terapeuta, seja em termos de valor estético ou de utilização de aspetos
formais. Não interessa o que faz ou como se faz, o paciente tem total liberdade para
criar. O arte-terapeuta encoraja e facilita a criação artística sem julgamento, crítica,
ou valorização estética.
Frequentemente, tanto crianças, como jovens e adultos têm inicialmente
dificuldade em lidar com muita liberdade criativa, no melhor sentido “faça o que lhe
vier a cabeça”, pois, apesar da teoria moderna e progressista da Educação Artística,
o professor de arte submete-se aos programas e currículos das escolas. Ainda não é
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propriamente fácil libertar-se das ideias da “boa arte” ou da “Arte com A maiúsculo”.
Condicionar ou classificar os trabalhos dos alunos em categorias de valor técnico é
completamente usual. São bem definidos uma direção técnica e um valor estético
aplicados na criação artística em sala de aula.
Em Educação Artística – Para quê? Louis Porcher (1982) lista algumas das
finalidades fundamentais da Educação Artística, e entre elas está a criação nos
indivíduos de uma consciência exigente e ativa em relação ao meio ambiente,
entendendo isso como uma sensibilização à qualidade do que os rodeia e os valores
sensíveis do panorama da vida. Não só desenvolver aptidões artísticas específicas,
mas sobretudo um desenvolvimento global da personalidade, através de atividades
expressivas, criativas e sensibilizadoras. A produção de uma “alfabetização
estética”, através de métodos pedagógicos específicos e progressivos, de maneira a
que a expressão não permaneça impotente e sem significado.
Porcher enaltece, a sensibilização a estímulos significantes, o
estabelecimento de pontos de vista mais criteriosos, o desenvolvimento da
personalidade, a criatividade e a percepção estética, a formação da sensibilidade e
ainda competências artísticas, sendo estes objetivos muito aproximados dos
propósitos da Arte-Terapia. Temos modos e técnicas específicas, que demonstram
que ambas as atividades têm caminhos muito próprios, mas parece que os fins
mantêm fortes semelhanças. Mesmo que os propósitos da Arte-Terapia estejam
ligados a ‘tratamento’, e a Educação Artística ao ‘ensino/aprendizagem’.
De toda forma, quando se trata alguém a nível psicológico, atua-se com
processos de aprendizagem, direcionados ao despertar das qualidades naturais do
indivíduo e à resolução de conflitos. E o ensino da arte, como diz Porcher, não só
favorece aspetos intelectuais, como representa um fator altamente favorável para o
desenvolvimento da personalidade, bem como a “descoberta de si mesmo”. Este
autor também associa à Arte-Terapia, os processos de desenvolvimento pessoal
através das artes: A utilização metódica da função estimulante da atividade artística,
ajuda, no plano motor, intelectual ou de carácter, a conquista de um melhor domínio
corporal e intelectual, um melhor equilíbrio psicológico, uma capacidade de
expressão e comunicação mais satisfatória, uma integração mais dinâmica, uma
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relação mais enriquecedora com os outros, uma assimilação mais flexível das
significações constitutivas do meio ambiente.
Read anuncia a importância da relação entre professor e aluno como
condição fundamental para a aprendizagem. Ao basear-se, por exemplo, na
abordagem dialógica, de Martin Buber, valoriza a interação genuína entre as
pessoas, onde se deve olhar o outro como ele realmente é, consciente das suas
diferenças e singularidades, numa atitude de respeito, mutualidade, presença e sem
preconceitos ou interesses (Hycner, 1995: 28-29). Aplicado ao contexto educacional,
Buber chama de ‘relação de confiança’: “A concepção de Buber acerca do professor-
guia, e da função selectiva, transporta-nos para a construção da ternura como uma
agência activa em vez dum estado emocional passivo” (Read,1982: 352). O
professor é aquele que une o indivíduo e o seu meio, onde se guia pelos seus
próprios caminhos. Esta relação entre aluno e professor aproxima-se da relação
terapêutica, como uma relação empática, que possibilita o professor alcançar
aspetos da individualidade do aluno: seus sentimentos e sua sensibilidade,
tendências e aptidões, suas necessidades, traços de personalidade, assim como as
relações interpessoais e as dinâmicas dos grupos. Por que não, em Educação, os
professores olharem para as necessidades específicas dos seus alunos? Por que o
grupo de alunos tem que ser visto de maneira tão homogénea como é de costume?
Todo grupo tem a sua homogeneidade, aspetos partilhados e em comum, mas o
cuidado com o que é específico de cada um torna-se fundamental para a relação
empática. Waller (1984: 11) reconhece que apesar de ser importante a relação no
ensino, não é crucial como em ArteTerapia ou como em qualquer processo
psicoterapêutico. Entretanto, um profissional em sala de aula, mais consciente e ao
mesmo tempo intuitivo, ou mais sensível com os processos individuais dos alunos
possibilita um melhor despertar dos processos criativos e uma relação com o meio
ambiente de forma mais genuína.
Lowenfeld (1970) argumenta que “quanto maior a oportunidade para
desenvolver uma crescente sensibilidade e maior a conscientização de todos os
sentidos, maior será também a oportunidade de aprendizagem”. Isto quer dizer que
uma educação eficiente não pode ser dissociada do bem-estar geral do indivíduo e
da visão da totalidade do ser, visando todos os seus atributos e necessidades, bem
17

como as diferenças entre eles, culturais, raciais ou religiosos, imprescindível para


uma relação interpessoal construtiva e de aceitação mútua. Desviar o olhar das
necessidades emocionais dos indivíduos é educá-los de maneira rígida e
estandardizada, como se todos tivessem o mesmo funcionamento mental. Lowenfeld
alerta para o “fracasso da educação”, onde em determinados campos, como a
ciência e a tecnologia, têm muito desenvolvido sendo sinónimo de prosperidade,
mas no que toca o ‘ser total’, em pensamento, sentimento e percepção, a fim de
“desabrochar toda sua capacidade criadora em potencial”, com frequência nota-se
alguma negligência.
Sabemos muito bem que a aprendizagem e a memorização dos fatos, a
menos que sejam exercidas por um espírito livre e flexível, não beneficiarão o
indivíduo nem a sociedade. (…) A educação artística, como parte essencial do
processo educativo, pode significar muito a diferença entre um indivíduo criador e
flexível e um outro que não tenha a capacidade para aplicar o que aprendeu, carente
de recursos íntimos e com dificuldades no estabelecimento de relações com seu
meio.
A Educação Artística como área de conhecimento, que privilegia o
desenvolvimento de experiências sensoriais, estimulando a percepção e objetivando
a sensibilidade criadora, direciona-se à autoexpressão, e na experiência de
construção e integração, é uma disciplina singular e com fortes potencialidades em
relação ao crescimento integral da pessoa. Mas a expressividade pessoal e criativa
não se promove de imediato, é algo a aprender e a se construir. “Não há expressão
artística possível sem autoidentificação”, diz Lowenfeld, e a forma de expressão é de
acordo com as experiências pessoais do criador. Fatores como o autoconhecimento,
e portanto, a autoidentificação, são importantes para a “autêntica expressão do eu”.
Afinal, se o indivíduo não se conhece minimamente, e não identifica partes do ‘Si
Mesmo’ no meio em que o rodeia, terá o quê para expressar? Ao deparar-se com o
vazio interno, por norma, a atitude habitual é de fechamento em si próprio, ou ir ao
encontro de compensações que têm a ilusão de preenchimento, mas dificilmente
encontra o quê e como se expressar, ou criar, ou construir…
A busca de identidade é um propósito básico do ser humano, e esse
processo desenrola-se nos mais diversos aspetos da vida. São condições de
18

definição de identidade a relação parental, o envolvimento e influência exercida pelo


ambiente social, bem como fatores biológicos ou psicológicos.
Segundo Grinberg e Grinberg (1998) a formação da identidade é um
processo que surge da assimilação bem sucedida de todas as identificações
fragmentárias da infância e pressupõe uma inclusão com êxito do que se apreende e
do que se internaliza das relações precoces. Complementa ainda com o ponto de
vista de Edith Jacobson, de 1920, que diz que “a captação do Self se dá como uma
entidade organizada e diferenciada, separada e distinta do ambiente que a rodeia,
que tem continuidade e capacidade para continuar a ser a mesma ao longo de
sucessivas mudanças, constituindo a base da experiência emocional da identidade”.
Portanto, sendo um processo progressivo complexo, porém fundamental, a
educação tem sua participação ativa. Analogamente, veremos que Lowenfeld coloca
que os processos artísticos/expressivos como desenhar, pintar ou construir reúnem
diversos elementos da experiência individual, para formar um “novo e significativo
todo”:
No processo de selecionar, interpretar e reformar esses elementos, a criança
proporciona mais do que um quadro ou uma escultura, proporciona parte de si
própria: como pensa, como sente e como vê. Para ela, a arte é atividade dinâmica e
unificadora.
São constantes na atividade criativa, mecanismos de ‘assimilação’ e
‘projeção’ por requerer em um envolvimento global do indivíduo: “absorver através
dos sentidos, uma vasta soma de informações, integrá-las no Eu psicológico, e dar
uma nova forma aos elementos que parecem ajustar-se às necessidades estéticas
do artista nesse momento”.
Encontrar significados também é uma necessidade, para que não se
represente somente “coisas”, mas para que se possa expressar o seu Eu, tudo o
que o identifica como sujeito individual, com características e particularidades
próprias, diferentes de todo o resto.
Para se destacar é preciso unificar-se. Isto quer dizer que quanto mais
integrada uma pessoa é, mais da sua identidade pode definir, e quanto mais
individualidade possa ter, mais possibilidades de relações interpessoais construtivas
pode estabelecer9. O sentimento de autoconfiança que se adquire através desse
19

processo pressupõe ser uma forte base para a criatividade gerada em todas as
áreas da vida.
A arte através da auto-expressão, pode desenvolver o Eu como importante
ingrediente da experiência. Como quase todos os distúrbios emocionais ou mentais
estão vinculados à falta de autoconfiança, é fácil perceber como a estimulação
adequada da capacidade criadora da criança pode fornecer salvaguarda contra tais
distúrbios.
A falta de identificação torna-se um problema quando o que rodeia o indivíduo
não tem significado, não reflete nada do Si Mesmo, não se sente como parte
integrante da sua vida e portanto não encontra sentido criativo. Literalmente
dizendo, não encontra um sentido ou um caminho a seguir nos seus processos
criativos.
Seguindo uma proposta semelhante para o ensino das artes, Howard Gardner
(1997) defende o proporcionar de uma condição psicológica ótima e um ambiente de
liberdade criativa e experimentação para o desenvolvimento de habilidades
artísticas. Tal ambiente requer o favorecimento da segurança e do conforto, para a
projeção simbólica de aspetos inerentes ao indivíduo que podem partir dos mais
simples e fáceis até os mais perturbadores que carecem de compreensão.
Expressar o que é “muito louco”, o caótico, o incompreensível, brincar e regressar a
um estádio infantil abre caminhos para aspetos inerentes à criatividade como a
espontaneidade e a flexibilidade.
(…) o desenvolvimento artístico envolve a educação dos sistemas de fazer,
perceber e sentir; o indivíduo se torna capaz de participar do processo artístico, de
manipular, compreender e relacionar-se com os meios simbólicos de maneiras
específicas (p 286).
Gardner observa como a saúde mental está ligada à capacidade de participar
espontaneamente e integralmente num processo artístico. Aponta a importância do
fator da comunicação no criador, que pode ser comprometido por psicopatologias.
Sobre o processo desenvolvimental, Gardner coloca que a arte aparece
estreitamente ligada e que, qualquer prejuízo no desenvolvimento apresenta
ramificações imediatas nas atividades artísticas:
20

Baseado em Gerry McNeilly (2002), criador da Arte-Terapia Grupanalítica,


que refere: “Quanto mais uma pessoa pode fazer parte de um grupo, mais individual
se torna. Igualmente quanto mais um indivíduo pode ser si próprio, mais ele está
apto para criar e integrar o grupo a que pertence”.
“Restabelecer os aspetos humanos da comunicação e do uso de símbolos
aparece como um pré-requisito para que o desenvolvimento normal e a participação
no processo artístico possam ser retomados” .
(…) as artes podem ser consideradas como um processo de resolução de
problemas em qual a execução é enfatizada; o desenvolvimento artístico envolve o
domínio de um meio simbólico e a educação estética envolve a orientação dos três
sistemas desenvolventes (fazer, perceber e sentir) até o domínio abrangente dos
meios simbólicos. A resolução artística de problemas requer a capacidade de
capturar vários modos, afetos e insights subjetivos de um meio simbólico (…).
A ativação dos conteúdos da imaginação e o estímulo à produção simbólica
são imprescindíveis à criatividade. “A criação do Eu depende das suas
representações simbólicas”, refere a Professora Maria Teresa Eça (2004: 13).
Compreendemos, portanto, o quanto a Educação Artística e a Arte-Terapia
têm de semelhanças e diferenças. Como cada área influencia a outra, ou o que uma
proporciona à outra. A Educação Artística desde sempre é um campo de
originalidade e inspiração para a Arte-Terapia, assim como a Arte-Terapia pode
contribuir para uma Educação Artística mais sensível e estimulante dos processos
criativos.
Pensamos um setting de Arte-Terapia como um espaço de aprendizagem
artística. Essa aprendizagem não se restringe apenas no desenvolvimento técnico,
mas baseia-se na aprendizagem e desenvolvimento afetivo que possibilita
desbloqueamentos criativos, aumentando no indivíduo a sua capacidade de
expressão criativa e artística. As propostas criativas em ArteTerapia são imbuídas
de estímulos à sensorialidade e à percepção, bem como pode desenvolver aspetos
ligados à coordenação e ao desenvolvimento cognitivo. A arte enquanto mediador
terapêutico acaba por ser também veículo de aprendizagem, tanto sobre o
conhecimento da linguagem artística como sobre a decifração do mundo interno
(Carvalho, 2008b).
21

Não obstante, Waller expõe a sua sugestão da inserção da teoria e da técnica


da Arte-Terapia nos cursos de formação de professores de arte. Não só como um
componente complementar para o ensino, mas também como forma de dissipar
mitos e preconceitos acerca da ‘terapia’ no contexto educacional. O que também
contribui para aceitação do profissional de Arte-Terapia trabalhar em equipa nas
escolas, sem ser confundido com um professor de arte, ou um psicólogo, e sem ser
uma ameaça estranha à ordem do sistema de ensino.

A História da Arte-Terapia

A História da Arte-Terapia acompanha genericamente a história social e


cultural, bem como fatores da História da Arte. Mesmo a produção artística tendo
nuances e propósitos diferenciados em cada período histórico, a arte bem antes de
ser um objeto de apreciação com finalidade de fruição estética serve ao indivíduo
como um meio expressivo e comunicacional com propósitos bem definidos. Esses
propósitos estão ligados às necessidades humanas de conhecimento de si mesmo e
do seu meio ambiente, mesmo vindo a ter regras rígidas de execução e produção.
No início, de maneira instintiva, o indivíduo dos tempos primitivos utiliza as
várias manifestações artísticas como o desenho, a pintura, a música, a dança e a
representação com finalidade expressiva, tanto da sua rotina diária como dos seus
conflitos, dos seus questionamentos e das suas emoções. Utiliza a expressão
artística na representação e na ilustração das questões mais importantes e
essenciais da vida e do mundo ao seu redor que procuram conhecer. A arte
corresponde à experiência espiritual, como se a humanidade desde sempre
percebesse as atividades artísticas como práticas com características especiais,
com uma dignidade extraordinária, e por isso com o privilégio de ser um meio de
comunicação e acesso ao mundo que o transcendia. Por mais que se saiba que a
arte nos tempos primitivos não tem diferença das outras atividades cotidianas, as
manifestações artísticas não estariam presentes em praticamente todos os rituais
mágicos/religiosos se não fossem sentidas como um exercício especial e diferente
das outras práticas da vida, já que a relação com o divino, ou as atividades com
funções mágicas, são constantemente consideradas como sagradas e fundamentais
22

na vida. “Magia, religião e ciência estavam integradas no mesmo gesto cultural


artístico. Com o desenvolver da civilização ocidental vão se diferenciando em
campos distintos de conhecimento” (Andrade, 2000: 14).
Mesmo a Arte-Terapia tendo um pouco mais de meio século de vida, é no
início da história da humanidade que inicia a sua História. No momento em que o
sujeito pre-histórico utiliza a representação artística como meio de expressão, como
forma de comunicação de emoções e de entendimento de si mesmo e como um
meio de elevação e crescimento pessoal, tal como o indivíduo, atualmente, num
processo arte-terapêutico.
Na História da Arte-Terapia estão presentes as manifestações artísticas
espontâneas, as que sensibilizaram profundamente o indivíduo, e os processos de
criação imbuídos de emoção. Obras que foram utilizadas como um meio de
representação do mundo sensível e do pensamento existencial, de modo a
compreendê-los melhor e adaptar-se ao seu meio ambiente de maneira harmónica,
encontrando mais sentido em si, nas suas relações, e em tudo o que o rodeia.
A História da Arte-Terapia é uma história de saúde, de crescimento e de vida.
Não é a história da loucura e da doença, onde comumente se faz associações com
arte, como se para criação artística seja necessário um gênio louco ou motivações
doentias. Como se toda obra mostrasse traços psicopatológicos do seu criador.
Como se a arte pura e simples fosse provedora de cura. Da História da Arte-Terapia
fazem parte os fatos que marcaram a busca e a necessidade do ser humano, desde
tempos remotos, em utilizar a arte para ir ao encontro de melhores soluções, de
resolução de conflitos e um de meio expressivo e relacional.

A abertura aos sentimentos românticos

Apesar dos variadíssimos exemplos ao longo da História, de obras artísticas


produzidas com motivações catárticas sendo um canal de expressão pessoal, ou
que, produziam no fruidor fortes reações estéticas, emocionadas, focalizamo-nos em
narrar a História da Arte-Terapia a partir do período, sem precedente, em que houve
a maior abertura para a expressividade individual e a sua valorização. Esta linha de
pensamento atual abre caminhos para uma vivência cultural de maneira incomum,
23

tanto da parte dos criadores que buscavam incessantemente a sua mais original
auto-expressão, como da parte do público que é mais flexível e aberto à novidade.
Há um cenário social que conduz ao sentido de “novidade”, na área da ciência, da
arte e de toda a cultura em geral. Rutura parece ser a palavra de ordem dos
diversos manifestos culturais que surgem. A ciência, em todas as áreas avança
trazendo as tecnologias modernas. A genuinidade é oriunda do mais profundo do
ser. Este cenário abre as portas para a valorização da produção artística fora dos
círculos tradicionais, tanto esteticamente como no encontro de finalidades diversas,
ao se romper o conceito de ‘arte pela arte’.
Em fins do século XVIII, muito do cenário e da tradição artística das escolas
começou a alterar-se. Gombrich aponta que apesar das grandes descobertas a
partir da Renascença, das mudanças, dos questionamentos surgidos, as escolas e o
funcionamento do ofício do artista mantiveram-se de maneira semelhante ao longo
dos tempos: “(…) os artistas ainda pertenciam a guildas e a companhias, ainda
tinham aprendizes e apoiavam-se em encomendas feitas, predominantemente, pela
aristocracia abastada. (…) A finalidade da pintura e da escultura continuava sendo,
de um modo geral, a mesma, e ninguém a questionava seriamente (Gombrich, 1993:
375-376).
Assim, a verdadeira ‘rutura na tradição’ traz o autêntico sentido de inovação
promovido pelos artistas da época conhecida como a Era da Razão. Num momento
de novos pressupostos favorecidos pela Revolução Francesa, em 1789, também
originaram as mudanças nas ideias sobre a arte e cultura. A exigência do artista
passa pela procura de um estilo próprio preocupando-se em ser diferente dos
outros. As raízes dessa inquietação já eram percebidos desde o início do século,
bem como o sentimento de insatisfação com a tradição artística. Criam-se as
academias, onde não há mais mestres e aprendizes, e sim onde a arte passa a ser
uma disciplina, tal como a filosofia ensinada a estudantes.
O mais notável efeito da rutura da tradição, segundo Gombrich, foi o fato dos
artistas sentirem-se livres para passar as suas visões pessoais, algo que até então
só os poetas costumavam fazer. Um notável exemplo dessa ‘nova abordagem da
arte’ foi o poeta e pintor inglês William Blake (1757-1827), que “vivia num mundo de
sua própria criação, desprezava a arte oficial das academias e recusava-se a aceitar
24

seus padrões”. Expressava nas suas obras a sua intensa vivência religiosa, ilustrada
por imagens nascidas da sua imaginação. Representava já nesse final de século o
onírico e o fantástico, e não estava interessado em representá-los com exatidão
técnica.
Esta é a fase em que a Grande Revolução preparou caminho para o
Romantismo, e que antecedeu o período em que “pela primeira vez tornou-se
verdade que a arte era um veículo perfeito para expressar a individualidade”. A arte
finalmente perde as suas finalidades e expressa a personalidade do artista:
O que as pessoas interessadas em arte passaram a procurar em exposições
e estúdios já não era uma exibição de habilidade vulgar (…) O que elas queriam era
que arte as aproximasse de homens com quem valeria a pena ter relações, homens
cujo trabalho era testemunho de uma sinceridade incorruptível (…).
Os artistas do século XIX tiveram a coragem e a persistência de pensar por si
mesmos, de examinar convenções sem termos críticos, assim criando novas
possibilidades e perspetivas para a arte.
A técnica, o estilo e os temas são inovados quebrando com o convencional.
Os artistas deslocam-se e procuram paisagens diferentes das europeias. Os temas
podem ser cenas de deslumbre próprio ou formas de protesto contestando as
tradições da burguesia a romper os clichês tradicionais. Gombrich cita um trecho de
uma carta do pintor Gustave Courbet, de 1854:
Espero sempre ganhar a vida com a minha arte, sem me desviar um milímetro
dos meus princípios, sem ter mentido à minha consciência nem por um único
momento, sem pintar se quer o que pode ser coberto pela palma da mão só para
agradar a alguém ou para vender mais facilmente.
Jamais na História da Arte os artistas puderam obedecer ao chamado dos
seus sentimentos, desenvolvendo uma “atitude subjetiva e egocêntrica” (Hauser,
1995: 664). Questionavam a si mesmo, bem como refletiam sobre a sua condição
histórica. Numa posição de hipersensibilidade procuravam o significado do presente
e exaltavam o passado, onde o presente era sinónimo de desamparo e solidão, daí
a necessidade de fuga para um passado que não existe mais, ou evasão para a
utopia do futuro. Recusam o pensamento racional que faz fincar os pés no momento
25

em que se vive de forma materialista. Mantêm a posição individualista envolvendo-


se nos próprios tormentos pessoais.
Alguns trechos do livro Cartas ao Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke (1875-
1926) definem a ideia romântica de recolhimento pessoal e intenso questionamento
dos sentimentos e da vida: É bom estar só, porque a solidão é difícil. (…) Amar
também é bom: porque o amor é difícil. (…) Por isso, caro senhor, ame a sua solidão
e carregue com queixas harmoniosas a dor que ela lhe causa. Diz que os que sente
próximos estão longe. Isto mostra que começa a fazer-se espaço em redor de si. Se
o próximo lhe parece longe, os seus longes alcançaram as estrelas, eles são
imensos. Alegre-se com esta imensidade, para a qual não pode carregar ninguém
consigo (Rilke, 1980: 54-55).
O olhar voltado para si mesmo e para os próprios sentimentos tornou-se uma
atitude completamente natural nos tempos atuais, de forma que toda a manifestação
da arte moderna contém intrinsecamente esse estado de espírito. Todo o modo de
estar e pensamento artístico e cultural passa pelo sentido emocional originado no
século XIX. “Não existe produto da arte moderna, nenhum impulso emocional,
nenhuma impressão (…), que não deva sua sutileza e variedade à sensibilidade que
se desenvolveu a partir do romantismo” (Hauser, 1995: 664).
É portanto o pensamento moderno, no movimento de busca interior, no
cenário do surgimento da arte moderna, que faz surgir a Arte-Terapia como a
conhecemos. Há cada vez mais mais espaço para a livre expressão fora escolas e
bem longe das academias. Os olhares técnicos voltam-se para essas criações ditas
espontâneas. Valorizam-se aspetos tanto na arte como na vida jamais antes
reconhecidos.

De volta para o futuro – A Arte Moderna

Gombrich ao falar sobre a arte mais próxima dos nossos dias define como “o
triunfo do modernismo” o resultado obtido pelos diversos movimentos artísticos
surgidos no turbilhão de acontecimentos históricos do século XX. A História da Arte
mantém-se imprevisível. A arte cria-se e recria-se com a velocidade do mundo
moderno. Prima-se pelo intenso e impactante, mas que ao mesmo tempo é efémero.
26

E tem de o ser, a abrir espaço a mais criações. A Arte Moderna e Contemporânea


têm a energia que alimenta mutações e inovações que estão bem longe da tradição
e aperfeiçoamento das anteriores.
As alterações na visão artística e cultural, provocadas em ritmo vertiginoso
por vários fatores, são enumeradas por Gombrich. Citamos alguns dos mais
significativos para o surgimento do cenário da Arte-Terapia:
1. Experiência de progresso e mudança das pessoas: Surge o sentido
efêmero da arte pela aceitação da variedade e da novidade. A inovação torna-se
palavra de ordem na produção artística motivada por uma necessidade de
substituição. Os críticos e, consequentemente, o público aceitam, deixando de vez
as reações hostis e escandalizadas do século anterior.
2. Desenvolvimento da ciência e da tecnologia: A ciência moderna
expande-se a vários níveis. A revolução industrial promove o uso de materiais
diferenciados. A experimentação é incentivada por esses fatores. A arte é produzida
em novos suportes e com estruturas nunca antes vistos. Novas formas de execução
são investigadas, procurando maneiras alternativas de representação da natureza. A
fotografia imprime as imagens antes pintadas. As demais técnicas passam a
reproduzi-las em série.
3. Espontaneidade e individualidade: Mesmo contradizendo os fatores
anteriores, no mundo moderno começa a haver a necessidade de um espaço onde
não se é mecanizado e padronizado. A arte não é mais aquele ofício ou atividade
profissional que era antes, mesmo que realizada de maneira sensível. Passa a ser
um espaço, um modo, um estado de espírito: “A arte parece ser o único refúgio onde
a fantasia, a inconstância e as singularidades pessoais ainda são permitidas e até
apreciadas”.
4. Auto-expressão: O desenvolvimento da psicologia moderna contribui
para que o artista desenvolva uma postura liberta de autocontrole. Vários
movimentos pautam-se nas ideias revolucionárias da Psicanálise. O conteúdo da
arte passa a ser visto como ‘expressão de cada época’, como um espelho do seu
criador. Representa a sua realidade interna, o ponto de vista pessoal do mundo que
o cerca. Passa-se a representar não só o belo como também o terrível e o chocante.
27

5. O ensino da arte: Os métodos de ensino voltam-se para a


expressividade espontânea da criança abandonando aos poucos o tradicional da
técnica e da memorização. Esses trabalhos passam a ser valorizados, tal como a
arte primitiva ou naif, feita sem os pressupostos técnicos artísticos tradicionais. Os
olhares voltam-se não só para o produto criado mas também para execução livre,
por puro prazer. A arte surge como um meio de desenvolvimento pessoal e criativo,
bem como de relaxamento e descontração. Todos podem fazer arte, não sendo mais
o ofício de um profissional. Surgem assim os conceitos de ‘arte infantil’ e ‘arte bruta’.
Consequentemente surge a Arte-Terapia.

A Arte Bruta

A Coleção de Arte Bruta foi criada por Jean Dubuffet (1901-1985) em


Lausanne, Suíça, por volta de 1945. Pintor e escritor, Dubuffet inspirou-se em
coleções de obras que surgiram nos finais do século XIX realizadas nos hospitais
psiquiátricos. Fundou a Companhia da Arte Bruta (Compagnie de l´Art Brut) junto
com outros artistas e escritores, entre eles, André Breton, o fundador do movimento
surrealista.
O seu interesse era reunir trabalhos artísticos da população marginalizada da
sociedade, portanto, doentes mentais, presidiários, mendigos, bem como
exemplares de ‘arte primitiva’ de povos tribais da África, Oceânia e América do Norte
(Gramary, 2005: 47-50).
Há no manifesto da Arte Bruta um cunho de movimento de contracultura que
pretende alcançar maior autenticidade na arte através da livre gestualidade do
“artista”. As obras que compõem a coleção são realizadas de maneira espontânea.
São expressões artísticas que não contêm a interferência dos conceitos técnicos
formais das escolas de arte, mas que são valorizadas como obras de arte, tal como
noutras coleções organizadas do mesmo gênero ou exposições com obras
designadas como ‘arte informal’. Esses criadores tão pouco são necessariamente
artistas, e poucos deles almejam desenvolver a profissão ou ganhar esse estatuto
social. Simplesmente pintam, desenham, esculpem num impulso expressivo.
Comunicam através da arte o seu mundo interno ou mesmo o que os rodeia. É
28

imprevisível, a partir dos seus impulsos. Não há regras. Tal como não há constância
na produção, que pode ser de uma única peça esporádica, ou criação compulsiva.
Com o tempo, o termo arte bruta, ou arte informal, passou a ser empregue
para todas as obras realizadas fora do contexto artístico tradicional, principalmente
nos trabalhos realizados em hospitais psiquiátricos feitos por doentes mentais.

Os pioneiros da Arte-Terapia

Segundo a literatura britânica sobre Arte-Terapia, foi na década de 1940 que


o pintor inglês Adrian Hill estabelece a Arte-Terapia como método psicoterapêutico.
Ele esteve internado num hospital durante a Segunda Guerra Mundial
convalescendo-se de tuberculose, e durante esse tempo pintava e desenhava como
forma de encontrar algum consolo ao encontrar-se naquele estado. Com o tempo,
Hill percebe o quanto a prática artística pode auxiliar na recuperação de doentes, ao
encontrarem na arte um meio de expressão do desespero trazido pela doença e pela
situação da época de guerra. Nesse hospital, em Midhurst, Adrian Hill cria um atelier
e recebe soldados feridos que regressavam da guerra. Estes têm a oportunidade de
expressarem os horrores vividos nesse período, e Hill compreende que podem
libertarem-se dos traumas da vivência da guerra. As pinturas e os desenhos são
também veículos para falarem sobre as dores e os medos da doença e da morte.
Através do exercício de expressão artística e da elaboração das emoções, os
pacientes desenvolvem uma atitude de mais esperança perante a vida, e de menos
ansiedade e angústia. Hill publica os livros Painting out Illness e Art Versus Illness. É
considerado como o primeiro arte-terapeuta a trabalhar num hospital psiquiátrico
(Waller, 1984: 6). A seguir delineia uma estrutura própria de trabalho e um campo de
conhecimento específico da Arte-Terapia.
O movimento inicial desenvolvido por Adrian Hill deu origem em 1964 à
BAAT, de que são referenciais importantes Diane Waller e Tessa Dalley. Arte-
Terapeutas, autoras de várias publicações, que têm um papel de preponderância no
estabelecimento da profissão de arte-terapeuta em Inglaterra.
29

De relevância histórica, e reconhecidas igualmente como pioneiras da prática


da arteterapêutica, no Estados Unidos, Margaret Naumburg e Edith Kramer fundam
a AATA em 1969.
A americana Naumbug parte para a Europa na década de 1920, a fim de
aprofundar os seus estudos em Psicologia. É também artista plástica e educadora e
desenvolve o seu trabalho que hoje é definido como ‘terapia pela arte’, com base na
teoria psicanalítica. Ao retornar aos Estados Unidos, funda em Nova York a Escola
Walden, com propostas inovadoras sobre a expressão livre na arte e com foco na
linguem simbólica infantil. Introduz no tratamento psicoterapêutico a criação artística
de maneira espontânea, ao ressaltar a expressão dos conteúdos e motivações
inconscientes para o processo criativo. É autora de várias publicações, desde 1947,
sobre Arte-Terapia e sobre o uso da expressão artística em psicoterapia. É
referenciada como a pioneira na abordagem psicanalítica da Arte-Terapia (Ciornai,
2004: 24-25).
No contexto educacional, a austríaca Edith Kramer, nascida em 1916, emigra
para os Estados Unidos em 1938. Foca-se na linha de trabalho reconhecida como
‘arte como terapia’. Diferente da aborgagem de Naumburg, que utiliza a arte nos
processos psicoterapêuticos (terapia pela arte), Kramer desenvolve a perspetiva que
enfatiza o processo artístico como uma forma terapêutica. Baseia-se nas teorias de
Viktor Lowenfeld e Hebert Read, apesar da sua formação psicanalítica. A ênfase no
trabalho realizado com crianças com problemas emocionais e traumas diversos não
era no produto final das suas criações. Interessava-se em como criam, na relação
que estabelecem com os materiais, e em todo acompanhamento do processo
criativo (Ciornai, 2004: 27). Reconhece a arte como terapêutica por si só e não como
uma ferramenta. Define-se como uma educadora e artista que combina as suas
competências artísticas com os conhecimentos específicos do campo da
psicoterapia.

A criação artística na Arte-Terapia - Características e particularidades

Em Arte-Terapia, através do exercício da criatividade e pela experiência


estética, o indivíduo encontra acesso aos seus núcleos mais saudáveis. O sujeito
30

não só cria como se relaciona com o produto artístico criado, num movimento de
descobertas e revelações ao identifica-se e ver surgir, nas imagens compostas,
aspetos de si próprio. É uma experiência de liberdade que favorece gestos
espontâneos, e que conduz a uma construção significativa, simbólica de
reconstruções das estruturas internas.
A facilitação adequada do arte-terapeuta proporciona o desbloqueamento de
inibições e constrangimentos. É muito normal que um adulto não crie de forma
espontânea, mas com as condições propícias pode vir a desenvolver um processo
artístico, ao dispor imagens e ao organizá-las mediante a sua vontade e estado de
espírito.
Carvalho (2008a) define a arte produzida nas sessões de Arte-Terapia como
‘arte catalisadora’:
Uma abordagem de Arte-Terapia focada, fundamentalmente, na arte,
permite, ao indivíduo, a imersão num caudal de criatividade, o que, adequadamente
canalizado pelo contexto relacional terapêutico, contém, em si, um efeito
potencialmente organizativo. Assim sendo, proponho designar a arte realizada em
contexto terapêutico como Arte Catalisadora. A composição da palavra catalisador
provém de catálise + dor. Catálise origina-se da palavra grega ‘katalysis’, que remete
para ‘dissolução’ o qual, literalmente, poderíamos entender como a arte dissolutiva
da dor emocional, no fundo a grande finalidade de qualquer intervenção
psicoterapêutica. Mas, em português catalisar também significa estimular, dinamizar
e desencadear, o que é próprio ao processo desenvolvido internamente nos
pacientes comprometidos com a arte.
Há muito que se anuncia, quase que popularmente, o clichê de que a “arte
cura” ou a “arte é terapêutica”, mas em Arte-Terapia o ‘fazer arte’ não se desenvolve
isoladamente, e o criar é acompanhado por uma relação de diálogo, apoio e
confiança. É facilitadora da desinibição, da expressão de conteúdos internos e do
encontro de si mesmo com a própria criação.
Carvalho (2008) afirma que a arte tem potencialidades terapêuticas, mas isso
não quer dizer que seja em si terapia, e é na integração da arte no contexto
psicoterapêutico que essas potencialidades de transformação, de encontro e de
crescimento pessoal, podem “ser canalizadas para o processo de aquisição de
31

conhecimento essencial para a cura”. Através do apoio do arte-terapeuta, o paciente


encontra-se num ambiente confortável de sustentação e empatia, facilitador da
criatividade e acolhedor das expressões mais fortes e desordenadas. A psicanalista
inglesa Marion Milner (1900-1998), uma estudiosa sobre arte, utiliza-a no setting
psicanalítico e acredita na criação artística como um poderoso processo de resgate
de núcleos inconscientes e também como uma forma de integração do Self: “(…) a
medida do gênio nas artes está ligada a quanto o artista consegue cooperar com a
sua mente inconsciente através do seu meio”. Entretanto, apesar de refletir sobre o
processo criativo do artista e sobre a experiência artística no geral, não deixa de
situar a criação artística como um meio de resgatar ‘objetos perdidos’ em
psicanálise: “Um trabalho de arte acabado é a aquisição de um ideal de integração
mais do que uma aquisição permanente (…) A criação acabada nunca cura a
ausência subjacente de falta de sentido do Self (…) O verdadeiro trabalho fica por
ser feito na análise”.
No geral, as abordagens em Arte-Terapia baseiam-se na perspetiva da
‘terapia pela arte’, de Naumburg, ou na ‘arte como terapia’, perspetiva de Kramer.
Esta primeira, refere-se à arte aplicada no processo psicoterapêutico, no qual ela é
um instrumento facilitador. O foco é no conteúdo simbólico emergido das imagens
criadas e associado ao conteúdo inconsciente do seu criador, buscando significado
pessoal e trazendo “luz” à elaboração e à transformação. Portanto está próxima da
proposta da Arte-Psicoterapia. No caso de Naumburg, trabalha com a abordagem
psicanalítica.
Já a perspectiva desenvolvida por Kramer, da ‘arte como terapia’, o processo
criativo ganha relevo essencial, por meio do qual o trabalho terapêutico é realizado.
Através das etapas de construção criativa e no fazer artístico, é proporcionado o
crescimento pessoal. Próxima das teorias da Educação Artística, Kramer inspirou-se
em autores como Lowenfeld, e aplica a arte em settings terapêuticos como um meio
de comunicação, além de explorar o lado prazeroso e lúdico da criação, com
pessoas em forte sofrimento. Com estas características, podemos associar à Arte-
Terapia Vivencial ou a Arte-Terapia Temática.
O tradicional em Arte-Terapia é a aplicação das artes plásticas, onde
comumente utilizase maioritariamente do desenho, da pintura, da modelagem em
32

barro, da colagem, e das diversas formas plásticas criativas. Não é difícil


encontrarmos os outros meios como a dança, a música e o drama sendo
referenciados como ‘Terapias Expressivas’, restringindo a ArteTerapia à expressão
plástica. Também podemos encontrar o termo ‘Artes Terapias’ para definir o uso de
expressões artísticas que não sejam as plásticas.
Entretanto a SPAT segue o modelo inglês das ‘Artes Integradas’ que se utiliza
dos vários mediadores artísticos, a explorar a potencialidade de cada um, de
maneira individualizada (mono-expressão) ou integrando-os a proporcionar um
determinado contínuo expressivo.
Ao se inspirar no trabalho de arte-terapeutas inglesas como Jennifer
Mackewn e Petruska Clarkson, que têm por base a Gestalt-Terapia, Carvalho define
as Artes Integradas como:
Uma perspetiva que considera a arte de um ponto de vista holístico, enquanto
fenómeno humano ligado à criação de realidades estéticas subjetivas ou virtuais, se
bem que existem diferentes linguagens processuais, operativas ou de execução e
expressivas próprias dentro do fenómeno artístico, elas são potencialmente
intermodais. Tal significa que todo o ser humano tem em si a capacidade de criar,
expressar-se e comunicar recorrendo a qualquer uma das possibilidades…
(Carvalho, 2010).
Assim, utilizamos recursos técnicos artísticos de artes visuais; dança e
movimento; voz, canto e música; o drama através de representação espontânea ou
com marionetas; brinquedos, jogos e tabuleiros de areia; a poesia, a escrita e as
histórias. As possibilidades são variadíssimas, tanto a nível expressivo, onde cada
modo tem o seu código simbólico próprio, como a nível de aplicação, pois abrange
um vasto público que utiliza-se da Arte-Terapia como meio terapêutico e expressivo,
mesmo que não se adapte unicamente às artes plásticas. Um dos objetivos em Arte-
Terapia é oferecer recursos que sejam adequados às necessidades de cada
indivíduo, e havendo alguma restrição por parte do paciente na prática das artes
plásticas, o arte-terapeuta tem mais alternativas para sua facilitação.
O cenário de integração das artes é uma metáfora para integração de partes
do Si Mesmo, assim como nos poderemos servir de uma das funções da arte que é
33

a ‘integração’: integração social nomeadamente, e integração de partes do Self do


criador. Sendo a arte um mediador entre vivências do Eu e o seu meio social.
A integração da arte funciona também como um “jogo”, pela noção do lúdico,
sendo um jogo de sinalização ou simbolização do caminho interno que o indivíduo
traça ao refletir sobre si mesmo. O próprio encadeamento desempenha o papel de
jogo – como um encaixe de peças, um ‘quebra-cabeça’. No jogo simbólico temos
mais possibilidades de utilizar meios de maneira menos censurada e o processo
primário de pensamento, de forma mais espontânea. A integração das artes
proporciona esta forma de cognição em terapia, menos racionalizada e mais
baseada na vivência lúdica.
A arte criada em Arte-Terapia revela-se com singularidades. São sublinhadas
pelos arte-terapeutas e arte-psicoterapeutas, observadas nos settings de trabalho,
diretamente com os seus pacientes, portanto através da experiência prática. John
Birtchnnell (1984: 37-39), psiquiatra, arte-psicoterapeuta, membro da BAAT, relata
num dos seus artigos os vários modos de atuação da arte ‘em’ e ‘como’ terapia.
Aponta a relevância da aplicação da criação de imagens no contexto
psicoterapêutico e a vasta potencialidade terapêutica do processo artístico.
Resumidamente refere itens como:
• Imagem concreta: A criação em Arte-Terapia materializa as ideias, os
sentimentos e as emoções do indivíduo numa imagem concreta, tal como nos
sonhos. Traduz-se numa fotografia do estado de espírito da pessoa, de maneira a
perdurar no tempo podendo ser trabalhada terapeuticamente em vários momentos
do processo.
• Posse e continuidade: Os trabalhos artísticos produzidos em Arte-
Terapia devem ser preservados da exposição pública sem permissão do próprio,
sendo objetos pessoais e restritos ao seu criador. Pelo menos restringe-se a
exposição dos objetos de arte a estudos científicos, sempre a preservar a identidade
do paciente. Cada criação é como uma parte do próprio, um pedaço do seu mundo
interior. Além disso, o sujeito criador tem total liberdade em decidir o fim do trabalho
artístico, que pode ser guardado em seu processo pessoal, ou eventualmente se o
paciente desejar pode destruí-lo.
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• Liberdade na comunicação: a recriação de algo perdido ou do passado,


bem como a reconstrução de cenas perturbadoras são permitidas e comunicadas
através da “dimensão não-verbal da comunicação” ao se utilizar de uma imagem.
• Segurança: a expressão através das artes oferece a segurança que de
maneira verbal não se encontra. Desenhar medos pode ser uma forma encorajadora
de explorá-los, obtendo perspetivas diferentes daquela situação e tendo a
oportunidade de enfrentá-los.
• Desibinição: dar voz às fantasias proibidas e desaprovadas ao
desreprimir sentimentos latentes difíceis de serem aceitos.
• Irracionalidade: É possível pelas artes ser ‘saudavelmente irracional’ ou
‘francamente psicótico’. Inerente à criação artística é o processo de regressão a um
estádio infantil, estabelecendo pontes de acesso à imaginação. “É bastante aceitável
desenhar coisas muito loucas e ser totalmente ridículo (…) Tais efusões mantêm no
entanto o indivíduo são”.
Além destas particularidades, relativamente às possibilidades do trabalho
artístico em terapia, podemos encontrar mais estudos e considerações sobre o seu
papel como veículo de transformação interna. A imagem criada em Arte-Terapia
pressupõe ser um meio relacional, bem como é previsto que o indivíduo criador
também se relacione e comunique/dialogue com a criação. Alguns autores
assinalam ‘tipos’ de imagens que surgem no processo arteterapêutico. Este não é
um sistema de significado rígido, uma vez que trabalhamos com a individualidade de
cada pessoa, tornando a sua criação única. Mas, torna-se interessante constatar o
surgimento das imagens como padrão, apontando dinâmicas específicas, mas que
despontam em momentos semelhantes do processo criativo dos sujeitos.
A arte-psicoterapeuta britânica Joy Schaverien (1987) refere-se à imagem
criada em Arte-Terapia como um talismã, que pode ser investida de “poderes
mágicos” pelo seu criador, transcendendo a sua função expressiva e passando a ser
dotada de algo que beneficia o seu possuidor. Isso surge do investimento psíquico
sobre o objeto de arte, consequente da relação que se estabelece com o mesmo. “A
partir do momento que um objeto é experienciado como um talismã qualquer atitude
em relação a ele torna-se significativa…”.
35

A autora distingue dois tipos de imagens que são criadas segundo um padrão
de comportamento perante o processo terapêutico que se pode alterar ao longo do
tempo. Uma delas é a ‘imagem diagramática’ que normalmente surge no período
inicial do processo. As primeiras pinturas são feitas de maneira diagramática e são
utilizadas concretamente para dizer algo ao arte-terapeuta, sendo um guia para o
seu discurso, ou um apoio. A criação é uma ilustração do que se quer expressar,
como por exemplo um desenho da família, ou um desenho da própria pessoa em
determinada situação. Sendo que a imagem não tem significado em si mesma,
aparecendo como um mapa para as palavras do paciente. Pode representar um
sentimento, mas não será imbuída de sentimento.
O outro tipo é a ‘imagem incorporada’, que surge quando o paciente abre-se
ao processo de criação e quando as imagens começam a tornar-se afetivas. No
momento que isto é reconhecido a criação passa a ser investida de mais afeto. É
executada de maneira mais espontânea sem ter por base algo que se quer falar
previamente. Desenha-se livremente por exemplo, usufruindo do contato com os
materiais e da relação sensorial que se estabelece. Com mais espontaneidade a
criação torna-se mais instintiva e próxima de conteúdos inconscientes. É uma
imagem associada a momentos mais desenvolvidos do processo arteterapêutico,
mas dependendo da capacidade expressiva da pessoa, e do seu nível de
flexibilidade interna pode surgir desde o início, nas primeiras criações.

A armadura, o escudo e arte – Mecanismos de defesa na criação

A arte em Arte-Terapia não é um fim, é um meio. Um meio para se atingir um


objetivo de desenvolvimento pessoal, saúde e equilíbrio mental. Sem os
componentes de um processo psicoterapêutico, a arte na Arte-Terapia não atinge
esse objetivo por si só, pois se assim fosse, de maneira irônica podemos pensar em
todos os artistas como pessoas completamente sãs e equilibradas. Quando, na
verdade, a visão mítica do artista é alguém que possui um gênio conturbado,
diferente, inadaptado, e exatamente por isso precisa de um meio de expressão
diferente dos meios comuns da sociedade dita “normal”. Essa é a visão apregoada
pelo Romantismo: o artista é aquele que se difere do resto comum, é o diferente, o
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irreverente, o audacioso, o exibido. É aquele que é incompreendido, e que através


da arte dá voz ao seu gênio, encontra o seu caminho, e sublima as suas dores. Daí
a fácil ligação da arte com a loucura. Mas como referimos no início, na História da
Arte-Terapia, a arte aqui é um meio para se atingir um estado saudável, equilibrado
e adaptado. E não é por “ser louco” que se vai fazer mais ou melhor arte. Isso é puro
romantismo. Quanto mais equilíbrio pessoal é encontrado mais possibilidades de
contatar núcleos criativos, imaginativos, e usá-los como fonte de transformação e
crescimento, e também para fazer arte!
Não obstante, a arte é finalidade da Arte-Terapia no sentido da vivência e do
exercício da criatividade, que é a motivadora essencial do processo de
desenvolvimento pessoal. Em Arte-Terapia não é pretendido que o criador, ou seja,
o paciente, seja um artista ou tenha qualquer tipo de prática ou conhecimento
artístico. Pelo contrário, é bastante comum artistas ou professores de artes
“bloquearem” num setting arte-terapêutico, justamente porque têm conhecimentos, e
consequentemente censura em relação à criação artística, o que não lhes permite
criar de maneira espontânea, livre e “sem pensar”, pois frequentemente mantêm-se
presos às técnicas artísticas tradicionais. A pessoa limita-se em criar “bonito”,
prendendo-se a padrões estéticos.
A arte em Arte-Terapia tem uma função desbloqueadora dos conteúdos
internos, favorecendo ao paciente o contato com os seus verdadeiros núcleos
psíquicos, que, a princípio, podem apresentar-se limitados e impossibilitados de
crescimento pela utilização de defesas rígidas.
A arte tem também uma função reveladora, pela qual há oportunidade de
deixar cair o véu que esconde as suas próprias verdades e proporcionar o contato
com conteúdos internos adormecidos, recalcados, negados, distorcidos e
bloqueados. Relaciona-se com o criador como um espelho, pelo qual ele pode
perceber a imagem de si próprio e identificar objetos internos antes difusos e sem
sentido, ou de características pessoais completamente desconhecidas. Dessa
maneira, a linguagem não-verbal da arte é um meio facilitador de evolução psíquica,
um identificador do caminho a percorrer, e mais do que uma simples lanterna
clareadora de veredas escondidas, é também um suporte, um apoio de segurança,
que antes, sem esse apoio seria insuportável percorrer tais caminhos.
37

A criação artística impulsiona a comunicação verbal na Arte-Terapia, que


normalmente é repleta de racionalizações, funcionando como espécies de
“justificações” dos afetos. O raciocínio lógico do ‘falar’ permite mascarar os diversos
sentimentos conflituosos.
Mas se arte é “uma mentira que nos faz atingir a verdade”, segundo Picasso
(2003, p. 46), então é por essa via, na qual se faz uso da imaginação, da ilusão e da
fantasia, que é possível identificar a ‘verdade’ de si mesmo. As criações tornam-se
auto retratos, espelhos reveladores de uma ‘nova visão do Eu’. Porque através da
criação artística podemos encontrar um espaço para descansar dos estratagemas
desenvolvidos pelos mecanismos de defesa psíquica. Pela arte podemos ser
“irracional” e “desinibido”, expressando o que poderia ser considerado impróprio ou
seria censurado, ameaçador ou perigoso. Enfim, a arte oferece suporte a passos
importantes no processo psicoterapêutico, como libertar conteúdos internos, dar
asas à imaginação, regressar a um estágio infantil, e expandir a consciência de si
próprio. E ainda, porque brincar é bom e divertido, a criação artística em Arte-
Terapia motiva sentimentos positivos através da vivência lúdica.
Como meio de comunicação, a arte na Arte-Terapia é útil no estabelecimento
da relação terapêutica, aproximando o arte-terapeuta do paciente e propiciando uma
ponte facilitadora de acesso aos seus sentimentos. Se o paciente expressar melhor
os seus desejos e conflitos, melhor é a resposta do arte-terapeuta, o seu
acompanhamento e o desenvolvimento de um plano terapêutico adequado, uma vez
que o pedido da maioria das pessoas em terapia parte da necessidade de
compreensão.
Defesas narcísicas, consideradas as mais primitivas; Defesas imaturas,
defesas neuróticas e as defesas maduras, que são os mecanismos adaptativos,
normais e saudáveis da vida de um adulto. Assim, usamos nossas defesas como um
“escudo” ao que supostamente nos ataca, ou como uma “armadura” de proteção
contra o que nos é ameaçador. A ameaça de colocar em perigo a integridade
psíquica do indivíduo ao contatar com a dor, com o sofrimento, com a perda, muitas
vezes bloqueia a vivência de sentimentos e emoções necessárias para se
ultrapassar dificuldades e reorganizar o Eu.
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Apesar de inerente, criar e inventar não é um processo fácil. É necessário


uma dose de regressão psíquica, de desprendimento de censura e juízo externo e,
principalmente, interno, isto é, facilitar a permissão interna para aceder o que a
princípio é inerente ao ser humano: a criatividade. O que criar diante de tantas de
defesas construídas por toda uma vida? O que criar se o indivíduo vem de uma
cultura de rigidez e pragmatismo? O que criar diante do vazio interno? Pensamos
ser ingênua a ideia de que é só estender uma folha de papel e dispor materiais,
seguida da frase de estímulo “Vá, crie livremente o que vier à cabeça! ”, que se
promove grandes atos criativos, já que afinal são “inerentes” a todas as pessoas.

“O que eu vou criar se não me vem nada à cabeça…?”

Esta é uma colocação legítima e verdadeira. Porque vivências vazias de afeto


levam a conteúdos imaginativos vazios e pobres. Além das imagens internas
dolorosas, oriundas de conflitos e vivências infelizes, que simplesmente não se quer
ter acesso de todo, sendo melhor esquecê-las e recalcá-las.
Normalmente há dois tipos de pessoas que aparecem nas consultas de Arte-
Terapia. Aquelas que procuram simplesmente realizar um processo
psicoterapêutico, e que depois, ao longo das sessões, tomam conhecimento do
processo arte-terapêutico. E há aquelas que sabem o que vão encontrar, a Arte-
Terapia, que são as que costumam vir com o espírito mais aberto para as propostas
de criação. Normalmente são aquelas “com jeito para as artes” ou “gosto pelas
artes” (não necessariamente artistas). As outras, que são apresentadas à Arte-
Terapia, no início do processo costumam ter reações de rejeição, usando as
clássicas frases: “eu não sei desenhar”, “isso é do tempo da escola”, “há anos que
não desenho uma linha…”. Essas pessoas podem vir a sentir-se infantilizadas, mal
interpretadas, intimidadas a fazerem coisas que não gostam ou não querem, ou que
as assustam… Pintar ou desenhar depois de tantos anos de criatividade reprimida
(no caso de um adulto) é muitas vezes assustador!
Portanto, para se fazer arte em Arte-Terapia é imprescindível a relação
terapêutica, de boa qualidade, de confiança, assim como o papel contentor do arte-
terapeuta, que motiva o paciente a ser um criador, arriscando a fazer “arte”.
39

Entretanto, de modo igual, o próprio ‘fazer’, o exercício criativo, a experiência, a


vivência artística, permitem com que a pessoa se solte, se liberte da sua “armadura”
e se deixe experienciar a própria capacidade criativa e de imaginação.
De acordo com Hauser (1988: 101), a criação artística é muitas vezes uma
crítica à vida, uma tentativa para a libertar da sua irregularidade, torná-la mais
coerente e inequívoca. A criação nunca é a expressão de um estado de alma
meramente contemplativo; é sempre uma resposta a um desafio. O desafio aqui é
encontrar um Eu perdido, restabelecer e restituir a sua capacidade de integração do
que é caótico e incompreensível.
Na formação de um arte-terapeuta não é pretendido que este tenha a
habilidade técnica de um artista, nem que se seja perito em nenhuma técnica
artística específica, mas é preciso sim que experimente a maior variedade possível
de materiais artísticos e conheça as suas características e particularidades.
Necessita ter o conhecimento preciso da aplicação de cada recurso técnico artístico
adaptado a cada situação particular do paciente. Quanto mais materiais conhecer e
saber utilizar, maior é a sua possibilidade de facilitação terapêutica. Pelo menos os
recursos que utilizar, deve, assim como um professor que ensina uma técnica
artística saber manejar com suficiente destreza para que possa fornecer suporte
técnico e emocional ao paciente.

Arte-Terapia e criatividade

A criatividade é imprescindível para uma vida saudável e equilibrada. É


fundamental para o encontro de soluções e para uma boa integração do sujeito à
realidade, de maneira construtiva. O processo criativo coopera na iluminação e na
reparação dos processos psíquicos. É o recriar de uma nova realidade e de mundos
imaginados por si próprio, para si próprio, de um ‘mundo possível’, como nos diz
Pedro Barbosa (1995). A arte atua ampliando sentimentos através do imaginário.
Num movimento de descobertas e redescobertas criam-se outras realidades.
Segundo a professora Fayga Ostrower (2008):
Criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer, e, em
vez de substituir a realidade, é a realidade, é uma realidade nova que adquire
40

dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em
níveis de consciência cada vez mais elevados e complexos. Somos nós a nova
realidade. Daí o sentimento do essencial e necessário no criar: o sentimento de um
crescimento interior, em que nos ampliamos em nossa abertura para vida.
De acordo com Carl Rogers (1985), a criatividade é definida como um
processo existencial, onde não se distancia da capacidade humana de auto
realização e afirmação, tendo a tendência potencial de se expandir, de se
desenvolver e amadurecer: “não há diferença entre os processos criativos
relacionados às artes e invenções e aos processos que desenvolvam a
personalidade de um indivíduo, como a psicoterapia”. Assim, ao usufrui ao máximo
da capacidade de criação e transformação. Capacidade esta entendida como
inerente ao ser humano.
Em Arte-Terapia subjaz a analogia entre criar artisticamente e criar
perspetivas de mudança pessoal. Portanto, ao criar novas formas, configurar
elementos e encontrar significados para a criação, estabelece-se simbolicamente
uma nova ordenação das estratégias de vida. “Criar é, basicamente, formar”, afirma
Ostrower, ao introduzir o conceito de criatividade relacionando-a com a necessidade
de formar e com o conceito de forma. No ato de criação “novas coerências
estabelecem-se para a mente humana” pressupõe “a capacidade de compreender; e
esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar e significar”. Uma forma
corresponde também a aspetos expressivos do desenvolvimento pessoal “refletindo
processos de crescimento e de maturação cujos níveis integrativos são
considerados indispensáveis para a realização das potencialidades criativas”.
‘Relação’ e ‘significado’ são fatores que constituem uma forma, na medida em
que os elementos se relacionam e consequentemente se ordenam, em busca de um
significado. Dessa maneira estabelecemos que:

Forma = relacionamento + significação

É a partir da apreensão de tais configurações e relacionamentos que


determinados significados são atribuídos: “A forma será sempre compreendida como
41

a estrutura de relações, como o modo por que as relações se ordenam e se


configuram”.
O ato criativo imprime a marca do seu criador, imbuída da sua originalidade e
individualidade. Seu imaginário, composto por vivências, símbolos e sua percepção
do que o rodeia. Influências culturais e sociais também se integram nesse processo.
Desde cedo, organizam-se em nossa mente certas imagens que representam
disposições em que os fenómenos parecem correlacionar-se em nossa experiência.
(…) As disposições, imagens da percepção, compõem-se, a rigor, em grande parte
de valores culturais. Constituem-se em ordenações ‘características’ e passam a ser
normativas, qualificando a maneira por que novas situações serão vivenciadas pelo
indivíduo. Orientam o seu pensar e imaginar. Formam ‘imagens referenciais’ [grifo
nosso] que funcional ao mesmo tempo como uma espécie de prisma para enfocar os
fenómenos e como medida de avaliação.
As ‘imagens referenciais’ formam-se de modo intuitivo, configurando-se a
partir da experiência única e individual que define a percepção de cada pessoa. Elas
influenciam no modo de perceber e de interpretar os acontecimentos, definindo a
posição existencial do indivíduo.
Ostrower sinaliza que criar e viver se interligam. Mas como é possível falar de
uma habilidade própria e inseparável, quando se está doente, bloqueado, fechado
para o mundo interno e externo? Como criar artisticamente se não consegue criar as
condições básicas físicas e psicológicas para se viver? Arte pura e simplesmente
não é de maneira nenhuma, sinónimo de saúde e equilíbrio. Em ateliers de Arte-
Terapia, e no setting artepsicoterapêutico, deparamo-nos constantemente com a
dificuldade e a limitação no fazer criativo. A depressão, o medo causado por traços
de personalidade mais rígidos, o vazio interno, a ansiedade, são algumas das
muralhas que impedem indivíduos, crianças e adultos de todas as idades, de se
expressarem através do seu imaginário. As estratégias de desbloqueio criativo e
facilitação devem ser proporcionadas para o desenvolvimento da atividade criadora.
Seja a nível emocional, através da relação empática, ou mesmo a nível ambiental,
no encontro de um espaço acolhedor, confortável, que propicie por alguns instantes
um desligamento das influências exteriores. Lowenfeld considera que a criatividade
deve ser amparada e orientada, num ambiente que seja adequado. Nem a rigidez da
42

autoridade tolhedora, nem a atmosfera de “vale-tudo” onde os impulsos criativos não


podem ser encaminhados. “O pensamento criador não é desorganizado; pelo
contrário, é a capacidade de redefinir e reorganizar, de maneira flexível, as formas,
os elementos com que estamos familiarizados”.

Intuição e espontaneidade

A intuição e a espontaneidade são fatores imprescindíveis para a criatividade.


A intuição é compreendida como um mecanismo direto de se sentir a realidade.
Favorece um tipo de aprendizagem a partir de processos que não se utilizam da
lógica do entendimento. É uma forma de conhecimento através da ruptura de
conclusões conscientes, sendo um meio puramente inconsciente de apreensão da
realidade.
Ostrower (1977) define como “níveis intuitivos do nosso ser”, os níveis que
fluem na divisão entre consciente e inconsciente. “Assim como o próprio viver, o
criar é um processo existencial. Não abrange apenas pensamentos nem apenas
emoções. Nossa experiência e nossa capacidade de configurar formas e de discernir
símbolos e significados têm origem nas regiões profundas do nosso mundo interior,
ao mesmo tempo que o intelecto estrutura as emoções”. A autora refere a
importância da intuição nos processos de criação, considerando esta “um dos mais
importantes modos cognitivos”. Permite que se visualize e internalize a ocorrência
de fenómenos, julgue e compreenda algo a seu respeito. Permite a espontaneidade.
De acordo com Ostrower ser espontâneo nada tem a ver com ser independente de
influências. Ser espontâneo apenas significa ser coerente consigo mesmo. Portanto
quanto mais autêntico e mais integrado na sua personalidade, mais espontâneo o
sujeito pode ser mesmo diante de suas influências:
Sendo espontâneos tornamo-nos flexíveis. Para poder responder de maneira
espontânea aos acontecimentos significativos dispormos de uma real abertura, sem
rigidez ou preconceitos, ante o futuro imprevisível.
A espontaneidade e a liberdade face às circunstâncias são fundamentais para
o desenvolvimento de um processo de criação. Espontaneamente abrimo-nos ao
novo e não temos medo de arriscar e viver o nosso imaginário. Sobre a ‘liberdade
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psicológica’, Rogers (1985: 309) coloca que esta permite que indivíduo seja o que é,
no seu mundo mais íntimo. Espontaneidade não tem a ver com deixar de se pensar
em algo, ou no processo. Está ligada a um estado coerente e intuitivo da pessoa
(Ostrower, 1977: 150). Ser espontâneo é portanto, no sentido amplo que a palavra
tem, é ‘poder ser livre’ uma vez que se conquista a autonomia interior e um grau alto
de liberdade de ação diante das possibilidades de viver e criar.

Dar forma às emoções - Arte-Terapia e a experiência estética

Em Arte-Terapia não é objetivo que as criações tenham valor estético, que


sejam belas tecnicamente falando dentro dos padrões culturais de valorização.
Como é uma criação livre e espontânea, feita por qualquer pessoa sem a mínima
prática artística, nem o arte-terapeuta, nem o paciente têm a ambição de que seja
uma ‘obra de arte’.
O que é criado em Arte-Terapia é considerado como ‘objeto de arte’, feito com
materiais artísticos, mas sem a intenção de se fazer algo propriamente ‘belo’. A
criação pode ser tanto uma obra composta, rica em formas e conteúdo, como pode
ser um risco, um ponto, um papel rasgado…o que vier à cabeça do criador.
Contudo, ao atribuir valor estético aos objetos criados em Arte-Terapia não se
quer dizer que essas criações não sejam esteticamente atraentes, agradáveis,
sensíveis, equilibradas, enfim não se quer dizer que não tenham qualidades
estéticas.
A reação positiva do paciente em Arte-Terapia diante de uma criação é de
grande valor para o processo terapêutico. O sentido de se fazer algo “bonito”,
criativo e expressivo traz à pessoa o sentido de valorização pessoal e de capacidade
criativa. Ciornai (2004) ao descrever a arte como ponte para aspetos positivos e
saudáveis do ser humano sublinha: Ao criar beleza, harmonia, delicadeza, a pessoa
entra em contato com estas qualidades em si; ao expressar raiva, revolta e
indignação, a pessoa percebe a força do seu poder pessoal. E ao dar expressão ao
seu poder criativo, as pessoas ficam não só orgulhosas do que fizeram como
revelam-se a si mesmas, passando de uma atitude de autocrítica a uma atitude bem
mais positiva de curiosidade sobre si mesmas.
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Normalmente um arte-terapeuta argumenta com o paciente de maneira a


estimulá-lo à experiência artística, então utiliza frases como: “crie o que vier à
cabeça, de maneira livre, sem muito pensar…”; “Não ligue se o que fizer é bonito ou
feio…”; “Em Arte-Terapia a estética não importa, o que importa é fazer… ”. Assim
pode levar o sujeito a despir-se dos preconceitos e das censuras em relação à
produção artística. É uma maneira de desdramatizar a criação, simplificando o fazer
ao livrar-lhe de padrões artísticos tradicionais. Contudo o indivíduo no processo arte-
terapêutico não se livra de vivenciar a experiência estética a partir da sua criação.
“Bonito” e “feio” não têm importância, e na maioria dos casos as criações são
executadas realmente sem se pensar nesses aspetos. Mas, mesmo não pensando
em padrões ‘acadêmicos’, mas sendo a “beleza” na arte um padrão cultural, a
tendência do sujeito é criar procurando a beleza e o fazer bem feito. O arte-
terapeuta também não deixa de vivenciar esteticamente o processo de cada
paciente. O cuidado em oferecer bons materiais artísticos, com qualidade suficiente
para uma criação plástica satisfatória. Recursos que complementam, adereços e
suportes “bonitos”, são por exemplo preocupações do arte-terapeuta para facilitar
uma melhor e mais criativa expressão artística.
Em Arte-Terapia, pelo trabalho criativo que se propõe, é possível ter-se uma
experiência estética ao vivenciar o processo de dar forma às emoções:
“Experimentar uma nova emoção é algo muito especial porque as emoções não têm
forma (…) A experiência estética é excecional na medida em que se associa a uma
nova emoção com uma forma visual distinta obtida a partir da obra de arte.” Neste
momento Funch (2000) descreve a experiência estética como fenómeno
transcendente, ressaltando o indissociável da integração emocional no processo. “A
emoção constitui-se ao ser-lhe dada uma forma distinta, que torna possível refletir
sobre a emoção em questão e interagir com esta parte da nossa vida emocional”.
Seguindo estas colocações concluímos que a experiência estética em Arte-Terapia
desenvolve-se a partir da identificação emocional, que se estabelece na própria
associação das formas, onde podemos identificar, sentir e perceber a materialização
dessas emoções através do conteúdo da criação. “Nesta altura também percebemos
porque é que a arte abre novos caminhos. As nossas condições de vida alteram-se,
as nossas emoções mudam e precisamos de novas formas para construir a nossa
45

vida emocional”. Por isso quanto maior a capacidade de identificar sentimentos e de


criar novos símbolos, melhor é a possibilidade pessoal de transformação de
padrões, vivências traumáticas ou realização de lutos que levam à mudança.
A aprendizagem e a vivência estética em Arte-Terapia se promove pela
reprodução metafórica em forma de imagens, de vivências, e aspetos do Eu.
Contemplar aspetos próprios com olhos de satisfação, eventualmente reconhecendo
potenciais antes desconhecidos (inclusive o de ‘superação’ e o de ‘transformação’),
desenvolver uma apreciação estetizada, identificando a própria beleza, ou vir a
desenvolver um ponto de vista mais positivo, ou mesmo belo, do que a princípio é
sentido como antiestético. Os fatores indesejáveis e desprezíveis da vida, que são
representados através de novas formas, com cores diferenciadas, ganham uma
nova significação, a partir da promoção do sentimento de autoestima.
Criar, fazer, expressar, contemplar, descobrir, conhecer… Porque arte é
fazer, é ação, não se desvincula do seu carácter executivo e realizador. E pensando
dessa maneira, mesmo em contexto psicoterapêutico encontramos as definições
tradicionais da arte como fazer, como expressão e como conhecimento. A forma
artística é antes de tudo um significado, um símbolo, algo que expressa alguma
coisa; uma metáfora. Arte é também conhecimento, contemplação, visão de uma
realidade sensível. Pareyson (1989: 31) ao definir a arte coloca que “ela revela,
frequentemente, um sentido das coisas, e faz com que um particular fale de modo
novo e inesperado, ensina uma nova maneira de olhar e ver a realidade; e estes
olhares são reveladores sobretudo porque são construtivos, como olho do pintor,
cujo ver já é um pintar e para quem contemplar se prolonga no fazer.”
Segundo Dmitry Leontiev (2000), professor e autor de várias publicações
sobre as emoções e a arte, expõe que “sabemos tanto teórica como intuitivamente
(experimentalmente) que o contato com a arte, adequadamente vivido e assimilado,
tem algo a ver com o processo mais íntimo do desenvolvimento pessoal e da
personalidade, do que simplesmente com a adaptação social”. Ele questiona: “o que
é arte e porque as pessoas precisam dela?”, e conclui que a arte deve ser definida
através das suas características únicas essenciais que só se podem ver nos efeitos
da sua ‘integração’ com a pessoa, ou seja, com o seu ‘diálogo’: Como a obra dialoga
com o espectador e como o espectador dialoga com a obra. A relação estética
46

propõe um diálogo, e nunca um monólogo. “Num diálogo ambos os parceiros estão


abertos entre si, prontos a mudar, com seus mundos interiores prontos a interagir
(…), na interação de dois mundos com significado”. O que só acontece em diálogo é
a conversão do significado pessoal ou sentido pessoal. A arte assim é caracterizada
como a atividade que preenche a tarefa de revelar, expressar e comunicar um
‘sentido pessoal de realidade’. Uma obra de arte é portanto “um microcosmos de
significados vivos”.
Resumindo, a ‘atitude estética’ é uma ‘atitude de diálogo’.

Mediadores artísticos

Assim quem devaneamos trabalhando,assim que vivemos um devaneio da


vontade, o tempo assume uma realidade material.

Gaston Bachelard

Os mediadores artísticos

Os ‘mediadores artísticos’ são os meios utilizados com a finalidade de


criação, expressão e comunicação no setting terapêutico. Deles derivam os recursos
artísticos respetivos. Em outras palavras, são os materiais artísticos utilizados pelos
pacientes em ArteTerapia. Carvalho (2008b) define-os como formas específicas de
expressão artística, que recorrem a procedimentos criativos de concretização e
sensoriais próprios, mediante as suas características específicas, com impato
particular nas diferentes vias percetivas e com possibilidades expressivas e
elaborativas, porque cada mediador deve ser aplicado de maneira peculiar. Deste
modo oferecem potencialidades variadas, adequáveis às necessidades do indivíduo
em Arte-Terapia.
O termo mediador artístico é utilizado pela Sociedade Portuguesa de Arte-
Terapia. Expressões diferentes são utilizadas por outros profissionais para designar
os materiais de arte utilizados em Arte-Terapia, assim como: ‘linguagens
expressivas’, ‘materiais expressivos’ ou ‘recursos artísticos’.
47

Efetivamente as opções são muito amplas, principalmente quando se trabalha


com a integração dos mediadores como na SPAT, e ainda na aplicação do Modelo
Polimórfico de Arte-Terapia que possibilita variadas intervenções.
Os mediadores artísticos podem ser:
• Expressão plástica
• Expressão corporal
• Expressão dramática
• Expressão musical
• Expressão literária
• Expressão lúdica

A partir dos mediadores artísticos são definidos uma série de recursos


técnicos (Carvalho, 2008b):

Mediador artístico Recursos técnicos

• Expressão plástica Pintura, desenho, modelagem,


colagem, fotografia, construções
plásticas, etc.

• Expressão corporal Fantasia guiada, movimento livre,


movimento coreografado, danças de
roda, espelhamento, etc.

• Expressão dramática Marionetas, dramatização de


histórias, role-playing, “cadeira vazia”,
estátuas vivas, etc.

• Expressão musical Método ativo: ex. improvisação


musical; Método recetivo: ex. escuta.
48

• Expressão literária Escrita livre automática, poesia,


contos de fadas, mitos e lendas,
histórias em geral, etc.

• Expressão lúdica Tabuleiros de areia, brincadeiras,


jogos, uso de brinquedos e outros
meios lúdicos.

De cada recurso técnico surgem variantes relativamente à diversidade do


material, como por exemplo, da modelagem podemos ter a variante em barro,
plasticina, pasta de modelar ou papel marche.
Ao pensarmos que cada pessoa tem o seu próprio processo próprio de
desenvolvimento criativo, os mediadores apresentam potenciais diferenciados
estimuladores da criatividade de cada um, e uma função terapêutica específica que
corresponde à carga simbólica a que é imbuído, indo ao encontro do Eu e das suas
imagens internas.
Todos os recursos artísticos são potencialmente terapêuticos, considerando
as suas características físicas, técnicas e simbólicas. Carvalho (2008c) indica
algumas das funções terapêuticas fundamentais da arte que podem ser exploradas
no setting arte-terapêutico:
• Função de criação – “É o processo pelo qual é dada uma outra ordem
a representações ou fantasias internas. Tal pode agir como um fator de
reorganização psíquica, facilitando a transformação pessoal, na direcção do
equilíbrio estético. O ato criativo tem um valor de processamento da realidade quer
externa quer interna, implicando um registo de pensamento próprio. Tem finalidades
de transformação, adaptação, comunicação e relação”.
• Função de expressão - “Sentimentos podem ser extravasados através
da arte. Deste modo o criador pode libertar-se de sentimentos e emoções que o
perturbam. A expressividade propicia a adaptação e a manifestação significativa de
si próprio”.
49

• Função de significação - “A criação de um objeto de arte pode


proporcionar a aquisição de novos significados ou sentidos subjetivos. Esses novos
significados impulsionam a mudança do sentido de si mesmo do criador”.
• Função de suprimento ou substituição – “A criação irá permitir o
suprimento do vazio daquele significante. Tal vai ter implicações nos três registos da
estrutura psíquica da pessoa, no ‘imaginário’, no ‘simbólico’ e no ‘real’”.
• Função de reparação - “A criação artística confronta o criador com a
reelaboração da ‘Posição Depressiva’ (Melaine Klein). Deste modo ocorre um
movimento interno de reparação dos objetos internos atacados, veiculado
simbolicamente através da obra de arte”. Na sua necessidade de reparação de
conteúdos internos com coesão comprometida, o indivíduo tende a integrar as
imagens, construindo um objeto total, cuja articulação ajuda a confirmar a integração
do próprio Eu.
• Função de nutrição – “A necessidade de nos nutrirmos fisicamente vai
coexistir ao longo da nossa vida com outra, simbólica das relações com as figuras
parentais cuidadoras precoces. Esta irá matizar toda a nossa vivência emocional
enquanto adultos, constituindo um dos pilares das nossas motivações. Como adultos
sentimos necessidades de nos nutrimos em termos da nossa autoestima ou
valorização pessoal, do ponto de vista do amor, criativamente, espiritualmente, etc”
(2008d).
• Função integradora – “Ajudar os nossos pacientes a desbloquearem e
desenvolverem a sua criatividade, que aplicada à expressão artística, lhes permitirá
suster as suas angústias existenciais, descobrindo em si a fonte de novas
significações que lhes possibilitarão um sentido de ‘integração’, para além dos
códigos existenciais a que foram condicionados” (2008e).
As funções terapêuticas das artes tornam-se presentes ao se fazer uso dos
mediadores artísticos em Arte-Terapia. Criar e transformar fazem parte do processo
arte-terapêutico envolvendo fatores como a catarse, o experimento, o sentido de
construção e percepção de capacidades bem como o estímulo aos sentidos. A
expressão por si só é uma função da arte no geral, onde todo o trabalho artístico
expressa uma intensão. No caso da Arte-Terapia expressa o que de outra maneira
encontraria mais dificuldade.
50

Como a criação pressupõe algo novo, as mudanças desejadas surgem a


partir de significados diferentes que o indivíduo obtém ao longo do processo,
reparando perdas e sofrimentos, e descobrindo uma nova imagem de si mesmo.
Novos sentidos na vida podem surgir, bem com a criação de novas e melhores
opções.
Trata-se de potencialidades da matéria bem como de potencialidades nossas,
pois na forma a ser dada configura-se todo um relacionamento nosso com os meios
e conosco mesmo. Por tudo isso, o imaginar – esse experimentar imaginativamente
com formas e meios – corresponde a um traduzir na mente certas disposições que
estabeleçam uma ordem maior, da matéria, e ordem interior nossa. Indaga-se,
através das formas entrevistas, sobre aspectos novos nos fenômenos, ao mesmo
tempo que se procura avaliar o sentido que esses fenómenos novos podem ter para
nós (Ostrower, 2008: 34).
O exercício da criatividade é preenchedor do vazio interno trazendo novos
símbolos estruturantes ao sujeito. Nutrir a própria sensibilidade traz sentimentos
positivos através de vivências saudáveis e edificantes: “Nutrir-se de cores, formas,
sensações e boas imagens pode nos proteger e fortalecer contra os embates do dia-
a-dia” (Philippini, 2002: 9). O sentimento de integração decorre da melhor aceitação
e valorização de si mesmo, proporcionando coesão e integridade do Eu.

A relação com o material mediador

Os mediadores determinam o desenvolvimento criativo na sessão de Arte-


Terapia. Transformar o material num objeto de arte é simbólico de transformação
pessoal, e quanto maior a abertura afetiva, melhor é a disponibilidade criativa.
Dependendo do modo de intervenção em que se trabalha (Arte-Terapia ou Arte-
Psicoterapia), os mediadores artísticos são propostos pelo arte-terapeuta para
serem utilizados livremente na criação a explorar as suas potencialidades, ou, serem
escolhidos à vontade, dentro de uma variedade exposta ao paciente, mediante o
estado emocional da pessoa. Em ambas as situações, leva-se o paciente ao
encontro das características do material, já que a escolha considera o quanto os
recursos artísticos são representativos, e um veículo do que se quer expressar.
51

Numa intervenção que seja temática, o mediador é oferecido de acordo com o seu
potencial de expressividade para o tema colocado, ou seja, facilitador da expressão
e da aprendizagem emocional e sensível, através de objetivos delineados para o
desenvolvimento pessoal ou treino de competências. Na Arte-Psicoterapia, os
mediadores têm uma função principal comunicativa e exploratória do tema que é
colocado pelo próprio paciente, de modo que, através da criação, este possa
visualizar a questão abordada de maneira concreta e diferenciada, podendo vir a
elaborá-la utilizando os elementos da sua própria imaginação.
A dinâmica da sessão está marcada por consignas e pelas condições
materiais. A primeira corresponde à lei do livre-arbítrio e as outras às da
necessidade. Mesmo que a consigna for “façam o que quiserem”, a dificuldade de
gozar dessa liberdade será rapidamente vivida com uma limitação, e ainda mais
conflituosa, porque no atelier não há obrigação em querer alguma coisa, nem
mesmo a cura. Os próprios materiais ao impor suas leis e qualidades, não são
neutros. Cada uma de suas propriedades torna-se altamente significativa para o
sujeito, na medida em que este percebe que elas o ajudam ou o limitam às suas
tentativas de expressão (Pain, 2009: 69).
O sujeito no processo arte-terapêutico desenvolve também uma relação com
o material expressivo – o mediador artístico – no desenvolvimento do seu processo
criativo. O manusear do material, a experimentação, a descoberta das suas
características e propriedades fazem parte da construção artística. Esse processo
de descoberta pode refletir sentimentos sugeridos pela própria relação sensorial. Os
sentimentos que as cores favorecem, as sensações trazidas pelas texturas ou ainda
os cheiros que emanam dos materiais, evocam lembranças e emoções, além de se
descobrir preferências: materiais que se têm mais ou menos facilidade em lidar e se
expressar.
Na filosofia poética de Gaston Bachelard (1991), encontramos uma definição
da relação material, que pode ser aplicada ao processo construtivo de “trabalho” e
relação com o recurso artístico em Arte-Terapia:
Assim a matéria nos revela as nossas forças. Sugere uma colocação de
nossas forças em categorias dinâmicas. Dá não só uma substância duradoura à
nossa vontade, mas também esquemas temporais bem definidos à nossa paciência
52

(…) A matéria recebe de nossos sonhos todo um futuro de trabalho; queremos


vencê-la trabalhando. Desfrutamos de antemão a eficácia de nossa vontade. (…) É
impossível ficar distraído, ausente, indiferente, quando se sonha uma matéria
resistente nitidamente designada.
Reações diversas surgem perante a facilitação ou às dificuldades. A
frustração de não conseguir representar o que se quer, do jeito que se quer, o
material que se comporta de maneira diferente do que se esperava ou sentir-se
limitado pelo material, são constrangimentos que podem fazer parte do processo.
Apesar que, Lowenfeld (1970) alerta que “qualquer material artístico deve facilitar a
expressão, em vez de constituir um obstáculo”.
Por um lado a matéria doravante é tal só enquanto ‘idêntica’ à obra, e, por
outro lado, ‘preexiste’ a ela, numa independência dela. Por um lado, a relação entre
o artista e a matéria é de absoluta ‘criação’, já que o artista cria no próprio ato que
lhe resgata a preexistência; por outro, é de ‘determinação’, no sentido de que o
artista sofre as exigências da matéria e está obrigado a sujeitar-se a ela e a servi-la
(Pareyson, 1989: 124).
A realização criativa e o sentimento de liberdade instalam-se pouco a pouco
com a prática, no momento em que se passa a sentir-se à vontade com o exercício
artístico, sem a sensação de ameaça, como é comum no início do processo, oriunda
de censuras internas e de fantasias sobre uma suposta “avaliação” por parte do arte-
terapeuta. Bachelard leva-nos a refletir sobre as questões das resistências em
relação ao material: “Que seria uma resistência se não tivesse uma persistência,
uma profundidade substancial, a profundidade mesma da matéria?”.
Para Philippini (2009) a observação das reações de ‘resistência-persistência-
liberdade’ são enriquecedoras para o processo terapêutico, bem como a sua tomada
de consciência pelo indivíduo em Arte-Terapia. Segundo a arte-terapeuta, o
desenvolvimento da relação com o material artístico “nos informarão
fundamentalmente como o processo criativo se apresenta, quais são as áreas de
bloqueio, quais os canais sensoriais facilitadores e como apresenta-se a
comunicação plástica e expressiva”.
53

A arte-terapeuta Iraci Saviani (2004), de São Paulo, igualmente contribui para


a reflexão sobre os aspetos inerentes às dificuldades iniciais com os materiais para
a criação:
Tenho sentido que, conforme as pessoas ficam mais seguras conhecendo
mais a si mesmas e à sua expressão, elas tendem a direcionar seu próprio trabalho,
escolhendo os próprios estímulos, mais verdadeiros no momento, e a própria
conduta a seguir. (…) Expressar (emoções) com materiais (artísticos) requer o
processo de ir elaborando internamente as relações com o material, sentindo as
facilidades e as dificuldades na relação com o suporte, as ferramentas, os materiais,
as técnicas e os elementos da linguagem plástica.
Pensando no contexto educacional, de acordo com Lowenfeld, os fatores de
segurança e de domínio oferecidos pelos materiais são condições importantes para
a realização criativa: “A criança deve estar apta para repetir as mesmas cores, para
os mesmos objetos, sempre que desejar. O material artístico que não lhe
proporcione oportunidade de sentir o domínio ou a segurança, em seu manejo, não
é bom veículo de expressão, para esta fase do desenvolvimento.
Quando a imagem encontra o material, recebe o impato das características do
espaço físico – papel, tinta, tamanho, densidade, cor – e dialoga com as mudanças
causadas pela transição do espaço mental para o espaço concreto. Às vezes
surgem estados de conflito interno, impulso de destruir o que está sendo criado pela
impossibilidade de resolve-lo. A intenção, o lado consciente da criação, luta com
elementos desconhecidos oriundos do material e do inconsciente, ou ainda, da
relação do inconsciente com o material, pela reação que o material pode provocar.
Desse encontro ou desencontro, acontecem estados de grande prazer ou de grande
frustração, descobertas e fracassos, próprios do ato de criação (Granja, 1996: 59).
Eliminados os obstáculos e os constrangimentos, que são concretos e
verdadeiros, oriundos das propriedades físicas dos materiais, e também fantasiosos,
provenientes dos medos e receios pelo desconhecido e pela nova experiência,
porém igualmente legítimos, a evolução expressiva desenrola-se a partir do
sentimento de conforto e segurança para o ato criativo, sendo estas condições
fundamentais e incontornáveis.
54

Criar e construir - o fazer com o material

Criar pressupõe o fazer, o executar, o construir obras. Pareyson (1989)


sublinha que a atividade artística consiste propriamente no ‘formar’, intrinsecamente
ligado ao produzir e ao realizar, “que é ao mesmo tempo, inventar, figurar,
descobrir”.
A Arte-Terapia é um processo terapêutico que extrapola o trabalho mental,
atingindo seus objetivos de construção e transformação interior através de meios
concretos: pela manipulação da matéria como meio para fins terapêuticos. O fazer é
intrínseco à atividade criadora; não basta pensar e imaginar, não basta aceder o
conteúdo sensível e espiritual, há que se construir.
A arte é uma atividade puramente interior e espiritual: é essencialmente
conhecimento, contemplação, intuição. Certamente a intuição é criadora e, por isso,
implica um fazer. Mais precisamente, este fazer é um figurar, isto é, produção de
imagens; mas a imagem é puramente interior: figura espiritual e eterna, que não tem
nada de corpóreo nem de físico. Se quando o artista deseja fixar esta imagem para
conservá-la ou comunica-la a outros, então ele a exterioriza num corpo físico (…). A
obra de arte não é uma figura somente espiritual e interna, mas um objeto físico,
uma realidade sensível, uma coisa entre coisas….
Pareyson aponta a necessidade de reivindicar o caráter artístico da
‘extrinsecação’, no sentido de que toda operação destinada a dar um corpo à
imagem faz parte integrante do processo artístico: “A arte é ‘necessariamente’
extrinsecação física”. A relação com a matéria da arte, ou o meio expressivo torna-
se portanto evidente. Daí o fundamental da reflexão sobre a relação do sujeito com o
“seu” material, uma vez que há uma “adoção” do material pelo criador, uma escolha
que reflete necessidades internas comunicativas, bem como a sua visão de mundo,
e traços da sua personalidade. Essa relação que objetiva a liberdade criadora é um
meio, um suporte, é a base. Pela matéria, o criador em Arte-Terapia, transcende. Ao
mesmo tempo, como diz Pareyson, a matéria obriga o criador à sua obediência,
submetendo-o às suas condições e suas vontades, numa posição consciente. Os
constrangimentos do ‘fazer’:
55

O diálogo com a matéria é uma espécie de ‘obediência criadora’, que


enquanto se sujeita ao vínculo transfigura-o em liberdade, e enquanto se submete
ao limite dele obtém a submissão: igualmente distante da servidão e da violência,
ela secunda só para comandar, e consegue o domínio através da sujeição; não
condescendente para com as imposições e não inclinada à prepotência, ela converte
em sugestão o que poderia ser impedimento, e busca a dificuldade para transforma-
la em possibilidade.
Malchiodi (2005) sublinha que a Arte-Terapia é definida pelo campo da
Psicologia como uma ‘terapia de ação’, isto porque é orientada para a ação através
de métodos que levam o paciente a explorar questões e comunicar os seus
pensamentos e sentimentos. As artes plásticas e a criação de música, a dança e o
teatro, a escrita criativa e todas as formas de jogos, são participativos e exigem um
investimento energético pessoal. Por exemplo, fazer arte, mesmo em seu sentido
mais simples, pode envolver arranjos, tocar, colagem, agrafos, pintura, modelagem,
e muitos outros elementos que constituem uma experiência com os materiais. Em
Arte-Terapia incentiva-se os pacientes a tornarem-se participantes ativos no
processo terapêutico. “A experiência de fazer e criar pode realmente estimular
indivíduos a redirecionar a atenção e o foco, assim como aliviar o stress emocional”.
Para além de promover a participação ativa, a criação em Arte-Terapia
estimula o sistema sensorial. O envolvimento na atividade artística leva a que vários
sentidos sejam utilizados, proporcionando um redirecionar da consciência visual,
estimulando os canais táteis e auditivos, levando o indivíduo a um desenvolvimento
global e integrado. Ao construir e ao formar está presente uma ligação corporal. Não
só em termos sensoriais, mas o executar da criação artística requisita gestos e uma
expressão corporal que fundamenta a relação criadormaterial. As mãos escrevem,
esculpem, riscam, delineiam. As emoções conduzem à gestualidade e à maneira
como as formas são construídas falam muito da própria linguagem corporal: “É
através delas [as mãos] que o Homem toma contato com a dureza do pensamento.
São elas que movem o bloco, que lhe impõem uma forma, um contorno e que
imprimem um estilo à própria escrita” (Foccillon, 1988: 107). O toque que se leva à
matéria, a maneira que se segura os instrumentos, os sentidos despertados pelas
propriedades características dos recursos, são evidentes ao longo do processo.
56

Além disso, a força anímica que se acende no exercício criativo é semelhante à


disposição interna necessária para a mudança e para o autoconhecimento. Philippini
(1996) mostra-nos a importância desse processo ao referir que “é preciso ativas as
mãos como instrumentos terapêuticos, em suas inúmeras possibilidades de
execução com os materiais expressivos, analogamente são geradas transformações
internas – universo mão e materialidade”.
Bachelard ilumina a ideia ao focalizar o conhecimento das vontades subtis da
matéria através do ‘tato imaginante’, ou seja, do tato que nos liga ao mundo
sensível, aos conteúdos imaginários, ao fazer, ao construir, dando “vida” à matéria
inerte ao aceder aspetos da própria vida do indivíduo (força anímica criadora). É
pela imaginação que esse caminho é traçado, mobilizando o potencial formador da
matéria por meio das imagens que são projetadas pelo criador. Fazendo uso das
peculiaridades do material, funde-se a ele. Vê a si mesmo na imagem criada. Projeta
o melhor e o pior de si. “As imagens que nós fazemos da matéria são
eminentemente ativas, (…) elas nos sustentam assim que começamos a confiar na
energia de nossas mãos”. De acordo com Pareyson, é o artista quem sabe tornar a
matéria arte; é o artista quem sabe fazer dela “uma ocasião, um veículo, uma
garantia de êxito”, pelos seus toques, pelos gestos, e por toda carga emocional que
o move ao redor do material.
É o ser humano que desperta a matéria, é o contato com a mão maravilhosa,
o contato dotado de todos os sonhos do tato imaginante que dá vida às qualidades
que estão adormecidas nas coisas. (…) De fato, a mão que trabalha põe o objeto
numa ordem nova, na emergência de sua existência ‘dinamizada’. Nesse reino, tudo
é aquisição, toda imagem é uma ‘aceleração’, ou seja a imaginação é o “acelerador”
do psiquismo (Bachelard, 1991: 21).
A concluir, citamos Freud (1916-17), que aponta o caminho de acesso à
fantasia do artista, onde, mediada pela relação com o material, busca obter consolo
e alívio de suas próprias fontes de prazer em seu inconsciente: “…Possui o
misterioso poder de moldar um material até que se torne na imagem de sua fantasia;
e sabe, principalmente pôr em conexão uma tão vasta produção de prazer com essa
representação de sua fantasia inconsciente, que, pelo menos no momento
considerado, as repressões são sobrepujadas e suspensas”.
57

A matéria, o imaginário e os seus símbolos

Muitas das funções terapêuticas dos mediadores artísticos são ativadas pela
mobilização da carga simbólica que define as suas potencialidades. O acesso à
imaginação é condição fundamental para contatar com a simbologia trazida por cada
recurso técnico artístico.
A imaginação é definida como uma aptidão para formar e para ativar imagens
mentais. A imaginação criadora é distinguida numa evocação de acontecimentos
potenciais, mas que nunca foram percebidos por quem cria. O imaginário é o
domínio da imaginação criadora que compõe diferentes representações sensíveis
dos objetos reais ou das situações vividas: sonhos, mitos, obras de arte (Parot &
Doron, 2001: 404).
De acordo com Malchiodi (2005) a imaginação é o agente terapêutico inerente
a todas as formas de autoexpressão, e assim é a imaginação ativadora da
criatividade. “Em ArteTerapia o pensamento imaginativo é estimulado para gerar a
autoexpressão, a experimentação e a reflexão verbal subsequente”. O pensamento
imaginativo é necessário para se fazer um desenho, criar um movimento, ou
manipular figuras num jogo dramático, da mesma forma que é necessário o acesso
à imaginação para encontrar soluções inventivas e para a reparação de traumas e
lacunas afetivas.
As imagens mentais que constituem o imaginário são reconhecidas enquanto
símbolos, e um símbolo concentra uma variedade de sentidos. Pedro Barbosa
(1995) comenta a ‘plurisignificação’ de um símbolo ao referir que este “não significa,
evoca e focaliza, reúne e concentra, de forma polivalente, uma multiplicidade de
sentidos, impossível de reduzir a um único significado preciso: há uma ambiguidade
e polivalência do discurso simbólico”.
Dessa maneira, um símbolo ganha significado a partir da associação de
ideias com o imaginário, seja ele um símbolo verbal ou visual. “As associações
compõem a essência do nosso mundo imaginativo. São correspondências,
conjeturas evocadas à base de semelhanças, ressonâncias íntimas de cada pessoa
58

(…). Fluem de maneira espontânea na mente humana”. Complementando esta ideia,


Ostrower (2008) dispõe da seguinte definição de forma simbólica:
São configurações de uma matéria física ou psíquica (configurações artísticas
ou não artísticas, cientificas, técnicas, comportamentais) em que se encontram
articulados aspetos espaciais e temporais. (…) Na maneira de se corresponderem o
desenvolvimento formal e as qualidades vivenciais, concretiza-se o conteúdo
expressivo de uma forma simbólica.
Em Arte-Terapia é na construção da forma simbólica que o processo
terapêutico se estabelece. “O simbólico visual corresponde aproximadamente ao
valor que a metáfora assume na linguagem” (Rodriguez e Trall, 1995: 194). O
símbolo constatado na criação a partir dos mediadores artísticos, auxilia o processo
de identificação e definição de conteúdos internos. O símbolo em Arte-Terapia
clarifica e auxilia os processos de elaboração emocional, ativando e concentrando o
desenvolvimento pessoal. A compreensão das estruturas simbólicas de uma
imagem criada reflete-se na estrutura pessoal conduzindo a um sentimento de
coesão interna.
Ativar a produção simbólica através dos recursos técnicos artísticos é a
proposta em Arte-Terapia e os mediadores artísticos são colocados ao serviço do
criador. Philippini (1995) atenta à criatividade do arte-terapeuta como facilitador
desse processo: “As modalidades expressivas poderão ser tão variadas quanto a
criatividade e o treinamento do arteterapeuta possam permitir. Terão o objetivo de
facilitar a melhor compreensão do símbolo, intensificando sua função estruturadora”
.
Os símbolos trazem para os indivíduos a possibilidade de conhecer,
compreender, refazer, recuperar, rememorar, reparar e transcender. O símbolo
como linguagem metafórica do inconsciente contém em si próprio o significado de
todos os enigmas psíquicos, cabendo ao arteterapeuta trazer ao setting os
instrumentos necessários para viabilizar este processo.
Para Melaine Klein (citada por Segal, 1991: 170) o exercício de formação
simbólica é uma demonstração de saúde mental. A paralisia na vida da fantasia e na
criação simbólica provoca o sentimento de sem sentido, e não encontrando qualquer
59

significado simbólico faz com que se perca o interesse pela vida. Quando a
simbolização não ocorre, o desenvolvimento do Eu é interrompido.
No artigo Notas sobre a formação de símbolos, original de 1955, Hanna Segal
utilizase da definição de Ernest Jones sobre a formação simbólica inconsciente
(Jones, 1916, citado por Segal 1991: 168):
I. Um símbolo representa o que foi reprimido da consciência, e todo o
processo de simbolização é realizado inconscientemente.
II. Todos os símbolos representam ideias do Self e das relações
consanguíneas imediatas e dos fenómenos de nascimento, vida e morte.
III. Um símbolo tem um significado constante. Muitos símbolos podem ser
usados para representar a mesma ideia reprimida, mas um dado símbolo tem um
significado constante que é universal.
IV. O simbolismo surge como resultado do conflito intrapsíquico entre as
“tendências repressoras e o reprimido”. Ainda: “Somente o que é reprimido é
simbolizado; somente o que é reprimido necessita de ser simbolizado”.
Segal refere que a formação de símbolos é um processo que começa muito
cedo, vindo a alterar-se de caráter e função ao longo da vida e mediante os estados
psíquicos. Segundo autores diversos da área psicanalítica, a estruturação psíquica
desenvolve-se a partir da formação de símbolos. Estes a princípio, num estágio
primitivo do bebé, ainda não são reconhecidos como símbolos, ou seja, não são
sentidos como um substituto ou representante do objeto, e sim como o próprio
objeto simbolizado, pois o bebé ainda não tem a capacidade de diferenciação entre
o Self e o objeto, e tal como o símbolo, igualmente não se diferencia do objeto que o
representa. Esta condição evolui no sentido da criação simbólica de equivalentes
para a manutenção da boa relação objetal, onde através de mecanismos de
deslocamento é possível salvaguardar o objeto original, assim como restaura-lo,
recriá-lo e voltar a possuí-lo. “A capacidade de vivenciar a perda e do desejo de
recriar o objeto dentro de si dá ao indivíduo uma liberdade inconsciente do uso dos
símbolos”. Nesse estágio os símbolos já são reconhecidos como uma criação do
sujeito, diferentes e a parte de si mesmo, por isso são utilizados livremente pelo
criador. Estes são mecanismos e processos inconscientes relativos ao
desenvolvimento psíquico de todos os indivíduos sãos.
60

Assim, um símbolo tem a função psíquica de substituir, reintegrando e


recuperando o sentimento de perda ou ausência. Segal coloca que “o símbolo não é
usado para negar a perda, mas para superá-la”, e é esta a necessidade de
integração do símbolo para que este seja dotado de significado, fazendo sentido
interno e externo, preenchendo e restaurando danos anteriores que produzem o
sofrimento psíquico.
Um símbolo é único, reflete o que é individual, pessoal e exclusivo. A criação
em Arte-Terapia é simbólica do Si Mesmo e de seus conteúdos tanto quanto a
capacidade do indivíduo de extrair significados acedendo as imagens contidas no
seu imaginário.

Potencialidades simbólicas e criativas dos mediadores artísticos

Como cada mediador artístico tem as suas propriedades únicas e as suas


funções terapêuticas específicas, a aplicação dos recursos técnicos artísticos é
programada previamente através do desenvolvimento planificado das sessões de
Arte-Terapia. Um mediador artístico jamais é aplicado ao acaso, numa escolha
aleatória, tanto por parte do arteterapeuta que oferece o material artístico, quanto
por parte do paciente que pode eventualmente escolher à sua vontade.
Cada material ou recurso técnico artístico traz a sua simbologia, e em Arte-
Terapia faz-se uso disso, facilitando ao paciente o contato com a carga simbólica do
material, e promovendo a reflexão e a elaboração posterior através da associação
de ideias. A potencialidade simbólica de cada mediador funciona como um espelho,
sinalizando e iluminando aspetos do Eu. As peculiaridades de cada material
representam simbolicamente traços pessoais ou emoções. A personalidade do
indivíduo pode se chocar com as qualidades de um mediador, levando a pessoa a
rejeitar a criação. Por outro lado, determinadas características são facilitadoras e
significativas para o sujeito criador. Bachelard (1991) concorda com a função de
espelhamento que tem uma ‘matéria’ quando afirma: “A matéria é nosso “espelho”
energético; é um espelho que focaliza as nossas potências iluminando-as com
alegrias imaginárias”.
61

Cada mediador tem um potencial expressivo e criativo, ou seja, uma


possibilidade maior e diferenciada para estimular a criatividade da pessoa e a
expressão dos seus afetos. Da mesma forma, as potencialidades simbólicas de cada
mediador, pelos os quais a pessoa é estimulada mediante as suas necessidades
criativas, suas habilidades, facilidades, e, igualmente, traços de personalidade.
As potencialidades criativas dos mediadores artísticos sobressaem pelas
“particularidades de concretização técnica dos mediadores e suas variantes
artísticas” (Carvalho, 2011), portanto as características do material. As qualidades
dos mediadores inspiram determinadas expressões e afloram sentimentos
específicos. Exploramos as potencialidades de um certo mediador para trabalhar,
por exemplo, aspetos que despertem alegria no sujeito, ou as suas melhores
competências. Ao mesmo tempo podemos sugerir um mediador que seja facilitador
para a reflexão sobre as fragilidades pessoais e o aumento da autoestima.
(….) as realidades materiais verdadeiramente primordiais, tais como nos são
oferecidas pelas natureza, como convites para exercer as nossas forças. (…) A
imaginação é então cortante ou ligante, separa ou solda. Basta dar a uma criança
substâncias bastante variadas para ver se apresentam as potências dialéticas
primordiais nos músculos de trabalho para avaliar em seguida sua economia nas
obras refletidas (Bachelard, 1991: 25).
Para tanto, há o envolvimento de planos de atuação onde o arte-terapeuta
necessita ter o conhecimento relativo aos mediadores e suas potencialidades, bem
como fazer o levantamento propício das necessidades do grupo, para uma escolha
acertada que vá ao encontro do que precisam emocionalmente. Os materiais
escolhidos devem levar em contar desde a facilidade de manuseamento, se o
paciente tem capacidade para utilizar e trabalhar com aquele recurso técnico
artístico, pensando em questões como a motricidade do indivíduo e as suas
limitações físicas ou mentais. Bem como, refletir sobre a capacidade de dar uso
criativo ao material, libertar, extrapolar, fluir, ser espontâneo. Em Arte-Terapia os
recursos técnicos artísticos devem ter essas características, possibilitando sempre a
‘facilitação’ da criatividade. Carvalho (2008a) fundamenta tais princípios técnicos da
Arte-Terapia:
62

Deste modo, já não se farão as intervenções, mesmo na abordagem centrada


na Arte Catalisadora, meramente ao sabor do gosto do arte-terapeuta, que se
poderá especializar num único recurso técnico artístico, mas estar-se-á a intervir
com base num ato reflexivo (…). A abrangência da Arte-Terapia, em termos do
leque alargado de situações em que se pode especificar e intervir é hoje um fato,
não sendo, de todo, um mero instrumento de animação ou ocupacional. A eficácia
das intervenções é grandemente propiciada pela miríade de possibilidades técnicas
que estão ao dispor do arte-terapeuta e que deverá saber apropriá-las
adequadamente, isso sem detrimento da iniciativa criativa e autodeterminação dos
pacientes.
Simbolicamente, a matéria para a criação artística transcende a sua fisicidade
e naturalidade bruta. Apesar da restrição a um conceito simplificado do material, da
limitação da relação com este, e da execução imediata e grosseira, é comum a ideia
mais ampla da criação, onde o conteúdo espiritual não se desvincula do destino
artístico. O objeto de arte é construído com um sentido que vai muito além da
simples ‘execução’; a criação artística concebe-se, nasce e realiza-se. Ganha alma
através da relação de envolvimento com o material. Pareyson (1989) recorda que os
materiais físicos chegam à arte carregados de uma dimensão espiritual e artística a
qual, unicamente, torna-os capazes de interessar à arte:
A matéria da arte nunca é virgem e informe, mas já prenhe de uma carga
espiritual e assinalada por uma realidade ou por uma vocação de forma, quer estas
possibilidades lhe tenham sido oferecidas pela própria natureza, quer, pelo contrário,
o homem as tenha inserido nela, no decurso de uma tradição de manipulação
artística.
Pareyson igualmente assinala as questões relativas à facilitação da criação,
pelo exercício da habilidade e pela produção artística por suas particularidades
simbólicas, intrínsecas ou projetadas, que levarão ao inexaurível da criação artística:
A matéria chega ao artista já formada nas obras dos seus predecessores, e,
portanto carregada dos frutos de uma longa conivência com eles, densa de regras,
preceitos, astúcias, sagacidades, prenhe de modos operativos, de possibilidades
formativas, de embriões artísticos: coisas que com frequência, impõem-se ao artista
com o peso da autoridade ou da tradição, (…) obstaculizam ou favorecem a sua
63

produção original, podendo ele exercitar a sua própria habilidade, encontrar as


próprias possibilidades e que está como incrustada na matéria, chegando com a
matéria ao seu ato criativo e inovador.
Lowenfeld (1970), que sempre inspirou as teorias de que se cerca a Arte-
Terapia, sublinha que o “os materiais adequados e o desenvolvimento de recursos
desempenham um importante papel na expressão da arte. Qualquer material usado
deve ser adequado às necessidades de criatividade”. Entretanto, o autor não deixa
de referir que recursos e técnicas são meios de consecução de um fim, que é
sempre a expressão pessoal, e nunca devem serem convertidos em fins em si
mesmos, que é uma tendência do meio educacional, não levando em consideração
que “não são as técnicas que se exprimem, mas os sentimentos e as emoções do
artista”. Devem ser atendidas as necessidades criativas e expressivas, de maneira
que o sujeito possa transmitir o que sente e o que tem em mente. Embora haja
grande variedade de materiais e recursos artísticos atrativos, o material só é
prestável se atender às necessidades criativas, não restringindo a originalidade da
pessoa, sendo um estimulador e um impulso para a expressão da sua vontade
criativa. Além disso deve-se levar em conta a vontade e as habilidades de cada um,
oferecendo o recurso que melhor poderá manipular.
A criança está mais interessada em transmitir, em suas pinturas, suas
próprias ideias do que em receber estímulos visuais (…). Ela está se esforçando por
ordenar e categorizar seus conhecimentos numa forma operante, assim é evidente
que o material artístico deve ser selecionado, por que está em íntima relação com o
desenvolvimento da criança, e não deve ser apresentado, meramente, com o
propósito de mudar de material.
Para pensarmos sobre a importância da escolha adequada do recurso técnico
artístico aplicado numa sessão de Arte-Terapia, valemo-nos das colocações da
teoria da arte de Dorfles (1988) que sublinha a análise das artes levando em
consideração as particularidades e características dos media, que seria portanto “o
único meio honesto e lícito para se estudar as suas características somáticas e
psíquicas (...). É uma cor, um som, um rumor, ou, ainda, o ritmo e a cadência de
uma língua pouco conhecida, que constituem o rastilho que poderá fazer explodir
uma centelha da invenção”.
64

Se portanto o meio material condiciona a obra, poderá auxiliar, mas também


poderá dificultar a criação, pois, será antes um estorvo sempre que seja usado
contra a própria natureza; isto é, quando uma dada arte se valer de um meio que
não lhe pertence ou que não lhe é consanguíneo.
A expressividade está, segundo Navratil (1978) na base dos efeitos
terapêuticos da arte, pela “redescoberta dos poderes da sensorialidade que ela
induz”. Este psiquiatra de origem austríaca reforça a importância da relação
sensorial ao apontar que cada lugar, cada objeto e cada ser está carregado de uma
energia, que são percebidas pelo sistema sensorial, o que leva diretamente a
pessoa na experiência com o material, a elaborar de maneira específica os seus
gestos, as suas palavras, os seus pensamentos, os seus sentimentos, e inclusive as
suas reações orgânicas, proporcionando relações complexas entre esses
elementos.
A arte não é uma terapia em si, mas pelos seus efeitos, para o doente, é
terapêutico. É terapêutico no sentido de permitir uma redescoberta, ou descoberta,
da sensorialidade, em direção a uma revalorização da sua personalidade e uma
restauração narcísica (em particular nos estados depressivos.
Focillon (1988) ao refletir sobre o essencial da matéria para o
desenvolvimento formal, refere que elas se comportam de acordo com uma
finalidade, tendo em si uma determinada vocação formal: “Têm uma consistência,
uma cor, um grão. São forma, como o indicamos e, por isso mesmo, têm o poder de
convocar, limitar ou desenvolver a vida das formas na arte”. Focillon acrescenta um
pensamento análogo à visão da Arte-Terapia em relação à escolha dos materiais:
“São escolhidas, não apenas para maior comodidade de trabalho ou, na medida em
que a arte serve às necessidades da vida, mas também porque se prestam a um
tratamento especial, porque provocam certos efeitos”.
Na prática, o processo de escolha dos mediadores artísticos segue, na
planificação das sessões, o levantamento das necessidades do(s) paciente(s)
mediante um diagnóstico prévio realizado a partir da sua história pessoal/clínica.
Toda a intervenção arte-terapêutica é pautada por objetivos específicos, seja
relativos a uma estrutura temática, ou de forma livre, mediante as potencialidades
dos mediadores. É necessário observar precisamente o que pode ser potencializado
65

na pessoa, qual a sua necessidade expressiva, as particularidades do seu processo


criativo, o que poderá ser estimulado (habilidades, sentimentos, propostas
reflexivas), ou o que se propõe ser elaborado vindo a favorecer mudanças (padrões
limitadores de comportamento, bloqueios, tendências negativas para si mesmo). O
atingimento dos objetivos terapêuticos é fundamental para que se tenha uma visão
concreta de evolução do paciente.

Particularidades do mediador artístico: expressão plástica

Apresentamos as particularidades de alguns dos recursos artísticos:


características gerais, suas variantes técnicas, a população mais indicada de acordo
com as suas necessidades, as potencialidades simbólicas e as potencialidades
criativas, que beneficiam os pacientes a atingirem os objetivos arte-terapêuticos.
Através da estrutura formal, a mensagem simbólica sempre articula modos de
ser essenciais que são entendidos como qualificações de vida. Mobilizando-nos, as
ordenações da forma simbólica rebatem em áreas fundas no nosso ser que também
correspondem a ordenações. Trata-se, nessas ordenações interiores, de processos
afetivos, ou seja, de formas do íntimo sentimento de vida. São as ‘nossas formas’
psíquicas (Ostrower, 2008, p. 25).
São referidos quatro recursos principais utilizados na nossa prática de Arte-
Terapia e Arte-Psicoterapia, bem como na prática de formandos que
acompanhamos em supervisão: o desenho, a pintura, a colagem e a modelagem em
barro. Como já referimos na Metodologia desta dissertação, delimitamos os recursos
mediante o mediador artístico de expressão plástica, utilizando o critério de serem
os mais requisitados, havendo como consequência direta mais material prático para
ser estudado (as criações dos pacientes).

Desenho

Características gerais
Uma das primeiras manifestações artísticas do indivíduo na infância. A
evolução do desenho da criança acompanha o seu desenvolvimento motor e
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psicológico, tal como preconizado por autores como Luquet (1987) e Lowenfeld
(1970). Deriva do gesto, que pode ser espontâneo ou seguindo técnicas adquiridas.
“As técnicas em causa são utilizadas para representar o real e os atributos do Self,
contribuindo para a integração da experiência externa e da vivência interna”
(Carvalho & Guimarães, 2011: 18). O desenho para a criança é uma forma de
elaboração da vivência, o seu mundo é refletido no que desenha, e assim tem a
possibilidade de organizá-lo e apreendê-lo melhor. É um exercício de simbolização e
de capacidade abstrativa, fazendo do desenho um representante da vida, sempre
que lhe é atribuído um significado.

Variantes
Desenho com lápis de grafite, desenho com carvão, lápis de cor, lápis de
cera, canetas de feltro, etc.

Aplicações (populações/necessidades)
Pessoas de todas as idades, com pouca deterioração motora. Adultos com
traços de personalidade rígidos. Idosos com escolaridade avançada. A pouca
escolaridade é uma desvantagem levando o indivíduo a rejeitar o desenho, sendo
uma atividade aludida à escola. Por outro lado, uma grande capacidade técnica
pode bloquear a espontaneidade, como no caso de artistas ou professores de arte.

Potencialidades simbólicas
Os limites da folha de papel oferecem uma noção de contenção. “A noção
causa-efeito e a possibilidade de agir sobre o mundo são aqui ensaiadas” (Carvalho
& Guimarães, p. 18). A integração dos elementos da fantasia e da realidade externa
ganham a possibilidade de integração no desenho. O espaço pictórico reúne e
integra esses elementos, dando a possibilidade de ganharem significado interno. O
sentido de contenção não é oferecido apenas pelo suporte, mas também pelo
próprio desenho, quando uma figura é contornada. O contorno simboliza uma
imagem fechada, concluída. Suscita o sentimento de delimitação que pode ser
confortável ao conter elementos internos fragmentados. Requer observação, e esse
exercício simboliza uma nova visão da vida e das coisas ao redor da pessoa.
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Promove sentimentos de regressão, uma vez que quase todas as pessoas já


desenharam na infância. Pode assim remeter-se à vivência escolar, emergir
lembranças de uma época primeva, bem como sentimentos oriundos a um estádio
infantil. “São assim promovidas pontes de contato com a criança interior e com
aspectos arcaicos do Self e das relações com as figuras significativas da infância,
que foram internalizadas” .
A produção do desenho envolve um gesto de maior controle, mesmo quando
feito de maneira espontânea. Liga-se a uma necessidade organizativa e de
objetivação. Para pacientes com traços rígidos, essa característica é tranquilizadora,
onde se pode expressar criativamente de uma maneira segura, sem confrontar as
suas defesas habituais. Além disso, o desenho indica o desenvolvimento de uma
composição figurativa, que suscita uma noção de concretização, sugerindo coesão,
sentido e lógica.
O gesto de execução do desenho imprime de maneira simbólica os
sentimentos do criador: gestos tranquilos em traços suaves, gestos inseguros em
traços intermitentes ou trémulos, gestos agressivos em traços fortes, e assim por
diante, de acordo com as emoções emergidas ao desenhar.
Ao longo do processo, os desenhos executados constituem uma coleção.
Revisitá-la de vez em quando é uma experiência gratificante que promove uma
reflexão sobre o próprio percurso na Arte-Terapia.

Potencialidades criativas
Apela ao uso de detalhes e aos pormenores, que possibilita serem
minuciosos. Sugere texturas de preenchimento das formas. Um desenho a lápis de
grafite ou a lápis de cor pode ter tonalidades variadas, sugeridas por preenchimento
e traços suaves ou fortes. O sombreamento destaca-se, e várias nuances de cores
ou de tons são experimentados. O carvão sugere gestos mas amplos, entretanto
com suavidade relativa à delicadeza do material, já que se parte facilmente. Com o
mesmo bastão é possível trabalhar com traços finos e largos, fazer sombreados,
nunces de tons e preenchimentos concretos.
As canetas de feltro possuem cores fixas e ativas que não se alteram com o
traço. Prestam-se para o delineamento de formas, e canetas de pontas mais grossas
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completam com facilidade espaços amplos desenhados. São indicadas para as


crianças, pois como deslizam com facilmente sobre o papel, ou outros suportes, não
oferecem resistência às motricidades ainda pouco desenvolvidas. Além disso, as
cores vivas são atrativas, sugerindo desenhos intensos: agressivos e fortes, ou,
alegres e festivos. Quanto ao formato do bastão, assim como a caneta larga, o lápis
de cera grosso preenche a mão da criança, dando-lhe maior segurança para tracejar
e concluir formas. Na falta de motricidade fina (em crianças pequenas, idosos ou
deficientes psicomotores), o bastão grosso de lápis de cera facilita a expressão,
sendo um material rijo, que oferece firmeza no gesto. As cores igualmente ativas
trazem ao desenho a vivacidade pretendida.
Apesar do desenho ser impulsionado para imagens concretas, pode ser
também naturalmente abstrato. Como a sua estrutura pode ser muito simples, uma
única linha é algo altamente expressiva uma vez dotada de significado pessoal, bem
como o desenho de formas geométricas simples. Pablo Picasso no livro editado com
seus desenhos Picasso numa só linha apresenta uma série de trabalhos feitos numa
única linha, sem tirar o lápis do papel.
Uma maestria feita por poucos. Um ato de tanta criatividade que só poderia
ser do gênio Picasso. Em tal publicação é inserido um comentário feito por si, sobre
o seu trabalho com linhas: “Uma única linha poder representar um ser vivo é algo
sério e misterioso. Não só a imagem mas sobre tudo o que ele realmente é. Não é
mais surpreendente do que todos os truques de mágica e todas as coincidências do
mundo?” (citado por Galassi, 1998: 8). O desenho estimula o sentido de observação
e leva o criador a uma posição de contemplação, muitas vezes perdida. Talvez até
nunca adquirida. Desenhar pode ser relaxante, pois é uma atividade que necessita
de tempo e calma, para olhar e fazer.
Philippini (2009), para definir a atividade de desenhar, usa a expressão
‘configurar’. A autora afirma que “o desenho permite expressar histórias pessoais
com clareza, apenas utilizando a configuração linear da imagem”. Philippini refere
ser sensível às recorrentes questões dos bloqueios relativos ao desenho, e relata o
uso de música para descontrair e desbloquear, antes e durante do desenho,
“priorizando o caráter de uma experimentação lúdica”. É também desbloqueadora, a
69

técnica de desenho compartilhado, onde o processo criativo é facilitado, obtendo-se


um sentido de companheirismo e apoio.
O exercício contínuo é fundamental para libertar o gesto e deixar a pessoa
mais flexível e confiante diante do desenho. Eis um recurso técnico artístico que
realmente espelha a melhoria psíquica do sujeito, onde a sua expressividade é
ampliada de acordo com a abertura de sua consciência, com o desenrolar do
processo de auto conhecimento, aumento da autoestima e sentido de auto
realização. É evidente, da mesma forma, o desenvolvimento criativo, visualizado nos
elementos formais diferenciados, em traços mais seguros, cores mais vibrantes, e
um conteúdo de maior significação simbólica para o criador.

Pintura

Características gerais
A pintura é uma das técnicas tradicionalmente utilizadas em Arte-Terapia, tal
como o desenho. Mas a pintura desvincula-se deste, ao utilizar-se da abstração, de
manchas, e de outros elementos não-figurativos. Requer materiais e instrumentos
mais elaborados, como os seus vários suportes, apoio firme tipo cavalete, ou
obrigatoriamente uma mesa de trabalho, godês, utensílios com água, paletas ou
recipientes para colocar e misturar as tintas, espátulas, panos ou papéis para
limpeza, pincéis de vários formatos. No seu procedimento, a pintura pode sujar as
mãos ou mesmo a roupa. Convém ter por perto toalhetes de limpeza ou usar um
avental para proteção. Mas isso tudo não se traduz em constrangimento. A pintura
sugere liberdade e expansão do gesto. Pode ser feito em superfícies de vários
tamanhos e formatos. Os suportes são variadíssimos, como a tela, o papel de vários
tipos ou, de acordo com a respetiva tinta, placas de madeira, tecidos em forma de
painéis, roupas e objetos. Também são utilizados objetos diversos, tais como caixas,
garrafas, CDs, etc.
Carvalho e Guimarães (2011) colocam que o contato com diferentes texturas
promovidas pelas tintas e com os seus instrumentos, e a relação com a cor, apelam
à experimentação sensorial, a levar o sujeito a um certo nível de regressão. O
sentido de liberdade é ativado onde o “ato de pintar associa-se ao lúdico e ao prazer
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envolvente; o brincar com as tintas ajuda o desbloquear de emoções e o acesso a


conteúdos recalcados”. Por outro lado, apesar da suposta regressão a estádios
infantis, a pintura solicita alguma maturidade para uma melhor manipulação dos
materiais. Crianças pequenas, entre os 4 e os 8 anos, têm mais dificuldade em
utilizar determinados tipos de tintas, tais como a tinta óleo e outros instrumentos
correspondentes, não sendo indicado para essas idades. Beneficiam da utilização
de tintas mais ligeiras e simples, como o guache/têmpera, ou as digitintas. A relação
com as cores é de se ressaltar.

Variantes
As possibilidades de técnicas e recursos de pintura são amplas. Referimos
aqui alguns exemplos, sendo que a criatividade na descoberta de materiais
diferentes levará a uma gama irrestrita: Pintura com pastéis a óleo e pastéis secos.
Pintura com tinta acrílica, guache ou têmpera e tinta óleo. Pintura em tecidos com
tinta apropriada. Aguarelas, líquidas, pastosas ou em pastilhas. Pintura com os
dedos com digitintas. Pintura com maquilhagem, na face, no corpo ou em outras
superfícies. Pinturas faciais e corporais com tintas próprias.

Aplicações (populações/necessidades)
Pessoas de todas as idades excetuando crianças antes dos quatro anos, sob
risco de má utilização do material e consequentemente não beneficiando do mesmo.
Para cada faixa etária, e também relativamente aos traços de personalidade,
convém ser escolhido um tipo de material de pintura que particularmente usufruem
das potencialidades do mesmo. Por exemplo, Lowenfeld (1970) refere que as
crianças até cerca dos nove anos não exploram as potencialidades criativas da
aguarela, sendo mais indicado tintas mais espessas e com cores mais vivas.
A psicomotricidade convém estar intacta para pinturas mais detalhadas. Nos
casos de fragilidades nessa área pode ser sugerido o uso de pinturas que não
requerem instrumentos delicados, como pincéis finos ou espátulas. É favorável o
uso de digitintas, aguarelas líquidas, e a aplicação de técnicas livres de figuração.
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Potencialidades simbólicas
A pintura representa simbolicamente sensações e sentimentos, e por isso
Carvalho (2008) aponta que “a pintura surge da necessidade do Homem deixar uma
marca no mundo e de se apropriar de um objeto que se constitui como o seu duplo”.
De maneira poética Philippini (2009: 38) designa a atividade da pintura como ‘cor-
ação’. Podemos depreender que a pintura é feita estimulando o “coração”, ou seja,
os sentimentos profundos do criador. Além disso, a questão da cor tem um lugar
fundamental na pintura. A ação pode estar ligada a livre movimentação gestual, ou à
ativação das emoções, motivada pela catarse que a pintura facilita.
Manchas de tinta e abstrações em geral são ótimas para a projeção de
conteúdos internos, traduzindo-se num jogo criativo interessante. As tintas à base de
água, principalmente a aquarela, trazem sensações de fluidez, pela própria
característica física da matéria. O sentimento de fluidez é associado ao fluir do curso
da vida, fluidez de ideias e criatividade. Da mesma forma, simboliza o saber lidar
com o imprevisível e o incontrolável.
A simbologia do elemento água é ativada e pode ser explorada amplamente
com a pintura. A água dissolve e elimina aspetos menos favoráveis do Si mesmo,
“lava” as nódoas marcadas por vivências traumáticas. As lágrimas de tristeza podem
ser simbolizadas por gotas de tinta que escorrem pelo suporte. Mergulhos podem
ser dados na profundeza do ser.
Há algo de ritualístico na pintura, começando pela preparação dos materiais e
pelo próprio manuseamento. A liquidez dos materiais poderá ter algo de regressivo,
envolvendo um balancear entre sujar e limpar, entre conspurcar e procurar o
equilíbrio estético, entre o confronto com algo de abjeto e o encontro de uma
imagem concreta com sentido estético (Carvalho, 2008).
O óleo, trazido nos pastéis, é um elemento de ligação entre os pigmentos,
associado normalmente a rituais, à purificação e proteção; a uma imagem de
indiferenciação primordial (Araújo, 2009).
Os diversos suportes, tal como a tela ou o papel, são espaços criativos por
excelência, onde o conteúdo expresso pode ser automaticamente valorizado, e com
ele, o próprio Self. A madeira fornece uma boa base de sustentação. “Aliada à vida
interior, aos móveis no interior de um espaço, a madeira pode oferecer estrutura e
72

limites sólidos e ser uma mãe suficientemente boa [grifo nosso] em vez da tela, a
mãe idealizada” (Guimarães, 2009). É um material que serve para construir e
proteger, sugerindo sentimentos de um espaço interior, seguro, sólido e estruturado.
Pinturas de murais, em papel cenário de grandes dimensões são estimulantes
e requerem esforço físico. Leva a pessoa a movimentar-se ao longo do papel, a
dobrar-se caso o suporte esteja no chão, ou andar de um lado ao outro, esticar
braços e pernas se estiver colado à parede. É um interessante trabalho em conjunto,
feito em grupos de variadas idades e características, fomentando o sentimento de
coesão grupal e cooperação mútua.
A pintura na face feminina, com maquilhagem, sugere sentimentos de
autoestima e valorização pessoal. Com crianças a pintura facial facilita a sua
projeção e identificação com figuras como animais ou personagens. A pintura no
corpo apela às questões da relação corporal, consigo mesmo e com o outro;
questões da sexualidade; questões do desenvolvimento físico.

Potencialidades criativas
Lowenfeld (1970) diz-nos que a pintura com os dedos deve ser aplicada com
algum cuidado com crianças antes dos sete anos. Refere que a atração pela
consistência pastosa do material é mais atrativa do que a aplicação como meio de
expressão. A criança não o usufrui expressivamente, mas sim, tem vontade de
espalhá-lo por qualquer lugar, transformando-se apenas numa experiência sensorial.
Mas, entretanto, é bem aplicado às crianças com traços introvertidos, como as que
demonstram tensão, timidez ou medo, “podendo proporcionar uma importante
descarga emocional”. Lowenfeld sublinha ainda que todo material artístico, bem
como a atividade respetiva só deve ser aplicada se for uma oportunidade para a
criança se expressar criativamente, consequentemente ser uma atividade
significativa.
Philippini (2009) relata, da sua experiência, que pessoas com alguma
insegurança com a pintura usam frequentemente a frase “não dá para controlar!”,
referindo-se à tinta quando escorre ou mancha. O estímulo à criatividade é proposto
por essa dita ‘falta de controlo’, sugerindo uma postura de maior fluidez e
espontaneidade diante da atividade artística: “deixar fluir, deixar sair, escorrer,
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extravasar, transbordar, abrir mão do controle, não tentar controlar a forma…”. A


autora coloca que a pintura com manchas de tinta, despostas com liberdade, de
modo a deixar que o material se instale da maneira que calhar, auxilia o processo
criativo e ajuda pessoas mais rígidas a soltarem-se das amarras das próprias
censuras, conseguindo permissão interna para criar. Promove uma maior
flexibilidade, essencial para a criatividade. Da mesma forma, exercita a capacidade
de atenção, da observação com sintonia fina, percebendo sutilezas.
Pintar livremente, sem a obrigatoriedade do uso de técnicas, pode trazer ao
indivíduo sentimentos de gratificação, e a percepção da sua capacidade criativa.
Contudo, para pessoas com dificuldade de “criar a partir do nada”, em que o suporte
(tela, papel ou outros) em branco é ansiogénico, a aplicação de recursos criativos
definidos pode ser tranquilizador. O ‘decalquemania’, por exemplo, é uma técnica
projetiva, inspirada no processo de diagnóstico psicológico de Rorschach. Criam-se
imagens sobre manchas de tinta de várias cores. Pode-se fazer de maneira abstrata
ou figurativa. Trabalha aspetos técnicos de equilíbrio, composição, forma e
harmonia. Curiosamente, ao mesmo tempo que oferece segurança, nesta técnica
trabalha-se com a imprevisibilidade da forma.
A gestualidade com a tinta óleo é mais rígida, sugere o uso de detalhes e
requer o mínimo de técnica apropriada. As outras tintas à base d’água possibilitam o
uso mais livre e não solicitam habilidade em especial, apenas que a pessoa se sinta
à vontade com a atividade da pintura e o respetivo material. Os bastões de pastéis
facilitam uma pintura com mais controle, principalmente o pastel a óleo. O pastel
seco é mais suave, conseguindo-se maior variedade em nuances de cor, ao se
produzir sombreados, por exemplo. Já o pastel a óleo permite a pintura com cores
em tonalidades de intensa profundidade, bem como a exploração deliberada de
texturas. Normalmente são aplicados em papel e não é preciso esperar a secagem
como nas tintas, o que torna a sua execução em Arte-Terapia mais prática e fácil.
A cor é uma característica que se sobressai na pintura. Normalmente
desenvolve-se uma relação com as cores, tal como a pessoa se relaciona com o
material em si. A cor é associada às emoções e à sensibilidade. É símbolo de
diversos estados de espírito, assim como sinaliza objetos e coisas.
74

A exploração das cores é feita de diversas formas, sob variadas maneiras,


técnicas e recursos. Entretanto, de acordo com Lowenfeld (1970), é importante se
pensar no estágio de desenvolvimento psicológico do indivíduo, condicionando o seu
uso. Até aos sete anos deve ser estimulado a livre experimentação da cor, sem
grandes associações uma vez que a criança ainda não atribui significado específico
às cores. Uma figura humana pode ser pintada de qualquer cor, bem como os
objetos. É de se referir que tal característica é observada também nos
esquizofrênicos.
Em seguida vem a fase em que a criança começa a caracterizar os objetos e
as pessoas através da cor, tal como “a saia azul da mamã”; “o cabelo amarelo do
amigo”; “a ambulância vermelha”; “a cor do clube de futebol”. Posteriormente então,
a criança faz associações significativas às cores, mediante sua cultura ou vivência
interiorizada, dando-lhe uma qualidade, como “o vermelho que é forte”; “o preto que
é sombrio ou terrível”; “o amarelo que é alegre” (Lowenfeld, p. 234).

Colagem

Características gerais
A colagem é uma técnica muito simples que se traduz em recortar e colar.
Pode ser vista como uma técnica “escolar”. Apesar de ter sido aplicada em obras de
grandes artistas modernos, a sua produção é tão fácil quanto a de um trabalho dos
primeiros anos da escola. Requer materiais simples: apenas uma tesoura, cola
simples, um suporte como o papel, revistas ou jornais. Entretanto uma colagem
pode ser feita com muitos outros recursos e materiais, e tornar-se um objeto artístico
muito bem elaborado.
Matisse é um dos artistas que citamos, como exemplo da arte moderna, que
fez uso de colagens. Néret (2004) comenta que o álbum Jazz de Matisse, publicado
em 1947, surgiu dos trabalhos de colagem do artista. Ele recorria a papéis
previamente pintados a guache que assim recortava a seu gosto. Matisse assim
resolve ao mesmo tempo “problemas de forma e espaço, de contorno e de cor, de
estrutura e de orquestração que sempre tentou conciliar”. O autor comenta que era
75

como se Matisse desenhasse com a tesoura, tal era a naturalidade com que as
composições surgiam.
A colagem constitui-se numa alternativa à rejeição de desenhar. Ao partir de
figuras concretas serve como um campo de projeção e identificação. Torna-se,
portanto, num veículo de expressão muito motivador para a criação.

Variantes
Colagem de imagens de revistas e jornais. Colagem de tecidos, plásticos,
papéis de diversos tipos, azulejos, objetos diversos mediante um tema, missangas e
adornos diversos. Colagem em vários suportes, como cartolina, tela, caixas, vidro,
placas de madeira.
Técnicas de colagem: Composição com imagens; Composição com letras e
palavras; Estruturação de formas obtidas através da composição por figuras,
imagens e texturas; Colagem com papel colorido recortado com as mãos;
Composição de vitrais com colagem de celofane; Colagem de alimentos como
massa, leguminosas, rebuçados; etc.

Aplicações (populações/necessidades)
Pessoas de todas as idades, com capacidade motora para utilizarem uma
tesoura. Em outros casos pode-se oferecer imagens e figuras já recortadas, ou a
técnica de recortar o papel com as mãos. Adultos resistentes ao desenho e à
pintura.

Potencialidades simbólicas
Recortar e colar tem uma simbologia direta de reparação, no sentido em que
é possível recriar algo perdido do passado, ou fatores internos de si mesmo. A
colagem e a construção de uma nova forma através de pedaços de determinados
materiais (papel, pano, plástico, etc.), sugere a coesão e organização de aspetos
fragmentados do Self.
Carvalho (2008) coloca que “o rasgar pode simbolicamente representar atos
prévios de destruição subjetiva, podendo tal ser fonte de satisfação ou de angústia”.
A satisfação é obtida pela possibilidade de liberar a agressividade contida, num ato
76

de liberdade catártica. A ansiedade, segundo Carvalho, surge por receios primitivos,


pelo medo de punição por ter destruído algo (por ter sido mau, e ter feito uma coisa
não permitida), por ter justamente colocado a sua agressividade em evidência,
simbolicamente atacado o objeto interno, ou ter demonstrado algum desejo de
destruição. “Rasgar e colar podem ser equivalentes e pôr em ação as funções
discriminativas e de síntese do Eu”, sublinha Carvalho. Dessa maneira, havendo a
possibilidade de reparar o que foi destruído. Transformar e dar novo significado ao
que se perdeu ou foi danificado.
No trabalho de criação de vitrais, por exemplo, há também tais aspetos de
ansiedade e tranquilização. Os cortes feitos preferencialmente com x-atos podem
ser angustiantes, sendo aliviados pelo preenchimento dos espaços, com cores,
numa atitude simbólica de preenchimento de vazios do Eu. A própria luminosidade e
beleza trazida pelos vitrais são aliviantes do processo de incisão. A transparência
dos pedaços de cor, feitos de celofane, traduz a transparência de si mesmo, ou,
sugerem poder ver mais além do concreto e do real. Adquirir outra visão de
determinada coisa; “ver com outros olhos”; ver a vida com cores diferentes das
atuais. Na Idade Média, quando os vitrais foram criados, tinham a função de criar um
ambiente “divino” nas igrejas favorecendo a liturgia religiosa. Promoviam uma
sensação de magia e de transcendentalismo que contrastava com as maciças
estruturas das catedrais. Criar um vitral pode ser sentido como esculpir uma
estrutura forte e robusta, que será preenchida, e que suportará cores: na sua leveza
e na sua densidade.
O método de rasgar o papel com as mãos, sem o uso de tesouras, remete a
sentimentos de liberdade criativa, enquanto a tesoura sugere controlo na formulação
de imagens ou na captação de figuras. A colagem trabalha com o sentido do
concreto e do material. Define formas; utiliza objetos; dá nova hipótese a situações.
Assim apela ao momento atual ou ao dito ‘aqui e agora’. Facilita ao indivíduo uma
reflexão pelo real, deixando objetivos e conscientes aspetos do Si Mesmo.
A composição com alimentos é simbólica do alimento interno. Alimento
“espiritual” que falta no momento, ou faltou um dia: reparação de carências e vazios
internos. Assim como a hipótese da falta de alimento verdadeiro que careceu em
77

alguma fase da vida, trazendo a tristeza da fome e as fragilidades corporais. Pode


então significar a reconfiguração de fases de intenso sofrimento e sacrifício.

Potencialidades criativas
A colagem trabalha aspetos plásticos de forma, estrutura, e harmonia. Ainda
ajuda a percepção do espaço, do plano e mesmo do volume, traduzindo-se num
exercício de composição. As cores também podem ser evidenciadas com alguns
tipos de materiais, como o celofane, tecidos ou pedaços de vários tipos de papel a
cores.
É possível fazer a colagem com figuras diversas dispostas no suporte,
representando determinadas coisas ou situações que a pessoa queira expressar.
Também, existe a técnica de se construir uma imagem ou cenário através da fixação
de pedaços de revistas ou outros meios de papel, como jornais, brochuras, cartões,
para que se possa construir um todo. Isso torna a colagem diferente do tradicional
de se colar imagens soltas que não se conjugam entre si.
A colagem é uma técnica fácil e despojada. Facilita o processo criativo e
incentiva a pessoa para a construção, num jogo de composição plástica que pode
ser muito gratificante. Philippini (2009) evidencia que “a colagem propicia
composições simbólicas complexas, com pouca dificuldade operacional, e permite
várias possibilidades de desdobramento para o processo arteterapêutico” . Além de
tudo, a colagem é um recurso de baixo custo, que pode usufruir de materiais
reciclados ou “sucata”.

Modelagem em barro

Características gerais
A modelagem é uma técnica que utiliza materiais pastosos: o barro, a
plasticina, a massa sintética, massa de papel marche, etc. Focalizamo-nos no barro
por ser o material mais utilizado pelos pacientes em termos de modelagem, na
nossa prática arte-terapêutica. Além disso, o barro é o material para a modelagem
com potencialidades singulares, que pretendemos ressaltar.
78

Cercado por conotações simbólicas, o barro e sua modelagem, além de


favorecer um processo artístico rico em experiências estéticas e criativas, promove
amplas formas de diálogo entre quem o manuseia e seus sentimentos, levando a
pessoa a deparar-se com suas emoções concretizadas em imagens tridimensionais.
É um material natural, que através da sua modelagem, estimula o sistema sensorial,
estimulando a sensibilidade do toque. Ao levar o toque das mãos à massa,
perceções de temperatura, peso, volume, textura e consistência são adquiridas.
Numa linguagem silenciosa, o barro responde a cada toque, reagindo a cada gesto,
na criação que se inicia a partir da matéria amorfa. O desenvolvimento deste ato
leva a inúmeros movimentos: amassar, bater, esticar, cortar, unir, dobrar, amolecer,
acarinhar, alisar… É através da sobreposição dessas etapas que as imagens
internas ganham forma.
O barro transcende sua capacidade expressiva. É matéria viva, de “espírito”
próprio. O barro respira, transpira, exala odores, possui cores diversas. Manifesta
virtudes, fragilidades, características que vão despontando durante a sucessão das
etapas de criação. Gouvêa (1989) enaltece o barro ao afirmar as suas qualidades:
“Mais do que qualquer objeto da natureza, o barro é “vivo”, eficaz, alegre, nodoso,
tenso, espiritual, melancólico, diabólico, plácido, vibrante, assustador, terrível,
malicioso, sensual”.
Na promoção da catarse, o contato corporal com a matéria favorece o alívio
de tensões acumuladas internamente que necessitam de um canal de descarga. A
criação pela modelagem do barro produz uma imagem cheia de vivacidade sugerida
pela tridimensionalidade da forma que alimenta a fantasia tornando-a mais próxima
e real. A imagem do sentimento é sentida nas próprias mãos. Segundo Gouvêa, a
imagem gerada pelo barro revela e esconde: “Do encontro com o barro despontará
um ego concreto que será, antes de tudo, fruto de um desejo liberado do indivíduo”.
É o revelador e é o esconderijo, não no sentido de segredo, mas no sentido de
armazém, base ou apoio. Guarda o que há de individual no ser.
79

Variantes
Modelagem do barro só com as mãos, com uso de instrumentos definidores
de formas, construção de placas, construção de figuras geométricas e utensílios,
etc. Produção de cerâmica.

Aplicações (populações/necessidades)
Aplica-se a várias populações: crianças, pacientes psicóticos, famílias e
idosos. Em crianças com perturbações da aprendizagem e perturbações do
comportamento é particularmente indicado. Para jovens marginalizados, ou idosos
institucionalizados, a execução de coisas “úteis” significa reconhecimento de
capacidades pessoais. A produção de cerâmica pode fornecer-lhes competências
artísticas.
Em grupos ou individualmente, com abordagem diretiva e temática, favorece
a participação ativa do(s) paciente(s) integrando conceitos cognitivo-
comportamentais, da educação artística e de psicopedagogia.
A motricidade fina pode ser estimulada com a modelagem do barro,
entretanto não é aconselhado para pessoas com essa capacidade extremamente
comprometida.

Potencialidades simbólicas
O barro, desde os tempos pré-históricos é suporte da criatividade humana.
Materializa sua imaginação e sensibilidade, representando modos de ver, sentir e
estar em seu mundo. Bachelard (1991) na sua filosofia da ‘matéria terrestre’ reflete
sobre esse elemento ao longo do tempo:
Viver lentamente, envelhecer suavemente, eis a lei temporal dos objetos da
terra, da matéria terrestre. A imaginação terrestre vive esse tempo enterrado.
Poderíamos segui-lo, esse tempo de lenta e notória intimidade, desde a massa fluida
até a massa espessa, até a massa que, solidificada, guarda todo o seu passado.
O elemento terra é associado a símbolos de passividade, paciência, coesão e
coerência (Chevalier & Greenbrant, 1982: 642). É matéria primordial: “…da terra
viemos e para ela retornamos”. E este retorno, o reencontro com a mãe-terra é
metáfora para um senso de realidade que facilita a tomada de consciência dos
80

conteúdos internos e sua organização. Identificada com a mãe, a terra é símbolo de


fecundidade e regeneração. Na maior parte dos mitos, a terra simboliza o ponto de
partida e a chegada do corpo enquanto matéria. Da mesma maneira é a “mãe
alimentadora”, de onde é possível contar com o suprimento das necessidades vitais
de alimentação: Trabalhar com terra, arar, semear e colher. A terra favorece
imagens de refúgios confortáveis: a casa, o ventre, a gruta. Imagens de
profundidade alusivas aos encontros com o Eu interior. Proporciona sensações de
acolhimento, de ninho e de colo de mãe.
No I Ching (1988), o elemento terra é representada por “K’un - O Receptivo”.
O signo é composto por linhas “Yin”, femininas, que representam a docilidade. O
Receptivo é sombra e ternura. “K’un” é a força passiva, perseverante, também
procriativa e fecunda. A terra opõe-se simbolicamente ao céu (princípio passivo que
se opõe ao ativo). Ela sustenta enquanto o céu cobre.
Na modelagem do barro encontram-se presentes os quatro elementos
naturais considerados primários e sagrados. A água funde-se à terra, dissolvendo-a
para que se transforme em massa, “conforme a água abranda a terra ou a terra
confere à água a sua consistência” (Bachelard, p. 61). A massa ganha forma através
do calor das mãos. É o elemento fogo unindo-se ao elemento terra. O fogo interno
dá vida e sentido às imagens geradas no barro, “o fogo que queima, também passa
a iluminar” (Gouvêa, p. 72). Os caminhos inconscientes direcionam-se à realidade,
rumo à consciência criativa. O ar solidifica e fortalece, oferecendo vida ao ser que
precisa respirar. Assim, a matéria terrestre simboliza o ser na sua totalidade: “Tudo
me é massa, eu sou massa em mim mesmo, meu devir é minha própria matéria,
minha própria matéria é ação e paixão, sou verdadeiramente uma massa primordial”
(Bachelard, p. 65).
A atividade de modelagem em barro assemelha-se à brincadeira. Quando
uma criança brinca, cria símbolos. O barro é um símbolo de coesão e de unificação
do Eu, e da mesma maneira o movimento de criação no setting arte-terapêutico
favorece a execução de símbolos preenchedores do vazio interno. Patrícia Bernardo
(2008), uma arte-terapeuta junguiana de São Paulo, refere que o contato com o
barro proporciona “o estreitamento de laços com a sabedoria da nossa psique, com
81

o solo arquetípico de onde a nossa consciência retira o seu alimento, em forma de


energia psíquica, para a sua constituição e ampliação”.
Finalmente, a queima da peça de barro é uma possibilidade, igualmente
repleta de simbolismo, tal como as outras etapas. Se houver um forno próprio para
cerâmica, o processo é delicado e bastante técnico, em que na sua execução lida-se
com o sentido de fragilidade e submissão às “vontades da matéria”. O barro mal
trabalhado pode rachar e até se romper dentro do forno. Deve ser bem amassado
para evitar bolhas de ar, e Pain e Jarreau (1996) alertam para o cuidado que se
deve ter levando em conta a angústia gerada em alguns indivíduos no ato de
esvaziamento de um corpo ou de uma cabeça modelada, sendo o esvaziamento um
procedimento próprio para a queima. “Nesse procedimento, em caso de conflitos
será melhor evitar a parte queima”. Da mesma maneira, a perda de uma peça no
processo de queima pode representar frustração, como a perda de algo pessoal
precioso, ou fragmentação do Eu. Portanto, cabe ao arte-terapeuta perceber se é
conveniente oferecer a queima da peça ao paciente. Vai depender da capacidade de
aceitação de uma possível perda. Entretanto, ainda há possibilidades criativas e
reparadoras de se criar sobre a peça partida transformando-a numa nova forma,
através do uso de lixas ou tintas. Obtém-se um sentido onde nada se perde e tudo
se transforma. Havendo uma queima feliz, o resultado é de um “troféu”; de ter a sua
criação perpetualizada.
Gouvêa, psicoterapeuta de cariz junguiano, mostra que o forno necessário
para a execução da peça em cerâmica pode ser simbolizado pelo setting
terapêutico: “O forno é tudo o que o envolve no setting analítico, é o próprio
consultório em toda sua extensão humana e concreta”. Da mesma forma, o fogo
interno do paciente leva-o à transformação; “tem-se de arder na emoção até que
esmoreça o fogo”. Representa-se portanto a dor psíquica e o sofrimento que se
apresenta no processo terapêutico, muitas vezes inevitável, por isso faz-se
necessário sentir a segurança de um “colo” contentor onde o paciente possa
depositar os pedaços incandescentes de si mesmo. Seja o colo da matéria ou do
arte-terapeuta.
82

Potencialidades criativas
Ao se utilizar o barro no setting arte-terapêutico, o paciente depara-se com
sensações regressivas, como se estivesse a brincar, com movimentos infantilizados
de bater, amassar, fazer “rolinhos”, etc. O arte-terapeuta adota uma posição de
contenção e empatia, para que o paciente se sinta seguro a aceder o seu imaginário
e “brincar” com o material. A sensação de brincar é essencialmente promovida em
Arte-Terapia: “É no brincar que o indivíduo pode ser criativo e utilizar sua
personalidade integral, e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o Eu
(Winnicott, 1975: 80). A ativação do ‘espaço potencial’, o espaço entre o ‘eu’ e o
‘não-eu’, entre a realidade interna e externa, dá lugar à fantasia, à criação e ao
sonho. É uma área de encontro que só se estabelece através da confiança
estimulando a capacidade lúdica: “A separação é evitada pelo preenchimento do
espaço potencial com o brincar criativo e com o uso de símbolos…”.
Com o barro é possível promover o desenvolvimento de competências
criativas e artísticas, onde a modelagem e a atividade da cerâmica se tornam
estimulantes quando se passa pelas diversas fases de criação (modelagem,
secagem, pintura, queima, acabamentos, etc). A aprendizagem de técnicas
adequadas e específicas da confeção da cerâmica enriquece o processo criativo e
terapêutico.
Amassar livremente um punhado de barro favorece a percepção de várias
sensações. O primeiro contato com a massa já introduz uma série de conhecimentos
e possibilidades de sua manipulação. As sensações de temperatura, textura e peso
e suas progressivas mudanças dão a ideia inicial de suas características. No início
da atividade de modelagem com o barro é sugerido a execução de formas puras e
geométricas, esferas, cilindros, quadrados, etc. É positivo utilizar a quantidade que
couber nas mãos, simbolizando o quanto de si e do mundo pode ser apreendido.
Pain e Jarreau (1996) dizem que “a relação do sujeito com a forma a ser dada ao
barro deve ser mais sensorial que intelectual”. Além de ser um ponto de partida para
diversas imagens, a exploração de formas simples e básicas sugere o relaxamento
sensorial, e nesse momento o arte-terapeuta pode perceber as capacidades
psicomotoras do paciente.
83

A criatividade no manuseamento da matéria amorfa é estimulada pelo


sentido plástico do barro e as suas potencialidades de manuseamento e
modelagem. Os instrumentos de apoio técnico são apresentados a fim de
incrementar a criação. Existem espátulas e diversas ferramentas apropriadas para a
modelagem no barro, mas com criatividade tudo pode ajudar a execução: palitos,
colheres, objetos diversos pontiagudos e que servem para desbastar a massa,
podem ser utilizados. A construção de objetos simples, semelhantes a utensílios
domésticos, como cestas, cinzeiros e pratos pode ser um bom início. É natural o
interesse em representar formas concretas e conhecidas, antes de passar para a
modelagem mais arrojada e espontânea. Outro tipo de modelagem que inspira
segurança é o trabalho feito com placas de barro. Sobre a superfície bidimensional
adicionam-se outras formas ou desenha-se com ferramentas como se fosse um
quadro.
Apesar do barro sugerir principalmente formas tridimensionais, este
desenvolvimento espacial pode não ser imediato. Até conquistar mais segurança
nas representações torna-se mais fácil começar fazendo “cobrinhas” sobre a
superfície de trabalho, tiras e figuras planas e simples. Estes podem ser fruto de um
trabalho criativo sendo decorados posteriormente, ou adicionados em construções
plásticas. Aos poucos, estimula-se para uma criação mais elaborada: personagens,
animais, figuras fantásticas, ou simplesmente encaminha-se para a criação com
modelagem livre.
Um atelier de cerâmica é interessante em Arte-Terapia. Picasso em sua
olaria, transcendeu a sua imaginação criativa deu vida, como num processo de
transmutação, a vasos, jarros e pratos comuns (Walther, 2003: 76-77). O exemplo é
exigente, mas é a demonstração das possibilidades criativas através do barro.
Mesmo a decoração com a pintura, a aplicação de texturas ou a esmaltagem,
valoriza e embeleza a peça proporcionando o sentimento de realização e utilidade.
A criação através do barro pode integrar vários outros recursos técnicos:
pintura, desenho, colagens, jogos dramáticos, marionetas, tabuleiros de areia,
expressão corporal, música, escrita livre, histórias, etc. A integração deixa o trabalho
com o barro, bem como o processo de elaboração terapêutica, mais rico,
principalmente com pacientes com dificuldades iniciais na modelagem. A expressão
84

elaborada da criação pode acabar por ser desenvolvida através de outro recurso, e a
peça “mal feita” é valorizada sendo integrada a outro mediador.
85

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